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133 MONTEIRO, R. H. e ROCHA, C. (Orgs.). Anais do V Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual Goiânia-GO: UFG, FAV, 2012 ISSN 2316-6479 A CULTURA VISUAL E AS IMAGENS: CONTRIBUIÇÕES A UMA PESQUISA Kárita Garcia [email protected] PPG Arte e Cultura Visual – FAV/UFG Rita Andrade [email protected] Historia Social (PUC/SP) – FAV/UFG Resumo O presente artigo 1 visa estabelecer relações entre as propostas da Cultura Visual e a dissertação em desenvolvimento, “A constituição de acervos de figurino por grupos teatrais de Goiânia”, que tem como objetivo compreender o processo de formação, dentre grupos de teatro, de espaços dedicados à conservação de trajes cênicos na capital goiana. Discute-se como este campo recente campo de estudos vem contribuindo no uso de imagens no decorrer da investigação. Palavras-chave: figurino teatral – acervos – cultura visual – imagens Abstract The present article tries to stablish possibles relations between the Visual Culture proposals and the research in develop: “The constitution of costumes collections by theater groups from Goiânia, GO, Brazil”. The discussion is about how this recent study area contributes in the use of images in the investigation. The research intends to comprehend the construction process of spaces that are dedicated to the scenic costumes conservation in Goiânia. Keywords: theatral costumes – collections – visual culture – images Figurino teatral como visualidade O figurino é um dos elementos que compõem o espetáculo teatral. Em conjunto com a iluminação, a cenografia, a sonoplastia e o espaço cênico, bem como a performance dos atores e suas expressões corporais e linguísticas, sentido à cena por meio de significados visualmente construídos. Compreendido como uma seleção e combinação de objetos a serem vestidos ou calçados, o traje de cena se constitui sobre um suporte, geralmente, um corpo. Somados, corpo e traje apresentam e representam novas imagems e, assim, o corpo vestido pode conter múltiplos sentidos. As escolhas pelos trajes, expressas em cores, texturas, modelagens, matérias-primas, estampas, articulações e caimentos, revelam opções religiosas, estéticas, psicológicas, políticas, etc., do personagem que a veste. Da mesma forma, manifestam ainda 1 O artigo resulta da proposta avaliativa da disciplina “Estudos dirigidos em arte, cultura e visualidades”, oferecida pelo Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual, da FAV/UFG. Ministrada pela profª. Drª. Rita Andrade no segundo semestre de 2011, solicitou-se a apresentação de um texto que discutisse como a disciplina modificou a concepção da investigação individual em desenvolvimento no mestrado.

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6479A CULTURA VISUAL E AS IMAGENS: CONTRIBUIÇÕES A UMA PESQUISA

Kárita [email protected]

PPG Arte e Cultura Visual – FAV/UFG

rita [email protected]

Historia Social (PUC/SP) – FAV/UFG

Resumoo presente artigo1 visa estabelecer relações entre as propostas da cultura Visual e a dissertação em desenvolvimento, “A constituição de acervos de figurino por grupos teatrais de Goiânia”, que tem como objetivo compreender o processo de formação, dentre grupos de teatro, de espaços dedicados à conservação de trajes cênicos na capital goiana. Discute-se como este campo recente campo de estudos vem contribuindo no uso de imagens no decorrer da investigação. Palavras-chave: figurino teatral – acervos – cultura visual – imagens

Abstractthe present article tries to stablish possibles relations between the Visual culture proposals and the research in develop: “the constitution of costumes collections by theater groups from Goiânia, GO, Brazil”. The discussion is about how this recent study area contributes in the use of images in the investigation. the research intends to comprehend the construction process of spaces that are dedicated to the scenic costumes conservation in Goiânia.Keywords: theatral costumes – collections – visual culture – images

Figurino teatral como visualidade

O figurino é um dos elementos que compõem o espetáculo teatral. Em conjunto com a iluminação, a cenografia, a sonoplastia e o espaço cênico, bem como a performance dos atores e suas expressões corporais e linguísticas, dá sentido à cena por meio de significados visualmente construídos.

compreendido como uma seleção e combinação de objetos a serem vestidos ou calçados, o traje de cena se constitui sobre um suporte, geralmente, um corpo. Somados, corpo e traje apresentam e representam novas imagems e, assim, o corpo vestido pode conter múltiplos sentidos. as escolhas pelos trajes, expressas em cores, texturas, modelagens, matérias-primas, estampas, articulações e caimentos, revelam opções religiosas, estéticas, psicológicas, políticas, etc., do personagem que a veste. Da mesma forma, manifestam ainda

1 O artigo resulta da proposta avaliativa da disciplina “Estudos dirigidos em arte, cultura e visualidades”, oferecida pelo Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual, da FAV/UFG. Ministrada pela profª. Drª. Rita Andrade no segundo semestre de 2011, solicitou-se a apresentação de um texto que discutisse como a disciplina modificou a concepção da investigação individual em desenvolvimento no mestrado.

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6479uma narrativa visualmente construída através da integração dos elementos da

cena e destes com o publico. Cabe aqui observar uma questão aparentemente óbvia que constitui uma

das bases de todo esse pensamento de (re)significação dos corpos: a confecção dos artefatos que compõem os figurinos – do processamento das matérias primas à sua transformação em bens de consumo – são construções sociais. Dessa forma, representam possibilidades e escolhas técnicas, estéticas, econômicas e funcionais da época de sua confecção. Essas escolhas podem ser observadas ou percebidas tomando-se, por exemplo, o próprio figurino como objeto de estudo. Lou taylor (2005), historiadora inglesa que se ocupou em analisar possibilidades teórico-metodologicas para o estudo do vestuário, demonstra que o estudo baseado em artefatos (inclusive a visualidade), a exemplo das roupas, pode trazer à luz questões relevantes sobre as sociedades nas quais circulam.

Vestindo-se, o indivíduo dá a seu corpo novos significados que irão perpassar os diálogos estabelecidos com o mundo e com os demais indivíduos. a veste também compõe o sujeito social. Miriam Mendonça (2005, p.45) entende que “o vestir intervém no processo de percepção do corpo, agregando às suas formas valores capazes de desvelar as janelas do espírito, ao estabelecer uma espécie de contaminação entre o exterior e o interior de cada um”. Atenta-se aqui ao fato de que “a aparência corporal presentifica certos pertencimentos e determinadas adesões” (CIDREIRA, 2010, p.242) podendo ser compreendida como “vetor expressivo e propiciador de relações identificatórias” (CIDREIRA, 2010, p.237).

São dessas propriedades do vestir que os espetáculos cênicos se apropriam ao criar suas vestimentas, mesmo nas propostas contemporâneas em que não se apresentam narrativas lineares ou em que personagens, tempo e espaço parecem “liquidificados”. O uso de trajes cênicos – ou mesmo a escolha de não utilizá-los – dá-se a partir da ideia de que o vestir oferece ao corpo significados distintos. Assim, contextualiza-se o figurino em um tempo-espaço da proposta do espetáculo trazendo elementos sensoriais que o espectador apreenda e, assim, possa interagir com a cena.

Refletindo acerca desse diálogo entre a concepção do figurino e o olhar do público, notamos a existência de uma variação na forma de se criar e compreender os trajes cênicos. observa-se que se por um lado os espetáculos artísticos gozam de certa liberdade interpretativa e podem reinventar a forma de olhar para uma situação ou objeto, por outro, os espectadores estão aptos a propor diversos significados às apresentações das quais participam. Este é um aspecto que parece inviabilizar uma tentativa de delimitar um sentido único ou atribuir uma espécie de léxico aos figurinos. Entretanto, apesar de não obedecer

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6479a um padrão universal, a construção de trajes cênicos possui algumas balizas

mais ou menos estabelecidas em função de um pensamento que ganhou maior evidência no decorrer da história do teatro2.

A realização de figurinos teatrais depende de diversos fatores. Para citar alguns deles: as propostas estéticas do diretor, o tipo físico dos atores e das personagens, as possibilidades que o teatro oferece tecnicamente, as relações de cores e texturas com o cenário e a iluminação, os recursos financeiros disponíveis, o espaço-tempo da narrativa apresentada, as características psicológicas das personagens, além de fatos imprevisíveis que podem vir a acontecer e exigir respostas rápidas do figurinista.

Destaca-se que o figurino é criado a partir de um conjunto de decisões pessoais e coletivas, sendo assim uma construção socio-cultural localizável em um tempo-espaço específico, seja por meio de sua visualidade ou materialidade. Constatamos ainda que a indumentária cênica fará parte de experiências visuais/sensoriais do público participante da montagem teatral, ficando suscetível a encontrar novos desdobramentos, visto a multiplicidade de sentidos que poderá assumir junto às variadas possibilidades de interpretações dos espectadores. Dessa forma, é possível concluir que o figurino representa uma produção visual (mas não só) compartilhada e realizada por indivíduos pertencentes a um determinado contexto. Sendo assim, pode ser compreendido como uma construção social dotada de sentidos sócio-históricos-culturais, constituindo-se como uma visualidade. Noção que converge, portanto, às compreensões da cultura visual ao notarmos que esta procura incluir num conceito comum as realidades visuais que afetam os sujeitos em seu cotidiano, se interessando por “todos os artefatos, tecnologias e instituições de representação visual” (DIAS, 2011, p.61).

no mesmo sentido, partindo do pressuposto de que “indivíduos de um mesmo grupo ou comunidade podem conviver com as mesmas imagens, mas cada um as vive e interpreta de maneira diferente, criando brechas e espaços de diversidade. (MARTINS, . 2006, p. 74) e acreditando nas afirmativas de Fernando Hernandez (2007) nas quais “a cultura visual, objetivando o desenvolvimento de uma visão mais crítica do mundo, leva em consideração a “relevância que as representações visuais e as práticas culturais tâm dado ao ‘olhar’ em termos das construções de sentido e das subjetividades no mundo contemporâneo” (Apud MARTINS, 2006, p.71), poderíamos refletir acerca da constituição de acervos de figurino por grupos teatrais goianos.

2 De acordo com Adriana Leite (2002), até o início do século XX os espetáculos eram pensados de forma vertical, sem necessariamente uma integração visual e semântica entre seus elementos. a partir desse período, passa-se a exigir uma formatação horizontal do espetáculo, na qual as variantes cênicas devem ser construídas em conjunto, conversando diretamente entre si e formando um todo mais homogêneo e verossímil ao espectador.

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6479A criação de um figurino traz consigo a questão do que fazer com esses

materiais após sua utilização nos espetáculos. Apesar da existência de algumas exceções, geralmente a confecção do traje cênico resulta em artefatos que terão vidas mais extensas do que a das montagens as quais farão parte. cabe, portanto, aos seus criadores decidir os rumos que esses objetos terão após cumprirem sua finalidade básica, a de caracterizar visualmente os atores da montagem teatral específica a qual se destinam. O figurino poderá ser armazenado, descartado, doado ou reutilizado de acordo com os interesses, necessidades e, por vezes, impossibilidades daquele grupo ou indivíduo por ele responsável. nota-se que no caso da armazenagem e da reutilização é imprescindível a organização de um espaço para sua permanência.

a conformação de um espaço diz muito dos sujeitos envolvidos no processo de construí-lo. No caso de um acervo de figurino, para além de um cenário de roupas penduradas em duros cabides ou mesmo guardadas em caixas de papelão, verificamos práticas cotidianas de manipulação dos trajes em que se estabelecem determinadas relações entre indivíduos e artefatos. notadamente, observamos relações afetivas que vão se constituindo muitas vezes vinculadas a memória, por um lado e, por outro, às necessidades práticas do dia-a-dia de um grupo de teatro. A conservação dos trajes – o seu reuso ou o seu descarte – demandam uma certa rotina de ações de preservar e indicam certas preocupações individuais ou coletivas em relação àqueles artefatos. Da mesma forma, as possibilidades e impossibilidades de algumas dessas práticas, resultantes, por exemplo, da falta de recursos humanos, físicos e financeiros, podem nos dizer de processos mais amplos aos quais as companhias teatrais devem responder. Assim, da análise dos acervos, poderemos refletir, por exemplo, sobre as políticas que gerenciam as dinâmicas da produção teatral num dado contexto cultural..

Enfim, nos acervos de figurino podemos localizar processos nos quais indivíduos e instituições podem expressar suas crenças, valores e conhecimentos, sendo possível reconhecer na constituição dessas coleções a produção e reprodução de regimes escópicos, práticas nas quais travam-se constantes disputas de poder transformando os sujeitos que as vivenciam.

A pesquisa e o uso das imagens

autores como W.J.t.Mitchell defendem a ideia de que vivemos na contemporaneidade uma troca de paradigmas na qual se repensam as experiências visuais como processos das relações humanas. Sobre esse

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6479processo, Mitchell apresentou, ainda na década de 1990, o termo pictorial turn

que posteriormente foi transformado em visual turn nas discussões propostas por Martin Jay (KnaUSS, 2006). Para além de nomenclaturas, os conceitos remetem ao momento de questionamentos da hierarquização nas produções humanas, expressas na supervalorização da escrita em detrimento de outras formas de expressão.

Neste contexto, a Cultura Visual surgiu e passou a refletir acerca das potências das imagens, ao compreendê-las como produções de múltiplos sentidos que não devem ser submissas ao texto. na condição de artefatos singulares com propriedades diferentes da linguagem falada ou escrita, as imagens não devem servir como ilustração do enunciado. ao contrário, precisam participar da construção do conhecimento revelando e viabilizando diferentes experiências e interpretações, trazendo à tona informações que, por vezes, não são reproduzíveis pelo discurso linguistico (DiaS, 2011; MeneSeS, 2003).

a cultura Visual preocupa-se com as relações estabelecidas com as imagens, não se restringindo às artísticas. Para os defensores do campo, reduzir o uso das imagens àquelas legitimadas como arte é menosprezar e diminuir todos os outros diversos tipos de produção visual dos homens, determinando assim uma noção parcial e pouco crítica do mundo e da sociedade. nesse sentido, a cultura Visual utiliza-se do conceito de visualidades, objetivando ampliar “as possibilidades de percepção” provindas de toda e qualquer produção imagética tendo em vista “conexões rizomáticas potencialmente abertas para uma diversidade de interpretações e aprendizagens” (MARTINS, 2010, p. 23). Afirma-se, portanto, o caráter político das as imagens, vistas como artefatos detentores de sentidos múltiplos capazes de propiciar uma visão mais pormenorizada do mundo, questionando e rompendo poderes hegemônicos.

Para o desenvolvimento da dissertação proposta, pressupõe-se que as imagens fazem parte da construção da pesquisa e da estruturação da mesma. Logo, assumem-se algumas possibilidades de uso e interpretação das imagens, tais como suas prováveis funções de descrever, testemunhar, rememorar, demonstrar, ilustrar ou documentar.

Imagens como fonte de pesquisa

Desde o primeiro momento, as imagens assumiram uma função extremamente importante no desenvolvimento da pesquisa por alargar a percepção sobre algumas questões que vem sendo estudadas ou discutidas no processo de investigação. a proximidade com registros visuais de produções

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6479cênicas goianas3 permitiu visualizar um pouco das propostas e atividades de

alguns grupos da cidade, bem como problematizar assuntos fundamentais na compreensão do traje cênico e da constituição de acervos de figurino. Por meio de inferências e questionamentos resultantes das análises das imagens, a pesquisa aos poucos ganha desdobramentos e, assim, avança.

Através, por exemplo, dos registros e da divulgação de diferentes espetáculos do Grupo nuescuro disponibilizados em seu blog4 é possível aprimorar o conhecimento sobre sua confecção de figurino. Constatada a quantidade de montagens estreadas e o volume de reapresentação desses espetáculos em diversas épocas e locais, presume-se que exista considerável número de trajes confeccionados e que a boa condição física destes deve ser mantida para possibilitar a reutilização durante várias temporadas.

Já ao observar as imagens disponibilizadas para download no site da cia. Quasar de Dança5 tornam-se mais evidentes as diferentes necessidades de concepção e confecção dos trajes de cena de acordo com a tipologia do espetáculo. notam-se nas imagens algumas exigências aparentemente muito próprias do campo da dança e traçam-se relações com a indumentária teatral, foco da pesquisa. Como exemplo, inferimos questões acerca das matérias-primas utilizadas na confecção desses trajes. observando na Figura 1 os dois corpos que ali aparecem, e que provavelmente se deslocavam em diferentes direções, pressupomos materiais flexíveis, que possibilitem as tensões e movimentações dos bailarinos. Além disso, sabendo que alguns tipos de adereços podem atrapalhar os movimentos ou mesmo causar danos físicos aos bailarinos, notamos a utilização de trajes lisos, isto é, livres de adornos, o que é uma indicação constante na criação de figurinos para a dança.

Contrapondo com aquilo que é mais comum do campo do teatro, perceberemos que nesta segunda tipologia de espetáculo, haverá uma liberdade muito maior no que concerne ao uso de adereços e materiais com estruturas mais diversificadas e a utilização de trajes lisos dependerá mais de questões estéticas do que propriamente de necessidades práticas do espetáculo.

3 neste artigo em especial, remetemos-nos, principalmente, ao levantamento de informações realizado virtualmente em sites e blogs de grupos teatrais goianos. etapa que constituiu um primeiro momento da pesquisa. entretanto, observa-se que a pesquisa está sendo desenvolvida a partir de aproximações com três cias. teatrais específicas, que acabam por disponibilizar outras imagens. as aproximações equivalem a realização de entrevistas individuais, registradas em áudio-visuais, e visitas aos espaços de trabalho dos grupos, registradas em fotografias.

4 Endereço eletrônico do blog do grupo NuEscuro: http://identidadenuescuro.blogspot.com/.

5 Endereço eletrônico da Cia. Quasar de Dança: http://www.quasarciadedanca.com.br/.

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Figura 1 – Foto do espetáculo da Cia. Quasar de Dança “Só tinha de ser com você”

disponível para download no site do grupo <http://www.quasarciadedanca.com.br/>.

entretanto, devido à contraposição de imagens distintas, podendo algumas delas residirem apenas na memória, encontram-se novas possibilidades. contesta-se, por exemplo, a imagem de movimentos leves e soltos da cia. Quasar de Dança com as propostas visualizadas no “Ballet Triádico” da Bauhaus, no qual se formulavam os movimentos a partir das possibilidades e impossibilidades físicas permitidas pela configuração das vestimentas. Nessa segunda figura, descobre-se uma ação inversa da crença mais aceita de que o figurino serve à atuação do ator ou bailarino. Verificando-se, portanto, e mais uma vez, que não existe uma unanimidade na produção de trajes cênicos, podendo estes adquirirem diferentes valores e funções no desenrolar de cada montagem, variando de acordo com as propostas delimitadas em cada circunstância.

Figura 2 – Foto do “Ballet Triádico” de Oskar Schlemmer, Bauhaus, 1922. Disponível no endereço eletrônico <http://www.arteduca.unb.br/galeria/mostra-bauhaus/ballet-triadico>.

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6479Também desses diálogos com as imagens, surge a problemática do uso de

referências visuais na criação dos figurinos. Como exemplo, temos o espetáculo “A História é uma Istória” do grupo goiano Bastet, no qual o figurino básico vestido pelos dois atores da peça é composto pelo simples conjunto calça e camiseta preta. no decorrer da narrativa, eles se utilizam de diversos objetos que já estão alocados no cenário equivalente a uma parede de caixas de papelão com suas bocas direcionadas para o público. os atores apropriam-se de visualidades cotidianas e estereótipos para esteticamente referenciarem sua narrativa, que não segue necessariamente uma ordem cronológica. As personagens não são fixas e se vê uma sobreposição de histórias em tempos e lugares distintos. Quando não estão com qualquer objeto cênico, os atores assumem a posição de narradores.

Figura 3 – Fotos de Layza Vasconcelos da montagem de “A história é uma istória” do grupo Bastet de Teatro.

Goiânia-Go, disponível no site do grupo http://www.grupobastet.com.br/.

No que concerne ao estudo de acervos de figurino, identificamos imagens que indicam a organização e conformação espacial de arquivos de diversos locais e com distintas condições e objetivos. Locais estes que provavelmente não se terá acesso no decorrer da pesquisa, mas que serão utilizados como referências na forma de tratar o figurino fora de cena. Assim, por meio dos registros visuais coletados de diferentes fontes, pensa-se e repensa-se o uso desses espaços, problematizando-os no contexto da produção teatral recente da cidade de Goiania. Observando as características do acervo de figurinos da emissora Rede Globo6, por exemplo, pretende-se investigar a existência de praticas semelhantes em Goiânia, cujo objetivo seja a salvaguarda de trajes ou ainda da possibilidade de outras formas de catalogação de artefatos e organização de coleções desse tipo.

6 A Rede Globo é a maior emissora de televisão do país e possui um acervo com mais de 10.000 peças de figurino proscedentes em grande parte da produção de suas telenovelas.

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6479em síntese, o confronto com as imagens, posiciona a pesquisa em meio

a temáticas que partem tanto da análise desses artefatos (imagens), quanto da compreensão de seus contextos específicos de produção e exibição. Isto significa observar o lugar em que o registro visual é realizado e exposto, bem como os sujeitos envolvidos nesses processos. Consequentemente, é preciso reparar nas nuances da imagem, ou seja, às indicações que nem sempre fazem parte da legenda da figura.

Figura 4 – Imagem do acervo da Rede Globo, disponível no endereço eletrônico <http://redeglobo.globo.com/novidades/direto-do-projac/noticia/2010/03/direto-do-projac-figurinos-sao-

organizados-por-epoca-no-acervo.html>.

cabe aqui um parêntese a respeito das possibilidades e limitações do uso de diferentes tipologias de imagens na pesquisa. Sobre isso, Lou taylor (2005) discute alguns pontos de vista que pretendemos considerar. interrogando, por exemplo, os materiais da vestimenta usada por um personagem retratado em um quadro, é possível afirmar que a imagem poderá indicar algo, porém, seria necessária uma investigação mais aprofundada para podermos garantir com maior certeza o material realmente empregado. Além disso, é preciso sempre ter em mente que as imagens são frutos de escolhas de seus sujeitos produtores. Em pinturas, fotografias e/ou filmagens, o recorte, as cores, as poses, a iluminação, etc., podem ser “forjados” de acordo com os interesses e desejos daqueles que as realizaram. Sendo assim, o investigador deve se atentar para a compreensão do contexto da imagem, além de se manter em estado de alerta para possíveis equívocos em seus pressupostos. De acordo com essa reflexão,

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6479utilizar a imagem de um acervo de figurino, assim como a de um espetáculo

teatral, como referência para a discussão da temática proposta, deve ser uma medida pormenorizada. Apesar de ficarem expostas algumas questões a respeito da organização do espaço, outras só serão solucionadas por meio do entrecruzamento de informações provindas de diferentes imagens, contato direto com os locais, conversas com as pessoas envolvidas em sua criação e manutenção ou através de descrições disponibilizadas em outros meios.

Por fim, compete fazermos uma última observação. No desenvolvimento da pesquisa surgiu o desafio de encontrar as imagens de acervos de grupos teatrais goianos. no geral, localizamos de forma majoritária registros de apresentações dos espetáculos ou de produções fotográficas realizadas exclusivamente para a divulgação destes, sendo raras as publicações ou os espaços virtuais que publicizam imagens dos acervos de grupos. Diante deste contexto, soma-se ainda a constatação de que é pequeno o número de publicações que estudaram sistematicamente a temática acervos de figurino no país e inexistente as pesquisas que focaram o assunto no contexto goiano. assim, a pesquisa propõe construir um referencial mínimo, dialogando com alguns grupos colaboradores que estão viabilizando o registro de seus espaços e trocando informações sobre ações e pretensões na constituição de seus acervos.

Conclusões não acabadas

Procurou-se neste artigo, estabelecer alguns pontos de convergência entre o trabalho em desenvolvimento da pesquisa sobre a natureza dos acervos de figurinos na cidade de goiania e as propostas que norteiam a Cultura Visual, campo que dá nome ao Programa de Pós-Graduação em que a pesquisa se desenvolve. ao indagarmos de que forma a cultura Visual poderá ser efetivamente aplicada ao processo de investigação da pesquisa, enfrenta-se um desafio importante para o estudo de vestuário, neste caso especifico, do figurino, no campo das visualidades. aqui, tentamos apresentar aquela que será possivelmente uma das grandes contribuições da cultura Visual à dissertação: o uso consciente e crítico das imagens.

Das produções visuais utilizadas como fontes de pesquisa advindas de livros, páginas da internet, materiais impressos, dentre outros, é provável que algumas sejam empregadas no corpo do trabalho dissertativo final. Da análise e contraposição destas distintas imagens, tópicos de discussão acerca da constituição de acervos de figurino são ressaltados e, por meio do entrecruzamento de informações advindas de variadas fontes, inferimos e discorremos sobre a

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6479temática proposta. Sem escolhas prévias, pressupõe-se que o trato com esses

registros visuais partirá de uma compreensão e atenção fundamental acerca de seu contexto de realização, atentando-se, tal qual taylor (2005) orienta, para as escolhas técnicas e estilísticas, bem como para as intencionalidades perceptíveis em sua produção. espera-se, portanto, o uso das imagens, de forma a dar sentido à temática explorada, analisando-as e explicitando suas escolhas, desvelando problemáticas que nos ajudem a compreender a construção de espaços de salvaguarda de trajes cênicos na capital goiana.

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Minicurrículos

Kárita Garcia Soares é bacharel em Design de Moda pela Universidade Federal de Goiás, trabalha como figurinista e atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arte e cultura Visual da Faculdade de artes Visuais, Universidade Federal de Goiás.

Rita Andrade é doutora em História Social pela PUC/SP, mestre em History of Textiles and Dress – University of Southampton/Reino Unido, especializada em Museologia pelo Instituto de Museologia de São Paulo - FESP e graduada em Moda pela Universidade Anhembi Morumbi/SP. atualmente atua como professora no curso de Design de Moda e no PPG em arte e cultura Visual (FAV/UFG).