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" A Organização e o Funcionamento dos Discursos Estudos sobre o Português TOMO III Joaquim Fonseca (Org.) Alexandra Guedes Pinto Carla Aurélia de Almeida Rui Ramos TM PDF Editor

O Fruto Proibido_ Discurso, Interdicurso, Argumentação

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Capitulo de livro em que é realizada analise de texto jornalistico português a partir da utilização da AD (Analise do Discurso).

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  • "A Organizao e oFuncionamento dosDiscursosEstudos sobre o PortugusTOMO III

    Joaquim Fonseca (Org.)Alexandra Guedes PintoCarla Aurlia de AlmeidaRui Ramos

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  • \Ttulo: A ORGANIZAO E O FUNCIONAMENTO DOS DISCURSOSEstudos sobre o Portugus Tomo III

    Autores: Joaquim Fonseca (Org.), Alexandra Guedes Pinto,Carla Aurlia de Almeida e Rui Ramos

    Design grfico: Quatro Cores DesgnEditor: Porto Editora

    PORTO EDITORA, LDA. -1998Rua da Restaurao, 3654099 PORTO CODEX - PORTUGAL

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    FEV/1998 ISBN 972-0-40120-6

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    -_ .....

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  • dor. (5) Se a ingenuidade beata e despolitizada das novas mitolo-gias - em que Cavaco aparece ao lado do treinador Carlos Quei-rs, ambos como heris do dia - indiscutivelmente irritante,como no entender nessas manifestaes, desde a final do Mun-dial de Jniores Fonte Luminosa laranja, os sinais de um cortecom a fixao neurastnica, derrotista e fatalista da condio por-tuguesa?

    G (1) Contra o que pretende uma certa cultura arqueolgica daesquerda, irremediavelmente cabisbaixa e incuravelmente nos-tlgica dos amanhs que no chegaram a cantar, o sucesso no um valor redutvel lei da selva do egosmo capitalista ou aocinismo yuppie em voga na dcada de 80. (2) O gosto da afir-mao individual, a competio no terreno do mrito, da com-petncia e da criatividade, o sentido do risco e a recusa damediocratizao social no so contraditrios com a compaixo, aentreajuda e a solidariedade. (3) Antes, pelo contrrio. (4) O quedecididamente no h lugar para a solidariedade numa socie-dade de frustrados.

    In Pblico Fim de Semana sexta-feira, 11 de Outubro 1991

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    o Fruto Proibido:discurso, interdiscurso,~rguD1entao I

    Alexandra Guedes Pinto

    1. No presente estudo propomo-nos apresentar uma anlise dotexto O Fruto Proibido, um editorial assinado por Vicente Jorge Silvainserido no jornal Pblico de 2 de Junho de 1994, sendo nosso objec-tivo com esta anlise o destaque dos principais mecanismos de coesoe coerncia actuantes no texto aos nveis micro e macroestruturais, aidentificao dos seus eixos semnticos estruturantes, bem como dosprincipais traos da sua configurao ilocutria, perlocutria e argumen-tatva.'

    2. Comearemos por lembrar que qualquer texto possui uma dimen-so pragmtica bsica ditada pela inscrio numa situao de enuncia-o determinada que importa descrever, na medida em que esta actuacomo factor condicionante do texto e fonte implcita de significao domesmo.

    Por referncia s coordenadas enunciativas EU-TU/ AQUI/ AGORAdo discurso se institui todo um quadro pressuposicional ou quadro dereferncia que embora no sendo verbalizado, nunca o podendo serexaustivamente, viabiliza a prpria comunicao com o texto e funcionacomo factor de amplificao do universo referenciado por este.

    Assim, identificamos no lugar do EU, um conhecido jornalista, "entedo mundo" cujas qualidades e formao ideolgica e profissional, doconhecimento da "enciclopdia" dos alocutrios, abrem imediatamente

    11 O texto em anlise aparece reproduzido no Anexo A. No Anexo B transcrevemos omesmo texto, identificando os pargrafos e os enunciados em que o dividimos paraefeitos de tratamento.

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  • expectativas quanto sua actuao como "ente do discurso'". Insere-seele mesmo num quadro institucional que dilata logo partida o hori-zonte de expectativas dos alocutrios: o jornal dirio por ele dirigido erepresentado - o Pblico - construiu uma imagem de competncia eseriedade que lhe grangeou um pblico leitor vasto e de formao ideo-lgica variada.

    Delineia-se, assim, a prpria imagem do TU, elemento tambm fun-damental na cadeia de relaes que determinam o texto. Dado que olocutor no constri o seu discurso divorciado da imagem que convocado seu alocutrio, dado mesmo que no o constri independentementeda imagem que quer fazer passar de si junto do alocutrio, o seu dis-curso acaba por ser uma projeco do prprio alocutrio.'

    Outros dados contextuais importantes referem-se ao AGORA, ao Toda enunciao, que se identifica com uma sexta-feira, dia 2 de Junho de1994, data que assinala um importante momento poltico do pas: omomento da campanha para as eleies do parlamento europeu que seviriam a realizar no dia 12 de Junho de 1994.

    3. O quadro institucional descrito faz prever que o autor do artigose debruce sobre esta questo da actualidade do momento, comentandocriticamento o processo em decurso.

    O tipo de texto em que este comentrio crtico se enforma ter,assim, feies marcadamente opinativas e argumentativas, que determi-naro arquitextualmente a produo discursiva, funcionando como umsegundo nvel de constrangimento sobre o texto. Este estruturar-se-,pois, mantendo relaes de pertinncia e coerncia com o mundo refe-renciado e a prpria situao de enunciao, e tambm com o formatodiscursivo que corporiza e que, em termos ilocutrios, correspondesobretudo a um macroacto de crtica.

    4. O prprio ttulo do texto, que normalmente funciona como umaespcie de hipertema, ou seja, um vnculo semntico condicionador do

    lzSobre a distino entre o Locutor enquanto "ser do mundo" e o Locutor - "ser do dis-curso", ver Ducrot, 1984.

    3 Como afirmou Lacan (1966: 894): "Le langage humain constitue une communicationou l'emetteur reoit du rcepteur SOI1 prope message sous forme inverse."

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    ,,0 Fruto Proibido: discurso, interdiscurso, argumentao

    desenvolvimento temtico discursivo, antecipa algumas das vertentescrticas de que se reveste o enunciado.

    4.1. "O Fruto Proibido" amplifica o universo de expectativas que umttulo, como quadro programtico que , j abre, ao convocar a noode intertextualdade'', isto , ao remeter para outros referentes discursi-vos anteriores que se fixaram na enciclopdia dos alocutrios, bemcomo na sua "memria discursiva'". Assim, situamos o enunciado reali-zado pelo ttulo no cruzamento de outros enunciados, como se assim seoperasse um "dilogo interno" entre o locutor e outros locutores laten-tes, entre o seu discurso e outros discursos j enunciados.

    Vrios momentos deste texto ficaro, alis, marcados por uma fortetenso comunicativa, determinada por esta propriedade dialgica oupolifnica de o discurso integrar, de maneira mais ou menos ostensiva epolmica, outras enunciaes, outras "vozes".

    Recuperando o que Foucault" refere sobre a "existncia histrica dosenunciados", "discours qui sont l'origine d'un certain nombre d'actesnouveaux, de paroles qui les reprennent, les transforment ou parlentd'eux. Bref, sont dits, restent dits et sont encore dire", podemos confir-mar que o ttulo em questo retoma um referente de natureza religiosa,actualizando, em virtude da sua utilizao, todo o sistema de refernciasa ele associado "dans le temps long d'une mmoire' e simultaneamentetransformando-o, em virtude da sua recriao em circunstncias enuncia-tivas e co-textuais particulares, fazendo-o revestir matizes significativosrenovados: "les objets que nous avons appels 'noncs' ( .. .) existentdans le temps long d'une mmoire, alors que les 'formulations' sont pri-ses dans le temps court de l'actualit d'une nonciation. C'est donc bienle rapport entre interdiscours et intradiscours qui se joue dans cet effetdiscursif particulier l'occasion duquel une formulation-origine faitretour dans l'actualit d'une 'conjoncture discursive', et que nous avonsdesign comme e.ffetde mmoire,"

    I 4 Baseamos a nossa noo de intertextualidade e dialogismo nos estudos de Bakhtine,maioritariamente em Bakhtine, 1977 e 1984, bem como nos de Foucault, especifica-mente, Foucault, 1971.

    5 Courtine, 1981.

    6 Foucault, 1971:24.

    7 Cf. op. cit., Nota (5), p. 53.

    CI.I'E-OF3-681

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  • 4.2. Devemos salientar, alm disto, que os efeitos accionais deriva-dos do enunciado representado pelo ttulo podem ser muito vastos eaproximar-se da ameaa, do aviso, da profecia, da acusao, do "des-conselho", muito embora nenhum destes valores esteja efectivamentepresente no acto ilocutrio que um ttulo normalmente realiza e que sesitua prximo do anncio. Por um lado, como esclareceu Ducrot", adiferena que separa o acto ilocutrio do acto perlocutrio justamenteque enquanto o primeiro corresponde ao que dizemos jazer, o segundopode corresponder quilo que jazemos sem jorosamente o dizer, dis-tino que resulta pertinente, neste caso, dado o peso que o referentereligioso recuperado pelo ttulo possui no imaginrio da civilizao oci-dental, profundamente marcado por esse mito do pecado original quedenunciou a imperfeio do Homem e ditou a sua expulso do"Paraso". Por outro lado, os prprios valores ilocutrios derivados mul-tiplicam-se em virtude desta amplificao referencial do discurso decor-rente do dilogo interdiscursivo instaurado.

    Devemos, no entanto, explorar um pouco mais o valor alusivodesse enunciado que convoca virtualmente um segundo segmento queo completa, na conhecida expresso proverbial: "O fruto proibido omais apetecido". Este segundo membro, embora no realizado, existeem latncia e est disponvel para o alocutrio o concretizar; instanciaum momento de polifonia, como j mencionmos, ao convocar uma vozdo senso comum, a "voz do mundo", que uma voz reconhecida eautorizada e, logo, lugar de relativo consenso.

    O autor, ao fundamentar-se implicitamente numa verdade geral enuma tbua de valores que parece inquestionvel, prepara uma forteestratgia de legitimao do seu discurso e dos juzos que nele avana.Por acumular, como verdade proverbial que , um valor prospectivo, oenunciado activa, como j referimos, um valor ilocutrio derivado deaviso, que vai funcionar como um importante eixo organizador destediscurso, como teremos oportunidade de comprovar.

    5. Antecipando um pouco o tratamento dos segmentos conclusivosdo texto, que mantm afinidades bvias com este segmento introdutor,

    I 8 cr Ducrot, 1980.

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    "o Fruto Proibido: discurso, interdiscurso, argumentao

    desde logo, notamos a recuperao literal do ttulo e do segmento nelelatente na sequncia final. Veremos que, dada a estruturao do con-junto discursivo, estes dois periodos finais vm completar, no s for-malmente como semanticamente, o ttulo, num movimento de progres-so espiral ar, como convm a um texto coerente e coeso, mas tambmcumprir uma espcie de vaticnio final que tinha sido insinuado nesteincio de texto. A verdade geral que o autor aproveita presta-se bem aocumprimento deste acto ilocutrio derivado.

    5.1. Parece-nos, com efeito, que, para alm do acto de crtica, olocutor efectua tambm atravs do seu texto um macroacto ilocutriode advertncia, que teria, portanto, uma funo projectiva, ou preven-tiva at, na medida em que permitiria aos eventuais receptores interes-sados a alterao atempada de um estado de coisas adverso e malgerido. Quer isto dizer que, pelo valor de quase "profecia" que as pro-posies finais (bem como a do ttulo) revestem, elas podem referenciara inevitabilidade de um movimento social geral em direco a um "fede-ralismo" de vontades na Europa em crise.

    Assim, por um lado, parece haver a aluso a uma eventual "foracolectva" que se tornar imparvel quando a dimenso do desejo desse"fruto proibido" atingir um nvel transbordante. Repare-se, mais umavez, que este raciocnio coerente com a fora de lei que a verdadeproverbial encerra. Parece-nos, alis, que o conector conclusivo ou con-secutivo escolhido - "portanto" - 9 bem como a posio por ele ocu-pada marcam bem o facto de a ligao de consecuo ser mais o resul-tado de um processo dedutivo legitimado por algo de exterior ao pr-prio enunciador, neste caso por uma norma axiolgica, do que o resul-tado de um nexo estabelecido pelo locutor. Este permite-se desta formadesvincular-se da ligao por ele mesmo enunciada, dando voz a umaoutra "voz" que se impe como mais poderosa do que a sua e, logo, seinstitui como um argumento quase imbatvel. A estratgia argumentativaconcretizada pelo locutor fecha o discurso com "chave-de-ouro".

    Por outro lado, tambm possvel ver neste lance final um valor deinsinuao, j antecipada no ttulo, aplicada classe poltica, principal

    9 Para apreciar um estudo actual sobre os principais conectores argumentativos emFrancs, ver Roulet, 1985.

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  • alvo de crtica nesta pea, que seria, de acordo com esta interpretao,objecto de uma denncia concretizada justamente pela frase "(...) ofederalismo tornou-se o fruto proibido. O mais apetecido, portanto".Neste sentido, estaramos perante uma espcie de desmascaramento quevisaria pr a nu os mais bem guardados desejos da classe dirigente: "osque mais propagandeiam contra o federalismo - "o fruto proibido" - e,no fundo, os que mais o desejam".

    6. Que o locutor se socorra de uma doxa ou de um topos paraapoiar os seus juzos vimos j fazer parte de uma estratgia de legitima-o discursiva que decorre do facto de as suas posies ficarem envolvi-das de uma aura de inquestionabilidade. O que , todavia, questionvel a validade da transferncia de um determinado topos para a situaoespecfica analisada pelo autor. Este , no entanto, o risco que o locutorassume e a margem em que ele se permite afirmar uma posio pessoal.

    Verificamos, portanto, que o locutor tira importantes dividendos sig-nificativos desse agregado nuclear de sentido que o ttulo, que possuij em grmen toda a potencialidade semntica e argumentativa do textoe constitui, por esse facto, um importante guia de leitura.

    7. Os principais eixos semnticos e ilocutrios organizadores do dis-curso encontram-se, pois, condensados no ttulo e decorrem do formatocrtico, opinativo/argumentativo do texto; de condicionantes ligadas situao de enunciao e ao universo de referncias activado; e tambmda inteno comunicativa do enuncia dor.

    espervel encontrar, dada a natureza argumentativa da pea, odesenvolvimento de um eixo de contra posies. De facto, apresenta-o e defesa de uma tese, contrapor-se- a exposio da tese contrria, aanttese, quanto mais no seja para a rebater, e, por fim, a proposta deuma sntese.

    Neste texto, encontramos vestgios desta organizao retrica sobvrios aspectos: a apresentao de diferentes faces de uma mesma reali-dade e de atitudes divergentes face a ela; a contra posio de valoresantagnicos; a assuno de diferentes atitudes modais quanto s realida-des discursivas configuradas; o contraste entre foras ilocutrias diversase, ainda, entre diferentes "vozes"; e, por fim, a contraposio entredimenses temporais distintas.

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    Todos estes efeitos de contraste constituem dispositivos retricos ouenunciativo-pragmticos que, projectados na Iinearizao discursiva, ser-vem uma s finalidade: a defesa de uma posio.

    8. O eixo temporal que percorre e estrutura o texto cobre um lapsode tempo relativamente restrito. Focaliza o momento presente e o pas-sado imediato, consentaneamente com o quadro institucional que ori-gina e determina o texto; recua a um passado recente, na procura derazes para a situao presente; projecta-se no futuro, num futuro hipo-ttico, projeco traduzida por certas formas verbais do presente doindicativo C'Falta"), do conjuntivo e do condicional, coerentes com adimenso prospectiva, de interveno social que textos desta naturezanormalmente revestem.

    Verificamos, todavia, que a estrutura textual no segue uma ordemcronolgica. Podemos esquematizar as deslocaes do modo que sesegue 10:

    A: Presente + Passado imediatoB: Passado imediato + Presente + Presente prospectivo ou

    Futuro eventualC: Passado recente + PresenteD: Presente + Presente prospectivo

    Resulta daqui que as linhas de fora temporais das unidades macro-estruturais delineadas so:

    Passado recente Passado imediatoPresenteA B

    Futuro eventual

    c D

    Devemos ainda acrescentar que os diferentes momentos temporaisse encontram associados a diferentes avaliaes axiolgcas. o Presente eo Passado so vistos como fortemente negativos e constituem a matriade crtica neste artigo, e o Futuro eventual, como fortemente positivo, apossvel soluo para o quadro de crise traado ao longo do texto.

    Vemos, assim, que a macroestrutura introdutria do texto o ancorano momento presente, o momento pertinente para a matria jornalstica;

    110 A identificao dos pargrafos e dos enunciados segue a notao utilizada na trans-crio do texto no Anexo 2.

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  • que a macroestrutura B prefigura j a concluso do texto, atravs de umenunciado que antecipa a soluo ou a sntese que o locutor apresen-tar no fim, facto que apoia as ligaes de coeso intradiscursivas; quena macroestrutura C se recua mais longe no tempo, na busca de razesde fundo que se aduziro como argumentos para apoiar a crtica aomomento presente; e que, finalmente, na macroestrutura D, a macroes-trutura conclusiva, no conjunto da qual os enunciados D3, D4 e D5parecem destacar-se ganhando uma certa autonomia, o Presente expli-citamente contraposto a um Futuro eventual que surge como a propostado locutor ao estado de coisas recortado no restante discurso e perspec-tivado como negativo.

    A discursivizao deste eixo temporal est, assim, numa relao decoerncia com as grandes linhas de fora ilocutro-argumentativas dotexto.

    ~. possvel divisar, alis, um eixo semntico que acompanha todoo texto e que constitui tambm um importante movimento organizadordeste. Este eixo, construdo sobre a dicotomia Bem/Mal, uma dicotomiacom evidentes conotaes religiosas, encontra-se em perfeita consonn-cia com o tom do artigo j introduzido no prprio ttulo. Ele projecta-seno discurso em estreita consonncia com o eixo temporal atravs dodesenvolvimento de uma srie de lexemas e expresses que ajudam aconfigurar dicotomicamente os diferentes momentos do mesmo. Eisalgumas das expresses que contribuem para esta configurao:

    MALpalavra proibidaevitarintimidarsuspeitatraioreino do absurdofantasmaimpotnciaconflitosbode expiatriocaricatura

    BEMsensatosresponsveisconvicofederao de vontadesconcertao estratgicademocratizaofora do mitodimenso do sonhoEuropa maiorltima fronteiravontade colectiva

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    o Fruto Proibido: discurso, interdiscurso, argumentao

    temveldescrerintolernciabarbrietabufruto proibido

    Trata-se de um eixo que se declinar depois, ao longo do texto,num conjunto de isotopias que, subordinadas a esta dicotomia de base,vo assumindo valores contextualmente matizados, como teremos opor-tunidade de verificar.

    Para j, passemos a explicitar alguns dos principais movimentosargumentativos do artigo, referindo a forma como os eixos de contrapo-sies atrs mencionados se desdobram e operam no discurso.

    10. A macroestrutura introdutria referida encabeada por umaassero que introduz imediatamente um primeiro momento de polifo-nia no discurso: o modalizador "parece" marca, logo partida, um certodistanciamento do locutor face ao enunciado por ele mesmo avanado,convocando outras vozes e outros "agentes de validao"! do seu pr-prio discurso. As vozes convoca das so representantes de contradscur-sos que, no fundo, o locutor invoca para poder anular. Daqui decorreuma desvalorizao destes discursos e dos seus autores. O locutor ante-cipa, por este meio, e tambm atravs do emprego do dectico temporal"hoje" (por contraposio a um "amanh" hipottico), o movimento decontra-argumentao que ele prprio vai liderar j no pargrafoseguinte.

    De notar, ainda, que fica disponvel uma outra interpretao, nempor isso incompatvel com a que expusemos, em que, semelhana doque se passou com o ttulo, o leitor seria quase convidado a completar aassero enunciada convocando o topos que dita que "O que no parece" ou "No parece mas ". Esta interpretao estaria de acordo com aque j referimos para os segmentos finais do texto (sobretudo D4 e D5)

    I" Berrendonner, 1981.87

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  • em que julgamos ver um acto ilocutrio de insinuao, parafrasevel por:"Federalismo - todos o querem mas ningum ousa confessar".

    10.1. O segmento A2 funciona como um argumento pragmatica-mente "subordinado" a este "acto director" introdutro" e apresentadocomo um argumento suplementar, de carcter forte, atravs da articula-o dos conectores "E" e "mesmo". Vem tambm confirmar o distancia-mento do locutor face ao estado de coisas configurado atravs do usodas aspas em "polticos 'sensatos'" e "responsveis'"; do futuro no modal"devero"; do advrbio "cuidadosamente"; e ainda da frase includa entretravesses apoiada pelo conector restritor "pelo menos", situado alguresna fronteira entre os conectores argumentativos e os contra-argumentati-vos.

    Todos estes recursos sustentam uma tonalidade irnica na frase. Asaspas convocam um segundo momento de polifonia ostensiva, namedida em que sugerem que o locutor retoma um enunciado anteriorde um outro locutor do qual se demarca claramente.

    10.2. Mais uma vez, o dilogo interdiscursivo que se gera marcadopela divergncia de posies. Este efeito , como dissemos, apoiadopelo modal cujo tempo verbal sugere a traduo de um discurso indi-recto e, logo, de uma voz alheia, que o locutor se limita a reportar, rea-firmando o seu distanciamento irnico atravs do advrbio "cuidadosa-mente". Toda a sequncia patenteia uma tonalidade moralista, consent-nea com o ttulo, impressa pelo desenvolvimento de um isotopia querene lexias como "palavra proibida", "sensatos", "responsveis", "deve-ro", "evitar", "cuidadosamente", "convico", e outras que referiremosadiante. Simplesmente, a coabitao com o tom irnico faz este trao demoralismo degenerar em falso moralismo, o que vem no seguimento dotopos implicitamente convocado que diz "Nem tudo o que parece ".No devemos esquecer que o locutor pode ter usado as aspas para indi-car o uso de um sentido desviado relativamente ao sentido habitual doslexemas.

    I 12 Cf. op. cit., Nota (9).

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    10.3. O segmento grafado entre travesses reinstaura a clarezaquanto desresponsabilizao por parte do autor face ao discursoenunciado at quele momento. A construo clivada no remete spara um funcionamento dectico anafrico, e catafrico tambm nestecaso, ela empregue como dispositivo de reforo assertivo conseguidopela deslocao do constituinte "esta" e sua focalizao pelo enquadra-mento no esquema "... a", parafrasevel por " esta e no outra a suaconvico".

    De qualquer forma, como salienta]. ]. Courtine", "une telle formu-lation constitue une reformulation syntaxiquement marque" e pode atinscrever o enunciado num enquadramento pergunta/resposta, isto ,fazer-nos perspectiva r o enunciado como uma resposta a uma possveldvida dos destinatrios, que, neste caso, activaria a necessidade de olocutor esclarecer as suas afirmaes.

    possvel ainda divisar aqui um movimento argumentativo, atravsdo desdobramento da frase em dois membros - um dos quais contendouma negao - ligados por e/mas: " esta a sua convico, mas no aminha". Mais uma vez, se gera um momento de polifonia sob a pticada divergncia.

    1004. O conector argumentativo "pelo menos" apoia o valor ilocutrioda proposio, marcando a subordinao pragmtica deste constituinteao acto director e a sua relao de argumento relativamente a este",argumento, normalmente, de carcter fraco. Ao situar-se na fronteiracom os contra-argumentativos, ele convoca comparaes implcitas,envolvendo escalas argumentativas distintas", mas rejeitando implicita-mente contra-argumentos potenciais.

    Todos estes dispositivos reforam uma dimenso implcita de crtica,de censura, mesmo, que apoiada pela pseudocondicional "se no qui-serem perder votos ...", que denuncia a verdadeira motivao dos pol-ticos.

    J3 Courtine, 1981: 84.14 Cf. op. cit., Nota (9), p. 131

    15 Cf. ibidem: "li est content de son nouveau poste; au moins il a un bon salaire."

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  • 10.5. a segmento A3 funciona como uma sequncia comprovativado que ficou dito. Sem qualquer movimento de preparao ou transi-o, o locutor avana com um dado factual que ganha, desta forma, afora de evidncia comprovativa das asseres anteriores. Funcionaimplicitamente como um enunciado justificativo decorrente da condiode veracidade dos actos assertivos: o locutor demonstra que est prepa-rado para apresentar provas da veracidade das suas asseres.

    11. As sequncias A1, A2 e A3 formam, assim, uma macroestruturafuncionalmente coerente, consubstanciada na conjuno /assero +argumentos/ que delineia o primeiro movimento argumentativo dotexto.

    De salientar ainda que os lexemas "intimidar", "suspeita", "traio",presentes nesta ltima sequncia de A, vm apoiar a coerncia semn-tica da macroestrutura, inserindo-se na mesma isotopia moralista e reli-giosa, j atrs relevada. De notar que esta isotopia se desenha num cres-cendo, mediante o surgimento, no final do pargrafo, de palavras deconotao mais forte, preparando j o incio da macroestrutura seguinte.

    Este jogo de antecipao de momentos discursivos subsequentesresulta to importante na produo da coerncia/coeso necessrias aodiscurso como o prprio jogo de repeties, de retomas e recorrnciasque faz com que, no movimento de progresso, dimenso fundadora dotexto, se divise a linha condutora ou de continuidade que tambm ofundamenta: "La production d'un texte cohrent suppose donc que soitralis un prilleux quilibre (dont on a de Ia peine saisir exactementles mesures) entre continuit thmatique et progrssion srnantique.?"

    12. A macroestrutura B marcada por uma assero no mitigadaem que o locutor expe sem mscaras a sua opinio e o seu julgamentoface ao estado de coisas recortado. A fora da assero apoiada peloconector argumentativo confirmativo "de facto"!', simultaneamenteretrospectivo e prospectivo, apoiando simultaneamente os factos enun-

    16 Charolles, 1978: 2l.

    17 Cf. quadro tipolgico de conectores proposto por Lita Lundquist in Sophie Moirand,1990: 52. '-

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    o Fruto Proibido: discurso, interdiscurso, argumentao

    ciados e o valor ilocutrio do acto realizado. Este conector congregamesmo algumas das funes dos "reavaliativos" "rectificatvos?", limi-tando ou rectificando um movimento discursivo anterior. Fica, de facto,claro que ele marca uma reavaliao retrospectiva das informaes pre-viamente expostas pelo locutor e uma subordinao ilocutria destas aum novo movimento discursivo que o locutor apresenta como o quedeve ser levado em conta da em diante, o verdadeiro repositrio daverdade e do ponto de vista do locutor.

    a valor ilocutrio global desta macroestrutura que assim inicia decrtica ou censura e foi cuidadosamente preparado por uma macroestru-tura introdutria em que o locutor, ao traar o quadro situacional ime-diato que motivou o seu comentrio jornalstico, deixa j entrever a suaposio de distanciamento das vozes convocadas. a tom irnico quecoexiste com a isotopia moralista faz ressaltar aspectos negativos comoo da hipocrisia e da falsidade.

    12.1. A fora da assero introdutria de B, que marca, ao contrriodo pargrafo anterior, a total responsabilizao do locutor pelo seu dis-curso, surge como a resposta esperada a uma situao que urge desmas-carar. a seu tom condenatrio, a par do das asseres seguintes, justi-fica-se pela necessidade moral, desta vez legtima, de denunciar umasituao de falso moralismo. a locutor parece investir-se de um poderjudicativo que ele prprio estrategicamente se autoconcedeu.

    As modulaes semnticas desta sequncia mantm-se consonantescom a isotopia desenvolvida no pargrafo anterior: "fantasma","absurdo", "impotncia". No obstante, introduz-se um trao semnticonovo de Irrealidade, de Contrafactualidade, nas suas dimenses negati-vas vizinhas das ideias de Mentira e Falsidade que o locutor condena.

    12.2. O segmento B2 introduz um novo momento de dialogismo,indiciando-se, desde logo, a recusa por parte do locutor de subscrever aposio apresentada no primeiro segmento da assero. a lexema deconotao negativa "fantasma" antecipa a refutao vincada que os res-tantes segmentos da proposio vo marcar.

    118 Cf. op. cit., Nota (9), p. 154.

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  • Desde logo, a negao polmica apoiada pela construo clivadado incio ao movimento refutativo que se concretiza com o empregoarticulado dos conectores contra-argumentativos "mas" e "pelo contr-rio". Assim se desenha um momento alto de tenso e dinamismo argu-mentativo do texto.

    Apesar de acumularem uma mesma funo contra-argumentativa, osconectores "mas" e "pelo contrrio" no recobrem exactamente os mes-mos referentes discursivos. "Pelo contrrio" transporta uma instruocorrectiva que indicia que o discurso subsequente deve ser tomadocomo a alternativa acertada ao contradiscurso que se anulou. Como tal,estes conectores introduzem necessariamente o acto director da sequn-cia, isto , a concluso que rejeita o contra-argumento e se impe comoa posio mais forte. Cumpre-se, desta forma, no s uma rejeio fac-tual, como tambm de orientao argumentativa do segmento anterior.Cumpre-se tambm um confronto de valores numa mesma escala argu-mentativa, fiel a um critrio prximo do enunciado por Joaquim Fon-seca como "critrio de prioridade racional":

    ImpotnciaFantasmaAbsurdo

    DesafioContemporaneidadevs

    EssencialVerdadeiroAparente iIlusrio

    12.3. A enumerao funciona como um enunciado reforativo daassero anterior. Todos os elementos enumerados partilham do traosemntico (+ negativo), o que justifica a urgncia em substituir os falsosproblemas pelos problemas reais, cuja gravidade e premncia so bemacentuadas.

    19 Este "critrio de prioridade racional" foi um critrio avanado por Joaquim Fonsecanum estudo em que este se debrua sobre um outro editorial de Vicente Jorge Silva,intitulado "Elogio do Sucesso", estudo que nos serviu, alis, de base para a elabora-o da presente anlise. Para o confrontar, ver Joaquim Fonseca, 1992: 353.

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    o Fruto Proibido: discurso, interdiscurso, argumentao

    Nos enunciados B3, 4 e 5 o locutor, ao mesmo tempo que expetodos os aspectos negativos da situao presente, remete para possveissolues, imprimindo assim, como j havamos apontado, uma dimen-so projectiva a esta sequncia. Ela ganha, por conseguinte, uma rele-vncia particular na progresso do discurso, antecipando um momentosubsequente, que, por sinal, um momento vital do texto: a concluso.

    Atravs do conector que abre estes enunciados, aparentemente defuno clarificativa, o locutor ganha de novo espao para reconsiderar omovimento discursivo anterior e repor uma verso rectificada domesmo. Simultaneamente, marcando este conector o acto director, elesubordina retrospectivamente o desenvolvimento anterior quele. Poroutro lado, o locutor aproveita este momento de reavaliao discursivapara acrescentar ao valor ilocutrio das suas asseres o valor da pro-posta, subjacente ao qual est a tal dimenso temporal futura, esta, sim,avaliada como positiva, o que ressalta do semantismo de alguns lexe-mas conjugados nesta passagem: "mais", "melhor", "federao", "vonta-des", "concertao", "estratgica", "democratizao", "poderes efectivos","fora", "mito", "sonho".

    12.4. A esta fora projectiva no de forma nenhuma alheio o pr-prio semantismo de "faltar" que repetido anaforicamente, de formainsistente, em B3, 4 e 5, transformando-se na principal linha de foraestrutural destes segmentos. Este verbo convida a um completamentodo tipo: "Se falta, indispensvel fazer/obter", denunciando, portanto,uma clara inteno pragmtica de interveno social. Cremos poderfalar, no caso deste verbo, de "complexo ilocutrio", na acepo quelhe conferiu Berrendonner", dado que a partir de um mesmo lexema olocutor realiza dois actos lingusticos, um dos quais possui um estatutoimplcito. Ou seja, no s o locutor denuncia uma situao desfavorvel,como prope solues para esta, intervindo, assim, positivamente sobreela.

    12.5. Devemos salientar que o paralelisno formal em que o autorenformou esta macrounidade conferiu-lhe uma estrutura retrica tpica

    I 20 Para verificar a noo de "complexo ilocutrio", ver Berrendonner, 1981: 49-50.

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  • 11111

    do texto persuasivo. A acrescentar a este dispositivo surge a gradaoargumentativa dos factos enumerados: os argumentos recortam-se numcrescendo de fora e importncia que culmina com a prova final, desta-cada pelo reforativo "sobretudo", cuja tonalidade eufrica - atente-sena fora significativa de "fora do mito", "dimenso do sonho" - elevaeste segmento ao estatuto de concluso parcial.

    13. Este ponto representa um importante momento do texto, conse-guido pelos dispositivos retrico-pragmticos bem como pelas dimen-ses semnticas j apontadas.

    O eixo de contraposies estruturante j referido atinge pratica-mente o seu efeito total: a oposio entre momentos temporais deli-neou-se e a associao destes com valores axiolgicos opostos foi tam-bm configurada.

    A dimenso ecica desta macroestrutura-charneira no ficaria, toda-via, totalmente explicada se no mencionssemos o emprego da palavra"federao" nesta sequncia. Parece-nos, de facto, que o seu apareci-mento no nem aleatrio nem inocente. Ele ajuda a cumprir a funoantecipatria que este pargrafo possui e a preparar uma ostensivadefesa do Federalismo que o autor intentar na estrutura conclusiva. Apalavra "federao" , todavia, ainda suficientemente ambgua para per-mitir ao locutor o adiamento desta alegao por mais um pargrafo.

    Por agora, o locutor aproveita para expor uma viso inteligente erefundida do sistema federalista, evitando invocar pelo nome o "fan-tasma" que os cidados se habituaram a temer.

    14. O incio da macroestrutura C marca o refluxo a um passadorecente onde o locutor procura uma justificao para a situao quevem descrevendo e criticando. uma macroestrutura de fundo, de soli-dificao das posies at aqui delineadas. tambm uma passagem emque o locutor atribui culpas, sobretudo classe poltica, responsabili-zando-a totalmente pela inoperncia das instituies da Europa Comum.O macroacto ilocutrio realizado , portanto, um macroacto de acusa-o.

    14.1. A assero no mitigada com que esta macrounidade iniciaprepara o tom contundente que a vai caracterizar at ao fim. Esta

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    ~

    "o Fruto Proibido: discurso, interdiscurso, argumentao

    apoiada pelo uso do pretrito perfeito, o tempo da factualidade porexcelncia, e, como tal, da indesmentibilidade; e tambm pelo empregoda comparao, dispositivo retrico de forte poder expressivo. Estamantm, alis, coerncia com o campo ideolgico religioso introduzidono ttulo e desenvolvido em todo o discurso: a expresso "bode-expia-trio" liberta sugestes importantes no imaginrio dos leitores e ampli-fica, mais uma vez, a ressonncia textual pela convocao desse uni-verso de referncias que a enciclopdia e que actua como fonteimplcita de significao. A expresso contm j condensado em si oncleo de sentido que o locutor vai desdobrar na sucesso de pergun-tas retricas que encerra a seqncia, ela implicita a existncia de cul-pas e a tentativa de apaziguamento da conscincia. As culpas, nestecaso, seriam as "impotncias" ou, por outras palavras, a incapacidadede reaco e de resoluo aos/dos problemas por parte da classe diri-gente, incapacidade que seria camuflada com a criao da "comisso deBruxelas".

    14.2. A isotopa desenvolvida nesta macroestrutura, marcada por umforte trao de negatividade faz justamente ressaltar a ideia da fraqueza eda insignificncia humanas, quase exploradas at ao ridculo, factor queserve bem os propsitos crticos, desvalorizadores e acusatrios do locu-tor: "bode-expiatrio", "impotncias", "caricatura", "temvel" - o retratode um homem assustado, impotente, incapaz de se afirmar perante arealidade, que ressalta desta passagem. A "Comisso de Bruxelas" assim apresentada como uma instituio-fantoche, perfeitamente inope-rante, cujo disfarce est justamente em se instituir como a fortaleza con-tra a perigosa ameaa do Federalismo.

    Actua assim, mais uma vez, o eixo de contra posies, j presenteem A e B, que extrema a Hipocrisia e a Verdade.

    14.3. O conector "ora", que rene potencialidades contra-argumen-tativas, desencadeia imediatamente a ideia de um dilogo implcito e devozes em frico. Convoca a presena de um alocutrio cujo discurso,reconstituvel a partir das prprias intervenes do locutor, rebatido,ponto a ponto, pelos argumentos deste.

    Esta refutao d-se de forma particularmente bem-sucedida pelajustaposio de uma srie de perguntas retricas, que inscrevem esta

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  • sequncia num enquadramento dialgico que no o seno ficticia-mente. Com efeito, as perguntas do locutor revertem-se em asseresfortes, especialmente reforadas pelo rebatimento, no interior da prpriapergunta, do contra-argumento do adversrio e tambm por implcita-rem, de forma categrica, a nica resposta possvel, razovel s ques-tes levantadas. Trata-se de um dispositivo altamente manipulatrio epersuasivo de que o locutor saber tirar os devidos dividendos: a desa-creditao e condenao do outro reforar a confiana em si mesmo enas suas posies.

    A retoricidade destas questes sustentada quer pelo conector"ora", quer pelo advrbio de excluso "seno", que introduz um seg-mento frsico - "seno d(os) governos nacionais" - objecto de elipsesintctica na maior parte das interrogativas, mas que se mantm latenteem todas elas com a constncia de um refro. Algumas das perguntasso duplamente orientadas - C5 e c6 - pelo facto de comportarem duasforas assertivas ligadas em C5 por "e no" e em c6 por "quando",ambos funcionando como ndices formais de retoricidade.

    O locutor consegue, assim, encerrar o destinatrio num crculo deraciocnio altamente manipulatrio. Desdobrando o enunciado C5, veri-ficamos que o locutor esgota, no quadro aberto pela questo, as possi-bilidades de o destinatrio conceptualizar o segmento de real convo-cado pela pergunta:

    1 - A instituio no democrtica ("impede")

    2 - A instituio podia ser democrtica ("impede que sejaverdadeiramente")

    3 - O que ela : "um senado de notveis ...".

    O destinatrio fica sem possibilidades de conceptualizar a realidadede forma alternativa, j que todas as solues lhe so fornecidas nointerior da mesma proposio.

    14.4. O locutor aproveita para deixar disponveis alguns sentidospositivos ligados a um Futuro eventual: a expresso "impede que sejaverdadeiramente democrtica" afirma a possibilidade de o vir a ser, nomomento em que o impedimento deixe de se exercer.'

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    o Fruto Proibido: discurso, interdiscurso, argumentao

    Simultaneamente, recorta a realidade presente de forma muito nega-tiva mediante o emprego de lexemas como "senado", "notveis", " prin-cipescamente", "efeito ... simblico", que apoiam a contraposio j lar-gamente explorada no discurso entre os valores Falso/Verdadeiro, nestecaso pelo recurso a lexemas que invocam a ideia de aparato, de teatro,de fantochada, no fundo - repare-se como os valores passadios de ter-mos como "senado", "principescamente" contribuem para esta configu-rao srnica.

    14.5. A dimenso ilocutria ridicularizadora assume um efeito perlo-cutrio mais vasto do que a simples diverso dos leitores, na medida emque o locutor faz questo de lembrar que o envolvimento dos cidadosnesta "fantochada" directo e que estes so os principais afectados peladegenerescncia deste processo poltico. A aluso ao aspecto monetrio- "principescamente pagos" - bem como inutilidade da aco cvica -"descrer da utilidade do seu voto" - so as pedras-de-toque para acres-cer o valor crtico desta passagem de um valor condenatrio e acusat-rio e para gerar um efeito perlocutrio de indignao nos destinatrios.

    Esto criadas as condies para avanar com uma contra propostaque "salve" os leitores de uma descrena total na Unio Europeia. Anu-lado que est o contradiscurso, desacreditados os seus defensores, des-mascaradas as suas intenes, o emissor alcanou a posio ideal paraousar falar no "fruto proibido" e garantir a receptividade dos seus recep-tores.

    15. Depois da exposio da Tese e Anttese neste discurso conflitualque o locutor soube muito bem gerir, a macroestrutura D vai enformar aSntese do discurso.

    Ela , pois, uma macrounidade conclusiva, no conjunto da qual ossegmentos D3, 4 e 5 ganham uma particular salincia, que justificaremosmais adiante.

    15.1 A assero inicial estabelece uma espcie de dilogo interno,intradiscursivo, com a primeira afirmao do texto: "A criao de umaEuropa federal no parece ser" vs "Uma Europa federal ". Este seg-mento tem, portanto, um cariz simultaneamente retrospectivo, reavalia-tivo e rectificativo - atente-se nas solues sintcticas assero mitigada

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  • vs no mitigada -, e uma natureza catafrica, dado que introduz umasequncia definitria em que o locutor justificar a posio que declara-damente assume. bvio que enunciar algo com esta certeza equivale-ria a assumir riscos redobrados se o enunciador no tivesse preparadotoda uma estratgia de validao do seu discurso de que fomos dandoconta.

    Mesmo assim, o locutor faz acompanhar.a sua assero de umreforo introduzido pela partcula de inverso argumentativa "no".Define, assim, a sua concepo de uma Europa federal pela positiva epela negativa, obtendo por esta via dois importantes efeitos semnticos:

    1 - A contraposio entre os dois principais momentos temporaisdelineados ao longo do texto: o Presente e o Futuro eventual.

    2 - A contra posio entre duas Europas : uma das quais associada auma fora significativa positiva - "maior", "verdadeiramente","ltima fronteira", "contra a intolerncia e a barbrie", "espaotransversal", "bandeira", "causa", "vontade colectiva"; outra, auma fora significativa negativa - "menor", "burocrtica", "esva-iada", que numa escala argumentativa existencial aparece comum grau de existncia diminudo, ou seja, existencialmente des-qualificada.

    15.2. Projectam-se, portanto, nesta sequncia final, os principaiseixos semntico-pragmticos organizadores do discurso.

    O presente do conjuntivo em D2, empregue pela primeira vez,remete justamente para essa dimenso futura, simultaneamente a dimenso do desejo, da necessidade e at da obrigatoriedade: a plurifunciona-lidade deste tempo e modo verbal, que se disponibiliza tambm paraassumir os tradicionais valores do imperativo, deixa disponveis as vriasinterpretaes. Todas so, todavia, invariavelmente projectivas.

    O advrbio de modo "verdadeiramente" activa tambm as principaisdimenses axiolgicas em confronto no texto: Verdade vs Falsidade ouMentira. tambm por esta via que o locutor desvaloriza a face doscontralocutores, representantes de uma srie de posies desqualifica-das e at condenveis, e, para alm de tudo, perversores da condiode sinceridade, premissa fundadora da comunicao.

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    o Fruto Proibido: discurso, interdiscurso, argumentao I

    15.3. O locutor orienta-se, neste ltimo pargrafo, para uma claraadeso soluo federalista, procedendo mesmo ao elogio desta, tendo,no fundo, todo o discurso sido preparado para esta concluso.

    Sabemos, no entanto, que, em B, ele apresentou a sua verso rein-terpretada desta soluo poltica, o que permite a conciliao de impor-tantes valores. Portanto, ao discurso vazio ou "esvaziado" do outro, cujaface est mais do que degradada, contrape o locutor o seu discursoque se anima at de matizes algo messinicos. O emprego da expresso"ltima fronteira" apela, na memria interdiscursiva dos leitores, asso-ciao com o "sonho americano" e com a capacidade de inocncia deuma nao que ainda no descobriu tudo o que h para descobrir. Estatentativa de transporte algo eufrico de sentimentos revitalizadores emobilizadores para o Velho (e algo "blas") Continente corresponde aum investimento necessrio por parte do emissor que precisa de reinjec-tar nos destinatrios a crena na possibilidade e viabilidade de umaEuropa Comum e de reorientar os leitores confusos, alcanando umefeito perlocutrio decisivo: inspirar orgulho e convico; convencer emobilizar.

    15.4. Vem juntar-se s solues retrico-pragmticas j enunciadas aconstruo clivada de D4, mecanismo de reforo e introdutor de polifo-nia, que funciona tambm, como j exemplificado, como dispositivo depersuaso.

    O efeito contrastivo que a clivada implicita - " esta e no outra" _ extremado pelo lexema "a nica", que apoia aquele segmento e oexcede, impondo uma nova verso - " esta e nenhuma outra". O emis-sor envereda por um discurso claramente dirigista, de certo modo ate-nuado pelo surgimento do condicional, que transporta o leitor para ummarco de referncia transposto e alternativo ao momento presente",Desta forma, o locutor relembra que de um Futuro eventual ou de umPresente alternativo que fala.

    A expresso verbal "Falta construir", que mais uma vez estabeleceum claro efeito de ressonncia intratextual com o segmento B, projecta-

    I 21 Sobre esta noo de "marco de referncia dectico transposto" e da colaborao dostempos verbais para esta mesma "transposio", consultar o estudo de Fernanda I.Fonseca, 1992.

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  • -nos para um futuro realizvel, pois, se "falta", "urge suprir essa falta",imprimindo assim uma dimenso apelativa ao discurso. Dimensoamplificada pelas expresses, tambm intratextualmente dialogantescom B, especialmente B5, "bandeira de uma causa e uma vontadecolectiva" .

    15.5. Parece-nos, portanto, que, embora os segmentos D4 e D5encerrem o discurso de uma forma aparentemente circular, eles trans-portam um aporte significativo novo muito importante, que se relacionaintimamente com as vrias dimenses ilocutrias e perlocutrias que secruzaram no discurso.

    Este aporte significativo novo est directamente ligado ao conector"portanto", a que j nos referimos anteriormente. Classificado como"consecutivo" por Rouler", ele marca o acto director e estabelece umarelao entre este e um acto pragmaticamente subordinado com a fun-o de argumento. Este aspecto confirma que o maior teor informativorecaia sobre o enunciado D5, aquele que est tambm sobrecarregadode implcitos que amplificam muito a sua significao. O conector evi-dencia uma caracterstica interessante, que j registmos atrs, e que serefere ao facto de permitir perspectivar a ligao de consecuo comoum processo dedutivo, ora da responsabilidade do prprio enunciador,ora legitimado por um dado contextual exterior quele. Como j referi-mos, ambas as interpretaes ficam disponveis, o que aumenta aindamais o poder sugestivo deste ltimo lance.

    Por um lado, verificamos que o autor se limita a convocar umadoxa, emprestando a sua voz voz das coisas, voz do mundo. Estaperspectiva visvel sobretudo no segmento D5, o acto director ao qualD4 se v retrospectivamente subordinado, por via do emprego de "por-tanto": o clculo efectuado no da autoria do emissor e da que seliberte, desta forma, um efeito de desresponsabilizao, de desvincula-o do enunciador dos valores ilocutrios activados pela sua assero.Por outro lado, reconhecemos tambm que D4 um argumento legiti-mado pelo raciocnio do locutor e que a convocao e aplicao destetopos ao caso em questo so da sua responsabilidade.

    I 22 Cf. op. cit., Nota (9), p. 145.100

    o Fruto Proibido: discurso, interdiscurso, argumentao

    16. Esta posio ambgua parece-nos servir os interesses argumenta-tivos do enunciador, visto que no podendo, no devendo, nem mesmoquerendo desresponsabilizar-se inteiramente de algumas das dimensesaccionais de que investiu o seu discurso, o locutor consegue, por estemeio, atenuar alguns dos valores ilocutrios e perlocutrios por eleaccionados, valores que atingem um alcance bastante grande.

    Para o explicitar, devemos referir que nos parece que o locutordirige o seu discurso, sobretudo neste lano final, a destinatrios mlti-plos, convocando, assim, um efeito de poli-audiolpolidestinad3 econseguindo concentrar, neste momento, vrias dimenses accionaisque ficam disponveis para cada um dos destinatrios actualizar.

    16.1. A classe poltica, objecto de crtica e desqualificao em todo odiscurso, ser um dos destinatrios visados. Acusada insistentemente dehipocrisia, ver-se-ia, agora, denunciada nas suas mais recnditas e bemcamufladas intenes. Deste acto i1ocutrio de denncia, derivaria umoutro acto de advertncia que visaria obter efeitos perlocutrios concre-tos sobre o estado de coisas configurado: a vontade de intervir activa-mente na realidade social no est fora das intenes do locutor e con-cretiza-se nesta funo correctiva e moralizadora que o texto pretendeter junto da classe poltica e, consequentemente, numa funo modifica-tiva de toda a realidade configurada negativamente pelo discurso.

    16.2. Por outro lado, como j referimos tambm, parece-nos haverum outro destinatrio, passvel de ser subdividido em subconjuntos,consoante a corrente de opinio advogada, identificvel com o grandepblico, o pblico leitor, ou ainda os cidados. Estes so tambm visa-dos pelo acto ilocutrio de denncia, j que devem consciencializar-sedos verdadeiros jogos de poder e manipulao de que eles so os"joguetes", que se exercem nos bastidores da poltica. Daqui se preten-der canalizar a dita vontade colectiva rumo a uma interveno cvicamais crtica, mais activa e bem orientada.

    I 23 o efeito de poli-audio/polidestinao tal como Joaquim Fonseca o define(1992:327) refere-se capacidade que um texto pode possuir, quando estrategica-mente construdo, para encontrar destinatrios mltiplos.

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  • 16.3. Por outro lado, ainda, julgamos poder ver um outro movi-mento ilocutrio/perlocutrio em que o sentido das mensagens seinverte, ou seja, em que os destinatrios do aviso seriam, sobretudo, ospolticos (e talvez aqueles leitores que partilhassem da mesma correnteantifederalista), classe impotente, que ainda mais impotente e desautori-zada ficar se no alterar o sentido das suas actuaes, face a uma "von-tade colectiva" que, j cansada do processo de crise e decadncia emque se enforma o quadro europeu e uma vez alertada e bem orientada,poder tornar imparvel um processo de verdadeira unio europeia.

    17. Verifica-se, de qualquer forma, que o complexo accional acti-vado pelo discurso vasto: "A criao de uma Europa federal noparece ser uma causa popular (quando, de facto, o ; o pode vir a ser;e, de qualquer forma, o devia ser)".

    Denunciar a hipocrisia e a inoperncia da classe poltica, incitando-aa corrigir as suas posies; alertar a opinio pblica, conscencalzando-adas "perdas e danos" que sofre com a conjuntura actual; persuadir oscidados a fazer uso do seu poder para forar uma mudana necessria;convenc-los das melhores vias para a recuperao; alertar a classe diri-gente para a inevitabilidade de uma mudana em resposta urgente aoquadro de crise insustentvel, incitando-a, para tal, a aproveitar a forada "vontade colectiva"; todos estes so exemplos das foras accionaisque se desprendem do discurso em questo e que comprovam, por umlado, como os textos so sempre um agregado de intenes comunicati-vas que se vazam em estratgias discursivas desmontveis e, por outrolado, como so um lugar de confluncia de conflitos, de jogos de podere manipulao "d'autant plus efficaces qu'ils oprent de manire sour-noise?".

    I 24 J.-M. Adam, 1981: 89.

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    Lang.

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    ANEXO 11

    EditorialVicente Jorge Silva

    o frutoproibidoA CRIAO de uma Europa fe-deral no parece ser hoje umacausa popular, E o federalismotornou-se mesmo uma palavraproibida que 08 polticos "sensa-tos" e "responsveis" deveroevi-tareuidadosamente - esta, pe-lo menos, a sua oonvico - seno quiserem perder votos naseleies do prximo dia 12. EmPortugal, um partido que, n08l-tmos anos, no tem ultrapassadocinco por cento da votao, pdeintimidar 88 foras polticas querepresentam dois le1\1l8 do eleito-rodo Janc;ando sobre eles a l!III!pci-tade "trai9io" federaJista.

    Entrimos, de facto, em plenoreino do absurdo. Agita-se o fan-tasmado federalisrnoquando no SBO que est na ordem do dia,mas, pelo oontrrio, a impotnciadOI!governos europeus em reli-ponder - iooladamente ou den-tro das instituies existentes -808grandesdesafioscontempor-ne08:oonflitos regionais, pressestnico-re1igi08as,desemprego es-trutural, perda de oompetitivid-de 1108 mercadoe mundiais. Ouseja: falta mais e melhor Europa,falta uma federaodevontadeseuma ooncertaQio estrahgica, fal-ta uma poltica externa e de defe-saoomum, falta uma moeda ni-ca. Falta lOOretudo a democrati-zao das estruturas sup!'8J18COonais, um parlamento europeu da-tado de poderesefectiv08 e umgo-vemo europeu que traduza 88vontades representadas nesseparlamento. E falta, sobretudo, afora do mito, a dimenso do 11)-nhoquemobiliza08cidados.

    Os goverilO8 e pu1.idos nacio-naise\egeramaoomissodeBru-xeIas oomo o bode-expiatrio dassuas prprias impotncias e fize-ram dela a caricatura do temvelfeeralismo que precioo,a todo oCIIBto,evitar. Ora, de quem quedepende a comisso de Bruxelasseno dOI!governos nacionais?Quem esoolhe 08 OOmissri08?Quem tem poder definitivo lOOreas suas dehberac;es? Quem iin-pede que o parlamento europeuseja uma instituio verdadeira-mente democrtica e no uma es-pcie de senado de notveis prin-cipescamente pagos para toma-rem decisee cujo efeito , lOOre-tudo, simblioo? Quem que le-vou 08cidados a deecrer da utili-dade do seu voto, quando 08parti-dOI!e gIlvern08 nacionais so 08primeiros a retirar s ele~ eu-ropeias o signifiaIdo e a impor-tncia polticaquedeveriam ter?

    Uma Europa rederal umaEuropa maior - no a Europamenor e burocrtica da comissode Bruxelas ou de um parlamentode Estrasburgo esvaziado de po-deree poltioos erectiV08. umaEuropa onde 08 cidados se sin-tam verdadeiramente represen-tados, um ~ trnnsversal dediversidadee nacionais, regionaise culturais, a ltima fronteiracontra a intolerncia e a barbrie.esta Europa que faltaeonstrur,a nica que poderia impor-se eo-mo bandeira de uma causae umavontade oolectiva. Palavra "ta-bu", o federalismo tomou-se ofruto proibido. O mais apetecido,portanto .

    In Pblico, 2 de Junho de 1994

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  • ANEXO 2 I

    o FRUTO PROmmO

    Vicente Jorge Silva

    A (1) A criao de uma Europa federal no parece ser hoje umacausa popular. (2) E o federalismo tornou-se mesmo uma palavraproibida que os polticos "sensatos" e "responsveis" devero evi-tar cuidadosamente - esta, pelo menos, a sua convico - seno quiserem perder votos nas eleies do prximo dia 12. (3)Em Portugal, um partido que, nos ltimos anos, no tem ultrapas-sado cinco por cento da votao, pde intimidar as foras polti-cas que representam dois teros do eleitorado lanando sobreeles a suspeita de "traio" federalista.

    B (1) Entrmos, de facto, em pleno reino do absurdo. (2) Agita-se ofantasma do federalismo quando no isso que est na ordem dodia, mas, pelo contrrio, a impotncia dos governos europeus emresponder - isoladamente ou dentro das instituies existentes -aos grandes desafios contemporneos: conflitos regionais, pres-ses tnico-religiosas, desemprego estrutural, perda de competiti-vidade nos mercados mundiais. (3) Ou seja: falta mais e melhorEuropa, falta uma federao de vontades e uma concertao estra-tgica, falta uma poltica externa e de defesa comum, falta umamoeda nica. (4) Falta sobretudo a democratizao das estruturassupranacionais, um parlamento europeu dotado de poderes efec-tivos e um governo europeu que traduza as vontades representa-das nesse parlamento. (5) E falta, sobretudo, a fora do mito, adimenso do sonho que mobiliza os cidados.

    c (1) Os governos e partidos nacionais elegeram a comisso de Bru-xelas como o bode-expiatrio das suas prprias impotncias efizeram dela a caricatura do temvel federalismo que preciso, atodo o custo, evitar. (2) Ora, de quem que depende a comissode Bruxelas seno dos governos nacionais? (3) Quem escolhe oscomissrios? (4) Quem tem poder definitivo sobre as suas delibe-raes? (5) Quem impede que o parlamento europeu seja uma

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    ANEXO 2 I

    instituio verdadeiramente democrtica e no uma espcie desenado de notveis principescamente pagos para tomarem deci-ses cujo efeito sobretudo simblico? (6) Quem que levou oscidados a descrer da utilidade do seu voto, quando os partidos egovernos nacionais so os primeiros a retirar s eleies europeiaso significado e a importncia poltica que deveriam ter?

    D (1) Uma Europa federal uma Europa maior - no a Europamenor e burocrtica da comisso de Bruxelas ou de um parla-mento de Estrasburgo esvaziado de poderes polticos efectivos.(2) uma Europa onde os cidados se sintam verdadeiramenterepresentados, um espao transversal de diversidades nacionais,regionais e culturais, a ltima fronteira contra a intolerncia e abarbrie. (3) esta Europa que falta construir, a nica que pode-ria impor-se como bandeira de uma causa e uma vontade colec-tiva. (4) Palavra "tabu", o federalismo tornou-se o fruto proibido.(5) O mais apetecido, portanto.

    In Pblico, 2 de Junho de 1994

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