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1 O futuro da humanidade está nas mãos dos povos Propostas depois da viagem do Papa Francisco no Equador, Bolívia, Paraguai Morsolin Cristiano

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Propostas depois da viagem do Papa Francisco no Equador, Bolívia, Paraguai

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O futuro da humanidade está nas mãos dos povos

Propostas depois da viagem do Papa

Francisco no Equador, Bolívia, Paraguai

Morsolin Cristiano

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Sumario

Apresentação 4

Parte I

Propostas da viagem do Papa Francisco no Equador, Bolívia, Paraguai

Em discurso contundente Papa Francisco exalta luta dos pobres do Paraguai 8

Num Paraguai consumido pela narcopolítica, mensagem do Papa é um alerta

ao Governo. [ENTREVISTA ESPECIAL a Magui Bolbuena, dirigente camponês] 19

Papa pede perdão aos indígenas sul-americanos pelos ‘graves pecados’

cometidos pela Igreja 23

Bolívia é escolhida para sediar Encontro dos Movimentos Populares

por sua participação democrática 31

Grande expectativa para a mensagem do Papa no II Encontro Mundial

de Movimentos Populares 35

Bolívia e a política do Viver Bem

ENTREVISTA ESPECIAL de Cristina Fontenele 39

Parte II

Documentos do II Encontro Mundial de Movimentos Populares

Discurso do Papa Francisco aos Movimentos Populares 47

Carta de Santa Cruz 57

Mensaje del Cardenal Peter Turkson en el II Encuentro Mundial de

Movimientos Populares 61

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Parte III

Propostas pela luta pela Terra

Encíclica do Papa: países ricos devem reconhecer sua dívida ecológica 64

Bispos latino-americanos levam a Pan-Amazônia à CIDH, na atualização

do Pacto das Catacumbas 71

Razões de esperanças: O sonho e a luta dos Povos Indígenas!

Bispo Erwin Krautler 83

João XXIII e o profeta do Pajeu na luta pela Terra 95

Post-facção

Brasil: A Igreja e a questão agrária brasileira no início do século XXI

Bispo Egidio Bisol 106

Anexo

Egidio Bisol, novo bispo de Afogados da Ingazeira (PE) 109

Autor 113

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Apresentação Na viagem do Papa Francisco à América Latina um dos momentos de maior significado para o futuro do “apostolado dos excluídos e dos descartados” foi o II Encontro Mundial com os Movimentos Populares. Recordamos o essencial das palavras do Papa Francisco aos Movimentos Populares e da viagem no Equador, Bolivia, Paraguai nesse E-BOOK “O futuro da humanidade está nas mãos dos povos. Propostas depois da viagem do Papa Francisco no Equador, Bolívia, Paraguai”. Foi através de um longo, mas claro discurso, sempre muito aplaudido, que o Papa Francisco convocou os membros dos movimentos populares para o reconhecimento da necessidade de mudança, mas também para a ação concreta e decidida para aquilo a que o Santo Padre chamou de “processo de mudança”. Afirmando que os mais humildes e explorados podem fazer muito pelos grandes processos de mudança nacionais, regionais e mundiais, o Santo Padre, declarou-os como protagonistas e semeadores de mudança: “Vós sois semeadores de mudança. Aqui, na Bolívia, ouvi uma frase de que gosto muito: «processo de mudança». O Papa Francisco apontou algumas tarefas para a mudança, como colocar a economia ao serviço dos povos e unir os povos no caminho da paz e da justiça, tudo isto defendendo a Mãe Terra, pois – diz o Papa – “não se pode permitir que certos interesses - que são globais, mas não são universais", se imponham, submetendo Estados e organismos internacionais e continuem a destruir a criação”. O Santo Padre declarou que o futuro da humanidade está nas mãos dos povos: “O futuro da humanidade não está unicamente nas mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites. Está fundamentalmente nas mãos dos povos; na sua capacidade de se organizarem e também nas suas mãos que regem, com humildade e convicção, este processo de mudança.” Para conseguir trabalho, teto e terra, é preciso mudar as estruturas globais O sociólogo Emir Sader afirmou que a visita do papa à América Latina “consolida sua identificação com os governos progressistas do continente. É uma viagem muito importante em que a imagem do papa vai além das declarações, mas com identidades políticas concretas e claramente progressistas”. Washington Uranga (1), jornalista argentino, Página/12, sinalou que “Parte da mensagem papal por estas latitudes pode ser sintetiza naquilo que Bergoglio definiu como os “3T”: trabalho, teto e terra. Mas para conseguir este propósito, disse Francisco, “é preciso mudar as estruturas”. E para fazer isso, acrescentou, “é preciso unir os povos no caminho da paz e da justiça”. Na mesma linha, sustentou que “é preciso colocar a economia a serviço do povo”, sem permitir que “a política se deixe dominar pela especulação financeira” e deixando de lado qualquer forma de colonialismo. Também não se privou de relativizar a propriedade privada para enaltecer “o destino universal dos bens”.

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Alguém que conheça a fundo a chamada Doutrina Social da Igreja poderá dizer que nenhum destes conceitos é absolutamente novo no magistério católico. É verdade. O novo, a novidade, é que o Papa extrai estas ideias das bibliotecas pontifícias para expô-las em seus discursos para milhões de pessoas e desta maneira transforma-as em um plano de ação para os católicos e mesmo ultrapassando os limites do seu rebanho. E que incentiva, a próprios e estranhos, a lutar por estes objetivos. A crítica de Bergoglio ao sistema capitalista financeiro é lapidar e categórica. Não resta espaço para as ambiguidades ou as dúvidas. Seguramente por isso quem antes o aplaudiu – na política, nos meios de comunicação e na própria Igreja – agora procura fazer com que sua mensagem seja o mais discreta possível. Logo chegará o momento em que alguém vai se atrever a dizer que “o Papa está mal assessorado” ou que “está cercado e isso não lhe permite ver a realidade”. Não deveríamos perder de vista o fato de Francisco assinalar os poderes que procuram “apagar” a presença da Igreja “porque a nossa fé é revolucionária” e “desafia a tirania do ídolo do dinheiro”, conclui Uranga. “É como um divisor de águas. Porque até então o papa falava para o mundo. Agora o papa quer ouvir o mundo. Os papas falavam para os pobres. O papa Francisco chama os movimentos para ouvir os pobres, para ouvir os excluídos”, avalia o bispo Dom Guilherme Werlang (2), presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Segundo a dirigente nacional do MST, Silvia Reis Marquez, o encontro fortaleceu a unidade da classe trabalhadora do campo e da cidade para a conquista e manutenção de seus direitos. “Para o MST e demais organizações foi um momento histórico, pois a declaração do Papa Francisco de que todos têm direito à terra, moradia e trabalho impulsiona nossa luta”, explicou Silvia. Rosângela Piovezani, do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), afirmou que a luta das mulheres sai fortalecida do encontro. “O nosso espaço esteve garantido e a nossa luta está sendo respeitada e assumida no conjunto das organizações. Esse processo é muito importante, pois temos que assumir todas as particularidades para que haja o avanço social. Saímos daqui fortalecidas, com mais energia e a certeza de que estamos no caminho certo”, disse. Para o bispo da diocese de Santillo, no México, José Paul Vera Lopez, o encontro serviu como ponto de encontro para os movimentos demonstraram a força que tem na defesa de seus direitos. “A união dos povos pode duplicar o debate em torno do modelo econômico que está no mundo, onde o capitalismo se apodera de tudo e não representa o pensamento dos trabalhadores.” Ele afirmou ainda que o Papa Francisco tem intensificado o diálogo com os movimentos, principalmente em defesa da mãe terra. “Temos que ampliar e diversificar essa luta e a igreja está junto com essa força conjunta”, declarou (3). Encíclica Laudato Si “Digamos ‘Não’ a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata, esta economia exclui, esta economia destrói a Mãe Terra”, exigiu o Papa em Santa Cruz.

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Em discurso a membros de organizações sociais de todo o mundo, Francisco pediu perseverança na luta por mudanças estruturais e tem relações com a Encíclica Laudato Si, que é clara em relação à necessidade de mudança do “sistema” e não apenas de padrões individuais de comportamento. É essencial reconhecer, como disse Roberto Malvezzi, um dos líderes da Comissão Pastoral da Terra CPT no Brasil, que este é o primeiro documento de um Papa a expressar uma visão sistêmica, holística. Moema Miranda, antropóloga e diretora do Ibase, considera que “A Encíclica rompe uma tradição dualista milenar, herdada da cultura grega e reinterpretada por tantos pensadores cristãos: a lógica das duas cidades, de um mundo imerso em pecado. Esta ruptura epistemológica tem um valor inestimável. Abre as portas para um diálogo – onde reconhecendo as diferenças – podemos ser respeitosos e fraternos com as culturas tradicionais, indígenas, quilombolas e tantas outras, reconhecidas e valorizadas pelo Papa Francisco na Laudato Si! (...) A articulação entre justiça social e ambiental é fundamental na Encíclica, explícita em diversos momentos, especialmente quando afirma que “não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental” (§139). Vale lembrar que no Fórum Social Mundial de 2009, em Belém, onde mais de 150 mil ativistas, militantes e defensores dos direitos humanos e ambientais se reuniram, os povos indígenas das América afirmaram: vivemos não um somatório de crises (ambiental, financeira, social, etc.), mas uma “crise civilizatória”! (4). A Igreja é um ator decisivo no processo político brasileiro Propostas alternativas sistêmicas ao mundo dominado pelo capital já estão emergindo das mil flores que florescem apesar e em resistência à ordem hegemônica, pela Igreja dos pobres, apoiadas por alguns políticos comprometidos, por ONGs, militantes, ambientalistas, cientistas. Na terceira parte de esse libro encontramos algumas de essas alternativas construídas pela Comissão Pastoral da Terra CPT, Conselho Indigenista Missionário CIMI e pela defensa da Amazônia e também do Sertão - com o caminho do Bispo Egidio Bisol (Afogados da Ingazeira PE) sucessor do Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho, companheiro do dom Helder Câmara nos Pactos das Catacumbas. O professor Jose de Souza Martins, autor do livro “A Política do Brasil Lúmpen e Místico” (Editora Contexto, 2011) descreve a influência da Igreja Católica na sociedade brasileira: “A Igreja Católica e as pastorais sociais são uma referência fundamental do livro. Diferente da maioria dos autores de sociologia política, que têm dificuldade para incorporar a Igreja como ator decisivo no processo político brasileiro, entendo que algumas das conquistas brasileiras no âmbito dos direitos sociais são devidas ao corajoso e decisivo empenho da Igreja Católica e de algumas igrejas protestantes a ela associadas nessas questões, como a Igreja de Confissão Luterana. O catolicismo é, no Brasil, o grande e provavelmente único guardião competente dos valores da tradição conservadora, contrapondo-os a um capitalismo corrosivo e desumanizador. Destaco em particular a concepção referencial familista e comunitária de pessoa contra a concepção contratualista e redutiva de indivíduo e todos os seus desdobramentos numa proposta pobre de sociedade. Destaco, também, a visão comunitária da vida, fundamento das nossas mais significativas utopias. E, também, da nossa crítica social e até política de uma concepção mutilada e iníqua de sociedade.

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Destaco, ainda, que a Igreja foi decisiva para que a reforma agrária fosse colocada na agenda política brasileira, quando tudo dizia que não havia condições políticas para fazê-lo. As próprias esquerdas eram céticas quanto à sua viabilidade, preferindo antes a opção política pela mera extensão dos direitos trabalhistas aos trabalhadores rurais. Destaco, ainda, nela, a crítica das iniquidades de um regime fundiário que tende à exclusão perversa do homem que trabalha e que tende, mesmo, ao grande perigo da formação de enclaves territoriais. Enfim, ressalto a decisiva importância da Igreja Católica no reconhecimento da diversidade cultural e linguística das nações indígenas e do reconhecimento dos povos indígenas como sujeitos de direito, com identidade própria e não como grupos adjetivos de uma sociedade cuja grande tradição tem sido apenas de espoliá-los e privá-los dos meios de referência de sua identidade e de sua sobrevivência” (5). A profecia do Dom Erwin Kräutler e Conselho Indigenista Missionário A publicação da encíclica do papa Francisco repercutiu no mundo inteiro. Não por acaso: é a primeira vez que um papa dedica um documento dessa importância ao tema da ecologia. Para escrever as 190 páginas de Laudato Si, o papa se consultou com cientistas, ativistas e movimentos sociais do mundo inteiro. Uma das pessoas que contribuíram é o bispo do Xingu, Dom Erwin Kräutler. Dom Erwin atua na Amazônia, com sede em Altamira (PA), na defesa de povos indígenas e comunidades locais. Sua militância social e ecológica fizeram dele alvo de ameaças de pistoleiros da região. “Descrevi ao Papa Francisco a realidade da Amazônia e as condições em que vivem os seus povos”, disse o bispo. “Naquela inesquecível audiência do ano passado (2014), descrevi ao papa Francisco a realidade da Amazônia e as condições em que vivem os seus povos. Referi-me primeiro às nossas comunidades e lamentei que, por causa da acentuada escassez de padres, a população só tem acesso à eucaristia algumas vezes ao ano. Falei dos povos indígenas e entreguei-lhe uma mensagem do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), previamente redigida, chamando a atenção para os diversos pontos do documento. Disse a ele que os povos indígenas só sobreviverão física e culturalmente se permanecerem em suas terras, que hoje são ameaçadas pelos grandes projetos governamentais, pelas empresas mineradoras e madeireiras e pelo agronegócio. Aí o papa me revelou que estava escrevendo uma encíclica sobre a ecologia. Insisti logo que num documento dessa envergadura não poderia faltar uma clara referência à Amazônia e aos povos indígenas. O papa recomendou-me então que enviasse ao cardeal Turkson alguma contribuição minha nesse sentido o que, voltando ao Brasil, imediatamente fiz. Ao ler agora a encíclica deparo-me com vários pontos em que é bem notório que o papa levou em conta os nossos anseios e angústias e demonstra claramente que os assumiu como suas próprias preocupações. No número 38, por exemplo, falou sobre a importância da Amazônia “para o conjunto do planeta e para o futuro da humanidade” e acrescentou que “quando estas florestas são queimadas ou derrubadas para desenvolver cultivos, em poucos anos perdem-se inúmeras espécies, ou tais áreas transformam-se em áridos desertos”. No número 146 refere-se explicitamente aos povos indígenas dizendo que é “indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços.

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Com efeito, para eles, a terra não é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida. Em várias partes do mundo, porém, são objeto de pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projetos extrativos e agropecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura”, conclui Dom Erwin Kräutler (6). As importantes manifestações do Papa tiveram escassos reflexos nas pautas nobres da grande mídia no Brasil, com exceção da Folha de São Paulo, e o objetivo de esse E-BOOK é expandir uma mensagem muito importante para ser profundido pelas comunidades, grupos, paroquias, etc., na ótica transformadora do Papa Francisco: “Este sistema já não se consegue aguentar. Temos de mudá-lo, temos de voltar a levar a dignidade humana para o centro: que sobre esse pilar se construam as estruturas sociais alternativas de que precisamos”. Aqui você encontra os artículos de análises da viagem do Papa Francisco em Equador, Bolivia, Paraguai que foram traduzidos e publicados pela Agencia Adital; muito obrigado a Pe. Ermanno Allegri, Benedito e toda a equipe da Adital. Esse livro vai aportar a concretização da “fe revolucionaria”, seguindo os caminhos da Igreja profética de Leonidas Proaño, de Oscar Romero, de Helder Câmara, de Francisco Austregésilo de Mesquita Filho. Bogotá, Julho 2015 NOTAS

(1) www.pagina12.com.ar

(2) http://www.brasildefato.com.br/node/32424 (3) http://www.portalmetropole.com/2015/07/jamais-percam-sua-fe-revolucionaria-

diz.html#ixzz3gINmEi10

(4) http://ibase.br/pt/noticias/ibase-participa-de-conferencia-sobre-clima-no-vaticano/ (5) http://www.ihu.unisinos.br/noticias/45918-a-igreja-e-um-ator-decisivo-no-processo-politico-

brasileiro-entrevista-com-jose-de-souza-martins (6) http://amazonia.org.br/2015/06/dom-erwin-kr%C3%A4utler-as-palavras-do-papa-

incentivar%C3%A3o-a-defesa-da-amaz%C3%B4nia/

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PARTE I

Propostas da viagem do Papa Francisco no Equador, Bolívia, Paraguai

Em discurso contundente Papa Francisco exalta luta dos pobres do Paraguai

Cristiano Morsolin

Adital

O Papa Francisco oficiou sua última missa campal na América do Sul ante 1 milhão de pessoas no

prédio militar de Ñu Guazú, na periferia de Assunção, e chamou a sair "da lógica do domínio, do

excluir e manipular, para a lógica do acolher, receber e cuidar”.

Antes de partir para Roma, o Papa visitou, no último domingo, 12 de julho de 2015, o bairro pobre

de Bañado - Norte de Assunção, vivo exemplo da desigualdade no Paraguai. Jovial com todos as

crianças que se lançavam para tocá-lo, e disposto a repartir beijos com enfermos e anciãos, o Papa

celebrou "a luta” pela terra e por uma vida mais digna, "que não lhes tirou a solidariedade; pelo

contrário, a tem estimulado, a feito crescer”, disse a milhares de moradores.

Nesse lugar, às margens do rio Paraguai, vivem cerca de 23 mil famílias, aproximadamente 100 mil

pessoas, expulsas do campo para a cidade, segundo denuncia María García, da Coordenadoria de

Organizações dos Bañados. Esses cinturões de miséria são formados, majoritariamente, por famílias

de origem indígena e campesina, expulsas, por sua vez, das cidades para a periferia há pelo menos

80 anos, em um processo que não tem variantes.

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Papa Francisco desfila pelas ruas de Assunção, onde se reuniu com moradores

ribeirinhos da periferia, presidiárias e visitou um hospital para crianças com

câncer.

"Não poderia estar no Paraguai sem estar com vocês, sem estar nesta, sus terra”, arrancou o Santo

Padre sem ocultar sua alegria por estar ante o pueblo bañadense, que desde a noite do sábado

aguardava em vigília sua histórica visita.

"SUA terra” figura no papel do seu discurso. Este detalhe mais o gesto de Francisco ao expressá-lo

ressaltou a defesa pelas parcelas ocupadas pelos ribeirinhos, ante o temor que têm os moradores de

que os despejem da baía de Assunção.

"Ao pensar em vocês me recordava da Sagrada Família: ver seus rostos, seus filhos, seus avós.

Escutar suas histórias e tudo o que realizaram para estarem aqui, tudo o que lutam para uma vida

digna, um teto”, continuou ante a contínua ovação dos milhares de bañadenses em frente ao cenário

montado para o encontro.

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O Papa valorizou o esforço dos ribeirinhos para se refazerem ante as penúrias que passam em cada

inundação. "Uma luta que não lhes roubou o sorriso, a alegria, a esperança. Uma luta que não lhes

tirou a solidariedade, pelo contrário, a estimula e a faz crescer”, certificou.

Apenas chegou Francisco ao Bañado Norte, entrou no primeiro corredor e a pé – como estava

previsto – foi até uma das humildes moradias que visitou antes da cerimônia. Após a emotiva

saudação e benção que deu a duas anciãs, antigas moradoras do lugar, se mostrou ante a multidão

envolta já em uma atmosfera de fervor religioso.

As inscrições de parte das 2.500 cartas ao Pontífice roubaram sua atenção. Pelo espaço de alguns

minutos, Francisco observou as mensagens e desenhos feitos por crianças de toda a ribeira da

Capital, juntamente com o nome de seis paróquias bañadenses.

Francisco destacou a importância da fé e da solidariedade para enfrentar os momentos de

dificuldade. "A fé desperta nosso compromisso, nossa solidariedade. Uma fé que não se torna

solidariedade é uma fé morta”, sentenciou o pontífice ante milhares de habitantes do Bañado Norte,

localizado na periferia da capital.

Depois o Papa realizou uma oferenda floral na pequena capela San Juan. "Sua Santidade, esta é a

sua casa”, expressou o padre Ireneo Valdez, pároco do templo Sagrada Família.

"Te sentimos irmão da mulher coletora, do pescador, do pedreiro, do carpinteiro, do deslocado, do

flanelinha, do camponês, do indígena – enumerou –; te sentimos irmão daquele que não consegue

viver humanamente; te sentimos irmão do bañadense”. E Francisco, acostumado a compartilhar –

como em seus dias de arcebispo de Buenos Aires – com os pobres das favelas da cidade, se sentiu

um bañadense a mais.

Previamente à sua mensagem, dois representantes sociais elevaram suas vozes para desenhar a

realidade que atravessam ao Santo Padre. "O Estado não se ocupa de nós, nem nos vê, agora, com

bons olhos. Não nos veem como sujeito de direito, mas que, para seus responsáveis, somos –

segundo sempre nos dizem – um passivo social, somos um problema a solucionar”, expôs María

García (2), que falou em nome das organizações sociais dos bañados.

Angélica Riveros, em representação dos grupos eclesiais da ribeira, foi, inclusive, um pouco mais

crua: "Em nosso país, Santo Padre, se instalou a política da pobreza, que exclui os pobres, que nos

faz sentir infelizes porque onde não há justiça não há paz e isso é o que nos dói”, lançou. (1)

A exclusão de indígenas e camponeses, segundo o jesuíta Francisco Oliva

O jesuíta e jornalista espanhol Francisco Oliva mantém, com 86 anos, o mesmo compromisso social

de quando foi perseguido pela ditadura de Alfredo Stroessner, agora, no Bañado Sur, onde

estabeleceu seu quartel geral contra a pobreza.

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Papa Francisco se encontra com o jesuita español radicado no Paraguai Francisco Oliva.

Francisco Oliva, sacerdote jesuíta espanhol, que é toda uma instituição no bairro, onde trabalha há

décadas, e em todo o Paraguai, onde é uma referência nas lutas sociais.

O pa'i Oliva (pai, em guarani), como o chamam todos os paraguaios, escreveu um artigo, no último

dia 1º de julho, "Os dois ausentes”, no qual ressalta que "os chamo assim porque eles,

preferencialmente, deveriam ser os grupos que tivessem um encontro com o Papa Francisco. Estou

me referindo aos indígenas e camponeses.

Os indígenas porque são os povos originários do Paraguai e que, agora, paradoxalmente, são os

maiores pobres entre os empobrecidos do Paraguai.

"Com muitos temos pensado que chegado o Papa Francisco ao aeroporto e saudado o presidente e

cantado os hinos, sua visita ao povo devesse começar com uma conversa de meia hora com

indígenas no salão vip. É o mínimo que podemos dar a eles e um gesto muito significativo de

respeito aos povos originários que demasiado sofrem desde a colônia e, agora, com esses governos

modernos. O campesinato é o segundo grupo que merece uma atenção preferencial. Eles estão

sofrendo mais que todos a ação das fumigações, a expulsão de suas terras e as repressões. Marina

Cué é um exemplo disso”, afirma Oliva.

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Para ele, um longo encontro entre camponeses e Francisco seria outro gesto e algo muito essencial

para a marcha futura do Paraguai. E os movimentos campesinos presentes seriam as melhores

testestemunhas disto. "Isso que digo é o pensamento do Papa, como mostrou usando palavras de

uma Carta do Episcopado Paraguaio, de 1963”.

Oliva Pongo defende que, depois de 52 anos, o país segue igual ou, inclusive, pior.

"O rico e o pobre têm igual dignidade porque "o Senhor fez os dois” (Pr 22,2)... Isso tem conse

quências práticas, como as que enunciaram os bispos do Paraguai: "Todo camponês tem direito

natural a possuir um lote racional de terra onde possa estabelecer seu lar, trabalhar para a

subsistência de sua família e ter segurança existencial”. Este direito deve estar garantido para que

seu exercício não seja ilusório, mas real. O que significa que, além do título de propriedade, o

camponês deve contar com meios de educação técnica, créditos, seguros e comercialização”, conclui

o padre Oliva. (3)

"Nenhum político pode cumprir seu papel se é chantageado por corrupção”, afirmou

Bergoglio

O Papa Francisco disparou contra a corrupção e as ideologias em um dos discursos mais duros e

apaixonados de sua viagem à América do Sul, ante representantes da sociedade civil reunidos em

um estádio de Assunção.

Camponeses e camponesas paraguaios se preparam para verem o Papa Francisco.

Na presença do presidente do Paraguai, Horacio Cartes, o Papa respondeu várias perguntas

formuladas por um jovem, um indígena, uma camponesa, uma empresária e um político. Fez isso

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através de um roteiro que trazia escrito, mas foi se acendendo à medida em que avançava o

encontro e as palavras mais duras foram as improvisadas.

"Nenhum político pode cumprir seu apelo se é chantageado por corrupção”, afirmou Bergoglio.

Outro à parte do ato que, em seguida, levantou interpretações cruzadas foi sua referência às

ideologias. Lendo o discurso que trazia escrito, Francisco disse: "um aspecto fundamental para

promover os pobres está no modo como os vemos. Não serve uma visão ideológica, que os termina

utilizando a serviço de outros interesses políticos e pessoais”.

Durante discursos anteriores, o Papa Francisco afirmou: "os pobres devem ocupar um lugar

prioritário”. "Que não haja mais vítimas da violência, da corrupção e do narcotráfico”. "Que não

cesse o esforço de todos os setores até que não haja crianças sem educação, camponeses sem

terras para cultivar e famílias sem teto”.

O Papa Francisco, durante o encontro com organizações da sociedade civil, lançou uma dura

mensagem contra o presidente da República, Cartes: "primeiro, a pátria, depois, o meu negócio”.

Contexto

Em 22 de junho de 2015, completou-se o terceiro aniversário do golpe de Estado parlamentar contra

Fernando Lugo no Paraguai; a eleição de Lugo, em 2008, foi aa primeira vitória de uma frente

progressista no Paraguai.

Para entender o contexto em que vive o Paraguai durante a visita do Papa Francisco é preciso

mencionar a análise de Immanuel Wallerstein, ex presidente mundial da Associação Internacional de

Sociólogos (4): "O Paraguai tem sido durante muito tempo uma das piores ditaduras no continente

americano, controlado por uma pequena classe fazendeira, organizada no Partido Colorado, com

miseráveis condições para o campesinato, a maioria do qual pertence os povos indígenas. Em 1989,

o exílio do ditador do Partido Colorado, Alfredo Stroessner, afrouxou um pouco as restrições

políticas. O principal partido de oposição, Liberais (partido de Franco), representa mais as elites

urbanas, mas tem, igualmente, muito pouca simpatia para com o campesinato”, assinala Wallerstein.

Segundo ele, as eleições de 2008 prometiam ser as primeiras que foram relativamente abertas. Foi

neste ponto que o bispo de San Pedro, Fernando Lugo, entrou na cena política. Conhecido tempos

atrás como o bispo dos pobres, Lugo era associado à Teologia da Libertação, alguém que não

contava com os favores de outros bispos nem do Vaticano. Sua plataforma política propunha uma

melhor distribuição da terra. Dado que a Constituição paraguaia e o Vaticano não permitiam que um

clérigo competisse por um cargo político, Lugo renunciou ao seu cargo como bispo e buscou a

laicidade. Apesar de que o Vaticano negou seu pedido, competiu de todos os modos e o Vaticano o

laicizou após a eleição.

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Papa Francisco é recebido por crianças paraguaias.

Lugo recebeu, unicamente, uma pluralidade de votos, no que foi uma eleição de três opciones, mas

o Partido Colorado aceitou as eleições de forma pacífica. Lugo foi o primeiro político de esquerda a

ganhar uma eleição no Paraguai (exceto por uma curta vitória de Rafael Franco, em 1936, que foi

deposto em um ano). A eleição de Lugo fez parte de uma onda de vitórias para os partidos de

esquerdas no continente americano, na primeira década do século XXI. Para o Paraguai, foi um

símbolo de esperança.

"Assim que quem ganhou no Paraguai com o golpe? O que as elites locais mostraram foi sua

musculatura, talvez confiando em intimidar não só a esquerda paraguaia, o que tem ocorrido, mas

enviar uma mensagem aos outros países, especialmente a Bolívia. Os bispos paraguaios e o Vaticano

tiveram sua revanche contra um partidário da Teologia do Libertação”, afirma Wallerstein.

Fernando Lugo, um bispo católico ligado ao movimento campesino da Diocese de San Pedro, que

deixou a batina para aspirar à Presidência do Paraguai, foi quem colocou fim a 61 anos de

hegemonia do Partido Colorado, sustentação da ditadura do general Alfredo Stroessner (1954/1989).

Eu entrevistei, pessoalmente, o ex presidente Lugo em Assunção, em agosto de 2012, e posso

destacar que o golpe "ilegítimo” orquestrado pelas multinacionais do agrobusiness e da soja, e do

setor conservador, não bloqueou a busca por uma construção política progressista, que avança com

o hoje senador Fernando Lugo e outros destacados representantes da esquerda, como Ricardo

Canese, hoje parlamentar do Parlasul.

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O Papa busca um Paraguai menos desigual e mais humanista, disse Lugo

Francisco "destacará como mal está o país e anunciará o melhor que pode ser feito” com "um tom

quase profético”, disse Lugo em Assunção, em declarações a meios jornalísticos, difundidas no dia

09 de julho de 2015.

O Papa "busca que o Paraguai tão católico seja menos desigual e mais humanista, e isso se

evidencia nas visitas que fará ao Buen Pastor”, uma prisão de mulheres; à zona periférica e

empobrecida de Bañado Norte "e ao hospital de crianças com cáncer”, disse o ex mandatário e agora

senador.

Lugo afirmou que o argentino Jorge Bergoglio buscará fortalecer a "opção preferencial pelos pobres”

dentro da Igreja, pois é um homem simples, alheio a luxos e preocupado com os despossuídos.

"Seus gestos soam muito mais forte do que suas próprias palavras e isso incomoda setores

conservadores que durante muitas décadas dominaram a Igreja”, acrescentou o ex presidente, que,

após quatro anos de governo, foi destituído pelo Congresso em 2012, em meio a um controvertido

processo político.

Para Lugo, a visita do Pontífice tem duas facetas: a política, como chefe de Estado, e a pastoral, na

que se aproximará de setores que sempre foram "escandalosamente excluídos” em um Paraguai que

é "culturalmente muito conservador”.

Também disse que o governo de Horacio Cartés e os organizadores da visita "maquiaram” o país

para a visita e programaram atos apenas em Assunção e arredores, diferente do que ocorreu com

João Paulo II, que, em 1988, chegou ao interior e conversou com os camponeses em suas casas.

Contudo, nos tempos atuais, apontou Lugo, será impossível que se oculte do Pontífice que está em

um país "injusto e com muita iniquidade”, no qual persistem graves brechas nas propiedades da

terra.

Lugo assinalou que Bergoglio "sempre demonstrou um afeto grande pela nação paraguaia” e,

particularmente, pelas mulheres, a quem valoriza pelo papel desempenhado ao longo da história.

"As paraguaias são as mais heróicas e gloriosas de toda a América”, disse o chefe da Igreja Católica

em mais de uma oportunidade, segundo ressaltou Lugo. "Elas – disse – foram as que levantaram a

nação depois das guerras”, da Tríplice Aliança, no Século XIX, e a do Chaco contra a Bolívia, entre

1932 e 1935. (5)

Diferente do Equador e da Bolívia, durante a visita do Papa Francisco ao Paraguai, se notou a

tentativa de controle de guardas e policiais, que, por exemplo tomaram muitos cartazes durante o

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encontro com a sociedad civil e o Papa. Várias testemunhas comentam que o encontro foi blindado

pelo governo, as pessoas que realizavam as perguntas foram previamente selecionadas.

Mas a maquiagem não serviu. Uma entrevista exclusiva da cadeia CNN, até há pouco muito

amigável, mostrou visivelmente tenso e nervoso o presidente Cartes. O jornalista fez uma pergunta

sobre o narcotráfico, quando começava a titubear, outra pergunta imediata o deixou afogado: "há,

de verdade, uma determinação do seu governo na luta contra o narcotráfico?”, "O que diz seu

partido?”, "Há candidaturas que provêm desse âmbito?”

Muito questionado foi o presidente Cartes cuando se dirigia aos jardins do Palácio de López

juntamente com o Papa Francisco, parou a caminhada e pediu ao Pontífice que saudasse a deputada

Cristina Villalba. A legisladora, acusada de ser uma das protectoras de narcotraficantes na zona norte

do país, deu um abraço no Sumo Pontífice e, saindo do protocolo, chegou a tocar o rosto do chefe

da Igreja Católica.

A legisladora Cristina Villalba faz parte da equipe política do presidente Cartes e é suspeita do

assassinato do jornalistas do ABC Color Pablo Medina, como a "madrinha” do narcotráfico no norte

do país. As investigações dos seus próprios pares legisladores a mencionam como protetora de

Vilmar "Neneco” Acosta , suspeito como o autor moral do assassinato de Medina e da jovem Antonia

Almada, em 16 de outubro do ano pasado, na Villa Ygatimí, Canindeyú. (6)

Mercedes Canese, vice-ministra de Energia do governo do presidente Lugo declarou, em entrevista

exclusiva ao Observatório sobre América Latina SELVAS: "Jesus também esteve com ladrões,

adúlteras e prostitutas, entretanto, mais necessitam do consolo do Papa os humildes do que esta

poderosa com a consciência muito intranquila, evidentemente... Só mostra o que é Cartes, que

vergonha! Que escandaloso. Que vergonha o nosso presidente! Que falta de respeito, como pôde

chegar a tanto Cartes?”.

A resposta do Papa Francisco foi muito contundente: "que não cesse o esforço de todos os atores

sociais, até que não haja mais crianças sem acesso à educação, famílias sem lar, operários sem

trabalho digno, camponeses sem terras para cultivar e tantas pessoas obrigadas a emigrarem para

um futuro incerto; que não haja mais vítimas da violência, da corrupção ou do narcotráfico. Um

desenvolvimento econômico que não leva em conta os mais frágeis e desafortunados não é

verdadeiro desenvolvimento. A medida do modelo econômico deve ser a dignidade integral do ser

humano, especialmente o mais vulnerável e indefeso”.

"Animo para que sigam trabalhando com todas as suas forças para consolidar as estruturas e

instituições democráticas, que deem resposta às justas aspirações dos cidadãos”, disse o Papa em

um discurso na sede do governo paraguaio.

Francisco, que em sua anterior escala da sua visita sul-americana, na Bolívia, pediu perdão pelos

crimes cometidos pela igreja católica durante a conquista da América (8), reivindicou, no Paraguai,

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as reduções jesuítas, um conjunto de povos fundados pelos jesuítas desde o século XVI para

evangelizar os indígenas guaranis.

O Papa as qualificou como um dos sistemas mais justos da humanidade. "Nelas, o Evangelho foi

alma e vida de comunidades onde não havia fome, nem desocupação, nem analfabetismo, nem

opressão. Essa experiência histórica nos ensina que uma sociedade mais humana também hoje é

possível”, disse Francisco I.

NOTAS

(1) http://www.ultimahora.com/de-francisco-banadenses-esta-es-su-tierra-n912748.html

(2) http://www.serpajpy.org.py/?p=3802

(3) http://www.ultimahora.com/los-grandes-ausentes-n909461.html

(4) http://www.jornada.unam.mx/2012/07/21/opinion/022a1mun

(5) http://www.telam.com.ar/notas/201507/112167-papa-francisco-lugo-paraguay.html

(6) http://www.abc.com.py/nacionales/cartes-pidio-al-papa-que-salude-a-villalba-1386334.html

(7) http://www.alainet.org/es/articulo/171016

Fonte:

http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&prevlang=ES&cod=85760

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17.07.2015

[ENTREVISTA ESPECIAL]

Num Paraguai consumido pela narcopolítica, mensagem do Papa é um alerta ao governo

Cristiano Morsolin

Adital

Magui Balbuena é candidata à vice-presidência da República pela Kuña Pyrenda, membro e

fundadora da Coordenadoria de Organizações Camponesas e Indígenas do Paraguai (Conamuri).

Começou militando na Juventude Agrária Católica ,em 1971, quando tinha 21 anos, em Misiones,

Departamento que está localizado ao sul do território paraguaio. Nesse tempo, a luta era contra a

ditadura e pela organização dos camponeses.

Magui Balbuena começou a militância camponesa no período da ditadura militar paraguaia. Foto: Reprodução.

Sua incursão na organização indígena a levou ao exílio, de onde não perdeu contato com as bases e

seguiu trabalhando. Tempos depois de voltar, em 1980 fundou, com outros companheiros, o

Movimento Camponês Paraguaio (MCP). Depois, em 1985, impulsionou a Coordenação de Mulheres

Camponesas do Paraguai, que, posteriormente, fundou a Coordenadoria Nacional de Mulheres

Trabalhadoras Rurais e Indígenas (Conamuri).

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No ano de 2005, foi eleita entre as "Mil mulheres pela paz”, compartilhando essa distinção, entre

outras, com Gladys Marín, do Chile, e Domitila Chungara, da Bolívia. É muito interessante ler seu

livro-entrevista "Magui Balbuena. Semente para um novo cultivo” (Trompo Edições, Buenos Aires),

da pesquisadora Elisabeth Roig.

Como você avalia as fortes afirmações do Papa Francisco [que esteve no Paraguai entre

nos dias 11 e 12 de julho]?

Magui Balbuena – Realmente, é importante como mensagem e chamada de atenção do governo

federal. Por um lado, a presença do presidente [do Paraguai, Horacio] Cartes entre os movimentos

sociais faz com que se demonstre ao Papa a indignação do nosso povo diante dele. Simples, mas

instrutiva a mensagem do Papa à sociedade. Revelando uma parte da realidade do país da gente

pobre trabalhadora, que sofre as agressões do capital.

Qual é a realidade, hoje, do povo paraguaio?

MB – Um Paraguai consumido pela miséria e a dor de milhões de paraguai@s. Espero que o Papa

compreenda, em sua cabal dimensão, a realidade. Em um documento, que elaboramos juntamente

com a Federação Nacional Camponesa (FNC), a Coordenadoria de Organizações Camponesas e

Indígenas do Paraguai (Conamuri) e outras organizações sociais, denunciamos "um país ameaçado

por entrega e saque, pela mão de Horario Cartes e seus cúmplices”.

A Lei de Privatização ameaça entregar todas as nossas riquezas, a água, a eletricidade, a

comunicação, a terra, a educação e a saúde, aplicando uma política que favorece os ricos e nada

para os pobres, baseada em uma economia de acumulação para alguns poucos, exploração, miséria

e exclusão para a maioria.

No entanto, o Papa Francisco diz, quando se refere à política e à economia, "pensando no bem

comum, necessitamos, imperiosamente, que a política e a economia, em diálogo, se coloquem,

decididamente, a serviço da vida, especialmente da vida humana”. (…) No Paraguai, a narcopolítica

corrompe todas as instituições do Estado, são protegidos e privilegiados pelo governo.

O Papa Francisco diz PRIMEIRO A PÁTRIA, DEPOIS O NEGÓCIO...

MB - Sim, assim mesmo. E que faz falta um modelo de sociedade mais inclusivo. Para os jovens a

mensagem foi forte e que o caminho é a luta.

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Papa Francisco em encontro com o presidente paraguaio, Horacio Cartes. Foto: Reprodução.

"Eu não digo se é verdade, se é justo, não é justo, mas um dos métodos que tinham as

ideologias ditatoriais do século passado era separar as pessoas, com o exílio ou com a

prisão, como o caso dos campos de extermínio, nazistas ou estalinistas”, expressou o

Papa Francisco. Ele pediu mais julgamentos claros e nítidos, "um método que não dá

liberdade às pessoas para assumirem, responsavelmente, sua tarefa de construção da

sociedade, e é chantagem, a chantagem sempre é corrupção... A corrupção é a traça, é a

gangrena de um povo”, sentenciou. O que acha?

MB - Bom. O que eu gostei é que a corrupção é a traça e a gangrena na sociedade, que me pareceu

muito acertado dizer diante dos representantes do governo e das organizações sociais, que é um dos

principais males do governo. Não se pronunciou ainda sobre o caso de Marina kue, Curuguaty.

Trataram de retirar as faixas que levam a pergunta que virou um símbolo de luta: "O que aconteceu

em Curuguaty?” Espero que isso seja feito amanhã, que é uma das principais reivindicações dos

movimentos sociais do Paraguai. Sabendo o que nos espera com o julgamento que se inicia no fim

deste mês.

[Há cerca de três anos, em 15 de junho de 2012, o assentamento conhecido como Marina Kue

(do Guarani, "foi da Marinha”), no município de Curuguaty, no Paraguai, foi invadido por 300

policiais, iniciando um dos maiores conflitos pela terra dos últimos tempos no Paraguai. Seis dias

depois, em 21 de junho, o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, da Frente Guasu, foi

derrubado por um "golpe constitucional”. Como resultado da ação em Curuguaty, 11

camponeses e seis policiais foram mortos].

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Magui, você, que é uma expressão das comunidades eclesiais de base, que lutaram

contra a ditadura de [Alfredo] Stroessner [de 1954 a 1989], o que espera do Papa?

MB - No geral, é alentadora a mensagem do Papa. Como pastor, é o que pode fazer. Esperamos

que, amanhã, ele se refira, com mais força e contundência, à gestão do governo de Cartes, que está

levando o país à queda total. A cada dia, estamos submetidos pela aplicação de sua política

entreguista ao capital.

Fonte:

http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=S&cod=85793

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Papa pede perdão aos indígenas sul-americanos pelos ‘graves pecados’ cometidos pela Igreja

Cristiano Morsolin

Adital

O presidente da Bolívia, Evo Morales, advertiu durante o encerramento do II Encontro Mundial dos

Movimentos Sociais e Populares, realizado em Santa Cruz de la Sierra, no último dia 09 de julho,

que, enquanto existir capitalismo no mundo, a luta das organizações sociais "vai continuar” porque,

na sua opinião, um discurso não é suficiente para garantir a libertação democrática dos povos.

O Primeiro Mandatário, que recebeu juntamente com o Papa Francisco o "Documento de Santa

Cruz”, afirmou que a luta pela libertação democrática necessita do "acompanhamento” de una

libertação econômica, para que perdure no tempo.

Papa Francisco e Evo Morales no encerramento do II Encontro Mundial

dos Movimentos Populares, em Santa Cruz de la Sierra.

Os 1.500 delegados de movimentos sociais de todo o mundo ressaltaram que "as organizações

sociais reunidas no Segundo Encontro Mundial de Movimentos Populares, em Santa Cruz de la Sierra,

Bolívia, durante os dias 07, 08 e 09 de julho de 2015, coincidiram com o Papa Francisco em que a

problemática social e ambiental emerge como duas faces da mesma moeda. Um sistema que não

pode oferecer terra, teto e trabalho para todos, que socava a paz entre as pessoas e ameaça a

própria subsistência da Mãe Terra não pode seguir regindo o destino do planeta.

Page 24: O futuro da humanidade está nas mãos dos povos (Adital_Morsolin)

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"Devemos superar um modelo social, político, econômico e cultural em que o mercado e o dinheiro

se converteram no eixo regulador das relações humanas em todos os níveis. Nosso grito, o dos mais

esquecidos e marginalizados, obriga a que os poderosos compreendam que, assim, não se pode

seguir. Os pobres do mundo se levantam contra a exclusão social que sofrem dia a dia”, assinalam

as organizações no documento. (1)

O primeiro indígena presidente, Evo Morales, respondeu que "o pecado que tem o ser humano é o

capitalismo, enquanto exista o capitalismo e o imperialismo, a luta vai continuar, por mais que hajam

presidentes ou dirigentes em todo o mundo. O povo vive de salário e do movimento econômico, um

discurso não é suficiente para garantir a libertação democrática, uma libertação política precisa ser

acompanhada por uma libertação económica”.

Em sua avaliação, atualmente, existe uma sorte de "anarquia financeira” que tenta invadir alguns

países do mundo, com o objetivo de potencializar o capitalismo e o imperialismo.

"Frente às agressões políticas e militares, às invasões, frente a isso temos a obrigação de (pensar)

como continuar fortalecendo nossas forças sociais”, fundamentou. O presidente boliviano disse que,

para garantir uma revolução democrática, é necessário adotar medidas econômicas que garantam a

segurança financeira das pessoas, porque "o povo vive de salário”. "Por cima de qualquer norma

estão as necessidades sociais, o povo não pode estar submetido às normas”, considerou. Ratificou

que, para evitar as invasões do capitalismo, é necessário concretizar uma profunda reforma nas

Nações Unidas, para eliminar o Conselho de Segurança, que só justifica intervenções nos países. "Na

Bolívia, o imperio tenta cooptar dirigentes e tratar de nos dividir, para nos dominar politicamente e

nos roubar económicamente”, advertiu. (2)

Em várias partes do seu discurso, o presidente foi ovacionado pela plateia. Morales falou por quase

meia hora, durante a qual o Pontífice o escutou com atenção. Antes de criticar o Fundo Monetário

Internacional e o Banco Mundial, o presidente Morales mostrou as chaves para libertar-se dos

organismos financeiros internacionais, que mais do que benefícios, trazem danos para os países,

com suas rendas interesseiras. "Resumo o nosso modelo econômico, social e político: refundação,

nacionalização e redistribuição da riqueza”, disse.

Destacou o aporte do vice-presidente Álvaro García Linera, a quem chamou de intelectual sem

medo, comprometido com as causas sociais, e recordou que, a seu lado, quando ganharam as

primeiras eleições, decidiram fazer seu próprio programa de governo, para beneficiar o povo.

Lembrou que, no passado, o Movimento Ao Socialismo (MAS) decidiu passar da luta sindical para a

luta eleitoral, e referendou que os resultados estão à vista; por enquanto, no tema econômico,

"graças à nacionalização dos recursos naturais, como o gás, por exemplo, a renda petroleira passou

de 300 milhões para 6 bilhões de dólares”.

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Ao final, o mandatário teve tempo para falar sobre a crisis econômica em que está subsumida a

Grécia. "O Fundo Monetário está causando prejuízo, escutei sobre a Grécia, querem mais dívida para

pagar dívida, não para a solução da crise. Temos a obrigação de defender esse povo, é o início de

uma rebelião na Europa”, disse Morales, reiterando a importância de proteger o pueblo grego dos

organismos financeiros.

O futuro está nas mãos dos pobres

Em um discurso emocionante, Francisco respaldou as principais demandas

dos movimentos sociais: Terra, Teto e Trabalho.

Foi o seu discurso mais forte, mais reformista. O mais extenso e autocrítico. O Papa Francisco

chegou ao encerramento do II Encontro Mundial de Movimentos Populares. (3)

Agradeceu os representantes dos movimentos populares por terem se reunido com ele em Roma;

lhes disse que, desde então, os tem em seu coração e em suas orações, elogiou que se reunissem

para debater "melhores formas para superar as injustiças dos excluídos do mundo” e deu graças ao

presidente Evo Morales por "respaldar, decididamente, esse encontro”.

Daí em diente, em quase uma hora de discurso, respaldou as demandas do Encontro: terra, teto e

trabalho (os três T, como ele as denominou). "São direitos sagrados e vale a pena lutar por eles (…),

que o clamor dos excluídos seja escutado em toda a América Latina e em toda a Terra”, disse.

E questionou: "reconhecemos que as coisas não andam bem, em um mundo onde há tantos

camponeses sem terra, tantas famílias sem teto, tantos trabalhadores sem direitos, tantas pessoas

feridas em sua dignidade? (…) Reconhecemos que as coisas não andam bem quando o solo, a água,

o ar e todos os seres da criação estão sob permanente ameaça? (…) Então, digamos sem medo:

necessitamos e queremos uma mudança”.

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"Semeadores de mudança”

Tais fueron, adiante, os eixos da dissertação de Francisco: a necessidade de uma mudança, de uma

transformação e a vinculação dessa mudança à proteção da Mãe Terra, da Irmã Natureza, como ele

a chama.

Sempre coerente com o pensamento expresso na encíclica Laudato Si’ – à qual se referiu várias

vezes –, o Sumo Pontífice disse que já não é sustentável um mundo onde a premissa seja o ganho a

qualquer custo. "Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Esse

sistema já não aguenta, não o aguentam os camponeses, não o aguentam os trabalhadores, não o

aguentam as comunidades, não o aguentam os povos… E tampouco o aguenta a Terra, a irmã Mãe

Terra, como dizia São Francisco”.

O Papa chamou os "poetas sociais” e "semeadores de mudança” – como se referiu aos movimentos

e organizações sociais do mundo – a encontrarem respostas globais para os problemas locais, a irem

contra a globalização da exclusão e da indiferença, em busca de uma "globalização da esperança”, e

a assumir que a mudança que deve ser perseguida nasce do coração e que não é uma mudança

"com donos”. Por isso, disse, "gostei quando escutei sobre o ‘processo de mudança’”.

Porém, deu um apelido a essa mudança, chamando-a de "positiva”. "É a mudança concebido não

como algo que um dia chegará porque se impôs tal ou qual opção política ou porque se instaurou tal

ou qual estrutura social. Sabemos, dolorosamente, que uma mudança de estruturas, que não vem

acompanhada de uma sincera conversão das atitudes e do coração, termina, mais dia menos dia,

por burocratizar-se, corromper-se e sucumbir. Por isso gosto tanto da imagem do processo, em que

a paixão por semear, por regar serenamente o que outros verão florescer substitui a ansiedade por

ocupar todos os espaços de poder disponíveis e ver resultados imediatos. Cada um de nós não é

mais do que parte de um todo complexo e diverso, interagindo no tempo: povos que lutam por uma

significação, por um destino, por viver com dignidade, por ‘viver bem’”. argumentou.

"O futuro do mundo está nas mãos dos pobres, dos povos”, ressaltou.

A mudança é fundamental, mas como se alcança essa trascendental transformação? Francisco eludiu

dar uma receita, mas disse que há três tarefas pendentes.

A primeira é colocar a economia a serviço dos povos, o que quer dizer que deve se repudiar uma

globalização que descarta as pessoas porque não respondem aos parâmetros mercantilistas.

A segunda tarefa consiste em unir os povos no caminho da paz e da justiça, o que equivale a que as

coletividades sejam artífices do seu próprio destino.

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Finalmente, a terceira tarefa, que, segundo o Papa, é a mais importante, funda-se em defender a

Mãe Terra, a casa comum que, hoje, é saqueada e devastada pela globalização fundamentada no

dinheiro.

Em seu emotivo discurso, o Papa também pediu perdão aos povos indígenas pelos graves pecados

da Igreja contra os povos originários. "Quero dizer, quero ser muito claro, como foi São João Paulo

II: peço, humildemente, perdão não só pelas ofensas da própria Igreja, mas pelos crimes contra os

povos originários, durante a chamada conquista da América”.

Um fantasma percorre a América

O jornalista político argentino Luis Bruschtein (4) considera que o discurso do Papa Francisco ante os

movimientos sociais reunidos em Santa Cruz de la Sierra teve uma ressonância inédita e até certa

conotação surrealista porque brusca. Um papa católico, juntamente com Evo Morales e líderes

operários e campesinos, em um pequeno e expoliado país da América Latina. Mais além da origen

latino-americana desse papa, a escolha da cena e das palavras que foram procunciadas implicam

uma decisão política que tem profundas implicações no cenário internacional. É um papa que optou

por um papel terreno, como foi João Paulo II, mas em um registro político muito diferente.

"Vocês, os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podem e fazem muito. Atrevo-me a

dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, em suas mãos.” Parece a apropriação de

uma frase proveniente de outra cultura política. O Papa a formula rodeado de bispos latino-

americanos, que foram designados por seus antecessores e que, em boa medida, têm expressado

todo o contrário. Esse corpo de bispos não tem a mesma prática e, seguramente, vários deles se

sentirão incomodados.

Palavras como "colonialismo” ou conceitos como "Pátria Grande”, formulados nesse contexto, situam

o Vaticano em um registro histórico diferente porque, até há alguns poucos anos, a ideia de

colonialismo estava associada à Igreja Católica, também parte da estrutura de poder de senhores

feudais, em épocas coloniais e de fazendeiros e oligarquias nas posteriores. A Igreja fez parte

institucional e simbólica da estrutura de poder das classes dominantes latino-americanas, com

exceção de alguns bispos, muitos dos quais foram expulsos, durante os dois papados anteriores ao

de Francisco, por terem dito a metade do que disse o Papa na Bolívia.

A maioria dos bispos latino-americanos, sobretudo os episcopados de cada país, não está em

sintonia com esses conteúdos. Representam um fator às vezes tão conservador ou reacionário, como

os que critica o Papa. Nos países latino-americanos, onde há processos populares com discursos em

consonância com o papal, vários episcopados têm se convertido em uma parte da oposição,

juntamente com os meios concentrados de comunicação. Houve momentos em que, na Argentina,

sob a condução do próprio Bergoglio [Jorge Bergoglio, o Papa Francisco], também funcionaram

dessa maneira. O discurso do Papa Francisco, que será um marco na Igreja Católica, não aparece

em linha com esses antecedentes. Se esse forte conteúdo baixa até a linha dos bispos, a grande

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maquinaria simbólica e concreta da Igreja terá producido uma guinada transcendental, com uma

profunda projeção no cenário mundial.

Papa Francisco, quando era arcebispo de Buenos Aires, com a

presidenta argentina, Cristina Fernández.

Balanço do II Encontro Mundial

Para interpretar a complexidade do significado profundo do II Encontro Mundial dos Movimentos

Sociais e Populares, vale a pena mencionar a avaliação do analista político espanhol Manuel

Martínez.

"O II Encontro Mundial de Movimentos Populares (EMMP), realizado em Santa Cruz de la Sierra,

Bolívia, entre a terça-feira, 07, e a quinta-feira, 09, foi de uma grande importância para as

organizações do continente e do mundo por vários motivos”, afirma Martínez.

Em primeiro lugar, a destacada articulação entre correntes do movimento popular latino-americano,

que permitiu a realização desse encontro mundial. O EMMP foi convocado pela Central Operária

Boliviana (COB) e pela Coordenadoria Nacional pela Mudança (Conalcam, por sua sigla em

espanhol), mas, ademais, propôs a organização a Via Campesina do Brasil e a Confederação de

Trabalhadores da Economia Popular (CTEP), da Argentina. Já a partir dessa base tem uma

característica única. É um encontro de organizações, movimentos sociais, organizações sindicais e

populares dos países latino-americanos que também foi aberto a outros países do mundo.

O EMMP debateu durante três dias problemas fundamentais que são comuns na América Latina.

Problemas que tem a ver com as perspectivas de integração e reivindicações compartilhadas como

os três eixos da convocatória: Teto, Terra e Trabalho.

Para destacar também é a participação de movimentos sociales e populares em países onde não

existe, nesse momento, uma política de transformação, mas uma política conservadora. Nesse

sentido a presença de organizações do Peru ou do Chile, por exemplo, tem uma importância

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transcendental. Estes são países que estão no bloco da Aliança do Pacífico e que, de uma ou outra

maneira, seus governos polarizam ou têm uma tensão com a Venezuela, Equador, Bolívia ou,

inclusive, a Argentina.

As conclusões do EMMP foram entregues ao presidente da Bolívia, Evo Morales, e também ao Papa

Francisco durante o encerramento.

Nelas se anuncia o problema do acesso à terra e o rechaço ao despejo das comunidades originárias

como uma questão fundamental. Também se inclui o combate ao trabalho precário – o que é muito

conhecido para a delegação argentina, que tem tido uma representação muito importante através de

companheiros e companheiras da CTEP e do Movimento de Trabalhadores Excluidos (MTE) – e a luta

por direitos trabalhistas. E questões como o acesso à moradia digna. Ou seja, são propostas gerais

que estão na base da articulação internacional desses movimentos sociais.

Ademais, houve confluências importantes não só nas questões vinculadas às lutas setoriais, mas em

termos políticos gerais. O documento de síntese propõe, somando o já mencionado, o "impulso e o

aprofundamento dos processos de mudança social”, a "harmonia com a Mãe Terra”, a luta contra a

discriminação e pela paz entre os povos, a "promoção da liberdade de expressão” e o

desenvolvimento de meios alternativos, comunitários e populares, "colocar a ciência e a tecnologia a

serviço dos povos”, e o rechaço ao consumismo.

Entre Francisco e os movimentos populares, seguramente, há uma convergência nesses temas e sua

presença é um fato sobre o qual é necessário ressaltar várias questões.

Não é correto afirmar que nem a Igreja Católica nem o Papa tenham posições de esquerda. Mas sim

que têm uma sensibilidade diferente, que lhes permite, efetivamente, acompanharem as mudanças e

a realidade dessas mudanças, levando em conta ao mesmo tempo a política, o projeto de recuperar

os fiéis cristãos que, desde os anos 1970 até hoje, descresceram bastante nessas terras.

Para o governo de Evo Morales – e os do restante da região –, sem dúvida, isso representa uma

contradição. A Igreja foi parte fundamental da invasão europeia aos povos latino-americanos. Ainda

com as desculpas que ofereceu Francisco ante os movimentos populares, a Igreja durante a

conquista justificou tudo o que fez nessa região do mundo, com as armas, com o saque.

Isto não significa que, neste século XXI, essa mesma Igreja não tenha a possibilidade de uma

realozação, que signifique um discurso e um posicionamento completamente distintos ao que teve

durante séculos. Isto é o que estão experimentando os povos da América Latina.

Também vale esclarecer que as posições de Francisco não expressam, como alguns supõem ou

analisam, uma expressão da Teologia da Libertação. A Teologia da Libertação foi um movimento

eclesiástico que surgiu de baixo, combinada com a radicalização política dos anos 1960 e 1970.

Surgiu contrapondo-se à política da hierarquia eclesiástica.

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Neste caso, é diferente. É a própria hierarquia eclesiástica, através do seu máximo representante,

que é o Papa – ou melhor, é o Papa – o que promove uma política de diálogo e integração dos

povos e de aproximação com o popular e os movimentos sociais. É outro momento histórico

diferente e uma posição diferente da que tem, hoje, a Igreja.

"Nesta política, que busca uma relação com os movimentos e não os confronta diretamente, as

tensões van continuar ocorrendo, sempre. No caso concreto dos movimentos sociais, das

reivindicações da economia popular, dos camponeses sem terra, etc., o assunto é até fácil”, conclui

Manuel Martínez. (5)

NOTAS

(1) http://movimientospopulares.org/sale-la-carta-de-santa-cruz/

(2) http://www.cambio.bo/?q=morales-mientras-exista-el-capitalismo-la-lucha-va-seguir

(3) http://www.paginasiete.bo/sociedad/2015/7/10/futuro-esta-manos-pobres-62743.html

(4) http://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/1-276809-2015-07-10.html

(5) http://notas.org.ar/2015/07/10/tierra-techo-trabajo-movimientos-populares-papa-francisco-

bolivia/

Fonte:

http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=85729

Page 31: O futuro da humanidade está nas mãos dos povos (Adital_Morsolin)

31

Bolívia é escolhida para sediar Encontro dos Movimentos Populares por sua participação

democrática

Cristiano Morsolin

Adital

O vice-ministro de Coordenação com os Movimentos Sociais, Alfredo Rada, informa que o Papa

Francisco elegeu a Bolívia como sede do II Encontro Mundial dos Movimentos Sociais e Populares (1)

porque, na Bolívia, há uma participação democrática dos movimentos sociais e sua formação.

Evo Morales, presidente boliviano, ao lado do cardeal Peter Turkson, durante a abertura

do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares

Tal evento, do qual participam 900 organizações sociais de diversos continentes, foi inaugurado

nesta terça-feira, 07 de julho, no coliseu Municipal de Santa Cruz, pelo presidente do Conselho

Pontifício para a Justiça e a Paz do Vaticano, cardeal ganês Peter Turkson.

"A Bolívia foi escolhida porque aqui há participação democrática dos movimentos sociais e a

formação de um governo que é dos movimentos sociais, então, essa é a diferença entre os outros

países. No Equador, existe um processo de mudança, mas tem outras características”, enfatizou a

autoridade, em uma entrevista aos meios estatais.

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32

Ele explicou que, na Bolívia, foi onde mais se avançou na participação política dos movimentos

sociais. "Creio eu que essa foi uma razão que explica por que o Papa Francisco decidiu participar de

um encontro com movimentos sociais neste país”.

Segundo Rada, o evento mundial será concluído nesta quinta-feira, 09. São três dias de trabalho

intenso, no qual delegações de ao redor de 30 países, que já confirmaram sua participação, através

dos seus 900 delegados, é que estaremos trabalhando em Santa Cruz”.

Também indicou que Francisco dará uma mensagem para encerrar o Encontro Mundial de

Movimentos Sociais e Populares, ao qual também assistirá o presidente Evo Morales.

"Encerra Francisco (o encontro), tomando a palabra, seguramente uma meia hora, talvez um pouco

mais, depende dele, dando uma mensagem aos movimentos sociais aqui reunidos”, concluiu Rada

(2).

Comentários desde Santa Cruz

O Observatório sobre a América Latina Selvas está documentando esse importante encontro

mundial.

Francisco Estigarribia, da Coordenação de Crianças e Adolescentes Trabalhadores do Paraguai

Connats, assinala que "o Papa terá a oportunidade de escutar os movimentos sociais, dialogará com

os mais pobres, os indígenas, os camponeses, as mulheres e as crianças e adolescentes

trabalhadores na Bolívia, não fará isso no Paraguai, não poderá fazer porque o cercaram, o

blindaram, mas o povo sempre encontra a forma de se fazer escutar!!!”

Alberto Croce, diretor do SES Buenos Aires, Latindadd e Campanha Latino-Americana pelo Direito à

Educação, salienta que, "na televisão boliviana, falam MUITO sobre o encontró, que amanhã [terça-

feira] começamos. Ontem [domingo] estivemos jantando no hotel com o cardeal Turkson. Um

nigeriano simpático. Há uma delegação de cerca de 30 pessoas convidadas pelo Vaticano (um deles

sou eu e continuo sem saber por quê…). No encontro haverá cerca de 1.000 delegados. Os temas:

Habitat, Terra, Trabalho, Violência e Integração. Estou com muita expectativa”.

Na inauguração do II Encontro Mundial de Movimentos Sociais e Populares, no Coliseu Municipal de

Santa Rosita, o argentino Juan Grabois, membro do Comitê Organizador do encontro, destacou que

"viemos falar com respeito, mas também com coragem. A paz se constrói com o respeito e o diálogo

de todas as vozes. Terra, teto e trabalho são os três eixos deste Encontro. E viemos reafirmar que

aAmérica Latina é uma zona de paz”.

O cardeal Turkson, procedente de Gana, ressaltou, na entrevista coletiva de ontem [domingo], que

os cinco temas – moradia, trabalho, violência, terra e meio ambiente – são considerados chaves

pelos crescentes desafios. "A Igreja pretende tomar as necessidades e aspirações dos movimentos

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sociais como próprias e assim unir-se através de diferentes iniciativas. O objetivo é gerar mudanças

sociais necessárias para um mundo mais justo”. Também acrescentou que é necessário "o grito dos

pobres e da terra”, de maneira conjunta, porque considerou que os problemas sociais e do meio

ambiente requerem uma solução integral.

"Na Igreja e na sociedade, devemos aprender a incluir os excluídos e, para isso, devemos chegar a

até aqueles que se encontram na periferia. Deve-se receber os marginalizados como membros

absolutos da nossa comunidade, economia e sociedade”, ressaltou Turkson, membro do Conselho

Pontifício de Justiça e Paz do Vaticano (3).

Participantes do Encontro de Movimentos Populares acompanham discurso do presidente

boliviano

O aporte do Vaticano

O assessor do Escritório do presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz do Vaticano, Michael

Czerny, assegurou que o segundo Encontro Mundial de Movimentos Populares, realizado de 07 a 09

de julho, em Santa Cruz, permitirá identificar os desafios e buscar políticas para trabalhar em defesa

da Mãe Terra.

"Este é um grande encontro para ser conhecido, para apreciar os desafios, identificar e caminhar

juntos, e poder trabalhar com alegria, já que os desafios são grandes para defender a Mãe Terra,

mas devemos enfrentá-los com muita unidade porque é um desafio muito grande", disse. Para ele,

se bem que se poderão ser identificados os desafíos, "enfrentá-los também será um grande desafio”.

Indicou que se deve manter a unidade para assumir a responsabilidade pelo cuidado e preservação

da Mãe Terra. Também comentou que ele viajou pelo menos 18 horas, "as quais, sim, valeram a

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pena”, para assistir ao encontro de organizações sociais, que qualificou de "histórico”. Czerny visitará

cada uma das cinco mesas de trabalho, que são instaladas nesse encontro mundial, cujas conclusões

serão entregues ao Papa Francisco, nesta quinta-feira, 09 de julho.

O Santo Padre chega à Bolívia, nesta quarta-feira, 08 de julho, depois de sua visita ao Equador.

Visitará as cidades de El Alto e La Paz, onde se reunirá com o presidente Evo Morales, entre outras

atividades, e, à noite, viajará para a cidade de Santa Cruz para descansar. Em 09 de julho, o Sumo

Pontífice ministrará a eucaristia no Cristo Redentor e, depois, participará da Cúpula Internacional dos

Movimentos Sociais e Populares. Na sexta-feira, 10 de julho, visitará a prisão de Palmasola e assistirá

a um encontro de bispos da Bolívia, logo após, se trasladará para o Aeropuerto de Viru Viru, de onde

viaja para Assunção, Paraguai.

Francisco é o primeiro Papa sul-americano na história da Igreja Católica e o segundo Pontífice que

chega à Bolívia depois de João Paulo II, que visitou o país em 1988, há 27 anos (4).

"Não é neutro, mas escrito a partir do mundo empobrecido, do Sul”, segundo Luis Infanti

Esse histórico encontro do Papa Francisco com os movimentos sociais reunidos em Santa Cruz é

relacionado à nova encíclica do Papa Francisco: "Ar fresco para a paz e a vida”, se intitula a reflexão

que fez o bispo de Aysén (Chile), Luis Infanti.

Monsenhor Luis Infanti qualifica como contundente, profético e desafiante o documento, divulgado

pelo Sumo Pontífice, relevando que "não é neutro, mas escrito, sobretudo situada a partir do mundo

empobrecido, do Sul, que desafia, fraternalmente, o Norte a lançar uma mudança decidida e valente.

Os tempos, a nova época não deixam dúvidas: não se pode continuar como estamos agora”,

sentencia o religioso.

Acrescenta que, a partir do mundo empobrecido e transpassado pela injustiça humana e ambiental,

o Papa Francisco chama à consciência dos povos, crentes e não crentes, a exigirem (a justiça não se

pede, se exige, porque é um direito dos marginalizados), uma mudança de rota para os poderosos

dos poderes econômico, político, científico e tecnológico mundiais. Faz, não a partir de uma religião,

mas da ética e da espiritualidade mais profunda da sensibilidade humana (5).

NOTAS

(1)http://movimientospopulares.org/ (2)http://www.cambio.bo/?q=el-papa-eligi%C3%B3-bolivia-sede-de-cita-mundial

(3)http://www.la-razon.com/sociedad/Francisco/Visita-movimientos-sociales-abren-cita-mundial_0_2303169686.html (4)http://www.ver.bo/index.php/santa-cruz/item/8588-santa-cruz-anfitriona-recibe-el-2-encuentro-mundial-de-movimientos-populares (5)http://www.alainet.org/es/articulo/170863

Fonte:

http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=S&cod=85691

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Grande expectativa para a mensagem do Papa no II Encontro Mundial

de Movimentos Populares

Cristiano Morsolin

Adital

Nesta quinta-feira, 09 de julho, durante a sua estadia na Bolívia, o Papa Francisco se reúne com os

movimentos sociais da América Latina, que estão reunidos na Segunda Cúpula Internacional dos

Movimentos Populares, no Departamento de Santa Cruz, informa o vice-ministro de Coordenação

com os Movimentos Sociais, Alfredo Rada.

Vice-ministro Alfredo Rada, afirma que conclusões do Encontro serão baseadas na Teologia da Libertação.

O evento é organizado de maneira coordenada entre o governo boliviano e o Servicio de Paz e

Justiça da Igreja Católica. O Santo Padre comprometeu sua presença no ato de plenária e entrega

das conclusões do encontro, que será concluído no dia 09 de julho, tal como ocorreu em outubro de

2014, no Vaticano, com o Primeiro Encontro Mundial dos Movimientos Populares (1).

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Para Rada, é um "sinal muito importante” o encontro do Sumo Pontífice com setores sociais da

Bolívia e da América Latina, para debater temas transcendentais, como o direito à terra, ao trabalho,

à moradia e à defesa da Mãe Terra, frente à mudança climática, ocasionada "pelo Capitalismo”.

"Está confirmada a participação do Papa Francisco nessa plenária final, para conhecer as conclusões

desse encontro, mas também para dar uma mensagem aos movimentos sociais, a partir do que é a

Teologia da Libertação", observa Rada.

Na avaliação de Rada, os movimentos sociais têm coincidências com a Igreja Católica na defesa do

direito à moradia, ao trabalho, à terra, na valorização dos direitos da Mãe Terra e "na denúncia de

uma espécie de onda belicista que está ocorrendo em nível mundial, que está gerando guerras".

"Há coincidências com o que o Papa Francisco vem pregando em suas distintas mensagens",

reafirma o vice-ministro boliviano.

Ao encontro assistirão grupos sociais da América Latina e de outras partes do mundo, que invocarão

o "internacionalismo dos movimentos sociais, ao mesmo tempo em que serão dadas importantes

mensagens referentes aos grandes temas” que, hoje, provocam conflitos "na humanidade”, diz Rada

(2).

Centenas de participantes abrem II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em Santa Cruz de la Sierra, nesta

terça-feira, 07 de julho.

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Muitas expectativas

A máxima autoridade da Igreja Católica estará acompanhado pelo presidente Evo Morales e se

espera que abordem temas como o direito à terra, ao trabalho, à moradia e à defesa da Mãe Terra

frente à mudança climática.

"Obviamente, há uma semelhança entre a encíclica papal e a posição que demonstra o governo do

presidente Evo Morales, desde 2006, a respeito do cuidado da Mãe Terra e da proteção dos recursos

naturais e dos povos indígenas”, sustenta o analista político boliviano Jorge Dulón (3).

"Essa concepção – agrega o pesquisador – bem como o socialismo comunitário, como a economia

plural, como a justiça comunitária têm sido postulados que nasceram no início desse processo, em

2006, especificamente”.

Bolívia é o segundo países visitado pelo Papa em sua estadia na América do Sul; primeiro foi o Equador e o

terceiro e último será o Paraguai.

Desde que o Movimento Ao Socialismo (MÁS) alcançou o governo, o presidente Evo Morales

priorizou um discurso de defesa da Mãe Terra, que se exteriorizou nas intervenções que teve em

foros internacionais.

Por essas razões, há muitas expectativas pela viagem do Papa Francisco, que começou neste

domingo, 05, com a chegada no Equador, e depois continua na Bolívia e Paraguai.

Trata-se de uma viagem estratégica para fortalecer "a integração latino-americana, a união dos

povos, a luta contra a pobreza e a desigualdade, a partir da mensagem do Papa Francisco”, como

ressalta Erika Farfán, encarregada da Bolívia ante a Santa Sé.

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NOTAS

(1) http://movimientospopulares.org/

(2) http://www.periodistadigital.com/religion/vaticano/2015/04/30/el-papa-hablara-de-la-teologia-

de-la-liberacion-con-movimientos-sociales-en-bolivia-iglesia-religion-america-justicia-paz.shtml

(3) http://www.paginasiete.bo/ideas/2015/6/28/analisis-enciclica-papa-francisco-discurso-

pachamamista-gobierno-61222.html

Fonte:

http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=S&cod=85684

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[ENTREVISTA ESPECIAL] Bolívia e a política do Viver Bem

Cristina Fontenele

Adital

A Bolívia tem se destacado, nos últimos anos, no cenário latino-americano pela participação

crescente dos movimentos sociais na política e pelas transformações implementadas no país, desde

que Evo Morales assumiu a Presidência da República, em 2006.

Fernando Huanacuni trabalhou durante sete anos na Diplomacia da República da Bolívia,

assessorando o governo de Morales e orientando as políticas públicas para implantar a diplomacia

entre os povos. A partir da cosmovisão andina do "viver bem” buscou fomentar o diálogo entre as

organizações e gerar novos mecanismos de integração nacional.

Ele deixou as atividades no governo em 2014 e, agora, trabalha realizando conferências ao redor do

mundo, difundindo a filosofia dos povos indígenas originários - o Bem Viver/Viver Bem (Buen

Vivir/Vivir Bien), título do seu livro, lançado em 2010.

Para Fernando Huanacuni, ex-assessor do governo de Evo Morales, a Bolívia

está vivendo uma época economicamente incomum, com uma estabilidade e um

crescimento macroeconômico importante.

Em passagem pelo Brasil, Huanacuni concedeu esta entrevista exclusiva à Adital. O

filósofo aymara boliviano analisa o contexto social e político do seu país, comentando o que evoluiu

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nas políticas públicas nos últimos anos e de que forma a filosofia do Bem Viver tem transformado a

sociedade boliviana.

Adital: Como o senhor avalia o contexto social da Bolívia? Quais os avanços e desafios no

país?

Fernando Huanacuni: A Bolívia tem passado por transformações importantes a partir de 2006,

quando assumiu como presidente Evo Morales, um irmão indígena, que mudou toda a sua história.

Antes de 2006, os presidentes anteriores diziam que a Bolívia era inviável, que morria, e aplicaram

políticas econômicas muito duras, encorajadas pelos organismos internacionais. Então, quando

chegou o presidente Evo Morales, mudou a política. Primeiro, começamos a organizar, internamente,

a economia, os gastos e, depois, a fazer uma nova Constituição política do Estado, o que permitiu

recuperar os recursos do país. Recuperamos o petróleo, o gás, parte da mineração. Isto permitiu

manter uma estabilidade na Bolívia. O país está vivendo uma época economicamente incomum.

Há estabilidade econômica e um crescimento macroeconômico muito importante, e há políticas

sociais que também são muito importantes para o povo. Por exemplo, os bônus pagos às mães

gestantes e às crianças que estudam; e a aposentadoria para todos os idosos que trabalharam ou

não. Essas políticas foram importantes para recuperar a vitalidade do país. Houve uma redução

significativa da pobreza, porque, na Bolívia, havia mais de 40% de pobres. Todas essas políticas

econômicas, considerando que o Estado foi um bom administrador, recuperou, nacionalizou,

permitindo que os recursos e os serviços básicos mais importantes ficassem sob a administração do

Estado. A nacionalização do gás e do petróleo, por exemplo, permitiu que o crescimento econômico

fosse muito importante, sendo distribuído em todos os setores sociais. Isso permitiu que a pobreza

foi reduzida bastante.

Adital: Os movimentos sociais têm encontrado mais espaço na política nacional?

FH: Agora sim. Há dois setores importantes – movimentos sociais e movimento indígena originário.

Os movimentos sociais são os de trabalhadores, operários, mineiros. Os movimentos indígenas são

diferentes. As propostas do Estado Plurinacional, a atual estrutura da constituição política do Estado,

foi plantada pelo povo indígena originário e com apoio dos movimentos sociais. Toda a estrutura,

todo o desenho é da cosmovisão indígena originária. Por exemplo, o Estado Plurinacional, como é o

nome agora, significa que, no meu país, não mora somente uma nação, mas muitas nações.

Aymara, quechua, guarani, somos 36 nações que vivemos na Bolívia. Não somente é um

reconhecimento, mas também um pluralismo econômico, jurídico. Há diferentes formas de interação

social e econômica, de saúde, de educação. Há currículos diferenciados para cada lugar, porque

antes era somente uma economia, um só sistema jurídico, um só sistema de saúde, um só sistema

educativo. Agora, há diversas formas para cada povo, para cada região.

Plurinacionalidade significa uma mudança estrutural do Estado. A República era um Estado-nação,

que dizia que, na Bolívia, havia uma só nação – os bolivianos. Mas, no estado Plurinacional, vivem

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muitas nações, 36 nações indígenas originárias. Não é somente o reconhecimento dos povos

originários, é também criar novos espaços de economia, jurídico, de saúde, educação. Abriu-se uma

visão não somente ocidental, mas também dos povos indígenas originários.

Adital: Quais são os avanços nos direitos dos povos indígenas?

FH: Os povos indígenas originários têm buscado algo fundamental, não só os direitos no sentido

humano, mas os direitos da Mãe Terra. Isto é o mais importante. O Estado Plurinacional cuida dos

seres humanos e, sobretudo, cuida da vida, da Mãe Terra, que não pode ser objeto de exploração,

não pode ser depredada, destruída. Portanto, os direitos da Mãe Terra são fundamentais, não

existem em nenhuma parte do mundo, não existe no Brasil. Certamente, existem leis ambientais,

mas não os direitos da Mãe Terra, o que é muito diferente. A Mãe Terra, na cosmovisão dos povos

indígenas, é uma entrada para cuidar da harmonia e não destruí-la. Portanto, a mineração, a

exploração do gás e do petróleo tem que cuidar da Mãe Terra. É uma exigência dos povos indígenas.

Nós entendemos que a Pacha Mama (Mãe Terra) não é igual ao planeta ou ao meio ambiente.

Planeta é algo inerte, sem vida. O sistema jurídico ocidental acredita que a Mãe Terra não tem vida,

mas nós cremos que tem. Então, a relação não seria de sujeito a objeto, e sim de sujeito e sujeito.

Adital: As mulheres têm tido mais direitos e participação na política?

FH: Temos por lei que toda instituição precisa ter 50% de mulheres na administração, incluindo o

gabinete. Por isso, creio que seja um dos poucos gabinetes que têm mais mulheres em relação a

gabinetes de outros povos. E, os ministérios, qualquer setor da administração pública, devem ter

50% de homens e 50% de mulheres. Estamos aprendendo, porque o machismo, como é no Brasil e

em outros países, é ostensivo. Estamos acostumados, por exemplo, a ver autoridades somente

masculinas e não autoridades femininas, mas está se buscando um equilíbrio. Vai passar muito

tempo até que nós nos acostumemos. As pessoas precisam se acostumar, assim como demorou a se

acostumar a ver um indígena na Bolívia, governando. Foi muito difícil porque setores de direita, que

sempre sustentaram o poder, não queriam ver um indígena, sendo a Bolívia majoritariamente

indígena.

A população da Bolívia é 50% de mulheres e 50% de homens, equilibrado em quase todo o país.

Então, não se pode negar às mulheres o direito também da administração. O presidente Evo Morales

é um dos que está incentivando as políticas de equilíbrio dos direitos da mulher. Primeiro, na

administração pública, e também em algo muito importante, que é a defesa da mulher, porque a

violência é muito forte. Estamos saindo de um sistema machista muito forte. Existem os feminicídios,

é quase constante o abuso da mulher. Portanto, foram criadas leis, mas é preciso mudar a

mentalidade, porque o machismo pensa que os homens são superiores às mulheres. Isso é parte de

um sistema educacional e estamos ajustando muitos aspectos. Já começamos, mas falta muito

ainda.

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Na Bolívia, por lei, toda instituição precisa ter 50% de mulheres na

administração. Na foto, Gabriela Montaño eleita esse ano presidenta da

Câmara dos Deputados.

Adital: Quais são os atuais desafios nas políticas públicas?

FH: Para que a Bolívia siga nesse processo de transformação que empreende, com muitos bons

resultados, precisamos de aliados. É um país muito pequeno dentro do contexto latino-americano e

mundial. As transformações também precisam ocorrer ao redor, porque nós podemos cuidar da Mãe

Terra, mas, se o Brasil não cuida, também vai igualmente afetar todos nós. É por isso que as

articulações precisam ser entre os Estados, que precisam despertar para cuidar da vida e dos direitos

da Mãe Terra. Por que surge a insegurança? Pela dor do ser humano. O bem viver diz que o Estado

tem que cuidar da família, e para isso necessita de instrumentos legais, mecanismos, economia,

educação, não somente direitos individuai,s como o Ocidente afirma. Tem que emergir um novo

sistema jurídico.

Nós, povos indígenas, acreditamos que chegou um novo tempo para resolver a vida e isso vem de

uma cosmovisão ancestral da cultura da vida. Isso nos permitirá resolver aspectos importantes como

a economia dos Estados mas, sobretudo, da vida. Creio que chegou um tempo importante, sabemos

que ter mais não é viver bem, traz mais problemas. E o mundo moderno incentiva a ter mais, mas já

não vive e não vive bem. Nossos filhos não podem seguir esse ritmo de vida, porque não vão a

nenhuma parte se vão destruir a si mesmos. Precisamos de novas matrizes, e as matrizes ancestrais

são as respostas, para nós. A Bolívia tem demonstrado isso. O Fundo Monetário Internacional (FMI)

está estudando a Bolívia porque o país obteve êxitos sem suas recomendações. As políticas públicas

do FMI, do Banco Mundial, recomendavam e fracassávamos. Mas, agora sem as recomendações,

estamos bem. Temos crescimento econômico, que não é somente querer ter crescimento

econômico, sem cuidar da Mãe Terra. Não é somente gerar classes que podem comprar mais, com

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mais dinheiro, mas gente que seja consciente da vida. Isso é que vai gerar um novo sistema

educativo. Vai demorar gerações, certamente, mas temos que começar de algo.

Adital: Como avalia a visão de outros países sobre a Bolívia hoje?

FH: Existe pouca informação. Talvez, se tiverem mais informação, podem ir nesse rumo também. A

Bolívia está tendo uma transformação muito, muito importante. Eu venho de setores indígenas, não

viemos da classe média, e, por muitos anos, estávamos subsumidos na pobreza. Hoje, temos

oportunidade. E acredito que a oportunidade é para todos. E isso depende do Estado, da economia,

do sistema jurídico. Os organismos internacionais estão se dando conta de que não queremos

romper com o sistema, no sentido de nos separar dos demais. Talvez, os Estados precisem olhar

com um pouco mais de detalhe para a Bolívia, para poder aprender e se articular. A Bolívia está

unida ao Brasil, Peru, Argentina, Chile, na verdade, a toda a América Latina, porque nossas

economias dependem umas das outras. Agora, importa olhar para nós mesmos, o que quer dizer nos

escutarmos, nos articularmos e nos integrarmos verdadeiramente.

Adital: Como estão as negociações com o Chile para a saída da Bolívia ao mar?

FH: Muito bem. Nós ajustamos a diplomacia dos povos. Há uma diplomacia oficial, falam os

presidentes, os chanceleres, falam os estados através dos mecanismos regulares das chancelarias.

Mas nós, povos indígenas originários, do Estado Plurinacional, temos outra forma de fazer diplomacia

também, a diplomacia dos povos. Os mineiros falam com os mineiros, os operários com os operários,

os indígenas falam com os indígenas do Chile, e aí ganhamos muitíssimo. Explicamos que, num

verdadeiro processo de integração dos povos, não pode haver desarmonia. O Brasil necessita da

Bolívia, fornecemos grande parte do gás para os territórios brasileiros. O Brasil também nos ajuda

com muitos outros produtos. Para a Argentina, por exemplo, fornecemos gás a preços muito

baratos. Para o Chile podemos fornecer também.

O Chile precisa nos dar uma passagem para o mar, que é, além de tudo, um direito histórico, porque

um direito não se pode sustentar pela força. É uma inconsciência, uma aberração. Um direito é um

acordo entre as partes, um bom consenso, se há superposição um sobre o outro não é um bom

equilíbrio entre os povos. Com o Chile temos uma dívida histórica, eles têm uma dívida histórica

conosco. Estamos recorrendo às cortes internacionais, como a de Haia, que é um organismo

reconhecido internacionalmente. Portanto, estamos no caminho também do bem viver, que é

começar a dialogar. Viver melhor seria dizer: eu tenho mais armas, pois luto contigo e te obrigo, mas

isso não é a ideia. O viver bem significa falar, dialogar e resolver.

Adital: Quais são as expectativas com a visita do Papa neste mês de julho?

FH: A Bolívia tem uma grande população católica. Mas nem todos são católicos, há evangélicos,

protestantes e também os povos indígenas, que não somos católicos. Mas há um setor católico

importante. Este setor e o Estado estão muito felizes em receberem um líder espiritual, não somente

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da Bolívia, mas do mundo. E, obviamente, sua presença marca um fortalecimento espiritual daqueles

que creem na religião católica cristã. Então, dentro da política do bem viver, por exemplo, se aceita

um diálogo com todos. Não é que não se creia em Deus. Os povos indígenas têm outra forma de

conceber a vida, o que não significa que não podemos dialogar com outras formas de crença

espiritual da vida. A Bolívia está se preparando com grande alegria. Há um movimento muito

importante de setores da classe alta, média, povos indígenas, movimentos sociais e políticos, todo

um movimento de preparação para a visita do Papa Francisco.

Adital: Em seu livro Vivir Bien/Buen Viver fala sobre isso? O que significa Bem Viver?

FH: O mundo moderno quer viver melhor, mas viver melhor é ter mais e consumir mais. O viver

melhor é cuidar do mercado. Para o mercado, não combina que os produtos sejam duráveis e sim

que durem pouco, para seguir vendendo. O capitalismo se sustenta incentivando o ser humano a

consumir cada vez mais e propagando a ideia de que ter mais é viver melhor. Nós, indígenas,

dizemos – não queremos viver melhor, queremos viver bem. Viver bem é diferente de viver melhor.

Viver melhor é a modernidade, o capitalismo, consumir, ter mais, destruir, depredar a vida; para

nós, viver bem é viver em harmonia. Primeiro, você tem que estar em harmonia, e em harmonia no

casal, na família, na comunidade, em harmonia com a Mãe Terra, isso é viver bem.

O que consideramos é que, para viver bem, tem que estar em harmonia com a Mãe Terra. Não se

pode destruí-la, é preciso cuidar da Mãe Terra, isto é viver bem. Portanto, já não encorajamos às

gerações a venda de produtos só por vender, mas apenas o necessário, o que necessitamos

realmente. Então, é uma visão diferente do capitalismo, do progresso e dos processos da

modernidade. Viver bem significa cuidar da vida, porque no mundo indígena pensamos que se

desaparece qualquer espécie de animal, ou a árvore ou a montanha, afeta todos nós. E acredito que

hoje em dia, através da mudança climática, estamos vendo o que é o despertar. Dessa forma, os

estados devem cuidar da vida, não somente da economia. A vida precisa ser considerada parâmetro

para que a economia consiga emergir, para que o sistema jurídico também, e não somente a

economia primeiro e depois a vida. Não, a vida é agora. Mas não somente a vida do ser humano, e

sim a vida como sentido de equilíbrio da Mãe Terra.

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Para os povos indígenas originários, o a filosofia do Viver Bem é esta em harmonia

com a Mãe Terra (Pacha Mama).

Adital: Já comentou em declarações que estamos vivendo "uma crise de vida”, o que

significa?

FH: Estamos recuperando as matrizes de vida ancestrais. O Ocidente tem padrões de vida, que são

o individualismo, machismo, antropocentrismo, depredação da vida e o consumismo. Mas isso é algo

antinatural, que não vai trazer bons resultados. Queremos recuperar as matrizes ancestrais da

cultura da vida, que é diferente, é Pacha Mama, cuidar da vida, cuidar da harmonia, gerar novas

formas nas áreas jurídicas e econômicas. O Ocidente tem implantado vários paradigmas, o

individual, que é o capitalismo, e o comunismo, que é o socialismo. Ao capitalismo interessa somente

o dinheiro, gerar riqueza, mas somente alguns se apropriam e milhões estão sem riqueza. O

socialismo diz tem que seguir gerando riqueza, mas é preciso distribuí-la bem. Mas os povos

indígenas dizemos que a matriz comunitária não é somente gerar riqueza, é como gerar riqueza.

Não se pode gerar riqueza destruindo a vida, a Mãe Terra. Por isso pensamos que o Ocidente

fracassou, porque não resolveu nem as desigualdades sociais e está destruindo a vida. O próprio

comunismo não questiona a forma de explorar, mas a forma de destruir a riqueza. Ao invés disso, os

povos indígenas dizem: não tem que explorar, tem que cuidar da vida, e não, simplesmente,

explorar por explorar. Para o capitalismo, a montanha é um recurso a explorar. Para o comunismo, é

igual. Mas, para os povos indígenas, é parte do equilíbrio da vida, porque se a destrói, afeta todos. O

capitalismo incentiva viver melhor, que é ter mais. O socialismo busca só o bem estar do ser

humano, não se interessa pela vaca, pela lhama, a árvore, a montanha. Karl Marx nunca disse Pacha

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Mama. Os povos indígenas se interessam pela vida de todos. O Ocidente implantou o capitalismo e o

socialismo, que seguem gerando riqueza e questionam apenas a forma de distribuição.

Adital: Deseja acrescentar algo mais?

FH: Nós não podemos seguir sob os parâmetros modernos de vida, como estamos vivendo.

Sabemos que viver melhor não é a resposta. Todos queremos viver bem, no fundo, mas a

publicidade, a modernidade, o conceito de êxito na sociedade fez com que uns queiram viver

melhor, ter mais. Passam a vida trabalhando, trabalhando e destruindo e depois se dão contam de

que perderem a vida e querem viver, mas já é muito tarde, quando já estão talvez com 60, 70, 80

anos, ou quando já perderam a família e querem recuperá-la. O viver bem nos diz que nos demos

conta, agora, do valor da vida. Para que viemos? Afinal, entre os povos indígenas originários,

refletindo sobre o viver bem, sempre nos perguntamos para que viemos.

Eu não vim para acumular, ter mais, não. Viemos para ser felizes, e isso implica não em uma vida

individual, como nos diz a modernidade, mas uma vida compartilhada, que significa casais, família.

Não estamos sabendo cuidar da família, é preciso aprender, mas não é somente a família em termos

consaguíneos, e sim também no sentido da Pacha Mama. É uma nova realidade. Hoje em dia, a crise

do capitalismo, que é uma crise de vida estrutural, está buscando respostas. Acreditamos e estamos

certos de que a resposta do viver bem o mundo pode encontrar. Esse viver bem todas as culturas,

em todos os continentes, conseguem encontrar, na Europa, na Ásia, este é o paradigma, esta é a

matriz ancestral, cuidar da vida.

10-07.2015

Autor: Cristina Fontenele Estudante de Jornalismo pela Faculdades Cearenses (FAC), publicitária e Especialista em Gestão de Marketing pela Fundação DomCabral (FDC/MG).

Fonte:

http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=S&cod=85710

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PARTE II

Documentos

Discurso do Papa Francisco aos Movimentos Populares

Vatican News

Adital

Boa tarde a todos!

Há alguns meses, reunimo-nos em Roma e não esqueço aquele nosso primeiro encontro. Durante

este tempo, trouxe-vos no meu coração e nas minhas orações. Alegra-me vê-vos de novo aqui,

debatendo os melhores caminhos para superar as graves situações de injustiça que padecem os

excluídos em todo o mundo. Obrigado Senhor Presidente Evo Morales, por sustentar tão

decididamente este Encontro.

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Presidente Evo Morales e Papa Francisco durante II Encontro Mundial dos Movimentos Populares.

Foto: Enzo De Luca | ABI

Então, em Roma, senti algo muito belo: fraternidade, paixão, entrega, sede de justiça. Hoje, em

Santa Cruz de la Sierra, volto a sentir o mesmo. Obrigado! Soube também, pelo Pontifício Conselho

«Justiça e Paz» presidido pelo Cardeal Turkson, que são muitos na Igreja aqueles que se sentem

mais próximos dos movimentos populares. Muito me alegro por isso! Ver a Igreja com as portas

abertas a todos vós, que se envolve, acompanha e consegue sistematizar em cada diocese, em cada

comissão «Justiça e Paz», uma colaboração real, permanente e comprometida com os movimentos

populares. Convido-vos a todos, bispos, sacerdotes e leigos, juntamente com as organizações sociais

das periferias urbanas e rurais a aprofundar este encontro.

Deus permitiu que nos voltássemos a ver hoje. A Bíblia lembra-nos que Deus escuta o clamor do seu

povo e também eu quero voltar a unir a minha voz à vossa: terra, tecto e trabalho para todos os

nossos irmãos e irmãs. Disse-o e repito: são direitos sagrados. Vale a pena, vale a pena lutar por

eles. Que o clamor dos excluídos seja escutado na América Latina e em toda a terra.

1. Comecemos por reconhecer que precisamos duma mudança. Quero esclarecer, para que não haja

mal-entendidos, que falo dos problemas comuns de todos os latino-americanos e, em geral, de toda

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a humanidade. Problemas, que têm uma matriz global e que actualmente nenhum Estado pode

resolver por si mesmo. Feito este esclarecimento, proponho que nos coloquemos estas perguntas:

- Reconhecemos nós que as coisas não andam bem num mundo onde há tantos camponeses sem

terra, tantas famílias sem tecto, tantos trabalhadores sem direitos, tantas pessoas feridas na sua

dignidade?

- Reconhecemos nós que as coisas não andam bem, quando explodem tantas guerras sem sentido e

a violência fratricida se apodera até dos nossos bairros? Reconhecemos nós que as coisas não

andam bem, quando o solo, a água, o ar e todos os seres da criação estão sob ameaça constante?

Então digamo-lo sem medo: Precisamos e queremos uma mudança.

Nas vossas cartas e nos nossos encontros, relataram-me as múltiplas exclusões e injustiças que

sofrem em cada actividade laboral, em cada bairro, em cada território. São tantas e tão variadas

como muitas e diferentes são as formas próprias de as enfrentar. Mas há um elo invisível que une

cada uma destas exclusões: conseguimos nós reconhecê-lo? É que não se trata de questões

isoladas. Pergunto-me se somos capazes de reconhecer que estas realidades destrutivas

correspondem a um sistema que se tornou global. Reconhecemos nós que este sistema impôs a

lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza?

Se é assim – insisto – digamo-lo sem medo: Queremos uma mudança, uma mudança real, uma

mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o

suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos.... E nem

sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco.

Queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, no vilarejo, na nossa realidade mais

próxima; mas uma mudança que toque também o mundo inteiro, porque hoje a interdependência

global requer respostas globais para os problemas locais. A globalização da esperança, que nasce

dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença.

Hoje quero reflectir convosco sobre a mudança que queremos e precisamos. Como sabem,

recentemente escrevi sobre os problemas da mudança climática. Mas, desta vez, quero falar duma

mudança noutro sentido. Uma mudança positiva, uma mudança que nos faça bem, uma mudança –

poderíamos dizer – redentora. Porque é dela que precisamos. Sei que buscais uma mudança e não

apenas vós: nos diferentes encontros, nas várias viagens, verifiquei que há uma expectativa, uma

busca forte, um anseio de mudança em todos os povos do mundo. Mesmo dentro da minoria cada

vez mais reduzida que pensa sair beneficiada deste sistema, reina a insatisfação e sobretudo a

tristeza. Muitos esperam uma mudança que os liberte desta tristeza individualista que escraviza.

O tempo, irmãos e irmãs, o tempo parece exaurir-se; já não nos contentamos com lutar entre nós,

mas chegamos até a assanhar-nos contra a nossa casa. Hoje, a comunidade científica aceita aquilo

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que os pobres já há muito denunciam: estão a produzir-se danos talvez irreversíveis no ecossistema.

Está-se a castigar a terra, os povos e as pessoas de forma quase selvagem. E por trás de tanto

sofrimento, tanta morte e destruição, sente-se o cheiro daquilo que Basílio de Cesareia chamava «o

esterco do diabo»: reina a ambição desenfreada de dinheiro. O serviço ao bem comum fica em

segundo plano. Quando o capital se torna um ídolo e dirige as opções dos seres humanos, quando a

avidez do dinheiro domina todo o sistema socioecónomico, arruína a sociedade, condena o homem,

transforma-o em escravo, destrói a fraternidade inter-humana, faz lutar povo contra povo e até,

como vemos, põe em risco esta nossa casa comum.

Não quero alongar-me na descrição dos efeitos malignos desta ditadura subtil: vós conhecei-los! Mas

também não basta assinalar as causas estruturais do drama social e ambiental contemporâneo.

Sofremos de um certo excesso de diagnóstico, que às vezes nos leva a um pessimismo charlatão ou

a rejubilar com o negativo. Ao ver a crónica negra de cada dia, pensamos que não haja nada que se

possa fazer para além de cuidar de nós mesmos e do pequeno círculo da família e dos amigos.

Que posso fazer eu, recolhedor de papelão, catador de lixo, limpador, reciclador, frente a tantos

problemas, se mal ganho para comer? Que posso fazer eu, artesão, vendedor ambulante,

carregador, trabalhador irregular, se não tenho sequer direitos laborais? Que posso fazer eu,

camponesa, indígena, pescador que dificilmente consigo resistir à propagação das grandes

corporações? Que posso fazer eu, a partir da minha comunidade, do meu barraco, da minha

povoação, da minha favela, quando sou diariamente discriminado e marginalizado? Que pode fazer

aquele estudante, aquele jovem, aquele militante, aquele missionário que atravessa as favelas e os

paradeiros com o coração cheio de sonhos, mas quase sem nenhuma solução para os meus

problemas? Muito! Podem fazer muito. Vós, os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos,

podeis e fazeis muito. Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas

vossas mãos, na vossa capacidade de vos organizar e promover alternativas criativas na busca diária

dos "3 T” (trabalho, tecto, terra), e também na vossa participação como protagonistas nos grandes

processos de mudança nacionais, regionais e mundiais. Não se acanhem!

2. Vós sois semeadores de mudança. Aqui, na Bolívia, ouvi uma frase de que gosto muito: «processo

de mudança». A mudança concebida, não como algo que um dia chegará porque se impôs esta ou

aquela opção política ou porque se estabeleceu esta ou aquela estrutura social. Sabemos,

amargamente, que uma mudança de estruturas, que não seja acompanhada por uma conversão

sincera das atitudes e do coração, acaba a longo ou curto prazo por burocratizar-se, corromper-se e

sucumbir. Por isso gosto tanto da imagem do processo, onde a paixão por semear, por regar

serenamente o que outros verão florescer, substitui a ansiedade de ocupar todos os espaços de

poder disponíveis e de ver resultados imediatos. Cada um de nós é apenas uma parte de um todo

complexo e diversificado interagindo no tempo: povos que lutam por uma afirmação, por um

destino, por viver com dignidade, por «viver bem».

Vós, a partir dos movimentos populares, assumis as tarefas comuns motivados pelo amor fraterno,

que se rebela contra a injustiça social. Quando olhamos o rosto dos que sofrem, o rosto do

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camponês ameaçado, do trabalhador excluído, do indígena oprimido, da família sem tecto, do

imigrante perseguido, do jovem desempregado, da criança explorada, da mãe que perdeu o seu filho

num tiroteio porque o bairro foi tomado pelo narcotráfico, do pai que perdeu a sua filha porque foi

sujeita à escravidão; quando recordamos estes «rostos e nomes» estremecem-nos as entranhas

diante de tanto sofrimento e comovemo-nos…. Porque «vimos e ouvimos», não a fria estatística,

mas as feridas da humanidade dolorida, as nossas feridas, a nossa carne. Isto é muito diferente da

teorização abstracta ou da indignação elegante. Isto comove-nos, move-nos e procuramos o outro

para nos movermos juntos. Esta emoção feita acção comunitária é incompreensível apenas com a

razão: tem um plus de sentido que só os povos entendem e que confere a sua mística particular aos

verdadeiros movimentos populares.

Vós viveis, cada dia, imersos na crueza da tormenta humana. Falastes-me das vossas causas,

partilhastes comigo as vossas lutas. E agradeço-vos. Queridos irmãos, muitas vezes trabalhais no

insignificante, no que aparece ao vosso alcance, na realidade injusta que vos foi imposta e a que não

vos resignais opondo uma resistência activa ao sistema idólatra que exclui, degrada e mata. Vi-vos

trabalhar incansavelmente pela terra e a agricultura camponesa, pelos vossos territórios e

comunidades, pela dignificação da economia popular, pela integração urbana das vossas favelas e

agrupamentos, pela auto-construção de moradias e o desenvolvimento das infra-estruturas do bairro

e em muitas actividades comunitárias que tendem à reafirmação de algo tão elementar e

inegavelmente necessário como o direito aos "3 T”: terra, tecto e trabalho.

Este apego ao bairro, à terra, ao território, à profissão, à corporação, este reconhecer-se no rosto do

outro, esta proximidade no dia-a-dia, com as suas misérias e os seus heroísmos quotidianos, é o que

permite realizar o mandamento do amor, não a partir de ideias ou conceitos, mas a partir do

genuíno encontro entre pessoas, porque não se amam os conceitos nem as ideias; amam-se as

pessoas. A entrega, a verdadeira entrega nasce do amor pelos homens e mulheres, crianças e

idosos, vilarejos e comunidades... Rostos e nomes que enchem o coração. A partir destas sementes

de esperança semeadas pacientemente nas periferias esquecidas do planeta, destes rebentos de

ternura que lutam por subsistir na escuridão da exclusão, crescerão grandes árvores, surgirão

bosques densos de esperança para oxigenar este mundo.

Vejo, com alegria, que trabalhais no que aparece ao vosso alcance, cuidando dos rebentos; mas, ao

mesmo tempo, com uma perspectiva mais ampla, protegendo o arvoredo. Trabalhais numa

perspectiva que não só aborda a realidade sectorial que cada um de vós representa e na qual

felizmente está enraizada, mas procurais também resolver, na sua raiz, os problemas gerais de

pobreza, desigualdade e exclusão.

Felicito-vos por isso. É imprescindível que, a par da reivindicação dos seus legítimos direitos, os

povos e as suas organizações sociais construam uma alternativa humana à globalização exclusiva.

Vós sois semeadores de mudança. Que Deus vos dê coragem, alegria, perseverança e paixão para

continuar a semear. Podeis ter a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, vamos ver os frutos. Peço

aos dirigentes: sede criativos e nunca percais o apego às coisas próximas, porque o pai da mentira

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sabe usurpar palavras nobres, promover modas intelectuais e adoptar posições ideológicas, mas se

construirdes sobre bases sólidas, sobre as necessidades reais e a experiência viva dos vossos irmãos,

dos camponeses e indígenas, dos trabalhadores excluídos e famílias marginalizadas, de certeza não

vos equivocareis.

A Igreja não pode nem deve ser alheia a este processo no anúncio do Evangelho. Muitos sacerdotes

e agentes pastorais realizam uma tarefa imensa acompanhando e promovendo os excluídos em todo

o mundo, ao lado de cooperativas, dando impulso a empreendimentos, construindo casas,

trabalhando abnegadamente nas áreas da saúde, desporto e educação. Estou convencido de que a

cooperação amistosa com os movimentos populares pode robustecer estes esforços e fortalecer os

processos de mudança.

No coração, tenhamos sempre a Virgem Maria, uma jovem humilde duma pequena aldeia perdida na

periferia dum grande império, uma mãe sem tecto que soube transformar um curral de animais na

casa de Jesus com uns pobres paninhos e uma montanha de ternura. Maria é sinal de esperança

para os povos que sofrem dores de parto até que brote a justiça. Rezo à Virgem do Carmo,

padroeira da Bolívia, para fazer com que este nosso Encontro seja fermento de mudança.

3. Por último, gostaria que reflectíssemos, juntos, sobre algumas tarefas importantes neste momento

histórico, pois queremos uma mudança positiva em benefício de todos os nossos irmãos e irmãs.

Disto estamos certos! Queremos uma mudança que se enriqueça com o trabalho conjunto de

governos, movimentos populares e outras forças sociais. Sabemos isto também! Mas não é tão fácil

definir o conteúdo da mudança, ou seja, o programa social que reflicta este projecto de fraternidade

e justiça que esperamos. Neste sentido, não esperem uma receita deste Papa. Nem o Papa nem a

Igreja têm o monopólio da interpretação da realidade social e da proposta de soluções para os

problemas contemporâneos. Atrever-me-ia a dizer que não existe uma receita. A história é

construída pelas gerações que se vão sucedendo no horizonte de povos que avançam individuando o

próprio caminho e respeitando os valores que Deus colocou no coração.

Gostaria, no entanto, de vos propor três grandes tarefas que requerem a decisiva contribuição do

conjunto dos movimentos populares:

3.1 A primeira tarefa é pôr a economia ao serviço dos povos.

Os seres humanos e a natureza não devem estar ao serviço do dinheiro. Digamos NÃO a uma

economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata.

Esta economia exclui. Esta economia destrói a Mãe Terra.

A economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas a condigna administração da casa

comum. Isto implica cuidar zelosamente da casa e distribuir adequadamente os bens entre todos. A

sua finalidade não é unicamente garantir o alimento ou um «decoroso sustento». Não é sequer,

embora fosse já um grande passo, garantir o acesso aos "3 T” pelos quais combateis. Uma economia

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verdadeiramente comunitária – poder-se-ia dizer, uma economia de inspiração cristã – deve garantir

aos povos dignidade, «prosperidade e civilização em seus múltiplos aspectos». Isto envolve os "3 T”

mas também acesso à educação, à saúde, à inovação, às manifestações artísticas e culturais, à

comunicação, ao desporto e à recreação. Uma economia justa deve criar as condições para que cada

pessoa possa gozar duma infância sem privações, desenvolver os seus talentos durante a juventude,

trabalhar com plenos direitos durante os anos de actividade e ter acesso a uma digna aposentação

na velhice. É uma economia onde o ser humano, em harmonia com a natureza, estrutura todo o

sistema de produção e distribuição de tal modo que as capacidades e necessidades de cada um

encontrem um apoio adequado no ser social. Vós – e outros povos também – resumis este anseio

duma maneira simples e bela: «viver bem».

Esta economia é não apenas desejável e necessária, mas também possível. Não é uma utopia, nem

uma fantasia. É uma perspectiva extremamente realista. Podemos consegui-la. Os recursos

disponíveis no mundo, fruto do trabalho intergeneracional dos povos e dos dons da criação, são mais

que suficientes para o desenvolvimento integral de «todos os homens e do homem todo». Mas o

problema é outro. Existe um sistema com outros objectivos. Um sistema que, apesar de acelerar

irresponsavelmente os ritmos da produção, apesar de implementar métodos na indústria e na

agricultura que sacrificam a Mãe Terra na ara da «produtividade», continua a negar a milhares de

milhões de irmãos os mais elementares direitos económicos, sociais e culturais. Este sistema atenta

contra o projecto de Jesus.

A justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É um dever

moral. Para os cristãos, o encargo é ainda mais forte: é um mandamento. Trata-se de devolver aos

pobres e às pessoas o que lhes pertence. O destino universal dos bens não é um adorno retórico da

doutrina social da Igreja. É uma realidade anterior à propriedade privada. A propriedade, sobretudo

quando afecta os recursos naturais, deve estar sempre em função das necessidades das pessoas. E

estas necessidades não se limitam ao consumo. Não basta deixar cair algumas gotas, quando os

pobres agitam este copo que, por si só, nunca derrama. Os planos de assistência que acodem a

certas emergências deveriam ser pensados apenas como respostas transitórias. Nunca poderão

substituir a verdadeira inclusão: a inclusão que dá o trabalho digno, livre, criativo, participativo e

solidário.

Neste caminho, os movimentos populares têm um papel essencial, não apenas exigindo e

reclamando, mas fundamentalmente criando. Vós sois poetas sociais: criadores de trabalho,

construtores de casas, produtores de alimentos, sobretudo para os descartados pelo mercado global.

Conheci de perto várias experiências, onde os trabalhadores, unidos em cooperativas e outras

formas de organização comunitária, conseguiram criar trabalho onde só havia sobras da economia

idólatra. As empresas recuperadas, as feiras francas e as cooperativas de catadores de papelão são

exemplos desta economia popular que surge da exclusão e que pouco a pouco, com esforço e

paciência, adopta formas solidárias que a dignificam. Quão diferente é isto do facto de os

descartados pelo mercado formal serem explorados como escravos!

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Os governos que assumem como própria a tarefa de colocar a economia ao serviço das pessoas

devem promover o fortalecimento, melhoria, coordenação e expansão destas formas de economia

popular e produção comunitária. Isto implica melhorar os processos de trabalho, prover de

adequadas infra-estruturas e garantir plenos direitos aos trabalhadores deste sector alternativo.

Quando Estado e organizações sociais assumem, juntos, a missão dos "3 T”, activam-se os princípios

de solidariedade e subsidiariedade que permitem construir o bem comum numa democracia plena e

participativa.

3.2 A segunda tarefa é unir os nossos povos no caminho da paz e da justiça.

Os povos do mundo querem ser artífices do seu próprio destino. Querem caminhar em paz para a

justiça. Não querem tutelas nem interferências, onde o mais forte subordina o mais fraco. Querem

que a sua cultura, o seu idioma, os seus processos sociais e tradições religiosas sejam respeitados.

Nenhum poder efectivamente constituído tem direito de privar os países pobres do pleno exercício

da sua soberania e, quando o fazem, vemos novas formas de colonialismo que afectam seriamente

as possibilidades de paz e justiça, porque «a paz funda-se não só no respeito pelos direitos do

homem, mas também no respeito pelo direito dos povos, sobretudo o direito à independência».

Os povos da América Latina alcançaram, com um parto doloroso, a sua independência política e,

desde então, viveram já quase dois séculos duma história dramática e cheia de contradições

procurando conquistar uma independência plena.

Nos últimos anos, depois de tantos mal-entendidos, muitos países latino-americanos viram crescer a

fraternidade entre os seus povos. Os governos da região juntaram seus esforços para fazer respeitar

a sua soberania, a de cada país e a da região como um todo que, de forma muito bela como faziam

os nossos antepassados, chamam a «Pátria Grande». Peço-vos, irmãos e irmãs dos movimentos

populares, que cuidem e façam crescer esta unidade. É necessário manter a unidade contra toda a

tentativa de divisão, para que a região cresça em paz e justiça.

Apesar destes avanços, ainda subsistem factores que atentam contra este desenvolvimento humano

equitativo e coarctam a soberania dos países da «Pátria Grande» e doutras latitudes do Planeta. O

novo colonialismo assume variadas fisionomias. Às vezes, é o poder anónimo do ídolo dinheiro:

corporações, credores, alguns tratados denominados «de livre comércio» e a imposição de medidas

de «austeridade» que sempre apertam o cinto dos trabalhadores e dos pobres. Os bispos latino-

americanos denunciam-no muito claramente, no documento de Aparecida, quando afirmam que «as

instituições financeiras e as empresas transnacionais se fortalecem ao ponto de subordinar as

economias locais, sobretudo debilitando os Estados, que aparecem cada vez mais impotentes para

levar adiante projetos de desenvolvimento a serviço de suas populações». Noutras ocasiões, sob o

nobre disfarce da luta contra a corrupção, o narcotráfico ou o terrorismo – graves males dos nossos

tempos que requerem uma acção internacional coordenada – vemos que se impõem aos Estados

medidas que pouco têm a ver com a resolução de tais problemáticas e muitas vezes tornam as

coisas piores.

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Da mesma forma, a concentração monopolista dos meios de comunicação social que pretende impor

padrões alienantes de consumo e certa uniformidade cultural é outra das formas que adopta o novo

colonialismo. É o colonialismo ideológico. Como dizem os bispos da África, muitas vezes pretende-se

converter os países pobres em «peças de um mecanismo, partes de uma engrenagem gigante».

Temos de reconhecer que nenhum dos graves problemas da humanidade pode ser resolvido sem a

interacção dos Estados e dos povos a nível internacional. Qualquer acto de envergadura realizado

numa parte do Planeta repercute-se no todo em termos económicos, ecológicos, sociais e culturais.

Até o crime e a violência se globalizaram. Por isso, nenhum governo pode actuar à margem duma

responsabilidade comum. Se queremos realmente uma mudança positiva, temos de assumir

humildemente a nossa interdependência. Mas interacção não é sinónimo de imposição, não é

subordinação de uns em função dos interesses dos outros. O colonialismo, novo e velho, que reduz

os países pobres a meros fornecedores de matérias-primas e mão de obra barata, gera violência,

miséria, emigrações forçadas e todos os males que vêm juntos... precisamente porque, ao pôr a

periferia em função do centro, nega-lhes o direito a um desenvolvimento integral. Isto é

desigualdade, e a desigualdade gera violência que nenhum recurso policial, militar ou dos serviços

secretos será capaz de deter.

Digamos NÃO às velhas e novas formas de colonialismo. Digamos SIM ao encontro entre povos e

culturas. Bem-aventurados os que trabalham pela paz.

Aqui quero deter-me num tema importante. É que alguém poderá, com direito, dizer: «Quando o

Papa fala de colonialismo, esquece-se de certas acções da Igreja». Com pesar, vo-lo digo:

Cometeram-se muitos e graves pecados contra os povos nativos da América, em nome de Deus.

Reconheceram-no os meus antecessores, afirmou-o o CELAM e quero reafirmá-lo eu também. Como

São João Paulo II, peço que a Igreja «se ajoelhe diante de Deus e implore o perdão para os pecados

passados e presentes dos seus filhos». E eu quero dizer-vos, quero ser muito claro, como foi São

João Paulo II: Peço humildemente perdão, não só para as ofensas da própria Igreja, mas também

para os crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América.

Peço-vos também a todos, crentes e não crentes, que se recordem de tantos bispos, sacerdotes e

leigos que pregaram e pregam a boa nova de Jesus com coragem e mansidão, respeito e em paz;

que, na sua passagem por esta vida, deixaram impressionantes obras de promoção humana e de

amor, pondo-se muitas vezes ao lado dos povos indígenas ou acompanhando os próprios

movimentos populares mesmo até ao martírio. A Igreja, os seus filhos e filhas, fazem parte da

identidade dos povos na América Latina. Identidade que alguns poderes, tanto aqui como noutros

países, se empenham por apagar, talvez porque a nossa fé é revolucionária, porque a nossa fé

desafia a tirania do ídolo dinheiro. Hoje vemos, com horror, como no Médio Oriente e noutros

lugares do mundo se persegue, tortura, assassina a muitos irmãos nossos pela sua fé em Jesus. Isto

também devemos denunciá-lo: dentro desta terceira guerra mundial em parcelas que vivemos, há

uma espécie de genocídio em curso que deve cessar.

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Aos irmãos e irmãs do movimento indígena latino-americano, deixem-me expressar a minha mais

profunda estima e felicitá-los por procurarem a conjugação dos seus povos e culturas segundo uma

forma de convivência, a que eu chamo poliédrica, onde as partes conservam a sua identidade

construindo, juntas, uma pluralidade que não atenta contra a unidade, mas fortalece-a. A sua

procura desta interculturalidade que conjuga a reafirmação dos direitos dos povos nativos com o

respeito à integridade territorial dos Estados enriquece-nos e fortalece-nos a todos.

3.3 A terceira tarefa, e talvez a mais importante que devemos assumir hoje, é defender a Mãe Terra.

A casa comum de todos nós está a ser saqueada, devastada, vexada impunemente. A covardia em

defendê-la é um pecado grave. Vemos, com crescente decepção, sucederem-se uma após outra

cimeiras internacionais sem qualquer resultado importante. Existe um claro, definitivo e inadiável

imperativo ético de actuar que não está a ser cumprido. Não se pode permitir que certos interesses

– que são globais, mas não universais – se imponham, submetendo Estados e organismos

internacionais, e continuem a destruir a criação. Os povos e os seus movimentos são chamados a

clamar, mobilizar-se, exigir – pacífica mas tenazmente – a adopção urgente de medidas apropriadas.

Peço-vos, em nome de Deus, que defendais a Mãe Terra. Sobre este assunto, expressei-me

devidamente na carta encíclica Laudato si’.

4. Para concluir, quero dizer-lhes novamente: O futuro da humanidade não está unicamente nas

mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites. Está fundamentalmente nas mãos

dos povos; na sua capacidade de se organizarem e também nas suas mãos que regem, com

humildade e convicção, este processo de mudança. Estou convosco. Digamos juntos do fundo do

coração: nenhuma família sem tecto, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem

direitos, nenhum povo sem soberania, nenhuma pessoa sem dignidade, nenhuma criança sem

infância, nenhum jovem sem possibilidades, nenhum idoso sem uma veneranda velhice. Continuai

com a vossa luta e, por favor, cuidai bem da Mãe Terra. Rezo por vós, rezo convosco e quero pedir a

nosso Pai Deus que vos acompanhe e abençoe, que vos cumule do seu amor e defenda no caminho

concedendo-vos, em abundância, aquela força que nos mantém de pé: esta força é a esperança, a

esperança que não decepciona. Obrigado! E peço-vos, por favor, que rezeis por mim.

Fonte: news.va/pt

http://www.news.va/pt/news/discurso-do-papa-francisco-aos-movimentos-populare

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Carta de Santa Cruz defende superação "modelo

social, político, econômico e cultural onde mercado e o

dinheiro se converteram nos reguladores das relações

humanas em todos os níveis".

11/07/2015

As organizações sociais reunidas no Segundo Encontro Mundial de Movimentos Populares, em Santa

Cruz de la Sierra, Bolívia, durante os dias 7, 8 e 9 de julho de 2015, concordamos com o papa

Francisco em que as problemáticas social e ambiental emergem como duas faces da mesma moeda.

Um sistema incapaz de garantir terra, teto e trabalho para todos, que mina a paz entre as pessoas e

ameaça a própria subsistência da Mãe Terra, não pode seguir regendo o destino do planeta.

Foto: Lidyane Ponciano

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Carta de Santa Cruz

As organizações sociais reunidas no Segundo Encontro Mundial de Movimentos Populares, em Santa

Cruz de la Sierra, Bolívia, durante os dias 7, 8 e 9 de julho de 2015, concordamos com o papa Francisco

em que as problemáticas social e ambiental emergem como duas faces da mesma moeda. Um sistema

incapaz de garantir terra, teto e trabalho para todos, que mina a paz entre as pessoas e ameaça a própria

subsistência da Mãe Terra, não pode seguir regendo o destino do planeta.

Devemos superar um modelo social, político, econômico e cultural onde mercado e o dinheiro se

converteram nos reguladores das relações humanas em todos os níveis.

Nosso grito, o grito dos mais excluídos e marginalizados, obriga que os poderosos compreendam que não

se pode seguir dessa forma. Os pobres do mundo se levantaram contra a exclusão social que sofrem

cotidianamente. Não queremos explorar, nem sermos explorados. Não queremos excluir, nem sermos

excluídos. Queremos construir um modo de vida no qual a dignidade se alce por cima de todas as coisas.

Por isso, nos comprometemos a:

1. Impulsionar e aprofundar o processo de mudança

Reafirmamos nosso compromisso com os processos de transformação e libertação como resultado da ação

dos povos organizados, que a partir de suas memória coletiva tomam a história em suas mãos e decidem

transformá-la, para dar vida às esperanças e às utopias que nos convocam a revolucionas as estruturas

mais profundas de opressão, dominação, colonização e exploração.

2. Viver bem, em harmonia com a Mãe Terra

Seguiremos lutando para defender e proteger a Mãe Terra, promovendo a “ecologia integral” de que fala o

papa Francisco. Somos fiéis a filosofia ancestral do “bem viver”, nova ordem de vida que propõe

harmonia e equilíbrio nas relações entre os seres humanos e entre estes e a natureza.

A terra não nos pertence, nós pertencemos à terra. Devemos dela cuidar e trabalhá-la em benefício de

todos. Queremos leis ambientais em todos os países em função do cuidado dos bens comuns.

Exigimos a reparação histórica e um marco jurídico que resguarde os direitos dos povos indígenas em

nível nacional e internacional, promovendo um diálogo sincero a fim de superar os diversos e múltiplos

conflitos que atravessam os povos indígenas, originários, camponeses e afrodescendentes.

3. Defender o trabalho digno

Nos comprometemos a lutar na defesa do trabalho como direito humano. Pela criação de fontes de

trabalho digno, pelo desenho e implementação de políticas que restituam todos os direitos trabalhistas

eliminados pelo capitalismo neoliberal, tais como os sistemas de seguridade social, a aposentadoria e o

direito de sindicalização.

Rechaçamos a precarização, a terceirização e buscamos que se supere a informalidade através da inclusão,

nunca com perseguição ou repressão.

Também levantamos a causa dos migrantes, deslocados e refugiados. Instamos aos governos dos países

ricos a que derroguem todas normas que promovem tratamento discriminatório contra eles e que

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estabeleçam formas de regulação que eliminem o trabalho escravo, o tráfico de pessoas e a exploração

infantil.

Impulsionaremos formas alternativas de economia, tanto em áreas urbanas como em zonas rurais.

Queremos uma economia popular e social comunitária que resguarde a vida das comunidades e que

prevaleça a solidariedade acima do lucro. Para isso é necessário que os governos fortaleçam os esforços

que emergem das bases sociais.

4. Melhorar nossos bairros e construir moradias dignas

Denunciamos a especulação e a mercantilização dos terrenos e bens urbanos. Rechaçamos os despejos

forçados, o êxodo e o crescimento dos bairros marginalizados. Rechaçamos qualquer tipo de perseguição

judicial contra aqueles que lutam por uma casa para sua família, porque entendemos a moradia como um

direito humano básico, o qual deve ter caráter universal.

Exigimos políticas públicas participativas que garantam o direito à moradia, a integração urbana de bairros

marginalizados e o acesso integral ao habitat para edificar casas com segurança e dignidade.

5. Defender a Terra e a soberania alimentar

Promovemos a reforma agrária integral para distribuir a terra de maneira justa e equitativa. Chamamos a

atenção dos povos para o surgimento de novas formas de acumulação e especulação da terra e do território

como mercadorias, vinculadas ao agronegócio, que promove a monocultura destruindo a biodiversidade,

consumindo e contaminando a água, deslocando populações camponesas e utilizando agrotóxicos que

contaminam os alimentos.

Reafirmamos nossa luta pela eliminação definitiva da fome, pela defesa da soberania alimentar e pela

produção de alimentos saudáveis. Também rechaçamos enfaticamente a propriedade privada de sementes

por grandes grupos agroindustriais, assim como a introdução de produtos trangênicos substituindo aos

nativos, pois destroem a reprodução da vida e da biodiversidade, criam dependência alimentar e causam

efeitos irreversíveis sobre a saúde humano e o meio ambiente. Nesse sentido, reafirmamos a defesa dos

conhecimentos tradicionais dos povos indígenas em relação à agricultura sustentável.

6. Construir a paz e a cultura do encontro

Nos comprometemos, a partir da vocação pacífica de nossos povos a intensificar as ações coletivas que

garantam a paz entre todas as pessoas, povos, religiões, etnias e culturas.

Reafirmamos a pluralidade de nossas identidades culturais e tradicionais que devem conviver

harmoniosamente sem que umas se sobreponhas a outras. Nos levantamos contra a discriminação de nossa

luta, pois estão criminalizando nossos costumes.

Condenamos qualquer tipo de agressão militar e nos mobiliamos pelo cessar imediato de todas as guerras

e ações desestabilizadoras ou golpes de Estado, que atentam contra a democracia e a vontade dos povos

livres. Rechaçamos o imperialismo e as novas formas de colonialismo, sejam militares, financeiras ou

midiáticas. Nos pronunciamos contra a impunidade dos poderosos e a favor da liberdade dos lutadores

sociais.

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7. Combater a discriminação

Nos comprometemos a lutar contra qualquer forma de discriminação entre os seres humanos, seja por

diferenças étnicas, cor de pele, gênero, origem, idade, religião ou orientação sexual. Todas e todos,

mulheres e homem, devemos ter os mesmos direitos. Condenamos o machismo, qualquer forma de

violência contra a mulher, em particular os feminicídios, e gritamos: Nenhuma a menos!

8. Promover a liberdade de expressão

Promovemos o desenvolvimento de meios de comunicação alternativos, populares e comunitários, frente

ao avanço dos monopólios midiáticos que ocultam a verdade. O acesso à informação e a liberdade de

expressão são direitos dos povos e fundamento de qualquer sociedade que se pretenda democrática, livre e

soberana.

O protesto é também um forma legítima de expressão popular. É um direito e aqueles que o exercem não

devem ser perseguidos.

9. Colocar a ciência e a tecnologia a serviço dos povos

Nos comprometemos a lutar para que a ciência e o conhecimento sejam utilizados a serviço do bem-estar

dos povos. Ciência e conhecimento são conquistas de toda a humanidade e não podem estar a serviço do

lucro, exploração, manipulação ou acumulação de riquezas por parte de alguns grupos. Persuadimos a que

as universidades se encham de povo e seus conhecimentos sejam orientados a resolver os problemas

estruturais mais que a gerar riquezas para as grandes corporações. Deve-se denunciar e controlar as

multinacionais farmacêuticas que, por um lado, lucram com a expropriação de conhecimentos milenares

dos povos originários e, por outro, especulam e geram lucros com a saúde de milhões de pessoas,

colocando o negócio na frente da vida.

10. Rechaçamos o consumismo e defendemos a solidariedade como projeto de vida

Defendemos a solidariedade como projeto de vida pessoal e coletivo. Nos comprometemos a lutar contra o

individualismo, a ambição, a inveja e a ganância que se aninham em nossas sociedade e muitas vezes em

nós mesmos. Trabalharemos incansavelmente para erradicar o consumismo e a cultura do desperdício.

Seguiremos trabalhando para construir pontes entre os povos, que nos permitam derrubar os muros da

exclusão e da exploração!

Fonte: Site do Encontro

http://movimientospopulares.org/sale-la-carta-de-santa-cruz/

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10.07.15 - Bolivia

Mensaje del Cardenal Peter Turkson en el II Encuentro Mundial de Movimientos

Populares Cristiano Morsolin Adital

En esta óptica hay que leer el fuerte mensaje del Cardenal Peter K.A. Turkson, Presidente del

Pontificio Consejo Justicia y Paz (Vaticano) que aquí difundo en exclusiva mundial.

En particular es muy contundente el desafío político y cristiano de los movimientos populares en

clave contra-hegemónica que rescata el representante del Vaticano afirmando que "Los pobres, los

campesinos, los pueblos indígenas tienen sus propias formas de hacer política (organización

comunitaria), desarrollar la economía (economía popular) y cuidar el ambiente (ecología popular).

Son formas distintas a la hegemónica, y a veces no se comprenden con los parámetros de la

racionalidad occidental. Hay que respetarlas e institucionalizarlas. La Iglesia reconoce, valora y

promueve esas expresiones populares”.

Aquí siguiente se encuentra el texto integral.

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"Gracias por la calurosa bienvenida recibida y, al mismo tiempo, les digo "Bienvenidos!” a todos

ustedes en nombre de la Iglesia, a este segundo Encuentro Mundial de Movimientos Populares.

Quisiera compartir con ustedes algunos pensamientos y reflexiones que puedan, ojalá, ayudarnos en

los intercambios de estos días.

1. El mundo necesita avanzar en un proceso de cambio en defensa de la Tierra y la dignidad de las

personas. Esta tarea no es exclusiva de los líderes religiosos, de los científicos, de los políticos o de

los empresarios, sino de toda la humanidad. El grito, la queja, la protesta y la presión de los pobres

son de vital importancia para que los poderosos del mundo comprendan que así no se puede seguir.

La Iglesia quiere escuchar este grito y sumarse a él.

2. Los pobres se han organizado para resistir la exclusión social, la escandalosa desigualdad y la

degradación de su ambiente. Así, han creado movimientos no solo para protestar contra la injusticia,

sino para resolver con sus propias manos los problemas de acceso al Techo, la Tierra y el Trabajo

que ni los Estados ni el Mercado resuelven. A pesar de la precariedad, son sembradores de la tierra,

constructores de viviendas y creadores de trabajo. La Iglesia quiere unir sus manos en estos

procesos y ayudarlos a que cada día sus cooperativas sociales, sus juntas vecinales, sus

comunidades campesinas e indígenas se fortalezcan, para que puedan dar más y mejores

condiciones para el desarrollo integral de los excluidos como personas, familias y pueblos.

3. La política no es tarea exclusiva de políticos profesionales (politicians), ni la economía de

empresarios profesionales (businessmen); tampoco lo es la ecología de los académicos y activistas.

Los pobres, los campesinos, los pueblos indígenas tienen sus propias formas de hacer política

(organización comunitaria), desarrollar la economía (economía popular) y cuidar el ambiente

(ecología popular). Son formas distintas a la hegemónica, y a veces no se comprenden con los

parámetros de la racionalidad occidental. Hay que respetarlas e institucionalizarlas. La Iglesia

reconoce, valora y promueve esas expresiones populares.

4. Los movimientos populares en general plantean un estilo de vida alternativo al que propone el

sistema. Rechazan el consumismo, el despilfarro y el paradigma tecnocrático. Buscan formas

comunitarias de organización del trabajo, de la tierra y de la vivienda. No quieren explotar ni ser

explotados, excluir ni ser excluidos. Reivindican la solidaridad y la unidad como valores

importantísimos. La Iglesia también quiere promover junto a ustedes nuevos estilos que pongan la

dignidad de las personas por encima del consumo desenfrenados.

5. Los movimientos populares rechazan todas las formas de colonialismo y el saqueo de los llamados

recursos naturales, mucho más cuando se hace a costa del ambiente. No quieren que se privatice el

agua, ni el subsuelo ni el mar. No quieren que las corporaciones trasnacionales abusen de la tierra

practicando, por ejemplo, la mega-minería contaminante, ni extracción petrolera por fractura

hidráulica (fracking); ni que se use los transgénicos para exprimir al campesino o concentrar la tierra

en pocas manos, ni que se destruya la pesca artesanal saqueando industrialmente la riqueza ictícola.

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Quieren reafirmar el destino universal de los bienes, comenzando con los que vienen de la creación.

La Iglesia los acompaña en la preocupación y en sus luchas por los dones de la creación.

6. Los movimientos populares quieren la paz. No quieren que sus hijos se enfermen por la droga, ni

que sus hijas sean sometidas a la trata de personas. No quieren ver a sus jóvenes morir en la

violencia criminal. No quieren barrios contaminados por delitos ambientales. Para eso, comprobaron

que la policía o los Estados no alcanzan. Aprendieron a fortalecer las defensas de sus derechos a

través de la organización comunitaria. La Iglesia quiere fortalecer también las redes comunitarias

para enfrentar el narcotráfico y el crimen organizado.

Frente a los desafíos que nos presenta la globalización y la indiferencia, el Evangelii Gaudium

convoca tanto a la iglesia como al mundo entero a escuchar el clamor de justicia y a responder a

este llamado con todas nuestras fuerzas (ver EG n 188), y la encíclica Laudato si’ reconoce el grito

de los pobres y de la tierra:

"(…) No hay dos crisis separadas, una ambiental y otra social, sino una sola y compleja crisis socio-

ambiental. Las líneas para la solución requieren una aproximación integral para combatir la pobreza,

para devolver la dignidad a los excluidos y simultáneamente para cuidar la naturaleza.” (LS n 139)

Ambos, tanto como Iglesia como sociedad, debemos aprender a incluir a los excluidos. Esto significa

llegar hasta aquellos que se encuentran en la periferia y así recibir a los marginados como miembros

absolutos de nuestras comunidades, economías y sociedades.

Este segundo Encuentro Mundial de Movimientos Populares promete ser un gran diálogo que

perpetuará en el tiempo la comunicación, la cooperación y la coordinación entre los mismos

movimientos de base y entre éstos y la iglesia en todos sus niveles.

Fonte: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=ES&img=S&cod=85722

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PARTE III

Propostas pela luta da Terra

Encíclica do Papa: países ricos devem reconhecer sua dívida ecológica

Cristiano Morsolin

Adital

Na encíclica Laudato si’ [Louvado sejas, em portugués] (1), sobre o cuidado da casa comum, o Sumo

Pontífice recorda que o impacto da mudança climática promovida por países industrializados afeta as

nações de menos recursos e impede seu desenvolvimento. O Papa Francisco denuncia o uso da

dívida externa "dos países pobres” como mecanismo para controlar o mundo e pede aos países mais

ricos reconhecerem sua dívida ecológica e não impedirem que outros salvem o Planeta.

Em sua encíclica ecológica, Papa faz denúncias contra a exploração dos recursos naturais pelos países ricos.

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Em sua encíclica sobre o meio ambiente, a Laudato si’, publicada pelo Vaticano no último dia 18 de

junho de 2015, Francisco destaca a dívida ecológica dos países potências, que arrebatam as reservas

das regiões em desenvolvimento para alimentarem seu crescimento. "A dívida externa dos países

pobres se converteu em um instrumento de controle, mas não ocorre o mesmo com a dívida

ecológica (...), com os povos em vias de desenvolvimento, onde se encontram as mais importantes

reservas da biosfera e que seguem alimentando o desenvolvimento dos países mais ricos à custa do

seu presente e do seu futuro", sustenta o documento apresentado no Vaticano.

O Papa Francisco adverte sobre os gravíssimos problemas do meio ambiente e responsabiliza o

sistema econômico mundial por levar a humanidade à beira do colapso, por carecer de sustentação

ética. A voracidade do capitalismo de mercado e do deus dinheiro estão levando a humanidade

também à contaminação da alma do ser humano e à corrosão do seu espírito.

Por outo lado, o Papa Francisco, nesse importante texto, questiona a aqueles que argumentam que

o direito à propriedade privada é um princípio absoluto e intocável, insistindo na função social de

qualquer forma de propriedade. Diz o Papa: a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou

intocável o direito à propriedade privada e ressaltou a função social de qualquer forma de

propriedade privada.

É uma mensagem muito contundente, dada às vésperas da sua viagem para o Equador, Bolívia e

Paraguai, entre os días 05 e 12 de julho.

O bispo argentino de Lomas de Zamora e referente para o meio ambiente da Comissão Episcopal da

Pastoral Social da Argentina, Jorge Lugones, afirma que a encíclica papal "é muito renovadora no

sentido de que marca as duas crises que vive a humanidade e que são a crise da natureza e a do

homem, que não são contrapostas nem isoladas, mas que é uma só e é socioambiental”.

O bispo assinala que o homem deve "estar no centro” das preocupações e diz que "os pobres são os

que mais sofrem” os efeitos da destruição do meio ambiente.

No mesmo sentido, o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel destaca que o documento é "a

primeira encíclica dirigida a toda a humanidade” e resgata que não apenas diagnostica os problemas

na "nossa casa”, a forma como o pontífice se refere ao planeta, "mas que sinaliza os culpados” (2).

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Papa Francisco chega à América do Sul logo após o lançamento da encíclica Laudato si'.

"Não é neutra, mas escrita a partir do mundo empobrecido, do Sul”, segundo Luis Infanti

"Ar fresco para a paz e a vida”, se intitula a reflexão que faz o bispo de Aysén (Chile), Luis Infanti,

sobre a nova encíclica do Papa Francisco.

Monsenhor Luis Infanti qualifica de contundente, profético e desafiante o documento divulgado pelo

Sumo Pontífice, relevando que "não é neutro, mas escrito sobretudo na perspectiva do mundo

empobrecido, do Sul, que desafia, fraternalmente, o Norte, para lançar uma transformação decidida

e valente. Os tempos, a nova época, não deixam dúvidas: não se pode continuar como estamos

agora”, sentencia o religioso.

Acrescenta que a partir do mundo empobrecido e traspassado pela injustiça humana e ambiental, o

Papa Francisco chama à consciência dos povos, crentes e não crentes, a exigir (a justiça não se

pede, se exige, porque é um direito dos marginalizados), uma mudança de rota para os poderosos

dos poderes econômico, político, científico e tecnológico mundial. Faz isso não a partir de uma

religião, mas da ética e da espiritualidade mais profunda da sensibilidade humana.

"Leio do Papa que a globalização, hoje, tem caráter mais de dominação que de humanidade e bem

comum, de fato, os poderes, a cultura consumista, a depredação dos bens naturais, a crise climática,

o narcotráfico, que multinacionais e países influentes impõem aos continentes do Sul (sobretudo, a

África e a América Latina), inclusive, com leis e bombardeios publicitários (ideológicos), excluem

sempre mais os pobres, os oprimem, roubando-lhes os bens naturais, suas culturas, sua dignidade, o

futuro. Reina a iniquidade. O Papa chama a superar a cultura do descarte, a levar em consideração

as comunidades locais, especialmente os indígenas, com sua sensibilidade e tradições, e a frear a

megalomania desenfreada, a dialogar e debater sobre os limites do progresso”, ressalta o bispo

Infanti.

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Agrega que, na encíclica, forte é o chamado a superar as visões ideológicas e práticas do

antropocentrismo e do relativismo, tão arraigadas no neoliberalismo, que instalam algumas pessoas,

organizações multinacionais e países como "senhores, patrões, dominadores” da criação e da

humanidade, substituindo Deus, e submetendo à escravidão povos e a fecundidade da mãe terra,

depredando-a mais além de suas capacidades.

"Ainda que breve, é significativa a referência à propriedade privada, sobre a qual grava sempre uma

hipoteca social. Este desafiante e urgente tema merece maior aprofundamento”, destaca Luis

Infanti.

Finalmente, o bispo Infanti ressalta o chamado ao diálogo e ao debate "sincero, profundo,

transparente, a todos os setores sociais, políticos, religiosos, econômicos, culturais, para abrir

caminhos de libertação rumo a uma "valente revolução cultural” e criar uma "civilização do amor”, na

qual a comunhão com Deus se manifeste também na comunhão com a humanidade e a criação, con

sinais, decisões e organizações internacionais, que promovam a solidariedade, a justiça e a paz”.

Para o teólogo chileno Álvaro Ramis, com a Laudato si’, o Papa quer abordar, seriamente, a

mudança climática, unindo-a com a preocupação pela justiça social. "Francisco propõe o tema dos

deslocados climáticos”, na Ásia, África e América Latina, associando o impacto da indústria no meio

ambiente com a pobreza e os movimentos migratórios. A mais pobreza, mais desigualdade e mais

migração.

Preocupação do Papa com a ecologia envolve também a exploração do meio ambiente em países sul-americanos, como a Bolívia

"Os países do sul não têm as mesmas responsabilidades que os países do norte e devem ter o apoio

financeiro para poder enfrentar esses desastres naturais. Deve existir uma política de justiça

internacional, que dê aos países do sul a capacidade de enfrentar as consequências da mudança

climática, que têm originado os países desenvolvidos”, explica Ramis. "Isso vai gerar que a Igreja

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Católica entre em colisão, necessariamente, com grandes interesses das indústrias extrativistas, que,

hoje, mudam a matriz energética dos países desenvolvidos e também em nossos países”, conclui. (3)

"A natureza não é uma propriedade da qual podemos abusar a nosso bel prazer, nem muito menos é

a propriedade de alguns poucos, mas um don de todos, que devemos custodiar. Se destruímos a

criação, a criação nos destruirá. Nunca esqueçam disso!", assinalou, em algunas ocasiões, Francisco,

que, em alto e bom som, afirmou que "Deus perdoa sempre; os homens, algumas vezes; a natureza,

nunca”.

Rafael Correa aportou insumos para a discussão

No fim de abril de 2015, o presidente do Equador, Rafael Correa, participou da Conferência de Alto

Nível "Proteger a Terra e Dignificar o Ser Humano”, organizada pela Rede de Soluções para o

Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. O ato ocorreu no Vaticano.

Nessa plataforma, ele denunciou que, "atualmente, existe uma nova e injusta divisão internacional

do trabalho: os países ricos geram conhecimento, que privatizam, e muitos países pobres geram

bens ambientais de livre acesso”.

Nesse sentido, assinalou que "os países da bacia amazônica, pulmão do planeta, também produzem

bens de livre acesso, neste caso, ambientais, que regulam o clima mundial e sem os quais a vida no

planeta sofreria uma grave deterioração. Apesar disso, os maiores contaminadores globais não

pagam nada para consumirem esses bens e serviços ambientais”. (4)

Rafael Correa, presidente do Equador, e Papa Francisco, em audiência no Vaticano

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Um conceito de dívida ecológica que reconhece o aporte da sociedade civil

O conceito de dívida ecológica encerra a obrigação contraída pelos países enriquecidos como

consequência do espólio contínuo dos recursos naturais dos países empobrecidos, um intercâmbio

comercial desigual e o aproveitamento exclusivo do espaço ambiental global como depósito para

saus resíduos.

A perspectiva do Papa Francisco encontra muitos pontos de encontro com o "ecologismo popular”,

proposto pelo economista espanhol Joan Martinez Alier, professor da Universidade Autônoma de

Barcelona.

"Muitos países desenvolvidos se endividaram muito pela crise econômica e dizem que a economia

deve crescer para poder pagar a dívida. O que digo é que talvez não poderão pagar toda a dívida,

mas a metade; ocorreu muitas vezes na história, que não se pagam todas as dívidas porque esse

crescimento implica danos ecológicos. No mundo, há muitíssima pobreza; dos 7 bilhões de

habitantes do planeta, mais de 1 bilhão são desesperadamente pobres. O crescimento econômico

permite ajudar com uma boa administração, mas teria que ajudar a pobreza com uma melhor

distribuição, não com crescimento” destaca o professor Alier Martinez.

Nesta mesma perspectiva, o Papa Francisco fala de decrescimento pelos países do Norte do Mundo.

A dívida ecológica se refere à dívida dos países ricos e industrializados do Norte para com os países

do Sul, pela pilhagem durante séculos dos seus recursos naturais, pela destruição dos seus bosques,

a poluição dos seus rios, o empobrecimento dos solos, a redução da biodiversidade. É um tema

importante, que a questão da dívida ecológica não seja proposta por essas Igrejas cristãs como

filantropia ou caridade, mas como uma questão de justiça social. É um dos argumentos da

importante campanha contra o pagamento da dívida externa – contraída com o Banco Mundial ou

com os bancos do Norte – pelos países do Sul. A obrigação, que demandam às multinacionais do

petróleo para que indenizem as populações indígenas e campesinas pelos terríveis estragos no meio

ambiente, depois de muitos anos de exploração, é outro exemplo positivo, na condição de não cair

na armadilha de colocar um preço para a naturaleza.

Nesta ótica, Joan Martínez Alier propõe que "uma consciência viva da iniquidade política e econômica

mundial e o consequente saque dos recursos naturais da região. Esta consciência corre desde a

exploração colonial até a época atual. Está bem simbolizada na imagem de "As veias abertas” [da

América Latina], introduzida por Eduardo Galeano, e tem dado lugar a pesquisas recentes sobre o

intercâmbio econômico e ecologicamente desigual. Nunca foi tão grande a exportação barata de

energia e materiais da América Latina como nos últimos anos.

Desde a década de 1980, uma crescente conflitividade socioambiental, que deu lugar ao ecologismo

popular, com redes de ativistas (como Ocmal, Oilwatch e outras), denunciando a extração de

recursos naturais e a destruição de bens comuns. Este ecologismo dos pobres e indígenas segue

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crescendo, e é vítima de violência estatal ou paraestatal, e de processos de criminalização. O mesmo

ocorre em outros continentes, especialmente na Ásia, África e América Latina”, conclui Joan Martínez

Alier. (5)

NOTAS

(1) http://w2.vatican.va/content/francesco/es/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-

si.html

(2) http://pedernalesinforma.com/index.php/2015/06/18/asi-reaccionaron-en-el-mundo-frente-a-la-enciclica-de-

francisco/

(3) http://www.eldiario.es/sociedad/Papa-piensa-verde_0_393710925.html

(4) http://www.telegrafo.com.ec/politica/item/quienes-en-realidad-poseen-la-libertad-son-la-minoria-que-detenta-el-

poder-economico.html

(5) http://www.jornada.unam.mx/2015/04/26/mundo/018a1mun

Fonte:

http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=85699

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Bispos latino-americanos levam a Pan-Amazônia à CIDH, na atualização do Pacto

das Catacumbas

“Direitos Humanos e indústrias extrativas na América Latina” é o tema do encontro que ocorre hoje, 19 de marco de 2015, em Washington. Bispos e leigos que representam a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), são recebidos em audiência pela Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos (CIDH). A delegação expõe casos sobre a ação do extrativismo e o impacto das obras atingem diretamente os direitos humanos das populações indígenas e campesinas, ocorridos no Brasil, Equador, Honduras, México e Peru. O prelado peruano Pedro Barreto, presidente do departamento de Justiça e Solidariedade do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), destaca a recente criação da Rede Eclesiástica Pan-Amazônica (REPAM). “É um espaço de diálogo e de apoio mútuo, porque nos seis milhões de quilômetros quadrados da Amazônia os problemas são parecidos. As populações indígenas e ribeirinhas se veem afetadas em seus direitos fundamentais. São 35 milhões de irmãos e irmãs”, disse. “O papa Francisco já declarou que a terra é um dom de Deus que precisa ser administrado com responsabilidade”, afirma Barreto, referindo-se à responsabilidade dos Estados. “Desde o assassinato da irmã Dorothy Stang no Brasil, em 2005, não houve mais mortes de religiosos pelas mãos de garimpeiros. Entretanto, do total de ambientalistas assassinados no mundo, a maioria foi no Brasil”, observa Roque Paloschi, bispo de Boa Vista (Roraima), diocese onde ocorre um dos piores conflitos em terras indígenas no Brasil, na reserva Raposa Serra do Sol. Já segundo a ONG Global Witness, de 147 mortes de ambientalistas ocorridas em 2012, 36 aconteceram no Brasil. Paloschi também menciona o caso de Erwin Kräutler. “O bispo do Xingu tem proteção policial há anos por causa do conflito pela hidrelétrica de Belo Monte. Essas represas estão sendo construídas sem as devidas consultas, que costumam ser vexatórias para a população. A legislação não é respeitada”. No agosto de 2013 eu escrevia a reportagem “Deputadas europeias criticam construção da hidrelétrica de Belo Monte” (1). “Há na Amazônia uma avalanche de projetos armados pelo grande capital” “Há na Amazônia uma avalanche de projetos armados pelo grande capital, mas também existe a extração ilegal: a mineração é muito forte, mas em Roraima o agronegócio avança, junto com a monocultura de cana, soja, palma e eucalipto”, observa Paloschi, que é também integrante da Comissão da Amazônia da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB). Dom Roque Paloschi, Bispo de Roraima que, entrevistado pela Radio Vaticana, explica os objetivos desta audiência: “O desejo nosso é fazer saber aquilo que a Igreja pensa e o trabalho que tem desenvolvido diante desta grande problemática que é a Indústria extrativa e também o desrespeito às populações originárias ou não da grande região da Pan-Amazônia. Temos também o objetivo de

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fazer conhecer a Doutrina Social da Igreja, porque é a primeira vez que nós, como Igreja Católica, vamos ser recebidos pela Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos. Temos casos emblemáticos a ser apresentados, assim como algumas propostas, pois nós desejamos criar uma proximidade com esta Comissão, no sentido de uma ajuda mútua, de nossa parte e da parte deles, para que verdadeiramente a vida seja este grande hino de louvor da criatura ao Criador. Diante de um mundo que busca o lucro pelo lucro, nós queremos, nas pegadas de Jesus que veio para que o mundo tenha vida e vida em abundância, também ajudar a promover e defender a vida de todos e da Criação, de um modo muito especial”. Há dois anos temos um Pontífice latino-americano, altamente ligado com as questões ambientais. Assumiu o nome de Francisco, e justamente no dia desta audiência (19/03) começa seu terceiro ano de Pontificado. Isto pode ser considerado profético? – pregunta Radio Vaticana. Dom Paloschi respondeu: “É profético; nós queremos louvar e bendizer a Deus porque o Papa Francisco também leva em seu coração a experiência de um bispo latino-americano: de alguém que viveu com os pés no chão na simplicidade de pastor na frente, no meio e atrás do rebanho, defendendo e promovendo a vida na grande metrópole de Buenos Aires, mas também com este coração grande, alargado para as esperanças e os anseios de vida de todos os povos, seja das Américas, seja de todos os povos do mundo. Nós louvamos e bendizemos a Deus porque ele, com seu testemunho de servidor tem nos convidado a dar passos, a não viver uma Igreja trancada em si mesma, que vive para si; mas uma Igreja em saída, que vai ao encontro, que vai em busca daqueles que são caídos, ansiando por vida, por esperança, por solidariedade, por paz. Nós louvamos e bendizemos a Deus porque o Papa com suas palavras, mas também com o seu testemunho de vida tem nos desafiado a dar passos em vista de uma Igreja pobre, para estar a serviço dos pobres e dos desvalidos do mundo de hoje”.

Mons. Roque Paloschi, Bispo de Roraima, Brasil

Na Guatemala as operações de mineradoras canadenses não são fiscalizadas nem foram objeto de consulta prévia dos povos indígenas, conforme estipula o Convênio 169

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O prelado peruano Pedro Barreto, presidente do departamento de Justiça e Solidariedade do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), esclarece que os bispos não se opõem à atividade extrativista. “A Igreja tem uma posição muito clara, essa atividade não pode ocorrer em algumas zonas, como as reservas, e tampouco se houver violação direta dos direitos humanos.” O bispo de Huehuetenango (Guatemala), Álvaro Ramazzini, espera que depois da audiência na CIDH “essa problemática se torne mais visível – que sejam ouvidas as vozes das populações indígenas, empobrecidas como consequência dessa atividade extrativista que vai contra o meio ambiente. Queremos tornar visível uma problemática que não é bem conhecida e menos ainda compreendida”. Ramazzini acrescentou que no seu país as operações de mineradoras canadenses, apesar da obrigação de respeitarem padrões impostos pelo Banco Mundial, não são fiscalizadas nem foram objeto de consulta prévia dos povos indígenas, conforme estipula o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho. “A violência se vê mais na mineração de ouro e de prata, embora também a mineração não metálica – de cascalho, pedrisco e areia – esteja causando danos em bacias e leitos fluviais, e por isso enfrentamos a inundações”, relata Ramazzini, presidente da Comissão de Justiça e Solidariedade da Conferência Episcopal da Guatemala (3). Pan-amazônia recebe solidariedade dos Bispos canadenses O Episcopado do Canadá se sente próximo de seus irmãos do sul na preocupação com as implicações éticas e morais dos projetos de extrativismo na América Latina. O Arcebispo de Gatineau e Presidente da Conferência Episcopal (CCCB) enviou uma carta ao Presidente do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), Dom Carlos Aguíar Retes, Arcebispo de Tlalnepantla, México, manifestando a solidariedade de todos os Bispos canadenses com o CELAM na ocasião de sua audiência junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, realizada quinta-feira, 19, em Washington. O Bispo de Saskatoon, que preside a Comissão Justiça e Paz, Donald Bolen, está presente em Washington, como expressão da solidariedade da Conferência canadense com os Bispos da América Latina. Solidariedade e denúncia “A extração de recursos naturais da terra é uma prática antiga, que pode ser um componente importante no desenvolvimento humano integral. A mineração e a extração de recursos podem proporcionar desenvolvimento econômico, produzir uma matéria-prima básica e oferecer padrões de vida mais elevados. No entanto, a situação na América Latina, em geral, ainda não produziu esses benefícios. Preocupam-nos os inconsistentes sistemas reguladores e o contínuo desrespeito de algumas empresas internacionais pelo meio ambiente e os direitos humanos nas operações de mineração, especialmente na Bacia Amazônica”, notam os Bispos canadenses. “É uma preocupação especial para nós, já que a maioria das mineradoras que atuam na América Latina são controladas por empresas registradas no Canadá. Também é lamentável observar que em muitos casos, os mais afetados negativamente pelas indústrias extrativas são povos indígenas”. A carta lembra que “o Observador Permanente da Santa Sé nas Nações Unidas destacou recentemente a importância de leis justas para regular a relação entre os povos indígenas e indústrias extrativistas que operam em suas terras ancestrais”; e que a Conferência Episcopal

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canadense defende a criação de uma lei que permita que estas empresas sejam processadas judicialmente por crimes cometidos no exterior. Enfim, os Bispos canadenses escrevem: “É nossa esperança que todas as partes interessadas - legisladores, grupos comunitários, cidadãos e as próprias empresas - possam trabalhar em conjunto para que o desenvolvimento da mineração na América Latina seja realmente uma fonte de desenvolvimento integral e uma bênção para todos os povos das Américas e do mundo” (4). Dom Silvano Tomasi: direitos indígenas ainda são violados Que as iniciativas em favor dos povos indígenas sejam sempre “inspiradas e guiadas pelo princípio do respeito” das suas identidades e culturas, com particular atenção às específicas tradições, também religiosas, e à capacidade de decidir pelo próprio desenvolvimento em colaboração com os governos nacionais. Esta foi a exortação do Arcebispo Silvano Maria Tomasi, Observador Permanente da Santa Sé junto ao Escritório da ONU de Genebra, ao se pronunciar na 27ª sessão do Conselho dos Direitos Humanos no 18 de setembro de 2014. “Os direitos humanos e as liberdades fundamentais dos povos indígenas continuarão, infelizmente, a serem violados”. O Arcebispo Tomasi pronunciou-se em Genebra traçando o quadro das condições de 370 milhões de indígenas em 90 países do mundo, baseando-se em dados e estudos da ONU. O Observador Permanente da Santa Sé fala de “discriminação sistemática” e “exclusão do poder político e econômico”, mas também de uma “falta de um adequado acesso à justiça”, mas também de pobreza, analfabetismo e indigência. Dom Tomasi denuncia o grande número de deslocados por causa das guerras e desastres ambientais e “doenças, perseguições, represálias”, até mesmo assassinatos de “defensores dos direitos humanos dos indígenas”. Como consequência – prossegue – “o desenvolvimento completo está atrasado, quando não negado”. Um exemplo particular são as relações entre as indústrias e companhias transnacionais e as populações indígenas. As Nações Unidas – recorda Dom Tomasi – colocam em evidência “conseqüências negativas, e mesmo devastantes para os povos indígenas, provocadas por indústrias extrativistas”: além das vantagens econômicas, deveriam ser adotados “modelos de desenvolvimento autêntico” que não violem os direitos dos povos indígenas, encorajando “um uso responsável do ambiente”. Dom Tomasi defende ainda a necessidade de “definir e proteger” as mercadorias produzidas pelas populações indígenas, para que não sejam utilizadas “sem levar em conta os interesses e os direitos das próprias comunidades”, salientando que as leis sobre propriedade intelectual e do trabalho, infelizmente ainda não forneceram garantias suficientes “para tutelar tais produtos”. Dom Tomasi auspicia a inclusão direta destas populações “nos processos de decisão relativos à gestão dos recursos naturais nos seus territórios”, exortando “a eliminação de qualquer tentativa de marginalizar as populações indígenas”. Isto significa “respeitar” as suas propriedades e os relativos acordos, satisfazer as suas exigências sociais, sanitárias e culturais e solicitar, portanto, uma “reconciliação entre os povos indígenas e as sociedades em que vivem”. Dom Tomasi declarou que: “Nos territórios onde vivem estas comunidades indígenas, temos, por exemplo, corporações transnacionais que entram para utilizar a mineração, para extrair materiais úteis e preciosos ou mesmo para desfrutar de certas características locais, de plantas

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e de conhecimento, que depois são colocadas no mercado sem que sejam respeitadas as exigências ecológicas do território ou ainda os direitos destas comunidades, que sempre usaram certas tradições de folclore ou de certos usos dos recursos naturais. Assim, deveriam ser reconhecidos também pelos interesses monetários, pois são produtos e iniciativas culturais típicas destas populações”. “As populações indígenas devem ser apoiadas no seu caminho de desenvolvimento humano e econômico, pois frequentemente estão um pouco à margem da sociedade e são esquecidas pelos Estados ou pelos governos. O encorajamento que se está dando – por meio de várias iniciativas, como a Declaração sobre os Direitos das Populações Indígenas de 2010 ou a Conferência Mundial que está para começar – é o de colocar sob os refletores internacionais as exigências destas populações: não somente facilitar o seu progresso, mas também abrir o caminho para uma reconciliação entre a maioria da população, as autoridades do Estado e estes grupos, de modo que, juntos, possam chegar aos objetivos de convivência serena e construtiva. A Santa Sé pronunciou-se, neste sentido, para que haja um caminho de progresso e de desenvolvimento que esteja em sintonia e não em conflito entre os povos indígenas e o resto da população nacional” conclui Padre Tomasi na entrevista a Radio Vaticana (5). Assembleia da CPT do Brasil elege nova coordenação executiva e direção nacional

Paralelamente a audiência na CIDH, entre os dias 17 e 19 de março de 2015, cerca de 75 pessoas entre agentes da Comissão Pastoral da Terra CPT, trabalhadores e trabalhadoras, escolheram a nova diretoria nacional e coordenação executiva nacional da CPT, para os próximos três anos no Brasil. Dom Enemésio Lazzaris, bispo de Balsas, no Maranhão foi reeleito como presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Dom André de Witte, bispo de Ruy Barbosa, na Bahia, foi eleito como vice-presidente. Os dois bispos irão compor a direção nacional da CPT. Jeane Bellini, agente histórica da CPT nos regionais Araguaia/Tocantins e Mato Grosso, atualmente contribuindo no Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da Secretaria Nacional da CPT; Ruben Siqueira, agente da CPT Bahia e um dos coordenadores, nos últimos dez anos, do Projeto São Francisco Vivo; Paulo César Moreira, agente da CPT no Mato Grosso e Thiago Valentim, agente da CPT no Ceará, ambos jovens e atuantes na luta da CPT, foram os eleitos e eleita para a coordenação executiva nacional da CPT. Para a suplência foram eleitas duas agentes da CPT, Isabel Cristina Diniz, da CPT Paraná e Darlene Braga, da CPT Acre. A Assembleia aprovou, também, sua Carta Final (segue abaixo) e duas moções (em anexo), uma de apoio ao povo Palestino, que será levada por Dom Enemésio em um Encontro em Jerusalém, organizado pela Pax Christi Internacional, e uma endereçada ao Supremo Tribunal Federal (STF), em vista do julgamento pela Corte da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, referente ao Decreto 4887/2003. O decreto foi promulgado pelo ex-presidente Lula e tem por objetivo regulamentar a identificação e titulação dos territórios tradicionalmente ocupados por remanescentes de quilombos. A ADI foi protocolado pelo DEM e questiona a constitucionalidade desse Decreto. A CPT espera que o STF decida em favor dos povos quilombolas e de seus direitos sobre os territórios que ocupam.

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CARTA FINAL DA XXVII ASSEMBLEIA NACIONAL DA CPT

Reunidos/as em assembleia confirmamos nossa caminhada de Pastoral da Terra. Animados/as pela organização do IV Congresso da CPT em julho de 2015, reconhecemos a noite dos tempos difíceis que vivemos e celebramos a madrugada camponesa no compromisso radical de 40 anos com as lutas dos povos da terra.

“Nenhuma família sem casa! Nenhum camponês sem terra! Nenhum trabalhador sem direitos!”(Papa Francisco). Faz escuro, companheirada!

A bancada ruralista, o agro e hidronegócio, as mineradoras, madeireiras, os grandes projetos do capital, o trabalho escravo, o judiciário criminalizador, as empresas de veneno e transgênico, o Legislativo que constantemente ameaçam reduzir direitos já conquistados, os governos e suas polícias, as mídias golpistas e os setores conservadores do país fazem a noite demorada, obscurecem a democracia na negação de direitos dos povos da terra e da cidade. Não querem permitir que a luz apareça!

Faz escuro, companheirada!

Os direitos já fragilizados dos povos indígenas, quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, seringueiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros e camponeses são esmagados pelos interesses de um modelo de desenvolvimento que devora terras, territórios, tradições e modos de vida distorcendo a lei a seu dispor, cooptando e corrompendo processos e lideranças, usando a força e até assassinatos. Sofrem a juventude, as mulheres e crianças das comunidades. É uma noite escura e de medo: fica difícil de andar na escuridão. Querem os povos parados no escuro do medo.

Faz escuro, companheirada!

As conquistas importantes acenderam luzes nos últimos anos fruto da luta no voto e nas lutas nas bases. Essas luzes prometiam a claridade de acesso aos direitos de terra, pão, trabalho e casa, saúde e dignidade. Mas o direito e o poder de “acender e apagar” continuou fora das nossas mãos. As reformas necessárias não vieram! Nem reforma agrária! Nem reforma urbana! Nem reforma política. Nem reforma do marco regulatório da mídia! Os governos negociam e negam nossas conquistas para contentar as elites e impedem que programas e políticas acendam os caminhos da igualdade e da dignidade.

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Faz escuro, companheirada!

Em nome de Deus setores das igrejas cristãs apóiam políticos, governos e polícias que criminalizam a luta pela água, pela terra e na terra e abençoam o latifúndio e a privatização da natureza... querem apagar a luz do evangelho subversivo de Jesus vivo na vida dos pobres, homens e mulheres lutadoras do campo e da cidade. Querem fazer virar mercadoria o pão e a água da vida. Querem apagar as luzes das religiões de outras matrizes, altares de terreiros e rituais de torés. Faz escuro e silêncio na longa noite da religião do patriarcalismo, individualismo e consumismo.

Faz escuro companheirada!

Às vezes dentro de nós. Tantos desafios que não fomos capazes de enfrentar. Tantas novas relações entre nós que ainda não aprendemos a cuidar, conviver. ...faz escuro MAS eu canto! cantamos porque a manhã vai chegar!

Estendemos a mão mesmo no escuro e vamos ao encontro de quem está do nosso lado. Aprendemos a ver no escuro! Somos nós companheirada na rebeldia necessária de forçar o dia. Nos reconhecemos como comunidades de iguais: novas formas de ser igreja no meio do povo, na luz de mártires da caminhada: Cristo vivo ressuscitado na humana solidariedade e no amor pelo mundo e seus viventes. Haja luz! (Gênesis 1, 3)

Cantamos a luta e a esperança no trabalho de base, na educação popular, na espiritualidade, nas diversas experiências da agricultura agroecológica, na formação permanente, na celebração dos saberes de ervas medicinais e valorização das sementes nativas e crioulas; com estas práticas adiantamos o dia, iluminamos nosso cotidiano... ninguém acende uma luz pra ficar escondida! (Lucas 8, 16).

Somos parte das ocupações de terra, denunciamos empresas e políticos, documentamos os conflitos e fazemos memória ativa das violências. Junto de nós nessa madrugada de rebeldia nos encontramos com os povos indígenas e quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros, nas lutas pelos territórios e contra o avanço do capitalismo no campo. A luz brilha nas trevas! (João 1, 5).

Confirmamos na tradição de profetas que vieram antes de nós na luta radical contra o capitalismo no campo nas formas do trabalho escravo, latifúndio e o agronegócio e afirmamos a luta pela reforma agrária e um projeto camponês para agricultura brasileira, condições necessárias para a soberania alimentar, a defesa e vivência da natureza e a saúde de todos/as no campo e na cidade... O povo que andava em trevas viu grande luz! (Isaías 9, 2).

Sonhamos com a sociedade do bem viver e do conviver rumo a Terra sem Males. Nós somos o povo da esperança, o povo da Páscoa. O outro mundo possível somos nós! A outra Igreja possível somos nós! (Pedro Casaldáliga). Convocamos todos e todas companheiros/as, parentes e amigos/as da CPT e da luta pela terra e na terra a caminhar conosco rumo ao IV Congresso fazendo memória, vivendo a rebeldia e antecipando a esperança”, conluio a XXVII Assembleia Nacional da CPT (6).

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Semana Mundial da Água – SEMA, discute a crise da água no Pajeú (Pernambuco) Cerca de 150 pessoas dos municípios de Afogados da Ingazeira, Iguaracy, Carnaíba, Ingazeira, Tuparetama e São José do Egito debateram a crise da água no Sertão do Pajeú com representantes da COMPESA, com o Prefeito José Coimbra Patriota presidente da Associação Municipalista de Pernambuco – AMUPE, Vereador Augusto Martins presidente da Comissão Parlamentar do Pajeú e a presença do Bispo Diocesano Dom Egídio Bisol. A Audiência é uma iniciativa da Sociedade Civil e aconteceu no Cine Teatro São José em Afogados da Ingazeira em 17 de março de 2015. Em meio a uma das piores secas dos últimos 60 anos no Semiárido, que pôs em colapso os maiores reservatórios de água do território pela segunda vez em três anos, que submete a população de quatro municípios do território ao abastecimento por caminhões pipa e que ameaça submeter quatro novos municípios a água de pipas, a população apresentou suas reivindicações e queixas para conclusão imediata das obras da Adutora do Pajeú, para a elaboração de um plano emergencial de abastecimento dos municípios de Ingazeira, Iguaracy, Turaretama, São José do Egito e o distrito de Jabitacá, uma vez que o reservatório de Rosário encontra-se com apenas 3,4% de sua capacidade. Outras questões relacionadas à crise da água foram denunciadas como a retirada semanal de 79 caminhões de lenha da caatinga, a retirada ilegal de areia do leito de rios e riachos, o despejo de esgoto sem tratamento, a erosão e a destruição da mata ciliar do rio Pajeú. Para debater esse cenário que ameaça o abastecimento de água das populações rurais e urbanas do Pajeú, foram convidados também o Ministério Público Estadual, a CPRH, a APAC, o DNOCs e a ANA. Algumas ausências foram justificadas, mas, a grande maioria dos órgãos públicos não compareceu ao debate, demonstrando a ausência do estado brasileiro da vida dos sertanejos e seu distanciamento das reivindicações da sociedade. Para atender de forma emergencial os municípios de São José do Egito, Iguaracy, Ingazeira, Tuparetama e o distrito de Jabitacá, na possibilidade do colapso de Rosário, está sendo estudada a possibilidade de disponibilizar 55 litros por segundo de água da Adutora do Pajeú para abastecer esses municípios, segundo Washington Jordão da COMPESA. Essa medida exigirá a construção de uma adutora de Afogados da Ingazeira ao reservatório de Rosário. Outra possibilidade é acelerar a conclusão da Adutora do Pajeú até o município de São José do Egito e transportar a água deste município até Rosário, segundo Rúbia Freitas Coordenadora da COMPESA em São José do Egito. A COMPESA também se comprometeu em agilizar o serviço de reparo das tubulações para evitar o desperdício de água tratada.

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Dom Egídio denuncia desmatamento no Pajeú e entrega documento ao Governador

FOTO: Egidio Bisol, Bispo de Afogados da Ingazeira (PE) na Semana Mundial da Água – SEMA, discute a crise da água no Pajeú

O Bispo Diocesano de Afogados da Ingazeira Egidio Bisol – expressão de uma Igreja que realiza a opção preferencial pelo pobre – sucessor do bispo Dom Francisco Austregesilo de Mesquita Filho, firmatario dos Pactos de Catacumbas - denunciou o desmatamento da caatinga no Sertão do Pajeú durante o Seminário Todos Por Pernambuco e entregou ao Governador Paulo Câmara, documento do Grupo Fé e Política, resultado de diagnóstico realizado por Sindicatos de Trabalhadores Rurais em quatro municípios do território.

Segundo Dom Egídio, o documento revela que semanalmente 70 caminhões trafegam por rodovias estaduais transportando lenha da caatinga sem que haja nenhuma fiscalização e controle das autoridades sobre essa operação e que muitas vezes esses caminhões fazem duas viagens totalizando uma média semanal de 140 caminhões de lenha. O Bispo disse que o grupo Fé e Política é composto por organizações sociais e pediu providências ao Governador. O Governador Paulo Câmara entregou o documento ao Secretário Sérgio Xavier da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade e pediu para o Secretário acabar com esse abuso.

Dom Egídio Bisol disse em entrevista à Rádio Pajeú que saiu com avaliação positiva da 53ª Assembleia da CNBB a partir da escolha do seu presidente, o Arcebispo de Brasília, Dom Sérgio da Rocha, de Brasília. “Foi uma escolha acertada e consensuada. Ele foi eleito já na primeira votação. Ele já tinham importante atuação na CNBB”. Dentre os temas abordados na Assembleia, Dom Egídio destacou a discussão sobre mais espaço para os leigos, com mais protagonismo. Também as discussões sobre a necessidade de reforma política com proibição de doação de empresas em campanhas, de mais harmonia e menos briga entre os poderes contra a Lei da Terceirização e PEC 200/2015 (que afronta os povos indígenas) e contra mudanças no Estatuto do Desarmamento e a PEC da redução da maioridade penal. “Não é a redução que vai

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reduzir a violência. Só vai reforçar a política de encarceramento e as universidades do crime. O Estatuto já responsabiliza adolescentes a partir dos 12 anos e onde é bem aplicado a reincidência é baixíssima”.

Dom Egídio comentou a situação hídrica na região. Recentemente a Compesa anunciou a contratação de carros pipa. Mas no Pajeú, os reservatórios para captação estão ficando cada vez mais escassos, como Rosário. “O quadro não melhorou do ano passado pra cá. Serrinha (Serra Talhada) talvez possa fornecer mais água a Serra Talhada aumentado a vazão da Adutora para outras cidades mais acima. Do jeito que está, se chegar a água a Itapetim, Taperoá, aqui Afogados poderá ter menos água. Esperamos que os órgãos responsáveis encontrem uma solução. Uma alternativa seria de mais poços para a zona rural. Mas esta seca no ensinou que não temos água sobrando , temos que economizar”.

Sobre a ação de denúncia do Grupo Fé e Política Dom Francisco questionado a falta de ação das autoridades no combate à exploração ilegal de madeira e bens naturais da região, o Bispo avaliou como positiva a repercussão do trabalho. “Não se falava sobre o assunto. O Estado tem que fazer algo, mesmo sabendo que os recursos humanos são poucos. Agora, vamos reforçar o aspecto educativo”, afirmou. Em parceria com a Universidade Federal Rural de Serra Talhada, será elaborada uma cartilha com informações sobre manejo sustentável da caatinga. “Essa cartilha será distribuída para conscientização. Vamos realizar uma reunião com prefeitos e secretários de Agricultura e Educação para discutir a distribuição desse material.”, informou Bispo Bisol.

O pacto das catacumbas vivido pelo Papa Francisco O teólogo brasileiro Leonardo Boff considera que “no dia 16 de novembro de 1965 ao findar o Concílo Vaticano II (1962-1965), alguns bispos, animados por Dom Helder Camara, celebraram uma missa nas Catacumbas de Santa Domitila, fora de Roma e fizeram um Pacto das Catacumbas da Igreja serva e pobre. Propunham-se ideais de pobreza e simplicidade, deixando seus palácios e vivendo em simples casas ou apartamentos. Agora com o Papa Francisco este pacto ganha plena atualidade. Vale a pena rememorar os compromissos assumidos pelos bispos”. “Nós, Bispos, reunidos no Concílio Vaticano II, esclarecidos sobre as deficiências de nossa vida de pobreza segundo o Evangelho; incentivados uns pelos outros, numa iniciativa em que cada um de nós quereria evitar a excepcionalidade e a presunção; unidos a todos os nossos Irmãos no Episcopado; contando sobretudo com a graça e a força de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a oração dos fiéis e dos sacerdotes de nossas respectivas dioceses; colocando-nos, pelo pensamento e pela oração, diante da Trindade, diante da Igreja de Cristo e diante dos sacerdotes e dos fiéis de nossas dioceses, na humildade e na consciência de nossa fraqueza, mas também com toda a determinação e toda a força de que Deus nos quer dar a graça, comprometemo-nos ao que se segue: 1) Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. 2) Para sempre renunciamos à aparência e à realidade de riqueza, especialmente no traje (tecidos ricos, cores berrantes, nas insígnias de matéria preciosa). Devem esses signos ser, com efeito, evangélicos: nem ouro nem prata.

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3) Não possuiremos nem imóveis, nem móveis, nem conta em banco, etc., em nosso próprio nome; e, se for preciso possuir, poremos tudo no nome da diocese, ou das obras sociais ou caritativas. 4) Cada vez que for possível, confiaremos a gestão financeira e material em nossa diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico, na perspectiva de sermos menos administradores do que pastores e apóstolos. 5) Recusamos ser chamados, oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor…). Preferimos ser chamados com o nome evangélico de Padre. 6) No nosso comportamento, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer aos ricos e aos poderosos (ex.: banquetes oferecidos ou aceitos, classes nos serviços religiosos). 7.Do mesmo modo, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou por qualquer outra razão. Convidaremos nossos fiéis a considerarem as suas dádivas como uma participação normal no culto, no apostolado e na ação social. 8) Daremos tudo o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc. ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e economicamente fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique as outras pessoas e grupos da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários compartilhando a vida operária e o trabalho. 9) Cônscios das exigências da justiça e da caridade, e das suas relações mútuas, procuraremos transformar as obras de “beneficência” em obras sociais baseadas na caridade e na justiça, que levam em conta todos e todas as exigências, como um humilde serviço dos organismos públicos competentes. 10) Poremos tudo em obra para que os responsáveis pelo nosso governo e pelos nossos serviços públicos decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento harmônico e total do homem todo em todos os homens, e, por aí, ao advento de uma outra ordem social, nova, digna dos filhos do homem e dos filhos de Deus. 11) Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral – dois terços da humanidade – comprometemo-nos: -a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres; -requerermos juntos ao plano dos organismos internacionais, mas testemunhando o Evangelho, como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria. 12) Comprometermo-nos a partilhar, na caridade pastoral, nossa vida com nossos irmãos em Cristo, sacerdotes, religiosos e leigos, para que nosso ministério constitua um verdadeiro serviço; assim: -esforçar-nos-emos para “revisar nossa vida” com eles; -suscitaremos colaboradores para serem mais animadores segundo o espírito, do que chefes segundo o mundo; -procuraremos ser o mais humanamente presentes e acolhedores; -mostrar-nos-emos abertos a todos, seja qual for a sua religião.

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13) Tornados às nossas dioceses respectivas, daremos a conhecer aos nossos diocesanos a nossa resolução, rogando-lhes ajudar-nos por sua compreensão, seu concurso e suas preces. Não são esses os ideais apresentandos pelo Papa Francisco? (7). Conclusão Concílio Vaticano II inaugurou um novo capítulo na história da Igreja. Inspirados nestas transformações, um grupo de bispos firmou em 16 de novembro de 1965, nas Catacumbas de Domitila, em Roma, o documento conhecido como o Pacto das Catacumbas. Nele, os prelados se comprometem a viver a sua vocação num espírito de pobreza, segundo os ensinamentos de Jesus nos Evangelhos. O documento foi assinado inicialmente por 42 Bispos de todo o mundo, incluindo 5 brasileiros. Posteriormente, o Pacto foi assumido por cerca de 500 dos 2.500 bispos do Concílio. No total, as 42 assinaturas reuniam bispos de 25 países: 8 da África, 1 da América do Norte, 9 da América Latina e Caribe, 12 da Ásia, 8 da Europa e 1 do Oriente Médio. O espírito de pobreza e despojamento presente nos enunciados do Pacto, poderia sugerir, num primeiro momento, o respaldo somente de bispos ligados a países do “Terceiro Mundo” ou "em desenvolvimento". No entanto, entre os signatários, estavam também 8 bispos europeus, o mesmo número da África. Os 5 bispos brasileiros signatários do documento foram Dom João Batista da Mota e Albuquerque, Arcebispo de Vitória (ES), Dom Francisco Austregesilo de Mesquita Filho, Bispo de Afogados da Ingazeira (PE), Dom José Alberto Lopes de Castro Pinto, Bispo Auxiliar de São Sebastião do Rio de Janeiro, Dom Henrique Hector Golland Trindade OFM, Bispo de Bonfim, (BA) e Dom Antônio Batista Fragoso, Bispo de Crateús (CE). Posteriormente, o Pacto foi assumido por cerca de 500 dos 2.500 bispos do Concílio. Um dos proponentes do Pacto, foi Dom Helder Câmara, fundador da CNBB e sempre comprometido com as causas sociais no Brasil. Durante o Concílio Vaticano II, foi artífice de redes de relações devido a sua facilidade em estabelecer contatos. De fato, Dom Helder circulava com desenvoltura nos bastidores do Concílio, desempenhando um papel silencioso e preponderante, também nas Conferências realizadas na Domus Mariae (8). Nosso bispo-profeta Dom Hélder Câmara (e outros como Dom Antônio Batista Fragoso e Dom Francisco Austregesilo de Mesquita Filho(9) que realizou toda uma iniciação da Igreja do Brasil à opção pelos pobres, depois estendida para toda a Ameríndia Latina e para o mundo, fiel a uma sugestão do Papa João XXIII já havia criado a Conferência Nacional dos Bispos como um colegiado. Fazendo parte do povo brasileiro, com seu jeitinho brasileiríssimo, Dom Hélder não fez absolutamente nenhuma intervenção na aula magna do Concílio. Em vez de discursos, ocupou-se em fazer conchavos, isto é conversas ao pé do ouvido. Dentro dessa estratégia, conseguiu convencer 40 bispos conciliares, num trabalho de pescador artesanal, isto é um a um, dos mais diversos países do mundo, entre os quais cinco do Brasil, a fim de realizarem uma espécie de conciliábulo, para não dizer concílio mais restrito, embaixo da terra, como uma espécie de concílio especial, num autêntico pacto entre as quatro dezenas de participantes, firmado por todos num compromisso formal a que denominaram Pacto das Catacumbas” (10). A opção do Evangelho de Cristo Libertador que guia os Bispos da Amazônia na audiência na CIDH, os Bispos como Egidio Bisol e o Arcebispo Silvano Maria Tomasi, Observador Permanente da Santa Sé na ONU, os laicos e agentes militantes da Comissão Pastoral da Terra CPT,

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representa uma atualização moderna do Pacto das Catacumbas, um novo desafio por Papa Francisco.

NOTAS

(1) Morsolin Cristiano. Deputadas europeias criticam construção da hidrelétrica de Belo Monte. http://www.ecodebate.com.br/2013/08/05/deputadas-europeias-criticam-construcao-da-hidreletrica-de-belo-monte/

(2) http://www.news.va/pt/news/bispos-latino-americanos-levam-a-pan-amazonia-a-ci

(3) http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/19/internacional/1426730060_984253.html

(4) http://br.radiovaticana.va/news/2015/03/20/pan-amaz%C3%B4nia_recebe_solidariedade_dos_bispos_canadenses/1130790

(5) www.radiovaticana.va/proxy/portuguese/noticiario/2014_09_18.html (6) http://www.cptnacional.org.br/…/2496-assembleia-da-cpt-eleg… (7) http://www.gentedeopiniao.com.br/lerConteudo.php?news=127509 (8) http://br.radiovaticana.va/news/2015/01/28/bispos_signat%C3%A1rios_do_pact

o_das_catacumbas/1120289 (9) Morsolin Cristiano. João XXIII e o profeta do Pajeú na luta pela Terra

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/530798-joao-xxiii-e-o-profeta-do-pajeu-na-luta-pela-terra-artigo-de-cristiano-morsolin

(10) http://www.ihu.unisinos.br/noticias/518690-a-reconciliacao-da-igreja-com-os-pobres-e-os-martires

22.03.2015

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Razões de esperanças: O sonho e a luta dos Povos Indígenas!

Dom Erwin Krautler* em pronunciamento feito na Assembleia Nacional da Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, em Aparecida do Norte, no dia 22-02-105.

INTRODUÇÃO

“Prontos a dar razão da esperança” 1 Pd 3,15

Tomo mais uma vez a liberdade de descrever o avanço da dura e conflitiva realidade dos

povos indígenas no Brasil. Faço-o no intuito de não apenas relatar atos e omissões, dados e

números, mas sim de tocar o coração dos pastores e de todos os homens e mulheres da

nossa Igreja. Volto a repetir o que o Dr. Rubens Ricupero falou na aula que deu a essa

Assembleia Geral sobre a atual conjuntura político-social: “A sociedade brasileira será

julgada pela maneira como trata os mais fracos e frágeis”. Importa conhecer de perto esses

“fracos” e “frágeis” e mais ainda as causas e os motivos de sua vulnerabilidade. São sempre

pessoas de carne e osso. E entre elas sobressaem os indígenas, os verdadeiramente

autóctones deste país maravilhoso. Já milhares de anos atrás seus antecedentes longínquos

habitavam esse continente[1]. Muitos têm sobrenomes que identificam o povo a que

pertencem. São mulheres e homens, crianças, jovens, adultos, idosos, feitos à imagem e

semelhança de Deus (cf. Gn 1,27) a quem são negados os direitos fundamentais à vida, às

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85

suas terras ancestrais e de serem diferentes em seus costumes e tradições, culturas e

línguas.

Foto: Papa Francisco e Dom Erwin Krautler.

Ouço e interpreto o apelo de nosso Papa Francisco na Bula que proclama o Jubileu

Extraordinário da Misericórdia “Misericordiae Vultus” também no contexto dos povos

indígenas: “Abramos os nossos olhos para ver as misérias do mundo, as feridas de tantos

irmãos e irmãs privados da própria dignidade e sintamo-nos desafiados a escutar o seu grito

de ajuda. As nossas mãos apertem as suas mãos e estreitemo-los a nós para que sintam o

calor da nossa presença, da amizade e da fraternidade. Que o seu grito se torne o nosso e,

juntos, possamos romper a barreira de indiferença que frequentemente reina soberana para

esconder a hipocrisia e o egoísmo” (MV 15).

BRASIL, PÁTRIA DOS POVOS INDÍGENAS?

Não relato fatos do passado, mas acontecimentos que ocorrem nestes dias. Tento mostrar o

calvário de 305 povos indígenas tratados como estrangeiros em seu próprio país e acusados

até de usurpadores de suas terras tradicionais ou então de invasores de propriedades

produtivas[2].

Apesar dos duros golpes que sofreram e continuam sofrendo, a esperança de que um dia o

sonho da Terra sem Males se torne realidade, não desvanece. É o sonho de um mundo

justo, fraterno e solidário, onde todos podem viver em harmonia com a criação de Deus e

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seus semelhantes. A busca da realização deste sonho não deixa de ser parte intrínseca do

Objetivo da CNBB, pelo menos a partir de sua 17ª Assembleia em 1979[3] que se inspirou

na III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano em Puebla.

O descaso e até o escárnio do governo brasileiro com os direitos constitucionais dos povos

indígenas é assustador: “O Brasil não tem ideia da riqueza humana e cultural que se perde

ao insistir em uma política que não se cansa de tentar transformar índios em pobres,

‘integrados’ às levas de marginalizados que ocupam as periferias das grandes cidades”

escreveram Maria Rita Kehl e Daniel Pierri por ocasião do Dia do Índio, 19 de abril, na Folha

de São Paulo[4]. Apesar de nossa Constituição Federal reconhecer o direito às terras que

povos indígenas ocupam, o governo não as demarca, ou, quando as demarca, não as

homologa. O Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 determina: “São reconhecidos aos

índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos

originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,

proteger e fazer respeitar todos os seus bens“. A terra, para estes povos, não se reduz à

mera mercadoria ou a um bem a ser explorado até a exaustão. É a “mãe gentil” cantada e

decantada em nosso Hino Nacional. É seu espaço vital, o chão de seus ritos e mitos, o

território de suas lutas históricas pela sobrevivência.

Em alguns estados há constantes investidas contra as terras demarcadas ou a serem

demarcadas. De ano em ano crescem as violências contra comunidades e lideranças

indígenas, especialmente aquelas que vivem às margens de rodovias ou estão encurraladas

em reservas reduzidíssimas. O setor ruralista não se cansa em articular, em todo o país,

ações de intimidação e de coerção dos povos indígenas e dos quilombolas.

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A SUBSERVIÊNCIA DO GOVERNO AO AGRONEGÓCIO

Nas relações do governo com seus “aliados”, salta à vista a perigosa subserviência aos

ruralistas que vêm revelando sempre mais sua face depredadora dos recursos da natureza,

como a destruição de florestas e de matas ciliares, e a poluição de mananciais de água. Em

muitos casos se valem ainda da exploração da mão de obra humana, submetendo

trabalhadores a condições análogas à escravidão. É bom lembrar que muitos dos que se

autodenominam hoje de “proprietários” adquiriram suas posses através da força bruta,

expulsando famílias e povos, ameaçando e assassinando lideranças ou então adquirindo

terras a preços irrisórios e promovendo a grilagem ou recebendo, a preço simbólico, terras

do poder público.

O atual governo ao favorecer abertamente os ruralistas mostra-se intransigente para com

os povos indígenas e quilombolas. Não aceita diálogo com líderes indígenas e rejeita

qualquer questionamento ou crítica aos seus planos e projetos desenvolvimentistas. Essa

postura arrogante estimula a perseguição e as violências contra os povos indígenas. Os

preceitos constitucionais, as normas e os tratados internacionais, especialmente no que se

refere à consulta prévia, livre e informada das populações indígenas e quilombolas são

desrespeitados em nome de projetos proclamados como de “interesse nacional” ou

“interesse comum” que na realidade não geram o bem “comum” e sim o bem de alguns

setores do mercado e da economia como empreiteiras, mineradoras, usineiros e empresas

de energia hidráulica e do agronegócio.

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Nos dois últimos anos assistimos a um verdadeiro “levante” contra os povos indígenas e

quilombolas e seus direitos fundamentais à vida e à terra. As investidas se deram no âmbito

político junto aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, mas também na mídia através

da veiculação de notícias que provocam inquietação social[5].

OS POVOS INDÍGENAS E OS TRÊS PODERES DA REPÚBLICA

No Poder Legislativo, alastram-se Projetos de Lei e Propostas de Emenda Constitucional no

intuito de abolir direitos de indígenas e quilombolas e de romper com qualquer perspectiva

de demarcação de terras. E não é só isso. A bancada ruralista chega até a propor a revisão

das terras já demarcadas e homologadas pela Presidência da República. São propostas

tramitando no Congresso que sorrateiramente tentam corromper todo o espírito da

Constituição Federal de 1988. A mais aviltante das Propostas de Emenda Constitucional é

sem dúvida a PEC 215/2000 que pretende transferir para o Legislativo a atribuição

constitucional do Poder Executivo de demarcar terras indígenas, quilombolas e definir áreas

ambientais.

A aprovação desta PEC seria o mesmo como ancorar na Constituição Federal a sentença de

morte destes povos, pois os interesses do agronegócio jamais irão deixar a majoritária

bancada ruralista votar em favor da demarcação de uma área indígena. Outro retrocesso

está embutido no Projeto de Lei Complementar (PLP) 227/2012 que visa modificar o

Parágrafo 6º do Art. 231 da Constituição Federal e tem por finalidade definir áreas

economicamente interessantes como de relevante interesse público e por isso interditá-las

para indígenas, quilombolas ou qualquer outra minoria a fim de torná-las disponíveis ao

agronegócio, às mineradoras, madeireiras e outras empresas.

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No apagar das luzes da legislatura 2011 – 2014, a Comissão Especial da PEC 215/2000foi

extinta. No entanto, logo nos primeiros dias da atual legislatura, os mesmos parlamentares

ruralistas entraram com requerimento e a Proposta de Emenda Constitucional foi

desarquivada e constituída uma nova Comissão Especial.

Junto ao Poder Judiciário proliferam ações contra as demarcações de terras. Em muitas

decisões se percebe que juízes, desembargadores e ministros procuram as brechas na

legislação para fundamentar decisões contrárias aos direitos indígenas e impor a paralisação

de demarcações[6].

A política do Poder Executivo é refém do agronegócio e por isso francamente anti-indígena.

Não foi mero acaso que a bancada ruralista no Congresso Nacional exigiu que todas as

demarcações de terras fossem paralisadas[7]. A coordenadora da 6ª Câmara de

Coordenação e Revisão, Dra. Deborah Duprat, caracterizou com um olhar clínico toda essa

situação: “Avalio que estamos vivendo um dos piores momentos pós-Constituição de 1988

no que diz respeito a direitos territoriais indígenas. Isso porque, pela primeira vez, os Três

Poderes, por ação ou omissão, passam a percepção de que há excesso nas demarcações de

terras indígenas e de que é preciso adotar providências no sentido de assegurar direitos de

propriedade de terceiros”[8].

A SITUAÇÃO DA FUNAI

Existe dentro do próprio governo uma severa campanha contra a Funai. Há dois anos está

sob o comando de presidentes interinos. Desde que, em junho de 2013, a antropóloga

Marta Azevedo pediu demissão, a presidente Dilma oficialmente não nomeou ninguém para

o cargo. Nos 48 anos de sua existência, a Funai teve 33 presidentes – média de 1 ano e 4

meses de mandato para cada um[9].

O esvaziamento da Funai está relacionado aos acordos firmados com os setores da

economia contrários aos direitos dos povos indígenas. O primeiro mandato da presidente

Dilma terminou com o menor índice de demarcações da história dos governos desde a

redemocratização.[10] O desinteresse do governo federal pelo órgão e pela questão

indígena fica ainda mais evidente com a redução do quadro de funcionários

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permanentes.[11] Há, além disso, uma severa restrição orçamentária para o órgão

indigenista.[12]

Quanto aos processos de demarcação, 13 processos se encontram engavetados no

Ministério da Justiça, aguardando a assinatura de portarias declaratórias. Outros 18

processos de demarcação estão na mesa da presidente Dilma, à espera da assinatura do

decreto de homologação.

É inegável que o sucateamento do órgão responsável pela condução da política indigenista,

além das pressões para que as demarcações não ocorram, obedece a acordos políticos e ao

projeto “desenvolvimentista” ligado exclusivamente ao extrativismo dos bens da natureza, à

exploração da terra pelo agronegócio e à construção de grandes obras, como as

hidrelétricas que geralmente afetam populações indígenas.

O pacto do governo federal com os ruralistas criou raízes e se alastrou pelo país. Governos

estaduais, como de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, promoveram

junto à opinião pública, uma espécie de linchamento da Funai e de seus servidores,

caracterizando-os como manipuladores, fraudadores, parciais, fomentadores e promotores

de conflitos entre “índios e produtores”. Entidades indigenistas e lideranças indígenas foram

igualmente caluniadas pelos representantes dos governos estaduais e os defensores do

agronegócio.

O resultado da aliança federativa com o ruralismo só não obteve êxito pleno em função dos

protestos e mobilizações dos povos indígenas e seus aliados.[13]

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CONCLUSÃO

Nunca me esqueço do momento em que na 27ª Assembleia Geral da CNBB (5 a 14 de abril

de 1989) anunciei aos bispos reunidos em Itaici com incontido júbilo: “Pela primeira vez em

sua história, o Brasil tem agora uma constituição que garante aos índios o direito à sua

identidade étnico-cultural. O texto constitucional suprimiu o objetivo de “incorporar os

silvícolas à comunhão nacional”, presente nas constituições anteriores, reconhecendo-se aos

índios a cidadania, o direito à organização social própria, costumes, línguas, crenças e

tradições, e fixando-se o prazo de cinco anos para concluir a demarcação das terras que

tradicionalmente ocupam (…). É inesquecível a presença de quase 200 índios no Congresso

quando, em 1º de junho de 1988, o plenário aprovou a redação do capítulo específico sobre

os seus direitos“[14].

Não é possível que a vitória que indígenas e nós todos celebramos com a promulgação da

Constituição de 1988 tenha sido apenas um furtivo relâmpago em meio às trevas que

continuariam ao longo dos anos subsequentes e agora estão ficando cada vez mais

espessas a ponto de o lampejo indigenista na Constituição perder de uma vez o seu brilho.

Em vez de os parâmetros constitucionais serem concretizados no dia-a-dia das aldeias,

constatamos as omissões dos sucessivos Governos, as sempre novas tentativas do

Legislativo de alterar o enunciado da Carta Magna do País e a escandalosa morosidade ou

então a conivência e cumplicidade do Judiciário com setores anti-indígenas.

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O comunicado que fiz nas Assembleias Gerais da CNBB ao longo de quatro mandatos de

presidente do Cimi (1983 – 1991 e 2007 – 2015) ficou lamentavelmente muitas vezes

recheado de más notícias, denúncias e clamores dos povos indígenas.

Hoje é a última vez que, como presidente do Cimi, me dirijo aos bispos do Brasil porque no

próximo setembro termina o meu derradeiro mandato. Agradeço de coração as notas da

CNBB ao longo de todos estes mais de trinta anos em favor dos direitos e da dignidade dos

povos indígenas. Obrigado por tantos apertos de mão e abraços que recebi em

solidariedade para com essa causa. O apoio direto, o compromisso com o Evangelho da

Vida e a intransigente postura profética da CNBB foram e continuam a ser “Boa Notícia”

para os povos indígenas. A Igreja do Brasil nunca os abandonou nem os deixou sozinhos.

Recebam, assim, meu cordial e mais sincero “Deus lhes pague”. Obrigado por todos os

sinais de justiça e colegialidade que foram “razão da esperança” dos povos indígenas. Agora

os seguranças que há nove anos me vigiam dia e noite no Xingu podem relaxar. Nossa

vigilância, porém, para o bem comum e em defesa da causa dos povos indígenas continua.

Não foi e nunca será em vão: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” “Quem nos

separará do amor de Cristo?” (Rom 8,31.35).

Aparecida, 22 de abril de 2015

Autor: Erwin Kräutler

Bispo do Xingu, Presidente do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).

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Notas:

1 A idade cientificamente provada das pinturas rupestres na Caverna da Pedra Pintada em

Monte Alegre, Pará, mostrando mulheres e crianças saindo para colher castanha-do-pará e

homens no meio da mata úmida caçando anta, derruba definitivamente a tese da ocupação

do continente americano há somente 12.000 anos. Esses „paleoíndios“ viviam na Amazônia

já há muito mais tempo.

2 A ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Kátia Abreu (PMDB-TO) chega à tese

absurda de em entrevista publicada no dia 05 de janeiro de 2015 no Jornal Folha de São

Paulo afirmar que “os índios saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de

produção”. Uma afirmação tão descabida e desconectada da realidade do nosso país só

pode ser fruto de uma total ignorância da história do Brasil. Não são os povos indígenas que

saíram ou saem das florestas. São os agentes do latifúndio, do ruralismo, do agronegócio

que invadem e derrubam as florestas, expulsam e assassinam as populações que nela

vivem.

3 Comunicado Mensal da CNBB, nº 324 (setembro de 1979) p. 855 ss.

4 Folha de São Paulo, Tendências/Debates, Opinião, 19 de abril de 2015.

5 Em Mato Grosso do Sul, comunidades indígenas e suas organizações tiveram de ingressar

em juízo para impedir um leilão para arrecadar fundos para contratação de “seguranças

armados”.

6 A 2ª. Turma do STF anulou recentemente portarias declaratórias de três terras indígenas,

inclusive da Terra Indígena Limão Verde já registrada em nome da União e de posse

consolidada e pacífica do povo Terena no Mato Grosso do Sul. Se for confirmado pelo

Supremo, essa decisão reabrirá conflitos que já haviam sido superados pelos procedimentos

de demarcação.

7 O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, determinou aos técnicos do órgão

indigenista que áreas indígenas já declaradas como tais através de portarias assinadas por

ele mesmo fossem revistas, como é o caso da terra indígena Mato Preto, no Rio Grande do

Sul.

8 Conselho Indigenista Missionário – Cimi, Jornal Porantim, Janeiro/Fevereiro 2015.

9 Nos dois governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a FUNAI teve dez

presidentes. No governo Luiz Inácio Lula da Silva foram três.

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10 A presidente Dilma homologou, em quatro anos, 11 terras, um total de 2 milhões de

hectares, a mais baixa desde os governos pós-ditadura militar. Em metade do tempo,

Itamar Franco homologou 16 áreas e 5,4 milhões de hectares.

11 O número de funcionários caiu de 2.396 em 2010 para 2.238 em 2014. O grupo

dedicado à delimitação e demarcação de terras foi reduzido de 21 para 16 funcionários

fixos. O número de antropólogos na equipe baseada em Brasília baixou de seis para dois.

12 Em 2013, a verba da FUNAI chegou a R$ 174 milhões. Em 2014, segundo o órgão,

foram R$ 154 milhões.

13 Caso contrário o governo já teria, como anunciou tantas vezes o ministro da Justiça,

alterado as regras do procedimento de demarcação de terras (regulados pelo Decreto

1775/1996 e Portaria 14/1996) e ao mesmo tempo vincularia as 19 condicionantes,

impostos pelo STF no julgamento do “caso Raposa Serra do Sol”, a todas as demarcações

de terras, como ficara explicitado na edição da Portaria 303/2012 da AGU. O STF, no mês

de outubro de 2013, julgou os embargos de declaração relativos à decisão de Raposa Serra

do Sol (Petição – PET 3388) e determinou que as 19 condicionantes estabelecidas no

julgamento da ação pela manutenção da demarcação da Terra Raposa Serra do Sol em área

contínua não são vinculantes a outros casos, portanto a outras demarcações de terras. Mas

apesar desta decisão a Segunda Turma do STF tem firmado entendimento contrário as suas

decisões anteriores, com a decisão referida anteriormente acerca da Terra Indígena Limão

Verde.

14 CNBB, Comunicado Mensal 430, abril de 1989, p. 564. Cfr Testemunha de Resistência e

Esperança. Discursos de Itaici em defesa dos povos indígenas. Dom Erwin Krautler. CIMI.

Brasília: 1991

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João XXIII e o profeta do Pajeu na luta

pela Terra

30. 04. 20141 Diante de uma multidão na Praça São Pedro, os papas João Paulo II e João XXIII foram canonizados pelo papa Francisco ontem, domingo 27 de abril de 2014, em uma missa sem precedentes na história da Igreja Católica. O papa Francisco mencionou a importância do Concílio Vaticano II, encontro convocado por João XXIII em 1962 que reformou diretrizes e abriu as portas da Igreja para o mundo moderno. “Na convocação do Concílio, João XXIII demonstrou uma delicada docilidade ao Espírito Santo, deixou-se conduzir e foi para a Igreja um pastor, um guia-guiado. Este foi o seu grande serviço à Igreja; foi o papa da docilidade ao Espírito”, afirmou. Papa Francisco coincide com João XXIII no compromisso pela paz, em sua vontade de renovar a Igreja e mesmo numa certa intolerância pela prisão vaticana. O Papa Roncalli escolheu deliberadamente o termo "aggiornamento" [atualização], preparando-se para a sua obra de renovação, porque a palavra reforma assustaria os setores mais conservadores. Roncalli também inseriu no órgão dirigente do Concílio personalidades reformadoras como o Cardeal belga Suenens, Dom Helder Câmara, Dom Aloísio Lorscheider, Dom Manuel Larraín (Chile), Dom Leonidas Proaño (Equador). Sem esse impulso inovador, a assembleia conciliar não poderia desdobrar todas as suas potencialidades. Ainda hoje, os documentos do Vaticano II são a base do novo curso de Francisco. Pacto das Catacumbas por uma Igreja pobre, sem poder e profética No dia 16 de novembro de 1965, há 49 anos, poucos dias antes do encerramento do Vaticano II, cerca de 40 padres conciliares celebraram uma Eucaristia nas Catacumbas de Domitila, em Roma, pedindo fidelidade ao Espírito de Jesus. Depois dessa celebração, assinaram o "Pacto das Catacumbas". O documento é um desafio aos "irmãos no Episcopado" a levar adiante uma "vida de pobreza", uma Igreja "serva e pobre", como sugerira o Papa João XXIII. Os signatários – entre eles muitos brasileiros e latino-americanos, embora muitos outros aderiram ao pacto mais tarde – se comprometiam a viver em pobreza, a renunciar a todos os símbolos ou privilégios do poder e a pôr os pobres no centro do seu ministério pastoral.

1http://www.ihu.unisinos.br/noticias/530798-joao-xxiii-e-o-profeta-do-pajeu-na-luta-pela-terra-artigo-de-cristiano-

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A reforma tem que vir de dentro. E essa reforma interior, a fazer dentro dos corações, também se buscou ensaiar durante os anos em que durou o Concílio Vaticano II. E se dava mais nos bastidores do Concílio, lembra Dom Antônio Batista Fragoso, bispo de Crateús – Ceará. “Nós éramos um grupo de cerca de 30 bispos, alguns cardeais, que nos reuníamos, na parte da tarde, no Colégio Belga, para refletir sobre temas da atualidade como o da identidade de Jesus com os pobres. Quero entender o significado do que está escrito “Isto é o meu Corpo”, como entendemos isto com relação aos que passam fome, aos doentes, aos preseos, aos estrangeiros: “aí estou eu”, “Eu sou isto”. Tratava-se de dar consequência disto para a nossa vida pastoral e para a nossa espiritualidade, a partir desse entendimento da identidade de Cristo com os pobres. E, após quatro anos, por ocasião do encerramento do Concílio, buscamos firmar um pacto entre nós, de nos comprometermos mais firmemente com alguns pontos mais importantes dessa experiência. Então nos reunimos na Catacumba de Santa Domitila, para celebrar esse pacto, pelo qual nos compremetemos a fazer incidir em nossa vida pastoral a causa dos pobres. Além dos cerca de 40 signatários presentes à celebração do Pacto das Catacumbas, cerca de 500 bispos acabaram aderindo ao mesmo Pacto das Catacumbas”. E assim decidiram formular um texto contendo 13 pontos, que passariam a ser tomados como suas metas de compromisso pessoal, pastoral e de sua espiritualidade.

“Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral – dois terços da humanidade – comprometemo-nos: a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres; a requerermos juntos ao plano dos organismos internacionais, mas testemunhando o Evangelho, como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria (1)”.

O texto teve uma forte influência sobre a Teologia da Libertação, que surgiria nos anos seguintes. Um dos signatários e propositores do pacto foi Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho, Bispo de Afogados da Ingazeira (PE) (1961-2001), bispo emérito de Afogados da Ingazeira (PE). (2001-6), Coordenador da Pastoral Rural (1985-88) da CNBB Regional NE 2 (2).

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Dom Francisco, vida enraizada

Foto: Bispo Egidio Bisol

À semelhança das árvores, também as pessoas têm raízes. A extensão e a profundidade das raízes dão segurança às árvores; da mesma forma, no universo humano, a solidez das raízes está intimamente relacionada com a natureza da convivência que se estabelece entre as pessoas, ao longo dos anos. Na realidade, nada é indiferente, nada é neutro no mundo dos seres vivos. Assim como o equilíbrio ecológico assegura uma interação entre os elementos que dão vida à vegetação de um determinado ambiente, igualmente, na vida das pessoas, que estão bem situadas no seu meio, se estabelece uma forte empatia, de maneira especial, quando há uma causa maior que as identifica e, por consequência, as aproxima.

É nessa chave de leitura que vemos a figura do segundo Bispo de Afogados da Ingazeira, recentemente falecido, Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho. Sertanejo cearense, de origem, sertanejo do Pajeu, por missão e opção. Portanto, um homem com raízes extensas e profundas, identificado com o seu tempo e alicerçado em seu meio; eclesial, social e politicamente, Dom Francisco teve sua vida enraizada no sertão pernambucano e na realidade nordestina.

Não lhe faltou a consciência de ser Bispo de seu tempo. Nessa condição, teve a oportunidade de viver a experiência rara de Padre conciliar, com os desafios e as expectativas, respectivamente, de João XXIII e de Paulo VI, ao convocar o Concilio Vaticano II, ao encerrá-lo e ao conduzir a implementação de suas disposições teológicas e pastorais. O Concilio lhe abriu horizontes eclesiais; por isso, em seus 45 anos de episcopado como membro da CNBB, atuou, com clarividência, na elaboração das diretrizes da ação evangelizadora da Igreja no Brasil, participou, com lucidez, da vida do Regional Nordeste 2 e norteou, com firmeza, a caminhada pastoral da Diocese de Afogados da Ingazeira.

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Não lhe faltou a consciência de ser cidadão. Acompanhou a vida social do país e da região nordeste, identificando os seus estrangulamentos e enxergando suas potencialidades. A título de exemplo, em razão de sua consciência cidadã e de sua experiência, foi escolhido pela CNBB para integrar a Comissão Especial do “Mutirão Nacional para superação da miséria e da fome” cujo objetivo “é combater o escândalo da fome crônica e da carência alimentar que aflige milhões de brasileiros e brasileiras”. Sua coerência profética se fez ouvir, diante do histórico estado de miséria e pobreza que a estrutura de desigualdade social impõe a milhões de brasileiros. No período extremamente difícil da ditadura militar no Brasil, manteve-se fiel ao exercício de sua missão, como pastor e cidadão.

“Eu ouvi os clamores do meu povo”: o episcopado profético do nordeste brasileiro Iraneidson Santos Costa - Professor Adjunto II do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia considera o bispo Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho parte do “Episcopalismo Profético”.

“Poucas gerações foram tão afins ao conceito de Episcopalismo Profético quanto os bispos nordestinos da segunda metade do século XX. Para efeito de demonstração, priorizamos neste artigo um grupo específico destes bispos, os signatários do documento “Eu ouvi os clamores do meu povo”, de 6 de maio de 19738. A historiografia da Igreja Católica não hesita em reconhecer neles “as declarações mais radicais jamais publicadas por um grupo de bispos em qualquer parte do mundo” (LÖWY, 2000, 145 (3), na medida em que denunciava, com base em estatísticas fornecidas pelos próprios órgãos oficiais, a realidade de miséria vivenciada pelos homens e mulheres nordestinos em termos de renda, trabalho, alimentação, habitação, educação e saúde. Trazia, ademais, uma incisiva crítica ao alardeado “milagre”, desmascarado como “a maior ofensiva da história brasileira em favor da penetração de capitais estrangeiros”, terminando por concluir que “o presente modelo de crescimento econômico, de resultados inúteis para a classe dos trabalhadores e oprimidos, visa desviar o nosso povo dos verdadeiros objetivos globais de transformação da sociedade. O processo histórico da sociedade de classe e a dominação capitalista conduzem fatalmente ao confronto das classes (...). A classe dominada não tem outra saída para se libertar, senão através da longa e difícil caminhada, já em curso, em favor da propriedade social dos meios de produção (...). O Evangelho nos conclama, a todos os cristãos e homens de boa vontade, a um engajamento na sua corrente profética (BISPOS e Superiores Religiosos do Nordeste, 1973, p. 59 (4).

Nos anos seguintes do Pacto das Catacumbas, dois manifestos – dos Bispos do Nordeste, em 1966, e dos Bispos do Terceiro Mundo, em 1968 – revelariam como o profetismo deve ser compreendido: antes como processo que evento. Divulgado em 14 de julho de 1966 pelo Regional Nordeste 2 da CNBB (CNBB Regional NE 2), o Manifesto dos Bispos do Nordeste teve como finalidade precípua sair em defesa de um documento lançado quatro meses antes pela Ação Católica Operária (ACO) do Nordeste, no qual se denunciava com palavras fortes a situação de desprezo, perseguição e exploração da classe operária.

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Por seu turno, o aparecimento, em março de 1967, da Populorum Progressio, a mais importante encíclica social do papa Paulo VI, motivou a publicação de outro Manifesto, agora por parte de um coletivo bem mais amplo, que incluiu dezessete bispos de diversos países da África (Argélia e Egito), América Latina (Brasil e Colômbia), Ásia (China, Indonésia, Laos e Líbano), Leste Europeu (Iugoslávia) e Oceania. Uma vez mais capitaneado por dom Hélder Câmara, o “Manifesto dos Bispos do Terceiro Mundo”, datado de 15 de agosto daquele ano, trazia nada menos que cinco (ou seja, 30% do total) bispos proféticos nordestinos (além de dom Hélder, Antônio Fragoso, Francisco Austregésilo de Mesquita Filho, Manuel Pereira da Costa e Severino Aguiar), defendendo uma postura bem mais radical:

“Tomando consciência de certas necessidades para alguns progressos materiais, a Igreja, há um século, tolerou o capitalismo com o empréstimo a interesse legal e seus outros usos conformes à moral dos profetas e do Evangelho. Mas ela só pode alegrar-se vendo aparecer, na Humanidade, um outro sistema social menos afastado dessa moral. [...] Os cristãos têm o dever de mostrar que o verdadeiro “socialismo” é o cristianismo integralmente vivido, a justa divisão dos bens e a igualdade fundamental de todos. Longe de aborrecê-lo, saibamos aderir a ele com alegria, como uma forma de vida social melhor adaptada a nosso tempo e mais conforme ao espírito dos Evangelhos. Evitaremos, assim, que alguns confundam Deus e a religião com os opressores do mundo, dos pobres e dos trabalhadores, que são, com efeito, o feudalismo, o capitalismo e o imperialismo” (MANIFESTO dos Bispos do Terceiro Mundo, 1968, p. 210 (5).

Na caminhada da Igreja profética do nordeste brasileiro, tem o rol central a pastoral de Dom Helder Camara. Alzirinha Rocha de Souza, na matéria “O Vaticano II no cotidiano do Nordeste brasileiro: a contribuição de D. Hélder Câmara e José Comblin à renovação da Igreja de Recife” (1965-1972) considera que:

Afirmar uma Igreja fortemente desclericalizada, que trabalha em forma de Colegiado, implica necessariamente que as pessoas que dela participem sejam formadas dentro dessa mesma compreensão de Igreja. Por essa razão, deu-se o que chamamos aqui de processo de renovação da formação em Recife, talvez o mais polêmico daqueles anos. Até 1960, o tradicionalismo da formação no Seminário de Recife não distinguia em nada dos demais do país: havia uma ausência de contato com o mundo e com a compreensão mesma da realidade na qual e para qual trabalhariam os novos padres. Em 1961, sob a reitoria de D. Marcelo Carvalheira e a vice-reitoria de Zildo Rocha, começa-se a implementar uma série de mudanças na formação, no sentido encarnarem a mentalidade mais avançada da Igreja no Seminário, que havia se tornado regional. Se é certo que as inovações realizadas entre os anos 61 a 69, estavam longe das orientações dominantes, é mais certo ainda afirmar que Marcelo Carvalheira e sua equipe estavam determinados (pese a resistência de alguns bispos do Regional, inclusive pela mudança física do seminário de Camaragibe), a formar um novo tipo de padre pós-conciliar cujo perfil ele descreve em um artigo de 1966. Afirma Carvalheira (1966, p. 356):

Que sejam: profetas do meio popular. Vendo o que os outros não veem e promovendo não somente as palavras que consolam, mas também as que incomodam contra as desordens estabelecidas de toda sorte.

O primeiro passo, em acordo com Roma, após a visita de Monsenhor Pavanello, representante Vaticano, a título de caráter provisório de uma experiência necessitará apreciar os resultados ao fim do exercício, foi a desativação do Seminário de Camaragibe, quando foi autorizada a experiência de habitações comunitárias de

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seminaristas as quais formavam pequenas comunidades localizadas nos bairros mais pobres de Recife, mas de certa forma próximas à Casa Central, instaladas dentro do Antigo Palácio dos Bispos de Olinda, onde residiram o Reitor, vice-reitor e Diretor Espiritual, com disposição de uma sala de reunião, biblioteca e sala de trabalho. Nesses anos realiza-se uma série de conferências de personalidades estrangeiras sobre os temas da atualidade como o marxismo, o existencialismo, cinema, arte, teorias demográficas, o pensamento de Teilhard de Chardin, e o método de alfabetização de Paulo Freire. Dos visitadores ilustres podemos citar: Joseph Cardijn em 1961, o padre François Houtart em 1962, Ivan Illich em 1963, Monsenhor Colombo, um dos teólogos do Papa, o Cardeal Daniélou ou Jean-Yves Calvez, autor do livro La pensée de Karl Marx (1964). Certos seminaristas começam um processo de inserção política através da Ação Católica, do MEB, ou da JUC. Crescem na consciência política e social em um momento em que o Concílio convidava a reconsiderar a função dos padres na sociedade. Os estudos de Teologia e Filosofia passaram a ser realizado no recém-fundado (1967) ITER – Instituto de Teologia do Recife, que contava com a responsabilidade do pastoralista francês René Guerre e o teólogo José Comblin, decisivos na ruptura da formação com os antigos cânones. René Guerre, que vinha de Lyon, introduz no seminário a experiência dos padres operários, até então

desconhecida à cultura sacerdotal nordestina: começa com quatro seminaristas em 1965 a experiência pioneira de inserção no meio popular, indo viver com eles na Favela de Santo Amaro, onde se trabalhava durante o dia, e realizavam-se os estudos às noites em um programa concebido por José Comblin. Nesses anos agregam-se à equipe de formação o Historiador belga Eduardo Hoornaert e o Sociólogo holandês Humberto Plummen. Contudo, a parte da reestruturação do sistema de formação das grades e dos conteúdos curriculares, ficou a cargo de José Comblin. Esse processo teve como ideia central a indispensável ruptura com a formação sacerdotal em vigor, herdada da romanização da segunda metade do Séc. XIX, que era nada mais que a transplantação do modelo europeu burguês inadaptável à realidade brasileira. No ano acadêmico de 1967, Comblin se torna o Coordenador de Estudos e René Guerre coordenador da ação Pastoral. Implanta-se um curso completamente remodelado, organizado em torno das noções centrais do Homem e da Realidade, com uma atenção particular à pastoral. Essa proposição buscava integrar a formação sacerdotal, seus diferentes aspectos e unificar a formação cultural, humana e afetiva dos seminaristas, com o desafio de “inverter” a estrutura tradicional de formação realizando-a a partir da prática, da experiência e da vivência destes em um contexto determinado. Ao mesmo tempo, proporcionaria o processo de evangelização e formação a partir da proximidade, da compreensão e da possibilidade de transformação a partir da própria realidade em que viviam as pessoas em suas situações concretas. Os três anos de Teologia, serão centrados sobre uma teologia mais pastoral que científica, constituindo um tempo forte de estudos. O ano anterior à ordenação deverá ser passado fora do seminário, assumindo-se tarefas pastorais na cidade, sob a coordenação de um responsável. O objetivo geral era formar novos padres, conhecedores da realidade na qual iam posteriormente trabalhar. Nesse movimento é também contratado Manoel Correa de Andrade, geógrafo renomado, para lhes apresentar o Nordeste e seus principais problemas e sua realidade, bem como foram organizadas semanas de Estudos sobre o Nordeste (MARIN, 1995, p. 166), com a intervenção de profissionais especializados em sincretismo, em religiões afro descendentes, na nova cultura nordestina, em literatura de cordel, no cinema novo, nos problemas de desenvolvimento econômico e na agro indústria açucareira. Nessa mesma linha de formação, no período de 69 a 71, José Comblin e René Guerre desenvolvem a experiência de formação rural de seminaristas, a qual ficou conhecida como a Teologia da Enxada (COMBLIN, 1977), que após seu encerramento completo em 1983, deu origem aos Centros de Formação Missionária, dedicados à formação de leigos missionários, nos quais trabalhou Comblin até seus últimos dias.

Em suma, a experiência de formação que se implantou em Recife naqueles anos, visava, a seu tempo, responder às diferenças de linguagem (conceitos e articulação de pensamento), cultural e teológica que era inadequada à evangelização da classe rural. Visava, sobretudo, formar pessoas que pudessem levar a mensagem do Evangelho de tal forma que essa fosse compreendida nos mais distintos contextos da realidade nordestina, razão pela qual, se centrou em três pontos básicos: a) realiza uma formação fundada nos valores próprios da cultura, lutando contra o sentimento de desprezo pela cultura rural; b) realiza a formação dentro de seu ambiente cultural; e c) adequa a preparação teológica e filosófica à cultura dos formandos.

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Romarias da Terra

Foto: Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho

As realizações das Romarias da Terra datam do período seguinte ao Concílio Vaticano II.

No Nordeste a primeira Romaria ocorreu na gruta de Bom Jesus da Lapa (BA), em julho de 1978, representada pelo evento Missão da Terra. O motivo daquela Missão foi causado pelas conseqüências da implantação da barragem de Itaparica pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco, CHESF, que deslocou a população da área inundada, afetando de forma danosa a população residente nas áreas do sub-médio São Francisco, dos estados da Bahia e Pernambuco. Diante daquela situação, representantes da Comissão Pastoral da Terra CPT tiveram atuação marcante junto aos sindicatos dos trabalhadores rurais,esclarecendo sobre a necessidade de uma maior geração de energia “...não deveria esmagar o povo, que produz, que paga impostos e que sustenta a nação” (CPT - 2a Assembléia Nacional 24/29 de setembro, 1979). A partir daquele ano gradualmente as Romarias da Terra foram sendo difundidas nos demais estados, de acordo com as particularidades de cada área e dos seus organizadores. No Sertão do Pajeú em Pernambuco a prática das Romarias da Terra também foi iniciada nos anos 90, motivada principalmente pelo período de seca, considerado pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, Sudene (1993) como o maior do século vinte. Em torno dessa problemática, Dom Francisco Austregésilo de Mesquita, personalidade de forte capacidade conectiva e diretiva, própria do intelectual orgânico, no dizer gramsciano, por Maria de Fátima Yasbeck Asfora, Profesora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (6) - concedeu entrevista à imprensa, criticando a omissão dos políticos nordestinos, além de legitimar os saques como arma a ser utilizada pelos agricultores famintos:

“Os saques famélicos são excludentes de criminalidade, sendo reconhecidos pelo próprio Código penal brasileiro (…) É preciso um plano permanente que trate dos problemas e efeitos da seca. Nós somos gente, não somos coisas. Somos filhos de Deus e precisamos ter respeitados os nossos direitos humanos. Não podemos continuar sendo tratados como “gado”.

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O profeta do Pajeú

Segundo Bispo Diocesano de Afogados da Ingazeira, se estivesse vivo, Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho faria 90 anos em 3 de abril.

Adelmo Barbosa, Professor e Secretário Municipal em Flores – PE declarou que “comemoraremos os 90 anos de nascimento do mais importante homem do Pajeú. O mais conhecido nas gerações que se sucederam desde 1960: Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho. Para nós, D. Francisco. Para os mais conhecidos e mais chegados D. Chico, (e para os que tinham coragem de “desafiá-lo” e chamar assim). Para o Brasil e o Mundo, D. Austregésilo. Assim era conhecido nos meios religiosos e acadêmicos. Não sou a pessoa mais certa para falar dele. Não tenho todo o conhecimento de um Padre Assis, que conviveu com ele durante quase toda sua vida, desde os tempos de Seminário em Sobral, quando um era reitor e o outro seminarista. Nem de um D. Egídio, um dos primeiros padres italianos a conhecer a “fúria” (num bom sentido) do Homem-Palavra. Mas como qualquer cidadão pajeuzeiro ou afogadense, dados os limites geográficos de nossa querida Diocese, tenho condição sim, de falar de meu bispo. Palavras simples, é claro, mas de coração. Cresci ouvindo-o ao som da histórica Rádio Pajeú de Afogados da Ingazeira, nas missas transmitidas ao vivo ou no “A nossa palavra” lendário e histórico programa que ajudou a tanta gente nestas plagas sertanejas. Na missa, sempre começava com os dizeres “Meu querido irmão, minha irmã querida em Nosso Senhor Jesus Cristo. Aqui presente na Catedral de Afogados da Ingazeira, ou participando da missa através das ondas amigas da Rádio Pajeú”. E encerrava sua homilia com a jaculatória “Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo”, eternizada por Luiz Gonzaga em “Respeita Januário” e voz comum nas casas sertanejas como “prefixo” tal como disse Rei. No Programa, começava sempre com o seu forte boa tarde “Meus queridos radiouvintes, boa tarde”. Lembro-me que mamãe respondia “Boa Tarde” como se estivesse dizendo “Amém”. Ou então: Seja bem-vindo, D. Francisco, pode entrar em nossa casa. Independentemente do tempo, D. Francisco foi homem à frente do seu tempo. Desde que foi anunciado por João XXIII bispo de Afogados da Ingazeira, no longínquo 1961, mostrou-se capaz de entender a vida do homem sertanejo. Falava por ele e fazia muito mais ainda. Como bispo e como homem. Ele antecipara em suas palavras o que o Código Civil Brasileiro corrigiria um ano após sua “aposentadoria” em 2002. Ao dirigir-se ao povo, falava no homem e na mulher – “Meu querido irmão, minha irmã querida” –, e, ao dirigir-se à comunicação através da Rádio Pajeú, dizia: “... ou participando desta missa...”. Em uma época em que a palavra participar não era tão usada, ou por conta da fragilidade do sistema, ou por desconhecimento do povo. Lembro-me, que ao falecer, em 7 de outubro de 2006, Padre Assis, ao ser convidado a falar sobre ele na Rádio FLORESCER – FM, passou 15 minutos desbravando seus feitos na região. E, em nenhum momento falou, em fé, em Igreja, em Deus. Não porque não quisesse ressaltar seus feitos religiosos, mas porque preferiu falar do homem social que foi D. Francisco. O homem que disseminou a comunicação no Pajeú. Destarte ter sido D. Mota – a quem sucedeu no comando do pastoreio – a instalar a Rádio Pajeú, D. Francisco não só a manteve como fez dela o maior veículo (até hoje) de comunicação do Sertão. Mas não foi só na igreja nem na comunicação que se esmerou. Ele foi, sem dúvida, o maior defensor da pobreza do Vale sofrido. Não se intimidava diante de políticos, nem de pessoas de qualquer natureza, fosse na Rádio, na Igreja, debaixo dos pés de árvore onde celebrava missas e fazia reuniões, fosse nos salões nobres da Assembleia Legislativa de Pernambuco, ou nos mais

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altos andares da SUDENE, nas secas que insistentemente rondavam o Sertão. Sem querer agravar ninguém, digo, que sentimos falta de sua voz na última seca que assolou o Sertão Nordestino e que não sabemos se já acabou. Apesar da chuva que cai, graças a Deus. D. Francisco dá nome à ponte que liga a cidade de Afogados da Ingazeira ao bairro do mesmo nome (Bairro da Ponte). E não sem razão, porque foi o maior defensor da passagem que liga a Capital do Vale do Pajeú às demais cidades da Diocese. Talvez porque ele foi a ponte que ligou Deus e o Povo Sertanejo. Ele falou da justiça, de como devemos agir em meio às dificuldades terrenas e de como deveríamos encontrar Deus aqui mesmo no Sertão. Nosso momentos foram muitos. Inclusive no dia em que ele almoçou feijão com arroz (o que tínhamos) em nossa humilde casa do Riacho dos Barreiros; e fazia assim em qualquer lugar: desde as Pedras Soltas da divisa da serra do Teixeira, até a Pedra do Reino, (onde começa e termina os limites diocesanos) na divisa com o seu Estado de nascimento – o Ceará. Porque ele era Homem-Povo. Mas quero destacar três momentos especiais com ele: o primeiro em uma entrevista concedida a Jonas Ramos para a Rádio FLORESCER, em sua casa cheia de livros, onde mostrou-se humilde e sensato. Falando como um professor ou como um Pai, a seus filhos, medrosos e assustados. Tão assustados que se esqueceram de se apresentar ao pastor. Estávamos: Jonas Ramos, Penha Vieira, Eddy Silva, Cosmo Queiroz, Carlinhos do Alto, Nice – Secretária de Paróquia de Flores – e Eu (não me lembro se tinha mais alguém). Nossas pernas bambeavam porque éramos nós e ele, numa entrevista intermediada por Padre Assis que, apesar de facilitar nossa entrada, nos deixou a sós com o Pastor. Outra foi quando participei do Curso Bíblico-Teológico, no inesquecível Centro de Treinamento Diocesano em Afogados da Ingazeira. Em um dia de janeiro de 2003, quando falou por 5 horas seguidas, nessa, falou sobre o Concílio Vaticano II, do qual foi um dos padres conciliares. Por último, da visita que fiz a ele em sua humilde residência (humilde no melhor sentido da palavra), em frente ao mesmo Centro de Treinamento (hoje o Centro é na imponente Escola Stella Maris em Triunfo), onde, juntamente com Assunção Roberto, fui convidá-lo para dar-nos uma palestra explicando o documento 69 da CNBB, do qual foi um dos idealizadores e redatores juntamente com D. Luciano Mendes de Almeida, e que fala das Diretrizes da CNBB no Mutirão Contra a Miséria e a Fome. A essa visita em forma de convite, sucedeu-se uma palestra na Câmara de Vereadores de Flores, na qual, mesmo aos 80 anos, falou três horas em pé, sem titubear em nenhum momento e sem beber água. Desses três momentos, além dos outros inúmeros que eu tive o privilégio de viver com ele, como muitos de nossos diocesanos, ficou uma certeza: nós tivemos no Pajeú um Homem-Palavra, um Homem-Verdade, um Homem-Povo, um Homem-Justiça. Se vivo fosse, completaria 90 anos nesta primeira semana de abril. Mas nós comemoraremos por ele, para que as gerações futuras nunca se esqueçam que o Pajeú teve alguém que nos defendeu. Um cearense arretado, tal como D. Helder e Miguel Arraes, desses que só nascem uma vez na vida. Um advogado dos pobres. Um bispo. Um profeta (7)”. CPT lançará o relatório Conflitos no Campo Brasil 2013 No dia 28 de abril, segunda-feira, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançará sua publicação Conflitos no Campo Brasil 2013 (8). É a 29ª edição do relatório anual que reúne dados sobre os conflitos e violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro, neles inclusos os indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais.

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O relatório destaca que houveram 34 assassinatos no campo em 2013, contra 36 no ano anterior. Outros pontos que chamam atenção é que 15 desses assassinatos são de indígenas além de 10 das 15 vítimas de tentativas de assassinato, e 33 das 241 pessoas ameaçadas de morte. Em nenhum outro período houve registro semelhante. A Amazônia continua como o principal palco dos conflitos. Nela se concentram 20 assassinatos ocorridos, 174 das 241 das ameaças de morte, 63 dos 143 presos, e 129 dos 243 agredidos. Das populações tradicionais que, em 2013, foram vítimas de algum tipo de violência, 55% se localizavam na região. Es importante que toda a Igreja Católica Universal, do Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), os militantes da CPT, tenham memoria da luta na fé do Dom Francisco. NOTAS

(1) http://kairosnostambemsomosigreja.wordpress.com/2014/04/15/rememorando-o-pacto-das-catacumbas-com-dom-helder-camara-dom-antonio-fragoso-dom-adriano-hipolito/

(2) A CNBB Regional NE 2 inclui os Estados de Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Nordeste, com sede em Recife.

(3) LÖWY, Michael. A guerra dos deuses: religião e política na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2000.

(4) MANIFESTO dos Bispos do Nordeste (Recife, 14 jul. 1966). In: CIRANO, Marcos (org.). Os caminhos de Dom Hélder: perseguições e censura (1964-1980). Recife: Guararapes, 1983. p. 19-20.

(5) MANIFESTO dos Bispos do Terceiro Mundo (15 ago. 1967). Paz e Terra, Rio de Janeiro, v. 3, n. 6, p. 205-215, abr. 1968.

(6) Maria de Fátima Yasbeck Asfora, Universidade Federal Rural de Pernambuco. ROMARIAS DA TERRA E DAS ÁGUAS: NOVAS EXPRESSÕES DAS REIVINDICAÇÕES DOS TRABALHADORES

RURAIS. 1º ENCONTRO DA REDE DE ESTUDOS RURAIS, julho de 2006, UFF, Niterói (RJ)

(7) http://blognoticiasemdestaque.blogspot.com/2014/03/cronica-os-90-anos-de-d-francisco-na.html

(8) www.cptnacional.org.br

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POST-FACIO

Brasil: A Igreja e a questão agrária brasileira

no início do século XXI

Bispo Egidio Bisol

Atendo com prazer ao pedido do amigo Cristiano Morsolin para participar de sua bela

iniciativa coletando alguns textos sobre Evangelho e Libertação a partir das periferias

latino-americanas.

A “história” de Cristiano é bastante significativa e o habilita a tratar do assunto com

conhecimento de causa. As lutas populares, a defesa das camadas excluídas da

participação na vida da sociedade, a comunhão de ideáis com quem busca a construção

de uma sociedade fraterna, justa e solidária, foram sempre para ele campo de interesse

e de compromisso.

Ofereço uma reflexão que traz novos elementos, atualizados, ao capítulo 2º sobre a

Igreja e a luta pela terra no Brasil. O mesmo capítulo enfatiza a figura impar do “velho e

santo profeta do Pajeú” Dom Francisco A. de Mesquita Filho, meu bispo por mais de 25

anos e do qual sou, hoje, sucessor. É pensando nele que apresento um recente

documento da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, aprovado a larga maioria na

52ª Assembleia Geral da CNBB em maio 2014 “A Igreja e a questão agrária brasileira no

início do século XXI”. Trata-se de um importante documento, de caráter doutrinário e

pastoral, sobre a atual questão agrária brasileira. O documento anterior sobre o

assunto, da mesma CNBB, remonta ao ano de 1980 quando foi publicado “Igreja e

problemas da terra”, do qual o documento atual quer ser atualização.

Trata-se de um documento sem dúvida muito importante para a Igreja, mas não deixa

de ser também um fato político e social significativo. Pena que a grande mídia tenha

dedicado ao mesmo um “clamoroso” silêncio sinal de uma época de plena hegemonia da

economia do agronegócio.

Em relação ao anterior, o documento aprovado em maio passado destaca as diferenças

de contexto. A 26 anos da aprovação da Constituição da Republica Federativa do Brasil,

os bispos cobram o cumprimento da Constituição que reconhece a função social da

propriedade.

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Desde a introdução, os bispos declaram sua intenção: “Este documento tem o propósito

de fazer a leitura da realidade agrária brasileira nas condições históricas atuais, com

todo rigor, mas principalmente observando-a como pastores do Povo de Deus, a partir

de uma perspectiva baseada em princípios éticos que justificam nossa palavra a respeito

desse assunto grave, motivada pela profética e evangélica opção pelos pobres e

orientada pela defesa da destinação universal dos bens da natureza, com respeito ao

seu usufruto, de acordo com a doutrina social da Igreja.

Diante da constatação de que “com vinculações internas e principalmente externas, o

agronegócio assume uma especialização primária exportadora e repele toda ideia de

limite e controle social”, os bispos denunciam que “a política agrária concretamente

executada no período da atual Constituição, principalmente neste século XXI fruto de

acordos tácitos ou explícitos do bloco ruralista com vários governos, prima por ignorar

todo ordenamento do direito de propriedade estabelecido constitucionalmente e segue

os ditamos da concentração do capital e do dinheiro no campo. Estrutura-se por aí uma

hegemonia política e econômica, com implicações muito graves para o direito de

propriedade, posse e uso da terra que precisa ser observada e julgada à luz de critérios

éticos”.

Na primeira parte o documento apresenta os clamores dos povos da terra, das águas e

da floresta, os clamores dos povos indígenas, dos quilombolas, dos sem-terra e

assentados, dos ribeirinhos e pescadores, dos produtores familiares, dos assalariados,

na atual estrutura agrária. É a tais clamores que os bispos desejam prestar atenção,

dentro de uma realidade sócio-política das últimas décadas, quando governos de

diferentes matizes ideológicos acabaram enveredando por políticas sociais e econômicas

muito parecidas a serviço do fortalecimento do capital e acompanhando a lógica do

mercado neoliberal, favorecendo o latifúndio e o agronegócio. Basta pensar que a

sempre prometida Reforma Agrária não foi prioridade em nenhum dos governos

democráticos.

A tais clamores se associam “os clamores da terra” depredada de seu rico patrimônio

natural, responsável importante pelo equilíbrio do clima em todo o planeta e das mais

ricas fontes de água subterrânea do mundo, os aquíferos de onde brota boa parte dos

rios que formam as principais bacias hidrográficas brasileiras.

Na segunda parte, com olhar de pastores os bispos reafirmam que “o principio da

destinação universal dos bens, de larga tradição eclesial, questiona radicalmente o

direito de propriedade absoluta e sem limites, estabelecido no direito feudal na Idade

Média europeia e ampliado pela onda de globalização financeira e hegemonia de

mercado nos tempos modernos. Na doutrina social da Igreja o processo de

concentração da terra é julgado um escândalo porque em nítido contraste com a

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vontade e o desígnio salvífico de Deus, enquanto nega à grande parte da humanidade o

benefício dos frutos da terra. O agronegócio em desenvolvimento no Brasil não só

reforça esta dimensão absolutista da propriedade em detrimento de sua função social,

mas destrói a possibilidade de se ter um adequado espaço e equilíbrio nas decisões

políticas de desenvolvimento no que se refere aos pequenos produtores rurais e

familiares. Estes normalmente trabalham para garantir alimentação básica, diversificada,

de alcance popular, proporcionando segurança alimentar para todos.”

A terceira parte apresenta alguns compromissos pastorais gerais que cada comunidade

e cada Igreja Particular deverá concretizar em sua realidade, considerando a extensão

do país, suas situações diversificadas com seus sete biomas diferentes.

Esclarece, também, a posição do episcopado em relação ao latifúndio, ao trabalho

escravo, à defesa da natureza, aos cuidados com a água, e em relação à produção de

energia. Reafirma a urgência de “apoiar as luta dos pequenos que buscam

oportunidades de vida na terra, na floresta e nas águas: a decisão de trabalhadores e

trabalhadoras que utilizam formas legítimas de pressão, as políticas publicas que lhes

garantam o acesso pleno aos serviços de saúde, educação e transporte, os esforços

para conseguir a legalização de suas terras e o respeito pelo uso sustentável que delas

fazem, as experiências agroecológicas que estão sendo implementadas em todos os

cantos do Brasil, as iniciativas para garantir alimentação abundante e sadia. Completa

com uma mensagem aos empreendedores e administradores do bem comum, ao Poder

Executivo, ao Poder Legislativo, ao Poder Judiciário e ao Ministério Público.

Na conclusão os bispos renovam seu compromisso de colaboração na construção de

uma nova sociedade: “Ouvir e atender os clamores dos pobres é imperativo ético para

todos os responsáveis pelo bem público e para todas as pessoas de boa vontade.

Conduzidos pela força do Espírito da Vida, oferecemos nosso humilde serviço a todos

especialmente aos pobres. Buscando uma terra sem males, sem violência, sem dores ou

lágrimas “esperamos, de acordo com sua promessa, novos céus e nova terra, nos quais

habitará a justiça.”

Contribuição exclusiva para essa publicação de Dom Egidio Bisol, Bispo de Afogados da Ingazeira- PE – Brasil. Afogados da Ingazeira (Pernambuco), julho de 2015.

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ANEXO

Egidio Bisol, novo bispo de Afogados da Ingazeira (PE)

08/01/2010

O papa Bento XVI nomeou o padre italiano Egídio Bisol, 62 anos, como novo bispo da Diocese de Afogados da Ingazeira, no Sertão de Pernambuco. A posse do novo bispo do Sertão do Pajeú, dom Egídio Bisol, amanhã, em Afogados da Ingazeira, deve ser assistida em praça pública por mais de 10 mil pessoas. O papa Bento XVI nomeou o padre italiano Egídio Bisol, 62 anos, como novo bispo da Diocese de Afogados da Ingazeira, no Sertão de Pernambuco. A posse do novo bispo do Sertão do Pajeú, dom Egídio Bisol, amanhã, em Afogados da Ingazeira, deve ser assistida em praça pública por mais de 10 mil pessoas. Já confirmaram a presença 25 bispos e arcebispos do Nordeste, 17 prefeitos, deputados federais e estaduais, além de uma comitiva do Vaticano, enviada pelo Papa. O governador Eduardo Campos (PSB) também estará presente. Egídio Bisol deixou a Itália em 1976, aos 28 anos, para trabalhar na Diocese de Afogados com o então bispo Dom Francisco Austregésilo de Mesquita, seguidor da linha pastoral da “opção dos pobres”, de Dom Hélder Câmara. A primeira paróquia de Padre Egídio foi a Matriz de São José, em São José do Egito, onde fez um notável trabalho social junto com mais dois padres italianos que já estavam lá: Gian Domenico Tamiozzo e Mário Costalunga. Além das atividades paroquiais, assumiu a coordenação diocesana da Pastoral da Juventude (1979 - 1986), apoiou a Comissão Pastoral da Terra CPT, e integrou a equipe de formadores do Seminário Regional Nordeste II em Recife (1987-1989).

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Jailson da Paz do DIARIO DO PERNAMBUCO, considera que “O futuro bispo da Diocese Afogados da Ingazeira, dom Egidio Bisol, 61 anos, já planeja o que vai fazer no Sertão pernambucano. "Irei com uma nova missão. Quero estar a serviço dos pobres de uma das regiões mais excluídas do país", disse. O comentário do sacerdote é baseado não em relatórios e sim na experiência. Por 32 anos, o italiano viveu em paróquias subordinadas à diocese. E sempre esteve ligado a dom Francisco Austregésilo, falecido há três anos, e bispo conhecido pela defesa intransigente do sertanejo e da correta aplicação dos recursos públicos. Dom Francisco era um dos expoentes da Teologia da Libertação, defendida por dom Helder Camara. "Quero estar a serviço dos pobres de uma das regiões mais excluídas do nosso país" - Dom Bisol, novo bispo de Afogados da Ingazeira. No momento, dom Egidio Bisol aponta o enfrentamento da realidade social e econômica do Sertão como um dos desafios do seu futuro bispado. Ele inclui ainda a organização pastoral da diocese na lista de suas prioridades. Para atuar nesses dois campos, o bispo nomeado diz não ter dúvida de que contará com o apoio dos padres, religiosos e religiosas da diocese. Afinal, o sacerdote italiano conhece muito bem cada um deles. "Digo que fui parteiro de todos os padres que atuam lá", brincou, por telefone, de Boa Vista (Roraima), onde atua como missionário desde o ano passado. Dom Bisol se envolveu com a formação dos 30 padres ligados à diocese sertaneja. A estreita relação do bispo nomeado com o clero e o seu conhecimento da realidade regional, segundo fontes da Igreja Católica, pesaram para a nomeação feita por Bento XVI. Seria a mesma lógica empregada para a escolha de dom Antônio Fernando Saburido como arcebispo de Olinda e Recife, empossado em agosto. O papa optou, em ambos os exemplos, por religiosos de perfil mais progressista que seus antecessores. E voltados para serviços comunitários e de organização popular. Os bispos que antecederam os dois foram preparados por Roma e, durante anos, estiveram afastados ou nunca mantiveram laços eclesiásticos com as dioceses para as quais foram escolhidos para comandar. Em Afogados, era dom Luis Gonzaga Silva Pepeu, arcebispo de Vitória da Conquista (BA) desde setembro de 2008. Dom José Cardoso antecedeu dom Saburido. Provas do bom relacionamento de dom Bisol com a diocese foram vistas durante todo o dia de ontem no Sertão. Tão logo o Vaticano anunciou a nomeação, os sinos da Matriz de Serra Talhada tocaram durante uma hora. "O padre pediu que a gente tocasse uns 20 minutos, mas nossa alegria é tanta que tocamos bem mais. Se pudesse, seria toda manhã", disse Eulália Lima, 47, funcionária da paróquia e que trabalhou com o bispo nomeado por oito anos. Ela revezou a tarefa com Artur Ericson Mourato, 22, ex-aluno do futuro bispo. O toque do sino, iniciado por volta das 7h15, despertou grande parte da cidade e provocou uma correria para matriz. "As pessoas queriam saber o que tinha acontecido", contou a secretária paroquial, Josenilda Barros, 35. Minutos depois, a notícia passou a ser divulgada num carro de som e nas rádios locais. "Fiquei sabendo da felicidade do povo. Mas eu também estou muito feliz", confessou dom Bisol, afastado de Afogados da Ingazeira há cerca de 15 meses. A diocese reúne 13 municípios, onde residem cerca de 300 mil pessoas. E mais de dois terços se denominam católicos. "Hoje é como se estivesse recebendo um convite para voltar a minha casa e para assumir uma tarefa que pertenceu a uma espécie de pai, dom Francisco Austregésilo", resumiu. A data do anúncio da nomeação, contou dom Bisol, foi uma escolha sua para lembrar os três anos de morte do bispo falecido (1).

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Mensagem aos irmãos e irmãs da diocese de Afogados da Ingazeira Aqui encontra o primeiro mensagem do Pe. Egidio Bisol do 07 de outubro de 2009. “Foi publicada hoje minha nomeação para ser seu 4° Bispo Diocesano. Desta Igreja de Roraima, que nossa Diocese escolheu como Igreja-Irmã e na qual o Pe. Ailton e eu estamos prestando, nosso serviço missionário, estou pensando em vocês todos, minha nova grande família: o povo, as paróquias e comunidades, os vários ministros, os leigos engajados nas pastorais e serviços, os religiosos e religiosas, os seminaristas, os diáconos, os padres. È pra vocês todos minha primeira mensagem. Assumir o chamado da Igreja para essa nova missão não foi coisa muito tranqüila para mim. É verdade que não foi propriamente uma “surpresa”pois, há tempo, muitas conversam apontavam para tal desfecho. Mas lhes confesso que ouvir comentários do povo ou de colegas é muito diferente do que receber uma carta anunciando que o Papa me escolheu para ser bispo. Por alguns dias não consegui afastar a insegurança e a angústia que batiam à minha porta, querendo entrar. Recorri então a uma madrinha forte que tenho no sertão, Nossa Senhora da Penha, e foi no dia de sua festa que ela me ajudou a dar, com alegria, o meu sim. Nestes dias senti frequentemente ao meu lado a presença forte do nosso “velho e santo bispo Francisco”, como costumo chamá-lo, prometendo-me de continuar fazendo o que ele sempre fez nos longos anos de nossa convivência: ajudar-me com seu testemunho, com sua oração, com seus conselhos, com seu amor sempre acolhedor e terno mesmo se, às vezes, escondido atrás de “casca de angico”. Ecoava aos meus ouvidos sua frase costumeira: ?O importante é que eu faça a vontade de Deus e que a vontade de Deus se faça em mim?. Nós nos conhecemos razoavelmente bem, em nossas qualidades e também fragilidades e defeitos: isso irá facilitar o entrosamento, dispensar preliminares desnecessários, afugentar ilusões destinadas inevitavelmente a tornarem-se decepções. Acredito que os mais de 30 anos que passamos juntos poderão ser de grande ajuda para continuarmos a caminhada, crescermos como Igreja de Deus, fiel ao seu Senhor, testemunha de comunhão e co-responsabilidade, atenta e sensível às necessidades dos mais humildes e excluídos, empenhada na missão dentro e fora de seus limites geográficos, sacramento do Reino de Deus no sertão do Pajeú. Nos próximos dias estarei visitando os meus familiares, numa viagem programada há tempo. Na volta ao Brasil, irei dedicar-me à preparação imediata para a ordenação episcopal e início de meu serviço na Igreja Particular de Afogados da Ingazeira marcados para o dia 09 de janeiro de 2010. Desde já vamos redobrar nossa oração pedindo uns pelos outros, para que o novo pastor diocesano e seu rebanho possam crescer juntos na comunhão e na fidelidade ao único, verdadeiro e eterno Bom Pastor. Santa Maria Madalena, Padroeira Diocesana, seja nossa companheira de caminhada. A Mãe de Jesus nos acompanhe com sua materna proteção. A Trindade eterna e santa nos abençoe e nos guarde em seu amor”. Carlos Moura Gomes em entrevista a Radio Pajeu confessou que “não consigo esquecer, em meados da década de 60, dos conselhos e das posições equilibradas e justas do nosso inesquecível, cearense de Reriutaba nascido em 1924, Dom Francisco; também guardo na memória as vezes em que tive a honra de escutar as palavras do Profeta do Século, um dos fundadores da CNBB, natural de Fortaleza e que veio ao mundo no ano de 1909, Dom Hélder Câmara; impossível não recordar da primeira visita ao Brasil, em 1980, do polonês nascido em 1920 que ficou 26 anos comandando os destinos da Igreja Católica, sendo o primeiro papa do

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terceiro milênio, João Paulo II. Foram momentos marcantes sobre todos os aspectos. Essas personalidades não só contribuíram e engrandeceram os movimentos religiosos, como também participaram da grande virada na história política e social do Brasil e em muitas partes do mundo. A população aguarda, ansiosamente, a chegada de mais um Anjo de Deus. O italiano de nascimento, Padre Egídio Bisol será conduzido ao episcopado. O último e supremo grau do sacramento da Ordem. Não será, apenas, o Bispo de Afogados da Ingazeira, mas de toda a região do Pajeú. Torcemos para que o papel da Igreja nesta face de nossa história, principalmente política, seja de uma parceira incondicional, buscando sempre a justiça e lutando pela igualdade social. O Arcebispo de Maringá, Dom Anuar Battisti afirmou que “nos momentos mais inesperados acontecem as surpresas mais agradáveis. Surpresas agradáveis foram os presentes desejados que chegaram na hora certa; foram os encontros com pessoas pedindo perdão, reconciliando com o passado amargo dos desencontros”. Agora, surpresa maior ainda, agradável e valiosa para nós, sertanejos, é a certeza de que vamos ter um aliado com forças divinas e inteligência humana para junta-se a essa grande massa de mulheres e homens que tanto necessitam de uma vida decente e digna. Vamos acreditar nesses importantes e ricos momentos, assim podemos ampliar nossas vitórias e conquistas, transformando nossos sonhos e esperanças, antes impossíveis, em realidade. NOTAS

(1) http://www.diariodepernambuco.com.br/2009/10/08/urbana8_0.asp (2) http://radiopajeu.com.br/?m=20091007

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AUTOR

Cristiano Morsolin, pesquisador e trabalhador social italiano radicado na América Latina

desde 2001, com experiências no Equador, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, Brasil.

Autor de vários livros, colabora com a Universidade do Externado da Colômbia,

Universidade do Rosário de Bogotá, Universidade Politécnica Salesiana de Quito. Co-

fundador do Observatório sobre América Latina SELVAS (Milán), especialista em análise

da dívida social e da dívida externa e processos emancipatorios na América Latina,

através do trabalho com a Fundação "Giustizia e Solidarieta FGS” (Roma), com o Centro

Tricontinental CETRI (fundador: Francois Houtart) de Lovaina e outras organizações

internacionales.

Blog: https://diversidadenmovimiento.wordpress.com/

E-mail: [email protected]

Publicaciones

- Morsolin Cristiano. Acción no violenta y lucha antimafia. ¿Qué puede aprender

Colombia de Italia? Pag.225-278, en Cante F. y Cuervo B. Renovadas formas de

hacer oposición. Ed. Universidad del Rosario: Bogotá, pág. 336, 2014.

- Morsolin Cristiano (coord.) On children’s rights debt. Reconsidering the debates

about working and street children in a globalized world. Ed. Mediafactory, pág. 308,

2014.

- Morsolin Cristiano. Escuela Viajera: dall’educazione popolare al buen vivir. Una

proposta di cittadinanza attiva dalla periferia di Bogotà. Pág. 19-35 in Vittoria Paolo.

L’educazione popolare nel segno della resistenza. Edizioni del Rosone e Università

Federale di Rio de Janeiro. Pág. 272, 2014.

- Morsolin Cristiano. Procesos emancipatorios de los adolescentes y jóvenes utilizados

por las mafias, enfrentando la violencia urbana en Bogotá y Medellín (Colombia).

Pág. 8-27 en María Luisa Bissotto. Revista Ciencias da Educacao Número 29 - Ano

XV, pág. 165. Universidade Salesiana de Sao Paulo Ed. Sao Paulo, 2013.

- Morsolin Cristiano. Latinoamérica: Políticas públicas en contra de la explotación

infantil desde el enfoque de la participación. Pág. 1117-1127 en Memoria del V

Congreso Mundial por los Derechos de la Infancia y la Adolescencia. Presidencia de

la República de Argentina Ed. Buenos Aires, 2012.

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- Morsolin Cristiano. Diversidad en Movimiento - Experiencias de participación infantil

para construir un nuevo proyecto emancipatorio y decolonial desde las

organizaciones de niños, niñas y adolescentes indígenas y de los sectores populares

de la Región Andina (Ecuador, Bolivia, Colombia). Ediciones Antropos. Pág. 116,

Bogotá, 2011.

- Morsolin Cristiano. Dossier de artículos de prensa y testimonios de niños y niñas

trabajadores. Pág. 55-63 en Ivan Pino Antezana. ¿Deben los niños y niñas trabajar

en Bolivia? Una reflexión para el debate. CUNA Ediciones. La Paz, pág. 64, 2011.

- Morsolin Cristiano. ¿Es hoy posible un Estado mafioso en Europa? Pág. 11-44 en

María Soledad Betancur. Captura del Estado. Controversia n.195. Centro jesuita de

investigación CINEP. Bogotá, pág. 312, 2010.

- Morsolin Cristiano. En deuda con los derechos – Diferentes miradas sobre ciudadanía,

trabajo infantil, derechos de los niños, niñas y adolescentes en Ecuador. Compañía

de Jesús de Ecuador Ed. Pág. 306. Quito, 2010.

- Morsolin, Cristiano. Protagonisme des mouvements d'enfants travailleurs en

Amérique latine. Alternatives sud, 2009, vol. 16, no 1, p. 161-175 en Aurelie Leroy.

Contre le travail des enfants? Points de vue du Sud. CETRI. Editions Syllepse.

Brussels-Paris, pág. 180, 2009.

Traducción al español: “Trabajo infantil: explotación o necesidad? Editorial Popular,

Madrid, 2010, pág. 242.

- Morsolin Cristiano. El trabajo de crecer – Diferentes miradas sobre trabajo infantil,

explotación, derechos y ciudadanía desde los movimientos sociales en Colombia.

Ediciones Antropos. Bogotá 2008, pág. 144.

- Morsolin Cristiano. Deuda ecológica y alternativas a la ilegítima deuda, pag. 91-97 en

Sobre la deuda ilegitima – Aportes al debate, Argumentos entre consideraciones

éticas y normas legales. Centro de Investigaciones Ciudad, Jubileo 2000 Red

Guayaquil Ed. Quito, 2008. Pag. 192.

- Morsolin Cristiano. Oltre il debito – La conversione in investimenti sociali e’

risarcimento. Fondazione Giustizia e Solidarieta – Editrice Missionaria Italiana Emi,

Roma 2007. Paginas 128.

- Morsolin Cristiano. Los colores de la alternativa – Experiencias de ciudadanía activa

en Perú y Latinoamérica para construir Otro Mundo Posible. Asociación Solidaridad

Países Emergentes ASPEM, pág. 166. Lima 2004.