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SUICÍDIO: UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA NA AMÉRICA DO SUL O FUTURO DOS ANTIBIÓTICOS EM TEMPOS DE MICRORGANISMOS SUPER-RESISTENTES ESTUDO DE CASO: UMA MEDELLÍN PARA A VIDA ENTREVISTA: DESIRÉE LÓPEZ DE MATURANA VICE-PRESIDENTE EXECUTIVA DA JUNTA NACIONAL DE JARDINS DE INFÂNCIA Rio de Janeiro, Março de 2017 . N o 4

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SUICÍDIO: UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA NA AMÉRICA DO SUL

O FUTURO DOS ANTIBIÓTICOS EM TEMPOS

DE MICRORGANISMOS SUPER-RESISTENTES

ESTUDO DE CASO: UMA MEDELLÍN PARA A VIDA

ENTREVISTA: DESIRÉE LÓPEZ DE MATURANAVICE-PRESIDENTE EXECUTIVA DA JUNTA NACIONAL DE JARDINS DE INFÂNCIA

Rio de Janeiro, Março de 2017 . No 4

ISAGS-UNASULDiretora-Executiva: Carina Vance Chefa de Administração e Recursos Humanos: Gabriela Jaramillo Coordenadora de Relações Internacionais: Luana Bermudez

GESTÃO DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃOCoordenadora: Flávia Bueno Editor-Chefe: Manoel Giffoni Reportagem: Carina Vance, Manoel Giffoni, Mario CameloColaboradores: Flavia Bueno, Francisco ArmadaEquipe: Bruno Macabú e Felippe AmaranteContato: [email protected]: +55 21 2505 4400

EXPEDIENTE

Esse é o informe do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (ISAGS), o centro de pensamento estratégico na área de saúde da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) que visa contribuir para a melhoria da qualidade do governo em saúde na América do Sul por meio da formação de lideranças, gestão do conhecimento e apoio técnico aos sistemas de saúde.

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Entretanto, não estamos falando de projeções muito a futuro. A resistência aos antimicrobianos já tira ao redor de 700 mil vidas ao ano, de acordo com o relatório do economista Jim O’Neill encomendado pelo governo britânico. Por sua parte, o Foro Econômico Mundial em seu relatório Global Risks 2013 estima que mais da metade das infecções hospitalares na Bolívia, Brasil e Peru são causadas por patógenos resistentes.

Que as espécies vão se adaptando ao longo dos milhares de anos e vão criando defesas para se perpetuar, não chega a ser uma novidade. Isso nos deixou bem claro Charles Darwin com a ideia de evolução biológica faz quase 160 anos na obra A Origem das Espécies. Então, já era sabido que, depois do extraordinário trabalho para a humanidade a partir dos anos 1920 no tratamento de infecções que causavam dor e muitas mortes, um dia os antibióticos perderiam a sua eficácia.

O que ninguém podia antecipar é que um coquetel que inclui: um padrão de consumo sempre tendente ao extremo, negligência no controle de infecções hospitalares, e até o uso indiscriminado de medicamentos para promover o crescimento na produção animal, esteja acelerando esse processo de tal maneira que, por um lado, deixa desprotegidas milhares de pessoas em todo o mundo e, por outro, ameaça a sustentabilidade dos Sistemas de Saúde, que terão de arcar com os preços estratosféricos dos remédios de última geração.

Calcula-se que as mortes devidas à resistência aos antimicrobianos chegarão a 10 milhões no ano 2050, superando as provocadas por câncer. Representarão um custo de até 100 bilhões de dólares, tanto em gastos em saúde quanto em perdas em termos de desenvolvimento. Como costuma ser o caso na maioria das grandes questões sanitárias, os mais pobres serão os mais afetados, já que enquanto, em média, essas perdas irão se refletir em uma queda no PIB de entre 2 e 3,5%, chegará a 5% nos países de menor desenvolvimento.

“Será como uma fortíssima crise econômica, mas sem o aspecto cíclico”, alerta a assessora regional da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS) em Gestão Clínica de Doenças Infecciosas e Vigilância da Resistência Antimicrobiana, Pilar Ramón Pardo. Ou seja, sem um horizonte de melhora.

NOVOS MECANISMOS DE RESISTÊNCIA AMEAÇAM O TRATAMENTO DE VÁRIAS DOENÇAS INFECCIOSAS, BOTANDO OS SISTEMAS DE SAÚDE EM RISCO E AS CHANCES DOS PAÍSES EM ALCANÇAR OS COMPROMISSOS GLOBAIS, COMO OS ODS

O FUTURO DOS ANTIBIÓTICOS EM TEMPOS DE MICRORGANISMOS SUPER-RESISTENTES

A OMS divulgou em fevereiro uma lista de 12 famílias de bactérias que se tornaram resistentes aos antibióticos e agora são uma ameaça significativa para a saúde humana.

PRIORIDADE 1: CRÍTICAAcinetobacter baumannii, resistente a carbapenêmicosPseudomonas aeruginosa, resistente a carbapenêmicosEnterobacteriaceae, resistente a carbapenêmicos de amplo espectro

PRIORIDADE 2: ALTAEnterococcus faecium, à vancomicinaHelicobacter pylori, resistente à claritromicinaSalmonellae, resistentes às fluoroquinolonasNeisseria gonorrhoeae, resistente a cefalosporina, resistente às fluoroquinolonas

PRIORIDADE 3: MÉDIAStreptococcus pneumoniae, insensível à penicilinaHaemophilus influenzae, resistente à ampicilinaShigella, resistente às fluoroquinolonas

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No marco da mais alta reunião de cúpula da governança global, a Assembleia Geral das Nações Unidas, as Chefas e Chefes de Estado concordaram no ano passado em adotar uma estratégia coordenada para abordar as causas fundamentais da resistência aos antimicrobianos, considerando a saúde humana, animal e a agricultura. O chamado à ação se juntou à resolução da OMS que determinou a criação de estratégias nacionais a partir do Plano Global aprovado em 2015 e, no caso dos países das Américas, do Plano Regional da OPAS.

Para apoiar os países do Cone Sul na formulação do tal Plano, a OPS/OMS e o Ministério de Saúde do Brasil realizaram no Rio de Janeiro entre 6 e 8 de março uma reunião que contou com a participação de representantes da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, além de funcionários das organizações anfitriãs, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Internacional de Saúde Animal (OIE). Sendo o centro de pensamento estratégico em temas de Saúde dos países da UNASUL, o ISAGS foi convidado a participar e foi representando por sua especialista em Medicamentos e Tecnologias de Saúde, Ángela Acosta, e seu especialista em Vigilância em Saúde, Eduardo Hage.

No encontro, muitas vezes se escutou a palavra fundamentalmente associada a todos os grandes desafios da atualidade: a intersetorialidade. Uma vez que o problema é multidimensional e, particularmente, em se tratando de micro-organismos que não conhecem nenhum tipo de fronteira, a resposta deve ser ampla e abrangente.

Deve, por exemplo, contemplar a maneira como se distribuem e são consumidos os medicamentos. Além da resistência aos antimicrobianos, o uso irracional dos medicamentos é a outra face dos problemas relacionados ao acesso, um tema que vem sendo discutido com bastante profundidade na UNASUL. Enquanto um terço da população mundial não tem acesso aos medicamentos essenciais, 50% dos que têm, de acordo à OMS, os utiliza de maneira incorreta, seja consumindo em excesso, seja de maneira inapropriada, contrariando as recomendações médicas. Em muitos dos nossos países, é possível comprar antibióticos sem que tenha sido realizado um diagnóstico ou que esteja receitado para um tratamento específico.

Das alternativas que se apresentam a esse desafio estão, ao menos no longo prazo, o desenvolvimento de novos antibióticos. No entanto, não se trata de uma solução sustentável. “Sem uma mudança no atual modelo de

incentivo à Pesquisa e Desenvolvimento ou nas práticas terapêuticas e de uso dessas alternativas, essa aposta pode incrementar as suas distorções atuais, restringindo ainda mais o acesso a tratamentos e impondo um fardo brutal aos Sistemas de Saúde”, afirma Ángela Acosta. A outra alternativa é uma ampla conscientização sobre o uso, que envolva pacientes e médicos, combinada com uma forte regulação na distribuição.

Por outro lado, embora não se trate de uma novidade no campo da infectologia, é urgente reforçar o trabalho de rotação dos antibióticos dentro dos hospitais e de seguimento dos perfis de resistência, uma vez que o uso persistente de um medicamento num mesmo ambiente também pode gerar a resistência patógena aos antibióticos.

Um dos países que mais avançou na criação de um Plano para enfrentar o problema a partir de uma perspectiva de Saúde Pública é o Chile, que apresentou as linhas gerais na reunião realizada no Rio de Janeiro. “Pelo que eu vi aqui, muitos países começaram os trabalhos com a conformação de uma governança para a implementação, enquanto a gente subverteu a ordem e começou pela elaboração do Plano diretamente”, contou Tania Herrera, chefe do Departamento de Doenças Transmissíveis do Ministério de Saúde chileno. Ela afirmou que o plano integral foi trabalhado em uma comissão composta de vários organismos do Estado relacionados não só à carteira sanitária, mas também à agricultura, pesca e a indústria, entre outros. “O objetivo foi coordenar as iniciativas que os setores já estavam levando a cabo”, adicionou.

A necessidade de fazer essa coordenação com setores da produção agropecuária está relacionada principalmente ao uso massivo de antibióticos promotores de crescimento nos animais (muitos deles também usados em tratamentos em pacientes humanos), o que também favorece à seleção de resistência em bactérias patógenas.

Assim, o Ministério de Pecuária, Pesca e Agricultura do Uruguai, um dos maiores produtores de carne do mundo, também está envolvido na elaboração da resposta do país. “Faz uns dois meses lançamos um software de farmacovigilância dos produtos veterinários vendidos no país, em particular, a partir de 2017, os antibióticos. Ele funciona muito bem porque temos uma rastreabilidade completa desde que o princípio ativo ou o medicamento entra no país até o seu uso”, conta Álvaro Núñez, diretor do Laboratório Veterinário Oficial do Ministério. “Agora estamos trabalhando para conformar os planos tanto da OMS quanto

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Hoje somos um pouco mais velhos que ontem. E quem já não se surpreendeu com o passar do tempo e do quão velhos nos tornamos? Também acontece como coletividade, nossas populações estão cada vez mais velhas, seguindo uma tendência que parece irreversível por ora. Como tantas outras características, ainda que não seja um fenômeno uniforme em todos os países sul-americanos, nem dentro de cada um, está presente em toda a região. Este envelhecimento populacional acarreta importantíssimos desafios às políticas públicas da América do Sul. O Conselho de Saúde Sul-americano reconheceu esta questão, priorizando o assunto no Plano Anual do ISAGS e enfatizando os temas que têm impacto nos sistemas de saúde e abordagens multisetoriais para propiciar um envelhecimento saudável.

De fato, são muitas as dimensões em que o envelhecimento representa um desafio no campo da saúde. As demandas aos serviços de saúde podem ser alteradas dramaticamente tanto qualitativa como quantitativamente. Evidências de alguns estudos sugerem que à medida que a população envelhece, a demanda de atenção em saúde aumenta e que o tipo de serviços solicitados tende a ser de mais alta complexidade, custo e duração. O desgaste físico e cognitivo que acompanha o envelhecimento gera em alguns casos extremos uma grande necessidade de apoio para tarefas diárias, com aumento na demanda por ações de longa duração e domiciliar. Deficiências cognitivas acentuadas presentes em alguns casos de demências senil e Alzheimer são exemplos de patologias que geram grandes pressões nos sistemas de saúde.

Além da atenção em saúde, são muitas as áreas possíveis de intervenção para promover o bem-estar

PALAVRAS DO ESPECIALISTAEnvelhecimento saudável?

dos mais velhos e muitos exemplos regionais ilustram esse fato. Uma ampla gama de intervenções se dirige a melhorar as condições de vida dos idosos por meio da melhoria nas condições de mobilidade e do transporte público, planos especiais de alimentação, atividades recreativas, facilidades para o acesso a moradias dignas e inclusive de fomento de sua participação em atividades de economia produtiva.

Um exemplo disso são as cidades sul-americanas que incorporaram políticas de maneira a se converterem em Cidades Amigas dos Idosos, uma iniciativa promovida pela Organização Mundial da Saúde. A cidade de Ibagué na Colômbia adotou, mediante acordo municipal, uma “Política Pública de Envelhecimento e Velhice” que inclui ambiciosas adaptações urbanas para facilitar a mobilidade. Na Argentina, a cidade de La Plata focou na melhora das condições de infraestrutura e transporte público para favorecer a mobilidade dos membros da terceira idade, enquanto a cidade de Vicente López conta com um Centro Recreativo dirigido a esse público como parte de um conjunto de políticas. Loncoche (Chile) e Montevidéu (Uruguai) também se juntaram a essa iniciativa com políticas para favorecer a qualidade de vida de suas populações idosas.

Essas abordagens são exemplos claros da necessidade de estratégias multisetoriais e multidisciplinares para alcançar um envelhecimento saudável com a maior autonomia possível para os idosos. Atualmente, o ISAGS tem uma linha de investigação dirigida a identificar na região experiências exitosas de onde se possa extrair ensinamentos para o desenho e implementação de políticas dirigidas a um “bem envelhecer” que honre as intenções do poema de Benedetti com que iniciamos esta reflexão.

por Francisco Armada, especialista em Determinação Social da Saúde

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da OPS e da OIE à realidade uruguaia, não dá para reinventar a roda”, comenta.

Depois de aprovados os planos, começa a parte mais difícil que é a sua implementação. “Uma coisa é escrever as ações propostas, outra é criar toda uma estrutura de governança e prestação de contas que possa fazer o seguimento do trabalho desenvolvido; o ISAGS pode ter um papel muito importante nessa segunda etapa”, diz Eduardo Hage, especialista de Vigilância

em Saúde do Instituto. A proposta dele é mobilizar o Grupo de Trabalho de Vigilância da UNASUL para começar com a definição de indicadores comuns entre os países.

O tema da resistência aos antimicrobianos será discutido na Assembleia Mundial da Saúde, entre os dias 22 e 31 de maio. Na ocasião, os países terão que apresentar as suas estratégias nacionais ou dar uma atualização sobre o processo.

Por ora a solução é seguir sendo jovensAté morrer de velhosM. Benedetti

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Os transtornos mentais são doenças que ocorrem em todas as culturas, povos e regiões do mundo. Entre os mais frequentes estão a depressão e a ansiedade, que afetam cerca de uma a cada dez pessoas no planeta, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). No entanto, em seu pior momento, esses problemas podem levar a uma consequência grave: o suicídio.

Todos os anos, cerca de 800 mil pessoas se matam. É uma média de 2,2 mil mortes por dia ou aproximadamente uma morte a cada 40 segundos. O assunto é uma preocupação global, sendo a segunda causa de mortes entre jovens em todo o mundo, e figurando entre os indicadores levantados pelas Nações Unidas para medir o êxito do Objetivo 3 da Agenda 2030, que é garantir uma existência sana e promover o bem-estar de todos ao longo da vida.

Por isso, a OMS lançou o Plano de Ação Sobre a Saúde Mental 2013-2020, para, entre outros objetivos, fortalecer os sistemas de saúde e responder efetivamente ao problema. O Plano define metas para 2020, que incluem: reduzir a taxa de suicídios em pelo menos 10%; aumentar a cobertura de serviços para pessoas com transtornos mentais graves em 20%; elaborar ou atualizar legislações sobre saúde mental em pelo menos 50% dos países; e que 80% dos membros tenham elaborado ou atualizado suas políticas/planos de saúde mental.

Entre os anos 2000 e 2012 a quantidade de suicídios no mundo baixou 9% de acordo com as Estatísticas Sanitárias Mundiais da Organização (2016). Apesar da conquista, mais ou menos 75% de todos os casos se concentram em países de baixa e média renda (incluindo países da América do Sul) e nessas nações, os números são crescentes.

“É muito difícil separar causas particulares, mas basicamente os suicídios acontecem como consequência de situações de depressão, solidão, perdas, isolamentos sociais, perdas amorosas, fatores sociais, etc”, explica a Dra. Alicia Canetti,  psiquiatra na Unidade de Saúde Mental em Comunidade da Faculdade de Medicina da Universidade da República do Uruguai (Udelar).  “Existem também fatores externos que agravam o problema como o uso de substâncias químicas. Depois, há o que os sociólogos

SUICÍDIO: UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA NA AMÉRICA DO SULAs taxas de suicídios em um terço dos países da América do Sul estão acima da média mundial e as nações buscam soluções em prevenção para conter o problema

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chamam de fragilização, ou seja, os fatores sociais como a pobreza e a perda de um trabalho ou às vezes reações a períodos de crise”, agrega.

Na nossa região, um terço dos países possuem taxas de suicídio mais altas que a média mundial (que é de 11,4 por cem mil habitantes). Os casos entre jovens e adolescentes também se agravaram em muitos países. Dados de 2011 da Argentina, publicados pelo UNICEF (2013), indicam que 24% das mortes na faixa etária de 15 a 24 anos são provocadas por suicídios. Ou seja, um a cada quatro jovens argentinos morre por esse meio. Já no Brasil, por exemplo, o Mapa da Violência 2014 apontou um crescimento de 15,3% de suicídios entre jovens e adolescentes no período de 2002 a 2012, apesar de o país estar abaixo da média mundial.

 O CASO DO URUGUAI

O Uruguai é uma das nações sul-americanas que possuem taxas de suicídio acima da média mundial. De 2014 a 2015, o país observou um aumento de 7% no número total de casos. Como causa externa de mortes, há mais suicídios que acidentes de trânsito e homicídios, por exemplo. O aumento de casos entre os jovens também chama a atenção. “Em geral, os casos nesta idade estão relacionados ao bullying, um fenômeno social que cresce cada vez mais em todo o mundo  basicamente pelo uso das redes sociais. Inclusive, existem muitos pais que ultimamente adotaram a postura de publicar as cartas dos filhos que se suicidaram e um dos motivos fundamentais observados é o bullying que sofriam por parte de seus colegas”, destaca Dra. Cristina Larrobla, psicóloga e doutora em Saúde Mental na Udelar, que com Alicia Canetti e outros especialistas, vão lançar um livro intitulado “70 Anos de Suicídio em Uruguai”, no próximo mês de abril.

Larrobla e Canetti defendem que o suicídio pode ser evitado, independente do país, desde que seja realizado um bom trabalho de prevenção. No Uruguai já existe a Lei de Saúde Mental, aprovada em 2016, que incorpora o assunto. “Temos também a Comissão Honorária para a Prevenção do Suicídio no Ministério da Saúde, criada em 2010, na qual representantes de diferentes Ministérios como Educação, Cultura, Desenvolvimento Social e Interiores, elaboram planos quinquenais para a prevenção de suicídios. Atualmente, está sendo implementado o segundo plano”, explica.

Além disso, desde 2009, foi instituída no país uma lei que estabelece a obrigatoriedade dos registros de tentativas. Todas as instituições que recebem casos ou tentativas de suicídio precisam completar um formulário para contribuir com as estatísticas e isso vem permitindo melhorar a informação.

O QUE ESTÃO FAZENDO OS OUTROS PAÍSES DA REGIÃO

Assim como Uruguai, Chile mostra um aumento crescente nas taxas de suicídio, com índices que

passaram de 9,6 casos por 100 mil habitantes a 12,7 casos entre 2000 e 2009. Para prevenir o problema, existem jornadas de saúde mental em alguns hospitais com treinamentos para as equipes, sistemas de vigilância de suicídio, prêmios para os meios de comunicação que difundem temas de prevenção e campanhas comunitárias com os jovens para conscientizar a população.

Já em Guiana, país que tem as taxas mais altas de suicídio na América do Sul, uma das medidas preventivas adotadas é a criação de uma linha telefônica exclusiva para pessoas que estão pensando em suicidar-se e necessitam ajuda. O serviço, que funciona 24 horas por dia, é oferecido pela Polícia Nacional. No Brasil também existe um atendimento telefônico similar, além de um novo gadget introduzido este mês: um programa de ajuda virtual criado pelo próprio Facebook com ferramentas como um chat em tempo real para ajudar pessoas em risco. O Facebook também incentiva que os usuários reportem casos suspeitos. As medidas – que também vão ser introduzidas em outros países – foram estabelecidas depois que um policial se suicidou ao vivo pela rede social em janeiro deste ano.

De acordo com o programa de prevenção da OMS, para que as respostas contra o suicídio sejam eficazes, são necessárias ações estratégicas que devem incluir a identificação precoce e a gestão eficaz dos comportamentos suicidas, o monitoramento e apoio comunitário para aqueles que tentam suicidar-se, além da redução do uso nocivo de álcool e restrição ao acesso aos meios mais comuns de suicídio (incluindo pesticidas, método mais utilizado nas zonas rurais). A OMS também incentiva que os dados de tentativas sejam calculados e incluídos em um sistema de vigilância.

“Estamos convencidos de que é possível atuar com um enfoque preventivo e reduzir as taxas. O suicídio no século XX sempre foi tratado como um tabu e quando se abordava o tema, era basicamente só no âmbito da Saúde. Nem se falava de tentativas. Isso mudou e o suicídio hoje também é uma questão para a Educação e outras áreas. E também começamos a ver que o tema acaba de chegar à sociedade civil, que também começa a se mobilizar pela prevenção” conclui Larrobla.

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QUEM IRÁ LIDERAR A OMS NOS PRÓXIMOS 5 ANOS?

2016

ABRIL

A diretora geral iniciou o processo de eleição com algumas novidades, entre

elas, o Código de Conduta.

O Comitê Executivo da OMS pré-selecionou

3 candidatos.

Votação finalFoi anunciada uma lista de 6 candidatos que puderam interagir com os Estados

Membros em um fórum virtual e, depois, em uma reunião presencial.

SETEMBRO/NOVEMBRO JANEIRO MAIO

2016 2017 2017

(ETIÓPIA)

Ex-ministro da Saúde e das Relações Exteriores do seu país, liderou projetos globais de desenvolvimento, como a Aliança para Retroceder a Malária e o Fundo Global de Luta contra a AIDS, Tuberculose e Malária. Ele planeja transformar a OMS em um organismo mais eficaz, transparente e independente, botar o bem-estar das mulheres, crianças e adolescentes no centro da preocupação mundial de saúde e desenvolvimento, e também de fortalecer a capacidade das autoridades nacionais.

(PAQUISTÃO)

Ex-ministra de Educação, de Telecomunicações e de Saúde, atualmente lidera o processo de prestação de contas da Estratégia Global de Saúde para Mulheres, Crianças e Adolescentes. Na OMS, também tem trabalhado em temas como Saúde Mental e Obesidade, e foi membra do Grupo Consultivo de Especialistas sobre P&D: financiamento e coordenação. Entre seus compromissos está mais transparência e prestação de contas, atuação reforçada em bens públicos e ênfase na interação entre a saúde e as mudanças climáticas.

(REINO UNIDO)

Atualmente, é Assessor Especial do Secretário Geral da ONU sobre a Agenda 2030 e atuou em iniciativas sobre Segurança Alimentar e Nutrição, na luta contra o Ebola e foi chefe do grupo de emergências sanitárias da OMS. Propõe estabelecer alianças com uma ampla gama de entidades de muitos setores que compartilhem os mesmos objetivos da OMS, garantindo a função central dos governos nacionais e locais. Quanto aos ODS, planeja promover políticas enfocadas nas pessoas.

CANDIDATOS

No marco da Assembleia Mundial da Saúde em maio em Genebra, Suíça, os 194 Estados membros da OMS vão eleger por votação um/a novo/a Diretor/a Geral. Em janeiro, o Comitê Executivo da organização pré-selecionou 3 candidatos.

PROCESSO DE ELEIÇÃO

DAVID NABARRO SANIA NISHTAR TEDROS ADHANOM GHEBREYESUS

9

122 22

21

38

4653

Região de origem dos 8 Diretores Gerais até 2017

Durante as últimas 6 edições, a UNASUL interveio como bloco em temas prioritários para a região na Assembleia Mundial, o que a tornou um espaço crucial para a Cooperação Sul-Sul em Saúde. O Peso dos votos dos países do Sul é, sem dúvida, muito relevante na designação do novo DG. As suas vozes e colaboração impulsam a sua capacidade de intervenção nos rumos das políticas de saúde global.

ESTATÍSTICAS

DISTRIBUIÇÃO DE VOTOS POR CONTINENTE

Durante o mandato de 20 anos de médico brasileiro (entre 1953 e 1973), o número de membros da OMS passou de 81 para 138 países e o seu orçamento aumentou de USD 9 milhões para 106 milhões. Candau se destacou por sua liderança na luta contra a varíola, a malária e a oncocercose. 1953 1973

NÚMERO DE MEMBROS DA OMS

138 países81

países

1953 1973

ORÇAMENTO

USD 9 milhões

USD 106 milhões

DISTRIBUIÇÃOGEOGRÁFICA

Dr. Marcolino Gomes Candau, o único diretor geral da América do Sul

UNASUL

EUA E CANADÁ

ORIENTE MÉDIO

ÁSIA

E

OC

EAN

IA

ÁFRICA

AMÉRICA LATINA E CARIBE (EXC. UNASUL)

EUROPA

DISTRIBUIÇÃOGEOGRÁFICA

América do Norte

ÁsiaEuropa

América do Sul

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ENTREVISTA:DESIRÉE LÓPEZ DE MATURANAVICE-PRESIDENTE EXECUTIVA DA JUNTA NACIONAL DE JARDINS DE INFÂNCIA

No Chile, a lei 20.379 criou o Sistema Intersetorial de Proteção Social que “entrega aos meninos e meninas um acesso rápido aos serviços e funcionalidades que atendem às suas necessidades e apoiam seu desenvolvimento em cada etapa de seu crescimento”. Para esse objetivo, a Junta Nacional de Jardins de Infância (JUNJI) cumpre um papel fundamental, e em sua rede por todo o país atende a quase 300 mil crianças. Mestre em Educação e doutora em Mediação Pedagógica, Desirée López de Maturana conta um pouco do trabalho desenvolvido na instituição.

Quais foram os avanços dos últimos anos em Chile com relação à Saúde Infantil?

Durante o governo da presidenta Michelle Bachelet demos um salto importantíssimo na educação pré-escolar, em particular com a criação de uma nova institucionalidade que

garantiu um nível ministerial e o reconhece como a primeira categoria do sistema educacional chileno. Com seus 47 anos de existência, a JUNJI hoje tem de maneira mais clara o seu papel na oferta de um serviço integral aos meninos e meninas a partir do entendimento de que a educação começa no berço. Nossas ações se integram a um programa mais amplo criado em 2006 chamado Chile Cresce Contigo, que inclui duas bandeiras importantes do bem-estar da primeira infância, que são a Saúde e a Educação como componentes que devem andar juntos para a proteção dos meninos e meninas.

Como se coordenam as ações entre a Saúde e a Educação sob as perspectivas do programa?

Trabalhamos juntos especialmente em capacitação e em derivação de meninos e meninas, não só desde nossos jardins de

“A JUNJI se tornou uma alternativa para as famílias, já que, trazendo as crianças, eles sabem que será oferecido um currículo completo de atividades pertinentes a um desenvolvimento mais harmônico.”

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infância em direção ao sistema de saúde. Dentro dos Centros de Saúde Familiares temos uma educadora que também estabelece o vínculo das famílias com a JUNJI, dependendo do caso. Por nossa parte, nossa equipe multidisciplinar inclui nutricionistas, que promovem estilos de vida mais saudáveis entre as crianças, dentro das diretrizes do Ministério de Saúde. Em outras palavras, existe uma coordenação muito forte e muito fluida entre nós.

Como evoluiu o perfil das crianças que frequentam a JUNJI através dos anos?

Quando a JUNJI foi fundada na década de 1970, a situação urgente estava relacionada à desnutrição nos níveis socioeconômicos mais baixos, que sempre foram o enfoque principal dos nossos jardins. Hoje em dia, nós fomos ao outro extremo com muitos casos de obesidade, o que motivou a implementação de políticas como a de Rotulagem e a de regulação da publicidade de alimentos no país. Na JUNJI nós temos um papel importante também de conscientizar não somente às crianças, mas também os seus familiares, sobre o que está por trás dos hexágonos negros, que são os nutrientes críticos, etc. Até as crianças que não sabem ler hoje em dia sabem que os alimentos que têm três hexágonos são os mais arriscados para a sua saúde. Por outro lado, nós mesmos tivemos que nos adaptar no que diz respeito à quantidade de sal que colocamos nos lanches e outras comidas que servimos, sempre com base no que recomenda o Ministério da Saúde.

Um dos eixos de atuação da JUNJI se refere ao bem-estar e

ao desenvolvimento integral das crianças. Além do tema da nutrição, como isso é aplicado?

Outra parte muito importante do nosso trabalho está em promover o contato com a natureza e as atividades físicas. Evitamos em nosso currículo as atividades muito sedentárias dentro da sala de aula em prol de uma grande quantidade de atividades ao ar livre para que a natureza seja o grande laboratório de aprendizagem. Muitas vezes as casas das famílias são pequenas e pelo estilo de vida dos pais, que têm que trabalhar e cuidar da casa, as crianças não têm com quem sair. Então, a JUNJI se tornou uma alternativa para as famílias, já que, trazendo as crianças, eles sabem que será oferecido um currículo completo de atividades pertinentes a um desenvolvimento mais harmônico.

Quais são os desafios que ainda estão pendentes para a JUNJI?

No âmbito de que a educação é um direito de todos, a presidenta Michelle Bachelet estabeleceu uma meta para que até o fim de seu governo a gente possa ter no mínimo 76 mil vagas novas, de modo que nenhuma criança que nos corresponda fique de fora. Hoje em dia atendemos a 290 mil crianças em todo o país. Uma das estratégias, por exemplo, é ter jardins de infância e berçários em universidades e colégios. O programa, que se chama Para Que Estudie Contigo (Para Estudar com Você em português) promove também a paternidade responsável e a continuidade dos estudos, com a ideia de que se quebre o círculo da pobreza.

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Entre os dias 9 e 12 de março de 2017, tive a oportunidade de participar do curso de Jornalismo Global sobre a Experiência da Primeira Infância e o Cérebro em Desenvolvimento, organizado, entre outros, pelo Dart Center de Jornalismo da Universidade de Columbia e a Fundação Bernard Van Leer. Esse evento inovou ao conseguir reunir dois grupos fundamentais para o processo de melhoria da saúde da população. De um lado, 50 jornalistas de todo o mundo, representando meios de comunicação como a BBC, New York Times, TV Globo e Al Jazeera, além de jornalistas independentes e, de outro, alguns dos maiores cientistas do mundo na área de neurociência e desenvolvimento infantil. A ideia era gerar um espaço para que aqueles que decidem quais notícias e histórias são divulgadas nesses meios possam reconhecer a importância dos primeiros anos de vida dos seres humanos e assim dar mais cobertura ao tema de maneira a chamar a atenção necessária da sociedade e daqueles que desenham e implementam políticas públicas.

O desenvolvimento científico nessa área tão crucial impressiona. Sabemos que os estímulos externos durante a gravidez e os primeiros anos de vida marcam a capacidade futura de uma pessoa de se desenvolver no mundo. Um ambiente de estímulos positivos permite o adequado

desenvolvimento de habilidades cognitivas linguísticas, mnemônicas, visuais e espaciais e de funções executivas, e isso, segundo vários estudos, é um fator relacionado com maior renda e qualidade de vida futuras. Ao mesmo tempo, um ambiente com exposição à adversidade, como pode ser a violência, a negligência ou o abandono, até situações de “stress tóxico” que podem gerar situações extremas como as guerras, causam a perda de valiosas conexões neuronais, justamente no momento quando deveriam estar crescendo e se fortalecendo. A área de estudos da epigenética, por sua vez, está produzindo conhecimento relevante sobre como os estímulos aos que estamos expostos nos primeiros anos de vida têm impactos na expressão genética, ou seja, nos nossos atributos fisiológicos.

Durante o evento, o Dr. Jack Shonkoff, reconhecido especialista em desenvolvimento infantil integral e atual diretor do Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard, explicou o impacto, tanto positivo quanto negativo, que podemos gerar pelo que fazemos ou deixamos de fazer pelos seres humanos nos seus 3 primeiros anos de vida. Em sua intervenção, ele conseguiu transmitir a urgência com a qual devemos atuar, considerando que cada um dos primeiros 1000 dias de vida

ENTRAS TANTAS LACUNAS… A DA CIÊNCIA E DA POLÍTICA PÚBLICA

AO PONTOPor Carina Vance

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de uma pessoa pode contribuir para o desenvolvimento cerebral e para que se tenha mais oportunidades no futuro, gerando mais equidade em nossas sociedades por meio de um círculo virtuoso no qual um melhor status socioeconômico se relaciona a melhores resultados de desenvolvimento infantil. Um comentário final que chamou atenção dos participantes foi: “Se não aprendêssemos nada mais, ainda teríamos muito por fazer, baseados no que já sabemos”. Ou seja, a lacuna entre os avanços científicos e a política pública é demasiada grande.

Uma das principais responsabilidades dos Estados, daqueles que desenvolvem e implementam políticas públicas, é fechar a brecha entre o conhecimento e a ação. A democratização do conhecimento é fundamental para gerar equidade. Na área de desenvolvimento infantil os avanços científicos, muitas vezes financiados pelos próprios Estados, estão ao alcance das famílias com mais recursos, porém, não são de fácil acesso para aqueles que talvez mais precisem. Em geral, todas as mães e pais querem o melhor para seus filhos, mas nem todos têm acesso a informação sobre as melhores maneiras de cria-los, além do fato de que muitos vivem em situação de pobreza que limita sua capacidade de prover segurança

alimentar, acesso a atenção primária de saúde ou, devido ao seu trabalho, não dispõe do tempo que requer uma criança para seu desenvolvimento completo. Aqui, deve entrar o Estado, como garantia dos direitos da sua população.

Na América do Sul existem programas de desenvolvimento infantil de sucesso que usam os avanços científicos como base para sua estrutura e por sua vez geram evidência sobre as políticas de maior impacto positivo. Na Bolívia, “Desnutrição zero”, no Brasil, “Bolsa Família”, “Chile cresce contigo”, na Colômbia, “De zero a sempre”, no Equador, “Infância Plena” e no Paraguai, “Programa Abraço”, são apenas alguns exemplos que incorporam políticas como as transferências econômicas condicionadas, a capacitação de famílias sobre o cuidado com crianças, a prestação do serviço de cuidado infantil integral, a estimulação precoce e o acesso a alimentos e suplementos nutricionais.

São notáveis os avanços em desenvolvimento infantil na nossa região, mas ainda há muito por fazer. Na América do Sul contamos com um ingrediente fundamental que é a vontade política de gerar sociedades mais saudáveis e mais equitativas. Preencher a lacuna entre a ciência e a política púbica está em nossas próprias mãos.

Há uns 25 anos, os cidadãos de Medellín tinham duas grandes preocupações ao sair de casa. A mais óbvia era, naturalmente, a violência do narcotráfico comandado pelo Cartel de Medellín, a outra era a dificuldade de se mover, que tirava de todo mundo uma média de três horas diárias entre ir ao trabalho e voltar para casa.

“As pessoas que viviam nos bairros altos, quando iam ao centro diziam ‘vou para Medellín’, como se vivessem em outra cidade. Na verdade, a gente vivia numa cidade dividida, seja pela criminalidade ou por conta do transporte público”, lembra o Dr. Aníbal Gaviria, que esteve à frente da prefeitura da cidade entre 2012 e 2015.

A matemática não se equivoca: cento e oitenta minutos por dia representam, no espaço de um ano, cerca de 30 dias. Em outras palavras, os trabalhadores da cidade levavam o dobro do tempo fazendo esse trajeto do que os 15 dias de férias que a legislação colombiana garante.

Ainda que não seja automático associar o transporte público com a Saúde das pessoas, os dois temas estão intimamente vinculados. O relatório Transporte Urbano e Saúde (2011), elaborado pelo Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha e a Organização Mundial da Saúde, destaca entre os impactos diretos a poluição do ar, a falta de atividades física, os acidentes de trânsito e o barulho, apenas para dar alguns exemplos. Ainda assim, as implicações não param aí.

Atualmente, quando se fala da administração do tempo livre de um cidadão que trabalha, cuida de casa e dos filhos e talvez até estude, uma hora adicional para se divertir com os amigos e a família, se exercitar ou simplesmente não fazer nada tem um papel fundamental na sua qualidade

de vida. Até a alimentação sofre impactos negativos quando não existe tempo para cozinhar comidas naturais e saudáveis. “O fato de existir gente que viaja três, quatro horas por dia sem poder cozinhar o que vai comer é uma expropriação do tempo dos cidadãos e é óbvio que os mais pobres são os mais afetados”, afirmou em entrevista ao ISAGS o ex-vice-ministro da Saúde do Peru, Enrique Jacoby. “É responsabilidade dos governos devolver esse tempo às pessoas com um melhor sistema de transporte nas cidades grandes”, completou.

Foi isso que começou a fazer a prefeitura de Medellín de maneira consistente a partir de 1995, quando foi inaugurada a primeira linha do Metro, um sistema massivo de transporte rápido que serve à cidade e ao entorno. “Junto à interrupção de violência, que ocorreu mais ou menos na mesma época, o sistema mudou a história de uma cidade que parecia estar condenada e que causava medo naqueles que nos visitavam”, conta Gaviria. Uma história que, a partir de então, testemunhou a construção de uma trama de seis modais integrados, incluindo o famoso Metrocable, um teleférico que conecta os bairros humildes das Quebradas (montanhas) ao centro da cidade. Todo o sistema foi pensado de maneira integral, considerando também os princípios do transporte ativo no projeto conhecido como Vias Ativas Saudáveis – espaços exclusivos compartilhados entre pedestres, ciclistas e patinadores. Hoje em dia, a média de tempo que as pessoas gastam para ir e voltar do trabalho foi reduzida à metade.

Não foi em vão que a cidade foi premiada com Lee Kuan Yew World City Prize (o prêmio mais importante de urbanismo e desenvolvimento do mundo) e o título de Cidade Inovadora de 2014, além de ter servido de

De um passado marcado pela violência, a cidade colombiana hoje é reconhecida como uma das mais inovadoras do mundo e parte do seu segredo está num transporte público integral e inclusivo

ESTUDO DE CASO: UMA MEDELLÍN PARA A VIDA

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modelo para outras cidades do continente, como Caracas e Rio de Janeiro, que inauguraram teleféricos similares em 2007 e 2011, respectivamente.

Gaviria fala das conquistas de Medellín sem se apropriar particularmente dos projetos nem falar de partidos políticos. De acordo com o ex-prefeito, “só é possível transformar uma cidade com vários bons governos sintonizados; ‘vários’, porque quatro anos não são suficientes, ‘bons’ se são transparentes e contam com participação cidadã e ‘sintonizados’, não por uma questão pessoal ou partidária, mas por uma questão de valores”. Ele conta também que esse nível de consenso talvez se deva ao ponto crítico de crise permanente pela qual passava Medellín no início dos anos 1990. “Quando há uma situação que ameaça destruir uma sociedade, também se abre uma janela de oportunidade para que mesmo pessoas antagônicas se unam para realizar grandes propósitos”, conclui.

Depois do fim do seu mandato na prefeitura de Medellín e com a experiência acumulada, Gaviria atualmente é professor convidado em um projeto de pesquisa no Instituto de Estudos Urbanos e Regionais da Universidade de Berkeley (Estados Unidos), onde desenvolve e aprofunda o conceito de Cidades para a Vida. “No modelo de cidades que construímos ao longo dos séculos, destruímos o ar que se respira, a água que bebemos e até o tempo livre que nos sobra”, explica. No que toca o tema dos transportes públicos, esse conceito não só se refere à disponibilidade, mas também à oportunidade de ver a cidade, de chegar a espaços e bens públicos.

Como um dos continentes mais urbanizados do planeta (para 2050, estima-se que 90% dos sul-americanos viverão em cidades), de acordo com Gaviria, a América do Sul deveria repensar radicalmente o

desenho e o planejamento das cidades. “Eu entendo que, para ser mais sustentáveis, as cidades deveriam ser mais compactas, de modo que nós pudéssemos percorrê-la em menores distância a pé ou de bicicleta; dessa forma, a cidade teria que ser uma ‘federação de bairros’ e que cada bairro deveria oferecer ao seu cidadão 80% das necessidades urbanas dele. O cidadão saciaria os outros 20% quando fosse a grandes equipamentos públicos, como parques, praias, universidades ou hospitais de altíssima complexidade, por exemplo”.

O 11º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável se refere precisamente a cidades e comunidades mais sustentáveis, o que significa melhores condições de moradia, mais resiliência no caso de desastres naturais, melhor qualidade de ar e inclusão social. Uma das metas aceitas por autoridades de todos os países até 2030 é “assegurar o acesso a todos a sistemas de transporte seguros e acessíveis”. Embora pareça demasiado ambiciosa para um período de tempo de aproximadamente 15 anos, é urgente reconhecer e estudar exemplos como o de Medellín – uma cidade que ainda tem seus problemas, mas que soube se reinventar olhando para o futuro.

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Aníbal Gaviria,ex-prefeito de Medellín

MEDELLÍN

População: 2,4 milhões

IDH: 0,864 (muito alto)

Esperança de vida ao nascer: 77,1 anos

58 km de Vias Ativas Saudáveis

2ª maior cidade da Colômbia

Capital da província de Antioquia

Fundada em 1616

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PÍLULAS

DIÁLOGOS DO SULNo último 15 de março, o ISAGS iniciou

o ciclo de debates  Diálogos do Sul, promovido em sua sede com a missão de analisar a saúde como ponto de convergência entre os países da América do Sul. O primeiro encontro foi apresentado pela diretora executiva do instituto, Carina Vance, e reuniu os novos especialistas do ISAGS, que junto a acadêmicos, estudantes e autoridades, debateram o tema “A saúde e os novos desafios da integração”. O evento segue até o fim do ano, sempre com diferentes temáticas, e é aberto a toda a comunidade. “É necessário estimular o diálogo entre o que vem sendo discutido no âmbito regional e a vibrante comunidade acadêmica de Rio de Janeiro”, completa Vance.

CÂNCER DE COLO DO ÚTEROA Rede de Institutos e Instituições

Nacionais de Câncer (RINC/UNASUL) promove nos dias 23 e 24 de março um workshop de qualidade de laboratórios de Citologia nos programas de prevenção de câncer de colo do útero dos países UNASUR no marco do Plano de Assistência Técnica para o controle desta doença na região. O encontro é parte do projeto “Plataforma de Intercâmbio de Experiências e Assistência Técnica para Prevenção e Controle do Câncer de Colo Uterino em América do Sul”, financiado com o Fundo para Iniciativas Comuns (FIC) da UNASUR.

“VIDAS REFUGIADAS”A mostra “Vidas Refugiadas” volta a

São Paulo com o apoio do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul  – IPPDH e reaviva o debate sobre gênero e refúgio. Com 22 imagens do fotógrafo Victor Moriyama, a exposição revela as necessidades, os dilemas e as conquistas de oito mulheres refugiadas no Brasil. No Museu da Imigração de São Paulo, até 28 de maio.

ISAGS ASSINA CONVÊNIODE COLABORAÇÃO COM AFUNDAÇÃO OSWALDO CRUZO acordo tem o propósito de criar convergência nas atividades e projetos em comum das duas instituições

INSTITUCIONAL

A diretora executiva do ISAGS, Carina Vance, e a presidente da Fundação Oswaldo Cruz, Nísia Trindade, assinaram no último 13 de março um novo convênio de colaboração para promover e fortalecer ainda mais as relações entre os dois organismos e gerar um processo mais próximo nas suas agendas de trabalho.

“Um dos elementos mais valiosos de ter a sede do ISAGS no Rio de Janeiro, é a proximidade com uma das instituições de Saúde mais destacadas do mundo, a Fiocruz. Ao incorporar os novos especialistas em saúde do ISAGS com a missão de aprofundar o apoio aos Ministérios de Saúde da região, um trabalho articulado com as instituições acadêmicas da região da América do Sul que zelam pelo interesse público pode fortalecer exponencialmente nossa capacidade e reverter em políticas públicas de alto impacto baseadas em avances científicos”, diz Carina Vance.

Representando a Fiocruz, a presidente Nísia Trindade declarou sua expectativa com o acordo: “Em tempos de mudanças na região, a colaboração com o ISAGS é fundamental, especialmente em áreas de atuação que geram resultados efetivos pela Saúde Pública. Ressalto ainda como aspecto central deste convênio o trabalho que temos junto à UNASUL com as escolas de saúde pública e com a escola politécnica”, conclui.

  Na ocasião, também estiveram presentes o ex-presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, que recebeu uma homenagem por sua contribuição para

a criação e institucionalização do ISAGS; Paulo Buss, diretor do Centro de Relações Internacionais da Fiocruz; Frederico Peres, da Rede de Escolas de Saúde Pública (RESP); Geandro Pinheiro, da Rede de Escolas Técnicas em Saúde (RETS); Flávia Bueno, coordenadora da Unidade de Gestão da Informação e Comunicação do ISAGS; e Luana Bermudez, coordenadora da unidade de Relações Internacionais e Cooperação do ISAGS, além dos quatro especialistas em saúde do instituto.

 REUNIÃO COM O CENTRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FIOCRUZ

Antes da assinatura do convênio, a equipe do ISAGS também se reuniu com a equipe do CRIS para discutir os primeiros planos conjuntos e para apresentar seus novos especialistas: Ángela Acosta (especialista em Medicamentos e Tecnologia da Saúde); Eduardo Hage (especialista em Vigilância em Saúde); Félix Rigoli (especialista em Sistemas e Serviços de Saúde); e Francisco Armada (especialista em Determinantes Sociais da Saúde), que adiantaram um pouco do que se espera para o trabalho em conjunto com a Fundação em suas áreas de especialidade.

 “A Fiocruz pode trabalhar em conjunto com o ISAGS para apoiar na execução e na realização de sua missão, mas também queremos que o ISAGS contribua para o que temos como missão, que é preparar pessoas para a governança em sistemas de saúde nos âmbitos regionais, nacionais e globais”, afirma Buss.