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O garoto ao lado

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Apesar de seu nome, Alice não tem nenhum “País das Maravilhas” à sua volta. Não há nenhum Chapeleiro Maluco, muito menos um gato sorridente por perto. Acontecimentos do passado atormentam sua mente. Ela não pensa duas vezes em se mudar após a separação dos pais, e, em uma nova cidade, em uma nova turma, Alice encontra-se sozinha em seu último ano do Ensino Médio. Mesmo tendo parte de sua família por perto, ela se sente isolada em meio à multidão, e ninguém parece notá-la. Seus únicos companheiros são seus livros e seus escritos. Apenas as palavras acompanham Alice, pelo menos até o dia em que ela percebe que um garoto da sua turma a está observando. Fechada a qualquer tipo de relacionamento, Alice tenta fugir do interesse de qualquer um, mas vê-se intrigada pela presença do “garoto ao lado”.

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O garoto ao ladoLaritza Oliveira

São Paulo, 2015

TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

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O garoto ao ladoCopyright © 2015 by Laritza OliveiraCopyright © 2015 by Novo Século Editora Ltda.

gerente editorialLindsay Gois

aquisiçõesCleber Vasconcelos

editorialJoão Paulo PutiniNair FerrazRebeca LacerdaVitor Donofrioauxiliar de produçãoEmilly Reis

preparaçãoFernanda Guerriero

p. gráfico/diagramaçãoVitor Donofrio

revisãoSamuel Vidilli

capaDimitry Uziel

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Oliveira, LaritzaO garoto ao lado/Laritza OliveiraBarueri, SP: Novo Século Editora, 2015.

(Talentos da Literatura Brasileira)

1. Ficção juvenil. I. Título. II. Série

15-09573 cdd-028.5

Índice para catálogo sistemático:1. Ficção: Literatura juvenil 028.5

novo século editora ltda.Alameda Araguaia, 2190 — Bloco A — 11o andar — Conjunto 1111 cep 06455-000 — Alphaville Industrial, Barueri — sp — BrasilTel.: (11) 3699-7107 | Fax: (11) 3699-7323www.novoseculo.com.br | [email protected]

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográficoda Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009.

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O amor, assim como o sol,Só pode tocar

Quem não se esconde dele(Leila Perci)

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prólogo

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Verde. Foi a única coisa que enxerguei ao chegar a Palmas. A cidade vai aparecendo, mas o verde continua. Seria o meu último ano no Ensino Médio, mas o primeiro em minha nova vida. Tudo mudou para mim. As ruas se transforma-ram em alamedas e os quarteirões se tornaram conjuntos que formam quadras. “Não moro em ‘tal casa’, moro em um lote.” As avenidas são largas, repletas de verde — árvores, grama e plantas que embelezam a cidade. Nada parecido com minha antiga cidade desorganizada onde as casas sufo-caram toda a vegetação. Palmas é organizada. O ar é limpo. Tudo aqui foi planejado.

Meu tio Miguel, que me buscou no aeroporto com a tia Cecília, avisou-me que estávamos na avenida JK e que logo passaríamos em frente ao meu novo colégio. Meu queixo caiu quando o avistei. Simplesmente a estrutura tomava toda a frente de um quarteirão e se erguia em cinco anda-res! No dia seguinte, descobri que as salas eram grandes, largas e limpas, assim como toda a escola — embora por dentro lembrasse um hospital. Como tudo em Palmas, o colégio foi meticulosamente planejado. Havia muito verde na entrada, perto do pátio — cheia de bancos e mesas, onde

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parecia haver uma cantina —, e mais verde ainda próximo à estrutura da quadra e da arquibancada.

No primeiro piso eram acomodadas as crianças de dois até seis anos, o que era lógico, pois isso evitava acidentes na escada. No segundo piso ficavam as turmas do segundo ao quinto ano do Ensino Fundamental. No terceiro e quarto piso estudava o restante do Ensino Fundamental. No quinto piso ficavam o Ensino Médio e toda a administração. O sexto piso era composto por laboratórios e por uma imensa biblio-teca, na qual certamente passaria a maioria dos intervalos.

O colégio era normal e não tirou nenhum suspiro meu, ao contrário de minha casa/apartamento/sobrado, que me surpreendeu a cada cômodo. A sala já estava mobiliada — como todo o resto da casa — do jeito que instruí a tia Flávia, esposa do meu tio Isaías. Pufes coloridos estavam espalha-dos por todo o tapete e no meio havia um sofá azul revesti-do de tecido semelhante ao veludo. O painel preto e o móvel abaixo dele eram simples, mas completavam o ambiente. Uma TV de 42 polegadas estava posicionada e o aparelho da TV a cabo encontrava-se pronto para uso. Não havia se-paração entre a sala de estar e a cozinha estilo americana, decorada com um balcão de granito preto em L — nele fica-vam o fogão cooktop e a pia dupla. Alguns bancos de acrílico transparentes estavam próximos à parte externa do balcão. A geladeira era bem menor que a que tinha antes, mas ser-via para viver. Os armários tinham um tom amadeirado que combinava com o balcão e a mesa preta de seis lugares, esta rodeada por cadeiras com o mesmo tecido do sofá.

Encontrei a escada quase escondida pela cozinha e subi até chegar a um corredor; nele havia duas portas. A que fi-cava no fim, na parede esquerda, levou-me a um banheiro

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enorme. Voltei pelo corredor e entrei no que presumi ser meu quarto. E era. A cama queen size estava encostada no canto junto à parede onde uma cortina roxa escondia a jane-la — por sinal, bem localizada e com uma vista maravilhosa. As paredes do quarto tinham um tom verde-claro, diferen-temente das demais, pintadas de bege. Sinceramente, nunca gostei dos tons pastel. No restante da parede da janela, esten-dia-se a parte menor do meu guarda-roupa branco e cinza-chumbo em L; logo antes de a outra parede terminar, lá esta-va minha estante com meus preciosos livros. Encontrei outra porta dentro do meu quarto que me levou a outro banheiro. Perfeito. Um banheiro particular. Na verdade, eu não teria de dividir nada com ninguém. Estava totalmente sozinha.

Desci e descobri que havia um pequeno quintal e uma área de serviço nos fundos, o que me lembrou de que teria de lavar minhas próprias roupas. Além de limpar a casa e de cuidar da alimentação. Sem mencionar os estudos. Morar sozinho era o sonho de qualquer um! Olhei para o céu de fim de tarde. Era domingo e no ouro dia começariam as au-las e minha nova vida. O importante era me cuidar e man-ter o foco nos estudos, longe de distrações. Principalmente de relacionamentos.

Minha casa ficava na quadra ao lado do colégio, de modo que eu poderia ir facilmente andando para lá sem me impor-tar com o calor. Ah! O calor de Palmas… Segundo o amigo de todos nós, o Google, essa cidade não conhecia termos como outono e inverno. Apenas verão, verão, verão e mais verão o ano todo. Apesar de amar frio, moraria em uma das cidades mais quentes de todo o Brasil. Tudo seria diferente. Nova ci-dade, novo colégio, nova turma. Último ano do Ensino Médio. Eu não estava preparada, mas resolvi enfrentar tudo.

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um

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[…]Você é uma faísca sem chamaEu sou um deserto na chuva,

Você é uma montanha e eu sou um trampolimEntão saia do seu orgulho.

[…]

(Gabrielle Aplin)

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Não sei se o notei no primeiro, segundo ou vigésimo dia, mas sei que ele estava lá, sentado ao lado, com o casaco — que vestia mesmo em dias de extremo calor —, o fone de ouvido — que o tirava da realidade — e sua estranheza. Ele levantou o olhar apenas por alguns segundos. Segui para meu lugar. Não demorou para a aula começar. Senti olhos sobre mim e quase saltei da cadeira quando vi quem era. O garoto nem desviou o olhar de imediato, mas o fez após longos segundos. Eu também desviei o olhar.

As primeiras aulas passaram voando e saí apressadamen-te para o mísero intervalo de quinze minutos. Corri para a cantina e consegui meu lanche quentinho. Sentei-me em um banco próximo ao gramado. Dia típico: muito sol e nenhum indício de chuva. Assim que dei a primeira mordida em meu lanche, eu o vi novamente. Sentado no banco em frente, do outro lado do pátio, ele estava me encarando. Desviei o olhar e apenas me concentrei na tela do meu celular. Ainda assim, era impossível não sentir o peso do seu olhar.

O fim do intervalo finalmente chegou e eu corri para a sala. Meu desespero cresceu quando encontrei a porta tran-cada e percebi que o tal garoto “antissocial” vinha cami-nhando pelo corredor. Concentrado na tela do celular, ele

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mal me viu e parou na parede à minha frente. Eu o obser-vei. Ele era a perfeita descrição do Quentin Jacobsen tanto na aparência quanto no comportamento. Era reservado, de poucos amigos, pelo que percebi naquele dia. Então, levan-tou o olhar e me flagrou.

Finalmente abriram a sala e eu entrei apressada. O antissocial também. A turma B do último ano do Ensino Médio contava com 23 alunos, e cada um era uma figura, diga-se de passagem. Maria era o mais próximo de “ami-ga” que eu tinha. Nós ainda estávamos nos entrosando, mas eu acreditava que seríamos boas amigas. A maioria da turma era composta por novatos, mas ainda existiam os “sobreviventes”, os veteranos: Enzo, Ila, Ana, Carol, Arthur, Júlia, Albert, Henrique, Hilton e Teodora. Carol era apai-xonada por ler, igual a mim. Ela e Enzo amavam músicas internacionais, assim como eu. Júlia era filha de advogados e também gostava de ler; com ela eu conversava bastante. Albert era o palhaço da turma e Teodora era a mais pirada. Ila e Ana amavam dançar e eram uma dupla bem fechada. Hilton era famoso por suas festas na piscina e por sempre ser um bom amigo, com quem sempre se podia contar se precisasse de um conselho.

Com Arthur e Henrique eu mal tinha contato, mas sa-bia que Arthur era o nerd da sala e Henrique, o antipáti-co. Na turma dos novatos tínhamos: Maria, Apolo, Pedro, Ricardo, Eduarda, Rebecca, Júlio, Rafaela, Monica, Gabriela e Bruna. Apolo, Pedro e Ricardo eram inseparáveis e nos dávamos bem na maioria do tempo. Rebecca — a menina que não parava de falar nem mesmo durante as aulas —, Rafaela, Eduarda e Júlio eram próximos de Júlia. Gabriela, Bruna e Monica também eram inseparáveis. Gabriela era

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espalhafatosa, já Bruna e Monica, tímidas. Eu também era novata. Alice, de Alice no País das Maravilhas, como meus colegas me chamavam. Loira, de um metro e meio e cara de criança.

Tinha também o antissocial: ele não parecia novato, mas falava pouco com os veteranos. Eu o observei durante a aula. Ele tinha a mania de balançar o pé sempre que algo o deixava nervoso ou preocupado, embora seu rosto não transparecesse emoção. Um dos momentos em que o ob-servei ele sorriu de canto de boca, revelando um aparelho que o deixou menos estranho. Era apenas um cara normal e tímido, concluí.

Os ponteiros demoraram, mas finalmente marcaram o fim da aula. Juntei meus materiais e encontrei Maria na saí-da. Apesar de estudarmos juntas, eu e ela não sentávamos próximas, por causa do mapa de sala criado pela professora Fabiana, e nos intervalos às vezes nos desencontrávamos, graças ao “minúsculo” tamanho do colégio! Contei a Maria sobre o antissocial, desde o primeiro olhar dele até o meu momento “observando o garoto”. Maria era totalmente o oposto de mim, fisicamente falando: alta, esguia e com ca-belos cor de mel e olhos castanhos que combinavam com sua pele azeitonada. Mesmo assim, ela era a única pessoa próxima que poderia me entender.

— Acho que devia falar com ele — ela concluiu. E acres-centou logo em seguida: — Ou não.

— Com certeza, não — retruquei, revirando os olhos. — Eu estou longe de querer levar um fora.

— Não custa tentar — ela me lançou um olhar desafiador.— Não sei — suspirei. — Talvez deva deixar como está.

Ele pode ter me olhado por coincidência.

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— Ou por estar interessado — sugeriu, dando-me uma cotovelada.

— Já chega. Tenho que ir. Até amanhã.— Ok. Mas pensa nisso, tá? — Ela forçou um abraço. —

Até amanhã.Eu segui meu caminho até minha casa e Maria foi para

a dela.Comecei a morar sozinha por questões familiares.

Meus pais se separaram e cada um seguiu seu rumo, sem cogitar a possibilidade de morar em Palmas, perto dos meus tios. Assim, meu pai ficou trabalhando em sua cidade e mi-nha mãe seguiu para o local em que nasceu, no interior de Minas Gerais, onde poderia ficar próxima à minha avó e a alguns parentes. Não era tão ruim morar sozinha, mas às vezes dava medo, apesar de sempre ver meus tios e primos, ter meus livros por perto nas noites de sexta e haver uma praça nova para conhecer na cidade, que sempre me sur-preendia, repleta de verde por todos os lugares.

Ao chegar em casa, encontrei tia Rose, esposa de tio Antônio, me esperando. Ela trazia em suas mãos uma vasi-lha que presumi ser meu almoço. Eu a cumprimentei e en-tramos. Ela abriu a vasilha: macarrão ao molho branco, que parecia pedir para ser devorado.

— Parece delicioso, tia!Ela sorriu maternalmente. Enquanto eu comia, tia Rose

ajeitava a casa sem que eu dissesse nada e me contava as novidades. Ângela estava grávida novamente e João, filho recém-nascido de Tamara, estava cada dia mais lindo. Silas finalmente pensava em se casar com Débora. O aniversário de um ano de Henri, filho de Ângela, se aproximava, e ela queria que eu fosse à festa de qualquer jeito.

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— Tia, eu tenho que estudar — tentei convencê-la.— Vai ser no sábado. Não tem que estudar no sábado —

ela argumentou.— Tudo bem — suspirei. — Se não tiver aula ou prova no

sábado, eu vou.Minha tia sorriu gratificada. Por volta das quatro da

tarde, ela foi para casa deixando meu cantinho totalmente arrumado. Não era grande coisa, mas era minha casa, meu lar. Subi para meu quarto e observei minha estante: com certeza precisava de uma nova organização. Retirei todos os livros e parti na quase impossível missão de arrumá-los novamente. Um dos últimos livros a ser colocado na estante — um dos meus preferidos, A culpa é das estrelas — deixou algo cair no chão. Então, coloquei-o na estante e me abai-xei para ver o que era. A rosa vermelha, seca e planificada. Segurei-a contra o peito, mas não senti nele o aperto. Foi então que percebi.

O sonho ainda estava em minha mente. Eu passeava de mãos dadas com o antissocial. Nós parecíamos estar juntos, tipo namorando. Eu nem sabia seu nome e estava sonhan-do com ele! Quando contei para Maria durante a penúltima aula daquele dia — que acabou sendo vaga, já que a professo-ra Aline, de Química, tinha faltado —, ela achou engraçado.

— Você devia falar com ele — sugeriu, sentando-se em minha mesa.

— Não — suspirei —, ele nem mesmo está aqui e eu pos-so ser simplesmente ignorada.

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— Você devia falar com ele — repetiu e apontou com o queixo para a porta. — Tipo agora.

Vejo o antissocial entrando na sala. Maria pulou de onde estava e, antes de seguir para sua mesa, sussurrou:

— O nome dele é Nicholas. Eu perguntei ontem. De nada.

Observei Nicholas caminhar até seu lugar. Ele estava com os fones de ouvido, o seu escudo contra todos, e o inse-parável casaco, mas seu olhar estava fixo em mim. O garoto colocou o celular e o fone em cima da mesa sem deixar de olhar para mim.

— Oi — murmurei.— Oi — ele sorriu.Desviei o olhar e fiquei sem palavras. Ele era comple-

tamente o Quentin… na verdade, o ator que o interpretava, mas valia. Quando olhei novamente, Nicholas estava con-versando com Enzo. Maria tentava disfarçar o seu enco-rajamento para que eu fosse até ele, mas sem sucesso, e a maioria da turma que estava na sala percebeu. Mesmo as-sim, levantei e parei ao lado de Enzo.

— Oi, Alice! — ele me cumprimentou, beijando minha bochecha.

— Oi — respondi, corando ao ver a reação de Nicholas. — Você é o Nicholas, certo?

— Sim — assentiu.— Já disseram que você parece o Quentin de Cidades de

papel? Na verdade, o ator que interpreta ele.Ele riu. RIU! Durante a maior parte do tempo, ele não

demonstrava qualquer emoção, e riu na minha cara! Como eu queria me esconder naquela hora.

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— Nunca ouvi falar desse cara — respondeu, sentou-se e continuou a conversar com Enzo.

Eu fiquei parada, como uma idiota. Todos viram meu mico com o antissocial. Com certeza, alguém iria se lembrar daquilo em algum momento ao longo do ano. Saí do tran-se quando a professora Fabiana, uma descendente de japo-neses, também conhecida como professora de Português, Redação e Literatura, entrou na sala.

— Sentem-se todos em seus lugares do mapa de sala! — praticamente gritou para a turma em desordem. — Hoje, o “Poema do Dia” é com a Alice.

Ah.Meu.Deus. Eu não havia escrito nada. A professora tinha o projeto de leitura de um poema por aula e cada se-mana escolhia um aluno. Eu tinha facilidade para escrever, mas a semana fora corrida e eu não escrevera nada. Sentei-me rapidamente e escrevi a primeira coisa que me veio à mente. Assim que chegou minha hora, peguei o papel todo riscado e rasurado e me posicionei à frente da turma. O olhar de Nicholas estava fixo em mim. Ele tinha os cotove-los apoiados na mesa e as mãos unidas, sustentando o quei-xo. Foi impossível não olhar para ele.

— O nome do meu poema é… Nicholas levantou uma sobrancelha, me desafiando.— … “Feitiço” — disse, e comecei a recitar.

Não sei quando foiNo olhar, no encara ou no oiEle lançou seu feitiçoE não sei o que fazer com isso

Ele teve suas decepções

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E eu luto contra as emoçõesEle usa um escudo para andarEntre esses todos loucos, sem parar

Não sei quando foiQue me tornei forte como um boiE ele, como um leão,Roubou meu coração

A turma aplaudiu, num misto de assobios e risadas. As rimas eram inesperadas e quase infantis, mas era o melhor que poderia ter feito naquele tempo. Nicholas não aplaudia, mas, por trás de suas mãos, vi um sorriso se formar.

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