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O GNERO REDAO NO PROCESSO DE LETRAMENTO DE JOVENS E ADULTOS

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O GNERO REDAO NO PROCESSO DE LETRAMENTO DE JOVENS E ADULTOSFreitas, Marinaide Lima de Queiroz UFAL GT: Educao de Jovens e Adultos / n.18Agncia Financiadora: CAPES

Este um trabalho de pesquisa de doutoramento Tese defendida em uma Universidade Pblica do Nordeste., que objetivou analisar as marcas da oralidade nas produes textuais dos alunos jovens e adultos em processo de letramento. Para tanto, utilizou-se um corpus de cinqenta e sete redaes dos alunos regularmente matriculados no Programa Alfabetizao Solidria PAS um Programa criado pelo Conselho da Comunidade Solidria que a partir de 1998, constitui-se em uma Organizao no-governamental - ONG, sem fins lucrativos e de utilidade pblica. A sua atuao d-se por meio da Associao de Apoio ao Programa Alfabetizao Solidria AAPAS, nos municpios brasileiros com altos ndices de analfabetismo entre jovens e adultos, principalmente na faixa de 15 a 19 anos, cujo trabalho de coordenao das atividades de alfabetizao, seleo e formao dos alfabetizados, do acompanhamento pedaggico, inclusive a avaliao de aprendizagem dos alunos ficou a cargo das universidades brasileiras pblicas e privadas., em uma cidade do Baixo So Francisco, no Nordeste do Brasil, existente no banco de dados em um Ncleo de Extenso e Pesquisa sobre Alfabetizao. O corpus foi selecionado aleatoriamente de uma amostra maior de duzentas e cinqenta produes que fizeram parte do concurso de redao, em 1998, proposto pela coordenao do programa em referncia, sediada em Braslia, que teve como tema: Como a alfabetizao melhorou a minha vida?A opo metodolgica foi por uma abordagem qualitativa da anlise documental baseado em Ludice & Menga (1996) e partiu do problema central de demonstrar que os fatores de coerncia e coeso so marcas de oralidade em produes escritas de alunos jovem e adultos em processo de letramento, fundamentada na teoria lingstica que defende a existncia de um continuum entre as modalidades oral e escrita, sem com isso negar as especificidades de cada uma.Essa teoria defendida pelos pesquisadores Marcuschi (1991, 2001), Abaurre (1991, 1992), Koch (1992a, 1992b, 1998) e Fvero (1999, 2000). Os seus estudos mostram que as modalidades oral e escrita so de naturezas diferentes, enfocando entre outros aspectos a questo da temporalidade e da espacialidade da fala e da escrita respectivamente. Outro ponto importante destacado pelos estudiosos a relao entre a oralidade e escrita na perspectiva do continuum dos gneros textuais Gneros textuais entendidos como uma noo propositalmente vaga para referir aos textos materializados que encontramos na nossa vida diria e que apresentam caractersticas scio-comunicativas definidas por contedos, propriedades funcionais, estilo e composio caracterstica (MARCUSCHI, 2002, p. 22)..A anlise em foco teve como pressuposto a seguinte assertiva: o modelo dos textos dos alunos, no processo inicial da escolarizao do texto oral. Nesse sentido Abaurre (1991, p. 11-2), explica que os primeiros textos escritos [...] no so exemplos verdadeiros e prprios da lngua escrita; eles podem ser definidos como escrita apenas no sentido de que foram realizados em espao grfico de uma pgina em branco. Sua estrutura preferencial , todavia, a da linguagem oral.Entende-se que a conseqncia da superioridade da escrita repercute fortemente no processo de alfabetizao de jovens e adultos, considerando que os alfabetizandos usam predominantemente, a oralidade, que faz com que sejam encarados como indivduos de segunda classe, por no terem o domnio da escrita. Compreende-se que faz parte do papel da escola, como uma das importantes agncias de letramento, o tratamento da lngua escrita, e por isso, preciso restaurar o equilbrio em relao modalidade falada, fato que a escola vem desconhecendo. Para Haverlock (1997, p. 18) um erro polariz-las, vendo-as mutuamente como exclusivas e complementa:

A relao entre elas tem o carter de uma tenso mtua e criativa, contendo uma dimenso histrica afinal, as sociedades com cultura escrita surgiram a partir de grupos sociais com cultura oral - e outra contempornea medida que buscamos um entendimento mais profundo do que a cultura escrita pode significar para ns, pois superposta a uma oralidade que nascemos e que governa dessa forma, as atividades normais da vida cotidiana. Essa tenso pode por vezes, manifestar-se como tendncia em favor de uma oralidade resgatada e, em outras ocasies - e contrariamente, como tendncia em favor de sua total substituio por uma sofisticada cultura escrita.

O que acontece a concepo das modalidades como estanques, e o seu ensino na Educao de Jovens e Adultos, permanece ainda baseado na linguagem padro, o que no reflete o seu real uso. o que nos lembra Marcuschi (2001, p. 8) na sociedade atual, tanto a oralidade quanto a escrita so imprescindveis. Trata-se pois, de no confundir seus papis e seus contextos de uso, e no discriminar os seus usurios. Para Neves (2001, p. 322) o que falta escola, em todos os nveis, inclusive no terceiro grau [...] considerar a linguagem em funcionamento, o que implica, em ltima anlise, saber avaliar as relaes entre as atividades de falar, de ler e escrever, todas elas prticas discursivas, todas elas em uso da lngua, nenhuma delas secundria em relao a qualquer outra, e cada uma delas particularmente, configurada em cada espao em que seja posto como objeto de reflexo [...].Neste estudo, priorizou-se as presenas da elipse e da reiterao enquanto fatores coesivos (KOCH, 1992b). E para demostrar a realizao da coerncia textual levou-se em considerao os seguintes fatores: os conhecimentos de mundo, os conhecimentos partilhados e as inferncias (KOCH e TRAVAGLIA, 1989). Com isso pretende-se refletir sobre a concepo dominante de linguagem, utilizada no processo de alfabetizao em EJA, pois um nmero significativo de alfabetizadores/alfabetizadoras, por desconhecer os processos de textualidade, afirmam que muitos textos produzidos por alunos jovens e adultos so incoerentes e/ou incoesos.Na questo dos elementos coesivos mencionados no pargrafo acima importante defini-los, para facilitar a compreenso. A elipse, que se constitui em um fator de coeso referencial, representada neste trabalho pelo smbolo (= vazio), para Halliday e Hasan (1976) uma marca coesiva de substituio por zero, pois ela omite um item lexical, um sintagma, uma orao ou todo um enunciado facilmente recupervel pelo contexto.Koch (1992b, p. 27) e Fvero (2000, p. 15) criticam os autores acima mencionados que definem a elipse como substituio por zero (0). Ambas entendem que no deve considerar a elipse parte; pois preciso lembrar, tambm, que existem tipos diferentes de elipse. Se muitas vezes, ela consiste simplesmente no apagamento de um termo ou expresso presente no contexto anterior (e ai se justifica a idia da substituio por (0), outras vezes ela tem uma funo (co)referencial e, nesses casos, entram em jogo todas as reflexes acima apresentadas a respeito da viso substitutiva de referncia (KOCH, 1992, p. 47-8).

Na sua classificao de marcas coesivas Koch (1992b, p. 46) inclui a elipse nas formas remissivas referenciais. Ela destaca que em portugus a elipse possui com freqncia o valor referencial.J Fvero (2000, p. 23) inclui a elipse na coeso referencial, fazendo parte da categoria substituio. Enfatiza que a elipse ocorre tambm na substituio por zero (0) de entidades j introdutrias no texto.Para ela, a substituio tende a aparecer substituindo qualquer elemento lingstico, embora costume limitar-se aos elementos que podem ser substitudos por intermdio de pro-formas. Quanto repetio afirma Koch (1998, p. 93) que ela tem sido tradicionalmente avaliada de forma negativa, uma vez que costuma-se criticar os textos em que aparecem como redundantes, circulares, mal estruturados, admitindo-se com isso o seu emprego, apenas, como recurso estilstico consciente, quando ela ento torna-se um ornamento do discurso; para Ferreiro e Moreira (2000a, p. 158) isso ocorre, sobretudo, no contexto escolar, onde do ponto de vista normativo a repetio controlada por regras coercitivas de proibio.Apesar dessas atitudes negativas Koch (1998, p. 93) enfatiza que a repetio est presente de forma constante na conversao cotidiana, em qualquer palestra ou discusso, em aulas e exposies em geral, na interao com familiares ou colegas. Para ela, trata-se de uma estruturao do discurso os textos que produzimos apresentam uma grande qualidade de construes paralelas, repeties da fala do outro e assim por diante. Ela justifica que gostamos de repetir provrbios, frases feitas, trechos de canes famosas, bem como de slogans polticos ou publicitrios, palavras, expresses ou enunciados inteiros pronunciados por artistas, em programas da televiso.Existe tambm a sacralizao das frmulas estereotpicas rituais (formulaicas) que a sociedade exige, sejam repetidas de forma idntica nas mesmas situaes, com sanes maiores ou menores para os casos de transgresses.Afirma Koch (1998, p. 94) que a repetio fundamental, tanto em situaes rituais ou em discursos altamente formalizados (ou formulaicos), como na interao cotidiana, por exemplo, em pares adjacentes como cumprimento, agradecimentos, despedidas, frmulas de cortesia em geral.Koch (op. cit., p. 94) diz que a repetio, alm de ser uma forma de aprendizagem (e de aprendizagem de lnguas em particular), ela constitui, segundo JOHNSTONJOHNSTON, B. Introduction. Text. 7 (3), 1987, p. 205-14. (apud KOCH, 1998, p. 94) em um meio de criar categorias: itens novos, desconhecidos, podem ser agrupados em categorias lingsticas e culturais subjacentes, ao lado de itens conhecidos, familiares, quando aparecem em frames repetidos do discurso. Em outras palavras, a repetio permite assimilar o que novo ao que j conhecido.E ainda apoiado em JOHNSTON (1987) Koch (1998) classifica as pesquisas sobre repetio em quatro grandes grupos:1. As que examinam a repetio enquanto mecanismo coesivo;

2.As que a estudam como recurso retrico;

3.As que se voltam para os efeitos semnticos, ou seja, procuram verificar de que modo os itens lexicais contguos repetidos afetam ao outro;

4.As que procuram demostrar a importncia da repetio na aquisio da linguagem, na socializao lingstica e no ensino das lnguas.

Desses enfoques, interessa-nos em especial, o primeiro. Marcuschi (1992) cita estudiosos dessa linha de pesquisa, por exemplo, Halliday & Hasan (1986)HALLYDAY, M.K. & R, HASAN. Cohesion in English. London. Logman, (1986). e a maioria dos lingistas de texto como Hawerg (1986)HARVEG, Roland. Wiederbolung lexikaliscber elemente und texkonstituition. In. W.W. HEYDRICH/J.S.RETOFI (EDS.). Aspekte der Kohaerenz von Texten. Haumberg. Buske, 1986, p. 16-41., Ochs (1979)OCHS, Elionor. Transcription is Theory. E, Ochs et alii. 9eds.Developmental Pragmatics. New York. Academic Press, 1979, p. 252-68. e Tannen (1987 e 1989)TANNEN, d. Repetition in coversation: Toward a poetics of talk. Language, 1987, p. 574-605 e Talkin voices: repetition, dialogue, ande imagery in conversational discourse. Cambridge University Press, 1989.. No Brasil temos Bessa Neto (1991) BESSA NETO, Regina. A repetio lexical em textos narrativos orais e escritos. Dissertao, UFMG, Belo Horizonte, 1991,235pp. mimeo. e Koch (1989 e 1991)KOCH, Ingeadore Villaa. A coeso textual. So Paulo: Contexto, 1989 e Reflexes sobre a repetio. IEL, UNICAMP, Campinas, 1991, 6p.. Nossa teoria baseada nos estudos desta ltima pesquisadora. Para Koch (1998, p. 95) impossvel a existncia de textos veiculadores exclusivamente de informao nova, j que, para a ancoragem da informao desconhecida, faz-se necessria a co-contextualidade dada, que precisa ser repetida por diversas vezes no desenrolar do texto. Assim sendo, a repetio deve ser vista como um mecanismo essencial no estabelecimento da coeso textual. Em termos de coeso referencial, a estruturao das cadeias coesivas faz-se justamente por meio de recursos reiteradores, de ordem gramatical ou textual. Por outro lado, em se tratando de coeso seqencial, suas modalidades frsticas e parafrsticas, verifica-se que a ltima se realiza sempre atravs de um tipo de recorrncia :a)repete-se um mesmo item lexical;

b)do mesmo tempo verbal;

c)da mesma estrutura sinttica (paralelismo);

d)dos contedos semnticos similares (parfrase);

e)e dos elementos fonolgicos segmentais e prosdicos, como fonemas (aliteraes/assonncias), grupos de fonemas e ritmos padronizados TannenTANNEN, D. Repetition in conversation as spotaneous formulacity. Text 7 (3), 1987. p. 215-43. (apud KOCH, 1998, p. 96).

Em relao coerncia demarcou-se quais os pontos textuais especficos que no foram evidenciados, mas providenciados pelo leitor. Para tanto, no estabelecimento das relaes de sentidos entre segmentos textuais utilizou-se dos conhecimentos pessoais de mundo; das prticas socioculturalmente partilhadas e das inferncias que esto presentes em qualquer discurso ou texto, tanto na modalidade oral quanto escrita sem, contudo, desprezar os demais fatores que contribuem para a tessitura do texto.Em outras palavras, utilizou-se dos conhecimentos do mundo, dos conhecimentos partilhados e das inferncias para compreender ativamente, segundo Bakhtin (1992), o que o alfabetizando, o outro, quis dizer. Pois a interao entre os sujeitos somente pode ser factvel se houver as condies mnimas acima descritas que permitam a interpretao.Desta forma, deu-se nfase ao que dito e ao que est implcito. Registrou-se que a coerncia entendida como algo que se estabelece na interao, na interlocuo, numa situao comunicativa entre dois usurios, dando sentido ao texto para os usurios, devendo ser visto como princpios de interpretabilidade (KOCH & TRAVAGLIA, 1989, p. 11).Os sujeitos objeto deste estudo, situam-se na faixa etria entre 14 e 59 anos e, em maioria, pertencem ao sexo masculino, so casados, vivem da agricultura, recebem em mdia o equivalente a meio salrio mnimo, que contribui para a complementao da renda familiar. Eles so filhos de pais analfabetos, e quando crianas, foram excludos do ensino fundamental, onde passaram aproximadamente trs anos e no avanaram da primeira srie. A escola que freqentaram lhes ofereceu um estudo no qual passaram anos, no dizer de Antunes (2000, p. 14) procurando dgrafos, separando slabas, sublinhando palavras, decorando coletivos, escrevendo frases, fazendo cpias e tantas outras atividades que s se justificam no domnio interno da escola. Dessa forma a leitura sem utilizar blocos maiores torna o texto ilegvel (KLEIMAN e SIGNORINI, 2000).Depois de tentativas de escolarizao os sujeitos pesquisados envolveram-se no trabalho agrcola, uma ocupao no-qualificada, predominante na regio o que lhes exigem pouca ou nenhuma habilidade de leitura e escrita, e portanto, so considerados de acordo com o critrio do Instituto Brasileiro Geografia e Estatstica IBGE, analfabetos funcionais Analfabetas funcionais so pessoas que passaram pelo processo de alfabetizao e regrediram, no respondendo s demandas sociais de leitura e escrita. Os dados mostram que os pesquisados em sua maioria j sabem assinar o nome e que a escola que freqentaram foi o nico local que tiveram contato com a escrita de forma freqente. Todos j se defrontaram em situaes consideradas embaraosas como aquelas em que se exigem o preenchimento de formulrios, a escrita de carta, lidar com receitas culinrias e mdica, ler bulas de remdios, identificar preos de mercadorias e placas indicativas, dentre outras. Com a falta de incentivo para permaneceram no campo, essas pessoas buscam o centro urbano mais prximo, mas retornam novamente ao campo, com uma aspirao muito limitada de apenas aprender a ler e escrever para saber mais. como Signorini (2000, p. 44) explica:

[...] esse estar entre o rural e o urbano, o tradicional e moderno, a misria e o consumo, o oral e o escrito, que caracteriza a maioria desses migrantes, tem inmeras implicaes. Tanto de ordem psicossocial e afetivo, quanto poltico-ideolgico. Alm de acentuar a ausncia de auto-estima e contribuir para aumentar o sentimento de impotncia que geralmente caracteriza todo jovem e/ou adulto socialmente marginalizado, esse estar entre tende tambm a favorecer a afirmao de valores e de atitudes nem sempre compatveis com os exigidos pela sociedade urbana industrial como pela escola.

Esses dados integraram-se ao conjunto de vivncia partilhada pelos elaboradores de textos candidatos ao concurso e ajudaram na interpretao das suas produes textuais. assim que se constituiram esses informantes, como participantes do trabalho de construo da linguagem, operando com e sobre ela, transformando-se em sujeito, conforme Possenti (1988, p. 49 ).

que, parece, no se podem conceber as possibilidades virtuais de um lngua como apenas dada aos falantes, marcados para a execuo de um determinado ato. Deve-se conceber a atividade do falante no como atividade de apropriao porque a partir deste conceito, fica excludo o fato de que o locutor age tambm sobre a lngua, j que pe em evidncia apenas a ao entre e sobre os interlocutores atravs da lngua.

A partir disso, enunciou-se que o conceito de lngua nesta pesquisa foi compreendida como trabalho (ou atividade), elaborado pelos indivduos, com e sobre a linguagem, pois nesta atividade que o sujeito constitui-se enquanto tal, e exatamente por esta atividade reconhece Possenti (1988, p. 49).O gnero redao que fez parte do concurso, constitua-se em uma realizao anual do PAS, desde 1997, que se caracterizou como uma avaliao final, aps o aluno jovem e adulto passar pelo processo de alfabetizao de cinco meses, o que ganhou pioneirismo, com os objetivos de:1.Valorizar o alfabetizando como agente principal no processo de alfabetizao;

2.Estimular e identificar os alfabetizados que se destacaram no Programa Alfabetizao Solidria (PAS), premiando-os no Concurso Nacional de Redao;

3.Difundir o Programa, bem como as redaes premiadas dos alfabetizados, os professores-alfabetizadores e as Instituies de Ensino Superior (IES).

O concurso realizado mediante a elaborao de uma redao, utilizando a modalidade escrita, sobre um dos trs temas que foram sugeridos nacionalmente e publicado pelo rgo promotor, a Associao de Apoio ao Programa Alfabetizao Solidria (AAPAS), em regulamento especfico do concurso em foco. Ele envolve apenas os alunos formalmente matriculados nos municpios participantes do Programa. No ano de 1998 eram quatrocentos municpios, espalhados por todo Brasil.A redao que um gnero textual de domnio Quando falamos em domnio, estamos nos referindo aos domnios discursivos que constituem prticas discursivas dentro das quais podemos identificar um conjunto de gneros textuais que s vezes, lhe so prprios (em certos casos exclusivos) como prticas ou rotinas comunicativas institucionais. Esses domnios no so textos, nem discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante especficos (MARCUSCHI, 2002, p. 23-4). escolar, foi o foco central deste trabalho, sendo que o corpus analisado composto de texto elaborados pelos alunos que fizeram parte do projeto-piloto do Programa em referncia, que inicialmente contemplou no todo, apenas, trinta e oito municpios com ndice de analfabetismo superiores a 55% da populao de faixa etria dos 15 aos 19 anos, conforme o Documento Alfabetizao Solidria (1997, p. 2). Em seu processo constitutivo, o concurso envolveu as seguintes fases:1. Uma prova de redao, que passa pelo coordenador da Instituio de Ensino Superior (IES) responsvel pelo municpio, que tem a funo de selecionar as melhores, dentre aquelas inscritas no perodo fixado pelo regulamento;

2.Anlise pela comisso de triagem que seleciona os melhores trabalhos encaminhados pela coordenao da IES, escolhendo no mximo 30 redaes. Essa comisso formada por alunos de graduao e ps-graduao do curso de educao das instituies envolvidas;

3.Anlise pela comisso nacional composta segundo o regulamento do concurso, em seu Captulo VII, Art. 16 (1998, p. 2) por personalidades nacionais ou indivduos de notrio saber na questo social e educacional no Brasil que tm a funo de, dentre as 30, escolher as 3 melhores.

Como exigncia para a realizao, o concurso requereu a presena do examinador, materializada na pessoa do(a) alfabetizador(a), em tempo limitado, espao dividido com os colegas concorrentes, dentre outras.De acordo com a regulamento, para o julgamento, foram considerados os itens: desenvolvimento da idia em relao ao tema, criatividade e originalidade do texto. Os vencedores so premiados com medalhas comemorativas, colees de livros e materiais didticos, assim como seus respectivos alfabetizadores municipais.Embora no esteja explicitada nas documentaes encaminhadas pelo Programa para a divulgao nos municpios, considero-se que a prova de redao proposta teve dois aspectos fundamentais: o primeiro diz respeito capacidade de sua elaborao, essa prova um exerccio de produo de texto; o segundo diz respeito correo lingstica, o candidato-aluno est diante de uma situao onde vai ser avaliado quanto sua capacidade de produo exercitada num perodo de cinco meses, tempo em que freqentou a Alfabetizao Solidria, a partir de sua opinio sobre um projeto desenvolvido pelo governo federal.Isso requer que o candidato ter de ter um desempenho decisivo e ter de realizar um grande esforo de auto-superao, pois no basta fazer uma excelente redao em relao aos colegas concorrentes, mas preciso fazer a melhor prova para ganhar o concurso. A redao dirigida a um interlocutor no ntimo, pois so estabelecidos laos discursivos com o poder, no caso com o governo federal.Esse concurso foi objeto de muita ateno por parte dos municpios onde o Programa atua e teve duplo desafio. O primeiro, que diz respeito ao aluno, que o instrumento avaliativo representou para o concorrente, o sonho de considerar-se alfabetizado, numa solenidade nacional comemorativa da Semana da Alfabetizao, no ms de setembro, quando recebe a premiao. Isso, tem a dimenso de um rito de passagem, atravs do qual o aluno jovem e/ou adulto atinge a categoria de alfabetizado e ser socialmente integrado.Sabendo que ler e escrever so duas prticas sociais que segundo Marcuschi (1991, p. 31), so tambm bsicas [...] em todas as sociedades letradas, independente do tempo mdio com elas despendido e do contingente de pessoas que a praticam [...] uma habilidade que recebe irrestrita aprovao social e institucionalmente incentivada, com status de virtudes, carter normativo e prescritivo.O segundo desafio referiu-se ao PAS, responsvel pela concepo e elaborao da temtica, impregnada fortemente de carga ideolgica, que lhe atribuiu o papel mgico de felicidade e de julgamento final, pois objetivou politicamente a consolidao nacional de um trabalho de alfabetizao. O contexto de produo segundo Bronckart (1999, p. 93) pode ser definido como um conjunto dos parmetros que podem exercer uma influencia na forma como um texto organizado. Dessa forma foram envolvidos os aspectos fsico e social do evento redao e adaptou-se proposta que foi utilizada por Corra (2004, XVI - VII) nos seus estudos, assim expressa: um canditato-escrevente que se constitui no candidato-aluno do PAS; audincia (pblico), pais, professores, coordenadores, colegas, amigos, vizinhos; um tpico (tema), um assunto para ser tratado, no caso especifico a temtica: Como a Alfabetizao Melhorou a Minha Vida?; o local de tomada, a sala de aula do PAS, com os colegas concorrentes; tempo de durao (momento de produo) da aula do dia, portanto, limitado em duas horas, com a presena do alfabetizador sendo o trabalhado individual; o canal; a escrita; o cdigo, registro formal da linguagem; a forma de mensagem, dissertao, a chave: a avaliao da qualidade da produo; o propsito (objetivo), ser convincente junto s comisses julgadoras; o destinatrio (receptor, interlocutor), as comisses local e nacional do Programa Alfabetizao Solidria (PAS), personificada nos seus participantes julgadores.O contorno acima que se constitui na organizao do evento Evento de letramento entendido como uma atividade que tem texto escrito envolvido seja ser lido ou para se falar sobre ele. de letramento redao, requereu do alfabetizado um tipo de conhecimento institucionalizado, por mais que possa estar inserido o conhecimento de mundo do escrevente.A seguir um exemplo de anlise, que fez parte do corpus estudado. Inicialmente destaca-se a estrutura do texto e em seguida as ocorrncias que nos permite mostrar uma inter-relao entre o oral e o escrito. L 1 => bem Pra mimaL 2 => minha escola i muito boaL 3 => quando eu No estudavaL 4 => eu No Sabia fazer nadaL 5 => mais agora eu j sei L 6 => faze um bucado de coisaL 7 => j sei fazer meu NomeL 8 => que eu No sabia Nem L 9 => meu nome mais agoraL 10 => j sei fazer Ento agradeo L 11 => voce que i uma ProfeuraL 12 => Nota mil quitera

O texto acima est estruturado em forma de poesia. As frases so distribudas em versos. Tem direcionalidade e apresenta segmentao das palavras, o que se atribui a esse aluno j ter passado pelo processo de escolarizao, pois segundo Rocha (1998, p. 4) a direcionalidade na escrita muito complexa, concluso que a autora chegou numa pesquisa realizada na Nova Zelndia, onde as crianas de 5 e 6 anos, mesmo depois de terem dominado esse princpio na leitura, permaneciam com dificuldades direcionais da escrita.O texto apresenta-se, aparentemente sem pontuao. Para Ferreiro (1996b, p. 150), h uma maneira de marcar aqui comea o texto e aqui termina anterior demarcao de espaos no interior dessa grande unidade. A maneira de marcar os limites variada. Maiscula inicial de texto e ponto final talvez o mnimo das alternativas possveis, j que, para o comeo, juntam-se outras alternativas possveis (ttulo e frmula de incio de uma narrativa), assim como para finalizar (a palavra fim) e acrescenta-se como mais uma possibilidade a assinatura do nome do autor. Outro ponto que merece ser enfatizado segundo Halliday (1990, p. 150), ao tratar da evoluo do sistema de pontuao, conta que no princpio, a escrita grega era uma fileira de letras sem espao e sem pontuao.Agrupando as ocorrncias encontramos:a)no campo ortogrfico confuso de uso de letras maisculas. no processo de inovao da escrita que se destingue sistematicamente as letras maisculas e minsculas (HALLYDAY, op. cit.). Outro ponto frisado que a oralidade no requer diferena entre letras maisculas e minsculas. Exemplo:

L6: Um bucado de CoisaL10: J sei fazer Ento agradeoL11: Voci que...L12: Nota mil...(trao formulaico frase feita - emprego de idiomatismo jargo).b)no campo fonolgico certos traos da oralidade so graficamente observados, no que diz respeito s vogais do grafema e por /i/ demonstrando as variaes que ocorrem na fala. Exemplos:

L2: minha escola i muito boaL6: um bucado de...L11: voci que i umac)palavras prprias da modalidade falada. Nos exemplos abaixo de marcadores conversacionais que no dizer de Fvero el alii (1999, p. 49) eles promovem a conduo e manuteno do tpico discursivo, instaurando a solidariedade conversacional entre os interlocutores na medida em que propiciam dinamismo e continuidade da interao. Lembra Koch (s/d, p. 2), que a coeso, principalmente na primeira e segunda sries, bastante prxima daquela da oralidade que os alunos j dominam antes de entrar na escola. A conexo entre enunciados faz-se por simples justaposio ou, ento, por meio de seqnciadores tpicos do texto oral como ento, dentre outros:

L1: bem pra mimL10: j sei fazer Ento agradeod)No fragmento abaixo a repetio dos termos parece ocorrer para dar continuidade ao tpico. Na viso de Marcuschi (1986), a repetio uma das atividades de formulao mais presentes na oralidade, podendo assumir um variado conjunto de funes:

L2: j sei fazer meu nomeL8 e L9: nem meu nomeEvidncias como essas podem auxiliar o(a) professor(a)-alfabtizador(a) da Educao de Jovens e Adultos a refletir sobre avaliao dos textos escritos dos alunos, no sentido de compreender a que coeso interna ao texto estritamente lingstica, sendo considerados os fatores gramaticais ou normativos, j a coerncia constri-se a partir do texto. O(a) professor(a) deve levar em conta fatores extratextuais, pois so eles que fornecem as condies de coerncia, que foram recuperadas no corpus analisado por meio do conhecimento partilhado, conhecimento de mundo e das inferncias, para poder melhor avaliar o aluno em processo de letramento.A pesquisa evidenciou que o estilo composicional das produes informal, aproximam-se das interaes e muitas marcam seus incios utilizando repeties confirmativas, tm excessos de repeties de idias e palavras, que chegam a exceder o necessrio para possibilitar a progresso temtica, at mesmo pela dificuldade dos alfabetizandos utilizarem recursos anafricos, de nfase ou explicao. So caraterizadas com integrantes do gnero primrio cotidiano que segundo Bakhtin (1992), emergem em situaes de produes mais simples e mais prximas da palavra falada, apesar de estarem materializadas na lngua escrita. Isto porque apresentam as marcas grfico-visuais que lembram a redao escolar somente no tocante ao cabealho, pois trazem a identificao da escola, a data, nome do(a) aluno(a) participante, o(a) alfabetizador(a) e o tema.

REFERNCIAS

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