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Caio Navarro de Toledo O Governo Goulart E o Golpe de 64

o Governo Goulart e o Golpe de 64

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Caio Navarro de Toledo

O Governo GoulartE o Golpe de 64

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Índice

Um governo no entreato golpista

O "golpe branco" ou "a solução de compromisso"

A crise político-institucional na versão parlamentarista

Um governo no trapézio

A politização da sociedade — esquerda e direita

mobilizam-se

O golpe político-militar

Conclusões

Indicações para leitura

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U m governo no entreato golpista

O governo João Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o signo do golpe de Estado. Se, em agosto de 1961, o golpe militar pôde ser conjurado, em abril de 1964, no entanto, ele deixaria de se constituir no fantasma — que rondou e perseguiu permanentemente o regime liberal-democrático inaugurado em 1946 — para se tornar numa concreta realidade.

No dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros resignava sem ao menos completar sete meses na Presidência da República. Na carta-renúncia — autêntica paródia e pastiche da carta-testamento de Getúlio Vargas, como observaram diversos autores —, Quadros não formulou uma única razão convincente para explicar e justificar o seu teatral gesto. Se, naquele momento, a denúncia do golpe janista soava como uma mera especulação, hoje restam poucas dúvidas a esse respeito. A rigor, a renúncia constituía-se no primeiro ato de uma trama golpista. Julgava o demissionário que os ministros militares não apenas impediriam a posse de João Goulart, como também procurariam impor, juntamente com o massivo e sonoro "clamor popular", o retorno do "grande líder". Na sua fantasia, Quadros voltaria, pois, nos "braços do povo".

As ilusões do renunciante, contudo, logo se desvaneceram. Nem os ministros militares e, menos ainda, as massas populares tomaram qualquer iniciativa no sentido de reivindicar a volta de Quadros. Em várias partes do país, os setores populares e democráticos sairiam às ruas para defender, isto sim, a posse de João Goulart, ameaçada por um arbitrário veto militar, plenamente respaldado pela UDN e demais setores conservadores. As manifestações populares, associadas com as de políticos democráticos e de militares nacionalistas, conseguiram impedir o golpe militar que se configurava em agosto de 1961.

Assim, com a diferença de poucos dias, duas tentativas de golpe se sucediam: a de Jânio Quadros e a dos setores militares. Três anos depois, tendo sido alcançada uma forte coesão ideológica no seio das Forças Armadas, os militares impuseram, juntamente com a significativa mobilização política das classes dominantes e de setores das classes médias, uma nova ordem político-institucional no país. Os setores populares e democráticos, a partir de então, pagariam um preço muito elevado pela resistência oferecida aos golpistas em 1961.

Foi, portanto, no entreato de alguns ensaios golpistas e de um golpe político-militar, plenamente vitorioso, que existiu o governo João Goulart. Nos seus dois anos e meio de vigência (setembro de 1961 a março de 1964), um novo contexto político-social emergiu no país. Este novo quadro caracterizou-se por uma intensa crise econômico-financeira, freqüentes crises político-institucionais, extensa mobilização política das classes populares, ampliação e fortalecimento do movimento operário e dos trabalhadores do campo, crise do sistema partidário e acirramento da luta ideológica de classes.

Este período da história política brasileira é significativo

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ainda pois nele se intensificam e se condensam alguns dos impasses e dos conflitos da democracia burguesa. Se entendemos que as contradições sociais são processos constitutivos da formação social capitalista e de seus regimes políticos, então o período de 1961/1964 deve ser visto como um momento privilegiado da vida política brasileira posto que nele ocorreu uma polarização política e ideológica com dimensões inéditas e com características singulares. Para os que vêem nos conflitos e nos antagonismos o sinal da desagregação social, os "tempos de Goulart" só podem ser encarados como trágicos "tempos do caos e da anarquia".

1964 é, pois, um marco divisor e uma referência obrigatória em qualquer avaliação sobre o passado recente. Decorridos menos de 20 anos da queda do regime liberal-democrático, não deixam de ser ainda conflitantes as interpretações sobre o período Goulart. A nosso ver, motivações antagônicas parecem estar presentes em algumas dessas interpretações. As esquerdas — não obstante reconheçam os reais avanços sociais e políticos ocorridos no período —, buscam, fundamentalmente, investigar as razões dos limites e das impossibilidades da democracia burguesa com características "populistas". A direita, ao definir os "tempos de Goulart" como a expressão acabada de toda a perversidade social (subversão, corrupção, crise de autoridade, desordem etc), procura justificar a implantação do regime autoritário e a perpetuação do poder de Estado militarizado.

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O "GOLPE BRANCO" OU"A SOLUÇÃO DE COMPROMISSO"

O veto militar

Com a renúncia de Jânio Quadros, o Congresso Nacional, reunido extraordinariamente no dia 25 de agosto de 1961, dava posse, na Presidência da República, a Ranieri Mazzilli (presidente da Câmara dos Deputados). Tal solução era encontrada em virtude de se encontrar ausente do país o vice-presidente da República, João Goulart.

Imediatamente, os meios de comunicação do país passavam a divulgar versões — cuja veracidade seria confirmada nos dias seguintes — segundo as quais haveria, da parte de expressivos círculos militares, uma forte oposição à posse constitucional de João Goulart na Presidência da República. As notícias iam mais longe: afirmava-se que os ministros militares não apenas desaconselhavam o retorno imediato de Goulart, como estavam decididos a detê-lo no momento em que pisasse o território nacional. Ao mesmo tempo que difundiam estas informações, vários jornais da chamada grande imprensa — expressando a opinião política dos setores conservadores das classes dominantes — conclamavam as Forças Armadas a assumirem um papel decisivo na crise política que se configurava com a renúncia de Jânio Quadros. Em outras palavras, tais setores estimulavam e apoiavam o golpe militar.

No dia 28 de agosto, através do presidente-interino, os três ministros militares buscaram impor ao Congresso a aprovação de uma breve nota onde — sem qualquer justificativa — era vetada a posse de Goulart. Por uma expressiva maioria, os congressistas manifestaram-se contra aquela arbitrária e ilegal exigência. No dia 30, os ministros militares voltariam à carga. Através de um manifesto à nação, agora se dignavam a explicitar as razões do veto a João Goulart. A certa altura, afirmava o documento: "Na Presidência da República, em regime que atribui ampla autoridade e poder pessoal ao chefe do governo, o sr. João Goulart constituir-se-á, sem dúvida alguma, no mais evidente incentivo a todos aqueles que desejam ver o País mergulhado no caos, na anarquia, na luta civil". Todas estas "previsões" eram feitas na base do passado político de Goulart. Na ótica dos militares e dos demais setores civis golpistas, Jango simbolizava tudo aquilo que havia de "negativo" na vida política brasileira: demagogo, subversivo e implacável inimigo da ordem capitalista. Seria o "diabo" tão vermelho como o pintavam?

Goulart: por um capitalismo "humano" e "patriótico"

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Nos primeiros anos de sua rápida trajetória política, os estreitos laços de amizade mantidos com o ex-ditador — seu vizinho de estância na longínqua São Borja (RS) — transformavam Goulart em figura altamente suspeita aos olhos dos setores antigetulistas. Como deputado pelo Rio Grande do Sul, eleito em 1950, Goulart sofreu contundentes ataques pela imprensa; esteve seriamente ameaçado de perder o mandato parlamentar, pois raramente compa-recia à Câmara Federal. Dedicava-se às suas tarefas de presidente do Diretório Estadual do PTB e, desde então, orientava toda a sua ação política em direção ao movimento sindical. Destacando-se neste tipo de atividade, foi escolhido, em 1953, por Vargas, para o cargo de ministro do Trabalho.

Foi um "deus nos acuda". Como admitir, num Ministério do Estado, indagavam os setores de direita e liberais conservadores, o "chefe do peronismo brasileiro", o "demagogo sindicalista", o "corrupto negociante"? Pior ainda, prognosticavam: controlando e manipulando a classe operária e as massas populares, a partir do Ministério do Trabalho, Jango se constituiria numa peça importante para o sucesso de um novo golpe de Estado que estaria sendo engendrado pelo "maquiavélico" Vargas.

Como ministro do Trabalho, Goulart é diariamente acusado de insuflar greves e de pregar a luta de classes. Seu maior sonho, afirmam ainda seus críticos, seria o de implantar no Brasil a "República sindicalista" nos moldes do justicialismo peronista. Fazendo blague, mas iradamente, um influente periódico das classes dominantes denunciava que Jango, ao invés de ser ministro do Trabalho, transformara-se num autêntico "ministro dos Trabalhadores"... Diante desta lamentação, a resposta de Goulart seria extremamente elucidativa. Numa entrevista, expressou com muita clareza a estratégia do Estado democrático-burguês quanto à questão sindical: "(...) essa confiança do proletariado na secretaria de Estado que dirijo deveria constituir-se num motivo de tranqüilidade (para os patrões), e nunca de alarme. Pretender-se-ia, talvez, que o operariado brasileiro, já tão desencantado, não acreditasse nos poderes constitucionais?" (grifo nosso).

Como herdeiro de imensa fortuna pessoal e grande proprietário de terras ("um latifundiário com saudável instinto de propriedade privada", como afirmou um de seus colaboradores), Goulart era, tal como seus críticos de direita, um fiel defensor do capitalismo. No entanto, asseverava ele, sua diferença em relação a estes residia na sua aspiração a um capitalismo mais "humanizado" e "patriótico"; ou seja, Jango dizia opor-se àquilo que hoje se con-vencionou chamar de "capitalismo selvagem". "Não passa de torpe intriga o boato de que sou contra o capitalismo. Ã frente do Ministério do Trabalho estou pronto a estimular e a aplaudir os capitalistas que fazem de sua força econômica um meio legítimo de produzir riquezas, dando sempre às suas iniciativas um sentido social, humano e patriótico."

Pouco mais de oito meses permaneceria no Ministério do Trabalho do segundo governo Vargas. Enquanto Goulart defendia publicamente um aumento de 100% para os trabalhadores que ganhavam salário mínimo, Vargas, através de seu ministro da Guerra, tomava conhecimento de um documento ("Memorial dos Coronéis") assinado

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por 81 oficiais do Exército. Nele se advertia o Exército e a Nação dos perigos do "comunismo solerte sempre à espreita", do "clima de negociata, desfalques e malversação de verbas", da "crise de autoridade" que solapava a coesão de "classe militar" etc. Em nenhum instante o nome de Jango era citado no "Memorial", mas a conseqüência da sua divulgação pela imprensa foi a sua imediata demissão do Ministério do Trabalho. (Entre os signatários do documento, redigido pelo então ten.cel. Golbery do Couto e Silva, estavam militares que, dez anos mais tarde, afastariam Goulart definitivamente da vida política brasileira: Amaury Kruel, Syzeno Sarmento, Sílvio Frota, Ednardo D'Ávila, Euler Bentes, etc.)

Como vice-presidente da República, durante o qüinqüênio desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, João Goulart não deixaria de estar sob o fogo cerrado da direita e de setores liberais-conservadores. No manifesto de agosto de 1961, os ministros militares alinhavam algumas acusações: "No cargo de vice-presidente, sabido é que usou sempre de sua influência em animar e apoiar, mesmo ostensivamente, manifestações grevistas promovidas por conhecidos agitadores. E, ainda há pouco, como re-presentante oficial em viagem à URSS e à China Comunista, tornou clara e patente sua incontida admiração ao regime destes países, exaltando o êxito das comunas populares".

Desta forma, na ótica dos políticos e militares, comprometidos com as ideologias liberal-conservadora e de direita, de nada adiantava Goulart reiteradamente afirmar a sua crença no capitalismo. Deixavam, pois, de reconhecer que a atuação política de Jango (seja na condição de ministro de Trabalho, seja na de vice-presi-dente) contribuía objetivamente para um melhor controle do Estado burguês sobre as atividades sindicais. Igualmente, aqueles setores deixavam de perceber que — tal como concebia e exercia suas funções políticas e administrativas — Jango era uma eficiente porta-voz, nos meios sindicais e populares, da ideologia populista do Estado protetor e "acima das classes". Obstinadamente reacionários e intransigentemente anticomunistas, não conseguiam deixar de representar Jango na figura de "perigoso agitador" e de "demagogo sindicalista".

A luta pela legalidade

Nem todos os setores sociais e políticos, no entanto, interpretavam nessa direção a trajetória política de João Goulart. Não viam, pois, razões para lhe negar o direito de assumir a Presidência da República. Ideologicamente, estes setores afinavam-se com o nacionalismo reformista, com a liberal-democracia, com a esquerda revolucionária. Governadores de estados, parlamentares federais e estaduais, sindicatos de trabalhadores, entidades de empresários (CONCLAP), estudantes e alguns setores militares, se manifestavam em defesa da ordem constitucional.

Dos governadores estaduais que declararam seu apoio à posse de Goulart (Carvalho Pinto, São Paulo; Ney Braga, Paraná; Mauro Borges, Goiás e Leonel Brizola, Rio Grande do Sul), foram estes

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dois últimos os que mais intensamente se empenharam na" "defesa da legalidade". Contudo, foi a partir de Porto Alegre que se unificou a oposição nacional ao golpe militar, em virtude da decidida ação política de seu governador e da adesão do III Exército, sob o comando do gal. Machado Lopes. Brizola mobilizou amplos recursos de seu estado, chegando, inclusive, a se dispor a distribuir armas à população civil para combater eventuais ataques das forças golpistas. Através das emissões da "Rede da Legalidade", acompanhava-se o desenrolar dos acontecimentos em todo o país e articulava-se o movimento antigolpista em nível nacional.

Militares nacionalistas (o mal. Lott fora preso por ter lançado um manifesto contra o golpe), altos-oficiais do Exército, organizações militares sediadas nos estados do Pará, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Goiás, Guanabara e até mesmo em Brasília, almirantes, associavam-se ao movimento contra a solução conspiratória. Apesar de proibidas e reprimidas, manifestações populares sucediam-se nos grandes centros urbanos (passeatas, comícios, panfletagem etc). Várias entidades de classe condenavam os golpistas e defendiam a posse de Goulart. Inúmeras greves políticas em diversos setores (têxtil, transportes, bancários, metalúrgicos, portuários, etc.) culminam numa greve nacional em "defesa da legalidade", deflagrada pelo Comando Geral da Greve (CGG), embrião do CGT. A UNE decretou "greve nacional"; na Bahia os estudantes criavam a Frente de Resistência Democrática.

A "solução de compromisso"

O Congresso Nacional, expressando o sentimento geral dos setores democráticos e populares, negava-se, no primeiro momento, a transigir com os golpistas. Contudo, os dois grandes partidos conservadores (UDN e PSD) articulavam, desde as primeiras horas da crise, a chamada "solução de compromisso": a emenda constitucional que instituía o regime parlamentarista no País. Se o golpe militar era derrotado, um golpe político, no entanto, era perpetrado contra o regime vigente, pois a carta de 1946 proibia, taxativamente, toda e qualquer reforma constitucional num clima insurrecional. Um outro significado deste "golpe branco" é que a emenda parlamentarista retirava a eleição do presidente da República do âmbito popular, transferindo-a para o espaço reduzido da Câmara Federal.

Por 236 votos a favor e 55 contra (40 eram do PTB), a emenda constitucional era aprovada no Congresso Nacional. Os congressistas julgavam-se vitoriosos, pois afirmavam ter evitado uma "guerra civil" no país. Na verdade, o Congresso, através de sua maioria conservadora e liberal-democrata — com o incentivo dos militares dissidentes e com a anuência dos golpistas —, adiantou-se em oferecer tal solução, pois o avanço das forças populares passava a se constituir numa ameaça política indesejável. Para os ideólogos burgueses da Ciência Política, o Congresso Nacional, neste episódio, dava uma excelente lição daquilo que denominam de "realismo político" ou da "arte de conciliação".

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Alguns analistas afirmam, hoje, que o parlamentarismo não se configurava, naquela conjuntura, como uma saída política inescapável. Argumentam que o tempo corria na direção favorável à manutenção do regime presidencialista, posto que o crescimento da participação popular e a ampliação dos setores políticos e militares antigolpistas punham na defensiva e em minoria as forças reacionárias. Como sugere o ex-deputado Almino Afonso: "Com mais alguns dias de resistência política do presidente João Goulart teria havido a solução normal, que seria a sua posse dentro do sistema presidencial". Ao contrario disso, João Goulart não apenas concordou com a emenda constitucional, como se apressou em esco-lher uma solene efeméride nacional para ser empossado. No dia 7 de setembro de 1961, João Belchior Marques Goulart recebia no Congresso Nacional a faixa presidencial, sob o manto do regime parlamentarista.

De acordo com a emenda parlamentarista, o Poder Executivo passava a ser exercido pelo presidente da República e por um Conselho de Ministros (Gabinete Parlamentar), a quem caberia a "direção e a responsabilidade da política do governo, assim como a administração federal". Ao presidente competiria nomear o presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro) ou chefe do governo e, por indicação deste, os demais membros ministros de Estado. Na verdade, transformava-se o presidente da República em autêntico chefe de Estado, perdendo a sua iniciativa de elaborar leis, orientar a política externa, elaborar propostas de orçamentos, etc. O governo se efetivava fundamentalmente através do Conselho de Ministros que, por sua vez, dependia permanentemente do voto de confiança do Congresso Nacional. A emenda constitucional nº 4, nas suas Disposições Transitórias, previa a realização de um plebiscito que viesse a decidir acerca da "manutenção do sistema parlamentar ou volta ao sistema presidencial". Tal consulta popular devia ocorrer nove meses antes do término do período presidencial de Goulart.

Sob rédeas relativamente curtas, João Goulart iniciava, assim, seu governo na versão parlamentarista. Mas, conforme confessaria a um assessor, faria ele de tudo para abreviar a vida do novo regime. Recusava-se a representar o papel de uma "Rainha Ehzabeth". Queria governar, não apenas reinar...

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A CRISE POLlTICO-INSTITUCIONALNA VERSÃO PARLAMENTARISTA

Na curta existência do regime parlamentarista (setembro de 1961 a janeiro de 1963), o país veria sucederem-se três Conselhos de Ministros, além de se defrontar com o agravamento de sua situação econômico-financeira e se debater ainda com novas crises político-institucionais. Administrativamente ineficiente e politicamente inviável, o parlamentarismo — sistema natimorto, como alguns o denominaram — teria os seus dias contados dentro da vida republicana brasileira.

Do ponto de vista econômico, o governo parlamentarista não apenas herdava as profundas distorções da política desenvolvimentista do governo Kubitschek como também tinha de fazer face às conseqüências imediatas das medidas econômico-financeiras postas em prática pela fracassada administração Quadros. No período Kubitschek, ao se optar por um elevado nível de investimentos e ao se manter as importações de equipamentos necessários ao desenvolvimento econômico, apelou-se para um pro-gressivo endividamento externo. No período 1956/60, mostram os dados oficiais, o déficit nas transações correntes (mercadorias e serviços) alcançou a elevada cifra de 1,2 bilhões de dólares. De outro lado, "como o investimento externo fazia-se com a regalia da Instrução 113, isto é, sem cobertura cambial, o atendimento do déficit fez-se, principalmente, através de empréstimos a curto prazo e de atrasos comerciais, aumentando o endividamento externo" (Cibilis Viana, Reformas de Base e a Política Nacionalista de Desenvolvimento). A taxa inflacionária elevou-se significativamente nos últimos anos do governo Kubitschek, agravada fundamentalmente pela "deterioração das relações de troca, acúmulo de estoques invendáveis de café adquiridos pelas autoridades monetárias; crescimento insuficiente da oferta de pro-dutos agrícolas e oligopolização do comércio atacadista de gêneros alimentícios" (Idem, ibidem). No período desenvolvimentista anterior, houve um acentuado descompasso entre o crescimento do setor industrial e o da agricultura. Ainda segundo o autor acima, "a produção agrícola apresentou a taxa anual média de crescimento de 4,3% inferior a de todos os demais períodos". Com o aumento da população urbana (75% entre 1952 a 1961) e um aumento do poder de compra dos assalariados em geral, houve, conseqüentemente, a expansão da demanda de alimentos. Com o insuficiente crescimento da produção agrícola para o mercado interno, passaram a ocorrer, a partir de 1961, agudas crises de abastecimento, gerando inquietações sociais e movimentos reivindicatórios de grande extensão nos campos e nas cidades.

Além desses problemas, o governo que se empossava tinha de enfrentar as graves conseqüências da reforma cambial precipitadamente realizada por Quadros. Através da famigerada Instrução 204 da SUMOC, instituiu-se o regime de liberdade cambial (enganosamente denominado de "verdade cambial"). A partir de agora, as importações passavam a ser realizadas a taxas de mercado

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livre, ficando suprimidos os subsídios governamentais às compras de petróleo, trigo e papel. Na justificativa oficial, buscava-se alcançar o equilíbrio das transações com o exterior, altamente comprometido no governo Kubitschek. A eliminação dos subsídios teve como conseqüência uma brusca e imediata alta do custo de vida, particularmente daqueles produtos que eram fundamentais no orçamento das classes trabalhadoras.

Um gabinete de "união nacional"

No dia 8 de setembro de 1961, o Congresso Nacional aprovava o primeiro Conselho de Ministros; era ele presidido por Tancredo Neves, conhecida figura do PSD mineiro. Goulart e Tancredo denomi-naram o gabinete de "união nacional". Uma vez mais, pois, a fórmula da "união nacional" era desenterrada do arsenal ideológico das classes dominantes a fim de encobrir a existência de conflitos e antagonismos no interior da conjuntura política. Na verdade, o primeiro gabinete representava uma nítida derrota do movimento popular que, alguns dias antes, havia empolgado o país. Como as esquerdas viriam a denunciar, tratava-se de um autêntico "gabinete de conciliação": "conciliação para evitar que fossem colhidos os frutos da vitória popular. Conciliação com os imperialistas, conciliação com os golpistas" (Paulo M. Lima, in Revista Brasiliense, nº 22).

A vitória das forças politicamente conservadoras do Congresso evidenciava-se mediante a composição do Gabinete, onde 4 ministros representavam o PSD e 2 a UDN; ao partido do qual o presidente da República era o presidente nacional, PTB, coube apenas uma pasta: o Ministério das Relações Exteriores, na figura de Francisco San Tiago Dantas. O importante Ministério da Fazenda teve sua respon-sabilidade entregue ao banqueiro Walter Moreira Salles — ideologicamente identificado com os manuais ortodoxo-conservadores em matéria de política econômico-financeira. Procurava-se, assim, conquistar o apoio do FMI e das autoridades financeiras norte-americanas.

Em matéria de política econômica, pode-se afirmar que "o programa do Conselho de Ministros obedecia aos mesmos princípios conservadores enunciados nos efêmeros governos Café Filho e Jânio Quadros, revelando-se, sob muitos aspectos, antagônicos ao ideário do nacionalismo desenvolvimentista" (Cibilis Viana, op. cit.). Segundo este programa, por exemplo, não se fazia nenhuma crítica à reforma cambial implementada pelo governo anterior. Não seria este, no entanto, o pensamento que orientava a assessoria econômica de Goulart (Goulart e Tancredo tinham assessorias distintas). Composta de petebistas e nacionalistas-reformistas, a assessoria de Goulart buscaria influir sobre a orientação conser-vadora do gabinete ao defender, por exemplo, o fortalecimento do setor estatal da economia. Nos seus primeiros pronunciamentos, Goulart faria críticas ao regime de "verdade cambial" e postularia a realização das Reformas de Base.

Embora majoritariamente conservador, o gabinete de Tancredo

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Neves, logo nos seus primeiros meses de existência, tomou duas decisões amplamente apoiadas pelos setores progressistas e nacio-nalistas. A rigor, contudo, estas duas medidas nada mais faziam do que concretizar estudos oriundos do governo Quadros. Por proposta do ministro das Minas e Energia, Gabriel Passos (um nacionalista quase solitário na "constelação entreguista" da UDN), o Conselho de Ministros cancelava todas as autorizações feitas ao truste norte-americano Hanna Corporation (companhia de mineração que explorava jazidas em Minas Gerais). A outra decisão que repercutiu favoravelmente nos meios progressistas do país foi o restabelecimento das relações diplomáticas com a URSS (rompidas no governo Dutra, em plena "guerra fria"). Dava-se, assim, continuidade à política externa independente cujos princípios básicos ("não intervenção de um Estado nos negócios internos de outro" e "autodeterminação dos povos") foram enunciados no governo do contraditório Jânio Quadros.

Exatamente dois meses depois, uma prova decisiva teria de enfrentar a política externa independente do Brasil. Em Punta Del Este, Uruguai, reunia-se a Organização dos Estados Americanos (OEA) a fim de debater a situação de Cuba, após seu governo revolucionário ter-se definido oficialmente pelo socialismo. Além da expulsão, proposta pelos EUA, pretendiam estes fazer aprovar sanções contra o governo presidido por Fidel Castro. O Brasil se opôs a qualquer forma de sanção (militar, econômica, rompimento das relações comerciais e diplomáticas) contra Cuba. No entanto, aprovou uma declaração onde se afirmava a "incompatibilidade entre um regime marxista-leninista e os princípios democráticos do sistema interamericano". Cedendo parcialmente às fortes pressões norte-americanas, o governo brasileiro se absteria na votação que propunha a expulsão de Cuba da OEA.

As relações norte-americanas/brasileiras sofreriam ainda um sério abalo quando, duas semanas após o encerramento da reunião da OEA, o governador Leonel Brizola, cunhado de João Goulart, de-sapropriou os bens da Companhia Telefônica Nacional, no Rio Grande do Sul, subsidiária da International Telephone & Telegraph (ITT). "O Departamento do Estado protestou, energicamente, classificando o ato de Brizola como um 'passo atrás' nos planos da Aliança para o Progresso (...) E o Congresso dos EUA, diante da perspectiva de outras estatizações, votou a emenda Hinckenlooper, que determinava a suspensão de qualquer ajuda aos países que desapropriassem bens americanos, sem indenização imediata, adequada e efetiva" (Moniz Bandeira, O Governo João Goulart).

Diante de futuras tentativas de encampações (Carlos Lacerda, governador da Guanabara, anunciou — demagogicamente — que expropriaria empresas estrangeiras em seu estado), o governo federal apressou-se em declarar sua disposição em negociar um acordo geral com as empresas de serviços públicos de propriedade estrangeira. Procurava, assim, o governo brasileiro demonstrar sua "boa vontade" face ao capital estrangeiro; ao mesmo tempo tentava limpar o terreno dos possíveis obstáculos que poderiam dificultar as conversações a serem mantidas, nas semanas seguintes, entre os presidentes do Brasil e dos EUA.

Assessorado pelo embaixador brasileiro nos EUA, Roberto

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Campos, e por Moreira Salles, o presidente Goulart — no discurso pronunciado perante o Congresso norte-americano e no comunicado conjunto dos presidentes do Brasil/EUA — procura tranqüilizar a opinião pública e os homens de negócios norte-americanos quanto aos caminhos a serem trilhados pelo governo brasileiro nos próximos anos. Entre outros temas, Goulart manifestou a adesão de seu governo aos "princípios democráticos"; defendeu enfaticamente a participação do capital privado estrangeiro no desenvolvimento brasileiro; aprovou o princípio da "justa compensação" nos casos de desapropriações de empresas estrangeiras operando no Brasil, etc. Embora revelasse preocupações quanto às dificuldades de execução do programa reformista da Aliança para o Progresso, Goulart elogiou a iniciativa de Kennedy (provocada pela Revolução Cubana). Advertindo sobre os perigos que representaria o fracasso deste programa para os "povos democráticos", o presidente brasileiro fez seu o ideário reformista de Kennedy: "Aqueles que tornarem impossível a revolução pacífica, farão inevitável a revolução violenta".

Apesar de todas as "juras de fidelidade e de amor" feitas por Goulart à democracia e ao capital estrangeiro, o país pouco lucraria com a festejada viagem de Goulart aos EUA e México. Como observou um estudioso: "(...) o FMI e os outros principais credores do Brasil voltaram à sua atitude de esperar-para-ver dos últimos anos do governo Juscelino. Sentiam-se pessimistas. Não confiavam em que Jango tivesse o desejo, nem o poder de continuar o duro programa antiinflacionário empreendido por Jânio" (Thomas Skidmore, De Getúlio a Castelo).

A campanha das Reformas. Goulart X Gabinete

Internamente, a viagem de Goulart aos EUA rendeu-lhe alguns proveitos; pela primeira vez, em toda a sua carreira política, a direita mais conservadora prestou-lhe homenagens. A UDN, através de seu líder na Câmara, Herbert Levy, saudou a sua performance nos EUA como a de um verdadeiro estadista. Porém, muito curto seria o período de tréguas que a oposição conservadora concederia ao governo de Goulart. A partir do dia 1º de maio, a guerra novamente lhe seria declarada.

Em reiteradas oportunidades, o presidente da República tinha se pronunciado acerca da urgência de o Executivo e de o Congresso aprovarem as reformas estruturais exigidas para a superação dos graves problemas econômicos, sociais e institucionais enfrentados pelo país. Não obstante se pudesse afirmar que era praticamente consensual — no Gabinete, no Congresso, nas Forças Armadas, nas associações e confederações rurais, na Igreja, nas organizações de trabalhadores rurais, etc. — o reconhecimento da necessidade da Reforma Agrária, as concepções acerca do seu sentido social e político, da sua extensão e das pré-condições legais à sua realização eram conflitantes. No seu discurso de 1º de maio, em Volta Redonda, Goulart chamou sobre si a fúria dos conservadores. Embora não explicitamente, Jango se opôs à forma moderada e

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conciliadora pela qual o gabinete de Tancredo Neves vinha encaminhando o debate do anteprojeto de Reforma Agrária de autoria do ministro da Agricultura, o conhecido usineiro pernambucano Armando Monteiro (PSD). Apesar de ter criado importantes assessorias técnicas (Superintendência da Reforma Agrária, SUPRA, e o Conselho Nacional de Reforma Agrária), o primeiro gabinete não chegou a enviar nenhum projeto de Reforma Agrária ao Congresso.

A rigor, o que provocou a violenta reação dos setores de direita foi o apelo do presidente ao Congresso no sentido de este realizar uma reforma da Carta de 1946. A reforma constitucional reivindicada por Goulart visava basicamente a alterar o § 16 do Art. 141 que condicionava as desapropriações de terra à "prévia e justa indenização em dinheiro". A vigência de tal preceito constitucional, na prática, impedia — pelos altos recursos a serem despendidos pelo governo — a realização de uma Reforma Agrária que implicasse uma ampla redistribuição de terras àqueles que nela efetivamente trabalhavam. Diante da proposta do presidente da República, unem-se proprietários rurais, setores da Igreja, congressistas liberais e conservadores, imprensa etc, para denunciar a "reforma agrária radical" cogitada, segundo eles, por Goulart. Na ótica desses grupos, a "revolução agrícola" deveria se fixar na "obediência aos preceitos constitucionais aliada ao interesse prioritário pelo estímulo à produção" (Aspásia Camargo, "A Questão Agrária", in Brasil Republicano).

Como observou a autora acima, o discurso de Volta Redonda pode ser considerado como um importante marco político: seja porque representou o primeiro esforço concentrado do governo em torno da realização das Reformas de Base (o segundo momento dessa campanha ocorreria a partir de abril de 1963), seja porque significou o afastamento político do presidente da República face ao Conselho de Ministros e ao regime parlamentarista propriamente dito. Reconhece-se, também, nessa data, o início da intensificação da luta pela antecipação do Plebiscito.

Sem o apoio do presidente da República, o Gabinete Tancredo Neves tinha os seus dias contados. Sob o pretexto de terem de cumprir a exigência legal de desincompatibilização funcional a fim de poderem concorrer às eleições de outubro de 1962, todos os membros do Gabinete Tancredo pediram demissão em junho.

As crises de Gabinete

A formação do 2º gabinete parlamentarista implicou uma complicada batalha política para o presidente Goulart. Os dois grandes partidos conservadores do Congresso, PSD e UDN, uniam suas forças para rejeitar o nome do petebista San Tiago Dantas, indicado por Jango para presidir o novo gabinete. As razões da recusa eram evidentes: San Tiago, que fazia parte da chamada "esquerda positiva", notabilizara-se, nos meses anteriores, pela condução da política externa independente. O febril anticomunismo da direita brasileira jamais poderia perdoar-lhe o reatamento das relações diplomáticas do Brasil com a URSS; igualmente, a sua

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intransigente oposição, dentro da OEA, a qualquer sanção contra Cuba socialista lhe valeria a pecha de "traidor da pátria", por parte dos setores conservadores. Além do mais, era um elemento da estrita confiança de Goulart, estando, pois, inteiramente solidário na luta que este movia contra o parlamentarismo e a favor das reformas de base.

Sendo forçado a buscar apoio no PSD, Goulart apresentou um outro candidato: Auro Soares de Moura Andrade, presidente do Senado. No entanto, esta decisão desagradou as lideranças sindicais comprometidas com a luta pelas Reformas e que, desde o mês de junho, vinham defendendo a formação de um "Conselho de Ministros nacionalista e democrático". Diante da negativa face ao nome de San Tiago e da eminente aprovação do Conselho de Ministros a ser chefiado pelo conservador Moura Andrade, o Comando Geral da Greve (CGG) decretou uma greve geral em todo o país para o dia 5 de julho. No dia anterior, porém, o senador do PSD desistia da sua indicação a primeiro-ministro. Apesar da renúncia de Moura Andrade e dos insistentes apelos de Jango, a greve foi mantida. Na Guanabara, estado onde se concentrou praticamente todo o movimento paredista, os militares do I Exército — sob o comando do general nacionalista Osvino Alves — colaboraram com os grevistas; não cederam veículos de seu uso para transporte público e também participaram das negociações para a libertação dos líderes sindicais reprimidos pela polícia do reacionário governador da Guanabara, Carlos Lacerda (S. Amad Costa, CGT e as Lutas Sindicais Brasileiras). A greve — considerada pelo líder comunista Jover Telles como a maior da história do movimento operário brasileiro — foi igualmente vitoriosa pelo fato de o presidente Goulart sancionar, uma semana depois, a lei que instituiu o 13º salário, uma das principais reivindicações da greve geral.

O novo gabinete, presidido por Brochado da Rocha (PSD), recebia voto de confiança no dia 13 de julho. Tratava-se de um gabinete de centro com orientação reformista. Nos seus dois curtos meses de existência, este conselho distinguiu-se basicamente por duas iniciativas políticas. A primeira consistiu num projeto de lei enviado ao Congresso visando antecipar a realização do Plebiscito; propunha-se o dia 7 de outubro, data marcada para as eleições da renovação do Congresso e escolha de alguns gover-nadores de estado. Nova derrota de Goulart e do gabinete; nova greve geral seria decretada pelas lideranças sindicais. Embora tivesse uma extensão menor do que a anterior, a greve foi igualmente vitoriosa pois, na madrugada de 15 de setembro (data fixada para a paralisação dos trabalhadores), o Congresso aprovou um projeto conciliador dos pessedistas Gustavo Capanema e Benedito Valadares. O Plebiscito, finalmente, tinha agora seu dia definido: 6 de janeiro de 1963. No entanto, a greve não reivindicava apenas a convocação do referendum popular; exigia, também, a sanção da Lei de Remessa de Lucros (aprovada pelo Congresso mas ainda não regulamentada pelo Executivo), a elevação dos níveis de salário mínimo na base de 100%, etc. Posto que o governo prometeu realizar estudos no sentido de atender àquelas reivindicações, o Comando Geral do Trabalhadores (CGT), recentemente criado, suspendia a greve.

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A segunda importante iniciativa do Gabinete Brochado da Rocha consistiu numa mensagem enviada ao Congresso na qual se solicitava a autorização deste para que o Conselho de Ministros pudesse legislar, através de decretos, sobre as Reformas de Base, remessa de lucros, regulamentação do direito de greve, abuso do poder econômico, etc. Expressando os interesses dos proprietários e das associações rurais, bem como da burguesia associada ao capital multinacional, a aliança PSD/UDN fechava a questão contra a "delegação de poderes" pedida pelo gabinete. Prevendo a iminente derrota no plenário do Congresso, Brochado da Rocha demitiu-se. Desta forma, o Congresso cedia quanto à convocação do Plebiscito, mas a sua maioria não abriria mão de sua condição de intransigente defensora dos interesses das classes proprietárias e dos setores politicamente conservadores e de direita. Uma vez mais, Brizola se encarregaria de expressar a insatisfação dos movimentos populares e das correntes políticas nacionalistas e de esquerda: "O povo não poderia esperar outra coisa de um Congresso constituído, em sua maioria, de latifundiários, financistas, ricos comerciantes e industriais representantes da indústria automobilística, empreiteiros e integrantes da velha oligarquia brasileira" (apud M. Victor, 5 Anos que Abalaram o Brasil).

A campanha do plebiscito

O terceiro e último Conselho de Ministros, presidido pelo ex-ministro do Trabalho, Hermes Lima, duraria pouco mais de 4 meses. A rigor, a partir de meados de setembro de 1962, o comando do Executivo passava praticamente para as mãos do presidente da República. Como viria a assinalar mais tarde o último premier do governo parlamentarista: "Vivia-se no país uma atmosfera mais presidencialista que parlamentarista" (Hermes Lima — apud M. Bandeira, op. cit). Nesse sentido, deve-se reconhecer que o Gabinete provisório — oficialmente empossado dois meses depois — estava inteiramente solidário com o mais importante objetivo político perseguido por Goulart naquele momento: articular as forças políticas e sociais do país a fim de derrotar o parlamentarismo na eleição plebiscitária de 6 de janeiro.

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Pode-se afirmar que este gabinete esteve inteiramente envolvido com a campanha do Plebiscito. Excluída a direita mais ardorosamente anticomunista e antijanguista (a maioria da UDN IPES/ IBAD, imprensa conservadora, etc), poucos "moveram uma palha" em defesa do parlamentarismo. Em contrapartida, inúmeras foram as entidades e organizações que se empenharam na batalha política pelo retorno do presidencialismo. Importantes figuras po-líticas nacionais (algumas delas particularmente interessadas em se candidatar, em eleições diretas, para a sucessão presidencial de Jango) apoiaram ostensivamente a derrubada do regime parlamentarista. Entre eles se incluíam Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola, Cid Sampaio, Magalhães Pinto, Juraci Magalhães e Carlos Lacerda (a UDN, partido dos três últimos, defendia a manutenção do parlamentarismo).

Durante a campanha do Plebiscito, importantes figuras da oficialidade militar posicionaram-se a favor da volta do presidencialismo. Poucas razões igualmente tinham os trabalhadores para apoiarem o regime parlamentarista. Nas últimas semanas de 1962, a CNTI (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria) conclamava os trabalhadores brasileiros a comparecer ao referendum: "Todos, no, dia 6 de janeiro de 1963, assinalem o NÃO: NÃO à espoliação do país; NÃO aos exploradores do povo; NÃO à carestia e à fome. Portanto, companheiro, um NÃO grande ao parlamentarismo". A rigor, para os trabalhadores, a luta pela retomada do presidencialismo significava, simplesmente, dar um "voto de confiança" ao presidente da República que vinha defendendo publicamente a realização de reformas fundamentais na estrutura da sociedade brasileira. No dia 6 de janeiro de 1963, depois de uma intensa e dispendiosa campanha político-publicitária contra o regime parlamentarista — comandada por Goulart e financiada por setores da burguesia brasileira —, cerca de 13 milhões de eleitores compareciam às urnas. Numa proporção de 5 votos para 1, rejeitava-se o regime implantado na crise político-militar de agosto de 1961.

O regime parlamentarista fracassou pois se revelou altamente ineficaz do ponto de vista administrativo, como também pelo fato de ter-se constituído numa fonte permanente de crises institucionais e políticas. O caráter híbrido e dualista do sistema — o presidente da República e o Conselho de Ministros, além de disputarem o controle do Executivo, divergiam quanto aos seus programas e prioridades de governo — dificultava a tomada de decisões que a realidade econômica e social do país urgentemente demandava. Não se sustentam, pois, aquelas interpretações que atribuem exclusivamente à "má vontade" ou ao "desinteresse" de Goulart a responsabilidade pela "triste sorte" que veio a ter o parlamentarismo no país. Ressalte-se que o gabinete presidido por Brochado da Rocha buscou agilizar as decisões no campo administrativo e econômico; mas as Reformas de Base e outras medidas que estavam previstas para serem implementadas esbarraram na intransigente oposição da aliança PSD/UDN. O Congresso que encerrava a sua legislatura em 1962, sendo majoritariamente conservador, constituiu-se, assim, num forte obstáculo ao

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encaminhamento de políticas de caráter reformista oriundas do Executivo (seja da Residência da República, seja do Gabinete).

Na crise político-militar de agosto de 1961, os dois maiores partidos conservadores apressaram-se em instituir no país um regime que lhes permitiria deter maiores possibilidades para o controle do Executivo. Como vimos, em certa medida, foram bem-sucedidos nesse intento, pois conseguiram impor limites e barreiras à ação do Executivo reformista — reconhecidamente mais eficazes do que aqueles tradicionalmente utilizados em regime presidencialista. No entanto, o parlamentarismo — forjado a toque de clarim e em ritmo marcial — não resistiu às inúmeras crises políticas que seu funcionamento provocou e não conseguiu resolver.

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U m governo no trapézio

No dia 23 da janeiro de 1963, com a revogação da emenda parlamentarista, João Goulart reassumia os plenos poderes que a Carta de 1946 conferia ao presidente da República. Após o malogro da experiência parlamentarista, todas as indagações políticas resumiam-se na seguinte: conseguiria o governo presidencialista de Goulart superar a crise econômico-financeira, aliviar as tensões sociais e afastar as crises políticas que vinham continuadamente desgastando a administração pública? Não seria exagerado afirmar que — entre os diferentes setores sociais — era praticamente consensual o reconhecimento de que da solução da crise econômico-financeira dependia fundamentalmente o encaminhamento satisfatório dos demais problemas que afetavam o país. As propostas que as diversas classes sociais e grupos políticos ofereciam para resolver os problemas da inflação, do déficit da balança de pagamentos, da continuidade do desenvolvimento econômico etc, não deixavam de ter orientações diferentes e, por vezes, antagônicas. A este respeito deve-se ressaltar que os tempos de Goulart constituíram-se em anos "extremamente férteis" na medida em que neles se processaram intensos debates sobre os rumos e direções que deveriam ser trilhados pela economia e sociedade brasileiras. Como observou um economista: "Ao contrário dos anos anteriores, em que reduzidas minorias controlavam a formulação política, nestes anos novos agrupamentos passaram a fazer ouvir sua voz no processo de decisão social. A política econômica não foi indiferente a este contexto social mais complexo" (Carlos Lessa, 15 Anos de Política Econômica) .

Como tende a ocorrer em todo regime democrático-burguês, o Executivo anunciava que o seu Plano de Governo tinha condições de resolver em profundidade os impasses e as dificuldades enfrentados pelo conjunto da sociedade brasileira. Essa ambiciosa proposta foi denominada de "Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico-Social: 1963-1965", tendo sido elaborada pelo economista Celso Furtado (ministro do Planejamento), com a colaboração de San Tiago Dantas (ministro da Fazenda). A concepção e a execução do Plano Trienal — bem como as reações dos diferentes setores sociais e políticos a ele — contribuem de forma significativa para entendermos o que foi o governo Goulart.

A análise da composição do primeiro ministério presidencialista, bem como o exame crítico do Plano Trienal, anunciavam muito expressivamente o estilo conciliador que iria predominar durante o governo Goulart — autêntico "governo de trapézio", segundo o julgamento de um jornalista político. No Ministério encontravam-se políticos conservadores do PSD (Antônio Balbino e Amaral Peixoto), petebistas do grupo "fisiológico" (San Tiago Dantas e José Ermírio de Moraes — um dos expoentes da chamada "burguesia nacional"), um petebista do "grupo compacto" ou "ideológico" (Almino Afonso), técnicos "apartidários" como Celso Furtado e militares "duros" como o gal. Amaury Kruel. Por outro lado, o Plano Trienal, na sua formulação teórica, julgava poder

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harmonizar e satisfazer interesses contraditórios — de patrões e empregados, de proprietários e trabalhadores assalariados. Quais os principais objetivos e propostas do Plano?

Plano Trienal: "combater a inflação com desenvolvimento"

Diante das duas mais importantes tendências do comportamento da economia brasileira no início dos anos 60 — "aceleração inflacionária" (37% em 1961 e 51% em 1962) e "desaceleração do crescimento"-(taxa de 7,3% em 1961 e 5,4% em 1962) —, o Plano trienal pretendia compatibilizar o combate ao surto inflacionário com uma política de desenvolvimento que permitisse ao país retomar as taxas de crescimento do PIB (em torno de 7%) alcançadas durante o período de 1957 a 1961. Como reconheciam os setores de esquerda, o Plano constituía-se num avanço em relação às teses ortodoxas dominantes, pois buscava combater o processo inflacionário "sem sacrifício do desenvolvimento". Paralelamente a estes dois obje-tivos principais, o Plano pretendia contribuir para uma melhor distribuição dos frutos do desenvolvimento econômico, juntamente com "a redução das desigualdades regionais de níveis de vida". Enfatizava, porém, o Plano Trienal, que se o processo inflacionário não fosse reduzido a limites toleráveis, o País — com uma iminente hiperinflação (prevista em 100% para fins de 1963, caso o plano de estabilização falhasse) — teria toda a sua atividade econômica paralisada e, conseqüentemente, passaria a ser o palco de perigosas lutas sociais.Tanto a análise feita pelo Plano sobre as causas do processo inflacionário, como as soluções ali apontadas, não deixariam de ser objeto de intensas polêmicas. Do lado do setor externo, admitiam as esquerdas que era correta a afirmação segundo a qual a inflação era provocada pela drenagem de recursos de recursos para o exterior (através da "deterioração das relações de trocas") e pela transferência de renda (na forma de subsídios governamentais) para o setor exportador. Contudo, os "remédios" propostos — "refi-nanciamento da dívida externa" e "entrada de recursos externos" para a amortização de empréstimos anteriormente contraídos — eram praticamente ineficazes como medidas antiinflacionárias; além do mais, amortizar dívidas com a entrada de capitais estrangeiros agravaria ainda mais o nosso endividamento no exterior. Para as esquerdas, o Plano constituía-se numa nova capitulação ao latifúndio e ao imperialismo: não se propunha a eliminação dos subsídios ao setor latifundiário-exportador nem se reconhecia o papel inflacionário representado pelas remessas ao exterior de "juros, lucros e royalties, e a entrega de enorme soma de recursos públicos às grandes companhias estrangeiras, diretamente e através de isenções de impostos e favores cambiais" (H. Hoffmann, "O Plano Trienal e a Inflação", in Estudos Sociais, nº 16).

Em relação ao setor público, a estratégia adotada para reduzir a pressão inflacionária consistia num "conjunto de medidas de ação convergente". Destacava, contudo, a "redução do dispêndio público programado" como o mais importante fator responsável pela inflação

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no País. Contra esta perspectiva, críticos à esquerda advertiam: "(...) o nível de gastos públicos não pode ser comprimido se se quer que a economia se desenvolva" (Paul Singer, Análise Crítica do Plano Trienal). Como se verá mais adiante, a realidade não deixará de dar razão a esses críticos.

Um plano antipopular e capitulacionista

Para o ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, o êxito da política econômico-financeira passava a depender da "compreensão geral das áreas oficiais e não oficiais" acerca da "dramática situação" que enfrentava o País. Era voz corrente, nos círculos oficiais, que "o País não suportaria, no momento, nem reivindicações salariais nem a pressão por maiores lucros, e as medidas que se adotam para evitar que à conjuntura desemboque num colapso financeiro devem ter a compreensão e a colaboração dos dirigentes das classes produtoras e dos sindicatos de trabalhadores" (Carlos Castello Branco, Introdução à Revolução de 1964). Na perspectiva do governo, nivelavam-se, assim, as "boas vontades": de um lado, a dos empresários que deveriam moderar, provisoriamente, o apetite por lucros crescentes; de outro, a dos trabalhadores assalariados, que deveriam deixar de pressionar — adiando, pois, suas greves e reivindicações — por salários mais elevados. Ora, bem se sabia que tais reivindicações visavam, sim-plesmente, recompor para a classe trabalhadora um nível de participação menos deteriorado na renda nacional. (Como mostrou um economista, a partir de 1958, com a única exceção de 1961, houve uma acentuada deterioração do salário mínimo real.) (Francisco de Oliveira, "Crítica à Razão Dualista", in Estudos Cebrap.) Apesar da sua formulação teórica não considerar os salários como fatores inflacionários, na prática, no entanto, o Plano pedia aos traba-lhadores — como sempre o fazem os planos de "salvação nacional" — "colaboração", "paciência" e "patriotismo". Mas, acima de tudo, que (novamente) "apertassem os cintos"...

O entusiasmo governamental começou a se esboçar em fevereiro e março, em virtude do apoio que o Plano recebia de associações das "classes produtoras" (a Confederação Nacional da Indústria, CNI), de governadores de estados etc; contudo, ele sofreria seus primeiros e fortes abalos com as críticas vindas de setores sindicais e das organizações políticas nacionalistas e de esquerda. Logo nos primeiros dias de fevereiro um manifesto do CGT revelaria que seria tormentosa a administração do presidente Gou-lart. Nesse documento combatia-se a política financeira do Plano Trienal, pois enquanto este deixava intactos os lucros fabulosos do capital estrangeiro, dos latifundiários e dos grandes grupos econômicos nacionais, impunha, por outro lado, maiores sacrifícios às classes populares e trabalhadoras. Um crítico de esquerda assinalaria: "(...) o Plano Trienal visa a combater a inflação sem reduzir o crescimento econômico do país, no que se manifesta, tipicamente, a inspiração da burguesia nacional. Do ponto de vista dos defensores do Plano esta seria uma razão suficiente para que

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os trabalhadores o apoiassem. A verdade é, porém, que esta não é uma razão suficiente, mas uma razão burguesa e, portanto, inacei-tável para os trabalhadores" (Jacob Gorender, "O Plano Trienal e o Combate à Inflação", Novos Rumos, fevereiro de 1963).

As críticas avolumaram-se e se intensificaram a partir do momento em que as conseqüências da política de eliminação de subsídios ao trigo e ao petróleo (uma das medidas prioritárias no combate à inflação) começaram a ser sentidas pelos setores popu-lares. Em fevereiro, calculou-se que o fim da política de subsídios aumentaria o custo do transporte em 40% e o preço do trigo e do pão em 177%. Nos três primeiros meses de 1963, o índice geral dos preços subiu 16%, enquanto no mesmo período de 1962 o índice de aumento foi de 8%. A condenação ao Plano, unânime por parte dos setores sindicais e populares e das organizações políticas de esquerda (CGT, PUA, FPN, UNE, "grupo compacto" do PTB, etc), iria ter repercussões dentro do próprio Ministério, na medida em que a "diretriz de Almino Afonso no Ministério do Trabalho, ao fortalecer as direções operárias mais independentes, como o CGT, PUA, etc, colidiu com os interesses de Goulart" (Moniz Bandeira, op. cit.). Do lado dos empresários (particularmente da poderosa indústria automobilística concentrada em São Paulo) havia "queixas generalizadas de falta de crédito". Diante das "violentas críticas" destes setores — encampadas pela própria CNI — haverá, no segundo trimestre de 1963, o relaxamento da política monetária que fará os meios de pagamento crescerem de 179,4 bilhões de cru-zeiros contra a expansão projetada de 74,1 bilhões, "o que afetou definitivamente o esquema do Plano Trienal" (C. Lessa, op. cit.).

Os aspectos antinacionais da política econômico-financeira do governo Goulart ficariam também evidenciados quando das conversações entre Brasil e EUA acerca da negociação da assistência econômica norte-americana e refinanciamento da dívida externa. Em março de 1963, San Tiago Dantas viajava a Washington com um forte argumento para convencer o governo norte-americano a fornecer assistência financeira ao Brasil: o Plano Trienal era a decisiva prova de que o País passava a se enquadrar dentro do receituário econômico-financeiro propugnado pelo governo dos EUA e pelo FMI. Mas- os EUA, além de exigirem um compromisso formal por parte do governo brasileiro de que o plano "não ficaria apenas no papel", impuseram ainda uma nova condição para a concessão do empréstimo solicitado: o governo Goulart deveria resolver com a máxima urgência a questão da desapropriação da AMFORP (American Foreign Power, subsidiária da Bond & Share). Duas cartas de Goulart foram entregues a Kennedy por intermédio de San Tiago Dan-tas: nelas o governo brasileiro comprometia-se a cumprir as duas exigências norte-ameri-canas. (Entre os políticos norte-americanos circulava a versão de que a chamada "ajuda externa" dos EUA era freqüentemente desperdiçada pela má administração aos governos latino-americanos. No caso brasileiro, deixava, pois, de ser informado que, "na verdade, o que ocorria não era uma transferência de capitais dos EUA para o Brasil e, sim, ao contrário, um escoamento de recursos do Brasil para os EUA". Entre 1947 e 1960 entraram (empréstimos e investimentos) US$ 1.814 milhões e "saíram no mesmo período.... US$ 2.459 milhões sob a

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forma de remessas de lucros e juros, deixando um saldo negativo da ordem de USS 645 milhões" que, "acrescidos de US$ 1.022 milhões, sob a rubrica Serviços, ou seja, remessas de lucros clandestinas, perfaziam um total de USS 1.667 milhões. Em suma, num período de 13 anos, um volume considerável de dólares foi transferido do Brasil para os EUA. Rigorosamente, exportávamos muito mais capitais do que recebíamos" — Moniz Bandeira, op. cit.)

Para tornar ainda mais complicada a situação do governo brasileiro nas negociações de Washington, um porta-voz do Departamento de Estado — baseado nos relatórios de Mr. Gordon enviados regularmente da embaixada norte-americana no Brasil — alertava a opinião pública de seu país sobre a "perigosa atuação de comunistas" dentro da assessoria técnica de Goulart. Apesar das duas cartas do governo brasileiro (onde se garantia o acatamento às exigências norte-americanas) e de uma solene declaração oficial que negava a existência de "esquerdistas" na assessoria governamental, os EUA aprovaram um empréstimo de apenas USS 84 milhões, prometendo USS 314,5 milhões para o ano fiscal de 1964, caso as medidas de contenção inflacionária fossem efetivamente aqui aplicadas; antes, contudo, deveriam elas ser aprovadas por uma comissão do FMI, cuja visita ao Brasil estava prevista para meados de 1963. Embora os "brios nacionalistas" do governo brasileiro fossem feridos — noticiou-se que San Tiago Dantas ameaçara abandonar as negociações com os EUA —, "razões pragmáticas" fizeram com que as imposições norte-americanas fossem aceitas, conforme se verificou através do acordo Dantas/ Bell.

O caso da compra da AMFORP — o "escândalo da AMFORP" como ficou conhecido na imprensa da época — transformou-se em grave problema político para a administração Goulart. Enquanto retirava os subsídios para o trigo e o petróleo e cortava alguns investimentos públicos, sob o pretexto de combater a inflação, o governo brasileiro anunciava, em fins de abril, que se ultimavam os entendimentos para a compra da AMFORP (que congregava 12 empresas de serviços públicos). San Tiago Dantas e Roberto Campos (que a esquerda nacionalista ironicamente chamava de "Bob Fields", por ser ele um "refinado entreguista") tinham acertado com os representantes da empresa norte-americana o valor da transação: 188 milhões de dólares. Na mesma ocasião, um grupo de trabalho integrado por técnicos brasileiros (CONESP) — dissolvido logo a seguir por Goulart — avaliava os bens da AMFORP em torno de 57 mi-lhões de dólares. Para os setores nacionalistas, estava-se diante de uma imensa negociata, pois, além do preço extorsivo, as 12 usinas norte-americanas estavam obsoletas, constituindo-se em verdadeiro "ferro velho". Tais denúncias tiveram ampla repercussão Política. Goulart recuou, protelando a realização da compra, para desagrado do governo norte-americano. (Em outubro de 1964, demonstrando eloqüente "boa vontade" para com os empresários e governo dos EUA, o governo do mal. Castelo Branco adquiria a AMFORP.)

O prestígio político de Goulart foi seriamente abalado neste episódio; inclusive os setores conservadores não lhe pouparam duras críticas, ao ser conivente com negociações que os grupos nacionalistas classificavam de autêntico "crime de lesa-pátria". O

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plano, antes de completar 6 meses de duração, inviabilizava-se política e economicamente. Nem os emprésários, nem os trabalhadores lhe ofereciam qualquer apoio. Em maio, o Ministério da Fazenda, diante das fortes pressões dos assalariados, tomava uma decisão inteiramente contrária às projeções do Plano, ao conceder um aumento de 70% aos funcionários civis e militares, quando estava previsto apenas 40%. De outro lado, como já foi mencionado, o governo — face às reivindicações de setores indus-triais — voltaria atrás em suas medidas de contenção do crédito.

O malogro do Plano se revelou de forma completa ao se proceder ao balanço do ano de 1963: nem desaceleração da inflação, nem aceleração do crescimento foram alcançadas. Houve, sim, inflação sem desenvolvimento. Razão, pois, tinham os críticos de esquerda quando — denunciando a retórica progressista do Plano — advertiam para os aspectos recessionistas, antipopulares e antinacionais das medidas concretas ali propostas.

As reformas: como garantir a propriedade e impedir a "convulsão social"

Outra batalha política que esteve em pauta durante todo o governo Goulart foi a das Reformas de Base (Agrária, Bancária, Administrativa, Fiscal, Eleitoral, Urbana, etc). Recorde-se que esta problemática fazia parte dos programas dos três gabinetes parlamentaristas e agora aparecia como um dos objetivos básicos do Plano Trienal. (Como se encarregavam de divulgar os confidentes e cronistas palacianos, Goulart queria notabilizar-se na história política do Brasil como o "presidente da Reforma Social".) Reconhece-se, no entanto, que a bandeira das Reformas passou a ser empunhada pelo governo, de forma mais enérgica, no período presidencialista, apenas a partir do instante em que se começou a perceber o malogro do Plano Trienal. Logo nos primeiros meses do ano, análises feitas pelas esquerdas não apenas denunciavam o "cozimento em água fria das reformas" — amplamente agitadas por Goulart durante a campanha do Plebiscito —, como também passavam a duvidar do conteúdo efetivamente transformador de que poderiam se revestir as propostas governamentais (Caio Prado Jr., Revista Brasiliense, nº 44). Qual seria, enfim, a perspectiva oficial acerca das Reformas de Base?

Assinala um sociólogo que, na visão dos governantes, "se não houvesse Reformas de Base (...) não se criariam as novas 'condições institucionais' para o desenvolvimento de outra etapa da economia brasileira" (Octavio Ianni, Estado e Planejamento Econômico no Brasil); significava isso — conforme o reconhecimento do próprio Plano Trienal — que as Reformas de Base eram indispensáveis, ao lado do planejamento, a fim de que o capitalismo industrial brasileiro pudesse alcançar um nível de desenvolvimento superior. Afirmava o Plano, por exemplo, que as reformas fiscal e agrária eram essenciais se se pretendesse a "eliminação de entraves institucionais à utilização ótima dos fatores de produção". Razões econômicas e sociais impunham a

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urgente realização das reformas, dentre elas a que mais debates provocou naquele período: a Reforma Agrária.

De um lado, era preciso aumentar a produção agrícola (alimentos que suprissem as demandas da população urbana em crescimento; matérias-primas para a expansão industrial etc), ao mesmo tempo que se buscava criar um mercado interno mais amplo para os bens manufaturados. De outro lado, prevendo-se situações incontroláveis de tensões e distúrbios sociais, propunha-se uma melhor redistribuição da terra (em mãos de um reduzido número de latifundiários e freqüentemente mantida de forma improdutiva). É exemplar a este respeito o testemunho de um dos mais íntimos colaboradores de Goulart, acerca da concepção que este defendia de Reforma Agrária: "(...) o que Jango tentava fazer não tinha nada de muito ousado nem de radical. Ele dizia sempre que, se o número de proprietários rurais fosse elevado de 2 para 10 milhões, a propriedade seria muito melhor defendida, e simultaneamente possibilidades maiores seriam abertas a mais gente de comer mais, de se educar melhor, de viver mais dignamente. Por isso é que Jango, latifundiário, queria fazer a Reforma Agrária para defender a proprie dade e assegurar a fartura, evitando o desespero popular e a convulsão social" (Darci Ribeiro, "Governo Goulart caiu por suas qualidades, não por seus defeitos", in A História Vivida II — O ESP, grifos nossos).

Apesar de não ter nenhum sentido revolucionário, correspondendo, pois, de um lado, às necessidades da consolidação do capitalismo industrial e, de outro lado, à estratégia da dominação social burguesa, a Reforma Agrária proposta por Goulart será objeto de intensa e constante oposição por parte dos proprietários rurais e seus setores políticos, de setores da Igreja Católica, etc. (Recorde-se que, no período parlamentarista, idêntica foi a reação desses grupos. A diferença estava no fato de que naquele momento Goulart não tinha ainda formulado oficialmente a sua proposta de Reforma Agrária e de Reforma Constitucional.) Tais setores não admitiam, por exemplo, a alteração dos preceitos constitucionais sob a alegação de que — caso isso viesse a ocorrer — corria-se o risco de ser invalidado o estatuto da propriedade privada no Brasil... Além do mais, conforme assinalou um historiador, as demais reformas propostas (eleitoral, educacional etc.) poderiam implicar a "alteração do equilíbrio político" e permitia até então a hegemonia das forças conservadoras e de direita, particularmente no Legislativo. A preocupação política maior das classes dominantes diante das possíveis mudanças no campo são ressaltadas por uma estudiosa: "Havia, sem dúvida, o incontrolável temor de se ver ingressar na cena política camadas sociais constituídas em 'clientelas políticas' que pudessem ser enquadradas, tal como o fora a classe operária com Getúlio Vargas. Tais temores eram, sem dúvida, realimentados pela aceleração da eclosão de conflitos rurais, que cada vez mais se orientavam para a ocupação de terras" (Aspásia Camargo, op. cit.).

Enquanto setores do PSD — apesar dos fortes compromissos do partido com os proprietários rurais — chegaram, num primeiro momento, a aceitar a discussão do anteprojeto do Executivo, a UDN fechava a questão contra qualquer alteração constitucional. Mas, a

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posição do PSD será outra a partir da Convenção da UDN realizada em abril de 1963. (Na cronologia do golpe de 64, esta reunião da UDN teve um papel decisivo: nela, ilustres figuras do partido defenderam a intervenção das Forças Armadas e dos EUA a fim de porem termo ao "comunismo legal" de Goulart.) Influenciado pelas manifestações das chamadas "bases" da UDN, o PSD recuará definitivamente face às suas primeiras conversações com o governo. Tal fato mostrou-se de forma evidente na votação da "emenda Bocaiúva" (emenda constitucional, apresentada pelo PTB, que buscava tornar financeiramente viável a Reforma Agrária). Por 7 votos (PSD, UDN e PSP) contra 4 (PTB e PDC), a emenda seria rejeitada na Comissão Especial da Câmara, no mês de maio. Em Plenário, a emenda foi derrotada, em outubro, graças à aliança PSD e UDN — após intensa mobilização dos proprietários rurais, comandados principalmente pela Confederação Rural Brasileira(CRB).

Como ainda observaria a autora acima, a partir do veto na Comissão Especial, os setores nacionalistas desencadeariam uma campanha de pressão nacional sobre o Congresso para a imediata aprovação das reformas. Através de comícios, passeatas, mani-festos, os setores nacionalistas e populares exigem "reformas já!", ao mesmo tempo que denunciam o reacionarismo do Congresso controlado pelo PSD UDN e pelo "milionário IBAD". (Brizola diria que o PSD e a UDN, ao exigirem o pagamento prévio e em dinheiro, tornavam a questão agrária em autêntico "negocio agrário".)

De outro lado, após ter sido batido na Comissão Especial, Goulart — apesar das fortes críticas vindas dos grupos nacionalistas e de esquerda — volta-se novamente para o PSD. Em busca de apoio, aceita mudanças no anteprojeto de Reforma Agrária do executivo, a fim de torná-lo "menos radical" e, assim, aceitável para o conservadorismo do PSD. Para isso, afastou toda a "assessoria gaúcha", vinculada politicamente a Leonel Brizola, que não concordava em fazer "concessões programáticas" no anteprojeto. Porém, serão infrutíferos os esforços do novo ministro da Justiça, Abelardo Jurema, figura de relevo do PSD, a quem foi atribuída a específica tarefa de articular a antiga aliança PSD/PTB. (Jurema sintetizaria a visão conciliadora do governo através de uma famosa frase: "O PSD sem o PTB irá para a reação; o PTB sem o PSD irá para a Revolução".) Idêntica missão foi confiada a Tancredo Neves (PSD) ao ser indicado líder da bancada do Governo na Câmara. Porém, o fosso entre o PTB e o PSD aprofundava-se na razão direta da aproximação deste com a UDN, os quais se alarmavam com a "agitação social", a "desordem" e a "comunização crescente do país" promovidas — segundo estes — por Goulart, pelo PTB e pelas "forças subversivas" (CGT, UNE, FMP, etc).

De outro lado, os setores nacionalistas e de esquerda, criticavam Goulart pela sua indecisão e indefinição em relação a uma série de medidas concretas de caráter nacionalista e popular que poderiam ser tomadas pelo governo, independentes de qualquer reforma constitucional. Entre essas medidas — algumas delas defendidas pelo próprio presidente em seus discursos — ressaltavam as seguintes: regulamentação da Lei de Remessa de Lucros (aprovada pelo Congresso, mas "engavetada" pelo Executivo); nacionalização das concessionárias de serviços públicos, moinhos, frigoríficos e

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indústria farmacêutica; intervenção no mercado de gêneros alimentícios; monopólio das operações de câmbio pelo Banco do Brasil; monopólio das exportações de café pelo IBC; ampliação do monopólio estatal do petróleo, etc.

Administrativamente pouco se realizava, pois o governo se consumia em sucessivas crises políticas. Como assinalavam os observadores políticos, havia — do ponto de vista administrativo — "uma pasmaceira geral contaminando todas as hostes governistas"; da mesma forma, o Congresso apresentaria em 1963 um dos seus períodos de maior improdutividade legislativa. Esta realidade dava munição aos setores de direita que alardeavam a "incompetência administrativa" do Executivo e a "crise de autoridade".

O isolamento e debilidade política do governo

A sucessão de crises políticas advinha das contradições em que se debatia o governo: ao mesmo tempo que agitava a bandeira do nacionalismo e das Reformas — solicitando, pois, o apoio das massas populares e dos setores políticos de esquerda — Goulart, por outro lado, protelava indefinidamente a realização de medidas populares, afastava colaboradores ideologicamente progressistas, combatia os setores independentes (não pelegos) do movimento sindical, condenava abertamente iniciativas políticas de esquerda (em abril de 1963, na cidade de Marília, SP, usou a típica linguagem de direita ao proibir um congresso "comuno-fidelista"). As concessões à reação não se reduziam a estes fatos, pois o governo reservava os cargos mais importantes da administração federal (particularmente aqueles responsáveis pelapolítica econômico-financeira) apenas para os representantes das classes dominantes, indicava também "duros" das Forças Armadas para estratégicos postos de comando e mantinha compromissos com o conservador PSD.

Sob a permanente desconfiança da direita e da esquerda, o governo Goulart acabaria isolando-se politicamente. A ambigüidade e a debilidade política do governo se mostrariam de forma definitiva no episódio do Estado de Sítio. No dia 4 de outubro, o presidente da República encaminhava ao Congresso mensagem solicitando a decretação do Estado de Sítio em todo o território nacional, pelo prazo de 30 dias. A justificativa do Ministério da Justiça esclarecia que o Executivo necessitava de poderes espe-ciais para impedir "grave comoção intestina com caráter de guerra civil" que punha em "perigo as instituições democráticas e a ordem política". Explicitamente eram indicadas algumas das situações in-ternas que perturbavam a ordem institucional: "manifestações coletivas de indisciplina" nas polícias militares de alguns estados; "sublevação de graduados e soldados" (Revolta dos Sargentos) que punha em risco a disciplina e hierarquia militares; as freqüentes reivindicações salariais que passavam a "ser fatores de agravamento da crise político-social" (na ocasião ocorria a greve dos bancários em São Paulo e o PUA anunciava a decretação de uma greve geral caso aquela paralisação fosse julgada ilegal por parte da justiça trabalhista) e, por fim, o fato de existirem governadores de importantes estados "conspirando contra a Nação".

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A ira de Goulart e de seus ministros militares voltava-se particularmente contra o governador da Guanabara que, em entrevista a um jornal norte-ameri-cano (Los Angeles Times), havia ridicularizado a autoridade do presidente da República, além de insinuar que os militares brasileiros estavam confusos e desorientados diante de uma administração inteiramente "desastrosa" para o país. Coerente com a "vocação golpista" de seu partido, Carlos Lacerda conclamava o Departamento de Estado a deixar de lado sua "passividade" face à grave situação em que se encontrava o Brasil, presidido por um "totalitário à moda sul-americana" e que "descambava para a esquerda". Não havia dúvida de que o Estado de Sítio objetivava, imediatamente, a intervenção na Guanabara e a conseqüente derrubada do conspirador-mor da UDN. (Carlos Lacerda afirmaria, posteriormente, que havia escapado, naqueles dias, de um atentado por parte de um comando pára-quedista a mando de Goulart. Embora a denúncia fosse negada por oficiais militares, a UDN e o PSD conseguiram aprovar a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito a fim de apurar a denúncia de Lacerda.) Logo a seguir, caso manifestasse solidariedade ao seu aliado da Guanabara, poderia "rolar a cabeça" do governador de São Paulo, Adhemar de Barros — acusado de fornecer armas (contrabandeadas da Bolívia) a grupos paramilitares ("milícias patrióticas"). Mas, indagavam os setores de esquerda: quem garantiria que Miguel Arraes também não fazia parte da "lista de saneamento" elaborada pelos militares, com a inteira complacên-cia de Goulart? Idêntica pergunta faziam as lideranças sindicais e populares de todo o País acerca do destino que viriam a ter as organizações em que militavam.

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Embora por razões distintas, todos os grupos políticos e associações de classe — à direita e à esquerda — opuseram-se à concessão do Estado de Sítio (apenas os setores "pelegos" do movimento sindical e fração do PTB tradicionalmente fiel a Goulart tentaram o apoio inútil à medida de força). Os setores nacionalistas e de esquerda viam no Estado de Sítio uma grave ameaça às liberdades democráticas e aos movimentos progressistas. Afirmava, por exemplo, uma nota do CGT: "Somos, por princípio, contrários ao Estado de Sítio porque entendemos que a manutenção e ampliação das liberdades democráticas são meios insubstituíveis e necessários às lutas contra os inimigos do Brasil e aos interesses da povo". A direita, por seu lado, via no Estado de Sítio uma tentativa de golpe tramada por Goulart a fim de permanecer no poder, tal como o fizera Getúlio Vargas em 1937. Diferentemente da ditadura estadono-vista, estaríamos, então, face a uma "ditadura esquerdizante", proclamavam os setores de direita.

Quem dará o golpe?

Nos meses seguintes ao frustrado pedido de Estado de Sítio — retirado pelo governo tão logo se deu conta da fragorosa derrota que sofreria no Congresso —, ressurgiria, mais vigorosamente ainda na cena política, o fantasma do golpe de Estado. Na visão da direita era Goulart quem o articulava através de seu "dispositivo militar" e com a colaboração de setores de esquerda. Enquanto a direita promovia uma sistemática campanha alarmista, verberando o "golpe de Jango", as esquerdas — que não deixavam de denunciar a trama golpista da direita — levantavam suspeitas e desconfianças face ao governo. Ainda no mês de outubro, como assinalou um cronista político, as esquerdas se sentiriam "abandonadas por Goulart".! Alguns fatos pareciam comprovar essa observação: substituição de Bocaiúva Cunha ("grupo compacto") . por Doute1 de Andrade; contactos com o PSD; autorização da chamada "operação Arraes" (treinamento o IV Exército, cujo objetivo foi o de fazer uma "clara advertência" ao "governador esquerdista" de Pernambuco) e a condenação, por parte do governo, de um congresso das forças populares e de esquerda programado para fins de outubro em Recife. Embora criticassem o governo, em virtude de suas constantes "idas e vindas", as esquerdas entendiam que não lhes convinha romper politicamente com Goulart. Levavam em conta, para tal decisão, o avanço golpista da direita. Novamente a esquerda nacionalista buscaria convencer Goulart de que a sua única "saída", diante do seu crescente isolamento político, era vincular-se de forma inequívoca e definitiva com os setores populares e progressistas. Esta também seria uma condição fundamental, argumentavam os setores de esquerda, para a efetiva realização das Reformas de Base e para se impedir o golpe.

Uma longa entrevista de Goulart, concedida em novembro a uma revista de ampla circulação em todo o País, ao mesmo tempo que provocava contundentes críticas da direita (os líderes da UDN

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identificavam no depoimento do presidente um "esforço de prepa-ração de ambiente subversivo"), ia, por outro lado, reforçar as expectativas das esquerdas de influírem sobre a composição de um novo Ministério e de um novo programa de governo. No depoimento, em tom pessimista e quase patético, Goulart reiterou a urgência das reformas ("desejo evitar que a crise caminhe para um desfecho caótico e subversivo"); denunciou as "forças reacionárias" anti-reformistas; responsabilizou a "deterioração das relações de trocas" como principal causa das dificuldades cambiais do País e defendeu enfaticamente a "intervenção dos trabalhadores na vida pública". Interpretando recente decisão política da Frente de Mobilização Popular, Miguel Arraes, após se referir ao importante depoimento de Goulart, iria expressar o programa das forças populares face ao governo. A certa altura, afirmava a nota do governador de Pernambuco: "(...) se o presidente da República, fiel à sua formação política e aos compromissos que tem com as massas trabalhadoras, deseja superar nossa aguda crise interna e manter nossa política externa independente, ele precisa apoiar-se nas 'forças populares' e com elas estabelecer um novo governo, capaz de elaborar e executar um programa democrático, nacionalista e progressista". Mais abaixo era esclarecido que, no "novo governo", deveria estar garantida a "participação de representantes das 'forças populares' em (seus) setores fundamentais".

Durante o mês de dezembro, a FMP — particularmente o seu setor "brizolista" — acalentou a esperança de ver Brizola ocupar o cargo de ministro da Fazenda, em substituição a Carvalho Pinto. Para a direita, que se alarmava com a intensa mobilização popular (um dos slogans dizia: "Contra a espoliação, Brizola é a solução"), a nomeação teria o sentido inequívoco de uma "provocação" e seria a prova definitiva da consolidação da esquerda dentro do governo. (Afirmavam os "brizolistas" que o novo ministro, logo após a sua posse, decretaria a "moratória no plano internacional".) Governadores de Estado (com a exceção de Pernambuco, Sergipe e Piauí), PSD e UDN ameaçaram com represálias imediatas. No plano internacional, os EUA — através da embaixada no Brasil — declaravam que suspenderiam todas as operações de financiamento e assistência, além de bloquearem suas relações comerciais com o país (Carlos Castello Branco, op. cit.). Depois de alimentar, por algumas semanas, as ilusões das esquerdas, o próprio Goulart — que tinha ainda vivo na memória o episódio da desastrada indicação de "Bejo" (Benjamim Vargas) para a chefatura de polícia do Distrito Federal em 1945 — encarregou-se de "jogar água fria" na febril agitação dos brizolistas. Para o Ministério da Fazenda foi designado um banqueiro, Nei Galvão. Segundo era voz corrente, tratava-se de um burocrata "despreparado para o cargo"; um "homem de centro-direita" (Brizola diria que, com este ato, Goulart afastava as forças populares da "ante-sala do Ministério da Fazenda"). Igualmente tal decisão desagradou frações das classes dominantes, pois Carvalho Pinto — tido como um eficiente administrador — vinha, segundo esses setores, tentando revitalizar algumas medidas de estabilização propostas pelo Plano Trienal. A demissão de Carvalho Pinto representou, assim, o rompimento de um

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dos últimos elos que a burguesia brasileira ainda mantinha com o governo de Goulart.

O balanço do ano de 1963 revelaria de forma dramática o fracasso da política econômica do governo: o índice geral dos preços alcançou 78% (previa-se 25%); a taxa do PIB chegou ao ponto mais baixo que se conhecia nos últimos anos, 1,5%; o déficit da caixa do Tesouro Nacional atingiu 500 bilhões de cruzeiros (previa-se 300 bilhões); os meios de pagamentos cresceram de 65% (previa-se 34%). Sem crescimento econômico e com uma vertiginosa inflação, o descontentamento passa a ser generalizado: nunca o País assistiu, num curto período de tempo, ao surgimento de tantos movimentos reivindicatórios. Os "tempos de Goulart" singularizam-se dentro da história política brasileira: neles, a política deixou de ser privilégio do parlamento, do governo e as classes dominantes, para alcançar de forma intensa a fábrica, o campo, o quartel.

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A POLITIZAÇÂO DA SOCIEDADE — ESQUERDA E DIREITA MOBILIZAM-SE

O recrudescimento da luta de classes no início dos anos 60 foi responsável por uma intensa politização de inúmeros movimentos sociais, além de implicar transformações no sistema partidário e na vida parlamentar.

Uma das dimensões da crise do sistema partidário brasileiro residiu no fato de que os partidos políticos legais — em número de 13 nas eleições de 1962 — mostravam-se incapazes de refletir, em toda a sua extensão, a correlação de forças existentes no interior da formação social. Igualmente era reconhecido que tais agremiações políticas reproduziam com pouca fidelidade a diversidade das tendências e dos conflitos ideológicos que perpassavam a realidade social do País (O. Brasil de Lima Jr., O Sistema Partidário Brasileiro).

A crise do sistema partidário: FNP versus ADP

A "crise de representatividade" dos partidos políticos evidenciava-se por alguns sintomas característicos; nas duas últimas eleições, verificou-se tanto um aumento do número de votos em branco e nulos ("votos de protesto"), como o número de alianças e coligações (em alguns estados, assistiu-se à formação de "esdrúxulas" alianças entre o PTB e UDN; 47% dos eleitos pela Câmara Federal vieram de coligações).

A luta ideológica de classes — que se expressava pelo confronto entre diferentes orientações acerca das reformas sociais ("radical", "modernização-conservadora", anti-reformismo) e acerca do nacionalismo (antiimperialismo, nacionalismo moderado, entreguismo) implicará na divisão dos grandes partidos em alas e facções, cujos pontos de vista sobre aquelas questões eram, freqüentemente, irreconciliáveis.

Neste sentido, os dois maiores partidos conservadores do País (PSD e UDN) — em 1962 detêm, juntos, 54% da representação na Câmara Federal — refletiram em suas fileiras a polarização ideológica que ocorreu no período de Goulart. O PSD — partido que sempre se beneficiou da máquina administrativa do Estudo (no nível federal e estadual) — não deixou de ter os seus "dissidentes", a "ala moça". contrariamente às perspectivas da maioria dos membros do partido — comprometida com a defesa dos grandes proprietários rurais e dos "industriais tradicionais" —, este pequeno núcleo do PSD condenava o anti-reformismo visceral de suas "elites" e apoiava as Reformas de Base e algumas propostas nacionalistas. A UDN também teve a sua ala progressista: a "Bossa Nova", que defendeu as Reformas (inclusive a reforma constitucional), a política externa independente, a lei de remessa de lucros, a democratização do ensino, etc. — teses a que se opunha energicamente a ortodoxia reacionária dos setores dirigentes do partido (Maria Victoria Benevides, A UDN e o Udenismo). O PTB — que, ao contrário dos outros dois partidos, teve um significativo

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crescimento em todo o período liberal-democrático —, igualmente se encontrava fraccionado. O partido — cujos quadros provinham principalmente do Ministério do Trabalho — apresentava-se dividido em duas grandes facções: o "grupo compacto" (ou "ideológico") e o "grupo fisiológico". Enquanto o primeiro procurava manter uma linha de independência face ao comando populista de Goulart, o segundo aceitava, sem a menor restrição, a política de conciliação do presidente da República, que acumulava também a função de presidente nacional do PTB. Esta facção do partido postulava a realização de reformas sociais "não radicais" e, para isso, defendia uma maior aproximação com o PSD. Na formulação de San Tiago Dantas, tratava-se de uma "esquerda positiva" — "construtiva", pragmática, "não ideológica". Por seu lado, o "grupo compacto" destacou-se por uma negação da tradicional política clientelística desenvolvida pela "velha guarda" petebista que controlava a burocracia sindical e a máquina da Previdência Social. Contra o "fisiologismo", entendia este grupo que o PTB deveria ter uma atuação política que correspondesse a uma orientação ideológica mais nítida e mais definida. Ao defender a realização de reformas de base de cunho radical e propugnar medidas político-econômicas de caráter anti-imperialista, o "grupo compacto" identificava-se com os demais setores da esquerda nacionalista brasileira.

A Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) e Ação Democrática Parlamentar (ADP) surgirão na cena política com o propósito de articular, respectivamente, "progressistas" e "conservadores" que atuavam nos diferentes partidos políticos. Tais organizações suprapartidárias constituíam-se, assim, na demonstração eloqüente do aguçamento das contradições sociais e da conseqüente intensificação da luta ideológica de classes no seio da formação social brasileira. O chamado "realinhamento do sistema par-tidário", nos anos 60, realizava-se, pois, através desses dois "superpartidos" dentro do Congresso. Os mais importantes projetos e discussões que passavam pelo Legislativo tinham, na verdade, suas decisões encaminhadas por estas duas entidades. Nas votações em plenário, a fidelidade dos parlamentares era dada, em muitas ocasiões, não aos partidos aos quais pertenciam, mas a uma daquelas organizações. Esta situação levava algumas lideranças políticas conservadoras a lamentar a debilidade dos partidos e a "desordem" da vida parlamentar: "(...) estas duas frentes parlamentares, FPN e ADP, em muito concorreram para a balbúrdia que se instalou no Congresso, principalmente na Câmara, durante todo o governo Goulart. Quase que os partidos desapareceram e as lideranças, de governo e de oposição, passaram a ter existência nominal (...)" (Abelardo Jurema, Sexta-feira 13). Enquanto a FPN reunia a maioria dos deputados federais do PTB e do PSB (mais os setores "nacionalistas" do PSD, UDN e PDC), a ADP tinha seu núcleo básico proveniente da aliança PSD/UDN/PSP e dos demais pequenos partidos. Até mesmo alguns deputados do PTB — de uma diminuta "ala direita" — alinhavam-se com o reacionarismo e o entreguismo da ADP.

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A politização à esquerda

A luta política e a luta ideológica, no entanto, não estiveram reduzidas à esfera político-institucional; pelo contrário, elas alcançaram seus mais significativos desdobramentos a partir do momento em que envolveram outros setores da sociedade brasileira. De um lado, estariam os trabalhadores urbanos e rurais, os soldados, os estudantes; de outro, os empresários, os militares, a Igreja, etc.

O sindicalismo brasileiro, no triênio 61/63, alcançou um dos seus momentos de mais intensa atividade (de 1958 a 1960, no governo Kubitschek, tinham ocorrido no País cerca de 177 greves, enquanto nos três anos seguintes foram deflagradas um total de 435 paralisações); o que mais distinguiu o movimento sindical nestes 3 anos, porém, foi o seu crescente engajamento nas lutas partidárias dessa conjuntura de crise. "O envolvimento dos sindicatos nas lutas políticas tornou mais urgente a necessidade de unificar a ação dos sindicatos cujas direções seguiam a mesma orientação política. Deste modo, na medida em que as disputas ideológicas envolviam o sindicalismo brasileiro, assistiu-se à formação de diferentes organizações de coordenação que agrupavam sindicatos de tendências diferentes" (L. Martins Rodrigues, Sindicalismo e Classe Operária).

Foi assim que surgiram, em fins dos anos 50 e início de 60, o CPOS, o PUA, o PAC, o Fórum Sindical de Debates de Santos (SP), etc. Da mesma forma que as demais uniões sindicais, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) nasceu de movimentos grevistas: em 5 de julho de 1962, lideranças comunistas e trabalhistas que apoiavam o governo de Goulart criaram o Comando Geral de Greve a fim de coordenar uma greve nacional em defesa de um "gabinete nacionalista". No mês seguinte, por ocasião do IV Encontro Sindical Nacional, três mil trabalhadores propuseram a transformação do CGG em CGT. Embora contrariasse a legislação sindical brasileira — que ainda hoje proíbe a criação de organizações sindicais horizontais — o CGT funcionou até abril de 64; houve, inclusive, em abril de 63, uma tentativa no final frustrada pela Justiça — do então ministro do Trabalho, Almino Afonso, no sentido de legalizar esta central sindical nacional, apesar dos veementes protestos das classes dominantes.

No triênio 61/63, o CGT e outros organismos de alianças intersindicais tiveram uma intensa atuação política. Diversos acontecimentos e circunstâncias políticas levaram o CGT e estes órgãos a decretarem (ou ameaçarem) greves políticas. Algumas das razões dessas decisões foram: defesa da posse de Goulart em, agosto de 1961, pressão para convocação do Plebiscito, defesa da Revolução Cubana, ameaçada pelos EUA por ocasião da "crise dos mísseis", pressão sobre o Congresso para a aprovação das Reformas de Base, apoio aos sargentos, negação do Estado de Sítio, etc. Para afronta dos setores de direita, os líderes do CGT eram freqüentemente reconhecidos como interlocutores do presidente da República e de importantes lideranças políticas do País. Daí a fama que passaram a ter de "Quarto Poder" da República...

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Não obstante tenha demonstrado uma relativa independência face ao comando de Goulart e de sua assessoria sindical — particularmente por ocasião de algumas crises políticas e durante a realização de algumas greves —, o CGT colaborou estreitamente com o governo, apoiando-o publicamente na maioria de suas iniciativas políticas. Tal compromisso era justificado pelo fato de a ideologia nacional-reformista elaborada pelo PCB e hegemônica dentro do CGT ser convergente com as propostas reformistas do governo Goulart. Contudo, o controle político da entidade por parte de comunistas e petebistas de esquerda sempre foi aceito com muitas reservas por parte de Goulart; tentativas foram feitas pelo governo para "criar a sua própria base no meio sindical" – foi o caso, por exemplo, do apoio de Goulart à fracassada UST e ao arquipelego Ari Campista por ocasião da eleição para a renovação da diretoria do CNTI, em 1963.

Razão parece ter um estudioso quando observa: "o CGT foi mais uma organização política das lideranças comunistas e nacionalistas, destinada a ampliar seu poder de pressão na coligação nacional-populista, do que um organismo sindical propriamente dito" (L. Martins Rodrigues, op. cit.). Como com-provação desta última afirmativa, cita-se, entre outras, a preocupação secundária do CGT com o fortalecimento dos sindicatos no interior das empresas. Ou seja, absorvido pelas grandes batalhas nacionais — lutas pelas reformas estruturais, pela limitação do capital estrangeiro espoliativo, pela defesa das liberdades democráticas, pela ampliação do papel do Estado na economia, etc. —, o CGT deixou de realizar um trabalho permanente junto às bases sindicais. De outro lado, deve ser observado que as greves políticas deflagradas pela organização tiveram êxito apenas junto às empresas estatais ou controladas pelo governo, sendo praticamente nula a participação do operariado de São Paulo (empresas privadas, nacionais e estrangeiras) nessas paralisações de caráter político. Ressaltou um pesquisador que a maioria das greves políticas alcançou sucesso quando obteve o "apoio tácito dos militares". Igualmente é sublinhado o fato de tais greves coincidirem com períodos onde ocorria um pronunciado declínio do salário real, pois "a inflação predispunha os trabalhadores a sair às ruas" (K. Erickson, Sindicalismo no Processo Político do Brasil). A debilidade político-organizativa deste chamado "Quarto Poder" (ou "V Exército", como a ele se referia Jango) ficou definitivamente evidenciada quando, em abril de 1964, a classe operária brasileira assistiu — sem nenhuma resistência — à preparação e ao desfecho dó golpe antipopular e antioperário.

A politização dos movimentos de trabalhadores do campo igualmente se constituiu numa realidade nova dentro da história política brasileira. "No final dos anos 50, a amplitude que assume a proletarização da força de trabalho e suas repercussões na conjuntura política do momento permitiram que se manifestasse uma reação massiva dos foreiros e dos trabalhadores rurais, dando origem ao que se chamou globalmente de 'movimento camponês'" (M. Nazareth Wanderley, Capital e Propriedade Fundiária). As Ligas Camponesas nasceram da resistência — muitas vezes armada — dos foreiros (pequenos agricultores e não proprietários) contra a ten-

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tativa de expulsão das terras onde trabalhavam, movida pelos proprietários; de 1959 a 1962, as Ligas tiveram uma acelerada expansão em todo o Nordeste. As Ligas contestavam, abertamente, a dominação política e econômica a que estavam secularmente submetidas as massas rurais. Em algumas localidades, ocorreram conflitos armados entre "camponeses" e proprietários de terra; lideranças camponesas serão perseguidas e assassinadas a mando dos latifundiários, alarmados com a politização das massas rurais. Para Francisco Julião, deputado federal por Pernambuco, cuja legendária fama advinha da liderança que exercia sobre as Ligas, a luta é contra o latifundiário: "não vemos inimigo no soldado, no padre, no estudante, no industrial, no comunista; o inimigo é o latifundiário". Neste sentido, a principal bandeira empunhada pelas Ligas foi a Reforma Agrária Radical. Na luta pela Reforma Agrária, as Ligas associam-se às demais organizações políticas de todo o País que, através de comícios, passeatas, manifestos, pressões diretas sobre o Congresso, clamam pela realização das Reformas de Base. (Julião e as Ligas Camponesas, durante muito tempo, foram objeto de extensas reportagens em conhecidas revistas semanais do País e do exterior [Time, Look etc]). O Nordeste faminto e sedento, tal como era caracterizado nessas matérias — onde se enfatizava também a Presença de "perigosa literatura subversiva" no seio das Ligas —, estava a um passo de uma "guerra camponesa".)

Paralelamente, os trabalhadores rurais organizam-se através de sindicatos. Embora, de início, tais organizações tivessem uma orientação distinta à das Ligas — partindo do pressuposto de que no campo predominavam relações capitalistas, os sindicatos buscavam reforçar a "consciência proletária" dos trabalhadores rurais, estimular as greves, etc. —, a atuação concreta de ambas tornou irrelevantes as suas diferenças ideológicas. Como observou a autora acima, progressivamente os sindicatos incorporam em suas reivindicações a luta pela Reforma Agrária. Após a promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural (março de 1963) — do qual um dos significados é a tentativa do Estado de exercer, à maneira da CLT, um controle mais direto sobre as atividades sindicais dos trabalhadores rurais —, Julião propõe que as Ligas se constituam na vanguarda política dos sindicatos rurais. "Quem faz parte da Liga, entre no Sindicato, e o que entra no Sindicato permaneça na Liga(...) O Sindicato pedirá o aumento dos salários, o 13º mês, as férias, as indenizações, a escola, o hospital, a maternidade, uma casa decente (...) A Liga, que não depende do Ministério do Trabalho, irá na frente, abrindo o caminho e lembrando a todos que nem o salário, nem o 13º mês são suficientes; são migalhas. O essencial é a terra" (M. N. Wanderley, op. cit., grifos nossos). No entanto, deve-se reconhecer que, a partir de 1962, diante da expansão do sindicalismo rural, diminuiu consideravelmente a importância política das Ligas. O vanguardismo que Julião a elas pretendia conferir, igualmente não se concretizou.

Com orientação ideológica antagônica à dos movimentos populares de tendência esquerdizante, setores da Igreja católica fomentam a criação de sindicatos rurais "democráticos". Condenando Julião e as lideranças de esquerda, postulam que os trabalhadores

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rurais apenas devem defender os seus direitos trabalhistas; combatem, assim, qualquer envolvimento dos sindicatos na luta por uma Reforma Agrária radical posto que, afirmam, a "propriedade privada é um dos pilares da civilização democrática e cristã". Ao lado das federações e sindicatos "democráticos", criam-se outros sob a direção dos nacionalistas (PCB) e da "esquerda católica" (Ação Popular). Em dezembro de 1963, 26 federações de todo o País se reúnem para a fundação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). Graças a uma aliança entre a AP e o PCB, os "democratas", que contavam com o controle de 8 federações, saem derrotados. A primeira diretoria da CONTAG passou a ser constituída por 4 membros do PCB, 3 da AP e 2 "independentes". Uma das primeiras decisões da CONTAG foi a de se filiar à CGT, integrando-se, assim, às mobilizações conduzidas pe-las forças nacionalistas (S. Amad, op. cit.).

À frente antilatifúndio e antiimperialista também esteve vinculado o Movimento Nacional dos Sargentos. Além de reivindicarem melhores condições salariais, alterações dos rígidos regulamentos disciplinares etc, as camadas subalternas das Forças Armadas manifestavam-se contra a manutenção do Art. 138 da Carta de 1946, que lhes vedava um direito elementar da "cidadania": o direito de serem eleitos. As associações de sargentos de todo o país — muitas delas vinculadas à liderança brizolista — uniam-se aos trabalhadores rurais e urbanos, aos estudantes, aos parlamentares nacionalistas na luta pelas reformas e na denúncia da espoliação imperialista. (Ficou célebre uma declaração pública de um líder do movimento: "Se os reacionários não permitem as reformas, usaremos, para realizá-las, nosso instrumento de trabalho: o fuzil".)

As manifestações dos setores subalternos das Forças Armadas — severamente contestadas pela maioria da oficialidade — culminaram com um grave acontecimento: a fim de protestarem contra a decisão do STF, que denegou o recurso de dois sargentos eleitos no ano anterior, 650 sargentos da Marinha e da Aeronáutica, na madrugada do dia 12 de setembro de 1963, rebelaram-se em Brasília. Apode-raram-se de vários edifícios militares, equipamentos de rádio, serviços de telefonia e telegráficos. Pouco mais de 12 horas foram suficientes para tropas militares dominarem os sublevados. O CGT, a UNE, a FPN solidarizaram-se com o movimento dos sargentos; o CGT ameaçou decretar greve geral, caso o governo solicitasse o Estado de Sítio, reivindicado por altos comandos das Forças Armadas. Apesar de terem sido "exemplarmente punidos" — os líderes do movimento foram transferidos para as mais longínquas guarnições do País —, prosseguiriam até abril de 1964, os atos de "insubordinação" e de "rebeldia" à hierarquia militar, por parte dos politizados setores subalternos das Forças Armadas.

Era conhecida a tradição política do movimento estudantil brasileiro. Em décadas recentes, empunhou as bandeiras da redemocratização, do nacionalismo, da defesa do ensino público, da anistia aos presos políticos, etc. Embora tivessem a Reforma Universitária como reivindicação específica, os estudantes, através de sua entidade nacional, a UNE, integraram-se também na frente antilatifúndio e antiimperialista. Postulam, como tarefa

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política imediata e decisiva, a formação de uma "aliança operário-estudantil-camponesa" (Constituição da UNE, 1963). Como observou um estudioso, para os estudantes que militam na UNE, a Reforma Agrária e a Reforma Universitária são simples momentos da "dialética social". Argumentava, assim, um documento da entidade: "A aliança com os operários, camponeses, intelectuais progressistas, militares, democratas e outras camadas da vida nacional deve ser incrementada na certeza de que, entrelaçando nossas reivindicações, torná-las-emos infinitamente mais fortes. Esta aliança implica em fazer da reforma agrária bandeira dos estudantes, do mesmo modo que as transformações em nosso ensino possam ser objetiva e subjetivamente aspiração de operários e camponeses; e assim por diante" (Octavio Ianni, O Colapso do Populismo no Brasil, grifos nossos). Na UNE defrontavam-se, neste momento, diferentes tendências da esquerda brasileira: PCB, PC do B, AP, Política Operária (POLOP), Quarta Internacional e outros grupos menores. Na luta ideológica que aí se trava, todos combatem o PCB. O apoio político que este oferecia ao governo — excepcionais foram os seus desacordos com a "política de conci-liação" de Goulart — bem como a sua subordinação aos estreitos limites da ideologia nacional-reformista, foram algumas das duras críticas que o PCB sofria das demais correntes de esquerda. Todas estas tendências — que se autoproclamavam de "esquerda revolucionária" — condenam a estratégia, oficialmente propugnada pelo PCB, de aliança do proletariado com a "fração progressista" da burguesia brasileira como "exigência histórica" para a consoli-dação da "revolução democrático burguesa" — etapa prévia e necessária para a passagem ao socialismo. Algumas dessas correntes de esquerda, postulando o marxismo-leninismo, propõem uma "frente de esquerda" — e não uma "frente única" como defendia o PCB — a fim de libertar a luta de massas do "reformismo" e da "política pequeno-burguesa da colaboração de classes".

Embora aquelas tendências pouco ortodoxas fossem encontradas no interior do movimento estudantil, a UNE não deixou de participar ativamente da ampla frente antilatifúndio e antiimperialista coordenada pela Frente de Mobilização Popular (FMP). À FMP vinculavam-se o CGT, as Ligas Camponesas, a FPN, a UNE, o movimento dos sargentos. Em certa medida, o "radicalismo" do movimento estudantil, onde o confronto entre as diversas correntes de esquerda era bastante visível, contribuía para UNE pressionar o governo de Goulart e a FMP mais para a "esquerda".

A contramobilização de direita

Não foram apenas os setores populares e progressistas que politicamente se mobilizaram nesse período. Os empresários — bem como os militares e setores da Igreja Católica — organizaram-se para defender seus interesses e para combater o avanço político dos movimentos sociais de orientação nacionalista e de esquerda. Num estudo recentemente publicado, documenta-se, ampla e exaustivamente, a atuação político-ideológica dos empresários,

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aglutinados em torno do complexo IPES/IBAD, o qual teve um papel decisivo na contramobilização de direita. (Todo este item se baseia no trabalho de R. Armand Dreifuss, 7964: A Conquista do Estado.)O Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), criado em fins da década de 50, propunha-se o "ambíguo propósito de defender a democracia"; durante os "tempos de Goulart" sincronizou suas atividades às de organizações paramilitares e anticomunistas, tais como o Movimento Anticomunista (MAC), a Organização Paranaense Anticomunista (OPAC), a Cruzada Libertadora Militar Democrática (CLMD) etc. Intimamente associado à Aliança Democrática Parlamentar, o IBAD financiou generosa e ostensivamente os candidatos apoiados pela ADP nas eleições de 1962 (cerca de 650 que postulavam as Assembléias Legislativas, 250 a Câmara Federal e vários governos estaduais). Em julho de 1962, o IBAD uniu-se ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), pois seus objetivos programáticos eram plenamente coincidentes.

O IPES é fundado em fins de 1961; seus criadores são empresários — particularmente aqueles vinculados ao "bloco de poder multinacional e associado" — que "visavam a uma liderança política compatível com sua supremacia econômica e ascendência tecnoburocrática". Tal objetivo era buscado, pois se afirmava que a "direção do país não podia mais ser deixada somente nas mãos dos políticos". Com essa proposição, os empresários pretendiam dizer, pelo menos, duas coisas: a) o país não deveria ser dirigido por políticos de "esquerda"; b) diante do crescente debilitamento político e ideológico dos partidos conservadores e de direita, não deviam as classes dominantes confiar apenas nos mecanismos tra-dicionais de representação junto ao Estado burguês. O complexo IPES/IBAD procurou desempenhar, assim, o papel de "verdadeiro partido da burguesia — a vanguarda das classes dominantes — e seu estado-maior para a ação política, ideológica e militar". Entre os objetivos perseguidos pela organização, destacavam-se: impedir a solidariedade da classe operária; conter a sindicalização dos trabalhadores rurais e a mobilização dos camponeses; apoiar as facções de direita dentro da Igreja Católica; dividir o movimento estudantil; bloquear as forças nacional-reformistas no Congresso e nas Forças Armadas; mobilizar a alta oficialidade militar e as "classes médias" para a desestabilização do regime "populista". A tarefa "construtiva" do IPES/IBAD estaria na sua proposta de uma nova ordem sócio-política sob a hegemonia do capital multinacional e associado.

A ação política do complexo IPES/IBAD se fazia através de inúmeros grupos de trabalho — constituídos por intelectuais, burocratas e especialistas — que tinham acesso direto às Forças Armadas, ao Executivo, ao Congresso, às associações de empre-sários, aos sindicatos, à Igreja, aos partidos políticos, aos meios de comunicação, etc. O IPES/IBAD igualmente financiou ativos grupos "democráticos" e "anticomunistas" que atuavam nesses diferentes setores, tais como o Movimento Sindical Democrático, a Frente da Juventude Democrática, o Grupo de Ação Patriótica, o Movimento de Arregimentação Feminina (MAF), a Campanha da Mulher pela Demorada (CAMDE), o Serviço de Orientação Rural de Pernambuco

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(SORPE), a Federação dos Círculos Operários, etc.A ação ideológica do complexo direitista fez-se de múltiplas

formas: financiamento de importantes ornais da "grande imprensa" e revistas que se alinhavam na luta anticomunista e anti-Goulart; na edição de livros, jornais, revistas, panfletos, com ou sem a chancela do IPÊS; realização de ciclo de conferências e estudos, seminários, fórum de debates; patrocínio de programas de rádio e de TV;produção de filmes, slides, cartuns, histórias em quadrinhos; financiamento de centros de pesquisa, etc.

O complexo IPES/IBAD intensificava sua "ação conspiratória" à medida que a crise econômica e a mobilização nacional-popular aprofundavam-se; contando em sua fundação com cerca de 80 membros, esse número, em meados de 1963, saltou para 500 empresários. Em São Paulo, 70% da liderança da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) faz parte da organização de direita. Os recursos financeiros do complexo IPES/IBAD provinham de industriais brasileiros e estrangeiros, de banqueiros nacionais e multinacionais, de proprietários rurais (cafeicultores, usineiros, pecuaristas etc), de companhias de segurança e de publicidade, etc. Miguel Arraes demonstrou com documentos que o IBAD recebeu contribuições da Texaco, Shell, Ciba, Schering, Coca-Cola, IBM, Esso, Cigarros Souza Cruz, Hanna Mining Corp., General Motors, etc. O IPES conseguiu ajudas financeiras de 297 corporações norte-americanas; contribuições também vieram da Alemanha Ocidental, Inglaterra, Bélgica, etc. Recursos da Central Intelligence Agency (CIA), agência governamental norte-americana, foram igualmente canalizados para as campanhas do IBAD.

Diante das denúncias de deputados da FPN, criou-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o envolvimento do IBAD e do IPES na "corrupção eleitoral" ocorrida em 1962. Como assinala o autor em cujo estudo nos apoiamos: "O IBAD foi fechado por haver sido considerado culpado de corrupção política. O IPES foi absolvido com base no fato de que não havia sido realizada pelo Instituto nenhuma atividade incomum que infringisse os seus objetivos publicamente declarados (...) em sua Carta". O IPES, pois, agia "sem aparecer", enquanto o IBAD era a sua "tropa de choque". Esta estratégia da direita golpista foi sintetizada por Raul Pilla — venerável liberal que saudou com entusiasmo a derrubada do regime constitucional — ao observar que "duas instituições muito úteis foram organizadas, uma visando estudos doutrinários para disseminar idéias e esclarecer os cidadãos, a outra para a ação política, levando-as a cumprir seus deveres patrióticos" (grifos nossos). Nesta "feliz associação" entre ciência e ideologia "iluminista", por um lado, e ação política, por outro, ficava, pois, sintetizada a práxis golpista.

Em abril de 1964, cumprindo seus "deveres patrióticos", setores da chamada "sociedade civil" e do Estado, com o apoio do Departamento de Estado norte-americano, "salvariam" a Nação. Através de um movimento político-militar, os "revolucionários" — como afirmou um de seus líderes, na comemoração do 18º aniversário do golpe de 64 — buscavam repudiar um conjunto de realidades, ditas "perversas": "as greves políticas que duravam meses, a de-sorganização econômica, a inversão dos valores, a subversão dos

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princípios da hierarquia e da disciplina, a incompetência administrativa, o oportunismo político e, em suma, a anarquia".

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O GOLPE POL ÍTICO-MILITAR

Analisando a política econômica brasileira nos últimos seis meses do governo Goulart, um autor assinalou que o "governo vagava quase sem rumo no mar tempestuoso das dificuldades da situação econômico-financeira do País". Como foi anteriormente observado, as medidas econômico-financeiras adotadas pela administração federal — a partir do reconhecimento do fracasso do Plano Trienal — passaram a se revestir de um sentido praticamente errático. Contudo, o caráter transitório e instável dessas medidas não se devia apenas a uma "incompetência administrativa", como proclamavam os críticos conservadores. Numa certa medida, as vicissitudes e dificuldades da política econômico-financeira — a desaceleração do crescimento econômico e a aceleração do ritmo inflacionário — advinham de circunstâncias que escapavam parcialmente ao controle governamental. De um lado, fatores de ordem estrutural contribuíam decisivamente para neutralizar o combate às pressões inflacionárias; de outro, o reduzido crescimento econômico — que se expressava pela diminuição do nível de inversão — deitava também as suas raízes na polarização política que caracterizava a conjuntura brasileira nos anos 1962/1963. Como formulou um estudioso, a inversão caiu "não porque não pudesse realizar-se economicamente, mas sim porque não poderia realizar-se institucionalmente" (F. de Oliveira, op. cit., grifos do autor).

A incontrolável alta do custo de vida, tendo como conseqüência uma drástica redução do poder aquisitivo dos salários, foi responsável pela eclosão de sucessivas greves durante todo o período — greves que não mais se limitavam aos centros urbanos. Incentivada pelo governo Goulart, cresceu a sindicalização no campo (calculava-se que o número de sindicatos rurais, 300 em meados de 1963, atingia o expressivo número de 1500 em março de 1964). Em 1963 ocorreram em todo o país 172 greves de trabalhadores. Era igualmente significativo que as paralisações, a partir dos anos 60, deixavam de acontecer predominantemente no eixo Rio—São Paulo. Em 1963, por exemplo, 65% das greves foram deflagradas fora dos dois maiores centros industriais do País. O ano de 1964 prenunciava ser também bastante agitado em termos de movimentos reivindicatórios: em apenas 15 dias do mês de janeiro, ocorreram 17 greves na Guanabara. Em fevereiro e março, as paralisações de trabalhadores rurais no Nordeste foram intensas; em Pernambuco, cerca de 300 mil trabalhadores em engenhos e usinas desencadearam uma greve política. Diante do lock out, aventado pelas classes patronais, os trabalhadores — a fim de evitar a intervenção federal no estado governado por Miguel Arraes —, suspenderam a greve de protesto. Na Paraíba, Pernambuco, Minas Gerais e Goiás as invasões de terras eram denunciadas com grande alarde pelos meios de comunicação.

A direita "fecha o cerco". As esquerdas apóiam Goulart, desconfiando.

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As classes dominantes tinham, assim, motivos para verem aumentadas as suas apreensões: seus lucros e suas propriedades — tal como apregoavam seus propagandistas — estavam sendo ameaçados e os trabalhadores em greve não eram reprimidos pelas forças federais. Em meados de janeiro, sob intensas críticas de setores da burguesia associada ao capital multinacional e dos credores estrangeiros, Goulart regulamentou a Lei de Remessa de Lucros que tinha sido aprovada pelo Congresso há mais de 16 meses. Algumas semanas atrás, para forte desagrado dos investidores estrangeiros, o presidente Goulart emitiu um decreto que implicava a "completa revisão de todas as concessões governamentais na indústria de mineração".

Para a direita brasileira e para a embaixada norte-americana, não cabiam mais dúvidas quanto à "esquerdização" do governo Goulart. Duas graves denúncias passavam a circular com insistência nos meios políticos, tendo ampla cobertura da imprensa em geral. Bilac Pinto, presidente da UDN e porta-voz político do chefe do Estado-Maior do Exército, gal, Castelo Branco, com grande alarde, divulgou um documento onde se declarava que estava em curso no país uma "guerra revolucionária"; mais especificamente, a "guerra revolucionária" já teria alcançado a sua terceira fase — a da "subversão da ordem e obtenção de armas". Ou seja, o país estava prestes a assistir à "tomada do poder pelos comunistas". Denunciava a direita que o governo Goulart insuflava as invasões de terra, as greves operárias e de trabalhadores do campo, além de "distribuir armas a sindicatos rurais e marítimos". Na verdade, tratava-se do início da intensificação da "guerra psicológica" contra o governo constitucional, pois nenhuma prova concreta foi oferecida quanto à veracidade dos fatos denunciados. O liberal Bilac Pinto assim justificaria a completa ausência de provas: "em caso de fatos notórios, a lei dispensa até mesmo as provas. Os tribunais diariamente condenam na base da notoriedade dos fatos". A outra denúncia dizia respeito às "manobras continuístas" do presidente da República. Afirmava-se que, com a proposta de Reforma Constitucional, Goulart visava a alteração do dispositivo legal que vedava a reeleição do presidente da Republica. Calculava a direita que, com a extensão do voto aos analfabetos, com a realização das reformas sociais e com o apoio das forças populares e de esquerda, Jango seria imbatível nas eleições previstas para 1965. (Esta possibilidade levou importantes políticos — com os olhos voltados para a presidência da República — a se afastarem ou hostilizarem Goulart. Entre eles estavam Juscelino Kubitschek, Magalhães Pinto e Leonel Brizola.)

Se a direita "fechava o cerco" sobre o governo federal, nem todos os setores de esquerda apoiavam incondicionalmente o presidente da República. Embora tivessem tido um comportamento unânime, ao aplaudirem as medidas nacionalistas do início do ano, as esquerdas consideravam inadmissível, por exemplo, que o governo mantivesse em vigência a Instrução 263 da SUMOC; esta, ao liberar o câmbio, provocou forte desvalorização do cruzeiro, bem como uma elevada alta do custo de vida. Igualmente, causava "viva desconfiança nos meios progressistas a abertura de negociações

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para o reescalonamento das dívidas do Brasil com seus credores em bases confusas". Setores da FMP — particularmente os "brizolistas" que aí tinham hegemonia — também levantavam suspeitas quanto às intenções "continuístas" de Goulart que, segundo aqueles grupos, teria o apoio da direção do Partido Comunista Brasileiro.

No dia 15 de janeiro, um experiente jornalista político escrevia, com todas as letras, em sua bem informada coluna: "Março passou a ser o mês do golpe" Direita e esquerda acusam-se reciprocamente quanto à a autoria desse possível "ato contra a democracia". Mas, enquanto os grupos de direita, civis e militares, aglutinavam-se e passavam à ofensiva contra o governo Goulart, este nem tinha o pleno apoio das esquerdas nem estas conseguiam superar suas divergências internas para uma ação comum antigolpista. (A rigor, nunca passou de arma propagandística, forjada pela direita, o "golpe tramado pelas esquerdas".) Incumbido por Goulart, San Tiago Dantas, em princípios de fevereiro, tentaria unificar os setores políticos progressistas através de uma Frente Ampla — que iria do PSD ao PCB. O "programa mínimo" da Frente incluía emendas constitucionais concedendo voto aos analfabetos, elegibilidade dos praças e sargentos, revisão do art. 141 da Constituição (que impunha o pagamento à vista e em dinheiro nos casos de desapropriações de terra), legalização do PCB e negociação de uma moratória da dívida externa. Como objetivos imediatos, pretendia-se garantir a aprovação das reformas e o fortalecimento político do governo diante das ameaças golpistas vindas da direita. Com a exceção do PCB, todos os demais grupos de esquerda rejeitavam a inclusão do PSD numa possível frente de "forças progressistas".

O comício do dia 13, sexta-feira

As desconfianças de setores da esquerda face ao governo Goulart ainda eram muito intensas; a proposta de aliança com o PSD contribuiu para aumentarem as suspeitas quanto à persistência da política de conciliação de Jango. A efetiva "guinada para a esquerda" do governo Goulart, na visão das esquerdas, apenas ocorreria com o "Comício de 13 de março" — o comício das Reformas. Organizado pelo CGT e pela assessoria sindical de Goulart (Gomes Talarico, Crockat de Sá e outros), o comício da Guanabara — ao qual deveriam seguir-se outros nos maiores centros urbanos do País — visava demonstrar o apoio popular às propostas de Reformas de Base do governo. Além disso, o Executivo pretendia também pressionar o Congresso Nacional no sentido de que este aprovasse rapidamente os projetos a ele encaminhados.

Na história da chamada "democracia populista" brasileira, poucos atos públicos tiveram tanto impacto e repercussão política quanto o comício daquela sexta-feira 13. Com amplo apoio oficial e sob a proteção dum rigoroso esquema de segurança montado pelo I Exército, cerca de 200 mil pessoas demonstraram de forma muito significativa o elevado grau de politização que começava a atingir diferentes setores da sociedade brasileira. No extenso mar de

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cartazes e de faixas empunhados pela massa popular, liam-se alguns slogans que inquietariam as classes dominantes e atemorizariam as classes médias: "Reformas ou Revolução"; "Forca para os gorilas!"; "yankees, go home"; "Defenderemos as Reformas à bala!"; "Legalidade para o PCB"; "Reeleição de Jango!". No palanque, ministros de Estado, militares, governadores de estado, deputados, dirigentes S1ndicais, lideres estudantis comprimiam-se ao lado do presidente da República. Após 3 horas de inflamados discursos, Goulart encerrou o ato anunciando a promulgação de dois decretos: o da nacionalização das refinarias particulares de petróleo e o da desapropriação das propriedades de terras (com mais de 100 hectares) que ladeavam as rodovias e ferrovias federais e os açudes públicos federais. Prometeu também enviar ao Congresso outros projetos de reformas (agrária, eleitoral, universitária e constitucional); anunciou ainda que nos próximos dias decretaria algumas medidas urgentes "em defesa do povo e das classes populares" (tabelamento de aluguéis, controle dos preços etc). No seu discurso, Goulart atacou "democracia dos monopólios nacionais e internacionais", as "associações de classes conservadoras", a "mistificação do anticomunismo", a campanha dos "rosários da fé contra o povo", os "privilégios das minorias proprietárias de terras", etc. Contudo, o radicalismo esquerdizante ficou por conta do líder nacional dos "Grupos de Onze", Leonel Brizola. Pouco an-tes da fala de Goulart, Brizola, através de um eloqüente discurso, defendeu o fim da "política de conciliação" e postulou a emergência de um "governo nacionalista e popular". Criticando severamente o Legislativo ("controlado por uma maioria de latifundiários, reacionários e ibadianos"), o líder nacionalista propôs a "derrogação do atual Congresso"; pediu, assim, a convocação de uma Assembléia Constituinte (nos dias seguintes, a palavra de ordem do brizolismo seria: "Constituinte sem golpe!").

A rigor, os dois decretos emitidos pelo governo tinham efeitos bastante limitados: o da nacionalização das refinarias não atingia senão as empresas nacionais (a lucrativa distribuição dos produtos petrolíferos continuava com a Esso, Shell, Texaco, etc); de outro lado, o decreto da SUPRA — como o próprio Goulart reconheceu em seu discurso — não era senão o "primeiro passo" na direção da Reforma Agrária. As esquerdas, no entanto, comemoraram com entusiasmo o significativo comparecimento popular ao comício; alguns setores destacaram, com grande regozijo, o "radicalismo das manifestações populares". Neste sentido, um dos líderes brizolistas comentaria: "Perante cerca de 200 mil pessoas, foi sepultada, na praça da República, a política de conciliação". Mas, um pouco mais adiante, o mesmo político advertiria para as possíveis vacilações de Jango: "O presidente João Goulart — como disseram Arraes e Brizola — conta com o povo para a grande transformação. Mas é preciso não esquecer que, na Legalidade e no Plebiscito, o povo também se mobilizou e tudo parecia encaminhar-se para as decisões almejadas. O governo vacilou, perdeu-se numa teia de pequenas manobras (...). O momento exige, além de palavras, decisões audazes e rápidas e o reconhecimento de que o dia 13 foi a iniciação de uma nova etapa da história brasileira" (Neiva Moreira, in Paulo Schilling, op. cit., grifos nossos).

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Entre as "decisões audazes e rápidas", esses setores nacionalistas exigiam: "ministério nacionalista e popular"; "afastamento dos militares suspeitos e golpistas"; "revogação da Instrução 263"; "congelamento dos preços"; "intervenção federal na Guanabara, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul", etc.

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De fato, 13 de março de 1964 pode ser considerado um marco decisivo na recente história política brasileira. Para grande decepção das esquerdas, o dia 13 significaria não a emergência de um governo nacionalista, democrático e popular mas, sim, o último ato da chamada "democracia populista". A partir do dia 13 de março — enquanto as esquerdas se dividiam em discussões acerca da compo-sição da frente ampla —, a direita passava inteiramente à ofensiva do movimento social.

A ofensiva golpista

Desde o início de março, setores das classes médias e da burguesia, sob a bandeira do anticomunismo e da defesa da propriedade, da fé religiosa e da moral, saíram às ruas em diversas capitais a fim de Pedir o impeachment do governo federal. Entre estas manifestações civis, destacou-se a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", realizada em São Paulo, no dia 19 de março, reunindo cerca de 500 mil Pessoas. Organizada por movimentos femininos — com a inteira colaboração do governo do estado de São Paulo, de setores da Igreja Católica, da FIESP, da Sociedade Rural Brasileira —, a Marcha foi encerrada com eloqüentes discursos de deputados do e da UDN contra o governo de Goulart. Como observou um estudioso, tais demonstrações públicas tinham o propósito de "criar clima sócio-político favorável à intervenção militar, bem como de incitar diretamente as forças armadas ao golpe de Estado" (Décio Saes, "Classe Média e Política", In: Brasil Republicano, vol. 3). Estas manifestações civis — onde praticamente era inexistente a presença popular e operária — nunca foram "espontâneas"; além de se inspirarem em campanhas anticomunistas realizadas em outros países, sempre foram estimuladas e incentivadas pelos conspiradores na área militar.

Apesar de ter sido precipitada pelo comício do dia 13, a intervenção das Forças Armadas, na verdade, vinha sendo preparada desde os primeiros dias em que Goulart tomara posse no regime parlamentarista. Se naquela ocasião era reduzido o número dos "conspiradores de primeira hora", vários acontecimentos ocorridos no período, envolvendo as forças armadas (Revolta dos Sargentos; Estado de Sítio; atritos entre oficiais e setores políticos nacionalistas; freqüentes substituições de ministros militares no governo etc), contribuíram para aumentar o quadro dos descontentes. Na perspectiva da alta oficialidade militar, no País e no interior da corporação vinham sucedendo-se "situações intoleráveis": "quebra da disciplina e da hierarquia", "subversão da lei e da ordem", "crise de autoridade", "caos administrativo". A conspiração nos meios militares, inicialmente desarticulada e dispersa em várias "células de oficiais", conseguiu unificar-se mediante a liderança do gal. Castelo Branco, empossado na chefia do Estado-Maior do Exército em setembro de 1963.

Uma semana após o comício do dia 13, num memorando de caráter reservado à alta hierarquia do Exército, o gal. Castelo Branco

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faria graves considerações sobre a situação político-institucional do país. Neste documento advertia-se para o perigo representado pela convocação de uma Constituinte ("a ambicionada Constituinte é um objetivo revolucionário pela violência com o fechamento do atual Congresso" que implicaria a "instituição de uma ditadura síndico-comunista") e para o desencadeamento de "agitações generalizadas do ilegal poder do CGT". A retirada do apoio militar ao governo Goulart foi sintetizada no seguinte trecho: "os meios militares nacionais e permanentes não são propriamente para defender programas de governo, muito menos a sua propaganda, mas para garantir os poderes constitucionais, o seu funcionamento e a aplicação da lei". Aqui estava a senha para o início da ofensiva na área militar. No entanto, a data para a deflagração do movimento visando à derrubada do governo Goulart ainda não tinha sido decidida pelos altos comandos militares. Nesta altura, julgava-se que o consenso quanto à "solução cirúrgica" ainda não tinha sido conseguido no interior da alta oficialidade. Além dos "moderados" ou "legalistas", falava-se na existência de um "sólido dispositivo militar" de sustentação do governo.Uma nova revolta no seio dos setores subalternos das Forças Armadas contribuiu para que o problemático consenso fosse imediatamente alcançado. Foi a chamada "Revolta dos Marinheiros". No dia 26 de março, mais de 1000 marinheiros e fuzileiros navais reuniam-se no Sindicato dos Metalúrgicos (Guanabara), a fim de comemorar o segundo aniversário da proibida Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil. Um contingente de fuzileiros navais, enviado para prender os manifestantes, insubordinou-se e solidarizou-se com seus camaradas revoltosos. Tendo como intermediário o , CGT, o governo convenceu os rebelados a se entregarem, levando-os presos a um quartel. Contudo, em poucas horas estes sairiam livres, anistiados pelo novo ministro da Marinha. (Comentou-se que este oficial tinha sido escolhido por Goulart, algumas horas antes, a partir de uma lista elaborada pelo "ilegal CGT".) A sublevação dos marinheiros, a anistia e a nomeação do novo ministro atingiram a alta oficialidade das forças armadas como uma "verdadeira bomba". O Clube Militar e o Clube Naval denunciaram com veemência o "ato de indisciplina acobertado pela autoridade constituída, destruindo o princípio da hierarquia". Estava, assim, selada a sorte de Goulart.

Segundo um historiador, naqueles dias, "o gal. Castelo Branco dissera aos conspiradores civis que a demissão do ministro da Marinha seria o sinal para a deposição de Jango". A partir de agora, o golpe tinha data marcada: dia 2 de abril. Neste dia estava prevista outra "passeata-monstro" de oposição no centro da Guanabara. Calculava-se que esta "manifestação civil" daria a suficiente "cobertura política para a intervenção militar (T. Skidmore, op. cit.).

Apesar dos evidentes sinais da trama golpista, Goulart surpreenderia os seus mais íntimos e diretos assessores ao decidir comparecer a uma reunião no Automóvel Clube, no dia 30 de março. Comemorava-se, na oportunidade, o aniversário da Associação dos Suboficiais e Sargentos da Polícia Militar da Guanabara. No discurso que pronunciou, transmitido por rádio e televisão, Jango

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denunciou as pressões que vinha sofrendo da direita. Para ele, a tentativa de golpe contra o seu governo estava sendo financiada pelo imperialismo e pela burguesia associada. Como vários autores comentaram, o dramático pronunciamento de Goulart tinha ressonâncias semelhantes às da carta-testamento de Vargas. "(...) O discurso não passou de uma justificativa para a História, por parte de quem já tinha decidido, não o suicídio físico como Vargas, mas o suicídio político" (Paulo Schilling, op. cit).

O golpe vitorioso: nem resistência, nem "guerra civil"

Dois dias antes da data marcada pela alta oficialidade golpista, o gal. Mourão Filho (comandante da IV Região Militar, MG), na madrugada do 31 de março, ordenou às suas tropas que se movimentassem em direção ao Rio de Janeiro. Esta iniciativa tinha sido aprovada pelos governadores de São Paulo e de Minas Gerais que incentivaram a antecipação da ação militar. Os golpistas vindos de Minas aguardavam, no entanto, a decisão do comandante do II Exército, gal. Amaury Kruel, que até aquele momento vacilava em aderir a uma ação conjunta contra o I Exército, sediado no Rio. Julgava-se até aquele momento que, além do I Exército, o III Exército (extremo sul do País) se posicionaria ao lado da defesa da ordem constitucional. Relata a "crônica do golpe de 1964" que, antes de tomar a sua "grave decisão", o gal. Kruel telefonou para o presidente da República instando-o para "abrir mão de suas bases políticas". Em outras palavras, Kruel exigia que Goulart proibisse o CGT, o PUA, a UNE e todas as demais "entidades subversivas". Em troca, prometia o militar, teria ele garantido o seu mandato presidencial. Diante da recusa de Jango, o gal. Kruel teria "lavado as mãos" e ordenado que as tropas de São Paulo se movessem para o Rio de Janeiro a fim de se unir às do gal. Mourão.

De outro lado, os soldados do I Exército, ainda leais ao governo, sob o comando do gal. Âncora, encaminhavam-se para um confronto, no Vale do Paraíba, com as tropas do gal. Kruel. No entanto, a luta armada que parecia ser iminente foi rapidamente afastada. Diante da notícia de que Goulart havia abandonado o Rio rumo a Brasília e informado ainda das "intenções pacifistas" do presidente da República, o gal. Âncora — reunido com o gal. Kruel na Academia Militar de Agulhas Negras — desistia do combate. Na tarde de 1º de abril, passava com suas tropas para o lado dos golpistas.

Setores militares dispostos a defender a "legalidade" foram dissuadidos por Goulart a não se envolverem numa "luta fratricida"; outros, porém, fariam ainda algumas tentativas de resistir ao golpe, mas a completa falência do comando do gal. Assis Brasil, chefe do "dispositivo militar", fez frustrarem-se rapidamente esses esforços isolados. Algumas horas depois de chegar a Brasília, Jango voaria para Porto Alegre. Tendo na memória a "crise de agosto de 1961", os setores democráticos esperavam, mais uma vez, que a "salvação" viesse do Sul.

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Os tempos eram outros. Apesar dos veementes apelos de Brizola, que tentava convencer Goulart acerca da necessidade de uma resistência armada, o presidente da República, informado sobre importantes defecções dentro do III Exército, recusou a última cartada em defesa da legalidade democrática. Novamente Goulart invocou a inutilidade dos gestos heróicos que implicariam no "derramamento do sangue inocente" (Moniz Bandeira, op. cit.). No dia 4 de abril, Jango rumava para o exílio no Uruguai.

Três dias antes, a direita conseguia no Congresso Nacional aprovar a declaração de vacância da Presidência da República. Na madrugada do dia 2 de abril, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, era empossado como presidente da República. Poucas horas depois, estando João Goulart ainda em território nacional, o presidente dos EUA, Lyndon Johnson, através de um telegrama, saudava calorosamente o novo governo brasileiro.

O golpe político-militar: made in Brazil?

Este telegrama, contudo, não poderia causar muita surpresa. Durante todo o período, foi intensa a atuação da embaixada norte-americana no combati político ao governo constitucional de Goulart. (Tal era a intervenção do seu embaixador, Lincoln Gordon, nos assuntos de exclusivo interesse do governo brasileiro, que o humor popular criou e difundiu o seguinte slogan: "Basta de intermediários: para Presidente, Lincoln Gordon!"...) Gordon era assíduo freqüentador do palácio presidencial. Sugeria nomes para compor os Ministérios, censurava as escolhas de "esquerdistas" para as assessorias do presidente, criticava abertamente projetos e iniciativas governamentais. Militares, governadores de estado, deputados, empresários e dirigentes sindicais, eram convidados permanentes do ativo embaixador.

Entidades políticas e sindicais que faziam sistemática oposição a Goulart foram generosamente contempladas com recursos financeiros do governo norte-americano. Tudo que visava a minar o poder do Executivo federal era incentivado pelos EUA. Thomas Mann, secretário de Estado para Assuntos Interamericanos, declarou a respeito: "quando assumi o cargo, até mesmo antes, estávamos conscientes de que o comunismo estava corroendo o governo do Presidente João Goulart, de uma forma rápida, e antes de chegar ao cargo já tínhamos uma política destinada a ajudar governadores de certos estados". Tal política ficou conhecida com o significativo nome de "ajuda às ilhas de sanidade administrativa". Consistiu ela na liberação de verbas da Aliança para o Progresso apenas para aqueles estados cujos governadores eram hostis ao governo federal. Desta forma, foram beneficiados, entre outros, os estados da Guanabara, São Paulo e Minas Gerais. Não havia, pois, nenhuma coincidência no fato de seus governadores serem notórios e importantes "conspiradores civis" — respectivamente, Carlos Lacerda, Adhemar de Barros e Magalhães Pinto.

Documentos do Departamento de Estado norte-americano,

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recentemente revelados à opinião pública, evidenciam o grau de participação e de envolvimento dos EUA na conspiração e execução do golpe de abril de 1964. Examinemos aqui apenas o caso da chamada "Operação Brother Sam". No dia 31 de março aprovou-se, numa reunião no Departamento de Estado um plano militar que consistia no envio às costas brasileiras de um porta-aviões de ataque pesado (o Forrestal), destróieres de apoio, petroleiros bélicos, navios de munições e navios de mantimentos; aviões transportando armas e munições (110 toneladas), aviões de caça, aviões-tanques e um posto de comando-transportado deveriam se deslocar para o Rio de Janeiro. O objetivo de toda esta aparatosa operação era a de fornecer "apoio logístico, material e militar" aos golpistas.

Contrariando os próprios prognósticos da CIA, que previa uma "guerra civil" prolongada no Brasil, os "revolucionários de abril" não precisaram disparar praticamente um só tiro para derrubar o governo de Goulart. Alguns telefonemas foram suficientes para que o golpe fosse vitorioso. Desta maneira, a sigilosa "Operação Brother Sam" pôde ser cancelada, antes mesmo de ser efetivada. Este fato permitiu ao solerte embaixador norte-americano proclamar com muita alegria, mas com idêntica solenidade, que a "revolução de 1964" tinha sido um "produto 100% brasileiro"! Três dias após o golpe, Carlos Lacerda ouviria de Mr. Gordon a seguinte declaração: "Vocês fizeram uma coisa formidável! Essa revolução sem sangue e tão rápida! E com isso pouparam uma situação que seria profundamente triste, desagradável e de conseqüências imprevisíveis no futuro de nossas relações: vocês evitaram que tivéssemos que intervir no conflito" (Carlos Lacerda, Depoimento). Não obstante todas estas evidências demonstrem o envolvimento norte-americano no processo de derrubada de Goulart, não se deve concluir — como insistem certas interpretações mecanicistas — que o "golpe começou em Washington" ou que a "CIA esteve por detrás de tudo". Nessa versão, os agentes internos — decisivos na preparação e no desencadeamento do golpe político-militar — não passariam de meros instrumentos da política do Pentágono...

As esquerdas: uma derrota inevitável?

Parte das razões que explicam a tranqüila e rápida vitória da direita, residiu no comportamento político das esquerdas brasileiras durante os "tempos do populismo". Analisando o "fracasso das esquerdas" em 1964, um autor, assim, comentou: "na pior das hipóteses, a derrota era provável. Em qualquer caso, não era inevitável. Sobretudo, não era inevitável que fosse tão rápida, arrasadora e desmoralizante (...)" (J. Gorender, "64: o Fracasso das Esquerdas", in Movimento, nº 299). Avaliação incor-reta da correlação de forças existentes, isolamento político em relação às grandes massas, radicalização apenas no nível da retórica, subordinação política ao reformismo populista, foram algumas das razões da "arrasadora derrota" sofrida pelas esquerdas em 1964.

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Em virtude do CGT ter tido uma intensa e ativa participação nas diferentes crises políticas do período, passou-se a acreditar que ele teria uma força política capaz de barrar o caminho de qualquer ação golpista de direita. O acesso fácil das suas cúpulas dirigentes aos corredores e gabinetes palacianos — realidade possível em algumas "democracias populistas" — e a retórica radical de seus pronunciamentos confundiram as esquerdas acerca do "poderio do CGT". Nem sempre estar próximo do governo, constatariam amargamente as esquerdas, significa estar junto ao poder político real. De outro lado, desconsiderava-se que o sucesso de algumas greves políticas — o "grande trunfo" do CGT — deveu-se, em parte ao apoio oficial; igualmente, como se viu, a maioria dessas paralisações pouco êxito obteve junto aos operários das empresas privadas. A greve geral, brandida tantas vezes ameaçadoramente contra os setores de direita, fracassou; no dia 31 de março, apenas a Guanabara teve paralisados os seus serviços de transporte (a repressão militar caiu imediatamente sobre a liderança sindical, impedindo-a, assim, de comandar a greve geral). Não obstante a classe operária brasileira não tenha participado do golpe nem aderido aos "vitoriosos", deve-se ressaltar que ela se manteve indiferente aos insistentes apelos feitos pelo CGT em defesa da greve geral antigolpista. Este acontecimento, no fundo, traduzia uma inquestionável realidade: durante todo o período 1962/1963, foi reduzido o trabalho do CGT junto às bases sindicais; longe de desqualificar a importante atividade desenvolvida pela organização, no breve período em que existiu, deve-se, no entanto, reafirmar aqui que o CGT constituiu-se mais num organismo político — controlado pela esquerda nacional-reformista — do que num organismo propriamente sindical.

A "força revolucionária" das Ligas Camponesas igualmente revelou-se numa decepcionante realidade para as esquerdas brasileiras. No golpe, somente uma pequena resistência foi tentada por alguns líderes populares junto aos trabalhadores rurais e foreiros do Nordeste. Todas essas tentativas foram rapidamente vencidas pelo forte aparato repressivo. Apesar de as Ligas, a partir da sindicalização rural, terem entrado numa fase de declínio, mantinha-se ainda uma elevada expectativa política em relação a elas. Para isso contribuíam as freqüentes declarações de seus líderes. Era o caso, por exemplo, de Francisco Julião. No dia 31 de março de 1964, abrigado no Congresso Nacional, o líder nacional das Ligas Camponesas faria uma solene declaração: "Senhor presidente, senhores deputados, deixo esta tribuna prometendo ocupá-la mais vezes, pois resolvi que este ano há de ser para mim o ano parlamentar; resolvi freqüentar mais esta Casa, porque a minha no Nordeste já está arrumada. Se amanhã alguém tentar levantar os 'gorilas' contra a Nação, já podemos dispor — por isso ficamos no Nordeste o ano todo — de 500 mil camponeses para a responder aos 'gorilas' " (in M. de Nazateth Wanderley e outros, Reflexões Sobre a Agricultura Brasileira). No dia seguinte, os "gorilas" do IV Exército davam ordem de prisão ao governador de Pernambuco, Miguel Arraes, sem que os camponeses — desarmados e desorganizados — nada pudessem fazer diante da bem armada e bem organizada repressão militar.

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De semelhante radicalismo verbal padeceu também a liderança de Leonel Brizola. Seus famosos Grupos de Onze, criados a partir de fins de 1963, revelaram-se frágeis demais para se anteporem a qualquer ação golpista. Embora a direita denunciasse sistematicamente o perigo representado por esses grupos, não foi observada nenhuma atuação significativa dos brizolistas durante o movimento golpista. A rigor, os adeptos de Brizola limitaram-se, através das ondas da Rádio Mayrink Veiga, a conclamar o povo a lutar contra os "gorilas".

Talvez uma das maiores fantasias construídas pelas esquerdas nacionalistas tenha sido a de crer no "legalismo das forças armadas". Na época falava-se freqüentemente nos "generais do povo" que constituíam o inquebrantável "dispositivo militar" do gal. Assis Brasil. Voltava-se também a difundir o velho chavão: "militar é o povo fardado". Igualmente acreditou-se no chamado "sargentismo"; como advertiu um autor, julgava-se que "segurança do regime democrático, em geral, e do governo Goulart, em particu-lar, repousava nos sargentos" (N. Werneck Sodré, Memórias de um Soldado). Desconsiderava-se, assim, a "questão militar", tal como foi interpretada por Gorender: "por sua coesão institucional essencialmente conservadora e antidemocrática, as forças armadas tinham de reagir com violência às ameaças à sua estabilidade hierárquica e ideológica. Ameaças advindas da formação de uma ala, pequena porém influente, de oficiais nacionalistas e, sobretudo, do surgimento de um movimento explosivo de sargentos e marinheiros (...) As precipitações infantis desse movimento (...) só fizeram enrijecer a reação conservadora da instituição militar" (Jacob Gorender, op. cit.).Superestimando as suas forças (CGT, Ligas Camponesas, Grupos de Onze, movimento dos sargentos, "dispositivo militar" constituído de "oficiais nacionalistas e democráticos", etc.) e, conseqüen-temente, minimizando o poder dos adversários, as esquerdas não conseguiam enxergar o golpe de direita "virando a esquina". Numa autocrítica recente, um ex-militante brizolista, num trecho de seu depoimento, com sabor de anedota, observou: "sim, esperávamos o golpe e estávamos preparando-nos febrilmente, com todas as forças, para enfrentá-lo. Acreditávamos, porém, que o golpe, seguindo a tradição brasileira, viria no segundo semestre (...)" (Paulo Schilling, op. cit.). Numa palestra pronunciada na ABI, Rio de Janeiro, a 4 dias do desencadeamento do movimento militar, o secretário-geral do PCB, Luiz Carlos Prestes — conforme o depoimento de um ex-membro do CC do PCB à época do golpe de 1964 —, "enfatizou que (...) Goulart tornava-se o porta-bandeira da revolução brasileira e que não havia condições para um golpe reacionário. Se este ocorresse, 'os golpistas teriam as suas cabeças cortadas'" (Jacob Gorender, op. cit., grifos do autor).

Fragmentadas em diferentes correntes ideológicas e isoladas das grandes massas rurais e urbanas, foram as esquerdas e os setores populares que tiveram as suas "cabeças cortadas". Se, na retórica do líder comunista, as "cabeças cortadas" tinham um valor simplesmente metafórico, tragicamente, porém, na prática dos "vencedores de abril", a expressão ganharia um significado real e concreto.

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Desta forma, o imobilismo das esquerdas, em geral, se explicaria em virtude de uma incorreta, pois idealista, avaliação da correspondência de forças existentes nos meses anteriores a abril de 1964; de outro lado, subordinadas e vinculadas ao "populismo janguista", não conseguiram as esquerdas nacionalistas visualizar e implementar uma ação independente em relação à política capitulacionista de Goulart. Como um "castelo de cartas" desmoronou o frágil e incipiente poder das organizações e entidades que buscavam representar as classes populares e tra-balhadoras.

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C onclusões

No período de 1961 a 1964, verifica-se a emergência, no interior do Estado burguês, de um Executivo que se distinguiu fundamentalmente pela tentativa de realizar um amplo programa de Reformas (econômicas, sociais e políticas). Tais Reformas, no entanto, constituíram-se em simples consignas políticas, pois nunca conseguiram ser implementadas — seja pela negativa do Congresso Nacional (que expressava a oposição de expressivos setores da chamada "sociedade civil"), seja pela ambigüidade ou incapacidade política do governo (no parlamentarismo e no presidencialismo). Como se viu, quando o governo Goulart passou a demonstrar um maior empenho na aprovação das Reformas, teve seu caminho barrado pelo golpe.

Estas reformas visavam, basicamente, a resolver alguns dos impasses enfrentados pelo capitalismo brasileiro no início dos anos 60. Não tinham, assim, nenhum caráter transformador; muito menos revolucionário, como apregoavam setores das classes do-minantes. Elucidativo a este respeito foi o caso da proposta mais polêmica e mais intensamente defendida pelo governo: a Reforma Agrária. Tal reforma buscava responder às necessidades de expansão do capitalismo industrial brasileiro ao mesmo tempo que atendia aos imperativos da preservação da ordem burguesa.

Se o governo Goulart não podia senão prever a oposição dos grandes proprietários rurais — o que de fato ocorreu durante todo o período —, supunha-se, no entanto, que teria ele o respaldo da burguesia industrial brasileira para a consecução de seu programa reformista. Em outras palavras, julgava-se que a chamada burguesia nacional — cujos interesses o Executivo pretendia representar — não podia senão se integrar na defesa da política nacional-reformista. Ficou comprovado, posteriormente, para igual decepção de setores da esquerda nacionalista — que postulavam a estratégia da aliança de classes —, que nunca foi politicamente significativo o compromisso da burguesia brasileira com a realização das reformas. Conclusão análoga pode ser retirada acerca da questão do nacionalismo. O nacionalismo da burguesia brasileira sempre teve um caráter pragmático; ou seja, dependendo das circunstâncias e das suas conveniências, setores da burguesia brasileira se opõem ou se associam ao capital multinacional.

A propósito do chamado nacionalismo do governo Goulart, deve se afirmar que foi ele muito mais retórico do que uma efetiva realidade. Em contrapartida, a conciliação com o imperialismo constituiu-se numa constante durante os "tempos de Goulart". A mais importante medida de caráter nacionalista tomada pelo governo — a promulgação da Lei de Remessa de Lucros — somente se efetivou depois de intensas manifestações dos setores populares. Recorde-se que o projeto tinha sido aprovado pelo Congresso e aguardou mais de 16 meses para ser sancionado, pois o Executivo aceitou e se submeteu às pressões contrárias vindas do governo dos EUA e da burguesia brasileira associada ao capital multinacional. Reconheça-se, contudo, que — apesar de não poder ser considerado

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um governo eminentemente nacionalista — o Executivo denunciou freqüentemente a "espoliação imperialista" e sempre manteve estreitas relações com os setores nacionalistas e populares.

Esta aproximação com as organizações políticas das classes populares e trabalhadoras fazia-se através do reconhecimento da legitimidade de suas reivindicações, do apoio às entidades ditas ilegais (CGT, PUA, etc), da não repressão às greves políticas, da extensão da legislação trabalhista ao campo, do respeito às liberdades políticas, etc. As medidas populares e nacionalistas, tomadas no início de 1964 e que culminaram com o Comício do dia 13, aprofundaram a chamada "guinada popular e de esquerda" do governo populista de Goulart. Esta vinculação com os movimentos populares e de esquerda, no entanto, somente ocorre de forma mais intensa quando o governo verifica que não lhe resta nenhuma alternativa de sustentação política. Mas esta relação não se deu sem dificuldades e sem problemas.

Durante todo o período, as desconfianças, por parte dos setores populares e de esquerda, em relação ao governo Goulart, sempre foram muito fortes. Foi ressaltado, por exemplo, que o mais importante documento produzido pelo governo (Plano Trienal) tinha um inegável sentido antipopular e antioperário. A "guinada para a esquerda" foi, inclusive, interpretada com muitas reservas, pois se desconfiava das "manobras continuístas" de Goulart. Desta forma, o governo Goulart nem conseguia o pleno respaldo das classes populares e trabalhadoras, nem se legitimava face ao conjunto das classes dominantes.

Até o momento em que se constata o malogro do Plano Trienal, o governo conseguiu um relativo apoio político de expressivos setores da burguesia industrial brasileira (na posse, no Plebiscito, na execução inicial do Plano Trienal etc). Mas, diante da incapacidade do Executivo — de um lado, em reverter a tendência de estagnação da economia e, de outro, em pôr fim às crescentes reivindicações e greves das classes trabalhadoras —, a quase totalidade da burguesia nacional passou a conspirar ativamente contra o governo. A crise econômica e o avanço político-ideológico das classes populares e trabalhadoras passavam a ser encarados como realidades sociais inaceitáveis. No limite, difundiam os ideólogos da direita, as classes subalternas buscariam impor soluções não burguesas à crise econômico-social. Tal ameaça — embora objetivamente remota, como se tentou mostrar — provocou a unificação política das classes dominantes.

A crescente radicalização política do movimento popular e dos trabalhadores, pressionando o Executivo a romper os limites do "pacto populista", levou o conjunto das classes dominantes e setores das classes médias — apoiados e estimulados por agências governamentais norte-americanas e empresas multinacionais — a condenar o governo Goulart. A derrubada do governo contou com a participação decisiva das forças armadas, as quais — a partir de meados de abril de 1964 — impuseram ao país uma nova ordem político-institucional com características crescentemente militarizadas. As reformas exigidas pelo capitalismo brasileiro seriam agora implementadas. Repudiando o nacional-reformismo, as classes dominantes, através do Estado burguês militarizado, op-

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tariam pela chamada "modernização-conservadora", excluindo, assim, as classes trabalhadoras e populares da cena política e pondo fim à democracia populista.

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Revisão: Argo – www.portaldocriador.org

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I ndicações para leitura

I. Abordando os diferentes aspectos (econômicos, políticos e sociais) do governo Goulart existe apenas uma obra na literatura política brasileira:

Moniz Bandeira, O governo João Goulart: As Lutas Sociais no Brasil. Do ponto de vista documental, o livro de Thomas Skidmore, Brasil: De Getúlio a Castelo, constitui-se numa interessante introdução para o conhecimento dos fatos relevantes no período Goulart; documentos esparsos sobre o governo e sobre o período em questão encontram-se em Edgard Carone, A Quarta República; uma visão jornalística das principais questões políticas: Mário Victor, 5 anos que abalaram o Brasil. Um relato jornalístico comentado do período que vai de meados de 1962 a abril de 1964 é oferecido em Carlos Castello Branco, Introdução à Revolução de 1964.

II. Processos políticos e movimentos sociais no período:

Francisco Weffort, O Populismo na Política Brasileira; Octavio Ianni, O Colapso do Populismo no Brasil; idem e outros, Política e Revolução Social no Brasil; Caio Prado Jr., A Revolução Brasileira; S. Amad Costa, CGT e as Lutas Sindicais no Brasil; L. de Almeida Neves, CGT no Brasil; K. Paul Erickson, Sindicalismo no Processo Político Brasileiro. Recentemente foi publicado o 3º vol., tomo III de O Brasil Republicano, contendo importantes ensaios sobre o período.

III. Economia brasileira no período:

Carlos Lessa, 75 Anos de Economia Brasileira; Francisco de Oliveira, "Crítica à Razão Dualista", in Seleções, Cebrap; Maria Conceição Tavares, Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro; Octávio Ianni, Estado e Planejamento Econômico no Brasil; Cibilis Viana, As Reformas de Base e a Política Nacionalista de Desenvolvimento;

IV. Sobre o golpe político-militar:

R. Armand Dreifuss, 1964: A Conquista do Estado; Paulo Schilling, Como se coloca a direita no poder (I e II); Marcos Sá Corrêa, 1964: Visto e Comentado Pela Casa Branca; Phyllis Parker, 1964: O Papel dos Estados Unidos no Golpe de Estado de 31 de Março; Hélio Silva, 1964: Golpe ou Contragolpe?; Jacob Gorender, "64: O Fracasso das Esquerdas", in Movimento, nº 299. Há um elevado número de relatos jornalísticos e de memórias sobre os eventos de março/abril de 1964. Citam-se aqui apenas alguns deles: Alberto Dines e outros, Os Idos de Março; Abelardo Jurema, Sexta-feira, 13; Edmar Morei, O golpe começou em Washington.

V. Revistas com artigos sobre o período e sobre o golpe de

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1964:

Revista Brasiliense; Estudos Sociais; Revista Civilização Brasileira.