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Neste texto o Padre Charles Pope revela que a carnificina promovida pelos terroristas do Estado Islâmico esclarece muitos pontos sobre as Cruzadas.
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O HORROR DO ESTADO ISLÂMICO DESMASCARA QUATRO MITOS SOBRE AS CRUZADAS O mesmo inferno sofrido pelos cristãos de hoje foi sofrido pelos cristãos da Idade Média. E eles reagiram em legítima defesa. Por Charles Pope*
Os recentes, constantes e estarrecedores ataques cometidos pelos
radicais do Estado Islâmico, entre os quais a decapitação de 21
cristãos egípcios no último fim de semana, têm levado muita gente,
no mundo inteiro, a se perguntar: o que é que pode ou deve ser
feito, afinal de contas, para dar um basta a essas aberrações?
Vários países já puseram operações militares em andamento.
Grande parte das pessoas entrevistadas pela televisão ou que se
manifestam nas redes sociais não apenas considera justificada a
intervenção militar contra um grupo terrorista capaz de tamanha
selvageria; muita gente inclusive pede mais esforços concertados
para eliminar os fanáticos que parecem não conhecer piedade
alguma, razão alguma e limite algum.
Diante de uma ameaça tão brutal e real, volta à tona o conceito de
"guerra justa": em casos tão extremos, o uso da força é uma
possibilidade aceitável ou, mais ainda, é uma obrigação de justiça,
voltada a parar o injusto agressor e a defender os direitos humanos
das vítimas covardemente agredidas?
A chocante experiência que estamos vivendo diante do grau
assassino de fanatismo dos agressores faz com que venha ao caso
reavaliar com outros olhos um contexto muito semelhante: o dos
cristãos da Idade Média, que também sofreram atrocidades de todo
tipo e se viram diante da urgência de reagir, ainda que fosse pela
força.
Foi nesse contexto que a cristandade empreendeu as Cruzadas: em
reação a uma ameaça horrenda, que já durava mais de 400 anos e
que precisava ser vigorosamente repelida. Não teria sido por pouca
coisa, afinal, que a maioria dos grandes santos da época apoiou as
Cruzadas: entre eles, ninguém menos que São Bernardo, Santa
Catarina de Sena e São Francisco de Assis. Isso mesmo: o São
Francisco de Assis que, até hoje, é símbolo de luta heroica pela
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paz. Mesmo ele se viu obrigado a acompanhar os cruzados;
pregando a reconciliação e a paz, é claro, mas sabendo, ao mesmo
tempo, que a cristandade tinha o direito e o dever de se defender
das agressões sofridas.
Obviamente, a resposta dos cruzados não deve nem pode ser vista
como coisa plenamente adequada e isenta de pecados. É muito
raro que algum conflito armado termine sem atrocidades (o que é
uma ótima razão para que sempre consideremos a guerra somente
como último e extremo recurso). No entanto, a maioria das ideias
populares sobre as Cruzadas é muito mais influenciada pelo
fanatismo anticatólico do que pela verdade histórica.
Um artigo de Paul Crawford, publicado alguns anos atrás, apresenta
“Quatro mitos sobre as Cruzadas”. O artigo original, que é longo,
mas excelente, pode ser lido na íntegra aqui (em inglês).
Eu me permito, a seguir, fazer um resumo do que Paul Crawford
nos relata com base em suas pesquisas.
MITO 1: “As cruzadas foram um ataque gratuito dos cristãos
ocidentais contra os muçulmanos”.
Uma revisão cronológica honesta derruba esta mentira. Até o ano
632, o Egito, a Palestina, a Síria, a Ásia Menor, o Norte da África, a
Espanha, a França, a Itália e as ilhas da Sicília, da Sardenha e da
Córsega eram todos territórios cristãos. Dentro das fronteiras do
Império Romano, que ainda existia no Mediterrâneo oriental, o
cristianismo ortodoxo era a religião oficial e esmagadoramente
majoritária. Fora daquelas fronteiras, ainda havia outras grandes
comunidades cristãs, não necessariamente ortodoxas e católicas,
mas, ainda assim, cristãs: a maioria da população cristã da Pérsia,
por exemplo, era nestoriana. Também havia várias comunidades
cristãs espalhadas pela Arábia.
Apenas um século mais tarde, em 732, os cristãos já tinham perdido
o Egito, a Palestina, a Síria, o Norte da África, a Espanha, a maior
parte da Ásia Menor e o sul da França. A Itália e suas ilhas
associadas também estavam sob ameaça; tanto que as ilhas
acabariam sob o domínio islâmico no século seguinte. Logo após o
ano de 633, as comunidades cristãs da Arábia foram inteiramente
destruídas. Tanto os judeus quanto os cristãos foram expulsos da
península arábica. Os da Pérsia estavam sob forte pressão. Dois
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terços do antigo mundo cristão romano se viam agora governados
pelos muçulmanos.
O que é que tinha acontecido? Cada uma dessas regiões listadas
acima foi tomada pelos muçulmanos no espaço de apenas cem
anos. Cada uma delas foi arrancada do controle cristão por meio da
violência, em campanhas militares deliberadamente concebidas
para expandir o território do islã. E o programa de conquistas do islã
não terminou por aí. Carlos Magno bloqueou o avanço muçulmano
rumo à Europa ocidental por volta do ano 800, mas as forças
islâmicas simplesmente mudaram seu foco para a Itália e para a
costa francesa, atacando a Itália continental em 837. Uma luta
confusa pelo controle do sul e do centro da Itália prosseguiu durante
o resto do século IX e continuou no século X. O próprio interior
italiano chegou a ser atacado. Com a urgência de proteger as
vítimas cristãs, os papas do século X e do início do século XI se
envolveram diretamente na defesa do território. Os bizantinos
levaram muito tempo para reunir as forças necessárias para a
reação armada. Em meados do século IX, eles montaram um
contra-ataque. Mas os muçulmanos responderam com novas e
ainda mais afiadas investidas.
Em 1009, um governante muçulmano mentalmente perturbado
destruiu a Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, e lançou
grandes perseguições contra cristãos e judeus. As peregrinações à
Terra Santa se tornavam cada vez mais difíceis e perigosas. Os
peregrinos ocidentais começaram a se unir e a portar armas para se
proteger quando tentavam visitar os lugares mais sagrados do
cristianismo na Palestina.
Desesperados, os bizantinos apelaram pela ajuda do Ocidente,
direcionando os seus pedidos de socorro principalmente à pessoa
que eles viam como a maior autoridade ocidental: o papa, que,
como vimos, já tinha organizado a resistência cristã aos ataques
muçulmanos na Itália. Finalmente, em 1095, o papa Urbano II
atendeu ao desejo do papa Gregório VII. Começou a Primeira
Cruzada.
Longe de ser “gratuitas” e de não terem sido provocadas de fora, as
Cruzadas representam o primeiro grande contra-ataque cristão
ocidental em defesa própria diante dos ataques muçulmanos
ocorridos continuamente durante mais de 400 anos, desde o início
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do islã, no século VII, até o final do século XI, e que ainda
continuariam depois também. Três das cinco principais sedes
episcopais do cristianismo (Jerusalém, Antioquia e Alexandria)
tinham sido capturadas já no século VII; as outras duas (Roma e
Constantinopla) tinham sido atacadas ao longo dos séculos
anteriores às Cruzadas. Constantinopla seria tomada em 1453,
deixando em mãos cristãs apenas uma das cinco (Roma). E Roma
foi novamente ameaçada no século XVI. Isto é ausência de
provocação ou é uma ameaça mortal e persistente que exigia uma
defesa vigorosa, caso os cristãos quisessem exercer o seu direito
de sobreviver?
É difícil subestimar as perdas sofridas pela Igreja nas várias ondas
de conquistas muçulmanas. Todo o Norte da África, antigamente
repleto de cristãos, foi conquistado. Chegou a haver 500 bispos
cristãos no Norte da África. Hoje, as ruínas da Igreja estão
enterradas na areia. Há bispos titulares, mas não residentes. Toda
a Ásia Menor, tão amorosamente evangelizada por São Paulo, foi
perdida. Grande parte do sul da Europa esteve a ponto de ser
tomado também. É mesmo possível afirmar categoricamente que os
cristãos deviam assistir impávidos ao próprio extermínio sem se
defender?
MITO 2: “Os cristãos do Ocidente foram às Cruzadas por
ganância, para saquear os muçulmanos e enriquecer”.
Poucos cruzados tinham dinheiro suficiente para bancar as próprias
obrigações em casa e, em paralelo, sustentar-se decentemente
durante uma cruzada. Desde o início, as considerações financeiras
tiveram papel muito importante no planejamento dos contra-
ataques. Os primeiros cruzados venderam tantos bens para
financiar suas expedições que provocaram inflação generalizada na
Europa. Os cruzados posteriores levaram este fato em conta e
começaram a poupar dinheiro muito antes de partirem, mas os
custos ainda eram quase proibitivos.
Uma das principais razões para o fracasso da Quarta Cruzada e do
seu desvio para Constantinopla foi justamente a falta de dinheiro
antes mesmo do início das batalhas. A Sétima Cruzada, de Luís IX,
em meados do século XIII, custou mais de seis vezes a receita
anual da coroa.
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Os papas recorreram a manobras cada vez mais desesperadas
para levantar fundos, desde instituir o primeiro imposto de renda, no
começo do século XIII, até implantar uma série de ajustes na
maneira de se concederem as indulgências (o que acabou gerando
os gritantes abusos condenados por Martinho Lutero).
Em suma: as Cruzadas levaram à falência muito mais
evidentemente do que à riqueza. Os cruzados eram bastante
cientes disso e não viam nas Cruzadas uma forma de melhorar a
sua situação, e sim uma escolha entre lutar assumindo o risco de
perder tudo e não lutar e ter a certeza de ser destruídos.
Crawford confirma que as pilhagens eram de fato permitidas ou
toleradas quando os exércitos cristãos venciam. Os saques,
infelizmente, eram comuns nos tempos antigos e medievais, mas é
relevante observar que não eram exclusividade dos cruzados. Uma
guerra dificilmente se mantém ordenada, já que os motivos de cada
soldado individual não podem ser perfeitamente controlados.
MITO 3: “Os cruzados eram cínicos que não acreditavam na
própria propaganda religiosa: eles tinham segundas intenções
e motivações materialistas”.
Esta é uma afirmação muito popular, pelo menos a partir de
Voltaire, e parece convincente para a modernidade e a
contemporaneidade, mergulhadas em visões de mundo
materialistas. Não há dúvida de que havia cínicos e hipócritas na
Idade Média, assim como os há em qualquer época.
No entanto, mito é mito e é preciso esclarecer as coisas.
Os riscos das Cruzadas eram muito altos. Muitos cruzados, se não
a maioria, sequer voltava das batalhas. Um historiador militar
estimou que os índices de baixas na Primeira Cruzada foram de
espantosos 75%.
Além disso, a participação nas Cruzadas era voluntária: os
participantes precisavam ser persuadidos a ir, e por sua conta. O
principal meio de persuasão eram os sermões, repletos de
advertências de que as Cruzadas implicavam privações,
sofrimentos e, muitas vezes, a morte; as Cruzadas afetariam
gravemente as vidas dos seus participantes, provavelmente os
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empobreceriam e mutilariam e certamente provocariam grandes
inconvenientes para as suas famílias.
E como é que um discurso desses funcionou? Funcionou
precisamente porque empreender uma cruzada em defesa da
própria fé e do próprio povo era entendido como uma penitência
valiosa para a alma e uma forma de purificação, além de um ato de
amor desinteressado que levava a dar a vida pelos amigos.
As evidências disponíveis sugerem que a maioria dos cruzados foi
motivada pelo desejo de defender o nome de Deus, colocar a
própria vida a serviço da proteção dos cristãos ameaçados e expiar
os pecados pessoais.
São conceitos difíceis para os ocidentais de hoje, tão laicos e tão
céticos diante de motivos espirituais. Acontece que, entre o nosso
atual Ocidente e a Idade Média, existe uma grande divisão
cartesiana, com seu reducionismo materialista. São outros
contextos, nos quais os parâmetros são muito diferentes. Naquela
época, a vida na terra era curta e brutal; era "um vale de lágrimas" a
ser suportado como tempo de purificação para o encontro com
Deus. Os princípios espirituais exerciam uma influência quase
incompreensível para as mentes imediatistas de hoje.
MITO 4: “Foram as Cruzadas que ensinaram os muçulmanos a
odiar e atacar os cristãos”.
Os muçulmanos já vinham atacando os cristãos continuamente
fazia mais de 450 anos quando o papa Urbano reagiu declarando a
Primeira Cruzada. Os muçulmanos não precisavam de “incentivo”
algum para atacar a cristandade. De qualquer forma, a resposta
para este mito é complexa.
A primeira história muçulmana sobre as Cruzadas só apareceu em
1899. O mundo muçulmano estava na época redescobrindo as
Cruzadas, mas com um “toque” de modernidade ocidental. No
período moderno, havia duas principais linhas europeias de
pensamento sobre as Cruzadas. Uma delas, simbolizada por
pessoas como Voltaire, Gibbon e Sir Walter Scott, além de Sir
Steven Runciman no século XX, via os cruzados como bárbaros
gananciosos e agressivos que atacavam os muçulmanos civilizados
e amantes da paz. A outra linha via as Cruzadas como um episódio
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glorioso da longa batalha em que os cavaleiros cristãos detiveram o
avanço das hordas muçulmanas.
Não foram as Cruzadas que ensinaram o islã a odiar e atacar os
cristãos. Foi o Ocidente laico que ensinou o islã a odiar uma visão
parcial e manipulada das Cruzadas.
Aliás, esta é uma estranha tendência do nosso Ocidente moribundo:
abastecer os nossos detratores com amplos motivos, inclusive
falsos ou no mínimo parciais, para nos odiar...
Não acho necessário defender com veemência as Cruzadas, até
porque há nelas muitas coisas profundamente lamentáveis, sem
dúvida alguma. Mas o justo é o justo: também há nas Cruzadas
muitos elementos que a agenda anticatólica não apenas não quer
admitir, mas até procura esconder.
Aos laicistas e ateus que gostam de exclamar "Olhem quantos
morreram em nome das guerras e da violência religiosa!", eu
respondo: "Olhem também quantas pessoas foram assassinadas no
século XX em nome de ideologias laicas e ateias". O historiador
britânico Paul Johnson, em seu livro “Modern Times”, estima este
número em nada menos que 100 milhões.
E por acaso isso justifica que uma única pessoa morra em
decorrência de uma guerra religiosa? Não. É claro que não. Mas a
violência, a guerra, a conquista e as disputas territoriais são
problemas humanos, não necessariamente religiosos e não apenas
religiosos.
O brutal sofrimento atual de cristãos aterrorizados por radicais
ligados a uma visão deformada do islã nos desafia a tomar alguma
decisão. Numa vida complexa, nem toda decisão é perfeita.
Ajudai-nos, Senhor, e, por milagre, convertei o coração daqueles
que se proclamam nossos inimigos.
* Padre Charles Pope é o Pároco da Holy Comforter Church em
Washington D.C., USA.