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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo P rograma de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem - LAEL TIAGO BRASIL DE AVILA O IDOSO NA PUBLICIDADE: CENOGRAFIA E ETHOS Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre e Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, na área de concentração Análise do Discurso, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2013

O IDOSO NA PUBLICIDADE: CENOGRAFIA E Brasil de... · Aos meus pais, Jair e Mara, essa singela homenagem, pela bênção de tê-los como pais, por nunca terem deixado de acreditar

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Pont i f íc ia Universidade Catól ica de São PauloP r o g r a ma d e P ó s - G r a d u a ç ã o e m L i n g ü í s t ic a

Ap l ic a d a e E s t u d o s d a L in g u a g e m - L AE L

TIAGO BRASIL DE AVILA

O IDOSO NA PUBLICIDADE: CENOGRAFIA E ETHOS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título de

Mestre e Linguística Aplicada e Estudos da

Linguagem, na área de concentração Análise do

Discurso, sob a orientação da Profa. Dra. Maria

Cecília Pérez de Souza-e-Silva.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo

2013

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Banca Examinadora

_______________________________________________

Profa. Dra. Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva

_______________________________________________

Profa. Dra. Silma Ramos Coimbra Mendes

_______________________________________________

Profa. Dra. Ana Raquel Motta de Souza

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Aos meus pais, Jair e Mara, essa singela homenagem, pela bênção de tê-los como pais, por nunca terem deixado de acreditar em mim, pelo amor e pelos valores com os quais me criaram e que me norteiam ao longo da vida.

A Cecilinha e aos amigos do Atelier,

pela generosidade de me acolherem com tanto carinho e me ensinarem tantas coisas.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família, por ter sempre me auxiliado, oferecendo o suporte necessário

para que essa dissertação pudesse vir ao mundo. Aos meus pais, Jair e Mara, e à minha

irmã Carolina, meu profundo agradecimento pelo amor, pelos cuidados, pelo empenho e

pelos recursos que tornaram esse trabalho viável.

À Profa. Dra. Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva, pela orientação, pela paciência e

pelo carinho.

À Penha, pelo amor ao saber que vive nela e pela semente que deixou em mim.

Ao meu filho Pedro, pela paciência que teve comigo esse tempo todo e pelo amor, pelo

carinho e pela inspiração.

Á minha companheira, Helba, pelo amor, pelos toques, pela ajuda, pela paciência e pelo

engajamento na pesquisa.

À Capes, por ter apostado no sucesso desse trabalho.

Às Professoras Doutoras Silma Ramos Coimbra Mendes, Ana Raquel Motta de Souza,

Marília Giselda Rodrigues, Maria Inês Sarno Otranto e Vera Lucia de Albuquerque

Sant’Anna pelo apoio, pela orientação e pelo carinho.

Ao Professor Doutor Tony Berber Sardinha, pelos primeiros passos.

À Tamires, pela parceria. À Adri, pelo abraço. À Isis, pela alegria. Ao Wendel, pelas

risadas. À Marcela, pela motivação. Ao Milton, pela simpatia. Ao Rodolfo, pela

reflexão. A todos os que porventura não tenham sido elencados aqui, mas que

contribuíram de alguma forma para perpetuar o nosso Atelier.

À Maria Lúcia e à Márcia, sempre tão solícitas para ajudar.

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Sumário Introdução.............................................................................................01 Parte I. Contexto da pesquisa...............................................................06

Parte II. Pressupostos teóricos.............................................................36

Parte III. Análise do corpus........................................................................42

Conclusão ...........................................................................................93

Referências Bibliográficas..........................................................................97

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Resumo

Essa dissertação tem por objetivo apresentar uma análise das práticas

discursivas sobre o idoso no atual momento histórico (as duas primeiras décadas do

século XXI), presente em alguns recortes de textos de comunicação do gênero

publicitário, identificando os espaços discursivos dentro dos quais emergem os

posicionamentos sobre esse ator social e estudando a relação que eles constroem entre

si, de acordo com os escritos de Dominique Maingueneau sobre interdiscursividade e

interincompreensão discursiva, semântica global (2005) e as noções de ethos discursivo

e cenografia (2001) A pesquisa se justifica pela crescente demanda por uma revisão a

respeito dos estereótipos sobre esses atores sociais.

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Summary

This research aims at presenting an analysis of the discoursive practices

about the elderly in our current historical moment (the two first decades of the twenty-

first century) verified in parts of texts belonging to the advertisement genre ,

identifying the discoursive spaces within which the positions about this social actor

emerge and studying the relationship they create between one another, according to the

works of Dominique Maingueneau about interdiscourse and interincomprehension,

global semantics (2005) and the notion of discoursive ethos and cenography (2001).

This research is justified by an increasing demand for a revision of the stereotypes about

these social actors.

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INTRODUÇÃO

Por que estudar a relação entre o idoso e a publicidade?

Na abertura de seu artigo “O Velho na Propaganda”, Guita Grin Debert cita o

comentário que um especialista em mídia publicitária havia feito sobre o objeto de sua

pesquisa. Segundo ele, um estudo dessa natureza seria impossível pelo fato de não haver

idosos na publicidade. O artigo foi publicado em maio de 2003, cinco meses antes da

promulgação do Estatuto do Idoso, carta legal que trouxe consigo um posicionamento

das lideranças políticas do país acerca do problema do envelhecimento populacional.

Desde então, a presença de homens e mulheres com mais de 60 anos tornou-se mais

frequente em peças publicitárias governamentais, de instituições engajadas no bem-estar

do idoso e de empresas privadas.

O objetivo dessa dissertação é apresentar uma análise das práticas discursivas

sobre o idoso no atual momento histórico (as duas primeiras décadas do século XXI),

presente em alguns recortes de textos de comunicação do gênero publicitário,

identificando os espaços discursivos dentro dos quais emergem os posicionamentos

sobre esse ator social e estudando a relação que eles constroem entre si, de acordo com

os escritos de Dominique Maingueneau sobre interdiscursividade e interincompreensão

discursiva, semântica global (2008) e as noções de ethos discursivo e cenografia (2001).

Observamos que, além de ter se tornado uma presença mais frequente nos textos

publicitários, a figura do idoso vem sendo retratada de maneira inédita. Nesse sentido,

acreditamos estar ocorrendo na atualidade um movimento de revisão sobre os

posicionamentos a respeito desses atores sociais, que pode ser depreendido através da

análise dos discursos contidos em textos do gênero publicitário. A nossa hipótese é a de

que essa reavaliação não se dê de forma homogênea, dado que os textos procedem de

instituições com relações de natureza diferente com o idoso: enquanto ele é um sujeito

de direito para o Estado e para as instituições engajadas no seu bem-estar, por outro lado

é um consumidor de bens e serviços para as instituições privadas, o que pode influenciar

o modo como o idoso é representado nos discursos contidos nos textos dessas

instituições.

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Acreditamos que a natureza da relação que ele possui com cada um desses tipos

de instituições seja um fator de influência nas representações encontradas naqueles

textos. Essa hipótese se baseia no fato de que alguns textos governamentais observados

por nós até o momento em que iniciamos esse estudo tratava do idoso por

representações discursivas que muitas vezes nos comunicavam um efeito de sentido de

piedade ou tristeza, enquanto que os textos de empresas particulares apontavam a

possibilidade de representações mais gratificantes e felizes da vida após os 60 anos.

Assim, propomos algumas questões para nortear a nossa pesquisa:

1) Como se caracterizam os discursos identificados nos textos de cada um dos

tipos de instituição?

1) Como se caracteriza a relação que esses discursos trazem com outros

verificáveis em textos de instituições de natureza diversa daquelas de onde

eles provêm?

A profusão de textos sobre o idoso que observamos na atualidade aponta a

crescente demanda por um debate sobre a sua atual situação na sociedade: instituições e

ONGs engajadas circulam campanhas de conscientização sobre o problema do

abandono e dos maus-tratos, trazendo à tona questões pouco discutidas ou

desconhecidas; ao mesmo tempo, o mercado de bens de consumo percebe no

engrossamento dessa população o surgimento de um novo perfil de consumidor,

oferecendo produtos e serviços exclusivos em peças publicitárias que o cortejam e o

seduzem. Páginas na internet, redes sociais, artigos de jornais e revistas, assim como

matérias televisivas, trazem novas tendências e a revisão de conceitos e estereótipos

associados ao envelhecimento, como é o caso da campanha “Nova Cara da Terceira

Idade”1 , idealizada pela agência Garage Interactive Marketing e veiculada pela rede

social “Facebook”, que busca novas representações para a pictografia do idoso em

espaços públicos.

1 http://www.facebook.com/Nova3idade, acessado em 04/04/2013

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Seguindo essa divisão em três tipos de instituição, o nosso corpus teve como

critério de seleção colher textos que representassem os discursos de cada uma delas

(governo, empresas privadas e ONGs/ instituições engajadas), já que conferem um

estatuto diferente para o idoso: enquanto o Estado e as instituições engajadas têm por

finalidade defender os seus interesses e promover o bem-estar, as empresas privadas

procuram seduzi-lo para a compra de bens de consumo e serviços. Nesse sentido, a

contribuição dos colegas de nosso grupo de estudos (Atelier Linguagem e Trabalho) foi

fundamental, dotando-nos de um corpus inicial de 56 textos, dos quais

aproximadamente dois terços correspondiam a comerciais de TV, enquanto que os

demais dividiam-se entre comerciais de revistas e pôsteres. Após algumas sessões de

debate sobre esse corpus com a nossa orientadora Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva

e nossos colegas de estudos, chegamos a um corpus final de 24 textos, dos quais 13

textos são patrocinados por empresas privadas (7 comerciais de TV e 6 anúncios de

revistas), 9 textos governamentais (dos quais 4 são pôsteres, 3 são anúncios de revistas e

2 são comerciais de TV) e 2 textos de instituições engajadas nas questões do idoso. O

número reduzido de textos representativos desse último tipo de instituição se deve à

pouca variação de temas, abordagem discursiva e gêneros encontrada entre aqueles que

nos foram apresentados (muitos deles tratavam do abandono ou da violência através de

cenas chocantes ou que despertassem a empatia, invariavelmente em pôsteres).

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Uma das nossas preocupações ao empreendermos essa pesquisa foi a de revisar

o nosso próprio discurso de modo que a dissertação refletisse o nosso posicionamento

sobre a questão do preconceito contra o idoso. Como atores sociais historicamente

ancorados na realidade, é natural que o nosso discurso reflita o posicionamento de

instituições à qual nos afiliamos no agora tanto quanto aquelas às quais nos

inscrevíamos no passado e cujas marcas discursivas persistem em emergir na superfície

discursiva dos nossos enunciados. Nesse sentido, repensar a maneira como nós

enunciamos a condição dos atores sociais que são a fonte da nossa análise foi um passo

importante da nossa pesquisa ao identificarmos a necessidade de modalizá-lo, trocando

designações pejorativas como velhice e velho, por outras como senhores e senhoras,

pessoas idosas e vida após os 60.

Como lidar, porém, com outras tais como envelhecimento e terceira idade?

Afinal de contas, apesar de originário do mesmo radical linguístico de velho, a primeira

é um processo natural do qual nada pode escapar; e a segunda, por mais que encontre a

resistência de alguns por soar como um eufemismo para a palavra velhice, cristalizou-se

e tornou-se, de fato, uma designação bastante recorrente em muitos textos que tratam da

questão em variados campos discursivos. O fato é que a questão da discursivização não

pode ser reduzida a uma de vocabulário, posto que a palavra não traz em si a grade

semântica que sustenta o discurso, devendo ser ela uma questão de enunciações dentro

de um espaço discursivo, dentro do qual esse discurso irá emergir como ele mesmo e

refletirá ainda os seus antípodas. Como explica Souza e Silva:

...não há sentido em falar em vocabulário de tal ou qual discurso como se houvesse um léxico

específico, mas sim em sentidos diferentes atribuídos a um mesmo item lexical por discursos

diferentes, dependendo do posicionamento discursivo. A palavra em si não constitui, portanto,

uma unidade de análise pertinente, ela pode ser explorada contraditoriamente por diferentes

discursos.(2009, p. 8)

É assim que “meu velho” pode ser interpretado de modo completamente

diferente de “esse velho”, e o próprio conceito de eufemismo torna-se obsoleto quando

levamos em consideração que, acima da polêmica que envolve a designação Terceira

Idade, está aquilo que os nossos posicionamentos revelam sobre o que o idoso significa

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de fato quando a inserimos em nosso discurso, lugar onde articulamos a nossa

linguagem e onde reside a ideologia.

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PARTE I – CONTEXTO DA PESQUISA

1.1 O governo e as entidades engajadas no bem-estar do idoso

A situação do idoso no Brasil e no mundo vem alimentando debates entre órgãos

governamentais, mídia e população desde a década de 1970 e com notado relevo a partir

de 1982, quando a Organização das Nações Unidas promoveu a Assembleia Mundial

sobre o Envelhecimento em Viena para iniciar a discussão de questões sociais,

econômicas, legais e culturais sobre o envelhecimento populacional, encontro que

resultou em um plano de ação contendo 62 recomendações. Uma segunda Assembleia

foi realizada mais recentemente em Madrid no ano de 2002, quando os países-membros

se comprometeram a programar medidas para dar conta dos desafios relativos ao

envelhecimento populacional. O Brasil engajou-se na busca de soluções a partir de

1994, com a promulgação da Política Nacional do Idoso (lei 8.842) e uma década mais

tarde com o Estatuto do Idoso (Lei 10.741), que ampliaria e reforçaria a PNI.

A criação da Lei nº 10.741 de 1° de outubro de 2003, denominada Estatuto do

Idoso, traduz a preocupação do legislador em proteger e garantir os direitos das pessoas

com idade igual ou superior a 60 anos, bem como a sua integridade física e moral. A lei

traz em seu corpo dispositivos legais de proteção dos direitos à saúde (artigos 15 ao 19),

à educação, cultura, esporte e lazer (artigos 20 a 25), à profissionalização e ao trabalho

(artigos 26 a 28), à previdência social (artigos 29 a 32), à assistência social (artigos 33 a

36), à habitação (artigos 37 e 38), ao transporte (artigos 39 a 42), à fiscalização das

entidades de atendimento (artigo 52) e ao acesso à justiça (artigos 69 a 71). O Estatuto é

ainda dotado de tipos penais para a punição de crimes cometidos contra o idoso (artigos

93 a 118).

Essa preocupação por parte das lideranças governamentais professada no

Estatuto vem dando ensejo à criação de programas para a promoção dos direitos nele

contidos, bem como no combate à violência e aos maus-tratos contra o idoso. As

designações identificadas nos textos publicitários desses programas, no entanto, são

reveladoras da atual condição do cidadão idoso no Brasil e daquilo que os idealizadores

dessas campanhas pretendem fazer circular como representações dessa fase da vida.

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Citemos, como exemplo, os programas de habitação para a população idosa Vila da

Melhor Idade, no estado do Rio de Janeiro, e o Vila Dignidade no estado de São Paulo:

o primeiro pretende fazer acreditar que a idade acima dos 60 é a melhor fase da vida, o

que não se sustenta pelo simples fato de que pessoas que passam por uma fase tão boa

não deveriam precisar de um abrigo cedido gratuitamente pelo governo; o nome do

programa, ao contrário daquilo que pretende, sublinha mais a situação de abandono na

qual uma parte da população idosa se encontra do que a plenitude que ele prega existir

naquela fase da vida. De outro modo, o programa paulista afirma que a Vila é um lugar

onde há a Dignidade. Se recuperarmos outros discursos, como o do cartaz a seguir,

divulgado por uma instituição engajada nos direitos do idoso, perceberemos justamente

a reivindicação de dignidade:

Por serem relativamente recentes, é difícil ainda determinar se tais programas

irão promover a inserção do idoso na sociedade ou marginalizá-lo em guetos de

convivência, já que a posição do governo demonstra-se mais favorável a garantir a

criação de um espaço à parte para o idoso dentro do horizonte social em programas

segmentados do que promover uma integração homogênea da sua figura dentro da

comunidade.

Outro fator que põe em questão designações como Melhor Idade é a violência

contra o idoso, que vem sendo combatida de fato no Brasil há pouco mais de uma

década – o Estatuto do Idoso é de 2003. Nesse sentido, a promulgação de uma data para

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o combate à violência contra a pessoa idosa (15 de julho) pelo Ministério do

Desenvolvimento Social (2003), bem como o estudo promovido por Minayo (2005) por

meio do Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde (Claves) da

Fiocruz em 2005 e as criações do Estatuto e de um disque-denúncia (Disque 100) pela

Secretaria dos Direitos Humanos (2011) nos apontam uma preocupação e um

engajamento do governo na mitigação desses abusos.

Minayo aponta que, a despeito de uma ligeira queda nos índices de mortes

causadas por violência ou acidentes no período entre 1991 e 2000, foi registrado um

número de 13.436 mortes no território nacional por tais causas em 2000, o que

equivaleria a uma média de 37 óbitos por dia. No que tange aos casos de violência sem

morte, as denúncias de violação aos direitos humanos dos idosos registradas pelo

Disque 100 entre janeiro e novembro de 2012 aumentaram 199%, na comparação com o

mesmo período de 2011, saltando de 7.160 para 21.404 em 2012.2 O Disque 100 foi

criado em 1997 como um instrumento da defesa dos direitos humanos da criança e do

adolescente, que foi estendido também à população idosa e outras minorias a partir de

2011 pela Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente e

pela Secretaria de Direitos Humanos.

A criação dessas medidas de combate à violência e do Estatuto foram, em boa

medida, desencadeados pelas projeções do governo sobre o fenômeno da inversão da

pirâmide populacional no Brasil durante as próximas décadas e o consequente

engrossamento da população idosa. O relatório “A dinâmica demográfica brasileira e os

impactos nas políticas públicas”, do IBGE3, apresenta os resultados do censo

demográfico de 2009 e é permeado por alertas a respeito da necessidade da criação de

políticas públicas para uma massa de população idosa que irá representar, segundo as

suas projeções, um terço da população brasileira até 2040:

Tendo em conta apenas os idosos, aumentará a responsabilidade de proteger esse

contingente em processo de crescimento, o qual passará, em cada 100 pessoas em idade

2 Revista Época, 10/12/2012 3 A dinâmica demográfica brasileira e os impactos nas políticas públicas In: Indicadores

Sociodemográficos e de Saúde no Brasil 2009 – Disponível em www.ibge.gov.br

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ativa, de 13,1, em 2000, para 52,1, em 2050, tendência oposta à verificada para as

crianças e adolescentes menores de 15 anos. Se, em 1970, a dependência econômica em

relação a este grupo específico era de 79,7crianças e adolescentes para cada 100 pessoas

em idade ativa, em 2000 esta relação cai para 48 e para apenas 23,0 no ano de 2050. Em

decorrência dos comportamentos distintos dos grupos formados por crianças e

adolescentes e idosos, verifica-se um aumento crescente no índice de envelhecimento da

população brasileira, a tal ponto que, mantidas as hipóteses de queda futura dos níveis

da fecundidade no País, ter-se-á, em 2050, 226 idosos de 60 anos ou mais para cada

100 crianças e adolescentes.

As previsões para o crescimento populacional nos dados do Instituto nos

remetem imediatamente à questão da seguridade social e das pensões de aposentadoria,

que serão inevitavelmente cedidas a um número de beneficiados superior ao de

contribuintes em determinado ponto do futuro.

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Projeção da evolução da pirâmide populacional do Brasil em quatro momentos: o atual (2013), em 2020, em 2030 e em 2050.4

No Brasil, essa crise permanente no sistema de previdência social colabora para

a manutenção da atividade de trabalho de muitos aposentados após os 60 anos, muitos

deles preferindo ou precisando continuar a exercer suas funções para assim acumular

uma segunda fonte de renda. Com isso, cria-se um fluxo constante de capital nessa fatia

da população que promove o surgimento de um mercado consumidor e cuja mola

propulsora é a demanda por produtos e soluções específicas. Essa fatia do mercado

consumidor movimentou em 2012 o equivalente a R$ 400 bilhões5 (o que

corresponderia no cenário atual ao PIB da Irlanda) e é formado por 22,3 milhões de

pessoas, das quais 5,4 milhões continuam no mercado de trabalho.

1.2 O idoso nos textos de especialistas e romancistas.

Os estereótipos6 sobre o idoso nos remetem aos discursos circulantes entre a

juventude na segunda metade do século XX no período da explosão populacional dos

EUA (baby boom) após o final da Segunda Guerra Mundial e nos anos 70 no Brasil. O

engrossamento da população juvenil originou consigo uma cultura que questionava os

valores ocidentais que regiam a sociedade da época - a geração dos baby boomers -

causando mudanças na família, na economia, na política e nas artes.

[...] o poder, a influência, as conquistas e a prosperidade cresciam com a idade, era mais

uma prova da maneira insatisfatória como o mundo estava organizado. Pois até a década

de 70, o mundo pós-guerra era governado por uma gerontocracia como em nenhum

outro período anterior, e notavelmente por homens – dificilmente por mulheres – que

haviam se tornado adultos no final ou mesmo no início da Primeira Guerra Mundial.

(HOBSBAWM, 1994, p. 325 – tradução livre nossa)

O cenário governado por essa “gerontocracia” à qual Hobsbawm se refere era

um mundo em constante crise. Mal acabara a Primeira Guerra Mundial e já surgia uma

4 www.ibge.gov.br, acessado em 08/11/2012 5 Caderno Mercado - Folha de São Paulo, 10/06/2012 6 Tomaremos estereótipo como “um conjunto de representações sociais valorizadas ou desvalorizadas

sobre os quais se apoia a enunciação” (Maingueneau, 2011, p 99)

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segunda ainda maior, trazendo uma tecnologia bélica com um poder de destruição sem

precedentes, ambientado em um mundo governado por homens de cabelos grisalhos sob

os signos da desesperança e do medo. Foi nesse contexto que teve início uma revolução

cultural protagonizada pela juventude por meio de um novo conceito de música (o

rock’n’roll), do uso de alucinógenos, do amor livre e do ideário pacifista dos hippies,

como ilustra o descontentamento na canção “Young Man Blues” (O Blues do Homem

Jovem), do pianista americano de jazz e blues Mose Allison e que ganhou projeção na

interpretação do grupo britânico The Who nos anos 60 (tradução livre).

Bem, o homem jovem,

Não possui nada no mundo hoje em dia.

Eu disse o homem jovem,

Não possui nada no mundo hoje em dia

.

Bem, você sabe, antigamente,

Quando o homem jovem era um homem forte,

Todo mundo recuava

Quando o homem jovem saía por aí.

Mas você sabe atualmente é o velho homem

Quem tem todo o dinheiro

E o homem jovem

Não possui nada no mundo hoje em dia

Não tem nada

Nos velhos dias

Todo o mundo recuava quando o homem jovem saía por aí.

Eles recuavam!

Eles recuavam!

Eles recuavam!

Você não é nada se for um jovem hoje em dia.

Eles não possuem nada no mundo hoje em dia, eu disse.

Eles não têm nada.

Novos posicionamentos sobre a guerra, o racismo, a posição da mulher na

sociedade, o divórcio e a opressão exercida sobre essa juventude destinada a morrer nos

fronts defendendo os interesses dos seus governantes passaram a circular na medida em

que esses assuntos entravam na agenda de discussão da sociedade, ganhando espaço na

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recém-criada TV e em jornais e revistas e fazendo circular os posicionamentos e a

simbologia de pessoas que se mobilizavam por mudanças urgentes e radicais. Paz,

amor, cores gritantes, subversão de valores tradicionais, gírias usadas por aqueles que se

alinhavam a esses ideais, uma nova indumentária, cabelos longos, sexo livre e outras

formas de expressão contra o establishment surgiam na medida em que a indústria de

bens de consumo se apropriava de tais índices para traduzi-los em objetos de desejo

para essa nova massa de jovens emancipados para amar, dançar, protestar e,

principalmente, comprar em larga escala produtos que reforçassem o significado de ser

jovem, ou melhor, de não ser velho.

Em seu ensaio A Velhice (1970), a filósofa existencialista Simone de Beauvoir

trataria da dupla relação de reverência e rejeição que os jovens da época mantinham

com os idosos, respeitando-os enquanto pai ou mãe, mas ao mesmo tempo considerando

a figura do idoso uma espécie de ser inferior, uma espécie de objeto incômodo e inútil

que devia ser tratado com desprezo. A autora enxerga o envelhecimento como uma

instituição social, e não simplesmente uma condição biológica ou uma espécie de

segredo vergonhoso, sobre o qual seja indecente falar. Essa rejeição da qual Beauvoir

trata representa o preconceito existente no discurso de muitos jovens da época, e que

acabaria por infiltrar-se até mesmo no de muitos idosos, que relutavam em admitir

pertencerem a um grupo etário representado de modo nada gratificante, como nas gírias:

os pais de alguém passavam a ser seus velhos; enquanto o jovem era o cara, o idoso era

tido como o coroa; a pessoa de meia-idade passava a ser o tio ou a tia, e a idosa

tornava-se o vovô ou a vovó, e mesmo que demonstrasse posicionamentos mais

alinhados com o seu tempo, não fugiria de rótulos constrangedores como prafrentex

(cuja extensão _ex é encontrada em muitas das utilidades inovadoras que surgiram ao

longo da segunda metade do século XX, como duralex, pyrex, durex, gumex) ou

moderninho (cujo diminutivo visa atenuar uma modernidade que não seria própria às

pessoas de mais idade). Ser idoso tornava-se, para essa comunidade discursiva, (e que

não necessariamente era composta apenas por jovens) sinônimo de ser velho, quase uma

doença de fato, e um grupo etário ao qual ninguém queria pertencer. Essa visão sobre o

envelhecer como decadência física e debilidade pode ser percebida na pictografia a

seguir, encontrada em locais públicos, e que o ilustra com uma das mãos apoiada na

cintura e a outra numa bengala:

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O texto pictográfico apoia-se em uma cena validada7 circulante em textos

variados e mesmo na nossa realidade: a cena do idoso sendo assistido por alguém mais

jovem para atravessar a rua, a senhora com óculos de lentes grossas pedindo para que

alguém leia o itinerário do ônibus, o abandono nas chamadas “casas de repouso” (termo

que veio substituir o não menos temido “asilo de idosos”, e que se alinha ao discurso da

pictografia ao revelar um conceito de idoso como alguém que precise estar em constante

repouso), os maus-tratos e a violência dos quais muitos são vítimas: essas são as

imagens que fundamentam a criação do espaço discursivo onde o ator social idoso é

representado como um ser vulnerável e dependente da solidariedade daqueles que não

se inserem nessa comunidade etária, enquanto simultaneamente aponta a existência de

prerrogativas e direitos desses indivíduos validados pelos costumes ou pela própria lei e

cujo benefício se estende a eles exclusivamente, como o assento preferencial em meios

de transporte coletivos, as vagas especialmente reservadas em estacionamentos e o

atendimento preferencial em filas de banco e supermercados. Sob essa premissa, o texto

engendra um espaço discursivo dentro do qual um eu, representado por uma autoridade

que administra um determinado espaço público determina que um interlocutor que se

encontra nesse mesmo espaço deva observar aquelas prerrogativas que o texto

pictográfico sustenta e pelas quais, paradoxalmente, é sustentado em uma situação de

enunciação, criando um efeito de sentido de advertência para que esse interlocutor

respeite aquelas prerrogativas (no caso de não ser um idoso) ou, ao contrário, de

sinalizar aos interlocutores pertencentes àquela faixa etária que podem se sentir à

vontade para usufruir as mesmas. Entretanto, a atual demanda por uma revisão das

representações do idoso nos revela que as posições contidas no texto pictográfico não

7 Uma cena instalada na memória coletiva e que legitima uma cenografia; um estereótipo autonomizado,

descontextualizado, disponível para reinvestimentos em outros textos (Maingueneau 2011 p. 92)

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são representativas da forma como a população idosa enxerga a si mesma, o que requer

um reexame do papel do idoso nas últimas duas décadas segundo o governo e as

instituições engajadas no bem-estar do idoso, as empresas de bens de consumo, os

especialistas e estudiosos do fenômeno do envelhecimento populacional e, sobretudo, o

cidadão idoso.

A figura do idoso apoiado em um cajado não é verificável apenas em textos da

nossa atualidade ou em cenas do nosso cotidiano, mas também em textos clássicos. Em

“Édipo Rei”, de Sófocles (ca. 427 a.C.), há uma passagem na qual a Esfinge desafia

Édipo a dizer o nome do animal que pela manhã caminha com quatro pés, ao meio-dia

com dois e ao final do dia com três. Édipo identifica ser ele o homem, que no início de

sua vida engatinha, depois caminha com dois pés e, ao final, caminha com o auxílio de

um cajado. Subdividindo o ciclo da vida humana em três fases, o episódio de Édipo e a

Esfinge dá fundamento à designação Terceira Idade, que começou a ser usado na

França, na década de 60 (le troisième âge), para se referir a pessoas acima de 45 anos

que atingiam essa idade em boas condições de saúde, incentivando-as a se manterem

ativas ao distanciá-las da designação velhice com toda a carga semântica negativa que

ele trazia. É a partir dela que surgem outras designações que pretendem levar o idoso a

acreditar ser essa a fase mais proveitosa da vida, tais como Melhor Idade ou Idade de

Ouro, não menos assujeitadoras que a representação iconográfica, já que nem todo

idoso enxerga de fato a fase pela qual passa como sendo a melhor, ou mesmo como algo

que tenha o valor do ouro: ao contrário, como coloca o biólogo francês Hugo

Aguilaniu8, cujo objeto de pesquisa consiste em identificar os males mais recorrentes

naquela idade, o relato mais recorrente dos seus entrevistados foi que “envelhecer dói”.

Segundo ele, há pesquisas que demonstram que essa população sofre, em média, 15

anos por causa de doenças associadas ao envelhecimento, e ele defende que é papel da

ciência encontrar soluções para aquilo que ele chama de um “longo período ruim pelo

qual passamos na velhice." Aguilaniu aponta também uma demanda por um

reordenamento social em relação ao modo de encarar o fenômeno do envelhecimento:

Ganhamos 25 anos de vida, vivemos até os 85, mas as pessoas ainda querem viver como se

fossem morrer aos 60. É preciso reorganizar a sociedade. E fazer com que as pessoas percebam

8 O Estado de São Paulo, Caderno Cultura, 18/03/2013

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que elas não farão o mesmo trabalho a vida toda. Passaremos a ter o trabalho para os jovens e o

trabalho para os mais velhos. As empresas terão de se reorganizar. Será uma mudança global.

(idem)

O relato do biólogo revela traços do discurso geriátrico, ramo da medicina que

estuda o fenômeno do envelhecimento do corpo humano, sem distanciar-se das questões

de ordem social que o problema envolve. A questão do trabalho após os 60 anos vem

sendo trazida ao debate também em textos midiáticos, como na novela “A Vida da

Gente” da autora Lícia Manzo, exibida em 2012 pela Rede Globo, e cujo personagem

Laudelino (interpretado pelo ator Stênio Garcia) mantém-se ativo em sua marcenaria a

despeito de sua idade.

A postura de Laudelino é um exemplo de representação de um homem idoso que

vai contra aquele estereótipo do idoso das “casas de repouso”, ao mesmo tempo em que

coloca em pauta a questão da aposentadoria. Para Debert (1999), os problemas

pertinentes ao universo do idoso são por vezes tratados a partir de uma postura

ideológica individualista segundo a qual a imagem negativa do idoso é substituída por

outra positiva, sobretudo no discurso dos experts (geriatras, psicólogos, gerontólogos,

etc.), promovendo a transferência de aspectos comportamentais da juventude para a

terceira idade, como se aquela primeira não mais fosse uma fase da vida, mas um modo

de vida. Assim, a felicidade do idoso dependeria de um engajamento nessa ideia e se

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eles não o fazem, é mais por culpa deles mesmos do que das suas condições sociais e

culturais.

O avanço da idade como um processo contínuo de perdas e de dependência – que daria

uma identidade de condições ao idoso – é responsável por um conjunto de imagens

negativas associadas à velhice, mas também um elemento fundamental para a

legitimação de direitos sociais, como a universalização da aposentadoria. [...] Por outro

lado, nesse movimento de socialização não está ausente o que venho chamando de

processos de reprivatização, que transforma a velhice numa responsabilidade

individual – e, nesses termos, ela poderia então desaparecer do nosso leque de

preocupações sociais. ( p. 14)

Para Debert, isso faz parte do que ela vê como um processo de “reprivatização

da velhice”, segundo o qual a responsabilidade por uma velhice insatisfatória seria dos

indivíduos, apagando-se assim a responsabilidade do sistema e da sociedade, bem como

o pacto social, que abrange o benefício da aposentadoria como uma forma de tornar o

envelhecimento populacional uma questão de caráter público, designado por Guillemard

de “socialização da gestão da velhice” (Cf. Sene Costa, 1998, p. 31).

Por outro lado, a preocupação sobre o modo como conduziria a vida após os

sessenta foi o que levou a atriz estadunidense Jane Fonda a buscar na obra do psiquiatra

alemão Viktor Frankl um modelo comportamental para “as três últimas décadas da

vida” que ela batizou de “O Terceiro Ato”9. Em seu livro “Em Busca de Sentido”

(Man’s Search For Meaning, 1963) Frankl, um sobrevivente do campo de concentração

de Auschwitz durante o Holocausto na Alemanha, relata como a perspectiva de cada

prisioneiro a respeito de sua condição e do seu futuro tinha um papel fundamental na

sua sobrevivência:

Tudo que você tem na vida pode ser tirado de você exceto uma coisa: a sua liberdade de escolher

como você responderá à situação. Isso é o que determina a qualidade de vida que vivemos – não

se fomos ricos ou pobres, famosos ou anônimos, saudáveis ou sofredores. O que determina a

nossa qualidade de vida é como nos relacionamos com essas realidades, que tipo de significado

atribuímos a elas, que tipo de atitude mantemos sobre elas, que estado mental permitimos que

elas incitem. (2008, p. 104)

9 Disponível em www.ted.com

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Ao designar a fase acima dos sessenta anos como o ato final de uma peça teatral,

a atriz de Barbarella propõe uma noção de responsabilidade do indivíduo sobre a

qualidade de vida que irá experimentar nesse período da vida, já que ele é ao mesmo

tempo o ator social que irá protagonizá-la e dirigi-la, tendo a responsabilidade final

sobre a sua condução. Assim, caberia a cada um de nós cuidarmos de nossa saúde

mental e física para que tenhamos as condições necessárias para empreender essa peça,

na qual o trabalho pode promover a realização do indivíduo através da integração social

e do acréscimo monetário salarial.

Os textos de Debert e Fonda representam posições diametralmente opostas sobre

os motivos para a infelicidade após os 60 anos: o primeiro a relaciona à omissão da

sociedade e do estado, enquanto a atriz, baseada na obra do psiquiatra Frankl, atribui

essa infelicidade a uma omissão do próprio idoso quanto à reavaliação da sua condição.

Um meio-termo para a questão pode ser observado no conceito de envelhecimento da

médica psiquiatra Sene Costa (1998, p.32) e que contrasta três conceitos de idade: uma

cronológica (a de nossas certidões de nascimento), uma biológica (aquela que o nosso

corpo biológico estabelece) e uma pessoal (ligada às vivências internas de cada

indivíduo e por ele determinada). A psiquiatra acredita ser impossível para uma pessoa

sentir-se com a mesma idade sob esses três aspectos durante toda a sua vida. (p. 33)

A chamada “terceira idade” é para alguns um aprisionamento, um espaço da vida em que

qualquer ato fecundo é impossível. Para outros, é a conscientização de seu atual momento, que

deve ser vivido com o mesmo amor e dedicação que vivenciou seus anos joviais. Para outras

tantas pessoas, essa fase vital é complexa, ora vista de maneira preconceituosa, ora analisada

como uma conquista, um mérito por ter podido atingi-la e, ainda, poder experienciar interesses.

(1988, p. 34)

O fato de representações como a de Laudelino concorrerem atualmente com

aquelas contidas naquele cartaz e nos programas governamentais vistos anteriormente

demonstra um distanciamento daquela visão denunciada por Simone de Beauvoir na

década de 70, aproximando-se mais dessa relativização da idade à qual Sene Costa se

refere. O personagem de Stenio Garcia é independente, namora e tem uma vida social

tão ativa quanto a sua vida sexual, que só é de fato impedida quando ele descobre sofrer

de câncer de próstata, uma conjuntura típica da população idosa masculina e que é

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trazida à discussão na trama. A novela inova por ir contra aquela imagem de envelhecer

como segredo vergonhoso, sobre o qual seja indecente falar e da qual trata Beauvoir,

quando traz à tona as questões, medos e anseios do idoso.

1.3 O idoso e a mídia

Um dos objetivos dessa dissertação é realizar uma investigação a respeito das

formas como a figura do idoso é encenada nos enunciados presentes em textos

publicitários. Essa encenação do discurso, que se dá no próprio momento da

enunciação, é o que Maingueneau (2011) denomina ethos: a maneira de um enunciador

dar vida, corpo e movimento àquilo que enuncia na busca da adesão de sua audiência:

Esse é o tipo de fenômeno que, como desdobramento da retórica tradicional, podemos chamar de

ethos: por meio da enunciação, revela-se a personalidade do enunciador. Roland Barthes

salientou a característica essencial desse ethos: “ São os traços de caráter que o orador deve

mostrar ao auditório (pouco importa a sua sinceridade) para causar boa impressão: são os ares

que assume ao se apresentar. [...] O orador enuncia uma informação, e ao mesmo tempo diz: eu

sou isto, eu não sou aquilo” (Maingueneau, 2011 p. 98).

O ethos é um elemento do discurso que nos remete à teatralidade, à habilidade

do ator em ser convincente e angariar assim a simpatia de seu público; Maingueneau

estende, no entanto, essa teatralidade a qualquer enunciador, que também se desdobra

no esforço de trazer para o seu lado um coenunciador. Retomando aquele personagem

interpretado por Stênio Garcia, podemos perceber que o modo como Laudelino se

revela para a o telespectador (quer seja por suas enunciações, seu modo de se

movimentar ou por sua indumentária) cria um efeito de sentido análogo ao do

estereótipo tradicionalmente aceito de um senhor idoso, aproximando-se mais do ethos

daquele senhor do cartaz da Campanha de Conscientização da Violência Contra a

Pessoa Idosa do que do próprio Stênio Garcia em momentos de intimidade na sua vida

real. Enquanto Laudelino traja regularmente as camisas, os coletes e blusas de lã,

suspensórios e chapéus característicos do mundo ético10 do avô e tem como namorada

Iná, uma versão não menos estereotipada de avó personificada por Nicete Bruno, Stênio

10 Isto é, um certo número de situações estereotípicas associadas a comportamentos. (Motta & Salgado,

2008, p.18)

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Garcia veste-se com o despojamento de um rapaz como Mark Zuckerberg, diretor da

rede social Facebook e ícone do empreendedorismo jovem da geração Y. Stênio é

casado com a atriz Marilene Saade, 35 anos mais jovem, que em nada nos remete à

imagem da personagem de Nicete Bruno.

Laudelino, de “A Vida da Gente” (esq.) e o ator Stênio Garcia em dois momentos de sua intimidade (centro, dir.). Apesar de

interpretar alguém com a sua mesma idade, o ethos do ator destoa daquele do personagem.

As imagens de Stênio e de Laudelino trazem em si o contraste entre aquilo que

um homem idoso pode ser de fato nos dias de hoje e o cálculo daquilo que os autores da

novela concebem como a construção ethica pré-discursiva11 de um idoso segundo a sua

audiência: “A Vida da Gente” foi transmitida às seis da tarde e dirigida a um público

que incluía idosos e crianças e, portanto, traz discursos com teor menos polêmicos do

que aqueles das chamadas “novela das sete” e “novela das oito/nove”. Iná, por outro

lado, traz mais em si do ethos de outra personagem já encenada por Nicete Bruno: a

Dona Benta, do seriado infantil Sítio do Pica-pau Amarelo, baseada na obra de

Monteiro Lobato e que, no remake de 2002 da série televisiva, dirige a sua própria

caminhonete, dá carona ao Tio Barnabé e mostra-se uma desenvolta usuária de

computadores e da internet.

11 Isto é, a representação que um público constrói do ethos de um enunciador antes mesmo que ele fale

(Motta & Salgado, 2008, p.15)

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Uma representação que adiciona algumas marcas de independência e tecnologia

às personificações anteriores da dona do Sítio do Pica-pau Amarelo, notadamente a

mais clássica delas, interpretada por Zilka Salaberry durante os anos 70 e 80 e cuja

audiência faz parte hoje da chamada Geração X.

A mudança comportamental de Dona Benta reflete uma aproximação de

senhores e senhoras com as outrora temidas inovações tecnológicas promovidas com o

advento dos microcomputadores na década de 1970:

Qualquer que fosse a estrutura etária administrativa de uma IBM ou de uma Hitachi,

novos computadores eram desenvolvidos e novos softwares eram concebidos por

pessoas em seus vinte anos de idade. Até mesmo quando tais máquinas e programas

eram desenvolvidos para o mais inexperiente dos leigos, a geração que não havia

crescido com elas era claramente consciente da sua inferioridade em face às gerações

que o haviam. Aquilo que as crianças podiam aprender com seus pais tornava-se menos

patente do que aquilo que seus pais não sabiam e elas sabiam (HOBSBAWM, 1994, p.

326 – tradução livre nossa)

Hobsbawm identifica uma inversão na detenção do conhecimento e também na

via de transmissão pela qual ele passa: se até meados do século XX pais e avós o

detinham, mais recentemente a revolução tecnológica empreendida pelos jovens

cientistas de empresas como as que ele menciona sublinha uma tomada da produção do

conhecimento pelas novas gerações. Muitos dos membros de gerações anteriores

encontravam dificuldades para se adaptar a essa escalada tecnológica, notadamente os

da geração X, que crescera durante o fim dos anos 70 e o início dos anos 90, período no

qual as estruturas hierárquicas significavam a consolidação de poder e estabilidade em

meio a um cenário econômico de instabilidade. As barreiras e conflitos culturais que

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essa tecnologia trouxe inicialmente vêm sendo apaziguadas pela adaptação das gerações

mais antigas à cultura da geração predominante na atualidade, conhecida como Geração

Y. O meio empresarial é o cenário típico do conflito entre gerações hoje em dia, como

ocorre na empresa Boehringer Ingelheim, onde o jovem gerente de Marketing e

representante da geração Y Sérgio Pacheco encontrou dificuldades em implantar

modificações devido à resistência de subordinados de outras gerações, notadamente

daquela geração X, para a qual o sucesso financeiro e o status eram a recompensa por

décadas de trabalho árduo.12 Essas mesmas estruturas que representam a consolidação

do poder para a geração X, no entanto, são ignoradas pelos membros da Y, cuja marca

principal é o despojamento e a velocidade. Finalmente, quando a capacidade do jovem

profissional se traduz em bons resultados para a empresa, seus colegas mais relutantes

acabam por dar o braço a torcer e reconhecer seu talento. O consultor de vendas

Carmelo Locateli, da geração X, é um dos que se renderam: para ele, Sérgio não está

onde está por acaso, ele tem capacidade. Sérgio acredita que a competência técnica de

um profissional faz com que a idade passe despercebida nas estruturas organizacionais,

minimizando a importância das hierarquias em função do cumprimento de objetivos

comuns a toda a empresa.

O gerente de políticas de saúde Walmir Guerra Caetano (à dir.), um representante da geração dos baby boomers, conversa com seu

chefe, o gerente de Marketing Sérgio Pacheco (à esq.), representante da geração Y. (Jornal da Globo, 25/10/2011)

12 Jornal da Globo, 25/10/2011

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Essa integração entre gerações pode ser verificada também nos dois álbuns mais

recentes do cantor e compositor baiano Caetano Veloso, Cê (2006) e do adequadamente

intitulado Zii e Ziie (“Tios e Tias” em italiano - 2009), acompanhado por músicos em

média 40 anos mais jovens, numa via de duas mãos na qual influencia e é influenciado.

Caetano é visto por seus parceiros como apenas mais um cara na banda, o que rompe

mais uma vez com os estereótipos circulantes de um homem aos 70 anos, como atesta o

baterista da banda, Marcelo Callado : “Caetano não fica coroa. É impensável vê-lo

sentado numa cadeira, com um cachimbo, tomando café”13

De fato, a imagem não só de Caetano, mas de boa parcela das representações da

população pós-meia-idade que circulam na mídia atual distancia-se do universo ethico

da cadeira/cachimbo/café de Laudelino ou do sofá/TV/tricô de Dona Benta e vai se

aproximando de aparatos incomuns, como as picapes de música eletrônica. Rodrigo

Ruiz, 62, é aluno no curso da DJ Lisa Bueno, movido por seu gosto pela música

eletrônica14. A procura pelo curso por mais pessoas como Rodrigo incentivou a DJ a

montar um grupo especial para pessoas na mesma faixa etária, segundo ela, para que “os

13 Revista Bravo, fevereiro de 2011 14

Revista Época São Paulo, 25/10/2010

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alunos mais velhos não ficassem desconfortáveis ao lado dos jovens”, uma enunciação

que revela certo desconforto com relação àquela integração do idoso com a juventude

personificada por Caetano.

Rodrigo Ruiz, 62 (esquerda) e seus colegas Nilson Cotrim, 58 e Ana Maria Oliveira 60, em aula de operação de picapes no curso da

DJ Lisa Bueno

Mais recentemente, reportagens sobre a melhora na qualidade de vida dos

usuários idosos de vídeo games enalteceram a manutenção da memória e dos reflexos,

bem como o relaxamento, a integração com a família e a diversão. Helenice Polmon, de

72 anos, fala sobre os bons momentos que passa em companhia do neto Fernando e da

filha Cláudia, bem como a recuperação de um problema de articulação em uma das

mãos que ela atribui aos exercícios que realiza ao manipular o controle do aparelho15.

15 Programa Fala Brasil, Rede Record, 23/02/2013

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A dona de casa Helenice Polmon, 72 (à direita) com o seu neto Fernando e a sua filha Cláudia ressalta os benefícios para a saúde e

a integração entre gerações da mesma família.

O computador é um outro aparelho que deixou de ser um mistério para muitos

idosos abertos a conhecer as novas possibilidades de interação social nas redes da

internet como o Facebook, uma fonte de novas amizades e integração social que,

segundo uma recente pesquisa conduzida na Universidade do Arizona, nos Estados

Unidos, pode melhorar em 25% a capacidade cognitiva de pessoas acima de 65 anos 16.

Os cursos de computação voltados para o público idoso têm tido grande procura no

Brasil, principalmente os de ferramentas da internet. João Honorato, 71, é aluno de um

curso de informática oferecido pela Secretaria de Ciência e Tecnologia na praia de

Copacabana no Rio de Janeiro. João revela que possui um computador em casa, mas

que apenas irá ligar a internet quando sentir segurança17.

João Honorato, 71, aluno do curso de informática oferecido na praia de Copacabana no Rio de Janeiro

A mudança de postura de muitos idosos com relação às novas tecnologias

desmente mitos e estereótipos sobre o envelhecimento, como a ideia de que o idoso seja

um sujeito apático à realidade, inflexível, sem ambições e permanentemente doente ou

debilitado. Da mesma forma, posturas como a de Caetano, Rodrigo, Helenice e João

colocam em questão o estereótipo do velhinho prafrentex, já que esse idoso passa, de

fato, a integrar-se a essa tecnologia em constante mudança e fazer dela uma marca

discursiva sua de fato, da mesma forma que os senhores e senhoras de cabelos brancos

citados por Hobsbawm, integraram o jeans juvenil ao seu ethos. As mudanças

16 Revista Veja, 22/02/2013. 17 Portal G1, Rede Globo (http://g1.globo.com/), 13/10/2008 - acessado em 14/02/2013.

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tecnológicas, que eram a principal linha divisora entre as gerações, passam a ser

seguidas pari passu por membros de gerações distantes da Y, que nasceu envolta em

tecnologias como a internet, os computadores portáteis (notebooks, tablets e

smartphones), as redes de telefonia de alta velocidade e um modo frenético de vida, no

qual estão permanentemente em busca de novidades e novos desafios. Mesmo sendo um

membro de uma geração dois passos atrás da Y (Caetano é um representante dos baby

boomers), ele se integra à sua banda por trazer em si o mesmo signo da inovação, da

mudança constante e do desapego às barreiras de idade e hierarquia que permitiram a

ascensão daquele jovem Sérgio Pacheco ao cargo de chefia em sua empresa, assim

como a do jovem empresário estadunidense Mark Zuckerberg, diretor e proprietário do

Facebook. Em sua empresa, Zuckerberg permite a livre comunicação entre funcionários

em qualquer nível hierárquico, sem que seja necessária a intermediação de um gerente

na comunicação entre um assistente que queira sugerir uma nova ideia ao presidente da

empresa, por exemplo.

O escritório do Facebook, de Mark Zuckerberg (à direita) é um ícone do empreendedorismo despojado da geração Y.

Zuckerberg trabalha de jeans, tênis e camiseta, não havendo em sua

indumentária nada que nos faça identificar nele o ethos típico de um presidente

corporativo. Mesmo os funcionários mais idosos tendem a se integrar ao

comportamento dos Y e transformar o seu ponto de vista, o que nos leva a questionar

um outro estereótipo do idoso como figura detentora de sabedoria que só a idade pode

trazer, validada em figuras como as ilustrações dos filósofos clássicos, frequentemente

representados como anciões, ou em representações de textos literários ou

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cinematográficos como Gandalf (O Senhor dos Anéis), Pai Mei (Kill Bill), e

Dumbledore (Harry Potter).

As novas imagens do idoso não apagam, no entanto, traços daquelas

cristalizadas pelos estereótipos e que insistem em surgir até mesmo em textos que

propagam ideias favoráveis a essa mudança cultural: enxergá-lo sob uma outra

perspectiva é tão difícil quanto reconhecer o quanto trazemos daqueles estereótipos em

nosso próprio discurso. Um exemplo disso pode ser encontrado na introdução e no

comentário final da já citada matéria televisiva a respeito da família Polmon, veiculada

em um programa de variedades da rede Record sob o título “Videogame: brinquedo de

jovens também ajuda os idosos”18. A enunciação que dá título à matéria por si só já

revela os estereótipos da criança que sempre brinca e a do idoso que sempre está doente.

A matéria, que apresenta exemplos de usuários idosos de videogames, segue esbarrando

em estereótipos como os da enunciação não embreada que o intitula, como pode-se

observar na introdução feita pelas âncoras Thalita Oliveira e Roberta Piza à matéria:

“Uma paixão de crianças e adolescentes é agora um ótimo remédio pra quem

está na terceira idade”

“É, interessante... além de diversão, videogames estão sendo usados na

recuperação de idosos vítimas de AVC, e ajudam também a manter o corpo e a mente

saudáveis.”

O estranhamento da cena de uma senhora na idade de Helenice Polmon em uma

atividade típica do cotidiano de um adolescente surge no discurso do telejornal ao

reduzir o videogame a “uma paixão de crianças e adolescentes” e que não possa ser

também uma paixão de idosos, mas apenas mais um “remédio pra quem está na terceira

idade”, confirmando aquele estereótipo do idoso sempre adoecido. O video-game surge,

assim, como algo a ser prescrito para a manutenção da saúde do idoso, e a diversão é

um benefício secundário, (“É, interessante, além de diversão...”) o que valida a

imagem do idoso debilitado, cansado, que deve cuidar da saúde o tempo todo,

característico do discurso da geriatria, ramo da medicina que trata das questões do

18 Programa Fala Brasil, 13/02/2013

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envelhecimento e que muitas vezes reforça a importância dos cuidados com a saúde e o

consumo de inovações para eliminar ou minimizar as limitações impostas pelo tempo ao

corpo e à psique humana.

Segue a mesma linha a introdução feita pela âncora Patrícia Rocha do “Jornal

SBT Manhã” 19para reportagem análoga:

“Se os vovôs gostavam de... jogar baralho, dominó, hoje 4 entre 10 idosos usam

a internet para jogar vídeo game”.

E arremata ao final da reportagem:

“É, os vovôs tão moderninhos, né... como a gente viu na reportagem, deve ter

muito neto apanhando do avô no vídeo game.”

Novamente, assim como a iconografia correspondente ao idoso representa todos

como pessoas debilitadas, o discurso da âncora assujeita todos eles à condição de avô ou

avó. A aproximação entre idosos e aparatos tecnológicos surge como um deslocamento

aberrante de um sujeito que caísse de repente em uma situação que não lhe diz respeito,

como um capricho de alguém que não sabe qual o seu devido lugar, presumivelmente a

praça pública, jogando baralho ou dominó com outros idosos. Tais comentários

tornam-se ainda mais incoerentes quando observamos que a matéria anuncia um salto

epistemológico no comportamento do cidadão idoso, tornando os enunciados das

âncoras incompatíveis com essa mudança de postura do idoso ao aprisioná-lo nos

velhos estereótipos que, ainda que não presentes explicitamente, residem na ideologia

que se revela através do discurso. Ainda que saibamos que as mudanças nos

posicionamentos das comunidades discursivas não acompanhem pari passu as rupturas

epistemológicas nos diferentes campos de conhecimento, sendo necessário um certo

tempo para que a sua assimilação ocorra, acreditamos que tais posicionamentos

perderão força na medida em que mais pessoas como Helenice e Caetano deixarem de

se assujeitar àqueles estereótipos. Há, no entanto, pessoas que aderem tão

confortavelmente a eles que passam a ser sua referência: assim como Dona Benta

19 31/12/2012

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encarna a figura da avó ideal, assim também o faz a telechef Palmirinha. A senhora de

82 anos, que tem um programa diário no canal de televisão a cabo Bem Simples,

representa para a jornalista Nina Lemos (colunista do jornal “Folha de São Paulo”) uma

espécie de avó de todos os netos órfãos que encontram conforto em seu programa:

“Ter alguém como a Palmirinha dando receita de macarronada na TV dava um

sentimento de que "nem tudo estava perdido". Ela errava, contava histórias e nos

tratava com ‘carinho’”.

O enunciado de Lemos, 41, revela o desconforto de uma representante da

geração X com o desaparecimento de certas tradições e costumes na modernidade

prezados por muitos dessa geração e que representam a segurança de que “tudo está em

seu lugar”, contrariamente àquele “tudo está perdido” ao qual se refere. Há de fato uma

comunidade discursiva de telespectadores para a qual a personagem terna de Palmirinha

representa um signo de humanidade e tolerância (ela errava), cultivo da memória e das

tradições (contava histórias) e amor (nos tratava com “carinho” – as aspas aplicadas

pelo fato de cada telespectador não poder ser, de fato, o receptor empírico do carinho da

protagonista, dado que não a conhecem pessoalmente) e não menos alinhada às

inovações tecnológicas e à modernidade do que Dona Benta. Em um dos programas, o

fantoche Guinho, que a auxilia juntamente ao teleponto durante o programa, explica a

ela e a suas amiguinhas (é assim que Palmirinha se refere aos seus telespectadores ) que

a apresentadora havia se tornado uma web celebrity, partindo logo em seguida para uma

apresentação em forma de desenho animado que ilustra o que isso significa,enquanto

Palmirinha, em frente ao seu computador portátil, comenta, faz agradecimentos e se

regozija do seu sucesso e do carinho da sua audiência. A cenografia de seu programa

nos remete a uma atmosfera infantil, identificável no modo como ela chama a sua

audiência e na presença de Guinho, que representa uma espécie de neto-assistente da

apresentadora e a traz de volta às narrativas das receitas quando ela se perde.

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O ethos de Palmirinha coincide com o de Palmira Nery da Silva Onofre na

mesma medida em que o de Stenio Garcia destoa daquele do personagem Laudelino que

ele representa. O fato de Laudelino trazer em si um comportamento que contraria alguns

estereótipos sobre o idoso é atenuado pelo seu ethos, numa estratégia que visa sugerir o

debate sobre tabus sem, ao mesmo tempo, ferir a face positiva da sua audiência. O sexo

entre ele e Iná, por exemplo, é representado de maneira sutil, com abraços e carinhos

entre seus corpos bem cobertos e separados, insinuando mais a afeição entre os dois do

que o erotismo.

Já a realidade de Stenio Garcia e sua esposa em momentos de intimidade é

retratada de maneira mais desinibida20 :

20 Revista Caras, 09/06/2011

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Relacionamentos entre pessoas com muito mais idade que seus parceiros fazem

parte da história da humanidade desde sempre, a naturalidade com que a sociedade vem

encarando o fenômeno e a profusão de casais nesses moldes é a novidade. Um senhor

como Stenio Garcia que se interessasse por uma moça jovem, em outros tempos, seria

facilmente taxado de velho tarado ou velho safado, estereótipo encarnado por Barbosa

(do humorístico “TV Pirata”, exibido pela Rede Globo nos anos 80) ou pelo magnata

estadunidense James Howard Marshall, que aos 89 anos se casou com a modelo e

“coelhinha da Playboy” Anna Nicole Smith, 62 anos mais jovem, vindo a morrer menos

de um ano depois do casamento.

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O tabu do relacionamento entre pessoas de idades diferentes tende a ser mais

grave se a mulher for mais velha do que o homem. Recentemente, o bispo Edir Macedo,

da Igreja Universal do Reino de Deus, posicionou-se contrário à união entre pessoas de

raças e idades diferentes, em um artigo de traços discursivos misóginos e racistas

publicado na sessão de comportamento do site da sua igreja, no qual enaltece os riscos

de um relacionamento desse tipo: a má influência de uma mulher mais velha sobre o seu

parceiro mais jovem, no primeiro caso, ou o sofrimento e o preconceito que sofrerão os

filhos de um relacionamento, no segundo.

“O rapaz que deseja fazer a Obra de Deus não deve se casar com uma moça que

tenha idade superior à dele, salvo algumas exceções, como por exemplo aquele que é

suficientemente maduro e experiente na vida para não se deixar influenciar por ela.

Mesmo assim, a diferença não deve ultrapassar dois anos”21

O choque que muitos sentem ao imaginar uma cena de sexo entre uma mulher

idosa e um rapaz jovem passa por dogmas e cenas historicamente validadas que vão do

culto ao corpo à sacralização da figura da matriarca. No que tange o discurso, ela pode

representar uma cena tão anômala quanto a de um senhor idoso que se torna expert em

computação ou que monta uma banda de rock com garotos da sua vizinhança: a

21 www.arcauniversal.com, 13/07/2012)

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impressão de que a personagem idosa saiu daquela cena à qual deve pertencer, a do

tricô, cadeira de balanço e xale, e cai do nada em uma outra na qual a presença de

alguém com menos de 30 anos de idade seria ultrajante para muitos. No entanto, o que

não passaria de uma parafilia condenável para pessoas de orientação mais conservadora

é uma realidade para muitos dos consumidores de um novo filão no mercado

pornográfico: os acrônimos MILF’s (Mothers I’d Like To Fuck – algo como “mães com

as quais eu gostaria de transar”) e sua variante GILF’s (o mesmo, porém substituindo-

se a palavra “Mothers” por “Grannies” ou “Grandmothers”, isto é, avós) ou mesmo

“Cougar” (algo como “tigresa”) atestam a preferência de uma parcela dos homens

heterossexuais pela beleza de mulheres maduras e senhoras com idade mais avançada,

como retratada no ensaio Mature (1999), do fotógrafo holandês Erwin Olaf, onde

mulheres idosas são representadas em poses sensuais típicas de pin ups.

As representações da sexualidade feminina nas idades avançadas têm ganhado espaço em livros, filmes pornográficos e séries de

TV.

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O ensaio fotográfico Mature (1999), do fotógrafo holandês Erwin Olaf, onde mulheres idosas são representadas em poses sensuais

típicas de pin ups 22

É fato que as mulheres escolhidas por Olaf são dotadas de atributos físicos acima

da média, porém tais imagens nunca teriam sido trazidas à luz se a atitude dessas

mulheres e o modo de encararem a sua idade e a sua sexualidade não houvesse se

emancipado dos estereótipos. O fato de não vermos textos circulantes sobre Stênio

Garcia como um velhinho assanhado, ou Caetano Veloso como um velhinho prafrentex

revelam que a sociedade está mais aberta a representações de romances entre pessoas

com grandes diferenças de idade e à comunicação entre as gerações, atenuando o

conflito promovido por aqueles baby boomers que, ao quebrar tantos paradigmas

culturais, acabou por criar estereótipos dos quais, paradoxalmente, muitos lutam para se

libertar, agora que chegaram aos sessenta. A figura tragicômica de um senhor impotente

vai circulando menos ao passo em que ele representa uma ameaça para muitos, já que

não poucos jovens sofrem da insegurança e da imaturidade que, para muitos idosos, é

uma questão resolvida, especialmente após o advento dos tratamentos para disfunção

erétil. Navarro (2012) aponta que as análises a respeito dos discursos sobre o idoso

realizadas até o presente identificam quatro trajetos temáticos dentro dos quais se

inserem os enunciados midiáticos sobre o idoso: a de um corpo que não envelhece, a de

um corpo que não se cansa, a de um corpo que produz e a de um corpo que deseja.

22 www.erwinolaf.com/#/portfolio/mature,_1999/gallery/ , acessado em 10/01/2013.

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Navarro identifica três mudanças ou acontecimentos que representaram saltos

epistemológicos no contínuo histórico das representações sobre o idoso, e que estão na

gênese daqueles trajetos temáticos: o surgimento da medicina estética, os avanços no

campo da medicina nutricional e a descoberta dos tratamentos para disfunção erétil. De

fato, a descoberta desses tratamentos tirou muito da graça daquele mote para piadas,

tirinhas cômicas, quadros de humorísticos televisivos e marchinhas carnavalescas como

“A Pipa do Vovô”, interpretada por Silvio Santos (1997):

A pipa do vovô não sobe mais.

A pipa do vovô não sobe mais.

Apesar de fazer tanta força

o vovô foi passado pra trás.

Ele tentou mais uma empinadinha

A pipa não deu nenhuma subidinha

Ele tentou mais uma empinadinha

A pipa não deu nenhuma subidinha

Da mesma forma, o velho rabugento ou resmungão passa a ser um indivíduo como

outro qualquer, com dias de mau-humor e que tem o direito de protestar. As mudanças

do discurso contido nas representações sobre o idoso que expomos é um fenômeno que

traz consigo a possibilidade dessa camada da população experimentar essa fase da vida

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de maneira mais plena, na medida em que liberta senhores e senhoras do lugar onde a

sociedade quer que eles permaneçam e lhes oferece uma paleta mais rica em

possibilidades para tornarem-se mais os atores sociais de suas próprias histórias e

menos os sujeitos assujeitados àquilo que a sociedade determina que eles seja

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PARTE II – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.1 Primado do interdiscurso e interincompreensão regrada

A relação inextricável e heterogênea entre o Mesmo de um discurso e o seu

Outro fundamenta o primado do interdiscurso. Maingueneau (1995) defende que os

discursos se constituem nas brechas de uma rede interdiscursiva e trazem em si aqueles

dois elementos desde a sua gênese, indo contra a noção de que eles seriam

primeiramente elaborados e posteriormente colocados em relação de aliança ou

polêmica dentro dessa rede. Para melhor contemplar o fenômeno do primado do

interdiscurso, estabelece três níveis de realidades discursivas: um universo (conjunto de

formações discursivas de todos os tipos que interagem em uma conjuntura dada - p.

33), um campo (conjunto de formações discursivas que se encontram em concorrência,

delimitando-se reciprocamente em uma determinada região do universo discursivo – p.

34) e espaços discursivos (subconjuntos de formações discursivas que o analista, diante

de seu propósito, julga relevante pôr em relação - p. 35).

Dentro de um espaço discursivo, os posicionamentos que se formam segundo

um sistema de coerções semânticas poderão se repelir totalmente ou incorporar

determinados aspectos do oponente em sua grade semântica. Isso ocorre porque,

segundo Maingueneau, o interdiscurso é anterior ao próprio discurso, isto é, um

discurso se forma a partir do seu Outro, a partir daquilo que ele enuncia implicitamente

como o que ele não é, como contrário ao seu Mesmo.

...o sistema de coerções semânticas [...] revela o interesse do autor em fazer aparecer as diversas

formas de restrição a que um discurso é submetido e a ligar, por diferentes vieses, duas

problemáticas, a da gênese e a da interdiscursividade, apreendendo de uma só vez o discurso

através do interdiscurso. (Souza e Silva, 2012, p.4)

Um enunciador consegue reconhecer enunciados análogos ao seu

posicionamento discursivo, e produzir outros que o sigam, como também é capaz de

identificar o seu Outro e produzir simulacros que representam o seu avesso, no que

Maingueneau define como competência interdiscursiva (2005, p.55). Essa competência

pressupõe: (i) a capacidade do enunciador em reconhecer a incompatibilidade semântica

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de enunciados da(s) formação(ões) do espaço discursivo que constitui(em) seu Outro;

(ii) e igualmente a capacidade de interpretar, de traduzir esses enunciados nas categorias

de seu próprio sistema de coerções. Assim, a natureza heterogênea do discurso traz em

si um processo de interincompreensão regrada onde se estabelecem interpretações

negativas recíprocas dos discursos que se encontram em relação de oposição

(simulacros) e que se constituem através do universo semântico (semântica global) de

um discurso Mesmo para ler as práticas de seu Outro.

A nossa análise, que tem como foco delimitar os espaços discursivos contidos

nos enunciados de cada um dos textos publicitários sobre o idoso que compõem o nosso

corpus, tenciona também observar os espaços discursivos que possam abranger relações

de polêmica ou afinidade entre os discursos presentes nos textos dos diferentes tipos de

instituições (governo, instituição filantrópica ou empresas privadas).

2.2 Semântica Global

O sistema de restrições semânticas que rege os discursos opera em diferentes

planos: na intertextualidade, no vocabulário, nos temas, no estatuto do enunciador e do

coenunciador, na dêixis enunciativa, no modo de enunciação e no modo de coesão. Em

nossa dissertação, trataremos de quatro desses elementos: a intertextualidade, o estatuto

do enunciador, a dêixis enunciativa (cenografia) e o modo de enunciação (ethos

discursivo).

2.2.1 Intertextualidade

Um intertexto pode ser entendido como o conjunto de fragmentos efetivamente

citados por um discurso. A esse trabalho de retomada de um fragmento pela memória

discursiva no interior de um mesmo campo, Maingueneau denomina intertextualidade

interna. Já a retomada de fragmentos de outros campos é denominada intertextualidade

externa.

2.2.2 Estatuto do enunciador e do coenunciador

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Cada discurso, de acordo com a competência (inter)discursiva, define o estatuto

que o enunciador deve se conferir e o estatuto que ele confere ao seu coenunciador para

legitimar o seu dizer. Esse processo tem duas dimensões, uma institucional e outra

intertextual, isto é, o enunciador deve estar integrado a uma instituição que legitime o

seu discurso e ao mesmo tempo ter a capacidade de tecer relações com diferentes fontes

de saber.

2.2.3 Cenografia

Um discurso implica um enunciador e um coenunciador inscritos em uma

topografia e uma cronografia, dado que um texto não é um conjunto de signos inertes,

mas o rastro deixado por um discurso em que a fala é encenada (Maingueneau, 1998 p.

85). Essa cena enunciativa traz em si uma cena englobante (tipo de discurso) e uma cena

genérica (gênero discursivo) que juntas estabelecem o quadro cênico de um texto, isto é,

um espaço estável dentro do qual um enunciado adquire sentido. Contém ainda uma

cenografia, que é a cena mais imediatamente acessível ao coenunciador, e que ocasiona

um deslocamento daquele quadro cênico formado pelas duas cenas anteriores para o

segundo plano, em um processo paradoxal, no qual ela é ao mesmo tempo a fonte do

discurso e aquilo que ele engendra. (1998 p. 87). Essa cenografia pode, ainda, apoiar-se

em outras cenas já instaladas na memória coletiva (cenas validadas) seja no intuito de

valorizar ou rejeitar um determinado discurso. (1998 p. 92):

Desde sua emergência, a palavra supõe certa situação de enunciação, a qual, com efeito, é

validada progressivamente por meio dessa mesma enunciação. Assim, a cenografia é, ao mesmo

tempo, origem e produto do discurso, ela legitima um enunciado que, retroativamente, deve

legitimá-la e estabelecer que essa cenografia de onde se origina a palavra é precisamente a

cenografia requerida para contar uma história, denunciar uma injustiça, etc. Quanto mais o co-

enunciador avança no texto, mais ele deve se persuadir de que é aquela cenografia, e nenhuma

outra, que corresponde ao mundo configurado pelo discurso. (Maingueneau, 2008, p. 118)

Maingueneau identifica os gêneros publicitários (ao lado dos gêneros literários e

filosóficos) como alguns dos que mais dependem de uma cenografia e dessa retro-

legitimação recíproca entre ela e um enunciado, mobilizando cenografias variadas e

captando o imaginário do destinatário para persuadi-lo e atribuir-lhe uma identidade.

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2.2.4 Ethos discursivo

A noção de ethos como divulgada por Maingueneau é oriunda da Retórica de

Aristóteles, cujo objetivo, ao desenvolvê-la, era o de examinar não aquilo que seria

persuasivo para um indivíduo, mas para um tipo de indivíduo através da circulação de

uma boa impressão pela forma como se constrói o discurso. Por ser um elemento

discursivo que pertence ao ato da enunciação (ele não é dito no enunciado), o ethos

permanece no segundo plano; isto é, deve ser percebido, mas não como objeto do

discurso. Como a cenografia pode reforçar ou comprometer o discurso de um

determinado enunciado, assim também é o ethos.

O seguinte esquema resume a noção de ethos segundo Maingueneau:

Nele, devemos fazer uma decisão teórica por investigar a elaboração do ethos

relacionando-o ou não aos elementos não-verbais. Tal escolha decorre do fato de que

nem todos os discursos permitem uma representação prévia do ethos do enunciador.

Maingueneau frisa tratar-se de uma noção muito intuitiva, já que envolve uma

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percepção afetiva do intérprete, que se utiliza do verbal e do não-verbal na elaboração

do ethos. Além disso, não se pode delimitar o que de fato decorre de um discurso, já

que vários fatores concorrentes no ato da enunciação podem influenciar o destinatário

na construção do ethos. Assim, o ethos visado pelo enunciador nem sempre é aquele

que será identificado pela sua audiência (o ethos pré-discursivo).

A noção de ethos da qual tratamos abarca mais do que aquela defendida pela

retórica tradicional, podendo ser compreendida a textos escritos ou orais. Para melhor

apreciá-la, Maingueneau opta por uma concepção “encarnada” de ethos, revestido por

uma “vocalidade” que pode se manifestar em uma multiplicidade de “tons”, estando

eles, por sua vez, associados a uma caracterização do corpo do enunciador (e, bem

entendido, não do corpo de um locutor extradiscursivo), a um “fiador”, construído pelo

destinatário a partir de índices liberados na enunciação. (2008, p.18)

Maingueneau vê o discurso publicitário como um dos mais privilegiadamente

ligados à noção de ethos, por sua natureza persuasiva e pela associação que faz dos seus

produtos e serviços com um corpo em movimento, com uma maneira de existir. A

enunciação publicitária encarna, assim, aquilo que prescreve através de estereótipos e

cenas validadas.

2.3 Práticas discursivas intersemióticas

Maingueneau define os discursos como integralmente lingüísticos e

integralmente históricos e sendo constituídos por uma dupla restrição: a do dizível na

língua e a do dizível num dado tempo-espaço histórico (1995). Rompe assim com a

visão Althusseriana do texto como a combinação entre uma estrutura profunda

(histórica) e uma superficial (a consubstanciação lingüística final do discurso),

privilegiando a semântica global e rejeitando uma "concepção arquitetural" (1995 p. 19)

em favor de uma visão que se apoia em múltiplos aspectos do discurso. Tais aspectos

vão além dos limites do discurso verbal e confluem para a análise das práticas

discursivas, isto é, as instituições deixam de ser ambientes anteriores e exteriores ao

discurso para se tornarem parte daquelas práticas discursivas juntamente com os

enunciados, estando também sujeitas ao sistema de restrições semânticas das formações

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discursivas. Justifica-se, assim, a inserção de elementos como a música, as artes

plásticas e a indumentária como constituintes das práticas discursivas intersemióticas, e

não apenas verbais:

É nessa perspectiva que enunciamos nossa proposição; se ela tem fundamento, equivale a definir

a prática discursiva como a unidade de análise pertinente, que pode integrar domínios semióticos

variados: enunciados, quadros, obras musicais... Tal ampliação da unidade de análise não

significa que esses diversos domínios sejam isomorfos em seu modo de estruturação, quaisquer

que eles sejam. (Maingueneau, 1995 p. 138)

Assim, pintores, escultores e músicos estão sujeitos às mesmas restrições que os

enunciadores, partilhando da mesma competência que os capacita a reconhecer as

incompatibilidades entre o seu Mesmo e o seu Outro, ou as coincidências que os

aproximam.

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PARTE lll – ANÁLISE DO CORPUS

A análise dessa dissertação é baseada em um corpus de 24 textos publicitários

agrupados sob três rubricas, e analisados na seguinte ordem: 13 textos de empresas

privadas de bens de consumo e serviços, 9 textos de campanhas governamentais e 2

textos de entidades de assistência ao idoso ou engajadas nas questões pertinentes ao

universo do idoso. A seleção obedece, em primeiro lugar, a um critério de

representatividade numérica (partimos da hipótese de que uma quantidade maior de

textos poderá nos levar a identificar também um número maior de espaços discursivos)

e, em segundo lugar, ao de diversidade de temas identificados: no primeiro caso

(empresas privadas) pudemos verificar textos que trataram predominantemente de

tecnologia (1), sexualidade (5) saúde (3) e lazer (4), enquanto que os textos

governamentais trataram da saúde (3), sexualidade (1), lazer (3) e bem-estar e abandono

do idoso (2). Finalmente, os textos de instituições engajadas no bem-estar do idoso

trataram da sexualidade (1) e da questão do abandono (1). Quanto ao critério de

agrupamento dos textos para análise, foi respeitada a mesma ordem da narrativa dentro

da qual os temas foram expostos na Parte II (Contexto da Pesquisa), o que significa

pressupor uma ordem por a) trabalho, b) tecnologia e c) saúde e/ou sexualidade,

deixando por último (d) os temas que não se enquadravam nos três critérios anteriores.

Como nenhum texto que tratasse da questão do trabalho pôde ser recolhido em nosso

corpus, o tema tecnologia teve a prioridade sobre os demais.

3.1 Textos de empresas privadas de bens de consumo e serviços

[1º] Em 2010, a Microsoft divulgou o então novo sistema operacional Windows

7 por meio de um comercial de TV desenvolvido pela agência brasileira JWT, cujo

discurso é marcado pelo humor e pela ironia. O cenário é uma sala de estar, onde o avô

lê um livro sentado à poltrona enquanto a avó lê uma receita de bolo na internet com

dificuldade, enquanto é auxiliada pelo neto, que entra de repente no cômodo e

aproxima-se dessa senhora para maximizar a tela do aplicativo em seu notebook.

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O neto parece não desconfiar da cena que se passava naquele ambiente antes da

sua chegada: despidos dos óculos, os avós divertem-se em atividades presumidamente

pouco convencionais para senhores e senhoras idosos: a avó joga videogame online ao

mesmo tempo em que conversa em um aplicativo de mensagens instantâneas, no qual se

diverte com a colagem caricatural de uma foto com a sua cabeça sobreposta a um corpo

musculoso, supostamente do protagonista do jogo de videogame que ela joga ao som do

rock’n’roll.

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O avô, sentado em outra poltrona, também papeia na internet com seu notebook

no colo e cantando ao som que ecoa alto em toda a sala, quando é surpreendido pelo

barulho que anuncia a chegada do neto. Imediatamente, ele envia uma mensagem à avó,

alertando-a sobre a chegada do menino por meio do programa de mensagens

instantâneas da Microsoft.

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Ele guarda o computador portátil, veste os óculos e puxa um livro, que abre e

finge estar lendo. A senhora o acompanha, vestindo também seus óculos e trocando o

jogo por uma página de receitas culinárias na internet. O neto se aproxima e auxilia a

avó, que se vira para o avô para dar uma piscada, em sinal de que conseguiram colocar

as coisas em ordem a tempo.

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O texto contrasta duas cenografias23 opostas; uma é a da sala de estar, o

ambiente familiar, limpo e organizado, onde os avós exercem o comportamento

prescrito pelos estereótipos: a avó, desconfortável perante as inovações tecnológicas, é

auxiliada pelo neto, enquanto que o avô prefere a leitura de um livro a submeter-se à

humilhação de ter que aprender algo com o neto, o que equivale a uma cenografia

estereotipada do idoso em situações de enunciação que o insiram no ambiente familiar.

A outra cenografia desse texto traz em si uma topografia que é contrária àquela que o

discurso da primeira afirma: é o lugar da bagunça, o quarto, no meio da noite, a

brincadeira na sala de aula, protagonizada por adolescentes que, com a chegada dos

pais, dos professores ou dos próprios avós, correm para colocar as coisas em ordem para

não serem repreendidos. Há também aqui duas cronografias que se excluem

mutuamente: uma é caracterizada pelo frenesi da cenografia do adolescente, na qual

tudo acontece ao mesmo tempo, enquanto que a do avô é a do tempo que passa

lentamente, na qual cada coisa é feita por vez devido à falta de conhecimento e às

limitações físicas presentes nos estereótipos sobre o idoso, como aquele texto

pictográfico (p.12) enuncia. O efeito de humor é gerado por um jogo de inversões dos

dois posicionamentos identificados dentro desse espaço discursivo24 onde o casal

assume ora o comportamento estereotipado do idoso, ora aquele que representaria o do

adolescente, enquanto que o neto assume o papel de provedor que seria característico

dos avós. A oposição entre esses dois estereótipos, que de fato se repelem mutuamente

ao conterem posicionamentos que seguem em mãos diametralmente opostas, revela um

Mesmo (Eu) e o seu Outro. Como explica Souza e Silva:

Chamo a atenção para o princípio da interdiscursividade tal como formulado por Maingueneau:

não se trata de considerar cada discurso como uma identidade fechada, nem de levar em conta o

fato de haver dois ou mais discursos em contato, ou de um enunciado ter mais de um sentido ou

a presença de várias vozes, trata-se de olhar para o espaço discursivo, que é o local onde se dá a

relação Eu x Outro, é o local onde Eu e Outro se constituem, tomam forma. Nessa perspectiva, o

23 Isto é, um quadro cênico formado por um enunciador e um coenunciador ancoradoe em uma situaçãode

enunciação que se desenrola segundo um tempo (cronografia) e um espaço (topografia). 24 “[...] isto é, subconjuntos de formações discursivas que o analista julga relevante colocar em relação

segundo seus objetivos. Tais subconjuntos só podem ser o resultado de uma hipótese fundamentada em

um conhecimento dos textos e em um saber histórico, e serão confirmados como tais, ou não, durante a

pesquisa” (Souza e Silva, 2009, p. 6)

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princípio do primado do interdiscurso implica considerar que os discursos, em termos de gênese,

não se constituem independentemente uns dos outros para serem, em seguida, colocados em

relação, mas que eles se constituem, de maneira regulada, no interior de um interdiscurso. (Souza

e Silva, 2012, p. 2)

Ao enunciar um ambiente silencioso, austero e organizado como ideal para uma

pessoa idosa, o texto já enuncia também, desde a sua origem, o Outro que ele não é,

aquilo que ele repele na função de se afirmar: eis aí o estereótipo da ambientação

adolescente, no qual o barulho, a irreverência e a bagunça são as marcas

predominantes. A comicidade gerada pela subversão dessas marcas discursivas é o

apelo principal na obtenção da adesão do público para a compra do ícone de inovação

que o produto representa, como se verifica no slogan:

“Crie, compartilhe e supere-se. Um computador com Windows 7 abre novas

possibilidades.”

Além de seduzir o interlocutor a adquirir um computador com Windows 7 e

assim agregar esse ícone de inovação à sua própria imagem, o discurso contido no

slogan traz em si também a marca da superação, que aqui pode ser interpretada como

não apenas a superação dos limites de seu próprio conhecimento, mas dos estereótipos

que persistem nos posicionamentos que trazemos a respeito da realidade e que se

tornam obsoletos quando nos deparamos com a realidade de pessoas idosas que, de fato,

fazem dos jogos de videogame um instrumento de lazer, como Helenice Polmon (p.23 )

e João Honorato (p.24 ).

[2ºa] Outro comercial que trabalha essa inversão de dois posicionamentos

diferentes dentro de um espaço discursivo é o das sandálias Havaianas, produzido em

2009 pela agência Almap BBDO, no qual uma avó repreende a neta por ir a um

restaurante calçando chinelos. A neta a contraria e a chama de atrasada, justificando que

não são simples chinelos, mas Havaianas Fit, e que podem ser usadas em qualquer

lugar. As condições de produção desse texto dizem respeito à presença da atriz

Fernanda Vasconcelos na novela “A Vida da Gente” - aquela na qual Stênio Garcia

interpreta Laudelino (p.14). Na novela, Fernanda interpreta uma jovem chamada Ana

Fonseca, cuja relação afetuosa com a avó Iná (interpretada por Nicete Bruno) serve de

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pano de fundo para uma revisão dos estereótipos sobre o idoso, o que justifica a

intertextualidade25 cenográfica entre o comercial e a novela.

25 A intertextualidade caracteriza-se pelo tipo de relações definidas como legítimas pelas coerções

semânticas, isto é, pela competência discursiva, de um determinado campo. Todo campo discursivo

define uma certa maneira de citar os discursos anteriores de um mesmo campo, isto é, cada discurso

constrói para si um passado específico, atribuindo-se certas filiações e recusando outras. O sistema de

coerções intervém nesses dois níveis de intertextualidade. (Souza e Silva, 2009, p.11)

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Esse texto publicitário do gênero humorístico revela uma cenografia cujo lugar é

o da reunião familiar, a mesa de um restaurante requintado, comum em cenas de

novelas, supostamente à hora do almoço (pode-se perceber que é dia através da

iluminação natural que provém das janelas).

Em certo ponto da narrativa, neta e avó são surpreendidas com a chegada de um

galã de novelas ao restaurante. A avó sugere à neta que aquele seria um bom partido

para ela, ao que a neta responde afirmando não lhe parecer uma boa ideia um casamento

com alguém tão famoso. A avó então esclarece que não se refere a casamento, mas a

sexo. A neta a censura, e agora é a avó quem protesta dizendo:

“Ah, e depois eu é quem sou atrasada?”.

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A discussão sobre o papel dos chinelos no figurino do dia-a-dia é paralela a uma

revisão do estereótipo conservador de pessoas idosas sobre o sexo. Assim como ocorre

na propaganda da Microsoft [1º], a inversão dos papéis discursivos no espaço

estabelecido pelos enunciados da avó e da neta é a mola propulsora do humor, no

entanto, é na subversão do ethos pré-discursivo que a audiência presumivelmente

atribuirá a cada uma das personagens que reside a surpresa e a comicidade: enquanto a

neta se compota segundo o estereótipo despojado do jovem ao optar ir a um restaurante

fino vestindo Havaianas, a avó frustra as expectativas da audiência ao destoar do

estereótipo que lhe caberia, ao enunciar o seu comentário de teor surpreendentemente

liberal. Há aqui um posicionamento favorável à revisão desses estereótipos: do mesmo

modo que rever os conceitos sobre a indumentária do cotidiano é um traço de

alinhamento com a modernidade, assim também o é a revisão de conceitos sobre o que

um idoso pode conceber como sendo um padrão aceitável de sexualidade. O ethos de

refinamento e sofisticação do cenário onde a situação se desenrola de fato rivaliza com

o despojamento da neta ao optar por usar sandálias de borracha, o que é refutado pela

sua enunciação sobre a natureza do produto, uma variação das Havaianas comuns e que

não destoam da ambientação, reforçando aquele ethos despojado da marca. A

indumentária da avó, no entanto, a coloca em sintonia com o ambiente: um vestido

muito elegante preto, ornado por um colar de pérolas, o que é, no entanto, subvertido

pela sua enunciação sobre a sexualidade.

[2ºb] A Havaianas se viu forçada a retirar o comercial de circulação

prematuramente, no entanto, devido à polêmica gerada sobre o discurso da avó,

mobilizando consumidores a protestarem contra o comercial. Assim, foi lançado um

segundo anúncio televisivo no qual a atriz que atuou como a avó se retrata, dizendo que,

em respeito aos protestos de alguns telespectadores, o comercial havia sido tirado da

veiculação na TV; porém explica que seria mantido na internet em respeito àqueles que

o elogiaram.

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Esse comercial retoma um trecho do primeiro, no qual a neta explica à avó o que

são as Havaianas Fit, um recurso intertextual que busca não apenas situar o

coenunciador na cenografia do primeiro texto, mas reforçar e valorizar a imagem do

produto, perfazendo assim a função primária do texto publicitário de vender, ao mesmo

tempo em que retoma aquele tempo e lugar do comercial anterior para encenar um novo

discurso no aqui-e-agora. A avó ressurge agora sentada em uma poltrona dentro de uma

sala branca e bem iluminada (para tudo que tudo fique bem claro), com uma tela de TV

ao lado onde se vê a imagem das sandálias, e olhando dessa vez para a câmera,

interpelando diretamente o coenunciador. A cena recupera outra validada na memória

dos interlocutores: aquela de um adolescente que houvesse se comportado mal e agora

tivesse que se sentar na cadeira em frente à mesa do diretor (o telespectador) para que

fosse julgado e punido. Por si só, esse modo de abordar o coenunciador já a coloca em

uma posição inferior, revelando um ethos de humildade e arrependimento que, no

entanto, não apagam as marcas de dignidade e modernidade verificáveis através das

marcas discursivas intersemióticas presentes na cena: ela se encontra tão elegantemente

trajada quanto no restaurante (o que revela consideração e respeito pelo interlocutor) e

traz ao colo um computador portátil, que é uma marca de dinamismo e modernidade da

qual o público idoso vem se aproximando, como vimos no capítulo anterior (p. ), e que

é também um tema recorrente na trama de “A Vida da Gente” ( já que Iná, avó de Ana

Fonseca, é usuária de computadores portáteis).

“Algumas pessoas reclamaram da propaganda das novas Havaianas Fit. Em

respeito a elas, a Havaianas decidiu tirar o comercial da TV. Por outro lado, algumas

pessoas adoraram a propaganda. Em respeito a elas, a Havaianas decidiu manter o

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comercial na internet. Democrático, né? Se você quiser assistir o comercial, entre no

site. Viu como eu sou moderninha?”

A avó não pede desculpas de fato: afirma que o respeito da marca pelas pessoas

que não gostaram do comercial é equivalente ao que ela tem por aquelas pessoas que o

aprovaram, alinhando o discurso da empresa ao respeito às escolhas individuais através

do enunciado:

“Democrático, né?”.

Esse “né?”, marca conversacional na linguagem informal, convida o interlocutor

a aderir ao seu posicionamento, o que colocaria ao seu lado aqueles que aprovaram o

comercial e distanciaria de si os que reclamaram dele, já que é uma premissa da

democracia o respeito aos posicionamentos divergentes do mainstream e a livre-

manifestação de opiniões: uma pessoa verdadeiramente democrática não condenaria

uma avó por dar um conselho de teor mais liberal à neta. Ao final do texto, ela deixa um

enunciado provocador aos detratores do comercial:

“Viu como eu sou moderninha?”

É nele que se revela a relação interdiscursiva onde o Outro do discurso liberal da

avó se revela através dos simulacros contidos no seu enunciado, já que atrasada não é

ela, (que não sabe que sandálias hoje em dia servem para ir a restaurantes finos) mas

aqueles que não se alinham à democracia, à liberdade de expressão e à modernidade que

ela defende: vocês percebem que, ao contrário de vocês, (que são antidemocráticos e

atrasadinhos ao me considerarem mal-comportada) eu sou democrática e moderna?

O efeito de sentido ofensivo que poderia advir de uma afronta desse teor contra

parte dos interlocutores, no entanto, é atenuado pelo ethos maternal, elegante e

inofensivo que a personagem traz em si, preservando a face positiva26 dos seus

26 A “teoria das faces”, desenvolvida por P. Brown e S. Levinson (1987) a partir dos estudos de E.

Goffman (1974) estuda os fenômenos da polidez e considera que o indivíduo possui duas faces: uma

negativa, que corresponde ao território de cada um (seu corpo, sua intimidade etc.) e outra positiva (a

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interlocutores, já que a designação moderninha traz paralelamente um efeito de sentido

análogo ao de comportada, assujeitada ao estereótipo do idoso que não é moderno, mas

que quer parecer ser moderno, e que deve se coloca “no seu devido lugar”. Essa ideia é

enfatizada pela introdução “Viu como...”, que chama a atenção dos interlocutores sobre

si mesma: você reparou como, ao contrário do que muitos pensavam, sou comportada e

sei qual é o meu lugar?

[3ºa] Márcia Appelt, 55, membro de um clube de mulheres que têm em comum

uma paixão por motocicletas, é uma das protagonistas da campanha da fabricante de

lingeries Duloren intitulada New People (2012) e desenvolvida pela agência X-Tudo

Comunicação, e alguém que parece desconhecer ou ignorar qual é o seu “devido lugar”.

O título da campanha diz muito sobre a recusa à submissão aos estereótipos: “novas

pessoas” não significa aqui, necessariamente, pessoas novas, mas também pessoas cujos

posicionamentos sobre si mesmos e a realidade foram renovados. Para reforçar essa

ideia, as protagonistas dos anúncios são, muitas vezes, mulheres que fogem do padrão

das modelos de anúncios de lingerie: em um deles, uma moça com um padrão estético

mais curvilíneo é cortejada por um rapaz com um buquê de flores.

nossa “fachada” social, a nossa própria imagem valorizante que tentamos apresentar aos outros). Todo ato

de enunciação pode constituir uma ameaça para uma ou várias dessas faces. (Maingueneau, 2001, p. 37-

38)

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Segundo a diretora de Marketing e Estilo da empresa, Denise Areal, “hoje as

mulheres estão mais modernas, mais poderosas. Elas querem se sentir ‘sexy’ e atraentes

em qualquer idade”. É fato que os anúncios da fabricante de lingeries trazem

frequentemente a figura de homens desacordados ou inferiorizados, numa alusão à

submissão deles pela modelo, que invariavelmente incorpora um ethos confiante e, por

vezes, agressivo.

O anúncio protagonizado por Márcia abordou a questão da sexualidade na meia

idade e após os 60. Nele, a modelo traja nada além de um conjunto de calcinha e soutien

e um par de luvas de couro, posando ao lado de sua motocicleta enquanto um jovem

motoqueiro sem camisa a observa ao fundo, deitado sobre sua moto, observando-a

como se fosse abordá-la.

O ethos de segurança, sensualidade e agressividade pode ser depreendido não

apenas pela expressão do rosto de Márcia, voltado para cima e com um olhar desafiador,

mas também pela maneira como porta a jaqueta de couro, indumentária essencial de

motoqueiros em geral, ou o modo como se apóia na motocicleta. A chamada do

comercial reforça esse ethos:

“Quem fica na frente eu passo por cima”

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Um enunciado mais típico de cenografias do universo masculino, como uma

roda de caminhoneiros ou uma conversa de vestiários, do que de um anúncio de

lingeries. Esse cruzamento de cenografias visa transferir à modelo traços do discurso

cabotino e machista de muitos motociclistas, colocando o homem em uma posição

humilhante para realçar o ethos da fêmea fatal, da arrasadora de corações, ou da cougar

(“tigresa”), a mulher madura que domina o homem pelo seu poder de sedução,

estabelecendo um agora no qual é a vez das mulheres “darem o troco”.

A despeito do ethos agressivo de Márcia, que provavelmente fere a face positiva

de uma parcela de seus interlocutores, não podemos perder de vista que a campanha

busca obter atenção para o produto através da polêmica, e dirige-se a uma parcela

específica de consumidora: a mulher que, ao obter um lingerie daquela marca, obtém

também a sua confiança e uma nova visão sobre si mesma. A cenografia do anúncio

coloca, portanto, a coragem de uma mulher que se despe e enuncia a sua sexualidade em

um local público, impregnado de testosterona e em plena luz do dia, como algo

invejável.

[3ºb] Outro anúncio da mesma campanha mostra a secretária executiva

aposentada Vera Juppa da Silva, de 77 anos, em uma situação análoga. Vestida apenas

com um lingerie verde e algumas joias, Vera apoia o seu joelho dobrado sobre o corpo

estendido seminu de um jovem em uma cama. A sua pose demonstra a mesma

confiança e sensualidade da protagonista do anúncio anterior [3ºa], com a diferença de

que Vera tem 22 anos a mais que Márcia. A agressividade, no entanto, é atenuada, a

despeito de trazer uma chamada não menos grosseira: “A única tarefa doméstica que eu

faço com prazer é passar o rodo”, recorrendo intertextualmente à tarefa doméstica de

limpar um piso e ao termo típico do discurso chauvinista que significa possuir

sexualmente uma mulher, com a diferença de que os papéis estão aqui invertidos: é ela

quem “passa o rodo” no rapaz.

O cenário é o quarto de dormir, onde as roupas jogadas ao léu e o corpo

desmaiado do jovem sobre o qual a protagonista apoia o joelho nos remete

intertextualmente à imagem dianesca da caçadora que se regozija ao lado da presa

abatida, além de nos direcionar ao momento final de uma sessão de sexo selvagem na

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qual, apesar de muito mais jovem, é o rapaz quem se apresenta esgotado, enquanto o

ethos de Vera nos sugere que ela está “pronta para outra”. Isso vai de encontro com

aquela imagem do “corpo que nunca se cansa” e do “corpo que deseja”, que é uma

característica que os textos publicitários vêm atribuindo na última década às pessoas

idosas, conforme exposto por Navarro (2012).

[3ºc] Em outro anúncio da campanha da Duloren, Vera surge em pé, trajando

outro lingerie e com um rapaz agarrado à sua perna, numa referência à cena validada da

criança na “barra da saia” da mãe. A ironia do slogan confirma a intertextualidade com

aquela cena, em uma enunciação cheia de ironia: “2 casamentos, 3 filhos, 4 netos e

ainda pego pra criar”.

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[4ºa] Um dos fenômenos históricos que representaram a quebra dos estereótipos

nas representações do idoso em textos publicitários segundo Navarro (2012) foi o

surgimento de tratamentos para disfunção erétil como o Viagra (Pfizer) e o Cialis

(Lilly). Em 2008, a filial sul-africana dos laboratórios Pfizer encomendou à agência de

publicidade Ogilvy Johannesburg uma campanha cujos textos trazem senhores acima da

meia-idade retratados em poses confiantes e sugerindo cenas de flerte

O leiteiro ajusta o avental enquanto deixa o quintal de uma casa com grandes

pilares brancos e onde depositara algumas garrafas de leite, numa alusão ao fetiche do

sexo com os prestadores de serviços domésticos, validado em piadas sobre o “filho do

leiteiro”.

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[4ºb] O limpador de piscinas traz o cabo do aspirador em riste em uma das

mãos, numa alusão metafórica ao seu falo, enquanto pousa a sua outra mão na cintura e

lança um sorriso para alguém que está fora do escopo da cena, restando à nossa

imaginação presumir quem é. Essa cena desmente e torna obsoleto o discurso de piadas

sobre disfunção erétil presente em textos como “A Pipa do Vovô”, de Silvio Santos (p.

33), texto que contém um discurso que se revela como o Outro no interdiscurso que

pode ser apreendido na enunciação do texto a partir das práticas (inter)discursivas

intersemióticas. Discursos iconográficos como os contidos nesse texto revelam que os

enunciados escritos, audiovisuais ou pictóricos estão sujeitos a um único sistema de

restrições semânticas dos posicionamentos discursivos.

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[4ºc] O carteiro apoia a mão no cinto enquanto repousa o braço no pequeno

portão aberto e reclina a cabeça para o lado, numa menção intertextual ao ethos de

James Dean ou Elvis Presley. Além disso, ele encontra-se já dentro da casa, tendo

atravessado o portão sem que se lhe tivesse sido dada a permissão para tanto, o que

enfatiza novamente o atrevimento juvenil reminiscente de Dean e dos adolescentes.

Há um segundo elemento que corrobora a ideia do fetiche: além do fato dos três

protagonistas serem pessoas estranhas que têm a anuência para adentrar o ambiente

residencial temporariamente para prestar um serviço, o tempo no qual a cenografia se

desenrola é o expediente de trabalho, trazendo intertextualmente também a cena do sexo

no escritório, da “escapada para o motel” no meio do expediente, e outras cenas

validadas que associam a ideia de sexo ao ambiente de trabalho.

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Note-se que o tom sutil e sofisticado dos anúncios é mais característico dos

discursos publicitários voltados ao público feminino, exigindo mais da interpretação do

interlocutor ao recorrer a cenas validadas do que aqueles da Duloren [3ºa, 3ºb, 3ºc],

cujo ethos burlesco e quase que pornográfico deixaria até mesmo alguns homens

encabulados, soando mais como um ajuste de contas ao trazer à tona a ideia de guerra

dos sexos encontrada nos discursos machista e feminista.

[5ºa] Uma evolução na maneira como a figura do idoso vem sendo

discursivizada em anúncios publicitários de empresas privadas pode ser observada

através da análise dos discursos engendrados nas cenografias dos textos publicitários de

duas marcas de cerveja da fabricante de bebidas Ambev durante a última década. Em

2005, a agência F/Nazca produziu um comercial para a cerveja Skol cujo texto trazia

uma brincadeira sobre os salões de bingo, um local reconhecidamente frequentado por

idosos. No vídeo, um narrador afirma que, se a pessoa que inventou o bingo bebesse

Skol, o modo como aquele lugar funciona seria diferente. Segue então uma série de

cenas nas quais os figurantes deixam de lado seus pudores: o globo da roleta dá lugar a

uma “metralhadora” de ovos de codorna; uma “guerra” de bolas de golf se inicia depois

que um senhor descuidado arremessa a sua bola no decote da blusa de uma das senhoras

que dançava na pista.

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Uma outra senhora dança e rebola “espremida” entre dois senhores, que se

esfregam nela ao modo de jovens em bailes funk cariocas, e, finalmente, um casal de

idosos que sai junto do mesmo banheiro é interpelado por um senhor que pergunta:

“- E aí, pegou?”

Ao que o homem do casal responde:

“- Bingo!”.

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Assim como no texto das Havaianas, o comercial da Skol procura angariar a

simpatia do seu interlocutor ao trazer um quadro humorístico onde pessoas idosas são as

protagonistas de situações tão pouco prováveis que se tornam absurdas ou caricaturais,

sendo este o gatilho da comicidade do texto. Não é um texto dirigido ao público idoso,

nem visa seduzir o idoso a consumir aquele produto, mas promover a ideia de que quem

bebe aquela cerveja tem uma visão inovadora, mais divertida e irreverente (e

presumivelmente jovem) sobre o mundo. A subversão do ambiente morno e apagado do

bingo, bem como a súbita transformação do comportamento dos frequentadores

contrasta dois conceitos de tempo e espaço de lazer sobre os quais a cenografia se

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desenrola: no primeiro momento, o operador da roleta (um senhor com uma espessa

barba branca) anuncia o número da bola sorteada enquanto outro senhor coloca o

indicador trêmulo em riste e solta um “bingo!” tão baixo e sem potência que o operador

continua a anunciar a mesma bola de modo mais enfático, dizendo que foram sorteados

os “dois patinhos na lagoa” (numa alusão pictórica ao número 22). A cronografia

naquele instante é a do idoso, significando o longo tempo que os senhores e senhoras ali

presentes precisam para preencher as suas cartelas, beber um café e tentar comunicar de

alguma maneira que conseguiram completar a cartela.

A imagem daquele senhor que tenta inutilmente obter a atenção do operador

remete-nos ao ethos de fragilidade daquela representação pictórica do idoso em locais

públicos. Outras características que o comercial procura associar à topografia do bingo

“sem Skol” do idoso é a organização do ambiente (amplo, claro, higienizado e dotado

de ventiladores no teto), a ausência de bebidas alcoólicas na mesa (o idoso que grita

“bingo!” tem uma xícara branca ao seu lado) e o murmurar dos participantes que é

entrecortado pelo barulho da microfonia que vem da caixa de som na qual o microfone

do operador da roleta se encontra conectado. Essa microfonia, que de fato ocorre em

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muitos salões de bingo, sublinha o amadorismo e aquela falta de intimidade do idoso

com as tecnologias à qual Hobsbawm se referia em seus comentários sobre os conflitos

de geração aos quais aludimos previamente (p.19), trazendo consigo também a ideia de

que algo ali está errado, algo está fora do lugar, ou não está funcionando como deveria

estar.

Tudo muda, no entanto, depois que o rapaz faz a sua aparição e anuncia a versão

”Skol” do bingo: o tempo e o espaço passam a ser o do jovem, com brincadeiras que

envolvem a sexualidade, os gritos, a música alta e o a cronografia frenética e alucinada

de uma festa adolescente típica, onde tudo acontece o tempo todo. O murmurar dá lugar

à música alegre e animada que embala a dança dos senhores e senhoras; muitos se

encontram de pé (na primeira cena, apenas o operador da roleta estava levantado) e

aquela microfonia cessa, como se tudo estivesse agora adequadamente organizado, o

que é confirmado pelo slogan contido na cena final do texto:

“Com Skol tudo fica redondo”

O que equivaleria a dizer que no final tudo dá certo com Skol: a cerveja remove

os defeitos e deixa qualquer situação perfeita como o círculo, a figura geométrica

perfeita. Essa comicidade gerada pelo Deus ex machina chamado Skol, que traz consigo

a música, a luz, a cor, que cura subitamente os senhores e senhoras de suas dores

lombares e estomacais, não os livra, no entanto, das limitações físicas que seus corpos

lhes impõem: o efeito de comicidade está justamente na presença de pessoas que

presumivelmente não poderiam estar participando de uma cena tão insalubre e cujo

mundo ethico é tão distante do da juventude. Teríamos uma cena melodramática se, em

vez de apenas alegrar os senhores e senhoras e os colocar em sua dança desengonçada,

aquela “água da fonte da juventude” restituísse também as suas feições de moços e

moças para que pudessem, de fato, integrar-se plenamente a ela; isso significa também

que com Skol tudo fica redondo aos olhos daquele jovem. É importante frisar que, como

enuncia o rapaz no início do comercial, se a pessoa que criou o bingo bebesse Skol ele

seria diferente, e o fato é que ninguém no bingo bebe cerveja. Ele, no entanto, surge em

cena com uma latinha na mão, o que equivaleria a dizer que ele é o “cara” que bebe

Skol e que, portanto, poderia definir a maneira como um lugar assim deve funcionar. O

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discurso do jovem rapaz é, portanto, o que prevalece por estar permeado de legitimidade

nessa cena de enunciação, manipulando-a conforme os seus posicionamentos sobre

aquela situação.

O ethos de irreverência desses protagonistas na segunda cena, no entanto, recupera

outro estereótipo: o do idoso desbocado, sem travas na língua, e que enuncia a sua

sexualidade de maneira depravada, o velho tarado ou gagá, a velha assanhada ou

desbocada, validados nas figuras da hoje falecida atriz Dercy Gonçalves e do já aludido

magnata norte-americano James Howard Marshall, o que nos indica que as condições de

produção para textos que abordassem a questão da sexualidade após os sessenta como

algo viável ainda não havia se configurado em 2005: uma comparação com os anúncios

da Duloren e do Viagra nos revelam que os discurso sobre a sexualidade nas idades

avançadas é um fenômeno que vem sendo observado há menos de uma década. Do

mesmo modo, o texto não seduz o idoso a consumir a cerveja, ao contrário do texto que

a mesma empresa divulgaria três anos depois.

A mesma F/Nazca (agora sob o novo nome F/Nazca Saatchi & Saatchi) produziria

dois outros comerciais em 2008 também trazendo a figura do idoso em uma cenografia

diferente. O produto é a Skol Redondinha, variação em 269 ml da lata padrão (355 ml).

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[5ºb] Em “Buraco” três senhoras que participam de uma mesa de carteado são

surpreendidas pela quarta jogadora, que desce três cartas da sua mão na mesa e “cola” a

quarta na testa de uma das adversárias, gritando “Bati!”. Logo em seguida abre a

geladeira para pegar a sua latinha, rindo daquela jogadora, que tira a carta da testa com

uma cara muito irritada enquanto a vencedora abre a latinha.

[5ºc] De maneira semelhante, “Sinuca” mostra quatro senhores jogando e um deles

muito habilidosamente “encaçapando” quatro bolas ao mesmo tempo e dando assim fim

ao jogo. Um dos senhores boquiaberto tem a sua mandíbula ajustada à posição normal

enquanto o vencedor grita “Caçapa!”, para o riso dos demais, indo logo depois retirar a

sua latinha do congelador.

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Ao contrário do comercial de 2005, o discurso se desenrola numa topografia e numa

cronografia factíveis no mundo ethico de uma pessoa idosa: a mesa de carteado ou a

mesa de bilhar em companhia dos amigos é de fato um momento de lazer no universo

das representações do idoso, recuperando a reunião, a socialização, a vitória, a alegria e

a sua experiência , enunciando o momento que os protagonistas vivem como um tempo

de diversão, e onde se é permitido, entre outras coisas, deliciar-se com uma latinha de

cerveja. Além disso, essa apreciação é moderada, já que a latinha tem menos conteúdo

do que a padrão, o que está em alinhamento com a temperança muito pregada pelo

discurso geriátrico. A cenografia desse anúncio, ao contrário daquele de 2005, seduz de

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fato o consumidor idoso a compartilhar a alegria dos atores por colocá-lo naquela

situação dos protagonistas, ao contrário daquele primeiro comercial, onde ele é

discursivizado como uma espécie de palhaço a fazer estripulias para o deleite de um

público que certamente não o inclui.

[5ºd] No ano de 2013 a Ambev patrocinou um comercial que traz o idoso para o

melhor assento da audiência. As condições de produção desse comercial dizem respeito

ao crescimento do mercado de cervejas premium e artesanais no Brasil e à revitalização

da Cervejaria Bohemia, um marco de valor histórico, pela atual proprietária Ambev.

Com o título “Cervejaria”, o texto retrata uma noite de gala ambientada nas

dependências da Cervejaria Bohemia, na cidade fluminense de Petrópolis, onde uma

multidão de pessoas (a maior parte idosa) trajando roupas de gala adentra o ambiente

luxuoso. É lá que se reúnem o suposto diretor de marketing da empresa, retratado como

um jovem rapaz entusiasmado, confiante e cheio de ideias, e os supostos fundadores ou

diretores mais antigos da cervejaria.

Em um dado momento, uma senhora comenta que, nos 150 anos em que

trabalhou ali, nunca havia visto aquela cervejaria tão linda quanto naquele dia. Outro

senhor elogia o rapaz e a sua ideia de abrir a cervejaria para o público visitar, ao que o

rapaz responde que, como próximo passo, colocaria umas “mulheres gostosas” no

comercial, deixando os senhores e senhoras boquiabertos e atônitos a olharem uns aos

outros.

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Um outro senhor interpela o jovem como se indignado, soltando um “como

assim?” ao qual o jovem, muito confiante e pouco consciente da falta de modalização

do seu discurso, responde ser algo necessário, já que a propaganda das outras cervejas

está “mais jovem” do que a da Bohemia. É então que um quarto senhor termina a

conversa dizendo que quem gosta de propaganda deve assistir aos comerciais daquela

outra marca, enquanto que quem gosta de cerveja, deve beber a deles.

O comentário é seguido de outro bastante provocador daquele primeiro senhor

indignado, sob a forma de um “Chupa!” que desencadeia as gargalhadas dos demais

participantes da roda, com exceção do rapaz, cuja expressão se torna um tanto sem

graça

O texto revela a marca de cervejas delimitando um lugar discursivo que confere

ao discurso do idoso um estatuto de seriedade; em outras palavras, é a partir daqui que o

idoso passa a existir nos comerciais de cerveja como um ator social dotado de opiniões

que reverberam e moldam o mundo ao seu redor, deixando de ser o sujeito de uma piada

na qual se ri dele, e não com ele.

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A cenografia traz a Cervejaria Bohemia como um lugar aberto ao público, no

qual todos podem entrar e se sentir à vontade. Se lembrarmos de que foi ela a primeira

cervejaria do Brasil, fundada em 1853, teremos marcas discursivas como tradição,

maturidade, longevidade e experiência adicionadas ao mundo ethico dessa marca, e que

serão transferidas, da mesma forma, ao discurso dos senhores e senhoras idosos no

comercial, sendo a cervejaria a fonte legitimadora do discurso desses protagonistas, o

que nos remete à questão do estatuto do enunciador e do coenunciador, conforme

exposto por Souza e Silva:

Também o estatuto do enunciador e do coenunciador depende da competência discursiva: cada

discurso, de acordo com a competência (inter)discursiva, define o estatuto que o enunciador deve

se conferir e o estatuto que ele confere a seu coenunciador para legitimar seu dizer. Esse

processo tem duas dimensões, uma institucional e outra intertextual. (2009, p.9)

A cervejaria Bohemia, da qual muitos não se lembravam mais, recebe um banho

de ouro e apresenta-se majestosa e elegante mesmo após um século e meio de

funcionamento, como enuncia a senhora enquanto se regozija da beleza do ambiente. A

cervejaria torna-se então o lugar do idoso, conferindo valor àquilo que ele valoriza e

representa, e que ele faz questão de mostrar ao abrir a sua casa para que o público venha

conhecê-lo, elegantemente vestido, em um momento de celebração permeado do

começo ao fim pelas marcas de sofisticação que o cenário traz: o som do jazz na

introdução do anúncio casa-se perfeitamente com o luxo do tapete vermelho sobre o

qual os convivas adentram o belo edifício no qual a luz ambiente das arandelas, a

madeira nobre dos móveis e da escadaria e os quadros na parede levam-nos a um

tempo-espaço onde a elegância predomina, reconhecível apenas nos melhores cenários

de um film noir . Esse cenário se sustenta como o Outro daquele bingo no qual se

desenrola o texto de [5ºa]: a cervejaria Bohemia é um lugar onde tudo está no seu

devido lugar segundo a perspectiva da pessoa idosa, e que representa uma possibilidade

factível de diversão e lazer.

O enunciado do jovem rapaz vai contra aquele ethos de elegância dos convivas

ao reagir a um elogio com um comentário que ameaça a face positiva dos seus

destinatários: ao presumir que está em uma posição de utilizar uma designação de teor

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tão chulo como “mulheres gostosas” naquela situação e para aquela senhora (designação

que reduz a figura da mulher a um objeto a ser “comido”) ou ao enunciar que a

propaganda das outras cervejas está mais “jovem” que a da Bohemia (revelando

interdiscursivamente que o que o consumidor de cervejas busca está distante do

universo do “velho”), ele posiciona o seu discurso em rivalidade com o dos presentes,

distanciando-se deles e de todas as marcas discursivas intersemióticas de glamour,

beleza, elegância e respeito que permeiam o ambiente, revelando a deselegância e a

falta de cuidado com a qual muitos jovens concebem o idoso através das marcas

discursivas de seus enunciados, como é o caso das âncoras daqueles dois noticiários

televisivos que expusemos na Parte II (p.26-27). Além disso, o enunciado do rapaz

revela uma quebra do estatuto do enunciador e do coenunciador naquela cenografia: o

jovem não se encontra em uma posição que lhe permita dizer o que está de acordo ou

não com aquilo que a cerveja Bohemia representa , ao contrário da cenografia

verificável em [5ºa], mas sim os seus coenunciadores, cuja história de vida se confunde

com a da própria instituição que legitima os seus discursos, como se pode perceber pela

marca discursiva de elegância contida na resposta dada por aquele senhor: ele traça um

simulacro daqueles consumidores da outra marca de cerveja como pessoas que

entendem de comerciais de TV (assim como o jovem gerente de marketing), mas que

não sabem nada sobre o que é uma boa cerveja, porém, não fecha a possibilidade de o

jovem rapaz juntar-se a eles e se tornar assim também uma pessoa que entenda de

cerveja, trazendo para si também um pouco daquele ethos elegante dos seus convivas,

como fica claro na enunciação:

“...quem gosta de cerveja, bebe a nossa.”

Isso nos traz a questão dos sistemas de coerções ao qual não apenas os discursos

estão sujeitos, mas também as comunidades discursivas que os fazem circular, como

explica Souza e Silva:

O sistema de coerções, além de operar sobre os planos do discurso, insere também o discurso na

rede institucional de um “grupo”, aquele que a enunciação discursiva supõe e torna possível.

Dito de outro modo, o discurso, ao ser enunciado, instaura o quadro institucional ao qual está

vinculado, ao mesmo tempo em que é autorizado por esse quadro. A imbricação de um discurso

e de uma instituição não é uma ideia nova, conforme lembra o próprio Maingueneau, citando

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outros autores que compartilham o mesmo princípio. Seu modo de fazer, nós o dizemos, é, no

entanto, bastante original: articula discurso e instituição por meio de um sistema de coerções

semânticas: “as instituições estão submetidas ao mesmo processo de estruturação do discurso

propriamente dito” (p. 122). Consequentemente, a “passagem de um discurso a outro é

acompanhada de uma mudança na estrutura e no funcionamento dos grupos que gerem esse

discurso” (p. 119). (2009, p.12)

O discurso do rapaz não representa o seu ponto de vista sobre a realidade, mas o

de uma instituição à qual ele se afilia e na qual os posicionamentos favoráveis à

juventude são prevalentes (como, por exemplo, aqueles encontrados em [5ºa]), no

entanto, os seus coenunciadores, cujos posicionamentos fazem parte da mesma

comunidade discursiva que os da cerveja Bohemia, trazem em seus enunciados marcas

discursivas marcadamente contrárias àquelas do discurso do rapaz: enquanto os

senhores se apresentam de maneira contida, elegante e polida, os posicionamentos do

jovem derivam de uma instituição na qual uma maneira despojada, informal e

irreverente de ser é valorizada. Se aquela conversa prosseguisse um pouco mais e os

participantes passassem a tecer simulacros a respeito um do outro ao ponto de podermos

acessar o sistema de interincompreensão regrada nos discursos de cada um, poderíamos

ver o senhor de barba talvez taxar o discurso do rapaz como relapso, deselegante e

desrespeitoso, enquanto para o rapaz, o do senhor poderia ser rotulado como travado,

cafona e pedante.

Os enunciados do rapaz e desses senhores situam-se assim dentro de um espaço

discursivo no qual os seus posicionamentos colocam-se em franca concorrência e

repelem um ao outro, estabelecendo o discurso do interlocutor de cada um como o

Outro do seu Mesmo, em uma relação regrada de interincompreensão na qual um

descreve o outro através de representações caricaturais (simulacros): o rapaz

desqualifica os seus interlocutores como velhos e, portanto, inadequados para

protagonizarem um comercial de cervejas (o que, paradoxalmente, está ocorrendo na

própria situação de enunciação); já os senhores desqualificam o rapaz como alguém que

nada sabe sobre cervejas, enquanto a própria cenografia do texto trata de desqualificar o

jovem como alguém que não sabe nada sobre comerciais de cerveja (afinal de contas, o

próprio texto é um comercial de cerveja protagonizado por pessoas idosas que, aliás,

levam a melhor sobre um jovem rapaz). O texto é inovador ao dar à pessoa idosa o

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poder de decisão sobre o que é uma boa cerveja, por representar o idoso de maneira

gratificante, numa cenografia dentro da qual os seus posicionamentos prevalecem,

seduzindo o interlocutor a aderir a esse ethos digno, polido e inteligente dos

protagonistas, tornando-se um verdadeiro especialista em cervejas.

3.2 Textos de campanhas governamentais

[6ºa] Em 2012 a telechef Palmirinha foi a protagonista da campanha de

vacinação promovida pela Secretaria da Saúde do Governo do Estado de São Paulo na

forma de um cartaz onde se lê o seguinte enunciado:

“O Governo do Estado de São Paulo e a Vovó Palmirinha têm a receita ideal

contra a gripe: vacinação gratuita.”

O fundo é composto por um degradê de azul-claro que se torna

progressivamente branco ao se aproximar da imagem da apresentadora, de braços

cruzados e sorridente ao lado direito, remetendo-nos a uma cenografia de sobriedade,

candura e tranquilidade. Molduras ornamentais reminiscentes da Belle Époque adornam

o entorno das letras daquela enunciação e se confundem com as rendas da blusa branca

vestida pela protagonista, cuja imagem aparece em destaque, o que nos remetem à ideia

de “vestir a camisa” como um sinônimo de aderir a uma ideia. A solução contra a gripe

é sugerida como uma receita culinária, assunto que Palmirinha domina, conferindo

credibilidade ao texto ao nos remeter à expressão receita de sucesso como sinônimo de

fórmula recomendada por quem já passou por uma dada experiência, o que enfatiza o

estereótipo do idoso como sábio, como detentor do conhecimento. Ao contrário dos

textos das campanhas daquelas duas empresas privadas, onde a ênfase estava na

releitura dos estereótipos sobre o idoso, a cenografia da campanha em questão reforça e

valida o estereótipo da avó na busca da adesão do público-alvo.

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O fato de o enunciado trazer a apresentadora como Vovó Palmirinha nos revela

que o texto dirige-se não apenas a um você composto por fãs idosos de Palmirinha, mas

inclui também os seus netos na cenografia, levando-os a identificar as suas próprias

avós na imagem da apresentadora e participar da conscientização que a peça divulga, e

toma para si aquele ethos um pouco infantilizado do programa da protagonista, no

intuito de aproximar-se da sua audiência. Esse é um recurso utilizado em outras

campanhas de vacinação dirigidas ao público idoso, como no cartaz abaixo:

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[6ºb] Ao incluir a família no texto pictográfico do pôster, transparece o discurso

da gerontologia, segundo o qual as questões pertinentes à realidade do idoso devem ser

uma preocupação da sociedade, e não apenas dos indivíduos. Esse pôster é composto,

na verdade, por três textos: uma fotografia, uma advertência e um lembrete. A fotografia

retrata uma cena do cotidiano familiar para o interlocutor visado: o passeio em família,

uma situação agradável que é confirmada pelo ethos de alegria e afetuosidade dos

protagonistas sorridentes e próximos uns dos outros. O texto fotográfico procura

despertar no interlocutor visado uma cena validada do seu dia-a-dia para que assim leia

o informativo, que o interpela como um passageiro. Depreendemos daí que a situação

de enunciação é a de uma viagem em algum meio de transporte coletivo, o que significa

que a circunstância da enunciação irá ocorrer de acordo com o tempo no qual o

interlocutor irá permanecer no veículo, bem como da visibilidade que o interlocutor terá

a partir do local que ele irá ocupar dentro dele, o que pode justificar o caráter híbrido do

pôster: o texto fotográfico, mais direto e proeminente (ocupando mais da metade do

pôster) por si só já enuncia a existência de uma campanha em curso, sendo necessário

não mais que um breve olhar para que o passageiro leia a enunciação “centro de saúde”

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e remetê-la à cenografia na qual o texto fotográfico se apoia. Além disso, muitas

pessoas (não necessariamente idosas) têm dificuldade em ler algo enquanto um veículo

como um ônibus, por exemplo, se move; o que pode ser agravado se levarmos em

consideração que o interlocutor seja uma pessoa com limitações visuais causadas, entre

outras razões, pelo desgaste ocasionado pela idade.

O espaço entre o interlocutor e o pôster podem também desfavorecer a

assimilação da parte escrita. No entanto, um interlocutor que estivesse a uma distância

média poderia também identificar a foto do cartão de vacinação, um objeto que

presumivelmente faz parte do seu mundo ethico. O fato dos textos pictóricos ocuparem

tamanho espaço pode ter relação com o analfabetismo: o censo do IBGE de 2010

revelou que 35,2% da população idosa no Brasil é analfabeta, o que equivaleria a um

número de 5,1 milhões de pessoas27. Se levarmos em consideração que essa população

idosa analfabeta faz parte também das camadas mais desfavorecidas economicamente, a

proeminência maior da parcela pictórica do pôster converge para que se promova a

assimilação dos enunciados, a despeito do ambiente desfavorável .

[7º] Um outro cartaz, divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome, reafirma o ethos terno do casal Iná e Laudelino (p.29) ao retratar um

casal de meia-idade sorridente e envolto em um cobertor enquanto toma um banho de

sol. O convite a uma alimentação saudável mistura-se à experiência do namoro,

mostrando um posicionamento favorável à interação social do idoso. A frase “Tem

casal que é como feijão com arroz: a união perfeita” é estampada sobre uma trama de

tecido rústico, o que reforça a ideia de união forte, de inseparabilidade, identificada

pelas práticas discursivas intersemióticas. Assim como Palmirinha veste as molduras

que adornam o texto nas rendas de sua blusa, o casal está envolto na trama do tecido que

dá fundo ao slogan, literalmente cobertos e protegidos do frio pela ideia de uma boa

alimentação, numa imagem cujo ethos comunica proteção, afetuosidade e calor.

27 http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/25072002pidoso.shtm, acessado em 04/04/2013

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[8º] A sexualidade do idoso é abordada também em campanhas de saúde do

governo brasileiro, como a campanha “Clube dos Enta”, de 2008, patrocinada pelo SUS

e pelo Ministério da Saúde, que é voltada ao público masculino de meia idade, com o

intuito de promover o uso da camisinha entre essa população. Consiste em cartazes com

senhores de meia idade trajando uma camiseta onde se lê : “Clube dos Enta/ Sexo não

tem idade, proteção também não/ Camisinha depois dos 50: experimenta”.

A busca pela adesão através do reforço da mensagem é patente pela

intertextualidade com um polêmico comercial de TV da cerveja Nova Schin, onde o

bordão “Experimenta!” repetido em uníssono por uma multidão ao longo do comercial é

eloquente o bastante não só para convencer um consumidor vacilante a provar a

qualidade da nova marca, mas também a ganhar a adesão de uma das maiores

autoridades em cerveja na cultura popular: o sambista Zeca Pagodinho, tradicional

consumidor da concorrente Brahma.

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O logotipo da campanha é ainda reminiscente dos rótulos dessas duas marcas: as

letras em branco com um fundo predominantemente vermelho no formato de um escudo

e com uma faixa sublinhando a palavra “enta”. A intertextualidade icônica com o

logotipo das duas cervejas se justifica ao considerarmos o consumo desse tipo de

produto pelo público alvo e a popularidade das duas marcas e seus respectivos

comerciais de TV à época, maximizando-se assim a assimilação da campanha através de

uma cenografia validada pela população masculina acima dos cinquenta e confirmando

o caráter intersemiótico das práticas discursivas..

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O texto, ao tratar da prevenção no exercício da sexualidade, traz consigo

também a virilidade como um dado nas representações dos idosos de hoje, quebrando

aquele estereótipo que associa a impotência sexual às idades avançadas recorrente em

piadas ao reconhecer, no aqui-e-agora, o sexo entre os “entas” como uma realidade.

Note-se também que aqui, como no anúncio da campanha de vacinação protagonizado

por Palmirinha, o senhor “veste a camisa” que enuncia o slogan da campanha.

[9ºa] Já os textos governamentais sobre o abandono e a violência contra o idoso

baseiam-se na ameaça e na solidariedade como estratégias de adesão do coenunciador.

O governo de Minas Gerais lançou, em 2009, uma campanha para a valorização do

idoso em dois comerciais de TV cujo apelo era para que os filhos desses senhores e

senhoras os visitassem mais. O slogan denunciava, interdiscursivamente, o desrespeito,

a falta de cuidados e de carinho da população com relação aos cidadãos idosos:

“Respeito e cuidado com nossos idosos. Minas abraça essa causa. Com muito carinho”

Um dos textos traz a resposta de três pessoas à pergunta de um entrevistador

não identificado sobre o que elas iriam fazer naquele dia. A primeira pessoa diz que irá

ao cinema, uma segunda diz que irá beber cerveja com os amigos e outros dois irão à

academia e jogar futebol. As vozes e o tipo de atividade que irão realizar nos remetem à

figura de adolescentes e jovens adultos. Entrevistador e entrevistados não são vistos no

decorrer do comercial, mas uma série de imagens de idosos em situações de abandono.

Um lança um olhar melancólico ao nada enquanto se apoia na bengala, outros se

encontram dispersos e solitários naquilo que nos parece a sala de um asilo; uma terceira

senhora caminha com dificuldades, tateando a parede em busca de algum apoio.

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Outra senhora toma sopa sozinha em uma cozinha escura, o que sugere o cenário

de um abrigo ou de uma casa grande demais para uma pessoa só. Ao final, uma senhora

que se encontra sentada no banco de uma praça ao ar livre é surpreendida pela chegada

de seu suposto filho, que sorri e a abraça enquanto o slogan da campanha é apresentado

pelo narrador.

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As cenas trazem em si imagens de um sofrimento que só se dissipa com a

chegada do filho, validando o apelo de integração do idoso à família e à sociedade que o

governo faz e destacando a participação da família como elemento fundamental no bem-

estar de seus idosos. A topografia nos remete ao lugar onde muitos idosos se encontram

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na atualidade: em um asilo, lugar no qual os idosos são levados por seus familiares para

depois serem esquecidos, como se esquece um objeto qualquer no fundo de uma gaveta

ou num armário, lugar que as imagens retomam através de uma ambientação escura,

fechada e sem vida, que é contrastada com o ambiente ao ar livre, cheio de luz, vida e

beleza no qual a cena de aproximação com o filho se dá. Há duas cronografias também

em contraste: uma é o tempo que nunca passa, o tempo agonizante e lento da espera,

estabelecido na primeira cena, na qual a imagem de um relógio de parede com seu

pêndulo balançando incessantemente dá início fundo musical, uma peça executada em

piano e cordas, de tom melancólico e tão lento quanto o movimento dos habitantes

daquele asilo; a outra é o momento do encontro, da surpresa com a chegada do filho,

rápido, intenso e caloroso.

A estratégia do texto consiste em solidarizar as gerações mais jovens com a

população idosa através do medo e do constrangimento: é difícil permanecer indiferente

a imagens de tamanha desolação, sem criar o mínimo de empatia com cada um dos

idosos desses textos que, ameaçadoramente, nos transferem para àquela cenografia

sombria ao nos lembrar de que um dia também poderemos nos ver em uma situação tão

triste quanto a dos protagonistas. A ameaça se torna ainda mais grave quando nos

damos conta de que a fonte legitimadora desse discurso é o Estado.

[9º b] O segundo texto da mesma campanha se baseia na mesma estratégia e traz

o cantor popular Zezé di Camargo declamando a letra de uma velha canção sertaneja de

autoria de Teddy Vieira e Palmeira, e interpretada pela dupla Palmeira e Biá: “Couro de

Boi”.

"Conheço um velho ditado que é do tempo do zagaia

Diz que um pai trata dez filhos, mas dez filhos não tratam um pai

Sentindo o peso dos anos sem poder mais trabalhar

O velho peão estradeiro com seu filho foi morar

O rapaz era casado e a mulher deu de implicar :

‘Você manda o velho embora se não quiser que eu vá’

E o rapaz, coração, duro com seu velho foi falar: “

Para o senhor se mudar meu pai eu vim lhe pedir

Hoje aqui da minha casa o senhor tem que sair

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Leve este couro de boi que eu acabei de curtir

Pra lhe servir de coberta onde o senhor dormir

O pobre velho calado pegou o couro e saiu

Seu neto de oito anos que aquela cena assistiu

Correu atrás do avô, seu paletó sacudiu

Metade daquele couro chorando ele pediu

O velhinho comovido pra não ver o neto chorando

Partiu o couro no meio e ao netinho foi dando

O menino chegou em casa, seu pai foi perguntando

Pra que você quer este couro que seu avô ia levando

Disse o menino ao pai um dia vou me casar

O senhor vai ficar velho e comigo vem morar

Pode ser que aconteça de nós não se combinar

Esta metade do couro vou dar pro senhor levar.

A ameaça do primeiro comercial é reafirmada, dessa vez não apenas pelo estado,

mas também pelo sujeito empírico Zezé di Camargo, cantor cujo discurso de respeito

pelos pais integra a narrativa de “Dois Filhos de Francisco”, filme sobre a trajetória da

dupla que ele formou com o irmão Luciano, o que confere um estatuto de legitimidade

ao texto. Cenas daquele primeiro comercial vão sendo mostradas enquanto a narrativa

da letra é declamada pelo cantor, cuja interpretação, ao mesmo tempo contida e firme,

associada ao seu gestual, acentuam o ethos solene e ameaçador e o tom professoral,

criando um efeito de sentido de constrangimento e piedade, como se o coenunciador

fosse, de fato, o responsável por aquelas cenas de tristeza. Tais representações trazem

em si a questão do abandono como algo a ser trazido à pauta das preocupações da

sociedade, como preconiza a gerontologia.

[10ºa] Na contramão das representações contidas nesses textos encontram-se

textos publicitários que enaltecem a figura do idoso como um sujeito autônomo,

sociável, e cuja felicidade não depende da ação da família, do estado ou da comunidade,

mas de seu próprio posicionamento com relação à sua realidade, como no discurso

professado por Jane Fonda em “O Terceiro Ato”. Visando cortejar idosos alinhados

ideologicamente a essa visão, o mercado de turismo vem fomentando a prática do

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turismo entre esse público com o programa do Ministério do Turismo, como o “Viaja

Mais Melhor Idade” (2010).

Três anúncios desse programa trazem reinterpretações de estereótipos

cenográficos associados a esse perfil de consumidor: em um dele, por exemplo, o

tricotar perde o sentido literal para aproximar-se mais daquele da troca de ideias, do

bate-papo entre três senhoras sentadas em cadeiras, no cenário diurno de uma praia, de

maneira lenta, porém prazerosa.

Observe-se como essa representação de senhoras sociáveis e felizes em um

cenário repleto de beleza natural aponta para uma possibilidade que contraria aquela da

campanha anterior [9ºa, 9ºb], onde os senhores e senhoras, ao invés de se reunirem para

conversar, dissipavam-se uns dos outros e mostravam-se acabrunhados, mergulhados

em tristeza e solidão, mesmo estando juntos.

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[10ºb] Em outro anúncio, a tela da televisão é substituída pelo pôr do sol em

outra praia, onde um casal de mãos dadas são os telespectadores. Esse texto segue a

mesma proposta do anterior [10ºa], ao propor uma releitura dos hábitos mais

frequentemente associados àquela fase da vida, como assistir televisão.

[10ºc] O jogo de damas perde o caráter estático para dar lugar ao jogo de

sedução entre damas e cavalheiros de fato, que são conduzidas numa dança sobre um

tabuleiro representado pela calçada de um bar, rodeado por mesas e luminárias. A

topografia de um lugar público ao ar livre como o bar da figura, onde todos se veem e

são vistos, indicam possibilidades antes só imagináveis nos chamados “bailes da

terceira idade”: o flerte, a dança, o consumo de bebidas alcoólicas e a socialização,

aludindo ao jogo de sedução das damas ao invés daquele jogo de tabuleiro tão

frequentemente associados ao mundo ethico do idoso quanto o baralho e o xadrez.

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A revisão daquilo que a cenografia que cada um daqueles enunciados pode

engendrar é o recurso utilizado na busca da simpatia do coenunciador: quando dizemos

tricotar não estamos nos referindo a uma mulher sentada na sala de sua casa, rodeada de

novelos de lã enquanto passa as horas em uma atividade repetitiva, mas nos bons

momentos que pode passar conversando com as amigas em um cenário convidativo

como a beira de uma praia. Da mesma forma, o texto questiona o sentido de assistir-se a

uma representação de atores de novela aproveitando alguns segundos de um belo pôr do

sol quando pode-se, de fato, ser o protagonista que o aproveita em tempo real. Há nos

textos dessa campanha, portanto, um convite para que o coenunciador revise

posicionamentos estereotipados sobre os lugares que deve ocupar no cenário social.

Esse convite à mudança é reforçado no texto de rodapé que acompanha cada uma das

imagens:

“Um belo dia você resolve mudar. E fazer tudo o que queria fazer. Começa com

a viagem dos seus sonhos. No primeiro dia, você e seus novos amigos saem para

passear. De tarde, conhecer a cidade. À noite, um bailinho, porque ninguém é de ferro.

Amanhece, o sol brilha, a vida ainda mais. Você lembra dos amigos que ficaram em

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casa e não puderam vir. Dá vontade de cantar: “Agora só falta você”. Só falta você

aproveitar as vantagens do Viaja Mais Melhor Idade.”

Há no texto a intertextualidade com a letra de “Agora Só Falta Você”, da cantora

Rita Lee:

Um belo dia resolvi mudar

E fazer tudo o que eu queria fazer

Me libertei daquela vida vulgar

Que eu levava estando junto a você

E em tudo que eu faço

Existe um porquê

Eu sei que eu nasci

Sei que eu nasci pra saber

E fui andando sem pensar em voltar

E sem ligar pro que me aconteceu

Um belo dia vou lhe telefonar

Pra lhe dizer que aquele sonho cresceu

No ar que eu respiro

Eu sinto prazer

De ser quem eu sou

De estar onde estou

Agora só falta você.

A letra revela o prazer de viver da protagonista (No ar que eu respiro/ Eu sinto

prazer), agora que conseguiu resolver seus problemas e arrependimentos do passado (E

fui andando sem pensar em voltar/E sem ligar pro que me aconteceu) aderindo a uma

mudança de posicionamento com relação à vida (Um belo dia resolvi mudar/ E fazer

tudo o que eu queria fazer/ Me libertei daquela vida vulgar/ Que eu levava estando

junto a você) e finalizando com um convite de adesão a essa nova postura (Agora só

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falta você). A letra,que traz em si o posicionamento da cantora sobre o que significa

viver livre das expectativas dos outros sobre si mesma, é um convite para que outras

pessoas a sigam na reconstrução de si mesmos.

3.3 Textos de entidades engajadas no bem-estar do idoso

[11º] O cartaz abaixo, da ONG engajada nas questões de planejamento familiar

Bemfam (2007), retrata um casal de senhores cujo ethos de ternura e cumplicidade

recupera aquele do de Laudelino e Iná (protagonistas da novela A Vida da Gente). Nele,

vê-se uma grande flor estampada por trás dos dois, em cujas pétalas estão escritos

enunciados pertinentes à sexualidade após os sessenta anos, afirmando a possibilidade

de explorá-la nessa fase da vida e a sensação de bem-estar que pode advir disso (“De

bem com a vida depois dos 60”). O ethos de delicadeza pode ser identificado no fundo

rosado, na escolha de uma flor que, ao se abrir, abre também novas possibilidades

enunciadas em suas pétalas, mostrando uma intertextualidade com o discurso de revisão

de posicionamentos contido naquele primeiro texto da Microsoft. O convite à

exploração do sexo nas idades avançadas é promovido em um tom tão sutil quanto

aquele empreendido pelo casal da telenovela, sendo aqui também mais associado ao

carinho e à cumplicidade do que ao discurso pornográfico e burlesco das MILFs ou das

modelos de Erwin Olaf, revelando a preocupação em zelar pela face positiva dos

interlocutores, primeira ordem ao tratar-se de um assunto considerado tabu por muitos.

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. [12º] Um discurso análogo ao encontrado nos textos da Campanha de

Valorização do Idoso promovido pelo governo de Minas Gerais pode ser verificado no

pôster da Campanha da Fraternidade de 2003 da CNBB (Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil), ano em que foi promulgado o Estatuto do Idoso, e que traz em si o

mesmo ethos de abandono e sofrimento, confirmando um posicionamento análogo ao

do governo por parte da igreja católica . O cartaz traz a figura de um senhor entristecido

e aparentemente debilitado, junto às palavras “vida, dignidade e esperança”, o que

interdiscursivamente nos sugere três coisas das quais o idoso carece, cabendo à

comunidade católica trazer esse problema à tona com o tema da campanha: “A

Fraternidade e as Pessoas Idosas”.

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CONCLUSÃO

As nossas conclusões irão seguir o critério da natureza das instituições que

geraram os textos analisados (empresas privadas, governo e instituições de apoio ao

idoso), confrontando os posicionamentos encontrados em cada uma delas para depois

comparar os discursos mais comumente observados nos espaços discursivos presentes

nas três categorias.

Retomando as questões colocadas na introdução desse trabalho:

1) Como se caracterizam os discursos identificados nos textos de cada um

dos tipos de instituição?

Instituições privadas

Os discursos mais recorrentes nos textos publicitários das empresas privadas que

analisamos trazem em si posicionamentos sobre o idoso que a) subvertem os

estereótipos sobre ele, atribuindo à pessoa idosa marcas discursivas mais verificadas nos

discursos de outros grupos etários - jovens, crianças, adolescentes - com o intuito de

gerar humor e/ou questionar a validade desses estereótipos, b) tratam da sexualidade do

idoso como algo factível, e não mais apenas como um mote de comicidade, e c)

cortejam o idoso como um consumidor de produtos até então pouco presentes no seu

universo ethico, como bebida alcoólica e lingerie.

Foram verificados ethe de sensualidade, agressividade, confiança, elegância,

poder, sofisticação, alinhamento com a modernidade e sociabilidade que põem em

xeque a validade de alguns estereótipos circulantes sobre o idoso. A cenografia contida

nos textos de alguns comerciais confere aos posicionamentos do idoso um estatuto

favorável, permitindo que eles prevaleçam em detrimento daqueles de pessoas mais

jovens.

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Governo

Os discursos mais comumente encontrados nos textos publicitários do governo

trazem em si posicionamentos que a) tratam do idoso ora como um membro de um

grupo social maior – família, cidadãos – que tem um papel fundamental na manutenção

do seu bem-estar, ora como o ator social que tem o poder de decisão sobre esse bem-

estar, b) tratam da sexualidade do idoso como algo factível, e c) cortejam o idoso como

um consumidor de produtos até então pouco presentes no seu universo ethico, como

pacotes de viagem.

Foram verificados ethe de afetuosidade, confiança, alegria e sociabilidade em

parte dos textos, em contraste com outros de apatia, dependência, fragilidade, tristeza e

isolamento verificados em alguns outros. A cenografia contida nos textos de alguns

comerciais reflete a posição ambivalente do Estado em relação a esses atores sociais,

ora representando-o como o sujeito de direitos garantidos pela lei e dependente da ação

da sociedade para que tais direitos se consubstanciem, utilizando-se de estratégias como

a ameaça e a solidariedade para mobilizá-la, ora como o ator social que terá o poder de

decisão sobre o seu bem-estar, seduzindo-o através da empatia para promover o

consumo de serviços ou a adesão a campanhas de saúde que corroborem esse bem-estar.

Entidades assistenciais

As entidades assistenciais trouxeram em seus textos posicionamentos que

análogos a alguns encontrados nos textos governamentais, ora retratando o idoso como

dependente da ação da sociedade, ora como o ator social que pode agregar o bem-estar à

sua condição através da adesão a um comportamento veiculado pelo texto. No primeiro

caso, o idoso é retratado através de um ethos de debilidade, tristeza, dor e fragilidade,

enquanto no segundo é representado de como sociável, terno e feliz.

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2) Como se caracteriza a relação que esses discursos trazem com outros

verificáveis em textos de instituições de natureza diversa daquelas de onde

eles provêm?

A nossa análise nos indicou que a natureza das instituições pode ter alguma

influência nos discursos veiculados nos textos publicitários dessas instituições sobre o

idoso. Se nos textos de empresas privadas o idoso é visto exclusivamente como o

consumidor de produtos ou como o personagem de uma narrativa que visa angariar a

simpatia do interlocutor na venda de produtos, nos textos governamentais ele é também

o detentor de direitos tutelados pelo Estado, enquanto que nos textos de entidades

assistenciais não-governamentais, ele representa uma questão social a ser tratada pela

ação da sociedade, mas também um ator social com o poder de decisão sobre a maneira

como conduzirá a própria vida.

Não se pode falar, no entanto, de um discurso mais característico de um tipo de

instituição, podendo ser verificados tanto posicionamentos análogos quanto contrários

ao compararmos um texto governamental com um texto de empresa privada, por

exemplo. O modo como a questão da sexualidade é abordada nos diferentes textos traz

a questão de como essas entidades levam em conta o tipo de público idoso ao qual elas

se dirigem. Um anúncio que trate de um tema como a sexualidade, considerado tabu por

pessoas com posturas mais conservadoras e alinhadas a dogmas religiosos, por exemplo,

traduz um cuidado maior com a preservação da face positiva dos coenunciadores,

enquanto que anúncios de produtos como os tratamentos para disfunção erétil e

lingeries já pressupõem por si só um posicionamento mais liberal com relação à

sexualidade, o que acena com a possibilidade de representações mais ousadas. Isso

demonstra que não há de fato um idoso, mas vários perfis de idoso unidos por uma

mesma faixa etária.

Retornando ainda àquela constatação de Debert que colocamos no parágrafo

inicial da nossa introdução, podemos afirmar que dez anos depois da publicação daquele

texto e da promulgação do estatuto do idoso, a presença do idoso é uma constante no

campo publicitário, e as representações encontradas não dizem respeito apenas à

questão social que ele representa, mas também ao surgimento de posicionamentos que

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refletem a maneira como esses atores sociais concebem a realidade, e que aos poucos

passam a concorrer com os discursos mais típicos da juventude, cristalizados ao longo

do século XX. Ironicamente, esses discursos parecem estar se tornando ultrapassados à

medida que discursos mais favoráveis à condição do idoso vão ganhando espaço. Ao

que tudo indica, não há nada mais moderno e “in” do que ser idoso no início do século

XXI.

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