Upload
leticia-lima
View
213
Download
0
Embed Size (px)
DESCRIPTION
moda
Citation preview
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
O IMPRIO DO ESTILO
THE EMPIRE OF STYLE
Cristiane Mesquita
Atua em moda como pesquisadora, professora e consultora de projetos criativos e
acadmicos. Seus principais temas de pesquisa incluem interaes entre moda, corpo,
subjetividade, imagem e arte contempornea. doutora em Psicologia pelo Ncleo de
Estudos e Pesquisas da Subjetividade (PUC/SP, 2008). autora de Moda Contempornea:
quatro ou cinco conexes possveis (2004, Ed. Anhembi Morumbi) e diretora dos
documentrios Jardelina da Silva: eu mesma (DVD, 54. Diphusa, 2006) e Mas isto moda?
(DVD, 55. PaleoTV, 2005). docente em instituies assim como o Senac So Paulo e a
Universidade Anhembi Morumbi, criadora e curadora do ziguezague: desfiles incrveis,
conversas transversais, oficinas transitivas (http://ziguezagueblog.blogspot.com/), evento
realizado no MAM/SP.
Resumo
Este artigo integra um captulo de Polticas do vestir: recortes em vis, tese que examina
linhas de fora que perpassam os fluxos vestimentares, em diferentes abordagens e planos
conceituais. Tomando como mtodo de pesquisa e estratgia de escrita o conceito de
ziguezague, assim pontuado pelo filsofo Gilles Deleuze, o fragmento aqui apresentado
integra uma cartografia da moda contempornea traada a partir do conceito de estilo,
investigado sob diversas perspectivas, entre elas seu esvaziamento conceitual, seu
fortalecimento como motriz do funcionamento da moda e o aprisionamento categrico de
seus atributos expressivos associado prtica do consumo, especialmente a partir dcada de
1980. Essas perspectivas so apresentadas na companhia de autores, como Gilles Deleuze e
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
2
Felix Guattari, em dilogo com Maurizio Lazzarato, Gilles Lipovetsky e Diana Crane, entre
outros.
Palavras-chave: moda, estilo
Abstract
This article is part of a chapter in the work Polticas do vestir: recortes em vis, a thesis that
examines the main vectors that command vestmentary flows via different approaches and
conceptual planes. Adopting as a research method and writing strategy the zigzag concept as
set forth by the philosopher Gilles Deleuze, the fragment present herein is part of a mapping
of contemporary fashion as per the concept of style, investigated from a range of
perspectives, including its conceptual draining, strengthening as a driving force behind the
workings of fashion and the categorical constraints of its expressive attributes. These
perspectives are presented in the company of such authors as Gilles Delueze and Felix
Guattari, in dialogue with Maurizio Lazzarato, Gilles Lipovetsky and Diana Crane, among
others.
Keywords: fashion, style
Introduo
A subjetividade varia sua configurao em diferentes perodos da histria, quando
alguns dispositivos intensificam suas foras e se sobressaem, enquanto outros se
enfraquecem ou chegam a desaparecer. Tais dinmicas so capazes de produzir considerveis
mudanas nos modos de funcionamento de um campo produtivo.
ao longo do sculo XX que o corpo passa a funcionar como um dos mais frteis
terrenos de materializao dos cruzamentos entre a cincia, a tecnologia, o design, a moda,
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
3
as artes e inmeros outros setores produtivos, cujas polticas e economias so atravessadas
por investimentos to complexos quanto simplificadores de sua natureza orgnica e biolgica.
Especialmente a partir dos anos 50, o corpo vive e participa de um momento no qual
se apresenta como portador-vetor-expositor dos mais intensos paradoxos contemporneos e,
tomado como principal cenrio da sensao de si, mostra-se to fortalecido quanto
fragilizado, to famoso quanto esquecido, to exposto quanto blindado, to visvel quanto
inexpressivo. Uma dinmica subjetiva notadamente corpocntrica faz parte do contexto que
reconfigura as linhas de fora dos fluxos vestimentares.
Tomando como mtodo de pesquisa e estratgia de escrita o conceito de ziguezague,
assim pontuado pelo filsofo Gilles Deleuze, propomos uma breve abordagem1 sobre um
vetor atuante na cartografia da moda contempornea: o conceito de estilo2, que ser
abordado em trs vertentes. Primeiramente, faremos uma breve investigao sobre o
esvaziamento conceitual do estilo e sobre alguns de seus aprisionamentos categricos nas
redes de segmentao do consumo. Na sequncia, percorreremos alguns aspectos que
revelam o fortalecimento do estilo como motriz do funcionamento da moda, enfatizado em
sua condio mercadolgica. Por fim, interessa-nos examinar algumas apropriaes que, se
por um lado multiplicam suas significaes mercadolgicas, por outro, esvaziam seu sentido
expressivo.
Parte 1 -- Esvaziamento do estilo
Os caminhos polissmicos da linguagem provocam mutaes, variaes e
deslocamentos de sentido, nos mais diversos graus. Por vezes, alguns termos assumem
novos lugares nos campos da lngua, encontrando diferentes habitats nos discursos e modos
de funcionamento subjetivos. Estilo um bom exemplo deles. Palavra andarilha, submete-se,
ao longo do sculo XX, a uma certa banalizao que favorece derivaes das mais diversas.
Examinaremos algumas apropriaes que, se por um lado multiplicam suas significaes
mercadolgicas, por outro, esvaziam seu sentido expressivo.
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
4
Em artigo no qual aponta razes para mudanas de significao das palavras, Garcia
(2007) elege estilo para exemplificar aquilo que chama de alterao semntica de
significado e descreve o sentido original do termo em latim stilu(m): uma pequena haste
usada para escrever, um tipo de caneta antigo. Nesse perodo, estilo passa por um processo
de transformao do objeto em sua serventia: com o valor semntico, equivalente de scriptio
ao de escrever, escrita e de scriptum escrito, texto stilus faz parte da
terminologia dos retricos latinos, j no fim do primeiro sculo a.C. (Idem).
A associao direta com a escrita desenvolve um novo sentido para estilo, que passa a
indicar a maneira especfica de escrever ou falar de uma pessoa ou de um grupo de pessoas:
estilo conciso, estilo afetado, estilo didtico, etc. (Idem). Desse segundo significado parte a
ideia de estilo como preciso ou percia no escrever, de maneira a fazer migrar a funo de
substantivo para a de adjetivo, que designa aquele que escreve com estilo. com basenesta
aplicao da palavra que se desenvolve um quarto sentido para o termo mais nitidamente
literrio, ligado s caractersticas especficas de um autor ou grupo de autores, como quando
falamos do estilo de Machado de Assis ou dos estilos de poca. Alm disso, o linguista nos
lembra que a capacidade de escrita que predomina nas classes dominantes por longo
perodo faz com que o estilo se conecte com qualidades assim como refinamento e bom
gosto, gerando expresses tais como mveis de estilo ou homem de estilo.
No entanto, se a operao metonmica inicial aplicou estilo s manifestaes
expressivas no campo da literatura, logo a expanso de seu uso tomou a direo de outros
campos da cultura. Enfoques ampliados se estabeleram em conexo com as artes e a msica,
produzindo assim uma srie de derivaes e redefinies. Estilo vai englobar elementos
estticos e subjetivos que seguem uma espcie de conciso ou forma singular de encontro
entre variveis de naturezas diversas, que caracterizam um movimento, um agrupamento,
um modo de escrever, de tocar, de se expressar, entre outras manifestaes. Souza nos
oferece a anlise de uma srie de entrevistas, cujo principal objetivo era investigar o estilo
em diferentes campos de criao, assim como Artes Plsticas, Teatro, Cinema, Msica e
Literatura. A anlise das respostas ressalta aquilo que se sobressaiu em cada um dos campos
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
5
examinados: viso de mundo, caracterstica diferenciadora, orientao prpria,
personalidade e marca so as expresses reveladoras do estilo, na tica daqueles que,
supostamente, o exercitam, ainda que o termo seja tambm reconhecido como resultado de
autoria submetida a influncias de outros estilos. O pesquisador sintetiza os trs principais
sentidos para o termo: como revestimento formal de um contedo preexistente; como
caracterstica de originalidade no falar ou escrever; e como desvio de uma norma que
instaura princpios estticos atemporais e imutveis (Souza, 2001, p. 21).
Para caminhar por outras derivaes do estilo, importante lembrar conexes de uma
natureza especfica, ocorridas ao longo do sculo XIX, perodo no qual o consumo de produtos
vai se configurar como potente revelador da subjetividade. O psicanalista Jurandir Freire
Costa ressalta dois importantes aspectos daquele contexto que privilegiam essa ligao: o
surgimento da publicidade e a exposio dos produtos nas vitrines das lojas de departamento
(Costa, 2004, p. 154). A materialidade dos objetos vai alimentar muito produtivamente uma
cultura da visibilidade que prega as relaes dos produtos com as emoes. Dali em diante,
os objetos seriam cada vez mais fortemente associados s preferncias pessoais, assim como
signos reveladores da personalidade do comprador: ser nico, ser distinto, no ser como
todo mundo, implicava em materializar carter e gostos em objetos que poucos ou ningum
possua.3 O movimento de exibio de produtos e exteriorizao das crenas emocionais por
meio do consumo produz e intensifica alguns sentidos para o termo estilo, de modo a
consolidar fecundas ligaes entre escolhas de compra, maneiras de viver e expressividade
dos modos de vida.
Assim, a conceituao de estilo vai sendo despojada dos sentidos expressivos originais
e engajada com os novos rumos, comuns abrangncia das configuraes produzidas pelo
mercado, hbil em operacionalizar o uso das palavras como melhor lhe convier. No sculo XX,
a trajetria do estilo nos remete ateno de Deleuze e Guattari para os percursos dos
termos conceito e acontecimento. Pertinentes aos campos da Filosofia, da Epistemologia
ou da Psicanlise, essas palavras foram apropriadas em forma mercantil pela informtica,
pelo marketing e por outras disciplinas da comunicao, assim como a publicidade e o design,
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
6
apresentando o conceito ligado ao conjunto das apresentaes de um produto (Deleuze &
Guattari, 1992, p. 19). J o termo acontecimento, liga-se a uma srie de estratgias em
torno da apresentao, comunicao e realizao de eventos, as quais se apropriam das
qualidades atribudas a um acontecimento a atmosfera de contgio e afetao de modo a
avanar em toda espcie de simulao eficaz para seduzir e produzir sensaes no
consumidor.
em torno desses mesmos campos -- marketing, publicidade, design, moda -- que o
estilo, fortemente submetido circulao pelo universo do corpo e da vida, ganha o mercado
de modo avassalador. Tratado como categoria conjunto de componentes subjetivos, capaz
de delimitar os modos de existncia do mapa contemporneo afirma-se como produto, ou
pacote de produtos, e trilha o caminho semntico integrante das significaes do substantivo
mercadoria. Em andanas intensamente estimuladas pelas relaes entre o consumo e sua
capacidade de estampar a subjetividade, o estilo se presta a definir determinados perfis de
consumidores, alvos de toda espcie de produtos e da rede de marketing que configura o
mercado de massa. Os estilos passam assim a ser prioritariamente compreendidos como
variveis que emolduram modos de existncia e constituem mnimos eus4, definidos por
mercadorias, produtos e servios. Os predicados usados na caracterizao de estilos de vida
so constitudos com base em relaes compostas nas tramas sociais, econmicas e polticas
da subjetividade. Para que as classificaes se faam, uma estruturao ideolgica se pauta
em relaes de fora e gera princpios de incluso e excluso. Os resultados dos perfis
delineados por pesquisas de mercado, conceitos de marcas e discursos da mdia produzem
existncias codificadas na coletividade, inseres sociais e profissionais, eus qualificados para
circular, e garantidos pela compreenso dos cdigos de comunicao emitidos pelos estilos.
Para enfatizar o caminho de esvaziamento conceitual dos sentidos originais do estilo,
coletamos alguns exemplos, particularmente relevantes, nos quais o termo tomado por
diferentes campos institucionais.
No ano de 2008, a palavra-chave escolhida para acompanhar o logotipo do Banco do
Brasil nas campanhas de publicidade da instituio financeira estilo. Tomemos como
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
7
exemplo o estilo Bruno: a imagem de um jovem de costas sobre uma motocicleta est ao
lado da frase impressa sobre a estrada de asfalto: Um carto s seu. Isso que ter estilo
prprio. O termo integra as estratgias da empresa, desde 2004, quando foi criado o Banco
do Brasil Estilo, cujo atendimento personalizado e conta com servios de manobrista,
mensageiro, consultores financeiros e sala de reunies privativa. Segundo a comunicao da
campanha, estilo uma maneira de ser s sua, cheia de vitrias e conquistas. Na capa do
folder de lanamento, a chamada Estilo ter sucesso na vida pessoal e nos negcios.
Em pesquisa na web, por meio da ferramenta Google5, coletamos alguns usos
comerciais do termo que valem ser citados: Estilo Mveis, Estilo Informtica, Estilo
Telemarketing e Consultoria, Photoestilo e Academia Estilo so estabelecimentos que utilizam
o termo em seus nomes-fantasia, em conjunto com outra palavra que revela a linha do
negcio. A gua e Estilo uma empresa de decorao especializada na montagem de
aqurios exclusivos; a Fundio Estilo comercializa brindes e artigos exotricos. Estilo de
Aprender uma escola de ensino infantil baseada em teorias de Gilles Deleuze; Imagem e
Estilo oferece cursos de etiqueta social; e o domnio pertence a um
estabelecimento de artefatos de madeira, cuja chamada na pgina inicial produtos para
sua vida.
Na mesma base de dados, encontramos tambm um concurso de estilo, denominado
Estilo PUC, promovido em novembro de 2007, por estudantes da Pontifcia Universidade
Catlica do Rio de Janeiro. As informaes sobre o evento comeam com a seguinte questo:
j imaginou ser premiada por ser simplesmente voc? Em seguida, mais esclarecimentos
sobre a iniciativa: [] o Estilo PUC, com o apoio das melhores marcas, vem para valorizar o
estilo das meninas que diariamente frequentam o pilotis com seus diferentes looks. O
concurso vai eleger alunas com personalidade, e no com um esteretipo de beleza
encontrado nas modelos de passarela. Ento, relaxem meninas, o que vale aqui a
naturalidade. No dia do desfile, cada uma ir usar suas prprias roupas, ou seja, voc ser
voc mesma.6
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
8
O website www.uol.com.br, apontado como o principal portal de mdia online do
Brasil7, apresenta o link uol Estilo. Ali concentram-se matrias como Adega: conhea a
etiqueta da rolha em restaurantes para no passar vergonha quando levar sua prpria
garrafa; Mostra de decorao traz ambientes com inspirao clssica e ostentao; Gloss:
maquiador ensina a esfumar o olho; Rotina sexual no casamento: como romper esse
padro?; Libaneses querem patentear esfiha e quibe; Psicanalista aponta caminhos para
melhorar a autoestima; Sentir bem: saiba quando melhor correr ou caminhar, alm de
chamadas para reportagens sobre moda e cultura.
O uso da palavra estilo pela imprensa de moda tambm joga luz sobre a amplitude de
suas variaes. Na sesso Da Passarela, em nota denominada O romantismo dos florais, a
jornalista Christina Gumiero (2007) chama de vrios estilos os diferentes cortes, formas e
propostas dos vestidos: femininos ao extremo, os vestidos florais esto de volta em modelos
com cara de brech-chique. Eles aparecem em vrios estilos, como tomara-que-caia, com
alas em diversas larguras, ora decotadssimos ora comportados, em decote cache-coeur, hit
dos anos 70, com manguinhas bufantes, entre outros. Na mesma nota, a reprter
novamente utiliza o termo para se referir ao estilo de vida do consumidor: seja qual for o
estilo, o item obrigatrio no guarda-roupa da estao primavera/vero. A segunda nota da
coluna Moda em alta velocidade refere-se a diversos estilistas, apontando os
profissionais de confeces ou criadores de moda que assinam sua prprias grifes. Na
sequncia, a nota intitulada Inspirao latina em alta iniciada com a frase Um vero
colorido e cheio de estilo e se remete linha primavera-vero 2006 de uma indstria de
calados, inspirada em diferentes modalidades de danas latinas. Alm disso, a jornalista
menciona, em outra notcia, que o estilo navy vai estar muito na moda no vero, e intitula
Brincando de estilista informaes sobre um kit para customizao que torna mais fcil
transformar a camiseta bsica em pea fashion e nica. Finalmente, Gumiero tambm indica
livro de reflexes sobre moda, exaltando o fato de que o autor analisa, entre outros aspectos,
o conceito de estilo.
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
9
Os exemplos validam a diversidade das apropriaes do termo, de modo a ressaltar
seu esvaziamento conceitual. Paradoxalmente, enfatizam uma espcie de alargamento de
significado do substantivo-adjetivo, disponvel a deslizamentos que vo da adorao religiosa
ao exoterismo, passando pela efetuao de aplicaes no mercado financeiro e pela
montagem de aqurios, todas elas se remetendo, em maior ou menor grau subjetividade,
uma atmosfera de simulada autenticidade ou prpria configurao da existncia.
Featherstone colabora nos lembrando que os heris da cultura de consumo transformam o
estilo num projeto de vida e manifestam sua individualidade e senso de estilo na
especificidade do conjunto de bens, roupas, prticas, experincias, aparncias e disposies
corporais destinados a compor um estilo de vida ( 1995, p. 123). O autor ressalta que, em
torno dessa composio, h o desejo de uma afirmao estilstica especfica, ligada
individualidade do proprietrio, alm de uma conscincia de que esse conjunto informacional
constantemente avaliado e interpretado. Mais ou menos submetidas, libertas em maior ou
menor grau, criativas e inventivas ou amortecidas e anestesiadas, as subjetividades
produzem e so produzidas pelas aparncias e variam os graus de conexo do corpo com o
vestir.
Nesse sentido, percorreremos aspectos que delineiam o privilgio do estilo como um
forte operador subjetivo, valorizado como um dos principais motrizes do funcionamento da
moda contempornea.
Parte 2 -- Estilo em moda
Ao longo do sculo XX, o campo da moda sofreu diversas modificaes em seus modos
de funcionamento, especialmente a partir da dcada de 1990, quando a consolidao da
tecnologia digital, o advento da Internet e a comunicao online alteraram processos de
pesquisa, divulgao e mecanismos de produo e comrcio. Para pens-la como mquina8 e
verificar alguns de seus principais motes de funcionamento, importante ressaltar que
quando novos operadores vo sendo criados, constitudos ou consolidados, esses passam a
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
10
conviver com os antigos dispositivos, sem necessariamente se sobreporem a eles ou super-
los. Ou seja, a evoluo de uma mquina no elimina as peas que outrora comandaram seu
funcionamento. Entretanto, o novo conjunto produz uma configurao que modifica a fora
dos vetores integrantes de um campo produtivo. Assim, em diferentes configuraes e
momentos histricos, alguns operadores se intensificam e se sobressaem, enquanto outros se
enfraquecem ou chegam a desaparecer.
Entendida como o pilar do imprio do efmero (Lipovetsky, 1989), a moda rege no
apenas a indstria da aparncia, mas os ciclos de desejos que atravessam uma srie de
setores produtivos, integrantes da sociedade de consumo de massa. A efemeridade a
cadncia motriz de diversos segmentos, e o ritmo da obsolescncia programada fora que
se mantm a pleno vapor. plenamente exercitada, por exemplo, pela indstria da tecnologia
digital, seja na constante criao de necessidades no campo dos programas de computadores,
seja no preciosismo das inovaes no design dos gadgets que alargam as possibilidades de
comunicao e acesso a informaes: telefones e aparelhos sonoros mveis se multiplicam e
variam seus modelos incessantemente. Nesse terreno, a seduo imposta pelos novos
produtos -- e pelos discursos sobre o novo -- explicitam fidedignamente uma exaltao do
efmero que, por vezes, parece superar o ritmo de variaes do campo do vesturio.
Alm da indstria de produtos digitais, a imprensa, favorecida pela velocidade de
transmisso de informaes e pela multiplicao das redes comunicacionais, tambm
estampa eficazmente a variao exigida prpria existncia contempornea. Pessoas entram
e saem da moda, celebridades revelam um sistema de variao bem mais veloz do que o
vesturio e demais aparatos constituintes de suas prprias aparncias. famosa a frase de
uma cantora de funk carioca, Tati Quebra Barraco: sou feia, mas estou na moda. Mas um dia
passa (Barcellos, 2005). Ela se referia ao fato de estar em alta, em determinado momento
de sua carreira. Seu raciocnio era adequado: a cena do funk brasileiro ganhava o mundo e,
naquele momento, influenciava at mesmo grandes grifes de moda e diversos grupos de
classes socioeconmicas bem mais privilegiadas do que aqueles que originaram a corrente
musical.
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
11
Essas referncias a outros setores do consumo, cujo modo-moda de funcionamento se
ampara na efemeridade, auxiliam-nos a especificar um dos operadores mais intensificados na
mquina mercadolgica ligada ao vesturio, cujos vetores de funcionamento so os
responsveis pela produo das diretrizes da apresentao dos corpos e dos dispositivos
ligados aos fluxos vestimentares. Para alm da exaltao do variar, a aparncia a afirmao
da ligao entre a subjetividade e o vestir, a principal fora desse mercado. Em linhas gerais,
essa composio denominada estilo e, no mbito individual, diz respeito ao conjunto de
componentes subjetivos, resultado das escolhas de peas do vesturio, acessrios e
interferncias diretas sobre o corpo, assim como corte e cor de cabelos, tatuagens e outras
intervenes corporais. Engloba tambm a noo de atitude, termo genrico, usado para
indicar um conjunto de aspectos que variam da postura gestualidade, passando por
diversas outras caractersticas ligadas ao comportamento, assim como preferncias relativas
msica, literatura, aos hbitos de lazer, etc. que, por sua vez, tambm se conectam a
uma gama de produtos, marcas e locais de compra. O que parece ser essencial para o
entendimento de sua importncia, como substantivo ou adjetivo em torno da aparncia,
justamente o grau de intensidade da carga subjetiva que o estilo pode abarcar, a ponto de
servir como caracterizao, categorizao e desgnio do corpo que o compe.
Ao longo da histria da indumentria e da moda, diferentes estilos coletivos de viver
ditaram linhas, formas e imagens femininas e masculinas de pocas diversas, ao mesmo
tempo que os modos de vida foram influenciados e modificados pelas materializaes da
aparncia. No sculo XX, o termo ligado moda vai ganhando novas configuraes.
Lipovetsky afirma que, a partir dos anos 50, o poder do estilismo industrial iria popularizar o
estilo dos criadores, fazendo com que produtos carregados de elementos subjetivos
atingissem um maior nmero de pessoas. A moda de ento se preocupava em identificar e
produzir para os representantes de estilos de vida, modos de viver dos mais variados que
agrupam consumidores identificados com produtos por cosanguineidade ou por idealizao. O
autor responsabiliza a moda, justamente por desencadear um processo sem igual de
fragmentao dos estilos de vida: h cada vez menos unidade nas atitudes diante do
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
12
consumo, da famlia, das frias, da mdia, do trabalho e do lazer, a disparidade ganhou o
universo dos estilos de vida (Lipovetsky, 1989, p. 275). Dessa forma, chama ateno para
uma vertente de reorganizao social que vai, com base no pressuposto dos desejos de
consumo, agrupar pessoas com pensamentos opostos, discrdia de opinies ou nveis sociais
diversos, entretanto, unidos por alguma simbologia materializada em determinados tipos de
produtos e servios. No por acaso, nessa mesma poca que os estilos coletivos, propostos
pelas subculturas, so fortalidos e se multiplicam, avanando o sculo XX com um nmero
cada vez mais variado de manifestaes.
Crane relaciona o aumento do prestgio do estilista e a intensificao das operaes de
licenciamento de nomes, na dcada de 1970, nfase da palavra estilo como linha de
segmentarizao de marcas e campanhas de comunicao. A autora ressalta que a carreira
do estilista se tornou possvel nos Estados Unidos quando se definiu que o mercado era
formado por pessoas de estilos de vida especficos, no de membros de uma elite que
determinava as tendncias (2006, p. 296). Para atingir esses nichos, verdadeiros
especialistas em estilos de vida expresso da sociloga atentavam para suas
especificidades, de modo a compreend-los o melhor possvel.
medida que o sistema que rege as mudanas da aparncia vai sendo ressaltado
como campo de possibilidades expressivas tanto pelos criadores como pelos consumidores
, a palavra estilo e suas variantes, inicialmente usadas para nomear os profissionais da rea e
delimitar alguns de seus terrenos de criao, ganha o campo individual e adjetiva aqueles que
subvertem o sistema de padres vigentes, em prol de significaes autorais. Se Lipovetsky
nos aponta os privilgios da autoria da aparncia, j na dcada de 19609 Crane tambm
enfatiza a escolha centrada no chamado estilo pessoal como uma das principais lgicas
regentes do consumo de moda: Os estilistas vrias vezes afirmaram em entrevistas que cada
mulher deve criar seu prprio estilo, um que lhe seja adequado de forma nica, reunindo uma
variedade de elementos, em vez de comprar automaticamente e consumir um look total
(2006, p. 328). Ou seja, em nome do estilo, o pblico age e reage sobre as propostas
lanadas pelas indstrias e propagadas pela mdia.
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
13
Vale observar que a palavra estilo mantm sua conotao coletiva, embora cada vez
mais consolide-se na esfera privada. O estilo individual ganha gradualmente mais e mais
fora e, nos anos 90 e 2000, atropela previses, lanamentos e campanhas de marketing,
demonstrando sua fora nos mecanismos da moda. Crane intitula essa indstria, a partir do
final do sculo XX, como moda de consumo, chamando ateno para fatores que tm
produzido um cenrio cada vez mais turbulento, que afeta a natureza da inovao e da
mudana na moda (Ibid., p. 270): o desenvolvimento das mdias, a pulverizao dos centros
produtores de tendncias, assim como o gigantesco crescimento no nmero de organizaes,
que integram esse mercado, so alguns dos aspectos que contribuem para acelerar e ampliar
uma grande diversidade estilstica, incorporadora de preferncias e interesses de todos os
nveis de grupos sociais. O aumento considervel na circulao e divulgao de informaes
de moda faz com que ela atinja um nmero muito maior de pessoas que manipulam seus
cdigos ativamente. Nesse contexto, o consumidor, ao mesmo tempo que consome as
propostas de moda, cada vez mais as produz, uma vez que adapta, renova, mistura, ignora a
moda em prol de estilos diferentes daqueles que esto em curso, ainda que isso signifique se
lixar para eles, fazendo ou no ideia de que, paradoxalmente, essa atitude uma das
posturas mais desejadas pela prpria indstria, pois pode resultar numa de suas mais frteis
fontes de informao e criao. Monneyron (2007, p. 49) sintetiza aquilo que alguns tericos
chamam de civilizao do look: as regras ditadas pela moda so situaes informais e
representam acordos vinculados a valores morais, sociais ou de tradio. Elas no so
impostas. No entanto, quem no as segue, pode ser considerado margem dos conceitos
sociais vigentes.
Polhemus mapeou a postura surfista de estilos e marcas, assumida por grande
parcela dos consumidores de moda, a partir da dcada de 1990 (1996). Entretanto, detecta
uma alterao sutil e estratgica, no comeo do sculo XXI10: mais seguros, cheios de
informaes e com grande oferta de produtos, os consumidores vo alm do mix de produtos
e do surf nas ondas de estilos diversos, inventando composies que extrapolam as propostas
da indstria da moda. Uma postura insistentemente autoral vai produzir aquilo que o autor
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
14
denomina individual branding: misturas singulares entre as propostas das grifes so somadas
aos elementos significantes de determinadas formas de vida, valores familiares, crenas
pessoais, etc., de modo que o consumidor incorpora elementos absolutamente individuais na
composio da aparncia, mesclando sonhos, desejos, aspiraes e intenes especficas, o
que demanda um determinado saber que, necessariamente, no se relaciona com o poder de
compra. Esse saber ser estrategista do estilo palavras do antroplogo -- faz com que o
corpo funcione como um personal advertising, uma propaganda de si, um campo
informacional, cujos dados podero ser determinantes do alcance das relaes pessoais,
oportunidades de trabalho, insero social, entre outros componentes dos modos de vida.
Aparentemente, livre das amarras da moda, as proposies que geravam, por
exemplo, o fashion victim11 metamorfoseiam-se nos territrios de um saber no mais
institudo pela moda, mas passvel de ser construdo pelos elementos que criam universos
subjetivos: aqueles referenciais que do vida aos estilos. esse o contexto nomeado neste
artigo como imprio do estilo12: aquele no qual os exerccios autorais no apenas tornam-se
moda como tambm se afirmam como valor motriz do funcionamento da moda.
Nessa configurao, o atributo estilo se afirma na subjetividade contempornea sobre
um confuso mapa de cdigos atrelados manipulao dos significados de produtos, ao acesso
s informaes, ao desejo de investimento na composio aparncia e capacidade de
exercitar os cruzamentos entre a subjetividade e as mercadorias. nesse contexto que uma
matria jornalstica nos permite visualizar a complexidade que pode estar envolvida na
autoria da aparncia e no exerccio do estilo. Ao indicar combinaes de peas para o inverno
do ano de 2005, Agite e use -- reportagem e editorial de moda, concebidos pela consultora
de moda Glria Kalil e pelo stylist Daniel Ueda -- visam a informar ao leitor aquilo que
sintetizado na abertura do texto:
() um enorme engano achar que a moda entrou no reino do vale-
tudo. No vale. [] Quem se dispe a aprimorar o prprio estilo vai
entrar num jogo divertido e democrtico, mas cheio de perigos, pois
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
15
no tem regras claras,nem manual. Para entrar nele, preciso ter
cabea aberta, olho vivo e muita informao. (Kalil, 2005)
O artigo tambm informa ao consumidor, de maneira mais ou menos explcita, que
seguir a moda as medidas no ficam claras -- no tem mais lugar. Dessa forma, ressalta o
estreitar de relaes com o corpo e o saber orquestrar os elementos do vesturio, calados,
acessrios, maquiagem e cabelo, como exerccio particular, permeado por vetores individuais,
sem, no entanto, deixar de evocar a necessidade de atualizao de um conjunto de regras
difusas.
As foras convocatrias da autenticidade e da emisso de informaes codificadas
ganham uma importncia que se sobrepe seduo da variao de produtos. O exerccio de
inventar um como usar supera as diretrizes sobre o que usar. No terreno movedio da moda,
constituir um campo estilstico significa ter o que dizer, para alm de dizer a coisa certa.
Ademais, o estilo ligado aparncia atrelado a muitos outros campos propagados
pelo mercado e pelas campanhas de marketing: estilos de comer, de beber, de dormir, de
amar, de morar, de dirigir, de falar ao celular, de tomar caf da manh com po e
determinada margarina delimitam uma vida identificvel dentro do mapa contemporneo das
supostas diferenas. Vale, portanto, notar que esses universos -- os pacotes de modos de
vida emoldurados pelo marketing do estilo de vida funcionam por distribuio de maneiras
de sentir, de ganhar e gastar, de morar, de fumar, de se medicar, de se cuidar, de se vestir.
So pacotes subjetivos construdos com a promessa de pertencimento a um mundo de
valores, que garante um poder-saber circular na instabilidade contempornea e ser
reconhecido no meio da multido.
Essa sensao de pertencimento e reconhecimento se remete a um projeto de vida, de
modo que a mquina moda passa a contar com um nmero considervel de consumidores-
pblico-alvo, cuja demanda no se limita aos produtos, mas a todo o mosaico existencial
capaz de agregar, configurar ou inventar algo que possa ser nomeado como estilo. Na batalha
pela conquista do estilo, o consumidor parece se colocar diante de uma espcie de questo
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
16
existencial relacionada manipulao de informaes que designem um eu, pois os estilos
contornam ideias identitrias e apresentam cdigos de ancoragem e mobilidade das
subjetividades individuais. Algumas variveis prometem constituir eus, a partir de pacotes
construdos por uma somatria de fraes intangveis, recolhidas na prpria subjetividade.
Um sem nmero de substantivos somados e subtrados para comporem modelos que se
adequem, pelo menos, a um molde bsico. , nesse sentido, que um mapa de frmulas
mescla ingredientes, tais como arrojo, dinamismo, estranheza, exotismo, irreverncia,
jovialidade, modernidade, sofisticao, simplicidade, sensualidade, entre inmeros outros
atributos que pressuponham a configurao de modos de ser e qualifiquem a existncia. A
partir de um intenso trabalho de organizao de informaes que vo de encontro
constituio subjetiva so simulados conjuntos de qualidades expressivas, espcies de kits de
adjetivao que delimitam e favorecem a circulao, comunicao e aquisio dos pacotes
estilsticos, em amplo espectro de classes socioeconmicas, setores profissionais e faixas
etrias. A moda do estilo alimenta o desejo e investe na produo de tais pacotes para
consumo.
Parte 3 -- A liquidao do estilo
A cartografia do imprio do estilo desenha um contexto no qual os pacotes estilsticos
dominam o cenrio da composio corporal e esvaziam os sentidos expressivos do estilo. Para
adentrar esse universo, remetemo-nos, inicialmente, a Guattari que, nos anos 70, demarca
uma importante virada nos modos como a subjetividade tomada pelo capitalismo. O
psicanalista nomeia Capitalismo Mundial Integrado (Guattari & Rolnik, 2005, pp. 47-54) o
contexto no qual os indivduos consomem subjetividades produzidas por todo tipo de
indstria. OCMI conta com o domnio de uma modelizao que incide em diversas instncias
subjetivas, assim como os esquemas de conduta, de ao, de gestos, de pensamento, de
sentido, de sentimento, de afeto, de percepo, de tal modo que altera os modos de relao
do homem com o mundo e consigo mesmo: Fabrica a relao com a produo, com a
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
17
natureza, com os fatos, com o movimento, com o corpo, com a alimentao, com o presente,
com o passado e com o futuro (Ibid., pp. 41-43).
Esse tipo de produo de subjetividade, operada pelo CMI, esvaziou as produes de
singularidade e vive na tentativa de eliminar processos de singularizao, ao mesmo tempo
que impe encaixes nos registros de referncias dominantes e, de algum modo, classificveis.
Ainda que carregue imensas possibilidades de desvio, chamados por Rolnik e Guattari de
atrevimento de singularizar13, os devires diferenciais integram o constante movimento de
reapropriao pelas redes de poder produzidas pelo mercado14. A diferena mesmo
desejada, pois produtora de novos nichos de classificao e geradora de ideias que sero
colocadas a servio da mquina produtiva: grupos que expressem diferenas so rapidamente
classificados em termos de origem, preferncias, poder de compra e demais fatores
comportamentais e psicogrficos, delimitando novos segmentos de mercado e alimentando a
indstria com novas ideias. Em outras palavras, as diferenas so tambm velozmente
integradas num sistema de codificao, ainda que os cdigos sejam multiplicados ao infinito.
Lembra Deleuze que o capitalismo tem um carter muito particular: as suas linhas de fuga
no so apenas dificuldades que lhe sobrevm, so condies de seu exerccio (Deleuze,
2006, p. 339).
Uma decodificao generalizada e um alargamento avassalador de limites fazem com
que as prprias fugas rapidamente reassumam lugares codificveis15 no campo movedio que
no cessa de se ampliar. As guerrilhas entre produo, apropriao e reapropriao conduzem
um jogo infinito.
Nesse contexto, modos de vida decodificados, formas organizadas de conjugar verbos
no cotidiano e em universos categorizados aproximam-se dos universos de produo de
maneira que a explorao das qualidades expressivas torna-se moeda corrente. Maurizio
Lazzarato contribui para nossa conexo entre o contexto demarcado por Deleuze e Guattari e
o comrcio de estilos. O socilogo toma a noo de empresa para enfatizar os
entrelaamentos entre a produo e o consumo de mundos: a empresa no cria o objeto (a
mercadoria), mas o mundo onde o objeto existe. Tampouco cria o sujeito (trabalhador e
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
18
consumidor), mas o mundo onde o sujeito existe (Lazzarato, 2006, p. 98). Nesse contexto,
aponta Lazzarato, consumir no se reduz a comprar, mas antes pertencer a um mundo,
aderir a um universo (Ibid., 100) de modo que uma espcie de criao e realizao do
sensvel antecedem a produo econmica e se conectam, sobretudo, a uma dimenso
imaterial da subjetividade: a produo de desejos.
Assim, configura-se uma lgica de perfeito acoplamento: a empresa cria mundos
pautados pela dimenso subjetiva e pela produo intangvel do consumidor que,
prontamente, responde a esse mundo com a produo de desejo e sensibilidade voltada ao
consumo. As ofertas de mundos so quantitativamente to vastas, quanto qualitativamente
limitadas. Lazzarato nos lembra de que se trata de mundos lisos, banais, formatados, vazios
de toda singularidade (Ibid., 101), pois esto construdos sobre um campo de escolhas
limitado a uma concepo de possibilidades preestabelecidas pela empresa. A campanha
publicitria de uma loja de departamentos dialoga com a proposio de Lazzarato: Voc tem
seu estilo. A Renner tem todos.16 A frase impressa sobre quatro pginas duplas que
expem grupos de diferentes perfis, vivenciando ambientes diversos, assim como o trabalho,
o lazer e a diverso. A partir de cada uma das imagens, so propostas linhas de produtos
especficos que oferecem diretivas bastante simples, de fcil e rpida identificao, de modo
que o consumidor se reconhea nos cenrios, nas aparncias, atitudes e possibilidades de
vida, por sua vez, compostas pela fotografia. Importante lembrar: ainda que o consumidor
no viva propriamente aquele tipo de situao, pode almej-la como um sonho possvel, um
projeto a ser alcanado. A campanha do estilo segue com a divulgao do Carto Presente,
dentro do qual cabe o valor e o estilo que voc quiser, sugerindo o estilo como presente
venda nos caixas da loja.
Atrelar a noo de empresa mquina moda nos faz visualizar um mercado pleno de
ofertas de estilos, em diferentes formatos e preos. Conquist-los, adquiri-los, constru-los --
para que possam, inclusive, ser trocados - o principal mote da mquina que faz girarem as
ofertas dos produtos componentes da aparncia. A revista View, publicao voltada para
indstria de culos, dedica um nmero pedagogia dessa conquista. A chamada de capa
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
19
apresenta diversas matrias que variam entre a pergunta Estilo: qual o seu? e a Boa
notcia: com dedicao, bom senso e informao, todo mundo descobre o seu estilo. preciso
arregaar as mangas, mas vale muito a pena. Numa das reportagens, a jornalista se utiliza
de uma clssica categorizao -- sexy, tradicional, criativo, elegante, romntico, esportivo ou
natural, dramtico ou moderno -- para expor diferentes linhas de produtos, reforando
esteretipos de diferentes modos de vida que se conectam ao design de pares de culos. Por
fim, a revista prope um teste ao leitor, chamado de Conhece-te a ti mesmo, no qual
respostas a um determinado conjunto de perguntas podero ajudar a definir o caminho para
a construo ou a consolidaao de seu estilo.17
Na esteira da comercializao e da pedagogia dos estilos, notamos alguns caminhos
que valem ser enumerados. Primeiramente, pode-se adquirir estilo por meio do consumo de
grifes que vendam conceitos bem modelados e logomarcados. Para grande parte dos
consumidores de moda, a composio de estilos se d a partir da ligao com os mundos das
grifes, universos aos quais possvel se ligar e exercitar o estilo. Na lngua francesa, griffe
significa garra, o que bem traduz a ideia de ser tomado por uma marca, ostentar no corpo
um smbolo ligado a variveis como status social, poder de compra, nvel cultural, acesso
informao e adeso a um estilo de vida que trabalha em prol da divulgao e da
comunicao de suas significaes. Um exemplo prosaico do culto s marcas vem de uma
tribo africana chamada Brazzavile, localizada na repblica do Congo. Ali um grupo de homens
integra a Sociedade do Ambiente e das Pessoas Elegantes -- SAPE. Apesar dos congoleses
viverem em meio imensa pobreza, com uma renda per capta anual das mais baixas do
mundo (em torno de U$ 100), os Sapeurs circulam em torno das marcas mais caras, pois,
acreditam que usar uma roupa de grife tem poder de transmutao. Seus integrantes se
submetem a subempregos e prostituio para adquiri-las, ou se envolvem no mercado
negro do comrcio, pois decidiram fazer das grifes luxuosas uma espcie de religio.18
Uma segunda via inclui o consumo de informaes, lembrando que, embora gratuitas,
elas possuem seu custo abstrato. Mundos personificados de identificao so produzidos pelos
meios de comunicao em quantidade avassaladora. No Brasil, por exemplo, um dos mais
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
20
fortalecidos difusores de estilos a televiso que apresenta imagens de celebridades,
cantores e jogadores de futebol de sucesso, personagens de novelas, apresentadores de
programas de auditrio e toda sorte de figuras pblicas capazes de gerar desejo de aderncia.
Pesquisas relacionadas moda mostraram que a televiso faz parte da rotina de 80% do
grupo investigado. Ao comentar sobre seus referenciais, o grupo definiu que esto
representados pela mdia e pelas pessoas famosas que aparecem na TV (Pryjma et al., 2006).
Alm da televiso, os famosos tambm habitam um nmero imenso de revistas impressas e
um sem nmero de websites, mdia cuja velocidade de divulgao vertiginosa. Suas
aparies so capazes de gerar fenmenos milionrios de vendas conectadas aos estilos de
vida, uma vez que essas imagens so, em sua maioria, coletadas pelos chamados paparazzi,
ou os reprteres fotogrficos que perseguem as celebridades no cotidiano.
Outro caminho para a aquisio de estilos o consumo de modos de usar, ou de
outros referenciais que delimitem certos, errados ou que esclaream aspectos do
vesturio e dos acessrios que expressem os estilos X, Y ou Z. Em geral, essa via se esfora
em oferecer dicas para composies supostamente autorais, dentro da apresentao de um
universo estilstico. Com esse mote, vale citar a exposio Modos de usar, apresentada por
um shopping center19, para orientar clientes na composio e na variao que colaborem para
um estilo diversificado. Na rea de circulao do local, foram expostos painis fotogrficos em
tamanho natural, cujos modelos -- vestidos com diferentes combinaes na frente e no verso
do painel -- so divididos em trs partes: cabea e tronco, quadris e pernas, e ps. As
imagens podem ser manipuladas pelos visitantes, de modo que o girar dos painis oferece
diferentes opes de combinao, transformando as propostas de acordo com diversas
categorias de estilo.
Os manuais de estilo seguem linha de ao semelhante. Algumas publicaes
tambm disponveis em websites20 -- incluem ideias como: conhecer e aprender a combinar
a sua personalidade com o seu visual, determinar o que voc est tentando reforar com o
seu visual: ser uma pessoa mais notada, desenvolver um visual chic e elegante, divertir-se
com a moda, etc., ter tempo e autoconhecimento para criar o seu estilo, eleger qualidades
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
21
em voc que lhe agradam e procurar valoriz-las sempre e, jamais copiar o estilo de
algum. (Matarazzo, 2007). Outras dicas incluem V para a frente do espelho e olhe-se com
coragem. Se a valentia convocada por alguns, outros propem o uso da imaginao: agir
como um figurinista que veste um ator, elencar informaes, entender a rotina de vida e listar
aquilo que, supostamente, combine com a dinmica traada para o personagem em questo.
Nesse caso, o figurinista o prprio personagem.
O desejo de mudana tambm contemplado pela maioria dos manuais, que
ressaltam de diferentes maneiras a diferena sutil entre ser fiel a um estilo e tornar-se
escrava dele, assim como a necessidade de acompanhar as mudanas ao longo do tempo
(Bonnell, 2000, p. 155). Um guia sugere que a sensao de que um estilo no funcione mais
deva ser avaliada com base em perguntas tais, como Sua vida a mesma daquela poca?,
Seu manequim o mesmo?, Suas prioridades so as mesmas?, Alguma coisa continua
igual na sua vida? Caso a imagem refletida no espelho sugira algo, como socorro, essa no
sou mais eu, isso sintoma definitivo de um estilo calcificado, sinalizador de desconforto
psicolgico (Ibid., 156). Assim segue o manual, indicando seis lies e estgios para o
aprendizado de uma nova configurao de estilo para o novo eu. A sexta etapa continue
a procurar e a comprar alguns itens novos para seu guarda-roupa, para ir trocando suas
peas aos poucos. Voc livre! indicada como lema pessoal para no voltar a cair na
armadilha da mesmice, uma vez que o guarda-roupa seria uma fonte contnua de
progresso (Idem).
Sobre parmetros para definir o grau de autoria, alguns manuais falam em bom
senso, outros em saber se sentir bem com aquilo que veste. Outros guias tambm
comentam sobre o entendimento das diferentes necessidades que devem dirigir a escolha da
imagem que se deseja transmitir. De todo modo, parece comum maioria das metodologias
a indicao em linguagem de receiturio de uma somatria que inclua uma boa relao
consigo mesmo, com o corpo, com o ambiente e com o oramento disponvel para o
investimento.
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
22
Finalmente, outro modo de aquisio de estilo consumir um ou mais servios em prol
da montagem de um mosaico existencial. Esses servios podem incluir o personal trainer,
personal advicer, personal shopper, personal hair stylist e, no caso da moda, o personal
stylist. Diante da impossibilidade de dar conta da questo, um profissional apto a fazer
consultoria de imagem pode ser contratado para auxiliar na criao de um pacote estilstico
que faa sentido para o cliente, assim como para seu universo de circulao. Segundo a
descrio da consultora de estilo Ilana Berenholc, uma das pioneiras nesse tipo de trabalho no
Brasil, o servio inclui a construo de uma imagem pessoal autntica, adequada e atraente
e envolve um processo contnuo de avaliar e controlar o impacto da sua imagem que, com a
orientao e as ferramentas apropriadas, pode abrir portas na sua vida. O seguimento da
descrio dos servios afirma que a consultoria aumenta sua autoconfiana, autoexpresso e
credibilidade. Simplifica sua vida e oramento, economiza seu tempo e elimina frustraes. A
lista de oito itens que especificam detalhes do servio iniciada pela proposta de definir um
estilo consistente com sua personalidade, preferncias, objetivos e estilo de vida.21
Consideraes finais
A partir de algumas proposies, consideramos o conceito de estilo como um dos
principais motores da moda contempornea. O estreitamento das relaes com o corpo e o
saber orquestrar os componentes da aparncia ganham importncia que se sobrepe
seduo da variao de produtos. O exerccio de inventar um como usar supera as diretrizes
sobre o que usar, e constituir um campo estilstico significa ter o que dizer, para alm de
dizer a coisa certa.
O estilo ligado aparncia atrelado a outros campos propagados pelo mercado e
pelas campanhas de marketing: estilos de comer, de beber, de dormir, de amar, de morar, de
dirigir, entre tantos outros verbos que delimitam uma vida identificvel, dentro do mapa
contemporneo. A moda do estilo alimenta o desejo e investe na produo de tais pacotes
para consumo, a partir de um intenso trabalho de organizao de informaes subjetivas. O
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
23
resultado so conjuntos de qualidades expressivas, espcies de kits de adjetivao, oferecidos
a um amplo espectro de classes socioeconmicas, faixas etrias e setores profissionais.
As polticas de comercializao de estilos reforam o esvaziamento conceitual do
termo, liquidado em suas perspectivas criadoras e privilegiado em suas viabilidades
mercadolgicas. Diante do rol de caminhos para a aprendizagem do estilo, convocamos
Guattari que, em torno de discusses acerca de um paradigma tico-esttico, pergunta: Mas
pode-se imaginar uma pedagogia da singularidade? (Guattari, 1992, p. 163). Sua questo
pertinente para refletir sobre os modos de funcionamento da moda: suas estratgias j no
se ancoram, primordialmente, na efemeridade, mas sim na afirmao do estilo como o
principal referencial de criao, produo e emisso de informaes, numa lgica do
acoplamento entre produo de subjetividade e produo para a subjetividade.
NOTAS
1. A abordagem do conceito de estilo enfocada neste artigo se limita a enfatizar algumas
articulaes possveis no campo da moda, priorizando associaes com a prtica do consumo,
principalmente a partir da dcada de 1980. Nesse sentido, a investigao do conceito no
aprofundada nas perspectivas da Histria, da Arte, da Esttica e das Cincias Sociais. Para
uma abordagem mais ampla e consistente do conceito, autores como George Simmel, Pierre
Bourdier so imprescindves. Algumas outras articulaes com perspectivas da filosofia, assim
como aquelas apontadas por autores tais como Gilles Deleuze e Patrice Bollon so
examinadas no primeiro captulo da tese em questo (Polticas do vestir: recortes em vis --
disponvel em http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=8152).
2. O termo ser formatado em itlico, no sentido de ressaltar o uso repetitivo e as diversas
variaes de uso do termo neste artigo.
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
24
3. No captulo denominado como Declnio do comprador, ascenso do consumidor, o autor
faz uma extensa anlise e articulao de diversas perspectivas tericas de diferentes autores
(Hannah Arendt, Jean Baudrillard, Colin Campbell, Conrad Lodziak e Richard Sennet) para
apresentar um interessante panorama de compreenso do histrico e do comportamento
atual do consumidor contemporneo.
4. Em referncia ao ttulo de Lash, publicado nos anos 80, no qual o autor aborda alguns
aspectos da condio do sujeito contemporneo e examina criticamente a constituio da
noo de identidade. O autor reconhece um certo embarao na definio de fronteiras
subjetivas que se relacionam intensamente aos produtos e mercadorias (Lash, 1984).
5. Disponveis em: , ,
,
, ,
, . Acessos em: 17 maio 2008.
6. Disponvel em: . Acesso em: 17 maio 2008.
7. Dados que tm como base o nmero de pginas vistas e tempo de permanncia online por
ms, assim como o nmero de assinantes pagantes. Informaes disponveis em:
. Acesso em: 7
out. 2008.
8. Para Guattari, as mquinas se apresentam por geraes, recalcando umas s outras
medida que se tornam obsoletas. A filiao das geraes passadas prolongada para o futuro
por linhas de virtualidade. O autor explora outros aspectos do conceito em Caosmose
(Guattari, 1992). Uma abordagem do funcionamento da moda nessa perspectiva assunto do
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
25
captulo Moda Movedia, que integra a dissertao de mestrado Incmoda Moda, uma
escrita sobre roupas e corpos instveis. Mesquita, Cristiane. Incmoda Moda: uma escrita
sobre roupas e corpos instveis. 2000. Dissertao de mestrado. PUC-SP, 2000.
9. Lipovetsky descreve o fenmeno que chama de era do look: [a moda] no faz seno
levar ao seu extremo limite o gosto da singularidade, da teatralidade, da diferena, que as
pocas anteriores igualmente manifestaram, ainda que, evidentemente, de uma maneira
muito diferente e em limites mais estreitos (1989).
10. O autor do termo supermercado de estilos, responsvel por explicitar a lgica que
avalisa a sobreposio do desejo do consumidor por um mix de estilos na composio de seu
guarda-roupa, ministrou palestras em So Paulo, na Faculdade Senac de Moda, em agosto de
2004. Abordou os desdobramentos do exerccio do consumidor ativo surfar em diferentes
estilos compondo aquilo que mais lhe convm.
11. A vtima da moda definido pelos profissionais da imagem como aquele que segue as
propostas de modo acrtico, aderindo s tendncias com uma postura excessivamente ligada
aos produtos e aparentemente dominadora da vontade individual e da singularidade corporal.
Informao coletada em diversas fontes, assim como Pascolato (1999).
12. Em referncia ao ttulo de Gilles Lipovetsky, O imprio do efmero: a moda e seu destino
nas sociedades modernas que aponta a efemeridade como a principal lgica de
funcionamento da moda. Alm dessa referncia, tambm digna de nota a meno ao ttulo
Imprio, abordagem proposta pelo italiano Toni Negri e pelo americano Michael Hardt. Para os
autores, a principal caracterstica do Imprio de no estabelecer centros de poder, no lidar
com fronteiras fixas. um regime que emana e se exerce em todos os registros da ordem
social. (HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Imprio. Trad. Berilo Vargas. Rio de Janeiro, Editora
Record, 2001).
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
26
13. Os autores denominam as resistncias ativas ao processo geral de serializao operadas a
partir de processos de singularizao subjetiva de revolues moleculares, as quais podem
ocorrer em diferentes nveis: infrapessoais, pessoais e interpessoais. (Guattari & Rolnik,
2005, p. 54).
14. A abordagem do consumo apontada no presente artigo poderia ser enriquecida se
articulada com a perspectiva que o filsofo e socilogo francs Jean Baudrillard confere ao
tema. Sua obra apresenta extensa anlise do valor de signo dos objetos de consumo,
especialmente no ttulo A sociedade de consumo. BAUDRILLARD, Jean. So Paulo, Edies 70,
2008 (3 edio).
15. Poderamos enumerar uma srie de manifestaes de comportamento, devidamente
nomeados e mapeados em relao aos hbitos de consumo. Entre eles encontram-se, por
exemplo, os chamados metrossexuais, os ageless, os geeks e os new ravers. Este ltimo
grupo, escolhemos mencionar aqui, justamente pelas referncias feitas pela autora s
diferenas que guiam estratgias de (re)codificao. O New Rave um movimento musical
surgido h alguns anos em Londres. O termo, a princpio, nasceu de uma brincadeira, no
sentido de rotular um estilo musical que fazia uma releitura do New Wave oitentista com
batidas eletrnicas da raves dos anos 90. Porm, se formos mais alm, vamos descobrir que
o New Rave possui razes no movimento Punk e, consequentemente, nos desdobramentos
deste e suas ligaes com o prolixo cyber-espao. Um dos aspectos mais interessantes dessa
tribo o uso do bom humor e da ironia. Alm disso, ao contrrio de algumas subculturas
marginais, o New Rave no possui pretenses polticas. Assim, aquilo que parecia totalmente
descompromissado e at um pouco anrquico acabou tornando-se um movimento amplo,
primeiramente encontrando adeptos no Japo e logo depois nas grandes cidades da Europa.
O texto -- que segue enumerando produtos e preferncias culturais do grupo -- tambm nos
serve para ressaltar o fato de que, em sua maioria, as diferenas se produzem, de antemo,
em torno de produtos de consumo. (Vison, 2008).
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
27
16. Campanha publicada em oito pginas da revista Veja. So Paulo, Editora Abril, 24 de
agosto de 2005.
17. As menes so referentes a diferentes reportagens integrantes Revista View.
Suplemento 68. Publicada pela Jobson Brasil Ltda. So Paulo, Novembro/2005. Disponvel
em: . Acesso em: 12 out. 2007.
18. Revista Colors, n 64, 2005. Poste Italiane Spa - Sped. Milano, p. 40-45. (Traduo
nossa).
19. Taguatinga Shopping. Disponvel em: . Acesso
em: 10 jul. 2007.
20. Exemplos disponveis em ,
;
. Acessos em 11 out. 2007.
21. Informaes disponveis no link Imagem Pessoal do website
. Acesso em: 2 out. 2008.
Referncias
Barcellos, Marta (2005). Tati Quebra Barraco: Cinderela Funk. Revista Marie Claire. Edio
167. Fev.. Tambm disponvel em:
.
Acesso em: 25 maio 2008.
Bonnell, Kimberly (2000). O que usar? Um guia prtico de moda e estilo. Trad. Alberto Cabral
Fusaro e Mrcia do Car mo Felismino Fusaro. So Paulo, Editora Best Seller.
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
28
Costa, Jurandir Freire (2004). O vestgio e a aura: corpo e consumismo na moral do
espetculo. Rio de Janeiro, Editora Garamond.
Crane, Diana (2006). A moda e seu papel social: classe, gnero e identidade das roupas.
Trad. Cristiana Coimbra. So Paulo, Editora Senac.
Deleuze, Gilles (2006). Sobre o capitalismo e o desejo. In: A ilha deserta e outros textos
(1953-1974). Org: David Lapoujade e Luiz B. Orlandi. Trad. Luiz B. Orlandi e outros. So
Paulo, Editora Iluminuras.
Deleuze, Gilles; Guattari, Felix (1992). O que a filosofia? Trad. Bento Prado Jr. e Alberto
Alonso Muoz. Rio de Janeiro, Editora 34.
Featherstone, Mike (1995). Cultura de consumo e ps-modernismo. Trad. Julio Assis Simes.
So Paulo, Studio Nobel.
Garcia, Afrnio (2007). Semntica histrica. Disponvel em:
. Acesso em: 17 out. 2007.
Guattari, Felix (1992). Caosmose: um novo paradigma esttico. Trad. Ana Lcia de Oliveira e
Lcia Cludia Leo. So Paulo, Editora 34.
Guattari, Felix; Rolnik, Suely (2005). Micropolticas: cartografias do desejo. Petrpolis, Editora
Vozes.
Gumiero, Christina (2007). Da passarela. 17 de outubro de 2007. Agncia Estado. Disponvel
em: . Acesso em: 23 out. 2007.
Hardt, Michael; Negri, Antonio (2001). Imprio. Trad. Berilo Vargas. Rio de Janeiro, Editora
Record.
Kalil, Glria (2005). Agite e use. Revista Veja Moda & Estilo Edio especial, n. 43, ano 38.
So Paulo, junho, pp. 50-54. Tambm disponvel em:
. Acesso em: 8 ago. 2008.
Lash, Christopher (1984). O mnimo eu: sobrevivncia psquica em tempos difceis. So
Paulo, Editora Brasiliense.
Lazzarato, Maurizio (2006). As revolues do capitalismo. Trad. Lenora Corsini. Rio de
Janeiro, Editora Civilizao Brasileira.
Cristiane Mesquita| O imprio do estilo
Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1
29
Lipovetsky, Gilles (1989). O imprio do efmero: a moda e seu destino nas sociedades
modernas. So Paulo, Companhia das Letras.
Matarazzo, Claudia (2007). .
Acesso em 11 out. 2007.
Monneyron, Frederic (2007). A moda e seus desafios: 50 questes fundamentais. Trad.
Costanza Morel. So Paulo, Editora Senac.
Pascolato, Costanza (1999). O Essencial: o que voc precisa saber para viver com mais estilo.
Rio de Janeiro, Editora Objetiva.
Polhemus, Ted (1994). Street Style: from the sidewalk to the catwalk. Thames and Hudson.
London. _____ (1996). Style Surfing -- what to wear in the 3rd milenium. Thames and
Hudson, London.
Pryjma et al. (2006). Estrutura do corpo feminino: modelo imposto, condio aceita ou
impedimento de liberdade? Anais do VII Seminrio Fazendo Gnero, 28, 29 e 30.
Corporalidade, consumo, mercado ST 43 - Faculdade Dom Bosco. Disponvel em:
http://www.fazendogenero7.ufsc.br/st_43.html. Acesso em: 10 ago. 2008.
Souza Nabil Arajo de (2001). Pode me dizer o que estilo? Queiroz, Snia (Org). Revista
Viva Voz -- Estilo. FALE/UFMG, Belo Horizonte, p. 8. Disponvel em:
. Acesso em: 17 out.
2007.
Vison, Paula (2008). Tribos urbanas: New Rave. Portal Usefashion. Disponvel em:
. Acesso em: 4 out. 2008.
Data de recebimento: 20/11/2009
Data de aprovao: 17/12/2009