O Império Do Estilo, Cristiane Mesquita

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  • Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.2 No.2 out./dez. 2009 Dossi 1

    O IMPRIO DO ESTILO

    THE EMPIRE OF STYLE

    Cristiane Mesquita

    Atua em moda como pesquisadora, professora e consultora de projetos criativos e

    acadmicos. Seus principais temas de pesquisa incluem interaes entre moda, corpo,

    subjetividade, imagem e arte contempornea. doutora em Psicologia pelo Ncleo de

    Estudos e Pesquisas da Subjetividade (PUC/SP, 2008). autora de Moda Contempornea:

    quatro ou cinco conexes possveis (2004, Ed. Anhembi Morumbi) e diretora dos

    documentrios Jardelina da Silva: eu mesma (DVD, 54. Diphusa, 2006) e Mas isto moda?

    (DVD, 55. PaleoTV, 2005). docente em instituies assim como o Senac So Paulo e a

    Universidade Anhembi Morumbi, criadora e curadora do ziguezague: desfiles incrveis,

    conversas transversais, oficinas transitivas (http://ziguezagueblog.blogspot.com/), evento

    realizado no MAM/SP.

    Resumo

    Este artigo integra um captulo de Polticas do vestir: recortes em vis, tese que examina

    linhas de fora que perpassam os fluxos vestimentares, em diferentes abordagens e planos

    conceituais. Tomando como mtodo de pesquisa e estratgia de escrita o conceito de

    ziguezague, assim pontuado pelo filsofo Gilles Deleuze, o fragmento aqui apresentado

    integra uma cartografia da moda contempornea traada a partir do conceito de estilo,

    investigado sob diversas perspectivas, entre elas seu esvaziamento conceitual, seu

    fortalecimento como motriz do funcionamento da moda e o aprisionamento categrico de

    seus atributos expressivos associado prtica do consumo, especialmente a partir dcada de

    1980. Essas perspectivas so apresentadas na companhia de autores, como Gilles Deleuze e

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    Felix Guattari, em dilogo com Maurizio Lazzarato, Gilles Lipovetsky e Diana Crane, entre

    outros.

    Palavras-chave: moda, estilo

    Abstract

    This article is part of a chapter in the work Polticas do vestir: recortes em vis, a thesis that

    examines the main vectors that command vestmentary flows via different approaches and

    conceptual planes. Adopting as a research method and writing strategy the zigzag concept as

    set forth by the philosopher Gilles Deleuze, the fragment present herein is part of a mapping

    of contemporary fashion as per the concept of style, investigated from a range of

    perspectives, including its conceptual draining, strengthening as a driving force behind the

    workings of fashion and the categorical constraints of its expressive attributes. These

    perspectives are presented in the company of such authors as Gilles Delueze and Felix

    Guattari, in dialogue with Maurizio Lazzarato, Gilles Lipovetsky and Diana Crane, among

    others.

    Keywords: fashion, style

    Introduo

    A subjetividade varia sua configurao em diferentes perodos da histria, quando

    alguns dispositivos intensificam suas foras e se sobressaem, enquanto outros se

    enfraquecem ou chegam a desaparecer. Tais dinmicas so capazes de produzir considerveis

    mudanas nos modos de funcionamento de um campo produtivo.

    ao longo do sculo XX que o corpo passa a funcionar como um dos mais frteis

    terrenos de materializao dos cruzamentos entre a cincia, a tecnologia, o design, a moda,

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    as artes e inmeros outros setores produtivos, cujas polticas e economias so atravessadas

    por investimentos to complexos quanto simplificadores de sua natureza orgnica e biolgica.

    Especialmente a partir dos anos 50, o corpo vive e participa de um momento no qual

    se apresenta como portador-vetor-expositor dos mais intensos paradoxos contemporneos e,

    tomado como principal cenrio da sensao de si, mostra-se to fortalecido quanto

    fragilizado, to famoso quanto esquecido, to exposto quanto blindado, to visvel quanto

    inexpressivo. Uma dinmica subjetiva notadamente corpocntrica faz parte do contexto que

    reconfigura as linhas de fora dos fluxos vestimentares.

    Tomando como mtodo de pesquisa e estratgia de escrita o conceito de ziguezague,

    assim pontuado pelo filsofo Gilles Deleuze, propomos uma breve abordagem1 sobre um

    vetor atuante na cartografia da moda contempornea: o conceito de estilo2, que ser

    abordado em trs vertentes. Primeiramente, faremos uma breve investigao sobre o

    esvaziamento conceitual do estilo e sobre alguns de seus aprisionamentos categricos nas

    redes de segmentao do consumo. Na sequncia, percorreremos alguns aspectos que

    revelam o fortalecimento do estilo como motriz do funcionamento da moda, enfatizado em

    sua condio mercadolgica. Por fim, interessa-nos examinar algumas apropriaes que, se

    por um lado multiplicam suas significaes mercadolgicas, por outro, esvaziam seu sentido

    expressivo.

    Parte 1 -- Esvaziamento do estilo

    Os caminhos polissmicos da linguagem provocam mutaes, variaes e

    deslocamentos de sentido, nos mais diversos graus. Por vezes, alguns termos assumem

    novos lugares nos campos da lngua, encontrando diferentes habitats nos discursos e modos

    de funcionamento subjetivos. Estilo um bom exemplo deles. Palavra andarilha, submete-se,

    ao longo do sculo XX, a uma certa banalizao que favorece derivaes das mais diversas.

    Examinaremos algumas apropriaes que, se por um lado multiplicam suas significaes

    mercadolgicas, por outro, esvaziam seu sentido expressivo.

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    Em artigo no qual aponta razes para mudanas de significao das palavras, Garcia

    (2007) elege estilo para exemplificar aquilo que chama de alterao semntica de

    significado e descreve o sentido original do termo em latim stilu(m): uma pequena haste

    usada para escrever, um tipo de caneta antigo. Nesse perodo, estilo passa por um processo

    de transformao do objeto em sua serventia: com o valor semntico, equivalente de scriptio

    ao de escrever, escrita e de scriptum escrito, texto stilus faz parte da

    terminologia dos retricos latinos, j no fim do primeiro sculo a.C. (Idem).

    A associao direta com a escrita desenvolve um novo sentido para estilo, que passa a

    indicar a maneira especfica de escrever ou falar de uma pessoa ou de um grupo de pessoas:

    estilo conciso, estilo afetado, estilo didtico, etc. (Idem). Desse segundo significado parte a

    ideia de estilo como preciso ou percia no escrever, de maneira a fazer migrar a funo de

    substantivo para a de adjetivo, que designa aquele que escreve com estilo. com basenesta

    aplicao da palavra que se desenvolve um quarto sentido para o termo mais nitidamente

    literrio, ligado s caractersticas especficas de um autor ou grupo de autores, como quando

    falamos do estilo de Machado de Assis ou dos estilos de poca. Alm disso, o linguista nos

    lembra que a capacidade de escrita que predomina nas classes dominantes por longo

    perodo faz com que o estilo se conecte com qualidades assim como refinamento e bom

    gosto, gerando expresses tais como mveis de estilo ou homem de estilo.

    No entanto, se a operao metonmica inicial aplicou estilo s manifestaes

    expressivas no campo da literatura, logo a expanso de seu uso tomou a direo de outros

    campos da cultura. Enfoques ampliados se estabeleram em conexo com as artes e a msica,

    produzindo assim uma srie de derivaes e redefinies. Estilo vai englobar elementos

    estticos e subjetivos que seguem uma espcie de conciso ou forma singular de encontro

    entre variveis de naturezas diversas, que caracterizam um movimento, um agrupamento,

    um modo de escrever, de tocar, de se expressar, entre outras manifestaes. Souza nos

    oferece a anlise de uma srie de entrevistas, cujo principal objetivo era investigar o estilo

    em diferentes campos de criao, assim como Artes Plsticas, Teatro, Cinema, Msica e

    Literatura. A anlise das respostas ressalta aquilo que se sobressaiu em cada um dos campos

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    examinados: viso de mundo, caracterstica diferenciadora, orientao prpria,

    personalidade e marca so as expresses reveladoras do estilo, na tica daqueles que,

    supostamente, o exercitam, ainda que o termo seja tambm reconhecido como resultado de

    autoria submetida a influncias de outros estilos. O pesquisador sintetiza os trs principais

    sentidos para o termo: como revestimento formal de um contedo preexistente; como

    caracterstica de originalidade no falar ou escrever; e como desvio de uma norma que

    instaura princpios estticos atemporais e imutveis (Souza, 2001, p. 21).

    Para caminhar por outras derivaes do estilo, importante lembrar conexes de uma

    natureza especfica, ocorridas ao longo do sculo XIX, perodo no qual o consumo de produtos

    vai se configurar como potente revelador da subjetividade. O psicanalista Jurandir Freire

    Costa ressalta dois importantes aspectos daquele contexto que privilegiam essa ligao: o

    surgimento da publicidade e a exposio dos produtos nas vitrines das lojas de departamento

    (Costa, 2004, p. 154). A materialidade dos objetos vai alimentar muito produtivamente uma

    cultura da visibilidade que prega as relaes dos produtos com as emoes. Dali em diante,

    os objetos seriam cada vez mais fortemente associados s preferncias pessoais, assim como

    signos reveladores da personalidade do comprador: ser nico, ser distinto, no ser como

    todo mundo, implicava em materializar carter e gostos em objetos que poucos ou ningum

    possua.3 O movimento de exibio de produtos e exteriorizao das crenas emocionais por

    meio do consumo produz e intensifica alguns sentidos para o termo estilo, de modo a

    consolidar fecundas ligaes entre escolhas de compra, maneiras de viver e expressividade

    dos modos de vida.

    Assim, a conceituao de estilo vai sendo despojada dos sentidos expressivos originais

    e engajada com os novos rumos, comuns abrangncia das configuraes produzidas pelo

    mercado, hbil em operacionalizar o uso das palavras como melhor lhe convier. No sculo XX,

    a trajetria do estilo nos remete ateno de Deleuze e Guattari para os percursos dos

    termos conceito e acontecimento. Pertinentes aos campos da Filosofia, da Epistemologia

    ou da Psicanlise, essas palavras foram apropriadas em forma mercantil pela informtica,

    pelo marketing e por outras disciplinas da comunicao, assim como a publicidade e o design,

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    apresentando o conceito ligado ao conjunto das apresentaes de um produto (Deleuze &

    Guattari, 1992, p. 19). J o termo acontecimento, liga-se a uma srie de estratgias em

    torno da apresentao, comunicao e realizao de eventos, as quais se apropriam das

    qualidades atribudas a um acontecimento a atmosfera de contgio e afetao de modo a

    avanar em toda espcie de simulao eficaz para seduzir e produzir sensaes no

    consumidor.

    em torno desses mesmos campos -- marketing, publicidade, design, moda -- que o

    estilo, fortemente submetido circulao pelo universo do corpo e da vida, ganha o mercado

    de modo avassalador. Tratado como categoria conjunto de componentes subjetivos, capaz

    de delimitar os modos de existncia do mapa contemporneo afirma-se como produto, ou

    pacote de produtos, e trilha o caminho semntico integrante das significaes do substantivo

    mercadoria. Em andanas intensamente estimuladas pelas relaes entre o consumo e sua

    capacidade de estampar a subjetividade, o estilo se presta a definir determinados perfis de

    consumidores, alvos de toda espcie de produtos e da rede de marketing que configura o

    mercado de massa. Os estilos passam assim a ser prioritariamente compreendidos como

    variveis que emolduram modos de existncia e constituem mnimos eus4, definidos por

    mercadorias, produtos e servios. Os predicados usados na caracterizao de estilos de vida

    so constitudos com base em relaes compostas nas tramas sociais, econmicas e polticas

    da subjetividade. Para que as classificaes se faam, uma estruturao ideolgica se pauta

    em relaes de fora e gera princpios de incluso e excluso. Os resultados dos perfis

    delineados por pesquisas de mercado, conceitos de marcas e discursos da mdia produzem

    existncias codificadas na coletividade, inseres sociais e profissionais, eus qualificados para

    circular, e garantidos pela compreenso dos cdigos de comunicao emitidos pelos estilos.

    Para enfatizar o caminho de esvaziamento conceitual dos sentidos originais do estilo,

    coletamos alguns exemplos, particularmente relevantes, nos quais o termo tomado por

    diferentes campos institucionais.

    No ano de 2008, a palavra-chave escolhida para acompanhar o logotipo do Banco do

    Brasil nas campanhas de publicidade da instituio financeira estilo. Tomemos como

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    exemplo o estilo Bruno: a imagem de um jovem de costas sobre uma motocicleta est ao

    lado da frase impressa sobre a estrada de asfalto: Um carto s seu. Isso que ter estilo

    prprio. O termo integra as estratgias da empresa, desde 2004, quando foi criado o Banco

    do Brasil Estilo, cujo atendimento personalizado e conta com servios de manobrista,

    mensageiro, consultores financeiros e sala de reunies privativa. Segundo a comunicao da

    campanha, estilo uma maneira de ser s sua, cheia de vitrias e conquistas. Na capa do

    folder de lanamento, a chamada Estilo ter sucesso na vida pessoal e nos negcios.

    Em pesquisa na web, por meio da ferramenta Google5, coletamos alguns usos

    comerciais do termo que valem ser citados: Estilo Mveis, Estilo Informtica, Estilo

    Telemarketing e Consultoria, Photoestilo e Academia Estilo so estabelecimentos que utilizam

    o termo em seus nomes-fantasia, em conjunto com outra palavra que revela a linha do

    negcio. A gua e Estilo uma empresa de decorao especializada na montagem de

    aqurios exclusivos; a Fundio Estilo comercializa brindes e artigos exotricos. Estilo de

    Aprender uma escola de ensino infantil baseada em teorias de Gilles Deleuze; Imagem e

    Estilo oferece cursos de etiqueta social; e o domnio pertence a um

    estabelecimento de artefatos de madeira, cuja chamada na pgina inicial produtos para

    sua vida.

    Na mesma base de dados, encontramos tambm um concurso de estilo, denominado

    Estilo PUC, promovido em novembro de 2007, por estudantes da Pontifcia Universidade

    Catlica do Rio de Janeiro. As informaes sobre o evento comeam com a seguinte questo:

    j imaginou ser premiada por ser simplesmente voc? Em seguida, mais esclarecimentos

    sobre a iniciativa: [] o Estilo PUC, com o apoio das melhores marcas, vem para valorizar o

    estilo das meninas que diariamente frequentam o pilotis com seus diferentes looks. O

    concurso vai eleger alunas com personalidade, e no com um esteretipo de beleza

    encontrado nas modelos de passarela. Ento, relaxem meninas, o que vale aqui a

    naturalidade. No dia do desfile, cada uma ir usar suas prprias roupas, ou seja, voc ser

    voc mesma.6

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    O website www.uol.com.br, apontado como o principal portal de mdia online do

    Brasil7, apresenta o link uol Estilo. Ali concentram-se matrias como Adega: conhea a

    etiqueta da rolha em restaurantes para no passar vergonha quando levar sua prpria

    garrafa; Mostra de decorao traz ambientes com inspirao clssica e ostentao; Gloss:

    maquiador ensina a esfumar o olho; Rotina sexual no casamento: como romper esse

    padro?; Libaneses querem patentear esfiha e quibe; Psicanalista aponta caminhos para

    melhorar a autoestima; Sentir bem: saiba quando melhor correr ou caminhar, alm de

    chamadas para reportagens sobre moda e cultura.

    O uso da palavra estilo pela imprensa de moda tambm joga luz sobre a amplitude de

    suas variaes. Na sesso Da Passarela, em nota denominada O romantismo dos florais, a

    jornalista Christina Gumiero (2007) chama de vrios estilos os diferentes cortes, formas e

    propostas dos vestidos: femininos ao extremo, os vestidos florais esto de volta em modelos

    com cara de brech-chique. Eles aparecem em vrios estilos, como tomara-que-caia, com

    alas em diversas larguras, ora decotadssimos ora comportados, em decote cache-coeur, hit

    dos anos 70, com manguinhas bufantes, entre outros. Na mesma nota, a reprter

    novamente utiliza o termo para se referir ao estilo de vida do consumidor: seja qual for o

    estilo, o item obrigatrio no guarda-roupa da estao primavera/vero. A segunda nota da

    coluna Moda em alta velocidade refere-se a diversos estilistas, apontando os

    profissionais de confeces ou criadores de moda que assinam sua prprias grifes. Na

    sequncia, a nota intitulada Inspirao latina em alta iniciada com a frase Um vero

    colorido e cheio de estilo e se remete linha primavera-vero 2006 de uma indstria de

    calados, inspirada em diferentes modalidades de danas latinas. Alm disso, a jornalista

    menciona, em outra notcia, que o estilo navy vai estar muito na moda no vero, e intitula

    Brincando de estilista informaes sobre um kit para customizao que torna mais fcil

    transformar a camiseta bsica em pea fashion e nica. Finalmente, Gumiero tambm indica

    livro de reflexes sobre moda, exaltando o fato de que o autor analisa, entre outros aspectos,

    o conceito de estilo.

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    Os exemplos validam a diversidade das apropriaes do termo, de modo a ressaltar

    seu esvaziamento conceitual. Paradoxalmente, enfatizam uma espcie de alargamento de

    significado do substantivo-adjetivo, disponvel a deslizamentos que vo da adorao religiosa

    ao exoterismo, passando pela efetuao de aplicaes no mercado financeiro e pela

    montagem de aqurios, todas elas se remetendo, em maior ou menor grau subjetividade,

    uma atmosfera de simulada autenticidade ou prpria configurao da existncia.

    Featherstone colabora nos lembrando que os heris da cultura de consumo transformam o

    estilo num projeto de vida e manifestam sua individualidade e senso de estilo na

    especificidade do conjunto de bens, roupas, prticas, experincias, aparncias e disposies

    corporais destinados a compor um estilo de vida ( 1995, p. 123). O autor ressalta que, em

    torno dessa composio, h o desejo de uma afirmao estilstica especfica, ligada

    individualidade do proprietrio, alm de uma conscincia de que esse conjunto informacional

    constantemente avaliado e interpretado. Mais ou menos submetidas, libertas em maior ou

    menor grau, criativas e inventivas ou amortecidas e anestesiadas, as subjetividades

    produzem e so produzidas pelas aparncias e variam os graus de conexo do corpo com o

    vestir.

    Nesse sentido, percorreremos aspectos que delineiam o privilgio do estilo como um

    forte operador subjetivo, valorizado como um dos principais motrizes do funcionamento da

    moda contempornea.

    Parte 2 -- Estilo em moda

    Ao longo do sculo XX, o campo da moda sofreu diversas modificaes em seus modos

    de funcionamento, especialmente a partir da dcada de 1990, quando a consolidao da

    tecnologia digital, o advento da Internet e a comunicao online alteraram processos de

    pesquisa, divulgao e mecanismos de produo e comrcio. Para pens-la como mquina8 e

    verificar alguns de seus principais motes de funcionamento, importante ressaltar que

    quando novos operadores vo sendo criados, constitudos ou consolidados, esses passam a

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    conviver com os antigos dispositivos, sem necessariamente se sobreporem a eles ou super-

    los. Ou seja, a evoluo de uma mquina no elimina as peas que outrora comandaram seu

    funcionamento. Entretanto, o novo conjunto produz uma configurao que modifica a fora

    dos vetores integrantes de um campo produtivo. Assim, em diferentes configuraes e

    momentos histricos, alguns operadores se intensificam e se sobressaem, enquanto outros se

    enfraquecem ou chegam a desaparecer.

    Entendida como o pilar do imprio do efmero (Lipovetsky, 1989), a moda rege no

    apenas a indstria da aparncia, mas os ciclos de desejos que atravessam uma srie de

    setores produtivos, integrantes da sociedade de consumo de massa. A efemeridade a

    cadncia motriz de diversos segmentos, e o ritmo da obsolescncia programada fora que

    se mantm a pleno vapor. plenamente exercitada, por exemplo, pela indstria da tecnologia

    digital, seja na constante criao de necessidades no campo dos programas de computadores,

    seja no preciosismo das inovaes no design dos gadgets que alargam as possibilidades de

    comunicao e acesso a informaes: telefones e aparelhos sonoros mveis se multiplicam e

    variam seus modelos incessantemente. Nesse terreno, a seduo imposta pelos novos

    produtos -- e pelos discursos sobre o novo -- explicitam fidedignamente uma exaltao do

    efmero que, por vezes, parece superar o ritmo de variaes do campo do vesturio.

    Alm da indstria de produtos digitais, a imprensa, favorecida pela velocidade de

    transmisso de informaes e pela multiplicao das redes comunicacionais, tambm

    estampa eficazmente a variao exigida prpria existncia contempornea. Pessoas entram

    e saem da moda, celebridades revelam um sistema de variao bem mais veloz do que o

    vesturio e demais aparatos constituintes de suas prprias aparncias. famosa a frase de

    uma cantora de funk carioca, Tati Quebra Barraco: sou feia, mas estou na moda. Mas um dia

    passa (Barcellos, 2005). Ela se referia ao fato de estar em alta, em determinado momento

    de sua carreira. Seu raciocnio era adequado: a cena do funk brasileiro ganhava o mundo e,

    naquele momento, influenciava at mesmo grandes grifes de moda e diversos grupos de

    classes socioeconmicas bem mais privilegiadas do que aqueles que originaram a corrente

    musical.

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    Essas referncias a outros setores do consumo, cujo modo-moda de funcionamento se

    ampara na efemeridade, auxiliam-nos a especificar um dos operadores mais intensificados na

    mquina mercadolgica ligada ao vesturio, cujos vetores de funcionamento so os

    responsveis pela produo das diretrizes da apresentao dos corpos e dos dispositivos

    ligados aos fluxos vestimentares. Para alm da exaltao do variar, a aparncia a afirmao

    da ligao entre a subjetividade e o vestir, a principal fora desse mercado. Em linhas gerais,

    essa composio denominada estilo e, no mbito individual, diz respeito ao conjunto de

    componentes subjetivos, resultado das escolhas de peas do vesturio, acessrios e

    interferncias diretas sobre o corpo, assim como corte e cor de cabelos, tatuagens e outras

    intervenes corporais. Engloba tambm a noo de atitude, termo genrico, usado para

    indicar um conjunto de aspectos que variam da postura gestualidade, passando por

    diversas outras caractersticas ligadas ao comportamento, assim como preferncias relativas

    msica, literatura, aos hbitos de lazer, etc. que, por sua vez, tambm se conectam a

    uma gama de produtos, marcas e locais de compra. O que parece ser essencial para o

    entendimento de sua importncia, como substantivo ou adjetivo em torno da aparncia,

    justamente o grau de intensidade da carga subjetiva que o estilo pode abarcar, a ponto de

    servir como caracterizao, categorizao e desgnio do corpo que o compe.

    Ao longo da histria da indumentria e da moda, diferentes estilos coletivos de viver

    ditaram linhas, formas e imagens femininas e masculinas de pocas diversas, ao mesmo

    tempo que os modos de vida foram influenciados e modificados pelas materializaes da

    aparncia. No sculo XX, o termo ligado moda vai ganhando novas configuraes.

    Lipovetsky afirma que, a partir dos anos 50, o poder do estilismo industrial iria popularizar o

    estilo dos criadores, fazendo com que produtos carregados de elementos subjetivos

    atingissem um maior nmero de pessoas. A moda de ento se preocupava em identificar e

    produzir para os representantes de estilos de vida, modos de viver dos mais variados que

    agrupam consumidores identificados com produtos por cosanguineidade ou por idealizao. O

    autor responsabiliza a moda, justamente por desencadear um processo sem igual de

    fragmentao dos estilos de vida: h cada vez menos unidade nas atitudes diante do

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    consumo, da famlia, das frias, da mdia, do trabalho e do lazer, a disparidade ganhou o

    universo dos estilos de vida (Lipovetsky, 1989, p. 275). Dessa forma, chama ateno para

    uma vertente de reorganizao social que vai, com base no pressuposto dos desejos de

    consumo, agrupar pessoas com pensamentos opostos, discrdia de opinies ou nveis sociais

    diversos, entretanto, unidos por alguma simbologia materializada em determinados tipos de

    produtos e servios. No por acaso, nessa mesma poca que os estilos coletivos, propostos

    pelas subculturas, so fortalidos e se multiplicam, avanando o sculo XX com um nmero

    cada vez mais variado de manifestaes.

    Crane relaciona o aumento do prestgio do estilista e a intensificao das operaes de

    licenciamento de nomes, na dcada de 1970, nfase da palavra estilo como linha de

    segmentarizao de marcas e campanhas de comunicao. A autora ressalta que a carreira

    do estilista se tornou possvel nos Estados Unidos quando se definiu que o mercado era

    formado por pessoas de estilos de vida especficos, no de membros de uma elite que

    determinava as tendncias (2006, p. 296). Para atingir esses nichos, verdadeiros

    especialistas em estilos de vida expresso da sociloga atentavam para suas

    especificidades, de modo a compreend-los o melhor possvel.

    medida que o sistema que rege as mudanas da aparncia vai sendo ressaltado

    como campo de possibilidades expressivas tanto pelos criadores como pelos consumidores

    , a palavra estilo e suas variantes, inicialmente usadas para nomear os profissionais da rea e

    delimitar alguns de seus terrenos de criao, ganha o campo individual e adjetiva aqueles que

    subvertem o sistema de padres vigentes, em prol de significaes autorais. Se Lipovetsky

    nos aponta os privilgios da autoria da aparncia, j na dcada de 19609 Crane tambm

    enfatiza a escolha centrada no chamado estilo pessoal como uma das principais lgicas

    regentes do consumo de moda: Os estilistas vrias vezes afirmaram em entrevistas que cada

    mulher deve criar seu prprio estilo, um que lhe seja adequado de forma nica, reunindo uma

    variedade de elementos, em vez de comprar automaticamente e consumir um look total

    (2006, p. 328). Ou seja, em nome do estilo, o pblico age e reage sobre as propostas

    lanadas pelas indstrias e propagadas pela mdia.

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    Vale observar que a palavra estilo mantm sua conotao coletiva, embora cada vez

    mais consolide-se na esfera privada. O estilo individual ganha gradualmente mais e mais

    fora e, nos anos 90 e 2000, atropela previses, lanamentos e campanhas de marketing,

    demonstrando sua fora nos mecanismos da moda. Crane intitula essa indstria, a partir do

    final do sculo XX, como moda de consumo, chamando ateno para fatores que tm

    produzido um cenrio cada vez mais turbulento, que afeta a natureza da inovao e da

    mudana na moda (Ibid., p. 270): o desenvolvimento das mdias, a pulverizao dos centros

    produtores de tendncias, assim como o gigantesco crescimento no nmero de organizaes,

    que integram esse mercado, so alguns dos aspectos que contribuem para acelerar e ampliar

    uma grande diversidade estilstica, incorporadora de preferncias e interesses de todos os

    nveis de grupos sociais. O aumento considervel na circulao e divulgao de informaes

    de moda faz com que ela atinja um nmero muito maior de pessoas que manipulam seus

    cdigos ativamente. Nesse contexto, o consumidor, ao mesmo tempo que consome as

    propostas de moda, cada vez mais as produz, uma vez que adapta, renova, mistura, ignora a

    moda em prol de estilos diferentes daqueles que esto em curso, ainda que isso signifique se

    lixar para eles, fazendo ou no ideia de que, paradoxalmente, essa atitude uma das

    posturas mais desejadas pela prpria indstria, pois pode resultar numa de suas mais frteis

    fontes de informao e criao. Monneyron (2007, p. 49) sintetiza aquilo que alguns tericos

    chamam de civilizao do look: as regras ditadas pela moda so situaes informais e

    representam acordos vinculados a valores morais, sociais ou de tradio. Elas no so

    impostas. No entanto, quem no as segue, pode ser considerado margem dos conceitos

    sociais vigentes.

    Polhemus mapeou a postura surfista de estilos e marcas, assumida por grande

    parcela dos consumidores de moda, a partir da dcada de 1990 (1996). Entretanto, detecta

    uma alterao sutil e estratgica, no comeo do sculo XXI10: mais seguros, cheios de

    informaes e com grande oferta de produtos, os consumidores vo alm do mix de produtos

    e do surf nas ondas de estilos diversos, inventando composies que extrapolam as propostas

    da indstria da moda. Uma postura insistentemente autoral vai produzir aquilo que o autor

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    14

    denomina individual branding: misturas singulares entre as propostas das grifes so somadas

    aos elementos significantes de determinadas formas de vida, valores familiares, crenas

    pessoais, etc., de modo que o consumidor incorpora elementos absolutamente individuais na

    composio da aparncia, mesclando sonhos, desejos, aspiraes e intenes especficas, o

    que demanda um determinado saber que, necessariamente, no se relaciona com o poder de

    compra. Esse saber ser estrategista do estilo palavras do antroplogo -- faz com que o

    corpo funcione como um personal advertising, uma propaganda de si, um campo

    informacional, cujos dados podero ser determinantes do alcance das relaes pessoais,

    oportunidades de trabalho, insero social, entre outros componentes dos modos de vida.

    Aparentemente, livre das amarras da moda, as proposies que geravam, por

    exemplo, o fashion victim11 metamorfoseiam-se nos territrios de um saber no mais

    institudo pela moda, mas passvel de ser construdo pelos elementos que criam universos

    subjetivos: aqueles referenciais que do vida aos estilos. esse o contexto nomeado neste

    artigo como imprio do estilo12: aquele no qual os exerccios autorais no apenas tornam-se

    moda como tambm se afirmam como valor motriz do funcionamento da moda.

    Nessa configurao, o atributo estilo se afirma na subjetividade contempornea sobre

    um confuso mapa de cdigos atrelados manipulao dos significados de produtos, ao acesso

    s informaes, ao desejo de investimento na composio aparncia e capacidade de

    exercitar os cruzamentos entre a subjetividade e as mercadorias. nesse contexto que uma

    matria jornalstica nos permite visualizar a complexidade que pode estar envolvida na

    autoria da aparncia e no exerccio do estilo. Ao indicar combinaes de peas para o inverno

    do ano de 2005, Agite e use -- reportagem e editorial de moda, concebidos pela consultora

    de moda Glria Kalil e pelo stylist Daniel Ueda -- visam a informar ao leitor aquilo que

    sintetizado na abertura do texto:

    () um enorme engano achar que a moda entrou no reino do vale-

    tudo. No vale. [] Quem se dispe a aprimorar o prprio estilo vai

    entrar num jogo divertido e democrtico, mas cheio de perigos, pois

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    no tem regras claras,nem manual. Para entrar nele, preciso ter

    cabea aberta, olho vivo e muita informao. (Kalil, 2005)

    O artigo tambm informa ao consumidor, de maneira mais ou menos explcita, que

    seguir a moda as medidas no ficam claras -- no tem mais lugar. Dessa forma, ressalta o

    estreitar de relaes com o corpo e o saber orquestrar os elementos do vesturio, calados,

    acessrios, maquiagem e cabelo, como exerccio particular, permeado por vetores individuais,

    sem, no entanto, deixar de evocar a necessidade de atualizao de um conjunto de regras

    difusas.

    As foras convocatrias da autenticidade e da emisso de informaes codificadas

    ganham uma importncia que se sobrepe seduo da variao de produtos. O exerccio de

    inventar um como usar supera as diretrizes sobre o que usar. No terreno movedio da moda,

    constituir um campo estilstico significa ter o que dizer, para alm de dizer a coisa certa.

    Ademais, o estilo ligado aparncia atrelado a muitos outros campos propagados

    pelo mercado e pelas campanhas de marketing: estilos de comer, de beber, de dormir, de

    amar, de morar, de dirigir, de falar ao celular, de tomar caf da manh com po e

    determinada margarina delimitam uma vida identificvel dentro do mapa contemporneo das

    supostas diferenas. Vale, portanto, notar que esses universos -- os pacotes de modos de

    vida emoldurados pelo marketing do estilo de vida funcionam por distribuio de maneiras

    de sentir, de ganhar e gastar, de morar, de fumar, de se medicar, de se cuidar, de se vestir.

    So pacotes subjetivos construdos com a promessa de pertencimento a um mundo de

    valores, que garante um poder-saber circular na instabilidade contempornea e ser

    reconhecido no meio da multido.

    Essa sensao de pertencimento e reconhecimento se remete a um projeto de vida, de

    modo que a mquina moda passa a contar com um nmero considervel de consumidores-

    pblico-alvo, cuja demanda no se limita aos produtos, mas a todo o mosaico existencial

    capaz de agregar, configurar ou inventar algo que possa ser nomeado como estilo. Na batalha

    pela conquista do estilo, o consumidor parece se colocar diante de uma espcie de questo

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    existencial relacionada manipulao de informaes que designem um eu, pois os estilos

    contornam ideias identitrias e apresentam cdigos de ancoragem e mobilidade das

    subjetividades individuais. Algumas variveis prometem constituir eus, a partir de pacotes

    construdos por uma somatria de fraes intangveis, recolhidas na prpria subjetividade.

    Um sem nmero de substantivos somados e subtrados para comporem modelos que se

    adequem, pelo menos, a um molde bsico. , nesse sentido, que um mapa de frmulas

    mescla ingredientes, tais como arrojo, dinamismo, estranheza, exotismo, irreverncia,

    jovialidade, modernidade, sofisticao, simplicidade, sensualidade, entre inmeros outros

    atributos que pressuponham a configurao de modos de ser e qualifiquem a existncia. A

    partir de um intenso trabalho de organizao de informaes que vo de encontro

    constituio subjetiva so simulados conjuntos de qualidades expressivas, espcies de kits de

    adjetivao que delimitam e favorecem a circulao, comunicao e aquisio dos pacotes

    estilsticos, em amplo espectro de classes socioeconmicas, setores profissionais e faixas

    etrias. A moda do estilo alimenta o desejo e investe na produo de tais pacotes para

    consumo.

    Parte 3 -- A liquidao do estilo

    A cartografia do imprio do estilo desenha um contexto no qual os pacotes estilsticos

    dominam o cenrio da composio corporal e esvaziam os sentidos expressivos do estilo. Para

    adentrar esse universo, remetemo-nos, inicialmente, a Guattari que, nos anos 70, demarca

    uma importante virada nos modos como a subjetividade tomada pelo capitalismo. O

    psicanalista nomeia Capitalismo Mundial Integrado (Guattari & Rolnik, 2005, pp. 47-54) o

    contexto no qual os indivduos consomem subjetividades produzidas por todo tipo de

    indstria. OCMI conta com o domnio de uma modelizao que incide em diversas instncias

    subjetivas, assim como os esquemas de conduta, de ao, de gestos, de pensamento, de

    sentido, de sentimento, de afeto, de percepo, de tal modo que altera os modos de relao

    do homem com o mundo e consigo mesmo: Fabrica a relao com a produo, com a

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    natureza, com os fatos, com o movimento, com o corpo, com a alimentao, com o presente,

    com o passado e com o futuro (Ibid., pp. 41-43).

    Esse tipo de produo de subjetividade, operada pelo CMI, esvaziou as produes de

    singularidade e vive na tentativa de eliminar processos de singularizao, ao mesmo tempo

    que impe encaixes nos registros de referncias dominantes e, de algum modo, classificveis.

    Ainda que carregue imensas possibilidades de desvio, chamados por Rolnik e Guattari de

    atrevimento de singularizar13, os devires diferenciais integram o constante movimento de

    reapropriao pelas redes de poder produzidas pelo mercado14. A diferena mesmo

    desejada, pois produtora de novos nichos de classificao e geradora de ideias que sero

    colocadas a servio da mquina produtiva: grupos que expressem diferenas so rapidamente

    classificados em termos de origem, preferncias, poder de compra e demais fatores

    comportamentais e psicogrficos, delimitando novos segmentos de mercado e alimentando a

    indstria com novas ideias. Em outras palavras, as diferenas so tambm velozmente

    integradas num sistema de codificao, ainda que os cdigos sejam multiplicados ao infinito.

    Lembra Deleuze que o capitalismo tem um carter muito particular: as suas linhas de fuga

    no so apenas dificuldades que lhe sobrevm, so condies de seu exerccio (Deleuze,

    2006, p. 339).

    Uma decodificao generalizada e um alargamento avassalador de limites fazem com

    que as prprias fugas rapidamente reassumam lugares codificveis15 no campo movedio que

    no cessa de se ampliar. As guerrilhas entre produo, apropriao e reapropriao conduzem

    um jogo infinito.

    Nesse contexto, modos de vida decodificados, formas organizadas de conjugar verbos

    no cotidiano e em universos categorizados aproximam-se dos universos de produo de

    maneira que a explorao das qualidades expressivas torna-se moeda corrente. Maurizio

    Lazzarato contribui para nossa conexo entre o contexto demarcado por Deleuze e Guattari e

    o comrcio de estilos. O socilogo toma a noo de empresa para enfatizar os

    entrelaamentos entre a produo e o consumo de mundos: a empresa no cria o objeto (a

    mercadoria), mas o mundo onde o objeto existe. Tampouco cria o sujeito (trabalhador e

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    consumidor), mas o mundo onde o sujeito existe (Lazzarato, 2006, p. 98). Nesse contexto,

    aponta Lazzarato, consumir no se reduz a comprar, mas antes pertencer a um mundo,

    aderir a um universo (Ibid., 100) de modo que uma espcie de criao e realizao do

    sensvel antecedem a produo econmica e se conectam, sobretudo, a uma dimenso

    imaterial da subjetividade: a produo de desejos.

    Assim, configura-se uma lgica de perfeito acoplamento: a empresa cria mundos

    pautados pela dimenso subjetiva e pela produo intangvel do consumidor que,

    prontamente, responde a esse mundo com a produo de desejo e sensibilidade voltada ao

    consumo. As ofertas de mundos so quantitativamente to vastas, quanto qualitativamente

    limitadas. Lazzarato nos lembra de que se trata de mundos lisos, banais, formatados, vazios

    de toda singularidade (Ibid., 101), pois esto construdos sobre um campo de escolhas

    limitado a uma concepo de possibilidades preestabelecidas pela empresa. A campanha

    publicitria de uma loja de departamentos dialoga com a proposio de Lazzarato: Voc tem

    seu estilo. A Renner tem todos.16 A frase impressa sobre quatro pginas duplas que

    expem grupos de diferentes perfis, vivenciando ambientes diversos, assim como o trabalho,

    o lazer e a diverso. A partir de cada uma das imagens, so propostas linhas de produtos

    especficos que oferecem diretivas bastante simples, de fcil e rpida identificao, de modo

    que o consumidor se reconhea nos cenrios, nas aparncias, atitudes e possibilidades de

    vida, por sua vez, compostas pela fotografia. Importante lembrar: ainda que o consumidor

    no viva propriamente aquele tipo de situao, pode almej-la como um sonho possvel, um

    projeto a ser alcanado. A campanha do estilo segue com a divulgao do Carto Presente,

    dentro do qual cabe o valor e o estilo que voc quiser, sugerindo o estilo como presente

    venda nos caixas da loja.

    Atrelar a noo de empresa mquina moda nos faz visualizar um mercado pleno de

    ofertas de estilos, em diferentes formatos e preos. Conquist-los, adquiri-los, constru-los --

    para que possam, inclusive, ser trocados - o principal mote da mquina que faz girarem as

    ofertas dos produtos componentes da aparncia. A revista View, publicao voltada para

    indstria de culos, dedica um nmero pedagogia dessa conquista. A chamada de capa

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    apresenta diversas matrias que variam entre a pergunta Estilo: qual o seu? e a Boa

    notcia: com dedicao, bom senso e informao, todo mundo descobre o seu estilo. preciso

    arregaar as mangas, mas vale muito a pena. Numa das reportagens, a jornalista se utiliza

    de uma clssica categorizao -- sexy, tradicional, criativo, elegante, romntico, esportivo ou

    natural, dramtico ou moderno -- para expor diferentes linhas de produtos, reforando

    esteretipos de diferentes modos de vida que se conectam ao design de pares de culos. Por

    fim, a revista prope um teste ao leitor, chamado de Conhece-te a ti mesmo, no qual

    respostas a um determinado conjunto de perguntas podero ajudar a definir o caminho para

    a construo ou a consolidaao de seu estilo.17

    Na esteira da comercializao e da pedagogia dos estilos, notamos alguns caminhos

    que valem ser enumerados. Primeiramente, pode-se adquirir estilo por meio do consumo de

    grifes que vendam conceitos bem modelados e logomarcados. Para grande parte dos

    consumidores de moda, a composio de estilos se d a partir da ligao com os mundos das

    grifes, universos aos quais possvel se ligar e exercitar o estilo. Na lngua francesa, griffe

    significa garra, o que bem traduz a ideia de ser tomado por uma marca, ostentar no corpo

    um smbolo ligado a variveis como status social, poder de compra, nvel cultural, acesso

    informao e adeso a um estilo de vida que trabalha em prol da divulgao e da

    comunicao de suas significaes. Um exemplo prosaico do culto s marcas vem de uma

    tribo africana chamada Brazzavile, localizada na repblica do Congo. Ali um grupo de homens

    integra a Sociedade do Ambiente e das Pessoas Elegantes -- SAPE. Apesar dos congoleses

    viverem em meio imensa pobreza, com uma renda per capta anual das mais baixas do

    mundo (em torno de U$ 100), os Sapeurs circulam em torno das marcas mais caras, pois,

    acreditam que usar uma roupa de grife tem poder de transmutao. Seus integrantes se

    submetem a subempregos e prostituio para adquiri-las, ou se envolvem no mercado

    negro do comrcio, pois decidiram fazer das grifes luxuosas uma espcie de religio.18

    Uma segunda via inclui o consumo de informaes, lembrando que, embora gratuitas,

    elas possuem seu custo abstrato. Mundos personificados de identificao so produzidos pelos

    meios de comunicao em quantidade avassaladora. No Brasil, por exemplo, um dos mais

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    fortalecidos difusores de estilos a televiso que apresenta imagens de celebridades,

    cantores e jogadores de futebol de sucesso, personagens de novelas, apresentadores de

    programas de auditrio e toda sorte de figuras pblicas capazes de gerar desejo de aderncia.

    Pesquisas relacionadas moda mostraram que a televiso faz parte da rotina de 80% do

    grupo investigado. Ao comentar sobre seus referenciais, o grupo definiu que esto

    representados pela mdia e pelas pessoas famosas que aparecem na TV (Pryjma et al., 2006).

    Alm da televiso, os famosos tambm habitam um nmero imenso de revistas impressas e

    um sem nmero de websites, mdia cuja velocidade de divulgao vertiginosa. Suas

    aparies so capazes de gerar fenmenos milionrios de vendas conectadas aos estilos de

    vida, uma vez que essas imagens so, em sua maioria, coletadas pelos chamados paparazzi,

    ou os reprteres fotogrficos que perseguem as celebridades no cotidiano.

    Outro caminho para a aquisio de estilos o consumo de modos de usar, ou de

    outros referenciais que delimitem certos, errados ou que esclaream aspectos do

    vesturio e dos acessrios que expressem os estilos X, Y ou Z. Em geral, essa via se esfora

    em oferecer dicas para composies supostamente autorais, dentro da apresentao de um

    universo estilstico. Com esse mote, vale citar a exposio Modos de usar, apresentada por

    um shopping center19, para orientar clientes na composio e na variao que colaborem para

    um estilo diversificado. Na rea de circulao do local, foram expostos painis fotogrficos em

    tamanho natural, cujos modelos -- vestidos com diferentes combinaes na frente e no verso

    do painel -- so divididos em trs partes: cabea e tronco, quadris e pernas, e ps. As

    imagens podem ser manipuladas pelos visitantes, de modo que o girar dos painis oferece

    diferentes opes de combinao, transformando as propostas de acordo com diversas

    categorias de estilo.

    Os manuais de estilo seguem linha de ao semelhante. Algumas publicaes

    tambm disponveis em websites20 -- incluem ideias como: conhecer e aprender a combinar

    a sua personalidade com o seu visual, determinar o que voc est tentando reforar com o

    seu visual: ser uma pessoa mais notada, desenvolver um visual chic e elegante, divertir-se

    com a moda, etc., ter tempo e autoconhecimento para criar o seu estilo, eleger qualidades

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    em voc que lhe agradam e procurar valoriz-las sempre e, jamais copiar o estilo de

    algum. (Matarazzo, 2007). Outras dicas incluem V para a frente do espelho e olhe-se com

    coragem. Se a valentia convocada por alguns, outros propem o uso da imaginao: agir

    como um figurinista que veste um ator, elencar informaes, entender a rotina de vida e listar

    aquilo que, supostamente, combine com a dinmica traada para o personagem em questo.

    Nesse caso, o figurinista o prprio personagem.

    O desejo de mudana tambm contemplado pela maioria dos manuais, que

    ressaltam de diferentes maneiras a diferena sutil entre ser fiel a um estilo e tornar-se

    escrava dele, assim como a necessidade de acompanhar as mudanas ao longo do tempo

    (Bonnell, 2000, p. 155). Um guia sugere que a sensao de que um estilo no funcione mais

    deva ser avaliada com base em perguntas tais, como Sua vida a mesma daquela poca?,

    Seu manequim o mesmo?, Suas prioridades so as mesmas?, Alguma coisa continua

    igual na sua vida? Caso a imagem refletida no espelho sugira algo, como socorro, essa no

    sou mais eu, isso sintoma definitivo de um estilo calcificado, sinalizador de desconforto

    psicolgico (Ibid., 156). Assim segue o manual, indicando seis lies e estgios para o

    aprendizado de uma nova configurao de estilo para o novo eu. A sexta etapa continue

    a procurar e a comprar alguns itens novos para seu guarda-roupa, para ir trocando suas

    peas aos poucos. Voc livre! indicada como lema pessoal para no voltar a cair na

    armadilha da mesmice, uma vez que o guarda-roupa seria uma fonte contnua de

    progresso (Idem).

    Sobre parmetros para definir o grau de autoria, alguns manuais falam em bom

    senso, outros em saber se sentir bem com aquilo que veste. Outros guias tambm

    comentam sobre o entendimento das diferentes necessidades que devem dirigir a escolha da

    imagem que se deseja transmitir. De todo modo, parece comum maioria das metodologias

    a indicao em linguagem de receiturio de uma somatria que inclua uma boa relao

    consigo mesmo, com o corpo, com o ambiente e com o oramento disponvel para o

    investimento.

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    Finalmente, outro modo de aquisio de estilo consumir um ou mais servios em prol

    da montagem de um mosaico existencial. Esses servios podem incluir o personal trainer,

    personal advicer, personal shopper, personal hair stylist e, no caso da moda, o personal

    stylist. Diante da impossibilidade de dar conta da questo, um profissional apto a fazer

    consultoria de imagem pode ser contratado para auxiliar na criao de um pacote estilstico

    que faa sentido para o cliente, assim como para seu universo de circulao. Segundo a

    descrio da consultora de estilo Ilana Berenholc, uma das pioneiras nesse tipo de trabalho no

    Brasil, o servio inclui a construo de uma imagem pessoal autntica, adequada e atraente

    e envolve um processo contnuo de avaliar e controlar o impacto da sua imagem que, com a

    orientao e as ferramentas apropriadas, pode abrir portas na sua vida. O seguimento da

    descrio dos servios afirma que a consultoria aumenta sua autoconfiana, autoexpresso e

    credibilidade. Simplifica sua vida e oramento, economiza seu tempo e elimina frustraes. A

    lista de oito itens que especificam detalhes do servio iniciada pela proposta de definir um

    estilo consistente com sua personalidade, preferncias, objetivos e estilo de vida.21

    Consideraes finais

    A partir de algumas proposies, consideramos o conceito de estilo como um dos

    principais motores da moda contempornea. O estreitamento das relaes com o corpo e o

    saber orquestrar os componentes da aparncia ganham importncia que se sobrepe

    seduo da variao de produtos. O exerccio de inventar um como usar supera as diretrizes

    sobre o que usar, e constituir um campo estilstico significa ter o que dizer, para alm de

    dizer a coisa certa.

    O estilo ligado aparncia atrelado a outros campos propagados pelo mercado e

    pelas campanhas de marketing: estilos de comer, de beber, de dormir, de amar, de morar, de

    dirigir, entre tantos outros verbos que delimitam uma vida identificvel, dentro do mapa

    contemporneo. A moda do estilo alimenta o desejo e investe na produo de tais pacotes

    para consumo, a partir de um intenso trabalho de organizao de informaes subjetivas. O

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    resultado so conjuntos de qualidades expressivas, espcies de kits de adjetivao, oferecidos

    a um amplo espectro de classes socioeconmicas, faixas etrias e setores profissionais.

    As polticas de comercializao de estilos reforam o esvaziamento conceitual do

    termo, liquidado em suas perspectivas criadoras e privilegiado em suas viabilidades

    mercadolgicas. Diante do rol de caminhos para a aprendizagem do estilo, convocamos

    Guattari que, em torno de discusses acerca de um paradigma tico-esttico, pergunta: Mas

    pode-se imaginar uma pedagogia da singularidade? (Guattari, 1992, p. 163). Sua questo

    pertinente para refletir sobre os modos de funcionamento da moda: suas estratgias j no

    se ancoram, primordialmente, na efemeridade, mas sim na afirmao do estilo como o

    principal referencial de criao, produo e emisso de informaes, numa lgica do

    acoplamento entre produo de subjetividade e produo para a subjetividade.

    NOTAS

    1. A abordagem do conceito de estilo enfocada neste artigo se limita a enfatizar algumas

    articulaes possveis no campo da moda, priorizando associaes com a prtica do consumo,

    principalmente a partir da dcada de 1980. Nesse sentido, a investigao do conceito no

    aprofundada nas perspectivas da Histria, da Arte, da Esttica e das Cincias Sociais. Para

    uma abordagem mais ampla e consistente do conceito, autores como George Simmel, Pierre

    Bourdier so imprescindves. Algumas outras articulaes com perspectivas da filosofia, assim

    como aquelas apontadas por autores tais como Gilles Deleuze e Patrice Bollon so

    examinadas no primeiro captulo da tese em questo (Polticas do vestir: recortes em vis --

    disponvel em http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=8152).

    2. O termo ser formatado em itlico, no sentido de ressaltar o uso repetitivo e as diversas

    variaes de uso do termo neste artigo.

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    24

    3. No captulo denominado como Declnio do comprador, ascenso do consumidor, o autor

    faz uma extensa anlise e articulao de diversas perspectivas tericas de diferentes autores

    (Hannah Arendt, Jean Baudrillard, Colin Campbell, Conrad Lodziak e Richard Sennet) para

    apresentar um interessante panorama de compreenso do histrico e do comportamento

    atual do consumidor contemporneo.

    4. Em referncia ao ttulo de Lash, publicado nos anos 80, no qual o autor aborda alguns

    aspectos da condio do sujeito contemporneo e examina criticamente a constituio da

    noo de identidade. O autor reconhece um certo embarao na definio de fronteiras

    subjetivas que se relacionam intensamente aos produtos e mercadorias (Lash, 1984).

    5. Disponveis em: , ,

    ,

    , ,

    , . Acessos em: 17 maio 2008.

    6. Disponvel em: . Acesso em: 17 maio 2008.

    7. Dados que tm como base o nmero de pginas vistas e tempo de permanncia online por

    ms, assim como o nmero de assinantes pagantes. Informaes disponveis em:

    . Acesso em: 7

    out. 2008.

    8. Para Guattari, as mquinas se apresentam por geraes, recalcando umas s outras

    medida que se tornam obsoletas. A filiao das geraes passadas prolongada para o futuro

    por linhas de virtualidade. O autor explora outros aspectos do conceito em Caosmose

    (Guattari, 1992). Uma abordagem do funcionamento da moda nessa perspectiva assunto do

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    captulo Moda Movedia, que integra a dissertao de mestrado Incmoda Moda, uma

    escrita sobre roupas e corpos instveis. Mesquita, Cristiane. Incmoda Moda: uma escrita

    sobre roupas e corpos instveis. 2000. Dissertao de mestrado. PUC-SP, 2000.

    9. Lipovetsky descreve o fenmeno que chama de era do look: [a moda] no faz seno

    levar ao seu extremo limite o gosto da singularidade, da teatralidade, da diferena, que as

    pocas anteriores igualmente manifestaram, ainda que, evidentemente, de uma maneira

    muito diferente e em limites mais estreitos (1989).

    10. O autor do termo supermercado de estilos, responsvel por explicitar a lgica que

    avalisa a sobreposio do desejo do consumidor por um mix de estilos na composio de seu

    guarda-roupa, ministrou palestras em So Paulo, na Faculdade Senac de Moda, em agosto de

    2004. Abordou os desdobramentos do exerccio do consumidor ativo surfar em diferentes

    estilos compondo aquilo que mais lhe convm.

    11. A vtima da moda definido pelos profissionais da imagem como aquele que segue as

    propostas de modo acrtico, aderindo s tendncias com uma postura excessivamente ligada

    aos produtos e aparentemente dominadora da vontade individual e da singularidade corporal.

    Informao coletada em diversas fontes, assim como Pascolato (1999).

    12. Em referncia ao ttulo de Gilles Lipovetsky, O imprio do efmero: a moda e seu destino

    nas sociedades modernas que aponta a efemeridade como a principal lgica de

    funcionamento da moda. Alm dessa referncia, tambm digna de nota a meno ao ttulo

    Imprio, abordagem proposta pelo italiano Toni Negri e pelo americano Michael Hardt. Para os

    autores, a principal caracterstica do Imprio de no estabelecer centros de poder, no lidar

    com fronteiras fixas. um regime que emana e se exerce em todos os registros da ordem

    social. (HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Imprio. Trad. Berilo Vargas. Rio de Janeiro, Editora

    Record, 2001).

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    13. Os autores denominam as resistncias ativas ao processo geral de serializao operadas a

    partir de processos de singularizao subjetiva de revolues moleculares, as quais podem

    ocorrer em diferentes nveis: infrapessoais, pessoais e interpessoais. (Guattari & Rolnik,

    2005, p. 54).

    14. A abordagem do consumo apontada no presente artigo poderia ser enriquecida se

    articulada com a perspectiva que o filsofo e socilogo francs Jean Baudrillard confere ao

    tema. Sua obra apresenta extensa anlise do valor de signo dos objetos de consumo,

    especialmente no ttulo A sociedade de consumo. BAUDRILLARD, Jean. So Paulo, Edies 70,

    2008 (3 edio).

    15. Poderamos enumerar uma srie de manifestaes de comportamento, devidamente

    nomeados e mapeados em relao aos hbitos de consumo. Entre eles encontram-se, por

    exemplo, os chamados metrossexuais, os ageless, os geeks e os new ravers. Este ltimo

    grupo, escolhemos mencionar aqui, justamente pelas referncias feitas pela autora s

    diferenas que guiam estratgias de (re)codificao. O New Rave um movimento musical

    surgido h alguns anos em Londres. O termo, a princpio, nasceu de uma brincadeira, no

    sentido de rotular um estilo musical que fazia uma releitura do New Wave oitentista com

    batidas eletrnicas da raves dos anos 90. Porm, se formos mais alm, vamos descobrir que

    o New Rave possui razes no movimento Punk e, consequentemente, nos desdobramentos

    deste e suas ligaes com o prolixo cyber-espao. Um dos aspectos mais interessantes dessa

    tribo o uso do bom humor e da ironia. Alm disso, ao contrrio de algumas subculturas

    marginais, o New Rave no possui pretenses polticas. Assim, aquilo que parecia totalmente

    descompromissado e at um pouco anrquico acabou tornando-se um movimento amplo,

    primeiramente encontrando adeptos no Japo e logo depois nas grandes cidades da Europa.

    O texto -- que segue enumerando produtos e preferncias culturais do grupo -- tambm nos

    serve para ressaltar o fato de que, em sua maioria, as diferenas se produzem, de antemo,

    em torno de produtos de consumo. (Vison, 2008).

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    16. Campanha publicada em oito pginas da revista Veja. So Paulo, Editora Abril, 24 de

    agosto de 2005.

    17. As menes so referentes a diferentes reportagens integrantes Revista View.

    Suplemento 68. Publicada pela Jobson Brasil Ltda. So Paulo, Novembro/2005. Disponvel

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    18. Revista Colors, n 64, 2005. Poste Italiane Spa - Sped. Milano, p. 40-45. (Traduo

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    19. Taguatinga Shopping. Disponvel em: . Acesso

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    Data de aprovao: 17/12/2009