O Jogo e a Infância - entre o mundo pensado e o mundo vivido

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    FICHA TCNICA

    TTULO

    O JOGO E A INFNCIAentre o mundo pensado e o mundo vivido

    ORGANIZADORES

    -

    AUTORES

    Luciene SilveiraAntnio Camilo Cunha

    TRADUO DE TEXTO

    -

    REVISO DE TEXTO

    Sara Silva

    CAPA E DESIGN

    Carlos Gonalves

    IMPRESSO E ACABAMENTO

    Printhaus

    DEPSITO LEGAL

    -

    ISBN

    -

    Reservados todos os direitos.Esta edio no pode ser reproduzida nem transmi-tida, no todo ou em parte, sem prvia autorizaoda editora.

    EDIO

    WHITEBOOKS

    [email protected]

    www.defactoeditores.pt

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    OJOGOEAINFNCIAENTREOMUND

    OPENSADO

    EOMUNDOVIVIDO

    AUTORESLUCIENESILVE

    IRA

    ANTNIOCAMILOCUNHA

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    A materializao desta pequena obra tem

    como principal objetivo conhecer e apro-

    fundar o movimento humano. Para tal,

    perscrutando, em ltima instncia, o lugar

    da teoria, foi feita uma viagem terica aos

    universos da brincadeira, do jogo, do corpo

    e da cultura, seguindo os passos da infn-cia, como meio orientador Nesse contexto,

    vamos encontrar dois caminhos de entendi-

    mento e de prxis a vida pensada e a vida

    vivida, aqui entendidas como itinerrios

    seguros/securizantes para o entendimento

    do ato pedaggico.

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    INTRODUO

    A CONSTATAO DE PARTIDAO MOVIMENTO HUMANO: ENTRE OMUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO

    O Imprio da Razo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

    O Retorno da Razo Fenomenologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

    CAPTULO I

    A CULTURA E O CORPO1 - A CULTURA E O CORPO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

    Sobre cultura: algumas caractersticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

    Cultura: uma forma dinmica do pensamento e do

    conhecimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

    Antropologia do corpo: uma cincia ao servio da

    cultura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

    O corpo: locusprimeiro da comunicao humana. . . . . . . . . . . . . 28

    CAPTULO IIO JOGO, AS BRINCADEIRAS E A CULTURA

    2 - O JOGO, AS BRINCADEIRAS E A CULTURA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

    A qza a fxbla a alaa jogo

    bcaa: coxo o. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

    O jogo a bcaa coo xo clal. . . . . . . . . . . . . . 42

    O jogo, a bcaa a caa:o incio da cultura (ldica) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

    O jogo a bcaa acoa oa o

    seu papel no desenvolvimento infantil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    INTRODUO

    Trilhar pelo universo humano reconhecer que o fazer depende

    necessariamente de um corpo em ao, um corpo que sente, age,

    reage e constri.

    Essa ao exercida pela criana desde o nascimento, porquea criana nasce brincando, ao transformar seu corpo no primeiro

    brinquedo, o que a torna autora e criadora desse movimentar pela

    intuio, imaginao, signicao e/ou simbologia.

    Deste modo, o jogo assume a sua indispensvel contribuio

    para o universo infantil, j que este leva a criana ao conhecimento

    de tudo o que a rodeia de uma forma tranquila, consolidando o

    seu desenvolvimento atravs das experincias vividas, sentidas

    e incorporadas.Cientes de que a conquista infantil se d atravs do experimento

    vivido e sentido, preciso buscar alternativas, visto que estamos

    diante de uma considervel reduo do tempo e do espao destina-

    dos brincadeira da criana. Esta situao traduz-se num dos gran-

    des problemas a ser enfrentado no futuro, pois presenciamos um

    mundo em acelerado processo de transformaes, abarrotado pela

    industrializao, pelas novas tecnologias, pelo crescente processo

    de urbanizao que vem inuenciado fortemente o modo de vidada sociedade, modicando consideravelmente o comportamento

    infantil no que diz respeito s atividades livres de movimento.

    A esse prposito, podemos armar que o crescimento desequili-

    brado dos grandes plos industriais, alm de implicar numa srie de

    imperfeies, decincias e retardamento na vida social1, deixou de

    levar em conta, em particular, o problema do lazer. E sendo o lazer

    1 Dumazedier, Jore . Valores e contedos culturais do lazer.S. Paulo: ServioSocial do Comrcio. Administrao Regional no Estado de S. Paulo, 1980,p. 47.

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    O JOGO E A INFNCIA10

    INTRODUO

    um suporte indispensvel, um direito incontestvel do Homem, em

    particular da criana, torna-se imprescindvel que novas polticas

    surjam para suprirem as necessidades infantis de espaos, de modoa favorecer as suas possibilidades de jogo e brincadeira. Dentro

    dessa tica, as oportunidades de espaos para brincar so cada

    vez mais limitadas, esmagando progressivamente a autoexpresso e

    promovendo modelos de controlo e direo, seguindo atitudes e valores

    considerados socialmenteadequados2.A criana aprende pelo jogo

    e, sendo o jogo livre um convite ao movimento, indispensvel a

    criao de espaos apropriados para que possa exercer o seu direito

    de brincar/jogar em favor do seu desenvolvimento.O certo que as incessantes transformaes correntes condu-

    zem construo natural de uma nova cultura dos tempos livres.

    Importa reconhecer a cultura como um estado da prpria presena

    humana, na sua maior caracterstica, j que atravs daquela

    que o homem alcana a seu autntico signicado3. importante

    concebermos que o tempo e o espao em que acontece o jogo pode

    ser o fenmeno que melhor dene ou se aproxima da denio de

    jogo, na medida em que o mesmo antecede a prpria cultura, a

    civilizao no provm do jogo como um beb nasce do tero: tem

    origem no jogo e enquanto jogo, nunca deixa de ser4.

    As culturas infantis carregam os sinais dos tempos, revelando

    a sociedade nas suas incoerncias/oposies, nas suas camadas

    sociais e na sua totalidade5. importante compreendermos que

    vivenciamos um perodo de profundas transformaes histricas,

    onde as concees de infncia sofrem signicativas alteraes

    sociais e culturais.

    Sendo o ato de brincar inato na criana, torna-se inadivelreabilitar na sociedade contempornea uma cultura de rua com

    2 Neto, Carlos. A Famlia e a institucionalizao dos tempos livres. Ludens,1994, (1), p. 6.

    3 Fernandes, Antnio. Para uma sociologia da cultura.Coleo campo dascincias -4. Campos das letras Editores, S.A.,1999, p. 13.

    4

    Huizinga, Johan. Homu Ludens: um estudo sobre o elemento ldico dacultura. Edies 70, 2003, p. 10.5 Sarmento, Manuel. Imaginrio e culturas da infncia- Projeto As Marcas

    do tempo: A interculturalidade nas culturas da infncia, 2002, p. 4.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 11

    INTRODUO

    segurana6 para esta, para que o seu direito de brincar seja res-

    guardado, em favor da grande potencialidade que o mesmo desperta

    no crescimento infantil. Efetivamente, o brincar a linguagempela qual as crianas estabelecem a comunicao e alimentam seus

    primeiros vnculos.

    Tais questes exigem uma maior reexo acerca do brincar

    na infncia contempornea, uma vez que o brincar de hoje est

    condicionado pelas constantes transformaes e apelos do mundo

    moderno, que vem impondo um consumo exagerado de brin-

    quedos eletrnicos, acabando por favorecer o individualismo e o

    sedentarismo. No que o brincar de hoje seja de toda a forma ouintegralmente mau, pois ele acaba por levar a criana a adquirir

    algumas competncias. Mas, no que diz respeito criatividade,

    motricidade e sociabilidade deixa muito a desejar. Em contra-

    partida, o brincar de ontem um constante desao para a criana,

    acabando por lhe permitir mltiplas competncias, gerando um rico

    e integral aprendizado e, nesse contexto, quem faz o prprio corpo,

    quempensa tambm o corpo. As produes fsicas ou intelectuais

    so, portanto, produes corporais. Produes estas que se do nas

    interaes do indivduo com o mundo7.

    Seguindo esta linha de pensamento, nada poderia ser maiscompreensvel do que alcanar o corpo como uma forma cultural

    de produzir a prpria cultura, apoiados por uma nova tendncia

    universal de valores e normas emergentes, remetendo-nos a uma

    ocidentalizao mundial. Na verdade, existe uma invaso do culto

    do corpo e uma profuso das suas signicaes8.

    Podar a criatividade da criana impedir que o seu prprio corpo

    exera a sua naturalidade de ser, de estar e de sentir ou de alimentar

    a sua credibilidade de existncia.

    6 Neto, Carlos. Tempo e espao de jogo para a criana: Rotinas e mudanassociais. In: Carlos Neto (editor).Jogo & desenvolvimento da criana.Lisboa:Edies FMF, 1997, p. 21.

    7 Freire, Joo. Educao de corpo inteiro: Teoria e prtica da ao fsica (5

    ed.). Coleo: Pensamento e ao na sala de aula. So Paulo: Scipione,2009, p. 123.8 Gil apudLacerda, Teresa. Uma aproximao esttica ao corpo desportivo.

    Revista Portuguesa de Cincias do Desporto, 2004, 7, (3), p. 394.

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    A CONSTATAODE PARTIDAO movimento humano: entre omundo pensado e o mundo vivido

    Podemos armar, com algum acerto, que existemdois mundosde vero movimento humano e o corpo (corporeidade):omundo da

    exterioridade,materializado na cincia, na objetividade, no nmero

    - representantes do mundo pensado;e o mundo dainterioridade,

    substantivado/espiritualizado no ser (ontologia), na subjetividade,

    na experincia, na fenomenologia - representantes do mundo vivido.

    Far-se-, neste intrito, o elogio s dinmicas fenomenolgicas do

    mundo vivido, seus caminhos estruturantes e cheios de signicado,

    bem como a abertura brincadeira, ao jogo e cultura dentro do

    sentido do mundo pensado.

    O Imprio da Razo

    A passagem do mito razo (na cultura ocidental) foi um marco

    determinante para um outro entendimento da realidade. Com a

    razo, deu-se incio a uma nova forma de entender o mundo. A razo

    contribuiu para a elevao do mensurvel, do nmero, das leis, dageneralizao, do entendimento da causa - efeito, da previso, da

    tcnica, da tecnologia e da cincia.

    Esta realidade, coincidente com a razo cientca, foi, assim,

    paulatinamente tomando conta do reino do conhecimento, desde

    o helenismo, tendo como grande representante Aristteles (pai da

    cincia, defensor da observao e da experimentao), depois

    expandido com o Renascimento, com Ren Descartes, Francis

    Bacon, Galileu Galilei ou Nicolau Coprnico, estruturando-sea valorizao da conscincia, da atividade crtica e criativa, da

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    O JOGO E A INFNCIA14

    A CONSTATAO DE PARTIDA O mOvimentO humAnO: entre O mundO pensAdO e O mundO vividO

    experincia objetiva como fonte de conhecimento. Este facto veio

    fazer uma rutura com o pensamento medieval de cariz teocntrico,

    sustentado pelos dogmas e pelas verdades de Deus que, at ento,se revestia (tambm) como uma sbia estratgia de organizao

    social. Mais frente, outras manifestaes se seguiram, como,

    por exemplo, a Revoluo Industrial, o Iluminismo, a Revoluo

    Francesa (igualdade, liberdade, fraternidade) que vieram propor a

    elevao de um novo Homem.

    A razo ou a cincia surge, assim, como paradigma do conhe-

    cimento que prometia maior felicidade para o indivduo e para a

    comunidade (polis), tomando como referncia o sentido interpreta-tivo e de aconselhamento (interpretar a histria, as singularidades,

    as circunstncias), dando solues para o bem-estar individual

    e social. No entanto, este iderio (da cincia), e contrariamente

    ao que fora prometido, chamou a si a presuno de julgamento e

    instrumentalizao, transformando-se numa ideologia ao servio

    da poltica, da economia, da tcnica. Este facto tem contribudo

    para um aumento das desigualdades sociais, econmicas e para a

    explorao do Homem.

    O Retorno da Razo Fenomenologia

    A razo e o nmero parecem atrapalhar a busca da verdade e o

    bem dapolis. neste contexto que emergem alguns pensadores

    (teoria crtica) como Friedrich Nietzsche,que vem criticar a forma

    rgida e sumria proposta pelos racionalistas leis, lgica, nmero,

    mensurvel, generalizvel. O autor vem, ao contrrio dos positi-vistas, fazer o elogio fenomenolgico, ou seja, ao ser ontolgico,

    a cada um, experincia do homem, aos impulsos, s emoes,

    s vontades, s paixes que acabam por ser as fontes genunas do

    conhecimento e da ao1.

    Dando continuidade a estas constataes, podemos dizer que,

    na nossa realidade, existem dois mundos distintos:

    1 Nietzsche, Friedrich.A gaia cincia. Coleo Pensadores, So Paulo: abrilCultural,1977, p. 21.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 15

    A CONSTATAO DE PARTIDA O mOvimentO humAnO: entre O mundO pensAdO e O mundO vividO

    a. O mundo descrito pela cincia, pela matemtica e pela tcnica

    que entende a realidade como verdades objetivas - verdades

    da cincia.b. O mundo vivido entendido como ser-no-mundo, mundo-ex-

    perincia, sensvel e subjetivo. O mundo vivido o primeiro,

    contemplativo, fenomenolgico, surgindo antes da cincia,

    ainda que tenha sido aprisionado por esta. A cincia moderna

    surgiu para simplicar a realidade atravs da descrio exata

    e da diferenciao de coisas que percebemos no mundo.

    A cincia mostra possibilidades de pensamento e ao, mas

    o mundo vivido d-nos mais que possibilidades: dar-nosns mesmos. Que a tcnica e a cincia existam sim, mas que

    no nos retirem de ns mesmos!

    A fenomenologia emerge, assim, como mtodo atravs do qual os

    sujeitos se descobrem como seres no mundo e de uma comunidade

    de sujeitos abertos aos demais e envoltos nas dimenses histricas

    e culturais. O entendimento do mundo e das pessoas valorizado

    pelas experincias subjetivas, pr-tericas, pr-reexivas que,depois, daro razo e cincia. A cincia apenas consegue tratar os

    fenmenos e indivduos como algo objetivo, mas parece esquecer

    a origem, que fenomenolgica e subjetiva. A cincia ignora a

    grandeza da subjetividade, dos eus individuais, da cultura. S

    acredita no mensurvel na regra, na generalizao. No entanto,

    existe um primeiro mundo - mundo da fenomenologia - como o

    primeiro viver; e, depois, o mundo da cincia como o segundo de

    viver. No entanto, a cincia faz-nos crer que as coisas idealizadas

    so melhores do que as coisas percebidas por ns de forma direta

    e sentida. Mas as coisas parecem no ser assim!

    Ns geometrizamos um objeto, acontecimento, fatoque foi uma

    vez percebida e sentida no mundo2.Essas coisas idealizadas (obje-

    tos, acontecimentos, factos), como so perfeitas luz da razo

    (nmero, geometria), tendem a ser iguais em todos os lugares em

    que se encontram, no existindo considerao pelas diferenas.2 Sokolowki, Robert. Introduo fenomenologia.So Paulo: Edies Loiola,

    2004, p. 161.

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    O JOGO E A INFNCIA16

    A CONSTATAO DE PARTIDA O mOvimentO humAnO: entre O mundO pensAdO e O mundO vividO

    Desta forma, entram em contraste com inmeras variaes que

    existem nas nossas percees da realidade com a realidade total

    e radical.Neste envolvimento, a fenomenologia vai reivindicar que as

    cincias matemticas, o nmero, a frmula no podem armar (s

    por elas) a prpria existncia. A fenomenologia estuda as coisas

    como elas so, tendo a sua prpria preciso.

    No caso daquilo que anima esta reexo - o corpo/corporeidade/

    movimento humano -, eles tm sido predominantemente analisa-

    dos do ponto de vista matemtico, cientco, biolgico, mecnico.

    No entanto, a fenomenologia diz que o corpo e o movimento somais do que essas dimenses. O corpo (corporeidade) e o movimento

    so intencionais e relacionais, no esquecendo o social, o cultural,

    o histrico naquilo de que de objetivo, subjetivo, intersubjetivo

    e sensvel congregam. A fenomenologia pretende-nos, assim,

    mostrar um mundo diferente ao j visto/racionalizado, onde a sua

    essncia/realidade se mostra como origem que espera ser mostrada.

    Este facto diferente do mostrado pela razo.

    Criar nada mais do que deixar que a obra acontea, que ela

    siga seu ritmo. O grande artista, o criador da vida, sabe seguir

    o uxo, sabe deixar-se conduzir prelo mundo3.

    Haddock Lobo

    3 Haddock -Lobo, Rafael. Os lsofos e a arte.Rio de Janeiro: Rocco, 2010,p. 12.

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    CAPTULO IA CULTURA E O CORPO

    1 - A CULTURA E O CORPO

    A excelncia pela experincia do corpo atesta-se no facto do

    indivduo perceber (intuio) antes de pensar. Neste mesmo plano,a criana faz aparecer um mundo anterior ao pensado no seu modo

    de ser. A criana questiona tudo o que percebe sua volta, para,

    depois, adquirir conscincia do mundo. Assim, podemos perceber

    a procura de consciencializao. O mundo vivido inesgotvel

    para a nossa conscincia. Cada rgo do sentido (corpo) interroga

    o objeto sua maneira maneiras autnticas. legtimo colocar

    a questo: Como podemos perceber o mundo vivido tal como ele

    nos aparece? A resposta parece simples: pela experincia do corpo,pela corporeidade.

    O sentir, o pensar, a subjetividade, a intersubjetividade, a comu-

    nicao, a linguagem esto ali no mundo vivido (pelo corpo). O

    mundo vivido valoriza o contexto histrico-cultural-poltico de

    cada um. Cada um tem seu mundo vivido (o j dado anterior) e deste

    mundo todos tm o que dizer. O mundo da cincia, pelo contrrio,

    diz por todos.

    Neste contexto, Merleau-Ponty refere que toda a experincia

    neste mundo vivido corporal. O autor recupera o corpo esquecido

    pela losoa clssica e coloca nele o fundamento de todo o conhe-

    cimento. O corpo aqui entendido no apenas como mecnico ou

    biolgico, mas como corpo animado por relaes imaginrias com

    o mundo1. O corpo a origem e a natureza de toda a cultura. ,

    na verdade e em ltima instncia, a prpria cultura, por fornecer

    ao homem a oportunidade de viver, de criar e desvendar o mundo.1 Merleau-Ponty, Maurice. Fenomenologia da perceo. (2 ed).So Paulo:

    Martins Fontes, 1999, p. 71.

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    O JOGO E A INFNCIA18

    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    Ele (corpo) no algo passvel como pensamos, mas o que nos

    possibilita que nos coloquemos em contato com os outros e com o

    mundo. Referimo-nos, pois, perceo e conhecimento do mundopelo corpo.

    O mesmo autor desenvolve tambm a ideia de campo fenome-

    nal pela experincia direta do corpo no mundo vivido, aqum dos

    conceitos eu, o outro e as coisas. A relao inseparvel homem/

    mundo faz-se pelo corpo que mostra a conscincia das relaes com

    o mundo. no campo fenomenal quese pode ascender transcen-

    dncia materializada/espiritualizada na contemplao do mundo,

    pelo corpo prprio, pelo corpo experincia.

    Sobre cultura: algumas caractersticas

    A cultura por vezes apresentada como uma selva conceptual2.

    MichelWieviorka

    A histria cultural um campo dinmico e questionvel de

    investigaes, de estudos e teorias. Trilhar uma investigao nestecontexto comprometer-nos-ia a lidar com perguntas delicadas e a

    participar de grande desao. A cultura, tema de grande controvrsia,

    que permeia o mundo acadmico na atualidade encontra em Da

    Dispora Identidades e Mediaes Culturais, de Stuart Hall, uma

    signicativa contribuio para esse debate. Nesta obra, o autordeclara que estamos continuamente em processo de desenvol-

    vimento cultural e que a cultura no uma questo de ontologia,

    de ser, mas de se tornar3. Nessa mesma linha de entendimento, a

    cultura reconhecida como complexa, como uma rea em incessante

    expanso4. No campo antropolgico, cultura um conjunto de

    normas que nos diz como a sociedade pode e deve ser classicada.

    Como bem denomina a antropologia social, cultura a prpriarepresentao da vida social, ou seja, o modo como pessoas de um

    2

    Wieviorka, Michel.A diferena. Lisboa: Edies Fenda, 2002, p. 25.3 Hall, Stuart. Da dispora. Identidades e mediaes culturais. Belo Horizonte:Editora UFMG, 2006, p. 43.

    4 Wieviorka, Michel, op. cit., p. 26.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 19

    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    determinado grupo atua, pensa e modica o mundo e a si mesmo5.

    Trata-se, pois, da legitimidade da prtica humana, imprescindvel

    ao entendimento do fenmeno cultural.Deste modo, torna-se fundamental reconhecer a cultura como

    um estado da prpria presena humana, na sua maior caracterstica,

    j que atravs da cultura que o homem alcana a seu autntico

    signicado6. Na viso antropolgica e social, a cultura subsiste

    na prpria sociedade, oferecendo aos seus membros exemplos de

    conduta.

    imprescindvel compreendermos que atravs das diversidades

    e diferenas que se constri o conceito mais consistente da palavracultura. Na contemporaneidade, deparamos com um conceito

    aberto, mutvel, visto que a cultura, nos dias atuais, encarada

    como elemento fundamental na discusso da vida social. A cultura

    , sobretudo hoje, usada como recurso poltico. Partindo destadenio, defrontamos com a armao de Michel Wieviorka de

    que a cincia e a prtica poltica resultam de um conhecimento

    emprico sobre os atuantes e suas reivindicaes, que devem ser

    levadas em considerao7.Quem elabora uma hiptese necessita alcanar os limites de sua

    experincia e, em esforo de imaginao, de abstrao, comunicar-se

    alm delas8. A procura de novas ferramentas tericas brota tambm

    das provocaes com as quais os estudiosos deparam9.

    , pois, evidente que habitamos numa sociedade complexa, plural

    e desigual, facto este que acaba por originar diversas e singulares

    culturas. Esta diversidade expressa-se de forma lmpida e marcante

    nos dias que se seguem, desaguando numa percetvel desigualdade

    social, que acaba por gerar conitos sociais entre as diferentesclasses, que lutam pela conquista dos seus direitos e pelo respeito

    5 Matta, Roberto. Voc tem cultura?Rio de Janeiro: Jornal da Embratel, 1981,p. 4.

    6 Fernandes, Antnio. Para uma sociologia da cultura. Coleo campo dascincias -4.Campos das letras. Editores, S.A.,1999, p.13.

    7

    Wieviorka, Michel, op. cit., p. 22.8 Hall, Stuart, 2006, p. 16.9 Mattelart, Armand & Neveu, rik. Introduo aos estudos culturais.So

    Paulo: Parbola Editorial, 2004, p. 77.

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    O JOGO E A INFNCIA20

    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    diferena. a partir da divergncia cultural que uma pessoa age-

    lada socialmente ou agela o outro10. O inerente percurso histrico

    da multiplicidade cultural , em si mesmo, o grande problema parase discutir o papel a ser desempenhado pelas polticas pblicas no

    combate s desigualdades fundamentadas em diferentes etnias,

    gnero, geraes, entre outras11.

    Cultura: uma forma dinmica dopensamento e do conhecimento

    Conhecer no o ato atravs do qual um sujeito transformado

    em objeto, recebe dcil e passivamente os contedos que outro

    lhe dar ou lhe impe. O conhecimento pelo contrrio, exige uma

    presena curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ao

    transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante.

    Implica inveno e reinveno12.

    Paulo Freire

    um equvoco ignorar o multiculturalismo e seus visveis por-menores. A questo multicultural merece ser analisada com muita

    cautela. Tendo em vista que o termo ainda carece de conceitos mais

    complexos que nos permitam reetir melhor sobre esta temtica, o

    que nos resta fazer uso e continuar interrogando o prprio termo13.

    importante assinalar que a cultura de uma sociedade ou de

    um grupo essencialmente caracterstica, pois tem peculiaridades

    prprias. o que se percebe em Stuart Hall, quando toma, por

    exemplo, a temtica racismo e declara que o racismo especco em

    cada sociedade, agurando-se de forma pessoal e singular, gerando

    efeitos particulares o que acaba por distinguir uma sociedade da

    outra. Ainda o mesmo autor acresce que os estudos culturais devem

    ser reconhecidos e ensinados no plural e no no singular, tendo

    10 Wieviorka, Michel, op. cit., p. 47.11

    Gonalves, Luiz & Silva, Petronilha. O jogo das diferenas. O multicultura-lismo e seus contextos.Belo Horizonte: Editora Autntica, 1998, p. 32.12 Freire, Paulo. Extenso ou comunicao? (9 ed.). Paz e Terra, 1977, p. 12.13 Hall, Stuart, op. cit., p. 49.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 21

    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    em vista a maneira individualizada e peculiar como cada sociedade

    trata e encara seus assuntos14. , alis, o que bem exemplica Ana

    Canen, quando declara que no adianta desenvolver estratgias paracombater o preconceito contra os ndios se no forem levados em

    conta a complexidade cultural de cada comunidade indgena, com

    suas mltiplas lnguas, seus costumes, suas crenas etc15.

    A teoria cultural teve o seu surgimento a partir da Segunda Guerra

    Mundial, onde a poltica da esquerda usufruiu de um curto apogeu,

    antes de se sumir quase por completo16. As inovadas ideias culturais

    voltavam-se para os direitos civis. Nasce a sociedade de consumo

    onde os media, a cultura popular, as subculturas desencadeiam asforas sociais, atacando as hierarquias sociais e os hbitos tradi-

    cionais de forma satrica. Da decorre uma crescente transforma-

    o, onde um generalizado descontentamento se fez presente. No

    entanto, perspetivava-se algo de positivo ou uma esperana. Havia,

    de um modo geral, uma perceo de que o presente traria consigo

    um novo futuro com innitas possibilidades. Apesar de cultura ter

    tradicionalmente um sentido antagnico ao capitalismo, as inovadas

    ideias culturais adquiriram fora num capitalismo onde a culturase tornava cada vez mais relevante.

    , portanto, necessrio compreender que a falta de crena da pr-

    pria sociedade, as dvidas, as diculdades nanceiras e o nascimento

    do capitalismo foram fatores que desencadearam e exigiram um

    novo olhar que acabou por incidir sobre as desigualdades culturais,

    afetando sobretudo o seu processo de formao17. Deste modo,

    podemos assegurarque as denominadas migraes livres e fora-

    das18so processos que modicam de formao, diferenciando e

    pluralizando as culturas e as identidades culturais de todo o planeta.

    14 Hall, Stuart. Raa, cultura e comunicao: Olhando para trs e para frentedos estudos culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005, p. 18.

    15 Canen, Ana. O multiculturalismo e seus dilemas: Implicaes na educao.Rio de Janeiro: Comunicao e poltica, 2007, 25 (2), p. 95.

    16

    Eagleton, Terry. Depois da teoria: Um olhar sobre os estudos culturais e ops-modernismo.Rio de Janeiro:Editora Civilizao Brasileira.2005, p. 44.17 Wieviorka, Michel, op. cit., p. 49.18 Hall, Stuart, 2006, p. 43.

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    O JOGO E A INFNCIA22

    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    Os recentes surgimentos das identidades culturais caracteri-

    zam-se por duas circunstncias fundamentais: a primeira remete

    para a imagem de armaes culturalmente marcadas, mas poucodiferenciada socialmente. O reconhecimento uma das exigncias

    destas identidades, embora os seus atores s sejam caracterizados

    socialmente de forma vaga; a segunda marcada pelas suas exign-

    cias culturais e reclamaes sociais feita por atores rejeitados, por

    grupos em processo de inclinao social, ou por atores dominantes

    que fazem uso da sua ascendncia sobre a sociedade19. Na atualidade,

    vai vencendo a aspirao pelo novo, em rutura com a tradio e a

    ordem20. Os mediavm marcando um relevante contributo nestaprocura pelo novo, atravs da percetvel e banal publicidade, dos

    programas de entretenimento e do modo de vestir. A globalizao

    cultural, como os demais processos globais, vai alm das fronteiras

    nos seus efeitos. As suas presses lugar/tempo, acelerados pelas

    modernas tecnologias, reduzem os vnculos entre a cultura e o

    lugar21. Apesar de as culturas terem os seus locais, difcil apontar

    as suas origens.

    forte a ideia de que, no perodo industrial ingls, se desenvolveuuma discusso onde a cultura foi considerada como ferramenta

    de reestruturao de uma sociedade invadida pelo mecanismo e

    civilizao dos resultantes grupos sociais como alicerce de um

    conhecimento global. Essa discusso deu origem a uma coerente

    reexo terica, passando a ponderar-se a amplitude da cultura

    no sentido antropolgico, deixando de ser uma considerao cen-

    tralizada numa cultura-nao22para uma abordagem cultural dos

    grupos sociais.Levados por essa compreenso, podemos dizer que

    as concees de cultura diversicam, de acordo com o universo

    sobre o qual incidem, necessitando contemplar as coisas no seu

    prprio contexto histrico23.

    19 Wieviorka, Michel, op. cit., p. 47.20 Fernandes, Antnio, op. cit., p. 19.21

    Hall, Stuart, 2006, p. 36.22 Mattelart, Armand & Neveu, rik. Introduo aos estudos culturais. SoPaulo: Parbola Editorial, 2004, p. 13.

    23 Eagleton, Terry, op. cit., p. 43.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 23

    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    A educao multicultural um direito de todos. Um dos seus alvos

    mais imprescindveis auxiliar todos os estudantes na obteno de

    saberes, habilidades e posturas para uma ao efetiva e democrticadentro da sociedade plural na qual se encontram inseridos, de modo

    a facilitar uma maior e melhor interao entre os diferentes grupos,

    criando uma comunidade que trabalhe para um bem comum24. Neste

    contexto,podemos realar queo multiculturalismo crtico focaliza

    no s a diversidade cultural e identitria, mas tambm os processos

    discursivos pelos quais as identidades so formadas25.

    Visualizamos, nas novas prticas fsicas e desportivas, formas

    dos jovens evidenciarem as suas culturas especcas e respetivasformas de sociabilidade. Neste sentido, podemos considerar que,

    no modo de ser, pensar e fazer do Homem, se encontra a essncia

    cultural de uma sociedade e da sociedade em geral, j que, com a

    globalizao geral, e, em particular, com a globalizao cultural,

    caminhamos para a padronizao e hegemonizao mundial. Neste

    contexto, emerge a ideia de quea formao de uma sociedade de

    leitores a preparao para o autoentendimento para a inquietao

    diante da realidade, para despertar a importncia da interpretao

    e da transmisso do olhar26. por meio desta viso ampla, aberta,

    humana que comea o verdadeiro caminho, o caminho de aceitao e

    de respeito pelas caractersticas prprias de cada grupo ou sociedade,

    entendendo que a diferena acaba por ser uma forma de ganho.

    Neste contexto, imprescindvel considerarmos que a cultura

    local e global se entranham e, por isso, torna-se necessrio que

    reconheamos a cultura do Outro to legtima quanto a nossa,

    apesar das diferenas. Desta forma, aprendemos no s a respeitar

    o Outro como como tambm a conviver em harmonia com o Outro

    e com tudo o que nos envolve. nesta tica que antevemos, com

    esperana, a construo de um mundo mais humanizado.

    24 Bennett apud Gonalves, Luiz & Silva, Petronilha. O jogo das diferenas.O multiculturalismo e seus contextos.Belo Horizonte: Editora Autntica,

    1998, p. 55.25 Canen, Ana, op. cit., p. 96.26 Paiva, Flvio. Eu era assim: Infncia, cultura e consumismo. So Paulo:

    Cortez, 2009, p. 156.

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    O JOGO E A INFNCIA24

    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    Portanto, um equvoco desprezar a cultura passada no presente

    e ignorar, no futuro, a sua forma dinmica e inacabada de ser.

    Antropologia do corpo: uma cinciaao servio da cultura

    A conscincia a funo biolgica crtica que nos permite conhe-

    cer a tristeza ou alegria, sentir a dor ou o prazer, sentir a vergonha

    ou o orgulho, chorar a morte ou o amor que se perdeu27.

    Antnio Damsio

    Nada seria mais compreensvel do que indagarmos sobre a nossa

    prpria existncia, levantando questes que certamente nos leva-

    riam a uma maior perceo de ns mesmos e do meio que nosenvolve. Deste modo, a partir da formulao de algumas questes,

    suscitaremos, aqui, a discusso relacionada com aspetos atinentes

    a ns mesmos, enquanto seres humanos, tais como: Sendo o corpo

    reconhecido como fonte da nossa prpria existncia o que seria a

    nossa vida sem o nosso corpo? Como que nos reconheceramos sem

    o nosso corpo? Sendo o corpo entendido como fonte de experincias

    expressivas e via de contacto com o meio,de que forma vivenciara-

    mos tais experincias e o contacto sem o nosso corpo? O certo que o

    corpo a prpria expresso do ser, a sede da nossa existncia28e

    desta constatao decorre a ideia de que a mente teve primeiro de

    se ocupar de um corpo, ou nunca teria existido29.

    Seguindo essa linha de entendimento, legtimo considerar que

    o ato percetivo uma experincia corporal que estabelece um forte

    elo entre o Homem e o mundo. O Homem um ser incompleto e

    consciente de sua incompletude30,vivendo em busca permanente.

    27 Damsio, Antnio. O sentimento de si: O corpo, a emoo e a neurobiologiada conscincia.Frum Cincia, Publicaes Europa Amrica, 2000, p. 23.

    28 Garcia, Rui. A Evoluo do homem e das mentalidades: Uma perspetivaatravs do corpo. RevistaMovimento,1997, IV, 6, p. 61.

    29

    Damsio, Antnio. O erro de Descartes: Emoo, razo e crebro humano.Frum da Cincia, Publicaes; Europa Amrica. (18 ed.), 1998, p. 18.30 Freire, Paulo. Uma educao para a liberdade. (2 ed.), Textos Marginais,

    1973, p. 9.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 25

    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    No existe Homem sem busca, nem busca sem mundo. Homem e

    mundo se entrelaam, interagem mutuamente, formando um corpo

    consciente. Importa, pois, reconhecer que a existncia do Homemtem tanto a ver com desejo e fantasia quanto com a realidade e a

    razo31.

    A partir do imprescindvel reconhecimento do corpo como ine-

    rente existncia humana foram reclamadas vrias abordagens que

    segmentaram o corpo a m de que pudesse ser melhor representado,

    analisado, discutido e compreendido dentro de cada ambiente

    social e cultural, perspetivando o desenvolvimento do humano e

    da sua mentalidade atravs do prprio corpo32. Com a crescenteimportncia que o corpo vem assumindo, os estudos da imagem

    corporal exigida pela sociedade aprofundam-se, a partir dos seus

    mltiplos componentes e das implicaes tanto ao nvel siolgico e

    psicolgico como social, com o intuito de compreender melhor esse

    fenmeno to antigo e, ao mesmo tempo, to emergente nos dias

    de hoje. Vai-se revelando, pois, a grande importncia da imagem

    corporal, o seu efeito benco no aumento da autoestima e a grande

    inuncia que a nossa prpria imagem exerce sobre aqueles quenos cercam e vice-versa.

    notrio que, com o passar dos anos, o corpo vem sendo dife-

    renciado e valorizado de acordo com as normas culturais vigentes,

    reetindo a sociedade qual pertence. Por outras palavras, a legiti-

    midade do corpo encontra-se efetivamente vergado a uma cultura33,

    onde o novo encontro do Homem com o seu prprio corpo assume

    uma das caractersticas mais relevantes da contemporaneidade.

    Deste modo, podemos assumir o corpo como resumo da cultura,

    pois atesta elementos singulares da cultura na qual se encontra

    inserido. Atravs do corpo, o homem assimila e apropria-se de

    valores, regras e prticas sociais, num processo de inCORPOrao34.

    31 Eagleton, Terry, op. cit., p. 17.32

    Garcia, Rui, op. cit., p. 62.33 Ibidem, p. 61.34 Daolio, Jocimar. O signicado do corpo na cultura. Revista Movimento,1995,

    2 (2), p. 25.

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    O JOGO E A INFNCIA26

    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    Indiscutivelmente, o Homem encontra-se enraizado na cultura,

    j que o que acaba por diferenci-lo das demais espcies a sua

    competncia de produzir a prpria cultura. O facto que a sobre-vivncia da prpria espcie foi a cultura, o que nos permite armar

    que a natureza do homem ser um ser cultural35.

    Sabemos que a imagem corporal um processo contnuo do

    ser desde o nascimento at a morte, sujeito s acomodaes emodicaes do mundo, de acordo com a poca vivenciada. Na

    sociedade atual, o cultivo do corpo torna-se o espelho da prpria

    identidade, sendo visveis as presses culturais e sociais exercidas

    sobre o Homem, presses estas que acabam por lev-lo em buscado corpo perfeito, a m de que possa sentir-se bem e inserido

    dentro dos padres estabelecidos pela prpria sociedade - moda.

    No entanto, muitas vezes, a busca incessante deste corpo ideal

    pode traduzir-se numa grande insatisfao corporal, acarretando

    baixa autoestima e adoo de prticas compulsivas e, at mesmo,

    doentias, chegando, por vezes, a autoagelao: que se oferece

    como provao para dignicar e elevar o homem36.Neste sentido,

    sublinhe-se quea avaliao que cada um faz do seu prprio corpo

    determina sentimentos e atitudes37.

    De uma maneira muito clara, a sociedade contempornea consu-

    mista instiga o corpo a seguir regras e padres determinados por

    ela, com o intuito de escravizar as pessoas a possurem um corpo ideal,

    por ela padronizado, com a nalidade de torn-las compulsivas ao

    consumo. Na incessante busca de modicar ou remodelar o seu corpo

    conforme as exigncias estabelecidas por essa sociedade, o Homem

    passa a rejeitar a sua prpria imagem e procura, a todo custo, ser o

    espelho el desses padres, tornando-se obcecado. E mesmo com essa

    obsesso, muitas vezes, o indivduo no consegue alcanar o objetivo

    35 Geertz apud Daolio, Jocimar, 1995,p. 25.36 Ribeiro, Maria. As marcas corporais: O corpo como depositrio das fantasias

    inconscientes. Reverso, Belo Horizonte, 2010, 32, (60), p. 63.37 Vieira, Ricardo. Resumo da comunicao. Sade e Integrao Social. Corpos,diferenas, incluses e excluses. Leiria: 1. Colquio sobre Decincia Visual,2005, p. 1.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 27

    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    pretendido, o que acaba por gerar uma insatisfao e frustrao total,

    levando-o a comportamentos doentios38.

    consensual que vivemos um momento de uma profunda trans-formao cultural do corpo, onde a aparncia jovem e saudvel se

    encontra em alta. Com efeito, assistimos a uma extrema valorizao

    esttica do ser e cada sociedade constri a sua imagem corporal, ou

    seja, o seu modo particular de ver e sentir o corpo, comprovando-se,

    assim, que a identidade do ser humano inuenciada pela aquisi-

    o da imagem corporal. As imagens esto presentes no nosso dia

    a dia, interferem no processo de signicaes, na construo do

    sujeito, moldando a sua identidade39. Na realidade, o corpo umlugar onde possvel experimentar novas possibilidades de encontro

    consigo mesmo40.

    A cultura corporal do Homem d-se a partir das aes corporais

    produzidas pelo mesmo no decurso da sua histria, atravs das suas

    representaes simblicas, sofrendo alteraes ao longo de sua tra-

    jetria. A mudana na imagem do corporal parte de uma avaliao da

    nova situao comparada com as situaes vividas, vericadas pela

    prpria conscincia41. De facto,o conceito de natureza humana vem se

    alterando e se aproximando de um modelo em que a tcnica se tornou

    o seu eixo norteador42.

    Cada vez mais, os estudos reconhecem queo corpo outrora escon-

    dido, feio e pecaminoso, torna-se nos dias de hoje exposto, belo e apra-

    zvel, continuando contudo a obedecer a normas e regras sociais que

    valorizam a forma, a beleza, a juventude e a competitividade ()43.

    Ento, o Homem submete-se ao desejo do outro e, para isso, humilha

    38 Russo, Renata. Imagem corporal: Construo atravs da cultura do belo.So Paulo: Movimento & Perceo,2005, (6), p. 81.

    39 Lima, Joana. Corpo, identidade e linguagem nas cavernas de MoonPalace. In: Azevedo, Ana; Pimenta, Jos & Sarmento, Joo (orgs.). Geo-graas do corpo: Ensaios de geograa cultural. Figueirinhas, 2009, p. 159.

    40 Nolasco, Scrates. Body Modication: O corpo e a experincia de si nocontemporneo.Revista Mal-Estar Subj.[online] 2006, 6 (2), p. 375.

    41

    Mataruna, Leonardo. Imagem Corporal: Noes e denies. Buenos Aires:Revista Digital, 2004, p. 1.42 Nolasco, Scrates, op. cit., p. 371.43 Vieira, Ricardo, op. cit., p. 6.

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    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    o seu corpo com as mais variadas prticas de agressividade, com a

    nalidade de xar-se como sujeito de uma sociedade padronizada,

    acabando por se perder a/de si mesmo44.Reconhecemos que um ser humano completo uma unidade bio

    -psico-social, qual foi, recentemente relacionada, a dimenso

    ecolgica. Como bem atesta Jocimar Daolio,o corpo humano fruto da

    incorporao natureza/cultura, pois reconhecer o corpo simplesmente

    biolgico consider-lo abertamente como natural. Como conceber

    um corpo natural no atingido pela cultura?45Encontramos resposta

    nas palavras de Santos no se pode esquecer da natureza necessa-

    riamente social do uso do corpo46. Assim sendo, apenas praticvelpensar os novos usos corporais, j que a cultura suscetvel de novas

    ideias e reprodues.

    Sendo o ser humano por natureza corporal e sendo o corpo o ins-

    trumento pelo qual ele assimila e interage com aquilo que o rodeia,

    nada poderia ser mais compreensvel do que alcanar o corpo como

    uma forma cultural de produzir a prpria cultura.

    O corpo: locusprimeiro da comunicao humana.

    A alma respira atravs do corpo, e o sofrimento, quer comece no

    corpo ou numa imagem mental, acontece na carne47.

    Antnio Damsio

    As investigaes recentes lanam para a imponncia do corpo o seu

    grande e inquestionvel potencial de comunicao. Encontramos na

    obraO Corpo Fala,de Pierre Weil & Roland Tompakow, argumentos

    indiscutveis sobre a grandeza da expresso corporal na comunicao

    do Homem com ele mesmo e com o outro. Nesta obra, os autores fazem

    uso de uma tradio antiga onde o corpo dividido em partes (boi,

    leo e guia), a saber: o Boi (Abdmen) caracteriza a vida Intuitiva e

    Vegetativa; o Leo (Trax) designa a parte Emocional e a guia (Cabea)

    44

    Ribeiro, Maria, op. cit., p. 61.45 Daolio, Jocimar, op. cit., p. 26.46 Santos apud Daolio, Jocimar, op. cit., p. 26.47 Damsio, Antnio, 1998, p. 19.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 29

    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    desempenha a Vida Mental (Intelectual e Espiritual). O conjunto

    das trs espcies representaria o Homem: conscincia, domnio dos

    trs inconscientes anteriores, uma vez que a antiga tradio no sedesvincula da psicologia atual e este esquema facilmente se aplicaria

    compreenso corporal, o que resultaria num maior entendimento por

    parte dos leitores, ou melhor, numa maior perceo de si mesmo48.

    No corpo, a linguagem atinge o seu pice. Dentro desta perceo,

    podemos armar que o corpo fonte de expresso e de comunicao

    uma vez que, transmite sinais que podem aproximar ou afastar os

    outros49.Na verdade, expressar-se, expressando o mundo, implica o

    comunicar-se50.O certo que o corpo exterioriza at aquilo que desejamos ocultar

    o que torna impossvel no conceb-lo como a mxima expresso

    humana, como to bemteorizam Pierre Weil & Roland Tompakow:

    o corpo fala o que a mente contm51.Nesta mesma linha de enten-

    dimento, reiteramos quea essncia de um sentimento (o processo de

    viver uma emoo) no uma qualidade mental ilusria associada a

    um objeto mas sim a perceo direta de uma paisagem especca: a

    paisagem do corpo52.

    A autenticidade do corpo como fonte de comunicao to grande,

    to ntima, que o corpo consegue falar atravs do seu silncio, facto

    que nos permite armar que o silncio uma das provas irrefutveis

    de que no existe a no comunicao, poisa linguagem muda das

    atitudes corporais prossegue, constantemente, com toda eloquncia da

    prpria Vida que fala das suas relaes53.

    Ao vivenciar lembranas, emoes e sentimentos, o corpo age e

    reage de acordo com as sensaes, exprimindo, atravs da incorpo-

    rao desse sentir, as mais variadas expresses que podem repre-

    sentar momentos felizes ou infelizes, ou, ainda, sofrer alteraes

    48 Weil, Pierre & Tompakow, Roland. O corpo fala.Petrpolis: Editora Vozes.(20 ed.), 1980, p. 27.

    49 Vieira, Ricardo, op. cit., p. 8.50

    Freire, Paulo. Pedagogia do oprimido. (2 ed.), Porto: Afrontamento, 1975, p. 22.51 Weil, Pierre & Tompakow, Roland, op. cit., p. 72.52 Damsio, Antnio, 1998, p. 16.53 Weil, Pierre & Tompakow, Roland, op. cit., p. 19.

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    O JOGO E A INFNCIA30

    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    instantneas mediante o estado de esprito, j que o corpo acaba

    por ser sugestionado por ou suscetvel ao ambiente, ao momento

    que vivencia. Na realidade, o certo queo corpo discursa sempre noIndicativo Presente,no aqui e agora54, e o que pronuncia pode resistir

    apenas fraes de segundos. , assim possvel concluirmos que o corpo

    exprime as mais variadas e fascinantes noes do comportamento,

    conforme os estmulos.

    imprescindvel, portanto, apreendermos que um simples olhar,

    um acanhado gesto, um esboar de um sorriso, o rolar de uma lgrima

    ou um pequeno movimento dizem mais do que milhes de palavras

    poderiam dizer, porque exprimem o pensar da alma, o sentir, na suamais pura essncia. Nas palavras de PierreWeil & Roland Tompakow,

    esta linguagem silenciosa do corpo que muitas vezes contradiz a palavra

    falada mas diz a verdade nua e crua , (), completamente inconsciente55.

    Aindaos mesmos autoresreferem que o homem um ser alta-

    mente perceptivo e, certamente, percebe os seus semelhantes. Como no

    haveria de perceber-lhes a diferena entre a atitude favorvel, neutra

    ou francamente desfavorvel ao seu Eu? E de que maneira, seno pela

    percepoda linguagem do corpo antes que inventassem as gramticas

    e os dicionrios?56.

    Neste sentido, podemos atestar que o corpo expressa o Eu, profe-

    rindo as palavras que as cordas vocais teimam em no emitir, j que

    a fora da alma contraria esse desejo, na medida em que a urgncia

    de um corpo tem nsia para falar, para quebrar o silncio, fazendo

    valer a aspirao do inconsciente que emerge das profundezas, das

    entranhas, da alma. nessa circunstncia que o Eu surge e pode ser

    diferente do meu ser57.

    Torna-se, pois, fundamental ter uma viso mais alargada sobre a

    comunicao corporal, porque a mente encontra-se incorporada, em

    toda a acepoda palavra, e no apenas cerebralizada58. Em resumo,

    54 Ibidem, p. 67.55

    Ibidem, p. 141.56 Ibidem, p. 39.57 Ribeiro, Maria, op. cit., p. 62.58 Damsio, Antnio, 1998, p. 133.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 31

    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    o corpo s fala a verdade59, talvez porque a sua urgncia ultrapasse

    os limites da coerncia.

    Indiscutivelmente, o corpo parte indissocivel de ns, acom-panha-nos desde o nascimento at a morte, sofrendo alteraes ao

    longo de nossas vidas, e, nesse percurso, defrontamo-nos, por vezes,

    com a satisfao e, mais ainda, com a insatisfao, j que somos

    serem incompletos, em constante busca do nosso Eu. E, ainda, numa

    anlise mais profunda, na busca do Eu exigido e padronizado pela

    sociedade. Neste sentido, possvel armar que o corpo que temos

    e somos resulta da fuso do que inato com o que construdo, do que

    nos dado com o que alteramos, na procura de uma identidade una,

    singular, prpria...60.

    Em convergncia com esse pensamento, visvel quea experincia

    do viver determina dois tipos de processos segundo os quais o Eu se

    reconhece. Um deles pode ser identicado como conscincia primria e

    um outro chamado de conscincia elaborada61.

    Convocando a reexo deAntnio Damsio,o corpo contribui

    para o crebro com mais do que a manuteno da vida e com mais

    do que efeitos modulatrios. Contribui com um contedo essencial

    para o funcionamento da mente normal62. Aqui, podemos conceber

    a importncia que o corpo vem assumindo nos dias que decorrem,

    pois, cada vez mais, as pesquisas aprofundam-se na busca de mais

    compreenso, da complexidade dessa mquina biolgica e dos

    seus surpreendentes mistrios. No entanto, a verdadeira essncia

    dessa compreenso parece singular em cada ser. Ou seja, s atravs

    do mergulho interior, o ser humano capazde se conhecer melhor

    e, assim, consideramos que () perceber a linguagem do corpo mais

    fcil do que escrever sobre ela!63.

    Estamos diante de um corpo que vive vergado perante um universo

    de novas verdades, onde o Eu entra em crise face a cada nova realidade

    exposta pela sociedade, qual pertence, e, na inteno de se sentir

    59 Weil, Pierre & Roland Tompakow, Roland, op. cit., p. 59.60

    Vieira, Ricardo, op. cit., p. 5.61 Nolasco, Scrates, op. cit., p. 375.62 Damsio, Antnio, 1998, p. 234.63 Weil Pierre & Tompakow, Roland, op. cit., p. 42.

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    O JOGO E A INFNCIA32

    CAPTULO I A CuLturA e O COrpO

    parte-integrante desse mundo, ele submete-se ao desejo dos outros

    e no ousa, nem timidamente, expor a sua verdade. Deste modo, o

    corpo acaba por no comunicar a sua mais latente verdade, cedendo vontade de uma maioria, pois teme ser excludo. No h como negar

    que estamos diante de um corpo tmido emissor que tem de dar vazo

    a um corpo recetor, exigido por uma classe dominante, com o ntido

    propsito de fazer parte, de se sentir inteirado.

    Vivemos innitas formas de comunicao e, ao analisarmos a

    comunicao noeixo social, entendemos que o homem tem necessi-

    dade do Outro para se situar dentro de um espao, de um grupo ou de

    uma sociedade. Sabemos tambm que essa via de comunicao d-seatravs da interao do Homem com o Outro, tendo em vista quetodo

    comportamento comunicao e, portanto, inuencia e inuenciado

    por outros64.No entanto, percetvel que o ser humano no pode ir

    alm dos limites estabelecidos pela sua prpria mente.

    Dentro de uma lmpida e profunda viso, proferimos que o expressar

    corporal muito ntimo e, por isso, no aceita condicionamentos

    exteriores. Como exemplo disso, temos a criana que, na sua pureza

    de ser, exala esse expressar na ntegra, pois consegue expor a alma,falando o seu mais autntico sentir, tal como certica Sigmund Freud

    o Eu , primeiro e acima de tudo, um eu corporal65. Assim, impossvel

    no relacionar intimamente o corpo como o primrdio da comunicao

    humana. Portanto, torna-se fundamental que a existncia do homem

    seja reconhecida numa relao ampla, complexa e ntima com a vida66.

    Ainda nesse prisma, acrescente-se que preciso ver a Vida na sua

    linguagem natural, que nasce da prpria percepodireta, para, s assim,

    sentir-lhe a riqueza e harmonia. A linguagem do seu prprio corpo!67.

    64 Watzlawick, Paul; Beavin, Janet & Jackson, Don. Pragmtica da comunicaohumana: Um estudo dos padres, patologias e paradoxos da interao. SoPaulo:Editora Cultrix,2007, p. 122.

    65

    Freud apud Sternick, Mara. A imagem do corpo em Lacan. Belo horizonte:Revista Reverso, 2010, vol.32 (59), p. 33.66 Watzlawick, Paul; Beavin, Janet & Jackson, Don, op. cit., p. 235.67 Weil Pierre & Tompakow, Roland, op. cit., p. 77.

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    33 64

    CAPTULO IIO JOGO, AS BRINCADEIRASE A CULTURA

    2 - O JOGO, AS BRINCADEIRAS E A CULTURA

    Como temos vindo a referir, no quadro da cincia positiva, o

    corpo/corporeidade e o movimento humano so associados ao

    mundo pensado, privilegiando o previsvel, a tcnica a ordemexterna, baseadas em leis e inteno de desempenho. Essa cons-

    truo da cincia em modelos quantitativos traz-nos uma viso

    parcializada do entendimento do movimento humano.

    Pegando nestas constataes e convocando, agora, a escola

    e a educao fsica, vericamos que estas so tradicionalmenteestruturadas em funo do olhar, cognitivo-intelectual, afetivo

    -emocional e motor. No entanto, o mundo cognitivo-intelectual

    o mais trabalhado, pois corresponde ao mundo da razo e da

    cincia. A escola um locusde legitimao da cincia e da razo,

    xando o padro. As questes relativas ao afeto, emoo, ao

    ldico, ao prazer, ao corpo que sente, vive e se manifesta (dados

    pela educao fsica fenomenolgica e pelas artes) no se vericam,

    ou se se vericam esto reduzidos a um mnimo. Assistimos a umaespcie de instrumentalizao dos corpos, o que, na realidade,

    obsta expresso do intrnseco, daquilo que a criana/jovem tem

    dentro de si, parecendo esquecer-se que todo o espao e o tempo

    de criao so do campo da interioridade.

    Slvio Santinquestiona essa viso moderna do movimento

    humano, ao elogiar o sujeito/objeto, a matemtica, as frmulas,

    (controlo social) perguntando como se pode pesquisar a vida ou

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    O JOGO E A INFNCIA34

    CAPTULO II O JOGO, As BrinCAdeirAs e A CuLturA

    a fenomenologia do vivo? Como decifrar a sua mensagem? Como

    decifrar a linguagem da corporeidade?1

    Neste contexto, eleva a defesa do conhecimento feito direta-mente, sem leis, medies, onde brincar, jogar e movimentar-se

    so expresses de liberdade, criatividade, imaginao, originalidade,

    esttica e arte. Em poucas palavras, dir-se-ia ser este o mundo

    vivido pela expresso fenomenolgica. O fenmeno aquilo que

    se oferece observao e prtica pura (ver, alcanar), sem

    desvios, preconceitos, crenas. Em contrapartida, sublinhe-se, o

    positivismo um sistema de crenas.

    O movimento humano constitui-se, assim, como dilogo doHomem com o mundo expresso na intencionalidade (que diferente

    de inteno) e na totalidade. Importa, pois, descrever a essncia,

    atravs da reduo fenomenolgica dadora de signicados mate-

    rializados e espiritualizados na inteno, essncia, subjetividade,

    intersubjetividade, experincia e situao vivida.

    Este facto, como temos vindo a referir, contrrio ao movimento

    visto do ponto de vista cientco (tcnico), das regras, normas,

    padres, onde a experincia vivida, sensvel, ldica ou do jogoparece ter uma importncia dispensvel. Esta a maior crtica

    cincia positiva que oferece como base de investigao a anlise

    emprico-analtica e que tende a reduzir a realidade quanticao,

    percecionando o corpo que se desloca no tempo e no espao, a partir

    de uma viso, anlise compreenso a partir do nmero e da frmula.

    Neste contexto, Merleau-Ponty formula tambm uma crtica

    cincia, ao dizer que todo o universo da cincia construdo sobre o

    mundo vivido, mundo onde fazemos as nossas relaes e tomadas

    de decises mais signicativas pelo sentir e perceber o mundono estdio originrio, mundo este que deve ser a nossa primeira

    experincia e a cincia a segunda2.

    O mesmo autor procura encontrar uma alternativa ao mundo

    pensado, apresentando o mundo da experincia primeira que

    1

    Santin, Slvio. Educao Fsica: Uma abordagem losca da contempora-neidade.Iju: Uniju, 1992, p. 47.2 Merleau-Ponty, Maurice. Psicologia e pedagogia da Criana. So Paulo:

    Martins Fontes, 2006, p. 22.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 35

    CAPTULO II O JOGO, As BrinCAdeirAs e A CuLturA

    subjetiva, transcendental. Faz, ento, o elogio ao retornar, reen-

    contrar e restituir a experincia pr-consciente.

    neste contexto que emerge a defesa do brincar, do jogo e domovimentar-se, tomando como referncia a ideia de parntesis

    (mundo da vida e do vivido), onde se encontra a imaginao, a

    criatividade, a sensibilidade, a autenticidade, a subjetividade, a

    intencionalidade, o sentir, a esttica primeira. Este contexto

    bem diferente do mundo padronizado da razo, onde as crianas

    recapitulam aquilo que os adultos (escola) assim entendem.

    O mundo vivido constitusse, assim, como solo primordial das

    experincias humanas (experincias originais). Neste patamar,Edmund Hurssel refere que o mundo da experincia humana con-

    siderado antes de qualquer tematizao conceptual. O mundo-da-

    vida, o mundo da experincia originria, precede e fundamento

    de todo o pensamento cientco e losco3.

    O mundo da cincia anula o mundo da vida. Ainda no sabem

    que o mundo da vida anterior ao da cincia. Este o nico (puro)

    que existia e foi dominado pela cincia, fechando-se em si mesmo.

    O mundo da vida o mundo das perfeies e imperfeies mani-festado em emoes e afetos. O mundo da cincia o mundo das

    perfeies. A cincia, como reitera, Marleau-Ponty no gosta

    das imperfeies4.

    neste mundo da vida que experienciamos a felicidade, a alegria,

    o brincar, o tempo e o espao.

    Ainda neste domnio, refere-se ao retorno ao sensvel, con-

    trariando a viso losca que sempre duvidou dos sentidos,

    identicando-os como fonte de erros e de iluso. Este retorno

    ao sensvel a forma primeira de existir no mundo e a que nos

    percebemos atravs do nosso corpo. Sensibilidade e intuio esto

    antes da reexo.

    O corpo tem o poder intrnseco de dar existncia humana,expressa na sensibilidade, nas emoes, nos sentimentos, no

    subjetivo que vo traduzir a intencionalidade que se encontra na

    3 Husserl, Edmund.A Ideia de fenomenologia.So Paulo: Textos Filoscos,Edies 70, 1986, p. 17.

    4 Merleau-Ponty, Maurice, 1999, p. 44.

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    O JOGO E A INFNCIA36

    CAPTULO II O JOGO, As BrinCAdeirAs e A CuLturA

    interioridade. Este facto contrrio a uma exterioridade onde o

    corpo se apresenta como mecnico, objetivo e homogneo.

    A criana est (vive), assim, entre uma interioridade e umaexterioridade. No entanto, a escola/educao (fsica) parece sdar, estimular ou propor exterioridade. O prprio brincar, que a

    excelncia onde se mostra intencionalidade, , agora, substitudo

    por ordens vindas de fora exterioridade, baseadas em teorias

    mecanicistas, idealistas, maturacionistas, onde tudo tem um tempo

    e um espao de acontecimento (fases, etapas, progresses, erros a

    evitar, componentes crticas a concretizar coisas da cincia). So

    esquecidos os intervalos subjetivos e intersubjetivos, a perceodo mundo vivido, a relaes sujeito objeto, que constituem um

    mesmo, sem olvidar a dimenso ecolgica a histria, a cultura,

    a identidade

    O movimento humano o Homem todo que age e se movimenta

    com uma intencionalidade e a sua intencionalidade s dele e

    apenas aele diz respeito. As crianas so autores e atores da sua

    ao pela inveno, imaginao, criatividade, signicao, intuio,

    fruio, smbolo, experincia, pr-reexo. aqui que se encontrao segredo de estimular e educar pessoas crticas e emancipadoras5.

    Depois, depois sim, a dimenso ideolgica, poltica e cientca

    podero entrar em cena e, com ela, a viso do movimento como

    coordenao motora, atitudes mecnicas, deslocamentos fsicos,

    articulaes motoras, ngulos biomecnicos-processos siolgicos

    ou energticos, etc.

    No devemos esquecer o facto de que pela passagem por aquele

    primeiro tempo e espao que mais tarde se iro estruturar os gestos

    tcnicos e tticos, a compreenso competitiva expressa no esforo,

    no trabalho, na armao e na superao.

    A criana (e no por aquilo que vai serainda no) um

    sobressalto!

    5 Kunz, Edmund. Movimentizao.Florianpolis: I Congresso de EducaoFsica da APEF, 1988, p. 13.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 37

    CAPTULO II O JOGO, As BrinCAdeirAs e A CuLturA

    A riqueza e a flexibilidade das palavrasjogo e brincadeira: contextos e usos

    Saber por que usamos o mesmo termo em situaes diferentes

    explorar a linguagem em seu funcionamento e, ao mesmo tempo,

    reunir indcios que nos permitiro descobrir as representaes

    associadas palavra jogo6.

    Gilles Brougre

    O que o jogo? Segundo Gilles Brougre, a necessidade de escla-

    recer o conceito no anterior ao uso da palavra; seria at mesmoum transtorno passar sempre por isso antes de a pronunciar; a

    compreenso entre dois interlocutores pode seguir caminhos

    diferentes. O entendimento de cada um depende da diversidade

    de usos e da sua perceo7.

    Na sua marcante obra Homo Ludens, o historiador/antroplogo

    Johan Huizinga dene o fenmeno jogo como sendo uma ao que

    se desdobra dentro de determinados limites de durao e de lugar,

    de acordo com as normas estabelecidas e adotadas, situando-se forado mundo da necessidade. Ou seja, o jogo, num primeiro momento,

    assume um carter ldico (descontrado), embora, muitas vezes,

    durante o seu percurso, se torne uma atividade sria e competitiva.

    impretervel reconhecermos que a denio de jogo constitui

    uma tarefa delicada, devido ao acervo de teorias esclarecedoras

    que lhe vem sendo atribuda, e tendo em vista que esse fenmeno

    resiste a compreenso casual8.

    Jacques Henriot arma que o pensamento sobre o jogo desen-

    volve antinomias que se traduzem, entre outros, pelo fato de que

    mais fcil dizer o que no jogo do que o que ele 9. Seguindo esta

    mesma linha de pensamento, deparamos com a explicao de que

    6 Brougre, Gilles. Brinquedo e companhia,So Paulo: Cortez, 2004, p. 14.7

    Brougre, Gilles.Jogo e educao.Porto Alegre: Artes Mdicas, 1998, p. 23.8 Piaget, Jean.A formao do smbolo: Imitao, jogo e sonho, imagem erepresentao. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971, p. 188.

    9 Jacques Henriot apud Brougre , Gilles, op.cit. 1998, p. 26.

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    O JOGO E A INFNCIA38

    CAPTULO II O JOGO, As BrinCAdeirAs e A CuLturA

    o contrrio do fenmeno jogo a classe negativa, o no-jogo10.

    Tais armaes sobre o fenmeno jogo acabam por desaguar em

    uma carga excessiva e mltipla de signicados, dependendo do seuuso e do seu idioma, arma Huizinga, ao percorrer pacientemente

    innitas lnguas, em busca de melhor apuraruma denio deste

    fenmeno.

    indispensvel, portanto, que haja uma reexo sobre os jogos

    de um modo geral para considerar o jogo da linguagem, j que, para

    analisar um termo, necessrio perceber o seu emprego, no seio

    de diversos jogos, e se torna necessrio que a linguagem se revele

    em si mesma, tomando as formas de existncia em que ela temsentido11. As palavras so atos12.

    Gilles Brougre considera o jogo, nalmente, nada mais doque a denominao usual de emergncia visvel de um trao psico-

    lgico profundo, ou seja, em termos piagetianos, a predominncia

    da assimilao sobre a acomodao13. No h como edicar um

    conceito de jogo, e sim vericar o que se chama de jogo, o fenmeno

    psquico fundamental ao desenvolvimento da criana que permitir

    qualicar, caracterizar os diversos tipos de jogos.O jogo pode assumir inmeros signicados/conceitos. Depen-

    dendo tudo da sua utilizao e da razo dessa utilizao, no pode-

    mos agir como se dispusssemos de um termo claro e transparente,

    de um conceito construdo14. Estamos diante de uma noo aberta,

    polissmica e, muitas vezes, indenida. O uso habitual do termo ou

    da palavra jogo dever ser questionado, estudado e compreendido,

    levando em conta o seu prprio exerccio, ou seja, para conceituar

    o jogo preciso delimit-lo, j que o mesmo pode adotar sentidos

    mltiplos, dependendo dos seus empregos. Por isso, preciso,

    antes de tudo, estar atento ao vocabulrio e sua lgica.

    10 Huizinga, Johan, op. cit., p. 8.11 Kishimoto, Tizuko. Froebel e a conceo de jogo infantil. In: Kishimoto,

    Tizuko (org.). O brincar e suas teorias.So Paulo: Pioneira, 1998, p. 21.12 Witgenstein apud Kishimoto, 1998, p. 15.13 Brougre, Gilles, 1998,p. 25.14 Ibidem, p.14.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 39

    CAPTULO II O JOGO, As BrinCAdeirAs e A CuLturA

    preciso considerar a arbitrariedade da lngua para que ela no

    nos impea de enxergar as suas diferenas, uma vez que atividades

    distintas podem ser designadas atravs do mesmo termo. Exis-tem algumas contradies acerca do jogo que no se atribuem ao

    distrbio dos discursos evocados, mas ao uso do termo jogo sem o

    estudo de seu funcionamento na linguagem15.

    importante, portanto, percebermos que o emprego de um termo

    no uma ao solitria, visto que requer um grupo social para o

    qual este vocbulo faa sentido, pois a palavra empregada deve ser

    minimamente compreendida por parte de cada um. O facto de haver

    jogo em alguma atividade no uma construo objetiva sobre oreal, mas o lanamento de uma hiptese, a utilizao experincia

    de um grupo fornecido pela sociedade, transmitida pela lngua e

    instrumentos culturais16. Nesta lgica, necessrio interpretar o

    jogo de acordo com sua funo cultural17.

    O vocbulo jogo vem sendo frequentemente mencionado e assu-

    mindo mltiplas acees, encontrando-se, cada vez mais, presente

    em nossas vidas. No mundo das telecomunicaes ou dos media,

    por exemplo, assistimos a uma contnua e banal comparao dassituaes polticas a um jogo. Esta comparao atesta a diversidade

    das utilizaes lingusticas que assume a palavra jogo. Aqui, vemos

    claramente que a ideia de jogo no se encontra associada ao prazer,

    diverso e distrao. A exemplo disso, temos os jogos desociedade que representam constantemente a gurao de um

    aspeto da vida da sociedade, quando no esto relacionados a um

    mundo ilusrio18.

    Em alguns grupos de jogos, as analogias surgem e desaparecem,

    vericando-se, assim, uma rede complexa de anidades que se

    associam e se envolvem umas com as outras. imprescindvel

    descrever o uso do jogo para o compreender atualmente, recusando

    constituir antecipadamente uma denio do mesmo. A denio

    do jogo uma tarefa complicada, pois, ao ser pronunciada, ela

    15

    Kishimoto, Tizuko, 1998, p. 17.16 Ibidem, p. 18.17 Huizinga, Johan, op. cit., p. 127.18 Brougre, Gille. Brinquedo e cultura.So Paulo: Cortez, 1995, p. 12.

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    CAPTULO II O JOGO, As BrinCAdeirAs e A CuLturA

    poder atender a vrias nomeaes, mas, apesar de receber a mesma

    designao, tem as suas especicidades. Os innitos fenmenos

    considerados como jogo atestam a complexidade da tarefa dedeni-lo19. Esta complexidade toma uma amplitude cada vez maior,

    quando alguns materiais ldicos so usualmente denominados de

    jogo, outros, brinquedos.

    Na psicologia, a ausncia do conceito jogo destacada por alguns

    psiclogos mais crticos e radicais, j que a psicologia no estuda o

    jogo em si, mas o que realizado pela criana nos comportamentos

    ldicos. O jogo apenas testemunha de um procedimento e do seu

    progresso. No parecer de Gilles Brougre, ela no poder estabelecerum ponto de partida rigoroso, dando-nos uma noo anada,

    cientca, pois faz simplesmente uso do termo, remetendo-o ao

    funcionamento usual lingustico20. Na verdade,s possvel chegar

    a uma compreenso plena do fenmeno jogo ou de um simples

    brinquedo, a partir de suas conexes ulteriores e a situao analtica

    geral da qual se situam21.

    O uso metafrico do jogo tem sido apropriado por vrias ativi-

    dades. Isso possibilita-nos explicar como comportamentos todistintos podem assumir o nome de jogo e esto ligados ao facto

    de que este contraria as atividades diretas e claramente teis e

    fecundas, ou encaradas como tal para a sociedade. Atualmente,

    testemunhamos, nos meios tecnolgicos, um crescimento pro-

    gressivo e signicativo deste gnero de formulao ou discurso.

    O certo que no h tarefas, por mais duras que sejam, que no

    possam servir de razo para o jogo. A denio de jogo deve ser a

    mesma que Immanuel Kant deu a arte: uma nalidade sem m22,

    ou seja, uma execuo que tende a satisfazer-se apenas a si mesma.

    Uma atividade que se torna til e se sujeita como meio, sem m,

    perde o encanto e o carter do jogo.

    19 Kishimoto, Tizuko, 1998, p. 22.20

    Brougre, Gilles, 1998, p. 25.21 Klein, Melanie. Psicanlise da criana.So Paulo: Editora Mestre Jou, 1969,p. 31.

    22 Kant apud Wallon, Henri, 1981, p. 77.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 41

    CAPTULO II O JOGO, As BrinCAdeirAs e A CuLturA

    O fenmeno jogo tem sido alvo de uma constante ateno por

    parte de muitos estudiosos, que buscam, atravs de suas incan-

    sveis investigaes, descrever este fenmeno inseparvel davida quotidiana do Homem, pois a essncia desse fenmeno e a

    abundncia das tarefas nomeadas como tal embaraam o consenso

    a respeito do tema23. O que torna a justicao sobre o jogo ampla e

    abrangente a sua multiplicidade, as suas diversas linhas de inves-

    tigao e os seus incontveis pontos de vista. Por outras palavras,

    fcil identicar o comportamento ldico. Difcil deni-lo24. A

    investigao acerca do jogo aparece como um fenmeno delicado

    ou complexo. Na sua obra Psicanlise da criana, Melanie Kleinrefora essa complexidade, quando arma que, para conhecermos

    o signicado do brinquedo durante o seu estudo, no devemos

    simplesmente tentar compreender os signicados dos smbolos de

    forma isolada, por mais denunciadores que sejam; preciso levar

    em considerao todos os mecanismos e mtodos de representao

    empregados no trabalho onrico, jamais perdendo a vista a relao

    de cada fator isolado com a situao global25.

    Existe uma constante tentativa de descrever e classicar o quedesignamos por jogo. O certo que necessrio apurar o que h de

    anlogo em prticas aparentemente to distintas. Para aportar a

    uma denio exata do jogo, ser necessrio procurar o seu maior

    denominador comum. No podemos esquecer a sua importncia

    afetiva: o jogo fonte de prazer; na sua origem, a palavra traduz,

    exatamente, riso e barulho26.

    Sendo o conceito de jogo um contedo tecido de linhas complexas

    e profundas, torna-se difcil uma designao precisa, mas, quando

    23 Pereira, Beatriz; Palma, Miriam & Ndio, Alberto. Os jogos tradicionaisinfantis: O papel do brinquedo na construo do jogo. In: Condessa, IsabelC. (org.), (Re)aprender a brincar: Da especialidade diversidade.PontaDelgada: 2009, p.103.

    24 Neto, Carlos. A Criana e o jogo: Perspetivas de investigao. In Pereira,Beatriz & Pinto, Antnio (coord.).A escola e a criana em risco - intervir

    para prevenir.Porto: Edies ASA., 2001, p. 2.25 Klein, Melanie, op. cit., p. 31.26 Bandet, Jeanne & Sarazana, Rjane.A criana e os brinquedos.Lisboa:

    Editorial Estampa, 1973, p. 16.

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    42/72

    O JOGO E A INFNCIA42

    CAPTULO II O JOGO, As BrinCAdeirAs e A CuLturA

    se consegue alcanar a sua essncia, deparamos com um universo

    de novas verdades, de relaes entre elas, de uma ordem lgica de

    conceitos.

    O jogo e as brincadeiras comoexpresso cultural

    O jogo mais velho que a cultura, pois a cultura, ainda que ina-

    dequadamente denida, pressupe a existncia de uma sociedade

    humana e os animais no esperaram que o homem os ensinasse

    a jogar. () Os animais brincam, tal como os homens. Bastaobservar os cachorros para se perceber que todos os elementos

    essenciais do jogo humano se encontram presentes nas suas

    alegres cabriolas27.

    Johan Huizinga

    na linha deste pensamento que surge a reexo de que asbrincadeiras so expresses culturais de um povo e, ao mesmo

    tempo, as brincadeiras sustentam a prpria cultura.Portanto, legtimo armarmos que os jogos representam um

    determinado momento histrico, pois, nas marcas de sua existn-

    cia, so ntidas as diferentes inquietaes e tcnicas que os mesmos

    traduzem culturalmente28. A este ttulo, acresce que a civilizao

    surge e se desenvolve como um jogo29.

    Nos anos que decorrem, so claras e profundas as alteraes

    que o brinquedo vem sofrendo, acarretando uma transformao

    desenfreada na cultura infantil. Vivemos diante de uma sociedade

    tecnolgica, que se transforma a todo vapor, onde as aesabusivas e apelativas do mercado desenvolvem um acelerado e

    contnuo processo de transformao na vida das pessoas, modi-

    cando radicalmente os seus hbitos de vida e originando uma nova

    cultura. Diante deste processo, como prever as mudanas futuras?

    27 Huizinga, Johan, op. cit., p. 17.28 Dias, Isabel. O ldico. Educao e comunicao,(8), 2005, p. 125.29 Huizinga, Johan, op. cit., p. 15.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 43

    CAPTULO II O JOGO, As BrinCAdeirAs e A CuLturA

    Nas cartas, como em qualquer exerccio de vidncia30. O futuro

    poder, talvez, carregar consigo traos do presente, mas, com

    certeza, brotaro novas ramicaes e, assim, a cultura assume asua dinmica dentro de cada sociedade e de cada contexto prprio.

    Isso permite-nos considerar que o jogo um produto que, pri-

    meiramente, determina uma cultura, em particular, para, depois,

    atingir a cultura de forma geral.

    O facto que a rutura da economia clssica capitalista pela

    economia empresarial permitiu a apresentao das empre-

    sas como criadoras de consensos e, ao mesmo tempo, da prpria

    identidade social, tanto para o indivduo, quanto para as entidadesprossionais31. Sendo assim, nada seria mais compreensivo do que

    concebermos os mediacomo a mquina transformadora, em parte,

    de todo o processo cultural.

    Este facto acabou por desencadear diferentes situaes no comr-

    cio contemporneo, criando novas oportunidades ldicas, o que

    contribuiu para o aparecimento de uma nova cultura ldica. Deste

    modo, torna-se percetvel que foi atravs da Barbie estimulado s

    meninas o estilo sensual do corpo ou o uso instrumental do corpo,pois o corpo encontra-se ao servio da cultura32. Para Albino

    Lopes &LusReto, a metfora cultural33, acima mencionada, no

    se reduz simplesmente a um fenmeno de tendncia, pois apreende

    a forte inteno de abrir caminho para um novo olhar em relao

    s empresas e s instituies. Ainda, os mesmos autores salientam

    que a antropologia da cultura aponta que a produo de bens pela

    sociedade direciona que, a partir do simblico, a prpria sociedade

    acaba por se estruturar.

    Compreendendo o brincar/jogar como uma necessidade da

    criana, a sua essncia de suma importncia na sua formao

    e no seu desenvolvimento cultural e social. Entendemos que o

    brincar nada mais do que o enriquecimento cultural, j que a real

    30 Brougre, Gilles, 2004, p. 309.31

    Lopes, Albino & Reto Lus. Identidade da empresa e gesto pela cultura.Lisboa: Edies Slabo, Lda, 1990, p. 19.32 Garcia, Rui, op. cit., p. 66.33 Lopes, Albino & Reto Lus, op. cit., p. 24.

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    O JOGO E A INFNCIA44

    CAPTULO II O JOGO, As BrinCAdeirAs e A CuLturA

    cultura se constri atravs da liberdade criativa do ser humano,

    recusando toda e qualquer imposio. Neste contexto,a sociologia

    da criana, jovem disciplina em pleno desenvolvimento, mostra oquanto a infncia varia segundo os contextos, o quanto ela deriva,

    no de uma essncia intemporal, mas de uma construo social, tanto

    no nvel das representaes quanto no das condies reais de vida34.

    Neste sentido, reconhecemos o brincar/jogar como uma aprendi-

    zagem sociocultural, que vai se vai reestruturando e acomodando,

    conforme as peculiaridades do meio, ou seja, o contexto no qual a

    criana se encontra inserida o seu maior determinante cultural.

    Este facto permite-nos antecipar que, antes de ser atingida pelacultura global, a criana invadida pela cultura local e que o modo

    como os grupos se organizam socialmente o melhor caminho

    para a compreenso da transmisso cultural.

    A este ttulo, podemos acentuar que,na sua brincadeira, a criana

    no se contenta em desenvolver comportamentos, mas manipula as

    imagens, as signicaes simblicas que constituem uma parte da

    impregnao cultura qual est submetida35.

    Os jogos so reconhecidos como elementos constantes da culturahumana, que adota formas innitas e diversicadas de acordo com

    o prprio contexto cultural36. E reconhece a forma universal do

    jogo, designando-o como um elemento inseparvel do Homem. Tal

    como confere Gusdorf, quase impossvel conceber na existncia

    humana a ausncia total do jogo37.

    Assim, o estudo do desporto torna-se um considervel campo

    de investigao social, onde nos podemos confrontar com com-

    ponentes que nos ajudem a compreender melhor as aspiraes e

    motivaes humanas e o seu sentido de existncia, visualizando a

    imagem da sociedade atual, como funciona, como enfrenta as suas

    crises, as suas limitaes e as suas incoerncias, na esperana de

    alimentar o sonho de um novo amanhecer.

    34

    .Brougre, Gilles, 2004, p. 14.35 Brougre, Gilles, 1995, p. 47.36 Costa, Silva. Desporto e anlise social. Sociologia, II, 1992, p. 101.37 Gusdorf apud Costa, Silva, 1992, p. 101.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 45

    CAPTULO II O JOGO, As BrinCAdeirAs e A CuLturA

    O jogo, as brincadeiras e a criana:o incio da cultura (ldica)

    O homem no completo seno quando joga, mxima de

    Schiller38.

    Jean Chateau

    Nas primeiras experincias do beb com a me, comea o jogo

    infantil. Atravs de gestos que parecem fazer pouco sentido, h

    uma preparao para a capacidade de andar e de agarrar; dos sons

    vocais que simplesmente estimulam e enfeitiam a criana saira fala; dos rabiscos ir nascer a escrita e o desenho, visto que a

    nalidade do jogo infantil , portanto, utilizar todas as foras nas-

    centes, das quais no pode prever a utilizao posterior39. O beb

    responde somente os estmulos que lhe esto disponveis; se no

    h incentivos, ele no poder responder e aprender como responder

    as novas coisas que surgiro, ou seja, preciso que haja estmulos

    para que a criana desenvolva, na hora certa e de forma natural, a

    linguagem, a motricidade e as relaes afetivas com os outros40.

    Em relao a infncia, provvel que pais afetuosos interajam

    mais com seus lhos e que, quanto melhores forem as atenes,

    maiores sero as possibilidades de observaes e do aprendizado41.

    E no sendo a educao um processo de direo nica, a criana

    imita os pais por terem a certeza que isso ir estimular o aumento

    deste afeto.

    Jacques-Philippe Leyensdestaca, entre as principais funes

    da imitao que dependem essencialmente do contexto social dos

    sujeitos, as seguintes42:

    A imitao pode acelerar a aprendizagem, sobretudo quando as

    respostas a adquirir tm uma fraca probabilidade de ocorrncia

    38 Schiller apud Chateau, Jean, 1975, p. 15.39 Bandet, Jeanne & Sarazana, Rjane, op. cit., p. 22.40

    Bee, Helen.A criana em desenvolvimento.So Paulo: Editora Harper eRow do Brasil Ltda, 1977, p. 69.41 Leyens, Jacques-Philippe. Psicologia social. Lisboa: Edies 70, 1979, p. 53.42 Ibidem, p. 58.

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    O JOGO E A INFNCIA46

    CAPTULO II O JOGO, As BrinCAdeirAs e A CuLturA

    espontnea e, portanto, poucas hipteses de serem reforadas

    positivamente.

    A imitao pode tambm desempenhar um papel de desinibi-o ou, inversamente, de inibio, relativamente a condutas j

    aprendidas,mas habitualmente sancionadas de forma negativa

    ou positiva pela sociedade.

    Finalmente, a imitao pode facilitar o aparecimento de respos-

    tas anteriormente adquiridas e socialmente no sancionadas.

    No se trata aqui de aprendizagem ou de desinibio-inibio e

    falar-se- de um papel de facilitao geral (no confundir com

    a facilitao social).

    Ainda, o mesmo autor acresce que a imitao certamente nomeia,

    com rmeza, um dos meios de inuncia. Se ela no decerto

    inata43, manifesta-se precocemente na vida, aparecendo em todas

    as idades: a criana que no compreende as palavras que lhe so

    transmitidas j capaz de imitar e, ao longo da vida, ir recorrer

    a este processo.

    importante, todavia, compreendermos que o primeiro brin-quedo da criana o seu corpo, j que o beb, ao sorrir agitando os

    membros, encontra, no seu prprio corpo, o objeto das suas brinca-

    deiras precoces44. a brincar a gargantear e olhar-se que a criana

    experimenta brincadeiras funcionais, mas medida que ela recorre

    repetio das suas aes em busca do prazer proporcionado pelos

    movimentos. O efeito do ato torna-se inteno, fechando-se o circuito

    inteno ato efeito45. Nesta lgica, consideramos que,quando a

    criana age sobre o objeto e inicia uma nova reao secundria, num

    contexto de interesse objetivo e de acomodao expectante, por vezes

    de inquietao46, essa ao se denomina jogo, j que a explorao

    do objeto percebido pela criana e no estimula mais interesse.

    43 Ibidem, p. 66.44

    Bandet, Jeanne & Sarazana, Rjane, op. cit., p. 30.45 Dantas, Heloysa. Brincar e trabalhar. In: Kishimoto, Tizuko (org.). O brincare suas teorias. So Paulo: Pioneira, 1998, p. 115.

    46 Piaget, Jean, op. cit., p. 121.

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    ENTRE O MUNDO PENSADO E O MUNDO VIVIDO 47

    CAPTULO II O JOGO, As BrinCAdeirAs e A CuLturA

    O jogo , antes de mais, o lugar de construo de uma cultura

    ldica. A experincia ldica um processo cultural que desempenha

    um papel fundamental no processo de socializao da criana,sofrendo inuncias do meio em que a criana est inserida. real

    que a televiso e os jogos electrnicos apresentam-se como factores

    altamente inuenciadores do jogo simblico da criana e ao mesmo

    tempo como barreira dominante do jogo livre47. E sendo a criana

    um ser ativo, espontneo e criativo por natureza, esse condiciona-

    mento ao jogo livre torna-se prejudicial ao seu desenvolvimento,

    na medida em que atravs da capacidade simblica que ela cria e

    d signicaes ao mundo.Na realidade, o brincar uma atitude tpica da/muito frequente

    na infncia, que acaba por conduzir a criana a um conhecimento

    melhor de si mesmo e do mundo que a rodeia48, presumindo-se,

    com isto, que a atividade ldica est profundamente ligada aodesenvolvimento infantil. , pois, necessrio reconhecer que

    o jogo tem um papel imprescindvel na vida das crianas; elas

    praticam-no de forma espontnea, no necessitam de auxlio. Esta

    experincia ldica vivenciada pela criana imprescindvel paraque ela desenvolva o processo cultural, interacional e simblico em

    toda a sua complexidade. Movida por essa mesma compreenso,

    Peorevela quea criana, quando brinca, transcreve o que chamamos

    de realidade para, assim, recriar o cotidiano49,preparando-se para

    enfrentar a vida adulta de forma livre e criativa.

    Numa viso profunda, podemos considerar queno brinquedo

    os objetos perdem sua fora determinante50, ou seja, a criana

    denomina e utiliza o objeto conforme seu desejo, sua necessidade,

    independente d forma que o v. Alm disso, podemos ates