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IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR 2804 O jornal alternativo “Versus” como objeto de exposição museológica Roberto da Silva Rodrigues 1 Resumo O presente trabalho buscou discutir o jornal alternativo “Versus” como objeto de exposição museológica analisando como as ilustrações presentes nas capas do jornal constituem espaço de representação política de uma época marcada por ditaduras na América Latina e espaço de manifestação e disputa de identidades. Neste sentido, utilizou-se a contribuição metodológica de Ulpiano Bezerra T. de Meneses que propõe a ideia de visualidade para análise de imagens entendidas como artefatos da cultura material. Produzido de outubro de 1975 a agosto de 1979, este periódico brasileiro, com sede em São Paulo, destacou-se por suas peculiaridades jornalísticas, como a publicação de quadrinhos, e pela oposição e resistência ao Regime Militar que estava em vigência no Brasil desde 1964. Foi possível compreender nesta pesquisa o sentido metafórico das ilustrações que em caráter de denúncia constituíram o campo de visualidade de uma cultura de resistência política de grupos de intelectuais e militantes de esquerda contra o Regime Militar Brasileiro. Palavras-chave: imprensa, ditadura, resistência, visualidade, museu histórico. Abstract The present study aimed to discuss the alternative newspaper "Versus" as objects of museum exhibition examining how the illustrations on the covers of the present paper constitute sphere of political representation of an era marked by dictatorships in Latin America and demonstration space race and identity. In this sense, we used the methodological contribution of Ulpian Bezerra T. Meneses proposing the idea of visual image analysis understood as artifacts of material culture. Produced from October 1975 to August 1979, this periodical, based in Sao Paulo, noted for its journalistic peculiarities, such as the publication of comics, and the opposition and resistance to the military regime that was in force in Brazil since 1964. It was possible in this study to understand the metaphorical meaning of the illustrations in the complaint constituted the character of the visual field of a culture of political resistance groups of intellectuals and leftists against the Brazilian military regime. Keywords: press, dictatorship, resistance, visual, historical museum. 1 Mestrando em História Social pela Universidade Estadual de Londrina. [email protected]

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O jornal alternativo “Versus” como objeto de exposição museológica

Roberto da Silva Rodrigues1

Resumo

O presente trabalho buscou discutir o jornal alternativo “Versus” como objeto de exposição museológica analisando como as ilustrações presentes nas capas do jornal constituem espaço de representação política de uma época marcada por ditaduras na América Latina e espaço de manifestação e disputa de identidades. Neste sentido, utilizou-se a contribuição metodológica de Ulpiano Bezerra T. de Meneses que propõe a ideia de visualidade para análise de imagens entendidas como artefatos da cultura material. Produzido de outubro de 1975 a agosto de 1979, este periódico brasileiro, com sede em São Paulo, destacou-se por suas peculiaridades jornalísticas, como a publicação de quadrinhos, e pela oposição e resistência ao Regime Militar que estava em vigência no Brasil desde 1964. Foi possível compreender nesta pesquisa o sentido metafórico das ilustrações que em caráter de denúncia constituíram o campo de visualidade de uma cultura de resistência política de grupos de intelectuais e militantes de esquerda contra o Regime Militar Brasileiro.

Palavras-chave: imprensa, ditadura, resistência, visualidade, museu histórico.

Abstract

The present study aimed to discuss the alternative newspaper "Versus" as objects of museum exhibition examining how the illustrations on the covers of the present paper constitute sphere of political representation of an era marked by dictatorships in Latin America and demonstration space race and identity. In this sense, we used the methodological contribution of Ulpian Bezerra T. Meneses proposing the idea of visual image analysis understood as artifacts of material culture. Produced from October 1975 to August 1979, this periodical, based in Sao Paulo, noted for its journalistic peculiarities, such as the publication of comics, and the opposition and resistance to the military regime that was in force in Brazil since 1964. It was possible in this study to understand the metaphorical meaning of the illustrations in the complaint constituted the character of the visual field of a culture of political resistance groups of intellectuals and leftists against the Brazilian military regime.

Keywords: press, dictatorship, resistance, visual, historical museum.

1 Mestrando em História Social pela Universidade Estadual de Londrina. [email protected]

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1. Visualidade: imagens como artefatos da cultura material

Neste artigo será dedicada atenção às representações sobre memória e

identidade no jornal alternativo “Versus” analisando as ilustrações de capa do periódico

como expressão de visualidade de uma cultura de resistência política. Trata-se de um

dos aspectos de análise metodológica dentro de um debate mais amplo sobre objetos de

exposições e museus históricos. Sendo assim, este texto constitui um diálogo em dois

campos da cultura material, primeiramente a fonte visual representada pelo jornal

alternativo “Versus” entendido também como um objeto de exposição museológica.

A arte gráfica das ilustrações de capa do periódico destaca-se entre as

expressões da imprensa alternativa da época. Em um momento no qual o Brasil passava

pela Ditadura Militar o jornal “Versus” surge na década de 70 propondo a “arte como

arma” estando vinculado à militantes de esquerda, jornalistas e intelectuais, sua

produção constituía uma forma de oposição e resistência ao regime de exceção. Esta

forma de resistência política e cultural pode ser analisada nas imagens de capa do

periódico. A análise destas imagens é realizada tendo por orientação as reflexões de

Ulpiano T. Berreza de Meneses no Texto “Fontes visuais, cultura visual. Balanço

provisório, propostas cautelares” (2003). Como indica Ulpiano, as fontes visuais são

artefatos da cultura material e precisam ser entendidas em sua utilização social de

produção circulação e consumo. Destra forma busca-se situar a análise em uma proposta

de entendimento sobre as fontes visuais na qual:

Não são pois documentos os objetos de pesquisa, mas instrumentos dela: o objeto é sempre a sociedade. Por isso, não há como dispensar aqui, também, a formulação de problemas históricos, para serem encaminhados e resolvidos por intermédio das fontes visuais, associadas a quaisquer outras fontes pertinentes. Assim, a expressão “História Visual” só teria algum sentido se se tratasse não de uma História produzida a partir de documentos visuais (exclusiva ou predominantemente), mas de qualquer tipo de documento e objetivando examinar a dimensão visual da sociedade. (MENESES, 2003, p. 28).

Meneses dimensiona que antes de buscar uma tipologia documental

como eixo da investigação a atenção deve ser dada à problemática histórica que a fonte

suscita. Desse modo considera a análise da imagem não como portadora de um sentido

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em si, mas como instrumento para investigação de aspectos da transformação de uma

sociedade. Este seria um entendimento que extrapola o campo das fontes visuais,

estendendo-se para outros tipos de fontes:

Não se estudam fontes para melhor conhecê-las, identificá-las, analisá-las, interpretá-las e compreendê-las, mas elas são identificadas, analisadas, interpretadas e compreendidas para que, daí se consiga um entendimento maior da sociedade, na sua transformação. (MENESES, 2003, p. 26).

Mas como as ilustrações de capa do jornal “Versus” poderiam ser

problematizadas no campo da cultura visual como propõe Meneses? As ilustrações são

partes constitutivas da expressão de resistência política e cultural de grupos sociais

contra o regime militar brasileiro. Sendo assim é necessário considerar as imagens em

sua materialidade do processo do fazer jornalístico em contexto de censura dos meios de

comunicação. A estrutura deste texto é composta pela apresentação inicial do periódico,

seguida pela análise das imagens das capas, finalizando com um debate sobre como

conceber uma exposição em museu histórico com o jornal “Versus”.

2. A Natureza do jornal alternativo Versus

O Centro de Documentação e Pesquisa Histórica da UEL – CDPH possui em

seu acervo vinte e duas edições do jornal, além de 13 edições especiais de campanhas

sindicais e versões em quadrinhos. O jornal “Versus” foi um periódico paulista da

imprensa alternativa que circulou de 1975 a 1979. Segundo o pesquisador Bernardo

Kucinski:

[...] o núcleo inicial e fundador de Versus era composto por Marcos Faerman, Moacir Amâncio, que trabalharam juntos no jornal alternativo Ex; por Omar de Barros Filho e João Vieira. Sem capital inicial o grupo assina promissórias na gráfica de Pinheiros e lançam o primeiro número em outubro de 1975, a eles viria se juntar Caco Barcellos, que com Omar de Barros Filho, foi um dos fundadores da Cooperativa de Jornalistas de Porto Alegre, a Coojornal. (KUCINSCKI, 1991).

“O Jornal era produzido em formato tabloide, com folhas em tamanho de 37

cm por 55 cm, com quarenta e quatro páginas em média. As capas são coloridas e as

matérias em branco e preto”. (RODRIGUES, 2011, p. 21). O improviso parece ser uma

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característica da administração inicial de “Versus”, produzido sem capital, sem empresa

e equipamentos como afirma o pesquisador Jeferson Cândido.

Reunido com um pequeno grupo, entre os quais Moacir Amâncio, Vitor Vieira e Omar de Barros Filho, Marcos Faerman lança, em outubro de 1975, o jornal Versus. Editado em São Paulo, o jornal era produzido sem capital, sem empresa e sem equipamentos, com periodicidade bimestral. Cerca de dez jornalistas fizeram parte do núcleo inicial, ao qual se juntou posteriormente Paulo de Tarso Venceslau, que implantou uma administração, contatou distribuidoras e organizou o jornal. Cerca de um ano depois de lançado, no n.7 (dez./jan.1977/78), Versus passa a ser distribuído nacionalmente pela distribuidora do Grupo Abril e, a partir do n.8 (mar.1977), torna-se mensal. (CÂNDIDO, 2008, p. 48).

Os jornais alternativos, categoria na qual se insere “Versus”, tiveram boa

margem de produção no Brasil durante o Regime Militar na década de 70. Neste caso

podemos dizer que a política por meio do jornalismo constituiu uma forma de

resistência e denúncia da repressão, censura e perseguição política, também a atividade

jornalística nos alternativos foi um recurso que intelectuais de esquerda perceberam

como espaço para debate e circulação de ideias.

Esta característica dos alternativos deveu-se também por suas vinculações

com grupos políticos de esquerda em oposição ao Regime Militar. O jornal “Versus” é

expoente de um formato de produção jornalística na qual podemos citar outros

exemplos conhecidos como Pasquim, Movimento, Opinião, Poder Jovem, A Tarde. Etc.

(RODRIGUES, 2011, p. 17), geralmente vinculados a organizações de esquerda em

estratégias defensivas, as possíveis dentro de uma ditadura.

No surto alternativo brasileiro dos anos 70, a imprensa alternativa portadora de um projeto nacional articula-se às organizações de esquerda dentro de estratégias predominantemente defensivas, as estratégias possíveis numa ditadura. Por outro lado, o impulso decisivo da empreitada alternativa não é o político, e sim o jornalístico. (KUCINSKI, 1991, p 38).

Como expoente da imprensa alternativa uma das principais dificuldades

para sua produção e circulação estava no fator econômico. Inovações tecnológicas como

impressões em off-set, de custo menor, concorreram para o surgimento dos alternativos.

A sede do jornal “Versus” localizava-se na Rua Oscar Freire, nº 2271, Em Pinheiros,

São Paulo.

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O baixo custo da impressão off-set e o serviço de distribuição implantado pela Editora Abril estimularam o surgimento de jornais alternativos com projetos nacionais. Para isso, entretanto, necessitavam de uma triagem mínima de 25 mil exemplares, sabidamente um número invendável, além de ter que deixar com a distribuidora 40% da receita. Se um sistema organizado de assinaturas e contando com pouca ou nenhuma receita publicitária, o privilégio nacional era sinônimo de prejuízo. (CÂNDIDO, 2008, p 23).

Quem tiver a oportunidade de conhecer o jornal irá deparar-se com um

periódico de muita beleza e sensibilidade estéticas e culturais, grande riqueza temática e

compromisso contra as injustiças sociais. Estas características, portanto, dotam

“Versus” de uma peculiaridade que extrapola o campo da imprensa oficial destacando-o

também da imprensa alternativa.

De visual dramático, transmitindo ao mesmo tempo beleza e tensão, valendo-se de todos os recursos, do quadrinho à foto, Versus difere de tudo o que já havia sido feito antes na imprensa alternativa. Com a capa em couchê e as cores, sempre forte e atraente, Versus era também um objeto bonito, uma iconografia da política e da história. Um de seus principais artistas gráficos vivia assumidamente a cultura da droga, e valia-se das experiências como novos modos de percepção para a criação gráfica da revista. (KUCISKI, 1991, p. 194).

De alguma forma, o jornal apresenta em suas páginas elementos de debates

acadêmicos que afloravam no momento e que rendiam influencias na concepção e no

fazer jornalístico. Desse modo podemos visualizar a influência das correntes teóricas

como a filosofia de Michel Foucault, do existencialismo sartreano, da linguística, etc..

Esta dimensão nos indica o clima filosófico das ciências humanas na época, o que nos

permite qualificar o jornal Versus como um elemento de vanguarda da cultura nacional

já que reúne parte significativa dos problemas formulados por pensadores da cultura

ocidental em seu tempo.

Na dissertação de mestrado de Jeferson Cândido pela Universidade Federal

de Santa Catarina, defendido em 2007, encontramos um importante trabalho de análise

de “Versus”. Em sua obra, Cândido realiza um estudo comparado sobre a ideia de

cultura em “Versus” e na revista oficial do MEC chamada Cultura. Cândido realizou um

importante trabalho de análise documental sobre as características tipológicas do

periódico as quais o autor disponibiliza em anexo na dissertação de mestrado. A

respeito da temática ele escreve:

A temática do jornal era a América Latina: para Faerman, Versus era a continuação da Marcha uruguaia e da Crisis argentina. Era, além de tudo, um jornal bonito, com capa em papel off-set colorida. Publicava histórias em

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quadrinhos, ensaios fotográficos, poemas, contos, reportagens, entrevistas, tudo acompanhado por grandes ilustrações, o que o diferenciava bastante das outras publicações alternativas. (CÂNDIDO, 2008, p. 48).

Jeferson Cândido além de constatar a presença temática de uma América

Latina marcada por ditaduras, da luta dos povos e heróis latino americanos ( aspecto que

pode ser observado nas capas do jornal e em seus artigos e reportagens), analisa também

o que poderíamos chamar de diagramação alternativa; sem hierarquia para os textos

misturados pelas páginas, sem seções, “Versus” é uma inovação para a concepção da

prática jornalística no Brasil.

Um “jornal de reportagens, ideias e cultura”. Assim se intitula Versus ao ser lançado. A partir do n.3 o epíteto passa a ser “um jornal de aventuras, ideias, reportagens e cultura”. Não há seções no jornal, nem mesmo hierarquia para os textos, que se misturam pelas páginas: ao lado de uma reportagem sobre conflitos por terra no estado de Mato Grosso encontramos uma entrevista com Glauber Rocha. Os colaboradores variam bastante: ficcionistas, poetas, professores universitários, mas, principalmente, jornalistas assinam os textos. (CÂNDIDO, 2008, p. 51).

A presença de colaboradores estrangeiros pode ser percebida; Gabriel

Garcia Marques, Júlio Cortazár, Eduardo Galeano. Personalidades que contribuem com

a produção de artigos, ensaios, textos, entrevistas. É o caso da entrevista de Michel

Foucault, “Hospícios, sexualidade, prisões”, na primeira edição, em outubro de 1975,

página 30. Portanto “Versus” era um jornal que incorporava importantes debates sobre

política, literatura, teatro, economia, filosofia, apontando a censura sem enfrentá-la

diretamente. Um jornal para um público definido, militantes de esquerda, intelectuais,

estudantes universitários.

A abertura de Versus para a colaboração estrangeira desdobra-se, por sua vez, em ensaios sobre autores e temas estrangeiros, como, por exemplo, a poesia do russo Alexei Krutchonikh, o teatro de Brecht, a poesia sul-africana contemporânea, a relação entre violência e literatura. Na verdade, os ensaios, assim como as reportagens, por essas particularidades, não deixam de apontar para a censura: embora Versus não sofresse censura prévia, não queria se arriscar publicando textos que afrontassem diretamente o regime militar. (CÂNDIDO, 2008, p. 52).

Segundo Jeferson Cândido a linguagem de Versus opera no plano da

metáfora sobre a situação política do momento. Este aspecto pode ser observado nas

ilustrações das capas e manchetes, nos textos e reportagens que misturam ficção e

realidade passando pela publicação de quadrinhos com temática político-social.

Olhando para o conjunto dos textos, não é difícil percebermos a chave de interpretação para todos eles, sejam reportagens, ensaios, ou mesmo ficções: todos operam no plano da metáfora, são analogias para a situação política

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vivida no momento. Ao lermos um texto que trate do passado de lutas da América Latina, da violência contra seus povos, devemos ler as lutas que se travam no presente, num continente quase todo dominado por regimes ditatoriais. Ou ainda nomes como San Martín, Bolívar, Pablo Neruda, Bertolt Brecht, que devem ser lidos não só a partir do contexto histórico, mas, principalmente, a partir do contexto político. (CÂNDIDO, 2008 p. 53).

O conteúdo do jornal revela uma produção voltada para um público de

escolaridade bem desenvolvida, pois seus textos exigem maior capacidade de

interpretação tanto pelas características metafóricas que já foram apresentadas mais

acima, como também pelo conteúdo temático que inclui debates filosóficos, teorias

econômicas, crítica literária, estudos historiográficos, portanto, um universo de

linguagem entre interlocutores que possuem certo contato com este meio, intelectual e

acadêmico, o que de certa maneira acaba contrariando a iniciativa contestatória do fazer

jornalístico elitista da grande mídia, já que poderíamos dizer que ele apresenta em suas

páginas as ideias da elite acadêmica de esquerda.

Versus, por sua vez, exige de seu leitor a interpretação, a leitura nas entrelinhas. Seu título já comporta múltiplos sentidos: contra as ditaduras, mas, também, contra o capitalismo, contra o imperialismo, contra a história oficial, contra... A cultura e história, aqui, não estão cristalizadas, elas são dinâmicas. Valendo-se de textos escritos no passado, Versus não cessa de apontar o desconforto presente. É preciso estabelecer relações. A inserção nas páginas do jornal de uma peça de teatro inca25 faz com que ela ganhe novos sentidos, não falando apenas de seu tempo, mas também do presente que, por sua vez, já estava lá, prenunciado, e que, portanto, prenuncia um possível futuro. (CÂNDIDO, 2008, p. 72).

Este aspecto acabou gerando divergências entre o corpo editorial já que com

o acirramento das lutas políticas pela redemocratização no Brasil começam a ser

produzidas edições especiais do jornal para distribuição em assembleias, greves e

manifestações operárias o que significou inevitavelmente uma simplificação da

linguagem e do conteúdo. Existiu uma polarização com relação a qual deveria ser a

missão do jornal, os integrantes da equipe de produção que militavam da organização

política Convergência Socialista entendiam que Versus deveria ser um jornal para a

classe operária o que passaria por uma mudança de linguagem e incorporação de

debates políticos mais diretos.

O desfecho dessa polarização resultou em uma ruptura do grupo liderado

pelo idealizador do jornal Marcos Faerman. Para estes, a virada política do jornal

significou um empobrecimento de sua linguagem apresentando-se de forma doutrinaria.

Este aspecto foi apenas um ponto dentre as divergências que se estabelecerem as quais

possuíam também conteúdo político já quem no contexto de abertura democrática que

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se desenhava no Brasil, muitos dos jornalistas ligados à Convergência Socialista

entendiam que a tarefa do jornal era a de contribuir para a criação de um Partido

Socialista.

[...] Nós entendemos que a luta pelo PS através da Convergência socialista chegou a um impasse. Por que a Convergência não conseguiu ficar a altura de sua proposição? Por que outros setores não aceitaram liminarmente (e nisso estavam errados), a proposta de construção de um PS? Seja como for, o isolamento da Convergência é um dado concreto, que ninguém pode ignorar. Mas [...] se a Convergência não consegue ser um pólo de união dos que anseiam por um amplo partido popular, ela, por outro lado, começa a pesar cada vez mais dentro de VERSUS. A tal ponto que, não importa se de uma forma inconsciente, torna-se um fardo a ser carregado. Lutamos dentro de VERSUS para impedir que a definição por uma posição implicasse em uma empobrecimento editorial, na diluição de nossa linguagem, na politização grosseira das questões, na exclusão de outros setores [...] Enfim: quem pode duvidar, a não ser os convergentes mais dogmáticos, que a estreiteza das bases políticas, teóricas e culturaius da Convergência deveria se tornar em camisa-de-força para uma publicação tão indagativa e de vanguarda quanto VERSUS [...] Decidimos não lutar dentro de VERSUS [...] (BARROS, 2007. p 274.)

Com isso o periódico acabou caracterizando-se como um jornal de partido,

seus produtores precisavam dedicar esforços para a tarefa da militância política e da

produção jornalística, intensificaram-se as produções panfletárias para assembleias e

greves operárias que despontavam na região do ABC no fim da década de 70. Nesta

altura, com o rompimento do grupo de Marcos Faermam, e também com a prisão de

editores mais envolvidos com a militância política, já era inviável manter um projeto

editorial com as características de Versus que tem sua última edição em agosto de 1979.

3. A representação do oprimido e as lutas contra opressões

O conceito de representação utilizado no trabalho tem por base o debate que

Roger Chartier desenvolve no Texto O Mundo como representação. Para o historiador,

a história cultural apropria-se deste conceito centrando a atenção nas estratégias

simbólicas que determinam relações e posições que constroem para cada classe, grupo

ou meio um ser-percebido constitutivo de sua identidade. (CARTIER, 1991, p 183).

No percurso histórico de existência do jornal Versus temos um

deslocamento de concepções políticas o que se manifesta na maneira com que a

realidade social é representada. A memória da experiência de viver sob a opressão de

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um regime militar é conectada à processos de longa duração da luta dos povos

representados como aqueles que sofrem dessa opressão na América Latina (Figura 1).

Neste sentido o jornal procura reforçar uma identidade comum que envolve a

exploração pelas classes dominantes, desde os processos de colonização da América

Latina, até as desigualdades sociais sob os regimes de exceção no século XX.

Quando o jornal assume as ideias socialistas e marxistas é que o

deslocamento de concepção se faz mais revelador. Seria a tradição de lutas operárias

sob a liderança de heróis revolucionários europeus o ponto comum da nova perspectiva

identitária que agora passa afirmar a necessidade de transformação social

revolucionária.

Com esse deslocamento, os oprimidos que antes eram representados como

em situação de derrota, sofrimentos e morte, agora são os sujeitos da revolução. A

perspectiva negativa associada à morte (Figura 2) até então, dá lugar a uma perspectiva

positiva (Figura 4) de que por meio da participação política dos oprimidos é possível

modificar as condições sociais. Este deslocamento de alguma forma indica as mudanças

no panorama político internacional, de redemocratização, intensificação de greves e

lutas operárias, é um novo clima que começa a manifestar-se na vida social.

Os heróis latinos americanos, Emiliano Zapata, San Martin, Tupac Amaru,

(Figura 3) agora dão lugar à valorização dos heróis revolucionários marxistas (Figura 5)

como Karl Marx, Rosa Luxemburgo, Leon Tortski, Lênin, que aparecem em outras

edições. As capas das edições passam a conter maior quantidade de informações com

fotografias (Figura 6), textos e menos ilustrações.

Embora o periódico conserve a missão de denúncia e resistência cultural é

possível perceber a centralidade destinada aos temas políticos e campanhas da

Convergência Socialista, como pode ser observado na parte inferior da Figura 6. Estas

modificações podem ser compreendidas também como mudanças de visualidade do

jornal. Com isso os produtores buscam produzir um efeito visual que gere entusiasmo

nos leitores com a ótica positiva.

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Figura 1: capa da primeira edição. Outubro de 1975. Fonte CDPH – UEL.

Figura 2: capa da 5ª edição, agosto de 1976. Fonte CDPH – UEL.

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Figura 3: capa da 3ª edição, março de 1976. Fonte CDPH – UEL.

Figura 4: 21ª edição, maio de 1978. Fonte CDPH – UEL.

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Figura 5: 22ª edição, junho de 1978. Fonte CDPH – UEL.

Figura 6: 25ª edição, outubro de 1978. Fonte CDPH – UEL.

4. Das exposições tradicionais à exposição com o alternativo “Versus”

Uma exposição em museu histórico pode ser entendida como uma das

formas em que o sujeito pode ter contato com o conhecimento histórico. Neste caso ela

deve promover uma reflexão sobre o tempo histórico com auxílio de objetos

tridimensionais e documentos escritos. Segundo Pomian, estes objetos históricos que

sofrem modificações na sua finalidade prática deixam de circular como mercadoria para

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compor as coleções e reservas técnicas dos museus tornando-se semióforos. (POMIAN,

1984 p. 71).

Para Ulpiano Meneses, o museu histórico coleta, preserva, estuda e

comunica documentos históricos no qual o acervo constitui importante fonte para

democratização da experiência e conhecimento humanos. (MENESES, 1993).

Compreendemos hoje que uma exposição museológica é projeção de seus

idealizadores e organizadores e que de alguma forma ela trás em si as concepções

teóricas e metodológicas em sua execução. Deste modo, entendemos que paradigmas de

determinadas épocas influenciam a maneira como a exposição histórica é organizada, os

temas sobre os quais ela apresenta e sobre como o tempo é explicado. Foi preciso todo

um processo de acontecimentos e transformações paradigmáticas para que chegássemos

à concepção de museus históricos modernos.

Letícia Julião aponta com referência em Françoies Choay, que no

contexto da Revolução Francesa é que teria se formado a acepção atual do museu com a

instituição de um aparato jurídico e técnico destinado à preservação do Patrimônio

Francês, com intenções de instruir a nação, difundir o civismo e a história instalando

museus em todo o território francês. (JULIÂO, 2006, pp 20-21).

No caso do Brasil, o primeiro museu surgiu em 1818, o Museu Real, atual

Museu Nacional; o acervo possuía uma pequena coleção de história natural doada pelo

rei D. João VI. Caracterizado pelas pretensões enciclopédicas, os primeiros museus

eram dedicados à pesquisa em ciências naturais, de etnografia, paleontologia e

arqueologia. Tinha como paradigma a teoria da evolução da biologia, base para

interpretação evolucionista social e antropológica incipiente. (JULIÂO, 2006, p. 22).

O século XIX é o período em que surgem grandes museus em diversos

países da Europa que se organizavam dentro da missão de contribuir para a formação de

uma consciência nacional, esta era a ambição pedagógica de formar o cidadão por meio

do conhecimento do passado, este modelo de museu surge com bases teóricas

evolucionistas que vão sendo superadas ao longo do tempo.

É possível dizer que no século XIX firmam-se dois modelos de museus no mundo: aqueles alicerçados na história e cultura nacional, de caráter celebrativo como o Louvre, e os que surgem como resultado do movimento científico voltado para a pré-história, a arqueologia e a etnologia, a exemplo do Museu Britânico. No Brasil, os Museus enciclopédicos, voltados para diversos aspectos do saber e do país, predominaram até as décadas de vinte e

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trinta do século XX, quando entraram em declínio como no resto do mundo, em face da superação das teorias evolucionistas que os sustentavam. (JULIÂO, 2006, p. 22).

É certo que este quadro possui diferenças significativas hoje em dia, embora

seja possível apontar permanências, o século XX foi rico em experiências que

promoveram reformulações paradigmáticas e críticas à diversas correntes de

pensamento que se estabelecem a partir do século XIX sob a perspectiva do progresso

da modernidade. Perspectivas voltadas para o progresso futuro que desencadearam

acontecimentos, traumáticas, catástrofes, rupturas e aceleração na experiência do tempo

vivido. (HARTOG, 2006, p. 272). As reformulações são baseadas em questionamentos

de bases e princípios teóricos que predominaram até então. No caso dos museus, estas

reformulações podem ser entendidas pelo movimento de renovação dos museus, a partir

das ultimas décadas do século XX. (JULIÃO, 2006, p. 26).

No Brasil ainda é muito comum encontrar exposições organizadas dentro de

concepções tradições de compreensão do tempo histórico, é o caso do Museu Histórico

de Londrina. Por concepções tradições falamos de exposições que sintetizam uma ideia

de tempo histórico linear-evolutivo, em que os objetos tridimensionais e a organização

temática configuram noções de progresso social e político. Esta é uma das maneiras de

compreender e produzir significados de como deveria ter sido o passado e o tempo

histórico, embora existam situações em que esta concepção se faz presente, trata-se de

uma opção sobre o que e como expor determinada experiência num museu histórico.

Mas então, o que justificaria a existência hoje de concepções de exposição

histórica de modo tradicional. Duas razões principais: primeiramente a evocações de

memórias e identidades locais ou nacionais de grupos sociais dominantes; segundo, a

importância e o reconhecimento que determinadas exposições adquiriram consagrando

alguns museus como referências científicas e patrimoniais.

No primeiro caso é preciso entender a relação entre a identidade celebrada

nas exposições com os grupos sociais que no presente a ela se referem. No caso de

Londrina, a figura do pioneiro possui importância no imaginário local a respeito dos

desbravadores que iniciaram a colonização da região. Seria o caso de se problematizar a

parcela do cidadão londrinense que identifica seu passado tal como ele é apresentado na

exposição, poderia dizer inclusive que pra muitas isso deva ser algo distante.

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No segundo caso, temos o exemplo do Museu Histórico Nacional. Criado

em 1922, que “rompe coma tradição enciclopédica. Destinado à história e à pátria,

mobilizou intelectuais e teve apoio do Estado. Este modelo de museu foi transplantado

para outras instituições, a implantação do primeiro curso de museologia, organizado por

Gustavo Barroso, contribuiu para este processo de difusão”. (JULIÃO, 2006, p. 22). O

MHN foi paradigmático para a organização dos museus históricos no Brasil, indicando

uma nova fase da museologia, portanto, podemos dizer que o próprio MHN constitui em

si, um patrimônio da cultura brasileira.

Depois dos processos de reformulações na prática museológica é possível,

hoje, organizar exposições que versem sobre temas variados e alicerçados em enfoques

metodológicos múltiplos da teoria da história. Refletir conscientemente sobre tudo isso

é, pois, requesito necessário da organização de uma boa exposição histórica já que não é

possível dissociar exposição histórica e teoria da história.

5. No tempo de Versus: entre a experiência de memória e a identidade de um

jornal alternativo.

No tempo de Versus: entre a experiência de memória e a identidade de um

jornal alternativo, este é o título da exposição que está sendo proposta. Amparada na

ideia de Ulpiano T. Bezerra de Meneses sobre uma exposição como possibilidade de

democratização de experiência e conhecimento histórico, nossa exposição deve

possibilitar o conhecimento histórico do que foi a experiência de um jornal alternativo

no contexto da censura do regime militar, ela destina-se à locação na galeria de mostra

temporária do MHL.

Segundo o historiador Jacques Le Goff, a revolução da crítica documental

no século XX alterou o modo de trabalho dos historiadores com as suas fontes. Os

documentos e os monumentos históricos seriam os materiais sobre os quais se aplicam a

memória coletiva. A concepção a cerca do que seria o novo documento consistiria em

analisá-los enquanto monumentos, compreendendo a sua produção como produto da

sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Sobre

a memória coletiva Le Goff observa que esta se valoriza, instituindo-se em patrimônio

cultural. (LE GOFF, 2003).

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Com o jornal Versus nossa exposição deve possibilitar uma análise do

momento histórico do jornal, de como este momento e seu contexto são representados

em suas páginas. Não se trata de uma reflexão filosófica sobre o tempo, mas de colocar

para visibilidade do público como ele era representado pelos seus produtores. O tempo

histórico é sentido, percebido e representado pelos sujeitos históricos através de

condicionantes sociais, políticos, econômicos, tecnológicos, culturais etc. Sendo assim,

a censura dos meios de comunicação foi um dos determinantes do tempo histórico para

a produção cultural no tempo de “Versus”.

A exposição se organiza em torno de quatro temas: o contexto sócio político

de Versus; censura e a linguagem metafórica no jornal; representação do oprimido e as

lutas contra opressões; a narrativa jornalística: fato e ficção. O jornal deve ser exposto

em vitrines, com as páginas fechadas, revelando apenas a primeira página de cada

edição. Para exploração do conteúdo serão utilizados painéis com reproduções de

matérias, reportagens, ensaios, artigos, etc. O conteúdo dos painéis, além da reprodução

de partes do jornal, contará também com textos de apresentação. Desta forma a

exposição procura reforçar a ideia do objeto histórico exposto nos museus como gerador

de problemas históricos, e não como fetiche a ser cultuado.

6. Considerações finais

Retomando o debate inicial deste texto, as ilustrações de capa do

jornal “Versus” constituíram espaço de disputa, negação e afirmação de identidades. Em

primeiro aspecto os produtores distanciam-se dos padrões jornalístico da imprensa

tradicional abrindo espaço para visualidade de uma cultura de resistência.

No que diz respeito aos processos internos de produção, dentro do

periódico também desenvolveu-se uma disputa sobre o quê e como deveria ser

visualizado. Neste sentido, a características iniciais de representação do oprimido em

situação politicamente desfavorável dá lugar ao sujeito da luta revolucionária.

O periódico contribui para que seja estabelecida outra cultura

jornalística, que veio a ficar conhecida como imprensa alternativa. Combinando beleza

estética e linguagem metafórica, inaugura uma experiência singular na história da

imprensa brasileira. Sendo, portanto, um objeto viável para exposição museológica que

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pode render boas contribuições para democratização da experiência e conhecimentos

humanos.

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