19
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 O JORNAL DIABO COXO (1864-1865) E A EDUCAÇÃO POLÍTICA NO SEGUNDO IMPÉRIO DO BRASIL CZYZEWSKI, Analice (UEM). PERIOTTO, Marcilia Rosa (Orientadora/ UEM). Introdução Apresenta-se neste Seminário do PPE o estudo que será desenvolvido na forma de dissertação de mestrado nos anos de 2013 e 2014. O periódico Diabo Coxo será a fonte histórica do estudo. Este jornal publicado e ilustrado por Ângelo Agostini, redigido por Luis Gama e Sizenando Barreto Nabuco de Araújo, nos anos de 1864 a 1865, circulou na província de São Paulo e era impresso na Tipografia e Litografia Alemã, de Henrique Schroder, com distribuição domingueira. O jornal é uma fonte primária e foi disponibilizado aos pesquisadores pela Biblioteca Municipal Mário de Andrade, da cidade de São Paulo, permitindo que seus exemplares fossem fotografados. No ano de 2005 a Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), lançou em edição fac- similar a íntegra da obra. Ao se tomar as publicações do Diabo Coxo como objeto de estudo pretende-se legitimar as reflexões acerca dos dilemas e contradições da sociedade brasileira à época, a fim de contribuir com as discussões que visam compreender o contexto de elaboração das ideias difundidas naquele período. O objetivo é estabelecer as relações entre o conteúdo propalado pelo jornal e as questões da época, em particular às que diziam respeito à sociedade brasileira, tais como a abolição dos escravos e a luta pela instalação da república, já percebida em algumas províncias. Busca-se demonstrar o seu caráter educativo, visto que sua veiculação suscitou debates entre os leitores devido às críticas endereçadas ao governo imperial e a defesa em favor do estabelecimento da república, por contestar as práticas sociais e econômicas que impediam a adoção do trabalho livre e a libertação dos escravos, condições indispensáveis para o estabelecimento da forma republicana de governo.

O JORNAL DIABO COXO (1864-1865) E A EDUCAÇÃO POLÍTICA NO ... · NO SEGUNDO IMPÉRIO DO BRASIL CZYZEWSKI, Analice (UEM). PERIOTTO, Marcilia Rosa (Orientadora/ UEM). ... das ideias

  • Upload
    buithuy

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

1

O JORNAL DIABO COXO (1864-1865) E A EDUCAÇÃO POLÍTICA

NO SEGUNDO IMPÉRIO DO BRASIL

CZYZEWSKI, Analice (UEM).

PERIOTTO, Marcilia Rosa (Orientadora/ UEM).

Introdução

Apresenta-se neste Seminário do PPE o estudo que será desenvolvido na forma

de dissertação de mestrado nos anos de 2013 e 2014. O periódico Diabo Coxo será a

fonte histórica do estudo. Este jornal publicado e ilustrado por Ângelo Agostini,

redigido por Luis Gama e Sizenando Barreto Nabuco de Araújo, nos anos de 1864 a

1865, circulou na província de São Paulo e era impresso na Tipografia e Litografia

Alemã, de Henrique Schroder, com distribuição domingueira. O jornal é uma fonte

primária e foi disponibilizado aos pesquisadores pela Biblioteca Municipal Mário de

Andrade, da cidade de São Paulo, permitindo que seus exemplares fossem fotografados.

No ano de 2005 a Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), lançou em edição fac-

similar a íntegra da obra.

Ao se tomar as publicações do Diabo Coxo como objeto de estudo pretende-se

legitimar as reflexões acerca dos dilemas e contradições da sociedade brasileira à época,

a fim de contribuir com as discussões que visam compreender o contexto de elaboração

das ideias difundidas naquele período.

O objetivo é estabelecer as relações entre o conteúdo propalado pelo jornal e as

questões da época, em particular às que diziam respeito à sociedade brasileira, tais como

a abolição dos escravos e a luta pela instalação da república, já percebida em algumas

províncias. Busca-se demonstrar o seu caráter educativo, visto que sua veiculação

suscitou debates entre os leitores devido às críticas endereçadas ao governo imperial e a

defesa em favor do estabelecimento da república, por contestar as práticas sociais e

econômicas que impediam a adoção do trabalho livre e a libertação dos escravos,

condições indispensáveis para o estabelecimento da forma republicana de governo.

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

2

A imprensa brasileira, ao participar e provocar circunstâncias no interior do

quadro político e social se fez guardiã da memória das manifestações históricas do

século XIX. Além de sua atuação como um dos instrumentos de partidos políticos ou de

grupos predispostos ao poder, desempenhou ação formativa ao atingir o público leitor,

seja na forma de debate político, seja na forma de conteúdos vinculados ao cotidiano, ou

ainda, no enfrentamento de questões econômicas.

As condições do Brasil à época não permitiam empreender um conjunto de

atividades que o levasse a implantar práticas progressistas já dominantes nas nações

desenvolvidas. Apesar de algumas mudanças materiais já perceptíveis era patente a

negativa em se adotarem medidas efetivamente transformadoras e de alterações na

estrutura de governo. A sociedade, no seu cotidiano, mesclava os costumes progressistas

aos velhos hábitos coloniais, ainda persistentes nos lares e no convívio social.

A classe política e a elite econômica mantinham a aspiração de continuidade do

sistema, embora alguns membros dessa esfera tivessem se manifestado publicamente a

favor de reformas sociais profundas sem, entretanto, alcançar significativo sucesso.

Carvalho (1996, p.286) afirma que o debate sobre o fim da escravidão passou a

movimentar efetivamente os liberais e conservadores a partir de 1860, chegando ao

ponto dos últimos se apoiarem na bandeira liberal. No âmbito social predominava,

portanto, as relações de paternalismo, com crescente cooptação das camadas

intermediárias da sociedade pela elite, ainda que “os industriais e a nova classe média

podiam aliar-se com representantes dos setores agrários mais progressistas para apoiar

ideias reformistas moderadas” (COSTA, 199, p.360).

Dessa forma, o Diabo Coxo, jornal “domingueiro”, no curto tempo de sua

existência, promoveu um debate abertamente opositor às instituições imperiais e às

práticas políticas atrasadas defendidas pelos cortesões do poder. Afirma Vergueiro que:

Nele, o autor desenvolveu muito de sua verve satírica, atingindo sem piedade os políticos e a sociedade de então. Batizando sua publicação com o mesmo título de duas obras literárias de muito sucesso na Europa, publicadas, respectivamente, nos séculos 17 e 18 - El Diablo Cojuelo, do espanhol Luís Vélez de Guevara, e Le Diable Boiteux, do francês Alain René Lesage -, bem como de diversas publicações periódicas européias com as quais devia estar familiarizado, Agostini buscava com ele expressar o seu objetivo primordial de devassar os

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

3

costumes da sociedade que o havia acolhido. Um objetivo que, diga-se de passagem, atingiu plenamente com essa publicação e as muitas outras que lhe seguiram. (VERGUEIRO, 2005).

No sentido de opor-se ao Império e à aristocracia titulada após a independência,

não deu trégua às escolhas feitas por Pedro II para a ocupação dos ministérios, vistas

como equivocadas porque não se media a competência do escolhido, mas apenas o grau

de fidelidade à Coroa.

A defesa do trabalho livre e do fim da escravidão também foi tema que ocupou

grande parte das suas preocupações. A presença de Luis Gama, reconhecido

abolicionista, como redator, corrobora a intenção do jornal em se dar como agente do

progresso, na luta por relações burguesas exigentes da criação de uma classe média e de

adoção do trabalho livre.

Sobressai no corpo do jornal uma quantidade de questões que o tornam uma

fonte interessante para análise histórica, capazes de apontar os conflitos de uma

sociedade perturbada entre o progresso e o atraso. As caricaturas e os comentários que

adornam a crítica social e política expõem com muita clareza as dificuldades

encontradas para o estabelecimento das práticas progressistas e a manutenção de uma

forma de vida avessa às modernizações.

Sua arma preferencial, a caricatura, conquistou o interesse dos leitores que foram

brindados com a possibilidade de vivificarem, com imagens correlatas, os fatos que não

eram vistos diretamente. O exercício educativo resultante da atuação do jornal é o

objetivo a ser alcançado pelo estudo. Embora não se possa delimitar com precisão o

alcance que teve na consciência dos leitores, em razão de maior destaque dado à

província de São Paulo, defende-se a tese de que suas preocupações eram extensivas às

demais províncias brasileiras.

Para expor as reflexões já obtidas serão apresentadas breves considerações sobre

a importância da imprensa no Brasil do século XIX na sua relação com a educação.

Posteriormente apresentar-se-á análise relativa à primeira edição do jornal, visto como

uma expressão dos embates travados no Império por forças em oposição, conservadoras

e progressistas.

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

4

A Imprensa como aliada do processo educativo no Brasil do século XIX

A imprensa, como uma fonte reconhecida no campo da historiografia

educacional contribuiu, no decorrer da sua história e da história do Brasil no século XIX

para circunscrever a história da educação, por estar diretamente relacionada aos

acontecimentos cotidianos da sociedade brasileira. A formação dos brasileiros pode

receber da imprensa, com seus acertos e suas mazelas, uma atenção redobrada dos

intelectuais, cuja importância já havia sido demonstrada no primeiro jornal brasileiro, o

Correio Braziliense, fundado em 1808, por Hipólito da Costa1.

Lustosa (2003) contribui para a compreensão da importância da imprensa e sua

efetiva relação com a educação, justificando assim o impacto provocado pelo jornal

Diabo Coxo:

[...] Num tempo em que o acesso à educação era tão menos democrático, em que vivíamos a mudança do mundo a partir das ideias disseminadas pelo Iluminismo ao longo do século anterior, a imprensa se firmara como um importante difusor das chamadas luzes. Naquele contexto, o jornalista se confundia com o educador. Ele via como sua missão suprir a falta de escolas e de livros através dos seus escritos jornalísticos. (LUSTOSA, 2003, p.15).

Cumpre destacar que a caricatura veiculada pelo periódico tornou-se um veículo

rápido e eficaz para disseminar e denunciar as lutas políticas do Segundo Reinado e

início da República. Ultrapassando este aspecto, ao retratar o viver urbano da província

paulista e possibilitar a crítica tornou-se um agente moralizador. De acordo com

Gallotta (2007, p. 6) “A partir do nascimento do Diabo Coxo, os jornais humorísticos

assumem outras dimensões, inclusive identificando-se como “jornais domingueiros”

buscando no cotidiano da cidade seu principal meio de atuação”.

Para Cagnin o Diabo Coxo que:

Dava início a uma verdadeira militância na política brasileira, da qual não se afastou até o fim de seus dias, vergastando impiedosamente os homens públicos e a sociedade com suas corrosivas e irreverentes

1Hipólito José da Costa (1774-1823) jornalista brasileiro, fundador do Correio Braziliense, considerado o primeiro jornal brasileiro. Circulou de junho de 1808 a dezembro de 1822. No Brasil ele é considerado o patrono da imprensa.

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

5

caricaturas, que até então eram desconhecidas como arma de combate. (CAGNIN, 2005.p, 16).

A dinâmica social, com seus movimentos, fatos e acontecimentos, eram de

difícil compreensão ao povo, pois se não os via senão através de relatos que muitas

vezes, não esclareciam e criavam versões destituídas de veracidade. Diz Cagnin que:

Só nas igrejas, o imaginário sagrado se abria para todos, indistintamente, ricos e pobres [...] Agora podiam ver o Imperador, ainda que distante, conhecer-lhe a fisionomia nos exemplares e as extravagâncias dos nobres, das damas, dos burgueses pedantes que se pavoneavam pela Corte. Fotos já existiam. Foi o Diabreto minucioso de Agostini, indignar- se contra os políticos e suas mazelas, rir-se de suas caricaturas; conhecer os tipos e a moda da Corte e de todo o mundo; viver, como se estivessem presentes, as peripécias da guerra do Paraguai, as infindas indecisões de Caxias à frente das tropas brasileiras, ter algumas vistas dos locais de batalha; ler as primeiras histórias em quadrinhos (Agostini já arriscava suas primeiras "tiras", ainda que imprecisas); receber, ao vivo, as notícias da cidade, através de reportagens, também em quadrinhos, como a do desastre de trem, bem no dia da inauguração da primeira estrada de ferro de São Paulo. Estava correndo demais, 16 km por hora! Conhecer os artistas das companhias estrangeiras que se apresentavam em turnê pela capital da Província. Um milagre! Proporcionado pelo artista e pela litografia. (CAGNIN, 1994, p. 28).

Ao reconhecer a militância desse periódico, bem como o engajamento dos

participantes de sua redação e veiculação, almeja-se estabelecer relações que permitam

compreender o Segundo Reinado e o início da República articulando este entendimento

com, a consolidação dos planos relativos ao ensino e a educação no Brasil.

Nesse sentido, destaca-se a importância da ação do Diabo Coxo neste processo

de transformação, como meio de aproximar a população dos acontecimentos e provocar

nesta o clamor por melhores condições de vida e combater as injustiças sociais que

penalizavam o povo.

Para destacar o caráter educativo desempenhado pela imprensa durante o

processo de sucessão e mudança econômica e social, no século XIX, tomou-se como

objeto de estudo e análise as caricaturas e textos publicados na primeira edição do

Diabo Coxo.

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

6

Sobre os textos e caricaturas publicadas na 1ª edição.

O Diabo Coxo era um jornal pequeno, de 18 x 26 cm, com apenas oito páginas,

quatro ilustrações e quatro textos, escrito por Luís Gama (1830- 1882) e por Sizenando

Barreto Nabuco de Araújo (1842- 1892), irmão de Joaquim Nabuco. Foram publicadas

duas séries de doze números cada, na primeira série não consta a data de edição,

contudo Cagnin, após pesquisa, constatou que o primeiro número foi editado em 2 de

outubro e o último em 25 de dezembro de 1864. A segunda série foi de 23 de julho a 31

de dezembro de 1865.

Os responsáveis pelo jornal utilizavam as ilustrações do italiano Ângelo

Agostini para comunicar de forma humorada aos leitores da pequena São Paulo os

acontecimentos da vida social e política, levando o semanário a democratizar o acesso à

imagem, tornando- a uma forma de comunicação universal. Utilizava-se a técnica da

litografia, uma importante aliada para a comunicação visual, que consistia em:

Desenhar na pedra com um simples lápis, o crayon grãs, espalhar a água forte, que penetrava e corroia apenas a superfície não-graxa, passar a tinta, colocar a folha de papel sobre a pedra, passar o rolo sobre o papel, e a imagem surgia como que por encanto! (CAGNIN, 2005, p.12).

O gênero textual da caricatura até então não era conhecido da população, mesmo

porque o acesso às imagens era privilégio da elite, as obras de artes estavam guardadas

nas mansões e em algumas igrejas. Saliba (2002) diz que:

[...] as representações humorísticas, nas suas inúmeras formas e procedimentos, forjam-se nos fluxos e refluxos da vida, nos tecidos sociais e históricos, de forma que essas atitudes humorísticas são vistas como partes indistintas dos processos cognitivos, pois partilham como o jogo, a arte e o inconsciente, o espaço do indizível, do não dito e, até, do impensado. De forma que podemos entendê-las como um esforço de desmascarar o real, captar o indizível. (SALIBA, 2002, p.22).

Além disso, a caricatura conseguia atingir duramente seu opositor ao utilizar as

forças do cômico, liberando a crítica através do riso. A cidade de São Paulo que recebia

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

7

as primeiras edições do Diabo Coxo era extremamente provinciana e sonolenta, as

atividades culturais eram insignificantes, partiam na maioria das vezes dos estudantes da

Faculdade de Direito. Antonio Luiz Cagnin, autor da introdução da edição fac-similar,

descreve o ambiente cultural de São Paulo da seguinte forma:

Edifícios pequenos, igrejas pobres, casas de taipa, telhados coloniais enegrecidos pelo tempo, rótulas entreabertas, de onde mulheres retraídas, reclinadas no parapeito das janelas espiavam curiosas o movimento das ruas: noites tranquilas, sem sobressaltos, vigiadas pela luz preguiçosa dos lampiões a querosene, embaladas pelas serenatas românticas dos acadêmicos. (CAGNIN, 2005, p.10).

Os transportes à época eram lentos e precários, pediam tempo e esforço para

vencer as distâncias, as notícias chegavam lentas e atrasadas à província, pouco se

dispunha de contato com atividades culturais mais frequentes, esses fatores

contribuíram para que tivesse uma recepção calorosa. Quando de seu lançamento, até o

Correio Paulistano, jornal representante das classes conservadoras e órgão do governo,

saudou o Diabo. Quanto à escolha do nome para o semanário, Cagnin (2005) esclarece:

Era a história de Asmodeu, o coxo, pobre diabo presa a numa garrafa. Libertado por um estudante, concedeu ao jovem o poder de ver, através dos tetos e das paredes das casas, o que se passava com as pessoas no seu interior. Fórmula cômoda de o escritor retratar e satirizar, com espirituosidade, os costumes da sociedade. (CAGNIN, 2005, p.14).

O Diabo Coxo serviu ao propósito de Luis Gama e Agostini para denunciar os

desmandos das instituições políticas, sociais e do trabalho. Desde que começou a ser

publicado, os textos, acompanhados das caricaturas estavam dispostos a difundir pelo

humor a sua oposição à elite, e a tirar da ignorância a cidade que se encontrava afastada

da Corte e do resto do Brasil.

As pessoas, enfim, teriam acesso a outro tipo de programação que ia além das

missas dominicais, festas da Igreja, ou, mais raramente, com a apresentação de uma

peça teatral ou a promoção de um baile qualquer, promovido por parte de algum

burguês. O Diabo causou agitação na política e na economia e contemplou a luta dos

movimentos antiescravagista e antiimperialista. Lustosa (2003) contribui para a

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

8

compreensão da importância da imprensa e sua efetiva relação com a educação,

justificando assim, a afirmação de que o Diabo Coxo teria causado impacto:

[...] Num tempo em que o acesso à educação era tão menos democrático, em que vivíamos a mudança do mundo a partir das ideias disseminadas pelo Iluminismo ao longo do século anterior, a imprensa se firmara como um importante difusor das chamadas luzes. Naquele contexto, o jornalista se confundia com o educador. Ele via como sua missão suprir a falta de escolas e de livros através dos seus escritos jornalísticos. (LUSTOSA, 2003, p.15).

Luís Gama, aliado a Agostini, fez da sátira e do riso armas de ação, pois as

caricaturas revelavam as mazelas e as injustiças sociais com a precisão dos fatos,

marcando o acesso da população em geral aos acontecimentos de uma forma até então

desconhecida na província.

A imagem trazida pela litografia representava um avanço tecnológico muito

importante para a imprensa paulistana e fascinou a população. Ao abrir a possibilidade

de conhecer as questões sociais e políticas, na medida em que passou a difundir notícias

antes restritas a pequena elite, viabilizou a oportunidade de falar dos acontecimentos em

tempo real, permitindo ao público leitor formar uma opinião crítica sobre os fatos. A

citação que segue, sintetiza de forma clara os aspectos abordados pelo jornal e a

militância de Agostini:

[...] a pena de Agostini açoitou a politicagem reinante, retratou tipos humanos (de engraxates a barões), fez reportagens sobre os acontecimentos, condenou a violência policial, fez a crítica das atividades artísticas, riu e fez rir de tudo e de todos. Compôs com tal precisão o dia-a-dia da cidade que nos legou, ao final, um retrato por inteiro ― talvez o documentário iconográfico mais importante e complexo ― do Segundo Reinado. (CAGNIN, 2005, p.18)

Guardadas as diferenças entre a grande massa da população, analfabeta e

desprovida de condições materiais e vivendo à margem da intelectualidade da província,

as caricaturas usadas ineditamente como recurso comunicativo foram abrangentes,

imprimindo caráter educativo justamente por promover a possibilidade de reflexão,

ainda que acanhada, na população.

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

9

A mudança provocada pelo jornal, e o reconhecimento do caráter educativo que

a circunscreveu, permitiu que as ideias necessárias ao domínio de classe, do governo e

elite, pudessem ganhar força e consolidassem um tipo de sociedade aberta à afluência

do capitalismo e da sua forma de organização.

No texto publicado na introdução da 1ª edição, pode-se perceber um anúncio

sutil da derrubada dos disfarces, quando descrevia as almas sofredoras e aquelas que se

mantêm intactas, justificando assim sua chegada e a necessidade de estudar os

contingentes sociais: “Oh! Espírito pueril, o estudo desta comedia social te é

necessário”. Em seguida, caracterizava as classes sociais, referindo-se a classe

trabalhadora e aqueles que usufruem e se beneficiam com a exploração da grande

massa, noticiando que por meio das imagens apoiou e deu forças aos menos favorecidos

que sofrem vítimas das mazelas sociais: “Dá-me o teu apoio e eu te darei as forças e os

meios de os pintar, e de os castigar” ( DIABO COXO, 1864,p.2).

Seria pela força e alcance das imagens que o Diabo Coxo provocaria o espírito

crítico das pessoas, com a sociedade retratada caricaturalmente, sem máscaras ou falsas

inferências. Essa ousadia assombrou os homens responsáveis pela política. A partir

daquele momento seria mais difícil acobertar as manobras e a intimidade das relações,

políticas, econômicas e culturais, estariam expostas ao público em geral. A saída do

jornal Diabo Coxo às ruas foi um dos marcos de conexão entre a imprensa e a Educação

no Brasil do Século XIX. Seus idealizadores prepuseram um pacto com a sociedade: “A

imprensa, maior inimiga dos maus, é a única força que encontro na terra para

desmascarar a esses entes criminosos ou ridículos estúpidos ou orgulhosos” (DIABO

COXO, 1864, p.2).

Esse pacto se comprova na análise criteriosa da primeira caricatura. O quadro,

publicado na abertura do jornal, era composto por uma figura com olhar de fogo e era

conduzida por outra bem vestida, de cartola na mão, que recebia seus leitores de forma

elegante e humorada, com uma postura que demonstra a satisfação em retratar o

cotidiano da pacata província de São Paulo sob o estatuto da ironia.

A coluna intitulada IMBECIS trazia comentários referentes à chegada da

sociedade moderna, as modificações inevitáveis apontam as efervescências do período

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

10

deixando evidente a falta de direcionamento político, que se expressava com a formação

de inúmeros partidos, criados sem finalidade específica.

O jornal atormentava também os intelectuais, que pormenorizavam a cultura e a

literatura e não compreendiam seu verdadeiro sentido, chamando-os de “críticos sem

críticas”, ao negligenciar suas opiniões.

Na sucessão dos homens formadores de opinião da sociedade paulista a acidez

do Diabo Coxo atingia os cientistas, descrevendo-os como pretensiosos sisudos e de

opiniões breves, preocupados apenas em exaltar conquistas e privilégios individuais. O

jornal nasceu em meio às ambiguidades trazidas pelo processo de Independência, que

rompeu com a dominação colonial, fez nascer o Estado brasileiro nos moldes da

monarquia constitucional, o que significou a conservação do trabalho escravo e da

aristocracia agrária. Segundo Novais e Mota (1996) os problemas enfrentados derivam

desta dicotomia:

[...] de um lado, a aristocracia da terra obtivera algumas vitórias (manutenção da escravidão e do livre comércio), mas estava fora do poder; do outro lado, o “partido português” sustentava a política da Coroa, mas não lograva articular uma solução para os problemas que o emergente estado Brasileiro demandava. (NOVAIS e MOTA, 1996, p.60).

A luta pela extinção da mão de obra escrava marcou o século XIX e se constituiu

em um dos principais empecilhos ao desenvolvimento do país por ser incompatível com

o sistema de produção capitalista. A abolição do tráfico negreiro em 1850 refletiu

diretamente na economia, já que o dinheiro antes aplicado na compra de escravos

passou a circular na economia brasileira intensificando a vida comercial. Os ares da

modernização chegavam definitivamente ao país. Em 1854 tem-se a primeira estrada de

ferro ligando o Porto de Mauá a Fragoso e no ano seguinte inicia-se a construção da

estrada de ferro Pedro II. O telégrafo chega às terras tupiniquins e as primeiras

concessões das linhas de navegação são abertas. Enfim, as vias do progresso estariam a

se concretizar.

De acordo com Costa (1988) a segunda metade do século XIX pode ser marcada

pela melhora considerável das condições do sistema de transportes, e a substituição das

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

11

tropas de burro e carros de boi pelas ferrovias. Viabilizando o acesso da produção aos

lugares antes inacessíveis ou inviáveis economicamente. Essa mudança gerou um

aumento na produção e a diminuição nos custos, além de liberar a mão-de-obra que

antes se ocupava nesta função.

Pode-se dizer que a nova condição estrutural dos transportes contribuiu para

diminuir a condição servil e a utilização do trabalho livre, pois o dinheiro empregado na

compra de escravos passou a ser empregado pelos latifundiários para contratação de

mão-de-obra dos colonos durante as colheitas, quando o trabalho era mais intenso. Para

Costa, essa forma de trabalho trazia vantagens aos fazendeiros: “O fazendeiro não

necessitava empatar capital na compra de escravos, não era responsável pela sua

manutenção ou saúde e assim, quando o escravo morria, não perdia o capital empatado”

(1988, p.56). A proibição da comercialização de escravos fez o preço deste subir,

tornando a utilização deste tipo de mão- de- obra dispendiosa.

Entretanto, a escravidão no Brasil era uma prática aceita socialmente e não

provocava nenhum tipo de culpa entre as elites. Os raros indivíduos que questionavam a

legitimidade desta prática eram castigados e o curso do sistema escravista era retomado

sem maiores problemas. Os protestos mais acalorados vinham dos próprios escravos

quando organizavam fugas e insurreições, contudo, os homens livres não simpatizavam

com estes movimentos e os combatiam com violência e repressão.

As mudanças que ocorriam nas relações de produção exigiam uma organização

capaz de adequar o Estado e seus aparelhos às necessidades de reprodução do capital.

Esse projeto político foi iniciado pelo Partido Republicano e sua atuação mais eloquente

foi organizada no estado de São Paulo, as ações efetivas partiram especificamente dos

cafeicultores do oeste paulista. Frente a esse novo cenário econômico, surgiu à

necessidade de repensar as relações de trabalho, que até o momento eram

essencialmente servis, a emergência do trabalho livre era urgente e significava o

progresso e a civilização.

Em razão da mudança no âmbito do trabalho, as relações de produção e

dominação também sofreram alterações. Portanto, é justamente, para normatizar essa

nova relação que o Partido Republicano preocupou-se em organizar um aparato jurídico

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

12

que, contemplasse essas novas necessidades. Para sintetizar de maneira clara a questão,

Salles (1986) assinala o papel do Partido Republicano:

A existência do trabalho livre significava o confronto de homens juridicamente livres e iguais no mercado de trabalho para o estabelecimento de uma ação de compra e venda. O aparato jurídico-institucional da sociedade brasileira não estava instrumentalizado para que essa relação pudesse se estabelecer. Tornara-se, pois, urgente reformulá-lo para a nova realidade. Foi esse o papel histórico do Partido Republicano Paulista, construindo um projeto político que continha a proposta de reforma do Estado e seus aparelhos. (SALLES, 1986, p, 119).

O jornal marca sua entrada no campo das discussões políticas, na seção

“CHRONICA”. Entre as caricaturas polêmicas de Agostini e os textos de Gama, que

incansavelmente provocavam a sociedade local, estavam expressas as tensões existentes

daquele cenário, reveladas em estilo próprio de retratar a sociedade:

Como principiar se todos os princípios já foram tomados por esses tantos cronistas conservadores que por aí aparecem à tona dos jornais... Depois da notícia que começamos a dar o que resta tratar? Eleições? Política? E o que é política? Não sei leitores - asseguro-lhes, porém, que frades, médicos, soldados, negociantes, engenheiros... enfim todos nós só desejamos ser políticos. (DIABO COXO, 1864, p.6).

A finalidade do redator era demonstrar a efervescência e a polêmica que as

questões políticas causavam entre os integrantes da sociedade paulistana, apontando

para a divisão existente nos partidos e a falta de uma política nacional definida.

Outro momento significativo referia-se ao dia 10 de setembro, veiculado com o

título de “Cathaclysma commercial”. Para melhor compreender o que foi retratado

nessas imagens, é importante estabelecer relações com as questões do período.

A historiografia demonstra que os altos e baixos sofridos na economia no século

XIX estão vinculados diretamente ao sistema monetário. Desde seu nascimento em

1808, o Banco do Brasil emitia títulos para o governo que já vivia no déficit crônico,

com a desvalorização das ações resultando em crise. A solução para evitar a derrocada

foi à criação de novos impostos que seriam pagos pela população. Para refletir sobre as

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

13

razões do nascimento de uma instituição que já no inicio de suas atividades encontrava-

se em apuros, Chacon (1971) afirma que:

[...] a perseguição dos portugueses na ocasião da Independência, a saída de uma quantidade incalculável de moeda de tôdas as províncias, cuja falta foi logo sentida, e de nenhum modo ser remediada [...] o negócio direto com os estados da Ìndia, e costas de Malabar, e África, porque sendo o seu fundo pela maior parte em moeda metálica, e os efeitos com esta comprados pelo consumo do Brasil, claro fica, que tal comércio, é um esgoto (sic) constante da moeda, que com o tempo deve ser muito ruinoso ao Império, e, finalmente, o excesso constante da importação sobre a exportação, cujo excesso sai do Império em moeda metálica. (CHACON, 1971, p. 54).

Assim, sob o escudo das crises econômicas e coberto de privilégios, o Banco do

Brasil passou a ser a única instituição financeira, depositária dos títulos de crédito, das

riquezas e do dinheiro no Brasil. Sua constituição visava buscar recursos para a

manutenção do Estado Monárquico, feito via emissão de papel-moeda, mesmo nos

momentos em que não possuía recursos internos para tal, fato que gerava um ciclo

inflacionário que de tempos em tempos culminava em crises financeiras. Portugal

cobrou a nossa independência política que foi paga, segundo Chacon (1971, p.56), da

seguinte forma: “Fomos assim obrigados a contrair três grandes empréstimos para

ressarcir Portugal, em 1843,1852 e 1859, por força de convenções que implicaram na

legitimação da nossa Independência política, através do reconhecimento diplomático

português”.

O Brasil crescia desordenadamente gerando por vezes situações caóticas, entre

elas estavam às convulsões provocadas pela bolsa, as principais ocorridas nos anos de

1835, 1851, 1857 e 1864, cuja causa era a aposta desenfreada no desenvolvimento. A

corrida pela compra das ações fazia com que estas subissem vertiginosamente, contudo,

a limitação da produção e a falta da importação impossibilitavam o financiamento

contínuo, fazendo com que as ações caíssem verticalmente na mesma proporção com a

qual atingiram seu ápice. Esse jogo financeiro levava os investidores ao delírio e a

bancarrota ao menor sinal de desconfiança. As regras que guiavam este jogo podem ser

assim descritas:

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

14

[...] bastava mesmo uma crise periférica, para lançar o pânico no Brasil, desde que, aqui, todo o mundo já andava com a pulga atrás da orelha. [...] A inflação, que financiava o Desenvolvimento, sofria periódicas e súbitas retrações, no momento em que se descobria, ou desconfiava, a extensão crescente do perigo. Ocorriam, então, a corrida aos bancos e a venda em massa das ações; ruía a especulação, para recomeçar logo em seguida. No meio de tantos trancos, era difícil, senão impossível, construir algo sólido e duradouro. (CHACON, 1971, p.59).

Como já dito anteriormente, as crises eram cíclicas e após serem superadas

retomava-se o curso do desenvolvimento, as exportações de café, fumo e algodão

cresceram no período de 1857 a 1864. O governo vivia a recessão para recuperar-se,

mas, confiante no desenvolvimento, permitiu que o Banco do Brasil elevasse a emissão

do numerário disponível, até o triplo do fundo que dispunha, abrindo novamente a porta

para a especulação que se propagou rapidamente. O aumento desregrado de novas

emissões bancárias, aliado a baixa do câmbio, retração da circulação e alta taxa de juros,

culminou em uma nova crise financeira comercial.

O jornal Diabo Coxo retratou especificamente a crise ocorrida em 1864, o

pânico generalizado foi demonstrado por caricaturas, imageticamente representando as

pessoas concentradas em frente a uma instituição bancária no intuito de salvar o capital

aplicado. Ele não emite opinião sobre a crise, todavia, ao retratá-la, demonstra que

apesar da compra de ações estarem restrita aos abastados e, portanto, na prática não

mobilizava a opinião pública, a crise demonstra a incapacidade do governo em gerir a

economia de maneira eficiente.

Esta mesma seção abordava também aspectos da vida cultural, destacando o

Teatro Novo, inaugurado naquele ano. O teatro foi trazido ao Brasil pela Companhia de

Jesus por volta de 1565, e usado primeiramente como recurso para ensino da religião e

da moral. Em 1762, ganhou sua primeira sede oficial nos moldes do reino, na Rua São

Bento e recebeu o nome de Casa da Ópera, cujas instalações foram mantidas até o ano

de 1852, quando o governo decretou a sua demolição devido às condições precárias do

imóvel e visto que sua restauração era inviável financeiramente. No mesmo ano foi

apresentado um plano de construção do teatro novo, entregue as mãos do Major

Henrique de Beaurepaire. A sua construção foi lenta e durou seis anos, com o

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

15

lançamento da pedra fundamental em 9 de abril de 1858 e a inauguração, com a obra

inacabada, em 4 de setembro de 1864, recebendo o nome de Teatro São José, em

homenagem os três presidentes da província que se empenharam na edificação- José

Joaquim Fernandes Tôrres, José Antônio Saraiva e José Tomás Nabuco de Araújo. O

Diabo Coxo faz a seguinte descrição, do espaço destinado às apresentações:

A sala é bonita- segundo as regras de acustica dramática- porem não sei se a falta de timpanos- ou abundancia- ou abundancia de buracos torna-a surda- mesmo muito surda. Depois de estarmos na sala, não metemo-nos na critica do edifício vemos desenrolar-se ante nós um mundo todo de ilusões agradáveis. (DIABO COXO, 1864, p.7).

O teatro até a segunda década do século XIX atendia basicamente as

comemorações da coroa portuguesa. A mudança no perfil e na função social do teatro

ocorreu em 07 de setembro de 1822, quando foi realizada a comemoração em razão da

Independência e da aclamação de Pedro I como Imperador. Dessa data em diante e

principalmente após 1827 quando foi fundada a Faculdade de Direito de São Paulo, o

teatro paulistano adquiriu vida nova com a participação prestimosa dos estudantes que

passaram a fazer parte daquela sociedade.

Vinha dos estudantes a paixão e o entusiasmo pelo teatro, a participação era

tamanha que os espetáculos adaptaram-se a datas e horários de modo a não prejudicar o

curso das aulas da faculdade. Apesar disso, as peças teatrais, as tarifas e a administração

de forma geral, estavam a cargo do Governo, que tinha interesse em manter sob seu

domínio o conteúdo apresentado pelas peças teatrais. Os frequentadores do teatro

deveriam obedecer a um regulamento determinado pela Portaria do Governo Provincial

em 8 de agosto de 1850, onde fazia referência ao comportamento e aos trajes adequados

para aqueles que pretendiam frequentar o teatro. Quanto às posturas, comportamentos e

vestimentas, o documento determinava:

[...] ninguém dentro do teatro... poderia dirigir em voz alta palavras e gritos a quem quer que fosse... O regulamento teatral determinava e o espectador não podia apresentar-se descuidado, em trajes de trabalho... “Que se abotoasse, que se compusesse... envergasse a melhor fatiota”. Na plateia, ou a frente dos camarotes, homem nenhum podia sentar-se

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

16

ou aparecer, sem estar de casaca, sobre casaca ou fardado, sob pena de multa... (NETO RIBEIRO (s/d, p.16)).

O Diabo Coxo encerra a 1ª edição demonstrando aos leitores, através de

números, a grandiosidade da companhia de teatro paulistana. A caricatura que

acompanha o texto do jornal Diabo Coxo, demonstra senhores e senhoras bem trajados,

condizendo, portanto com a postura que deveria ser adotada pelos frequentadores.

Considerando, portanto, que para poder cumprir tais regras era necessário dispor de

recursos financeiros, fica evidente que o teatro era uma opção de lazer a qual somente as

elites tinham acesso.

A última caricatura analisada retrata a cidade de São Paulo em dia de festa

religiosa, onde era tradicional a queima de fogos. Ao lado trazia as produções literárias

expostas às moscas com a inscrição “Os críticos entre nós! Serão estes os nossos únicos

leitores?”. Para permitir a compreensão, faz-se necessário contextualizar sobre como se

processava a educação e o ensino no Brasil na época em questão. Destacando que as

tentativas de estabelecer instituições públicas de ensino iniciaram-se com a chegada de

D.João VI ao Rio de Janeiro (1808). Na opinião de Niskier (1989):

[...] os diferentes estabelecimentos de educação pública, criados, em sua maioria, no Rio com grandes sacrifícios e despesas, estão longe de corresponder à sua finalidade e ao objetivo que tiveram em vista seus fundadores. Não se deu a devida importância à instrução primária das classes baixas e médias da sociedade, e os que, nas classes elevadas, sentiam a necessidade de uma instrução mais completa, nem por isso encontraram maiores recursos; continuaram mais ou menos obrigados a ir adquiri-la em Coimbra, ou mesmo na Inglaterra ou na França. (NISKIER, 1989, p.94).

O retrato de obras literárias cercadas por moscas demonstrava o fato da maioria

da população ser analfabeta e os intelectuais formados nas instituições europeias eram

incapazes de observar o contexto vivido no país, o que os fazia serem críticos vazios de

significado e de fazerem críticas aos problemas da realidade nacional.

Para evidenciar as tensões que marcaram o Império no período em que nasceu,

cresceu e sucumbiu, o Diabo Coxo retratou e descreveu a evolução política progressista

do Império. Novamente recorre-se a Prado Junior (1986) que diz:

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

17

[...] no terreno econômico, a integração sucessiva do país numa forma produtiva superior: a forma capitalista. As instituições primitivas com a escravidão, herdadas da antiga colônia, são varridas pelas novas forças produtivas que se vão formando e desenvolvendo no correr do século passado [...] A luta contra estas instituições constitui a evolução democrático- liberal do Império... (PRADO JUNIOR, 1986, p.99)

Ao analisar a primeira edição, percebe-se que apesar das transformações sociais

ocorridas naquele período é necessário considerar sua fase inicial de expansão, portanto,

a precariedade e lentidão ainda eram suas características marcantes, conforme retratado

na caricatura, que traz o seguinte comentário “Vellocidade dos nossos correios”. A

imagem traz um homem que descansa à sombra de uma árvore acompanhado por dois

cavalos que pastam e descansam, deixando claro ao público leitor que a viagem

demandava tempo e disposição para vencer as distâncias e enfrentar as dificuldades

impostas pela geografia e extensão territorial do país. A imagem refletia, claramente, a

lentidão das coisas no Brasil, inclusive o progresso social.

Conclusões e indicativos

A exposição das questões que serão mais profundamente elaboradas no decorrer

da dissertação permite destacar os aspectos históricos fundamentais presentes nas

transformações que marcaram o século XIX e os ecos que trouxeram ao Brasil. O

ingresso do Diabo Coxo na sociedade paulista teve como função principal anunciar as

ações que visavam atender a demanda da sociedade capitalista e a urgência de adotá-las

no Brasil. Era imprescindível o abandono da forma monárquica de governo e da

liberação da mão-de-obra escrava, principais entraves ao desenvolvimento do capital.

Nesse sentido, merece destaque o papel exercido pela imprensa, que encontrou

no Diabo Coxo uma via eficaz para aproximar a população dos acontecimentos,

provocando nessa o clamor por melhores condições de vida, por meio do combate às

injustiças e das impropriedades de um regime social oposto ao progresso.

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

18

REFERÊNCIAS

AGOSTINI, Angelo. O Diabo Coxo. Edição fac-similar. São Paulo: EDUSP, 2005. CAGNIN, Antônio Luiz. Foi o diabo! In:_____. GAMA, Luiz. Diabo Coxo. São Paulo, 1864 –1865. _____. Foi o Diabo! In:_____ Diabo Coxo – 1864-1865. Edição fac-similar. São Paulo: EDUSP, 2005. CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial: Teatro de Sombras: a política imperial. 2. Ed. ver. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Relume Dumará, 1996. CHACON, Vamireh. As Crises Econômicas do império e a Falência de Mauá. Edição 8 de Estudos Históricos. Ed. Departamento de Educação, 1971. COSTA, Emilia Viotti da. A Abolição.4ª. Ed. São Paulo: Global Editora, 1988. _____. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 7. Ed. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. DIABO COXO: São Paulo, 1864 –1865. Redação de Luiz Gama e ilustração de Edição fac-similar. São Paulo. GALLOTTA, B, Ciro. Humor nos periódicos paulistanos: O Diabo Coxo (1864-1865) e o Cabrião (1866-1867). Intercon- Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. São Paulo, 31 ma/ 02 jun. 2007. LUSTOSA, Isabel. O Nascimento da Imprensa Brasileira. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed, 2003. NISKIER, Arnaldo. Educação Brasileira 500 anos de História 1500-2000. 2ª Ed. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1989. NOVAIS, A.F; MOTA, G, C. A. Independência Política do Brasil. 2ª. Ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1996. PRADO, Caio, Jr. Evolução Política do Brasil Colônia e Império.15ª. Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986. RIBEIRO NETO, Oliveira. Os Primeiros teatros de São Paulo. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, nº7. São Paulo, 1969. SALIBA, E. T. Raízes do riso. São Paulo, Ed. Cia das Letras, 2002.

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

19

SALLES, G, Iraci. Trabalho, Progresso e a Sociedade Civilizada. São Paulo, Ed. Huditec, 1986. VERGUEIRO, Waldomiro. O Diabo Coxo, de Angelo Agostini, agora em edição facsimilar. Disponível em: < http://omelete.uol.com.br/quadrinhos/io-diabo-coxoi-de-angelo-agostini-agora-em-edicao-facsimilar>. Acesso em: 19 maio de 2013.