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F omentar a abertura da Escola ao Meio e a integração dos Encarregados de Educação na comunidade escolar, tem sido uma das preo- cupações do corpo docente do Jardim de Infân- cia da Calçada da Tapada em Lisboa. No entanto, apesar de considerarmos que as estratégias desenvolvidas desde há já alguns anos foram positivas, verificando-se um gran- de número de presenças nas várias reuniões convocadas, a adesão às nossas solicitações e, a participação total nas festas, a nossa postura em relação à ligação/participação com as famí- lias, sofreu, nos últimos anos, uma evolução. Já não nos chega só a participação dos pais nas reuniões, festas e convívios, sentimos que cada vez é mais importante dar-lhes conhecimento do trabalho realizado no Jardim de Infância, pois esse conhecimento, tal como é expresso nas Orientações Curriculares «Permite aos pais criar maior confiança no contexto da educação Pré- -Escolar, também, por vezes, para eles desconhe- cido.» Esse conhecimento do trabalho realizado tem sido transmitido às mães em conversas in- formais, quando vêm buscar as crianças ao Jar- dim de Infância e quando há tempo para usu- fruir «o estar». Mas estamos em Lisboa, com todos os pro- blemas inerentes a uma grande cidade – o trân- sito, os transportes, a falta de estacionamento, a falta de tempo. A maioria dos pais trabalha. Todas as crianças almoçam na escola e 38 (em 50) frequentam o Ateliê de Tempos Livres (A.T.L.) Muitas das crianças chegam por volta das 8 horas, muito antes de nós, e partem depois de nós. Sentimos que, mesmo quando a relação é possível, há somente pequenas trocas. As pes- soas têm pressa, não têm tempo para conver- sar um pouco, ver os trabalhos das crianças, ter conhecimento dos projectos que se vão desen- volvendo. Assim, com a intenção de dar a conhecer o que se faz no Jardim de Infância, elaborámos uma pequena brochura que intitulámos «O Li- vro dos Pais». Essa brochura foi entregue na reunião de abertura do Ano Lectivo. Tentámos que, numa linguagem clara, sim- ples e afectiva, estivessem expressas informa- ções práticas e pedagógicas. Como referimos, foi em reunião que foi dis- tribuída a brochura. No entanto, conscientes de que existe uma grande diversidade cultural nas famílias das crianças, fizemos em conjunto uma leitura comentada. Foi a nossa primeira estratégia; utilizar a es- crita para estabelecer outro tipo de ligação com as famílias. Consideramos que foi positiva. No ano seguinte, a brochura foi reeditada e rece- bida com a mesma aceitação. Porque queríamos continuar a implementar uma estratégia sistemática de ligação escrita com as famílias, na brochura vinha expressa a 10 ESCOLA MODERNA Nº 18•5ª série•2003 O Jornal Escolar na Educação Pré-Escolar Ana Oliveira* * Educação Pré-Escolar.

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Fomentar a abertura da Escola ao Meio e aintegração dos Encarregados de Educação

na comunidade escolar, tem sido uma das preo-cupações do corpo docente do Jardim de Infân-cia da Calçada da Tapada em Lisboa.

No entanto, apesar de considerarmos queas estratégias desenvolvidas desde há já algunsanos foram positivas, verificando-se um gran-de número de presenças nas várias reuniõesconvocadas, a adesão às nossas solicitações e,a participação total nas festas, a nossa posturaem relação à ligação/participação com as famí-lias, sofreu, nos últimos anos, uma evolução.Já não nos chega só a participação dos pais nasreuniões, festas e convívios, sentimos que cadavez é mais importante dar-lhes conhecimentodo trabalho realizado no Jardim de Infância,pois esse conhecimento, tal como é expressonas Orientações Curriculares «Permite aos paiscriar maior confiança no contexto da educação Pré--Escolar, também, por vezes, para eles desconhe-cido.»

Esse conhecimento do trabalho realizadotem sido transmitido às mães em conversas in-formais, quando vêm buscar as crianças ao Jar-dim de Infância e quando há tempo para usu-fruir «o estar».

Mas estamos em Lisboa, com todos os pro-blemas inerentes a uma grande cidade – o trân-sito, os transportes, a falta de estacionamento,a falta de tempo.

A maioria dos pais trabalha. Todas as crianças almoçam na escola e 38

(em 50) frequentam o Ateliê de Tempos Livres(A.T.L.)

Muitas das crianças chegam por volta das 8horas, muito antes de nós, e partem depois denós. Sentimos que, mesmo quando a relação épossível, há somente pequenas trocas. As pes-soas têm pressa, não têm tempo para conver-sar um pouco, ver os trabalhos das crianças, terconhecimento dos projectos que se vão desen-volvendo.

Assim, com a intenção de dar a conhecer oque se faz no Jardim de Infância, elaborámosuma pequena brochura que intitulámos «O Li-vro dos Pais».

Essa brochura foi entregue na reunião deabertura do Ano Lectivo.

Tentámos que, numa linguagem clara, sim-ples e afectiva, estivessem expressas informa-ções práticas e pedagógicas.

Como referimos, foi em reunião que foi dis-tribuída a brochura. No entanto, conscientesde que existe uma grande diversidade culturalnas famílias das crianças, fizemos em conjuntouma leitura comentada.

Foi a nossa primeira estratégia; utilizar a es-crita para estabelecer outro tipo de ligação comas famílias. Consideramos que foi positiva. Noano seguinte, a brochura foi reeditada e rece-bida com a mesma aceitação.

Porque queríamos continuar a implementaruma estratégia sistemática de ligação escritacom as famílias, na brochura vinha expressa a

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O Jornal Escolar na Educação Pré-Escolar

Ana Oliveira*

* Educação Pré-Escolar.

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nossa intenção de elaborar um Jornal Escolar.Restava-nos delinear que tipo de jornal quería-mos «editar».

Ao longo da nossa vida profissional fomosfazendo, com diferentes grupos de crianças deJardim de Infância, experiências ocasionais ediferenciadas de jornais escolares. Os primei-ros surgiram ainda muito ligados às técnicasFreinet, em que toda a produção do Jornal erafeita com as crianças, utilizando o limógrafo, aimprensa escolar e diferentes técnicas de ilus-tração. Foi sem dúvida, uma experiência muitogratificante, apesar do processo de elaboraçãoser bastante lento, o que dificultava uma tira-gem mais regular. Dois, três números anuaisno máximo era o que se conseguia imprimir.

Depois, como as coisas em educação tam-bém têm modas, começou a haver a moda dosjornais de Escola, englobando o 1.º ciclo e o Jar-dim de Infância. Tinham como objectivo fo-mentar uma maior articulação entre os dois ní-veis de ensino! Como devem imaginar, numaescola grande como a nossa, isto obrigava auma difícil gestão de espaços e conteúdos. Apágina do Jardim de Infância passou, na maiorparte das vezes, a ser só a descrição de uma ac-tividade colectiva feita pelas duas salas.

Apesar de considerarmos que o Jardim deInfância tem de se assumir como um nível deensino, e desenvolver estratégias de articula-ção com o 1.º Ciclo, ele tem a sua especificidadeprópria que é urgente continuar a garantir.

Essa especificidade própria traduz-se, comoé referido nas Orientações Curriculares para aEducação Pré-Escolar, pelo trabalho realizadonum grupo, com as suas características pró-prias, onde «cada criança, participando como su-jeito do processo educativo, vai implicitamente de-senvolver um projecto que tem como referência o seudesejo de crescer e aprender. Esse projecto é influen-ciado pelo meio em que vive, pelos conhecimentos evivências de cada criança».

O conhecimento que temos das criançasleva-nos a prever que permanentemente elasvão falar e interrogar-se sobre vários aconteci-mentos. Cabe-nos a nós educadores «partir dos

interesses e saberes de cada criança para os ampliare diversificar, despertando novos interesses e fomen-tando a curiosidade e desejo de aprender.»

Acreditamos que o Jornal Escolar, desdeque sistemático, poderá ser um importantís-simo veiculo de circulação e de comunicaçãodos pequenos projectos/actividades realizadaspelas crianças, individualmente, em pequenoou grande grupo. Um maior conhecimento dotrabalho desenvolvido no Jardim de Infância,tornará possível uma maior intervenção de ou-tros actores da comunidade.

Opções «Editoriais»

Jornal do Jardim de Infância ou Jornal deSala, foi a primeira questão que se nos colocou.Optámos pelo Jornal de Sala.

– A nossa 1.ª grande opção foi a elaboraçãode um JORNAL de SALA, identificado pelo nú-mero das respectivas salas (Sala 4 e Sala 5).

Esta opção foi fundamentada no facto deconsiderarmos que, apesar de haver um grandetrabalho de equipa, cada grupo de crianças/ /educadora, tem as suas características, ritmose vivências próprias que é importante preservar.

– Foi elaborada uma matriz para a capa dojornal de cada sala.

Essa capa, ao contrário do que é habitual,foi sendo ilustrada individualmente por cadacriança, utilizando diferentes técnicas. Essa es-tratégia, para além de uma função afectiva,permitiu também ter a percepção da evoluçãográfica de cada criança. (Ver fig. 1).

– Optámos também por não organizar osnossos Jornais segundo rubricas bem definidas,com editorial, passatempos, novidades, etc.,mas sim, com a ajuda das crianças, escolher etranscrever noutro suporte gráfico as vivênciasmais significativas de cada sala, num determi-nado período de tempo (mês). A ilustração damaior parte dos textos foi feita individualmen-te por cada criança. (A única rubrica fixa era adedicada à apresentação das contas dos gastosdas salas). (Ver figs. 2 a 5).

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– A periodicidade foi mensal. Houve tam-bém dois números especiais dedicados ao diado Pai e da Mãe.

O Jornal, tal como foi por nós concebido,constituiu-se como mais um instrumento fun-cional de avaliação (Avaliação do processo).Como cada criança ilustrará também bastantessegmentos dos diferentes jornais, no final doano lectivo, será possível verificar a sua evo-lução a nível gráfico. Outros itens, tais como aapropriação da função e o conhecimento de al-guns aspectos técnicos da linguagem escrita,poderão constituir, se os julgarmos pertinen-tes, elementos de avaliação.

O Jornal de cada sala foi distribuído:• Às crianças da respectiva sala. • A todas as salas da Escola.

• Um exemplar de cada jornal foi entreguena reunião mensal do Conselho Consul-tivo do Agrupamento de Escolas de Al-cântara.

Não podemos dissociar este processo dotrabalho desenvolvido nas salas, em que o en-volvimento com a linguagem escrita é umaconstante. Sentíamos no entanto que estascrianças poderiam ir ainda mais longe se pu-déssemos pôr ao seu dispor um computador,instrumento que hoje em dia consideramosimprescindível, mesmo no Jardim de Infância.

Em Fevereiro, vimos anunciado no Jornal«Público» a abertura da candidatura do Con-curso Nacional de Jornais Escolares.

Porque não concorrer? Haveria a hipótesede podermos ganhar e, assim, poder ter mate-

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rial informático. (Na nossa cabeça material in-formático significava computadores.)

Junho chegou, e com ele a entrega do mate-rial para o concurso (5 exemplares a cores decada um dos jornais)...

Avaliação

Transcreve-se do relatório enviado para oconcurso algumas considerações:

«Neste momento, em que temos de apre-sentar para concurso o produto do nosso tra-balho, foi para nós evidente, que algumas dasnossas opções editoriais dificultaram a nossacandidatura.

É para nós impraticável em termos econó-micos apresentar 5 colecções a cores de cadaum dos números dos Jornais de cada sala. Por

essa razão enviaremos unicamente um exem-plar a cores, os outros exemplares serão foto-copiados a preto e branco.

No entanto, estamos convictas que no pró-ximo ano lectivo manteremos essa estratégia,por nos parecer que permitiu às crianças e aospais uma apropriação mais efectiva e afectivade todo o processo.

Não foi fácil, com crianças tão pequenascomo as nossas, manter o ritmo das ediçõesdos jornais. Muitas vezes sentimos vontade denão ter uma periodicidade tão grande. No en-tanto, o processo foi irreversível!

Quando nos atrasávamos eram os própriospais a perguntar:

– Então este mês não há jornal?

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Figura 3 Figura 4

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Outros ecos nos iam chegando e nos iamdando alento:

– Acho tanta graça aquilo que eles dizem...– Lá em casa é sempre uma festa quando

chega o jornal, até a avó e as tias tem deo ler...

– Mostro sempre o jornal lá no meu em-prego...

Consideramos que o Jornal Escolar cumpriulargamente os seus objectivos. Transformou-serapidamente num veículo de comunicação, fa-zendo permanecer o dito e o vivido no Jardimde Infância.

E o fim do ano chegou, vieram as férias. EmSetembro soubemos que tínhamos ganho o 3.ºPrémio no concurso.

No primeiro Jornal do ano lectivo 2001/

/2002, logo a seguir ao Editorial vinha umaanedota (dirigida aos Pais):

«Sabem quais são as duas pessoas maisingénuas que existem no J. de Infância daCalçada da Tapada?

Resposta: A Ana Oliveira e a Filomena Car-valho, Educadoras dos vossos filhos, que acredi-tavam que os Jornais do ano passado, eram tãobons, tão bons, que iam ganhar um prémio noConcurso Nacional de Jornais Escolares. E quecom o dinheiro do prémio iam poder comprarcomputadores para os meninos trabalharem.»

Lá ganhar, ganhámos…ganhámos o 3.º Pré-mio. Muito bom! Estamos orgulhosas

(foram trezentos jornais a concorrer)Os computadores é que continuam a não

existir. O prémio era de duzentos e cinquentacontos em livros e material informático. Sóque para nós MATERIAL INFORMÁTICO eracomputadores.

Vinha também um apelo:Consideramos que os nossos meninos têm

direito a trabalhar, com pelo menos um com-putador por sala. Se souberem de alguma em-presa que se queira desfazer de material usado(em bom estado) digam.

Começou a haver grande movimentação,computadores que chegavam, computadoresque partiam para serem arranjados, pais (nomasculino, porque destas coisas eles percebemmais do que as mulheres) a ligarem cabos efios… Em finais de Dezembro já havia compu-tadores nas salas, e uma impressora. Depois fi-zeram-se rifas, sorteadas na festa de Natal, ecom o dinheiro comprou-se uma impressoranova e a cores!

E o Jornal continuou. Agora já com os me-ninos a escrever os conteúdos. Tínhamos conse-guido trazer para a sala um instrumento usadona vida real!

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