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REGINA HELENA ALVES CODESSEIRA O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS ESTRATÉGIAS INTERACIONAIS MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo – 2005

O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

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REGINA HELENA ALVES CODESSEIRA

OO LL II DDEE NNAA NNOOTTÍÍ CCII AA JJOORRNNAALL ÍÍ SSTTII CCAA II MM PPRREESSSSAA EE SSUUAASS EESSTTRRAATTÉÉGGII AASS II NNTTEERRAACCII OONNAAII SS

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo – 2005

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REGINA HELENA ALVES CODESSEIRA

O lide na notícia jornalística impressa e suas estratégias interacionais

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Língua Portuguesa sob a orientação da Prof.a Dra. Ana Rosa Ferreira Dias.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo – 2005

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BANCA EXAMINADORA

______________________________________

______________________________________

______________________________________

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DEDICATÓRIA

A Maria Elisa Alves Codesseira por ter

sido ao longo de minha vida e deste

mestrado minha mãe, meu pai, minha

melhor amiga, minha confidente e minha

maior incentivadora.

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AGRADECIMENTOS

À CAPES pelo incentivo financeiro para elaboração deste trabalho.

A Antonio Pires Codesseira, meu querido pai, que ao longo de minha vida me

auxiliou financeiramente em todos os momentos necessários.

À Cristina H. Alves Codesseira, minha irmã, que sempre me incentiva e torce pelo

meu sucesso e pela minha felicidade.

À Prof.a Ana Rosa Ferreira Dias, sábia e paciente orientadora, que com todo seu

conhecimento, meiguice e amizade, tão bem me orientou, tornando possível, desta

forma, a realização do presente trabalho.

À Banca Examinadora, composta pela Prof.a Dra.Vera Lúcia Meira Magalhães e

pelo Prof. Dr. Dino Preti, pela atenção e fundamentais sugestões que tanto me

auxiliaram na elaboração deste trabalho.

Ao Prof. Dr. Dino Preti, querido professor e exemplar docente, por todo o carinho,

apoio, incentivo cultural e contribuição para mais essa etapa de minha formação.

Às queridas amigas que fiz nesta Pós-Graduação: Lúcia, Daniela, Luciana, Letícia,

por tornar o trabalho menos árduo e mais alegre, pelo incentivo, companheirismo e

generosidade.

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“– Estou na pista de um segredo industrial que me permitirá fabricar, sem um fiapo de algodão, um papel tão sólido quanto o papel da Holanda, a cinqüenta por cento abaixo do preço do custo atual da pasta de algodão.

– É uma fortuna! – exclamou Petit Claud. – Uma grande fortuna, meu amigo, porque será preciso,

dentro de dez anos, dez vezes mais papel do que é consumido agora. O jornalismo será a loucura de nosso tempo!”

(BALZAC, Honoré de. Ilusões perdidas. p. 428)

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo identificar e categorizar as estratégias

interacionais presentes na construção dos lides das notícias jornalísticas impressas

produzidos por dois jornais paulistas de grande circulação: O Estado de S.Paulo e

o Jornal da Tarde.

Ao abordarmos os lides produzidos por esses jornais, procuramos expor que

existe uma interação distanciada no momento de produção e leitura de um texto,

uma vez que leitor e autor exercem funções específicas durante esse processo. O

autor tem a função de construir seu texto, selecionando as estratégias adequadas

para que seu objetivo seja atingido. O leitor, por sua vez, deve procurar

compreender, construir uma significação para aquilo que lê, estabelecendo, assim,

um diálogo com o autor mediado pelo texto.

Para tanto, buscamos respaldo teórico no dialogismo interacional proposto

por Mikhail Bakhtin, nas idéias acerca da função de um leitor, formuladas por Eco

e Maingueneau, e discutimos a questão do envolvimento entre os interlocutores.

Sob essa perspectiva teórica, tivemos embasamento para analisar a

organização estrutural do lide que não segue a formulação tradicional estruturada

no princípio da relevância e, então, levantar as estratégias interacionais presentes

nesses lides que visam a construir o envolvimento do leitor com a notícia

jornalística.

Por meio da análise da amostra, chegamos a basicamente dois recursos que

podem ser utilizados pelo jornalista para interagir e seduzir o seu leitor: ou mexer

com o imaginário dele, construindo lenta e detalhadamente uma cena em sua

mente, ou dirigir-se diretamente a ele, criando, assim, uma idéia de que os

interlocutores mantêm uma conversação face a face.

PALAVRAS-CHAVE : Notícia jornalística, tipos de lide, estratégias interacionais, envolvimento.

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ABSTRACT

This paper has the objective to identify and to classify the interactional

strategies present in the construction of the news’ leads produced by two

newspapers of great circulation from São Paulo: O Estado de S.Paulo e o Jornal

da Tarde.

To approach the leads produced by those newspapers, we said that an

distanced interaction exists in the moment of production and reading of a text,

once reader and author make specific functions during that process. The author has

the function of building his text, selecting the appropriate strategies to reach his

objective. The reader should try to understand, to build a significance for that

reads, establishing, like this, a dialogue with the author mediated by the text.

We are unchored in the interactional dialogism proposed by Mikhail

Bakhtin, in the ideas that he concerning about the reader's function, formulated by

Eco and Maingueneau, and we discussed the subject of the involvement between

the speakers.

Under that theoretical perspective, we had support to analyze the structural

organization of the lead that does not follow the traditional formulation, and, then,

to lift the interactional strategies present in those leads that seek to build the

reader's involvement with the journalistic news.

Through the analysis of the sample, we arrived basically two resources that

can be used by the journalist to interact and to seduce his/her reader: or to move

with the imaginary of him, building slow and in full detail a scene in his/her mind,

or to drive directly him, creating, like this, an idea that the speakers maintain a

conversation face to face.

KEYWORDS: Journalistic news, leads, interactional strategies, involvement.

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SUMÁRIO

Introdução .............................................................................................................. 01

I. Caracterização da amostra de análise

1.1. Considerações gerais ...................................................................................... 06

1.2. Os cadernos e os leitores de O Estado de S.Paulo ......................................... 08

1.3. Os cadernos e os leitores do Jornal da Tarde ................................................ 09

1.4. Algumas considerações sobre a amostra de análise ....................................... 11

II. Manuais de redação e os lides jornalísticos

2.1. Considerações gerais ...................................................................................... 13

2.2. Os manuais de redação da Folha de S.Paulo ................................................. 15

2.3. Os manuais de redação de O Estado de S.Paulo ............................................ 18

2.4. A criatividade do jornalista e os manuais ....................................................... 20

2.5. O lide nos manuais de redação ....................................................................... 21

2.6. Os lides e os teóricos do jornalismo impresso ............................................... 31

III. Leitor, interação, dialogismo e envolvimento

3.1. Considerações gerais ...................................................................................... 45

3.2. Autor e leitor: uma estreita relação ................................................................ 46

3.3. Os diferentes tipos de leitores ........................................................................ 51

3.4. A noção de interação ..................................................................................... 55

3.5. Interação verbal e dialogismo em Bakhtin ..................................................... 58

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3.6. A interatividade de Marcuschi ....................................................................... 68

3.7. Envolvimento: uma estreita relação com a fala e com a escrita ..................... 73

IV. O lide e suas estratégias interacionais

4.1. Considerações gerais ...................................................................................... 83

4.2. Tipos de estratégias interacionais presentes nos lides .................................... 86

4.2.1. A imaginação do leitor como estratégia interacional .................................. 88

4.2.1.1. Lide literário: o uso da intriga como estratégia interacional .................... 89

4.2.1.2. Lide particularizante: o uso de casos particulares como estratégia

interacional ............................................................................................................ 97

4.2.1.3. Lide descritivo: o uso da descrição como estratégia interacional .......... 101

4.2.2. A conversa com o leitor como estratégia interacional .............................. 106

4.2.2.1. Lide opinativo: opinião do jornalista como estratégia interacional ........ 107

4.2.2.2. Lide interrogativo: o uso da interrogativa como estratégia interacional..111

4.2.2.3. Lide com interlocutor determinado: o uso do leitor apostrofado como

estratégia interacional .......................................................................................... 116

Considerações finais ............................................................................................ 122

Referências bibliográficas ................................................................................... 125

Anexos

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1

INTRODUÇÃO

O jornal pode ser definido como um veículo impresso de comunicação, que

possui uma tiragem e uma periodicidade regulares, e que está organizado em

cadernos cujas folhas são soltas.

Porém, ele é muito mais do que isso. O jornal é um veículo de comunicação,

que juntamente com o rádio e a televisão, goza de grande prestígio em nossa

sociedade. Ele é um produto que espera ser consumido por pessoas que desejam

manter-se um pouco mais informadas. Trata-se, também, de um veículo produtor

de notícias e é, portanto, o material de estudo da presente dissertação.

O desejo de estudar o texto jornalístico surgiu de uma antiga paixão pela

mídia impressa. Essa “paixão” está relacionada à maneira como o jornalista

habilmente transforma uma informação em notícia.

Além desse motivo, há, também, uma relevância social para se estudar a

notícia jornalística, que está fundamentada na importância do jornal, pois como

afirmam Bell e Garrett (1998: 2), “o jornal é o mais prestigioso dos gêneros da

mídia diária, e sua função é central no exercício do poder nas sociedades

modernas.”

O presente trabalho tece reflexões acerca das notícias jornalísticas impressas

publicadas por dois jornais paulistas de grande circulação: O Estado de S.Paulo e o

Jornal da Tarde, ambos pertencentes à mesma empresa, mas destinados a um

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público-alvo diferente.

Ao analisarmos esses jornais, tivemos por objetivo identificar e categorizar

as estratégias interacionais presentes na construção de um envolvimento do leitor

com a notícia jornalística impressa por meio de um lide caracterizado como não

tradicional.

O lide tradicional surge por uma necessidade de padronização da notícia

jornalística. Nessa tentativa de padronização, a organização da notícia jornalística

passou a ser norteada segundo o princípio da relevância, ou seja, a informação

principal, a mais importante é destacada no momento em que o jornalista produz

seu texto. Esse destaque, no texto, é dado, transformando o fato principal em

manchete e desenvolvendo-o no lide.

Se a notícia jornalística é, então, estruturada seguindo o princípio da

relevância, não se importando com a seqüenciação cronológica dos fatos, ela

possui outras regras de ordenação denominadas por van Dijk (2000: 123) de

esquemas rígidos. Esses esquemas são a superestrutura do texto jornalístico e esta

possui “uma natureza fixa, convencional (e deste modo, culturalmente variável)

para cada tipo de texto”, como veremos no segundo capítulo.

O que nos propusemos a trabalhar é justamente a ruptura com essa

superestrutura da notícia jornalística que se preocupa com o fato e a introdução de

um lide com características que, ou despertam a imaginação de seu leitor, ou

apresentam traços conversacionais, cujo objetivo é o de interagir com esse leitor,

de envolvê-lo, de chamá-lo a partilhar algo que a princípio poderia não ser

conhecido por ele.

Sendo assim, analisamos seis diferentes tipos de lides que têm como

preocupação inicial não o fato ocorrido, mas sim, o seu enunciatário, ou seja, o seu

leitor. Por esse motivo, esse lide não apresentará uma síntese da informação mais

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importante do fato, porém, conterá estratégias interacionais que atendam a esse

objetivo de seduzir, de prender a atenção de seu leitor.

Esses lides, embora presentes em manuais de jornalismo, ainda são

utilizados com moderação. Uma das explicações para que isso ocorra é o fato de o

jornalista atender a uma padronização apresentada pelos manuais de redação dos

jornais e a sua excessiva carga de atividades, que obriga esse jornalista a seguir tal

padronização como um recurso para agilizar seu trabalho.

Todavia, afirma Castro (2002: 77):

o modelo da prática jornalística que conhecemos hoje, pelo menos o praticado em vários jornais diários do país está agonizante. Essa mesma imprensa, inclusive, já começa a constatar a agonia e o padecimento desse modelo. É que hoje uma hibridação narrativa começa a emergir nas redações. Ante a dinâmica da informação, pergunta-se: o que tem o jornal a dizer no dia seguinte? Ou ele adapta-se ou cairá no efeito papagaio, a repetir o já dito.

A adaptação do jornalismo passa a ocorrer a partir do surgimento da

televisão e do telejornal, dando origem a uma nova corrente no jornalismo

chamado de New Journalism (Novo Jornalismo). A par disso, Dines (2001:89)

ressalta:

recentemente, nos meios intelectuais norte-americanos, fabricou-se uma nova escola: o “Novo Jornalismo”, tendo como expoentes máximos o repórter Tom Wolfe, Norman Mailer, conhecido escritor e panfletário, e Jimmy Breslin, repórter do New York Herald Tribune. O novo jornalismo preconizado é um velho estilo de escrever, adaptado ao que produzem aqueles intelectuais e seus companheiros, entre a crônica, a reportagem e o depoimento. Não é uma nova concepção para o jornal, nem uma nova linha de trabalho ou atitude profissional.

No novo jornalismo, a idéia primordialmente defendida é a de que o texto

jornalístico deve acima de tudo seduzir o leitor, não podendo mais tratar

superficialmente do fato, uma vez que o rádio, a televisão e a própria internet já

fizeram isso anteriormente. O jornal deve, então, tratar do fato por inteiro,

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apresentar todos os seus desdobramentos e todas as suas circunstâncias.

Alguns dos lides analisados no presente trabalho, como o lide descritivo e o

lide ficcional, fazem parte dessa corrente do novo jornalismo. Entretanto, o que

vale ressaltar é que sejam esses lides, e conseqüentemente essas notícias, parte do

novo jornalismo ou não, o que verdadeiramente importa é que eles, diferentemente

do lide tradicional, privilegiam o envolvimento com o leitor e não com o fato.

Para chegarmos a tal conclusão, fizemos uma primeira pesquisa com

diversos jornais impressos paulistas: O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo,

Jornal da Tarde e Agora. Após esse primeiro contato, selecionamos a amostra de

análise e iniciamos nosso estudo.

O presente trabalho principia por uma apresentação do material pesquisado,

ou seja, tratamos da amostra de análise, caracterizamos o jornal O Estado de

S.Paulo e o Jornal da Tarde e, finalmente, levantamos as características do

público-leitor de cada um deles.

No segundo capítulo, abordamos especificamente os manuais de redação

dos jornais de prestígio e de grande circulação na cidade de São Paulo: O Estado

de S.Paulo e Folha de S.Paulo. Apresentamos um histórico desses manuais e as

idéias acerca do lide presentes neles. Após tal caracterização, tratamos dos

diferentes tipos de lide desses referidos manuais de jornalismo.

O capítulo seguinte contém as informações que balizarão a análise dos lides.

Sendo assim, discutimos primeiramente a relação existente entre autor e leitor e os

diferentes tipos de leitores, fundamentados nos preceitos teóricos formulados por

Eco (1986) e Maingueneau (2001, 1998, 1996).

Em seguida, definimos o termo interação, discorremos sobre os

pressupostos teóricos postulados por Bakhtin (2003, 2002) acerca da noção de

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5

interação e de dialogismo e apresentamos as idéias de Marcuschi (1999) sobre a

interatividade. Verificamos, então, por meio de tais idéias, que todo texto, seja ele

escrito ou oral, pretende dialogar e interagir com um determinado interlocutor,

envolvendo-o naquilo que está sendo escrito ou falado.

Isso posto, podemos afirmar que o envolvimento surge como conseqüência

dessa relação dialógica interacional existente entre os interlocutores de um texto

oral ou escrito e que ele pode concretizar-se de três diferentes maneiras, ou seja, há

um envolvimento com o enunciatário, com o tema ou consigo mesmo.

No quarto e último capítulo, fizemos a análise da amostra selecionada e

caracterizada em seis diferentes lides: o lide ficcional, o descritivo, o

particularizante, o opinativo, o interrogativo e o com interlocutor determinado.

O que todos esses lides possuem em comum é justamente o fato de

privilegiarem o envolvimento com o enunciatário ao invés do tema. Nessa busca

pelo envolvimento, parte deles procura mexer com a imaginação de seu leitor,

criando uma imagem de determinada cena em sua mente, e uma outra parte

procura envolvê-lo por meio da simulação de uma conversa face a face.

Diante dessas considerações, asseguramos que o presente trabalho tem

como amostra de análise o lide produzido pela imprensa paulista e que pautamos

essa análise principalmente em estudos de Bakhtin (2003, 2002) acerca dos

conceitos de interação e dialogismo. Nosso objetivo com tal análise, portanto, é o

de identificar e categorizar as estratégias interacionais presentes na construção de

um envolvimento do leitor com a notícia jornalística impressa por meio de um lide

caracterizado como não tradicional.

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I. CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA DE ANÁLISE

1.1. Considerações gerais

O jornal é um meio de comunicação que trabalha com o hoje. Aliás, só o

hoje importa. Sua palavra de ordem é o agora. O ontem já faz parte do passado,

tornou-se coisa velha, e o amanhã ainda não existe. Ele é vivo, pois trata da vida.

Por esses e muitos outros motivos, que não precisam ser neste momento elencados,

é que o material de pesquisa do presente trabalho é justamente o jornal.

Procurávamos, em um primeiro momento, notícias em qualquer um dos

principais jornais paulistas O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, Jornal da

Tarde e Agora que não seguissem a convenção de um lide tradicional, aquele

criado nas escolas norte-americanas e que propõe sua organização a partir da

síntese do acontecimento mais importante do fato noticiado.

Identificamos a presença de tais notícias não convencionais, sendo que

alguns desses lides diferenciavam-se bastante da idéia que tínhamos sobre o

assunto. A ocorrência freqüente desses lides chamou-nos a atenção, principalmente

em cadernos que tratam dos esportes, da cidade ou de assuntos culturais.

Fomos ler os manuais de redação atuais desses principais jornais para saber

o que eles falavam sobre o lide e pudemos descobrir que o manual da Folha, de

uma maneira menos autoritária, afirma ter o lide a função de sintetizar a notícia,

mas que para isso não existe um modelo, embora dê alguns exemplos. Por sua vez,

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7

o manual de O Estado pareceu ser mais categórico e imperativo quanto à produção

do lide, como mostraremos no próximo capítulo. Por causa dessa menor

flexibilidade na produção dos lides proposta pelo manual do Grupo Estado,

optamos por analisar as notícias produzidas por uma única empresa em seus dois

jornais existentes: O Estado de S.Paulo e Jornal da Tarde.

O jornal O Estado de S.Paulo é o mais antigo da cidade de São Paulo que

ainda está em circulação. Ele foi fundado por dezesseis pessoas dentre elas Manoel

Ferraz de Campos Salles e Américo Brasiliense, que tinham por objetivo criar um

diário republicano com o propósito de lutar contra a monarquia e a escravidão.

Surgiu, então, A Província de São Paulo durante a realização de uma Convenção

Republicana em Itu.

Ao longo dos cento e vinte e nove anos de existência de O Estado de

S.Paulo, novas empresas e produtos foram criados. Essa diversificação tem início

em 1958 com a inauguração da Rádio Eldorado. Em 1966 é lançado o Jornal da

Tarde, um jornal cuja proposta era a de dar um acompanhamento especial aos

problemas urbanos da cidade de São Paulo.

A partir de 1968, tanto O Estado de S.Paulo quanto o Jornal da Tarde

passam a ser censurados por possuírem uma posição contrária ao regime militar.

Foram várias as dificuldades enfrentadas pelo grupo Estado até 1975, quando a

censura é, então, retirada. Como forma de protesto, os dois jornais do grupo

publicavam no lugar dos textos censurados, poemas de Camões (em O Estado de

S.Paulo) e receitas culinárias (no Jornal da Tarde).

Em agosto de 1981, ambos os jornais ganham em última instância uma ação

movida contra a União pelas perdas sofridas pela empresa com a apreensão de

duas edições em maio de 1973, quando ambos foram proibidos de noticiar a

renúncia do ministro da agricultura do governo Médici, Cisne Lima.

Page 18: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

8

1.2. Os cadernos e os leitores de O Estado de S.Paulo

O Estado de S.Paulo, segundo pesquisa do próprio jornal e disponibilizada

para o presente trabalho1, possuía no ano de 2003 na grande São Paulo 1.557.000

leitores, sendo que 52% do sexo masculino e 48% do feminino. Desse total, em

média, 26% dos leitores pertencem à classe A, 48% à classe B e 26% às CDE.

Ele é de circulação diária e conta com vinte e um diferentes cadernos que

circulam em diferentes dias: “Primeiro caderno”, “Auto e acessórios”, “Caderno

2”, “Casa e família”, “Cidades”, “Classificados”, “Construção”, “Economia e

negócios”, “Empregos”, “Esportes”, “Estadão regiões”, “Estadinho”, “Guia

Caderno 2”, “Imóveis”, “Informática”, “Negócios e oportunidades”, “Painel de

negócios”, “Suplemento agrícola”, “Suplemento feminino”, “Telejornal” e

“Viagem”.

Dentre esses cadernos, os que possuem circulação diária, ou seja, fazem

parte do jornal de segunda-feira a domingo, é o “Primeiro caderno”, que está

subdividido em “Espaço aberto”, página dedicada aos artigos assinados, “Notas e

informações”, página dedicada aos Editoriais e à opinião do leitor, “Nacional”,

“Geral” e “Internacional”, que têm, com exceção do “Espaço aberto”, que consta

na página A2 e “Notas e informações”, na página A3, a ordem alterada em sua

construção. Durante a Segunda Guerra do Golfo, por exemplo, alguns dias, a parte

“Internacional” compunha um outro caderno. Além do “Primeiro caderno”, o

“Caderno 2”, “Cidades”, “Economia e negócios”, “Esportes” são os outros

cadernos que também circulam de segunda-feira a domingo. Os demais circulam

em dias diferentes e, em sua maioria, possuem periodicidade semanal.

Quanto à faixa etária dos leitores do jornal, de modo geral, 4% têm entre 10

e 14 anos; 10% entre 15 e 19 anos; 29% entre 20 e 29 anos; 21% entre 30 e 39

__________

1. A pesquisa do Grupo Estado foi disponibilizada para o presente trabalho pela funcionária responsável pelo setor de marketing da empresa.

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9

anos; 16% entre 40 e 49 anos e 20 % entre 50 a 69 anos.

1.3. Os cadernos e os leitores do Jornal da Tarde

Comparativamente o Jornal da Tarde possui uma quantidade bem menor de

leitores. Eram 468.000 em 2003, segundo dados do próprio Grupo Estado, dos

quais 61% são do sexo masculino e 39% do feminino. Desse total, de maneira

geral, 39% dos leitores pertencem à classe A, 20 % à B e 43% às CDE.

Ele é também de circulação diária e possui onze cadernos: “Primeiro

Caderno”, “Caderno tv”, “Classificados”, “Construção e serviços”, “Empregos

JT”, “Esportes”, “Informática”, “Jornal do barco”, “Jornal do carro”, “SP

Variedades” e “Turismo”. Alguns desses cadernos têm circulação diária, outros

circulam em determinados dias da semana ou até mesmo apenas uma vez ao mês,

como é o caso do “Jornal do barco” que circula somente na última sexta-feira de

cada mês.

Os cadernos cuja circulação é diária são: “Primeiro caderno”, “Esportes” e

“SP Variedades”. O “Primeiro caderno”, assim como em O Estado de S.Paulo está

subdividido em seções: “Artigos”, “Editoriais”, “Política”, “Polícia”, “Cidade”,

“Economia”, “Mundo”. Esporadicamente, o jornal publica outras duas seções

intituladas “Consumo” e “Especial”. Dentre essas seções, não existe um número

determinado de páginas nem uma seqüência definida para elas.

Quanto à faixa etária dos leitores deste jornal, de maneira geral, 2% têm

entre 10 e 14 anos; 8% entre 15 e 19; 25% entre 20 e 29 anos; 24% entre 30 e 39

anos; 19% entre 40 e 49 anos e 22% entre 50 e 69 anos.

O principal diferencial entre o Jornal da Tarde e os demais jornais está no

fato de ele ter adquirido popularidade com um de seus cadernos semanais, o

“Jornal do carro”, que circula às quartas-feiras, dia em que as vendas atingem a

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marca de 86.564 exemplares, enquanto a média nos demais dias gira em torno dos

60.000. Neste dia, o jornal que, no ano passado custava R$ 1,30, passa a custar R$

1,50. O Estado de S.Paulo, por sua vez, investe nos “Classificados” de domingo,

que o torna bem mais volumoso neste dia. Por esse motivo, tornou-se também

conhecido na grande São Paulo pelo nome de Estadão.

Comparando a linguagem de cada um dos jornais, a principal diferença

reside nas manchetes. O Estado de S.Paulo possui uma linguagem mais formal, faz

uso de um léxico mais culto, que privilegia em grande parte de suas notícias, o

próprio fato. Em contrapartida, o Jornal da Tarde tem uma linguagem envolvente,

mais informal, permitindo-se, assim, metáforas mais populares, que parece desejar

a todo momento, seja em que caderno for, manter uma interação maior com seus

leitores, como ocorre nos casos:

PALLOCCI DÁ ÊNFASE AO SOCIAL COM NOVO DISCURSO (O Estado de S.Paulo. 21 abr. 2003. p. A4)

PALLOCCI REFORÇA TIME SOCIAL DO PLANALTO (Jornal da Tarde. 21 abr. 2003. p. A4)

No que se refere ao conteúdo das notícias, ele é praticamente o mesmo e, de

maneira geral, quando os assuntos coincidem, escritos sem grandes alterações

quanto à linguagem. O único diferencial está no fato de as notícias serem

retextualizadas e, por esse motivo, parecem ser sintetizadas no Jornal da Tarde.

A exceção, entretanto, ocorre no caderno “Esportes". Nele, tanto em um

quanto no outro jornal, manchete e notícia possuem um vocabulário mais informal

e conteúdo mais opinativo:

SÃO PAULO JOGA MAL, MAS VENCE A 1 a

(O Estado de S.Paulo. 18 abr. 2003. p. E1)

3 A 1. MAS O SÃO PAULO NÃO CONVENCE. (Jornal da Tarde. 18 abr. 2003. p. B1)

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Dirigidos predominantemente a classes sociais diferentes – CDE no caso do

Jornal da Tarde e B no caso de O Estado de S.Paulo – evidentemente que a

diagramação e o conteúdo dos jornais são também diferentes, pois refletem os

leitores com os quais interagem. No primeiro, de maneira geral, suas manchetes

são bastante destacadas, o conteúdo das notícias é menor e os casos de violência

são bem mais presentes, haja vista existir uma seção intitulada “Polícia”. Já no

segundo, as letras das manchetes são menores, o conteúdo das notícias maior e há

uma quantidade também maior de notícias internacionais.

1.4. Algumas considerações sobre a amostra de análise

Para atingir os objetivos desse trabalho, recolhemos aleatoriamente quarenta

dias corridos de Jornal da Tarde e O Estado de S.Paulo, ou seja, selecionamos os

lides publicados do dia 20 de março a 30 de abril de 2003.

Não optamos especificamente por um determinado caderno. Nosso único

critério foi que os lides produzidos fossem diferentes da grande maioria presente

nos jornais, os lides tradicionais.

Feita tal seleção, passamos a agrupá-los por categorias e a analisar os

recursos encontrados em cada um deles. Priorizamos identificar as estratégias

utilizadas para estabelecer uma interação e um envolvimento com o leitor e, então,

chegamos a seis diferentes formulações de lide: o iniciado por uma pergunta; o que

se dirige explicitamente ao leitor; o que dá para o leitor a opinião do próprio

jornalista; o que descreve minuciosamente determinada cena; o que produz

suspense por meio de uma narrativa cronológica e detalhada e, finalmente, o que se

utiliza de casos particulares de pessoas anônimas para noticiar algo.

Nesses quarenta dias de pesquisa e recolha de material, chegamos a

quarenta e nove diferentes lides distribuídos nessas seis formulações. Por não

termos uma intenção quantitativa, analisamos dezenove lides por considerarmos

Page 22: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

12

que os demais sejam variações de assuntos sobre uma idêntica estruturação. Isso

posto, podemos afirmar que aqueles que apresentaram alguma diferença em uma

dessas formulações foram abordados.

Vale ressaltar ainda que, por meio da observação no momento da recolha da

amostra, não constatamos que determinados lides pertençam a um caderno

específico de um dos jornais. Esse critério, portanto, não é uma variável

considerada como relevante, justamente pelo fato de tais formulações surgirem

indistintamente pelos cadernos.

Page 23: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

13

II. MANUAIS DE REDAÇÃO E OS LIDES JORNALÍSTICOS

2.1. Considerações gerais

A função dos manuais de redação dos jornais é, de maneira geral, a de

uniformizar, de padronizar o estilo e a edição do jornal. Esses manuais funcionam

como um material de consulta tanto para jornalistas quanto para qualquer pessoa,

uma vez que eles podem ser adquiridos em qualquer livraria e possuem, além de

normas destinadas especificamente à redação do jornal, regras gramaticais

simplificadas e diversas informações sobre diferentes áreas.

Como veremos ao longo do capítulo, os manuais de redação surgiram por

uma necessidade de se simplificar a notícia, de agilizar a informação e, assim,

atrair um número maior de leitores que não dispunham de muito tempo para a

leitura do jornal. Com a proposta de uniformização da notícia vieram, também, os

conceitos de pirâmide invertida1, de lide2, de utilização de um vocabulário simples

e claro, e de paragrafação curta.

Essas noções passam a fazer parte daquilo que van Dijk (2000) chama de

regra jornalística implícita de organização, ou seja, a pirâmide invertida e o lide

são mecanismos que estruturam o texto noticioso e que seguem o princípio da

__________

1. Pirâmide invertida é “uma técnica de redação jornalística pela qual as informações mais importantes são dadas no início do texto e as demais, em hierarquização decrescente, vêm em seguida, de modo que as mais dispensáveis fiquem no final”. (Manual da redação da Folha de S.Paulo, 2001: 93) 2. Lide representa a “abertura da notícia. Primeiro parágrafo da notícia em jornalismo impresso. Relato do fato mais importante de uma notícia”. (Lage, 2001: 72)

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14

relevância:

o texto de jornal mostrou que a ordem semântica não é primariamente determinada por uma estrutura condicional de fatos, mas, ao contrário, pela coerência funcional baseada na relevância: a informação importante vem em primeiro lugar e os detalhes, tais como as causas, os componentes ou as conseqüências são mencionados por último. (Dijk, 2000: 123)

O lide é, assim como a pirâmide invertida, um elemento oriundo do

jornalismo norte-americano, e que surge, basicamente, por uma necessidade de

estruturar a notícia, e de lhe dar um caráter mais objetivo, visto que é responsável

por ir direto ao ponto principal, eliminando, assim, a subjetividade do tradicional e

ultrapassado nariz-de-cera3.

O Novo Manual da Redação da Folha de S.Paulo (1992) define lide como

uma palavra aportuguesada do inglês “lead”, que significa conduzir, liderar. Ele é

a abertura da notícia e, portanto, o responsável por conduzir, por introduzir o leitor

naquilo que será noticiado e por despertar seu interesse para que haja uma

continuidade de leitura da notícia. Assim, o lide “é sempre o maior cuidado do

jornalista. Em qualquer espécie de reportagem, o redator procura dar o que tem de

melhor nas primeiras linhas” (Bond, 1959: 160). Na verdade, segundo Amaral

(1987: 68),

da forma como é redigido o lead depende o êxito da matéria, pois, mesmo que o leitor não queira ou não tenha tempo para continuar a leitura do texto, já ficou interado do que se trata com a descrição inicial. Um pouco mais de interesse poderá levá-lo ao corpo da matéria.

Possendoro (2002) ressalta que escrever um lide, denominado por ele de

abertura, tornou-se, desde o final do século passado e início deste, uma obsessão

para os jornalistas, pois eles têm sua capacidade de bem escrever avaliada pela boa

construção ou não dessa abertura. É justamente pelo fato de possuir um importante

__________

3. Nariz-de-cera é “um parágrafo introdutório que retarda a entrada no assunto específico do texto”. (Manual da Redação da Folha de S.Paulo, 2001: 86)

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15

papel na construção da notícia jornalística, que o lide constitui o nosso material de

estudo.

Trataremos, neste segundo capítulo, da organização de diferentes edições

dos manuais dos dois jornais paulistas de grande circulação e aceitação no estado

de São Paulo (Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo) com o objetivo de

levantarmos a relevância dada a esses manuais pelas empresas, a preocupação dos

jornais para que estes sejam atuais, e, por isso, a quantidade de reformulações

pelas quais eles passam para que possam ser seguidos. Em seguida, estaremos

abordando a questão da criatividade do jornalista diante de tantas uniformizações

propostas pelos manuais para que tenhamos maiores subsídios para tratar

especificamente do lide.

Por fim, verificaremos como os manuais de redação da Folha de S.Paulo e

de O Estado de S.Paulo bem como suas diferentes edições abordam o assunto para,

posteriormente, levantarmos as diferenças e os problemas apresentados por alguns

teóricos acerca da categorização do lide presentes nos manuais de jornalismo.

2.2. Os manuais de redação da Folha de S.Paulo

Em 1921, ano de sua fundação, a Folha de S.Paulo foi nomeada

inicialmente Folha da Noite, criada com o objetivo de ocupar o espaço deixado por

jornalistas que haviam saído da edição vespertina de O Estado de S.Paulo, após

sua extinção.

Com o sucesso da Folha da Noite, foi criada a Folha da Manhã.

Posteriormente, em 1949, foi fundada a Folha da Tarde e, no ano de 1960, os três

jornais passam a ser um só, mas com três edições no mesmo dia. Dois anos depois,

essas três edições passam a ser duas. Neste mesmo ano, em 1962, a Folha é

vendida para Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho que criam, em

1978, o Conselho Editorial e passam a se preocupar mais com sua própria

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16

organização.

Motivados por essa preocupação, segundo Caprino (2001: 66), vários

documentos de circulação interna começam a aparecer com o objetivo de exigir

um maior profissionalismo por parte dos jornalistas e, em maio de 1984, Otavio

Frias Filho assume o cargo de diretor da redação e, em agosto, apresenta o Manual

Geral da Redação.

Esse primeiro manual possui apenas noventa e uma páginas e está

organizado em verbetes dispostos em ordem alfabética que misturam orientações

gramaticais com termos jornalísticos, dando ao manual um caráter de

desorganização. Caprino (op. cit.: 49), citando Lins da Silva, professor livre-

docente da Universidade de São Paulo e ex-diretor da redação do jornal Folha de

S.Paulo, observou que

o manual de 1984 foi mal aceito pela redação e muito criticado no meio jornalístico porque estava inserido em um processo que, a seu ver, ‘bateu de frente com muitas lendas do jornalismo’. Apesar de ter preocupação com a melhoria do texto jornalístico, o manual estava inserido no chamado Projeto Folha. Fazia parte de uma concepção de jornalismo que pretendia profissionalizar a redação, traçando normas e metas a serem cumpridas, não só relativas à qualidade de texto, mas também em relação à concepção editorial do jornal como mercadoria, orientado às demandas de seu público.

Para ele, esse manual de 1984 segue exatamente o modelo norte-americano

de jornalismo e não propõe nada de novo.

Após tantas críticas, é publicada, em 1987, uma segunda edição desse

manual com duzentas e quatorze páginas. O Manual Geral da Redação de 1987

está organizado em sete capítulos, com os verbetes dispostos, também, em ordem

alfabética: “Política Editorial”, “Estrutura da Folha”, “Padronização de estilo”,

“Procedimentos profissionais”, “Normas gramaticais”, “Convenções gráficas”,

“Vocabulário jornalístico”, além dos anexos, com indicações sobre estrangeirismo,

horário mundial, tabelas de pesos e medidas etc, e de um índice remissivo.

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Uma terceira reformulação do manual da Folha de S.Paulo sai em 1992 e é

nomeado de Novo Manual da Redação. Este novo manual está dividido em quatro

partes: “Projeto Folha”, “Produção”, “Texto”, “Edição” e, também há os anexos,

com dados sobre distâncias, medidas etc, uma bibliografia e um índice remissivo.

De acordo com sua própria introdução, o Novo Manual da Redação possui normas

e recomendações que têm a função de orientar o trabalho do jornalista da Folha de

S.Paulo e é bastante diferente dos anteriores por possuir normas mais flexíveis:

Ainda que incorpore muito do manual de 1984 e de sua versão ampliada e revista de 1987, o ‘Novo Manual’ difere substancialmente do anterior. (...) Até pela característica militante, o texto de 84 era draconiano e impositivo. A versão de 87 abrandou esse aspecto, enriqueceu conceitos, corrigiu falhas e acrescentou verbetes. Resultou num texto mais abrangente, com 214 páginas. (Novo Manual da Redação, 1996: 7-8)

A quarta, e até agora última, publicação do manual saiu no ano de 2001 com

o nome de Manual da Redação. Este manual está organizado em quatro capítulos:

“Projeto Folha”, “Procedimentos”, “Padronização e estilo” e “Folha”, além de um

“anexo gramatical” e de um “anexo geral”, com informações amplas sobre o

legislativo, o militar, o religioso, o matemático e estatístico, dentre outros. Esse

manual também define os manuais de 1984 e de 1987 como sendo impositivos,

denominando, por sua vez, o atual de orientador do trabalho jornalístico:

O novo manual também traduz uma flexibilização progressiva das normas presentes nas edições de 1984 e 1987, mais impositivas. Ele consubstancia os princípios da última versão do projeto editorial da Folha – divulgada em 1997 e aqui reproduzida – e procura orientar a aplicação desse projeto na prática cotidiana dos jornalistas. (Manual da Redação, 2001: 7)

Podemos afirmar que, com todas as informações adicionais presentes nos

anexos, o Manual da Redação tornou-se uma espécie de almanaque útil e possível

de ser consultado não apenas por jornalistas, mas também por pessoas leigas ou

pouco interessadas na padronização do texto jornalístico:

Esta edição procurou também atender ao interesse dos leitores

Page 28: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

18

que utilizam o manual como fonte de consulta. Assim, ela traz uma série de anexos (gramatical, jurídico, médico e outros) cujo objetivo é oferecer ao público uma obra de referência – concisa, porém abrangente – e ao mesmo tempo dar subsídios à atividade jornalística, sem ter, evidentemente, a pretensão de substituir a consulta a especialistas. (Manual da Redação, 2001: 7)

2.3. Os manuais de redação de O Estado de S.Paulo

O jornal A Província de S.Paulo foi fundado no ano de 1875, ainda no

período monárquico e escravocrata, e só passou a se chamar O Estado de S.Paulo

no ano de 1890. Durante grande parte de sua existência pertenceu à família

Mesquita, que é até hoje proprietária do jornal.

Um dos momentos mais difíceis da história de O Estado de S.Paulo ocorreu

entre os anos de 1940 a 1945, período em que a redação do jornal passou a ser

subordinada ao DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) e, assim, ocupada

pela polícia militar.

Quanto à idéia de produzir um primeiro manual de redação, esta só surgiu

no ano de 1986:

Em 1986, em uma conversa com o então diretor de redação do jornal, Miguel Jorge, Eduardo Martins chamou a atenção para a qualidade do texto do jornal, precária, no seu entendimento. Depois de dois ou três meses, (...) Miguel Jorge pediu a Eduardo Martins que reservasse por volta de dois meses para o projeto, antes de assumir a chefia de redação. No pedido, as orientações eram as seguintes: que se fizesse um manual de redação com as normas de uso de negritos, maiúsculas etc, porque, segundo os diretores do jornal, em cada lugar saia de um jeito. (...) O segundo pedido foi que um trecho do manual fosse dedicado aos grandes capítulos de gramática, concordância, uso de pronomes e outros, além de uma relação de umas 200 ou 300 palavras que pudessem suscitar dúvidas de ortografia. (Caprino, 2001: 54)

Eduardo Martins trabalhou, então, durante quatro anos no projeto de

elaboração de um manual de redação, que foi lançado, na Bienal do Livro de São

Paulo em agosto de 1990 com o nome de Manual de Redação e Estilo de O Estado

de S.Paulo. Essa primeira edição possui trezentas e cinqüenta páginas divididas em

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19

três capítulos, além dos apêndices de medidas: “O texto e a edição no jornal”,

“Normas internas e de estilo” e “Escreva certo”.

No ano de 1992, o manual teve sua capa alterada de cinza-prateada para

branca, todavia possui exatamente o mesmo conteúdo.

Em 1997, esse manual de redação foi totalmente reformulado e passou das

primeiras trezentas e cinqüenta páginas para quatrocentas. Houve, também, a

substituição de alguns capítulos, que totalizaram cinco: “Normas internas e de

estilo”, “O uso da crase”, “Os cem erros mais comuns”, “Guia de pronúncia” e

“Escreva certo”, além de um anexo de pesos e medidas.

Resta-nos, ainda, responder a uma questão: se o jornal foi fundado em 1875

e seu primeiro manual de redação só foi publicado no ano de 1986, podemos

afirmar que O Estado de S.Paulo aderiu muito tardiamente a esta questão de

padronização do texto jornalístico, que teve início na década de 1920?

Até a década de 1920, não havia uma grande preocupação em uniformizar o

texto jornalístico. Esta necessidade só apareceu realmente quando o Brasil

começou a ter um maior contato com a cultura norte-americana, e só se efetivou na

década de 1950 com o Diário Carioca, que além de teorizar, propondo o uso do

lide e da pirâmide invertida para produção de suas notícias, instituiu na redação do

jornal o copy desk, cuja função era a de ler, reformular e dar um caráter uniforme

aos textos produzidos.

Consideramos oportuno ressaltar que, desde a década de 1950 até a

publicação do seu primeiro manual, O Estado de S.Paulo fazia uso de fichas que

estavam organizadas em pequenas caixas para conseguir uma padronização de seus

textos. A par disso, Erbolato (2002: 124-5) esclarece que

em O Estado de S.Paulo predominou, durante muito tempo, a ‘caixinha’, que foi precursora dos Manuais. Determinadas regras,

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20

que vinham sendo transmitidas pela tradição oral, foram colocadas em fichário, com a aprovação, ao que se diz, de Júlio de Mesquita Filho e do jornalista Leo Vaz, redator-chefe e depois diretor do jornal. Nas mesas de todos os secretários e subsecretários da redação havia uma pequena caixa de madeira em que se colecionavam as fichas. Assim, a qualquer dúvida que surgisse entre repórteres, noticiaristas e redatores, a primeira consulta deveria ser feita à famosa ‘caixinha’.

Além dessa caixinha de madeira, motivados pela crescente preocupação

com a uniformização da notícia, com a padronização de um estilo jornalístico,

muitos pequenos manuais, de quatro ou cinco páginas, foram produzidos

internamente, contendo assuntos específicos como a utilização do negrito, das

maiúsculas, das minúsculas etc, até a publicação do primeiro manual em 1990.

2.4. A criatividade do jornalista e os manuais

Um dos principais questionamentos acerca do estilo jornalístico refere-se à

possibilidade de elaboração de um texto de qualidade diante de tantas

normatizações impostas pelos manuais de redação dos jornais.

Parece-nos ser inegável que, somada à tentativa de uniformização da notícia

jornalística por meio do estabelecimento de normas de redação que são, como

vimos anteriormente, ora apontadas como mais rígidas ora como mais flexíveis,

há, também, um empenho por parte dos manuais em elevar o nível do relato

jornalístico, legislando, então, sobre temas lingüísticos. Segundo Dias (1996: 48),

os Manuais têm a pretensão de encaminhar os redatores dos jornais (mas também seus leitores) para a idéia de um estilo uno, equilibrado, ‘correto’, que daria ao jornal a que se liga uma teórica e utópica unidade lingüística, com a vantagem de colaborar com a educação, divulgando a língua padrão que serviria também para o ensino.

Podemos nomear essa padronização e essa unidade lingüística de utópica,

pois, como veremos posteriormente, a padronização existe em grande parte dos

casos, mas ela não é integral como parecem pretender os manuais, principalmente

em se tratando de lide, assunto desta dissertação. Embora os manuais se intitulem

Page 31: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

21

cada vez mais flexíveis, veremos que essa flexibilização não existiu nem no início

nem na versão mais atual dos manuais.

Encontramos em Caprino (2001: 45) as funções e os objetivos dos manuais,

que podem ser sintetizados em sete itens:

a) Compilar e transmitir normas e padrões do estilo jornalístico, voltado principalmente para jovens jornalistas; b) Padronizar normas de estilo do veículo específico; c) Orientar o comportamento e atitudes de jornalistas de um veículo; d) Transmitir e divulgar a ideologia da empresa jornalística (ou política editorial) para jornalistas e leitores; e) Divulgar o nome do jornal junto ao grande público, servindo de instrumento de marketing; f) Estreitar sua relação com o leitor, estabelecendo uma espécie de contrato, pelo qual poderá ser cobrado; g) Substituir parcialmente as gramáticas, principalmente na função de consulta de dúvidas.

Caprino (op. cit.: 79) apresenta a opinião de vários jornalistas que atestam

ser os manuais de redação um elemento uniformizador, mas que pretendem

unicamente dar ao jornal uma característica e não tolher a criatividade do

jornalista:

Falar que são camisas-de-força, que tolhem a criatividade dos redatores é dar-lhes importância demasiada. Funcionam, sim, como padronizadores de estilos particulares e orientam, até mesmo fora do ambiente da redação, a produção textual”.

Para ela, o grande problema da padronização da notícia jornalística não está

nos manuais, mas sim nos jornalistas, que, devido a uma carga excessiva de

trabalho, optam por escrever padronizadamente, seguindo um manual, para

facilitar e agilizar o trabalho, sem necessitar, assim, ser criativo.

2.5. O lide nos manuais de redação

Os manuais de redação de jornais têm por objetivo, como abordamos

Page 32: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

22

anteriormente, normatizar, uniformizar o estilo e a edição do jornal. Funcionam

como cartilhas do bem escrever:

Este manual contém as normas e recomendações que norteiam o trabalho dos jornalistas da Folha. (Manual da Redação da Folha de S.Paulo, 2001: 7)

De qualquer forma, o objetivo deste trabalho continua o mesmo: expor, de modo ordenado e sistemático, as normas editoriais e de estilo adotadas pelo Estado. (Martins Filho, 1997: 9)

Com efeito, o lide é uma das partes constituintes da notícia jornalística e é

justamente aquela que abre, que introduz o texto noticioso. Dessa forma, a

preocupação com sua elaboração é clara e evidente na literatura que trata sobre a

estrutura do texto jornalístico e, como não poderia deixar de ser, também nos

manuais de redação dos jornais.

O Manual Geral da Redação (1984) está organizado em verbetes dispostos

em ordem alfabética, e mostra-se bastante impositivo quanto à elaboração do lide

ao utilizar locuções verbais como “deve começar”, “são admitidos”, “deve conter”,

“deve ser observado”, “não deve exceder”:

Na Folha todo texto noticioso deve começar com um ‘lead’. São admitidos dois tipos de ‘lead’: a) Quando se trata de noticiário factual, o ‘lead’ deve conter o que há de mais importante na notícia, resumindo-a em aproximadamente 5 linhas. O procedimento para redigi-lo é responder as clássicas perguntas – o que, quem, quando, onde, como e por que – dispondo as respostas em ordem decrescente de importância. Às vezes, o mais importante é quem, às vezes é onde etc. Esse critério de importância decrescente deve ser observado não apenas no ‘lead’ como ao longo de todo o texto, de forma que as informações menos importantes apareçam sempre no final. Isto facilita cortes que por razão de espaço são freqüentemente necessários. Recomenda-se redigir o ‘lead’ na ordem direta. Raramente se justifica o uso do verbo no início da frase. O ‘lead’ pode conter mais de uma frase, mas não deve exceder um parágrafo. b) Quando se trata de noticiário não-factual (histórias humanas, sides etc), o ‘lead’ não precisa resumir o texto, mas deve destacar aspectos dele que, não sendo necessariamente os mais

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importantes, conduzem à leitura. (Manual Geral da Redação, 1984: 55)

A nova edição reformulada desse manual, denominado Manual Geral da

Redação (1987), organizado, como vimos, diferentemente da versão anterior

sobretudo pelo fato de estar dividido em capítulos, trata do verbete lide em dois

momentos distintos: no capítulo que discute a “Padronização de estilo” e no que

apresenta o “Vocabulário jornalístico”.

Em “Padronização de estilo”, o lide é apresentado com seis regras para sua

melhor construção. Quatro delas estão presentes na primeira versão do manual

(conter as informações essenciais; ter apenas cinco linhas; obedecer à ordem direta

de uma oração; não iniciar o lide com verbo ou advérbio), e apenas duas foram

acrescentadas, priorizando, ambas, o leitor:

b) seja tão completo que o leitor possa se sentir informado sobre o assunto apenas com a sua leitura; (...) f) não utilize, sem explicar, nomes, palavras ou expressões pouco familiares para a média dos leitores. (Manual Geral da Redação, 1987: 86)

Já, em “Vocabulário jornalístico”, o verbete lide é colocado, sinteticamente,

como um estrangeirismo; é definido pelo Manual e é apontada sua tipologia

(noticioso e não-factual). A partir do Manual de 1987, esse verbete deixa de ser

grafado como se escreve no inglês, lead, e passa a ser lide.

Nesta versão, procurou-se dar um caráter mais ameno às regras de

elaboração do lide, utilizando-se, inclusive, o verbo recomendar, que substitui o

dever da edição anterior. No entanto, a topicalização iniciada por um verbo parece

manter o caráter autoritário, impositivo e unilateral dessa elaboração.

O Novo Manual da Redação da Folha de S.Paulo (1992), assim como as

versões anteriores, reserva um verbete específico para detalhar o lide. Esse verbete

aparece em três capítulos diferentes do manual, ou seja, no “Produção”, no

Page 34: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

24

“Texto” e, em seguida, no “Edição”. Nesses três momentos, o lide é definido e

caracterizado exatamente da mesma forma e, essa forma se assemelha à edição

anterior. Na verdade, o verbo deixa de ser o ameno recomendar, para voltar a ser o

impositivo dever da edição de 1984, além da presença da topicalização com verbos

no infinitivo, que possuem uma característica de obrigatoriedade.

Primeiramente, o Novo Manual designa uma função pragmática e específica

para o lide, que é a de introduzir o assunto a ser tratado pela notícia e a de prender

a atenção do leitor, procurando garantir a leitura do restante do texto.

Em seguida, ele define dois tipos de lide: o noticioso e o não-factual. O lide

noticioso deve responder a seis questões principais de um fato: o quê?, quem?,

quando?, como?, onde?, por quê?, e seguir alguns procedimentos técnicos que

determinam o que se deve fazer e o que se deve evitar no momento de elaboração

de um lide. A respeito do que se deve fazer, o Novo Manual da Redação (1992:

37) propõe:

a) Sintetizar a notícia de modo tão eficaz que o leitor se sinta informado só com a leitura do primeiro parágrafo do texto; b) Ser tão conciso quanto possível. Procure não ultrapassar cinco linhas de 70 toques (lauda) ou de 80 toques (terminal de computador da Folha); c) Ser redigido de preferência na ordem direta.

Em relação ao que se deve evitar, o Manual propõe que não se esconda o

fato principal em meio a informações como ambientação, horário, idade, e nem

que se inicie um lide com advérbio, gerúndio ou uma declaração entre aspas.

Possendoro (2002) discorda de Caprino (2001) ao enfatizar que esse

procedimento teórico aprisiona o jornalista em uma espécie de ‘camisa de força’

repressora e dogmática, que transforma o lide, em grande parte das vezes, na única

opção possível. Segundo ele (op. cit: 34), “ganha-se na mecânica, perde-se na

criação”.

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25

Quanto à outra tipologia de lide, o não-factual, o Manual parece ser um

tanto vago, pois além de não apresentar uma fórmula, ainda afirma serem

necessários outros recursos para atrair a atenção do leitor, que não são

especificados.

Entretanto, como afirma Possendoro (2002: 34),

a técnica jornalística são todos os procedimentos – que de tempos em tempos se renovam, devido às inovações e mudanças tecnológicas, sociais e políticas – que constituem o processo de produção do veículo jornalístico.

É exatamente uma técnica jornalística renovada que pudemos encontrar no

Manual da Redação da Folha de S.Paulo (2001). Esta nova edição também

reserva um verbete específico para tratar do lide que aparece uma única vez, no

capítulo “Procedimentos” e que se configura menos dogmática do que as edições

anteriores.

Tanto na edição anterior, quanto na atual (2001), há uma descrição da

função do lide dentro da estrutura da notícia, que é a de introduzir o leitor na

notícia e a de despertar seu interesse pelo fato noticiado, já nas linhas iniciais.

Diante disso, verificamos que os objetivos da presença do lide no texto jornalístico

continuam a ser os mesmos.

A maior mudança reside na estruturação do lide. Nas edições anteriores

pudemos observar um detalhamento imperativo e excessivo do lide, ou seja, uma

tentativa de padronização do primeiro parágrafo da notícia jornalística. Entretanto,

nesta nova edição, o tom da explanação é mais brando, parece haver um

aconselhamento daquilo que é possível ser feito em um lide, porém sua

mecanização, de que Possendoro (op. cit.) trata, não aparece.

No Manual da Redação da Folha de S.Paulo não há a distinção entre lide

noticioso e não-factual, tipologias apresentadas na versão anterior, pois este afirma

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26

não haver uma fórmula para elaboração de um lide, uma vez que uma construção

de primeiro parágrafo formulada a partir de um modelo pode causar um

desinteresse no leitor e este não continuar a leitura da notícia:

Imprescindível à valorização da reportagem e útil à dinâmica da leitura – por ser uma síntese da notícia e da reportagem –, não existe, no entanto, um modelo para a redação do texto do lide. Nem pode ele ser realizado de maneira automática, com escrita burocrática. Se assim for feito, mesmo que contenha o núcleo da reportagem, poderá gerar desinteresse instantâneo ou provocar no leitor a impressão de irrelevância da notícia. (Manual da Redação da Folha de S.Paulo, 2001: 28-9)

Há um aconselhamento para que a automatização do lide não seja feita. Nas

edições anteriores falava-se em “o lide deve” e “o lide não deve”, usa-se o verbo

no infinitivo ou modo imperativo. Na edição de 2001 do Manual, fala-se em “se

assim for feito”, “eles tendem a impor” e passa-se a priorizar o “interesse do

leitor”:

Se os fatos são urgentes e fortes, eles tendem a impor ao lide um estilo mais direto e descritivo, respondendo às questões principais em torno do acontecimento (o quê, quem, quando, como, onde, por quê, não necessariamente nessa ordem). (op. cit.: 29)

Embora não se trate mais de lide noticioso, as questões principais que

devem ser respondidas logo de início, ainda estão presentes. Isto significa que os

lides continuam muito presos a formulações tradicionais e rígidas, como

trataremos mais adiante, e que, portanto, as mais inovadoras, cujo objetivo é o de

interagir com o leitor e convidá-lo a continuar a leitura da notícia, são colocadas à

parte da arte do bem escrever dos jornalistas, pois eles têm sua capacidade de bem

escrever avaliada pela boa construção ou não do lide:

O texto do lide dependerá sobretudo da própria argúcia do jornalista para descobrir, no conjunto de sua apuração, aquilo que é o ponto mais forte, atual e de mais amplo interesse em relação à realidade que está vivendo. (Manual da Redação da Folha de S.Paulo, 2001: 29)

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27

Há, também, um verbete específico para detalhar o lide no Manual de

Redação e Estilo de O Estado de S.Paulo (1997), assim como em sua versão

anterior, que data de 1990. Entretanto, a padronização da notícia jornalística neste

manual aparece muito antes dos verbetes, pois há no primeiro capítulo de ambas as

edições, o título “Instruções gerais”, cuja função é a de normatizar os textos

publicados no jornal.

Essas “Instruções gerais”, também em ambas as versões, são formadas por

quarenta e nove regras, que abordam como deve ser elaborada a estrutura da

notícia (frases e períodos), o que pode ou não estar presente enquanto escolha

vocabular, e mais doze exemplos de bons textos noticiosos publicados nas

primeiras páginas de O Estado de S.Paulo.

Ao tratar da estrutura da notícia e o lide constituir parte integrante dessa

estrutura, quatro tópicos são utilizados na tentativa de padronizá-lo:

25 – Nas matérias informativas, o primeiro parágrafo deve fornecer a maior parte das respostas às seis perguntas básicas: o que, quem, quando, onde, como e por quê. As que não puderem ser esclarecidas nesse primeiro parágrafo deverão figurar, no máximo, no segundo, para que, dessa rápida leitura, já se possa ter uma idéia sumária do que aconteceu. 26 – Não inicie matéria com declaração entre aspas e só o faça se esta estiver importância muito grande (o que é a exceção e não a norma). 27 – Procure dispor as informações em ordem decrescente de importância (princípio da pirâmide invertida), para que, no caso de qualquer necessidade de corte no texto, os últimos parágrafos possam ser suprimidos, de preferência. 28 – Encadeie o lead de maneira suave e harmoniosa com os parágrafos seguintes e faça o mesmo com estes entre si. Nada pior do que um texto em que os parágrafos se sucedem uns aos outros como compartimentos estanques, sem nenhuma fluência: ele não apenas se torna difícil de acompanhar, como faz a atenção do leitor se dispersar no meio da notícia. (Martins Filho, 1997: 17-8)

Optamos por fazer esta longa citação para que se pudesse observar que as

regras deste manual são imperativas. Utilizam-se verbos no modo imperativo para

que não se tenha dúvida sobre o caráter rígido e obrigatório da construção do lide.

Page 38: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

28

Aliás, a única mudança existente nessas quatro regras, entre o manual de 1990 e o

de 1997, é a de torná-las mais rígidas, uma vez que na primeira versão falava-se

em “evite iniciar matéria por declaração entre aspas” (Martins Filho, 1990: 18) e

é substituída na segunda por “não inicie matéria com declaração entre aspas” (op.

cit., 1997: 18), ou seja, a partir de 1990, a declaração entre aspas no lide poderia

ser feita, porém não com freqüência e, sim, raramente. Entretanto, a partir de 1997,

tal declaração passa a ser totalmente proibida.

Essas regras também ordenam a construção de um lide que responda às seis

perguntas básicas. Vimos anteriormente que esta também era a regra no Manual da

Folha de S.Paulo de 1985, 1987 e 1992, mas que se tornou mais flexível na edição

de 2001, representando uma tendência no caso dos fatos mais urgentes e fortes.

Como veremos mais adiante, Hohenberg (1962) considera tal elaboração

tradicional e ultrapassada, pois houve nos últimos anos uma mudança na função do

jornal impresso para a sociedade.

Conforme explicitamos anteriormente, as regras de construção do lide no

Manual de Redação e Estilo de O Estado de S.Paulo (1990/1997) são imperativas.

É importante ressaltar que quase todo o manual faz uso da forma imperativa do

verbo.

Quanto ao verbete lide do mesmo Manual, situado na parte das “Instruções

específicas”, há, primeiramente sua definição, afirmando ser este o responsável

pela abertura da matéria e que, portanto, deve fornecer ao leitor uma síntese

completa do fato principal, respondendo sempre às seis questões primordiais do

jornalismo (o quê?, quem?, quando?, onde?, como? e por quê?). Há, em seguida,

no Manual (1990: 42- 6), uma vasta exemplificação de lides bem e, também, mal

construídos, focando um problema qualquer de elaboração, como o da

objetividade, das repercussões e suítes4, da falta de informação, das aberturas de

__________ 4. Suíte é originário do francês suite, isto é, “série, seqüência. Em jornalismo, designa a reportagem que explora os desdobramentos de um fato que foi notícia na edição anterior”. (Novo Manual da Redação da Folha de S.Paulo, 1996: 44)

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29

matérias “humanas’, das interpretações, das intercalações, das aberturas não-

noticiosas, do óbvio ou lugar-comum e de criatividade.

Problemas como falta de objetividade, de informação, de criatividade e lides

construídos a partir do óbvio ou do lugar-comum são assuntos já bastante

discutidos pela literatura jornalística, uma vez que ao elaborar a notícia, o

jornalista deve procurar construir textos claros, precisos, diretos, objetivos e

concisos. Seguindo esses cinco princípios, dificilmente um desses problemas

acima citados apareça.

Faremos um estudo mais detido sobre as aberturas de matérias “humanas”,

as interpretações e as aberturas não-noticiosas, por ser a função interacional o foco

dessa dissertação.

Possendoro (2002: 19) distingue o lide da notícia do lide da reportagem,

sendo o segundo, assunto discutido em sua dissertação. Ele considera que o jornal

redige seus lides de maneira padronizada, ou seja, seguindo sempre o princípio da

relevância, da pirâmide invertida, cujo objetivo é o de garantir uma qualidade

mínima necessária à notícia, pois coloca sempre no lide o fato mais importante e

segue essa ordem de importância até o final da notícia, não obedecendo, portanto,

a uma seqüenciação cronológica do fato:

Nos jornais diários, sobretudo na produção das notícias, o problema de se redigir a abertura ideal é resolvido, digamos, de forma automática, na medida em que o repórter escreve de imediato o lide – a novidade ou a informação mais importante.

Para Possendoro (op. cit.: 41), as aberturas de matérias “humanas”, as

interpretações e as aberturas não-noticiosas são lides praticados em reportagens

impressas, pois os dois primeiros são subitens do lide não-noticioso:

O Estado destaca outros tipos de lides, como os lides ‘humanos’, ‘interpretados’ e ‘não-noticiosos’. Estes, assemelham-se às aberturas praticadas nas reportagens impressas. São os lides chamados de não-factuais, para os quais não é primordial o

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30

aspecto noticioso da informação.

Podemos considerar o lide não-noticioso como parte integrante de uma

reportagem, pois como o próprio Manual de Redação e Estilo de O Estado de

S.Paulo (1997: 157) preconiza,

é preciso sempre levar ao leitor o ponto central da informação de maneira atraente e de forma que ele perceba que não está diante de uma notícia propriamente dita.

Por sua vez, o lide interpretado pode aparecer tanto em uma reportagem

quanto em uma notícia. Utilizaremos o exemplo dado pelo próprio Manual para

justificar tal opinião:

A mais significativa vitória de um lobby articulado na atual Constituinte não foi de empresas especializadas e organizadas para esse fim ou financiados pelas poderosas multinacionais. Foi a do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), que conseguiu a inclusão, no projeto da Comissão de Sistematização de 38 reivindicações de 9 confederações de trabalhadores, 9 federações de funcionários públicos de nível nacional, 3 centrais sindicais e mais de 300 sindicatos. (op. cit.: 157)

No lide acima, além do grau interpretativo, “a mais significativa vitória”,

existe, também, um grau noticioso: o fato de o Diap ter conseguido a inclusão de

38 reivindicações no projeto de votação da Constituinte. Logo, se há um fato

noticioso, há uma notícia.

Quanto ao lide “humano”, não há uma definição presente no Manual de

Redação e Estilo (Martins Filho, 1997: 156), mas apenas dois exemplos com uma

observação anterior, afirmando que ele é uma das aberturas mais difíceis de ser

redigida por exigir do jornalista criatividade e atenção para que o texto não se

aproxime do pieguismo.

Entretanto, como veremos adiante, este tipo de lide é bastante estudado por

Page 41: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

31

jornalistas como Hohenberg (1962) e Erbolato (2002). Eles o concebem como um

outro tipo de lide possível na notícia, cuja função é a de despertar o interesse por

parte do leitor.

Para finalizar tal análise do Manual de Redação e Estilo de O Estado de

S.Paulo, julgamos pertinente apontar uma das raríssimas diferenciações presentes

entre as edições de 1990 e 1997. Esta distinção está relacionada ao tamanho do

lide, ou seja, na primeira versão, há a exigência de que o primeiro parágrafo tenha

de quatro a sete linhas. Todavia, na versão de 1997, esse número cai para quatro ou

cinco no máximo. Eis mais um exemplo de que o processo de produção da notícia

sofre constantes modificações e de que é cada vez maior a exigência por

objetividade e concisão no texto jornalístico:

Graficamente, recomenda-se que o lead tenha de quatro a sete linhas da lauda padrão do Estado. (op. cit., 1990: 42)

Graficamente, recomenda-se que o lead tenha no máximo 4 a 5 linhas de setenta toques. (op. cit., 1997: 154)

2.6. Os lides e os teóricos do jornalismo impresso

Tradicionalmente, a organização da notícia jornalística está norteada pelo

princípio da relevância, ou seja, a informação principal, a mais importante é

destacada no momento em que o jornalista produz seu texto. Esse destaque é dado,

transformando o fato principal em manchete e desenvolvendo-o no lide.

Se a notícia jornalística é, então, estruturada seguindo o princípio da

relevância, não se importando com a seqüenciação cronológica dos fatos, ela

possui outras regras de ordenação denominadas por van Dijk (2000: 123) de

esquemas rígidos. Esses esquemas são a superestrutura do texto jornalístico e esta

possui “uma natureza fixa, convencional (e deste modo, culturalmente variável)

para cada tipo de texto”.

Page 42: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

32

A superestrutura da notícia jornalística possui alguns princípios ordenadores

que podem seguir a seqüência proposta ou serem opcionais. Algumas estruturas

mais fixas, como a do sumário (manchete e lide), vêm sempre em primeiro lugar.

Há, entretanto, outras estruturas que podem trocar de posição ou até mesmo não

serem utilizadas.

Esses princípios ordenadores dos fatos que serão noticiados estão ordenados

em sumário (manchete e lide), background, evento principal, conseqüências e

comentário.

A manchete e o lide funcionam como um sumário da notícia jornalística e

apontam as informações mais importantes do texto. O lide corresponde ao primeiro

parágrafo de uma notícia jornalística impressa e é, como define o Manual de

Redação da Folha de S.Paulo (2001: 28-9), “imprescindível à valorização da

reportagem e útil à dinâmica da leitura contemporânea – por ser uma síntese da

notícia e da reportagem”.

O background, como define van Dijk (2000: 146), tem a função de dar uma

informação que não é parte do evento principal ocorrido, porém fornece “o

contexto social, político ou histórico geral ou as condições desses eventos”.

O evento principal costuma aparecer na notícia jornalística logo após o

sumário (manchete e lide). Como claramente o próprio nome sugere, ele representa

o evento central, o fato atual ou presente do background, isto é, a notícia

propriamente dita. Por ser o fato central da notícia jornalística, ele pode aparecer

após o lide, mas é uma categoria que pode, também, reaparecer no decorrer da

exposição dos fatos.

Já a categoria das conseqüências é o resultado dos eventos. Ela é

responsável pela organização de todos os eventos que foram causados pelo evento

principal.

Page 43: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

33

A última categoria, o comentário, aparece freqüentemente no final da

notícia jornalística. Ele é, todavia, opcional e pode, por isso, não constar na

superestrutura da notícia jornalística. Esta categoria possui as conclusões, as

expectativas, as especulações ou alguma outra informação que o jornalista queira

dar ao seu texto.

Essa superestrutura preconizada por van Dijk (2000) é importante por

garantir uma compreensão acerca da notícia, pois esta é estruturada de maneira a

dar ao leitor a capacidade de recuperar em poucas palavras aquilo que num

contexto mais amplo foi noticiado.

A esse respeito, o próprio van Dijk (op.cit.: 151) alerta para o fato de que,

um tratamento puramente formal, estruturalista, dos esquemas da notícia tem suas limitações. Ele nos permite especificar estruturas noticiosas fixas, canônicas, mas dificilmente as muitas variações e as estratégias dependentes do contexto.

Hohenberg (1962), jornalista que exerceu forte influência na renovação do

jornalismo brasileiro, também concorda que há inúmeras variações ao se produzir

uma notícia. Ele afirma que o número de notícias é tão grande quanto o de

jornalistas.

Quanto ao lide, Hohenberg (op. cit.) apresenta uma visão mais ampla do que

van Dijk (op. cit.), pois para aquele, além de ser o sumário de uma notícia

jornalística, o lide representa a abertura da notícia sendo, portanto, o responsável

por conduzir, por introduzir o leitor naquilo que será noticiado e por despertar seu

interesse, por envolvê-lo para que haja uma continuidade da leitura.

Para Hohenberg (op. cit.) há um progresso neste tipo de concepção, uma vez

que anteriormente o único objetivo do jornalista, ao escrever o lide de uma notícia,

era o de economizar o tempo e o esforço do leitor, destacando, assim, a informação

Page 44: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

34

principal logo no início, como um modo de o leitor ler as primeiras linhas ou

parágrafos e poder desistir de ler o restante por já ter apreendido o geral da notícia.

Todavia, havendo atualmente, como pudemos verificar nos manuais de

jornalismo paulistas (Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo), não apenas o

objetivo de noticiar, mas também, o de interessar o leitor, o lide deve conter

informação, prazer, instrução e curiosidade:

Essa orientação marca o início da modificação de velhos hábitos na redação das notícias, hábitos que desprezavam os princípios básicos de atrair e conservar a atenção do leitor. (Hohenberg, 1962: 97)

O lide, na década de 1930, era uma longa frase inicial e invariável da

notícia, que tinha por tradição comprimir nele todo o principal sentido da história.

Para que todo esse principal sentido estivesse presente no lide, ele deveria

responder àquilo que Hohenberg (op. cit.) nomeia por cinco chaves, isto é, quem?,

quando?, onde?, o quê?, por quê?, além de um como?. Por esse motivo, o lide era

constituído por sessenta ou setenta palavras, algumas vezes por mais de cem, que

freqüentemente dificultavam o entendimento do leitor por possuir frases iniciais

muito extensas.

Esse lide extenso era elaborado pelos jornalistas como um mecanismo de

autodefesa, pois, sendo a notícia sintetizada em uma primeira frase, ninguém

poderia questionar a omissão de um ou de outro detalhe:

Quando o jornal rival aparecia com uma manchete explorando ângulo diferente, o redator podia apontar confortavelmente para o seu lead atroz e dizer para os colegas: ‘Bem, esse detalhe estava também no meu lead. Poderia ter-lhe dado destaque, também não fosse a estúpida revisão’. (op. cit.: 97)

Hohenberg (op. cit.), entretanto, afirma que os lides atuais dificilmente

excedem vinte ou vinte e cinco palavras, podendo ter algumas vezes ainda menos,

e focalizam apenas uma das cinco chaves, ou seja, se o o quê é, por exemplo, o

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elemento mais importante da notícia para o jornalista, ele será o ângulo

desenvolvido no lide:

Não se trata aqui meramente de uma questão de contagem de palavras: afinal de contas, uma frase curta pode confundir tanto como uma longa. O costume dos redatores modernos, é insistir, quando possível, em uma idéia por frase do lead, e no resto da matéria, se possível. (op. cit.: 97)

Essa é, também, a organização de lide proposta por Amaral (1987). Para ele,

o lide é a parte principal da notícia por ser o responsável pelo desenvolvimento do

interesse do leitor e, deve, portanto, responder ao que ele nomeia por elementos

essenciais da informação (quem, onde, quando, como, por quê e o quê), mas não

necessariamente todos de uma única vez. Sendo assim, propõe cinco maneiras

diferentes de elaboração de lide para valorizar cada um desses elementos: o lide de

valorização do quem, o de valorização do quando, o de valorização do onde, o de

valorização do como e o de valorização do por quê 5.

1. Valorização do quem

“A prefeita Marta Suplicy (PT) passou por maus bocados ontem, em visita

à Subprefeitura de Cidade Tiradentes (extremo da zona leste). Ela virou alvo de

bolinhas de papel, um caderno e até duas pedras, que foram arremessadas por

motoristas e cobradores de ônibus que perderam o emprego porque suas viações

foram descredenciadas pela administração” (JT: 30/04/2003, grifo nosso).

2. Valorização do quando6

Ontem, a prefeita Marta Suplicy (PT) passou por maus bocados em visita à

Subprefeitura de Cidade Tiradentes (extremo da zona leste). Ela virou alvo de

bolinhas de papel, um caderno e até duas pedras, que foram arremessadas por

__________

5. Amaral segue, em linhas gerais, o trabalho de José Marques de Melo, Valorização do ângulo principal no lead, publicado pelo Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações Culturais da USP.

6. Os textos dos itens 2 a 5 sofreram processo de retextualização para que fiquem claras as elaborações de lides propostas por Amaral (1987) .

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36

motoristas e cobradores de ônibus que perderam o emprego porque suas viações

foram descredenciadas pela administração.

3. Valorização do onde

Em visita à Subprefeitura de Cidade Tiradentes (extremo da zona

leste), a prefeita Marta Suplicy (PT) passou ontem por maus bocados. Ela virou

alvo de bolinhas de papel, um caderno e até duas pedras, que foram arremessadas

por motoristas e cobradores de ônibus que perderam o emprego porque suas

viações foram descredenciadas pela administração.

4. Valorização do como

Com bolinhas de papel, um caderno e até duas pedras arremessadas por

motoristas e cobradores de ônibus que perderam o emprego porque suas viações

foram descredenciadas pela administração, a prefeita Marta Suplicy (PT) virou

alvo ontem, em visita à Subprefeitura de Cidade Tiradentes (extremo da zona

leste).

5. Valorização do por quê

Por estarem desempregados pelo fato de suas viações terem sido

descredenciadas pela administração, a prefeita Marta Suplicy (PT) passou por

maus bocados ontem, em visita à Subprefeitura de Cidade Tiradentes (extremo da

zona leste). Ela virou alvo de bolinhas de papel, um caderno e até duas pedras, que

foram arremessadas por motoristas e cobradores de ônibus.

Amaral (1987), entretanto, não trata do lide de valorização do o quê. Ele

apresenta, primeiramente, a construção de um lide tradicional e, em seguida,

aborda os cinco diferentes modos de valorização dos elementos essenciais do lide,

assim como fizemos anteriormente. Optamos por deixar no final o lide tradicional

pela semelhança existente entre o exemplo dado por ele desse tipo de lide e o lide

de valorização do quem:

1. Lead tradicional (fórmula ultradireta – 3Q-CO-PQ)

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37

O marginal Zequinha matou, ontem, na esquina da Rua Augusta com Paulista, o comerciário João de Deus, com 38 facadas no corpo. João foi assassinado ao lado de sua namorada, quando tentava reagir ao assalto de Zequinha, que queria roubar-lhe a carteira, onde existiam NCr$ 60,00. 2. Valorização do quem O Bandido da Luz Vermelha matou, com 28 facadas, ontem, na esquina da Rua Augusta com Paulista, o comerciário João de Deus quando este reagiu ao assalto de que era vítima. (Amaral, 1987: 67)

Ao abordar a mesma questão de valorização de um elemento na elaboração

do lide, Erbolato (2002:72) parece perceber tal semelhança, pois não faz menção

ao lide tradicional; inicia logo com um exemplo, cuja função é a de valorizar o

sujeito. Em seguida, reorganiza o lide citado para que ora valorize o quando, ora o

onde e assim por diante. Embora anuncie, esse autor (op. cit.) também não redige

um exemplo que valorize o o quê.

Vale ressaltar, ainda, que todos os lides apresentados por Amaral (1987) são

construídos segundo o princípio da pirâmide invertida, ou seja, não importa qual

aspecto está sendo valorizado, mas é o fato principal que está encabeçando a

notícia. Temos, então, diferentes versões para um mesmo lide tradicional.

Hohenberg (1962) afirma ser a pirâmide invertida a mais antiga e mais útil

das estruturas da notícia. Ela surgiu a partir da invenção do telégrafo por uma

necessidade de transmitir a notícia em primeira mão, rápida e corretamente.

Já, há alguns anos, jornalistas têm argumentado não haver mais a

necessidade de comprimir a notícia nas primeiras frases, uma vez que este recurso

fora utilizado em uma época em que o jornal impresso era o grande responsável

pelos “furos” de notícia. Com o aparecimento da televisão e do rádio, essa função

foi delegada a eles.

Sendo assim, a elaboração do lide teve de ser repensada para que se

passasse a construir lides, como expõe Hohenberg (op. cit.), mais movimentados,

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38

que não apenas informassem o leitor sobre algo, mas sim, atraíssem-no,

seduzissem-no e encantassem-no.

Esse lide mais movimentado proposto por Hohenberg não surge em

substituição ao lide tradicional; é apenas uma maneira diferente de elaboração do

lide e, conseqüentemente da notícia a fim de que não se caia em uma estruturação

fixa que seja desinteressante ao leitor.

Hohenberg (1962) apresenta seis tipos de lides, considerados por ele como

eficazes. O primeiro é o nomeado de lead 7 direto. Este é constituído por uma ou

mais frases, um ou mais parágrafos e devem traçar a ação, o local e o significado

da notícia. Representa um meio eficaz de resumir a notícia para um leitor

apressado. Utilizaremos em todos os tipos de lides apresentados a seguir um

exemplo dado pelo próprio autor:

BUDAPESTE, HUNGRIA, out., 26 – O que começara nesta cidade, na terça-feira, como uma manifestação, e tornou-se, na mesma noite, uma revolta, transformou-se ontem em guerra, ainda travada violentamente no dia de hoje. Trata-se de uma guerra desfechada por tropas soviéticas e elementos da Polícia Política húngara contra a massa popular da Hungria.

- New York Times (op. cit.: 221)

No lead pessoal, o jornalista dirige-se diretamente ao leitor ou chamando-o

para participar, assunto desta dissertação, ou fazendo-lhe uma pergunta. Embora

jornalistas tradicionais não simpatizem com lides iniciados por perguntas ou por

citação, eles têm aparecido freqüentemente nos jornais:

WASHINGTON – Conhece o leitor aquele tipo decorativo de moça que se senta na entrada do edifício de administração de todas as grandes empresas do país? A Junta Nacional de Relações Trabalhistas (NLRB) acaba de por ponto final em um trabalhoso processo judicial, de ano e meio de duração, para determinar se essa ‘boneca’ é guarda de fábrica ou recepcionista. Solução: Ela é recepcionista e não deve ser incluída,

__________

7. Embora estejamos utilizando a palavra aportuguesada lide, manteremos para tratar da tipologia apresentada por Hohenberg a maneira usada por ele.

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39

juntamente com os guardas de fábricas, em negociações coletivas sobre salários. - Chicago Daily News (Hohenberg, 1962: 223)

O lead de contraste é, para Hohenberg (op. cit.), uma das maneiras mais

comuns para se iniciar uma notícia, que é, como o próprio nome já diz, a inclusão

de um contraste no lide:

Harvey Lavan (Van) Cliburn Jr., de Kilgore, Texas, regressou ontem à pátria, procedente da União Soviética, trazendo uma bagagem de 17 malas. Elas testemunhavam o seu êxito como pianista em Moscou. Quando partiu daqui, levou apenas três. (op. cit.: 224)

O quarto tipo de lide apresentado pelo jornalista americano é o retardado.

Ele procura explorar uma situação banal para lhe dar um certo destaque e tem por

objetivo fazer com que o leitor leia vários parágrafos até que descubra o que

realmente aconteceu:

A cerimônia do casamento era igual a dezenas de outras que o pároco do tribunal, Reverendo Della Saxon, realizara na pequena capela, localizada no saguão da corte. Mas as circunstâncias eram diferentes. A noiva tinha 78 anos. O noivo, 89. O padrinho, 75. De qualquer maneira, foi um belo casamento para a Sra. Julia Mãe Barnhart, da Av. Stull, 207, e John Adam Marton, de Eaton, O”. (op. cit.: 224)

O lead episódico, cujo objetivo é atrair o leitor para um fato que poderia não

interessá-lo, tem sua origem nas revistas. O jornal utiliza-se dessa prática, também

com o mesmo objetivo e inicia suas notícias com pequenas histórias:

CHICAGO – A Sra. Joyce K., uma vovó de 69 anos, natural de Boston, teve a sua vesicular biliar removida por um experiente cirurgião no seu estado natal, há alguns meses. A operação salvou-lhe a vida. Dado o seu passado de doente cardíaca, o uso de anestésicos teria sido perigoso. Por esse motivo, a Sra. K. Foi hipnotizada pouco antes de ser levada à sala de operações. A Sra. K. foi um dos muitos casos clínicos discutidos no fim da última semana, na primeira sessão anual da Sociedade

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40

Americana de Hipnose Clínica. (Hohenberg, 1962: 225)

O último lide apresentado por Hohenberg (op. cit.) é o humorístico,

caracterizado por ele com um início de notícia de difícil construção e que deve

contar acima de tudo com a habilidade de um bom jornalista:

Um atlético mas pacato carteiro desviou-se ontem à noite, pouco depois das seis horas de seu roteiro habitual, para mergulhar por uma estação do metrô e entregar uma encomenda especial – um ‘gancho’ que lançou ao chão, desacordado, um assaltante em fuga.

- New York Daily News (op. cit.: 226)

Julgamos ser pertinente toda essa explanação sobre a tipologia do lide

apresentada por Hohenberg (op. cit.), porque os demais autores pesquisados, ou

dão enfoque a variações do lide tradicional, ou utilizam uma diferente

nomenclatura para categorizar os mesmos lides já expostos por ele.

Lage (1982) aborda basicamente o lide tradicional, nomeado por ele de

clássico. Ele trata desse tipo de lide de forma bastante teórica e estrutural,

recorrendo às locuções verbais e nominais para explicá-lo. Ao apresentar uma

nomenclatura classificatória para os diferentes tipos de lide, ele se apóia em

Erbolato (2002).

Erbolato (op. cit.) afirma existirem para a notícia tantos tipos de lide quanto

a imaginação do jornalista permitir. Ele apresenta de forma sucinta doze tipos: o

simples (trata de um único fato principal); o composto (refere-se a vários fatos

importantes); o integral, (responde às seis perguntas – quem?, o quê?, quando?,

onde?, por quê? e como?); o de suspense ou dramático (pretende emocionar o

leitor); o lead-flash (introduz de forma resumida uma notícia); o resumo (igual ao

lide composto); o citação (transcreve a fala de outrem); o contraste (trata de fatos

diferentes e opostos); o chavão (cita um slogan ou dito popular); o documentário

(faz uso de um fato histórico); o direto (trata diretamente do fato principal) e o

pessoal (dirige-se ao leitor).

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41

A maioria dos tipos de lide apresentados por Erbolato (2002) é

“estruturalmente redutíveis ao modelo do lead clássico” (Lage, 1982: 75). Apenas

o lead chavão, o citação, o pessoal, e o suspense ou dramático, cujo objetivo é o

de emocionar o leitor, estão estruturalmente organizados de maneira diferente.

Ressaltamos que estes quatro últimos tipos de lide são estruturalmente

diferentes dos demais, pois os oito primeiros continuam muito mais voltados para

o fato e para a melhor maneira de organizá-lo. Em contrapartida, os restantes

parecem mais próximos do leitor, procurando envolvê-lo na notícia pelo lado mais

emocional. O lide pessoal, por exemplo, “fala” diretamente ao leitor, pretende

“trazê-lo” para aquilo que está sendo noticiado.

Bond (1959: 163) classifica esse lide nomeado por Erbolato (op. cit.) e por

Hohenberg (1962) de pessoal, de lide de apelo direto:

[Este lide] utiliza o interesse da participação dos leitores numa carta particular. É endereçada diretamente ao leitor e tem o efeito de dar ao leitor a impressão de colaborar no que se segue.

Além desse lide de apelo direto, Bond (op. cit.) faz referência a outros sete

tipos: o condensado, que se assemelha ao lead-flash de Erbolato (op. cit.); o

circunstancial, utilizado quando a história possui um lado humano; o entre aspas,

que corresponde ao lide citação de Erbolato; o descritivo, que ilustra inicialmente

o ocorrido; o ativador de interesse, assemelha-se ao lide suspense ou dramático de

Erbolato; o numerado, que se utiliza de meios gráfico-visuais como os números

para se estruturar e o original, que representa uma criação nova de lide proposta

pelo jornalista.

Medina (1978: 141) também aborda esse lide numerado, nomeando-o de

lide esquemático e pautando sua elaboração em um desejo do jornalista de

produzir um impacto no leitor:

Três informações importantes sobre a guerra do Vietnã:

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42

1. Os Estados Unidos não permitirão em hipótese alguma a derrota militar do Vietnã do Sul;

2. Para isso, porém, não recorreram nem às armas nucleares, nem ao envio de mais tropas;

3. No entanto, os Estados Unidos não estão dispostos a assegurar indefinidamente a sobrevivência do regime de Saigon.

Medina (1978), assim como Hohenberg (1962), discute a função de um lide

tradicional e a eficácia de se elaborar uma notícia segundo o princípio da pirâmide

invertida nos dias atuais. Ela relaciona as outras possibilidades de construção de

um lide a um desejo de consumo. Para ela, o jornal é um produto que precisa ser

vendido e, por isso, o lead-sumário, que corresponde ao lide tradicional, torna-se

insuficiente para atingir tal objetivo.

Sendo assim, Medina (op. cit.) distingue os lides de notícias jornalísticas em

duas amplas categorias: a do lead-sumário, considerada por ela insuficiente

atualmente para adquirir todas as aberturas de notícias, e a do lead-apelo, que,

assim como considera Erbolato (2002), possui tantas possibilidades de elaboração

quanto a imaginação do jornalista permitir. Ela trata sucintamente de oito tipos

distintos para o lead-apelo, dentre eles o lead-esquemático, cuja apresentação já

fizemos anteriormente.

O primeiro apresentado por Medina (op.cit.: 140) é o lead-impacto, que

corresponde a uma frase direta que leva o leitor a um dado importante da

informação, mas não necessariamente preciso, como no exemplo dado: “O corte

ontem foi só da energia elétrica que serve aos elevadores e às bombas de água”.

O lead-envolvente corresponde ao lide pessoal nomeado por Hohenberg

(op. cit.) e Erbolato (op. cit.) e, como já dissemos, é elaborado pelo jornalista com

o objetivo de estabelecer uma proximidade afetiva com o leitor. O contrário dessa

proximidade é estabelecido pelo lead-indireto, pois ele insere o leitor na notícia

por meio das circunstâncias totalmente acessórias, que podem ser uma

ambientação ou uma metáfora.

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43

O lead-citação, também é explicado por Erbolato (2002), e consiste em o

jornalista iniciar sua notícia com uma declaração de alguém.

Uma outra forma de lide proposta por Medina (1978: 141) é o lead-literary

que se vale de recursos ficcionais e inicia a notícia de maneira literária. Podemos

relacioná-lo ao lide episódico proposto por Hohenberg (1962):

O homem barbado, com o rosto cansado, apareceu na porta do Boeing 707, segurando suas pequenas malas....

O lead-contraste, também proposto por Hohenberg (op. cit.) e Erbolato (op.

cit.), procura opor, como já expusemos, fatos contrários e, ao mesmo tempo,

complementares no início da notícia, que para Medina têm o objetivo de apelar,

pois o leitor dará continuidade à leitura para buscar as respostas de tal contradição.

E, por fim, Medina (op. cit.) trata do lead-interrogativo, que é elaborado

pelo jornalista com uma interrogação, cuja finalidade é a de despertar a curiosidade

em seu leitor e também de o levar a procurar respostas no restante do texto.

Ao abordarem os diferentes tipos de lide, observamos que os estudiosos do

assunto, de uma maneira geral, apresentaram diferentes designações para uma

mesma construção, evidenciando, assim, haver tantas possibilidades de elaboração

de um primeiro parágrafo para uma notícia jornalística quanto a imaginação do

jornalista permitir e ser este um assunto merecedor de muitos estudos.

Julgamos ser ainda necessário ressaltar que nossa pesquisa não pretende

invalidar a função e a utilidade de um lide tradicional. O que pretendemos apontar,

neste capítulo, é que o lide de uma notícia jornalística, ao contrário do que expõe

Possendoro (2002), não precisa e não deve seguir uma estrutura fechada e pronta.

Não precisa, por haver outras maneiras de se construir lides bem mais atraentes ao

leitor, e não deve para que a leitura do jornal não se torne algo pesaroso e

monótono.

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44

Com o intuito de melhor investigar a amostra do presente trabalho, fazemos

o seguinte questionamento: se os estudiosos afirmam exaustivamente que o lide

tradicional é uma construção insuficiente, que perdeu sua função após o

surgimento do rádio e da televisão, por que é ainda tão utilizado nos jornais

impressos paulistas?

Para Hohenberg (1962), os jornalistas deixam-se contagiar pela tradição de

que um lide deve ser completo, “oficial” e não interessante e, por esse motivo,

constroem lides ainda padronizados. É o desejo de ser oficial ao lidar com algo

oficial:

O redator (...) sobrecarrega seus leads com fontes oficiais, títulos oficiais, jargão oficial – até mesmo com citações oficiais – e depois se espanta porque eles são considerados longos, desajeitados e monótonos. (op. cit.: 213)

As observações de Hohenberg (op. cit.) nos possibilitaram constatar que a

presença de lides tradicionais nos jornais paulistas, particularmente em notícias

sobre política e economia, deve-se à necessidade de haver uma estrutura oficial

para uma notícia igualmente oficial. Já, em notícias que tratam, por exemplo, do

cotidiano da cidade ou dos esportes, a quantidade de lides oficiais é menor.

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45

III. LEITOR, INTERAÇÃO, DIALOGISMO E ENVOLVIMENTO

3.1. Considerações gerais

Como assinalamos no capítulo anterior, os manuais de redação surgiram

decorrentes de uma tentativa e de uma necessidade de padronização da notícia

jornalística. Juntamente com esses manuais, apareceram, também, as noções de

pirâmide invertida e de lide. Mas por que tal padronização? O que motivou os

jornais a essa reestruturação, exposta no capítulo anterior?

O leitor parece ser o motivador dessas alterações, pois é ele, como afirma

Norberto (s.d.:21-2), o elemento central, a figura primordial de um jornal:

Do ponto de vista do veículo, o leitor é o objetivo máximo, a conquista suprema. (...) O jornalismo, sendo uma indústria como qualquer outra, deve, para poder sobreviver, apoiar-se também em bases comerciais práticas. Os leitores, os ouvintes, os telespectadores e os fãs de cinema são que mantêm os jornais (sic), as emissoras de rádio e de televisão e os cinemas – dando-lhes a preferência pelo que de melhor oferecem, incluindo os produtos comerciais neles anunciados.

A mesma opinião de Norberto é compartilhada por Brait (1991: 86).

Segundo a autora, todo o jornal, desde sua diagramação até sua organização em

cadernos, tem por objetivo facilitar o uso e a localização das notícias, das

reportagens ou dos artigos, estabelecendo, assim, uma relação com seu leitor:

O leitor do jornal, ator que no mesmo indivíduo se diferencia do leitor do livro, é uma instância de recepção minuciosamente avaliada pela instância de produção. As estratégias para instaurá-

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46

lo iniciam-se na própria configuração física do jornal: um objeto descartável (isomórfico ao seu conteúdo, diriam alguns...), de fácil manuseio, nem colado e nem grampeado, apenas dobrado para ser manuseado à vontade, mas, ao mesmo tempo, organizado em cadernos temáticos que facilitam a localização dos assuntos. A diagramação, o tamanho das letras, a variabilidade de assuntos, e de tratamento a eles conferido, dão ao leitor a liberdade de transitar (livremente) pelas páginas, saltando o que não lhe agrada e detendo-se no que mais lhe atrai a atenção. O objetivo, que nesse sentido parece inteiramente atingido, é o estabelecimento de uma relação não polêmica com o leitor que, nessa dimensão, é um consumidor e, como tal, deve ser seduzido à primeira vista.

É, pois, objetivo do jornal relacionar-se com seu leitor e seduzi-lo a fim de

tornar este relacionamento existente entre eles algo indispensável e duradouro. Se

há entre jornal-leitor o desejo de se relacionar, há o desejo de interagir. A interação

representa, então, uma forma de relacionamento, uma vez que possui a intenção de

se comunicar com o outro.

Vários podem ser os mecanismos interacionais, presentes em um jornal,

cujo objetivo final é o de envolver o leitor: a formatação da primeira página, a

organização e estruturação do jornal, a diagramação etc. Todavia, o assunto desta

dissertação é o lide e seus mecanismos interacionais para produção de um

envolvimento. Sendo assim, abordaremos neste capítulo primeiramente, o leitor,

elemento primordial para que se estabeleça uma interação, pois, como afirma

Marcuschi (1999: 140), sempre que se escreve, escreve-se para alguém. Em

seguida, discutiremos um dos termos fundamentais da análise do discurso que é a

interação, e sua relação com o dialogismo de Bakhtin (2003, 2002). Para finalizar,

trataremos do envolvimento, objetivo final da interação, como sucintamente

expusemos anteriormente.

3.2. Autor e leitor: uma estreita relação

O leitor possui um papel primordial tanto na produção quanto na

interpretação de um texto, pois é graças a ele que a situação de comunicação se

estabelece:

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47

Um texto postula o próprio destinatário como condição indispensável não só da própria capacidade concreta de comunicação, mas também da própria potencialidade significativa. (Eco, 1986: 37)

Eco (op. cit.) afirma que todo autor, no momento de produção de um texto,

seqüência lingüística escrita ou oral produzida em uma situação de comunicação

determinada, prevê um leitor específico, denominado por ele de leitor-modelo.

Esse leitor deve ser capaz de atualizar e de interpretar esse texto elaborado:

Por isso, [os autores] fixam com perspicácia sociológica e com brilhante mediedade estatística o seu Leitor-Modelo: dirigir-se-ão, sucessivamente, a crianças, a melomaníacos, a médicos, a homossexuais, a surfistas, a empregadas domésticas da pequena burguesia, a aficcionados de roupas inglesas, a pescadores submarinos. Conforme dizem os publicitários, a escolherão para si um target (e um “alvo” pouco ajuda, pois espera ser atingido). Farão com que todo termo, que toda maneira de dizer, que toda referência enciclopédica, seja aquilo que previsivelmente o seu leitor pode entender. (op.cit.: 41)

Conforme ressalta Eco (op. cit.: 39), o autor empírico, ou seja, o produtor da

enunciação textual, o sujeito concreto, deve ser capaz de hipotetizar esse leitor-

modelo com a finalidade de adequar seu texto a esse leitor e, assim, possibilitar a

reconstrução e a compreensão desse texto. Essa hipótese de leitor-modelo

representa, portanto, uma estratégia textual por parte do autor.

Sendo assim, autor e leitor-modelo não constituem dois pólos distintos e

distantes de uma enunciação1, mas sim fazem parte de um mesmo princípio

denominado por Grice (1982) de princípio de cooperação. Como aponta Eco (op.

cit.), obedecendo a este princípio, tanto o autor empírico quanto o leitor empírico,

ambos sujeitos concretos, dedicar-se-ão no sentido de não bloquear, de não fechar

essa comunicação textual.

Para que esse princípio de cooperação se estabeleça, faz-se necessário,

__________

1. Concebemos enunciação nesta dissertação como um “evento único e jamais repetido de produção de um enunciado”. (Koch, 1998: 13)

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48

diferentemente de uma comunicação face a face, que o autor empírico determine

esse leitor-modelo, aquele que é capaz de “decodificar” a mensagem textual.

Em uma comunicação face a face, como apontam Eco (1986) e Kleiman

(1997), tanto o lingüístico quanto o extralingüístico auxiliam na reconstrução e na

interpretação de um texto:

Na comunicação face a face intervêm infinitas formas de reforço extralingüístico (gestual, ostensivo e assim por diante) e infinitos procedimentos de redundância e feedback, um em apoio do outro. Sinal de que nunca existe mera comunicação lingüística, mas atividade semiótica em sentido lato, onde mais sistemas de signos se completam reciprocamente. (Eco, op. cit.: 39)

Na interação face a face elementos do contexto ajudam a compreensão: gestos, os objetos ao redor, bem como o conhecimento mútuo dos interlocutores são todos elementos nos quais se apóia a compreensão. (Kleiman, op. cit.: 66)

No entanto, em um texto escrito, há de se prever um leitor-modelo, que é,

segundo Eco (op. cit.), uma estratégia textual, assim como também outros

mecanismos que possibilitem a esse leitor compreender e interpretar esse texto.

Esses mecanismos são, principalmente, a utilização de um mesmo código, um

conhecimento enciclopédico compatível ao texto e um respeito aos gêneros

discursivos2, para que, desta forma, esse leitor-modelo possa cooperar e não seja

surpreendido por algo totalmente desconhecido e novo para ele:

Os meios são muitos: a escolha de uma língua (que exclui obviamente quem não a fala), a escolha de um tipo de enciclopédia (se começo um texto com |como está claramente explicitado na primeira Crítica...|, já reduzi, e bastante corporativamente, a imagem do meu Leitor-Modelo), a escolha de um dado patrimônio lexical e estilístico... Posso fornecer sinais de gênero que relacionam a audiência: |Queridas crianças, era uma vez um país distante...|; posso restringir o campo geográfico: Amigos, romanos, concidadãos!|. Muitos textos tornam evidente o seu Leitor-Modelo, pressupondo apertis verbis (perdoem-me o

__________

2. Concebemos gênero discursivo ou de discurso nesta dissertação como um tipo relativamente estável de enunciado que possui um conteúdo temático, um estilo e uma construção composicional determinados pela “especificidade de um determinado campo de comunicação” . (Bakhtin, 2003: 262)

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49

oxímoro) uma específica competência enciclopédica. (Eco, 1986: 40)

Maingueneau (2001), assim como Eco (op. cit.), também aponta o princípio

de cooperação postulado por Grice (1982) como um dos primeiros elementos

necessários para que haja uma comunicação, ou seja, ele afirma que o leitor deve

supor que o autor ao produzir um texto respeita certas regras como, por exemplo,

comunicar algo sério, verdadeiro, de interesse do leitor, de forma clara e sem

ambigüidade3. Podemos verificar que ao postular tais regras, o elemento

primordial da enunciação continua a ser o leitor, pois o respeito a essas regras

demonstra, primeiramente, a elaboração de um leitor-modelo por parte desse autor

empírico e, em seguida, uma preocupação com a compreensão e a interpretação

desse leitor.

Isso posto, podemos afirmar que Maingueneau dá a mesma importância ao

leitor no momento de elaboração de um texto que Eco (op. cit.). O teórico francês

(1996: 31) considera que o destinatário de um texto desempenha um papel decisivo

tanto na produção quanto na interpretação de um enunciado. Maingueneau (op.

cit.) assinala, ainda, que diferentemente da comunicação face a face, o texto escrito

é mais frágil pelo fato de o destinatário não partilhar a mesma situação temporal e

espacial do enunciador. Todavia, esse fato não torna o destinatário do texto oral

mais privilegiado do que o do texto escrito. Ele afirma que um texto escrito só terá

sentido no momento em que for lido, compreendido e interpretado por um leitor,

denominado por este autor (op. cit.: 32) co-enunciador, destacando, então, o seu

papel primordial no processo de leitura:

não é possível continuar a proporcionar uma função secundária à posição de leitura; o termo “co-enunciação” adquire aqui toda a sua força. Num sentido, é o co-enunciador que enuncia a partir das indicações cuja rede total constitui o texto da obra. Por mais que uma narrativa ofereça como a representação de uma história

__________

3. Grice nomeia cada uma dessas regras: máximas de qualidade, máximas de quantidade, máximas de relação e máximas de modo. Todavia consideramos ser suficiente para esta dissertação apenas assinalarmos que na relação entre autor e leitor, o primeiro respeita certas regras para que possa, assim, atingir o segundo.

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independente, anterior, a história que conta só surge através de sua decifração por um leitor.

Maingueneau (2001) assegura que para se produzir e se interpretar um texto

de maneira adequada, deve haver, além do princípio de cooperação entre autor e

leitor, três fundamentais competências: uma competência lingüística, uma

competência genérica e uma competência enciclopédica.

Possuir competência lingüística significa que autor e leitor precisam ter

conhecimento e domínio de uma mesma língua, uma vez que seja este princípio

básico para que haja comunicação.

Por sua vez, possuir uma competência genérica quer dizer que o autor deve

adequar seu texto a certos gêneros de discurso, que são, segundo o próprio

Maingueneau (op. cit.: 61), “tipos de discurso4 associados a vastos setores de

atividade social”, e o leitor-modelo, instituído por esse autor, precisa ser capaz ao

menos de distinguir diferentes gêneros a fim de que este consiga compreender e

interpretar o texto lido.

O teórico francês (op. cit.) assinala que ao se comunicar, seja de forma

escrita, seja de forma oral, os indivíduos sempre obedecem a um certo gênero de

discurso e não utilizam, então, o discurso como tal. Por esse motivo, é necessário

que eles conheçam tais gêneros, pois desta forma podem se adequar a eles:

De fato, “o” discurso jamais se apresenta como tal, mas sempre na forma de um gênero de discurso particular: um boletim de meteorologia, uma ata de reunião, um brinde etc. (...) Mesmo não dominando certos gêneros, somos geralmente capazes de identificá-los e de ter um comportamento adequado em relação a eles. (Maingueneau, op.cit: 43-4)

__________

4. Adotamos, nesta dissertação, a distinção entre texto e discurso proposta por Maingueneau (1998). Para ele, texto possui uma forte estruturação e o destaque é dado à sua unidade, “que faz dele uma totalidade e não uma simples seqüência de frases” (op. cit.: 142). Entretanto, o discurso “é concebido como a associação de um texto a seu contexto” (op. cit.: 45).

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A terceira competência apontada por Maingueneau para que haja uma

comunicação, ou entre falantes, ou entre autores e leitores, é a competência

enciclopédica, ou seja, é necessário que haja por parte desses indivíduos

participantes de um ato de comunicação um considerável conhecimento sobre o

mundo:

É a nossa competência enciclopédica que nos diz, por exemplo, que uma sala de espera existe para que as pessoas esperem sua vez; que a proibição de fumar se aplica ao tabaco; que os cigarros, charutos, cachimbo, queimam tabaco e soltam fumaça e que a fumaça é geralmente considerada pelos médicos como prejudicial à saúde; que nos lugares fechados a fumaça fica estagnada e pode ser inalada pelos não-fumantes; que existem regulamentos nas repartições, autoridades encarregadas de aplicar sanções etc. (Maingueneau, 2001: 42)

Esse autor (op. cit.) aponta ainda que, dentre essas três competências, uma

não se sobrepõe à outra e que elas não obedecem especificamente a uma seqüência

ordenada. As três são igualmente importantes e interagem para que o autor produza

seu texto de forma que o seu leitor-modelo possa compreendê-lo e interpretá-lo.

3.3. Os diferentes tipos de leitores

Eco (1986), conforme apontamos anteriormente, distingue dois tipos de

leitores: um leitor empírico e um leitor-modelo. O primeiro é o sujeito concreto, ou

seja, o indivíduo que lerá e procurará compreender e interpretar aquilo que leu. Por

sua vez, o leitor-modelo representa uma hipótese do autor, uma estratégia textual

criada por ele para que seu texto possa ser compreendido e interpretado

adequadamente.

Assim, leitor-modelo, o princípio de cooperação e as três competências

comunicativas constituem as estratégias textuais necessárias para que o texto seja

plenamente apreendido. Vale enfatizamos, porém, que por detrás de um leitor-

modelo, estratégia textual, há um verdadeiro leitor, que é o leitor empírico.

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Maingueneau (2001:47) utiliza a mesma concepção de leitor criada por Eco

(1986):

Como a fala é uma atividade fundamentalmente cooperativa, o autor de um texto é obrigado a prever constantemente o tipo de competência de que dispõe seu destinatário para decifrá-lo. Quando se trata de um texto impresso para um grande número de leitores, o destinatário, antes de ser um público empírico, ou seja, o conjunto de indivíduos que lerão efetivamente o texto, é apenas uma espécie de imagem à qual o sujeito que escreve deve atribuir algumas aptidões. A justa medida de competência lingüística e de competência enciclopédica que se espera do leitor vai, então, variar de acordo com os textos.

Em outra obra de Maingueneau (1996), encontramos uma caracterização

mais profunda de leitor, na qual ele afirma que a noção que se tem desse termo não

é estável, pois leitor possui usos muito diversificados, uma vez que ora se refira a

um público concreto, ora a uma estratégia textual:

Provavelmente o mais incômodo está em o termo “leitor” ser suscetível de usos muito variados, oscilando entre o histórico e o cognitivo. O leitor é ora o público efetivo de um texto, ora o suporte de estratégias de decifração. Os dois aspectos interpenetram-se, mas não tentam captar a mesma coisa. São pontos de vista diferentes sobre a posição de leitura. (op. cit.: 34)

O leitor empírico de Eco (op. cit.) é denominado por Maingueneau (op. cit.)

de público, que é concebido e diferenciado em duas categorias: o público genérico

e o público atestado.

O público genérico possui uma característica social específica e está

relacionado ao gênero de discurso através do qual o texto se constrói. Sendo assim,

podemos pensar, por exemplo, em que um texto jornalístico tem um público

genérico constituído de leitores de jornal, que certamente possuem, neste tipo de

leitura, expectativas diferentes das de um leitor de uma obra literária, embora o

indivíduo possa ser o mesmo.

O público atestado, por sua vez, não possui uma ligação com o gênero de

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discurso, mas sim, com a diversidade espacial e temporal. O público atual de uma

notícia jornalística publicada em um jornal paulista de grande circulação, por

exemplo, não enxerga e lê o jornal da mesma forma que o público no início do

século XX. As expectativas e concepções atuais, também, são outras.

Tanto o público genérico quanto o público atestado são denominações

dadas por Maingueneau (1996) para caracterizar o público efetivo de um texto, ou

seja, os indivíduos concretos.

Ao tratar, por sua vez, do leitor-modelo, o teórico francês (op. cit.) utiliza as

denominações leitor invocado ou apostrofado e leitor instituído ou cooperativo.

O leitor invocado ou apostrofado é assim nomeado pelo fato de o autor de

um texto dirigir-se explicitamente a esse leitor. Ele claramente representa uma

estratégia textual, pois o autor parece fazer questão de “conversar” diretamente

com o leitor-modelo instituído por ele:

Pode-se falar de leitor invocado para a instância à qual o texto se dirige explicitamente como a seu destinatário. Podem ser os happy few que o final de O vermelho e o negro designa como seus leitores privilegiados; podem ser igualmente os leitores apostrofados no decorrer do texto: “Vede, leitor, que estou no caminho certo e que só caberia a mim fazer-vos aguardar, um ano, dois anos, três anos, pela narrativa dos amores de Jacques...” (Jacques, o fatalista). (Maingueneau, op. cit.: 34 -5)

O leitor instituído ou cooperativo, entretanto, não é explicitado no texto,

como ocorre com o leitor invocado. Ele representa aquele leitor esperado pelo

autor, ou seja, seu texto é produzido com o objetivo de atingir a esse leitor. Como

assinalamos anteriormente, esse leitor instituído é também uma estratégia textual

implícita formulada por um autor empírico, assim também como são as três

competências comunicativas e o princípio de cooperação:

O leitor instituído : será a instância que a própria enunciação do texto implica, já que o último pertence a este ou àquele gênero, ou mais amplamente, se desdobra nestes ou naqueles registros. Na

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medida em que os gêneros são realidades historicamente situadas, estamos aqui na articulação dos procedimentos e do social. O romance precioso do século XVIII, por exemplo, não institui o mesmo tipo de leitor que o romance naturalista. Existem tipos de romances que supõem um leitor detetive que perscrute o texto ininterruptamente e volte sobre seus passos à procura de indícios; outros constroem suspenses que aspiram o leitor para o desenlace; outros, ainda, instituem um leitor cheio de boa vontade para aprender, etc. (Maingueneau, 1996: 35)

A partir dos exemplos dados por Maingueneau (op. cit.), podemos

erroneamente supor que público genérico e leitor instituído sejam basicamente a

mesma coisa. Todavia, a diferença existente entre eles está no fato de o primeiro

referir-se coletivamente a um grupo de indivíduos empíricos, ou seja, concretos, e

que lerão textos pertencentes a um determinado gênero de discurso. Já o segundo é

considerado estratégia textual e, por esse motivo, embora diferentes textos possam

pertencer a um mesmo gênero, tendo, assim, um público genérico semelhante, eles

utilizam diferentes estratégias textuais, procurando atingir, então, a diferentes

leitores instituídos. Como esclarece Maingueneau (op. cit.: 36),

público genérico e leitor instituído são instâncias diferentes. A partir do mesmo receptor genérico, pode-se lidar com leitores instituídos muito variados: Balzac e Stendhal têm mais ou menos o mesmo público genérico, mas não instituem manifestamente o mesmo leitor através de sua enunciação.

Maingueneau (op. cit.: 37) aponta ainda que esse leitor instituído precisa

ser cooperativo para que, então, o texto possa ser compreendido e interpretado, ou

seja, ele deve ser capaz de construir o universo ficcional a partir das indicações

fornecidas pelo autor.

É justamente pelo fato de o teórico francês assinalar que o leitor instituído

precisa mostrar-se cooperativo, que optamos por aproximar os dois termos,

denominando-o, então, de leitor instituído ou cooperativo. É no momento de

discutir a função desse leitor cooperativo, que Maingueneau (op. cit.: 37-8)

aproxima sua tipologia de leitor à teoria formulada por Eco (1986), também sobre

o leitor, e afirma que seu leitor cooperativo é o leitor-modelo de Eco:

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U. Eco chama esse leitor cooperativo de “Leitor Modelo” e define-o como “um conjunto de condições de sucesso ou de êxito estabelecidas textualmente, que devem ser satisfeitas para que um texto seja plenamente atualizado em seu conteúdo potencial”. É a representação que a decifração do texto implica.

3.4. A noção de interação

O termo interação parece estar sempre relacionado à conversação, ao oral.

Maingueneau (1998: 84) salienta que a interação deveria ser diferenciada da

interação verbal pelo fato de que nem toda comunicação entre dois indivíduos

precisa ser necessariamente verbal. Entretanto, ele acrescenta que,

em geral, em análise do discurso interação se entende como interação verbal entre dois participantes, dois interactantes. Para que haja verdadeiramente interação, e não apenas acareação de indivíduos que falam, várias condições devem ser reunidas: os locutores devem aceitar um mínimo de normas comuns, engajar-se na troca, assegurar conjuntamente sua gestão, produzindo sinais que permitem mantê-la, sincronizando seus turnos de fala, seus gestos etc.

Preti (2002: 45) concebe o termo interação “sob o ponto de vista da

reciprocidade do comportamento das pessoas, quando em presença uma das

outras”. Ele propõe, em seguida, dois tipos de interação:

De uma maneira geral, pode-se partir desde uma simples co-presença em que dois indivíduos se cruzam na rua e que, mesmo sem se conhecerem, se observam, guardam distância e desviam-se para não se chocarem, o que já demonstra uma ação conjunta e socialmente planejada, até a interação com um único foco de atenção visual e cognitiva, como a conversação, em que os falantes por um momento se concentram um no outro e se ligam, não só pelos conhecimentos que partilham, mas também por outros fatores socioculturais, expressos na maneira como produzem o seu discurso e conduzem o diálogo. Pode-se denominar a primeira, isto é, a interação pela simples co-presença, de não focalizada; e, a segunda, em que se inclui a conversação face a face, de focalizada.

Todavia, considerando o termo interação como uma realidade fundamental

da linguagem, idéia esta defendida por Bakhtin no conjunto de suas obras,

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podemos afirmar que este termo não é uma característica exclusiva da

conversação.

Segundo Marcuschi (1999), há anos, muitos autores postulavam que a

escrita era uma linguagem do distanciamento, pois entre os interlocutores não

havia proximidade física e, sendo assim, o autor preocupava-se com a idéia a ser

desenvolvida e não com o interlocutor. No lado oposto a esse distanciamento está a

fala, considerada como a linguagem da proximidade.

Parece-nos claro, entretanto, que não podemos considerar tal idéia

totalmente infundada, uma vez que no texto escrito não há verdadeiramente uma

relação direta com o seu leitor, ou seja, ele não tem, ou não assume a palavra da

mesma forma que ocorre na interação face a face.

Contudo, a interação pode ser analisada sob um outro prisma que não seja

simplesmente uma relação estabelecida em uma conversação. Essa outra forma é a

de considerá-la como uma atividade presente em todo e qualquer uso da

linguagem, uma vez que ninguém escreve ou fala algo sem que imagine um leitor

ou um ouvinte.

É a propósito disso que estamos tratando até agora. Tanto Maingueneau

(2001; 1996) quanto Eco (1986) ao estudarem o papel do leitor na produção do

texto escrito afirmam que ele é de fundamental importância no momento de

produção de um texto, pois este não é algo independente; ele só adquire

significação no momento em que é lido, compreendido e interpretado por esse

leitor. Sendo assim, o autor escreve seu texto, procurando atingir esse objetivo.

Portanto, embora haja uma distância espaço-temporal entre autor e leitor,

aquele procura a adesão deste construindo seu texto a partir de algumas estratégias

textuais. A primeira delas é, como apontamos anteriormente, definir um leitor-

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modelo, pois como assinala Eco (1986: 37), “todo texto quer que alguém o ajude a

funcionar”.

Diante dessas considerações, podemos sintetizar que, ao contrário do que

alguns autores postulavam, como observa Marcuschi (1999), o autor de um texto

escrito preocupa-se acima de tudo com o seu interlocutor e, depois, com a idéia a

ser desenvolvida.

A conversação não é, pois, a única forma de interação. A atividade de

leitura também pode ser considerada, a partir do que estamos expondo, uma

interação entre leitor e autor:

E começaremos definindo a atividade de leitura como uma interação a distância entre leitor e autor via texto. A ação do leitor já foi caracterizada: o leitor constrói, e não apenas recebe, um significado global para o texto; ele procura pistas formais, antecipa essas pistas, formula e reformula hipóteses, aceita ou rejeita conclusões. Contudo, não há reciprocidade com a ação do autor, que busca, essencialmente, a adesão do leitor, apresentando para isso, da melhor maneira possível, os melhores argumentos, a evidência mais convincente da forma mais clara possível, organizando e deixando no texto pistas formais a fim de facilitar a consecução de seu objetivo. (Kleiman, 1997: 65)

Se há uma preocupação por parte do autor em produzir um texto de forma

clara para que o leitor possa, assim, compreendê-lo, e se o leitor procura

compreender e construir uma interpretação para o texto lido, isso significa que, por

meio de um texto, autor e leitor dialogam, interagem. De acordo com Brait (2001:

194), podemos conceber a interação como sendo

um componente do processo de comunicação, de significação, de construção de sentido e que faz parte de todo ato de linguagem. É um fenômeno sociocultural, com características lingüísticas e discursivas passíveis de serem observadas, descritas, analisadas e interpretadas.

Essa definição de interação é muito mais ampla pelo fato de englobar todo e

qualquer ato de linguagem seja ele oral ou escrito. Esta concepção está

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58

fundamentada no princípio dialógico desenvolvido por Bakhtin (2003; 2002) que

constitui o eixo central de suas obras.

3.5. Interação verbal e dialogismo em Bakhtin

Tanto a interação verbal quanto o dialogismo representam uma postura de

estudo, uma postura de reflexão sobre a linguagem e sobre a concepção de locutor

e interlocutor.

Koch (2002:14) aponta três diferentes posições possíveis de serem adotadas

em relação a esse locutor, que é nomeado por ela de sujeito e concebido como “um

ego que constrói uma representação mental e deseja que esta seja ‘captada’ pelo

interlocutor da maneira como foi mentalizada”.

Na primeira posição, o locutor é considerado o total responsável pelo

sentido de um enunciado, pois é ele quem detém a palavra e quem controla seus

pensamentos. Sendo assim, esse locutor é o elemento central de uma enunciação, o

dono de sua vontade, de suas palavras e é capaz de controlar o meio em que está

inserido:

Uma característica importante desta concepção é que se acentua o predomínio da consciência individual do uso da linguagem. O correlato político desta concepção seria a ideologia liberal, segundo a qual os sujeitos é que fazem a história. (Koch, op. cit.: 14)

A segunda concepção de locutor é denominada por Koch (op. cit.) de

“assujeitamento”. Nesta outra posição, o locutor é visto como um elemento social

que sofre os efeitos do meio em que está inserido. Por esse motivo, ele não é

considerado o dono do seu próprio enunciado, mas é apenas um mero reprodutor

de uma ideologia:

Quem fala, na verdade, é um sujeito anônimo, social, em relação ao qual o indivíduo que, em dado momento, ocupa o papel de

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locutor é dependente, repetidor. Ele tem apenas a ilusão de ser a origem de seu enunciado, ilusão necessária, de que a ideologia lança mão para fazê-lo pensar que é livre para fazer e dizer o que deseja. Mas, na verdade, ele só diz e faz o que se exige que faça e diga na posição em que se encontra. (Koch, 2002: 14)

Na terceira concepção, o locutor é considerado um elemento psicossocial e,

por esse motivo, é capaz tanto de produzir quanto de reproduzir o meio social em

que está inserido, ou seja, ele é capaz de interagir com o social, pois possui voz

ativa. O enunciado deixa de ter, então, como componente central, o locutor,

também não mais é resultado unicamente do meio em que faz parte, mas, sim,

torna-se um espaço de interação entre locutores e interlocutores, que juntos

construirão a compreensão do enunciado:

Á concepção de língua como lugar de interação corresponde a noção de sujeito como entidade psicossocial, sublinhando-se o caráter ativo dos sujeitos na produção mesma do social e da interação e defendendo a posição de que os sujeitos (re)produzem o social na medida em que participam ativamente da definição da situação na qual se acham engajados, e que são atores na atualização das imagens e das representações sem as quais a comunicação não poderia existir. (op. cit.: 15)

Esta terceira é, pois, a concepção de Mikhail Bakhtin acerca da noção e da

função de locutores e de interlocutores em um enunciado. Tal noção vai ao

encontro daquilo que procuramos expor até o momento neste capítulo.

O que procuramos expor é basicamente que existe uma interação

distanciada no momento de produção e leitura de um texto, uma vez que leitor e

autor exercem funções específicas durante esse processo. O autor tem a função de

construir seu texto, selecionando as estratégias adequadas para que seu objetivo

seja atingido. O leitor, por sua vez, deve procurar compreender, construir uma

significação para aquilo que lê, estabelecendo, assim, um diálogo com o autor

mediado pelo texto:

Ler torna-se, então, uma atividade de co-enunciação, o diálogo que o autor trava com o leitor possível, cujos movimentos ele antecipa no processo de geração do texto e também como

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atividade de atribuição de sentido ao texto promovido pelo leitor no ato de leitura. (Brandão, 2001: 287)

Parece-nos ser, então, o ato de atribuir um sentido, a construção da

significação, ou seja, a compreensão5 do texto por meio da leitura, o momento em

que autor e leitor interagem, dialogam.

Bakhtin (2003) enfatiza que compreender é parte integrante de um processo

de comunicação. No momento em que um interlocutor compreende o significado

lingüístico de um discurso, ele imediatamente adota uma postura de resposta,

nomeada por ele de posição responsiva, isto é, o interlocutor pode concordar, pode

discordar ou até mesmo usar aquilo que ouviu ou leu.

Por esse motivo, essa compreensão por parte do interlocutor não é uma

atividade passiva, ou seja, ele deve ser capaz de refletir sobre o enunciado,

concordar, opor-se, comentar etc. O próprio locutor não espera uma atitude passiva

de seu interlocutor:

Neste caso, o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (lingüístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc; essa posição responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo um processo de audição e compreensão desde o seu início, às vezes literalmente a partir da primeira palavra do falante. (Bakhtin, op. cit.: 271)

Nesta obra de Bakhtin, ele parece afirmar que o ato de compreensão e de

estabelecimento de uma postura por parte do interlocutor ocorre exclusivamente na

fala. Todavia, podemos considerar esse processo presente tanto em um texto oral

quanto em um escrito, pelo fato de ele mesmo considerá-la de forma mais

abrangente:

__________

5. Sentido e significação assumem nesta dissertação uma relação de sinonímia. Ambos estão relacionados ao processo de compreensão. Ducrot (1987:170) recusa-se a considerar a significação parte do sentido. Entretanto, afirma não poder justificar o motivo da recusa.

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Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão. (Bakhtin, 2002: 131-2)

Neste momento, Bakhtin não trata unicamente da fala, mas da enunciação;

ele não utiliza o termo “posição responsiva”, mas sim, “uma réplica”. Isso posto,

podemos ressaltar que a compreensão para o pensador russo é um ato tanto

presente na fala quanto na escrita, pois como ele mesmo aponta logo em seguida,

“a compreensão é uma forma de diálogo” (op. cit.: 132) e o diálogo é algo

construído por meio da palavra. Para Bakhtin (2003), a palavra é o elemento

constitutivo da linguagem, e toda linguagem6 possui um diálogo, uma relação

dialógica.

O diálogo a que Bakhtin (2003) se refere não tem a mesma significação

dada pela retórica. Na retórica, ele está relacionado à produção de uma

conversação fictícia entre dois interlocutores. Essa concepção é bastante simples e

reducionista. Ao utilizar o termo diálogo, o pensador russo faz referência a uma

relação dialógica, sendo esta mais ampla e complexa:

O diálogo real (a conversa do cotidiano, a discussão científica, a discussão política, etc). A relação entre as réplicas de tal diálogo é o tipo mais externamente notório e simples de relações dialógicas. Contudo, as relações dialógicas não coincidem, de maneira nenhuma, com as relações entre as réplicas do diálogo real; são bem mais amplas, diversificadas e complexas. (Bakhtin, op. cit.: 331)

Consideramos ser essas relações dialógicas “amplas, diversificadas e

complexas” pelo fato de Bakhtin tratar do dialogismo de duas maneiras distintas:

na primeira, ele o relaciona à intertextualidade; na segunda, à compreensão e,

__________

6. Quanto à distinção entre língua e linguagem, Bakhtin considera a língua como sistema e, portanto, algo determinado e fechado. A linguagem, por sua vez, é algo produzido por indivíduo ou um grupo de indivíduos e, por isso, é passível de ser estudado e possui uma relação dialógica.

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conseqüentemente à interação7.

O dialogismo intertextual é a relação que se estabelece entre dois

enunciados8 que possuem um contato semântico, formal ou de gênero entre si.

Segundo Bakhtin (2003), todo enunciado representa a criação de algo que não

existia. Esse enunciado novo, só passa a existir a partir de algo que já foi criado

anteriormente. É por esse motivo que dois ou mais enunciados, distantes tanto

espaço quanto temporalmente um do outro, mas confrontados e, possuindo ao

menos um ponto de convergência, estabelecem uma relação dialógica entre eles:

Qualquer resenha da história de alguma questão científica (independente ou incluída no trabalho científico sobre uma determinada questão) realiza confrontos dialógicos (entre enunciados, opiniões, pontos de vista) entre enunciados de cientistas que não sabiam nem podiam saber nada uns sobre os outros. O aspecto comum da questão gera aqui relações dialógicas. (Bakhtin, op. cit.: 331)

O dialogismo interacional, por sua vez, ocorre na relação que se estabelece

entre aquilo que um autor produz e a compreensão elaborada por um destinatário,

pois, como expusemos anteriormente, mas em outros termos, todo enunciado

pressupõe sempre um destinatário. Bakhtin (op. cit.: 301) afirma que um

enunciado possui direcionamento, uma vez que é endereçado a alguém:

O enunciado tem autor (e, respectivamente, expressão, do que já falamos) e destinatário. Esse destinatário pode ser um participante-interlocutor direto do diálogo cotidiano, pode ser uma coletividade diferenciada de especialistas de algum campo especial da comunicação cultural, pode ser um público mais ou menos diferenciado, um povo, os contemporâneos, os correligionários, os adversários e inimigos, o subordinado, o chefe, um inferior, um superior, uma pessoa íntima, um estranho, etc.;

__________

7. No presente trabalho, utilizaremos o conceito de dialogismo relacionado à interação. Entretanto, consideramos pertinente a exploração de tal distinção dada a complexidade das formulações teóricas de Bakhtin.

8. Concebemos o termo enunciado como “a manifestação concreta de uma frase, em situações de interlocução.” (Koch, 1998: 13) O termo enunciação já foi definido anteriormente. Precisamos assinalar, ainda, que, como pontua Koch, ambas as definições fazem parte da teoria da enunciação, que tem como precursor M. Bakhtin.

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Cabe, então, ao autor definir o destinatário e produzir seu enunciado

endereçado a ele, pois como postula o pensador russo, é esse destinatário quem

influenciará na composição e no estilo desse enunciado. Ao destinatário, por sua

vez, cabe a função de compreender tal enunciado. Por essa razão, podemos afirmar

que há neste tipo de relação um dialogismo interacional, pois o destinatário ao

procurar compreender o enunciado torna-se um novo participante dele.

Vale ressaltar ainda que, em Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin

trata sucintamente do dialogismo intertextual e interacional. Em Estética da

criação verbal, porém, ele aprofunda tais conceitos, assegurando que o dialogismo

é um aspecto essencial para a interação verbal.

Ao sintetizar essa concepção de dialogismo interacional proposta por

Bakhtin, Barros (2001) levanta quatro aspectos:

a) o primeiro, como pontuamos anteriormente, faz menção em considerar a

interação como o princípio fundador da linguagem;

b) o segundo aspecto aponta que é a relação entre os interlocutores em um

enunciado que estabelecem um sentido para ele, pois esses interlocutores

“constroem-se na produção e na interpretação dos textos”(op. cit.: 31);

c) o terceiro considera que a relação entre os interlocutores não apenas dá

sentido ao enunciado como também “constrói os próprios sujeitos

produtores do texto” (op. cit.: 31);

d) o último aspecto concebe que “Bakhtin aponta dois tipos de sociabilidade: a

relação entre sujeitos (entre os interlocutores que interagem) e a dos sujeitos

com a sociedade” (op. cit.: 31).

Tais aspectos evidenciam a amplitude dessas relações dialógicas propostas

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pelo pensador russo. Ampla, primeiramente, pelo fato de Bakhtin considerá-la sob

diferentes aspectos (intertextual e interacional) e, depois, principalmente pelo fato

de ser um elemento constitutivo da linguagem.

Em princípio, podemos considerar que todas as atividades, todas as relações

possuem uma relação dialógica, porém, Bakhtin (2003: 332) observa que entre as

unidades da língua tal relação não existe, pois o dialogismo se faz presente apenas

naquilo que possui sentido e deseja comunicar, ou seja, em um enunciado

qualquer:

Entre as unidades da língua, independentemente de como as interpretamos e do nível da estrutura lingüística em que as tomemos, não pode haver relações dialógicas (fonemas, morfemas, lexemas, orações, etc.). O enunciado (enquanto plenitude do discurso) não pode ser reconhecido como unidade do nível último e superior ou andar da estrutura da língua (sobre a sintaxe), uma vez que ele faz parte de um mundo de relações inteiramente diversas (dialógicas), não confrontáveis com relações lingüísticas de outros níveis.

Barros (1994: 2) define esse dialogismo interacional de Bakhtin como um

espaço em que o eu e o tu se relacionam. Ela pontua que esta relação não se dá da

forma como Benveniste a concebe, ou seja, correlacionando-a com a subjetividade,

em que esse eu parece ser o elemento central de toda compreensão do enunciado,

mas sim é a relação entre esses dois elementos no espaço de um enunciado.

O dialogismo, segundo Barros (op. cit.) tem como ponto de partida a

interação verbal e dessa concepção de interação decorrem duas das direções, que

serão, posteriormente, utilizadas pela Teoria da Enunciação9: a primeira é a

existência de uma enunciação não-subjetivista, e a segunda é a presença de

uma enunciação dialógica.

__________

9. Concebemos a Teoria da Enunciação como aquela que não se preocupa unicamente em descrever os enunciados produzidos por um locutor, mas que acima de tudo preocupa-se com “as condições de produção (tempo, lugar, papéis representados pelos interlocutores, imagens recíprocas, relações sociais, objetivos visados na interlocução)”, (Koch, 1998: 13-4) todos esses elementos constitutivos de um enunciado.

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Nessa concepção não-subjetivista, o sujeito, o locutor deixa de ser o

elemento central de uma enunciação. O primordial passa a ser, então, a relação que

se estabelece entre um locutor e seu interlocutor (eu – tu) em um enunciado

qualquer, o sentido desse enunciado construído por ambos, e a motivação daquilo

que é postulado pelo locutor ser colocado de tal forma.

Bakhtin (2002) destina um capítulo específico para tratar da interação. Ele o

inicia, justamente distinguindo o subjetivismo individualista de sua própria

concepção sobre a linguagem, que é, como já assinalamos diversas vezes,

interacional.

O teórico trata do subjetivismo individualista, considerado por ele um

pensamento filosófico-lingüístico, sob dois focos: um literário e um ligado à

linguagem, à expressão. No literário, o pensador russo assinala que esse

subjetivismo individualista está relacionado ao Romantismo, pois foi este um

período de grande reação contra a palavra estrangeira e contra o poder cultural que

ela exerceu. Houve, neste período, uma intensa reflexão lingüística sobre a

atividade mental em língua materna dos indivíduos.

Sob o foco da linguagem, Bakhtin (op. cit.: 110-1) assinala que o

subjetivismo individualista, como o próprio nome já sugere, considera o enunciado

produzido por um locutor uma atividade monológica, ou seja, não prevê nem o

meio externo nem o interlocutor. Ademais, a expressão, a comunicação é tida

como um ato que surge no interior e, depois, se exterioriza, uma vez que o interior

é visto como o elemento principal e o exterior é apenas um receptáculo:

Em todo caso, todas as forças criadoras e organizadoras da expressão estão no interior. O exterior constitui apenas o material passivo do que está no interior. Basicamente, a expressão se constrói no interior; sua exteriorização não é senão sua tradução. (op.cit.: 111-2)

Bakhtin (op. cit.) caracteriza tal pensamento filosófico-lingüístico como

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uma falsidade, pois para ele essa distinção entre interior e exterior proposta pelos

subjetivistas individualistas não existe, e toda formulação, para que se estabeleça

uma comunicação com um interlocutor, dá-se no plano exterior:

Conseqüentemente, é preciso eliminar de saída o princípio de uma distinção qualitativa entre o conteúdo interior e a expressão exterior. Além disso, o centro organizador e formador não se situa no interior, mas no exterior. Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação. (Bakhtin, 2002: 112)

O pensador russo postula, também, que toda a palavra dirige-se a um

interlocutor real ou a um representante de determinado grupo social, podendo,

então, alterar-se ou de acordo com o grupo social a que o interlocutor faz parte, ou

de acordo com hierarquia estabelecida entre ambos os interlocutores, ou, ainda, de

acordo com o grau de intimidade e envolvimento existente entre eles.

Ao destacar a importância da palavra10, não vista como elemento

gramatical, mas sim como instrumento de comunicação, Bakhtin (op. cit.) assegura

que esta é determinada tanto pelo locutor, indivíduo que a concebe, quanto pelo

interlocutor, que é o destinatário, o alvo de tal comunicação. Ela representa, então,

o produto da interação entre esse locutor e seu interlocutor:

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. (op.cit.: 113)

Desta forma, a palavra representa um limite fronteiriço entre os

interlocutores de um ato de comunicação, ou seja, ela é estabelecida a partir da

__________

10. O termo palavra nesta obra de Bakhtin pode ser compreendido como linguagem, utilizada em Estética da criação verbal, cuja função é a de servir como instrumento para produção de um enunciado. Parece-nos difícil determinar e definir muitos dos termos utilizados por Bakhtin pelo fato de ele mudar a utilização deles. Ora a língua, por exemplo, não é possível de ser estudada de forma interacional (Estética da criação verbal) ora é utilizada como sinônimo de linguagem (Marxismo e filosofia da linguagem). O mesmo parece ocorrer com os termos enunciado e enunciação.

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relação que esses interlocutores pretendem construir, uma vez que esta pode ser

alterada por eles de acordo com a hierarquia ou familiaridade existente, ou, ainda,

dependendo da proximidade ou envolvimento que se pretende estabelecer.

Além dessa relação existente, ou que se pretenda criar entre interlocutores,

Bakhtin (2002) destaca que a produção de um determinado enunciado também está

relacionada a uma situação social e postula que apenas o som produzido por um

animal pode proceder apenas do seu interior, como afirmam os subjetivistas

individualistas:

Só o grito inarticulado de um animal procede do interior, do aparelho fisiológico do indivíduo isolado. É uma reação fisiológica pura e não ideologicamente marcada. Pelo contrário, a enunciação humana mais primitiva, ainda que realizada por um organismo individual, é, do ponto de vista do seu conteúdo, de sua significação, organizada fora do indivíduo pelas condições extra-orgânicas do meio social. A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade lingüística. (op. cit.: 121)

Bakhtin (op. cit.) assinala, ainda, que, embora pareça que trate do termo

interação apenas presente num ato de conversação, ele sempre se refere às duas

formas de comunicação, ou seja, a fala e a escrita, sendo esta última nomeada por

ele no momento de exemplificar de “ato de fala impresso”:

O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento da comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado no quadro do discurso interior, sem contar as reações impressas, institucionalizadas, que se encontram nas diferentes esferas da comunicação verbal (críticas, resenhas, que exercem influência sobre os trabalhos posteriores, etc). (op.cit.: 123)

Dessa forma, a interação é um elemento presente tanto na fala quanto na

escrita e, embora Bakhtin muitas vezes utilize o termo fala, ele possui uma

conotação genérica, fazendo referência, então, a um enunciado escrito ou oral.

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Ao final do capítulo que trata sobre interação, o pensador russo (2002: 124)

propõe uma ordem metodológica desenvolvida em três passos para que se estude a

língua:

1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realiza. 2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal. 3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação lingüística habitual.

3.6. A interatividade de Marcuschi

De acordo com Marcuschi (1999), o autor de um texto escrito, ou seja, um locutor,

preocupa-se primeiramente com o seu interlocutor e, depois, com a idéia a ser

desenvolvida.

Fundamentado nas idéias de Mikhail Bakhtin acerca da função interacional

e dialógica da linguagem, Marcuschi (op. cit.: 140) postula que

quando se escreve, escreve-se para alguém e este alguém (o outro, o interlocutor) está presente no horizonte do escrevente. Isto, em essência, equivale ao princípio do dialogismo como fenômeno universal em todos os usos da língua, seja na fala ou na escrita.

Ele faz uso dos pensamentos propostos pelo pensador russo, procurando

encontrar em um enunciado escrito aquilo que ele nomeia por traços de

interatividade, pois o autor, o locutor, denominado por ele de escrevente, deixa

alguns traços, algumas marcas que denunciarão o estabelecimento de uma relação

direta entre os interlocutores desse enunciado:

O interesse será identificar, na escrita, marcas ou indícios que evidenciam atos de interatividade que sugerem uma relação direta e intencional do autor com o suposto leitor, uma relação clara entre um eu e um tu. (Marcuschi, 1999: 142)

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Todavia, Marcuschi (op. cit.) adverte que procurar marcas de interatividade

em um texto escrito não representa uma tentativa de aproximar a fala da escrita,

tentando destacar, então, marcas da primeira presentes ou ausentes na segunda.

Fala e escrita são duas modalidades de uso da linguagem com características

específicas, porém não dicotômicas. Isto equivale a dizer que ambas as

modalidades podem variar aproximando-se ou distanciando-se mais uma da outra,

dependendo do gênero de discurso de que um enunciado fizer parte.

Procurar indícios de interatividade significa para esse autor (op. cit.: 143)

verificar o “movimento específico no processo de textualização em que a presença

do interlocutor está marcada na própria realização textual”.

Ele assinala, ainda, que nem todos os enunciados produzidos em diversos

gêneros de discurso, possuem marcas de interatividade na mesma proporção. Para

comprovar tal idéia, Marcuschi (op. cit.) faz uso de dois exemplos: uma carta

pessoal e uma notícia jornalística.

A carta pessoal é um enunciado que possui marcas de interatividade em

quantidade e claramente explicitadas, pois se trata de um gênero discursivo que

tem um interlocutor definido e íntimo, e por esse motivo, ela é endereçada

especificamente a ele.

Ao tratar de uma notícia jornalística, afirma que ela faz parte de um outro

gênero de discurso e é produzida para um público amplo e desconhecido, cuja

função é apenas a de informar, a de partilhar algo com seu interlocutor, que pode

não ser de seu conhecimento. Segundo Marcuschi (op. cit.), uma notícia

jornalística só estabelecerá uma relação direta com seu interlocutor, caso esta

busque um sensacionalismo:

Estes marcadores intertextuais ou discursivos diretos que estabelecem relações imediatas com o leitor são comuns a alguns poucos gêneros textuais. Não aparecem no noticiário jornalístico (a menos que pretenda uma ruptura com o gênero e um efeito de

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sentido especial, tal como ocorre com o Jornal Notícias Populares que busca o sensacionalismo). (Marcuschi, 1999: 146-7)

Discutiremos, entretanto, mais profundamente tal idéia no próximo capítulo.

A notícia jornalística certamente possui uma estrutura organizacional, pois faz

parte de um gênero discursivo e, por esse motivo possui certas características que a

identificam enquanto tal, como, por exemplo, um lide, um primeiro parágrafo, cuja

função é a de sintetizar a informação mais importante da notícia. Todavia, nem

todas as vezes que essa estruturação de lide é rompida, busca-se um

sensacionalismo11. Algumas vezes, as notícias jornalísticas dirigem-se diretamente

ao seu leitor, assim como na carta pessoal, mesmo sendo este, um leitor-modelo,

apenas com o objetivo de envolvê-lo, de prendê-lo à notícia.

Marcuschi (op. cit.), após comentar o eixo central dos pressupostos teóricos

elaborados por Bakhtin, que são a interação e o dialogismo, como também situar

suas marcas de interatividade enquanto campo de análise, apresenta

sistematicamente cinco diferentes indícios de interatividade presentes em

enunciados de diferentes gêneros de discurso. Ele aponta, ainda, a existência de

outros índices, porém afirma que explorará apenas cinco deles.

O primeiro deles é denominado indícios de orientação diretiva para um

interlocutor determinado. Esse indício é caracterizado como aquele em que o

locutor se dirige explicitamente ao seu interlocutor em um enunciado. Sendo

assim, ou utiliza um pronome pessoal (você, tu, o senhor), ou um verbo no

imperativo, ou ainda uma pergunta direta.

O segundo tipo de marca de interatividade presente em um enunciado é

chamado de indícios de premonição face a leitores de definidos. Marcuschi (1999:

148) afirma ser esta uma forma de manifestação em que o locutor procura envolver

__________

11. Na presente dissertação defini-se sensacionalismo como a exploração de notícias que surpreendam o leitor por meio de uma situação escandalosa para os padrões sociais.

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seu interlocutor na construção de um argumento e assinala ainda que este indício é

bastante utilizado em teses, dissertações e trabalhos acadêmicos:

As formas de manifestação desses indícios são muitas e às vezes elas constituem um encadeamento de elementos que constroem um ciclo completo contendo: (a) proposta de uma tese (uma espécie de declaração de intenções): “A tese a ser aqui defendida é...”; (b) defesa ou explicação da proposição: “Os argumentos desta tese são os seguintes...”; (c) antevisão de objeções (reconhecimento de alternativas): “Certamente haveria objeções a esta tese... duas delas seriam...”; (d) resposta às objeções (justificação da escolha de uma determinada posição); “Embora plausíveis, estas objeções podem ser rebatidas na medida em que...”.

De suposição de partilhamento ou de convite ao partilhamento é o nome

que Marcuschi (op. cit.) dá ao terceiro tipo de marca de interatividade. Neste caso,

ao produzir um enunciado, o locutor prevê o interlocutor com o qual dialoga,

supondo que ele tenha, então, alguns conhecimentos específicos. Desta forma, seu

enunciado é elaborado tendo em vista tal suposição e, por esta razão, algumas

características, tais como, verbos na segunda pessoa do plural, verbos epistêmicos

ou advérbios também epistêmicos se fazem presentes:

Este é o caso de muitos artigos científicos em que os escreventes agem na suposição de um leitor especializado. As marcas de suposição de um tal partilhamento são, por exemplo, os verbos na 2a pessoa do plural ou então os verbos epistêmicos do tipo, “sabemos”, “ compreendemos”, “ achamos”, “ julgamos” etc e, mais freqüentemente, os advérbios característicos de uma modalização epistêmica que sugere o partilhamento de pressupostos ou conhecimentos: “sabidamente...”, “ reconhecidamente...”, “ é verdade que...”. (op. cit.: 150)

O autor aponta, ainda dentro desta mesma marca de interatividade, um outro

aspecto: o caso do interlocutor que não partilha totalmente os conhecimentos

necessários para que este possa entender o enunciado produzido pelo locutor.

Neste caso, o locutor procura explicitar o sentido do termo ou do trecho suposto:

Comum no caso de sugestão de necessidade de partilhamento são as explicitações de sentidos de palavras. Este movimento faz crer que os elementos explicitados não seriam do conhecimento do

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72

interlocutor ou que eles tomam sentidos especiais na exposição de tal modo que sua informação se torna importante. (op. cit.: 150)

O quarto tipo de marca de interatividade recebe o nome de indícios da fala

de um interlocutor com o qual se dialoga. Trata-se especificamente das citações

que são utilizadas em um enunciado por seu produtor. Marcuschi (1999: 153)

adverte que nem todas as citações possuem marcas de interatividade, mas apenas

aquelas que são utilizadas pelo próprio produtor do enunciado com a função de

endossar ou criticar a idéia produzida:

O movimento específico a que aqui me refiro é aquele que aparece em abundância em textos acadêmicos. Ali é comum se apresentar a opinião de alguém e então endossá-la ou criticá-la com alguns argumentos que retomem o citado. O interlocutor não está ali apenas como uma informação a mais, mas como um parceiro do debate em andamento. São formas que sugerem a emergência de um outro (não o autor) como enunciador no texto.

A citação utilizada é um exemplo explícito do que o autor postula sobre este

quarto tipo de marca de interatividade, ou seja, utilizamos sua própria fala para

endossar o que expusemos anteriormente.

O último tipo é chamado de indícios de oferta de orientação e seletividade e

caracterizado por Marcuschi (op. cit.: 153) como sendo uma designação não muito

clara. Este tipo possui marcas levantadas por ele tais como as notas de rodapé e os

dêiticos textuais:

Esses dêiticos fazem referência a algo dentro do texto, seja uma porção do texto ou um conteúdo. Sua referenciação não é pontualizada, ao contrário, por exemplo, das anáforas.

Ao final deste quinto tipo há uma vasta exemplificação desses dêiticos

presentes em diferentes gêneros de discurso, tais como, cartas (tal fato, por aí),

atas (outro assunto abordado, para tanto), textos jurídicos (no final, abaixo), e

artigos científicos (o que aí fica dito, este último).

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73

Após apresentar, então, esses cinco casos de marcas de interatividade

presentes em um enunciado e assinalar a existência ainda de outros indícios,

Marcuschi (1999) afirma que tais indícios têm a função de mostrar que o locutor

produz seu texto supondo um envolvimento ou com o seu interlocutor, ou com o

tema, ou consigo mesmo ou ainda com práticas sociais específicas. Trataremos

deste assunto no próximo item.

3.7. Envolvimento: uma estreita relação com a fala e com a escrita

Duas diferentes acepções para o termo envolvimento são possíveis de serem

consideradas no presente trabalho. Uma primeira faz referência à relação existente

entre autor-leitor, produtor-destinatário ou, ainda, locutor-interlocutor, ou seja, à

interação distanciada que há, como concebe Mikhail Bakhtin, no momento de

produção e de leitura de um enunciado, uma vez que, como afirmamos

anteriormente, leitor e autor exercem funções específicas durante esse processo. O

autor, cuja função é a de construir seu enunciado, seleciona as estratégias

adequadas para que seu objetivo seja atingido. O leitor, por sua vez, deve procurar

compreender, construir uma significação para aquilo que lê, estabelecendo, assim,

um diálogo com o autor mediado pelo texto. Desta forma, o leitor, o interlocutor,

torna-se um novo participante desse enunciado.

Uma segunda acepção possível para o termo é a de considerá-lo sinônimo

de sedução, ou seja, o locutor produz seu enunciado, tendo em vista o objetivo de

romper com a expectativa de seu interlocutor e, desta forma, envolvê-lo, seduzi-lo

por aquilo que está sendo dito.

Apresentamos algumas teorias referentes à primeira acepção, que está

relacionada à interação. Daqui para frente, nós nos deteremos à segunda.

Tratar sobre o envolvimento não nos parece ser uma tarefa fácil pelo fato de

alguns teóricos divergirem sobre sua relação com o texto escrito. Alguns teóricos

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acreditam ser possível um envolvimento tanto no texto falado quanto no escrito e

outros não.

Conforme pontuamos anteriormente, a relação fala e escrita foi sempre

objeto de discussões. Como postula Marcuschi (2001), há autores lingüistas como

Bernstein, Labov, Halliday, Ochs que consideram essa relação sob uma

perspectiva dicotômica, ou seja, a fala é o espaço do erro, do caos gramatical e,

também, menos complexa do que a escrita, que por sua vez, representa a norma e o

bom uso da língua:

A perspectiva da dicotomia estrita tem o inconveniente de considerar a fala como o lugar do erro e do caos gramatical, tornando a escrita como o lugar da norma e do bom uso da língua. (op. cit.: 28)

Nesta perspectiva, como também assinalamos, a escrita é considerada como

a atividade comunicativa do distanciamento, pois entre os interlocutores não há

uma proximidade física e, sendo assim, o locutor preocupa-se com a idéia a ser

desenvolvida e não com o seu interlocutor. No lado oposto a esse distanciamento

está a fala, considerada como a linguagem da proximidade, do envolvimento entre

interlocutores.

Outros autores como Chafe, Tannen, Gumperz, Biber, Blanche/Benveniste,

Halliday/Hasan e, também Marcuschi, consideram a fala e a escrita dentro de uma

perspectiva não dicotômica, mas sim dialógica, caracterizada por Marcuschi

(2001) como sendo esta uma visão sociointeracionista, cuja principal

particularidade é a de considerar a linguagem como um fenômeno interativo e

dinâmico, consideração esta que, como discutimos anteriormente, tem Mikhail

Bakhtin como principal precursor.

Sob a ótica sociointeracionista, Marcuschi (op. cit. 33) afirma que tanto a

fala quanto a escrita possuem dialogicidade, usos estratégicos, funções

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interacionais, envolvimento, negociação, situacionalidade, coerência e

dinamicidade.

Diante disso, podemos afirmar que, seguindo a linha teórica de nosso

trabalho, não há como considerarmos possível essa polaridade envolvimento/

distanciamento entre, respectivamente, a fala e a escrita, pois tanto a primeira

quanto a segunda possuem meios de tornar seu ouvinte ou seu leitor mais ou

menos envolvidos.

Como já assinalado, sempre que se escreve ou que se fala, escreve-se ou

fala-se para alguém, princípio básico da função dialógica e interacional da

linguagem. Se há, então, o desejo de interagir, há, também, o desejo de envolver,

pois este é o objetivo da interação.

Parece-nos oportuno lembrar que embora não consideremos essa polaridade

fala/escrita, e ambas possuam as mesmas características, como aponta Marcuschi

(2001), existem entre elas diferenças possíveis de serem apontadas enquanto

práticas sociais de produção de textos e, neste caso, essas diferenças situam-se

num continuum:

A hipótese que defendemos supõe que: as diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos. Em conseqüência, temos a ver com correlações em vários planos, surgindo daí um conjunto de variações e não uma simples variação linear. (op. cit.: 37)

Com efeito, o conjunto de variações surge a partir dos diferentes gêneros de

discurso que tanto podem se distinguir quanto se correlacionar, pois possuem

diferenças na estrutura, no léxico, no grau de formalidade e também no grau de

envolvimento:

Com isto, descobrimos que, comparando uma carta pessoal em estilo descontraído com uma narrativa oral espontânea, haverá menos diferenças do que entre a narrativa oral e um texto

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acadêmico escrito. Por outro lado, uma conferência universitária preparada com cuidado terá maior semelhança com textos escritos do que com uma conversação espontânea. (Marcuschi, 2001: 42)

Podemos afirmar, então, que todo locutor, produtor de um enunciado falado

ou escrito, objetiva envolver seu interlocutor. Entretanto, esse envolvimento não se

dará exatamente da mesma forma, podendo, então, ser de uma intensidade variada,

dependendo dos gêneros de discurso, do grau de intimidade existente entre locutor

e seu interlocutor, ou, ainda, da intenção do produtor do texto:

Esta relação [entre um eu e um tu] se manifesta como um tipo de envolvimento interpessoal e pode apresentar-se de diferentes formas, com intensidade variada nos diversos gêneros textuais. (Marcuschi: 1999: 142)

Urbano (2002: 259) possui a mesma opinião ao afirmar que o envolvimento

faz parte da interação, podendo, contudo, ser mais intenso em alguns textos do que

em outros:

É da natureza da interação, seja no texto escrito seja no falado, o envolvimento do enunciador com o enunciatário. Tal envolvimento ocorre em variados graus: intensamente no texto falado, parcamente no texto escrito, podendo-se falar, neste caso, em “distanciamento”.

Embora utilize o termo distanciamento, assinala a existência de um

envolvimento tanto no texto escrito quanto no falado. O que ele postula, entretanto,

é que o envolvimento entre locutores e interlocutores varia em graus, dependendo

do gênero de discurso, podendo, então, como já pontuamos, ser maior em alguns

textos e mais reduzido em outros.

Urbano (2002: 259) apresenta três tipos de envolvimento: o envolvimento

com o enunciatário, o envolvimento com o tema e o envolvimento consigo mesmo:

Fica entendido que o envolvimento com o enunciatário é na realidade, um envolvimento de duas mãos, embora de

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intensidades diferentes: do enunciador com o enunciatário e deste com aquele. Por outro lado, é consensual que o enunciador está sujeito a mais dois tipos de envolvimento: o envolvimento consigo mesmo (no caso de monólogo, sobretudo lírico) e o envolvimento com o tema textual.

Nesses três tipos de envolvimento, o que é capaz de diferenciá-los são as

marcas de interatividade identificadas por Marcuschi (1999). Ele próprio pontua tal

idéia ao afirmar que essas marcas revelam que o escrevente supõe um

envolvimento que pode se dar de quatro diferentes maneiras: ou com seu

interlocutor, ou com o seu tema, ou consigo mesmo ou ainda com práticas sociais

específicas.

O primeiro tipo de envolvimento destacado por Marcuschi (op. cit.) é

também apresentado por Urbano (2002) e trata da relação que se estabelece entre

interlocutores em maior ou menor intensidade em um enunciado oral ou escrito.

Marcuschi (op. cit.) exemplifica este tipo de envolvimento com seus indícios de

interatividade. Podemos considerar que em indícios de orientação direta para um

interlocutor determinado, em indícios da fala de um interlocutor com o qual se

dialoga, e em alguns casos de indícios de oferta de orientação e seletividade, o

locutor mantém um diálogo mais explícito com seu interlocutor e esta parece ser

sua principal preocupação.

No envolvimento com o seu tema, também apresentado por Urbano (op.

cit.), o locutor dialoga com seu interlocutor, apresentando e desenvolvendo o tema

de seu texto, sua principal preocupação. Os indícios de premonição face a leitores

definidos, os indícios de suposição de partilhamento ou de convite ao

partilhamento, assim como alguns casos de indícios de oferta de orientação e

seletividade justificam tal tipologia.

A terceira tipologia apresentada por Marcuschi (op. cit.) também é pontuada

por Urbano (op. cit.) e trata do envolvimento consigo mesmo. Este caso é

exemplificado por Marcuschi (op. cit.) com a expressão “meu interesse”, colocada

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entre parênteses, e com alguns casos de indícios de oferta de orientação e

seletividade. Urbano (2002) também a explicita, colocando entre parênteses que a

presente tipologia aparece em monólogos, principalmente os líricos. Entretanto,

Marcuschi (1999) parece ir além disso e exemplificar por meio de termos presentes

nos enunciados.

O quarto tipo de envolvimento é apresentado apenas por Marcuschi (op.

cit.). Ele aponta que o locutor ao dialogar com seu interlocutor pode privilegiar

envolver-se com práticas sociais específicas, ou seja, com o instrumento utilizado

para atingir seu interlocutor, seu objetivo com tal enunciado. Como exemplo, cita

que para haver um contato pessoal, pode-se utilizar uma carta. A preocupação é,

portanto, com o instrumento, com o meio utilizado para se estabelecer o diálogo

com o interlocutor.

Idéia contrária ao explicitado por Marcuschi (op. cit.) e Urbano (op. cit.)

é apresentada por Rodrigues (2001) acerca da noção de envolvimento. Segundo

ela, o envolvimento é uma característica exclusiva da fala, pois é somente em uma

conversação face a face que tanto locutor quanto interlocutor compartilham um

mesmo momento, um mesmo espaço e, por esse motivo, podem juntos construir

um único enunciado.

A escrita, por sua vez, é considerada por Rodrigues (op. cit.) como o espaço

do distanciamento, pois representa um ato solitário por parte do autor. Para ela,

este não se preocupa com seu interlocutor e sim, apenas, com a elaboração de um

enunciado consistente:

Por isso [pelo fato de não ocuparem o mesmo espaço e tempo], o escritor se mostra menos preocupado consigo mesmo, ou com qualquer interação direta com seu eventual leitor. De fato, ele se preocupa com o processo de elaboração de um texto consistente e defensável segundo padrões que ele mesmo estabelece. (op. cit.: 30)

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Rodrigues (2001), citando Chafe (1985), apresenta uma tipologia para o

envolvimento presente apenas na fala: o envolvimento dos interlocutores com o

assunto da conversa, o envolvimento do falante consigo mesmo e o envolvimento

do falante com o ouvinte. Após apresentá-las, ela as exemplifica com algumas

ocorrências presentes em um diálogo entre dois informantes do Projeto

NURC/SP12:

(16) L1 dizem né? – você vê – dentro da profissão do vendedor (linha 231) (...) Em (16), a expressão você vê, e não exclusivamente o pronome você, denota o envolvimento do falante com o ouvinte: ele sugere a seu interlocutor que acompanhe seu raciocínio a respeito da profissão de vendas. (Rodrigues: op. cit.: 24)

Não nos deteremos em tais exemplos pelo fato deles já terem sido citados,

ao apontarmos as idéias desenvolvidas por Marcuschi (1999). Os exemplos dados

por Rodrigues (op. cit.) na fala se parecem com os de Marcuschi (op. cit.) na

escrita, como podemos observar na citação anterior.

Conforme assinalamos, Marcuschi e Urbano consideram o envolvimento

uma característica presente tanto na fala quanto na escrita. Para o primeiro, tal

dicotomia apresentada por Rodrigues (op. cit.), por exemplo, não existe pelo fato

de que todo locutor, seja ele de um texto falado ou escrito, pretende chamar a

atenção do seu interlocutor para aquilo que está sendo dito. O que ocorre são

modos diferentes para envolvê-lo e graus diversos de envolvimento. Para o

segundo, por sua vez, faz parte da natureza da fala e da escrita um envolvimento

entre locutor e interlocutor.

De fato, se todo enunciado é interacional, é dialógico, seu locutor prevê um

interlocutor e formas de envolvê-lo com aquilo que esta sendo apresentado. Essas

__________

12. O Projeto NURC é um projeto de estudo da norma lingüística urbana culta, “tem âmbito nacional, e gravações foram realizadas em cinco capitais brasileiras: São Paulo (Projeto Nurc/SP), Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Salvador. Cada uma dessas cidades gravou aproximadamente 300 horas com falantes cultos (entendidos como tal os de formação universitária completa); brasileiros; nascidos na capital em que as gravações foram realizadas; filhos de luso-falantes; distribuídos em três faixas etárias (25-35, 36-55, 56 anos em diante); de sexo masculino ou feminino; que deixaram seu testemunho oral da fala urbana e dos três tipos de inquéritos realizados: elocuções formais, diálogos e entrevistas.” (Preti, 2001: 7)

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formas são as que já apontamos: o locutor consigo mesmo, o locutor com seu

interlocutor, o locutor com o tema do enunciado.

Há, entretanto, um momento em que Rodrigues (2001) parece se contradizer

e concordar com Marcuschi (1999) e Urbano (2002). Ela afirma, como

assinalamos anteriormente, que um escritor não se preocupa com a questão do

envolvimento com seu interlocutor, pois produz seu enunciado sozinho e, por isso,

só se preocupa com a informação que está sendo passada. Podemos pensar que, se

o escritor se preocupa com a informação é pelo fato de desejar que ela faça sentido

para alguém e, por esse motivo, ele se preocupa em envolver seu interlocutor nem

que seja apenas com o que está sendo dito, ou seja, com o tema.

Após afirmar a ausência dessa preocupação por parte do locutor, Rodrigues

(op. cit.: 27), citando Chafe (1985), assinala que ele se preocupa em produzir algo

convincente para seu interlocutor:

Aliás, o escritor nem mesmo sabe quem, eventualmente, lerá seu texto escrito, nem se pode afirmar que ele se preocupa com tal problema; ele constrói sozinho seu texto. O isolamento do escritor com relação ao leitor faz com que este leitor só possa dispor de informações passadas no e pelo texto, já que não dispõe de dados do contexto situacional. (...) Além disso, escritor e leitor não alternam seus papéis no decorrer da elaboração do texto escrito, sempre a cargo de um único sujeito, seu autor. Ele se mostra sempre preocupado em produzir algo convincente para diferentes leitores, em diferentes momentos em diferentes lugares. (grifo nosso)

Consideramos, então, que embora autor e leitor não ocupem um tempo e um

espaço comum, é por meio do texto que eles interagem, que eles dialogam e que

eles se envolvem. Cada um tem uma função dentro desse processo justamente para

que haja essa interação e, conseqüentemente, um envolvimento.

Dias (1996: 54) trata também da questão do envolvimento, mas não

distinguindo tipologias, e sim, apresentando as diferentes manifestações no

momento em que há uma preocupação com o interlocutor. Ela apresenta primeiro

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manifestações ocorridas na fala:

No discurso falado, o fator de envolvimento manifesta-se por meio da ocorrência de alguns fenômenos, tais como os seguintes: presença do discurso direto; uso de pormenores; emprego de expressões que visam ao monitoramento do canal de comunicação pelo falante; presença de marcas de primeira pessoa; ênfase maior sobre agentes e ações do que sobre estados e objetos; ênfase sobre pessoas e seus relacionamentos (individualizações, relações de parentesco); concretismo e conotação.

Em seguida, citando Tannen (1980), que estabeleceu uma comparação entre

uma história na versão falada e na escrita, ela apresenta algumas manifestações do

envolvimento presentes na fala e que também aparecem na escrita:

Assim, na análise da ficção escrita, foi possível observar a prosa integrada (construções complexas) da modalidade escrita e traços típicos da língua falada como: inclusão de um maior número de pormenores; discurso direto; avaliações externas (o contador sai fora da história e faz comentários sobre os fatos); presença de registros informais (misturados aos registros formais característicos da escrita); uso de sons de efeito (aliteração – processo espontâneo na língua falada e característico na ficção literária); construções paralelas; descrições de ações etc. (Dias, 1996: 54)

Tais traços têm a função de minimizar a distância espaço-temporal,

realmente presente no texto escrito, existente entre locutor e seu interlocutor, ou

seja, entre autor e leitor. Com esses recursos, o locutor parece se aproximar,

envolver mais intensamente, enfim, seduzir o seu interlocutor.

Além desses traços, Dias (op. cit.) aponta mais um ligado especificamente à

notícia jornalística: o “tom” ficcional da notícia. Neste caso, ela assinala que o

locutor, que é um jornalista, expõe o fato, posicionando-se não como tal, ou seja,

ele não mantém uma linguagem objetiva, mas sim trata desse fato como um

“narrador-jornalista”, aproximando, então, seu texto a uma narrativa ficcional:

Esse “tom” ficcional presente na narração dos fatos acaba por autorizar a interferência do narrador, eximindo-o de seu compromisso com a objetividade. Nesse contexto de “licença”

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criativa, é permitido ao “narrador-jornalista” dar maior intensidade emocional ao relato e buscar uma relação de proximidade e intimidade com o leitor. (Dias, 1996: 57)

Isso posto, podemos afirmar, como postula Marcuschi (1999), que o

envolvimento entre locutor e interlocutor está presente em todo e qualquer

enunciado. O que ocorre, é que ora o locutor parece mais envolvido com o tema,

ora consigo mesmo, ora com seu interlocutor, fazendo, então, com que esse

envolvimento se apresente de diferentes maneiras. Entretanto, nos três casos, o

foco principal de interação é o interlocutor, uma vez que o desejo principal de todo

locutor é se fazer compreender.

Havemos de destacar, ainda, que o envolvimento não se dá exatamente com

a mesma intensidade em todos os casos. É claro que em uma conversação face a

face, ele é mais intenso pelo fato de os interlocutores estarem em um mesmo

espaço e tempo. Todavia, o envolvimento também se faz presente na escrita, mas

sua intensidade é menor por causa, também, da questão espaço-temporal.

Neste último caso, para diminuir tal distância, procurar envolver o leitor,

seduzi-lo e prender a sua atenção, o locutor pode fazer uso de alguns mecanismos

auxiliadores tais como os elencados por Dias (1996) ao citar Tannen.

No capítulo seguinte analisaremos alguns lides e verificaremos os recursos

presentes neles como a narrativa ficcional, as descrições de ações, o uso maior de

pormenores, as avaliações externas, dentre outras, para, então apontarmos de que

forma esse envolvimento se dá.

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IV. O LIDE E SUAS ESTRATÉGIAS INTERACIONAIS

4.1. Considerações gerais

Como apresentamos no capítulo anterior, todo e qualquer uso da linguagem,

seja este oral ou escrito, possui uma função interacional, uma vez que ninguém

escreve ou fala alguma coisa sem que imagine um leitor ou um ouvinte. Em um

texto falado, essa interação se dá de maneira muito mais dinâmica, pois locutor e

interlocutor ocupam o mesmo espaço e tempo. Em um texto escrito, por sua vez, a

interação entre autor e leitor ocorre de forma distanciada, ou seja, o autor produz

seu texto, vislumbrando um determinado tipo de leitor (leitor-modelo), já que entre

ambos existe um distanciamento espaço-temporal. A relação dialógica interacional

entre locutor e interlocutor de um texto escrito é mediada pelo próprio texto.

Se a interação é uma característica de todo e qualquer tipo de comunicação,

ela se faz presente também em um texto jornalístico. Como pontuamos

anteriormente, é objetivo do jornal interagir com seu leitor e seduzi-lo a fim de

tornar este relacionamento existente entre eles algo indispensável e duradouro. A

formatação da primeira página, a organização e estruturação de um jornal, a

diagramação podem ser consideradas mecanismos interacionais, uma vez que a

finalidade de tais recursos seja a de envolver o seu leitor:

Ao comprar o seu jornal, o leitor estabelece com ele um pacto de interlocução, justamente com o objetivo de enriquecer sua opinião e seu conhecimento dos fatos. Temer o leitor ou adular sua opinião é, paradoxalmente, contrariá-lo na relação que ele presume ter com o jornalismo. (Manual da Redação da

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Folha de S.Paulo, 2001: 23)

O próprio Manual da Redação considera haver entre jornal e leitor uma

relação, ou mais especificamente, um “pacto de interlocução”, ou seja, um

dialogismo interacional. Segundo ele, uma notícia, por exemplo, se diferenciará

das demais caso não corresponda àquilo que é normalmente feito em um jornal,

que já se tornou um lugar-comum. Para que isso ocorra, o Manual sugere que se

surpreenda o leitor, despertando-lhe a dúvida, a curiosidade:

É importante atentar para o fato de que o diferencial é resultado de uma atitude crítica. Ele é a maneira pela qual o jornal pode surpreender e inquietar o leitor, bem como pôr em xeque idéias feitas. A dúvida, a curiosidade e o entusiasmo são os melhores antídotos à visão convencional dos acontecimentos. (op. cit.: 23)

Uma notícia jornalística, ou mais especificamente um lide, foge desse lugar-

comum no momento em que abandona a organização do lide tradicional,

apresentada no segundo capítulo, ou seja, o lide deixa de responder às seis

questões principais presentes em torno de um acontecimento: quem?, o quê?,

quando?, onde?, como?, por quê?, e a notícia não segue mais a estruturação da

pirâmide invertida.

Mesmo que os manuais de jornalismo, como os de Hohenberg (1962)

Medina (1978) e Erbolato (2002), por exemplo, apresentem diferentes tipologias

de lide, e também o Manual de Redação da Folha de S.Paulo, após diversas

revisões, aponte formulações de lide, que não seguem o modelo tradicional, estas,

devido à excessiva carga de trabalho do jornalista e à pressa por uma definição,

pelo fechamento da notícia, ainda predominam nos jornais:

A mãe do lugar comum é a pressa e os jornalistas têm pressa por definição. Colocado em face do inédito o jornalismo recorre à analogia para aprisioná-lo na idéia feita, para fixá-lo em clichês de linguagem que permitam seu rápido esgarçamento. (Frias Filho, 1984: 4)

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Sendo, então, o lide tradicional utilizado de forma predominante nos

jornais, intuitiva ou concretamente, o leitor empírico de uma notícia conhece sua

estrutura e sabe que o primeiro parágrafo deve sintetizar, em tese, as principais

informações desenvolvidas ao longo da notícia1. Entretanto, o que acontece

quando tal expectativa é rompida, ou seja, o que acontece quando esse leitor

encontra um lide que não sintetiza a notícia? Ele provavelmente estranha a

alteração e sente a curiosidade em saber o que realmente aconteceu. Para obter tal

resposta, esse leitor empírico deve continuar a leitura dessa notícia.

Ao despertar a curiosidade ou o estranhamento em seu leitor, o jornalista

consegue envolvê-lo. No entanto, vale enfatizar que esse envolvimento leitor-

jornalista não se dá exatamente da mesma maneira, podendo, então, ser de uma

intensidade variada, dependendo dos gêneros de discurso, do grau de intimidade

existente entre locutor e interlocutor, ou, ainda, da intenção do produtor do texto.

Por esses motivos, há três diferentes maneiras de se estabelecer um envolvimento

entre autor e leitor ou enunciador e enunciatário: o envolvimento com o

enunciatário, com o tema ou consigo mesmo.

O envolvimento consigo mesmo é excessivamente subjetivista e particular,

não parecendo, por essa razão, possível de se fazer presente em uma notícia

jornalística, uma vez que tal tipologia aparece ou em monólogo, ou em termos ou

expressões de marca de primeira pessoa do singular, conforme apontam Marcuschi

(1999) e Urbano (2002).

O envolvimento com o tema ocorre, no caso da notícia jornalística, em

textos que privilegiam acima de tudo a própria notícia, ou seja, o próprio fato

narrado. Podemos considerar, então, tal tipo de envolvimento presente em notícias

que seguem a estruturação da pirâmide invertida e, conseqüentemente, possuem

um lide tradicional

__________

1. Vale ressaltar que conhecer a estrutura da notícia significa conhecer seu gênero de discurso, situação esta fundamental para que haja comunicação, pois como afirma Marcuschi (2003: 22), “a comunicação verbal é possível por algum gênero” pelo fato de ser ele o responsável pela ordenação das atividades comunicativas do dia-a-dia.

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86

Por sua vez, no caso do envolvimento com o enunciatário, há por parte do

autor a intenção de diminuir a distância espaço-temporal existente entre os

interlocutores em um texto escrito, de criar uma intimidade com seu leitor, de

seduzi-lo. Neste caso de envolvimento, o primeiro parece dialogar, interagir

explicitamente com o segundo. Para que isso ocorra, os lides possuem

determinadas estratégias interacionais que procuram apontar um envolvimento

entre o jornalista e seu leitor.

No presente capítulo, analisaremos alguns lides produzidos nos jornais O

Estado de S.Paulo e Jornal da Tarde para verificarmos os recursos interacionais

existentes em cada um deles para, em seguida, apontarmos de que maneira esse

envolvimento entre interlocutores (jornalista-leitor) se constitui.

4.2. Tipos de estratégias interacionais presentes nos lides

De acordo com a visão tradicional, o jornalista, ao produzir uma notícia,

preocupa-se com o fato em si. Se pensarmos na função do jornal impresso, em sua

organização, em sua diagramação e no próprio lide tradicional, atestaremos que o

jornal procura interagir com seu leitor, uma vez que todo texto é interacional,

buscando envolvê-lo com o tema, ou seja, com o fato noticiado.

No entanto, se pensarmos em que o jornal, desde a invenção do rádio, da

televisão e da própria internet, não trabalha mais com a novidade, mas sim, com

algo que possivelmente seu leitor já saiba, chegaremos à conclusão de que o

jornalista dispõe de duas alternativas: aprofundar o fato narrado, procurando

apresentar todas as suas circunstâncias, ou buscar um envolvimento direto com o

enunciatário:

O jornal de amanhã, fatalmente, terá de adiantar-se com algo mais novo ou mais completo. No jornal farto de papel dos áureos tempos, podíamos nos dar ao luxo de, simultaneamente, noticiar, procurar a continuidade e interpretar os acontecimentos. Agora, num jornal mais compacto, teremos de optar, deixando o

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meramente factual para o rádio e a TV e reservando para o jornal o desdobramento do fato por inteiro, com todas as suas circunstâncias e já não mais apenas com as primárias. (Dines, 2001: 90)

Ao procurar estabelecer um envolvimento com o enunciatário, e não com o

tema ou consigo mesmo, o jornalista tem como principal objetivo o de seduzir, o

de despertar a curiosidade, o de “prender” seu leitor à notícia. Para atingir seu

objetivo, ele levanta a hipótese de um leitor-modelo e produz uma notícia

jornalística, procurando seduzi-lo pela novidade, pelo diferente, fazendo, dessa

maneira, com que esse leitor dedique um tempo maior para tal notícia.

Levantamos seis diferentes formas de produção de lides publicados pelo O

Estado de S.Paulo e pelo Jornal da Tarde que têm como objetivo estabelecer um

envolvimento direto com o leitor. Quatro desses lides são descritos pelos manuais

de jornalismo, mas não previstos nos de redação, uma vez que o objetivo desses

manuais seja justamente o de sistematizar a produção de uma notícia. Todavia,

esses lides que não seguem o modelo tradicional são encontrados com uma certa

abundância nos jornais observados. Mas por que será que mesmo não sendo

recomendados pelos manuais, esses lides aparecem nas notícias jornalísticas?

Duas funções podem ser dadas para tais lides a partir dessa constatação: a

primeira é a de chamar a atenção do leitor para uma notícia secundária produzida

em determinado caderno. A segunda é exatamente o contrário, ou seja, é a de

enfatizar, de dar um destaque ou enfoque diferente para um fato já bastante

explorado pelo rádio, pela televisão ou pela internet.

Esses seis lides que procuram um envolvimento direto com seu interlocutor

podem ser divididos em dois grandes grupos: no primeiro, o envolvimento se dá

por meio do trabalho com a imaginação do leitor, ou seja, o jornalista interage com

seu interlocutor, criando uma cena, uma situação em sua mente. Cabe a esse leitor,

como postula Bakhtin (2003), compreender tal cena, refletir sobre ela e concordar,

discordar ou comentar aquilo que leu. No segundo grupo, o envolvimento se dá por

Page 98: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

88

meio da simulação de uma conversa, ou seja, o jornalista estabelece com seu leitor

uma relação nos moldes da conversação face a face. Neste caso, assim como no

grupo anterior, também cabe ao leitor concordar, discordar ou comentar aquilo que

leu.

4.2.1. A imaginação do leitor como estratégia interacional

Dravet (2002) aponta duas diferentes maneiras de se fazer jornalismo: a

primeira é utilizando aquilo que ela chama de modelo do jornalismo industrial; e a

segunda é apresentando a mensagem de forma emocional.

No primeiro caso, os fatos são narrados de maneira objetiva e clara, ou seja,

segue-se aquilo que é tão solicitado por alguns manuais de redação: a padronização

do fazer jornalístico concretizada lingüisticamente na construção da pirâmide

invertida, do lide tradicional:

Sim, porque informar com objetividade e clareza pretende ser o papel do jornalismo. Dizem também que tem leitor querendo se informar de maneira clara e objetiva. Essa é uma das evidências citadas em todos os cursos de jornalismo, pela maioria dos professores e dos livros didáticos. É lição que se repete e se aprende, mecanicamente, nas universidades, e que se aplica, com toda boa vontade, nas redações. (Dravet, 2002: 87)

No segundo caso, porém, esse fazer jornalístico está fundamentado em um

texto que transmita todo e qualquer tipo de emoção, como tristeza, medo, alegria,

pessimismo, causando, assim, impressões, interesses, reflexões, sentimentos:

Os jornalistas, como os escritores, precisam ouvir, ler e escrever, compreender e interpretar, exercer sua sensibilidade, saber e conhecer através dos escritos e ditos dos outros. Mas precisam sobretudo dar nova vida ao leitor que está morrendo. (op. cit.: 90)

Neste segundo caso, o jornalista mexe com a imaginação do leitor, pois para

despertar a sensibilidade deste, o locutor deve fazer seu interlocutor ver ou sentir

aquilo que está sendo noticiado. A maior preocupação do jornalista passa a ser,

Page 99: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

89

então, a de envolver seu leitor; e o fato ocorrido ocupa uma posição, em um

primeiro momento, não mais primordial, como no caso do envolvimento com o

fato, mas sim secundária diante de um lide que pretende seduzir e prender a

atenção de seu leitor.

Como afirma Dines (2001: 94), uma determinada situação ao ser imaginada,

ao ser construída na mente do leitor, possui uma retenção muito maior, pois a

dramaticidade está presente nesta recomposição da realidade narrada ou descrita:

Imaginação e imagem têm a mesma raiz. As figuras que o leitor

mentalmente produz com as sugestões contidas nas palavras vão compor seu

repertório de imagens, sua iconoteca, em outras palavras, sua imaginação. A

transposição de uma cena fotográfica para a mente poderá ser bem fixada pela

memória como um todo, mas a composição mental de uma imagem com os

elementos próprios é mais duradoura.

Sendo assim, o leitor, ao invés de apenas saber o que aconteceu por meio de

um lide tradicional, conseguirá compor uma imagem em sua mente e, desta forma,

sentir-se-á envolvido e preso pela situação narrada desde a primeira linha da

notícia.

Encontramos nos lides jornalísticos de O Estado de S.Paulo e do Jornal da

Tarde três diferentes maneiras de compor essa imagem na mente do leitor e seduzi-

lo por aquilo que está sendo dito. No primeiro caso, o do lide literário, o leitor é

capaz de imaginar a situação narrada e envolver-se por ela. Já no segundo, o do

lide particularizante, o leitor é convidado pelo locutor a se colocar no lugar do

outro e envolver-se por sua história. E por sua vez no último caso, o do lide

descritivo, o leitor é levado a imaginar uma determinada cena apresentada com

inúmeros detalhes.

4.2.1.1. Lide literário: o uso da intriga como estratégia interacional

Page 100: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

90

Medina (1978) e Hohenberg (1962) apresentam, ao contrário do que é

proposto nos manuais de redação, essa tipologia de lide, que são, respectivamente,

o lead-literary ou o lead episódico, cuja função é atrair o leitor por meio de

pequenas histórias contadas lenta e linearmente pelo jornalista.

Como sabemos, a literatura diferencia-se de um texto informativo pelo fato

de o primeiro fazer parte do âmbito da ficção e o segundo do da realidade. O lide

literário é assim nomeado justamente por misturar real e ficcional, ou seja, embora

aborde um assunto ocorrido verdadeiramente em nossa sociedade, a forma de

apresentar o fato assume certos contornos ficcionais. Sato (2002: 31-2) parece ir

mais além do que considerar simplesmente certos lides ficcionais e afirma:

Apesar da vocação para o “real”, o relato jornalístico sempre tem contornos ficcionais: ao causar a impressão de que o acontecimento está se desenvolvendo no momento da leitura, valoriza-se o instante em que se vive, criando a aparência do acontecer em curso, isto é, uma ficção.

Mesmo que tal impressão seja criada em muitas notícias jornalísticas, como

veremos mais adiante em outros tipos de lides, neste caso, o jornalista situa o fato

ocorrido em um momento anterior ao narrado, anterior à relação dialógica

interacional existente entre locutor e interlocutor. Ele constrói uma seqüência

narrativa sustentada em uma intriga.

Bronckart (2003: 219-20), fundamentado em Labov e Waletzky, afirma que

para haver uma seqüência narrativa, além de a história seguir uma linha de

sucessividade, ela deve estar sustentada por um processo de intriga. Esse processo

consiste em organizar acontecimentos de modo que a história obedeça a um

protótipo padrão de cinco fases principais e de uma seqüência sucessiva

obrigatória:

• a fase de situação inicial, em que a cena apresentada pode ser considerada

equilibrada e tranqüila;

• a fase da complicação, na qual é introduzida uma perturbação e, desta forma,

Page 101: O LIDE NA NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPRESSA E SUAS …

91

uma tensão é criada;

• a fase das ações, que contém os acontecimentos desencadeados por essa ação

perturbadora;

• a fase da resolução, em que novos acontecimentos reduzem a tensão criada

pela fase anterior;

• a fase da situação final, na qual um novo estado de equilíbrio é instaurado pela

resolução da ação.

O lide a seguir, produzido pelo Jornal da Tarde, apresenta tal seqüência

exposta por Bronckart (op. cit):

Eram 9h40 de ontem quando um homem magro, com 1,65 metro de altura e cerca de 35 anos entrou no depósito da loja de roupas Tubo D’Água, localizada na Rua Juruá, no Pari, centro de São Paulo. Aos gritos, disse que era um assalto. Exigiu a pasta preta do dono da loja e mandou a secretária Carla Patrícia Muñoz Lopez, de 23 anos, ir para os fundos do depósito. Em seguida, Carla ouviu um estampido. Uma bala atingiu a cabeça do comerciante Cláudio Hanna Hiar, de 40 anos, que morreu na hora. Ele era irmão do deputado estadual Alberto Hiar (PSDB), conhecido como Turco Loco. Sem levar a pasta, o criminoso fugiu. Na saída, encontrou o motorista de Hiar, Benedito de Lima, de 48 anos, que estava voltando de uma banca para onde havia ido comprar um jornal para o patrão. “Entra e fica na moral”, disse o assassino, que saiu logo em seguida. A polícia ainda não tem pistas do motivo do crime. (Irmão do deputado Turco Loco é executado. JT2: Polícia. 26 abr. 2003. p. A6)

A estratégia interacional criada neste lide pelo jornalista é a de subverter o

princípio da relevância, ou seja, ele não inicia seu texto tratando do fato em si, que

foi a morte do irmão do deputado Turco Loco, como anuncia o título da notícia. O

jornalista opta por criar um lide que aumente de forma crescente a expectativa de

seu leitor, que crie uma certa curiosidade em saber exatamente como se deram os

fatos e, desta forma, prenda o seu leitor-modelo por mais de um parágrafo.

__________

2. Daqui por diante, nas citações, tanto o jornal O Estado de S.Paulo quanto Jornal da Tarde serão abreviados, utilizando suas iniciais OESP e JT, respectivamente.

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92

Para que isso ocorra, ele primeiramente apresenta a situação inicial, que

trata da entrada de um homem magro em um depósito de uma loja de roupas:

“Eram 9h40 de ontem quando um homem magro, com 1,65 metro de altura e cerca

de 35 anos entrou no depósito da loja de roupas Tubo D’Água, localizada na Rua

Juruá, no Pari, centro de São Paulo”.

Essa situação inicial desencadeada uma complicação, que surge no

momento do anúncio do assalto: “Aos gritos, disse que era um assalto”.

Em seguida, surge a fase das ações: “Exigiu a pasta preta do dono da loja e

mandou a secretária Carla Patrícia Muñoz Lopez, de 23 anos, ir para os fundos do

depósito./ Em seguida, Carla ouviu um estampido. Uma bala atingiu a cabeça do

comerciante Cláudio Hanna Hiar, de 40 anos, que morreu na hora. Ele era irmão

do deputado estadual Alberto Hiar (PSDB), conhecido como Turco Loco./ Sem

levar a pasta, o criminoso fugiu. Na saída, encontrou o motorista de Hiar, Benedito

de Lima, de 48 anos, que estava voltando de uma banca para onde havia ido

comprar um jornal para o patrão. ‘Entra e fica na moral’, disse o assassino,”.

O momento de saída do assassino do depósito corresponde à fase da

resolução: “que saiu logo em seguida”.

E a última fase, a da situação final, trata da falta de pistas da polícia: “A

polícia ainda não tem pistas do motivo do crime”.

Esse jornalista se coloca como um narrador de terceira pessoa onipresente

que pôde acompanhar todos os fatos. Ele aponta a brutalidade, a irritação do

bandido e a intensifica ao destacar que “aos gritos” ele anunciou o assalto, e ao

selecionar os verbos exigir e mandar. Desta forma, o jornalista instaura uma certa

tensão em seu leitor-modelo, que certamente desejará saber como essa história de

assalto se desenrolou e o que aconteceu com o bandido.

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93

E qual é a relação existente entre esse lide e a imaginação? O jornalista, no

caso do lide ficcional, constrói uma narrativa cronológica, lentamente vai

apresentando os fatos e permitindo que seu leitor-modelo formule a imagem desta

cena em sua mente. Desta forma, ele passa a se preocupar primordialmente com a

maneira de contá-lo e não com o fato em si, despertando, assim, em um leitor que

conheça a organização tradicional da notícia jornalística, o estranhamento, a

curiosidade e a vontade de continuar a leitura para saber de que forma essa história

acabará:

O princípio básico da precedência do mais importante pode ser subvertido, em certo tipo de notícia, pela intenção de construir uma narrativa de intensidade crescente, à semelhança de um conto, geralmente muito breve, de três a cinco linhas. [...] Pode-se assegurar que esse tipo de formulação, fundada na estrutura do enunciado, escapa ao conceito básico de notícia, na medida em que não é o fato em si que importa, mas a maneira de contá-lo, geralmente sobre uma circunstância secundária, tal qual a sugestão embutida no nome da personagem. (Lage, 2003: 5)

O jornalista mostra-se preocupado não com o fato em si, mas sim com a

transmissão de uma imagem que envolva seu leitor à notícia e desperte-lhe um

maior interesse por ela. Por esse motivo, a relação dialógica interacional, no dizer

de Mikhail Bakhtin, que se estabelece entre jornalista e leitor é justamente a de

procurar uma relação mais próxima e íntima entre eles, uma vez que o primeiro

não está simplesmente noticiando um fato, mas sim contando uma história para o

seu leitor, para seu interlocutor, procurando, desta forma, fazer com que esse leitor

imagine a cena e sinta a angústia por que Hiar e sua secretária passaram.

Bronckart (2003: 234) também trata da relação dialógica interacional

existente em uma seqüência narrativa ao afirmar que

o estatuto dialógico da seqüência narrativa é, contudo, evidente (...) seja ternária, quinária ou ainda mais complexa, essa seqüência caracteriza-se sempre pela intriga dos acontecimentos e/ou das ações evocadas. Ela dispõe esses acontecimentos e/ou ações, de modo a criar uma tensão, para depois resolvê-la, contribuindo o suspense assim estabelecido para a manutenção da atenção do destinatário.

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94

O clima de angústia, de criação de suspense, de tensão faz-se presente em

outro lide ficcional:

Eram 10h30 de ontem. O encarregado administrativo da Embaixada do Brasil, Awni al-Dayri, avaliava os prejuízos dos dois saques de que a casa foi alvo nos últimos seis dias. De repente, ouviu gritos do lado de fora. Seis saqueadores que estavam roubando materiais de construção da Mesquita Rahman, uma enorme obra inacabada deixada pelo governo de Saddam Hussein, perceberam que a embaixada estava aberta e se aproximaram para assaltá-la. Al-Dayri sacou a pistola automática e começou a dar tiros para o alto, assim como dois de seus guardas particulares, armados de fuzis Kalashnikov. Rapazes que moram no bairro e cuidam da segurança também se aproximaram, e os seis se afastaram, a pé. “Como vamos continuar vivendo assim?”, pergunta Al-Dayri, exausto. É a segunda vez, em cinco dias, que ele expulsa saqueadores a tiros da embaixada brasileira, uma das únicas que ainda não foram esvaziadas pelos ladrões. (L.S. Saqueadores tentam de novo roubar a embaixada. OESP: Internacional. 16 abr. 2003. p. A20)

Assim como no lide ficcional anterior, a narração começa pelo horário em

que ocorreram os fatos, a cena vai sendo lentamente construída pelo jornalista, que

espera que seu leitor a imagine e desta forma sinta-se envolvido pelo fato e preso à

narrativa, e as cinco fases principais do processo de intriga também aparecem,

acrescidas, entretanto, da de avaliação.

Bronckart (2003: 221) esclarece que, além das cinco principais fases da

seqüência narrativa, outras duas podem ser acrescentadas: a fase de avaliação e a

de moral. Na primeira, o que ocorre é o acréscimo de um comentário relacionado

ao desenrolar da história e, na segunda, “se explicita a significação global atribuída

a história”.

No lide de O Estado de S.Paulo, a fase da situação inicial ocorre no

momento em que Awni al-Dayri avalia “os prejuízos dos dois saques de que a casa

[a embaixada do Brasil] foi alvo nos últimos seis dias”. A da complicação

instaura-se quando al-Dayri ouve gritos do lado de fora da embaixada. O uso do

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95

termo de repente, assim como no lide anterior, serve como elemento intensificador

da expectativa, pois parece chamar a atenção do leitor para uma nova situação.

A fase seguinte, ou seja, a da ação inicia-se no momento em que o

encarregado administrativo saca sua pistola automática e começa a dar tiros para o

alto e a da resolução ocorre com o afastamento dos seis saqueadores. A fase da

situação final vem acrescida de uma avaliação, que aborda o número de vezes em

que tentaram saquear a embaixada.

Como postula Araújo (2002: 95), a notícia sendo transformada em uma

narrativa que gradativamente forneça as informações ao seu leitor e que seja rica

em detalhes, serve como um aperitivo a esse leitor que, por sua vez, sente-se

seduzido pelo enredo:

Sinto hoje, ao acompanhar a produção e a rotina jornalística, a falta de algo que é muito caro à literatura. É também nesta figura literária, vou chamar assim, onde justamente identifico o grande elo que une estas duas áreas, o jornalismo e a literatura: a narração. [...] Quando falo em narração, trato daquele conjunto de informações e detalhes que, em geral, costumam estar ao redor da notícia e que serve como aperitivo – nem por isso dispensável – ao leitor antes de introduzi-lo ao que interessa e, observação fundamental, que não tem nada a ver com o famoso e execrável nariz de cera.

O leitor, como também no lide anterior, não aparece explicitamente

invocado no texto. Ele é, conforme postula Maingueneau (1996), um leitor

instituído, mas é claro que ele se faz presente, uma vez que, como já pontuamos,

todas as pessoas que escrevem, escrevem para alguém, para um leitor idealizado,

um leitor-modelo. E para que essa interação, esse envolvimento ocorra, faz-se

necessário haver um leitor que compreenda, que interprete, que imagine a cena

narrada.

O trabalho com a imaginação, que se constitui por meio da reconstrução de

uma realidade que mistura elementos ficcionais, como a exaustão de Awni e como

sua pergunta “como vamos continuar vivendo assim?”, que parece desejar apontar

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96

o grau de desespero, medo e cansaço em que sua personagem protagonista se

encontra, serve como elemento que desperta a atenção, o interesse do leitor pelo

fato noticiado e cria uma certa proximidade, uma intimidade, uma cumplicidade

entre os interlocutores.

Aliás, vale ressaltar que, para Maingueneau (2001), o uso do discurso direto

pode representar ou uma exata reprodução das palavras do locutor, ou

simplesmente relatar algo que pode não ter sido dito exatamente dessa forma. Ele

destaca, ainda, que sendo verdadeiras ou falsas tais palavras, elas têm a função de

criar um efeito de autenticidade:

Mesmo quando o DD relata falas consideradas como realmente proferidas, trata-se apenas de uma encenação visando criar um efeito de autenticidade: eis as palavras exatas que foram ditas, parece dizer o enunciador. O DD caracteriza-se com efeito pelo fato de supostamente indicar as próprias palavras do enunciador citado: diz-se que ele faz menção de tais palavras. (op. cit.: 141)

Em um outro lide ficcional, o jornalista, diferentemente dos anteriores,

institui um leitor-modelo, dirige-se diretamente a ele, ou seja, instaura o leitor

apostrofado de Maingueneau (1996) e desenvolve sua história narrando uma

situação “ocorrida” com seu próprio leitor:

O despertador toca e o canto digital de um galo anuncia que é hora de você acordar. Em seguida, Silvio Santos – ele mesmo – informa com a mesma voz que começa um programa do SBT: “Bom dia, são sete horas.” Sonolento, você ignora a saudação e volta a dormir. Quinze minutos depois, com medo de estar atrasado, pega o relógio que está no criado mudo e aperta um botão para ver as horas. Outra vez, Silvio avisa no mesmo tom: “Bom dia, são sete horas e 15 minutos.” E você levanta sem dizer nada. (BARION, Rafael. Silvio Santos vem aí. No relógio de pulso. JT: Cidade. 27 abr. 2003. p. A18)

O jornalista também se coloca neste caso como um narrador onisciente, pois

ele sabe exatamente como sua personagem, no caso o próprio leitor, sente-se, ou

seja, “sonolento” e “com medo de estar atrasado”.

Entretanto, o processo de intriga deste lide apresenta apenas três fases,

possibilidade esta apresentada por Bronckart (2003: 222) ao afirmar que “as

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97

seqüências narrativas efetivas podem, entretanto, comportar apenas um número

limitado de fases (situação inicial + complicação + resolução)”.

A fase da situação inicial no lide de Barion ocorre no momento em que o

despertador toca; a da complicação, tem início quando o próprio Sílvio Santos

informa o horário; e a da resolução, é instaurada no momento em que o leitor se

levanta da cama.

Ao contrário dos lides anteriores, que misturam elementos ficcionais a uma

situação real, especificamente neste lide, o jornalista, ao noticiar o lançamento de

um relógio do Silvio Santos, trabalha exclusivamente com elementos ficcionais, ou

seja, com uma narrativa de suposição.

Neste terceiro caso de lide ficcional, o jornalista também deseja construir a

imagem de uma determinada situação na mente de seu leitor, porém não com o

intuito de fazê-lo sentir, como nos casos anteriores, em que o suspense criava uma

expectativa, um medo do que estava por vir. Barion com sua notícia pretende criar

uma situação inusitada com seu próprio leitor e, desta forma, construir um

envolvimento com seu enunciatário muito mais próximo do que foi conseguido até

então nos outros lides.

4.2.1.2. Lide particularizante: o uso de casos particulares como estratégia

interacional

O lide particularizante3 desenvolve uma história breve sobre uma pessoa

anônima para, em seguida, tratar de um fato específico. Esse tipo de lide, embora

de forma mais sucinta, também procura um envolvimento com o enunciatário e

__________

3. O lide particularizante não aparece na literatura jornalística. Tal categoria foi atribuída por nós.

não com o tema, pois assim como no lide ficcional, o que ele privilegia é a

interação, é o envolvimento com seu leitor, e não o fato ocorrido:

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O estudante Rodrigo Lins Assoer estava juntando todas suas economias para equipar o seu Peugeot 206, que recebeu de presente há cinco meses do pai. Queria comprar um som novo, colocar insulfilme e – se ainda sobrasse dinheiro – trocar as calotas do carro. Mas o calor dos últimos dias obrigou o garoto a mudar os seus planos. “Em pleno outono, fui forçado a comprar um ar-condicionado”, diz Rodrigo. “Não deu para agüentar esse sol infernal. Prefiro ficar sem música no carro do que passar mal de tanto calor. Qualquer coisa, eu mesmo canto para passar o tempo”. Até os meteorologistas estão assustados com o “verão” que anda fazendo em São Paulo. Há oito dias, não cai uma gota de chuva na capital. A previsão para o mês de abril era de que chovesse 76 milímetros – só que esse índice não alcançou nem os 50 milímetros. O único detalhe é que, para variar, o tempo vai mudar totalmente neste feriado. (Aproveite. Pode ser o último dia de calor. JT : Cidade. 30 abr. 2003. p. A7)

Esse lide à primeira vista parece ser um lide ficcional. No entanto, o que o

diferencia do lide anterior é que o jornalista não assume mais a função de um

narrador onisciente nem a história sobre essa pessoa anônima é o centro da notícia,

ou o que a gerou. Neste lide, por exemplo, o jornalista institui esse anônimo para

servir como pretexto para tratar das altas temperaturas em pleno outono, ou seja, a

história do estudante Rodrigo L. Assoer funciona como um elemento prefaciador

da notícia, uma vez que nos dois parágrafos subseqüentes, o jornalista esclareça o

fato em si. Neste caso, então, o lide é constituído por três parágrafos.

Utilizando esse recurso, o jornalista rompe com a expectativa de seu leitor,

uma vez que o título da notícia, primeira informação lida por ele, trata dos últimos

dias de calor na cidade de São Paulo, e a notícia é iniciada por um lide que relata a

história de um estudante e seu carro novo. Tal paradoxo cria um estranhamento no

leitor e este se sente atraído pela notícia na tentativa de conseguir relacionar essas

duas conflitantes informações.

Ao contrário do lide literário, que procura lentamente envolver seu leitor,

seja ele instituído ou apostrofado, por meio da dramaticidade e do aumento

crescente de sua expectativa, o lide particularizante procura despertar a

curiosidade do seu leitor pelo fato e “prendê-lo”, assim, à notícia jornalística:

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Dona Chiquinha, encarregada da limpeza, está triste: em maio Paula deixa o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa do Ibirapuera. “Quem vai embora não é a diretora. É uma amiga”, diz, já com lágrimas nos olhos. A ex-jogadora da Seleção de Basquete – e uma das melhores do mundo –, abraça dona Chiquinha. Vai assumir um cargo importante para o País: será a secretária nacional do Esporte de Alto Rendimento, a convite do próprio Agnelo Queiroz, ministro do Esporte. E Paula deixa seu Centro Olímpico, mudado para muito melhor – vivo, com mais de mil alunos -, em boas mãos: de Ana Moser, ela também uma ex-jogadora, da Seleção de Vôlei. (MIRÁS, Denise. E o Ministério do Esporte ganhou Paula. JT: Esportes. 26 abr. 2003. p. B5)

Neste lide particularizante, o mesmo recurso do anterior é utilizado pela

jornalista, ou seja, o título e a notícia tratam da ida da jogadora Paula para o

Ministério do Esporte, porém o seu lide conta a tristeza de dona Chiquinha com a

saída da jogadora de basquete do comando do Centro Olímpico.

Novamente não há uma preocupação primeira com o fato ocorrido e, sim,

com o desejo de atrair o seu leitor. Prova disso, é que dona Chiquinha, elemento

central do lide, porém não da notícia, não possui uma caracterização mais

específica e objetiva, por exemplo. Ela não tem, neste caso, nome correto, nem

sobrenome, nem idade, nem tempo de serviço, mas apenas um apelido.

Por esse motivo, podemos afirmar que a jornalista preocupa-se

exclusivamente em construir para seu leitor uma imagem a respeito da jogadora

Paula. Imagem de uma pessoa competente – “E Paula deixa seu Centro Olímpico,

mudado para muito melhor” – , de sucesso – “e uma das melhores do mundo”–,

amiga e querida – “Quem vai embora não é a diretora. É uma amiga’, diz, já com

lágrimas nos olhos”.

Neste momento, como já assinalamos, a preocupação principal é a de

prender a atenção do leitor à notícia, por meio da construção de um lide totalmente

inusitado e curioso, e não com a notícia, com o fato em si. Por essa razão, a

preocupação da jornalista é em procurar um envolvimento com seu enunciatário e

não com o tema.

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Entretanto, o lide particularizante nem sempre é construído fundamentado

apenas no estranhamento causado pela diferença existente entre o título e o lide da

notícia:

A psicóloga Cristiana Scala sentiu na pele ontem as dificuldades que alguns munícipes estão encontrando para pagar a taxa do lixo. Depois de várias tentativas para quitar a dívida, descobriu que o código de barras do boleto não está ativo. “Apesar de não concordar com a taxa, tentei pagá-la por três vezes e não consegui. Achei um abuso.” Tardiamente, a Secretaria Municipal de Finanças divulgou uma nota ontem informando que as guias da taxa de lixo vencidas só podem ser quitadas no Banco do Brasil. (Taxa do lixo: só um banco recebe após vencimento. OESP: Cidades. 10 abr. 2003. p. C6)

Neste caso, por exemplo, o título tem como tema o pagamento da taxa do

lixo, e o lide trata da dificuldade encontrada por uma psicóloga para quitar sua

dívida. Não há, desta forma, como nos lides anteriores, um estranhamento gerado

por esse conflito entre título e lide. Entretanto, assim como no primeiro lide, o

jornalista opta por narrar o efeito, o resultado do problema para depois, então,

tratar do fato em si. Mas por que mesmo assim ele é considerado particularizante?

Por que não pode ser considerado um lide ficcional?

Como vimos, o lide ficcional pretende criar uma imagem na mente do leitor

que vai sendo construída paulatinamente pelo jornalista por meio do processo de

intriga. Tal lide coloca em um segundo plano o fato em si, o que realmente

ocorreu, para criar toda uma ambientação por meio de uma narração minuciosa

feita por um jornalista que assume a postura de um narrador onipresente ou

onisciente. Esse jornalista pretende, então, fazer seu leitor ver ou sentir o que

ocorreu.

Contudo, no lide particularizante, isso não acontece, ou seja, o jornalista ao

invés de tratar unicamente do ocorrido, particulariza o fato citando algo acontecido

com uma pessoa anônima. Essa estratégia aproxima o leitor do jornalista

justamente pelo fato de o segundo estar especificamente contando um problema

vivido por uma pessoa específica, que poderia ser o próprio leitor.

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Neste caso, então, o jornalista quer fazer o seu leitor ver a confusão que a

cobrança da taxa de lixo está causando às pessoas. Portanto, assim como nos lides

anteriores, a estratégia interacional presente neste outro lide é a construção de uma

cena, de uma imagem para que um elo mais próximo entre leitor e jornalista se

estabeleça.

4.2.1.3. Lide descritivo: o uso da descrição como estratégia interacional

Essa tipologia de lide descritivo é apresentada por Bond (1959) e Medina

(1978). Entretanto, embora para os dois teóricos seja exatamente o mesmo tipo de

lide, eles lhe dão nomes diferentes: lide descritivo no caso do primeiro e lead-

indireto no caso de Medina.

Medina (op.cit.) comenta, como assinalamos no segundo capítulo, que no

lead-indireto, o nosso lide descritivo, o jornalista insere o seu leitor na notícia por

meio de circunstâncias totalmente acessórias, que tanto podem ser uma

ambientação quanto uma metáfora, e que, por esse motivo, não há, neste caso,

nenhuma proximidade afetiva.

Podemos considerar que, no caso do lide descritivo, não há esse desejo por

parte do jornalista de criar ou de simular, utilizando como uma das estratégias

interacionais o leitor apostrofado, uma proximidade afetiva com seu leitor. Há,

porém, o desejo de estabelecer uma proximidade com ele, de envolvê-lo, de atrai-

lo por aquilo que está sendo dito. Como estratégia interacional, ele institui um

leitor-modelo que conheça a estruturação da notícia, do lide tradicional, que ainda

é, como já dissemos, predominante no jornal, rompe com essa estruturação, cria

uma ambientação logo no início por meio de uma descrição minuciosa e atrai o seu

leitor para o restante da notícia ou parte dela:

Paul está de chinelos e ainda usa aqueles indefectíveis mullets no cabelo. Ringo está de camisa jeans e George todo de branco, com seu cavanhaque de estimação. Estão sentados no chão, em cima de uma toalha xadrez de piquenique. Paul está com uma

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102

perna e o chinelão em cima da toalha, todos cantando Baby What You Want Me To Do. É junho de 1994 e os Beatles realizam um sonho de décadas de velhos e novos fãs: estão juntos de novo (à exceção de John, claro) e, o que é melhor, estão tocando, rindo e se divertindo juntos. Agora é pra valer. Chega hoje às lojas do mundo todo a caixa The Beatles Anthology DVDs (EMI), contendo 11 horas de imagens dos quatro fantásticos em 5 discos e mais 81 minutos de material raro ou inédito – o que inclui aquela famosa sessão de 1994 que todo mundo pensava que era cascata. (MEDEIROS, Jotabê. O dia dos sonhos de todo beatlemaníaco. OESP: Caderno 2. 31 mar. 2003. p. D1)

Este lide está dividido em dois parágrafos: o primeiro cria uma cena e

descreve-a para o seu interlocutor. O segundo por sua vez, com características de

lide tradicional, situa para o leitor tal descrição feita anteriormente.

Iniciar uma notícia jornalística por uma descrição desperta uma certa

curiosidade pelo fato de o leitor não saber ao certo do que o jornalista está

tratando, uma vez que o título da notícia também não aponta diretamente para o

fato, o lançamento de uma coletânea de DVDs dos Beatles. Essa incerteza atrai,

seduz o leitor pela notícia, uma vez que ele vai desejar saber verdadeiramente do

que o jornalista está tratando. Por esse motivo, esse leitor dá continuidade a sua

leitura.

Todavia, não é apenas uma curiosidade que esse tipo de lide desperta no

leitor. Toda descrição tem a função de apresentar verbalmente um objeto, um ser,

uma coisa, uma paisagem ou até mesmo um sentimento. De acordo com Garcia

(2003: 247),

a descrição vai apresentando o objeto progressivamente, de detalhe por detalhe, em ordem tal, que o leitor possa combinar suas impressões isoladas para formar uma imagem unificada.

Assim, ao descrever, o locutor, no caso o jornalista, coloca em segundo

plano sua preocupação com o fato, ou seja, coloca de lado seu envolvimento com o

tema para criar uma situação tal que envolva o seu leitor, buscando, então, um

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103

envolvimento com o enunciatário. Para isso, ele minuciosamente vai descrevendo

uma cena que instigue esse leitor, ou seja, lentamente ele apresenta as pessoas

presentes, aponta uma característica delas e insere-as em um contexto. O jornalista

descreve essa cena com tamanha riqueza de detalhes, justamente com o objetivo de

fazer com que seu leitor imagine em sua mente tal situação, tal ambientação. Ele

faz, então, exatamente aquilo que é postulado por Garcia (2003): vai

progressivamente descrevendo a cena e, assim, auxiliando seu leitor a construir

uma imagem total em sua mente.

O jornalista, portanto, interage com o seu leitor ajudando-o na construção de

uma imagem unificada e atraindo-o para que dê continuidade a sua leitura. Esse

jornalista deseja que seu leitor visualize mentalmente qual é o sonho de todo

beatlemaníaco, como anuncia no título: vê-los juntos novamente cantando e se

divertindo.

No segundo parágrafo da notícia, porém, esse sonho deixa de ser uma

simples cena construída pelo jornalista para se concretizar no lançamento de uma

coletânea de DVDs, que possui “81 minutos de material raro ou inédito” do grupo.

O mesmo recurso é utilizado em um outro lide produzido, porém, pelo

Jornal da Tarde:

O moço de calça muito justa, camisa semi-aberta, ostentando um medalhão prateado e um grande broche escrito Raël anuncia: “em três minutos sua santidade chegará e quem quiser deve colocar o gravador na mesa agora.” Depois que ele entrar, ninguém poderá chegar perto nem sair da sala, completa. Os cerca de 60 jornalistas, muitos de agências internacionais, se entreolham. Um deles, que terá de entrar ao vivo na rádio e precisaria sair, tenta argumentar. Não tem jeito. A primeira coletiva no Brasil de Claude Vorilhon, o Raël, fundador do Movimento Raeliano que vem anunciando ter feito clones pelo mundo, parece um espetáculo. (TÓFOLI, Daniela. Raelianos falam, falam, mas não provam clonagem. JT: Cidade. 25 mar. 2003. p. A8)

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Neste lide, a jornalista lentamente descreve a cena para que seu leitor

consiga visualizar como se deu a coletiva do fundador do Movimento Raeliano.

Entretanto, ela não conta, como no lide anterior, com o conhecimento

enciclopédico de seu leitor. Aliás, ela cria um leitor-modelo que possa não

conhecer nem Claude Vorilhon nem seu movimento. Por esse motivo, a jornalista

faz uma pausa, esclarecendo primeiramente quem é aquele que o “moço de calça

muito justa, camisa semi-aberta” chama de “sua santidade” e, em seguida, explica

qual a relevância desse movimento para a sociedade.

A jornalista também utiliza dois parágrafos para situar seu leitor sobre o que

pretende relatar. A sensação que ela parece desejar despertar no leitor é a de

desconforto e estranheza absoluta, pois logo de início descreve um moço que

nomeia um outro homem de “santidade”. No segundo parágrafo, ela continua a

descrever a cena, mas resumidamente informa de quem está falando e o que esta

pessoa fez. O lide desenvolvido em dois parágrafos termina com uma opinião da

jornalista sobre a descrição da cena vista: “parece um espetáculo”.

Podemos sintetizar reafirmando que nos dois lides descritivos anteriores, o

que os jornalistas fazem é primeiramente causar uma certa curiosidade em seus

leitores e, em seguida, compartilhar aquilo que viram com esses leitores por meio

de descrições minuciosas e detalhadas que possibilitem a trabalho com a

imaginação na construção dessas cenas. Desta forma, o locutor consegue

minimizar a distância espaço-temporal existente entre os interlocutores e seduzir,

envolver seu leitor mais facilmente por aquilo que está sendo dito.

Conforme afirma Bearzoti Filho (1991:10), toda descrição tem por objetivo

fazer seu interlocutor ver ou sentir aquilo que foi descrito:

Todo aquele que descreve pretende ao menos uma de duas coisas. Pode desejar transmitir uma idéia de como o objeto descrito é de fato: seu formato, sua cor, seu funcionamento, etc.; mas pode, também, ter como prioridade que seu leitor obtenha a mesma impressão que ele, autor, sentiu ao se defrontar com o objeto. No

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primeiro caso, dizemos que a função da descrição é fazer ver, enquanto, no segundo, é fazer sentir.

No caso do primeiro lide descritivo, por exemplo, o jornalista apenas queria

que os leitores vissem, imaginassem, visualizassem a cena de um encontro dos

Beatles. No segundo, há a predominância do fazer ver, mas há, também, um desejo

de que seu interlocutor compartilhe da mesma opinião da jornalista e sinta a

estranheza da situação criada na entrevista coletiva dada por Claude Vorilhon. Há,

portanto, a presença, também, do fazer sentir, que se torna elemento central em um

outro lide:

Prédios em chamas, ruas invadidas por veículos que circulam em qualquer direção, lojas, hotéis, casas, agências bancárias, prédios governamentais – inclusive hospitais e museus – saqueados por bandos de ladrões armados e moradores da cidade, milícias urbanas controlando com fuzis e pistolas seus bairros. A anarquia continuou tomando conta de Bagdá ontem, dois dias depois da tomada da capital iraquiana pelas tropas dos EUA. Em Washington, o porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer, anunciou, oficialmente, que os EUA consideram o regime de Saddam Hussein deposto, e o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, disse que as forças americanas e britânicas “tomarão as medidas necessárias para garantir a ordem e deter os saques nas cidades do Iraque”. Disse também que as forças americanas estabeleceram a proibição de se sair de Bagdá durante a noite, com o objetivo de começar a pôr fim ao caos imperante na cidade. (Caos toma conta de Bagdá sem governo. JT: Guerra do Golfo II. 12 abr. 2003. p. A12)

No lide acima não há uma única intenção de fazer ver; há também, e

predominantemente, a intenção de fazer o leitor sentir. Trata-se de uma descrição

compartilhada, ou seja, o autor minuciosamente vai fornecendo os detalhes da

“anarquia” que ele pretende descrever. Essa descrição lenta e minuciosa vai

criando uma expectativa no leitor, um clima de suspense, dando uma ilusão de

proximidade entre os interlocutores, já que autor e leitor parecem observar juntos a

mesma cena, e despertando paulatinamente esse fazer ver e esse fazer sentir. O que

o leitor, juntamente com o autor, vê e sente é a situação caótica em que se encontra

Bagdá, assim colocado no título pelo autor.

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Ambos, autor e leitor, sentem e vêem, então, a total ausência de regras, de

limites e de respeito pelo próximo. A pausa feita pelo autor ao dizer “inclusive

hospitais e museus” exemplifica e destaca todas essas ausências nomeadas, uma

vez que a função dos hospitais seja a de prestar socorro para aqueles que mais

necessitam de ajuda, e a dos museus seja a de guardar a história e a memória de

uma nação.

Após tal descrição, o locutor passa a explicar exatamente o contexto da cena

construída e a fornecer as opiniões das pessoas responsáveis pela retirada do

ditador iraquiano Saddam Hussein.

4.2.2. A conversa com o leitor como estratégia interacional

Destacamos que o que há em comum entre os lides ficcional,

particularizante e descritivo é que cada um deles, utilizando estratégias diferentes,

tem por objetivo primordial despertar a curiosidade de seu leitor e fazê-lo imaginar

a cena narrada ou descrita. Essa estratégia interacional, como já afirmamos,

procura, então, criar um maior envolvimento com o enunciatário enquanto o

envolvimento com o tema é posto em um segundo plano.

Os lides a seguir, porém, não têm por objetivo único despertar a curiosidade

do leitor, mas sim, quando os produz, o jornalista procura envolver seu interlocutor

de uma maneira mais intensa por meio da utilização de estratégias que minimizem

a distância espaço-temporal existente entre eles e criem, por esse motivo, a ilusão

de que jornalista e seu leitor mantêm uma conversação face a face.

Como afirma Maingueneau (1998: 37), em uma conversação,

[os] participantes, que podem ser mais de dois, estão próximos no tempo e no espaço e entretêm relações convivais. A conversação apresenta-se como desprovida de finalidade instrumental; um interrogatório ou um debate político não podem ser conversações:

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“É a companhia que procuramos aí, não informações” (Jacques in Cosnier et al., 1988:58).

Na tipologia de lide apresentada a seguir, veremos que aquilo que os

jornalistas fazem é justamente utilizar estratégias interacionais que procurem, em

um primeiro momento, tornar seus leitores participantes de uma conversa, ou seja,

o jornalista parece preocupar-se nesses lides em encontrar uma companhia para

que possa, assim, conversar, conforme destaca Maingueneau (op.cit.).

Encontramos nos lides jornalísticos de O Estado de S.Paulo e do Jornal da

Tarde três diferentes maneiras de simular essa conversa entre jornalista e seu

interlocutor. No primeiro caso, o do lide opinativo, o jornalista apresenta sua

opinião acerca de um fato qualquer. Já no segundo, o do lide interrogativo, o leitor

é questionado sobre um acontecimento. E por sua vez no último caso, o do lide

com interlocutor determinado, o leitor é imediatamente inserido na notícia por

meio de termos que se dirigem diretamente a ele.

4.2.2.1. Lide opinativo: opinião do jornalista como estratégia interacional

À primeira vista, o lide opinativo4, pelo próprio nome, causa um certo

estranhamento, pois como afirma Mosca (1994: 233) o jornalista é uma pessoa que

deve deixar sua emoção fora da notícia:

A possibilidade de comunicação “pessoal” com o leitor se vê assim filtrada, realizando-se sob limites e condições controladas. O distanciamento se dá na busca de criação de objetividade, em nome da qual se vêem contidas as reações emocionais e afetivas. Os jornalistas são indivíduos a quem se pede para deixar a emoção em casa.

Após tais considerações, é possível indagarmos como uma notícia,

fundamentada nos princípios de objetividade e clareza, possui um lide em que o

jornalista explicitamente opina sobre um determinado assunto?

__________

4. O lide opinativo também não aparece na literatura jornalística. Tal categoria foi atribuída por nós.

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Como premissa para tal questionamento, apresentamos o lide a seguir:

O pânico está instalado na capital chinesa. Ontem mais de 4 mil pessoas foram colocadas em quarentena pelas autoridades de Pequim, em conseqüência da epidemia de pneumonia atípica que afeta, principalmente, o Sudeste Asiático. Segundo o governo chinês, o isolamento ocorreu porque essas pessoas tiveram contato íntimo com os doentes. (EFE e AP. Mais de 4 mil pessoas são isoladas em Pequim. OESP: Geral. 26 abr. 2003. p. A16)

O jornalista, neste caso, antes de iniciar a construção de um lide tradicional,

emite sua opinião acerca da situação em Pequim: “O pânico está instalado na

capital chinesa”.

Desta forma, ele chama a atenção de seu leitor para o fato e estabelece um

vínculo maior entre eles, uma vez que, ao invés de se ocultar para privilegiar esse

fato, criando, assim, esse efeito de objetividade, o jornalista primeiramente

externaliza seu pensamento. Neste caso, sendo colocado logo no início do

parágrafo, essa opinião é o elemento central, a idéia mais importante do lide.

Um lide opinativo pode ser, também, mais explícito e dirigir-se de modo

mais direto ao leitor, como ocorre no lide seguinte:

É claro que o MRV/Minas pode virar o playoff decisivo da Superliga Feminina de Vôlei – o BCN/Osasco tem 2 a 0 na série melhor-de-cinco. O time mineiro fez a melhor campanha da fase classificatória e tem jogadoras como Fofão, Érika e Elisângela, que só deixaram a Seleção Brasileira (por desentendimentos com o técnico Marco Aurélio Motta) após o bronze na Olimpíada de Sydney, em 2000, ainda sob comando de Bernardinho. Mas o título da temporada está bem mais perto do BCN, que, apesar da tradição de investimento no esporte, busca uma conquista inédita. A terceira partida será hoje, às 20h30, no Mineirinho, Belo Horizonte (SportTV). (MRV acredita em reação diante do BCN. OESP: Esportes. 24 abr. 2003. p. E4)

Este lide mantém com seu leitor uma interação bem mais explícita pelo fato

de utilizar a expressão “é claro”. Tal expressão dirige-se a um leitor-modelo

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colocado no texto e nomeado por Maingueneau (1996) de leitor instituído. Ao se

colocar, ao exteriorizar sua opinião, o jornalista dá a impressão de que já conhece

os pensamentos de seu leitor e não concorda com eles. Por esse motivo, ele se

mostra incisivo ao tratar de uma reação da equipe MRV/Minas.

O uso dessa expressão “é claro” atrai o seu leitor para a notícia por expor

primeiramente a opinião do jornalista para, em seguida, apresentar o fato.

Havemos de ressaltar, entretanto, que o fato apresentado possui alguns

argumentos levantados por esse jornalista, tais como: MRV tem a melhor

campanha da fase classificatória e conta com ex-jogadoras da Seleção Brasileira de

Vôlei. A função desses argumentos é a de justificar a opinião apresentada logo no

início da notícia por ele.

Podemos enfatizar, então, que o jornalista, ao emitir e justificar sua opinião,

deseja aproximar-se de seu leitor, minimizando a distância espaço-temporal

existente entre eles, pois demonstra conhecer a opinião desse leitor e discordar

dela, dando a impressão, portanto, de que os interlocutores conversam sobre o

assunto.

No lide seguinte, além de expor sua opinião, o jornalista utiliza como

estratégia interacional para buscar um envolvimento com o enunciatário, uma das

três competências postuladas por Maingueneau (2001) e apresentada no capítulo

anterior - a competência enciclopédica:

Parece piada, mas a Portuguesa, vice-lanterna do “Torneio de Morte” do Campeonato Paulista, está feliz por poder jogar contra o Botafogo, hoje, às 20h30, como visitante. Soa, no mínimo estranho, contudo a equipe está invicta atuando fora do Canindé – quatro empates e uma vitória – e acredita que mantendo o retrospecto, fugirá do rebaixamento. (Lusa, fora de casa, tenta ‘respirar’ no ‘Torneio da Morte’. OESP: Esportes. 19 mar. 2003. p. E3)

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Mais uma vez o jornalista faz uma avaliação de uma determinada situação e

expõe sua opinião acerca de um fato noticiado. Neste caso, ele também se dirige a

um leitor instituído ou cooperativo, ou seja, a um leitor esperado, porém não

explicitado no lide.

O jornalista espera que esse leitor-modelo, para que possa compreender o

lide produzido, tenha um determinado conhecimento enciclopédico, ou seja, saiba

que o cidadão português, em nossa sociedade, muitas vezes tem sua inteligência

questionada por piadas criadas em diferentes contextos.

Além de saber disso, um outro conhecimento enciclopédico que ele espera

de seu leitor-modelo, é que ele também saiba que um time prefere jogar em seu

próprio estádio a ir para um outro qualquer. Contando com mais essa competência,

ele ironiza a situação do time da Portuguesa, penúltimo colocado no Campeonato

Paulista, estar feliz por poder jogar fora do seu próprio estádio, o Canindé.

Em um outro lide opinativo, o jornalista ultrapassa a exposição de uma

opinião acerca de um determinado assunto, para se colocar como um efusivo

torcedor do time do Corinthians:

Que tapetão, que nada! O Corinthians mostrou força e sagrou-se campeão paulista pela 25a vez em sua história com mais uma vitória sobre o São Paulo por 3 a 2 (mesmo placar da partida de ida), ontem, no Morumbi. Diante de 71.736 torcedores, os corintianos levaram para casa o terceiro título em um ano (foram campeões do Rio-São Paulo e da Copa do Brasil em 2002, além do vice-Brasileiro), com campanha invejável, e descartaram qualquer tipo de briga nos tribunais. (VILARON, Wagner. Corinthians, sem discussão. OESP: Esportes. 23 mar. 2003. p. E1)

Neste lide, a opinião do jornalista é externalizada antes mesmo do primeiro

parágrafo, ou seja, no próprio título da notícia. Esse “sem discussão” tanto se

refere ao fato de se tratar de uma vitória do Corinthians que não abre precedentes

para uma ação nos tribunais, como ele afirma no final do lide, quanto ao fato de ser

esta a terceira vitória do time em menos de um ano.

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Assim como nos anteriores, neste lide, a opinião do jornalista é exposta logo

no início do parágrafo e com um ponto de exclamação para intensificar sua opinião

e também alegria. Entretanto, neste caso, essa opinião se prolonga um pouco mais

ao longo do lide. Vilaron afirma que o time corintiano teve “força”, fez uma

“campanha invejável” e mais uma vez venceu o time do São Paulo.

Essa opinião presente logo de início, “que tapetão, que nada!”, pretende

mostrar para seu leitor toda a alegria que o jornalista está sentindo. Ele, então,

além de externalizar sua opinião, tendo por objetivo aproximar-se de seu leitor e

manter um elo conversacional com ele, como nos lides anteriores, compartilha com

o leitor sua alegria pela vitória do Corinthians.

Havemos de ressaltar, ainda, que esse tipo de lide opinativo, como se pôde

perceber pelas análises, está presente em sua maioria no Caderno de Esportes tanto

de O Estado de S.Paulo quanto do Jornal da Tarde. Esse dado nos permite inferir

que ao tratar de um assunto considerado lazer ou hobby pela grande maioria das

pessoas, o jornalista não precisa produzir uma notícia tão objetiva, clara e

imparcial como nos demais assuntos. Dessa forma, ele parece manter uma

conversa com seu leitor, criando, então, um ambiente descontraído, um tom de

conversa informal entre homens, pois como pudemos levantar, a maioria dos

leitores do Caderno de Esportes de ambos os jornais (74% em O Estado de S.Paulo

e 78% no Jornal da Tarde) é composta por leitores do sexo masculino e o mesmo

ocorre com os jornalistas que escrevem para esse caderno.

4.2.2.2. Lide interrogativo: o uso da interrogativa como estratégia interacional

Medina (1978) e Hohenberg (1962) apresentam, ao contrário do que é

postulado nos manuais, essa tipologia de lide, e este é nomeado por eles de lead

interrogativo e lead pessoal respectivamente.

O lide interrogativo, assim como o opinativo, dirige-se diretamente a um

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leitor. Por sua vez, como o próprio nome aponta, essa impressão de conversa entre

interlocutores se constrói também por meio de uma indagação:

Que tal comprar uma caneta Montblanc Czar Nicolai I por R$ 1.738,80? Com ela você pode preencher um cheque ou assinar o débito do cartão de crédito para levar um relógio Cartier Must Colisée Vermeil por R$ 3 mil, marcando os segundos para comprar, por R$5.775,00, um jogo de chá e café Villars, da Christofle. Pode parecer absurdo, mas na realidade, quem comprar esses produtos por esses preços pagará a metade do que custam nas lojas. Mais: poderá ser atendido hoje, no ato da compra, pela primeira-dama paulista, Maria Lúcia Alckmin, que estará, a partir das 12 horas, atrás dos balcões de grifes de luxo no Museu da Casa Brasileira. (FRANCO, Carlos. Caríssimas pechinchas de um bazar social. OESP: Cidades. 24 abr. 2003. p. C3)

São três as estratégias interacionais presentes neste lide que criam uma

proximidade espaço-temporal entre o jornalista e o seu leitor e que, por esse

motivo, simulam uma conversa face a face entre os interlocutores.

A primeira é a pergunta formulada logo no início pelo jornalista ao seu

leitor: “que tal comprar uma caneta Montblanc Czar Nicolai I por R$ 1.738,80?”.

O uso da expressão informal “que tal” para iniciar a pergunta vem reforçar o tom

de diálogo e de informalidade entre os interlocutores. Essa expressão tem o mesmo

significado de “o que você acha de” e faz com que essa pergunta deixe de ser uma

simples indagação e torne-se um convite dirigido explicitamente ao leitor.

A segunda é o estabelecimento de um leitor-modelo instaurado

explicitamente pelo jornalista e que é descrito por Maingueneau (1996) como

leitor invocado ou apostrofado. Após tal pergunta ou convite, o jornalista dirige-se

diretamente a esse leitor, utilizando o termo “você”, e aponta algumas outras

compras que o tal leitor invocado pode fazer com sua caneta. Fazendo uso desse

recurso, o jornalista consegue apontar alguns dos objetos que serão vendidos nesse

bazar.

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A terceira estratégia está relacionada a uma das competências postuladas

também por Maingueneau (2001), a do conhecimento enciclopédico. O leitor-

modelo criado pelo jornalista deve saber que os preços dos produtos elencados são

bastante elevados para uma caneta, um relógio ou um jogo de chá e café. Partindo

desse pressuposto, Franco relaciona esses objetos e seus preços na construção de

seu parágrafo, dando a ele um tom descontraído e despertando, desta maneira, a

curiosidade do seu leitor. Para satisfazê-la, ele precisará ler o segundo parágrafo e

assim descobrirá do que o jornalista está falando e o que ele pretende: mostrar o

“absurdo” da situação.

Nesta primeira notícia, podemos considerar que o lide estende-se do

primeiro ao segundo parágrafo, pois naquele, o jornalista chama seu leitor para a

conversa e faz-lhe o convite, e no outro, ele satisfaz a curiosidade de seu

interlocutor, explicitando o que realmente acontece.

O tom informal e descontraído ainda prevalece neste segundo parágrafo,

pois o jornalista inicia-o, externalizando sua opinião acerca dos preços dos

produtos: “pode parecer absurdo”.

A partir de tais considerações, podemos assinalar que o tom de conversação

face a face ainda predomina, pelo fato de ele explicitar sua opinião e acreditar que

esta pode ser também a opinião de seu leitor. A utilização do verbo poder nos

autoriza a fazer tal inferência. Além disso, para relacionar as informações sobre o

bazar, esse jornalista usa o termo “mais”, cuja função é também a de informalizar a

informação e reafirmar o tom de conversação entre os interlocutores.

As mesmas estratégias interacionais, além é claro, do lide interrogativo, são

utilizadas em um outro lide publicado no jornal O Estado de S.Paulo:

Não sabe o que fazer com seu velho Pentium/133? Deixe que um bebê o descubra. Esse é o pré-requisito de dois novos títulos da série Winnie the Pooh, distribuídos pela Positivo Informática. O primeiro, Winnie the Pooh – Primeiros Passos, é indicado para

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crianças de 18 meses a três anos e busca desenvolver noções de alfabetização. Winnie the Pooh – Maternal, por sua vez, é indicado para crianças de dois a quatro anos e traz atividades para ampliação de vocabulário e exercício de coordenação motora e memorização. Os dois são narrados em português e têm menus fáceis de ser entendidos pelos pequenos. (R.N.S. Até bebês podem brincar com novos títulos Disney. OESP: Informática. 31 mar. 2003. p. I14)

Esta notícia é destinada a um leitor específico: aquele que deseja conhecer

as novidades no campo da Informática. O jornalista dirige-se diretamente a ele,

utilizando também como estratégia interacional um leitor invocado ou

apostrofado, que pode ser explicitado por meio do verbo “não sabe”, já que

claramente o interlocutor dessa indagação é “você”, que é, no caso, o leitor.

Neste lide, porém, o jornalista não está fazendo um convite ao seu leitor,

mas sim está lhe fazendo uma pergunta a qual ele já parece saber a resposta, ou

seja, o leitor invocado do autor empírico, não sabe o que fazer com seu velho

computador. A sugestão apresentada por ele é a mais inusitada possível: deixar que

um bebê descubra.

Neste caso, assim como no lide anterior, o jornalista trabalha com o

conhecimento enciclopédico de seu leitor, que sabe perfeitamente que um

computador é demasiadamente complexo para que um bebê o utilize. O locutor

sugere que seu interlocutor deixe um bebê descobrir, a fim de que consiga

provocar um certo estranhamento por causa da situação apresentada como

sugestão. Este interlocutor, então, movido pela curiosidade e pela estranheza da

situação, sentir-se-á suficientemente seduzido para dar continuidade à leitura da

notícia.

Consideramos oportuno ressaltar que, como assinala Frias Filho (1984: 4), a

notícia desperta interesse no leitor quanto mais ela for improvável. O mesmo

ocorre com o lide, ou seja, à medida que ele é construído de forma a causar um

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certo estranhamento, uma certa curiosidade, mais ele conseguirá prender seu leitor

à notícia:

Sabe-se que a notícia tem tanto maior interesse jornalístico, quanto mais ela for improvável. Por quê? Porque é da sua improbabilidade que vai resultar o apogeu da distância entre o prosaísmo do leitor e a extravagância acintosa do fato.

Todavia, essa aproximação do jornalista com o leitor por meio da criação de

um leitor invocado ou apostrofado não ocorre em todos os casos de lides

interrogativos. Em alguns outros lides, a pergunta aproxima espaço-temporalmente

os interlocutores da notícia, criando assim, uma impressão de eles mantêm um

diálogo, mas o locutor, no caso o jornalista, não se dirige de forma tão explícita ao

seu interlocutor:

Poderá um Stock Car V-6 derrotar um cavalo da raça quarto-de-milha, considerado um animal de velocidade excepcional? O confronto entre a máquina criada pelo homem e o cavalo, pela natureza, às vésperas do GP Brasil de Fórmula 1, ocorrerá hoje, por volta das 19h30, no Hipódromo de Cidade Jardim. O potro Portofino, de 3 anos, na direção de Maílson Praxedes, vai enfrentar na distância de 100 m a supermáquina da equipe Medley Genéricos, pilotado por Guto Negrão. (BARBOSA, Nelson. Cidade Jardim vê duelo inédito: um potro contra um Stock Car. OESP: Esportes. 5 abr. 2003. p. E4)

O jornalista instaura logo no início do seu lide uma situação de competição,

um clima de aposta. Ele formula uma pergunta diretiva para seu leitor-modelo: este

tem apenas de responder sim ou não, ou seja, apostar hipoteticamente no cavalo ou

no carro.

Após a indagação feita, as informações subseqüentes auxiliarão esse leitor a

fazer uma escolha mais racional. O jornalista cria, a partir dessa mistura de lide

interrogativo com lide tradicional, uma vez que após a pergunta, seu lide passa a

se estruturar a partir das questões quem?, o quê?, onde?, quando? e como?, um

ambiente de jóquei clube, ou seja, no jóquei, para poder apostar em um ou em

outro cavalo, o apostador precisa de algumas informações sobre o animal e o

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jóquei.

O jornalista, então, fornece detalhadamente ao seu leitor todas essas

informações, ou seja, de um lado há um animal jovem –“de 3 anos”–, de

“velocidade excepcional” e do outro há uma “supermáquina” pilotada por um

piloto conhecido, a fim de que seu leitor possa, com mais segurança, responder a

sua pergunta ou fazer a sua aposta.

Como pudemos notar ao abordamos esses exemplos de lides interrogativos,

os jornalistas, a partir de tais formulações, pretendem envolver o leitor,

aproximando-o não do fato em si, mas sim de seu interlocutor, ou seja, por meio

das questões, cria-se uma situação de maior proximidade entre eles, dando, em

princípio, uma idéia de que ambos conversam sobre um determinado assunto, de

que a opinião do leitor é o elemento mais importante. Por esse motivo, o locutor

convida primeiramente o seu leitor, o seu interlocutor a refletir sobre determinado

assunto.

4.2.2.3. Lide com interlocutor determinado: o uso do leitor apostrofado como

estratégia interacional

Assim como no lide interrogativo, Medina (1978) e Hohenberg (1962)

também apresentam essa tipologia de lide, que é denominado por eles de lead

envolvente e lead pessoal, respectivamente.

O lide com interlocutor determinado é aquele que estabelece uma relação

imediata e direta com o seu leitor:

Para entender por que Rupert Murdoch está adquirindo o controle da operadora de televisão por satélite DirecTV, pergunte aos fãs dos times americanos de basquete Orlando Magic ou Minnesota Timberwolves. A emissora de tevê a cabo Fox, de Murdoch, detém os direitos de exibição de ambos os times. Quando a Time Warner Cable se recusou a pagar o preço determinado pela Fox, a empresa manteve os jogos fora do cabo

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117

durante dez semanas da temporada. (KIRKPATRICK, David D. Murdoch encarece esporte na TV. The New York Times. In: OESP: Economia. 15 abr. 2003. p. B7)

Este lide é um evidente exemplo de texto que privilegia criar um

envolvimento com o enunciatário e não exclusivamente com o tema, minimizando,

então, também como nos outros dois tipos de lide, a distância espaço-temporal

existente entre os interlocutores, e criando a impressão de que ambos estão

conversando e muito próximos um do outro.

A impressão de conversa entre jornalista e leitor, neste caso, concretiza-se

pela utilização dos termos “para entender” e “pergunte”. Nesses dois verbos, o

jornalista pretende dirigir-se ao leitor, sugerindo-lhe um caminho para descobrir o

motivo pelo qual Murdoch está assumindo o controle da DirecTv.

Além desse indício, uma estratégia interacional utilizada pelo jornalista para

aproximar os interlocutores é a instauração de um leitor invocado ou apostrofado.

Embora esse locutor não utilize explicitamente o termo você ou o leitor, ele está

subentendido no momento em que afirma ou convida seu leitor para entender o

fato ocorrido.

No exemplo abaixo, a jornalista, explicitamente, ao contrário do outro lides,

dirige-se a um leitor:

Você não vai precisar mais acompanhar as enfadonhas ‘provas do líder’, nem as festinhas ‘temáticas’, cheias de fantasias de teatrinho escolar e alguns porres indigestos. Também não terá de ouvir a baianinha Elane ‘cantando’ qual taquara rachada, tampouco acompanhar as intermináveis sessões de malhação dos desocupados enquanto engorda comendo pipoca e chocolate na frente da tevê. Vença quem vencer o Big Brother na noite de hoje, quem vai sair ganhando será o telespectador, já que ficar livre do dia-a-dia daquele monte de anônimos que viram celebridades de uma hora para outra não deixa de ser um alívio. Melhor: a despedida de hoje é a última, e não haverá mais aqueles abraços tão falsos quanto as torcidas. (BRESSER, Deborah. R$ 500 mil ao campeão e alforria para você. JT: Variedades. 01 abr. 2003. p. C6)

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Nesta notícia, o leitor instituído ou apostrofado já é destacado logo no

título. Ao longo de seu lide, além de a jornalista dirigir-se diretamente ao leitor,

chamando-o por “você”, ela instaura um leitor-modelo que possua uma das

competências postuladas por Maingueneau (2001): o conhecimento enciclopédico.

Tendo esse conhecimento, Bresser passa a mostrar sua opinião acerca do Big

Brother e institui um leitor-modelo que compartilhe tais gostos e opiniões. Dessa

forma, tanto a jornalista quanto seu leitor ficarão livres das “enfadonhas ‘provas do

líder’”, das “festinhas ‘temáticas’”, das canções da “baianinha Elane” e das

“intermináveis sessões de malhação dos desocupados”.

Em um outro lide com interlocutor determinado, a jornalista, assim como

no anterior, trabalha com o conhecimento enciclopédico de seu leitor-modelo:

Imagine a cena: centenas de socialites vestindo modelitos chiquérrimos, som de música ambiente, garçom e muito drink – em uma casa que ocupa quase um quarteirão em pleno Jardim América. Na porta, a maioria dos carros parados era de modelos BMW e Audi. Os presentes aguardavam o lançamento do perfume Sensi da Armani. O evento tinha tudo para dar certo... quando começou um som insuportável, no último volume, tocando funks da Egüinha Pocotó, de MC Serginho e Lacraia, Bonde do Tigrão, e o pior: uma gravação de choro de bebê. O responsável pela ‘saia justa’ geral foi um vizinho. Enfurecido com as baladas que, segundo moradores da região, acontecem com freqüência na casa de número 324 da Rua Canadá, Jardim América, zona sul, ele resolveu radicalizar. (HADDAD, Camilla. Vizinho ‘terrorista’ acaba com festa chique. JT: Cidade. 04 abr. 2003. p. A18)

Ao se dirigir ao leitor pedindo-lhe para imaginar a cena, além de criar a

impressão, como nos lides anteriores, de que os interlocutores mantêm uma

conversação face a face, a jornalista cria uma certa expectativa, pois seu leitor

desejará saber de que cena ela está falando e mais atentamente seguirá com sua

leitura.

Após instaurar, o leitor apostrofado, utilizando o verbo imaginar, a

jornalista passa, então, a descrever a cena em dois parágrafos. No primeiro, ela,

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119

contando com o conhecimento enciclopédico de seu leitor, que conhece como é o

ambiente no Jardim América – tanto que se refere ao bairro utilizando a expressão

“em pleno Jardim América”, mostrando que ele não é um bairro simples e comum

da cidade de São Paulo – descreve uma festa destinada à classe alta da cidade,

fazendo referência às roupas dos convidados, aos seus carros e ao ambiente da

festa de maneira geral. Ainda instituindo um leitor-modelo que possua tal

conhecimento enciclopédico, a jornalista espera que ele consiga perceber diante

desses indícios que se trata de uma festa de alto nível.

No segundo parágrafo, a jornalista ainda descrever a cena e, portanto, o lide

continua a ser desenvolvido. Entretanto, nesse momento, ela passa a descrever um

outro fato que rompe com a harmonia desta cena, e anuncia este fato utilizando

reticências e um “quando”, que justamente têm a função de aumentar a

expectativa, de criar um suspense, de anunciar algo diferente: o funk e o choro de

um bebê. Novamente, a jornalista conta com o conhecimento enciclopédico de seu

leitor, uma vez que ela espera que esse leitor seja capaz de perceber que esses dois

elementos não combinam com uma festa no Jardim América para um público

pertencente à classe alta. A jornalista faz da curiosidade, um estranhamento.

Ainda no segundo parágrafo, Haddad, além de misturar elementos

descritivos a um lide com interlocutor determinado, emite sua opinião acerca do

ocorrido: primeiramente “o evento tinha tudo para dar certo” e logo em seguida,

além de se ouvir um som “insuportável” que tocava funks, o choro de bebê era “o

pior” que poderia ter acontecido nessa festa. Tais impressões a respeito do evento

servem para minimizar esse distanciamento entre os interlocutores e aumentar a

intimidade existente entre eles, intensificando assim, a noção de que ambos

mantêm um diálogo face a face.

Apenas no terceiro parágrafo, a jornalista passa a explicar exatamente o que

aconteceu. Ela já conseguiu a atenção do leitor, já criou a ambientação por meio

dos parágrafos descritivos e neste ela esclarece a situação, falando quem é o autor

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do fato e por que tal situação ocorreu.

A utilização da descrição também é, como vimos anteriormente, um recurso

interacional recorrente no lide jornalístico, cujo objetivo é o mesmo dos lides

anteriores: envolver o leitor, o interlocutor, fazer-lhe criar uma imagem a respeito

do fato e despertar-lhe algum tipo de sensação.

Julgamos necessário, contudo, pontuar neste momento, que o que

procuramos mostrar até agora vai de encontro ao que Marcuschi (1999: 146-7)

postula. Segundo ele, a notícia jornalística tem como principal objetivo a

informação e, por esse motivo, a principal preocupação desse gênero de discurso é

com seu envolvimento com o tema. Ainda, de acordo com ele, elementos

interacionais que estabeleçam uma relação imediata com o seu leitor só são

comuns na notícia jornalística caso pretendam romper com esse gênero de discurso

e buscar o sensacionalismo.

Entretanto, nomeamos esse segundo tipo de lide interacional, o lide com

interlocutor determinado, justamente fazendo referência ao indícios de orientação

diretiva para um interlocutor determinado de Marcuschi (1999). Como

assinalamos, neste e nos outros dois tipos de lide anteriores, o locutor, no caso o

jornalista, produz seu texto tendo em mente um leitor-modelo, que já conhece

muitas das notícias publicadas pelo jornal, pois estas foram anteriormente dadas no

telejornal no rádio ou divulgadas pela internet, que são meios de comunicação

muito mais imediatistas. É com esse leitor-modelo que o jornalista pretende

interagir.

Desta forma, além de noticiar, ele tem o objetivo de fisgar a atenção de seu

interlocutor, e, por esse motivo, ou lhe desperta a curiosidade, construindo uma

imagem da cena em sua mente e desenvolvendo-lhe sensações agradáveis ou não,

ou dirige-se diretamente a esse leitor, procurando criar a impressão de que leitor e

jornalista mantêm uma conversação face a face.

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A notícia jornalística, por uma questão de reduzido tempo para produção,

montagem e fechamento do jornal, freqüentemente faz uso da pirâmide invertida e

do lide tradicional por uma questão de praticidade e facilidade, pois, como

pontuamos no segundo capítulo, tal padronização agiliza o trabalho do jornalista.

Todavia, como defende, por exemplo, Hohenberg (1962), com o

aparecimento de outros meios de comunicação, atualmente o lide precisa ser mais

movimentado para que prenda a atenção do seu leitor, atraia-o, seduza-o, encante-

o. Uma das formas de dinamizar o lide é justamente a de instituir um leitor

apostrofado e criar para o leitor empírico a idéia de que mesmo distantes locutor e

interlocutor mantêm uma relação imediata. Por esse motivo, e não por uma questão

meramente sensacionalista, o jornalista dirige-se diretamente ao leitor também em

uma notícia jornalística. E, foi isso, portanto, que procuramos demonstrar até aqui.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do presente trabalho, pretendemos demonstrar que não é

exclusivamente o fato a única preocupação do jornal. Este se importa também, e

primordialmente, com o seu leitor, que é o elemento motivador de toda a produção

de uma notícia jornalística.

Por esse motivo, os jornais são estruturados e diagramados a fim de que

facilitem e agilizem a leitura de seu interlocutor. Para conhecer melhor quem é o

interlocutor de um determinado jornal, e para que este possa atender às

expectativas de seu leitor, há uma pesquisa que levanta de maneira geral o perfil

desses leitores. Não podemos nos esquecer de que este meio de comunicação vive

da venda de notícias e que, por isso, precisa agradar ao seu público-leitor.

Deixemos de lado, entretanto, a questão meramente mercadológica do jornal

e pensemos sob o ponto de vista lingüístico. Todo texto tem por objetivo envolver

o seu leitor, pois é por meio dele que os interlocutores estabelecem uma relação

dialógica interacional. Isso posto, podemos assinalar que seja o objetivo principal o

fato, seja o enunciatário, a interação e o envolvimento são conseqüências naturais

de qualquer gênero de discurso. Portanto, este é o caso do jornal.

Apontamos que, embora possua formulações dogmáticas e até certo ponto

impositivas no momento de formulação de uma notícia, os manuais de jornalismo

preocupam-se em envolver o leitor, em prendê-lo a ela. Para tal, utilizam como

estratégia, ou a elaboração tradicional da notícia, cujo enfoque principal recai no

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próprio fato, ou constroem primeiros parágrafos que se dirijam mais

explicitamente ao leitor e, por esse motivo, privilegiem a interação, o

envolvimento com esse leitor.

Nosso objetivo foi o de mostrar quais os mecanismos interacionais

presentes em um lide cuja finalidade principal é, em um primeiro momento, o

envolvimento com o interlocutor, ou seja, com o leitor. Ao apontarmos tais

mecanismos, delegamos ao fato um segundo plano, ao menos no início da notícia.

Escolhemos especificamente a formulação dos lides das notícias pelo fato

de serem eles, juntamente com a manchete, o elemento mais importante de uma

notícia jornalística, pois são eles que abrem os fatos, que os contextualizam para o

leitor, e que são os responsáveis diretos pela continuidade da leitura da notícia por

parte desse leitor.

O leitor, embora tenhamos dado ênfase ao modo de construção do lide por

parte do jornalista, é de fundamental importância, pelo fato de ser ele o alvo da

notícia e o elemento responsável por recuperar e dar um significado a tudo o que

está escrito.

Essa construção por parte do locutor, e reconstrução por parte do

interlocutor só se faz possível graças à força e ao poder de comunicação da

palavra. Ela é, na verdade, o elemento unificador que relaciona, que une, que faz

dois ou mais interlocutores interagirem.

Desejamos apontar, também, por meio das análises, que o jornalista, para

interagir com seu leitor, para seduzi-lo, pode utilizar basicamente dois recursos: ou

mexer com o imaginário dele, construindo lenta e detalhadamente uma cena em

sua mente, ou dirigir-se diretamente a ele, criando uma idéia de que os

interlocutores mantêm uma conversação face a face.

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No primeiro caso, encontramos três diferentes categorizações para o lide

que estão fundamentadas na composição dessa imagem: o lide literário, em que o

leitor é capaz de imaginar a cena narrada e envolver-se por ela; o lide

particularizante, em que esse leitor é convidado pelo jornalista a se colocar no

lugar do outro e envolver-se por sua história; e o lide descritivo, em que o

interlocutor do jornalista é levado a imaginar uma determinada cena descrita com

inúmeros detalhes.

No segundo caso, encontramos outros três categorias de lide: o lide

opinativo, em que o jornalista apresenta explicitamente sua opinião acerca de um

fato qualquer; o lide interrogativo, em que o leitor é questionado pelo jornalista

sobre um determinado acontecimento; e o lide com interlocutor determinado, em

que o jornalista produz lides que insiram seu leitor na notícia por meio da

utilização de termos que se dirigem diretamente ao seu leitor.

Para chegarmos a essa idéia, adotamos como fundamentação teórica o

dialogismo interacional proposto por Mikhail Bakhtin, as idéias acerca da função

do leitor de Eco e Maingueneau e discutimos a questão do envolvimento entre os

interlocutores.

Sob essa perspectiva teórica, tivemos embasamento suficiente para analisar

a organização estrutural do lide que não segue a formulação tradicional e esta

análise nos permitiu, então, levantar as estratégias interacionais presentes nesses

lides que visam a construir o envolvimento do leitor na notícia jornalística

impressa.

Posto isso, esperamos ter fornecido uma maior percepção e compreensão

acerca do texto jornalístico impresso da imprensa paulista.

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