O livro

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Um poema sobre a poesia e a língua portuguesa

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  • O COMEO DO LIVRO

    O livro comea

    Com o vazio que me olha

    Com cara de fome

    vido de nomes

    E significados

    O vazio quer ser lido

    Quer ser

    Preenchido.

    O que ele faz me devora

    meu vazio que aflora

    Cavalgando palavras

    Galopando ao vento

    Quer ser sentimento

    Quer significado

    Santidade e pecado

    Quer ter voz humana

    - O vazio sou eu!

    As palavras nasceram sem significado

    Eram apenas gemidos.

    Eram roncos selvagens

    respiraes guturais

    as palavras primitivas

  • nuas de expresso

    s ganharam sentido

    ao vestir-se do ouvido

    do outro.

    (O livro, em si, no meu,

    no me expressa.

    S pode ser livro,

    se da solido se livrar)

    Dizem que foi o Verbo

    Que veio primeiro

    E se fez carne depois

    Mas existe, em verdade,

    Verbo sem carne

    A habitar entre ns?

    Verbo e carne se alimentam um do outro.

    Se no fosse o Verbo, como carne se chamaria?

    Se no fosse a carne, de que o Verbo se vestiria?

    O Verbo um gene egosta

    Que anseia por multiplicar-se

    Aceita tantas mutaes

    Vive em completa promiscuidade

    No af de alcanar

    A eternidade.

    Aquela velha Flor do Lcio

  • Dormiu com estranhos

    Fez filhos mestios

    Ganhou pompa e vio

    Na boca dos pobres,

    Humilhados, sofridos

    Famintos de expresso.

    (O idioma ficou rico

    s custas dos pobres.

    Pois na boca dos nobres

    A palavra permaneceu esttica

    Prisioneira da gramtica)

    Primeira Pgina De quantas rvores mortas

    feito o corpo vivo

    Do livro?

    Ipads e kindles

    Footprints de carbono

    A palavra que inspira

    Roubou ar do planeta?

    Quanto tempo levar para se degradar?

    Bobagem.

    O livro no

    Papel ou informtica

    O livro a gramtica

    Que abriga a nossa fala

    Quando se torna incorpreo

  • Quando vira mensagem

    Sem papel e sem tela

    que o livro se revela.

    SEGUNDA PGINA

    Por favor, suje as mos

    No me toque com luvas

    Livros verdadeiros

    So impregnados de cheiros

    Tm os cantos marcados

    De dedos babados

    Tm flores secas, espremidas

    Entre hiatos de vidas

    Rabiscos de lpis

    Marcas de caf

    Manchas de vinho

    Gorduras diversas

    As pginas impressas

    Foram sujas de tinta

    (se limpas ficassem

    na haveria o que ler)

    TERCEIRA PGINA

    Teu corpo, minha musa, como o livro.

    Voc me encara como pginas

    A serem escritas

    Mas eu sei

    que sou eu que tenho que aprender a ler

  • A MUSA

    No sei quanto tempo levou para que existisse

    Para que se vestisse

    Ou que se despisse

    Para que eu a desejasse

    Para que eu a tocasse

    Para que o amor se fizesse

    Em palavrinhas

    Ou palavres

    (O Amor escraviza as palavras

    Sevicia-as to completamente

    Ao ponto de inverterem o sentido

    Do que dito

    Do que ouvido)

    Ela existia em mim muito antes que eu a percebesse

    Ou que a palavra dela se irmanasse

    Para construir esse canto

    Era a necessidade de haver um ser to diferente

    To completamente diferente de mim

  • Que por ser assim

    Me explicasse

    Me ajudasse a entender

    O que sou, o que posso ser

    Na busca pelo outro.

    A Musa, para mim a necessidade

    De expanso

    o mar que se estende, desconhecido,

    Ao marinheiro de primeira viagem

    Atrai e atemoriza

    Eu zelo por ela dentro de mim

    No meu templo mais sagrado