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O LIVRO DA NOVA EDUCAÇÃO DO CARÁCTER Ramiro Marques 2008 Blog: ProfAvaliação http://www.professoresramiromarques.blogspot.com 1

O livro da nova educação do carácter

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Page 1: O livro da nova educação do carácter

O LIVRO DA NOVA EDUCAÇÃO DO CARÁCTER

Ramiro Marques2008

Blog: ProfAvaliaçãohttp://www.professoresramiromarques.blogspot.com

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Page 2: O livro da nova educação do carácter

Índice

Cap 1 As virtudes: o que são e como se adquiremCap 2 As pré-condições das virtudes do carácterCap 3 Como construir uma comunidade virtuosaCap 4 O papel dos hábitos na educação do carácterCap 5 O carácter e os hábitos: a perspectiva de AristótelesCap 6 A habituação como prática críticaCap 7 Cultura comunitária e virtudesCap 8 O papel das narrativas e da tradiçãoCap 9 Artes de sobrevivência e educação do carácterCap 10 Artes de sobrevivência e florescimento das virtudes do carácterCap 11 Artes de sobrevivência e florescimento das virtudes: Um exemploCap 12 Artes de sobrevivência e currículoCap 13 Como floresce a amizadeCap 14 A relação entre a amizade e as outras virtudesCap 15 Educação do carácterCap 16 Educação do carácter: 6 EsCap 17 Manifesto da educação do carácterCap 18 Indisciplina e carácterCap 19 Pode um povo ser rico num país pobre?Cap 20 Quando as virtudes do carácter estão ausentesCap 21O papel do Estado na educação do carácterCap 22 Teoria ética da virtudeCap 23 O prazer e a dor na educação do carácterCap 24 A felicidade e a amizade andam associadasCap 25 O telelixo é uma droga pesadaCap 26 O que as crianças e os jovens realmente precisamCap 27 Princípios básicos na nova educação do carácterCap 28 Recomendações para a criação de programas de educação do carácterCap 29 Os dez mandamentos dos paisBibliografia

Introdução

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As escolas públicas portuguesas estão a falhar em muitas áreas

e a prova disso são os resultados medíocres que os alunos

portugueses obtêm nos testes internacionais, situando-se no último

terço da tabela, tanto na Matemática como nas Ciências da Natureza.

A persistência de elevadas taxas de abandono escolar, quer no ensino

básico, quer no final do secundário, constitui outro indicador desse

falhanço. Contudo, a área onde os resultados ficam mais longe do

desejado é a educação do carácter das crianças e dos jovens.

Em Portugal, persiste, desde há mais de três décadas, a ideia

de que a única proposta pedagógica válida para se fazer educação

ética é a abordagem congnitivo-desenvolvimentista, fortemente

influenciada pelos trabalhos de Lawrence Kohlberg. Essa proposta

tem-se revelado um falhanço completo e a razão desse falhanço

explica-se pelo facto de acentuar apenas a aquisição de competências

cognitivas, evidenciando um claro desprezo para com a acção moral,

os hábitos e as virtudes do carácter.

Infelizmente, essa tem sido a única abordagem ensinada e

estudada nos cursos de formação de professores, apresentando-se,

desde há muito tempo, como a única proposta pedagógica válida.

Quer as revistas de Educação, quer os congressos e conferências,

têm vindo a ignorar, de forma persistente, qualquer tentativa séria

para dar a conhecer outras propostas pedagógicas. A Nova Educação

do Carácter é uma dessas propostas. Nascida nos EUA, na década de

90 do século passado, como resposta à ineficácia da abordagem

cognitivo-construtivista, a Nova Educação do Carácter é quase

desconhecida em Portugal. Tenho feito um esforço para a dar

conhecer e a publicação deste livro constitui, a meu ver, um marco

importante.

O Livro da Educação do Carácter destina-se, sobretudo, a

alunos dos cursos de formação de professores, alunos de cursos de

pós-graduação em Educação e a professores e a técnicos de educação

não formal. Ao longo de 27 capítulos, apresenta-se e discute-se a

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Page 4: O livro da nova educação do carácter

teoria e dão-se a conhecer os métodos, estratégias técnicas próprios

da Nova Educação do Carácter.

CAP 1 As virtudes: o que são e como se adquirem?

À medida que as crianças crescem, precisam de adquirir e

desenvolver algumas qualidades de carácter, a que alguns autores

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Page 5: O livro da nova educação do carácter

chamam disposições e hábitos, tais como o sentido da

responsabilidade, coragem, temperança, sentido da justiça,

autodomínio e prudência. Estas virtudes não são mais do que hábitos

da mente, bons sentimentos e força de vontade para os traduzir em

actos.

Há três maneiras de as crianças adquirirem estas virtudes: pelo

exemplo, através da prática directa e através das narrativas (1).

As crianças aprendem pelo exemplo quando vêem e observam

as vidas dos pais, amigos e vizinhos. As transformações na estrutura

da família tradicional, nomeadamente a percentagem cada vez maior

de filhos únicos e de famílias monoparentais, aumentou a influência

dos mass media na vida das crianças. Essa influência é tanto maior e

mais perigosa quanto mais frágil for a estrutura da família. Como as

crianças aprendem as virtudes por imitação, a exposição a que estão

sujeitas, durante longas horas por dia, ao telelixo, ao lixo que circula

na web e a jogos de computador que exaltam a violência e a

crueldade, pode ter efeitos extremamente nefastos no processo de

formação do carácter, impedindo-as de adquirir as virtudes

necessárias e aguçando nelas o apreço e apetite pelos vícios e valores

negativos. A agravar este estado de coisas, está o facto de, nas

sociedades ocidentais materialmente mais desenvolvidas, a juventude

se estender por demasiado tempo sem que os adolescentes e jovens

tenham um contacto directo com actividades produtivas, de tipo

profissional ou de voluntariado.

As crianças aprendem através da prática directa, ou seja, pela

repetição de actos que são levadas a realizar quer sob influência dos

pais quer dos professores e dos pares. Trata-se, neste caso, de uma

aprendizagem através da experiência. Essa aprendizagem é muito

importante porque vem associada ao desenvolvimento de

competências de vida e de trabalho, as quais mantêm uma íntima

relação com determinadas virtudes, como a honestidade, a verdade,

a generosidade, a equidade, a perseverança e a resiliência.

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Page 6: O livro da nova educação do carácter

As crianças aprendem pela palavra e, em particular, através das

narrativas, as quais têm um poderoso efeito na formação da

personalidade e na construção do carácter das crianças. As narrativas

familiares ajudam a criança a compreender que pertence a uma

cultura e a uma comunidade marcadas por laços de solidariedade e

de afeição e enquadradas por rituais, normas, tradições, proibições e

limites. Sem o contacto permanente com esse quadro de normas,

rituais, tradições, proibições e limites, a criança sente-se perdida e

desorientada, ficando mais exposta à influência nefasta da cultura

dos gangs, nomeadamente quando não dispõe do apoio e

acompanhamento de uma comunidade virtuosa, na família, no bairro

e na escola (2).

De seguida, vamos passar em revista as quatro virtudes

cardinais: prudência, justiça, coragem e temperança.

A prudência é a virtude da boa deliberação. Sem ela, perdemo-

nos com facilidade no complexo processo de tomada de decisões.

Como sabemos, o processo de tomada de decisões compreende

várias fases: contacto com o problema, compreensão do problema,

cálculo racional sobre as opções, estratégias e consequências,

deliberação e, por fim, passagem à acção. Em muitos casos, o sujeito

não chega ao fim do processo, ou seja, não passa à acção. Há várias

razões para isso: vontade fraca, ausência da virtude da coragem ou

simplesmente adiamento da passagem à acção por efeito do cálculo

racional. Outras vezes, o sujeito passa à acção mas age mal. Há

várias explicações para isso: vontade deficiente, falta de informação

e, portanto, incapacidade para compreender o problema, mau uso do

cálculo racional ou, simplesmente, a posse de um mau carácter. O

sujeito com um mau carácter age mal porque tem uma inclinação

para apreciar as acções incorrectas. O hábito de praticar acções

incorrectas reforça o mau carácter. Por outro lado, um sujeito que

cresce e vive numa comunidade onde as virtudes não estão presentes

ou não são apreciadas, tem mais probabilidades de desenvolver um

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Page 7: O livro da nova educação do carácter

mau carácter. Por vezes, acontece outra situação: o sujeito opta por

não passar à acção. Pode acontecer que o sujeito, após a fase de

cálculo racional, conclua que as consequências negativas previsíveis

de uma determinada acção aconselhem a que a acção não seja

tomada ou que a mesma seja adiada para melhor oportunidade. A

prudência compreende várias qualidades e exige a presença de várias

condições: respeito pela aprendizagem e pela realização intelectual;

compreensão da natureza humana; respeito pela experiência de vida;

análise das prioridades de vida; hábito de considerar as causas

passadas e as implicações futuras dos acontecimentos presentes e

das circunstâncias; habilidade para conhecer a verdade, a beleza e o

bem; capacidade para distinguir entre a verdade e a mentira, o

verdadeiro e o falso e o bem e o mal. A capacidade de distinguir

constitui uma propriedade essencial na virtude da prudência. Mas

distinguir o quê? Eis uma pequena lista de coisas importantes:

distinguir os heróis das celebridades, a regra da lei das regras

pessoais, a consciência dos sentimentos, as opiniões racionais dos

sentimentos, o respeito por si mesmo do orgulho, o risco calculado da

impulsividade, a competição honrada da ambição desmedida, a

colaboração em equipa do individualismo egoísta…

A justiça é a virtude da responsabilidade e da equidade. No

fundo, é ser capaz de dar a cada um aquilo que lhe pertence e aquilo

que lhe é devido. A justiça compreende várias qualidades e exige a

presença de várias condições: compreender e respeitar os direitos

dos outros; hábito de cumprir as nossas obrigações; obrigação de

procurar fazer o melhor que nos for possível; respeito pela autoridade

legítima; saber viver com as consequências das nossas acções e

erros; hábito de honrar as nossas promessas e compromissos; hábito

de evitar a intromissão em assuntos alheios; dar aos outros o

benefício da dúvida e respeitar o direito à presunção de inocência.

A coragem é a virtude da fortaleza. Ser corajoso exige que se

aguente e pressupõe que se seja persistente. É ser capaz de reagir às

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Page 8: O livro da nova educação do carácter

adversidades e não desistir mesmo quando tudo parece perdido. Não

é o mesmo que temeridade. A coragem pressupõe determinadas

qualidades e exige a presença de algumas condições: habilidade para

ultrapassar as dificuldades; hábito de ultrapassar o medo e a

ansiedade através da acção correcta; confiança na capacidade para

resolver problemas; determinação para ultrapassar as derrotas.

A temperança é a virtude do autodomínio. Exige ser capaz de

escolher e de fazer nas proporções certas, evitando os excessos e os

defeitos. Implica ser capaz de optar pelo justo meio. Pressupõe

determinadas qualidades e exige a presença de algumas condições:

capacidade para dizer não quando é preciso dizer não; hábito de

esperar pelas recompensas e de ser capaz de as merecer; capacidade

para usufruir dos prazeres (comida, bebida e sexo) com moderação;

ser capaz de pedir desculpa quando se comete um erro ou uma

ofensa; hábito de usar as boas maneiras; capacidade para se

preocupar com a dignidade e as necessidades dos que nos rodeiam.

As quatro virtudes cardinais são autênticas lições de vida. A sua

posse e o seu uso são condição essencial para se levar uma vida boa

e digna. Sem a presença e o uso das quatro virtudes cardinais não se

pode aspirar a uma vida feliz.

Notas

1) Marques, R. (2000). O Livro das Virtudes de Sempre. Porto:

Edições Asa (Edição brasileira, na Editora Landy e edição em

castelhano na Editora Desclée)

2) Marques, R. (2002). Breve História da Ética Ocidental. Lisboa:

Plátano Edições

CAP 2 As pré-condições das virtudes do carácter

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Page 9: O livro da nova educação do carácter

O grande mestre, Aristóteles, dá-nos uma definição exacta e

rigorosa das pré-condições das virtudes (1), levantando e discutindo

questões fundamentais do tipo: quais são as condições de uma acção

voluntária? Quando é que podemos afirmar que uma acção é

involuntária? Quando é que uma acção é digna de apreço ou de

censura?

A virtude está sempre relacionada com os sentimentos e as

acções. Quando as acções são voluntárias, são dignas de apreço ou

de censura. Quando são involuntárias, recebem o perdão ou a

piedade, nunca a censura. Quando uma acção é realizada pela

coacção externa, pela força, ou quando se baseia na ignorância,

podemos afirmar que essa acção é involuntária. Por vezes, as acções

são realizadas em condições complexas e difíceis de definir. Vejamos

o exemplo do tirano que exige a alguém que faça alguma coisa digna

de censura moral sob pena de o filho dessa pessoa ser preso ou

torturado. Será que a acção realizada por essa pessoa é voluntária?

Embora uma acção desse tipo tenha componentes voluntárias e

involuntárias, parece ser mais do segundo tipo porque é realizada sob

coação psicológica ou física.

Que tipo de acções é que nós podemos dizer que foram

forçadas? São as acções causadas por factores e agentes externos ao

agente que age. Por exemplo, o caso do agente que rouba alguém

sob a ameaça de tortura a um filho raptado.

Vejamos o caso da ignorância. Será que a ignorância faz com

que o acto seja involuntário? Nem sempre. Uma acção causada pela

ignorância é de natureza diferente de uma acção feita na ignorância.

Por exemplo, uma acção realizada sob o efeito da embriaguês, foi

causada não pela ignorância mas pela embriaguês, embora realizada

na ignorância. Neste caso, a acção não é inteiramente involuntária e

não só é digna de censura moral como o agente é responsável pelo

acto em termos morais e legais. A ser de forma diferente estaria

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Page 10: O livro da nova educação do carácter

aberto o caminho para mascarar uma acção vil com o véu da

ignorância causada não por ela mas por outras causas,

nomeadamente o abuso do álcool ou das drogas. Esta ignorância não

torna a acção involuntária.

Podemos concluir que uma acção involuntária é uma acção

forçada ou causada pela ignorância e uma acção voluntária é uma

acção que tem a sua origem no próprio agente e sempre que o

agente conhece os aspectos particulares dessa acção. E quais são

esses aspectos particulares? São os seguintes: quem pratica a acção?

O que é que o agente está a fazer? Para que é que o agente está a

fazer aquilo? De que maneira o agente está a fazer?

Notas

1) Aristóteles (1985). Nichomachean Ethics. (Introdução, tradução e

notas de Terence Irwin). Indianapolis: Hackett, 1110ª5 a 1111b15

CAP 3 Como construir uma comunidade virtuosa?

Antes de respondermos a esta questão é conveniente

definirmos comunidade virtuosa. Aquilo que sustenta uma

comunidade virtuosa é a partilha do bem comum e o compromisso de

o conservar e fortalecer. O bem comum é um conceito difícil de

definir. Sabemos que é um conceito importante porque quando ele

não existe ou não é partilhado, a comunidade desfaz-se, os seus

membros digladiam-se na defesa de questões particulares, cresce a

dissenção, a malícia e a animosidade. Sabemos que uma comunidade

não pode manter-se sem que os seus membros partilhem uma noção

de bem comum. Etimologicamente, a palavra comunidade vem de

communio, ou seja, comunhão, pôr em comum, partilhar. Não se

pode estar em comunhão se não se reconhecer a existência de um

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Page 11: O livro da nova educação do carácter

todo que importa assegurar e proteger. A comunhão é uma forma de

testemunhar essa partilha. No fundo, o bem comum é o conjunto das

práticas culturais e sociais que afirmam a nossa humanidade comum

e a nossa pertença a uma comunidade. O objectivo do

reconhecimento do bem comum é a procura da melhoria de todos e

de cada um. Como sabemos, tal empreendimento só pode ser feito

com o esforço de muitos. Não é tarefa para ser realizada

individualmente. Então, uma comunidade virtuosa não é mais do que

um conjunto de pessoas unidas pelo reconhecimento e partilha do

bem comum e que, unidas, em comunhão, visam a melhoria de todos

e de cada um. É claro que uma comunidade virtuosa é uma

comunidade onde se cultivam e usam as virtudes. Todas as

comunidades virtuosas asseguram um processo de transmissão e de

aquisição das virtudes pelas novas gerações. A família, as Igrejas

locais e a escola são agências fundamentais desse processo. Mas não

são as únicas. Os pares e os vizinhos exercem, também, um papel

não negligenciável. Quais são as formas que asseguram o processo

de aquisição das virtudes? São fundamentalmente três: exemplo,

experiência directa e narrativas. Quando uma comunidade não

encontra maneira de usar estas três formas, torna-se muito difícil

assegurar que as novas gerações partilhem as virtudes e a noção de

bem comum das gerações anteriores. Entra-se num processo de

ruptura. Há comunidades onde não existe tempo nem espaço para

assegurar essas três formas de aquisição das virtudes. As

comunidades urbanas e suburbanas de muitas das nossas cidades,

aquilo a que eu chamo de sociedades materialmente desenvolvidas,

têm vindo a organizar-se de um modo que torna bastante difícil o uso

dessas três formas de aquisição das virtudes: exemplo, experiência

directa e narrativas. O exemplo escasseia porque as crianças e os

jovens partilham cada vez menos espaços e tempos em comum com

os mais velhos. Não se encontram às refeições ou tomam as refeições

à pressa e cada um para seu lado. Sem referenciais seguros dos pais,

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Page 12: O livro da nova educação do carácter

dos vizinhos e dos professores, as crianças e os jovens vão buscar os

exemplos a outro lado: ao telelixo, ao lixo que circula na web e aos

jogos para consolas. Em qualquer destes sítios, a probabilidade de

encontrar exemplos de virtude é muito pequena.

A experiência directa também escasseia por várias razões: a

infância e a adolescência prolongam-se por cada vez mais anos, a

entrada dos jovens no processo produtivo e criativo faz-se cada vez

mais tarde e as crianças deixaram de aprender as artes da

sobrevivência e não têm oportunidades para desenvolverem

competências de construção e de criação, ou seja, deixaram de o

fazer porque compram ou dão-lhes tudo já feito.

As narrativas existem, mas nem sempre são as mais

adequadas. Faltam as narrativas familiares e abundam as narrativas

veiculadas pelo telelixo. Sem a partilha das narrativas familiares e

das narrativas comunitárias, as crianças ficam sem referenciais

seguros, tendem a perder-se na incerteza e na dúvida e não

conseguem encontrar uma ordem na confusão. Há, no entanto,

comunidades onde o exemplo, a experiência directa e as narrativas

continuam a ter um lugar central no processo de socialização e de

aquisição das virtudes. A República de S. Tomé e Príncipe é uma

delas. Pude presenciar que as crianças continuam a ser ensinadas

pelos pais, irmãos mais velhos e vizinhos nas artes da sobrevivência

e a desenvolverem competências do domínio do saber-fazer porque

são envolvidas, desde cedo, nos processos produtivos familiares e

escolares. Veja-se, no primeiro caso, o envolvimento das crianças e

jovens no trabalho nas machambas ou na pesca e, no segundo, nas

hortas escolares. Quero dizer com isto que, em S. Tomé e Príncipe e

em muitos outros países de forte pendor comunitário, não há uma

separação tão nítida entre o mundo da infância e o mundo dos

adultos e que aquelas são envolvidas por estes em processos

produtivos que lhes permitem o exercício contínuo da experiência

directa e a aprendizagem das artes da sobrevivência.

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Page 13: O livro da nova educação do carácter

Há algumas estratégias que facilitam a construção de

comunidades virtuosas: traçar objectivos realistas mas ambiciosos;

criar oportunidades para partilhar narrativas; envolver as crianças e

jovens em processos produtivos; construir relações de proximidade;

criar oportunidades para a supervisão e a correcção das actividades

proporcionadas pela experiência directa.

Sem objectivos não há projecto. Sem objectivos realistas mas

ambiciosos nunca passaremos da mediocridade. Os pais e as escolas

devem traçar expectativas elevadas mas realistas. Não chega ter

expectativas elevadas face ao aproveitamento escolar. Tão importante

como isso é ter expectativas elevadas face ao carácter.

As virtudes são adquiridas de forma semelhante às artes. Para

aprender música ou pintura é necessária a supervisão regular de um

mestre, muita prática supervisionada e muita experiência directa.

Sem a prática das virtudes, não há processo de melhoria do carácter.

Aristóteles responde à pergunta “como é que as virtudes são

adquiridas?” da seguinte forma: “Há dois tipos de virtudes, virtudes

de pensamento e virtudes de carácter. As primeiras nascem e

crescem a partir do ensino e, por isso, necessitam de experiência e

de tempo. As virtudes de carácter, ou seja do ethos, resultam do

hábito (ethos), daí que se apelidem de éticas” (1). Se ancorarmos o

nosso pensamento na teoria aristotélica da virtude, não podemos

deixar de concluir que é extremamente difícil que as virtudes de

carácter floresçam em comunidades viciosas. Pelo contrário, as

crianças e jovens que cresçam em comunidades virtuosas têm mais

probabilidades de adquirir as virtudes de carácter, atendendo a que

estas dependem sobretudo da prática, dos hábitos, isto é, do ethos.

O envolvimento em serviços de voluntariado e em actividades

produtivas é uma maneira prática e eficaz de envolver as crianças e

jovens em experiências directas do tipo aprender fazendo. Em S.

Tomé e Príncipe, tive oportunidade de testemunhar que o

envolvimento das crianças no processo produtivo familiar não é uma

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Page 14: O livro da nova educação do carácter

manifestação de exploração de mão de obra infantil, como um olhar

Ocidental apressado levaria a concluir, mas é sobretudo uma prática

de socialização que aproxima os dois mundos, o mundo da infância e

o mundo dos adultos, com evidentes benefícios para todos. Se nos

lembrarmos que o cultivo das artes da sobrevivência está

intimamente associado ao desenvolvimento das virtudes de carácter,

é fácil de ver o potencial educativo dessas práticas.

As relações de proximidade são parte integrante do processo de

sustentação de uma comunidade virtuosa. Para tal, têm de estar

asseguradas algumas condições: tempo disponível para manter e

aprofundar as relações de proximidade, tradição e autoridade

reconhecidas e respeitadas por todos, reconhecimento da existência

de um bem comum, envolvimento em práticas de produção de forma

a assegurar a experiência directa. Em S. Tomé e Príncipe, essas

condições continuam presentes na vida das comunidades e é essa a

razão que explica o elevado nível de aquisição e uso das virtudes de

carácter por parte das crianças. O uso das virtudes de carácter é

natural porque se tornou um hábito dizer a verdade, honrar os

compromissos, mostrar coragem, ser paciente, respeitar os mais

velhos e obedecer à autoridade legítima. Por contraste, em muitas

comunidades de Portugal é difícil assegurar a presença dessas

condições e, por isso, tão difícil o uso dessas virtudes. Quando visito

uma escola básica de S. Tomé e Príncipe, é natural, porque é um

hábito, que as crianças se levantem e digam em coro: “seja bem-

vindo senhor visitante!” e que só se voltem a sentar quando o

professor faz sinal. Também é natural que as crianças obedeçam aos

professores e aos pais e respeitem as relações de cortesia porque é

um hábito fazê-lo.

Uma comunidade sem as condições enumeradas atrás não

potencia o desenvolvimento do carácter. Regra geral, é fácil identificar

as características de uma comunidade onde existe um ethos

negativo: não há uma partilha da noção de bem comum, não há

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Page 15: O livro da nova educação do carácter

oportunidade para o envolvimento das crianças e jovens em

actividades produtivas, não há respeito pelas tradições e não há

tempo para aprofundar as relações de proximidade. Uma boa parte

das famílias e escolas portuguesas estão neste caso. É por isso que

eu digo que há muitas crianças portuguesas que vivem e crescem em

comunidades viciosas onde é extremamente difícil adquirir as virtudes

de carácter. Mas o pior de tudo é que muitas dessas comunidades

viciosas são escolas.

1) Aristóteles (1985). Nichomachean Ethics. (Introdução, tradução e

notas de Terence Irwin). Indianapolis: Hackett, 1103ª20, 15

CAP 4 O papel dos hábitos na educação do carácter

O processo mais fácil e rigoroso para analisar esta questão é ler

e analisar o pensamento de Aristóteles, tal como ele é expresso na

Ética a Nicómaco (1).

As virtudes de carácter não são adquiridas pelo ensino, mas sim

pelo hábito. Nenhuma das virtudes de carácter surge naturalmente.

As crianças não nascem com elas. Embora as crianças nasçam com

os sentidos naturalmente activos, por exemplo a visão ou a audição,

o mesmo não acontece com as virtudes de carácter que carecem de

tempo, experiência, prática e actos repetidos, de forma a se tornarem

hábitos. Se as virtudes de carácter surgissem naturalmente, como os

sentidos, é claro que não podiam ser mudadas pelo hábito. Não é o

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Page 16: O livro da nova educação do carácter

hábito de ver ou de ouvir que aguça e melhora o sentido da visão ou

da audição, mas é o hábito de ser justo, corajoso, temperado e

prudente que aguça e melhora cada uma dessas virtudes de carácter.

As virtudes de carácter são adquiridas da mesma forma que nós

adquirimos a mestria nas artes e nos ofícios: pelo exemplo, pela

prática supervisionada e pelo hábito de fazer. Esta questão não é de

pouca importância. Repare-se: se as virtudes de carácter se

adquirem pelo hábito, uma comunidade onde rareiam oportunidades

para a criação de bons hábitos é totalmente hostil à aquisição das

virtudes de carácter. Podemos generalizar e afirmar que o mesmo

acontece na sociedade e na vida política em geral. Um país com um

poder político hostil à prática das virtudes não oferece as condições

de base para o desenvolvimento do carácter dos cidadãos. Um poder

político hostil à prática das virtudes é, por exemplo, um poder político

favorável à corrupção, clemente para com o crime organizado ou

fomentador de rivalidades étnicas.

À semelhança das virtudes, também os vícios se adquirem pelo

hábito. Da mesma forma que um mau professor de música produz

um mau músico, também os pais e professores, pouco preocupados

com as virtudes de carácter, tendem a favorecer o desenvolvimento

do mau carácter nas crianças e nos jovens. Uma escola que se tenha

tornado numa comunidade hostil às virtudes de carácter potencia um

ambiente favorável à aquisição dos vícios. É fácil identificar os vícios

que um tal ambiente hostil favorece: injustiça, imprudência,

intemperança, cobardia, desonestidade, irresponsabilidade, entre

outros. Na medida em que o bom carácter floresce pela repetição de

actividades propícias, a comunidade deve proporcionar o exercício

dessas actividades.

A habituação deve evitar quer o excesso quer a deficiência.

Aristóteles (2) avisa-nos que tanto o excesso como a deficiência

numa actividade podem arruinar quer a formação dos hábitos quer

das virtudes a eles associadas. Vejamos o exemplo da coragem. Se

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Page 17: O livro da nova educação do carácter

uma pessoa evita e tem medo de tudo, está aberto o caminho para a

aquisição do hábito da cobardia e, concomitantemente, do vício que

lhe anda associado. Da mesma forma, se o indivíduo não for capaz de

refrear o usufruto de prazeres em excesso, está aberto o caminho

para a aquisição do hábito da intemperança e do vício que lhe anda

associado. Contudo, se o indivíduo se abstém de todos os prazeres,

torna-se insensível. Como vimos, quer a coragem, quer a temperança

podem ser destruídas quer pelo excesso quer pela deficiência.

Aristóteles chama-nos a atenção para o papel que o prazer e a

dor têm no processo de habituação. Por exemplo, se o indivíduo

consegue ser firme face às situações difíceis e tira prazer disso, então

essa pessoa torna-se corajosa; mas se isso lhe provoca dor, então

tende a tornar-se cobarde. Se o indivíduo sente prazer na capacidade

de resistir ao excesso de prazeres, usufruindo-os com moderação,

então podemos dizer que é temperado. Se, pelo contrário, sofre em

refrear-se, temos de afirmar que é intemperado (3). Resulta daqui

que a educação correcta é aquela que nos faz sentir prazer e dor nas

coisas certas. Para os casos em que o indivíduo retira prazer nas

coisas erradas, importa que o processo educativo proceda à

necessária correcção, da mesma forma que o médico faz perante os

sintomas de uma determinada doença. A virtude é, então, uma

espécie de estado que leva à realização das melhores acções

correctas que dizem respeito aos prazeres e às dores e o vício é o seu

contrário. E Aristóteles avisa que a aquisição das virtudes exige

prática continuada e não apenas teoria: “há muitos, contudo, que não

agem, antes se refugiam em argumentos, pensando que fazem

filosofia e que essa é a forma de educar para a excelência. No fundo,

são como as pessoas doentes que ouvem atentamente o médico mas

que não põem em prática as suas instruções” (4).

Notas

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Page 18: O livro da nova educação do carácter

1) Aristóteles (1985). Nichomachean Ethics. (Introdução, tradução

e notas de Terence Irwin). Indianapolis: Hackett, 1103ª20,

1103ª25, 1104ª, 1104b15, 1104ª25 e 1105ª30

2) Idem, 1104ª15

3) Ibid, 1104b5

4) Ibid 1105b15

CAP 5 O Carácter e os hábitos: a perspectiva de Aristóteles

Não há dúvida de que Aristóteles afirma que os estados de

carácter são adquiridos pela prática de acções correspondentes (1). É

possível fazer uma leitura correcta da teoria aristotélica da virtude,

afirmando que grande parte do ímpeto da habituação é

essencialmente não cognitivo e anda associado à parte não racional

da alma. Embora Aristóteles tenha aceite de Platão a ideia de uma

parte racional da alma separada da parte não racional, o filósofo

considera que a parte desiderativa (que comanda os desejos) da alma

não racional (os apetites e as emoções) pode ouvir a razão e,

portanto, ser orientada e corrigida pela parte racional da alma. Para

Aristóteles a racionalização dos desejos e apetites constitui uma

forma de ouvir e obedecer à autoridade da parte superior da alma,

precisamente a parte racional. Para ilustrar este processo, Aristóteles

dá o exemplo do filho que obedece ao pai (2). A definição que

Aristóteles dá de carácter, na obra Ética a Eudemo, encaixa nesse

argumento: “o carácter é uma qualidade da parte da alma que é não

racional mas que é capaz de seguir a razão, de acordo com um

princípio de prescrição” (3). É possível inferir que, na teoria

aristotélica, a prática é vista, fundamentalmente, como o treino não

racional dos desejos em direcção a objectos apropriados. Dito assim,

parece que os hábitos são vistos como essencialmente separados do

desenvolvimento das capacidades reflexivas e racionais. Parece,

também, que o desenvolvimento dos hábitos surge antes do

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Page 19: O livro da nova educação do carácter

desenvolvimento das capacidades reflexivas. Contudo, é preciso não

esquecer que Aristóteles não partilhava uma perspectiva meramente

mecânica da relação entre o processo de habituação e o

desenvolvimento do carácter. Aliás, uma perspectiva puramente

mecânica não consegue explicar como é que se faz a transição entre

a infância e a maturidade moral. A perspectiva mecânica não explica

como é que uma criança que possui virtudes geradas apenas pelo

hábito se transforma num adulto capaz de fazer uso da razão prática.

Aristóteles parece resolver esta questão quando afirma, no Livro VI,

que não se pode ser bom sem razão prática nem sábio sem virtude

(4). É possível concluir que Aristóteles defende uma posição algo

desenvolvimentista, considerando que se regista uma evolução do

uso das capacidades racionais e da razão prática até se atingir a

maturidade moral e que tanto os hábitos como a cognição têm um

papel importante a desempenhar nesse processo. Ou seja, o hábito

não é visto de forma estática e passiva mas sim de forma crítica e

reflexiva. Há, portanto, forma de treinar a razão prática e esse treino

pode iniciar-se na infância através dos métodos da tentativa e erro e

do inquérito racional. As deficiências na razão prática não são fixas,

mas sim temporárias, e, portanto, é de crer que a criança passe por

várias etapas nesse processo de desenvolvimento. Por outro lado, a

falta de competências deliberativas na criança não implica a ausência

de outras capacidades cognitivas que permitem respostas éticas

adequadas. A criança precisa da orientação de uma razão externa

visto não possuir ainda as capacidades deliberativas completamente

desenvolvidas, nem o domínio da razão prática, para poder deliberar

e agir de forma autónoma. Este argumento é de extrema

importância. Se a criança não dispõe, ainda, de uma razão prática

adequadamente desenvolvida, então precisa da direcção, orientação,

supervisão e correcção dos adultos, ficando, assim, legitimada a

educação com autoridade. Podemos, pois, afirmar que um professor e

uma escola sem autoridade não podem, por definição, desempenhar

19

Page 20: O livro da nova educação do carácter

bem o papel educativo. Esta constatação leva-me a afirmar que um

dos principais problemas que explicam um certo fracasso da escola

actual é, precisamente, a erosão da autoridade dos professores. O

mesmo se poderá dizer em relação à educação em contexto familiar.

É hoje muito mais difícil educar os filhos porque os pais perderam

muito da sua autoridade.

Notas

1) Aristóteles (1985). Nichomachean Ethics. (Introdução, tradução

e notas de Terence Irwin). Indianapolis: Hackett, 1144b30

2) Idem, 11202b31

3) Idem 1220b6

4) Idem, 1144b30

CAP 6 A habituação como prática crítica

Sendo o carácter a aquisição de estados através da habituação,

é fácil concluir que a habituação tem um papel central nas virtudes do

carácter. A habituação envolve, essencialmente, prática e repetição.

Os actos realizados repetidamente tornam-se hábitos e permitem a

aquisição de capacidades que parecem quase naturais e que se

constituem numa quase segunda natureza do sujeito. Contudo, a

explicação que Aristóteles nos dá sobre o papel da habituação é mais

complexa do que parece. À primeira vista, julgamos estar perante

uma teoria que tende a considerar os hábitos e a prática de forma

passiva e mecânica, mas uma leitura mais fina leva-nos a concluir

que Aristóteles defende uma visão crítica da prática. A acção

pressupõe a discriminação de uma situação em ordem a dar uma

20

Page 21: O livro da nova educação do carácter

resposta adequada e anda sempre associada aos objectivos e ao

modo, não sendo possível separar o momento exterior da acção (o

comportamento) dos momentos cognitivos e afectivos interiores (o

processo deliberativo).

Aristóteles considera que a repetição permite a melhoria da

acção, ou seja, tornamo-nos mais excelentes na realização de uma

determinada arte, através da repetição e da prática. Quanto mais

praticamos melhores nos tornamos. Contudo, repetir uma acção não

significa fazê-la sempre da mesma maneira. Não é assim que as

coisas acontecem na realidade. Quando repetimos uma acção,

costumamos introduzir algumas alterações, impostas pela

aprendizagem que a prática continuada nos facilita. Ou seja, a

repetição costuma andar associada ao progresso e à melhoria. Uma

acção repetida varia sempre alguma coisa, tanto em termos de

comportamento como das emoções associadas.

Podemos concluir que aprender através da repetição exige

tentar uma aproximação gradual a uma acção ideal que foi

estabelecida como o objectivo do agente. A prática crítica é, então,

um refinamento de repetição de acções através de sucessivas

tentativas, cada uma mais refinada do que a anterior. Não é,

portanto, uma repetição mecânica da mesma acção. A prática

permite o progresso sempre que a repetição for crítica. Uma

repetição é crítica sempre que o agente tem presente o objectivo da

acção, o reconhecimento dos erros anteriores, a compreensão das

instruções e a avaliação das acções passadas. Uma acção excelente

combinará sempre um juízo sobre as circunstâncias, as emoções

reactivas e um certo nível de decisão sobre como agir (1). Uma vez

que a prática não é mecânica e a repetição, para originar

aprendizagem e progresso, tem de ser crítica, o processo de

aprendizagem das capacidades exige a presença de um mestre.

Infere-se, então, que o papel dos pais e dos professores é

absolutamente crítico na aprendizagem das virtudes do carácter. Mas

21

Page 22: O livro da nova educação do carácter

os pais e os professores só podem desempenhar o seu papel de

educadores se possuírem as virtudes do carácter, porque um mau

mestre faz do aprendiz um mau praticante.

Notas

1) Sherman, N. (1984 ) The habituation of character. In nancy

Sherman (Ed.). Aristotle`s Ethics: Critical Essays. Nova Iorque:

Rowman and Littlefield Publishers

CAP 7 Cultura comunitária e florescimento das virtudes

Regresso ao tema de S. Tomé e Príncipe. Por que razão as

crianças parecem tão felizes? Por que razão são tão alegres, gentis e

bem-educadas? E, por contraste, por que razão as crianças

portuguesas parecem, regra geral, tristes, entediadas e

desmotivadas? Parece-me que é possível indicar várias razões. As

crianças de S. Tomé e Príncipe estão fortemente ancoradas e

apoiadas em famílias numerosas, possuem, regra geral, mais do que

dois irmãos e têm contactos diários com a mãe, tias e primos. Existe

um espírito forte de comunidade em toda a sociedade de S. Tomé e

Príncipe. A comunidade existe, faz sentir a sua presença através dos

laços afectivos, da consaguinidade, das relações de vizinhança e da

solidariedade. As crianças daquele país vivem em comunidades onde

se cultivam as virtudes, em particular, as virtudes da coragem, da

amizade, da justiça, da verdade e da temperança. As crianças

aprendem, desde cedo, as artes da sobrevivência através do exemplo

dos mais velhos, da prática directa e das narrativas. O contacto com

uma tradição cultural forte ajuda as crianças a adquirirem as virtudes

necessárias à vida boa e à felicidade. A presença constante das

Igrejas locais, sejam elas de orientação católica ou protestante,

reforça o peso da tradição na vida das crianças e constitui um

22

Page 23: O livro da nova educação do carácter

poderoso instrumento de transmissão de valores básicos,

nomeadamente o respeito pelos mais velhos, a obediência, a

responsabilidade, a honestidade e a generosidade. As crianças de S.

Tomé e Príncipe crescem intimamente ligadas ao processo produtivo,

participando nas tarefas diárias, ajudando os pais a cuidar das

machambas e contribuindo para a economia da família com o seu

esforço e competências.

CAP 8 O papel das narrativas e de tradição

Não há educação digna desse nome sem narrativas e sem

tradição. As narrativas, sejam elas orais ou passadas através da

leitura e das manifestações artísticas (teatro, por exemplo)

constituem um fortíssimo instrumento de socialização das crianças e

de formação da sua personalidade e carácter. Nas sociedades com

uma forte tradição comunitária, o poder das narrativas está em todo

o lado e as crianças beneficiam do seu poder e influência, sobretudo à

hora das refeições, na presença de todos os membros da família, sem

pressas, conversando sobre o dia-a-dia, sobre o que está para

acontecer, sobre o que aconteceu e partilhando as histórias de vida

dos mais velhos, quantas vezes sob a forma de verdadeiras epopeias

e tragédias. Nessas sociedades, há uma tradição. Melhor dizendo: há

tradições e as crianças crescem imersas nessa tradição. Não há

criação sem tradição. Não se pode construir o novo sem conhecer o

velho. Foi esse respeito e essa partilha da tradição e das narrativas

que eu vi em S. Tomé e Príncipe e em quase todos os países africanos

onde trabalhei. Quando chega a hora das refeições, a família reúne,

todos estão presentes, a refeição é saboreada sem pressas e usa-se o

momento para partilhar histórias de vida. Cada refeição é uma

oportunidade para partilhar uma lição de vida. Aqui, em Portugal,

nesta Europa envelhecida, quantas crianças ainda beneficiam do

23

Page 24: O livro da nova educação do carácter

poder das narrativas, passadas e partilhadas, em contexto familiar, à

volta de uma refeição?

CAP 9 Artes da sobrevivência e educação do carácter: o exemplo de S. Tomé e Príncipe

Um olhar apressado e etnocêntrico do Ocidental facilmente

encontrará uma série de alvos a abater na sociedade comunitária de

S. Tomé e Príncipe. O primeiro é, estou certo, a desigualdade de

género. É dela que me ocuparei neste texto. Com efeito, quem circula

pelas estradas do país observa, amiúde, as mulheres com alguidares

cheios de roupa, à cabeça, para lavar na ribeira. Observa, também,

que, regra geral, são as meninas que acompanham as mães nas

tarefas de recolha de água potável ou de lavagem da roupa e da

louça. Os meninos ocupam, preferencialmente, o seu tempo livre a

ajudar os pais nas artes da pesca, a apanharem frutos ou a fazerem

reparações em casa. Não há dúvida que, em S. Tomé e Príncipe,

continua a existir uma clara divisão das tarefas entre homens e

mulheres, rapazes e raparigas, e que essa divisão pode escandalizar

o Ocidental mais etnocêntrico. É claro que tem de ser feito um

esforço no sentido de reduzir estas diferenças e que tudo aquilo que

conduza a uma maior igualdade entre homens e mulheres é bem-

vindo. Contudo, convém perceber que, ao contrário do que acontece

nas sociedades materialmente desenvolvidas do Ocidente, as crianças

e os jovens de S. Tomé e Príncipe não estão afastados do processo

produtivo e criativo e não se encontram separados do mundo dos

adultos. É por isso que respeitam os mais velhos, que aprendem,

desde cedo, a ser responsáveis e que não dão mostras de serem

caprichosas, arrogantes, desmotivadas, impacientes e irascíveis. Esse

facto e sobretudo a aquisição das artes da sobrevivência por parte

dos rapazes e das raparigas, bem como o envolvimento na

experiência directa a que estão sujeitos desde cedo, constituem

24

Page 25: O livro da nova educação do carácter

factores absolutamente essenciais no processo de educação do

carácter e de aquisição das virtudes das crianças de S. Tomé e

Príncipe. Convém que, como resposta às críticas do Ocidental

etnocêntrico, o povo de S. Tomé e Príncipe não dê cabo das práticas

comunitárias que constituem a sua superioridade no processo de

educação do carácter das novas gerações. A esse respeito, S. Tomé e

Príncipe, não só não tem nada a aprender com as sociedades

materialmente desenvolvidas do Ocidente, como, ao invés, tem muito

que ensinar. Assim, saibamos, nós, Ocidentais, libertar-nos da nossa

arrogância cultural e ter a humildade de aprender.

CAP 10 Artes da sobrevivência e florescimento das virtudes do carácter

Foi em S. Tomé e Príncipe que eu me apercebi da importância

que a aprendizagem das artes da sobrevivência tem no processo de

educação do carácter das crianças e jovens. Num país materialmente

pobre, habitado por um povo espiritualmente rico, com forte espírito

comunitário, uma das principais componentes do processo de

educação das crianças é a aprendizagem das artes da sobrevivência.

Sem a aquisição dessas artes, a pessoa tem poucas possibilidades de

ganhar autonomia e de ser credora do respeito e consideração dos

restantes membros da comunidade. Essas artes são necessárias ao

indivíduo e à comunidade e a sua posse granjeia respeito e

consideração. Há, portanto, um incentivo à aquisição dessas artes e o

processo de aprendizagem começa cedo e prolonga-se pela infância e

adolescência, ganhando uma importância social tão grande como as

aprendizagens académicas (leitura, escrita e cálculo) ocorridas na

25

Page 26: O livro da nova educação do carácter

escola. As artes da sobrevivência incluem todas as destrezas e

competências físicas e técnicas necessárias à participação no

processo produtivo familiar: artes da pesca, artes do cultivo da terra,

artes da carpintaria, artes relacionadas com pequenos arranjos e

reparações, culinária, costura e mecânica rudimentar, entre outras.

As crianças aprendem essas artes em contacto directo com os pais,

irmãos mais velhos, tios e vizinhos. A aprendizagem é feita pelo

exemplo, experiência directa e prática supervisionada, à semelhança

do que acontece com a aprendizagem de qualquer arte e, também,

das virtudes de carácter. Os adultos passam muito tempo com as

crianças numa interacção constante em torno de processos

produtivos que exigem o contributo das artes da sobrevivência. Essa

interacção permite não só o desenvolvimento das competências e

destrezas necessárias à aprendizagem das artes da sobrevivência,

mas também a aquisição de valores e virtudes carácter. Uma coisa

surge a par da outra. A criança não se vê a si própria como vivendo

num mundo separado do mundo do adulto, antes, olha para si própria

como membro activo e produtivo de uma comunidade imersa numa

tradição que urge respeitar e que se agrega em torno de práticas

culturais e sociais que convém adquirir. O respeito pelos mais velhos,

a amizade e a responsabilidade são virtudes que se enraízam, dessa

maneira, no carácter das crianças e jovens. Em S. Tomé e Príncipe

não há, portanto, lugar para a chamada “guerra de gerações”, nem os

jovens têm oportunidade ou pretexto para aderirem a processos de

contestação da cultura comunitária, como acontece, frequentemente,

nas sociedades materialmente desenvolvidas do Ocidente, onde a

separação das crianças e dos jovens dos processos produtivos e o

fosso existente entre o mundo das crianças e o mundo dos adultos

são particularmente propícios à contestação e à revolta juvenil contra

a cultura dos pais e da comunidade. Como é sabido, a contestação e

a revolta juvenil, bem como a adesão dos jovens a movimentos de

contra-cultura, são fenómenos pouco vulgares em sociedades

26

Page 27: O livro da nova educação do carácter

fortemente comunitárias e desconhecidas de todo nas comunidades

que adoptam ainda um modo de produção pré-capitalista ou que não

sofreram ainda a invasão cultural e a imposição do modo de vida do

Ocidente.

Esta constatação gera implicações tremendas para a

compreensão dos razões que tornam tão difícil o processo de

educação do carácter nas crianças e jovens das sociedades

materialmente desenvolvidas do Ocidente. Limito-me a enunciar

algumas implicações. Uma delas diz respeito ao prolongamento

exagerado da juventude. Com efeito, a maior parte dos jovens

europeus entra no processo produtivo muito tarde, sendo comum que

tal aconteça depois dos 25 anos de idade. Convém lembrar que, com

essa idade, Alexandre Magno já tinha construído um Império que ia

da Macedónia até ao Afeganistão e ajudara a edificar, pelo caminho,

várias cidades. O fenómeno da entrada tardia no mercado de trabalho

agrava-se pelo facto de as crianças e os jovens europeus não serem

envolvidas em processos de produção familiar nem em serviços de

voluntariado, mantendo-se afastadas do mundo dos adultos e sendo

consideradas por estes como um fardo, uma despesa e não um

investimento. Tenho para mim que o decréscimo da taxa de

fecundidade se deve a essa percepção.

Estou certo, também, que existe uma relação entre a ausência

de aquisição das artes da sobrevivência e a dificuldade que os pais e

professores têm em serem bem sucedidos no processo de

desenvolvimento do carácter das novas gerações. Essa incapacidade

de os pais ensinarem aos filhos as artes da sobrevivência resulta de

muitos factores. Um deles é, sem dúvida, a falta de tempo dos pais e

a rarefacção dos momentos que passam juntos com os filhos. Em

muitos casos, os próprios pais não aprenderam as artes da

sobrevivência e, por isso, estão impedidos de as ensinar. Por outro

lado, nas sociedades materialmente desenvolvidas criou-se o hábito

de comprar tudo feito e de pagar aos profissionais para fazerem as

27

Page 28: O livro da nova educação do carácter

reparações caseiras. A ideia de que não é preciso fazer nada, porque

se pode comprar tudo feito, é interiorizada, muito cedo, pelas

crianças que, por isso, não se sentem motivadas para adquirir as

destrezas e as competências inerentes às artes da sobrevivência. E,

como tentei provar atrás, sem aprendizagem das artes da

sobrevivência torna-se mais difícil o processo de aquisição das

virtudes do carácter.

É possível inverter esta situação? Penso que sim. Aponto

algumas sugestões: introduzir, no currículo escolar do ensino básico,

espaços curriculares para a aquisição das artes da sobrevivência,

forçar os adolescentes a trabalharem em part-time, ou seja, a

dedicarem algumas horas por dia a actividades de voluntariado social

ou ao exercício de uma actividade profissional que lhes ocupe o

tempo depois de saírem da escola, pôr em prática políticas públicas

amigas da natalidade, da família e da maternidade, para que a

definição de família pós-moderna, que eu a seguir vou dar, não tenha

mais razão de ser: “a família pós-moderna é um agregado de

indivíduos, facilmente descartáveis, unidos por objectivos e interesses

particulares e incapazes de reconhecerem o bem comum”.

CAP 11 Artes da sobrevivência e florescimento das virtudes: Um exemplo

Nada melhor para ilustrar a teoria de que existe uma relação

entre aprendizagem das artes da sobrevivência e o florescimento das

virtudes do carácter do que apontar um exemplo. Encontrei o senhor

Joaquim, 35 anos de idade, casado e com quatro filhos, em Jalé, na

periferia de Porto Alegre, uma pequena localidade no Sul da Ilha de

S. Tomé. Nos dois dias que eu e os meus colegas passámos na

ecolodge de Jalé, um nome pomposo para referir cinco cabanas de

madeira sem electricidade, edificadas à beira-mar, no meio da

floresta tropical e num quase total isolamento, o senhor Joaquim foi o

28

Page 29: O livro da nova educação do carácter

nosso pescador de serviço, o nosso cozinheiro, o nosso guia e o nosso

anfitrião. Aparentemente, não havia nada que ele não soubesse fazer.

Ficara-se pela 7ª classe incompleta, mas sabia ler, escrever e fazer

contas, para além de dominar com mestria todas as artes da

sobrevivência, fazendo uso delas para ganhar a vida. Pescador exímio

com arpão e com rede, cozinheiro afamado na região, proprietário de

um petisqueira junto da aldeia que serve de porta de entrada à

ecolodge, construtor de casas de madeira quando é preciso,

mecânico, electricista e agricultor. Aparecia sempre com um sorriso a

bailar-lhe nos olhos, bem disposto, alegre, solícito, gentil e a falar um

português de primeira categoria. “Onde é que aprendeu todas essas

artes?”, perguntei. Resposta rápida: “com o meu pai, os irmãos mais

velhos e os vizinhos”. Aparentemente, todos lhe terão ensinado

alguma coisa e por todos nutria respeito e admiração. Perguntei-lhe

se gostaria de emigrar ao que ele respondeu que já trabalhara como

cozinheiro em Cabo Verde mas que decidira regressar a casa. A vida

ali não era fácil, mas era ele quem comandava, era o senhor do seu

destino, podia manter a família unida, partilhava a amizade e o

convívio de muitos amigos e era respeitado na comunidade. Que

melhor vida podia almejar do que aquela que tinha? Todos os dias,

usava o arpão para pescar três ou quatro peixes (não precisava de

mais, pois não havia nem frigorífico nem electricidade!), cozinhava

para a família e atendia um ou outro cliente que resolvia petiscar no

seu estabelecimento. Dedicava uma ou duas horas por dia ao cultivo

na Machamba, com o apoio da mulher e filhos, e, por vezes, ainda

servia de guia a um ou outro turista mais aventureiro. Era uma vida

boa, aquela que o Joaquim levava. Materialmente pobre, mas boa. O

senhor Joaquim era uma homem feliz porque se encontrava bem

inserido na sua comunidade, onde era amado e respeitado, não por

aquilo que ele tinha, mas por aquilo que ela era e pelas virtudes do

carácter que ele manifestava nas relações próximas que mantinha

com familiares amigos e vizinhos. Nele, as virtudes da justiça,

29

Page 30: O livro da nova educação do carácter

amizade, coragem, prudência, temperança e coragem manifestavam-

se com naturalidade, como se fossem nele uma segunda natureza. O

senhor Joaquim aprendera a ser corajoso, praticando actos de

coragem, justo, praticando actos de justiça, temperado, praticando

actos temperados e por aí fora, no que diz respeito a todas as

virtudes que faziam parte do seu excelente carácter. E essa

naturalidade com que o senhor Joaquim adquiriu as virtudes do

carácter muito deve às muitas horas que passou com os pais, irmãos,

tios e vizinhos na aprendizagem das artes da sobrevivência, essas

artes que, agora, aos 35 anos de idade, lhe permitiam ganhar a vida

e ser estimado na comunidade.

CAP 12 Artes de sobrevivência e currículo

Há muito que me interrogo sobre o papel da aprendizagem das

artes da sobrevivência na educação do carácter e no desenvolvimento

de competências necessárias a uma vida boa. Há múltiplas artes de

sobrevivência e, embora haja algumas que são comuns a todos povos

e comunidades (culinária e rudimentos de costura, mecânica e

electricidade, por exemplo), há outras artes que são específicas de

determinadas comunidades e têm que ver com a geografia, a

economia local e a cultura (artes da pesca e da construção e

reparação de casas, por exemplo). Há mais de três décadas que

essas artes foram retiradas do currículo das escolas portuguesas.

Constituiu um grave erro a erradicação do ensino técnico e a recente

criação do ensino profissional ou dos programas de educação e

formação não possibilitou a correcção desse erro porque são poucos

os jovens que frequentam esses cursos (bastante menos de 30%) e

porque essas artes são introduzidas demasiado tarde no currículo (no

30

Page 31: O livro da nova educação do carácter

10º ano e, em casos raros, no 9º ano). Para que a aprendizagem

dessas artes constituísse um poderoso instrumento de educação do

carácter e de desenvolvimento de competências necessárias à vida

boa, seria necessário que a) fossem de frequência obrigatória para

todos os alunos e b) entrassem no currículo desde o 5º ano de

escolaridade (como propedêutica integrada nas áreas curriculares

existentes) e a partir do 7º ano de escolaridade com o estatuto de

áreas curriculares com o mesmo peso e estatuto das outras. Esta

medida, sendo do mais elementar bom senso, muito dificilmente será

introduzida nas escolas portuguesas e há razões para que os políticos

e decisores resistam a ela: i) o bom senso rareia nas elites

portuguesas, classe politica incluída, ii) mantém-se o preconceito

ideológico contra o ensino técnico e iii) já não há quem saiba ensinar

essas artes. Mas valia a pena tentar.

CAP 13 Como floresce a amizade

Cada vez que visito S. Tomé e Príncipe dou por mim a reflectir

por que razão as crianças são tão alegres, bem-educadas e gentis e

parecem tão felizes. Em artigo anterior, fiz referência à forte presença

da comunidade na vida das crianças. Com efeito, é raro ver-se uma

criança sozinha. Andam em grupos, quer caminhem pela beira da

estrada, quer brinquem à porta de casa ou nadem na praia. O mesmo

acontece com os idosos. A prevalência das famílias alargadas e das

relações de vizinhança, bem como a forte presença da comunidade

na vida das crianças, facilitam a emergência da virtude da amizade,

essa virtude a que Aristóteles dedica um capítulo na sua Ética a

Nicómaco e que elege como a mais importante e necessária das

virtudes. Sem amigos não se pode ser feliz. A amizade, em qualquer

dos seus tipos, seja ela a amizade por utilidade, a amizade agradável

ou a amizade perfeita, é um elemento essencial da vida boa. Sem ela

ficamos perdidos. Não somos mais do que uma ilha afastada do

31

Page 32: O livro da nova educação do carácter

Continente! Em S. Tomé e Príncipe, fazer amigos é tão natural como

saber que o Sol nasce todas as manhãs por volta das 5 horas e 30

minutos e se põe, todas as tardes, pelas 17 horas e 30 minutos.

Afinal, estamos a falar do País que é atravessado pelo Equador, não

é? Talvez seja por isso que é tão agradável ir para a escola, apesar

de, na maior parte das vezes, a escola não passar de um edifício

encardido pela humidade e pelo tempo e com salas repletas de

carteiras velhas. Talvez seja porque a amizade é uma virtude

cultivada até à exaustão que as crianças andam sempre com um

sorriso nos lábios. É provável que aqui, em Portugal, nesta Europa

materialmente tão rica, onde há escolas repletas de equipamentos e

materiais, falte aquilo que mais falta faz às crianças: a amizade!

Talvez seja porque falta a amizade que haja tanta amargura, raiva

contida e violência reprimida.

CAP 14 A relação entre a amizade e as outras virtudes

A relação existente entre a virtude da amizade e o

florescimento das outras virtudes precisa de ser demonstrada. E o

exemplo de S. Tomé e Príncipe pode ser convenientemente

ilustrativo. Se a amizade é uma virtude essencial à vida boa e à

felicidade e sendo a felicidade a finalidade culminante face à qual

todos os outros objectivos de vida são meramente instrumentais,

resulta daqui que ter amigos, conservá-los e tê-los bons é uma

condição sine qua non da felicidade. Todas as outras condições,

riquezas materiais, glória e poder, sendo importantes, ocupam uma

posição secundária face à amizade, porque se tivermos de optar

entre a riqueza ou a glória e a amizade não há dúvida de que a nossa

opção vai para uma vida repleta de amigos e impregnada de

amizade. Senão vejamos: alguém trocaria o amor de um filho ou o

amor de uma esposa por um bem material? Qualquer pessoa de bom

carácter e com boa formação humana responderá negativamente.

32

Page 33: O livro da nova educação do carácter

Para adquirir amigos e para os conservar é necessário ser-se uma

pessoa de bom carácter, ou seja, uma pessoa que cultiva e faz uso

das virtudes (justiça, coragem, prudência e temperança, entre

outras). Há duas maneiras de perder a amizade: não lhe dedicar o

tempo devido e perder a confiança do(a) amigo(a). Ora, perde-se a

confiança quando se dá provas de que se age repetidamente ao

arrepio das virtudes. É por isso que o desejo de adquirir e de

conservar os amigos nos leva a procurar ser pessoas virtuosas, ou

seja, com um bom carácter, porque sabemos que a amizade perfeita

se baseia no amor que se tem por quem o outro é, pela sua

personalidade e pela maneira como ele faz uso das virtudes. Repare-

se: é fácil ser amigo de uma pessoa verdadeira e é difícil ser amigo

de uma pessoa falsa; é bom ser amigo de uma pessoa justa, mas

torna-se quase impossível manter a amizade por uma pessoa

persistentemente injusta. E por aí fora…

Vejamos, por último, como é que o exemplo de S. Tomé e

Príncipe nos ajuda a ilustrar a associação entre a amizade e o

florescimento das outras virtudes. Pude observar, nas várias visitas

de trabalho que fiz ao país, estar na presença de um povo paciente,

temperado, justo, prudente e corajoso. A ausência de guerras civis ou

de golpes de estado sangrentos é ilustrativa! Apesar da frustração

das expectativas, da corrupção e da falta de resultados, o povo

continua a acreditar na democracia e a fazer uso de meios legítimos e

pacíficos para resolver os problemas. Provavelmente, essas virtudes,

tão disseminadas entre a população, floresceram porque a escassez

material (a pobreza material…) e o isolamento geográfico tornaram

mais necessária a cooperação, a partilha e a entreajuda e qualquer

uma dessas atitudes cresce melhor quando há amizade abundante.

Sem amigos, é extremamente difícil sobreviver em S. Tomé e

Príncipe. Desde logo, são os amigos que ensinam, uns aos outros, as

artes da sobrevivência (pesca, trabalhos agrícolas na machamba,

reparações, construção de casas e de canoas, etc…). Por outro lado,

33

Page 34: O livro da nova educação do carácter

são os amigos que partilham, entre si e até com os vizinhos e os

estranhos, os meios de transporte, igualmente escassos e sem os

quais o isolamento se torna intransponível. Por fim, o tempo abunda

e todos sabemos que o tempo é essencial à conservação da amizade.

A falta de tempo é a principal causa da morte da amizade. Anoitece

todos os dias do ano por volta das 17 horas e 30 minutos e, na maior

parte das localidades, não existe energia eléctrica. Sem luz, não se

pode trabalhar. Não havendo televisão, há que procurar outras

ocupações. As narrativas e o convívio familiar à porta de casa ou na

“petisqueira” (1) ocupam uma parte significativa do anoitecer e é aí

que ocorre um fenómeno curioso: a amizade entre pais e filhos, entre

irmãos, entre primos e entre vizinhos floresce na proporção do tempo

que resta. E o tempo é muito.

Nota

1) Petisqueira é um pequeno bar ou taberna, geralmente de

madeira, localizado na berma da estrada, onde se pode beber

cerveja e sumos e tomar uma pequena refeição.

CAP 15 Educação do carácter: um conceito, múltiplas questões

O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia

das Ciências de Lisboa define carácter da seguinte maneira: sinal

traçado, gravado, pintado numa superfície e a que se atribui um

significado especial. E, ainda, traço característico, distintivo de um

ser. O mesmo Dicionário refere, também, que a palavra quer dizer

coerência e firmeza nos actos e nos ditos, honestidade e sentido ético

dos deveres e direitos a respeitar.

Podemos afirmar que o carácter de um indivíduo é a sua

constituição moral e o seu padrão de comportamento. Podemos ter

um bom carácter ou um mau carácter. Embora o carácter de uma

34

Page 35: O livro da nova educação do carácter

pessoa seja, em parte, produto da herança genética, a educação e o

ambiente exercem um papel fundamental na sua construção. Quando

se vive e se é educado em comunidades virtuosas, o processo de

construção de um bom carácter é facilitado. Quando se vive e se é

educado em comunidades hostis e destituídas de virtudes, torna-se

extremamente difícil a construção de um bom carácter. A sabedoria

prática constitui uma virtude essencial à formação do bom carácter.

Com ela, o indivíduo aprende a analisar uma situação ou problema, a

deliberar com racionalidade e prudência, a escolher a coisa certa a

fazer e a agir adequadamente. É esse processo que,

continuadamente repetido, se torna um verdadeiro hábito, colando-se

ao indivíduo como uma segunda natureza. Mas, para deliberar bem e

agir adequadamente, não basta o conhecimento do bem. Importa,

também, a posse de bons sentimentos e emoções, bem como um

genuíno gosto por fazer o bem e a capacidade de sentir empatia

pelos outros.

O indivíduo de bom carácter está melhor preparado para fazer o

bem do que o que possui um carácter fraco ou deficiente, porque,

para além de conhecer e de amar o bem, possui uma vontade forte

para fazer o bem. Quer isto dizer que não basta o conhecimento ou

os sentimentos. A força de vontade é uma qualidade necessária para

que o indivíduo passe à acção e faça o que tem de ser feito.

A definição do bom carácter levanta, contudo, alguns

problemas. Um deles é o da definição de “bem”. O que é o bem e o

que é mal? Diferentes culturas dão definições diversas de bem,

embora seja possível encontrar alguns pontos comuns em todas elas.

Por exemplo, todas as culturas censuram a mentira e valoram

positivamente a verdade. Todas elas valoram positivamente a

coragem. Todas as grandes civilizações conhecidas, desde a

civilização grega até aos nossos dias, acentuam a importância de um

conjunto de virtudes a que podemos chamar de cardinais: sabedoria,

justiça. autodomínio e coragem. Outras virtudes como a prudência, a

35

Page 36: O livro da nova educação do carácter

temperança e a generosidade surgem, também, em grande plano em

todas as grandes civilizações.

Parece haver algum consenso em torno deste conjunto de

virtudes, visto que os antropólogos, sociólogos e historiadores as têm

encontrado nas práticas culturais e nas criações artísticas de todas as

grandes culturas. Contudo, passar daí para a defesa da existência de

valores básicos comuns, vai um passo demasiado arriscado. Há

culturas que valoram, positivamente, a crueldade. Veja-se o caso da

cultura asteca e de outras culturas pré-colombianas.

Ryan e Bohlin (1) afirmam que o bom carácter não é mais do

que conhecer o bem, amar o bem e fazer o bem. Essa afirmação

estaria isenta de contestação se fosse possível uma definição

transcultural do bem e do mal. Ora, os ensinamentos da História e da

Antropologia parecem querer dizer-nos o contrário. É extremamente

difícil, senão impossível, estabelecer um consenso transcultural em

torno de valores éticos. Veja-se o caso de Esparta, no século V a.C.,

onde o infanticídio de crianças deficientes era uma prática legítima.

Ou a aceitação pública da pederastia, na Atenas do século V a.C.

Em conclusão, podemos afirmar que o carácter é a soma dos

nossos hábitos intelectuais e morais e uma disposição natural para

agir de uma determinada maneira. Podemos, ainda, afirmar que há

algumas regras de ouro que são comuns a todas as culturas, como,

por exemplo, “não faças aos outros o que não queres que te façam a

ti”, mas a existência de valores éticos comuns não vai muito além

disso.

1) Ryan, K. e Bohlin, K. (1999). Building Character in Schools. S.

Francisco: Jossey-Bass

CAP 16 A Nova Educação do carácter: A metodologia dos 6 Es

36

Page 37: O livro da nova educação do carácter

Kevin Ryan e Karen Bohlin (1) desenvolveram a metodologia

dos 6 Es, exemplo, explicação, ethos, experiência, exortação e

expectativas de excelência, e assumem a defesa do modelo da

educação do carácter, claramente influenciado pela teoria ética

aristotélica. Segundo os dois professores da Universidade de Boston,

é através da combinação destes seis métodos que melhor se pode

fazer educação do carácter.

Exemplo

Quer queiram quer não, os professores são sempre exemplos

para os seus alunos. Quanto mais jovens são os alunos mais

importância dão ao exemplo dos professores. Ao fim de pouco tempo,

os alunos são capazes de reconhecer a personalidade do professor,

simpatizar com determinadas qualidades e antipatizar com certos

defeitos. Raramente, os alunos se enganam quando apelidam um

professor de injusto, pouco empenhado, trocista ou rude. O mesmo

se poderá dizer quando apelidam um professor de justo, simpático e

empenhado. São muitos os professores que deixam uma impressão

duradoura nos seus alunos. Em muitos casos, a identificação que os

alunos estabelecem com certos professores tem repercussões para

toda a vida. O que os professores fazem, a forma como o fazem e

aquilo que dizem tem efeitos na formação da personalidade e do

carácter dos alunos. É por isso que os professores devem fazer a si

próprios as seguintes perguntas: a) “os meus hábitos enquanto

professor são adequados à minha função de educador?”; b) esses

hábitos poderão ser adoptados pelos meus alunos?”; c) “ as minhas

atitudes são compatíveis com a filosofia e o projecto educativo da

escola?”.

Explicação

37

Page 38: O livro da nova educação do carácter

Uma das principais funções do professor é explicar. O professor

exerce a função de explicador em grande parte do tempo que passa

com os alunos. Para os alunos, é suposto que o professor seja capaz

de explicar aquilo que não sabem. Quanto mais complexos os

assuntos e problemas, mais os alunos dependem da capacidade que

o professor tem de explicar. É assim na Matemática e é assim em

qualquer outra área curricular, incluindo a educação ética dos alunos.

Explicar, pressupõe envolver os alunos numa conversação de onde se

retira sentido e significado. Para isso é preciso que haja tempos e

espaços para que ocorram essas conversações entre professor e

alunos.

Os alunos adquirem hábitos através do conhecimento, da

imitação e da prática. A função explicativa do professor deve

acompanhar quer o processo de instrução, quer o processo da

realização das tarefas. O professor tem de ajudar a aluna a

compreender os conceitos, mas também tem de a apoiar no processo

de realização das tarefas. Para que o aluno não fique bloqueado

nesse processo é, muitas vezes, necessário que o professor se abeire

dele, lhe pergunte quais são as suas dificuldades e lhe dê uma

explicação. Munido dessa nova informação, a aluna é capaz de seguir

em frente e de completar a tarefa. A conversação entre o professor e

os alunos pode centrar-se, por exemplo, em questões do tipo: “por

que razão a mentira é sempre um mal, mas em certas circunstâncias

pode ser um mal menor?”; “o que é isso de um mal menor?”; “temos

mais responsabilidades para com as pessoas que nos são mais

próximas do que para com os desconhecidos?”

Ethos

Ethos é uma palavra que, etimologicamente, significa costumes.

As escolas são comunidades éticas, ou seja, onde as pessoas se

mantêm juntas e colaboram entre si, através do respeito de um

conjunto de costumes e virtudes que dão coesão à comunidade e

38

Page 39: O livro da nova educação do carácter

ajudam os seus membros a crescer como pessoas. Há comunidades

que são dilaceradas por vícios e práticas que impedem o crescimento

dos seus membros como pessoas. As comunidades que enfatizam

virtudes e práticas adequadas ao crescimento dos seus membros

como pessoas são comunidades que se mantêm unidas por um ethos

adequado. Nessas comunidades, os professores respeitam os alunos,

os alunos têm elevadas expectativas, os adultos tratam os jovens

com justiça e consideração e as pessoas estabelecem entre si

relações marcadas pela empatia e pela interajuda. Há um conjunto de

regras de convivência que raramente são quebradas. Há confiança

mútua. Uma escola com um ethos adequado é uma comunidade que

explicita e faz cumprir um conjunto de hábitos, valores e atitudes.

Uma comunidade com tradições e que é capaz de celebrar aquilo que

une os seus membros tende a ser uma comunidade coesa. As

crianças e os jovens precisam de coesão para poderem crescer como

pessoas.

Experiência

É com a experiência que aprendemos a corrigir os nossos erros,

mas é também com ela que fortalecemos os nossos hábitos. Fala-se,

hoje, muito em desenvolvimento de competências. Ora, as

competências exigem tempo e repetição das tarefas até se atingir um

determinado nível de desempenho considerado satisfatório. Sem

experiência não se atinge a maturidade. O desenvolvimento do

carácter não se atinge só pelo conhecimento de palavras bonitas ou

pela compreensão das virtudes, nem tão pouco apenas pela

interiorização de determinados valores. O carácter envolve a vida

toda: o conhecimento, a imaginação, os sentimentos, os hábitos e a

experiência. Podemos afirmar, sem risco de errarmos, que são os

hábitos e a experiência os principais factores do desenvolvimento do

39

Page 40: O livro da nova educação do carácter

carácter. Para além da herança genética, claro está, a qual predispõe

o indivíduo para desenvolver um determinado tipo de personalidade.

Nós somos a soma das nossas experiências de vida. O nosso

presente e o nosso futuro são condicionados pelo nosso passado. Se

essas experiências de vida nos afastaram dos outros, nos separaram

das nossas comunidades, nos centraram em nós próprios, então é

quase certo que nós desenvolvemos um carácter fraco e deficiente.

Se, ao invés, as experiências de vida nos aproximaram dos outros,

nos relacionaram com as nossas comunidades, nos projectaram para

compreendermos e servirmos os outros, então, muito provavelmente,

nós desenvolvemos um carácter forte e adequado. Mas o que é um

carácter forte e adequado? É um carácter que nos predispõe para

conhecermos o bem, amarmos o bem e fazermos o bem. É certo que

cada teoria ética tem a sua definição de bem. Por exemplo, para os

utilitaristas, o bem é o que traz o máximo possível de benefícios para

o próprio e para o maior número de pessoas. Para a ética

deontológica, o bem é uma espécie de boa vontade que nos leva ao

cumprimento incondicional do dever. Ou seja, não está directamente

relacionado com os benefícios, nem com as consequências das

acções. Para a teoria ética da virtude, o bem é o conjunto de

qualidades humanas e hábitos que nos conduzem para a excelência

dos actos.

Se levarmos em linha de conta a teoria ética da virtude,

veremos que a experiência exerce um papel fundamental na vida

ética. Com efeito, as virtudes, sejam elas a justiça, a

responsabilidade, a prudência, a temperança ou a perseverança,

cultivam-se através das nossas acções. É praticando actos de justiça

que uma pessoa se torna justa. É agindo responsavelmente que uma

pessoa se torna responsável e por aí adiante. É claro que uma

comunidade sem virtudes torna muito mais difícil a prática de actos

que conduzam ao cultivo das virtudes.

40

Page 41: O livro da nova educação do carácter

Exortação

O carácter é produto de muitas influências e factores: a

genética, a experiência e os hábitos, o exemplo, mas também a

exortação. É sabido que “um professor medíocre prelecciona, um bom

professor explica, um professor superior demonstra, mas um grande

professor inspira”. Não queremos dizer com isto que as prelecções

sejam sempre negativas. O que é negativo é enfatizar as prelecções

em prejuízo dos outros métodos: a demonstração, a explicação, o

treino e a supervisão. Inspirar é ser capaz de provocar nos alunos o

desejo de se tornarem melhores. Quando um aluno está prestes a

desistir, a exortação de um professor pode motivá-lo para continuar.

Quando um aluno persiste na exibição de maus hábitos, a exortação

de um professor pode levá-lo à mudança. Um professor competente e

dedicado aos seus alunos é capaz de censurar e de elogiar. Censurar

os maus hábitos, com palavras firmes, mas com o desejo de se

colocar ao serviço do aluno, mostrando por que razão a persistência

desses hábitos é negativa, constitui uma forma de exortação eficaz.

Expectativas de excelência

O poder das expectativas é extraordinário. Quando os

professores manifestam baixas expectativas face a determinados

alunos, estão com isso a reforçar um conceito negativo acerca deles.

Os professores devem ser capazes de descortinar as qualidades dos

alunos. Um aluno nunca pode ser encarado como um caso perdido.

Cabe ao professor mostrar que acredita na recuperação do aluno,

mostrando-se disponível para o ajudar, indicando-lhe o caminho e

dizendo que acredita nele.

Durante a juventude cometem-se muitos erros e muitas

imprudências. Contudo, esse é um período de crescimento. Cresce-se

com a experiência e aprende-se com os erros. Os professores devem

mostrar que têm expectativas elevadas face a todos os alunos,

mesmo aos que, em determinadas alturas, parecem casos perdidos.

41

Page 42: O livro da nova educação do carácter

Notas

1)Ryan, K. e Bohlin, K. (1999). Building Character in Schools. S.

Francisco: Jossey-Bass

CAP 17 Manifesto da nova educação do carácter

Considero que a educação do carácter deve obedecer aos

seguintes princípios orientadores:

1. Não há educação sem valores. A educação é sempre um

processo de criação e de transmissão de valores. Os

professores e educadores, quer queiram quer não, são sempre

exemplos morais para os seus alunos.

2. A educação deve ser um processo contínuo de melhoria do

carácter de cada um. Essa melhoria faz-se através de vários

processos: exemplo, imitação, prática supervisionada, contacto

com grandes narrativas, discussão de dilemas morais e

exortação, entre outros.

3. Os pais são os primeiros educadores morais dos filhos e têm

um papel insubstituível nessa tarefa. As escolas devem criar

parcerias com os pais de forma a potenciar e articular o papel

42

Page 43: O livro da nova educação do carácter

dos professores e das famílias no processo de educação do

carácter.

4. As escolas têm a obrigação de transmitir aos alunos algumas

virtudes essenciais: coragem, justiça, temperança e prudência.

5. Essas virtudes transmitem-se através do exemplo e da prática.

Os hábitos constituem um dos principais instrumentos de

transmissão das virtudes, na medida em que se é justo

praticando actos de justiça e se é corajoso praticando actos de

coragem e assim por diante.

6. A educação do carácter visa transmitir virtudes essenciais, ou

seja, hábitos saudáveis e correctos, que contribuam para a

excelência e para o bem-estar e a felicidade da pessoa.

7. A educação do carácter não visa transmitir os pontos de vista

“politicamente correctos”. Isso é matéria para outras agências

de socialização, não para a escola.

8. Todos os adultos que trabalha na escola devem ter formação

sobre educação do carácter, porque todos eles exercem

influência no processo de transmissão de valores e virtudes.

9. Não deve haver no currículo uma disciplina para se fazer a

educação do carácter. Em vez disso, esse processo deve fazer-

se transversalmente e através do ethos da escola.

10.A escola, na sua totalidade, deve constituir-se numa

comunidade onde se cultivam as virtudes essenciais: justiça,

coragem, prudência, temperança, responsabilidade, respeito pelos

seres humanos e pelos restantes seres vivos que partilham a Terra

connosco.

CAP 18 Indisciplina e carácter

As crianças não são encaradas, em S. Tomé e Príncipe, como

uma despesa ou um fardo. Antes, são vistas como uma receita, uma

dádiva e um investimento. São, na verdade, a alegria das famílias e

43

Page 44: O livro da nova educação do carácter

das comunidades. Numa sociedade frugal, onde a economia de

subsistência tem lugar preponderante no processo de produção, não

custa muito educar e cuidar de uma criança. A bem dizer, não custa

mais cuidar de uma do que de três ou quatro. Os pais têm a

percepção de que, por vezes, é mais fácil educar e cuidar de três ou

quatro crianças do que de apenas uma e têm razão em pensarem

dessa maneira. Com efeito, é vulgar verificarmos que os irmãos mais

velhos cuidam, natural e alegremente, dos irmãos mais novos,

libertando os pais de uma parte significativa das tarefas relacionados

com o cuidar das crianças. É raro vermos uma criança sozinha.

Andam em bandos, brincam à porta das casas, constroem os seus

próprios brinquedos, ajudam os pais nas tarefas caseiras e, quando

calha, participam em processos produtivos, como, por exemplo, a

pesca ou a recolha de frutos. A escola é vista como uma coisa séria e

o professor como um adulto significativo, com autoridade e prestígio

na comunidade. Obedecer ao professor é um acto encarado com

naturalidade porque o professor é uma figura com autoridade

legítima. Violência nas escolas é algo que não existe. Indisciplina, só

muito raramente. Quando pergunto aos professores quais são os

problemas mais graves, as respostas são sempre as mesmas: há falta

de material, há miúdos que moram demasiado longe da escola e o

salário não chega para cobrir as despesas. Nunca ouvi um professor

queixar-se da indisciplina. Faça-se a mesma pergunta aos professores

portugueses e atente-se nas respostas: a indisciplina figura entre as

três maiores preocupações. Nas inúmeras visitas que tenho feito às

escolas primárias, sempre dei conta da forma afectuosa mas firme,

amiga mas com autoridade, com que os professores lidam com as

crianças. Talvez isso seja um dos principais factores que explicam a

maneira fácil como florescem as virtudes do carácter nas crianças e

jovens daquele país. Talvez isso nos leve a reflectir sobre as razões

por que é tão difícil ser professor em Portugal e é tão penoso educar

e cuidar dos filhos. Quando ouvimos responsáveis políticos do

44

Page 45: O livro da nova educação do carácter

Ministério da Educação de Portugal desvalorizarem o problema da

indisciplina, e por vezes a lançarem a responsabilidade para os

professores, como se eles tivessem todos os instrumentos para

lidarem com o problema, a única coisa que podemos fazer é alertar e

denunciar, na esperança de que possamos ser ouvidos e contribuir

para a correcção das políticas e orientações educativas erradas.

CAP 19 Pode um povo ser rico num país pobre?

Pode um povo ser rico num país pobre? Esta pergunta ocorre-

me sempre que visito S. Tomé e Príncipe. A riqueza de um povo

mede-se através das suas práticas, sejam elas religiosas, artísticas,

culturais ou sociais. Não se mede através do tamanho e do luxo das

casas e dos automóveis! Um povo com uma vida comunitária cheia e

variada é um povo rico, independentemente do nível da riqueza

material do País. É por isso que eu digo que há países materialmente

ricos, habitados por povos pobres. A riqueza material de um País é, a

partir de um determinado nível, um obstáculo à riqueza do povo.

Quanto maior é a riqueza material de um País, mais facilmente o

povo tende a construir gaiolas douradas e a perder ou a anular a sua

vida comunitária. Na ânsia de adquirir cada vez maior riqueza

material, os povos tendem a empobrecer espiritualmente e esse

empobrecimento espiritual é acompanhado, regra geral, de

45

Page 46: O livro da nova educação do carácter

decréscimos acentuados da natalidade, aumento de famílias

monoparentais, tendência para o filho único, envelhecimento da

população, isolamento, solidão, tristeza e depressão. Não é por acaso

que o aumento do consumo de antidepressivos tem vindo a

acompanhar o enriquecimento material de muitos países,

constituindo a depressão a resposta ao crescente isolamento social,

solidão e perda da vida comunitária. Ora, isso foi precisamente o que

eu não vi em S. Tomé e Príncipe. O que vi nesse país da África

Ocidental foi exactamente o contrário: famílias numerosas, taxa de

natalidade elevada, vida comunitária fortíssima, laços familiares e

comunitários muito fortes, o cultivo da virtude da amizade e do

companheirismo e um contacto íntimo com a natureza. Vi também

uma elevada capacidade de auto-sustentação por parte das pessoas,

visível na aquisição, desde crianças, das artes da sobrevivência. E vi

muita alegria nos olhos das crianças. Quando pergunto às crianças de

8 anos de idade o que fazem depois da escola, quase todas me

dizem: “brinco, nado, pesco, vou apanhar frutos e ajudo os pais na

machamba!” Em Portugal, vêem televisão, ocupam o tempo a jogar

nas consolas e a surfar na net. Muitas vezes sozinhas em casa ou

entregues a profissionais.

CAP 20 Quando as virtudes do carácter estão ausentes

O que falhou na educação do Francisco? Faço esta pergunta

muitas vezes e a única resposta que me parece possível é que os pais

e os professores não ensinaram ao Francisco as artes da

sobrevivência e, portanto, não criaram oportunidades para que ele

adquirisse as virtudes do carácter, nomeadamente, a coragem, a

prudência e a temperança. Na ânsia de o protegerem, os pais

pouparam-no sempre à assunção de responsabilidades, substituindo-

se ao filho em tudo o que era penoso e implicava esforço e

obrigações. Para os pais do Francisco, os desejos do filho eram

46

Page 47: O livro da nova educação do carácter

ordens. Tudo fizeram para que nunca lhe faltasse nada. Sempre

procuraram que o filho não tivesse de enfrentar a dura realidade da

vida. Sempre o pouparam às tarefas penosas e desagradáveis do dia-

a-dia. O Francisco foi sempre um bom estudante, ou seja, um aluno

com notas elevadas. Licenciou-se em Economia com 16 valores numa

das melhores universidades do país. Não quis procurar trabalho e

optou por fazer o mestrado. Com 27 anos, ainda não tivera

oportunidade de participar em qualquer tipo de processo produtivo.

Os pais, na ânsia, de lhe concederem todo o tempo do mundo para o

estudo, pouparam-no a todas as outras actividades. Quando

completou o mestrado, o Francisco viu-se perante uma crise de

vocação: não sabia o que queria fazer. Além de não saber fazer nada,

tinha muitas dúvidas sobre o que gostaria de fazer na vida. Descrente

e confuso, abandonou o país e foi viver para Berlim. Os pais

pagavam-lhe as contas, procurando estar seguros de que nada lhe

faltava. Passados seis meses, receberam um telefonema que iria

mudar as vidas deles: o filho estava internado num hospital

psiquiátrico de Berlim. Diagnóstico: esquizofrenia.

A par do complexo e moroso processo de transferência para um

hospital português, os pais do Francisco queriam encontrar resposta

para o sucedido. Porquê? Em que é que falharam como pais? Embora

seja muito difícil apurar as verdadeiras razões do sucedido, até

porque há factores de natureza genética que podem ter

desencadeado a doença, podemos identificar algumas coisas que não

correram bem no processo educativo do Francisco. Em primeiro lugar,

a ênfase que a escola, os professores e os pais colocaram na

dimensão cognitiva (o que importava eram as notas elevadas!),

esquecendo-se de trabalhar a dimensão afectiva e o desenvolvimento

das virtudes do carácter. Em segundo lugar, o não envolvimento do

Francisco, apesar dos seus 27 anos de idade, em qualquer tipo de

actividade produtiva e, portanto, o seu desconhecimento completo

das artes da sobrevivência. Em quarto lugar, e talvez a razão mais

47

Page 48: O livro da nova educação do carácter

importante, nem a escola nem os pais lhe possibilitaram a aquisição

das virtudes da coragem e da temperança. Da coragem, para poder

dizer não ao que não é conveniente nem saudável, para poder resistir

à pressão dos grupos e para não desistir à primeira dificuldade. Da

temperança, para poder fazer um uso moderado dos prazeres. Nunca

ninguém saberá ao certo, mas podemos supor, com uma elevada

probabilidade de estarmos certos, de que a vida do Francisco teria

sido diferente, caso tivesse aprendido a usar bem as virtudes da

coragem, da prudência e da temperança.

CAP 21 O papel do Estado na educação do carácter

Para Aristóteles (1) o objectivo dos estudos sobre a acção (e a

ética é a disciplina que nos ensina a agir bem, em ordem a termos

uma vida boa) não é o saber teórico, mas sim o saber prático guiado

pelo conhecimento e pela razão. É por isso que não chega conhecer

as virtudes; é preciso possuir e exercer as virtudes, que é como

quem diz, tornar-se bom.

Os argumentos são importantes, mas não são suficientes para

fazer com o que o agente leve uma vida boa. É claro que, para uma

pessoa que já possui as virtudes do carácter, os argumentos podem

ser suficientes, mas para as crianças e os jovens é preciso mais do

que argumentos, até porque a maior parte dos agentes obedece mais

ao medo do que à vergonha. Por outro lado, não se altera com

argumentos o que se adquiriu pelo hábito.

As virtudes do carácter não se adquirem apenas pelos

argumentos nem surgem naturalmente. São, sobretudo, os hábitos os

responsáveis pela sua aquisição. Se as virtudes do carácter se

adquirem pela natureza, pelos argumentos e pelos hábitos, importa

saber a quem é que a comunidade deve entregar a magna tarefa da

48

Page 49: O livro da nova educação do carácter

educação ética. Às famílias? Às escolas? A ambas? E qual é o papel

do Estado e das leis?

As respostas a estas perguntas são fundamentais e estão no

cerne da discussão milenar em torno de duas perspectivas que se

vêm digladiando ao longo dos séculos: a perspectiva comunitária e a

perspectiva individualista. A leitura de A Política e de a Ética a

Nicómaco leva-nos a crer que Aristóteles foi o mais importante

precursor da perspectiva comunitarista, afastando-se, claramente, da

perspectiva liberal individualista. Embora o filósofo seja um defensor

da propriedade privada, e nisso difere do que Platão escreveu em A

República), Aristóteles coloca limites à propriedade privada,

submetendo-a ao interesse comum. Aliás, toda a ética aristotélica

constitui a defesa da primazia do bem comum face aos interesses

particulares. Uma vez que a educação ética constitui uma tarefa

absolutamente necessária ao processo de aquisição das virtudes do

carácter pelas novas gerações, tal empreendimento não pode ser

deixado entregue apenas às famílias. Aristóteles defende que a

educação deve ser uma tarefa do Estado e que as Leis devem ser um

instrumento de promoção das virtudes do carácter, punindo, quando

necessário, os comportamentos considerados vis e exortando as

pessoas a obedecerem à rectidão, impondo os necessários correctivos

a quem se desviar dela.

O Estado é mais capaz de promover a educação do que os

particulares. É mais fácil o filho desobedecer ao pai do que ao Estado.

Os pais são os primeiros educadores dos filhos, mas não têm os

poderes de persuasão e de correcção que o Estado possui; logo, a

tarefa educativa tem de ser partilhada entre os pais e o Estado. Por

outro lado, Aristóteles reconhece que os Estados que negligenciaram

a tarefa educativa acabaram por criar as condições para que o povo

se afastasse das virtudes do carácter (2). Tal como as palavras e os

actos dos pais têm uma enorme influência nos filhos, também as leis,

normas e costumes de um Estado têm. Resulta daí que um Estado

49

Page 50: O livro da nova educação do carácter

com más leis presta um mau serviço à educação ética das novas

gerações. E o inverso também é verdadeiro. Embora Aristóteles

defenda a existência de uma educação pública, a cargo do Estado,

chama a atenção para os malefícios de uma educação massificada,

acentuando os benefícios de uma educação personalizada, ou seja,

que vá ao encontro das necessidades de cada pessoa.

Aristóteles afasta-se da perspectiva liberal, na medida em que

não partilha da ideia da sacralização da propriedade privada nem tão

pouco de um mercado completamente livre. Veja-se a propósito a

crítica que Aristóteles faz ao sistema dos juros (empréstimo de

dinheiro com o único objectivo de acrescentar dinheiro),

considerando-a uma actividade vil e imprópria. Ao invés, Aristóteles

toma partido por uma perspectiva comunitária, baseada na primazia

do bem comum e na subordinação dos interesses particulares aos

interesses comuns.

Nota

1) Aristóteles (1985). Nichomachean Ethics. (Introdução, tradução

e notas de Terence Irwin). Indianapolis: Hackett, 1179b

2) Idem, 118025

CAP 22 Ética da virtude e desenvolvimento moral

A Génese da Teoria Ética da Virtude

A preocupação com a educação do carácter, central na teoria

ética da virtude, desenvolveu-se, no Ocidente, desde o tempo de

Platão. A este respeito, justifica-se uma leitura aprofundada dos

diálogos Apologia, Crito e Gorgias, onde o filósofo de Atenas procede

a uma definição, nem sempre coincidente, dos conceitos de bem, de

felicidade e de prazer. Essas discrepâncias são uma constante na obra

de Platão e não contribuem para o seu enfraquecimento, porque

50

Page 51: O livro da nova educação do carácter

importa olhar para elas como produto de um processo de inquérito

racional em demanda de uma cada vez maior aproximação à

verdade. Nos diálogos Protágoras e Gorgias, nota-se, igualmente,

uma discrepância na definição do conceito de prazer (1) o qual, como

sabemos, é um conceito central para compreendermos a teoria ética

da virtude e, no fundo, todas as éticas teleológicas. Embora o termo

virtude pareça antiquado, as questões sobre o carácter da pessoa e a

excelência das práticas ocupam um lugar central na Ética. Essas

questões dizem respeito ao que uma pessoa boa deve ser e deve

fazer em situações reais de vida. Têm que ver com o carácter e com

a acção, não apenas nem sobretudo com o raciocínio, como alguns

modelos desenvolvimentistas e construtivistas pretendem. De entre

essas questões, há duas que têm a primazia: a questão da acção, ou

seja, “como devo agir?”; a questão do carácter, isto é, “que espécie

de pessoa devo ser?” Podemos fazer, aliás, uma analogia com o

sistema de justiça. Como pessoas a viverem num determinado país

depositamos a nossa vontade de justiça de duas maneiras: nas leis,

que proporcionam as regras necessárias para a vida em sociedade;

nas pessoas dos agentes da justiça, que aplicam a justiça. Do mesmo

modo, a ética da virtude baseia-se em teorias, que fundamentam e

justificam determinadas regras de conduta e na noção de virtude,

que proporciona a sabedoria necessárias para aplicar as regras a

casos particulares. Na concepção de Platão, as virtudes permitem-nos

lidar correctamente com as vantagens materiais da nossa vida, isto é,

fazer um bom uso delas. Quer isto dizer que bens do tipo “riqueza” e

“saúde” só são realmente valiosos se o indivíduo possuir, na medida

certa, as virtudes da justiça, da coragem e da temperança.

Aristóteles, na Ética a Nicómaco, definiu, com precisão o

conceito de virtude. Assim, a virtude (em grego, aretê) é uma

disposição voluntária que visa a excelência, a perfeição. O filósofo

distingue as virtudes intelectuais das virtudes morais. Enquanto as

segundas têm que ver com a sabedoria e o conhecimento, as

51

Page 52: O livro da nova educação do carácter

primeiras dependem do hábito. A pessoa virtuosa é aquele que sabe

o que faz, que escolhe deliberadamente seguir a conduta recta e é

capaz de repetidamente executar a rectidão com vontade inabalável.

O hábito da rectidão impele o virtuoso a uma disposição natural para

ser recto. O hábito é uma segunda natureza. Envolve sentimento e

acção. Os bons hábitos, aqueles que asseguram a acção virtuosa,

afastam-se do excesso e da deficiência. Procuram o justo meio. A

virtude anda, assim, associada ao justo meio. A força de carácter

exige que a pessoa encontre o equilíbrio certo entre dois extremos: o

excesso (ter algo em demasia) e a deficiência (ter demasiado pouco

de algo).

O justo meio significa harmonia e equilíbrio. A virtude é alguma

coisa que é praticada e aprendida. É um hábito (hexis). E é por isso

que Aristóteles, ao contrário de Sócrates, considerava que era

possível ensinar as pessoas a serem virtuosas. Sócrates e Platão

associavam inteligência ao exercício do Bem na medida em que o mal

era encarado como produto da ignorância. Se assim fosse, o

conhecimento e a inteligência seriam as qualidades que suportariam

a acção recta. Aristóteles afasta-se dessa concepção. Distingue

inteligência de sabedoria. A pessoa inteligente é a que conhece os

melhores meios para qualquer finalidade possível. A pessoa sabedora

é a que conhece quais são os fins que são estimáveis e dignos de

apreço. Então, a inteligência não permite, por si só, assegurar a

acção recta. A sabedoria, porque permite conhecer os fins estimáveis,

é uma qualidade essencial ao exercício da acção recta (2).

Central, também, na teoria ética aristotélica, é o papel dos

desejos no processo de tomada de decisões e de passagem à acção.

O filósofo faz uma distinção entre desejos bem ordenados e desejos

mal ordenados. As pessoas que conseguem controlar os desejos

desordenados são pessoas continentes. Daí a importância da

continência como uma virtude moral. As pessoas, cujos desejos são

bem ordenados, isto é, são ordenados em função do que é bom para

52

Page 53: O livro da nova educação do carácter

elas, são pessoas temperadas. Por último, há pessoas de vontade

fraca (akrasia), ou sejam indivíduos incapazes de controlarem os seus

desejos.

Se tivermos presentes as virtudes da continência e da

temperança, é fácil verificar a associação da virtude ao conceito de

justo meio. Vejamos: a força de carácter exige que a pessoa encontre

o equilíbrio certo entre dois extremos: o excesso (ter demasiado de

algo) e deficiência (ter demasiado pouco de algo). Uma pessoa

incapaz de ordenar desejos em excesso dificilmente consegue ser

virtuosa. Diremos o mesmo de alguém que é deficiente em desejos.

No primeiro caso, a pessoa tende a ser caprichosa e inconstante; no

segundo, insensível.

Outro aspecto importante na teoria ética de Aristóteles é a

unidade das virtudes. Para uma pessoa ter uma virtude de carácter,

em grande escala, também deve ter outras qualidades, em alguma

medida. Veja-se o caso da coragem. A coragem sem capacidade de

julgamento é cegueira. A coragem sem perseverança é apostar

apenas no curto prazo. A coragem sem um claro conhecimento das

nossas capacidades é uma forma de loucura.

Façamos, de seguida, uma breve visita a outras virtudes

constantes da paleta de Aristóteles e vejamos como elas se explicam

à luz da teoria do justo meio. A compaixão significa etimologicamente

sentir ou sofrer com o outro. O seu excesso paralisa, na medida em

que se constitui na síndrome de “o coração partido”. A sua deficiência

anda associada à “dureza de coração” e, portanto, à insensibilidade. A

virtude da compaixão ajuda-nos, também, a compreender o papel da

emoção na teoria ética aristotélica. Sendo a compaixão uma virtude

que anda associada à capacidade para sentir o sofrimento do outro,

ela vem carregada de emoção, a qual é necessária para que se

estabeleça uma ligação emocional que permita não apenas

reconhecer o sofrimento do outro, mas também partilhar com o outro

esse sofrimento, procurando dar resposta. O amor, uma virtude

53

Page 54: O livro da nova educação do carácter

essencial na constelação ética de Aristóteles, envolve sentir, conhecer

e agir. Quando se ama alguém, tem de se conhecer essa pessoa, tem

de se partilhar com ela sentimentos de ternura, cuidado, apreço e

respeito e tem de se agir de forma a promover o florescimento dessa

pessoa. Repare-se na existência de três componentes essenciais do

discurso ético: conhecimento, emoção e acção.

Vejamos, de seguida, outra virtude: o amor-próprio. Trata-se de

uma virtude que implica ter sentimentos de cuidado, apreço e

respeito por si próprio, valorar-se na justa medida e agir de forma a

promover o seu próprio florescimento. De novo, a presença do

conhecimento, dos sentimentos e da acção. De novo, a virtude

encarada como justo meio. O amor-próprio exige um meio-termo, um

ponto de equilíbrio entre o excesso e a deficiência. Em excesso,

confunde-se com arrogância e narcisismo. A sua deficiência implica

uma reduzida capacidade para sentir e uma tendência para a

autodepreciação.

A amizade é uma virtude central na teoria de Aristóteles. Na

Ética a Nicómaco, ocupa mais páginas do que qualquer outra virtude.

Ninguém escolhe viver sem amigos, ainda que tenha todos os outros

bens é uma afirmação que ressalta na leitura da Ética a Nicómaco. O

que é a amizade? Aristóteles dá-nos uma belíssima definição na

Retórica: “O amigo é aquele que partilha o teu prazer naquilo que é

bom e a tua dor naquilo que é desagradável, pelo teu valor intrínseco

e por mais nenhuma razão” (3). Aristóteles distingue três tipos de

amizade quanto aos fins. Amizade por utilidade, que acaba quando a

utilidade cessa: a amizade pelo prazer, que acaba quando a fonte de

prazer cessa; a amizade perfeita, que é a amizade que se baseia na

partilha de virtudes e em mais nenhuma razão (4).

Vejamos, por último, como é que a teoria da virtude se articula

com a definição que Aristóteles dá de felicidade (eudaimonia).

A teoria ética da virtude filia-se nas éticas teleológicas, ou seja,

subordina os processos deliberativos e as tomadas de decisão às

54

Page 55: O livro da nova educação do carácter

finalidades. Na teoria aristotélica, a finalidade última é a felicidade

(eudaimonia). Não se confunda, no entanto a eudaimonia com uma

estado de alma, com o “sentir-se bem”. Para os gregos antigos, a

eudaimonia significa ter uma vida bem sucedida. A eudaimonia não é

uma emoção, mas uma actividade que promove a excelência (5).

Dizer que a eudaimonia é uma actividade é o mesmo que dizer que

para que uma pessoa floresça, ela tem de agir de uma certa maneira

e não apenas sentir determinadas emoções. Florescer como pessoa

não é um estado de alma, mas sim um conjunto de actividades que

conduzem à excelência e ao sucesso. As virtudes intelectuais e

morais, quando bem exercidas, são um instrumento essencial nesse

processo de florescimento, ou seja, no processo que permite à pessoa

alcançar a eudaimonia.

Renascimento da teoria ética da virtude: Desenvolvimentos recentes

Elisabeth Anscombe (6) e Alasdair MacIntyre (7) são os

responsáveis pelo renascimento da teoria ética da virtude a partir do

último terço do século passado, depois de as éticas deontológicas

terem dominado o pensamento ético ocidental por mais de um

século.

Ascombe defendeu e justificou o carácter ininteligível da ética

deontológica e o seu desajustamento face à necessidade de agir bem,

ou seja, de agir com o objectivo de promover o florescimento da

pessoa e não em função de uma ideia apriorística do bem e do mal.

Para Ascombe, a virtude só faz sentido quando preenche

necessidades humanas. A ideia de agir, não para satisfazer um

desejo, uma necessidade ou um querer do indivíduo, mas porque é

eticamente correcto fazê-lo, deixou de ter sentido nos dias de hoje. E

tem tanto menos sentido quanto mais pluralistas e multiculturais são

as sociedades.

55

Page 56: O livro da nova educação do carácter

MacIntyre recolocou em cena a questão do pluralismo ético, ao

afirmar que não existe apenas uma tradição ética, no Ocidente, mas

várias. Somos perfeccionistas no desporto e nas artes, utilitaristas na

vida diária, lockianos quando se trata de respeitar o direito de

propriedade, cristãos quando idealizamos a compaixão, a caridade e a

igualdade e kantianos quando afirmamos o valor da autonomia da

pessoa e do respeito pelos direitos humanos. MacIntyre procura

responder à questão de “qual é o significado da vida?”, afirmando que

o significado depende da pessoa compreender que pertence a várias

tradições morais, as quais lhe permitem construir uma narrativa de

vida, que depende da existência de padrões de excelência e de

práticas apropriadas. A opção por determinados padrões de

excelência (virtude, no sentido que a palavra grega aretê possui) e de

práticas apropriadas depende não apenas das tradições éticas,

culturais e comunitárias (que influenciam o sistema de valores do

indivíduo), mas também das finalidades (telos) que o sujeito

estabelece para a sua vida. Na concepção da ética da virtude, o telos

é, acima de tudo, uma escolha pessoal, em função dos prazeres que

o indivíduo elege, no sentido de cumprir a sua noção do que é uma

vida boa, e em função das dores que ele pretende evitar. Sendo

assim, deixam de ter sentido as concepções apriorísticas do bem e do

mal, sejam elas informadas pelas éticas deontológicas, pelas noções

de cumprimento do dever, ou em obediência a quaisquer imperativos

categóricos ou mandamentos ancorados numa tradição religiosa.

Outro importante contributo de Alasdair MacIntyre foi a noção

de que existe uma relação, quase simbiótica, entre as tradições

culturais e éticas da comunidade e o indivíduo, pelo que as virtudes

só podem prosperar em comunidades de certo tipo. Há, portanto,

comunidades que favorecem a promoção das virtudes e há outras que

as dificultam, na medida em que diferentes tipos de comunidade

encorajam diferentes tipos de virtude ou, em casos extremos,

promovem o desenvolvimento de caracteres perversos.

56

Page 57: O livro da nova educação do carácter

Esta ênfase colocada no desenvolvimento do carácter, por

oposição aos modelos construtivistas que centram a discussão no

desenvolvimento do raciocínio moral, faz toda a diferença. Mas, para

percebermos a associação entre o desenvolvimento do carácter e a

acção moral, importa definirmos e caracterizarmos carácter. Ora, o

carácter não é o mesmo que personalidade, embora integre esse

conceito. Quando falamos em carácter de uma pessoa, estamos a

referir-nos a traços mais ou menos fixos, muitas vezes condicionados

geneticamente, e que muito dificilmente podem ser alterados. Para

um determinado tipo de carácter, nós podemos associar um

determinado tipo de personalidade e esperar um conjunto específico

de atitudes. Contudo, se o carácter fosse inteiramente fixado por

condicionantes genéticas, de nada valeria a educação ética e seria

completamente estéril estarmos a falar de metodologias promotoras

do desenvolvimento moral. Na verdade, o carácter pode sofrer

aperfeiçoamentos e MacIntyre dá-nos algumas sugestões nesse

sentido. É a esse aperfeiçoamento do carácter que a teoria ética da

virtude chama de desenvolvimento moral. A reflexão sobre as

consequências dos actos, a formação de bons hábitos, através de um

processo de “ethical guidance” e o envolvimento comunitário abrem

alguma margem de manobra para o aperfeiçoamento do carácter e,

como tal, para o desenvolvimento moral do sujeito.

Teoria ética da virtude e metodologias de promoção de valores

Vejamos, como é que a teoria ética da virtude se articula com a

promoção de valores e o desenvolvimento moral do aluno?

As metodologias de promoção de valores podem agrupar-se em

três tipos: as que se fundamentam nas teorias construtivistas, como

é o caso da metodologia de Lawrence Kohlberg, também chamada de

“comunidade justa”; as que se fundamentam nas teorias

personalistas, como é o caso da metodologia da clarificação de

57

Page 58: O livro da nova educação do carácter

valores; e as que se fundamentam na teoria ética da virtude, como é

o caso da metodologia dos 3 Es (8).

A fundamentação teórica do método dos 3 Es é, sem dúvida, a

teoria ética da virtude. Toda a metodologia gira em torno de três

estratégias (exortação, exemplo e envolvimento) e cinco objectivos

(usar os conteúdos para desenvolver o raciocínio moral; estimular a

cooperação; desenvolver o sentido da responsabilidade; superar os

conflitos sem violência; promover uma ética do cuidar).

O professor assume-se como mentor e modelo e um

dinamizador da reflexão ética em torno de grandes narrativas. Os

papéis do professor explicam-se pelo facto de o método dos 3 Es

considerar que o conhecimento moral exige: reflexão, formulação de

juízos e processo de escolha (cálculo racional, deliberação e acção).

Os valores éticos percorrem todo o currículo de forma transversal,

não sendo de aconselhar a existência de uma disciplina específica

para ensinar ética. O ambiente da escola é determinante para o

desenvolvimento moral do aluno e um dos principais instrumentos é o

código de conduta escolar. São as autoridades escolares e os

professores os responsáveis pela elaboração, aprovação e

implementação do código de conduta, o qual toma uma opção clara

pelo reforço da autoridade do professor, reconhece a importância da

linguagem moral e do hábito no processo de desenvolvimento moral.

Lickona considera que existem três componentes no bom carácter: o

conhecimento moral, o sentimento moral e a acção moral. O

conhecimento exige reflexão, compreensão, formulação de juízos

morais e processos de escolha. O sentimento exige auto-estima,

empatia, afecto e saber colocar-se no lugar do outro. A acção exige

vontade e hábito. São, assim, estas as dimensões fundamentais de

qualquer programa de desenvolvimento moral preocupado, não

apenas como o desenvolvimento do raciocínio, mas sobretudo com o

desenvolvimento do carácter e da acção moral.

58

Page 59: O livro da nova educação do carácter

Notas

1) Annas, J. (2003). Plato: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford

University Press

2) Sherman, N. (1998). Aristotle`s Ethics. Oxford: Rowman and

Littlefield Pub

Aristóteles (1998). Retórica. Lisboa: Imprensa Nacional

3) Aristóteles (1998). Retórica. (Tradução e notas de Manuel Júnior,

Paulo Alberto e Abel Pena). Lisboa: INCM, Livro II, 4; 1380b36-1381ª

5

4) Aristoteles (1985). Nicomachean Ethics. (Introdução e notas de

Terence Irwin). Indianapolis: Hackett PC

5) Barnes, J. (2000). Aristotle: A Very Short Introduction. Oxford:

Oxford University Press

6) Ascombe, G. (1958). “Modern moral philosophy”. In Philosophy.

33, 1-19

7) MacIntyre, A. (1984). After Virtue. Indiana: University of Notre

Dame e (1990). Three Rival Versions of Moral Inquiry. Indiana:

University of Notre

8) Lickona, Th. (1991). Educationg for Character: How Our Schools

Can Teach Respect and Responsibility. Nova Iorque: Bantam Books

CAP 23 O prazer e a dor na educação do carácter

59

Page 60: O livro da nova educação do carácter

Aristóteles dedica uma parte do Livro X da Ética a Nicómaco à

relação entre o prazer e a dor e a educação do carácter. O prazer é de

uma grande importância ética na teoria da virtude. A dor também. A

extrema importância do prazer resulta do facto de que as pessoas

tendem a fazer aquilo que lhes dá prazer e a evitar o que lhes dá dor.

Os humanos são atraídos pelo prazer. Acontece o mesmo com os

outros animais. Essa aprece ser uma lei comum a todos os seres

vivos. Esse facto leva Aristóteles a afirmar que uma pessoa com um

bom carácter é a que é capaz de tirar prazer e dor das coisas certas.

Uma pessoa que tira prazer das coisas erradas, ou seja, que sente

prazer a fazer o que está errado, é uma pessoa intemperada. Diz-se

que é temperada uma pessoa que é capaz de tirar prazer das coisas

certas e dor das coisas erradas. A temperança é, pois, uma virtude

essencial à vida boa e à felicidade porque é a virtude que permite um

uso moderado dos prazeres. Apesar da sua importância, caiu em

desuso e são poucos os professores e pais que a incluem na sua

linguagem do dia-a-dia. A pobreza da linguagem moral de muitos

pais e professores tem efeitos negativos na educação do carácter das

novas gerações. Importa recordar que a educação do carácter se faz

pelos argumentos, pelo exemplo e pelo hábito.

Há muitas décadas que a relação entre prazer e dor e educação

do carácter deixou de fazer parte da linguagem moral dos pais e

professores. Os mass media tendem a enfatizar a relatividade dos

prazeres e das dores, havendo cada vez mais pessoas que pensam

que se trata de uma matéria de gosto pessoal. Essa relativização dos

prazeres e das dores tem efeitos extremamente negativos na

educação do carácter das novas gerações. Sem referenciais éticos e

normativos, as crianças e os jovens sentem-se perdidos e confusos

no seu processo de valoração. Os jovens crescem a pensar que todos

os actos que dão prazer são correctos e não aprendem a usar a

virtude da temperança, sem a qual ficam incapazes de fazer um uso

moderado dos prazeres. É evidente que há prazeres que são

60

Page 61: O livro da nova educação do carácter

prejudiciais para o agente. O consumo do tabaco, da cocaína ou da

heroína podem dar um prazer momentâneo, mas ninguém é capaz de

negar os seus malefícios a médio e longo prazo. A comida é, regra

geral, fonte de prazer; contudo, o excesso de alimentos pode causar

obesidade e ser potenciador de doenças. Se as crianças e os jovens

não aprenderem a fazer um uso moderado dos prazeres, dificilmente

serão capazes de cultivar as virtudes do carácter.

Por último, importa referir o potencial educativo das dores. É

próprio dos humanos serem atraídos pelos prazeres e sentirem

repulsa pelas dores. Assim é porque as dores causam desconforto,

tristeza e depressão. Contudo, é importante saber como resistir às

dores. Por mais protegidos e afortunados que sejamos, todos nós

somos, mais tarde ou mais cedo, atormentados pelas dores. Pode ser

a morte de um familiar que nos causa a dor, uma doença, um

fracasso no trabalho, uma perda de amor ou qualquer outra coisa. As

pessoas corajosas e resilientes estão melhor equipadas para

ultrapassar as dificuldades e os fracassos. Só é possível aprender a

resistir às dores, através do exemplo e da experiência directa. A

virtude da coragem aprende-se dessa forma. O problema é que as

crianças vivem, regra geral, imersas num mundo que enfatiza os

prazeres de uma forma imoderada e raramente lhes são dadas

oportunidades para aprenderem com as dores. Em consequência,

torna-se muito difícil a aprendizagem da coragem e sem essa virtude

é mais provável desistirmos à primeira dificuldade. Com a

aprendizagem da coragem ausente das nossas famílias e escolas,

estamos a educar as crianças num ambiente que potencia o fácil, o

efémero e o que não exige esforço. Contudo, o mundo onde os

nossos jovens estão prestes a entrar é tudo menos fácil. Ao invés,

corre o risco de ser tornar cada vez mais competitivo, cruel e

desumano.

CAP 24 A felicidade e a amizade andam associadas

61

Page 62: O livro da nova educação do carácter

A felicidade e a amizade andam associadas, a tal ponto que é

possível afirmar que, sem amigos, não podemos ser felizes. Se

tivermos de optar entre uma vida sem amigos, mas rodeados de

riqueza, e uma vida frugal, com muitos amigos, a nossa escolha vai,

sem dúvida, para a segunda opção. Ao longo das muitas visitas de

trabalho a países africanos, pude verificar que uma das principais

razões da alegria estampada nos rostos das pessoas era, sem dúvida,

a amizade abundante. Em S. Tomé e Príncipe, é raro ver-se alguém

sozinho. Os amigos estão presentes na vida das pessoas a toda a

hora. A amizade é uma virtude abundante e muito prezada. Quando

alguém tem um problema, sabe que pode contar com os amigos. Em

sociedades com forte tradição comunitária, estão reunidas todas as

condições para a gestação e crescimento da amizade: há tempo para

estar com os amigos, a entreajuda é um instrumento de

sobrevivência, a frugalidade dos bens materiais não desvia a atenção,

tempo e energia das pessoas para actividades não essenciais e os

processos de alienação e de criação de falsas necessidades não

condicionam a vida das pessoas.

Quando se tem amigos e se tem tempo para estar com eles e

para partilhar actividades e projectos comuns, torna-se difícil a

criação de falsas necessidades. Alguns dos males da vida

contemporânea nas sociedades materialmente desenvolvidas são

originados pela ausência de condições para a gestação, o crescimento

e a manutenção das amizades. Em sociedades onde tudo é

descartável e com um prazo de validade de curta duração, não há

condições para a manutenção das amizades e das relações afectivas.

Sem amigos e sem tempo para estar com eles, as pessoas estão mais

sujeitas a serem condicionadas pelos processos de alienação: vêem

televisão, nomeadamente reality shows, horas a fio, tomam as

refeições a olhar para a televisão e dedicam os seus tempos livres a

fazerem compras em centros comerciais. Nas sociedades

62

Page 63: O livro da nova educação do carácter

materialmente desenvolvidas, a televisão é o substituto da amizade.

Contudo, ao contrário dos amigos, que proporcionam experiência

directa, que geram alegria e que se entreajudam, a exposição,

durante horas a fio, à televisão constitui o mais poderoso instrumento

de alienação que a Humanidade já conheceu. É graças a ela que

muitas pessoas se endividam excessivamente, abandonam a sua

herança cultural, se tornam escravas do consumismo e se isolam

ainda mais dos outros. Para além de ser um pobre substituto da

experiência directa e dos amigos, a televisão constitui um opiáceo

com efeitos devastadores a todos os níveis: contribui para o aumento

da obesidade na infância e adolescência, é um poderoso agente de

inversão dos valores (veja-se os valores transmitidos pelos reality

shows e pela maior parte das telenovelas) e condiciona a nossa

mente e os nossos desejos a ponto de sermos levados a comprar o

que não queremos e a desejarmos o que não nos faz falta.

A ausência de televisão em muitas comunidades africanas, pelo

menos nas doses maciças a que nos habituámos a ter nas sociedades

materialmente desenvolvidas, constitui um bem extraordinário que

importaria manter, não confundindo progresso com alienação, nem

felicidade com desenvolvimento material. Sem televisão, as pessoas

estão mais predispostas para estarem juntas, para interagirem, para

conversarem, dedicando tempo umas às outras, num processo de

construção de narrativas, onde a comunidade mantém os seus elos

agregadores. Não se compreende, por isso, nem se pode aceitar, que

os Estados mantenham a funcionar, à custa dos contribuintes, cadeias

de televisão pública. É tão inaceitável um Estado financiar, à custa

dos contribuintes, canais de televisão como, por exemplo, assegurar

a distribuição e o fornecimento de drogas pesadas aos jovens. No

fundo, o negócio é o mesmo, porque os reality shows e telenovelas e

em geral as programações dos diversos canais generalistas não

passam disso mesmo: drogas duras.

63

Page 64: O livro da nova educação do carácter

CAP 25 O telelixo é uma droga pesada

A Holanda é, há várias décadas, o maior entreposto europeu de

fabrico e distribuição de drogas sintéticas. Milhares de jovens

portugueses e de outras nacionalidades, seduzidos pelas políticas

liberais holandesas, ali perderam a vida ou regressaram aos seus

países carregando para toda a vida o fardo da esquizofrenia. No meu

círculo de colegas de liceu, houve dois que morreram de overdose,

em Amesterdão, e quatro que regressaram a Portugal com psicoses

graves. E a tragédia continua. Agora, são os filhos adolescentes e

jovens adultos dos meus amigos e colegas a sofrerem esse pesadelo.

A Holanda é a sede do maior grupo europeu de produção de

telelixo. A Endemol, com sede na Holanda e filiais em quase todos os

países europeus, concebe e produz a maior parte dos concursos,

reality shows e novelas da vida real que enchem o horário nobre dos

canais televisivos generalistas.

O telelixo é constituído por todo o tipo de conteúdos para

televisão que a) imbeciliza as pessoas; b) as torna insensíveis à dor,

à violência e à crueldade; c) lhes cria falsas necessidades que se

tornam prejudiciais à saúde e à vida boa; d) lhes transmite versões

distorcidas e falsas da realidade e; e) lhes inculca contravalores.

Quase todo o prime-time dos canais generalistas, que vai desde as 18

horas até às 22 horas, é preenchido com conteúdos que cumprem

uma ou mais das condições descritas atrás. Os próprios noticiários

não escapam, muitas vezes, à designação de telelixo, sobretudo

porque cumprem, demasiadas vezes, as condições b) e d). Com

efeito é cada vez mais comum a abertura dos noticiários com a

notícia e a exploração exaustiva dos crimes de cariz sexual, bem

como dos crimes de assalto à mão armada e homicídio. Uma análise

do tempo dedicado pelos noticiários dos canais generalistas (RTP, SIC

e TVI) aos crimes violentos, mostra-nos que esse tipo de

acontecimentos tem vindo a ter cada vez mais destaque, agravado

64

Page 65: O livro da nova educação do carácter

pela técnica da repetição da notícia, que é dada aos poucos e de

forma recorrente ao longo de todo o noticiário.

As crianças portuguesas vêem, em média, 3 horas de televisão

por dia. Há muitas crianças que se expõem ao telelixo durante mais

de 5 horas, aos fins-de-semana. Para além dessa exposição, há que

acrescentar o tempo que crianças e adolescentes passam a navegar

em websites e salas de chat, que são, também, distribuidores de lixo,

ou se quisermos um nome mais apropriado, distribuidores de veneno

para a mente.

Os efeitos devastadores da exposição ao telelixo não são

menores do que as consequências do consumo de drogas pesadas e

atingem um universo muito maior. É por isso que eu digo que o

telelixo é uma droga pesada. Da mesma forma que os pais devem

fazer tudo o que lhes for possível para afastar os seus filhos da

cocaína, da heroína, do ice e do ecstasy, também devem fazer um

esforço idêntico para os impedirem de consumir telelixo. Se eu

tivesse de seleccionar uma das cinco mais importantes medidas para

proteger a educação familiar das crianças e adolescentes, eu

colocaria em grande destaque a redução do tempo de exposição à

televisão.

Infelizmente, os proprietários, editores e directores de

programas dos canais de televisão que preenchem o seu prime-time

com telelixo não são alvo de censura social; antes, são vistos e

apresentados como celebridades e empresários de sucesso e há até

prémios especiais para celebrar os que conseguem atingir maiores

níveis de audiência. Contudo, os efeitos do telelixo na mente, no

carácter e na vida das crianças e jovens podem ser devastadores.

Não menos devastadores do que o consumo de drogas pesadas. As

drogas pesadas são veneno para o corpo. O telelixo é veneno para a

mente.

65

Page 66: O livro da nova educação do carácter

CAP 26 O que as crianças e os jovens realmente precisam

O carácter de uma pessoa é o resultado de um complexo e

multifacetado processo de construção. Ninguém tem o poder de,

sozinho, formar o carácter de outra pessoa. Uma pessoa pode

contribuir, por omissão ou por acção, mas não mais do que isso. É por

isso que os pais não devem sentir-se culpados pelo facto de,

porventura, os seus filhos possuírem um mau carácter. Podem e

devem fazer um exame de consciência sobre o que falhou, mas

devem estar conscientes de que um mau resultado pode ter sido

originado por múltiplos factores, a maior parte dos quais exteriores à

família. Apesar disso, o papel dos pais na educação do carácter dos

filhos não pode ser negligenciado. Há muita coisa que podem fazer e

há muita coisa que devem evitar.

A primeira coisa que devem fazer é serem ouvintes atentos. Na

tarefa de educar um filho, a distracção dos pais pode ter

consequências nefastas. Ouvir atentamente significa estar desperto

para identificar e compreender os indícios daquilo que corre mal, de

forma a intervir a tempo de evitar males maiores. Significa, também,

dar a palavra aos filhos, num processo de comunicação nos dois

sentidos. Partilhar as refeições, com tempo e calma, sem o televisor

por perto, é uma forma excelente de promover a comunicação.

Os pais devem ser uma fonte de inspiração para os filhos. Na

era dos reality shows, das novelas da vida real e da MTV, as crianças

e os jovens estão constantemente a ser inspirados por maus

exemplos. O culto das celebridades substituiu o apreço pelos heróis.

Os valores veiculados por esses media são, sobretudo, o culto do

efémero e da facilidade, o individualismo e a ostentação. O efeito

devastador que a exposição continuada ao telelixo tem nas mentes

das crianças e dos adolescentes é incomensurável. Importa, por isso,

que os pais sejam capazes de encontrar fontes de inspiração

alternativas, capazes de contrariar o crescente cinismo, niilismo,

66

Page 67: O livro da nova educação do carácter

relativismo radical, individualismo e egoísmo reinante nas sociedades

materialmente desenvolvidas. Nas sociedades com forte sentido

comunitário, as fontes de inspiração mantêm relações de proximidade

com as crianças e os jovens, proporcionando-lhes o acesso aos

exemplos e à experiência directa. Nas sociedades materialmente

desenvolvidas, marcadas por um forte sentido de individualismo,

separação, descontinuidade e egoísmo social, torna-se mais difícil o

contacto com fontes de inspiração que assegurem o acesso aos

exemplos e à experiência directa. A tendência crescente para o filho

único não ajuda em nada a inverter essa situação.

O amor é um dos factores mais importantes de promoção do

carácter. As crianças não conseguem um desenvolvimento equilibrado

se não forem imersas, desde cedo e de forma continuada, num

ambiente onde haja amor. Quando falta o amor em casa, as crianças

e os adolescentes vão procurá-lo nos sítios errados. Uma das razões

para o envolvimento precoce dos adolescentes em actividades

sexuais é a falta de amor em casa.

As crianças precisam de ambientes estruturados para poderem

crescer saudavelmente. Há pais e professores que confundem o

produto com o processo. Embora o objectivo de longo prazo seja

ajudar a desenvolver mentes abertas, livres e autónomas, esse

resultado atinge-se melhor com a criação de ambientes educativos

estruturados, onde os pais e os professores dispõem de autoridade e

exercem a autoridade. Infelizmente, há muitos pais e professores que

pensam que a moralidade convencional e as tradições são sempre

opressivas e devem ser substituídas pelo desregramento moral. Há

muitos pais que não sabem, não têm tempo ou não querem usar a

autoridade. O mesmo se passa com alguns professores. Infelizmente,

décadas de políticas educativas erradas têm vindo a retirar a

autoridade aos professores, fazendo com que lhes seja cada vez mais

difícil e penosa a criação de ambientes educativos onde haja normas,

respeito pelas regras e penalizações para os infractores.

67

Page 68: O livro da nova educação do carácter

CAP 27 Princípios Básicos da Nova Educação do Carácter (adaptado Por

Eduardo Nuno Fonseca de I. Menezes, 1999; Lickona, 1996)

Apresenta-se, de seguida, os princípios básicos da Nova Educação de

carácter agrupados numa grelha com duas colunas, uma para os princípios,

outra para as estratégias, com o objectivo de proporcionar uma leitura mais

clara e mais imediata desta proposta pedagógica.

Princípios Estratégias1. A formação do carácter promove valores éticos nucleares (cuidado, honestidade, justiça, responsabilidade, respeito por si próprio e pelos outros) como a base do bom carácter.

Os valores nucleares devem ser objecto de afirmação pública, definição em termos comportamentais, modelagem, estudo e discussão, exigência de padrões de conduta consistentes.

2. O carácter deve ser definido de forma abrangente para incluir pensamentos, sentimentos e comportamentos.

Ajudar os alunos e outros membros da escola a conhecer o bem, valorizá-lo e agir em consonância.

3. Uma formação do carácter eficaz requer uma abordagem intencional, pró-activa e abrangente que promova os valores nucleares em todas as fases da vida escolar.

O programa deve envolver: o exemplo dos professores, a política disciplinar, o currículo académico, o processo de ensino e de avaliação, a gestão da escola.

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Page 69: O livro da nova educação do carácter

4. A escola deve ser uma comunidade de cuidado.

A vida da escola, na sala de aula e fora da sala de aula, deve estar imbuída dos valores nucleares.

5. Para desenvolver o carácter, os estudantes necessitam de oportunidades de acção moral.

Criar oportunidades práticas de desenvolvimento do carácter, através da aprendizagem cooperativa, do trabalho comunitário, dos debates na aula.

6. Uma formação de carácter eficaz inclui um currículo académico significativo e desafiante que respeita os alunos e os ajuda a ter sucesso.

Uso de métodos activos: aprendizagem cooperativa, técnicas de resolução de problemas, trabalho de projecto, temas transversais, respeitando a forma como o aluno aprende.

7. A formação do carácter deve visar desenvolver as motivações intrínsecas dos alunos.

Promover o compromisso intrínseco do aluno para com os valores nucleares, especialmente através dos procedimentos disciplinares.

8. Os profissionais da escola devem tornar-se uma comunidade moral em que todos partilham a responsabilidade pela formação do carácter e tentam aderir aos mesmos valores nucleares que guiam a educação dos alunos.

Todos os profissionais da escola devem estar envolvidos no programa, na sua discussão e na sua implementação; as regras e os valores que orientam a vida dos alunos são também válidos para os profissionais; a escola deve providenciar ocasiões de reflexão sobre temas morais.

9. A formação do carácter requer uma liderança moral tanto dos profissionais como dos alunos.

Exercício de uma liderança do programa pelos profissionais da escola, com responsabilidades quanto à elaboração e implementação; possibilidades dos alunos exercerem papéis de liderança.

10. A escola deve recrutar os pais e os membros da comunidade como parceiros integrais no esforço de construção do carácter.

Reconhecer o papel dos pais como protagonistas na educação moral dos seus filhos, envolvendo-os directamente no programa; pedir o apoio de organizações da comunidade.

11. A avaliação da formação do carácter deve incluir o carácter da escola, o funcionamento dos profissionais como educadores morais e o grau em que os alunos manifestam bom carácter.

Questões a abordar: o carácter da escola, a evolução dos profissionais como educadores do carácter; o carácter dos alunos (incluindo os três domínios do carácter).

69

Page 70: O livro da nova educação do carácter

CAP 28 Recomendações para a criação de programas de Nova

Educação do Carácter

Eduardo Nuno Fonseca

A Nova Educação do Carácter é uma abordagem que implica o esforço

deliberado de cultivar a virtude através da formação de bons hábitos,

despertando na mente e no coração dos alunos novos trilhos e a

direcção correcta. É uma metodologia pedagógica compreensiva,

transversal, planeada, desenvolvendo nos alunos o conhecimento,

competências e habilidades que permitam escolhas e acções

ponderadas e responsáveis, no contexto de uma escola pública

inserida em sociedades pluralistas e multiculturais.

A Nova Educação do Carácter (NEC) visa atravessar todos os

momentos da vida escolar com uma tónica relacionada com a

Formação Pessoal e Social e pretende envolver todos aqueles que

possam dar um contributo válido na prossecução desse propósito, ou

seja, em particular todas as referências humanas aptas e sensíveis a

esse intento. Este capítulo contempla algumas recomendações do

foro curricular (uma das facetas da abordagem escolar global)

baseadas na NEC (Nova Educação do Carácter). No âmbito curricular

formal apresentaremos algumas iniciativas que as disciplinas e os

respectivos docentes poderão contemplar no seu quotidiano

pedagógico, a saber: Currículo Centrado em Valores, Uso da

Literatura, Exercício sobre Qualidades Humanas, Actividades de

Expressão Escrita e Reunião de Turma.

Currículo Centrado em Valores

Todas as disciplinas deverão estar impregnadas de valores. No âmbito

curricular, recomendamos que, nas diversas disciplinas, sejam

promovidos espaços de reflexão e de diálogo emanados dos

70

Page 71: O livro da nova educação do carácter

conteúdos específicos que ilustrem, aludam e que convidem à análise

e à apreciação de determinadas virtudes. Numa perspectiva

transversal, quer nas aulas de ciências sociais e humanas, quer

através das designadas disciplinas duras (ciências, físico-química,

matemática) as considerações éticas e morais de cada tema e área

(caso seja apropriado) devem ser discutidas abertamente.

Igualmente, devem ser explicados em que medida hábitos como a

responsabilidade, coragem, perseverança e zelo são requeridos para

se ser um aluno bem-sucedido no domínio em consideração. As

regras da sala de aula e os trabalhos de casa devem reflectir esses

princípios. Recomendamos o uso frequente do ensino cooperativo, de

forma que os alunos incorporem o hábito de entreajuda. A

compreensão por parte dos alunos de que a ética não está confinada

a uma área específica e que o domínio em consideração não é

desprovido de uma faceta moral, é de suma importância no

desenvolvimento pessoal dos alunos. De uma ou outra forma, os

direitos e as responsabilidades do cidadão devem ser revisitados,

explanados e debatidos regularmente pelas diversas disciplinas. O

repto de como o aluno pode fomentar e concretizar hábitos de

cidadania activa e responsável deve ser um elemento constante na

interacção pedagógica.

Relativamente à especificidade de cada disciplina, cabe ao docente

poder planificar didáctica e pedagogicamente intervenções baseadas

nos conteúdos e nas competências relacionadas com o programa

disciplinar, assim como relacioná-las, quando possível, com o

contexto cultural e social dos próprios alunos. Concretamente, eis

uma breve exemplificação de como um conteúdo na disciplina de

Matemática pode ser apresentado de forma relevante e como pode

suscitar a reflexão e a imaginação moral e ser um meio privilegiado

de questionamento em práticas e condutas.

Concretização em Matemática. No 9º ano de escolaridade, logo no

primeiro tema, com a noção de probabilidade, alguns objectivos

71

Page 72: O livro da nova educação do carácter

específicos são delineados, a saber: a) reconhecimento que em

determinados acontecimentos há um grau de incerteza; b)

compreensão e uso das escalas de probabilidade de 0 a 1 ou de 0% a

100% e usar conscientemente as expressões muito provável,

impossível, quase improvável, equiprovável.

Uma das estratégias que podem ser aplicadas no âmbito da Formação

Pessoal e Social consiste na utilização, no contexto da sala de aula,

de notícias mediáticas pertinentes e interessantes para o escalão

etário em questão, contemplando matérias emocionalmente

significativas e que se encontram articuladas com as experiências

quotidianas dos adolescentes e que possam contribuir para os

seguintes objectivos específicos: a) promover uma sensibilização no

quadro de referências pessoais dos alunos em relação às

consequências que os seus actos (em sentido lato) têm na

configuração da sua própria vida; b) criar oportunidades para

informação e sensibilização em relação a assuntos relevantes; c)

conferir espaços que eventualmente possam permitir aos alunos

abertura e confiança, para expressarem alguma questão que os

inquieta, ou permitir aos professores identificarem sinais de

preocupação em algum aluno.

Um exemplo recente. A trágica morte de Francisco Adam de acidente

de automóvel (16 de Abril de 2006), sem razão aparente, após uma

noite na discoteca, com ingestão de álcool e de consumo de cocaína1,

teve um enorme impacto emocional nos adolescentes que

acompanham fielmente os Morangos com Açúcar. Levanta-se a

questão em relação ao porquê do acontecido? A maioria dos alunos

associa tal trágico acontecimento a um “exclusivo assustador azar”. O

professor, na conversa gerada não deve perder o foco de questionar

em que medida o acontecido foi puramente desprovido de

relacionamento com alguma coisa já realizada ou permitida. O seu

1 A temática do consumo de drogas, mormente a cocaína, constitui um tema premente dado que, segundo os últimos dados (2005), do relatório do Instituto da Droga e da Toxicodependência, tem-se registado a prevalência do consumo desse estupefaciente nas populações escolares.

72

Page 73: O livro da nova educação do carácter

acidente sem razão aparente não pode ser dissociado dos resultados

da autópsia: o consumo de cocaína, a qual aumenta a sensibilidade à

luz (potenciando situações de encadeamento), devido à dilatação das

pupilas, e ainda provoca um excesso desmesurado de adrenalina e de

confiança. Os alunos devem ter conhecimento de que, por muito

prazer momentâneo, euforia e desinibição geradas, com a habituação

à droga torna-se impossível sentir prazer com qualquer outro tipo de

estímulo, além de outros efeitos nocivos (potencia o consumo

compulsivo, depressão, ideias suicidas e paranóicas, ansiedade e

irritabilidade). E numa condução, ou em situação similar, pode

aumentar exponencialmente a possibilidade de ocorrência, ou

utilizando a linguagem probabilística, ser um acontecimento

substancialmente provável.

Tal notícia convoca o professor no decurso da reflexão em conjunto (e

com o auxílio de ferramentas didácticas específicas), paralelamente

com a faceta científica, a sublinhar que a probabilidade é um

continuum, na quantificação da incerteza em relação a fenómenos

aleatórios ou que ainda se realizarão no futuro. Desde o

acontecimento nulo (0%) até ao acontecimento certo (100%), as

nossas decisões, práticas, abusos ou omissões, podem contribuir para

o aumento ou diminuição da possibilidade de ocorrência. O docente

deve desmistificar a ideia errada e nociva para a constituição de uma

cidadania informada, de que toda a sorte de situações que ocorrem

na vida de alguém estão totalmente dependentes daquilo que

prosaicamente se denomina sorte e azar.

O alvo é desafiar e contribuir para a formação sadia do quadro de

referências dos alunos no que concerne à responsabilidade pelos seus

actos, particularmente no que concerne às repercussões de um

hedonismo individualista sem limites. Levar os alunos a

compreenderem que, salvaguardando-se a imprevisibilidade

associada ao próprio percurso humano, em determinas áreas da vida,

são responsáveis (através do complexo de acções, omissões e

73

Page 74: O livro da nova educação do carácter

atitudes), pela variável que também incorporará a equação complexa

que estabelecerá o futuro (imediato e seguinte).

Considerações finais. Nas diversas disciplinas, os professores podem

convidar ex-alunos já formados e que estejam a exercer uma

cidadania consistente e interventiva, para testemunhar sobre a sua

experiência de vida e acerca das competências que os tornaram bem-

sucedidos e também hábitos que lhes criaram problemas. Em termos

globais, quer utilizando pessoas convidadas, análise de literatura,

visionamento de filmes, a sequência didáctica a seguir, em qualquer

um dos casos, deve ser iniciada pela exposição do modelo

representado. Depois procede-se à discussão alargada entre alunos e

professores acerca dos aspectos relevantes observados; a atenção

sobre cenas mais expressivas deve ser contemplada; não descurar

finalmente, a indicação dos benefícios obtidos com a conduta

exemplar do modelo para si próprio e para a sociedade e a imitação

ou compromisso de imitação. Vejamos em concreto, de seguida, a

utilização da literatura, de biografias, de um exercício sobre

qualidades humanas e duas actividades de expressão escrita. São

apenas exemplos de como actividades concretas podem realizar-se

no âmbito da abordagem da NEC no domínio da Formação Pessoal e

Social.

Uso da Literatura

As histórias têm sido reconhecidas extensivamente pela investigação

psicológica como pilar importante no desenvolvimento moral das

pessoas, sendo explicações vívidas que operam ao nível da

imaginação, tornando-se parte permanente da vida, um meio

privilegiado para transmitir e sustentar uma cosmovisão (1). As

histórias, as narrativas multiculturais e pessoais que visaram o bem

comum, os poemas, as lendas, a literatura clássica e outros tipos de

escritos visam a aquisição de literacia moral, pelo menos ao nível de

um patamar mínimo.

74

Page 75: O livro da nova educação do carácter

Eis um exemplo de um trecho literário que convoca à reflexão,

nomeadamente a esfera do Cuidado, Responsabilidade e Respeito

parental: What a Baby Costs (Edgar Guest), integrado no The Book of

Virtudes, de William Bennet (2). Nunca é demasiado cedo para ir

causando a impressão aos mais novos, das responsabilidades

inerentes da maternidade e da paternidade, contribuindo para

poderem no futuro ser os melhores pais possíveis. Uma das temáticas

que certamente derivaria do decurso da análise e reflexão do poema

proposto seria algum aspecto concernente à Educação Sexual. Ora

num país como Portugal, que tem a segunda taxa mais alta de

gravidezes de adolescentes na União Europeia, e onde o assunto da

Educação Sexual tem suscitado inclusive variadas intervenções,

parece-nos de especial relevância trazer junto dos alunos espaços

efectivos de ponderação sobre assunto tão pertinente, em particular

no grupo etário do 3º ciclo de escolaridade da Educação Básica. No

ano de 2004, a temática da Educação Sexual como vertente

educativa convocou à praça pública inúmeras intervenções, existindo

uma polémica polarizada entre aqueles que eram considerados

exclusivamente a favor dos métodos contraceptivos e os que eram

acusados de apoiar a abstinência. Assim, a possibilidade da Educação

Sexual ficar confinada a um exclusivo patamar de minimização ou de

precaução, denunciando o niilismo substantivo formativo proposto,

demonstra a urgência de um currículo permeado de valores no

enquadramento da NEC. Eis o poema:

75

Page 76: O livro da nova educação do carácter

Proposta de Actividade: no âmbito da disciplina de inglês traduzir o

poema para português, certificando que todo o aluno compreende o

teor do mesmo, enriquecendo a esfera didáctica e científica dos

objectivos e competências disciplinares da língua inglesa. Depois,

num primeiro momento, procede-se à leitura individual, sendo

fundamental que as questões principais sejam identificadas por todos

os alunos. Só depois se procede à reflexão individual, para que todos

os alunos pensem e elaborem a sua posição, solicitando-se que o

façam por escrito. O segundo momento é constituído pela elaboração

de pequenos grupos, onde as diversas questões propostas e os

respectivos argumentos aduzidos pelos diversos membros de cada

grupo serão compartilhados. Cada grupo terá um porta-voz que

resumirá os comentários mais substanciais e permitirá que todos os

alunos da turma possam escutar e interagir, gerando um processo

dialógico válido no aprofundamento das posições.

Questões propostas: a) quais as evidências de cuidado no poema?; b)

que situações demonstram responsabilidade no tratamento do bebé?

que consequências existiriam se não fossem providenciados?; c) “But

every one is worth it all”: tal expressão substancia que faceta

humana? porquê? d) como é possível conciliar aparentes eixos

contraditórios (alegria/bem-aventurança) com (lágrimas/dor)? e)

“How much do babies cost?” said he

The other night upon my knee;

And then I said: “They cost a lot;

A lot of watching by a cot,

A lot of sleepless hours and care,

A lot of heartache and despair,

A lot of fear and trying dread,

And sometimes many tears are shed

In payment for our babies small,

But every one is worth it all.

“For babies people have to pay

A heavy price from day to day-

There is no way to get one cheap.

Why, sometimes when they’re fast asleep

You have to get up in the night

And go and see that they’re all right.

But what they cost in constant care

And worry, does not half compare

With what they bring of joy and bliss-

You’d pay much more for just a kiss.

“Who buys a baby has to pay

A portion of the bill each day;

He has to give his time and

thought

Unto the little one he’s bought.

He has to stand a lot of pain

Inside his heart and not complain;

And pay with lonely days and sad

For all the happy hours he’s had.

All this a baby costs, and yet

His smile is worth it all, you bet”

76

Page 77: O livro da nova educação do carácter

comenta a seguinte frase: “All this a baby costs, and yet, His smile is

worth it all, you bet” f) pensas que os teus amigos estão cientes de:

“they cost a lot” e “a heavy price from day to day” no relacionamento

com uma criança? g) com base no poema caracteriza a pessoa que

lida com o bebé;

O professor utilizará as contribuições dos alunos para poder paulatina

e convergentemente sublinhar e enaltecer alguns aspectos morais

que emanam do poema. Tal instrumento pedagógico concede

conhecimento acerca do que são as virtudes (principalmente Cuidado

e Responsabilidade) e os respectivos opostos, como se manifestam

na prática, como se podem reconhecer e como no plano operativo se

expressam. Essa mina rica de património moral, onde é evidenciado

os grandes desafios e preocupações axiológicos da existência

humana, deve ser utilizada como material de discussão, como base

para a análise crítica de personagens e tópicos morais e como

plataforma para o desenvolvimento de debate sobre valores que se

manifestam em espaços humanos concretos e enquadrados (3).

Propomos então que as disciplinas de línguas (Português, Inglês e

Francês) e as próprias disciplinas de ciências sociais e humanas

(História, Geografia) possam utilizar a literatura, no sentido amplo do

termo, como abordagem curricular transversal. Tal utilização suplanta

a explicação de pendor mais intelectual que ocorre em palestras,

explicações de regras, ou análise e explanação de proposições e

princípios morais.

O professor deve evitar, em termos pedagógicos, abordar a essência

e as implicações de índole moral do texto sem previamente tratar de

uma fase preliminar que não ignore a riqueza, beleza ou

complexidade do texto. As seguintes questões podem ser incluídas

nas perguntas iniciais de teor generalista: “Que pensamentos ou

emoções surgiram ao ler este texto?”, “Que características principais

possui [nome do personagem]?”, “Quais as motivações/razões que

levaram o autor a escrever o texto?”, “O que será que quis transmitir

77

Page 78: O livro da nova educação do carácter

essencialmente ao leitor?” O docente deve primar por um clima

aberto de diálogo e de abertura a todas as opiniões, apesar de

simultaneamente se deva frisar que o direito inalienável de possuir e

expor uma opinião em determinadas áreas da vida humana, não

resulta linearmente que tal posição esteja correcta. Os alunos devem

ficar com uma ideia clara sobre a lição moral que se pode extrair do

texto, ora sublinhando uma ou mais virtudes ou expressando os

respectivos vícios associados.

Particularmente, nas disciplinas associadas às línguas e à disciplina

de História, recomendamos que sejam lidas e discutidas biografias de

todas as áreas de estudo, com o propósito de ajudar os alunos a

reconhecerem e a motivarem-se devido aos traços de carácter em

questão e as suas características específicas. Ao estudar grandes

personalidades, o estudo do “todo” do carácter de uma pessoa é uma

lição importante de compaixão e discernimento. Nesse sentido pode

considerar-se um debate com a seguinte questão: “Pode-se ser uma

personalidade ilustre e mesmo assim ter falhas no carácter?” Ainda

no plano de actividades os docentes devem propor trabalhos

escolares sobre alguém (“O meu herói pessoal”), que foquem os

feitos e virtudes morais da pessoa. Todavia, para que tais actividades

tenham pertinência acrescida na formação dos alunos, é necessário

numa fase anterior ajudar os alunos a perceber o que constitui uma

vida particularmente nobre ou que realmente encerra e implica a

existência de determinadas qualidades humanas.

A recente iniciativa relacionada com a análise e com a eleição do

Maior Português de todos os Tempos constituiu um excelente

pretexto pedagógico para que a Escola pudesse utilizar esta

oportunidade e transversalmente reflectir a inerente faceta pessoal de

cada um dos potenciais nomeados e comunitariamente eleger e

promover iniciativas em torno da pessoa e consequentemente sobre

os seus feitos e áreas de intervenção. Na Escola onde presentemente

estamos, Escola Básica 2 3 Aristides de Sousa Mendes, dado a

78

Page 79: O livro da nova educação do carácter

designação do estabelecimento, foi um desafio ao estudo, análise e

reflexão sobre o contributo de Aristides de Sousa Mendes no contexto

da Segunda Grande Guerra, nomeadamente no auxílio prestado a

refugiados que queriam fugir do encalço do domínio nazi. A

compaixão de Sousa Mendes e o respeito pela dignidade do ser

humano foi evidente e exemplar, levando-o corajosamente a abdicar

dos seus interesses pessoais e do seu futuro como diplomata. O seu

nome ficou nos 10 primeiros na eleição do Grande Português de todos

os tempos. Eis os focos principais da biografia de Sousa Mendes que

poderiam ser regularmente lembrados e enfatizados.

O cônsul português em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes,

contrariando ordens de Salazar, passou milhares de vistos, salvando

seres humanos de uma morte certa. Somente em três dias em 1940,

ele e dois dos seus filhos mais velhos, trabalharam exaustiva e

ininterruptamente. Segundo o Rabi Kruber, nesses três dias, passou

uns 30 mil vistos, dos quais 10 mil a judeus, pelo menos. Os cônsules

das cidades de Bayonne e de Hendaye, cumprindo as directivas do

regime português, recusaram-se a fazê-lo. Porém, sendo o Dr.

Mendes o superior hierárquico de ambos, deslocou-se pessoalmente a

essas cidades, e é ele mesmo quem, mais uma vez, passa milhares

de vistos. Quando as autoridades fronteiriças espanholas deixaram de

aceitar os vistos passados por Sousa Mendes, este não se resignou e

acompanhou pessoalmente um grande número de refugiados através

da fronteira para lhes assegurar a passagem. A sua própria residência

(imediatamente por trás dos escritórios do consulado em Bordéus)

estava repleta de refugiados, onde a sua mulher, Angelina,

diligenciava junto das crianças e dos idosos que careciam de cuidado.

Os refugiados que se deslocavam para Portugal, permaneciam na

casa do cônsul, na zona de Viseu, enquanto esperavam embarque

para outros continentes. As consequências do seu acto heróico

fizeram com que, depois de 32 anos de serviço e ainda com 12 filhos

ainda por educar, fosse demitido sem receber qualquer reforma ou

79

Page 80: O livro da nova educação do carácter

indemnização. Em Abril de 1954 morre num hospital de franciscanos

para pessoas sem posses, pobre e desonrado, com trombose cerebral

agravada por pneumonia.2

Eis algumas actividades propostas:

a) visualização do Documentário para a RTP 2, feito pela Diana

Andringa, onde entrevista vários dos sobreviventes que conseguiram

obter o visto em Bordéus e conseguiram escapar para a América. É

um documento cheio de emoções onde, além de ser traçado o perfil

de Sousa Mendes, do seu humanismo, narra igualmente a miséria e o

desprezo a que foi votado em Portugal devido aos seus actos

altruístas em prol da preservação de milhares de vidas

independentemente da sua etnia ou religião. Recentemente, a

proposta e a defesa de José Miguel Júdice de Sousa Mendes como o

Maior Português de Sempre, deu origem a um relevante programa

televisivo que também poderia ser utilizado.

b) desafiar os alunos a explicarem a exclamação do Rabi Chaim

Kruger: A grosse Mensche, um grande Homem! Realização de um

poster, poderia ser um concurso anual, sujeito a esse mote.

c) os alunos pesquisam e reflectem sobre o primado do respeito à

pessoa humana, com base na conversa com o Rabino Chaim Kruger,

judeu polaco, que teve uma audiência com Sousa Mendes, pensando

que este tinha raízes judaicas, dado o seu apelido.

d) elaboração de ensaios subordinados ao tema: a grandiosidade de

Sousa Mendes… como o seu testemunho de vida me inspira em

alguma área da minha vida…

2 Fonte: http://www.vidaslusofonas.pt/sousa_mendes.htm; http://www.uc.pt/iej/alunos/1998-99/asm/1pagna.htm; (páginas disponíveis; acedidas em 8 de Janeiro de 2007).

80

Page 81: O livro da nova educação do carácter

Exercício sobre Qualidades Humanas

O professor distribui dois exemplares da lista pelos alunos e pede a

cada um deles que faça a sua classificação de si próprio. De seguida,

pede a cada um que classifique o colega da direita. Por fim, os alunos

comparam as classificações, confrontando os pontos de vista e os

argumentos aduzidos e procedem a uma discussão entre pares ou em

pequenos grupos. Os alunos podem destacar qual a maior qualidade

ou defeito do colega (4). Em termos de benefícios este exercício

proporciona: a) é mais uma oportunidade dos alunos lidarem com

conceitos fundamentais à sua literacia ética (traços

positivos/negativos de carácter); b) oportunidade de reflexão

individual sobre o seu quadro de referências aplicado essencialmente

à vida escolar; c) confronto com a perspectiva de terceiros, aspecto

essencial ao auto-conhecimento e a correspondente faceta afectiva

(humildade), imprescindível para o processo de desenvolvimento do

carácter; d) apreciação e enaltecimento de aspectos do traço de

carácter dos alunos e dos seus colegas; e) contribui para a

compreensão de hierarquia de valor (graus de concretização

diferenciados);

Traços de Carácter

Não manifesta de todo

Manifesta muito pouco

Manifesta pouco

Manifesta regularme

nte

Manifesta

Bastante

Obs.

JustoHonestoInconstanteRespeitador

81

Page 82: O livro da nova educação do carácter

• Eu trato as outras pessoas da mesma forma como desejo ser tratado;• Eu interajo com as pessoas com civilidade, cortesia e dignidade.• Eu aceito diferenças pessoais.• Eu tento resolver os problemas sem recurso à violência verbal e física.

• Eu não ridicularizo, embaraço ou magoo outros intencionalmente.TolerantePreguiçosoPacienteResponsável• Eu efectuo aquilo que é necessário fazer.• Eu sou seguro e digno de confiança.• Eu presto contas das minhas acções; eu não estou sempre a apresentar

desculpas ou a acusar os outros;• Eu cumpro as minhas obrigações morais.• Eu uso bom julgamento e penso nas consequências dos meus actos.

• Eu exerço controlo-próprio.Outros aspectos a incorporar: autoritário, corajoso, intriguista, preocupado com outros, egoísta, cortês, incumpridor, bondoso, impaciente, compreensivo e imprudente;

Actividades de Expressão Escrita

As actividades de expressão escrita constituem um meio eficaz para

os alunos poderem confrontar-se com a realidade, tomar consciência

do meio onde se desenvolvem, permitindo a ordenação da própria

realidade e desafiando a consciência de quem escreve e apelando à

sua dimensão crítica e racional. As duas actividades que serão

apresentadas são: um conjunto de questões objectivas relacionadas

com o respeito e com a responsabilidade e uma actividade designada

Um telegrama para um Amigo.

Respeito e Responsabilidade. Em relação ao Respeito: a) Assiste na

TV a um programa e depois escreve acerca das acções dos

personagens que demonstraram ora uma conduta denunciadora de

respeito ou não; b) aqueles que são perpetradores de bullying estão

sempre a tentar que os outros os “respeitem”. Isso é realmente

respeito ou imposição de medo? Qual é a diferença? Como é que o

bullying e o comportamento violento constituem actos de

desrespeito? c) escreve acerca de uma ocasião de que foste

82

Page 83: O livro da nova educação do carácter

desrespeitoso para alguém. Porque isso aconteceu? Quais foram as

consequências? Como a outra pessoa se sentiu? O que aprendeste

dessa experiência? d) descreve 3 coisas que podes passar a fazer

para seres alguém mais respeitador. Como é que isso afectaria as

tuas relações com os outros? Em relação à Responsabilidade: a)

consideras-te uma pessoa responsável? Porquê? Em que medida e

em que áreas?; b) pensa em alguém que conheces que é bastante

responsável. Como é que essa pessoa demonstra responsabilidade?

c) o que é que a Regra de Ouro tem a ver com a responsabilidade? d)

tem sido dito que: “não existem direitos sem responsabilidade e não

existe responsabilidade sem direitos”. O que tal expressão significa?

Concordas? Qual a relação entre direitos e responsabilidades? e) será

que existem benefícios de ser uma pessoa responsável? Em que

medida é que a tua vida é positivamente afectada pelo exercício da

responsabilidade de outros? Dá exemplos práticos.

Um telegrama para um Amigo. O professor pede aos alunos que

escolham um amigo que esteja a passar alguma situação difícil que

carece de apoio e ajuda. De seguida, solicita aos alunos que lhe

escrevam um telegrama com um máximo de 6 linhas, dando-lhe um

conselho. Exemplos de início do telegrama:

- eu sei que foi difícil apanhares uma nota negativa pela primeira vez

mas há uma maneira de ultrapassares esse insucesso…

- eu sei que ficamos tristes quanto temos dificuldade em arranjar

amigos mas há coisas que tu podes fazer para te aproximares dos

outros…

- eu sei que é horrível ser vítima de uma injustiça mas há formas de

resistirmos…

- eu compreendo a tua situação. Deixa-me compartilhar algo similar

que aconteceu comigo…

Seguidamente, a actividade terminaria com o desafio para escrever

uma única frase que pudesse mencionar o compromisso pessoal do

83

Page 84: O livro da nova educação do carácter

aluno, em que nos próximos dias, de alguma forma, interviria directa

ou indirectamente, no apoio ou minimização da situação problemática

do seu amigo. O professor complementaria mencionando o papel

decisivo que cada um pode ter na resolução ou na minimização dos

processos delicados em outras vidas. Enfatizaria que por vezes, não

havendo possibilidade de ajudar em termos concretos na solução do

problema, a manifestação de interesse e de presença junto da

pessoa, que está passar pelo momento conturbado, é já em si mesma

uma acção válida e nobre no domínio interpessoal.

Reunião de Turma

A implementação da Reunião de Turma é algo que deveria ser uma

realidade em todas as turmas de todos os níveis de escolaridade

numa Escola. Tal iniciativa cristaliza um princípio educacional assente

no envolvimento de estudantes em realizar decisões que visem o

aperfeiçoamento do ambiente na própria sala de aula. Providenciar

reuniões regulares de turma (semanalmente com os Directores de

Turma e quinzenalmente com a presença de outros professores da

classe), onde é providenciada uma experiência democrática sob a

direcção ou do Director de Turma ou de um aluno que possa ser

coadjuvado, onde de uma forma consciente uma comunidade

delibera, tornando os estudantes membros plenos na concretização

da melhor vida em classe de aula possível, é de facto uma meta

educacional válida e que deve ser implementada levando em

consideração a NEC.

O papel e as responsabilidades dos alunos são ampliados, bem como

nutre, particularmente no decurso do processo, o desenvolvimento

moral dos alunos. Através da comunicação face a face (realizada

idealmente em círculo), aperfeiçoa a capacidade de escutar

respeitosamente os outros e compreender as suas perspectivas.

Providencia um fórum onde os pensamentos dos alunos são

valorizados e onde podem ganhar estima-própria que deriva da

84

Page 85: O livro da nova educação do carácter

possibilidade de se expressarem num grupo. Nutre o

desenvolvimento das três áreas do carácter através do desafio

contínuo de colocar o respeito e a responsabilidade em prática no

quotidiano da vida na sala de aula. Nas resoluções de problemas no

seio da sala de aula, as medidas que o grupo democraticamente

delibera não serão muito diferentes daquelas que os professores têm

praticado mas com o envolvimento directo dos alunos no

estabelecimento dos preceitos funciona melhor. É uma metodologia

prática que ajuda a estabelecer alguns princípios orientadores para a

vivência dentro da sala de aula, e a promover a solidificação de

valores que em alguns casos não são valorizados nos ambientes

familiares. Ajuda ainda o docente a conhecer melhor os seus alunos e

estes entre si, e eventualmente concede as lições embrionárias do

que significa a participação democrática na prática. É um contributo

para a formação, no nosso contexto tão necessária, de uma real

cidadania democrática, através da participação interactiva de todos os

alunos que desejavelmente crie nos próprios o valor da participação.

Todavia, requer persistência e paciência por parte do professor,

reconhecendo que o crescimento moral da turma e o

desenvolvimento moral e social de cada um dos alunos é um processo

gradual. Consiste num exercício bastante desafiador pois inclusive

pode degenerar numa experiência antagónica em relação ao

propósito inicial. O receio deriva do facto da discussão poder tornar-

se contraproducente, quando os alunos não têm interiorizadas

capacidades mínimas de escuta e comunicação, se não respeitarem a

sua vez para tomar a palavra, se não centrarem as intervenções

naquilo que está a ser considerado e se monopolizarem as

participações. Assim, ao invés de ser um espaço privilegiado, e

processualmente ser uma mais-valia em termos de competências

sócio-morais, pode tornar-se num vívido exercício de mútuo

desrespeito, particularmente na fase da discussão que se pretende

minimamente ordeira. Se tal acontecer a Reunião de Turma pode

85

Page 86: O livro da nova educação do carácter

constituir-se como um exercício para que tais competências possam

ser trabalhadas e desenvolvidas antes mesmo de qualquer

preocupação com os objectivos finais da iniciativa.

Considerações Finais

As propostas de âmbito curricular são elementos que podem

contribuir para a construção de uma Escola Ética onde a formação

integral dos alunos seja claramente uma meta educativa. Conforme

sublinhámos na introdução deste capítulo, trata-se de uma valência

que pertence a um esforço mais amplo e transversal que Escola

deverá assumir, nomeadamente o desenvolvimento e defesa de um

Ethos que sublinhe e que seja expressão de um acervo de qualidades

humanas assumido. Todavia, acreditamos que neste domínio

curricular muito mais poderia ser feito, de forma planeada e

intencional, de forma a nutrir e a cimentar não só a literacia ética dos

alunos mas o seu próprio desenvolvimento pessoal e social, a sua

constituição moral, o seu carácter. Esperamos, desse modo, que este

capítulo possa ser um incentivo e constituir um repositório de

algumas possibilidades de concretização que podem ser

desenvolvidas e capitalizadas pelas diversas disciplinas.

Notas

1) Kilpatrick, W., Wolfe, G., & Wolfe, S. (1994). Books That Build Character – A Guide to Teaching Your Child Moral Values Through Stories. New York: Simon and Schuster.

2) Bennett, W. J. (1993). The Book of Virtues, a Treasury of Great Moral Stories. New York: Simon & Schuster.

3) Saunders, J. (2003). Teaching Character Through the Classics. The Fourth and Fifth Rs, 10(1), 4-5.

86

Page 87: O livro da nova educação do carácter

4) Marques, R. (2002). Valores Éticos e Cidadania na Escola. Lisboa: Editorial Presença.

CAP. 29 Dez mandamentos para os pais

1º mandamento – Coloque a função de mãe e pai em primeiro lugar

Há pais que pensam que educar um filho é apenas tarefa da

escola. Inebriados com o sucesso profissional ou confrontados com

um trabalho que não deixa tempo livre, muitos pais não se envolvem,

diariamente, na educação dos filhos. Entregam-nos à escola e julgam

que essa tarefa é apenas dos professores. Estão enganados. Educar

uma criança exige atenção e disponibilidade. Os bons pais colocam a

educação dos filhos em primeiro lugar e não enjeitam

responsabilidades que são deles.

2º mandamento –Seja um bom exemplo

Ninguém gosta de ser considerado continuadamente um bom

exemplo. É uma tarefa árdua e difícil. Exige muitas renúncias.

Contudo, pode estar certo que os filhos imitam os pais, naquilo que

eles têm de bom e de mau. Quando um pai dá exemplo de não gostar

de trabalhar, de desonestidade ou de irresponsabilidade, é certo que

está a transmitir uma mensagem errada aos filhos: é correcto ser

preguiçoso, desonesto e irresponsável. Se quer dar bons exemplos

aos seus filhos, seja diligente, pontual, trabalhador, honesto e justo.

O seu exemplo vale mais do que mil lições de moral.

87

Page 88: O livro da nova educação do carácter

3º mandamento – Esteja atento

Educar um filho não é tarefa para se fazer sozinho. Os outros

familiares, os amigos, os vizinhos, os professores e até os vigilantes

são, também, agentes que educam pelo exemplo. Por isso, esteja

sempre atento aos que rodeiam o seu filhos, aos amigos, aos vizinhos

e também ao que se passa na escola.

4º mandamento – Envolva-se na escola do seu filho

O envolvimento parental no processo educativo é uma variável

que está geralmente associada ao bom desempenho escolar. Vá às

reuniões, converse com os professores, peça e dê informações e

colabore com os professores. Não faça críticas aos professores na

presença dos seus filhos.

5º mandamento – Controle e limite o acesso do seu filho à televisão e

à Internet

Muitos conteúdos televisivos são telelixo e têm efeitos

devastadores na educação do carácter das crianças. As crianças que

vêem muita televisão e passam muito tempo a navegar na Internet

têm mais probabilidades de serem obesas. Para além disso, ao

impedir que o seu filho tenha acesso a conteúdos que deformam a

mente, que distorcem a realidade e que invertem os valores, você

está a proteger o seu filho e a proporcionar-lhe um ambiente

saudável.

88

Page 89: O livro da nova educação do carácter

6º mandamento – Concentre-se no que é fundamental

Não tente que o seu filho seja um herói ou um santo. Centre a

sua atenção naquilo que são os valores fundamentais, comuns a

todas as civilizações e que estão no cerne da Cultura Ocidental:

prudência, justiça, temperança, coragem, honestidade,

responsabilidade e compaixão.

7º mandamento – Use linguagem moral

Não diga que o comportamento é apropriado ou inapropriado.

Diga simplesmente que é bom ou mau, correcto ou incorrecto. As

crianças têm de saber que há comportamentos que são sempre maus

ou bons e não apenas inapropriados ou apropriados.

8º mandamento – Centre a sua acção na acção

Os discursos sobre a moral têm pouco efeito na educação do

carácter. O mais importante de tudo são os hábitos. Certifique-se de

que a sua filha desenvolve bons hábitos. Quanto aos maus hábitos,

certifique-se de que o seu filho está envolvido num processo de

correcção e de substituição dos maus hábitos por bons hábitos. As

crianças devem saber que os comportamentos são mais importantes

do que as intenções e os argumentos.

9º mandamento – Coloque a educação do carácter em primeiro lugar

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Page 90: O livro da nova educação do carácter

De que vale ter um filho que tem classificações excepcionais se

ele é irresponsável, imprudente, intemperado, injusto e malcriado?

Coloque a educação do carácter no centro das preocupações e

mostre que não dá menos importância às virtudes morais do que às

virtudes intelectuais. Não se esqueça de que o extermínio dos judeus

pelos nazis foi conduzido por gente inteligente e culta.

10º mandamento – Ame os seus filhos e mostre que os ama

Não se esqueça de que o amor é o sentimento mais forte e

mais importante que existe. A virtude da amizade, onde se inclui o

amor, é a virtude primeira, no sentido de que é a virtude essencial à

conquista da felicidade.

Se não mostrar que ama o seu filho, ele procurará o amor nos

sítios errados com as pessoas erradas (1).

Notas

1) Este texto foi inspirado em Ten commandments for parents. In

Ryan, K. e Bohlin, K (1999). Building Character in Schools. S.

Francisco: Jossey Bass

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