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o livro do boni - josé bonifácio de oliveira sobrinho - - up djlei

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  • Ficha Tcnica

    Copyright 2011 desta edio, Casa da PalavraCopyright 2011 Jos Bonifcio de Oliveira Sobrinho

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19.2.1998. proibida a reproduo total ou parcial sem a expressa anuncia da editora.

    DIREO EDITORIAL: Martha Ribas, Ana Cecilia Impellizieri Martins, Pascoal SotoDIREO GRFICA: Thais Marques

    COORDENAO DE PRODUO: Cristiane de Andrade ReisPRODUO EDITORIAL: Debora Fleck, Marina Boscato Bigarella

    ASSISTENTE EDITORIAL: Juliana Teixeira, Juliana CubeiroPESQUISA ICONOGRFICA: Renata Santos

    DESIGN DE CAPA: Marcelo Martinez | Laboratrio SecretoFOTO DE CAPA: Antnio Guerreiro

    TRATAMENTO DE IMAGEM (CAPA): Vitor ManesREVISO: Mnica Surrage

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    O51lOliveira Sobrinho, J. B. de (Jos Bonifcio), 1935-

    O livro do Boni / Jos Bonifcio de Oliveira Sobrinho. - Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2011.Inclui bibliografia

    ISBN 97885773422971. Oliveira Sobrinho, J. B. de (Jos Bonifcio), 1935-. 2. Comunicao - Brasil. 3. Televiso - Brasil. I. Ttulo.

    11-7682. CDD: 302.209CDU: 316.77(09)

    CASA DA PALAVRA PRODUO EDITORIALAv. Calgeras, 6, sala 1.001 Rio de Janeiro 20030-070

    21.2222-3167 21.2224-7461 [email protected]

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  • Dedicatria

    MINHA ME, Joaquina Fernandes de Oliveira, a meu pai, Orlandode Oliveira, o Caula, minha Vov Nicota e Duea Pura.

    Lou, minha mulher, sempre paciente e minha fonte de inspirao.

    Aos meus filhos:Boninho, competente diretor de televiso;Gigi, a grande educadora da famlia;Diogo, campeo de TI e mestre de marketing;Bruno, ecologista de planto.

    Ao meu irmo Guga e ao brother Jorge Adib.

    Aos amigos e companheiros de aventura (In memoriam):

    Abelardo BarbosaArmando NogueiraAry NogueiraAugusto Csar VanucciBorjaloCassiano Gabus MendesDina SfatDercy GonalvesDermival Costa LimaDias GomesEdson Leite

  • Edwaldo PacoteHomero Icaza SnchezJanete ClairJoo Carlos MagaldiJoo SaadJos ScatenaJos Octavio de Castro NevesJos Ulisses ArceJulio G. AtlasManoel de NbregaMarcos LzaroMaurcio SirotskyMurilo LeitePaulo GracindoPaulo Machado de Carvalho FilhoPaulo MontenegroPaulo UbiratanRgis CardosoRenato PacoteReali Jr.Roberto Corte RealRoberto MarinhoRodolfo Lima MartensenSrgio CardosoTefilo de Barros FilhoTlio de LemosWalter AvanciniWalter ClarkWalter George DurstWalter Silva

  • Agradecimentos

    Ao meu mais antigo amigo, o Ricardo Amaral, que, mais que in-centivar, me obrigou a escrever este livro. Alm do mais saiu corren-do atrs de todos os problemas desde a confeco at o lanamento.Trabalhou mais do que se o livro fosse dele.

    minha editora Martha Ribas, que estimulou, contestou, compre-endeu e ajudou nos mnimos detalhes, ensinando-me como se devefazer um livro, alimentando ideias com o mesmo carinho com quealimentava o seu beb recm-nascido.

    Ao Carlos Alberto Vizeu, amigo e entusiasta do livro, pelo auxlioinestimvel na pesquisa e pelas crticas sempre pertinentes ao longodo trabalho.

    Ione Nascimento que desde de a primeira letra acompanhou oque eu escrevia, sugerindo fatos e forando minha memria a traba-lhar.

    Christina Leite, minha secretria, pela pacincia que tem comi-go sempre e, em especial, durante o perodo de gestao deste traba-lho.

  • Ao Hans Donner que mais uma vez se aproxima de mimpara me presentear com seu trabalho de designer, encontrandouma soluo perfeita para a capa do livro.

    Ao Antonio Guerreiro pela foto extrada de um pssimo mo-delo como eu.

    Silvia Fiuza pela reviso de datas e nomes e sugestes l-cidas para que o livro fosse fiel aos acontecimentos narrados.

    Ao meu querido pessoal do CEDOC da Rede Globo, espe-cialmente Laura Martins e Clarinha Landolfi, pelo trabalhointenso e rpido para complementar o livro.

    Ao genial socilogo italiano Domenico De Masi pelo gene-roso prefcio.

    Regina Duarte, Tony Ramos, Fausto Silva, Chico Anysioe Joe Wallach pelos depoimentos que me emocionaram e en-vaideceram.

    Aos autores brasileiros de televiso, os mais criativos domundo, e aos diretores que transformam seus textos em reali-dade.

    A todos os que tornaram possvel esta humilde homenagem televiso e aos seus profissionais.

  • PrefcioDomenico De Masi

    Todos llevamos un grano de locura,Sin el cual es imprudente vivir.

    Federico Garcia Lorca

    BONI NASCEU EM 1935, OITO ANOS depois de Fritz Lang filmar Metro-polis e um ano antes de Charlie Chaplin filmar Tempos modernos.Naquela poca somente os Estados Unidos, a Inglaterra e mais al-guns poucos pases do mundo eram industrializados. Todo o resto doplaneta, inclusive o Brasil, continuava sendo basicamente rural.

    Ainda em meados do sculo XX, os jovens do Rio e de So Paulosonhavam com um emprego nas fbricas, nos bancos ou, quem sabe,almejavam tornar-se empreendedores no promissor mercado da in-dstria automobilstica. Boni, por sua vez, llevaba dentro un granode locura: sentia-se atrado pelo rdio e pela televiso: em um mun-do ainda pr-industrial, j desejava uma vida ps-industrial.

    Na Florena dos Mdici, era natural que um gnio como Miche-langelo se tornasse um grande escultor. Na Urbino dos Montefeltro,era natural que um gnio como Rafael se tornasse um grande pin-tor. Mas fica difcil entender como um jovem nascido em Osasco noano de 1935 tenha conseguido tornar-se este incrvel especialista emmdia. Nem todos os loucos conseguem levar a bom termo a prprialoucura. Filho de um dentista e de uma psicloga, neto de um av

  • que perdera tudo no jogo, Boni conseguiu realizar seus prop-sitos mesmo tendo ficado rfo com apenas 7 anos: ainda cri-ana ficou apaixonado pelo rdio; na adolescncia, ficou total-mente fascinado pela televiso, e esses dois amores, transfor-mados em onvora loucura, o acompanharam pelo resto da vidacomo um demnio insano.

    Enfeitiado por esse demnio interior, ainda criana Bonificava encantado diante do rdio; j adolescente conseguiumeter-se primeiro no mundo dos jornais e do rdio, e mais tar-de no universo da televiso. Aos 32 anos, quando entrou naGlobo, Boni j tinha experimentado o rdio, as agncias de pu-blicidade e quase todas as emissoras de TV, foi diretor artsticoe de programao, dirigiu o jornal Tribuna de Osasco e umaprodutora de discos que tambm realizava filmes publicitri-os. Na Globo, comeou primeiro como diretor de programa-o e produo; a tornou-se superintendente de programaoe produo, ficando encarregado da programao, produo,engenharia, jornalismo e comunicao; foi finalmente nomea-do vice-presidente, responsvel por toda a parte operacional daempresa.

    Se for verdade que os meios de comunicao de massa soo smbolo da sociedade ps-industrial, Boni uma testemunhapreciosa da transformao ps-industrial do Brasil e do mun-do. Com apenas 16 anos, em um pas ainda rural, sonhava emtrabalhar no rdio, e conseguiu. A sonhou em trabalhar na te-leviso, e conseguiu. Finalmente, sonhou em tornar-se o maisimportante executivo do Brasil, talvez do mundo, no setor damdia, e tambm conseguiu. Para um socilogo como eu, queh trinta anos estuda a sociedade ps-industrial, Boni represen-ta uma monstruosa obra-prima, to interessante do ponto devista cientfico quanto poderia ser, para um astrnomo, a pas-

  • sagem de um cometa extremamente raro. Diante deste extraor-dinrio achado s posso exclamar a palavra que Ricardo Ama-ral repetia ao assistir a um show de Gilbert Bcaud: SEN-SA-CIONAL.

    A autobiografia de Boni um verdadeiro tesouro de infor-maes acerca de como nasce e se consolida a sociedade mi-ditica em um pas como o Brasil. Para compreendermos aindamelhor o alcance histrico desse fato, vem minha mente a sa-gaz introduo de Alberto Moravia para as obras do Marqusde Sade: A mente de Sade no nem um pouco misteriosa;podemos ver na pgina como funciona, da mesma forma que,ao abrirmos a caixa de um relgio, podemos acompanhar omovimento dos mecanismos. Com a mesma facilidade, o lei-tor deste livro do Boni logo se d conta de como funciona a suamente obcecada pelo demnio da mdia. Moravia prossegueafirmando que na psicologia de Sade fica patente uma estra-nha soldagem de partes normalmente longnquas umas das ou-tras, algo assim como um sistema digestivo em que o estmagofoi amputado e o intestino fica ligado diretamente ao esfago.Em Sade, a razo estava ligada diretamente sexualidade. EmBoni, a capacidade empresarial est diretamente ligada ao fu-ror criativo.

    Mas o sucesso da televiso brasileira tambm se deve a ou-tro milagre: enquanto Boni enriquecia a sua experincia em-presarial em jornais, rdios e televisoras de alcance limitado,um personagem extraordinrio Roberto Marinho amadu-recia a sua experincia de empreendedor genial justamente nocampo da televiso. Roberto Pisani Marinho escreve Boni era um homem preparado, fino, educado, amante da msica,

  • da pintura e das artes em geral, mas, sobretudo... sagaz. Pe-dro Bial, que escreveu uma biografia de Roberto Marinho, dizdele: Quando jovem procurou a companhia dos mais velhos.Quando velho deu o poder aos mais jovens.

    O milagre aconteceu em maro de 1967, quando estes doisgnios o empreendedor e o executivo confluram na mesmaempresa, levando-a a uma marcha triunfal que durou trintaanos.

    A televiso deu os primeiros passos nos Estados Unidos, co-mo desdobramento do cinema e como rede nacional. No Bra-sil, nasceu muitos anos mais tarde como alternativa ao rdio,ao teatro, ao circo e como emissora local, mas, graas Globo,tornou-se uma rede nacional provedora de sonhos para teles-pectadores do mundo inteiro. Minha me, que morreu aos 90anos numa pequena aldeia do sul da Itlia, nunca assistia te-leviso, com uma nica exceo: acompanhava pontualmentetodos os captulos de Escrava Isaura.

    Georges Braque dizia: Amo a emoo que corrige a regra.Juan Gris respondia: Eu amo a regra que corrige a emoo.A genialidade do Boni consiste em possuir, ao mesmo tempo,a emoo da fantasia e a racionalidade da regra: Quem querser criativo ele escreve no pode ter medo de errar. Quemquer ser eficiente, no pode tolerar o erro.

    Mas Boni tambm possui a obsesso pela intolerncia e anatural predisposio para o trabalho em grupo: Sempre fuium intolerante: no rdio, na publicidade, nas emissoras em quetrabalhei antes da Globo e, principalmente, na Globo. Na mi-nha escalada, fui me juntando a outros intolerantes maravi-lhosos que trabalharam diretamente comigo.

  • Impenitente inovador, Boni aderiu de pronto a todas as no-vidades tecnolgicas da FM ao videotape, dos satlites banda larga proporcionadas pelo progresso; utilizou modelosmatemticos para definir os preos a serem cobrados, o sistemaautomatizado para demarcar os espaos publicitrios, o mode-lo de comercializao baseado em mltiplas variveis, as pes-quisas de mercado e as de cunho psicossociolgico: todas idei-as propostas pelos seus excelentes colaboradores, mas aceitase valorizadas por ele.

    Como programador, incentivou o entretenimento, as repor-tagens esportivas, a informao, os programas para a infnciae a juventude, a msica e a teledramaturgia.

    Como diretor, sempre acreditou firmemente que a televiso um trabalho coletivo, que precisa de uma atmosfera de entu-siasmo, competncia e criatividade, que precisa de tolernciapara o primeiro erro cometido por um colaborador, mas de ab-soluta intolerncia em relao ao segundo.

    Sou um socilogo, e os socilogos sempre acusaram a tele-viso de manipular as massas para induzi-las obedincia du-rante os regimes ditatoriais e lev-las ao consumismo duranteos tempos de democracia capitalista.

    Boni nos assegura que a Globo nunca foi cmplice da dita-dura: Se algum pensa que o dr. Roberto foi subserviente aosmilitares ou que tirou algum proveito pessoal com a ditadu-ra est absolutamente enganado. (...) Ele acreditava piamenteque o nico regime que servia para o Brasil era a democracia,do ponto de vista poltico, e a economia de mercado, do pontode vista econmico.(...) Como empresrio, nunca fez qualquerrestrio ideologia dos seus funcionrios, escolhendo-os pelotalento e pela capacidade.

  • Ainda sobre o problema da manipulao consumista, nestelivro fica claro que ao longo de toda a sua carreira, Boni esua equipe, foram estimulados por uma fria monomanacapara entender os desejos e as necessidades do mercado, paramodific-los e exacerb-los por meio da publicidade: para ge-rar dinheiro, para dar lucro sua empresa e aos anunciantes.

    Essa misso acarretou competitividade, aes predatrias,golpes mortais nos concorrentes, lutas sem quartel. Qual vi-da... corrida comenta Boni, citando Garcia Lorca. WalterClark diz: Temos que gastar mais para ganhar mais. Chacri-nha pautou a sua vida pessoal pelo slogan: Eu no vim aquipara explicar, vim para confundir, e na vida profissional sem-pre foi fiel sua frase emblemtica: Quem no se comunicase trumbica. Glria Magadan, por sua vez, costumava dizer:Meu ofcio provocar evaso.

    H o bastante para ser eticamente condenado por parte deum jri de socilogos e moralistas. Mas quem poderia explorarat o fim a alma humana e as suas motivaes mais profundas?Boni est claramente ciente da fora magntica exercida pelateleviso sobre a massa dos telespectadores comuns; est cla-ramente ciente da contribuio que deu, de forma determinan-te, ao processo de modernizao do Brasil. Em um captulo dolivro Boni conta: No dia 1 de janeiro de 1971, eu e a mi-nha famlia, o Tarcsio e a Glria, o Ibrahim Sued, o Luiz Bor-gerth e alguns amigos fomos participar da procisso martimado Senhor dos Navegantes, em Salvador (...) Eram mais de milbarcos no mar e o dia estava lindo e ensolarado (...) Quandoperceberam que o Tarcsio Meira estava em uma das embarca-es, as pessoas do barco ao lado comearam a entoar a m-sica de abertura de Irmos Coragem e a coisa foi passando debarco em barco. De repente, mais de trs mil barcos e de trin-

  • ta mil pessoas cantavam, no mar de Salvador, a uma s voz:Irmos preciso coragem.... O Tarcsio desandou a chorar.Eu tambm ca em prantos. Milhares de embarcaes tentavamse aproximar da nossa atirando flores e jogando beijos. Quasemorremos de emoo.

    Esta emoo tambm assinala o poder da mdia e a respon-sabilidade social de quem a gerencia.

    Boni conta que na sua infncia, Eu deixava a janela, queficava ao lado da minha cama, semiaberta. noite, quandotodos dormiam, eu a abria silenciosamente e ficava olhandoo cu, tentando entender a vida e sonhando com o que fariaquando de l sasse. Repetia isso todas as noites, por anos.Agora Boni tem todo o tempo do mundo para admirar nova-mente as estrelas durante a noite e tem toda a madura sabedorianecessria para fazer o balano da vida com que sonhava e davida que viveu. Afinal de contas, cada um de ns tem o direitode cultivar o grano de locura que traz no corao, sin el cuales imprudente vivir.

  • Boni, em algunscaptulos pessoais

    Regina Duarte

    PENSO NO BONI E EM MINHAS LEMBRANAS abre-se o ano de 1968.

    Captulo 1Estou no ar em horrio nobre na TV Excelsior fazendo Pom-Pom

    de Ivani Ribeiro na novela Dez vidas. Recm-casada, h quatro me-ses sem receber salrio, tenho prestaes de apartamento, geladeira,fogo, cama, mesa e banho, tudo atrasado, tudo indo por gua abai-xo. Assustada, me sentindo no fundo do poo, recebo um telefone-ma do Guimares, da Globo de So Paulo, dizendo que o Boni (daGlobo do Rio) me chama para uma conversa na sede paulista. Eraum teatro velho que ficava ali na praa General Osrio da avenidaSo Joo, onde eu j tinha estado antes para receber o Trofu Im-prensa do Silvio Santos, da TVS, como revelao do ano por Malu,meu personagem em A deusa vencida de Ivani Ribeiro com direode Walter Avancini, em 1966.

    Numa salinha exgua, bem mequetrefe, Boni diz que gosta do meutrabalho, me pergunta quanto estou ganhando, me oferece o dobro eme prope um contrato de dois anos pra gravar na Globo Rio, co-

  • meando dentro de 15 dias, a novela Vu de noiva, de JaneteClair, com direo de Daniel Filho. Tudo isso bem rpido, co-mo era o jeito urgente que sempre teve para lidar com as coi-sas. Taquicrdica de emoo, ainda balbucio: Mas... e a nove-la? O meu contrato?. E Boni, muito srio, quase bravo: Quecontrato? Voc no recebe seu salrio h quatro meses, minhafilha! Que contrato?!

    Foi como se no mar revolto da tempestade, em que eu meencontrava, ele tivesse me estendido uma prancha de surfe bemgrande em que eu podia me agarrar. Mais que isso: um bote amotor e capota com direito a colete salva-vidas e fone de ouvi-do tocando ... rumo, estradas, curvas, s despedidas, por en-tre lenos brancos de partida, em cada curva, sem ter voc voumais s.... Leila Diniz, de um dia para o outro passou a ser,na Excelsior, a Pom-Pom! E eu me tornei Andra, apaixona-da pelo piloto de automobilismo vivido por Claudio Marzo, naGlobo.

    Captulo 2A memria abre, aleatria, outra pasta e Boni aceita ir l em

    casa (honraria!) para uma noitada de conversa e brincadeiras.Era Copacabana ainda. Somos ento quatro casais empolga-dos com o jogo de formar palavras com dadinhos de letras ar-remessados na mesa. Em um minuto, marcado na ampulheta, ogrupo que compusesse o maior nmero de palavras com aque-las letras ganhava os pontos. Boni e eu, em times adversrios,fazemos sucesso. Bons tempos.

    Captulo 3Boni e Lou convidam eu e minha famlia para um fim de

    semana, um rveillon, em sua casa de Angra dos Reis. Promo-

  • vem um encontro com Armando Nogueira e me sinto presente-ada com um curso de sabedoria condensado em trs dias e trsnoites que passam voando. Dias de sal, sol e mar que deixamgravados para sempre na mente e no corao a generosidade,o humor inteligente, a viso lcida e abrangente do mundo emque vivemos, o amor vida, boa mesa, o culto s amizades,a paixo pelo exerccio de aprender e informar, entreter, pro-por e curtir o riso, a reflexo e... a lgrima. Boni se confirmoupara mim, naqueles dias, para alm do chefe, o sentimental, ohumano, o pai de famlia, o nutriente provedor de todos ns.

    Captulo 4Boni tinha uma plaquinha em sua mesa com a frase THINK

    BOLD. Meu sonho foi sempre levar a srio a proposta, no po-dia, afinal, decepcionar meu dolo. Reunio com ele tinha queser marcada com no mnimo 15 dias de antecedncia. Poderiadurar 15 minutos ou horas. Eu escrevia todas as minhas dvi-das, crticas, meus anseios em papeizinhos numerados que ti-rava da bolsa e ficava ali, meio disfarando e lendo, nervosa.Sabia que no havia tempo a perder. Ele falava depressa, im-punha um ritmo acelerado conversa, perguntava de supeto,exigia agilidade na exposio de qualquer argumento. Comigofoi sempre muito gentil, atento, sorridente, carinhoso. Mas eusabia de histrias horripilantes, de broncas homricas que eledava em profissionais de todas as reas (com direito tambma memorandos malignos); isso sem falar nas demisses sum-rias, nos aoites humilhantes la Steve Jobs (fala-se muito, verdade!), a qualquer hora do dia ou da noite, mas especial-mente nas reunies de pauta das segundas-feiras. Da, eu sem-pre entrava na sala dele com as mos geladas, suor na testa ea garganta seca. Dez minutos depois ele conseguia me descon-

  • trair e eu abria, como no confessionrio, no div do analista,como no bar com meu melhor amigo, toda a minha histria.

    Captulo 5Boni nunca deixou de abraar qualquer (qualquer!) funcio-

    nrio vtima de doena, acidente ou perda de parente prximo.Ele se solidarizava no sentido lato da palavra , dando apoiomoral, afetivo, financeiro e tudo mais que se fizesse necessriopelo tempo que fosse. Mais de uma vez vi seus olhos transbor-darem de lgrimas ao se referir a um companheiro envelheci-do, adoentado, em crise.

    Captulo 6Boni capaz de montar a equipe certa para levar ao teles-

    pectador de todas as classes a obra que atende ao desejo, pre-enche a carncia do pblico em cada momento histrico. Sabearquitetar o mais afinado enfoque esttico, tcnico e tico. Qu-er sempre um degrau a mais na busca de cada emocionada e/ouracional proposta artstica/jornalstica. Consegue ser mercado-lgico, antropolgico, poltico, provocador, acessvel e arroja-do, tudo junto.

    Captulo 7Quando penso em lder que estimula o livre pensar, o livre

    criar, a livre expresso, lembro do que Boni me disse quandoDel Rangel e eu gravamos o piloto da srie Retrato de mulher Era uma vez, Leila, de autoria de Doc Comparato. Liguei pa-ra ele e contei: Ficou bem forte. Voc vai ver que tem umaaudcia ali, uma coisa meio maldita, repara. Depois de ver,ele me ligou dizendo que tinha gostado, que o seriado estava

  • aprovado para a grade do ano seguinte e concluiu assim: Euno esperava outra coisa de voc. A gente riu muito.

    E agora, por favor, uma breve e indispensvel carta ao Boni:

    Meu querido Boni:Pela ateno e cuidados, pelo apoio incondicional ao longo

    de mais de trinta anos, por todos os estmulos que fizeram dosmeus sonhos de criatividade e da minha vontade irrefrevel deser atriz uma realidade bem-sucedida minha gratido.

    No existem palavras que possam abrigar todo o sentido desua fundamental importncia em minha trajetria artstica epessoal.

    Sem os personagens e textos propostos, sem a confiana emmim depositada, que teria feito eu da minha vocao? Do meuhistrico de boa moa disciplinada, da minha garra e paixopor interpretar outras vidas? Pouco, eu sei. E sei tambm queexiste, na histria da TV brasileira, a era Boni. A Era de Ouro,a Renascena do fazer televiso no Brasil. No h quem nosaiba, no nosso meio, na nossa classe, nos ncleos de interes-sados em comunicao, que existe, at aqui, a era a.B. e a erad.B. s ligar no canal Viva e ver: sua obra est toda l, su-cessos de ontem, de hoje... de sempre!

    E eu, privilegiada, podendo fazer parte, viver de perto tudoisso.

    Sua fora criativa, sua capacidade de realizao, seu hu-mor, sua sensibilidade e audcia, sua obsessiva busca de per-feio fazem com que minha admirao por voc seja inco-mensurvel, Mestre.

    Muito carinho tambm, sempre,Regina Duarte

  • Entrando no ar

    CRIAR EXPECTATIVAS PRODUZIR FRUSTRAES. No esperem deste li-vro nenhuma informao bombstica ou a revelao de segredos dosbastidores ou das empresas, at hoje ocultos. Nada disso. Tambmno uma autobiografia, uma vez que, a exceo do captulo A in-fncia e a famlia, narro apenas minhas experincias profissionais,limitando-me aos fatos dos quais participei ou testemunhei, sem pre-tender fazer um relato abrangente da histria do rdio, da publicida-de e da televiso.

    Portanto, este livro uma coletnea de episdios, alguns com in-formaes importantes e outras curiosas, registradas durante minhatrajetria por diversas reas da comunicao em mais de 60 anos deatuao e no apenas sobre a minha passagem na Rede Globo. Emalguns desses episdios, tomei a liberdade de incluir depoimentos decompanheiros que participaram ativamente da minha vida profissi-onal. Dentro dos limites da memria, e de acordo com informaespesquisadas, procurei me aproximar o mximo possvel de datas, no-mes, locais e da veracidade dos acontecimentos, mas este no oprincipal objetivo deste livro e alguma discrepncia poder ocorrer.

    Realizar tudo, ou parte do que sonhei, s foi possvel com a par-ceria dos amigos e dos profissionais, todos de altssimo valor, quecomigo trabalharam no aprimoramento da comunicao no Brasil ena implantao de uma televiso de qualidade, reconhecida em todoo mundo. Por todos os lugares que passei e em todos os cargos onde

  • atuei nunca deixei de participar intensamente de todos os acon-tecimentos. Mas tambm nunca fiz nada sozinho. Portanto, oque este livro pretende ser uma homenagem carinhosa a to-dos os profissionais da nossa televiso.

    A todos, mesmo os que, por limitaes naturais, no pude-ram ser citados, o meu muito obrigado.

  • A infncia e a famlia

    NASCI EM OSASCO, EM 1935, em uma casa geminada, na rua da Es-tao, 77 A. Esse nome foi uma imposio popular, pois ali ficavaa estao de trem da linha Sorocabana. Com isso, me livrei de ternascido na rua Glria dos Runfadores, nome antigo e pomposo, da-do porque ali passavam os garbosos desfiles militares que partiam doquartel de Quitana, duas estaes depois de Osasco, naquela po-ca uma obscura e desconhecida vila, no subrbio da cidade de SoPaulo. Sempre que me perguntavam onde nasci, confundiam Osascocom a cidade de Osaka, no Japo:

    Nasceu em Osasco??? No Japo?Na verdade, Osasco tem origem italiana e possui o mesmo nome

    de uma cidade do Piemonte, beira do rio P, onde nasceu AntonioAgu, fundador da cidade paulista. Mas se no sou japons, tampoucosou italiano. Minha famlia por parte de me toda espanhola e, porparte de pai, metade espanhola e metade portuguesa. Mistura dosFernandes Prado, da minha me, e dos Toledo e Oliveira, do meupai. Isaas, meu av espanhol, era um intelectual antifranquista e umnegociante mais para artista. Meteu-se a ser dono de cinema e se deumal. Importou vinhos quando ningum bebia vinho no Brasil e aca-bou bebendo o seu prprio negcio. Minha av, Maria Purificacin,Duea Pura, mulher de fibra e destemida para o trabalho, seguroua barra da famlia vendendo roupas como mascate e montando lo-jinhas de armarinho em Presidente Altino e Santos. Francisco Ca-

  • etano, meu av paterno, gostava de jogo e, jogando, perdeu to-da a grana de minha av Ana Carolina de Toledo, uma criaturainvejvel, educada na Europa e que, alm de escrever bem emespanhol, portugus e francs, tinha uma caligrafia que pare-cia impressa em uma grfica. Seu apelido era Dona Nicota, eela montava a cavalo e atirava muito bem. Obrigou os filhosa se alistarem no Exrcito de So Paulo, durante a RevoluoConstitucionalista de 1932. Terminado o confronto, agentes fe-derais quiseram fazer uma revista em sua casa. Dona Nicota osdeixou vontade e foi para o quarto de casal, onde havia armasescondidas. Trancou-se e armou-se de uma espingarda de ca-a. Quando os agentes bateram na porta, ela abriu de arma empunho, engatilhada e apontada para eles.

    Aqui no! Esse o meu quarto. O nico homem que entraaqui o meu marido. Para trs! Se derem mais um passo, euatiro.

    Os agentes ficaram sem reao. No sabiam se ela atiraria eresolveram no arriscar.

    Minha senhora, s uma olhada rpida. Que olhada nada. No permito que minha intimidade seja

    violada. A senhora tem mais armas a no quarto? A arma que eu tenho aqui s esta. E no de guerra,

    de caar perdiz. Somente esta, mais nenhuma... garanto.Eles acreditaram e se foram. Minhas avs tinham, em co-

    mum, a coragem e a arte de cozinhar. Aprendi com elas que,para cozinhar, era preciso ter as duas coisas.

    Meu pai e tio Reynaldo eram dentistas. Na casa da rua daEstao moravam minha av Ana Carolina e meu tio Reynal-do, que era solteiro; l tambm funcionavam o consultrio dosdois e o laboratrio de prtese. A casinha do meu cachorro Ne-

  • gus e o meu triciclo ficavam na garagem junto com o carro domeu tio, um Hudson movido a gs de carvo (gasognio). Nosfundos, ficava o meu campinho de futebol e, na sala, havia umpossante rdio de ondas mdias e curtas no qual eu vivia gru-dado. claro que eu passava mais tempo l do que na minhacasa.

    Meu tio, alm de dentista, era um apaixonado por polticae me arrastava com ele em algumas madrugadas para colocarcartazes de propaganda em postes e muros. Alis, foi Reynaldode Oliveira que promoveu o movimento autonomista que deua Osasco o status de cidade. Foi ele tambm que me ensinou aler e escrever.

    Em 1939, quando todos falavam da Segunda Guerra Mun-dial e o rdio s transmitia notcias do conflito, fiquei curiosoe queria saber tudo o que estava acontecendo. Tio Reynaldomontou na sala de jantar um imenso mapa-mndi, de dois portrs metros, comprou alfinetes de bolinha e, de manh, quandochegavam os jornais, me ensinava a ler as notcias e atualiz-vamos, no mapa, as posies dos aliados e do eixo. Um ano de-pois eu estava fazendo isso sozinho. Da para escrever foi umpulo.

    A vida na casa-consultrio era ativa e agradvel. Meu tioatendia os clientes das sete da manh s sete da noite e meu pai,durante o dia, fazia prteses. Eu ficava ao lado dele. Aprendiaa usar o maarico para fundir ouro usado em pontes e pivs,preparava o paladon e dava polimento nas dentaduras. s seteda noite, meu pai assumia o consultrio, muitas vezes assistidopela minha me, que se metia a dentista s de v-lo trabalhar.Jeitosa e revelando sua vocao para a psicologia, que veio aestudar mais tarde, dona Kina era a preferida das crianas.

  • s dez da noite meu pai parava tudo, dispensava clientes,passava a mo em seu violo e ia para os bares e serestas, ondeficava at altas horas da madrugada. Ao chegar, me acordava eesparramava na minha cama bombons e chocolates, que traziaem um saco amassado de papel. Nunca faltava o Diamante Ne-gro, meu preferido. Quando minha me ameaava uma bron-ca, ele, como em um truque de mgica, tirava do ar uma flor,uma bela ma vermelha ou um pequeno mimo que a encanta-va. Ela ria e me dizia que pressentia sempre quando ele estavachegando, independentemente da hora que fosse.

    Aos sbados e domingos, ia com a viola para programas decalouros, onde sempre se deu mal como cantor. Como era bomde violo, foi aconselhado a desistir de cantar e passou a ga-nhar dinheiro como acompanhante de outros calouros, na R-dio Cultura de So Paulo. Quando no havia mais o risco deser gongado, ou buzinado, ele no tinha mais medo de passarvergonha e me levava para assistir aos programas. Eu ficavasentadinho na cabine de controle, fascinado com os botes ecom os roteiros dos programas que, ento, comecei a colecio-nar. O rdio entrou direto na minha veia.

    Com o apelido de Caula, integrou o conjunto Chores dePresidente Altino, com Jos do Patrocnio, o Z Carioca, An-bal Augusto Sardinha, o Garoto, e, ainda, o pai do genial es-critor Joo Antnio, que tocava bandolim e tinha uma padariaonde eles ensaiavam e se apresentavam nos churrascos das tar-des de domingo. Passou tambm pelo Regional do Rago, on-de usava o que aprendeu como calouro e era o acompanhantepreferido dos novatos. A arte dele era encontrar rapidamente otom do candidato e, mais do que acompanhar, perseguia asperipcias dos cantores inexperientes. No livro Vou te contar,de Walter Silva, o Pica-pau, Rago faz o seguinte comentrio

  • sobre o meu pai: Msico exmio, melhor como acompanhantedo que solista.

    Orlando de Oliveira, meu pai, era corintiano roxo e morreude corintianite aguda. Em setembro de 1941, o Corinthiansconsagrou-se campeo paulista, por antecipao, vencendo oSantos por 3 a 2, em plena Vila Belmiro. Na noite anterior,meu pai havia levantado para espantar uma vaca que tentavacomer nosso pomar. No dia do jogo, teimoso, saiu de casa comuma gripe danada, levando o violo a tiracolo e um frango as-sado debaixo do brao ou vice-versa. Depois da vitria, caiuum p dgua e, mesmo assim, ele foi comemorar com os ami-gos. Minha me o encontrou em um posto mdico com umpster do Corinthians campeo, publicado na Gazeta Espor-tiva. A gripe virou pneumonia e a pneumonia, tuberculose. Aestreptomicina, antibitico especfico para a tuberculose, aindano havia sido descoberta. Com o fgado baleado pelo consu-mo de lcool e a resistncia baixa pelas noites mal dormidas, aprogresso da enfermidade foi rpida. Em 1943, foi internadoem carter de urgncia na Santa Casa de Misericrdia. Minhame, cheia de esperana, foi visit-lo algumas vezes e, final-mente, recebeu uma notcia-surpresa: meu pai havia recebidoalta e deveria ser tratado em um sanatrio ou submetido a umacirurgia. Comunicaram do hospital que ela deveria lev-lo paracasa. Era setembro e minha me faria aniversrio em outubro.Ficou radiante. Era o presente que queria. Lembro-me dela searrumando e colocando o melhor vestido para ir ao encontrodo meu pai.

    Na casa da minha av, onde eu os aguardava, o ambiente erade festa. Minha me demorou muito para voltar, aumentandoa expectativa. De repente, entrou em casa sozinha e chorando

  • copiosamente. Abraou-me e, quase sem voz, sussurrou: Seupai morreu.

    Sa em disparada, correndo, sem saber para onde ir. Meusolhos percorreram velozes os corredores da casa, o laboratriode prtese, o quintal e o campinho de futebol, procurando porele em todos os lugares. Para mim era inaceitvel, era irreal,era mentira. Fugindo da verdade, fui para a casa das minhas ti-as. No tive coragem de voltar para a casa da minha av, ondeseria o velrio. Tive medo de v-lo.

    Meu pai morreu aos 33 anos de idade. Eu tinha 7 anos e oGuga, meu irmo, 2. Minha me iria completar 28 anos. Ela es-crevia poemas, bordava, ajudava no consultrio e no tinha re-cursos financeiros para sobreviver morte do meu pai. Eu, queera rei mimado no colgio de freiras de Osasco, fui parar noGrupo Escolar Marechal Bittencourt, uma escola pblica ondeningum dava bola para ningum.

    Tentei ajudar a famlia, como faziam meus amigos de fute-bol, indo engraxar sapatos na estao de trem. Arranjei umacaixinha de madeira, comprei graxa, escova e fui para l. Logode cara, sujei a meia de um cliente e fui expulso da turma.

    Ainda bem que, para meu consolo, eu tinha uma namoradi-nha, dessas que as famlias decidem que a gente vai namorar.Ela era meiga e, melhor, filha de um dos donos do nico ci-nema local. Dele, ganhei um passe livre para todas as sessescom direito a ver montagens dos filmes na cabine de projeo.Muitos anos depois, quando vi Cinema Paradiso, quase morri.As colunas, a boca de projeo e todas as caractersticas do Ci-ne Osasco eram parecidas com as do filme do Tornatore; at oprojecionista tinha o jeito do Alfredo. Eu ia ao cinema quasetodos os dias.

  • noite, o Reynaldo me levava para o largo da Estao e eu,em p em um caixote, dissertava sobre os acontecimentos dodia no front, como um Reprter Esso local. Quando terminoua guerra, me embrulharam numa bandeira do Brasil, me leva-ram para as casas dos pracinhas de Osasco que haviam ido paraa Itlia e, em cada uma, me mandavam fazer um discurso. Euno sabia o que dizer, mas pelo fato de ser criana, conseguiaarrancar emoo.

    Quando completei o primrio fui internado no Liceu Cora-o de Jesus, onde minha me arranjou uma vaga gratuita comPorfrio da Paz, poltico influente na poca, amigo de amigosdo meu pai. Passei alguns anos l e foi uma experincia de vi-da fantstica. Para pagar os estudos, tinha a obrigao de abriro dormitrio, verificar se estava tudo em ordem e fechar as de-zenas de janelas existentes. Eu deixava a janela, que ficava aolado da minha cama, semiaberta. noite, quando todos dormi-am, eu a abria silenciosamente e ficava olhando o cu, tentan-do entender a vida e sonhando com o que faria quando de lsasse. Repetia isso todas as noites, por anos.

  • Os avs paternos Ana Carolina e Francisco Caetano. Os tios Jos Bonifcio,Reynaldo e Odovaldo e o pai Orlando (ao centro)

  • Duea Pura

  • Orlando, Reynaldo e Odovaldo na revoluo de 1932

  • Boni no colo do pai, Orlando de Oliveira

  • Joaquina Fernandes de Oliveira, me do Boni

  • Boni e seu cahorro Negus

  • Boni e sua primeira namorada

  • Boni

  • Guga, Boni, tia Marina, dona Kina e Duea Pura

  • Boninho e Gigi

  • Boni e Bruno

  • Boni e Diogo

  • Lou

  • Lou e Boni

  • Dona Kina e Boni

  • Dona Kina, como chamavam a minha me, estava tratando de ga-nhar a vida. Vendia aos familiares de recm-falecidos quadros pin-tados baseados em uma fotografia do ente querido, fornecida pelafamlia. Ela ia s missas do interior, conseguia o endereo do fina-do, se apresentava como uma amiga que vinha trazer uma mensagemde conforto e sapecava a venda de uma homenagem pstuma. E nodeixava para depois: argumentava que teria de ser naquele momen-to, pois mais tarde o morto seria esquecido. Nesse tempo, dona Kina,muito justamente, cuidava do Guga, filho menor e mais necessitadode cuidados. Depois, ele tambm foi parar em um internato em Pira-cicaba.

    Passamos tambm por Lins, onde minha me montou uma bibli-oteca particular, a Difuso Cultural Linense, algo parecido com asvideolocadoras de hoje, mas que alugava livros. Eu ia ao colgio efazia tambm o atendimento dos clientes. Morria de vergonha quan-do no sabia responder uma pergunta sobre algum livro. Comecei aler tudo furiosamente e, quando no era possvel, lia pelo menos asorelhas. Para mim foi muito til, mas a biblioteca deu com os burrosngua.

    Aos 13 anos, dona Kina ganhou um concurso de literatura do jor-nal O Estado de S. Paulo, que publicou um conto escrito por ela e suafoto com a legenda Esperana do Brasil. Aos 63 anos, finalmenteresolveu seguir sua verdadeira vocao e ingressou na universidade,diplomando-se duas vezes: uma como administradora e outra comopsicloga clnica.

    Foi para os Estados Unidos e especializou-se em neurolingusticae terapia de famlia pela ITAA (International Transactional AnalysisAssociation), em Oakland, Califrnia. Tornou-se membro efetivo doInstitute of Psychorientology de Laredo, no Texas. Exerceu a profis-so at os 82 anos e s parou porque a proibi de trabalhar. Escreveu

  • e publicou livros sobre psicologia, tais como Voo de Eros, noqual aborda o comportamento sexual, e Psiu, quem voc?,uma coletnea dos pensamentos de Freud, Jung, Lacan e osdela mesma. Poeta sensvel, escreveu inmeros poemas e foitambm presidente da AJEB (Associao das Jornalistas e Es-critoras Brasileiras).

    Aos 95 anos de idade, conta com uma legio de admira-dores, entre parentes, amigos e clientes eternamente gratos.Alm, claro, da gratido e da admirao que eu e o Guga te-mos por ela.

  • Quem tem tio vai ao Rio

    SE QUEM TEM BOCA VAI A ROMA, quem tem tio vai ao Rio. Em 1949,minha me casou-se de novo e decidiu morar no Rio de Janeiro. Eutinha 14 anos e, para mim, foi ouro sobre azul. No Rio, a minha tiaSandra Branca, cantora, tinha um programa s dela na Rdio Conti-nental e era casada com o Jos Pontes de Medeiros, um dos QuatroAses e um Coringa. Alm disso, toda a famlia da tia Artemia, minhatia-av, curtia o ambiente de rdio. Eu adorava ir para a casa dela,em Santa Teresa, para ouvir histrias sobre os bastidores do rdio ca-rioca. Meu tio Jos Gonzlez Fernndez, o Zito, montou a EditoraAssumpo e suas primeiras edies foram livros de Dias Gomes ede Nelson Rodrigues, este sob o pseudnimo de Suzana Flag. O Di-as Gomes era diretor-geral da Rdio Clube do Brasil e pedi ao meutio que nos apresentasse, pois queria aprender a ser nada mais nadamenos que diretor de uma emissora de rdio.

    O Dias, coitado, topou, e eu o enlouqueci. Prefiro deixar que eled sua verso de como as coisas aconteceram. No livro Apenas umsubversivo, ele conta:

    Por essa poca fui procurado pelo editor de meu primeiro romance, o Jos Fernn-dez, que me trazia um adolescente de seus 14 ou 15 anos.

    meu sobrinho, diz que quer ser diretor. E est curioso de saber como se dirigeuma emissora de rdio.

  • Expliquei que no tinha tempo para ensinar, mas ele, o garoto, podia vir to-dos os dias e ficar me observando, assim acabaria aprendendo.

    Da em diante, diariamente, durante o tempo em que permanecia na rdio,eu tinha o aprendiz de diretor me seguindo, me acompanhando. Se eu ia aoestdio, ele ia atrs, se ia ao palco, ele me seguia, se permanecia em minha saladespachando, ele se sentava no sof minha frente e no tirava os olhos de mim,no perdia um s dos meus movimentos, uma s palavra. Era a minha sombra.s vezes, andando na rua, eu imaginava que tinha algum me seguindo, voltava-me, no via ningum, aquilo j estava se tornando uma paranoia. Chamei o Fer-nandes e supliquei.

    Por Deus, me leve esse garoto, ele est me deixando maluco.Dezessete anos depois, esse mesmo garoto me contrataria para trabalhar na

    TV Globo: era Jos Bonifcio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Havia se transfor-mado num dinmico executivo, cujo talento seria amplamente reconhecido co-mo principal artfice da faanha de colocar a Rede Globo entre as quatro maio-res redes de televiso do mundo.

    O que o Dias no contou que ele me mandou para a escolade rdio da prefeitura do Rio de Janeiro, instalada na RdioRoquette Pinto e dirigida por Berliet Jr., importante homemde rdio na poca. L, me deixaram fazer de tudo: ser locutor,apresentador, escrever textos, operar a mesa de controle e atescolher msicas para sonoplastia. No era exatamente o queeu queria. Sabia que se tratava de um aprendizado, mas eu so-nhava mais alto e tinha pressa. Quando o Csar de Alencar pro-gramava os Quatro Ases e um Coringa, l ia eu para a RdioNacional junto com meu tio adotivo, o Jos Pontes, e ficavatransitando pelo bar da Nacional, olhando as celebridades queadmirava.

    Desde os tempos em que ia com meu pai ao auditrio da R-dio Cultura, em So Paulo, decidi que era com isso que queriatrabalhar. O pioneiro do moderno rdio brasileiro foi o AdemarCas, pai do Geraldo Cas e av da Regina Cas. Quando co-

  • meou, no Brasil, o rdio era um veculo amador e sem graa.O locutor da poca, por exemplo, anunciava:

    E agora, com vocs, Carmen Miranda!A Carmen entrava, era aplaudida por um pequeno auditrio,

    os msicos entravam, sentavam-se e, enquanto todos se prepa-ravam para o nmero musical, havia um longo silncio no ar.O ouvinte no tinha a menor ideia do que estava acontecen-do. De repente, o nmero musical comeava. O Ademar Cas,que comeou como vendedor de rdios a domiclio, sacou queaquilo no podia ser assim. Pegou um aparelho de ondas cur-tas e comeou a ouvir as emissoras dos Estados Unidos e deoutros pases. Descobriu que no havia buracos, que era tudoligado, e criou o Programa Cas, implantando em nosso rdioo ritmo. De certa forma, o esprito dele est presente, at hoje,no rdio e na televiso brasileira.

    Em So Paulo, desde os anos 1930, se fazia um rdio de pri-meira qualidade, melhor e mais srio que o do Rio. O rdiopaulista sempre foi mais inteligente. Brilharam por l nomescomo Octavio Gabus Mendes pai do Cassiano , OswaldoMoles, Tlio de Lemos, Jlio Atlas, Nicolau Tuma, Blota Jni-or, Vicente Leporace, Nh Totico, Raul Duarte, Oduvaldo Vi-anna, Amaral Gurgel, Ivani Ribeiro, Sarita Campos, Csar La-deira, Saint Clair Lopes, Murilo Antunes Alves, Aurlio Cam-pos, Pedro Lus, Edson Leite, Geraldo Jos de Almeida, Henri-que Lobo, Adoniran Barbosa, Pagano Sobrinho, Isaurinha Gar-cia, Z Fidlis e, posteriormente, Ronald Golias, Walter Fos-ter, Manoel de Nbrega, Walter Silva e tantos outros. J emmatria de popularidade, a Rdio Nacional do Rio era o m-ximo. Fundada em 1936, sucedeu a Rdio Philips, sob o con-trole do jornal A Noite. Em 1940, foi estatizada por GetlioVargas e incorporada ao patrimnio da Unio, para servir aos

  • interesses do governo. Nos anos 1940, comeou a crescer ba-seada em programas populares, mas de qualidade, como o Re-prter Esso, apresentado por Heron Domingues; Um milhode melodias, criado e produzido por Jos Mauro, Haroldo Bar-bosa e Paulo Tapajs; Nada alm de dois minutos e Obriga-do, Doutor, do mdico, apresentador e escritor Paulo Roberto;PRK-30, dos gnios Lauro Borges e Castro Barbosa; Balanamas no cai, de Max Nunes e Haroldo Barbosa, e tambm no-velas inesquecveis sob a responsabilidade de Floriano Faissal.

    Nos anos 1950, a Rdio Nacional era o mais importante ve-culo de comunicao do pas, mas o rdio brasileiro semprecontou com emissoras importantes em todas as capitais. Rdi-os como Jornal do Commercio e Rdio Clube de Pernambuco,de Recife, mantinham orquestras completas mediante contra-to. A Rdio Jornal do Comrcio foi montada com o que exis-tia de mais moderno em transmissores de rdio e ostentava oslogan Pernambuco falando para o mundo. No sul, a RdioFarroupilha e a Rdio Gacha, de Porto Alegre, tinham umarede de emissoras em todo o estado do Rio Grande do Sul ederam espao para algumas de nossas mais lindas vozes, comoa do inigualvel Heron Domingues. Alis, em matria de vo-zes, o rdio brasileiro foi prdigo. Cito algumas delas: CarlosFrias, Lus Jatob, Csar Ladeira, Reinaldo Dias Leme, Hum-berto Maral, Antonio Pimentel e tambm um nome da novagerao, Ferreira Martins.

    No Rio de Janeiro, uma outra tia, a tia Nair, era fanzoca deauditrio e, sabendo que eu adorava rdio, me levava ao TeatroCarlos Gomes para assistir O trem da alegria, da Rdio Glo-bo, com o famoso Trio de osso, assim conhecido pela magre-za de seus componentes: Lamartine Babo, Heber de Bscoli eYara Salles. Com a minha lindssima tia Sandra Branca, eu ia

  • Rdio Continental. Em 1950, me apaixonei pelo trabalho deCarlos Palut, frente dos Comandos Continental, que conside-ro a base do jornalismo radiofnico e televisivo brasileiros.

    Nesse tempo, eu estudava de manh, no colgio Piedade; tarde, trabalhava no Mier, como auxiliar de prottico, e noite praticava na Roquette Pinto. Foi l que recebi uma vi-sita inesperada. Tratava-se de publicitrios trabalhando para aToddy do Brasil que necessitavam de um jovem para escrevero texto de um programa dedicado aos adolescentes. Achei ape-nas interessante. Mas quando me disseram que seria um pro-grama de auditrio, e na Rdio Nacional, dei um pulo e topeina hora, mesmo com um cach muito pequeno. O programa erasemanal, se no me engano, nas tardes de quinta-feira. Almde escrever textos, eu me escalava para alguns papis nos qua-dros do programa. Pegar um script e interpretar no auditrio daRdio Nacional, onde assistia a meus dolos, era emocionante.

    Em 18 de setembro de 1950, inaugurava-se a TV Tupi deSo Paulo. Minha cabea voltou-se para a televiso e eu spensava em retornar capital paulista. Minha me tambmqueria isso, por conta de desavenas entre o meu padrasto eeu. Ele era contador e trabalhava para vrias empresas no Rio.Chamava-se Ed e era um chato de galocha. Um dia, dei umasacaneada nele: pelas suas costas, fingi que ia espremer um pa-no de cho molhado bem na sua cabea e ele, ao perceber mi-nha manobra, saiu procurando um revlver para me matar. Sno morri porque fugi antes que ele encontrasse a arma. Nosei se atiraria, mas, na dvida, como eu era bom de corrida, memandei e no voltei nem para fazer as malas. O episdio defi-niu o retorno da famlia a So Paulo. L eu mataria trs coelhos e no dois com uma cajadada s. Iria acompanhar os pri-

  • meiros passos da televiso, trabalhar em alguma emissora derdio e ficar com a famlia.

    Outra tia apareceu na minha vida: tia Marina. A mais que-rida, a mais generosa com a famlia, a mais engraada e, portudo isso, a mais importante. Ela trabalhava duro como propri-etria de um salo de cabeleireiros, na avenida Pompeia, cha-mado Instituto de Beleza Avenida e, com seu temperamentoalegre e comunicativo, transformava as clientes em verdadei-ras amigas do peito. Perguntei-lhe se conhecia algum envolvi-do com rdio ou televiso. De cara, respondeu que de televisono conhecia ningum, mas sim de rdio e de publicidade. Derdio, conhecia dona Dalila, esposa do grande radialista Mano-el de Nbrega; e da publicidade, dona Arminda, casada com ogenial Rodolfo Lima Martensen, com quem eu viria a trabalharmais tarde.

    Embora a Rdio Nacional de So Paulo no estivesse di-retamente ligada Nacional do Rio, nos corredores da rdio,no edifcio de A Noite, na praa Mau, diziam que o Nbregaera um dos pilares da Rdio Nacional de So Paulo. Optei porprocur-lo. O empreendimento seria to importante que Der-mival Costa Lima sairia da TV Tupi para voltar ao rdio e serdiretor artstico da Rdio Nacional paulista. Pedi tia Marinaque falasse com dona Dalila para que eu conseguisse marcarum encontro com o Nbrega.

    Levei para ele meus textos ainda amadores. Alm de algu-mas crticas, ele, mestre em escrever humor, me ensinou al-guns truques para melhorar a minha escrita e me props quefosse seu assistente. Mas, para que eu pudesse trabalhar, teriaque esperar at que ele me arranjasse uma salinha na Rdio Na-cional. O dinheiro no seria muito, mas ele tentaria um salrio

  • melhor com o tempo. No pensei duas vezes: voltei para SoPaulo.

  • TV chuvisco

    1951. ENQUANTO AGUARDAVA O INCIO do trabalho com o Manoel deNbrega, ficamos morando eu, minha me e o Guga no sobradi-nho onde funcionava o Instituto de Beleza da tia Marina, na avenidaPompeia. Compartilhvamos o segundo andar com ela e outras tiase primas que tambm trabalhavam no salo. Minha me tinha umaamiga com quem jogava cartas e que possua um televisor, coisa ra-rssima. noite, me enfiava na casa dessa amiga e ficava de olhosgrudados na telinha. Eram apenas algumas horas de transmisso. Euassistia a tudo e, quando acabava a programao, ainda ficava ho-ras assistindo a chuvisco: pontos brancos que se moviam na telaacompanhados de um chiado insuportvel. Muitas vezes era desper-tado pela dona da casa, pois havia adormecido no sof, com o televi-sor ligado, sonhando com o que fazer na televiso. Voltava para casatarde da noite, ou na madrugada, incomodando a mulherada.

    Embora minha me contribusse com algum dinheiro e o Guga atajudasse na limpeza do salo, tia Marina, muito triste, nos avisou queno poderamos morar com ela eternamente. Alm de dividirmos osdois quartos existentes, estvamos tambm compartilhando as camase impedindo o descanso adequado da mulherada. O mais importante que eu, com 16 anos, e o Guga, com 11, j ramos grandinhos osuficiente para tirar a liberdade delas.

    Nesse momento, o Nbrega me chamou. Minha me, voltando experincia de lidar com o outro mundo, arranjou um emprego na

  • Organizao de Luto So Geraldo, no largo Padre Pricles, emPerdizes, onde poderamos morar. No andar superior havia umnico quarto e colocamos l trs camas. A localizao era pri-vilegiada. Em frente tnhamos o Cine Esmeralda e para pegaruma sesso era s atravessar a avenida General Osrio. A R-dio Nacional, onde eu trabalhava com o Nbrega, ficava na rua24 de Maio e eu podia ir de bonde at a avenida Ipiranga coma So Joo, o que me permitia economizar uns trocados. Pelamanh, minha me fazia o atendimento e organizava o negciode venda de funerais. tarde, quando eu voltava do trabalho,assumia a loja com ajuda do Guga. Em meio aos caixes dedefunto e entre a encomenda de um enterro e outro, escreviaos meus quadrinhos humorsticos para o Programa Manoel deNbrega. Bem cedo, de manh, com os quadros em uma pasta,ia para a emissora, onde encontrava sempre o locutor Eli La-cerda que, sabendo que eu no tinha grana, me pagava um cafreforado na Salada Paulista, com direito a um sanduche defil milanesa.

    O Nbrega foi muito importante para mim. Sem ele eu noteria dado a partida. No incio eu organizava os textos dele queseriam os quadros de humor do dia. Conferia tudo e mandavapara o mimegrafo. Era encarregado de confirmar a presenado elenco e, tambm, de receber alguns credores de uma em-presa de cinema que o Nbrega havia criado e no dera cer-to. Ele, sempre tico, no regateava. Aparecia credor, pagavaem dinheiro, na hora, sem chiar. Depois de algum tempo tra-balhando juntos, quando faltava algum texto no programa, eleescolhia no arquivo um quadro antigo e me pedia para rees-crever, atualizando os dilogos. Depois, adquirindo confiana,me deixou encarregado de dois quadros que ele havia criadoe ficamos eu, o Mrio Santos e o Nbrega com todos os hu-

  • morsticos do programa. Peguei bem o estilo dele, de tal for-ma que no sabamos mais o que ele tinha escrito e o que erameu. Por conta disso, tivemos algumas discusses sobre o queera de quem e quem assinava a autoria. Uma bobagem minha,uma vez que o criador dos tipos e dos quadros era ele e eu sestava seguindo a mesma linha. Na verdade, o Nbrega bata-lhou muito para transferir o contrato que eu tinha com ele paraa responsabilidade da Rdio Nacional de So Paulo, mas o bo-nacho Costa Lima, diretor artstico, vinha sempre com a velhaconversa:

    Espera um pouco, menino, agora no tem verba.Essa situao durou mais de um ano e me incomodava. Eu

    estava nervoso, pois me sentia patinando no mesmo lugar. Pre-cisava de dinheiro, mas no me sentia no direito de incomodaro Nbrega. Ele era muito afvel comigo. Quase todo dia me le-vava para almoar em sua casa, onde discutamos como tinhasido o programa e o que deveramos fazer para melhorar. DonaDalila e o Carlos Alberto tambm eram extremamente gentis eatenciosos.

    Mesmo assim, com a situao apertada, eu pensava em vol-tar para o Rio, onde j havia sido inaugurada a TV Tupi cari-oca. Alm disso, imaginava que talvez o Dias Gomes pudesseme ajudar de novo. Uma tarde, quando estava na discoteca dardio escolhendo msicas com o Ricardo Macedo, recebi umtelefonema inesperado. Era a secretria de Tefilo de BarrosFilho, o todo-poderoso diretor artstico das Emissoras Associa-das em So Paulo e monstro sagrado da poca. Naquele tempoeu j era Boni, em casa, mas no rdio usava Oliveira Sobrinho.

    Sr. Oliveira Sobrinho? O dr. Tefilo quer falar com o se-nhor. Vou pass-lo.

    Ele entrou na linha e foi breve.

  • Al, Oliveira, voc pode estar amanh, na minha sala, aquino Sumar, s seis da tarde?

    Pensando que era trote, respondi titubeante: Posso... posso. Ento, at amanh. Mas, por favor, no mencione a nin-

    gum esse telefonema. Nem a na rdio nem na sua casa, porfavor. Mantenha o encontro em absoluto sigilo.

    Achei estranho, muito estranho. Tinha toda cara de que eratrote. Desliguei e fui correndo procurar o nmero da Tupi deSo Paulo na lista telefnica. Liguei para a telefonista e pedipara falar com a secretria do dr. Tefilo. Quando ela atendeu,percebi que a voz era a mesma de antes:

    Aqui Oliveira Sobrinho. Gostaria, por favor, de confir-mar o encontro com dr. Tefilo.

    Ela confirmou. E recomendou: Ele muito pontual. Esteja aqui quinze minutos antes.No falei com ningum e cheguei meia hora antes. Esperei

    alguns minutos e entrei na sala da diretoria. L, o Tefilo, umgordinho bem falante, culto e simptico, foi logo me dizendo:

    Queremos que voc venha para c. Sabemos quanto vocganha e oferecemos um contrato que paga seis vezes mais. Masolha bem, tem uma coisa: s vale se voc assinar agora, semfalar com o pessoal da Nacional. Se souberem, vo querer pa-gar mais para segurar voc. E ns no queremos leilo.

    Eu levei um susto e perguntei: Agora? Tem que ser agora? Agora. Sem falar com ningum.Fiquei pensando. Como assinar sem falar com o Nbrega?Perguntei: Nem pelo telefone eu posso falar com o Nbrega? No. pegar ou largar.

  • Toda minha situao passou pela cabea e, enquanto reviatudo, fiquei parado sem responder.

    O Tefilo me trouxe de volta realidade dizendo em tom deseduo:

    Voc um diamante que precisa ser lapidado. E aqui te-mos uma coisa que eles no tm: a televiso. Precisamos degente jovem. O Cassiano, nosso diretor da TV Tupi, apenasum pouco mais velho que voc. O contrato de dois anos estdatilografado. s assinar.

    No pensei mais. Nem li direito o contrato. Assinei. Porconta do dinheiro futuro tomei um txi e fui para a casa do N-brega comunicar a ele e pedir que compreendesse. Ele ficoufulo de raiva e, muito justamente, fugindo do controle emocio-nal e da educao que lhe eram caractersticos, me chamou deingrato e, aos palavres, me botou na rua. Demorou muito pa-ra voltarmos a nos falar. At hoje sou grato a ele e tenho umespecial carinho pelo Carlos Alberto de Nbrega, que comigocompartilhou os ensinamentos de seu pai.

    No day after, fui Tupi saber quais eram as minhas obri-gaes. Eles iriam lanar um programa chamado Caravana daalegria, para concorrer com o programa do Nbrega, no mes-mo horrio, apresentado diretamente do Cine Osis, na praaJlio Mesquita, e comandado por J. Silvestre. Eu seria o re-dator de cinco quadros humorsticos dirios. Queriam algumacoisa no mesmo gnero da concorrente. A que fui entendero empenho deles e o porqu de tanto mistrio. Assumi a tare-fa do rdio, mas quis conhecer o Cassiano Gabus Mendes. Fuilevado at ele, que, muito simptico e sem rodeios, me reco-mendou que eu aprendesse televiso frequentando os estdiose me aproximando dos profissionais. No momento oportuno,me chamaria. Perguntou se tinha um aparelho de televiso e eu

  • ri respondendo que no. Ele disse que a empresa me empresta-ria um para levar para casa, me entregou uma requisio parapreencher, rubricou o documento e me mandou pegar o televi-sor no almoxarifado. Pediu que eu assistisse a tudo o que fossepossvel. Contei que via at chuvisco. E ele brincou:

    Temos ainda muitos programas piores que chuvisco.

  • Nossa prxima atrao

    COMECEI NA TUPI NO FINAL DO ANO DE 1952. Ela estava meio esvazia-da porque a Rdio Nacional, de onde eu acabara de sair, havia levadoo Costa Lima, a Sarita Campos, a Yara Lins e mais de quarenta pes-soas de uma s vez. Mas Caravana da alegria, na Rdio Tupi, faziasucesso. O pblico do Cine Osis ria dos meus quadros e, finalmen-te, eu estava voando sozinho.

    Antes da entrada do pblico, usvamos a sala de espera do cinemapara ensaiar. Um dia, apareceu no ensaio um senhor elegante, vesti-do impecavelmente, cabelos alinhados, relgio de ouro e com jeitoe perfume de quem acabara de sair do banho. Era o importantssimoFernando Severino, primeiro diretor comercial da televiso brasilei-ra. Veio falar comigo sobre um projeto para a loja de departamentosSears. Queria que eu escrevesse uma comdia de situao que seriaexibida na TV Tupi, trs vezes por semana, s 20h30, logo depois doReprter Esso. O quadro teria a obrigao de terminar sempre comum produto da Sears. Ou seja, tratava-se de um comercial de 15 mi-nutos disfarado de comdia. Para isso, a empresa iria disponibilizaros produtos que deveria veicular e as datas para essa promoo. Pen-sei logo em uma famlia, quando ainda no existia esse modelo nateleviso brasileira e o All in the Family nem havia aparecido na te-leviso americana. Pedi ao Fernando que me ajudasse a falar com oCassiano para compor um bom elenco. Falamos. Cassiano me ofere-ceu o que tinha de melhor no humor: Walter Stuart, Adriano Stuart,

  • Conchita Stuart, Araken Saldanha, Sonia Maria Dorce e a ma-ravilhosa Maria Vidal. Com esse elenco, deveria chamar-seFamlia Stuart, mas ficou sendo mesmo a Famlia Sears. A fa-mlia Stuart viera do circo e o Walter, alm de comandar o Cir-co Bombril, fazia uma piada diria em A bola do dia. Mais tar-de, o Adriano se revelaria um grande diretor de humor, vindoa trabalhar na Globo. O programa Famlia Sears deveria durarquatro semanas, mas, graas aos bons resultados de venda daloja, acabou permanecendo no ar por quatro meses.

    Hoje considero que entregar aquele projeto nas mos de ummenino inexperiente, de 17 anos de idade, foi um ato de co-ragem do Fernando Severino e, ao mesmo tempo, uma doceirresponsabilidade. Encontrei com ele um pouco antes do seufalecimento e disse-lhe que o considerava o inventor do cha-mado merchandising na televiso brasileira. Ele riu muito e foifulminante:

    Eu??? Que nada. Os inventores foram os contrarregras daTupi que, em troca de uma propina, colocavam em cena gela-deiras, liquidificadores, televisores e tudo mais, sempre com onome dos produtos escandalosamente vista. No por acaso,o merchandising nos Estados Unidos tem o nome de productplacement.

    O Famlia Sears teve o mrito de me fazer despertar parauma outra viso do rdio e da televiso, pois, apesar de saberque os patrocinadores e os anncios eram as fontes de receitadas emissoras, eu at ento pensava somente em entretenimen-to. A partir desse programa, aprendi que rdio e televiso eramveculos de publicidade e que o entretenimento era importanteapenas para conquistar maior pblico para ver e ouvir as men-sagens publicitrias.

  • Por ser jovem demais, alm desse seriado, tive poucas opor-tunidades naquela poca. Pediram-me, por exemplo, para darum jeito no Clube do papai noel, programa infantojuvenil deHomero Silva, oriundo do rdio e que precisava se tornar maistelevisivo. No rdio, o Clube havia revelado gente do quilatede Lia Borges de Aguiar, do maestro Erlon Chaves e do fan-tstico Walter Avancini. Foi um dos primeiros programas dateleviso e, quando cheguei, j estava completando o segundoano no ar. Queriam alguma coisa mais moderna e no aquelasapresentaes do tipo vamos ouvir e acabamos de ouvir.Decidi fazer, aos domingos pela manh, pardias dos filmesem cartaz nos cinemas, como Quo Vadis, por exemplo. Conta-va com gente de talento, como Nelson Genari, Terezinha Ga-zano, Flavio Pedroso e Antnio Coelho.

    Queria tambm aparecer no vdeo e no s escrever. Des-cobri que a maior parte das escalaes para segundos papisse decidiam no famoso bar do Jordo, ao lado do auditrio, noSumar. Graas ao amigo Mrio Tupinamb, o genial PriclesLeal me escalou como ator para fazer um capanga do FalcoNegro chamado P de coelho.

    Certa vez, no mais importante programa da poca, o TV deVanguarda, fui escalado para fazer uma ponta. O ttulo do epi-sdio era O maestro, e contava a histria de um menino-pro-dgio sequestrado na vspera do concerto de gala que seria re-gido por ele. Eu entrava somente no final, interpretando umreprter que desvendava o crime. No cho da casa do empre-srio, encontraria a gravata borboleta do smoking do maestro,provando que o empresrio havia preparado uma farsa parapromover o seu contratado. A atrao era ao vivo, como tudona poca. Entrei e no encontrei nada no cho. Gravata nenhu-ma.

  • Comecei, por minha conta, a revirar mveis, cadeiras e sofsat que o Cassiano, que dirigia o programa, cortou o som dosestdios e ordenou:

    Abaixa e pega a gravata no p da cmera.Eu olhei ao meu redor, vi a maldita gravata, peguei-a, exibi

    para a cmera e disse a minha primeira e ltima frase na car-reira de ator dramtico:

    Aqui est a prova. No houve sequestro. Foi tudo um gol-pe promocional.

    Subiu a msica, rodaram os crditos e eu rodei junto. Na sa-da, o Cassiano estava desolado.

    T certo, a gravata no estava l, mas a destruio do ce-nrio foi de matar de rir. melhor voc pensar s em humor,t bom?

    O Mrio Tupinamb e o Pricles me confortaram contandoalguns incidentes muito piores. Uma das melhores atrizes dacasa deveria terminar um teleteatro dando um tiro na cabea.Tiros de plvora seca, quando dados de perto, no saem do re-vlver para no queimar o ator ou atriz. Havia, nos primrdi-os da TV, um cartucho em uma caixa de madeira que era de-tonado por um prego com uma martelada do contrarregra. Aatriz, se no me engano, Lia Borges de Aguiar, no desfecho deum episdio de Contador de histrias, colocou o revlver natmpora e apertou o gatilho. O responsvel deu a martelada naespoleta e nada de tiro. Desesperada, a atriz jogou o revlverfora, foi at a penteadeira, pegou um pente, escondeu entre asmos e gritou:

    Vou me matar com esta faca.Quando fingia que enterrava o pente no peito, o responsvel

    pelo tiro, sem perceber o que acontecia, deu uma nova marte-lada e puuum, o tiro saiu. A loucura foi que a herona acabou

  • morrendo esfaqueada com um pente ao estampido de um tirode revlver.

    Outra loucura dessas aconteceu com o ator Jaime Barcelos,no TV de Vanguarda. A monumental encenao de Os irmosKaramzov exigia a utilizao de dois estdios. As portas des-ses estdios uma em frente outra ficariam abertas paraque uma carroa, puxada a cavalo, atravessasse por elas, trans-portando o ator, ferido em uma batalha. A carroa era pequenae o Jaime ficou com uma perna pendurada de fora. O cavalo,ao passar de um estdio para o outro, se espantou e acabou dis-parando. A perna do Jaime bateu na porta do estdio e sofreuuma fratura. Tudo ao vivo. Ele precisava ser retirado de l pa-ra ser socorrido. Entregaram uma maleta de mdico a um figu-rante forte, j vestido com trajes de poca, e o diretor CassianoGabus Mendes o instruiu:

    V l, escute o corao e diga: Est morto.Outros figurantes entrariam e, juntos, removeriam o Jaime.

    O que faria o papel de mdico entrou, abriu a maleta, colocou oestetoscpio no ouvido e, em seguida, auscultou o corao doator. Como achou sua frase curta, resolveu improvisar e soltou:Est morto. Comoo cerebral.

    H outra verso que diz que o figurante, antes de pronunciara sentena, teria auscultado o crebro do Jaime. No importa.O fato que todos nos estdios caram na gargalhada, inclusiveo defunto.

    Coisas assim no eram to frequentes, mas h muitas hist-rias curiosas que vo surgindo conforme escrevo estes captu-los e recorro memria. Como ningum me ensinava nada, euobservava tudo. Os cenrios, em sua maioria, eram terrveis,pesados, teatrais e mal-acabados, cheios de emendas e quasesempre salvos pela iluminao ou pela falta de definio das

  • primeiras cmeras. O som tambm era deficiente, especial-mente quando era usado o boom um microfone suspenso porum brao metlico mvel. Quando no captava bem o som,o operador baixava o boom e muitas vezes acontecia de essamaravilha contempornea aparecer na Rssia no meio de umaadaptao de Dostoivski, ou no Egito, bem no seio de Cle-patra, ao lado da vbora.

    claro que esse no era o dia a dia. O nvel do contedo,apesar dos parcos recursos, era altssimo. Como poucas resi-dncias possuam um aparelho de TV, a maioria dos programasera endereada classe social AAA. Tanto que uma das peasde estreia da Tupi foi Hamlet, de Shakespeare, com Lima Du-arte no papel do prncipe. Lembra o Lima que o grande poetapaulista Guilherme de Almeida escreveu em sua coluna de jor-nal: O Hamlet do Chateaubriand esteve pattico, mas no foiridculo.

    procura de grandes espetculos, Cassiano, Walter GeorgeDurst, Tlio de Lemos e Sillas Roberg reuniam-se em um cine-ma, alugado pela Tupi, para ver os melhores filmes de todos ostempos e adapt-los para serem realizados nos estdios, comelenco e direo de primeira linha. At Antunes Filho passoupor l. Luiz Galon respondia pelo Grande Teatro Tupi e P-ricles Leal pelo Contador de histrias. A eles se deve muitodo que aprendemos e somos hoje, na televiso, no campo dateledramaturgia. E olha que fazer tudo aquilo ao vivo no erabrincadeira. Quando a televiso brasileira completou quarentaanos, eu, na Rede Globo, quis fazer uma homenagem ao Cassi-ano e ao TV de Vanguarda realizando, ao vivo, um dos textoslevados ao ar por aquele programa. Chamei o Paulo Ubiratanpara executar o projeto e ele levou um susto.

  • Nem pensar. Hoje, s gravando. E com cenas isoladas,uma a uma. Ningum vai decorar o texto inteiro, nem as mar-caes, entradas e sadas dos cenrios. loucura. Desista.

    Pensei bem e resolvi no arriscar. Poderia ser uma catstro-fe. Aquilo s foi possvel, no passado, porque no havia outrojeito... tinha que ser.

    Atualmente, parecemos mais com o cinema do que com ateleviso. Mas a Tupi de So Paulo foi, praticamente, pioneiraem tudo que se faz at hoje. A primeira novela, ainda que emtrs dias por semana, comeou na Tupi. Todos sabemos queVida Alves e Walter Foster deram o primeiro beijo da televisobrasileira, mas poucos sabem que ela, alm de brilhante atriz, a fundadora e a responsvel pela Pr-TV, que cultiva comamor e carinho toda a maravilhosa memria da Tupi e da tele-viso brasileira. Em seu livro TV Tupi, uma linda histria deamor, Vida, melhor que ningum, narra a trajetria da TV Tu-pi, contando seus momentos de glria. Trata-se de um levan-tamento minucioso e verdadeiro, o mais completo entre tudo oque j foi publicado sobre o assunto. O fato que a TV Tupifoi precursora nos mais diversos gneros de programas.

    Uma das empresas cooptadas por Assis Chateubriand e quepermitiu a implantao da televiso no Brasil foi a Antrtica.Aos sbados, o Cassiano e o Tlio de Lemos produziam umsenhor espetculo musical chamado Antrtica no mundo dossons, utilizando os estdios da TV e o palco da Rdio Tupi.Nele, montava-se a imponente Grande Orquestra Tupi, regidaora pelo maestro Rafael Pugliesi, ora pelo maestro GeorgesHenry, com a maioria dos arranjos de autoria de Luiz ArrudaPaes. Nos estdios, vrias cmeras eram usadas para ilus-traes visuais do texto e das msicas. Tlio chegou a usarGuilherme de Almeida para declamar poemas no programa.

  • Eu, que era funcionrio, no perdia uma apresentao e,alm de admirador, tornei-me amigo do Tlio. O talk showtambm comeou na Tupi, comandado por Lia Aguiar e como nome de Encontro entre amigos. J o clssico de perguntase respostas O cu o limite teve como apresentador o incrvelAurlio Campos. O Heitor de Andrade, apresentador do Saba-tinas Maizena, tambm era muito bom e de uma simpatia a to-da prova.

    Futebol tambm nunca faltou na Tupi, nem que fosse foracomo, por exemplo, no Parque Antrtica, quando a emisso-ra derrubou a cortina de bambu que havia sido levantada paraimpedir a viso das cmeras, ou quando realizou transmissesconsideradas impossveis e que superavam os limites das dis-tncias que a tecnologia existente permitia. No telejornalismo,havia Dalmcio Jordo, no Reprter Esso; Roberto Corte Re-al, no Mappin Movietone; Maurcio Loureiro Gama, como co-mentarista, alm das reportagens audaciosas de Carlos Spera eJos Carlos de Moraes, o Tico-Tico. O Grande jornal faladoTupi, de Coripheu Azevedo Marques, em razo dos poucos re-cursos existentes, no tinha, claro, a agilidade dos telejornaisatuais, mas apresentava contedo e anlise dos fatos.

    Em 1952, foi ao ar a primeira verso do Stio do PicapauAmarelo, produzido e escrito por Jlio Gouveia e Tatiana Be-linky, com Lcia Lambertini e Edi Cerri. At o hbito de anun-ciar o programa seguinte, chamado de Nossa prxima atrao, uma criao da TV Tupi. Ao contrrio do que se faz atual-mente, tornando os intervalos mais dinmicos, no incio da te-leviso era preciso esticar o intervalo para dar tempo de montaro programa seguinte, ajustar equipamentos etc. Quem encon-trou a soluo para isso foi o Mrio Fanucchi, criador do sim-ptico Curumim (ndio pequeno) que passou a ser a marca da

  • Tupi e virou o personagem que anunciava a prxima atrao.O indiozinho aparecia em situaes humorsticas anunciandoo programa seguinte e valorizando o intervalo comercial. Peladurao e pelo contedo, o Mrio Fanucchi passou a chamaros intervalos de interprogramas. So coisas simples, mas quedo saudades. Mais tarde, na Lintas, eu compraria o patrocniode Nossa prxima atrao para a Lever, em todo o Brasil.

  • Um piano ao cair da tarde

    NOS CORREDORES DA TUPI conheci o Roberto Corte Real, o homemda gravatinha borboleta, jornalista e apresentador do Mappin Movi-etone. Ele havia sido locutor da Voz da Amrica, morado nos Esta-dos Unidos e, no Brasil, era o diretor artstico da CBS discos. Ro-berto era brilhante e viria a comprovar isso no final dos anos 1950 eincio dos 1960, quando lanaria nomes como Roberto Carlos, May-sa, Agostinho dos Santos e Lana Bittencourt. Em uma conversa, eleme contou que era amigo do Aloysio de Oliveira e do Z Carioca doBando da Lua. Na mesma hora eu disse a ele que o Z Carioca ha-via tocado junto com meu pai mas que havamos perdido o contato.Um dia, noite, fomos tomar uns drinques na casa do Roberto. Elefez uma ligao para Los Angeles e me colocou no telefone com oZ Carioca. Foi uma emoo indescritvel falar com o Z, famoso nomundo inteiro e conhecido nos Estados Unidos como Carioca Joe.Lembramos dos tempos magros de Osasco e Presidente Altino e dovelho conjunto musical no qual meu pai e ele tocavam juntos. Dapara frente, o Roberto resolveu virar uma espcie de substituto domeu pai. Em 1953, ele me contou, no escritrio da CBS, na Liberda-de, que iria apresentar o Mappin Movietone na TV Paulista. Segun-do comentrios, a TV Tupi assumira o compromisso com a McCannErickson agncia de publicidade que tinha a conta da Esso de queretiraria do ar os programas Telenotcias Panair e Mappin Movieto-

  • ne para lanar na televiso o consagrado noticirio de rdio Re-prter Esso, o que efetivamente ocorreu em 17 de junho da-quele ano.

    A TV Paulista, montada com subscrio pblica de aespelo deputado Ortiz Monteiro, havia sido inaugurada em mar-o de 1952. O incio da Paulista se mostrava promissor. Foil que comeou o Circo do Arrelia e por ali passaram compa-nhias teatrais como as de Nicette Bruno e de Cacilda Becker.O Teledrama da Paulista e o A praa da alegria, do Nbrega,tambm marcaram poca no Canal 5 de So Paulo. Os estdi-os, que ficavam no edifcio Lige, na avenida Paulista, eramto pequenos que quando a emissora saiu do prdio montaraml uma modesta tinturaria. Em 1954, a TV Paulista entrou emcrise. As poucas coisas boas que ela possua tinham sido leva-das para a ento recm-inaugurada TV Record. O Roberto, queera apenas apresentador, foi convidado a ser o diretor artsticoda Paulista. Ele achava que poderia salv-la e me convidou pa-ra trabalhar como seu assistente. Eu sabia que era uma loucaaventura, mas havia uma atrao irresistvel para quem estavaansioso por ter liberdade. Eu poderia fazer de tudo, mexer emtudo, experimentar de tudo. No havia mais elenco, nada, so-mente o pessoal tcnico e operacional. Nem dinheiro havia. Aminha meta era aprender e fui com o Roberto Corte Real parao desconhecido. L, encontrei dois profissionais que me acom-panhariam inmeras vezes em vrias emissoras por onde pas-sei: o Antonino Seabra e o Luiz Nardini. A turma da TV Re-cord havia treinado na TV Paulista e muitos visitavam o Canal5 com frequncia. Um deles era o Nilton Travesso, dono de umrefinamento mpar e um dos profissionais que mais inovaestrouxe para a televiso brasileira.

  • Para que se tenha uma ideia da precariedade e da pobreza daPaulista, os dois primeiros programas que conseguimos colo-car no ar foram O prato do dia uma espcie de A bola do dia,da Tupi, mas sem cenrio e Um piano ao cair da tarde. EmO prato do dia o comediante Renato Corte Real, irmo do Ro-berto, colocava a cabea sobre um prato e contava uma piadade sua autoria. No estdio, havia um belo piano, sobra dos pri-meiros investimentos e, s seis da tarde, apresentvamos duasmsicas executadas pelos maiores pianistas populares do mun-do, selecionados pelo sensvel sonoplasta Vicente Dias Vieira.O locutor apresentava: Hoje, em cartaz, Robledo. E, no diaseguinte: Hoje, em cartaz, Peter Kreuder e, assim, pianistasnacionais e internacionais desfilavam pelo programa. O somera o original de um disco do pianista anunciado mas, no v-deo, aparecia algum bem-vestido, fingindo tocar o piano, semque a cmera mostrasse as mos, claro. Cada dia sentava umfuncionrio diante do instrumento. Eu fui muitos pianistas di-ferentes e o prprio Roberto, vrios outros. Quando telefona-vam dizendo que o Robledo da semana anterior no era o mes-mo Robledo daquela semana, a telefonista tinha ordem de di-zer:

    No, no o pianista verdadeiro. apenas uma homena-gem.

    Nessa poca, um dos poucos corretores da Paulista era oLuiz Guimares, locutor de belssima voz que, por isso mesmo,foi convidado a fazer o personagem principal do seriado O In-visvel, uma verso televisiva de O Sombra. Quando a Organi-zao Victor Costa comprou a TV Paulista, o Guimares assu-miu a produo comercial da emissora, e quando a Globo ficoucom o Canal 5, ele passou a assistente do Montoro, em seguida

  • foi meu assistente e, finalmente, diretor nacional de programa-o da Globo.

    Outra curiosidade que na TV Paulista s existiam trs c-meras e no havia o que se chama de telecine, equipamento pa-ra projeo de filmes. L, o filme passava na parede, dentro deum tnel de madeira, e era captado por uma cmera comum.Existia, por incrvel que parea, diretor de TV para os filmes,que eram mutilados. Quando aparecia uma cena empolgante, odiretor se entusiasmava e mandava a cmera se aproximar parapegar melhor o centro da ao. Um desastre.

    Outro incidente aconteceu em um programa meu. No t-nhamos o equipamento boom, uma haste telescpica que sedistendia ou encolhia, levantava ou baixava, para movimentaros microfones. Nossos microfones ficavam no pedestal, quan-do usados no cho, ou ento na ponta de um sarrafo de madei-ra, quando usados por cima dos atores. Os cenrios eram pre-gados ao lado de corredores areos (catwalk), por onde anda-va o operador de microfone, para captar o som. Em um quadromusical, Romeu, com um alade, cantava para Julieta, que es-tava no alto de uma sacada, vista por uma cmera no cho, paradar impresso de mais altura. Romeu, ajoelhado, era visto poruma cmera colocada no alto, de modo a aumentar a distnciaentre os dois. De repente, o sarrafo do microfone bateu na par-te da sacada, que foi abaixo com a Julieta e tudo. Foi feito umcorte rpido para a cmera de cima, na tentativa de salvar a ce-na, mas o que se viu foi o Romeu, com a sua viola, fugindo spressas do cenrio.

    Na verdade, tudo era um caos, exceto o Bate-papo comSilveira Sampaio. O Roberto, muito amigo do Silveira,convenceu-o a ir para l, e como o programa era bastante sim-ples no houve complicao. Mas isso no durou muito e ele

  • logo foi trabalhar na TV Rio e depois na Record. No domingo,assumi o horrio que viria a ser, no futuro, o primeiro sucessodo Silvio Santos. Fui apresentador do Clube dos novos valores,com alguns dos artistas vindos do Clube do papai noel, especi-almente a Terezinha Gazano, que lamentavelmente no seguiua carreira de cantora. Com um repertrio que mesclava can-es italianas e jazz, teria sido uma Zizi Possi. Da minha parte,aprendi como no se apresenta um programa e desisti logo. OClube ia ao ar depois do futebol. E, nesse campo, tnhamos umdos melhores narradores esportivos de todos os tempos: o Mo-acyr Pacheco Torres.

    Era quase impossvel receber algum pagamento na TVPaulista, mas me tornei amigo do grande Nabor Merchioratto,caixa da emissora. Os salrios eram pagos em pneus, casimi-ras, televisores, geladeiras e coisas assim, nas quais eu no ti-nha o menor interesse. Mas o Nabor me arranjava passagens doExpresso Brasileiro que eu vendia com facilidade, s sextas-feiras, quando a demanda para ir a Santos aumentava. O Ro-berto, que sem querer havia me colocado nessa fria, arranjouum dinheirinho para mim na agncia de notcias World Press,mas a quantia era absolutamente insuficiente e o trabalho, bu-rocrtico. Depois ele me apresentou ao Jos Scatena, um dosmeus grandes mestres, fundador da RGE, uma das primeirasempresas do Brasil especializada em gravao de jingles, co-mo so chamadas as mensagens comerciais contadas. Na RGEeu ganharia um cach para escrever alguns textos para capasde discos e poderia faturar mais uns trocados se algum trabalhoextra aparecesse.

    Em 1955, transitavam pela gravadora produtores e diretoresdos departamentos de rdio e TV das mais importantes agnci-as de publicidade e comecei a gostar do assunto. L trabalha-

  • vam medalhes do jingle, como Victor Dag, os irmos Mau-geri, Lauro Muller e o Passarinho. Aprendi muito com os ma-estros que atuavam na rea de produo de comerciais canta-dos, como o Ruben Perez o Pocho , o Erlon Chaves e o Ca-ulinha; e com os operadores de som, como o Henrique Car-dia e o Stlio Carlini. L tnhamos tambm um trio de cantorascomposto por Lourdinha Pereira, Rosa Pardini e Cla Simo-ne. As vozes masculinas do coral eram dos Titulares do Ritmo,sob o comando do Chico. Eu aproveitava a proximidade delese fazia, de vez em quando um freela, jargo da publicidade quevem da palavra inglesa freelancer, ou seja, um trabalho ou tex-to publicitrio independente. A RGE ficava no mesmo prdioda Rdio Bandeirantes na rua Paula Souza, zona do Merca-do Paulista , onde nesse tempo brilhavam: Oswaldo Molles,criador do RB-55; grandes homens de rdio como Jlio Atlase Henrique Lobo; e o maestro Slvio Mazzucca. Os mandachu-vas Edson Leite, Murilo Leite e Alberto Saad faziam uma re-voluo no rdio.

    Foi nessa poca que me tornei muito amigo do Walter Silva,o cronista de msica popular brasileira conhecido como Pica-Pau. Ele foi, para mim, uma importante fonte de saber na reada MPB e um companheiro leal desinteressado. Casou-se coma minha querida amiga Da Silva, que trabalhava na RGE e ho-je uma talentosa artista plstica. Nas pocas magras, quandosaamos para assistir a algum show e jantvamos tarde, eu ain-da ia tomar um drinque na casa deles, e ficvamos at altas ho-ras da madrugada ouvindo as novidades musicais do mercadoe discutindo os novos talentos.

    Walter Silva, com seu Pick-up do Pica-Pau na Rdio Ban-deirantes, seus shows do Teatro Paramount, suas crnicas e li-vros sobre a MPB, foi um baluarte da defesa da qualidade e da

  • autenticidade na msica popular brasileira. Grande Walter Sil-va. Ao lado desses amigos, e com a ajuda do Scatena e do Ro-berto Corte Real, eu conseguia pegar algumas encomendas daRdio Bandeirantes para redigir textos comerciais e de algu-mas agncias de propaganda para dirigir a gravao de textose jingles. Juntando tudo dava para ir tocando, mas ainda estavafora do que realmente me interessava: a televiso.

    Eu e o Roberto Corte Real estivemos, de alguma maneira,sempre prximos, ligados pela msica, pela publicidade, pelateleviso e por uma sincera e duradoura amizade que me trou-xe muitos conhecimentos. Fizemos vrias viagens internaci-onais para tratar de negcios. Visitamos estdios de televisoem Los Angeles e em Nova York. Alm da paixo pela msicae pelo jornalismo, o Roberto cultivava tambm um humor finoe oportuno, caracterstica da famlia Corte Real.

    Uma noite, em Los Angeles, fomos jantar na casa de um mi-lionrio, amigo do Z Carioca, que tinha mania de colecionarcarnes de anos especiais, guardadas a uma temperatura abaixode cinquenta graus. Para se ter uma ideia da riqueza do anfi-trio, ele morava no topo de uma colina e seu vizinho de rua,bem mais abaixo, era o Johnny Mathis. Havia carne guardadadurante mais de trinta anos. Os convidados entravam em umimenso freezer e escolhiam, vontade, o ano da pea que de-sejavam comer: 1945, 1950, e assim por diante. O Roberto, nasada, comentou:

    Foi a primeira vez que comi um churrasco de mmia.Nas viagens com ele, conheci muitas figuras importantes da

    indstria do disco, do cinema e da televiso. Onde quer que es-tivssemos, sempre fazamos uma pausa nos trabalhos para umhappy hour em um piano-bar, a fim de matar a saudade dos ve-lhos tempos. Aos primeiros acordes de cada msica, lembrva-

  • mos das histrias da TV Paulista ou de alguma passagem en-graada do nosso quebra-galho: Um piano ao cair da tarde.

  • Nosso cu tem cinco estrelas

    NO INCIO DE 1955, CONTINUVAMOS na Organizao de Luto So Ge-raldo, morando e trabalhando l. Sem trocadilho, as coisas estavampretas. Eu, perdido, no sabia que caminho tomar. Foi o Scatenaquem me fez dar uma guinada do rdio e da televiso para a publici-dade, alm de se oferecer para falar com o Rodolfo Lima Martensene arranjar uma entrevista para mim.

    O Rodolfo um mestre perfeito. Fundou a Escola Superior dePropaganda e vai ser um passaporte para voc.

    Entretanto, lembrei-me que minha tia Marina havia mencionadoque conhecia dona Arminda, casada com o Rodolfo. Avaliei que aapresentao do Scatena poderia ser muito formal e menos forte doque o pedido de uma mulher. Liguei para minha tia e pedi que falas-se com a dona Arminda. Tia Marina, como sempre, na jogada. Deviatanto a ela que, quando fui para a Globo, dei-lhe o cargo de chefe dascabeleireiras em So Paulo, no s por gratido mas porque era mes-mo uma mulher fora de srie. Dona Arminda marcou um encontrocom o Lima para mim e prefiro que ele mesmo conte essa histria.Em seu livro O desafio de quatro santos, ele narra:

    Nossos programas eram os de maior audincia em todo o Brasil, mas com o adventoda televiso, a Lintas uma agncia de propaganda era obrigada a entrar de armas ebagagens no intrincado e enganoso mundo do show business. Quem seria capaz de co-mandar, para mim, uma operao to complexa? J havia feito vrias tentativas, mas

  • constatara que no era fcil encontrar algum que aliasse ao talento criativo deum diretor de teatro a capacidade administrativa de um empresrio, pronto paracontrolar criaturas to temperamentais quanto os astros e estrelas com quem t-nhamos de lidar (e depender) na televiso.

    Surpreendentemente, foi minha mulher quem, sem saber, ajudou a resolveresse problema, uma das solues mais brilhantes da minha carreira, a decisoque veio a dar ao Brasil um dos valores mais inquestionveis da televiso mun-dial. O processo comeou durante um tranquilo jantar em famlia. Minha mulherperguntou-me de mansinho:

    Voc no teria, na Lintas, um lugar para um rapaz talentoso que est sendomuito mal aproveitado no rdio?

    Quem ele? sobrinho de uma amiga minha. E o que ele faz? No sei exatamente. Mas escreve para o programa do Manoel de Nbrega.

    Dizem que tem muito jeito para a coisa. Voc no quer entrevist-lo? Qual a idade dele? Voc sabe? Acho que tem menos de 20 anos. Ah, que pena! muito moo para o que eu estava pensando. Mas... custa entrevistar? No. No custa. Voc tem razo. Mande o rapazinho falar comigo depois

    de amanh.Dois dias depois estvamos nos ltimos dias de dezembro de 1955 Mura

    Fischman, a ento subgerente da Lintas, veio minha sala e anunciou: Tem a um rapaz que insiste em falar com voc. Diz que apresentado da

    Arminda e que voc j sabe do que se trata. Tem uma cara e uma conversa ti-mas.

    O moo foi introduzido em minha sala e quando lhe perguntei o que sabiasobre rdio e televiso, respondeu-me de maneira to lcida e objetiva que fezcom que eu me levantasse, sasse detrs de minha mesa, sentasse a seu lado numsof e passssemos a trocar ideias sobre o assunto como se fssemos velhoscolegas. Nossos conceitos de qualidade coincidiam surpreendentemente, nossorespeito pelo pblico era idntico, nossos princpios de trabalho tinham a mesmabase. Sem dvida nenhuma, estava diante de um rapaz fora de srie, exatamen-te o homem que eu procurava! Meu nico mrito, naquela hora, foi detectar otalento e a profundidade de pensamento daquele moo desconhecido que tinha

  • em minha frente. Contratei-o imediatamente. Quando saiu de minha sala, j es-tava nomeado Chefe do Departamento de Rdio e Televiso da Lintas do Brasil.Chamava-se Jos Bonifcio de Oliveira Sobrinho. Boni, para os ntimos.

    Boni, essa glria nacional que deu Rede Globo de Televiso o mais elevadopadro de televiso do mundo, o que valeu a ele o Prmio Salute 1979, traba-lhou trs anos comigo. De 1956 a 1958. Foram trs anos de muita inovao earrojadas realizaes. Sua capacidade de trabalho era to grande quanto o poderde criao. Aprimorou no s o entretenimento que colocvamos no ar, comotambm a propaganda no rdio e na televiso. Defendia seu trabalho com unhase dentes, porque estava seguro do que fazia. Brigava com os clientes e no tinhapapas na lngua para mandar um diretor da Lever quele lugar, se ele no fossecapaz de bem avaliar um trabalho seu.

    Terminada a conversa, o Rodolfo foi mostrar a minha salae me apresentou aos principais profissionais da Lintas. Pediuque eu chegasse cedo porque me passaria as tarefas da minharea. O primeiro trabalho que tive na agncia em nada se pare-cia com o esperado. A Escola Superior de Propaganda, funda-da pelo Rodolfo, havia recebido o bilhete azul de Pietro Ma-ria Bardi e estava se mudando s pressas para outro local, nomesmo prdio da rua 7 de Abril, em So Paulo, cedido a bai-xo custo pelos Dirios Associados e com mveis doados pelaEditora Abril. Tudo seria feito em noventa dias. E ns, da Lin-tas, fomos convocados pelo Rodolfo e pela Mura para ajudara montar os mveis nas salas de aula. Entendi, naquele mo-mento, a grandeza e a preocupao do Martensen com a quali-dade. A ESP viria a se tornar depois essa fantstica organiza-o de ensino que a ESPM (Escola Superior de Propaganda eMarketing), uma das melhores se no a melhor instituiesdo gnero em todo o mundo. oportuno lembrar alguns no-mes importantes dessa escola, entre os que j se foram, como oprprio Rodolfo, Renato Castelo Branco, Otto Scherb, GeraldoSantos e Luiz Celso Piratininga. E, entre os que continuam na

  • batalha, imprescindvel o registro de nomes como ArmandoFerrentini, Francisco Gracioso, Ivan Pinto e Jos Roberto Whi-taker Penteado Filho.

    Depois da misso inicial, vrios e maravilhosos desafiossurgiram na Lintas. O Rodolfo me deu ampla liberdade e dei-xou que eu tentasse caminhos inovadores. Meu primeiro jin-gle, em 1955, foi para a pasta Lever SR, com base no sucessode Rock around the clock, usando o estilo rock n roll.

    Com o Pocho, fiz um jingle clssico da Lever: As mulheresmais bonitas usam sabonete Lever..., gravado pelo Almir Ri-beiro; criei a campanha de lanamento do Rinso no rdio e naTV; e, com o Plnio Toni, desenvolvi o projeto de venda de sa-bo em p para quem no tinha mquina de lavar: a Quinzenade brancura Rinso, ganhadora do Marketing Report da Unile-ver, em Londres. A Quinzena acontecia de cidade em cidadedo interior e tinha como apoio um filme comercial de dois mi-nutos, com Adoniran Barbosa e Maria Vidal, que , at hoje,o recordista de cpias para exibio em cinema. Fiz tambm olanamento do sabo em p Omo no rdio e na TV e, com C-sar Alencar, o Festival Rinso, na Quinta da Boa Vista, com umretorno de quinhentas mil tampinhas do produto. Compramospara a Lever e produzi os comerciais que anunciavam a prxi-ma atrao nas emissoras de TV em todo o Brasil. Rodolfo eeu criamos e lanamos o Lever no espao.

    O Rodolfo me deu tambm a oportunidade de conhecer qua-se todo o Brasil. Comecei pelo estado de So Paulo. Haviauma necessidade de penetrao do sofisticado sabonete Lever(hoje, Lux) nas classes mais baixas e criei um formato cha-mado Caixa de pedidos Lever, que transmitia pedidos musi-cais com ofertas para amigos, namorados etc. Essas ofertas spoderiam ser feitas usando o envoltrio do sabonete Lever. O

  • programa era transmitido diariamente, de segunda a sexta-fei-ra, nas principais emissoras do interior de So Paulo. A autori-zao de publicidade no permitia que as emissora