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HENRYBERTHOUD
OÚLTIMODIÁLOGO
FREEBOOKSEDITORAVIRTUAL–CLÁSSICOSESTRANGEIROSTERROR-HORROR-FANTASIA
Título:OÚLTIMODIÁLOGO.Autor:HenriBerthoud(1804–1891).VersãoemPortuguêsdePauloSoriano,compiladaeadaptadaapartirde traduções de autores anônimos do séc. XIX, publicadasoriginariamenteem“OChronista”(RJ),ediçãode2denovembrode1836e“ARevelação”(SC),ediçõesde30dejulhoe6deagostode1853.Imagemdacapa:Anônimoinglêsdoséc.XV.Leiautedacapa:Canva.Série:ClássicosEstrangeiros–vol.41.Editor:FreeBooksEditoraVirtual.Site:www.freebookseditora.comDireitos:Originaletraduçãodedomíniopúblico(art.41,daLeinº9.610,de 19 de fevereiro de 1998). Adaptação textual: © Paulo Soriano.Proibidaareproduçãosemautorizaçãopréviaeexpressadoautor.Ano:2018.
Sitesrecomendados:www.triumviratus.net,www.contosdeterror.com.br,
www.contosdeterror.site
SumárioÚLTIMODIÁLOGO6SOBREOAUTOR9
ÚLTIMODIÁLOGO
Vestido com hábitos religiosos, deitado sobre a cinza, e com as mãoscruzadas sobreopeito, esperavao imperadorTeodoroLáscaris omomento deexalaroúltimosuspiro.
ReconciliadocomDeus,preparadoparaesse instantesolene,edesgostososobretudodasgrandezashumanas,debomgradohouveraestendidoosbraçosàmortesenãooatormentassealembrançadequedeixavanaorfandadeseufilhoJoão, que contava apenas nove anos de idade, e que talvez sucumbiria sob apesadaeespinhosacoroadeNiceia.
Oimperadorchorava.Choravaporquecareciadeumamãoforteefielparasustentaressacoroana
cabeçadeJoão,eodesventuradopaisóviainimigosemtornodesi.Jorge Acopólito não devia estar ainda esquecido de que, por ordem do
imperador,foraaçoitadocomoumescravo.Muzalonvira-seexpulsodoConselhoapontapés.MiguelPaleólogo…Oh,seelepudesseesquecer-sedeumanoitefunesta…
Talvezseesqueça,poisfoiessaaúnicavezemqueoimperadorsemostroucruelcomele:Miguelseriageneroso.
—ChamaiMiguelPaleólogo!Apressai-vos!Umdosguardasseretirou.Logovoltou,precedidoporMiguelPaleólogo.A noite havia assomado: uma só lamparina iluminava o pavilhão do
imperador;agitada,semcessar,pelovento,elafaziacintilarinquietoslampejos.Duas mulheres e um padre, ajoelhados junto ao leito, faziam companhia aomoribundo.VendoTeodoroapareceragigantescafiguradeMiguel,ordenou-lhesquesefossem,eficaramdoishomensfaceaface,poralgumtemposilenciosos.
Oimperadorfoioprimeiroquefalou.—Miguel—perguntouele—,tumeodeias?—Sim,euteodeio.—Apesardisto,eutemandeichamarpara,nomeuleitodemorte,reclamar
detiumimensobenefício.—Éporquenenhumaoutrapessoaofariaemteufavor.—Miguel,tusabesqueeusempreteamei.UmsorrisodeamarguraedeironiacontraiuoslábiosdoPaleólogo.— Oh,Miguel! Não jugues com demasiada severidade a minha conduta
para contigo! Se um dia tu reinares (Deus te livre de semelhante desgraça!),saberás o quanto mereço ser desculpado por ter-te mandado encarcerar, pois
todos me diziam: “Ele ambiciona a tua coroa e conspira conta ti; é jovem,eloquente e amado pelos soldados...”. —Mas deixa-me concluir, porque osinstantesme sãopreciosos.Escuta-me: estoumorrendo edeixoum filho, umapobrecriançadesamparada.Nomeio-te seu tutor conjuntamente comMuzalon.Aceitasestetítulo?
—Aceito.—Etujuras,sobreomeuleitodemorte,ediantedeDeusquenosouve,
queserásparaomeufilhoumpaiternoededicado?—Ouve:amanhã,depoisdeteufuneral,mandareiassassinarMuzalonesua
famíliaparaconstituir-menoúnicotutordeteufilho.Oitodiasdepois,mandareioteufilhoparaumaprisãoàbeiramar.Umanodepois,mandareiquelhefuremosolhoscomferroembrasa.
Oimperador,reunindoaspoucasforçasquelherestavam,arrastou-separaforadacamaelançou-seaospésdoPaleólogo.
—Tem compaixão dessa criança. Vinga-te em mim. Fere-me com a tuaespada.Mastemdelecompaixão.
—Ferir-tecomaminhaespada?Paraquê,semorrerásdaquiaumahora?—Oh,tempiedade!Euteimploro!— Teodoro Láscaris, Deus é justo. O cárcere em que o teu filho será
sepultadoéomesmoemquemefizeste jazerpor trêsanos.Oferroembrasa,quehádefurarosolhosdeteufilho,éomesmodequeteservisteparaaçularosgatosselvagensquedevoraramaminhairmã,metida,porordemtua,dentrodeumsacocheiodessesanimais.
—Maséumacriançainocente!—Eraumamulherinocente.—Quecrimeelecometeu?— Que crime cometeu a minha irmã? Não querer dar a sua filha em
casamentoateufavoritoMuzalon.Tupartistededorocoraçãodeminhamãe.Teucoraçãodepaitambémsepartirádedor!Tumatasteumamulher.Então,ummeninoserámorto.Éapenadotalião:éajustiça.
—Poisbem—exclamouLáscaris—eusouaindaoimperador.Óguardas!Guardas!
MiguelpôsopésobreopescoçodeTeodoroesufocou-lheosgritos.—Silêncio, cadáver!Não sabesqueum imperadormoribundonão reina?
Mas, para que lhe tolher os gritos?— acrescentou Miguel, tirando o pé. —Ninguémacudirá.Ninguémviráemteusocorro.E,sealguémviesse,aumgestomeucuspiriaemtuacara.
Depois,sentou-seaoladodoleitodoimperador.
Uma hora se passou sem que se ouvisse outro som além do estertor domoribundo.
Derepente,cessouaagoniaeummovimentoconvulsivoagitouohábitodefradequecobriaTeodoro.
Miguel inclinou-se sobre o cadáver e tirou-lhe do seio o decreto doimperadorquenomeavatutordeseufilhoMiguelPaleólogoeMuzalon.
— Soldados — exclamou ele —, o imperador já não existe, e deveisobedecer-me,poquesouregentedo impériodeNiceia.Eisasúltimasvontadesdoimperador.
—VivaMiguelPaleólogo!—gritouumamiríadedevoz.Nodiaseguinte,duranteoenterrodoimperador,massacraramMuzalon.E um ano depois, numa fortaleza à beiramar, furaramos olhos da pobre
criança,quenemaomenospodiaresistiraosseusalgozes.
SOBREOAUTORSamuel-Henri Berthoud (1804 – 1891), escritor e jornalista francês,notabilizou-senãoapenaspor seuscontosecrônicas (Chroniques et traditionssurnaturelles de la Flandre) mas, também, pelos seus populares artigos dedivulgação científica voltados aos jovens leitores. “O Último Diálogo”,publicadooriginalmentena revista“MuséedesFamilles”,ediçãode janeirode1935, conquanto inspirado em fatos reais, não reflete a realidade histórica.Inobstante isto, é certo que Miguel Paleólogo encarcerou e cegou João IVLáscaris,oimperadorcriança,apósusurpar-lheotrono:cego,ojovemmonarca,definitivamenteinabilitadoparaocargo,jamaispoderiareivindicar-lheacoroa.