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2 O menino do morro virou Deus

Autor: Bruno Rico.

ISBN: 978-85-914558-1-2

Modelo de capa: Allan Vilela.

Fotógrafo: Efraim Fernandes.

Designer de arte final: Nathalie Nolasco.

Ano: 2013 – RJ.

Vendas pelo site: www.perse.com.br

Blogs do autor:

www.mundodorap.blogger.com.br

www.sentimentocritico.blogspot.com

Contato: [email protected]

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3 O menino do morro virou Deus

Bruno Ribeiro Costa, certo dia se julgou artista, resolveu juntar

as iniciais de seus sobrenomes e virou Bruno Rico. Pois é, e

você achando que o Rico era por conta de uma conta bancária

recheada; bem, só se for de vento. De lá pra cá este carioca

inquieto vem escrevendo suas poesias, seus contos, crônicas,

até que resolveu ousar e escrever este livro, baseado em uma

letra de rap de um grupo que tanto o ensinou.

Apreciem sem moderação.

E muito obrigado a todos que me ajudaram até aqui. Sozinho

ninguém chega a lugar nenhum.

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4 O menino do morro virou Deus

Sumário:

7 ______________Santo Amaro.

19 _____________Pai ausente, família carente.

39 _____________Ídolo.

47 _____________Brothers.

77 _____________Julinho faixa - Ainda inocente.

101____________Julinho faixa - Perdendo a inocência.

112 ____________Quinteto da vala.

139 ____________Marketing do crime.

151 ____________O doleiro.

171 ____________É assalto!

198 ____________A primeira biqueira.

215 ____________Tocando os negócios.

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5 O menino do morro virou Deus

INTRODUÇÃO. Quando nasci eu era Júlio, pobre, magro e pequeno;

devido ao tamanho virei Julinho, igualmente pobre, magro e

pequeno. Depois virei Julinho Faixa, ainda pobre, ainda magro,

porém alto. E com uma ascensão meteórica no mundo do

crime, Julinho Faixa mais tarde viria a ser um dos maiores

traficantes e fornecedores de drogas desse Brasil.

Ao contrário de alguns grandes nomes do tráfico que o

país já teve, e que hoje estão mortos ou presos, eu nunca quis

seguir o caminho trivial do crime, nunca quis ser conhecido

como traficante, e não sou. Esse negócio de ter a palavra

“Procurado” em baixo da minha foto nunca foi meu sonho.

Minha vida tem tudo a ver com o país em que vivo,

com a desigualdade social que cerca as grandes cidades, e

com a grande rede de corrupções que parece imperceptível

aos olhos de alguns, e é especialmente para essas pessoas,

que parecem não enxergar as verdades que são notórias a

olho nu, que eu dedico a minha autobiografia.

Certa vez, contando um pouco da minha caminhada

para um amigo de negócios, ele falou que a minha vida daria

um belo e intrigante livro; na época eu ri, mas como gosto de

desafios resolvi levar essa ideia de livro adiante. E aqui estou

eu, escrevendo um pouco da minha história, que espero eu,

esteja longe de terminar.

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6 O menino do morro virou Deus

Ao longo das páginas o nobre leitor irá me conhecer

melhor, e saberá com exatidão como o menino do morro virou

Deus nesse país tão belo e ao mesmo tempo tão

inescrupuloso.

Com certeza você já ouviu esta famosa e famigerada

frase: “O crime não compensa.” Pois então, quem inventou

esta frase foi um criminoso muito bem sucedido que não queria

concorrência.

Eu não fui o gênio que criou esta frase, mas com

certeza quem a inventou tinha um diferencial tremendo, e eu

também tenho, do contrário não desfrutaria da vida que levo

hoje. E é embasado nesse diferencial que este livro foi escrito,

aqui o nobre leitor acompanhará o nascimento, o surgimento, e

a evolução de um mito do crime organizado brasileiro.

Prepare-se para descobrir como eu venci o teste da

guerra, e como foi a subida, degrau por degrau, da escada de

sangue para a primeira classe.

Nesta primeira parte do livro eu vou começar bem lá de

trás, no início de tudo, em Santo Amaro, para ser mais exato.

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7 O menino do morro virou Deus

Uma obra de ficção...

Santo Amaro.

Bom, hoje eu desfruto do bom e do melhor que a vida

pode oferecer para um ser humano, mas nem sempre foi

assim, ou melhor, vivi durante um bom tempo sem saber

exatamente o que era ser um humano de verdade, já que em

certos momentos eu me sentia um verdadeiro bicho. A verdade

é que em boa parte da minha vida eu sempre vivi o hoje sem

saber o que iria ter no amanhã.

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8 O menino do morro virou Deus

Eu nasci pobre, mas pobre mesmo, digo isso porque

muitas pessoas que hoje são ricas gostam de falar que

nasceram pobres, mas na pobreza delas existiam coisas que

na minha pobreza era considerado artigo de luxo, ou seja,

existem diversos tipos de pobreza, e algumas pessoas gostam

de se vangloriar disso só para dizer que venceram na vida.

Mas eu não, nasci pobre mesmo, e também não me vanglorio

disso para dizer que venci na vida, até porque na minha

humilde opinião, na vida a gente não vence nada, pelo

contrário, o termo vencer pra mim é muito relativo, muito

mesmo. Se eu for dizer pra você que venci ou perdi, é sinal de

que a luta já acabou, e ela não acabou, pelo menos enquanto

eu estiver respirando é sinal de que eu sempre estarei lutando

por alguma coisa, pelo menos é assim que levo a minha vida,

essa é a minha filosofia; portanto não posso dizer que sou

vencedor de nada, no máximo ganhei alguns combates, mas a

guerra é eterna, nascemos para isso, para guerrear o tempo

todo.

E por falar em guerra...

Eu vim ao mundo no dia 17 de maio de 1975, um

pouco depois do fim da guerra do Vietnã.

Quando eu era adolescente, via aqueles filmes

americanos de guerra e sempre me interessei por armas e

coisas do gênero, som de tiro para mim nunca foi incomodo,

pelo contrário, eu gostava de analisar pelo barulho do tiro o tipo

de armamento que era usado, e ficava imaginando o estrago

que uma bala fazia depois que saía da arma. Na verdade eu

não sei até hoje se o clima de guerra em que nasci influenciou

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na minha personalidade, no fundo eu acho que não, mas é algo

curioso de se pensar, afinal... Guerra do Vietnã, o Brasil

também vivia tempos conturbados com sua ditadura militar. De

certo eu só sei uma coisa: nasci em tempos de guerra, cresci

no meio da guerra e hoje vivo da guerra, ironias da vida.

Minha tia Angelina disse-me que no dia em que eu

nasci chovia muito, e horas antes de eu nascer caía uma chuva

torrencial, daquelas de parar a cidade, mas quando minha mãe

deu a luz, a chuva cessou de forma surpreendente, minha tia

ainda ressaltou que na hora o médico falou que o meu choro

havia acalmado os céus, pois a forte chuva que caía teve fim

no mesmo momento em que vim ao mundo. Eu sempre

gostava de me lembrar disso nos meus momentos de tristeza,

principalmente na minha infância e na adolescência, pois ao

recordar desse fato eu sempre me sentia especial, achava que

não tinha vindo ao mundo simplesmente por vir, como muitos

costumavam me jogar na cara. Quando eu me lembrava da

frase do médico, eu achava realmente que era muito especial e

que tinha poderes.

Hoje, mais velho, e com uma vida totalmente diferente,

eu vejo que realmente não vim ao mundo para ser mais um, e

que poder é o que não me falta, nunca mais tive o dom de

parar a chuva, mas em compensação, tenho inúmeros outros

poderes que me trazem muitas serventias.

Nasci em São Paulo, na Zona Sul para ser mais

preciso, o nome do hospital era Santo Amaro, e o bairro

possuía o mesmo nome. As condições da minha família na

época eram totalmente precárias, se é que eu posso chamar

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de família um conjunto de pessoas formado por uma mãe e

uma penca de filhos. Por falar nisso, é engraçado analisar essa

situação hoje, pois quando eu era mais novo, eu não sentia

falta da presença paterna, mas com o passar dos anos, e com

a maturidade chegando, eu pude ver o quanto a presença de

um pai me fez falta.

Quando era moleque eu achava que ter pai era um

detalhe, que era artigo de luxo, até porque a maioria dos meus

amigos não conhecia e nem convivia com o pai, e por isso

mesmo eu achava essa situação mais do que normal, mas

depois eu fui vendo que não era bem assim, e hoje eu sei o

quanto faz falta, e o quanto fez falta não ter tido um. Talvez eu

tivesse me tornado uma pessoa diferente da que sou hoje se

tivesse tido um pai ao meu lado, talvez o rumo da minha vida

fosse outro, minha personalidade poderia ser um pouco

diferenciada da que tenho, talvez, infelizmente só posso ficar

no talvez.

No dia em que minha mãe começou a ter as

contrações do parto em casa, a única pessoa que a ajudou e

foi com ela até o hospital e ficou presente todo o momento foi

minha tia Angelina, tia essa, que por sinal eu tenho um grande

carinho e respeito, na verdade eu me dou melhor com essa

minha tia do que com minha mãe, é que minha tia me entende

melhor, parece que ela já sabe o que quero dizer antes de abrir

a boca, é uma sintonia incrível, a gente sempre se deu muito

bem, desde quando eu era pequeno, e ela nunca escondeu

que eu era o sobrinho preferido dela. Já com minha mãe as

coisas sempre foram - e ainda são - meio complicadas, ela tem

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uma mentalidade antiga, costumo falar que minha mãe é meio

matuta, meio bicho do mato, enfim, meio um monte de coisa

estranha. Minha mãe tem uns costumes primitivos, é daquelas

pessoas que tem a mente atrofiada, tem horas que eu acho

que ela nasceu pra ser pobre e não ter nada de luxo. Sabe

aquele pobre que acha que é pecado ter dinheiro e faz de tudo

para realmente não tê-lo? Pois é, essa é a minha mãe.

Mas como eu bem disse, foi minha tia Angelina que

mais me deu atenção na minha infância, e era com ela que eu

conversava mais, interagia mais, e numa dessas conversas ela

me disse algo no mínimo curioso, e que me intriga até hoje.

Minha tia me contou que no meu prontuário de

nascimento os médicos escreveram que a minha cor era

mulato, e eu sempre achei isso muito estranho, meu pai era

negro, minha mãe é negra, como é que eles tiveram a cara de

pau de atestar num papel o termo mulato? A respeito disso,

certa vez minha mãe me explicou que essa questão

geralmente acontece porque todo bebê vem ao mundo com

uma cor um pouco mais clara da que ele realmente vai ficar, e

que todo mundo nasce meio esbranquiçado, mas se fomos

analisar assim, nenhuma criança vai ter a palavra negra em

seu prontuário, já que para isso, a mesma teria que nascer com

a cor “preto carvão”, pois somente assim para se atestar a

negritude de uma criança.

Esse assunto é meio complicado, mas eu gosto de

passar por ele, já para o nobre leitor ter a ciência de que eu

não tenho nenhum tipo de problema com a minha cor, sou

negro, não escondo e nem tento esconder isso, e odeio quem

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gosta de se omitir querendo parecer uma coisa que não é. O

fato de hoje eu ter muito dinheiro e ser negro, já me rendeu

várias histórias, ao longo do livro eu contarei algumas que

tiveram grande relevância; histórias tristes, outras engraçadas,

e outras esclarecedoras, digo esclarecedoras no sentido de

que a partir do momento em que alguém é rico, essa pessoa

passa a não ter cor, ela é simplesmente vista como rica, e isso

é o que basta, não importa se ela é bonita ou feia, preta ou

branca, o dinheiro padroniza as pessoas, faz com que todas

sejam tratadas rigorosamente da mesma forma.

O dinheiro sempre abriu portas para mim, foi através

dele que eu pude perceber claramente como as pessoas

mudam ao saber que você tem muita grana, tudo muda, e

quando eu digo tudo, é tudo mesmo, pois um homem

endinheirado não é branco nem negro, é apenas rico, somente

isso.

O problema é quando as pessoas ainda não sabem

que você tem muito dinheiro, e é aí que surgem as situações

curiosas a respeito de um preto rico, ou rico preto, tanto faz. Já

cansei de ir a alguns eventos da alta sociedade, e ver algumas

pessoas me fitando com um olhar questionador, do tipo:

“Nossa, quem é esse cara, é jogador da onde? Nunca vi na TV,

portanto não é artista, quem será esse nego?” Enquanto outras

pessoas igualmente desconhecidas estão no mesmo local e

ninguém pergunta quem elas são. Só que essas pessoas são

brancas, então para elas não cabe questionamentos, apenas

para mim. Mas eu já me acostumei com isso, infelizmente; e

até que é prazeroso ver a cara dessas pessoas depois que

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elas descobrem que eu não sou jogador, não sou artista, e

mesmo assim tenho muito dinheiro, mais do que elas até.

Mas como eu já disse, eu nasci pobre, não herdei nada

de ninguém, a não ser o nome do meu finado tio Júlio, que foi

assassinado covardemente poucos meses antes do meu

nascimento. A causa da morte foi a das mais comuns para um

homem negro que mora na favela. Era madrugada, e meu tio

voltava de mais um dia de trabalho, e quando ele estava

passando por uma determinada viela, a polícia achou que ele

era algum bandido da área e simplesmente o executou ali

mesmo, sem nenhuma chance de defesa, e o pior, pelas

costas. O caso foi abafado, mas todos da vizinhança sabem

que foi a polícia a assassina, mas para variar, a própria polícia

inventou que o meu tio tinha sido vítima de acerto de contas, e

que iria investigar o caso, só sei que eles estão para investigar

esse caso até hoje.

Infelizmente meu tio foi mais uma vítima, entre

milhares, da famosa polícia que atira primeiro pra perguntar

depois. E é por essas e outras – muitas outras - que eu nunca

gostei de polícia, hoje infelizmente preciso conviver com eles,

fingir que gosto, assim como eles fingem que gostam de mim,

simplesmente por conveniência e porque os negócios exigem

tal diplomacia, é um jogo de falsidade do caralho! Mas depois

que passei a conhecê-los com mais detalhes, pude ver que

eles são mais sujos do que eu imaginava, e o ódio que eu tinha

por esta raça só aumentou.

Mas uma coisa é certa: mesmo sem ter conhecido o

meu tio, ele foi o meu primeiro herói, e eu sempre senti orgulho

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de levar o nome dele, e sempre ouvi coisas boas a seu

respeito. Meu tio foi um homem trabalhador, gente boa com

todo mundo, cuidava da família, ou seja, um exemplo de ser

humano, e por todos esses fatores eu sempre me orgulhei

muito do meu tiozão, e como minha mãe sempre foi muito

colada com ele, resolveu homenageá-lo colocando em mim o

mesmo nome, acho que foi uma das poucas coisas sensatas

que minha mãe fez na vida até hoje.

Mas durante a infância, quase nunca me chamavam de

Júlio, sempre fui chamado de Julinho. Minha mãe diz que eu

nasci muito pequeno, mas muito pequeno mesmo, tanto que

fiquei um bom tempo na incubadora para ganhar peso, e

graças a isso já nasci sendo chamado de Julinho, e o apelido

acabou ficando.

Hoje, quando me chamam de Julinho, soa um pouco

estranho, pois de pequeno eu não tenho nada. Até uns 15 pra

16 anos eu era baixinho, a partir dali dei uma boa crescida.

Hoje, com 38 anos, tenho 1,91 de altura e sou bem magro, o

que me torna aparentemente mais comprido ainda, e isso

acaba até sendo ruim pra mim, pois pessoas altas chamam

muita atenção, e na minha atual condição chamar a atenção

não é nada bom.

Depois de ficar algum tempo na incubadora, fui para

casa, e até hoje meus irmãos, minhas tias e minha mãe me

contam das dificuldades daquela época.

Eu nasci sendo o oitavo filho da Dona Noêmia, as

pessoas se perguntavam se a ninhada iria acabar por ali, e

enfim acabou, pois sou o caçula até hoje. Na época minha mãe

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era empregada doméstica, mas estava desempregada há

algum tempo, e meu pai tinha simplesmente sumido depois de

saber que eu estava para vir ao mundo, ou seja, a situação era

realmente muito difícil para uma família que era sustentada por

uma mãe sem dinheiro, com oito filhos para criar. Se não

fossem as minhas tias Deolinda e Angelina a nos ajudarem

nessa época, e em tantas outras, pois os perrengues não

foram poucos, eu posso garantir que metade, ou mais, dos

meus irmãos já estariam mortos de fome.

Às vezes eu fico me perguntando o porquê da minha

mãe ter tido tantos filhos, e como a vida poderia ter sido

diferente, principalmente para ela, se ao invés de oito, ela

tivesse tido uns dois, ou no máximo três. Mas naquela época

era assim mesmo, os filhos vinham aos montes, era um lance

meio cultural, hoje a situação nos lugares mais carentes ainda

é a mesma, e eu sigo sem entender o porquê, no tempo da

minha mãe pelo menos havia a desculpa de que não havia

instrução, de que as pessoas não sabiam se prevenir, hoje

não, hoje todo mundo sabe para que serve uma camisinha,

todo mundo sabe como ter ou não ter um filho, ou seja, só fica

grávida quem quer, mas algumas mulheres, ou pior, algumas

meninas, insistem em ter filhos, e com isso acabam agravando

uma situação já precária, pois eu acompanho e acompanhei

isso direto ao longo da minha vida, garotas que não sabem

sequer cuidar de si, tendo bebês, depois esses bebês crescem

e dão a luz a mais bebês, e assim por diante, o pior é que

ninguém sai da miséria, é o círculo vicioso da pobreza.

Enquanto isso, meus amigos ricos vão tendo um filho só, no