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C1 Campo Grande-MS |Terça-feira, 27 de outubro de 2020 ARTES & LAZER Animação regional mescla a arte de Manoel de Barros com narração de Ney Matogrosso e cocorre no “Japan Prize” deste ano Obra foi produzida pela Polofilmes, livremente inspirada no livro de Ricardo Câmara e com voz de Ney Matogrosso Fotos: Reprodução Leo Ribeiro Livremente inspirada no universo poético de Manoel de Barros e com narração do cantor Ney Matogrosso, “O menino que engoliu o sol” representa o Brasil e Mato Grosso do Sul na edição 2020 do Japan Prize. O evento é uma competição internacional que desde 1965 reconhece trabalhos que acreditem no poder educacional transformador que a arte tem. Sua cerimônia de premiação está agendada para o dia 5 de novembro, com entrega on-line e exibição por meio das redes sociais, liberada no site oficial após o término da celebração. Com supervisão artística de Joel Pizzini, a animação é dirigida por Patrícia Alves Dias, que assina o roteiro em conjunto com Ricardo Pieretti Câmara. “A gente fez uma direção de arte onde surgiam de manchas de aguada, aquarela. E íamos procurando, como as crianças fazem olhando para as nuvens. Em busca de semelhanças, o que achávamos eram só bichos do Pantanal. A ideia era - tanto no texto, plástica ou som - usar elementos que o Manoel aconselhava poeticamente”, revela a diretora. Único e característico, “O menino que engoliu o sol”, de acordo com Patrícia, até pode ter modo universal de se comunicar. “Mas tem um estilo singular, autoral. Somente a nossa equipe pode ter feito. Porque é artístico. Os personagens surgiram de uma forma específica, foram convidados à surgir”, comenta ela sobre a obra, que tem a cara de Mato Grosso do Sul. “Usamos uma métrica guató. Existem substantivos que se tornam verbos. Nunca tem os pronomes possessivos. A gente segue o que percebeu e estudou nos poemas de Manoel, por isso dizemos que é uma inspiração livre, e isso também do livro do Ricardo. Porque, na verdade, tem elementos mas não é a história do livro em si”, explica ainda Patrícia Alves. Ricardo Pieretti Câmara é outro que produziu imensamente para dar vida e contextualizar a obra. Para ele a animação tem grande reflexo na educação por sua fácil assimilação. “Em ‘O Menino que engoliu o Sol’ a O menino que gente traz um universo de Manoel de Barros de uma maneira muito lúdica, que é muito sensorial. Para trabalhar com a poesia em sala de aula; com crianças”, diz ele. Ao falar do desempenho nacional no cenário mundial, citando “O menino e o mundo”; “Tito e os pássaros” e “Turma da Mônica”, ele diz que essas obras trouxeram respaldo para a animação brasileira, que vem ganhando uma proporção cada vez maior, enfrentando os percalços do caminho. “‘O menino que engoliu o sol’ foi um projeto da Ancine que nós nos inscrevemos, ainda no governo Dilma. Hoje já está um pouco mais difícil para esses editais, mas confio que a animação no Brasil tem um largo percursso para percorrer e que temos profissionais muito talentosos para desenvolver esses trabalhos”, destaca Ricardo. Produzido pela Polofilmes, Joel Pizzini, que sempre foi um entusiasta da arte audiovisual local, fala que o reconhecimento da obra, indicada ao Japan Prize, indica uma abertura para o cinema sul-matogrossense e aponta ainda que o Estado já nasceu com a vocação para a animação. “Precisa apenas se instrumentalizar para se integrar ao circuito nacional. Temos vários talentos como o Josué, os alunos da UFMS com o filme ‘Mariquinha’ que vem se destacando em vários festivais e Ricardo Câmara que já elabora o seu segundo roteiro ‘A menina da janela’”, lista ele sobre o cenário regional. “Temos tudo para ocupar esse espaço internacional: riqueza cultural, a mitologia indígena, a musicalidade fronteiriça, a natureza singular, a urbanidade e seus conflitos e artistas com muito pra dizer”, afirma Joel Pizzini. Ele cita que a animação brasileira é muito respeitada no cenário internacional, com autores originais e uma tradição que vem desde os anos 50. “O Festival Anima Mundi é reflexo disso e hoje é um dos pricipais eventos do gênero no mundo. Inúmeros projetos pedagógicos são desenvolvidos no pais. Mato Grosso do Sul tem uma história marcante na área, através do Núcleo de Xinema de Animação criado nos anos 80 por Celso Arakaki por meio do Cineclube de Campo Grande. Formou uma geração e produziu inúmeros curtas em película de animação. O projeto Kikiô de Andréa Freire e Belchior Cabral retoma essa tradição recriando a obra-prima de Geraldo Espíndola”, aponta. Essa equipe é responsável por uma atual afirmação do cenário regional como produtor audiovisual. Quanto à animação ele complementa dizendo que o Estado requer a interface com multiplas técnicas. “A expertise da diretora Patrícia Alves Dias e equipe é uma janela importante para os realizadores do estado. O dialogo com a poesia de Manoel de Barros a arte de Ney Matogrosso sempre é inspirador para novos vôos autorais. O Ney menino aflorou na Série e agora ganha o mundo sem porteiras”, pontua. Entre tantas referências, essa animação de poesia se torna única, bebendo de cada fonte e fazendo toda a informação fluir pela tela, na mesma fluidez que pensamentos e conexões transitam na cabeça dos pequenos. Isso se dá porque toda a criação não seguiu o fluxo tradicional de animação, onde faz-se o storyboard, pode fazer o roteiro na paralela e depois faz o layout. “A gente foi fazendo tudo ao mesmo tempo, como se estivéssemos no Pantanal, não com os elementos antes e íamos montando a cena”, comenta a diretora Patrícia. Para crianças de até 7 anos, a obra tem potencial para envolver pequenos e os adultos com sua subjetividade. Joel exclama que quase tudo que se produz comercialmente, sobretudo para o universo infantil, é extremamente infantilizado quando não infantiloide. “A criança tem uma capacidade incrível de fruir criações artísticas pois não foi ‘deformada’" ainda pela educação esquemática que invariavelmente limita a percepção de experiências estéticas. A criança lê em linha reta sem mediações inibidoras. O espaço para o jogo e as livres associações amplificam a interpretação do mundo e das coisas”, característica marcante também na obra de Manoel. Patrícia destaca ainda essa forma de arte como estratégia de atrair o público, adultos e crianças em geral, para mais próximo da cultura e literatura de sua região. “Essa proposta de mesclar e trazer a literatura no aspecto da animação é de certa forma um convite que a gente faz. A gente sente que é possível e que se olhamos para os desenhos animados dos países nórdicos e da Europa, tem esse diálogo com a literatura infantil.” Ela ainda traça um comentário contra a visão de que as obras de curta- metragem ou autorais ficam fora do nicho comercial, citando também o desempenho de “O menino e o mundo” como exemplo de sucesso. “Há uma linha muito tênue de dizermos o que é comercial e o que é autoral. Que pode ser comercial sendo autoral, tem esse grande convite, É autoral no sentido daquilo que é singular. Essa é a grande proposta, ser comercial sendo transformador e autoral”, afirma. Parte da Polofilmes, com o amigo Joel Pizzini, Ricardo ainda destaca o trabalho da produtora há decadas para o estímulo do cenário local. “Ela nasceu justamente quando Joel estava fazendo o filme ‘caramujo- flor’, que também traz o universo do Manoel; o Ney Matogrosso no elenco, e isso em 1988. Para a gente foi uma celebração fazer ‘O menino que engoliu o sol’. É um texto de um livro meu, também estive no roteiro junto com a Patrícia Alves Dias. Gostei muito de colocar todo o sentimento sul-mato-grossense.” “A série é repleta de imagens, identidade mesmo daqui. E o Ney comparou inclusive a série ao caramujo-flor, falou: ‘Isso é o que eu gosto de fazer em Mato Grosso do Sul. Trazer essa cultura à tona’. E o Manoel é um mestre para todo sul-mato-grossense que trabalha com poesia e arte. Ele é a grande referência”, finaliza Ricardo. engoliu o sol

O menino que engoliu o sol - websiteseguro.com

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C1Campo Grande-MS |Terça-feira, 27 de outubro de 2020ARTES&LAZER

Animação regional mescla a arte de Manoel de Barros com narração de Ney Matogrosso e cocorre no “Japan Prize” deste ano

Obra foi produzida pela Polofilmes, livremente inspirada no livro de Ricardo Câmara e com voz de Ney Matogrosso

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Leo Ribeiro

Livremente inspirada no universo poético de Manoel de Barros e com narração do cantor Ney Matogrosso, “O menino que engoliu o sol” representa o Brasil e Mato Grosso do Sul na edição 2020 do Japan Prize. O evento é uma competição internacional que desde 1965 reconhece trabalhos que acreditem no poder educacional transformador que a arte tem. Sua cerimônia de premiação está agendada para o dia 5 de novembro, com entrega on-line e exibição por meio das redes sociais, liberada no site oficial após o término da celebração.

Com supervisão artística de Joel Pizzini, a animação é dirigida por Patrícia Alves Dias, que assina o roteiro em conjunto com Ricardo Pieretti Câmara. “A gente fez uma direção de arte onde surgiam de manchas de aguada, aquarela. E íamos procurando, como as crianças fazem olhando para as nuvens. Em busca de semelhanças, o que achávamos eram só bichos do Pantanal. A ideia era - tanto no texto, plástica ou som - usar elementos que o Manoel aconselhava poeticamente”, revela a diretora.

Único e característico, “O menino que engoliu o sol”, de acordo com Patrícia, até pode ter modo universal de se comunicar. “Mas tem um estilo singular, autoral. Somente a nossa equipe pode ter feito. Porque é artístico. Os personagens surgiram de uma forma específica, foram convidados à surgir”, comenta ela sobre a obra, que tem a cara de Mato Grosso do Sul.

“Usamos uma métrica guató. Existem substantivos que se tornam verbos. Nunca tem os pronomes possessivos. A gente segue o que percebeu e estudou nos poemas de Manoel, por isso dizemos que é uma inspiração livre, e isso também do livro do Ricardo. Porque, na verdade, tem elementos mas não é a história do livro em si”, explica ainda Patrícia Alves.

Ricardo Pieretti Câmara é outro que produziu imensamente para dar vida e contextualizar a obra. Para ele a animação tem grande reflexo na educação por sua fácil assimilação. “Em ‘O Menino que engoliu o Sol’ a

O menino que

gente traz um universo de Manoel de Barros de uma maneira muito lúdica, que é muito sensorial. Para trabalhar com a poesia em sala de aula; com crianças”, diz ele.

Ao falar do desempenho nacional no cenário mundial, citando “O menino e o mundo”; “Tito e os pássaros” e “Turma da Mônica”, ele diz que essas obras trouxeram respaldo para a animação brasileira, que vem ganhando uma proporção cada vez maior, enfrentando os percalços do caminho. “‘O menino que engoliu o sol’ foi um projeto da Ancine que nós nos inscrevemos, ainda no governo Dilma. Hoje já está um pouco mais difícil para esses editais, mas confio que a animação no Brasil tem um largo percursso para percorrer e que temos profissionais muito talentosos para desenvolver esses trabalhos”, destaca Ricardo.

Produzido pela Polofilmes, Joel Pizzini, que sempre foi um entusiasta da arte audiovisual local, fala que o reconhecimento da obra, indicada ao Japan Prize, indica uma abertura para o cinema sul-matogrossense e aponta ainda que o Estado já nasceu com a vocação para a animação. “Precisa apenas se instrumentalizar para se integrar ao circuito nacional. Temos vários talentos como o Josué, os alunos da UFMS com o filme ‘Mariquinha’ que vem se destacando em vários festivais e Ricardo Câmara que já elabora o seu segundo roteiro ‘A menina da janela’”, lista ele sobre o cenário regional.

“Temos tudo para ocupar esse espaço internacional: riqueza cultural,

a mitologia indígena, a musicalidade fronteiriça, a natureza singular, a urbanidade e seus conflitos e artistas com muito pra dizer”, afirma Joel Pizzini.

Ele cita que a animação brasileira é muito respeitada no cenário internacional, com autores originais e uma tradição que vem desde os anos 50. “O Festival Anima Mundi é reflexo disso e hoje é um dos pricipais eventos do gênero no mundo. Inúmeros projetos pedagógicos são desenvolvidos no pais. Mato Grosso do Sul tem uma história marcante na área, através do Núcleo de Xinema de Animação criado nos anos 80 por Celso Arakaki por meio do Cineclube de Campo Grande. Formou uma geração e produziu inúmeros curtas em película de animação.O projeto Kikiô de Andréa Freire e Belchior Cabral retoma essa tradição recriando a obra-prima de Geraldo Espíndola”, aponta.

Essa equipe é responsável por uma atual afirmação do cenário regional como produtor audiovisual. Quanto à animação ele complementa dizendo que o Estado requer a interface com multiplas técnicas. “A expertise da diretora Patrícia Alves Dias e equipe é uma janela importante para os realizadores do estado.O dialogo com a poesia de Manoel de Barros a arte de Ney Matogrosso sempre é inspirador para novos vôos autorais. O Ney menino aflorou na Série e agora ganha o mundo sem porteiras”, pontua.

Entre tantas referências, essa animação de poesia se torna única,

bebendo de cada fonte e fazendo toda a informação fluir pela tela, na mesma fluidez que pensamentos e conexões transitam na cabeça dos pequenos. Isso se dá porque toda a criação não seguiu o fluxo tradicional de animação, onde faz-se o storyboard, pode fazer o roteiro na paralela e depois faz o layout.

“A gente foi fazendo tudo ao mesmo tempo, como se estivéssemos no Pantanal, não com os elementos antes e íamos montando a cena”, comenta a diretora Patrícia.

Para crianças de até 7 anos, a obra tem potencial para envolver pequenos e os adultos com sua subjetividade. Joel exclama que quase tudo que se produz comercialmente, sobretudo para o universo infantil, é extremamente infantilizado quando não infantiloide. “A criança tem uma capacidade incrível de fruir criações artísticas pois não foi ‘deformada’" ainda pela educação esquemática que invariavelmente limita a percepção de experiências estéticas. A criança lê em linha reta sem mediações inibidoras. O espaço para o jogo e as livres associações amplificam a interpretação do mundo e das coisas”, característica marcante também na obra de Manoel.

Patrícia destaca ainda essa forma de arte como estratégia de atrair o público, adultos e crianças em geral, para mais próximo da cultura e literatura de sua região. “Essa proposta de mesclar e trazer a literatura no aspecto da animação é de certa forma um convite que a gente faz. A gente sente que é possível

e que se olhamos para os desenhos animados dos países nórdicos e da Europa, tem esse diálogo com a literatura infantil.”

Ela ainda traça um comentário contra a visão de que as obras de curta-metragem ou autorais ficam fora do nicho comercial, citando também o desempenho de “O menino e o mundo” como exemplo de sucesso. “Há uma linha muito tênue de dizermos o que é comercial e o que é autoral. Que pode ser comercial sendo autoral, tem esse grande convite, É autoral no sentido daquilo que é singular. Essa é a grande proposta, ser comercial sendo transformador e autoral”, afirma.

Parte da Polofilmes, com o amigo Joel Pizzini, Ricardo ainda destaca o trabalho da produtora há decadas para o estímulo do cenário local. “Ela nasceu justamente quando Joel estava fazendo o filme ‘caramujo-flor’, que também traz o universo do Manoel; o Ney Matogrosso no elenco, e isso em 1988. Para a gente foi uma celebração fazer ‘O menino que engoliu o sol’. É um texto de um livro meu, também estive no roteiro junto com a Patrícia Alves Dias. Gostei muito de colocar todo o sentimento sul-mato-grossense.”

“A série é repleta de imagens, identidade mesmo daqui. E o Ney comparou inclusive a série ao caramujo-flor, falou: ‘Isso é o que eu gosto de fazer em Mato Grosso do Sul. Trazer essa cultura à tona’. E o Manoel é um mestre para todo sul-mato-grossense que trabalha com poesia e arte. Ele é a grande referência”, finaliza Ricardo.

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