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MARISA MARTIN CRIVELARO ROMÃO O método Kumon para remediação cognitiva de portadores de esquizofrenia: um ensaio clínico randomizado, controlado com placebo Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Ciências Programa de: Psiquiatria Orientador: Prof. Dr. Mario Rodrigues Louzã Neto São Paulo 2013

O método Kumon para remediação cognitiva de portadores de

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  • MARISA MARTIN CRIVELARO ROMO

    O mtodo Kumon para remediao cognitiva de

    portadores de esquizofrenia: um ensaio clnico

    randomizado, controlado com placebo

    Dissertao apresentada Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Cincias

    Programa de: Psiquiatria Orientador: Prof. Dr. Mario Rodrigues Louz Neto

    So Paulo 2013

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Preparada pela Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo

    reproduo autorizada pelo autor

    Romo, Marisa Martin Crivelaro O mtodo Kumon para remediao cognitiva de portadores de esquizofrenia: um

    ensaio clnico randomizado, controlado com placebo / Marisa Martin Crivelaro Romo. -- So Paulo, 2013.

    Dissertao (mestrado)--Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo.

    Programa de Psiquiatria.

    Orientador: Mario Rodrigues Louz Neto. Descritores: 1. Cognio 2.Reabilitao 3.Neuropsicologia 4.Esquizofrenia

    5. Ensaio clnico controlado aleatrio

    USP/FM/DBD-129/13

  • Aos meus queridos pais, pelo carinho e exemplo de vida marcante que me

    ensinaram a enfrentar as dificuldades e acreditar no potencial humano de

    superao e transformao dos sonhos em realidade.

    Aos meus amados marido e filho, pelo incansvel apoio, companheirismo,

    pacincia e compreenso dos momentos de ausncia ao longo do perodo

    de elaborao deste trabalho.

  • AGRADECIMENTOS

  • Ao Prof. Dr. Mario Rodrigues Louz Neto pela confiana, incentivo e

    oportunidade de aprender com sua experincia.

    psicloga Luciana de Carvalho Monteiro pela indicao e auxlio na

    escolha das baterias neuropsicolgicas da pesquisa.

    A toda equipe de profissionais Paula Andria Martins, Monia Michele

    Musskopf, Rosa Bertinho, Suely Pacheco de Araujo, Silvia Arcuri, Zilda

    Celidonio - pela dedicada colaborao, sem o qual no seria possvel

    concretizar o estudo.

    s secretarias do Projesq Josefina Nacarato e Dbora Zambroni pelo

    apoio e auxlio constante mesmo em meio a tantos compromissos.

    s equipes do Projesq e LIM-27, por colocar disposio o ambulatrio e

    encaminhamento de pacientes.

    Aos pacientes do Projesq e do LIM-27, pela disponibilidade e ateno.

    Ao Projesq pelo apoio financeiro, possibilitando a realizao desta pesquisa.

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES

    pela concesso da bolsa de mestrado.

  • NORMALIZAO ADOTADA

    Esta dissertao ou tese est de acordo com as seguintes normas,

    em vigor no momento desta publicao:

    Referncias: adaptado de International Committee of Medical Journals

    Editors (Vancouver).

    Universidade de So Paulo. Faculdade de Medicina. Servio de

    Biblioteca e Documentao. Guia de apresentao de dissertaes, teses e

    monografias. Elaborado por Anneliese Carneiro da Cunha, Maria Julia de A.

    L. Freddi, Maria F. Crestana, Marinalva de Souza Arago, Suely Campos

    Cardoso, Valria Vilhena. 2a ed. So Paulo: Servio de Biblioteca e

    Documentao; 2005.

    Abreviaturas dos ttulos dos peridicos de acordo com List of Journals

    Indexed in Index Medicus.

  • SUMRIO

  • Lista de Siglas

    Lista de Tabelas

    Lista de grficos

    Resumo

    1. INTRODUO

    1.1. A terapia de remediao cognitiva (CRT) na esquizofrenia..................1

    1.2. O mtodo Kumon como remediao cognitiva errorless learning......13

    1.3. Dificuldade em aprendizagem matemtica.........................................16

    1.4. Alteraes cognitivas e dificuldade em aprendizagem matemtica....23

    1.4.1. Memria de trabalho..................................................................30

    1.4.2. Funo executiva ....................................................................... 46

    1.4.3. Ateno ..................................................................................... 65

    2. JUSTIFICATIVAS PARA O ESTUDO...................................................100

    3. OBJETIVOS

    3.1. Objetivo geral....................................................................................102

    3.2. Objetivos especficos........................................................................102

    4. HIPTESES

    4.1. Hiptese principal..............................................................................103

    4.2. Hipteses secundrias......................................................................103

    5. MATERIAIS E MTODOS

    5.1. Participantes.....................................................................................104

    5.2. Desenho do estudo...........................................................................106

    5.2.1. Instrumentos de avaliao.................................................................108

    5.2.1A. Avaliao neuropsicolgica...............................................................113

    5.2.1B Avaliao dos sintomas......................................................................124

    5.2.1C Avaliao do desempenho social e pessoal......................................127

    5.3. Intervenes.......................................................................................128

    5.4. Clculo do nmero de sujeitos...........................................................129

    5.5. Randomizao....................................................................................131

    5.6. Anlise estatstica...............................................................................131

  • 6. RESULTADOS

    6.1. Participantes................................................................................................134

    6.2. Anlise demogrfica....................................................................................136

    6.3. Comparaes intra e entre os grupos no incio da interveno..................143

    6.4. Comparaes intra e entre grupos ao final da interveno e aps 12 meses

    6.4.1. Resultados das medidas neuropsicolgicas......................................149

    6.4.2. Resultados quanto sintomatologia..................................................177

    6.4.3. Resultados de desempenho social e pessoal...................................183

    7. DISCUSSO

    7.1. Perfil demogrfico.....................................................................................184

    7.2. Consideraes sobre o treinamento matemtico Kumon.........................186

    7.3. Cognio e fatores motivacionais.............................................................192

    7.4. Psicopatologia e funcionamento social.....................................................196

    8. LIMITAES DO ESTUDO....................................................................199

    9. CONCLUSES.......................................................................................206

    10. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.....................................................207

  • LISTAS

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Modelo de desenvolvimento da memria de trabalho......................... 42

    Figura 2 Modelo revisado de memria de trabalho........................................... 45

    Figura 3 Modelo de memria operacional proposto por Baddeley.................... 60

    Figura 4 Diagrama CONSORT perfil de incluso dos pacientes na pesquisa. 135

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Principais caractersticas e metas do Kumon..................................

    Tabela 2 Estudos randomizados, controlados de Remediao Cognitiva na

    esquizofrenia......................................................................................................

    Tabela 3 - Estudos de avaliao cognitiva subjacente matemtica................

    Tabela 4 Ensaios randomizados, controlados de treinamento matemtico....

    Tabela 5 Estudos de reviso e meta-anlise de cognio subjacente

    matemtica.........................................................................................................

    Tabela 6 Estudos de corte em avaliao matemtica.....................................

    Tabela 7 Fluxograma da pesquisa..................................................................

    Tabela 8 Medidas neuropsicolgicas e escalas usadas no estudo.................

    Tabela 9 Distribuio da amostra de acordo com o ambulatrio, o sexo e o

    estado civil n e (%)..........................................................................................

    Tabela 10 Distribuio da freqncia e porcentagem por raa em cada

    grupo..................................................................................................................

    Tabela 11 Distribuio da freqncia e porcentagem de subtipos de

    esquizofrenia em cada grupo............................................................................

    Tabela 12 Distribuio da freqncia e porcentagem do histrico de

    internao em cada grupo..................................................................................

    Tabela 13 Mdias e desvios-padro dos dados demogrficos totais..............

    Tabela 14 Mdias e desvios-padro dos dados demogrficos em cada

    grupo...................................................................................................................

    Tabela 15 Tipo de medicao n e (%)..........................................................

    15

    68

    72

    92

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  • Tabela 16 Comparaes entre os grupos quanto a medidas de inteligncia

    no incio da interveno......................................................................................

    Tabela 17 Comparaes entre grupos quanto a medidas neuropsicolgicas

    de ateno no incio da interveno...................................................................

    Tabela 18 Comparaes entre grupos quanto a medidas neuropsicolgicas

    de funo executiva no incio da interveno.....................................................

    Tabela 19 Comparaes entre grupos quanto a medidas neuropsicolgicas

    de memria no incio da interveno..................................................................

    Tabela 20 Comparaes entre grupos quanto a medidas de PANSS no

    incio da interveno...........................................................................................

    Tabela 21 Resultados das medidas de inteligncia (WASI reduzido).............

    Tabela 22 Resultados das medidas atencionais.............................................

    Tabela 23 Resultados da funo executiva....................................................

    Tabela 24 Resultados mnmicos.............................................................

    Tabela 25 Resultados da escala de sintomas positivos e negativos

    PANSS, segundo 5 fatores de Van der Gaag (2006).........................................

    Tabela 26 Resultados da escala de desempenho social e pessoal PSP...

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  • LISTA DE SIGLAS

    ATMT-C Trail making Test for childrens/Teste Trail making para crianas

    CNT Contingency naming test/Teste de nomeao contingente

    CONSORT Consolidated standards of reporting trials

    CPT Continuous performance test

    CRT Cognitive remediation therapy/Terapia de remediao cognitiva

    DSM-IV Diagnostic and statistical manual of mental disorders 4 edition

    EF Executive function/Funo executiva

    g Inteligncia geral

    gf Inteligncia fluda

    MLA Mathematic learning achievement/Dificuldade em realizao matemtica MLD Mathematic learning disabilities/Dificuldade em aprendizagem matemtica PANSS Positive and negative syndrome scale

    PSP Personal and social performance scale

    SAS Sistema atencional supervisor

    STM Short-term memory/Memria de curto-prazo

    TCLE Termo de consentimento livre e esclarecido

    TDAH Transtorno de dficit de ateno e hiperatividade

    WCST Wisconsin card sorting test

    WM Working memory/Memria de trabalho

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 Comparao do desempenho em matrizes de raciocnio do WAIS-III entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento...................................................................................................

    Grfico 2 - Comparao do desempenho em medidas de Quociente intelectual - QI entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento....................................................................................................

    Grfico 3 Comparao do desempenho em Vocabulrio do WAIS-III entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento....................................................................................................

    Grfico 4 Comparao do grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento no fator omisso do Continuous Performance Test CPT................................................................................................................

    Grfico 5 Comparao do desempenho entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento em sub-teste Stroop parte A do Stroop Color-Word Test.................................................................................

    Grfico 6 Comparao da quantidade de erros entre grupo Kumon e controle aps6 e 12 meses de treinamento em sub-teste Stroop parte A do Stroop Color-Word Test............................................................................

    Grfico 7 Comparao do grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento no sub-teste dgitos de ordem direta do WISC III..............

    Grfico 8 Comparao do grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento no fator comisso do Continuous Performance Test CPT................................................................................................................

    Grfico 9 Comparao do grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento no fator tempo de resposta do Continuous Performance Test CPT.....................................................................................................

    Grfico 10 Comparao do grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento no fator variabilidade do Continuous Performance Test CPT................................................................................................................

    Grfico 11 Comparao do grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento em Trail Making Test parte A................................................

    Grfico 12 Comparao do desempenho entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento em sub-teste Wisconsin Card test- categorias completas....................................................................................

    Grfico 13 Comparao do desempenho entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento em sub-teste respostas perseverativas do Wisconsin Card Test.......................................................

    Grfico 14 Comparao do desempenho entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento em sub-teste Stroop parte A do Stroop Color-Word Test.................................................................................

    Grfico 15 Comparao do desempenho entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento em sub-teste Stroop parte B do Stroop Color-Word Test.................................................................................

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  • Grfico 16 Comparao do desempenho entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento em sub-teste Stroop parte C do Stroop Color-Word Test.................................................................................

    Grfico 17 Comparao da quantidade de erros entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento em sub-teste Stroop parte C do Stroop Color-Word Test............................................................................

    Grfico 18 Comparao do desempenho entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento em sub-teste Trail Making Test parte B...................................................................................................................

    Grfico 19 Comparao do desempenho entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento em sub-teste Wisconsin Card test- erros no perseverativos..............................................................................

    Grfico 20 Comparao do desempenho entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento em sub-teste Wisconsin Card test- perda de set..................................................................................................

    Grfico 21 - Comparao do desempenho entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento no sub-teste dgitos ordem indireta do WAIS III.....................................................................................................

    Grfico 22 Comparao do desempenho em dgitos de ordem inversa do WAIS-III entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de

    treinamento....................................................................................................

    Grfico 23 Comparao do desempenho em RAVLT lista A entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento........................

    Grfico 24 Comparao do desempenho em RAVLT lista B entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento........................

    Grfico 25 Comparao do desempenho em RAVLT lista C entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento........................

    Grfico 26 Comparao do desempenho em RAVLT lista D entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento........................

    Grfico 27 Comparao do desempenho em RAVLT lista E entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento........................

    Grfico 28 Comparao do desempenho em RAVLT lista F entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento........................ Grfico 29 Comparao do desempenho em RAVLT lista G entre grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento........................ Grfico 30 Comparao do grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento (tempo 2) em PANSS geral..................................................

    165

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  • Grfico 31 Comparao do grupo Kumon e controle aps 6 e 12 meses de treinamento (tempo 2) no fator estresse emocional/ emotional distress da escala PANSS..........................................................................................

    Grfico 32 - Comparao do grupo Kumon e controle aps 6 e 12meses de treinamento (tempo 2) no fator excitao/ excitement da PANSS.........

    Grfico 33 - Comparao do grupo Kumon e controle aps 6 e 12meses de treinamento (tempo 2) no fator sintomas negativos da PANSS.............

    Grfico 34 - Comparao do grupo Kumon e controle aps 6 e 12meses de treinamento (tempo 2) no fator sintomas positivos da PANSS..............

    Grfico 35 - Comparao do grupo Kumon e controle aps 6 e 12meses de treinamento (tempo 2) no fator desorganizao da PANSS..................

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  • RESUMO

  • Crivelaro MM. O mtodo Kumon para remediao cognitiva de portadores de esquizofrenia: um ensaio clnico randomizado, controlado com placebo

    [dissertation]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2013. 221p. Introduo: Dficits cognitivos so parte integrante do quadro clinico da esquizofrenia. Vrios estudos procuram mtodos de treinamento cognitivo (remediao cognitiva) para melhora destes dficits, pouco responsivos ao tratamento medicamentoso. Ensaios clnicos de treinamento de remediao cognitiva utilizam diversas tcnicas, com estimulao de vrios domnios cognitivos simultaneamente. Muitos deles utilizam a tcnica de errorless learning

    (aprendizagem sem erros). Pesquisas recentes indicam que alguns domnios cognitivos subjacentes aprendizagem matemtica (ateno, funo executiva e memria de trabalho) esto tambm comprometidos na esquizofrenia. Entretanto no foram encontrados estudos de remediao cognitiva focados no treinamento aritmtico em portadores de esquizofrenia. O mtodo de clculos aritmticos proposto pelo mtodo Kumon utiliza tcnica de aprendizagem sem erros e amplamente utilizado como reforo pedaggico. Dois ensaios randomizados de remediao cognitiva atravs do mtodo de clculo aritmtico Kumon em idosos sadios e em idosos com Alzheimer mostraram melhora de funes cognitivas com esta interveno. Este estudo avaliou a eficcia do mtodo de clculos aritmticos Kumon como remediao cognitiva da memria de trabalho, funo executiva e ateno na populao com esquizofrenia. Mtodo: 51 sujeitos com o diagnstico de esquizofrenia (DSM-IV), de ambos os gneros, idade entre 18 e 55 anos, alfabetizados foram includos e randomizados para treinamento de clculos aritmticos pelo mtodo Kumon (grupo experimental) ou atividades de recreao (grupo controle). Os sujeitos fizeram 48 sesses de interveno ao longo de 6 meses. Os sujeitos foram avaliados atravs de uma bateria neuropsicolgica, o desfecho clnico atravs da escala Escala de Sndromes Positiva e Negativa (PANSS) e funcionamento pessoal e social atravs da PSP no inicio da interveno, aps 6 meses (trmino da interveno) e aps 6 meses sem a interveno. Resultados: O grupo experimental apresentou tendncia de melhora em ateno sustentada (p=0.075), mas sem manuteno dos ganhos aps 6 meses sem interveno. Ambos os grupos apresentaram melhora em ateno seletiva e funo executiva aps 6 meses sem manuteno dos ganhos aps 1 ano, sem diferenas entre os grupos. No foram encontradas diferenas no funcionamento social entre os dois grupos e ao longo dos 12 meses de acompanhamento. Atravs da anlise fatorial da PANSS utilizando 5 fatores (proposto por Van der Gaag 2006) no houve mudana significativa nos fatores positivo, negativo, desorganizao e estresse emocional ao longo do tempo e entre os grupos. Apenas o grupo placebo demonstrou melhora significativa no fator excitao aps 6 meses em comparao com o grupo experimental, que no persistiu aps 6 meses sem interveno. Concluso: O treino cognitivo aritmtico pelo mtodo Kumon tende a

    melhorar a ateno sustentada aps 6 meses, sem impacto na funo executiva e na memria de trabalho. Esta tendncia no se manteve aps 6 meses sem interveno. Descritores: Cognio; Neuropsicologia; Esquizofrenia; Reabilitao; Ensaio clnico controlado aleatrio

  • SUMMARY

  • Crivelaro MM. The Kumon Method for cognitive remediation of individuals with schizophrenia: a randomized, placebo-controlled trial [dissertation]. So Paulo:

    Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2013. 221p. Introduction: Cognitive deficits are an integral part of the clinical picture of

    schizophrenia. Various studies seek cognitive training (cognitive remediation) methods in order to improve those deficits, which are poorly responsive to pharmacological treatment. Clinical trials of cognitive remediation training use a variety of techniques, with the stimulation of several cognitive domains simultaneously. Many of them employ the errorless learning technique. Recent research indicates that some cognitive domains underlying mathematical learning (attention, executive function and working memory) are also impaired in schizophrenia. However, no cognitive remediation studies were found focusing on arithmetic training in individuals with schizophrenia. The arithmetic calculation method proposed by Kumon employs the errorless learning technique and is widely used for supplemental education. Two randomized trials of cognitive remediation using the arithmetic calculation method Kumon with healthy elderly subjects as well as elderly subjects who had Alzheimers disease showed cognitive function improvement with this intervention. The present study evaluated the effectiveness of the arithmetic calculation of the Kumon method as cognitive remediation for working memory, executive function and attention in a sample with schizophrenia. Method: 51 subjects with a diagnosis of schizophrenia (DSM-IV), male and female, literate, aged between 1855 years, were included in the trial and randomized to arithmetic calculation training by the Kumon method (experimental group) or recreational activities (control group). The subjects received 48 intervention sessions over the course of 6 months. The subjects were evaluated through a neuropsychological battery; the clinical outcome was assessed by the Positive and Negative Syndrome Scale (PANSS), and personal and social functioning was evaluated using the Personal and Social Performance (PSP) scale at baseline, at 6 months (discontinuation of interventions) and after 6 months without interventions. Results: The experimental group tended to an improvement in sustained attention (p=0.075), yet this was not maintained after 6 months without interventions. Both groups showed improvements in selective attention and executive function at 6 months, which were not maintained after one year, with no differences between groups. No differences were found in social functioning between the groups and throughout the 12 follow-up months. The factor analysis of the 5-factor PANSS (as proposed by Van der Gaag, 2006) showed no significant change in the factors positive, negative, disorganization and emotional distress over time and between groups. Only the placebo group exhibited a significant improvement in the factor excitement after 6 months compared with the experimental group, which was not maintained after 6 months without interventions. Conclusion: The cognitive arithmetic training by the Kumon method tends to improve sustained attention after 6 months, with no impact on either executive function or working memory. This trend was not sustained after 6 months without interventions. Descriptors: Cognition; Rehabilitation; Neuropsychology; Schizophrenia; Randomized controlled trial.

  • Introduo

    1

    1. INTRODUO

    1.1. A Terapia de remediao cognitiva (CRT) na esquizofrenia

    A esquizofrenia considerada uma doena mental grave segundo os

    critrios do DSM-IV-TR (2002), caracterizada por um conjunto de sintomas

    presentes por um perodo de um ms e com alguns sinais do transtorno

    persistindo por pelo menos seis meses e associados com acentuada

    disfuno social ou ocupacional. Os sintomas chamados de positivos

    compreendem distores do pensamento ou exageros do pensamento

    inferencial (delrios), da percepo (alucinaes), da linguagem e

    comunicao (discurso desorganizado) e do monitoramento comportamental

    (comportamento amplamente desorganizado ou catatnico); j os sintomas

    negativos incluem restries na amplitude e intensidade da expresso

    emocional (embotamento do afeto), na fluncia e produtividade do

    pensamento (alogia) e na iniciao de comportamentos dirigidos a um

    objetivo (avolio). Os subtipos de um quadro de esquizofrenia so do tipo

    paranide (quando h presena de delrios ou alucinaes auditivas

    proeminentes no contexto de uma relativa preservao do funcionamento

    cognitivo e do afeto), do tipo desorganizado (quando o discurso e

    comportamento so desorganizados e o afeto embotado ou inadequado), do

    tipo catatnico (quando h uma acentuada perturbao psicomotora, que

    pode envolver imobilidade motora, atividade motora excessiva, extremo

    negativismo, mutismo, peculiaridades dos movimentos voluntrios, ecolalia

    ou ecopraxia indiferenciado) e do tipo residual (quando houve pelo menos

  • Introduo

    2

    um episdio de esquizofrenia, mas o quadro clnico atual no apresenta

    sintomas psicticos positivos proeminentes). Para Elkis e Louz (2007) o

    quadro clnico da esquizofrenia bastante polimorfo e heterogneo. O

    diagnstico feito a partir dos sinais e sintomas apresentados pelo paciente

    e pelos dados da anamnese uma vez que no h sintomas ou sinais

    patognomnicos.

    A esquizofrenia considerada por muitos autores uma desordem

    multidimensional que engloba complexos fatores biolgicos, psicolgicos e

    socioculturais que se interagem e prejudicam o funcionamento do

    pensamento no curso da doena. Do total, cerca de 2/3 dos pacientes no

    conseguem alcanar ou manter papis sociais bsicos como o emprego,

    cnjuge, genitor e se integrar na comunidade. As abordagens de

    reabilitao, como treinamento de habilidades social e vocacional e terapia

    cognitiva comportamental tm como meta auxiliar os pacientes a adquirir

    importantes habilidades da vida, alm de reduzir os prejuzos no

    funcionamento de papel social (Seth et al., 2010).

    Um campo ainda a ser explorado consiste em reabilitaes com foco

    nos aspectos cognitivos da esquizofrenia e outras doenas mentais severas.

    Essa nova rea tem movido esforos para um alcance alm do treinamento

    de habilidades social e vocacional e se preocupa com a compreenso do

    modo como os indivduos lidam com a doena mental no cotidiano.

    Recentemente, uma srie de estudos tm se dedicado a entender a relao

    entre os dficits cognitivos, social e a funcionalidade dos indivduos com

  • Introduo

    3

    esquizofrenia, com a perspectiva de remediar estes dficits e,

    conseqentemente, o impacto dos mesmos sobre a vida destes sujeitos

    (Horan et al., 2009).

    Uma tcnica de reabilitao consiste nas terapias cognitivas que

    procuram, basicamente, desenvolver estratgias compensatrias para a

    aprendizagem e lembrana das informaes, agindo especificamente em

    regies pr-frontais responsveis pela memria de trabalho e ateno.

    Estudos indicam reduo dos sintomas e melhora da funcionalidade em

    pacientes com esquizofrenia atravs do desenvolvimento de diferentes

    formas de terapia cognitiva, sendo capazes de se perpetuar anos depois

    (Swerdlow, 2011).

    No entanto, as dificuldades cognitivas so consideradas limitadoras na

    melhora da aprendizagem em terapia psicossocial e programas de

    reabilitao bem como no funcionamento social e vocacional. Assim,

    pesquisadores tm associado esquizofrenia as dificuldades cognitivas,

    com um impacto significativo na qualidade de vida e no resultado do

    tratamento (Kraemer e Kupfter, 2006).

    O conhecimento do papel e significado dos dficits cognitivos em

    esquizofrenia faz-se, portanto, necessrio, sendo relevante como alvo do

    cuidado em esquizofrenia nas remediaes cognitivas. Nas ltimas dcadas

    surgiram diversas tcnicas de remediao computadorizadas e no-

    computadorizadas destinado para grupos ou individual, desenvolvida e

    adotada em abordagens de tratamento multimodal e estudos analisando a

  • Introduo

    4

    eficcia deles e, recentemente, quantitativamente revisadas (Vita et al.,

    2011).

    Os indivduos com esquizofrenia apresentam variaes em seu perfil

    cognitivo, cuja variabilidade faz com que a terapia de remediao cognitiva

    precise ser individualmente adaptada. Assim, a terapia de remediao

    cognitiva (CRT) j tem apresentado algumas adaptaes para cada

    dificuldade cognitiva, com um programa mais pautado nas atividades de vida

    diria do paciente (Delahunty et al., 2001). De fato, a chave para uma maior

    eficincia apontada pelos estudos reside, principalmente, na terapia de

    remediao cognitiva apresentar sucesso em uma variedade de dificuldades

    cognitivas bem como no diagnstico de esquizofrenia, e se esta melhora

    cognitiva capaz de impactar no funcionamento social (Wykes et al., 2007).

    Nos ltimos dez anos, a Terapia de Remediao Cognitiva tem sido

    bastante utilizada para a reabilitao das funes cognitivas em pacientes

    com esquizofrenia, sendo importante para a previso do funcionamento

    social. No entanto, alguns autores apontam que seus programas raramente

    se baseiam em uma teoria clara, dependendo mais da prtica do que de

    uma aprendizagem a priori, o que evidencia uma eficcia varivel, de acordo

    com os componentes especficos do treinamento (Wykes e Van Der Gaag,

    2001).

    Recentes revises indicam que todos os domnios cognitivos, exceto

    aprendizagem visual e memria, respondem terapia de remediao

    cognitiva. A heterogeneidade das dificuldades cognitivas bem estabelecida

  • Introduo

    5

    em esquizofrenia e uma ampla abordagem que contemple mltiplos

    domnios pode ser mais benfica aos pacientes. Tambm no h indicao

    de um nico domnio capaz de melhorar o funcionamento social (Wykes,

    2011).

    No entanto, alguns dficits cognitivos mostraram melhoras somente

    dentro do contexto da CRT, ou seja, as aquisies de habilidades cognitivas

    e funcionais no conseguiram ser generalizada para a vida cotidiana do

    sujeito. Assim, no foi possvel verificar, por exemplo, melhorias muito

    significativas em planejamento das aes nas situaes do dia-a-dia (Wykes

    et al., 2007). Por outro lado, a terapia de remediao cognitiva (CRT) pode

    vir a auxiliar em uma melhora duradoura na memria imediata, que, de

    forma indireta, pode promover uma melhora no funcionamento dos pacientes

    nas atividades mais rotineiras do cotidiano (Wykes et al., 2008).

    Em relao memria, um estudo comparativo entre terapia de

    trabalho convencional associada com remediao cognitiva e terapia de

    trabalho sozinha realizada em pacientes com esquizofrenia pde-se

    observar um aumento significativo no desempenho em memria de trabalho

    no grupo que recebeu remediao cognitiva, passando de 45% para 77% se

    comparados com uma queda de 56% para 45% em relao queles em

    condio de controle (Bell et al., 2003).

    Dficits cognitivos e na cognio social fazem parte dos prejuzos

    observados nos paciente com esquizofrenia, entretanto, ainda no h um

    consenso nos estudos acerca do impacto da cognio na funcionalidade dos

  • Introduo

    6

    pacientes. Em alguns estudos embora as tentativas de reabilitao tenham,

    muitas vezes, se mostrado efetivas na cognio bsica (ex: ateno,

    memria e funes executivas), no demonstraram uma melhora

    significativa nos aspectos mais amplos do comportamento e do ajustamento

    social (Hogarty et al; 2004). J outros estudos sugerem que os dficits

    cognitivos so mais ligados ao desfecho funcional que os sintomas

    psiquitricos. Mudanas ao longo do tempo em habilidades de cognio

    atravs de uma aprendizagem apropriada e mais horas de treinamento se

    mostraram capazes de melhorar as habilidades na vida em indivduos com

    esquizofrenia (Veltro et al., 2011).

    Nas pesquisas tambm no encontramos muita clareza em relao

    quo grande as mudanas cognitivas so necessrias para uma melhora

    funcional, salientando-se apenas a durabilidade destas alteraes ao longo

    do tempo. Assim, os objetivos gerais das terapias de remediao cognitiva

    tm sido a durao das mudanas cognitivas alm do foco na aprendizagem

    de uma habilidade especfica (Wykes et al., 2011).

    Alm disso, podemos perceber que no s o treinamento cognitivo

    pode influenciar na cognio e na vida prtica do indivduo como estas

    tambm dependem de outras variveis, tais como: a educao, a situao

    pr-mrbida e adaptao, a inteligncia e humor, as circunstncias sociais e

    a disponibilidade de uma rede de apoio (Ducharme & Spencer, 2001).

    Apesar disso, Hogarty e colaboradores (2004) constataram que muitos dos

    dficits cognitivos e comportamentais relacionados aos pacientes com

  • Introduo

    7

    esquizofrenia que se mostravam suficientemente estveis melhoraram

    quando expostos terapia de remediao cognitiva.

    Em estudo de meta-anlise acerca da eficcia da terapia de

    remediao cognitiva, foram constatadas melhoras cognitivas significativas e

    uma modesta melhora no funcionamento social. No entanto, apesar da CRT

    constituir-se em um processo promissor, o autor recomenda que na prtica

    clnica o treinamento de remediao cognitiva no seja o nico processo de

    reabilitao, mas que ao contrrio, seja includo em abrangentes programas

    de reabilitao, envolvendo outras atividades como terapia ocupacional,

    orientao profissional, auto-cuidado, entre outras atividades teraputicas

    (Wykes & Van Der Gaag, 2001).

    Em estudo com 42 pacientes com esquizofrenia separados em grupo

    controle e grupo experimental com interveno atravs de um programa de

    treino cognitivo computadorizado por um perodo de 12 meses, foi possvel

    constatar, por meio da aplicao de uma bateria neuropsicolgica, o quanto

    o treinamento de remediao cognitivo produz uma melhora significativa na

    memria de trabalho em relao ao grupo controle. No entanto, tambm se

    verificou uma melhora global em ambos os grupos de trabalho com relao

    s funes executivas, a memria episdica verbal e espacial e a velocidade

    de processamento da informao (Kurtz et al., 2007).

    Confirmando a hiptese da remediao cognitiva como um tratamento

    fivel para melhora no funcionamento cognitivo e funcionamento

    psicossocial, um estudo de 85 pacientes com diagnstico de esquizofrenia e

  • Introduo

    8

    separados em remediao cognitiva computadorizada e controle foi possvel

    verificar significativa melhora, em 3 meses de treinamento, nas medidas de

    funcionamento cognitivo geral, velocidade psicomotora e aprendizagem

    verbal no grupo de remediao cognitiva. Contudo, ambos os grupos

    demonstraram significativa melhora no perodo follow-up em sintomas

    positivos e subescala de depresso PANSS (Lindenmayer, 2008).

    Em relao a estes e a todos os estudos que se relacionam com

    alguma interveno psicossocial, ressalta-se a existncia de variveis, tais

    como: uma possvel influncia das horas despendidas para o treinamento, a

    interao com o profissional e a estimulao cognitiva no-especfica, que

    podem alm do treinamento cognitivo tambm auxiliar o paciente a melhorar

    seu desempenho cognitivo (Kurnz et al., 2007).

    Em habilidades como prestar ateno, lembrar e processar a

    informao a ser aprendida so considerados crticas para o desfecho do

    tratamento, entretanto, a aprendizagem alm de depender da cognio

    tambm sofre influncia de tcnicas de instruo e motivao do paciente

    para o seu engajamento na atividade proposta e aprendizagem de uma nova

    habilidade (Medalia & Saperstein, 2011).

    H evidncias de que as pessoas com esquizofrenia apresentam

    dficits cognitivos estabilizados, persistentes e resistentes ao tratamento

    farmacolgico com impacto significativo na funcionalidade, o que explicaria o

    baixo desempenho nos vrios setores sociais aos quais estes indivduos so

    submetidos (Kurtz & Richardson, 2011). Assim, um estmulo para o

  • Introduo

    9

    desenvolvimento de novos tratamentos farmacolgicos com foco nos dficits

    cognitivos tem sido a identificao dos processos cognitivos bsicos

    preditivos de disfuno social. Contudo, alguns autores acreditam na

    improbabilidade de intervenes s em cognio bsica serem suficientes

    para o alcance de um bom funcionamento, pois nos estudos somente cerca

    de 40% dos indivduos com esquizofrenia apresentam dficits cognitivos

    especficos (Horan et al., 2009), embora possam apresentar pouca

    habilidade social (Horton &Silverstein, 2008).

    Muitos estudos relacionam os prejuzos sociais s altas taxas de

    recada e baixa qualidade de vida, entretanto, recentes tentativas de

    associao do treinamento cognitivo ao treinamento de habilidades sociais

    tem tido sucesso parcial. Desta forma, o treinamento intenso de cognio

    primria seria capaz de melhorar os dficits cognitivos em ateno, memria

    e funo executiva, mas no generalizada funo social (Choi & Kwon,

    2006).

    Por isso, existe uma inclinao dos estudos para o desenvolvimento de

    estratgias de reabilitao cognitiva associando intervenes cognitivas

    especficas - como a ateno e memria - com os domnios de cognio

    social como o processamento de emoo e teoria da mente (Horton &

    Silverstein, 2008). Alguns estudos indicam que a remediao cognitiva

    melhora o desempenho cognitivo, os sintomas e o funcionamento

    psicossocial, principalmente diante do dispndio de muitas horas de

    treinamento. J para outros autores a remediao cognitiva ser ineficaz se

  • Introduo

    10

    ignorar a cognio social e seus respectivos componentes, sendo que as

    revises sugerem que os dficits cognitivos so mais ligados ao desfecho

    funcional que os sintomas psiquitricos (Veltro et al., 2011).

    Nas ltimas dcadas, diversas abordagens em treinamento cognitivo

    foram desenvolvidas, tais como: exerccios cognitivos repetitivos

    computadorizados ou na verso em lpis e papel; a aprendizagem de

    estratgias para a organizao das informaes ou estratgias adaptativas

    que envolvem o ambiente como fechamento de caixas, empilhamento de

    plulas, etc; o comportamento e aprendizagem didtica de tcnicas tais

    como: instrues, reforo positivo, etc. (Kraemer & Kupfter, 2006).

    A primeira tcnica desenvolvida de terapia de remediao cognitiva

    denomina-se errorless learning e consiste no ensinamento de tarefas

    cognitivas reduzindo os erros. Isto significa que a tarefa ou o terapeuta d

    suporte a todos os passos requeridos para completar a tarefa. s vezes, a

    tarefa construda como resultado final no comeo ou as tarefas so

    apresentados inicialmente muito lentamente ficando mais rpido com o

    passar das lies ou as tarefas mais simples so fornecidas primeiro

    levando a uma mais difcil. Gradualmente, os suportes so removidos

    quando os participantes comeam a adquirir mais habilidades, mais

    confiana de suas habilidades e ento, tornam-se mais independentes do

    terapeuta ou tarefas de suporte (Wykes et al., 2011).

    Errorless learning um treinamento designado para compensar os

    prejuzos em cognio que impedem ou restringem a aquisio de uma

  • Introduo

    11

    habilidade. baseada teoricamente e empiricamente em um modelo dirigido

    que propem uma ocorrncia da aprendizagem mais forte e durvel atravs

    da ausncia de erros (Kern et al, 2012).

    Achados a respeito da influncia dos erros em aprendizagem na

    esquizofrenia tem sido mais promissor que os achados para aprendizagem

    implcita. OCarroll et al (1999) e Pope e Kern (2006) encontraram o

    impedimento de novas aprendizagens em amostra com esquizofrenia devido

    comisso de erros. Estes estudos usaram um paradigma inicialmente

    descrito por Wilson (1999) com pacientes com crebros lesionados,

    envolvendo a aprendizagem sob condies errorfull e errorfree. O estudo de

    OCarroll e colaboradores (1999) incluiu dois grupos de pacientes com

    esquizofrenia classificados como memria prejudicada e no-prejudicada e

    um grupo controle. A comisso de erros pareceu afetada no desempenho da

    aprendizagem em memria prejudicada, mas no no grupo de memria no-

    prejudicada. J o estudo de Pope e Kern (2006) incluiu uma amostra de

    esquizofrenia e desordem esquizoafetivo ambulatorial e demograficamente

    comparados com adultos saudveis. Os resultados indicaram um efeito de

    erros em aprendizagem em pacientes se comparados aos adultos

    saudveis.

    No entanto, o mecanismo que o errorless learning trabalha no

    totalmente entendido. Previamente proposto, o errorless learning compensa

    os dficits cognitivos em esquizofrenia para a reduo da demanda em

    memria explcita e, simultaneamente, auxilia a memria implcita. A nfase

  • Introduo

    12

    em suas correes de estmulo-resposta automticas sugere envolvimento

    proeminente em processos de memria implcita, entretanto, ainda h

    poucas evidncias empricas que do suporte a esta proposta (Kern et al.,

    2002).

    Kern e colaboradores (2009) avaliaram em seu estudo o impacto do

    errorless learning no desempenho de trabalho em 40 pacientes ambulatorial

    com esquizofrenia randomizados em programa de treinamento de trabalho

    convencional e treinamento errorless learning. Os resultados indicam

    melhores ndices na capacidade de trabalho em errorless learning, embora

    no tenha indicado impacto significativo em aquisio e bem-estar no

    trabalho.

    Em outro estudo de Kern e colaboradores (2008) o grupo de errorless

    learning obteve melhor desempenho que o grupo de instruo convencional

    em escala da qualidade e Inventrio de comportamento no trabalho (WBI)

    avaliado nas semanas 2, 4 e 12. Estas diferenas foram relativamente

    consistentes ao longo do tempo, entretanto, no houve diferenas em auto-

    estima, satisfao ou estresse no trabalho. A instruo convencional

    baseou-se em instruo verbal, uma demonstrao visual, prtica

    independente e feedback corretivo.

  • Introduo

    13

    1.2. O mtodo de clculo aritmtico Kumon como remediao cognitiva

    H muitos cavalos que conseguiram correr mil milhas de uma vez,

    mas so raros os treinadores capazes de faz-los correr tanto.

    Toru kumon

    O mtodo Kumon, desenvolvido h cinqenta anos no Japo e aplicado

    h trinta anos no Brasil, um programa de estudo individualizado e

    planejado de acordo com a capacidade atual do aluno. Neste o aluno

    freqenta a unidade duas vezes por semana, no horrio que lhe mais

    conveniente, alm de realizar tarefas dirias em casa. O tempo de estudo

    varivel, dependendo da complexidade do assunto abordado, mas podendo

    variar de 20 a 50 minutos conforme for de Ensino Fundamental ou Ensino

    Mdio (Kumon, 2005).

    O primeiro passo do treinamento consiste em realizar um teste

    diagnstico para o conhecimento do estgio que o aluno j domina e

    consideram razoavelmente fcil com o intuito de desenvolver, inicialmente, a

    concentrao e os hbitos de estudo. O acmulo de sensaes como eu

    consigo ou eu consegui busca motivar o aluno, elevando assim, a

    habilidade de execuo de tarefas e a concentrao nos estudos.

    No estudo individualizado cada aluno tem um programa desenvolvido

    de acordo com sua capacidade atual, com seu ritmo de aprendizagem e com

    metas a serem atingidas. Esse programa independe da idade e da srie

    escolar do aluno, por isso o sistema de estudo individualizado adequado

    para todas as idades.

  • Introduo

    14

    O material do Kumon elaborado de acordo com a dificuldade nos

    clculos de aritmtica, cujas dificuldades so colocadas em ordem crescente

    para que o aluno consiga estud-lo praticamente sozinho, sem o auxlio do

    orientador. Aps finalizar os exerccios constantes das folhas do dia, o

    estudante as entrega ao orientador para a verificao dos acertos, e caso

    haja erros a folha devolvida para que ele mesmo faa a correo

    necessria sem a ajuda do orientador. Este procedimento repetido at que

    todos os exerccios estejam inteiramente corretos (Kumon, 2005). Assim,

    constitui-se em um programa de treino com exerccios repetidos similar ao

    treinamento de remediao cognitiva errorless learning.

    Alm da melhora na aprendizagem constatada em alunos sem

    nenhuma patologia, na literatura encontramos um estudo realizado no Japo

    com casos de demncia tipo Alzheimer demonstrando uma melhora

    significativa nas funes do crtex pr-frontal e nas atividades de vida diria

    em grupos que freqentaram o programa de leitura em voz alta e clculos de

    aritmtica do mtodo Kumon durante um perodo de seis meses, ao

    contrrio do grupo controle que no recebeu o treinamento (Kawashima et

    al., 2005).

  • Introduo

    15

    Tabela 1 Principais caractersticas e metas do Kumon.

    Caractersticas Benefcios

    Ponto de partida Comeando os estudos no Kumon

    Auto-estima Concentrao Autoconfiana

    Estudo dirio A prtica traz a perfeio Disciplina Organizao Capacidade de execuo de tarefas

    Tempo para resoluo Estudo concentrado Concentrao Responsabilidade

    Reviso Tranqilidade Segurana Garantia de assimilao

    Autocorreo Aprender com os prprios erros

    Superao Estudo com metas Disciplina Organizao

    Compromisso com o prprio avano Avano alm da srie escolar Independncia Segurana

    Organizao Avaliao diria feedback Auto-avaliao

    Autodidatismo

    Aprender por si s

    Iniciativa

    Busca do conhecimento por si Ref: Kumon T, 2005.

    Este trabalho se prope a investigar o treinamento de clculos

    matemticos pelo mtodo Kumon como um programa de terapia de

    remediao cognitiva errorless learning, cujo mtodo de treinamento j

    apresenta contedo e material organizado e pr-estabelecido amplamente

    difundido no Brasil e no mundo. Em termos econmicos, embora no testado

    neste estudo, acreditamos no potencial de uso do Kumon em larga escala e

    a baixo custo se comparada ao treinamento de remediao cognitiva

    convencional, podendo funcionar de maneira similar, alternativa e/ou

    substitutiva.

  • Introduo

    16

    No parece haver, at o momento, estudos especficos sobre treino

    cognitivo matemtico errorless learning em pacientes com esquizofrenia e na

    populao brasileira. Obviamente no se pretende esgotar o assunto, mas

    sim investigar de modo exploratrio as possibilidades de melhora das

    funes cognitivas subjacentes matemtica em pacientes brasileiros com

    esquizofrenia.

    A seguir, encontram-se os estudos mais recentes das principais

    funes cognitivas consideradas subjacentes matemtica e, sua posterior

    descrio, a fim de proporcionar melhor compreenso da relao entre a

    remediao cognitiva matemtica proposta e os domnios cognitivos

    relacionados matemtica do qual o estudo se propem a estimular.

    1.3. Dificuldade em aprendizagem matemtica

    As crianas nascem com certas habilidades numricas, como o

    entendimento intuitivo dos nmeros. Estas habilidades permitem a

    discriminao entre diversos nmeros de objetos, aes e sons. H tambm

    evidncias das crianas adicionarem e subtrarem um grande nmero de

    objetos. Estas habilidades so encontradas tanto em alguns animais bem

    como em culturas humanas, e tem sido referida s vezes como uma

    habilidade numrica biologicamente primria (Kittal et al., 2009).

  • Introduo

    17

    Quando as crianas chegam ao jardim de infncia, trazem conceitos

    baseados em experincias informais. Estas experincias advm de toda a

    infncia e fornece base para a aquisio cada vez maior de smbolos

    abstratos. Pesquisas psicolgicas tm buscado mais informaes sobre a

    informao informal bem como sobre os mecanismos capazes de mover a

    criana de um nvel de entendimento a outro. Assim, por exemplo, h

    pesquisas psicolgicas que consideram a educao prtica como o

    entendimento das transformaes quantitativas em pr-escolares (subtrao

    e adio) atravs de tarefas no verbais; a dissociao da dificuldade de

    frao na escola com a noo de parte-todo na vida prtica; e coordenao

    de vrias dimenses de quantidade e entendimento destas interaes

    segundo pesquisas Piagetianas (Newcombe et al., 2009).

    Vrios domnios cognitivos, entendimento da magnitude e contagem so

    tidos como variveis preditoras simplificadas de uma habilidade complexa

    que a matemtica. Cada habilidade bsica representa um conhecimento

    cristalizado construdo na base de experincias em casa, na escola e outros

    ambientes sociais, chamados de vocabulrio. No entanto, cada oportunidade

    de aprendizagem tambm interage com uma capacidade cognitiva bsica de

    aprendizagem, e o acesso a estas capacidades cognitivas que independem

    do conhecimento e geralmente menos determinada por fatores scio-

    econmicos so essenciais para se engajar em operaes cognitivas mais

    complexas. A esta habilidade biologicamente subjacente para aquisio de

    conhecimentos durante a vida chamamos de inteligncia fluda (Bull, 2008).

  • Introduo

    18

    A inteligncia fluda e a cristalizada foram originalmente descritas por

    Raymond Cattel. A inteligncia cristalizada est mais associada como sendo

    dependente da aprendizagem ao passo que a inteligncia fluda independe

    de experincias passadas. Historicamente, a diferena entre estas duas

    inteligncias foram mantidas atravs do quociente de inteligncia verbal e de

    execuo nas escalas Wechsler de Inteligncia.

    Diversos estudos convincentemente mostram que o senso de nmeros

    uma habilidade inata, onde h evidncias emergentes de que o

    desenvolvimento da discalculia seja causado por um dficit aguado desta

    representao e no processamento da magnitude de informao numrica

    (Kittal et al., 2009).

    A caracterstica fundamental de senso numrico inclui o entendimento

    implcito e potencialmente inerente da quantidade exata de vrias aes ou

    objetos e de smbolos (ex: nmeros arbicos) que eles representam (ex:

    3=///), e a magnitude aproximada de grandes quantidades (Geary, 2010).

    Muitos critrios diagnsticos usam o termo de desenvolvimento da

    discalculia para descrever dificuldades moderadas a extremas em

    computao numrica fluente que no pode ser atribuda s dificuldades

    sensoriais, baixo quociente de inteligncia (QI) ou privao educacional. A

    discalculia considerada heterognea em etiologia e na manifestao de

    dificuldades matemticas (Rubinsten e Henik, 2009).

  • Introduo

    19

    H alta ocorrncia de discalculia em populao peditrica e sugerem

    mecanismos cognitivos e neurofisiolgicos subjacentes. As crianas com

    dificuldades em matemtica tendem a apresentar padro similar de dficit de

    processamento visual queles previamente reportados em outras desordens

    do desenvolvimento como a dislexia, desordem de desenvolvimento da

    coordenao, autismo e sndrome de Willians (Sigmundsson, 2010).

    A discalculia consiste em uma desordem na habilidade matemtica com

    prejuzo especfico na funo cerebral. Supe-se ser um dficit nico, no

    causado por desordem de leitura (dislexia), ateno (TDHA) ou problemas

    de inteligncia geral. Sujeitos com discalculia falham em uma ampla gama

    de tarefas numricas, por exemplo, apresentam dificuldade em recuperar

    fatos numricos usando procedimentos aritmticos e operao de soluo

    aritmtica (Ashknazi, 2009).

    Assim, o desenvolvimento da discalculia uma dificuldade de

    aprendizagem especfica que afeta a aquisio de habilidades matemticas

    em crianas normais. Embora a aprendizagem pobre, privao ambiental e

    menor inteligncia tm sido implicadas na etiologia de desenvolvimento da

    discalculia, dados recentes indicaram que a dificuldade de aprendizagem

    uma desordem cerebral associada com pr-disposio gentica, cujo

    substrato neurolgico envolve ambos os hemisfrios, particularmente reas

    parietotemporal esquerda (Shalev e Gross-tur, 2000).

  • Introduo

    20

    Na literatura h poucas informaes a respeito do prognstico da

    discalculia em longo prazo, entretanto, parece persistir pelo menos em curto

    prazo, em metade dos pr-adolescentes afetados. As conseqncias da

    discalculia e seu impacto na educao, emprego e bem-estar psicolgico

    dos indivduos afetados so ainda desconhecidos tambm (Geary, 1994).

    Dois modelos cognitivos tm sido propostos para explicar o

    processamento aritmtico normal e a discalculia. O modelo desenvolvido por

    McCloskey e colaboradores (1985) dividiu a habilidade matemtica em trs

    principais grupos: (1) compreenso do conceito de nmeros; (2) produo de

    nmeros e (3) clculos. Este forneceu uma base terica para explicar dficits

    isolados em domnios especficos da aritmtica, onde outras facetas

    matemticas permanecem intactas.

    J o modelo de cdigo triplo proposto por Dahaene e Cohen (1995)

    so neuropsicologicamente e anatomicamente baseados nos elementos

    verbais, visual e representao da magnitude. De acordo com este modelo,

    operaes matemticas relativamente simples so processadas pelo

    sistema verbal sem o hemisfrio esquerdo ao passo que os procedimentos

    aritmticos mais complexos processados - que requer estimativa da

    magnitude e representao visual esto bilateralmente localizados. Os

    dados experimentais deste modelo foram fornecidos atravs da avaliao de

    indivduos com desempenho aritmtico normal e por casos de pessoas com

    leso cerebral focalizados.

  • Introduo

    21

    No entanto, a dificuldade em aprendizagem matemtica se difere da

    discalculia na medida em que o termo discalculia reservado para dficit em

    habilidade numrica aguada, como por exemplo, dificuldade em processar

    quantidades e uma m funo relativamente especfica no nvel

    comportamental. Em contraste, a dificuldade em aprendizagem matemtica

    causada por diversos dficits cognitivos como a memria de trabalho,

    processamento visuo-espacial ou ateno. Ambos so desordens em

    matemtica sem outra desordem no-numrica e podem se manifestar em

    diferentes comportamentos em estgios precoces de desenvolvimento. No

    entanto, eles s vezes manifestam comportamentos similares mais tarde na

    vida por causa da influncia de vrios fatores de desenvolvimento como a

    escolaridade (Rubinsten & Henik, 2009).

    A compreenso da dificuldade em matemtica tambm importante por

    poder representar um custo econmico. A organizao para cooperao

    econmica e desenvolvimento (OECD) demonstrou que meio desvio-padro

    em matemtica implica, pela experincia histrica, um acrscimo anual de

    produto interno bruto per capita de 0,87% no Reino Unido e de 0,74% nos

    Estados Unidos. Em estudo no Reino Unido a baixa numercia foi apontada

    como responsveis por menores salrios, menos consumo de bens, maior

    propenso a doenas e a problemas com a lei e maior necessidade de

    auxlio na escola (Butterworth et al., 2011).

  • Introduo

    22

    O DSM-IV define a dificuldade em aprendizagem matemtica em

    termos de discrepncia entre testes de desempenho de realizao

    matemtica e expectativa de desempenho baseado na idade, inteligncia e

    anos de estudo e para adultos interferem significativamente em suas

    atividades dirias. Entretanto, no est bem estabelecido se existe

    diferena nas formas de dficit de cognio matemtica entre crianas e

    adultos com baixo escore de realizao matemtica e inteligncia (Geary,

    2011).

    Em reviso recente concluiu-se que a competncia matemtica

    empobrecida comum entre os adultos e resultam em dificuldades de

    empregabilidade e em muitas atividades comuns do dia-a-dia. Entre os

    estudantes norte-americanos, cerca de 7% das crianas e adolescentes

    apresentam dificuldade de aprendizagem matemtica (MLD) e cerca de 10%

    tem baixa realizao matemtica (LA) persistente, apesar de habilidade

    mdia em muitas outras reas (Geary, 2011).

    No encontramos, at o momento, estudos acerca de dificuldade

    matemtica em populao de esquizofrenia adulta e brasileira, entretanto, a

    dificuldade matemtica parece tambm estar associada aos prejuzos de

    mecanismos cognitivos subjacentes da prpria doena, tais como a memria

    de trabalho, funo executiva e ateno (Kraemer & Kupfter, 2006). Ainda

    no se sabe se h um padro de dificuldade matemtica relacionada

    cognio, mas a sua conseqncia pode ser constatada nas altas taxas de

    desemprego, baixo nvel educacional e funcionalidade tambm apresentada

  • Introduo

    23

    por grande parte dos pacientes com esquizofrenia (Dawes et al., 2011; Vita

    et al., 2011).

    1.4. Alteraes cognitivas e dificuldade em aprendizagem matemtica

    Na literatura, vrios dficits cognitivos foram relacionados como

    subjacentes e preditivos de dificuldade matemtica, tais como, dficits de

    ateno, memria de trabalho, memria verbal e funo executiva (Pavuluri

    et al., 2006).

    Em reviso recente, a compreenso das propriedades numricas (ex:

    magnitude dos nmeros e cardinalidade) so consideradas o bloco de

    construo bsico do qual a aritmtica construda. Alm disso, a

    recuperao dos fatos e clculos considerada funes mediadoras da

    proficincia aritmtica. Assim, a memria de trabalho (ex: armazenamento

    temporrio e manipulao da informao) faz-se necessria quando a

    informao no pode ser facilmente recuperada e precisa ser calculada

    baseada em mecanismos de decomposio e/ou outras regras. Em conjunto

    com este processo mnmico, recursos atencionais, operaes de seqncia

    mental e deciso tambm influenciam na velocidade e preciso do

    desempenho. Estes recursos cognitivos de domnio geral so apontados

    como to vitais quanto o conhecimento numrico aprendido em sala de aula

    (Menon, 2010).

  • Introduo

    24

    Em estudo de avaliao cognitiva em alunos de primeira srie do

    ensino fundamental composta por tarefas que do acesso - habilidade de

    compreenso e produo de nmeros, conhecimento de contagem,

    habilidade aritmtica, memria de trabalho e facilidade de recuperao da

    informao para memria de longo prazo foram encontrados diferentes

    padres de dficit de cognio e cognio intacta nos diferentes grupos

    constitudos por alunos com dificuldade de aprendizagem, de leitura ou

    ambos. Estes resultados sugerem a existncia de diferentes dficits

    cognitivos subjacentes s diferentes formas de dificuldade de aprendizagem

    (Geary et al., 1999).

    Em outra pesquisa de Geary (2011), buscou-se fornecer uma viso

    global do domnio cognitivo geral preditor de desfechos entre os domnios

    acadmicos e a cognio matemtica. Para isto, se avaliou 177 estudantes

    da pr-escola a quinta srie utilizando medidas de realizao matemtica e

    controlando medidas de inteligncia, memria de trabalho e velocidade de

    processamento. Os seus resultados tambm indicaram uma quantidade

    precoce de competncias que contribuem unicamente com a aprendizagem

    matemtica.

  • Introduo

    25

    Em estudo de Berg (2008), atravs da avaliao de 90 alunos

    canadenses da terceira a sexta srie do ensino fundamental e mdio,

    demonstrou que a velocidade de processamento, a memria de curto prazo

    (verbal e visuo-espacial) e a memria de trabalho contribuem para o

    desempenho de clculos aritmticos. Alm disso, a idade cronolgica

    tambm foi apontada como fator de influncia na aritmtica.

    Pacientes com esquizofrenia exibem uma variedade de dficits

    cognitivos, do qual tambm podem afetar seu desempenho em tarefas de

    clculos (para uma viso geral, ver Frith, 1992; Gray et al., 1991). Em

    particular, os prejuzos em funes da memria de trabalho, como por

    exemplo, o armazenamento de curto prazo e manipulao da informao,

    pode ser observado. Estes dficits dizem respeito, principalmente, ao

    componente de controle executivo da memria de trabalho, envolvida na

    manipulao flexvel das informaes (Norman e Shallice, 1986). A

    habilidade matemtica acessada nos estudos, principalmente, atravs de

    tarefas aritmticas complexas de baterias de testes de inteligncia tais como

    o WAIS-R (Wechsler, 1981), no qual so baseados em vrias funes

    cognitivas (Green, 1996; Bilder, 1997).

    Em estudo de avaliao neuropsicolgica de pacientes com

    esquizofrenia demonstrou o mesmo processo cognitivo subjacente envolvido

    nas tarefas aritmticas que o grupo controle saudvel, com pior desempenho

    em tarefas de funo executiva nos pacientes com esquizofrenia (Kiefer e

    Weisbrod, 2002).

  • Introduo

    26

    Em muitos estudos pacientes com esquizofrenia demonstram

    alteraes no desempenho em uma grande variedade de testes

    neuropsicolgicos, principalmente no que se refere ateno, memria e

    funes executivas (Monteiro & Louz, 2007), funes cognitivas estas

    apontadas em outras pesquisas com diferentes populaes como sendo

    subjacentes matemtica.

    As pesquisas tm demonstrado relao entre funes

    neuropsicolgicas e academia em crianas bipolares. Em primeiro estudo

    relacionando dficits cognitivos e academia atravs da aplicao de uma

    bateria neuropsicolgica em uma amostra de 55 crianas e adolescentes

    bipolares com e sem dficit de ateno e hiperatividade (TDHA), indicou a

    influncia de alguns domnios cognitivos como a funo executiva, ateno,

    memria de trabalho e habilidade para soluo de problemas nas

    dificuldades acadmicas (Pavuluri et al., 2006).

  • Introduo

    27

    A investigao de diferentes componentes cognitivos de desempenho

    matemtico em jovens com outras doenas mdicas tem identificado dficit

    cognitivo particular associado com dficits matemticos especficos. Assim,

    por exemplo, crianas com Sndrome de Turner apresentaram pior

    habilidade visuo-espacial e organizacional em procedimentos matemticos

    ao passo que homens com dficit de ateno e hiperatividade (TDHA)

    demonstraram pior soluo de problemas e desempenho computacional em

    aritmtica. No caso de jovens bipolares, as dificuldades matemticas no

    envolveram simplesmente computador (adio bsica, subtrao,

    multiplicao ou diviso), mas tambm envolveram organizao, espao e

    aspectos meta-cognitivos de desempenho matemtico, fortalecendo a

    hiptese de que os prejuzos nos processos cognitivos podem estar

    subjacentes ao padro de dficits matemticos (Lagace et al., 2003; Cirino,

    2010).

    Por outro lado, uma explicao total das dificuldades matemticas no

    pode ser encontrada em estudos que investigam somente os mecanismos

    cognitivos, mas devem tambm considerar a influncia de outros fatores na

    aprendizagem da matemtica tais como social, motivacional e os fatores

    educacionais (Bull et al., 1999).

  • Introduo

    28

    Em estudo com 119 participantes, adolescentes com remisso de

    bipolaridade tem um perfil de dificuldade matemtica que os diferencia de

    adolescentes com depresso unipolar e sujeitos saudveis. Seu resultado

    demonstra, principalmente, que os dficits matemticos no derivam

    simplesmente mais de dficits globais de inteligncia no-verbal ou funo

    executiva, mas pode estar associada com anormalidades neuroanatomicas

    que resultam em dficits cognitivos, incluindo um tempo de resposta mais

    lento. Estes prejuzos sugerem tambm a necessidade de avaliao

    especializada de avaliao da matemtica como parte de um plano de

    tratamento clnico follow-up (Lagace et al., 2003).

    Na literatura encontramos poucos estudos longitudinais de avaliao

    cognitiva de treinamentos especficos de matemtica, apesar de vrios

    estudos apontarem para um prejuzo cognitivo subjacente dificuldade

    matemtica. Assim, embora a pesquisa de Navarro e colaboradores (2011)

    tenham demonstrado relativa estabilidade no nvel de habilidade matemtica

    entre estudantes de 5 a 7 anos de idade, ainda no claro um padro de

    desenvolvimento matemtico entre os estudos.

  • Introduo

    29

    Um dos poucos estudos randomizados de treinamento matemtico foi

    realizado no Japo com 32 idosos diagnosticados com demncia tipo

    Alzheimer e outro composto por 124 idosos normais, ambos submetidos a

    um treinamento de soluo de problemas aritmticos e de leitura em voz alta

    durante um perodo de 6 meses, com resultados significativamente positivos

    na cognio. No primeiro estudo chegou-se a uma melhora, principalmente,

    em flexibilidade mental e sensibilidade interferncia ao passo que no

    segundo estudo houve maior melhora significativa em similaridades e

    comunicao verbal avaliada por uma escala de exame mini-mental (MMSE)

    (Kawashima et al, 2005; Uchida e Kawashima, 2008).

    No entanto, ao longo da dcada passada, os pesquisadores

    demonstraram a eficincia da instruo de estratgias de planejamento

    (tambm referida como facilitador de planejamento) em diversos contextos

    acadmicos e no acadmicos em estudantes com dificuldade de

    aprendizagem e deficincia mental leve. Os resultados destes estudos

    indicaram que crianas com dficit de ateno e hiperatividade (TDAH)

    tambm se beneficiam de instrues de planejamento estratgico em

    matemtica (Iseman & Naglieri, 2011).

  • Introduo

    30

    At o momento, no encontramos na literatura estudos especficos

    das dificuldades matemticas em pacientes com esquizofrenia, apesar de

    muitos estudos constatarem os dficits cognitivos como limitadores de suas

    atividades dirias e serem preditores de desfecho em longo prazo. Por esta

    razo, os dficits cognitivos devem ser considerados quando se planeja uma

    terapia e um programa de reabilitao.

    Para compreender como estas funes cognitivas podem influenciar o

    desempenho matemtico e vice-versa, cada uma deve ser considerada.

    Acreditamos que uma terapia de remediao cognitiva que faa uso de

    ferramentas para o desenvolvimento de habilidades matemticas seja capaz

    de melhorar o desempenho de diversas funes cognitivas subjacentes a

    matemtica, melhorando conseqentemente prejuzos cognitivos freqentes

    para esta populao, j apontados em diversos estudos.

    1.4.1. Memria de trabalho

    Estudar o desenvolvimento da memria de trabalho ainda um desafio.

    Apesar do surgimento de instrumentos e tarefas voltadas para a

    investigao da memria de trabalho, ainda no existem medidas

    especficas capazes de avaliar cada um de seus componentes. Habilidades

    cognitivas tais como a ateno seletiva, o controle inibitrio, a flexibilidade

    cognitiva e a memria de trabalho propriamente dita apresentam fronteira

    muito tnues, dificultando assim o estudo mais detalhado de cada uma

    dessas funes. Ao mesmo tempo, compreender o desenvolvimento dessas

    funes na criana, que est em constante crescimento, torna a tarefa mais

  • Introduo

    31

    rdua ainda. Mesmo com todas essas dificuldades, possvel traar um

    panorama geral acerca da memria de trabalho (Uechara & Landeira-

    Fernandez, 2010).

    Para Alloway (2006), a memria de trabalho tem papel-chave no

    suporte na aprendizagem ao longo dos anos escolares, alm da idade

    adulta. A memria de trabalho crucialmente requerida para estocar

    informaes enquanto outros materiais so mentalmente manipulados

    durante a atividade de aprendizagem, formando fundaes para a aquisio

    de complexas habilidades e conhecimento. Um indivduo com capacidade de

    memria de trabalho empobrecido muitas vezes se esfora e falha em cada

    atividade, atrasando a aprendizagem.

    Na literatura encontramos distino conceitual em relao memria

    explicita e implcita. A memria explicita ou declarativa refere-se reteno

    de experincias sobre fatos e eventos do passado, ou seja, o indivduo tem

    acesso consciente ao contedo da informao, e envolve o arquivamento de

    associaes arbitrrias mesmo aps uma nica experincia, sendo flexvel e

    prontamente aplicvel a novos conceitos. Em contrapartida, a memria

    implcita ou no declarativa revelada quando a experincia prvia facilita o

    desempenho numa tarefa que no requer a evocao consciente ou

    intencional daquela experincia, e requer treinamento repetitivo com uma

    aquisio gradual ao longo de diversas experincias, portanto, inflexvel e

    pouco acessvel a outros sistemas (Squire, 1988; Reber & Squire, 1994).

  • Introduo

    32

    Assim, a memria pode ser compreendida como a capacidade de adquirir,

    armazenar e recuperar as informaes disponveis. Em outras palavras, a

    chamada memria declarativa, como o nome sugere, aquela que pode ser

    declarada (fatos, nomes, acontecimentos, etc.) e mais facilmente

    adquirida, mas tambm mais rapidamente esquecida. Memrias explicitas

    chegam ao nvel consciente e esse sistema de memria est associado com

    estruturas no lobo temporal medial (ex: hipocampo, amgdala). J outra

    memria conhecida como no-declarativa, tambm chamada de implcita

    ou procedural, e inclui procedimentos motores (como andar de bicicleta,

    desenhar com preciso ou quando nos distramos e vamos no "piloto

    automtico" quando dirigimos). Essa memria depende dos gnglios basais

    (incluindo o corpo estriado) e no atinge o nvel de conscincia. Ela em geral

    requer mais tempo para ser adquirida, mas bastante duradoura.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Armazenamentohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Informa%C3%A7%C3%B5es

  • Introduo

    33

    O termo memria de trabalho evoluiu de um conceito mais precoce de

    memria em curto prazo e os dois ainda so usados alternadamente. A

    memria de curto prazo se refere ao armazenamento temporrio simples da

    informao, em contraste memria de trabalho, que implica em uma

    combinao de estoque/armazenamento e manipulao. A memria de

    trabalho constitui-se em uma srie de fludos que requer somente ativao

    temporria ao passo que a memria de longo prazo constitui-se em uma

    habilidade permanente mais cristalizada e com maior conhecimento

    (Baddeley, 2012). Como bem apontam Helene e Xavier (2003), a memria

    de trabalho se diferencia da memria de curto-prazo por privilegiar a

    utilizao da informao, e no apenas o simples decorrer do tempo, como

    fator determinante na manuteno ou descarte das informaes.

    A memria de trabalho um espao mental que pode flexivelmente ser

    usada como suporte para atividades cognitivas dirias que requerem

    processamento e estocagem, tais como a aritmtica mental. Podemos

    imaginar, por exemplo, uma tentativa para multiplicar dois nmeros falados

    para voc por outra pessoa, sem fazer uso de lpis e papel ou calculadora.

    Primeiro de tudo, voc precisar segurar os dois nmeros na memria de

    trabalho. O prximo passo ser usar regras de multiplicao aprendidas para

    calcular os produtos de sucessivos pares de nmeros, acrescentando para a

    memria de trabalho os novos produtos que voc processou. Finalmente,

    voc precisar adicionar os produtos aprendidos em memria de trabalho,

    resultando na soluo correta. Assim, sem a memria de trabalho, ns no

    executaramos este tipo de atividade mental complexa no qual algumas

  • Introduo

    34

    informaes so mantidas na mente enquanto outros materiais so

    processados (Alloway et al., 2004).

    A matemtica um domnio complexo em que h a contribuio de

    uma srie de habilidades cognitivas para seu desempenho adequado e uma

    delas a memria de trabalho. A relao entre a memria de trabalho e as

    habilidades aritmticas varia de acordo com a idade e com a complexidade

    das tarefas matemticas (Gross-Tsur et al., 1996).

    medida que o desenvolvimento progride, h uma melhora em todo

    funcionamento cognitivo da criana. Segundo Gathercole e Baddeley (1998),

    a principal mudana que ocorre durante o desenvolvimento da memria de

    trabalho o aumento da eficcia operacional e da velocidade de

    processamento de informao, bem como uma maior utilizao de

    estratgias nas resolues de problemas. Ou seja, a criana passa a

    processar informaes mais rapidamente e de forma automtica, permitindo

    lidar com maior nmero de informaes ao mesmo tempo. Entretanto, a

    habilidade que tem sido mais investigada so os armazenadores

    temporrios fonolgicos e visuo-espacial, muito provavelmente devido

    simplicidade destes subcomponentes da memria de trabalho.

  • Introduo

    35

    Em pesquisa que avaliou o desempenho em tarefas aritmticas para

    avaliao da memria de trabalho em 24 pacientes jovens (23 anos) e 24

    idosos (71 anos), os grupos de idade atingiram resultados equivalentes em

    preciso e velocidade das operaes aritmticas, mas os idosos foram mais

    lentos em relao aos jovens em demanda de memria de trabalho. Isto se

    deu em funo de um tempo adicional requerido para acessar novos objetos

    em memria de trabalho como as bases de computao. J em relao

    comutao de tarefas a demanda de memria aumentou, mas no foi

    afetado pela idade, indicando que adultos idosos no tm dficit em acesso

    seletivo para memria de trabalho (Oberauer et al., 2003).

    A memria de trabalho apontada como fundamental na atividade

    cognitiva do dia-a-dia assim como para o desempenho acadmico. Estudos

    cognitivos da avaliao matemtica provm da avaliao do quanto os

    dficits podem estar subjacentes s dificuldades em aprender matemtica.

    Muitos estudos tm usado o modelo de memria de trabalho de Baddeley, e

    recentes trabalhos indicam a memria de trabalho como um mecanismo

    subjacente individual de crianas em fludos de inteligncia (Bull, 2008).

  • Introduo

    36

    Os resultados de uma pesquisa com medidas mltiplas de memria de

    trabalho, memria de curto prazo, velocidade de processamento e

    inteligncia fluda geral de 120 adultos jovens saudveis sugerem a memria

    de curto prazo e a velocidade de processamento como bons preditores de

    inteligncia fluda em jovens saudveis, no ocorrendo o mesmo em relao

    memria de trabalho. No entanto, no h tarefas neuropsicolgicas com

    medidas puras destes componentes, ou seja, quanto mais rpido for o

    avaliador, maior a quantidade de informaes que podem ser processadas

    em uma nica unidade de tempo. Ento, um indivduo com memria de

    trabalho acima da mdia pode funcionalmente ter uma maior capacidade

    que outros, mas as causas atribudas serem a velocidade de processamento

    global (Conway et al., 2001).

    De maneira geral, as habilidades cognitivas so influenciadas por

    idade, educao e inteligncia. Entretanto, funo executiva, ateno e

    memria verbal so bastante especficas e independentes de QI, por isso,

    podem ser consideradas como um marcador cognitivo em pessoas com

    esquizofrenia (Walker & Standen, 2011).

    Poucos estudos tm examinado as diferena de desempenho em

    memria de trabalho entre os gneros em pacientes com desordem bipolar

    segundo DSM-IV em fase eutmica, apesar das evidncias de dismorfismo

    sexual em estruturas cerebrais normais, bem como diferenas de gneros

    na cognio em pacientes saudveis e em pacientes com esquizofrenia. No

    entanto, em estudo de Barret e colaboradores (2008) os gneros foram

  • Introduo

    37

    capazes de influenciar a deteco de dficits de memria de trabalho em

    pacientes bipolares, com melhor desempenho estratgico nos pacientes

    feminino se comparado aos masculinos. Em pacientes com esquizofrenia,

    no foi encontrado estudos comparativos da memria de trabalho em

    relao ao gnero de pacientes com esquizofrenia.

    A contribuio da memria de trabalho para habilidade matemtica em

    diferentes idades mais pronunciada em relao s tarefas de memria de

    trabalho verbal. Por exemplo, Bull e Scerif (2001) encontraram

    relacionamento entre memria e matemtica em crianas de sete anos, mas

    esta associao no foi significativa na populao adolescente (Gathercole

    & Pickering, 2000).

    Muitos estudos em pacientes com esquizofrenia apontam para um

    prejuzo na memria verbal, relacionado perda de funo temporal e pr-

    frontal do crebro. J outras pesquisas evidenciam um prejuzo de memria

    no especfica, apresentando a memria no-verbal tambm prejudicada

    (Mesholam-Gately et al., 2009). A memria e as funes de aprendizagem

    so apontadas como mais seriamente prejudicadas que a funo intelectual

    geral, incluindo pacientes sem medicao e em primeiro episdio (Mulholand

    et al., 2008).

    As evidncias em relao s habilidades intelectuais (quociente de

    inteligncia QI) em pacientes com esquizofrenia ainda so divergentes. No

    entanto, estudos apontam para a existncia de uma relao entre os dficits

    cognitivos e o funcionamento intelectual (Ruiz et al., 2007).

  • Introduo

    38

    Uma questo importante do relacionamento entre memria de trabalho

    e dificuldade de aprendizagem se a memria de trabalho simplesmente

    uma extenso do quociente de inteligncia (QI). Desde 1980, com o maior

    desenvolvimento terico e emprico do constructo de memria de trabalho

    (WM), diversos investigadores afirmaram que memria de trabalho e

    habilidade intelectual est fortemente relacionada ou so constructos

    idnticos.

    No entanto, em reviso de 86 trabalhos a respeito do relacionamento

    entre memria de trabalho e inteligncia chegou-se concluso de que

    memria de trabalho no isomorfo inteligncia geral (g) e inteligncia

    fluda (gf), raciocnio ou algum outro tipo de fator de inteligncia. Parte das

    razes deste ceticismo explicada pelo fato de no conseguirmos uma boa

    qualidade nas estimativas de inteligncia utilizando apenas uma nica

    escala de raciocnio no verbal como o Raven, mas necessitarem serem

    geradas a partir de mltiplos testes compostos por diferentes formatos,

    contedos e processos (Ackerman et al., 2005). Este estudo tambm

    salienta as limitaes e insuficincia dos dados na literatura sobre o

    relacionamento entre constructos de WM e constructos de habilidade (por

    exemplo: verbal, espacial, numrico ou raciocnio).

    Na meta-anlise de Ackerman e colaboradores (2005) encontraram-se

    diferenas entre as mdias de correlao para memria de trabalho (WM) e

    medidas de habilidade intelectual (P=. 397) e entre memria de curto prazo

    (STM) e medida de habilidade intelectual (p=. 260), o que equivale a uma

  • Introduo

    39

    diferena de 15,8% de varincia entre WM e habilidade intelectual e 6,8% de

    varincia entre STM e habilidade intelectual. Se esta diferena pode ser

    considerada grande ou pequena, segundo o autor, depende da perspectiva

    terica de orientao individual do pesquisador em explicar as diferenas

    individuais em inteligncia. O grau de conhecimento e de habilidades

    apontado por alguns autores como determinante para a existncia de

    diferenas individuais em executivo ou controle atencional, diminuindo a

    capacidade de deteco da memria de trabalho nas tarefas

    neuropsicolgicas.

    Assim, h algumas evidncias nos estudos de dissociao entre

    memria de trabalho e habilidades gerais, o que explicaria as diferenas

    individuais entre memria e realizao escolar. Entretanto, pesquisas

    recentes tm confirmado uma associao especfica entre memria de

    trabalho e realizao aps controle estatstico das diferenas de QI em

    crianas (Swanson & Saez, 2003; Gathercole et al., 2006).

    As crianas com comorbidade matemtica e dificuldade de leitura

    apresentam maior deficincia com soluo de problemas aritmticos e

    clculo exato de combinaes aritmticas, onde seus problemas em outras

    reas de cognio matemtica (por exemplo: recuperao de fatos

    aritmticos, aritmtica aproximada, valor de lugar, princpios de clculo,

    escrita computacional) se equivalem quelas de crianas com dificuldade

    matemtica somente. Assim, crianas que apresentam somente dificuldade

    matemtica demonstram vantagem em relao s com dificuldade

  • Introduo

    40

    matemtica e dificuldade de leitura em reas que podem ser medidas pela

    linguagem (por exemplo: histria dos problemas, clculo exato de

    combinaes aritmticas), mas no em reas que dependem da magnitude

    numrica e automaticidade (por exemplo: aritmtica aproximada,

    recuperao de fatos aritmticos) (Geary et al., 1991; Fuchs & Fuchs, 2002).

    Pesquisadores indicam que crianas com comorbidade aritmtica e

    dificuldade de leitura apresentam dficit de memria de trabalho geral ao

    passo que crianas com apenas dificuldade em matemtica podem ter

    dficits em memria de trabalho especficos. No entanto, na literatura

    apenas encontramos estudos empricos de domnio especfico da memria

    de trabalho em amostras com adultos e crianas mais velhas, o que no

    ocorre em relao ao domnio geral da memria de trabalho, demonstrado

    em diferentes populaes de adultos, crianas e pacientes

    neuropsicolgicos (Baddeley, 1996).

    Nos estudos recentes, a memria de trabalho e a funo executiva

    desempenham papel-chave como preditores da preciso em soluo de

    problemas aritmticos, mas as habilidades bsicas adquiridas em meios

    acadmicos especficos (leitura e matemtica) podem compensar a

    influncia da memria de trabalho em soluo de problemas (Zheng et al.,

    2011).

    Ao longo do desenvolvimento, o funcionamen