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O mito da mãe preta no imaginário literário de raça e mestiçagem cultural Sonia Roncador Identificadas porém à vida na escravidão, algu- mas dessas pobres creaturas chegaram mesmo a idolatrar seus algozes; algumas d’ellas foram dedicadas em extremo; e, sem poderem erguer francamente os olhos, bemdiziam aquelles que lhes davam o pão para alimento e o duro traba- lho para amenidade de suas vidas. Mãi preta foi uma dessas creaturas; sua vida porém não deve ficar no olvido, pois que symbolisa a existência de um’alma dotada de sentimentos extraordina- riamente nobres. 1 José A. C. Júnior Tais palavras de gratidão e apreço por uma ama negra, retiradas de um folhetim intitulado “Mãi preta”, não refletem a imagem recorrente dos escravos nos textos literários e políticos abolicionistas da segunda metade do século XIX. Como argumenta Jurandir Freire Costa, a “propaganda anti-escravagista” no Brasil fundamentava-se na idéia de um “irremediável antagonismo” entre senhor e escravo, cujas conseqüências implicava, entre outros males, a degradação ou perversão dos costumes familiares 2 . Quanto à ama-de-leite e de criação, em particular, seu contato íntimo com os filhos de seus senhores conferia a ela, segundo Sonia Maria Giacomini, “o lugar privilegiado de agente de corrupção da família branca” 3 . Como se lê em um outro periódico feminino oitocentista, O Mentor das Brazileiras, se a infância de nossos pais portugueses era mal dirigida, a nossa ainda hé peior pela mistura de escravos, os quaes depravão habitos e costumes e o proprio idioma; 1 Júnior, “Mãi preta”, p. 167. Decidi manter na citação a ortografia original desse folhetim de 1888. A mesma decisão foi tomada com relação às citações de outras publicações do século XIX que aparecerão ao longo deste ensaio. 2 Costa, Ordem médica e norma familiar, p. 123. 3 Apud Giacomini. Mulher e escrava: uma introdução ao estudo histórico da mulher negra no Brasil, pp. 49-50.

o mito da mãe preta

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  • O mito da me preta no imaginrio literrio de raa e mestiagem cultural

    Sonia Roncador

    Identificadas porm vida na escravido, algu-mas dessas pobres creaturas chegaram mesmo

    a idolatrar seus algozes; algumas dellas foram dedicadas em extremo; e, sem poderem erguer francamente os olhos, bemdiziam aquelles que lhes davam o po para alimento e o duro traba-

    lho para amenidade de suas vidas. Mi preta foi uma dessas creaturas; sua vida porm no deve

    ficar no olvido, pois que symbolisa a existncia de umalma dotada de sentimentos extraordina-

    riamente nobres.1

    Jos A. C. Jnior

    Tais palavras de gratido e apreo por uma ama negra, retiradas de um folhetim intitulado Mi preta, no refletem a imagem recorrente dos escravos nos textos literrios e polticos abolicionistas da segunda metade do sculo XIX. Como argumenta Jurandir Freire Costa, a propaganda anti-escravagista no Brasil fundamentava-se na idia de um irremedivel antagonismo entre senhor e escravo, cujas conseqncias implicava, entre outros males, a degradao ou perverso dos costumes familiares2. Quanto ama-de-leite e de criao, em particular, seu contato ntimo com os filhos de seus senhores conferia a ela, segundo Sonia Maria Giacomini, o lugar privilegiado de agente de corrupo da famlia branca3. Como se l em um outro peridico feminino oitocentista, O Mentor das Brazileiras,

    se a infncia de nossos pais portugueses era mal dirigida, a nossa ainda h peior pela mistura de escravos, os quaes depravo habitos e costumes e o proprio idioma;

    1 Jnior, Mi preta, p. 167. Decidi manter na citao a ortografia original desse folhetim de 1888. A mesma deciso foi tomada com relao s citaes de outras publicaes do sculo XIX que aparecero ao longo deste ensaio.

    2 Costa, Ordem mdica e norma familiar, p. 123.3 Apud Giacomini. Mulher e escrava: uma introduo ao estudo histrico da mulher negra no Brasil,

    pp. 49-50.

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    pois nos communico suas ideas e barbaridades desde os primeiros momentos em que se desenvolvem as potencias dalma. [] Nos entrego as amas que so pretas, commumente escravas e tambm africanas. Daqui se pode colher qual sera a prtica dessas amas, e a influencia dellas sobre as crianas.

    Numa poca, portanto, em que a escravido, sobretudo domstica, era associada ao risco de infeco moral dos valores e costumes senhoriais4, a que se devem as palavras de apreo dirigidas pelo autor do acima referido folhetim a uma ama negra? A resposta, como seria de se esperar, -nos re-velada no prprio texto. Trata-se da histria de uma ama-de-leite escrava a quem foi negada a convivncia com o prprio filho recm-nascido. Ao invs de dio e revolta, seu corao, porm, era accessvel ao carinho, era dado aos sentimentos de lealdade, resignao, subservincia, e ao amor maternal. Quando em contato com a criana branca, que lhe fora entregue para ama-mentar, o vagido da recm nascida lhe tocou a alma, e a negra passou ento a ador-la tal qual um filho nascido de suas entranhas: esquecendo-se do mal que lhe faziam pelo bem que ia prestar, tomou a criancinha, chegou-a ao seio e a amamentou devotamente5. Estava definido, nesse desconhecido folhetim, o mito literrio da me-preta. Smbolo da fidelidade incondicional e servilismo absoluto classe senhorial, a me-preta conviveu, portanto, na literatura oitocentista ao lado de uma imagem mais ameaadora da escrava domstica, misto de vtima e algoz, segundo a pena abolicionista de um escritor popular da poca, Joaquim Manuel de Macedo.

    Estudos sobre os negros na literatura brasileira6 revelam que o mito do es-cravo fiel, e da me-preta em particular, foi mais freqente na fico anterior vertente literria abolicionista que se expandiu sobretudo aps a aprovao da Lei do Ventre Livre (1871). De acordo com David Brookshaw,

    4 Ventura, Estilo tropical, p. 46.5 Jnior, Mi preta, p. 167. As seguintes palavras finais do folhetim no deixam dvidas sobre suas

    intenes abolicionistas: A escravido, minha filha, um horroroso attentado s leis divinas; assim, todo aquelle que comcorrer para a grande obra da redempo, fazendo a patria elevar-se, alcanar no co o premio eterno (p. 175). Contudo, a campanha do autor contra o emprego da ama-de-leite escrava aqui presente parece apoiar-se mais na noo do instinto feminino maternal, e o direito universal ao exerccio da maternidade, do que na preocupao quanto preservao das crianas brancas.

    6 Sayers, The Negro in Brazilian Literature; Rabassa, O negro na ficco brasileira; Marotti, Black Characters in the Brazilian Novel; e Brookshaw, Raa e cor na literatura brasileira.

    UsuarioSublinhado

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    o esteretipo do Escravo Fiel, embora no desaparecesse por completo, deu primazia aos esteretipos do Escravo Imoral e do Escravo Demnio [] O Escravo Imoral era a escrava robusta, sempre querendo sexo com seu senhor; o Escravo Demnio era o quilombola, ou fugitivo, que deu as costas tutela do senhor branco, confirmando, assim, sua selvageria7.

    Negao tanto de sua raa quanto de seu gnero sexual, a me-preta o contraponto domesticado, dcil desses dois temveis esteretipos. Geral-mente velha, corpulenta, supersticiosa, e fervorosamente catlica, a me-preta no despertava qualquer perigo de degradao moral da famlia atravs da cpula com o senhor ou sinhzinho brancos; alm disso, sua ndole fiel, mais devota s demandas da casa-grande que aos interesses da prpria senzala, distanciava-a igualmente da figura do escravo revoltado, e vingativo.

    Mas se essa verso feminina, maternal do Escravo Fiel se tornou um tanto quanto marginal no discurso abolicionista, assim como nas teorias raciais que se desenvolveram no pas na virada do sculo, ela retorna com fora e se populariza nas memrias de infncia de escritores modernistas publicadas entre as dcadas de 1930 e 60. Ao se engajarem na escrita de seus verdes anos, escritores tais como Jos Lins do Rego, Carlos Drummond de Andrade e Jos Amrico de Almeida evocam suas mes-negras como expresso da nostalgia que guardam por uma tradio (aristocrtica) em plena decadncia, ou consumadamente morta, no momento da escrita. No caso especfico de Jos Lins do Rego, que ser aqui o foco de minha anlise, a me-preta compreende em suas memrias uma forma de resgate do legado cultural do Velho Nordeste agrrio, ou o nordeste dos antigos engenhos de cana-de-acar. Se como argumentam vrios crticos, a nostalgia constitui uma inveno literria, ou pelo menos os smbolos convencionais de nos-talgia (por exemplo, os anos da infncia, certas paisagens naturais, como as montanhas etc.) foram literariamente construdos, pode-se ento afirmar que no modernismo o mito da me-preta torna-se um tropo privilegiado de nostalgia nesse caso, a expresso saudosa pelo legado cultural do patriar-cado. Uma primeira questo que se coloca em que circunstncias o mito da me-preta retorna ao imaginrio literrio a partir dos anos 1930? E qual a funo ou o uso estratgico desse mito pelos escritores que o passam a explorar em suas memrias?

    7 Brookshaw, Raa e cor na literatura brasileira, p. 32.

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    Neste ensaio, proponho-me examinar o impacto nesses escritores, e em particular em Jos Lins do Rego, do pensamento do socilogo Gilberto Freyre, autor, como se sabe, de uma vasta obra em defesa da participao negra na formao da identidade brasileira; participao, segundo Freyre, tanto maior no Brasil que em outras naes escravagistas dada a aproximao tipicamente brasileira entre a senzala e a casa-grande. Alm de servir para a comprovao da harmonia interracial nos tempos da escravido, sobretudo nos antigos engenhos nordestinos, o mito da me-preta, ou melhor, a aliana [afetiva, assexuada] entre a me negra e o menino branco8 ainda contribuiu para a composio da mestiagem ideal proposta por Freyre: a assimilao branca da cultura negra, ou, como descreve Alexandra Isfahani-Hammond, formas no biolgicas de assimilao para produzir figuras geneticamente brancas, mas simbolicamente africanizadas9. Ansiedades com respeito ao contato fsico, sexual entre brancos e negros se revelam em Freyre, e em vrios escritores modernistas, nas suas mltiplas referncias s degenera-es fisica (sifilizao) e moral (precocidade sexual, homossexualismo) decorrentes desse contato. Nesse contexto, a relao higinica entre a me negra e o filho branco de criao configura-se como smbolo privilegiado da confraternizao interracial brasileira na literatura freyreana, assim como nas memrias de outros autores modernistas de sua gerao.

    Num dos estudos pioneiros sobre a tendncia autobiogrfica entre os escritores modenistas brasileiros, o ensaio Vale quanto pesa (a fico mo-dernista brasileira), Silviano Santiago prope uma reviso da crtica sobre o engajamento poltico desses escritores, ou o compromisso social, no mo-dernismo, com as classes populares. Santiago sugere que ao lado da ideologia marxista, mapeadora da produo de textos tais como A rosa do povo, ou Vidas secas, conviveu, no entanto, no projeto modernista uma outra opo ideolgica, proustiana, mais facilmente percebida, segundo o crtico, no discurso memorialista dos modernistas. Integrantes das classes dominantes no pas, ou, melhor dito, enraizados em uma das grandes famlias patriarcais brasileiras, esses escritores revelam em suas memrias afetivas da infncia o apego aos valores tradicionais do [seu] cl familiar [], os seus valores econmicos e culturais10. Para Santiago, esse apego aos valores aristocr-

    8 Freyre, Casa-grande e senzala, p. 388.9 Isfahani-Hammond, The Masters and the Slaves, p. 35. (traduo minha).10 Santiago, Vale quanto pesa (a fico modernista brasileira), p. 31.

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    ticos do passado revela, pois, o compromisso dos autores com a sua classe de origem; o tom nostlgico de suas memrias anuncia o retorno do filho casa do Pai, para que possa assumir, depois da insubordinao [ou seja, da descida ao universo plebeu], o seu lugar, e a volta ao seio da famlia, para que seja o patriarca11.

    Talvez no haja no modernismo brasileiro um exemplo mais claro desse retorno casa do Pai, ou reapego aos valores da aristocracia rural que a obra de Jos Lins do Rego, sobretudo seus primeiros romances autobiogrfi-cos que compem a srie denominada pelo prprio autor de ciclo da cana-de-acar. J em seu primeiro livro da srie, Menino de engenho (1932), o escritor se prope a revelar para um pblico, em sua maioria urbano e de classe mdia, a vida de menino nas casas-grandes dos antigos engenhos de acar do Nordeste agrrio. Menino de engenho narra a infncia do garoto rfo, Carlos de Melo, no engenho Santa Rosa, do av materno, o coronel Jos Paulino. Sob a tutela desse av, o personagem Carlos viver como bicho solto, gozando da liberdade de conviver tanto com os moradores da casa-gran-de quanto os negros da rua, nome dado senzala do Santa Rosa. desse convvio com os habitantes da rua, ou seja, as negras e suas crias (os muleques e as mulecas), que o menino desenvolver ou experimentar o apego natureza tropical, o estmulo e satisfao de seus (precoces) desejos sexuais, a imaginao encantada das matas a partir das histrias contadas pelas negras. Enfim, doses dirias de alegria antdoto necessrio, segundo o narrador, contra a melancolia comum da casa-grande, a sobriedade das tias, a quietude do av.

    Essa mesma representao idlica, e luxuriosa do engenho, assim como a harmonia ou proximidade entre a casa-grande e a senzala, cuidado-samente elaborada no livro de memrias, Meus verdes anos, que Jos Lins do Rego, publicaria em 1956, apenas um ano antes de sua morte um engenho (o Engenho Corredor) governado pelo coronel Jos Lins, av legtimo do autor, enobrecido por seu apego telrico regio, sua mansa autoridade e proteo paternalista dispensada aos empregados, em sua maioria ex-escravos que, por fidelidade ao coronel, permaneceram no engenho aps a declarao da abolio. Emblemtico do Velho Nordeste agrrio, o engenho da infncia de Lins do Rego apresenta traos da tradio

    11 Id., p. 32.

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    feudo-patriarcal em vsperas, porm, de seu declnio. Para Lins do Rego e outros escritores regionalistas de sua gerao, a substituio dos antigos engenhos pelas usinas gerou uma profunda transformao das tradies do nordeste, dos valores morais, das relaes sociais e interraciais. Nesse contexto de denncias da perda das tradies locais (para os regionalistas, uma descaracterizao da cultura nordestina e, por conseguinte, nacional), o reapego aos valores da aristocracia rural do passado, do qual nos fala Santiago em seu ensaio acima referido, assume, portanto, na obra de Lins do Rego um sentido nacionalista.

    Alm dos mitos da irmandade entre os meninos de engenho e os moleques negros (seus irmos de leite), ou o da atrao sexual mtua entre esses mesmos meninos brancos, ou sinhzinhos, e as mucamas da casa-grande, o esteretipo da me-preta uma das representaes mais importantes na obra de Lins do Rego para a construo da mitologia do Velho Nordeste como utopia da confraternizao das duas raas que compem a economia pr-capitalista do acar as raas negra e branca. Como escreve o autor em suas memrias, o cheiro do mel que exalava dos campos e das mquinas durante o preparo do melado adoava tudo no engenho12: adoava, por exemplo, a autoridade de chefe do av patriarca, mais temido pela sua bondade. No havia coragem que levantasse a voz para aquela mansa auto-ridade de chefe13. Adoava tambm o corao dos negros, como sugere a seguinte passagem sobre a velha cozinheira da casa-grande: a negra Gene-rosa era to boa como seus doces () os moleques sabiam que seu corao era um torro de acar14. Alm da negra Generosa, no entanto, ainda se arrastavam pela casa-grande outras encarnaes do mito da fiel me-preta: conheci umas quatro, escreve o narrador em Menino de engenho,

    Maria Gorda, Generosa, Galdina e Romana. O meu av continuava a dar-lhes de comer e vestir. E elas a trabalharem de graa, com a mesma alegria da escravido. As suas filhas e netas iam-lhes sucedendo na servido, com o mesmo amor casa-grande e a mesma passividade de bons animais domsticos15.

    12 Rego, Meus verdes anos, p. 61.13 Rego, Menino de engenho; Doidinho; Bangu: romances reunidos e ilustrados, p. 53.14 Id., p. 43.15 Id., p. 41.

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    A negra Generosa, tambm tratada por tia, havia sido ama-de-leite da me do narrador, e sendo assim, como ele escreve, fazia as vzes de minha av. Tda cheia de cuidados comigo, brigava com os outros por minha causa16. Quanto velha Galdina, que

    andava de muletas, pois quebrara uma perna fazendo cabra-cega para brincar com os meninos [], todos ns a chamvamos de vov []. Quando queriam pegar a gente para uma surra, era para junto dela que corramos. Ela pedia pelos seus netos com os olhos cheios de lgrimas17.

    A no ser quando resgatada em projetos crticos panormicos sobre a representao dos negros na obra de Lins do Rego, a figura da me-preta nunca chegou, no entanto, a ser tema de discusso entre os crticos desse autor. Quando se discute a maternidade em sua obra, esta geralmente in-terpretada como um signo ausente ausncia esta simbolizada na lembrana vaga, fragmentada da me branca morta, e temporariamente substituda pelas tias maternas enquanto solteiras. Em outras palavras, apesar de sua evidncia nos romances autobiogrficos e no texto de memrias do autor, a maternidade negra um tema sistematicamente negligenciado pelos seus crticos. A negao desse tema tambm se manifesta na recepo crtica s memrias de outros escritores modernistas onde, como j disse, a me-preta igualmente figura como emblema do legado cultural e moral dos antigos engenhos. Alm disso, no obstante a importncia do mito da me-preta no modernismo, e sua presena, ainda que marginal, na literatura oitocentista, no existe um nico estudo sobre a evoluo desse mito nos imaginrios literrio e popular brasileiros. Minhas fontes tericas referem-se, portanto, presena da me-preta nos Estados Unidos, pas onde o mito teve um enorme impacto no imaginrio popular da escravido, e em particular do Velho Sul (equivalente regional do antigo nordeste agrrio brasileiro).

    Como argumenta Cheryl Thurber, em The Development of the Mammy Image and Mythology, a me-preta, na sua configurao literria e cultural mais comum, nunca chegou a existir18. A no ser em textos literrios e autobiogrficos, historiadores norte-americanos constataram a ausncia de

    16 Id., ibid.17 Id., p. 43.18 Thurber, The Development of the Mammy Image and Mythology, p. 87.

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    fontes documentais que evidenciassem a presena de uma ama de leite e de criao nas casas-grandes dos antigos engenhos de tabaco e algodo. E as que se podem encontrar nos anos seguintes Emancipao tampouco confirmam a existncia do esteretipo da me-preta: a maioria das traba-lhadoras domsticas eram jovens solteiras que, portanto, no se encaixavam na imagem estereotpica da velha negra que amava as crianas brancas mais que a seus prprios filhos19. Falta de evidncias histricas da me-preta no invalida, no entanto, o seu importante papel no projeto de vrios escritores nostlgicos (e culposos) de reconstruo de um Sul humanitrio, espcie de comunidade utpica de relaes [interraciais] harmnicas20. Por meio da expresso de uma devoo piedosa e de apoio me-preta, tais escritores poderiam redimir-se de seus prprios desacertos com os negros, porque, afinal, eu amo minha me-preta21.

    Embora existam encarnaes do mito da me-preta na literatura do perodo ante-bellum, como, por exemplo, a personagem Tia Chloe, em Uncle Toms Cabin, de Harriet Beecher Stowe, ela somente ganha notorie-dade literria nos Estados Unidos anos mais tarde, entre as dcadas de 1890 e 1920. Data do mesmo perodo a produo de filmes, musicais, e canes populares que igualmente glorificam a amada e saudosa me-preta, assim como o seu uso pela indstria de alimentos e produtos de limpeza. Quan-do, em 1936, a escritora Margareth Mitchell cria a imortal Mammy, em Gone with the Wind (1936), romance ambientado nos anos da Guerra Civil, a me-preta j se havia tornado um cone nacional: Tamanha visibilidade na cultura literria, e popular norte-americana da virada do sculo no encontra, curiosamente, equivalncia no contexto brasileiro, pas que traz na sua bagagem histrica sculos de escravido, e semelhante necessidade de se reconciliar com um passado cruel. A ama-de-leite Guilhermina do poema autobiogrfico Ricordanza della mia giovent, de Augusto dos Anjos, ou anteriormente a do menino do engenho Massangana, Joaquim

    19 No Brasil, o emprego da ama-de-leite foi uma das prticas institucionalizadas pela famlia patriarcal, embora, segundo o historiador Luis Filipe de Alencastro, famlias menos abastadas tambm pudessem alugar os servios de uma ama para o aleitamento de seus filhos. Sobre a popularidade desses servios no Brasil do sculo XIX, consultar seu ensaio Vida privada e ordem privada no Imprio, p. 63. Consultar tambm Carneiro, Corpos que nutrem: mulheres procuradas e oferecidas para aluguel e venda na capital federal da Corte Imperial, p. 90. (traduo minha).

    20 Carneiro, Corpos que nutrem, p. 97.21 Id., p. 98.

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    Nabuco, por ele homenageada em seu livro de memrias, Minha formao, seriam posteriormente evocadas no discurso nostlgico de Freyre e outros regionalistas do nordeste. Porm, no perodo em que vieram pela primeira vez a pblico no chegaram a constituir um cone importante da cultura brasileira. Um dos estudos mais completos sobre a representao dos afro-brasileiros no cinema nacional, Tropical Multiculturalism: A Comparative History of Race in Brazilian Cinema and Culture, de Robert Stam, reporta um nico filme no Brasil, Sinh Moa (realizado dcadas mais tarde, em 1953), cujo elenco inclui uma velha escrava, Virgnia, com caractersticas afins ao mito da me-preta22. De fato, como sugere o artigo Sabina das laranjas: gnero, raa e nao na trajetria de um smbolo popular, 1889-1930, dos historiadores Micol Seigel e Tiago de Melo Gomes, os patrocinadores da emergente cultura de massas nos anos da Belle poque (o teatro de revista, a msica popular, o carnaval) pareciam mais interessados em promover, e nacionalizar, outros cones femininos afro-brasileiros, como a lasciva e cordial mulata23. A considerar pela ento popularidade da sexual mulata/baiana Sa-bina nas revistas e canes populares, temos menos razes que nos Estados Unidos para acreditar que a criao dos cones negros brasileiros derivaram de interesses, dentre outros, puritanos.

    H vrias maneiras de tentar explicar essa quase ausncia, ou invisibili-dade do mito da me-preta na produo cultural pr-modernista brasileira, ou seja, entre as dcadas de 1890 e 1920. Em Como e porque a escravido voltou conscincia nacional na dcada de 30, o historiador Dain Borges examina precisamente o silncio ou omisso em torno do tema da es-cravido que caracterizou o discurso pblico brasileiro nesses anos. Como j fora argumentado por outros historiadores, tal silncio se explica em parte pelo racismo da elite brasileira que se negava a reconhecer o legado da escravido e da cultura afro-brasileira na formao do carter nacional24. Contudo, segundo Borges,

    22 Data da mesma poca (1964) a produo da telenovela brasileira, Direito de nascer, adaptada do me-lodrama do escritor cubano Flix Caignet, que igualmente inclua em seu enredo uma encarnao da me-preta, a Mame Dolores, interpretada por Isaura Bruno. Sobre a imagem dos afro-descendentes na histria da telenovela brasileira, consultar Arajo, A negao do Brasil, p. 142.

    23 Seigel e Gomes, Sabina das laranjas: gnero, raa e nao na trajetria de um smbolo popular, 1889-1930, pp. 171-93.

    24 Borges, Como e porque a escravido voltou conscincia nacional na dcada de 30, p. 207.

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    o fato da revoluo republicana seguir a Abolio tambm no era propcio ao reconhecimento do legado da escravido. A Repblica carecia de legitimidade, legitimidade almejada por um regime simultaneamente moderno e progressista, e arraigado numa tradio republicana brasileira25.

    A escravido era, pois, a prova de um atraso nacional do qual se queria esquecer, pois que contrariava o projeto modernizador que se ento queria instituir no pas republicano. A julgar pelo discurso literrio da Belle poque brasileira, o argumento de Borges no poderia ser mais verdadeiro. comum, por exemplo, nessa poca o engajamento de escritores em campanhas hi-gienistas contra o emprego da ama-de-leite (uma herana da escravido); escritores convencidos de ser a ama-de-leite uma perigosa portadora de doenas, alm de transmissora de supersties, fanatismos e outros valores que comprometeriam mais tarde o carter moral das crianas. Numa epoca de perseguio ama-de-leite, e por extenso duplicao da maternidade, no surpreende, pois, o declnio do mito da me-preta na produo cultural nacional26.

    Foi Gilberto Freyre quem primeiro teve, nos termos de Borges, a coragem e audcia, ainda na dcada de 1920, de publicar o que todos calavam: a influncia da escravido sobre a nacionalidade27. Espcie de texto embrio-nrio de Casa-grande e senzala, seu artigo de 1925 Vida social no Nordeste: aspectos de um sculo de transio fala do impacto do escravo na vida e cultura domsticas das grandes famlias patriarcais brasileiras, sobretudo a importncia do mesmo na casa-grande dos engenhos de acar do Nordeste. Em seu Manifesto regionalista de 1926, Freyre define a influncia escrava no seio da famlia patriarcal no mais como infeco moral, mas como fora ou envigoramento28. claro que tal gesto audacioso de Freyre no o isentou, contudo, de receber crticas de vrios de seus estudantes por, em primeiro lugar, haver-se limitado ao estudo da organizao familiar patriarcal, como se outras formas familiares inexistissem no perodo colonial brasileiro; e, em segundo lugar, de haver privilegiado em seus estudos a classe protegida dos

    25 Id., p. 210.26 Para uma compreenso das imagens da ama-de-leite nos anos da Belle poque, consultar o captulo

    Contagion and Control do livro da historiadora Sandra Lauderdale Graham House and Street: The Domestic World of Servants and Masters in Nineteenth-Century.

    27 Borges, op. cit., p. 221.28 Freyre, Manifesto Regionalista de 1926, p. 48.

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    escravos domsticos, em detrimento dos escravos do eito, e, num contex-to urbano, os escravos da rua. Alm de oferecer uma verso reduzida do contingente escravo nos antigos engenhos, Freyre tampouco privou-o de uma existncia por vezes mitificada. interessante constatar nesse ensaio de 1925 a incluso dos mitos da me-preta e da mulata cordial, que menos contriburam para a recuperao da histria dos negros no Brasil, que para os propsitos do socilogo de traar uma imagem um tanto quanto benigna da escravido. Imagem esta que ele soube habilmente contrastar com as condies degradantes em que passaram a viver os trabalhadores sob o jugo dos usineiros que vieram a substituir os antigos, e benevolentes, patriarcas do acar.

    Ao incluir o mito da me-preta em Vida social no Nordeste, e posterior-mente em seu mais importante estudo sobre a contribuio afro-brasileira na cultura nacional, sua obra-mestra Casa-grande e senzala, Freyre legitimaria uma figura a ama negra de leite e de criao difamada pela literatura oitocentista abolicionista e pelas teorias racias propagadas por vrios intelec-tuais, cientistas, e escritores da Belle poque. Dado, portanto, o desinteresse histrico, e literrio, de ento, em torno da nobre e higinica me-preta, provvel que Freyre tenha-se em parte inspirado na construo norte-ame-ricana do mito, sobretudo se se considerar suas leituras de, e referncias con-cretas a estudos sobre a formao familiar na regio sul dos Estados Unidos. Parece-me igualmente legtima a hiptese de que a centralidade que o mito da me-preta adquire em sua obra tenha favorecido o seu reaparecimento no discurso pblico brasileiro a partir da dcada de 1920, como se pode constatar em diversas obras literrias e artsticas do Modernismo, em canes populares, assim como na imprensa afro-brasileira. Alm de se configurar um smbolo de nostalgia senhorial nas memrias de infncia de vrios escritores modernistas, a me-preta igualmente aparece nas telas de artistas tais como Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Alfredo Volpi, Di Cavalcanti, assim como nos poemas de Cassiano Ricardo, Raul Bopp, Manuel Bandeira, Jorge de Lima. Como informam Seigel e Gomes, no acima referido ensaio Sabina das Laranjas, tambm nos anos 1920 que a me-preta homenageada na revista de estria, Tudo preto, da primeira companhia teatral afro-brasileira, a Companhia Negra de Revistas. Tal homenagem foi um provvel gesto de apoio campanha a favor da construo de um monumento Me-Preta (efetivamente inaugurado em So Paulo, em 1955), que mobilizou a

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    comunidade intelectual afro-brasileira, sobretudo nas cidades do Rio e So Paulo29. Como argumentam Seigel e Gomes, a apropriao do esteretipo da me-preta por intelectuais afro-brasileiros revela, por um lado, a penetrao do pensamento freyreano no ento incipiente movimento social negro, e, por outro, [indica] que o conceito de democracia racial no era dotado de um sentido nico de nostalgia senhorial30.

    significativo o fato de que dentre os cuidados maternais da me-preta esteja o hbito noturno de contar histrias de bicho e de mal-assombrado31, aquele pelo qual Freyre mais parece se interessar. Como ele escreve em Casa-grande e senzala, as histrias portuguesas sofreram no Brasil considerveis modificaes na boca das negras ou amas-de-leite. Foram as negras que se tornaram entre ns as grandes contadoras de histrias32. Dentre as reponsabilidades da me negra de criao, Freyre parece, portanto, haver privilegiado a mais espiritual, ou simblica, para cultivar a noo de um efeito benfico da maternidade negra na casa-grande. Num contexto em que a amamentao mercenria (vs. o leite gratuito, puro da me branca) era associada ao risco, segundo as elites, de transmisso de doenas, sobre-tudo a sfilis, Freyre talvez tenha preferido enfatizar um encontro por assim dizer cultural entre a me criadeira e a criana branca. O ritual de contar histrias no sero exigia um certo distanciamento de corpos; a escuta atenta da criana no podia se distrair com o toque de mos, o cafun, ou o embalo do colo de uma negra, como no caso do acalanto. Alm disso, a figura da me-preta enobrecida na sua funo de difusora, e perpetuadora da litera-tura oral afro-brasileira (para Freyre, parte integrante do folclore brasileiro) foi utilizada para denunciar a descaracterizao da cultura nacional como decorrncia da industrializao, da urbanizao, da importao de modelos europeus de socializao, dentre outras conseqncias da modernidade. Contra essa diluio ou estrangeirizao da cultura brasileira, Freyre faz

    29 Sobre a cobertura da campanha ao momumento Me-Preta pela imprensa negra, especificamente o jornal Clarim dAlvorada, fundado por Jos Benedito Correia Leite, consultar o artigo de Maria Cludia Cardoso Ferreira, Representando as relaes raciais: as trajetrias dos militantes Veiga dos Santos e Correia Leite, em Anais do XXIII Simpsio Nacional de Histria (Histria: Guerra e Paz). A comprovar pela imprensa nos anos 1920 e 30, tal campanha gerou tanto o apoio quanto a rejeio da populao, sendo um exemplo interessante de oposio campanha a crnica de Antnio de Alcntara Machado, Concurso de lactantes, em Revista de Antropofagia.

    30 Seigel e Gomes, op. cit., p. 189.31 Freyre, Casa-grande e senzala, p. 343.32 Id., p. 386.

    UsuarioSublinhado

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    um apelo em seu Manifesto regionalista de 1926, para que se d, antes de tudo, ateno ao corpo do Brasil, vtima, desde que nao, das estrangeirices que lhe tm sido impostas33. Em outras palavras, deve-se cuidar do corpo do Brasil, alimentado-o com os pratos e quitutes da culinria nacional, as tradies genuinamente brasileiras, e um vesturio apropriado ao clima dos trpicos cuidados dos quais se ocupava a me-preta em sua ateno ao corpo do antigo menino de engenho.

    Contadoras hbeis e criativas, as amas negras possuam, segundo a narrativa freyreana, um vasto repertrio de contos orais, desde as histrias europias trazidas pelos colonizadores portugueses, passando pelas tradi-es indgena e africana, at as histrias que elas mesmas inventavam ou simplesmente adaptavam cor local. O crtico literrio Slvio Romero, que tampouco deixou de homenagear sua ama negra Antnia em seus estudos pioneiros sobre a literatura oral brasileira, j havia escrito, no final do sculo XIX, sobre a dificuldade de precisar a origem tnica dos contos orais ento em circulao no Brasil, dada a mistura e alterao que os mesmos sofreram quando para l foram transplantados34. Como argumenta Roberto Ventura, em seu acima citado estudo Estilo tropical, Romero via precisamente nesse mestiamento moral (ou fuso de almas), caracterstico da tradio folclrica brasileira, um fator de diferenciao nacional e de resistncia ao mimetismo cultural e imitao do estrangeiro35. Em Menino de Engenho, o escritor Jos Lins do Rego igualmente reverencia a apropriao criativa das histrias orais europias por uma dessas antigas contadoras de histrias de sua infncia, a velha Totonha, que andava lguas e lguas p, de engenho a engenho, como uma edio viva das Mil e Uma Noites36. O que fazia a velha Totonha mais curiosa, explica o escritor,

    era a cr local que punha nos seus descritivos. Quando ela queria pintar um reino era como se estivesse falando de um engenho fabuloso. Os rios e as florestas por onde andavam os seus personagens se pareciam muito com o Paraba e a Mata do Rlo. O seu Barba-Azul era um senhor de engenho de Pernambuco37.

    33 Freyre, Manifesto regionalista de 1926, p. 16. (itlico meu).34 Romero, Origens de nossa poesia e de nossos contos populares.35 Ventura, Estilo tropical, p. 48.36 Rego, Menino de engenho, p. 37.37 Id., pp. 38-9.

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    Freyre se lembraria de mencionar em Casa-grande e senzala a Sherazade negra e sem dentes da infncia do escritor e amigo Lins do Rego; verso brasileira, segundo ele, do akpal fazedor de al ou conto: O akpal uma instituio africana que floresceu no Brasil na pessoa de negras velhas que s faziam contar histrias. Negras que andavam de engenho em engenho contando histrias s outras pretas, amas dos meninos brancos38. Com a modernizao dos antigos engenhos, no entanto, e conseqente disperso dessas comunidades rurais afro-brasileiras (resultante do xodo rural, do nomadismo dos novos trabalhadores do campo etc.), a instituio das narradoras populares se encontrava, segundo Freyre, em iminncia de de-saparecimento. Estudos mais recentes39 contestam essa viso decadente da cultura oral na Amrica Latina, e apontam diversas modalidades populares que permaneceram intactas, e outras que simplesmente se modernizaram, sendo inclusive apropriadas, e revitalizadas pela escrita e culturas de massas (cinema, rdio, televiso). Alm da adoo de uma viso esttica da tradi-o oral, as saudades de Freyre pelas contadoras de histrias do passado parecem revelar, nos termos de Rowe e Schelling, uma falha em reconhecer que os mundos tradicionais e modernos j no se encontram separados, e que muitas pessoas na Amrica Latina vivem em ambos mundos ao mesmo tempo40. Segundo a crtica literria Marisa Lajolo, em Negros e negras em Monteiro Lobato, num pas ps-colonial como o Brasil,

    os bolses remanescentes de formas arcaicas de cultura esto sempre ao alcance da mo e da pena, coincidindo geralmente com os bolses de pobreza e marginalidade em que ficam confinados os segmentos da populao atropelados pela modernidade41.

    Ao associar oralidade e pobreza/marginalidade, Lajolo problematiza a representao modernista da assimilao da cultura oral afro-brasileira pela aristocracia rural como experincia apaziguante42. Tal representao, que ela, por exemplo, encontra na narrativa de Lins do Rego repassada

    38 Freyre, Casa-grande e senzala, p. 386.39 Franco, Whats in a Name?: Popular Culture Theories and Their Limitations; Rowe e Schelling,

    Memory and Modernity.40 Rowe e Schelling, Memory and Modernity: Popular Culture in Latin America, p. 2. (traduo minha).41 Lajolo, Negros e negras em Monteiro Lobato, p. 72.42 Id., p. 73.

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    de ternura nostlgica pela contadora de histria43, tem, pois, um sentido alienante dado que [dilui] em afeto complacente o inevitvel choque de cultura que tinha lugar nos seres44.

    Para Freyre, ao contrrio, a importncia dessas narradoras populares era plenamente reconhecida no universo pre-capitalista dos engenhos, sendo somente mais tarde questionada pelos higienistas, educadores, escritores e intelectuais da Belle poque, para os quais as histrias orais afro-brasileiras deveriam ser banidas da educao dirigida s crianas brancas, pois que metiam medo s mesmas com o tutu, com pretos velhos, com almas do outro mundo, tornando-as supersticiosas e covardes!45. Ao invs de pos-tular, como os higienistas, os efeitos malficos das histrias contadas pela me-preta, Freyre aponta para o contgio potico e espiritual proporcionado por essas histrias. Como ele argumenta, em Aspectos de um sculo de transio no nordeste do Brasil (verso de 1941 do seu ensaio de 1925 Vida social no Nordeste), as supersties aprendidas na meninice so o melhor fecundante para a imaginao e at para a espiritualidade46. Alm disso, e talvez mais importante para os propsitos de Freyre, as histrias orais so um fecundante para o apego infantil a sua regio (o nordeste), e o desenvolvimento de uma conscincia, ou identidade nacional. Ainda no mesmo ensaio, ele escreve:

    Criados entre maiores medos que os meninos de hoje, eram tambm mais brasileiros os meninos de outrora. Cresciam dentro da poesia popular e do folclore. Ao som das cantigas e ouvindo histrias cheias de bichos da regio e da frica, cheias de mouras encantadas e sacis [] histrias to prximas da natureza regional; e ao mesmo tempo cheias de sugestes de outros mundos: a Europa, a frica, o mundo sobrenatural de fadas e papes47.

    Como j disse, segundo Freyre, foram as contadoras negras de histrias populares mediadoras culturais entre as trs tradies indgena, portuguesa e africana que compem o folclore brasileiro, e, sendo assim, agentes da

    43 Id., p. 70.44 Id., p. 73.45 Verssimo apud Freyre, Aspectos de um sculo de transio no nordeste do Brasil, p. 162. Esse artigo

    ser daqui por diante referido como Aspectos.46 Id., p. 162.47 Id., p. 163. (itlico meu).

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    mestiagem caracterstica desse folclore. Como revela a passagem acima, a poesia popular e o folclore (mestios) so a expresso genuna do ethos autntico nacional. No papel de difusora da tradio literria oral, era, pois, a me-preta igualmente uma agente importante na formao cvica/nacionalista de seus filhos brancos de criao (os meninos de outrora). Nesse aspecto, o interesse de Freyre pela oralidade guarda semelhanas com a tradio romntica europia dos primeiros estudos folclricos. Como informa Jean Franco, em Whats in a Name?: Popular Culture Theories and Their Limitations, o termo folclore tem suas origens no Romantismo alemo, na concepo de [Johann Gottfried] Herder de que o verdadeiro esprito da raa ou nacionalidade reside no povo [folk] das zonas rurais ainda no contaminadas pela modernizao48. Cabia, pois, aos intelectuais, na iminncia do desaparecimento dessas culturas pre-industriais, colet-las e salvaguard-las49.

    Imbudo do papel de intelectual protetor e perpetuador da herana fol-clrica nacional, Lins do Rego, como se sabe, publicaria Histrias da Velha Totnia (1936), uma seleo das vrias histrias escutadas no engenho de seu av. Segundo Lajolo, projetos afins apareceriam na mesma poca: Hist-rias do Pai Joo (Oswaldo Orico, 1933), Histrias de Tia Nastcia (Monteiro Lobato, 1937), Histrias da Lagoa Grande (Lcio Cardoso, 1939), O Boi Aru (Lus Jardim, 1940) e Histrias de Alexandre (Graciliano Ramos, 1944). Todas as velhas Totnias do Brasil se acabaram, se foram, lamenta-se Lins do Rego no prefcio antologia. E outras no vieram em seu lugar. Esse livro escrevi pensando nelas Pensando na sua velha Totnia de Sergipe, Slvio Romero recolheu estas mesmas histrias que eu procuro contar aos meninos do Brasil50. Dois motivos, segundo Freyre, teriam contribudo para o desaparecimento das velhas Totnias dos antigos engenhos. Para o

    48 Franco, Whats in a Name?: Popular Culture Theories and Their Limitations, em Pratt e Newman. Jean Franco Critical Passions: Selected Essays. Durham; London: Duke University Press, 1999, p. 170. (traduo minha).

    49 Storey, Inventing Popular Culture: from Folcklore to Globalization, p. 2. Segundo as autoras Maria Ins de Almeida e Snia Queiroz, projetos de integrao nacional promovidos pela poltica imperial de D. Pedro II teriam estimulado nas ltimas dcadas do sculo XIX as primeiras tentativas no Brasil de coleta e publicao de contos orais populares e lendas indgenas. Alm da iniciativa de Slvio Romero, as duas autoras tambm reportam a publicao em 1876 de O selvagem, do general Couto de Maga-lhes, que reunia 25 Lendas Tupis e se destinava a figurar na biblioteca americana da Exposio Universal de Filadlfia, comemorativa do Centenrio da Independncia Americana. Cf. Na captura da voz: as edies da narrativa oral no Brasil, p. 12.

    50 Rego, Histrias da Velha Totnia, p. ix.

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    socilogo, o acesso aos livros de leitura (em seus termos traduces apres-sadas do francs)51, facilitado pela modernizao dos meios de reproduo e circulao da matria escrita, teria um impacto negativo na prtica da narrativa oral no Brasil. E enquanto Walter Benjamin, em The Storytel-ler, responsabilizaria, alm do romance, a imprensa escrita pelo declnio da arte de contar histrias52, Freyre mencionaria um fenmeno ainda mais ameaador no somente para as velhas Totnias, mas para a sua classe de letrados: a entrada e hegemonia do cinema norte-americano (Hollywood) em territrio nacional. O cinema americano, escreve Freyre de maneira ainda mais enftica que em sua crtica literatura infantil (mal) traduzida do Francs, eis o que hoje se vae plasmando no Brasil inclusive no Nordeste a imaginao do menino53.

    Freyre aludiria em ensaios posteriores, como Assombraes do Recife Velho, aos obstculos sobrevivncia das histrias populares de assombraes no sculo da luz eltrica. Material valioso do folclore afro-brasileiro, as histrias de assombraces foram gradualmente perdendo seu impacto ao deixarem de ser contadas no luso-fusco das casas grandes e velhos casares iluminados por velas e candeeiros. A luz mais brilhante, escreve Freyre, [afugentou] os fantasmas no s das ruas como do interior das casas54. Contudo, na passagem acima citada, a projeo de luz nas salas escuras do cinema afu-gentaria os fantasmas (o que Freyre tambm chamaria um mal-assombrado bom) da vida da criana de uma maneira ainda mais preocupante para o socilogo. Como ele argumenta, o cinema plasma a imaginao. No se trata mais de um gnero narrativo (as histrias orais infantis) fecundante da imaginao de uma pequena audincia tomada pelo medo e prazer, mas de um veculo comunicativo autoritrio (o cinema americano) plasmador da imaginao de uma platia numerosa, entorpecida pela velocidade das aes e imagens: o cinema toma os doces vagares necessrios ao contar de histrias55.

    Sem desmerecer os riscos de violncia simblica ou cultural inerentes asceno de culturas de massa como o cinema, deve-se contudo reconhecer, no obstante tais riscos, a vitalidade que tem a cultura popular no Brasil.

    51 Freyre, Aspectos, p. 163.52 Benjamin, The Storyteller.53 Freyre, Aspectos, p. 163.54 Freyre, Assombraes do Recife Velho, p. 13.55 Freyre, Aspectos, p. 163.

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    Alm disso, igualmente questionvel a crena modernista no poder absoluto de manipulao do cinema, mais precisamente Hollywood, ou a crena na passividade da audincia diante desse veculo56. Como argumenta Jos Maurcio Gomes de Almeida, em Regionalismo e modernismo: as duas faces da renovao cultural dos anos 20, a viso freyreana apocalptica da modernizao pode ser interpretada como mecanismo de racionalizao compensatria57 em que o atraso e a estagnao [nordestinos] comeam a ser interpretados no plano cultural como uma vantagem sobre o que ocorria na regio desenvolvida do sul do pas. Em outras palavras, por no haver recebido o influxo da imigrao estrangeira e da industrializao como nas cidades do sul, sobretudo So Paulo, a regio do nordeste era para Freyre a parte mais brasileira do pas; a mais caracterstica58. Sua modernizao deveria, pois, como escreve Almeida, passar antes, paradoxalmente, pela revalorizao das tradies locais, descuradas, ou simplesmente rejeitadas com vergonha pelo cosmopolitismo afrancesado das elites brasileiras do incio do sculo 2059.

    O pensamento regionalista de Freyre, que, sem se propr provinciano, valorizava, no entanto, as tradies scio-culturais do patriarcado nordestino, iria influenciar todo um grupo de jovens escritores e artistas do nordeste, que o socilogo, sem falsas modstias, costumava chamar [seus] discpulos (embora pertencesse mesma gerao desses jovens nordestinos)60. Dentre esses novos ficcionistas nordestinos, foi sem dvida Jos Lins do Rego o que mais recebeu o impacto do pensamento de Freyre, ou o que pelo menos tornou pblica a influncia ideolgica e literria do mestre de sua idade61. Em seu

    56 Ao contrrio, como argumenta Jean Franco, em seu j referido artigo Whats in a Name?, como Gramsci demonstrou, a hegemonia um constante processo de negociao e luta (p. 177). Nesse sentido, os filmes de Hollywood podem representar tentativas de controle mas eles ao mesmo tempo tm que satisfazer os desejos verdadeiros e as necessidades do pblico. Acima de tudo, eles devem ter a capacidade de divertir o pblico.

    57 Almeida, Regionalismo e modernismo: as duas faces da renovao cultural dos anos 20, p. 320.58 Freyre, Aspectos, p. 193.59 Almeida, op. cit., p. 322.60 Como escreve o crtico Luciano Trigo, num certo sentido, o prprio romance moderno do Nordeste

    teve como motor imediato o pensamento de Gilberto Freyre e o Manifesto Regionalista que saiu do Congresso de Recife de 1926 (embora s publicado em 1952), pontos de partida da nova gerao de ficcionistas nordestinos. Trigo, em Engenho e memria: o nordeste do acar na fico de Jos Lins do Rego, p. 57.

    61 Para uma compreenso da narrativa, construda a quatro mos, da rara e profunda amizade entre Jos Lins do Rego e Gilberto Freyre, consultar o ensaio de Csar Braga-Pinto, Jos Lins do Rego: sujeito aos ventos de Gilberto Freyre, pp. 183-203.

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    prefcio coletnea de ensaios de Freyre Regio e tradio (1941) (reeditado em Gordos e magros), Lins do Rego reconhece o impacto da amizade com Freyre em seu processo de descoberta vocacional, e mesmo na filiao a uma esttica regionalista confessional que iria conduzir a escrita de seus primeiros romances. Em uma bastante citada carta a Freyre (1924), o escritor se coloca ao nvel de um escravo mental perante a autoridade intelectual absoluta do amigo imagem esta reforada em seu prefcio aos ensaios de Freyre: escrevo sobre ele, e quase falo de mim mesmo, tanto me sinto obra sua, tanta influncia exerceu sobre minha pobre natureza62

    Segundo o escritor, a leitura do ensaio de Freyre Vida social no Nordes-te determinou a deciso de transformar o projeto de uma biografia sobre o av materno, o patriarca Jos Lins, em um romance confessional sobre sua vida de menino de engenho. Como o prprio Freyre esclareceria na verso de 1941 desse ensaio:

    Desde 1925, o autor [ou seja, o prprio Freyre] vinha reunindo material para um estu-do da vida de menino no Brasil, especialmente no Nordeste o menino de engenho, o menino de sobrado e o menino de rua estudo que abandonou em 1930, tendo entretanto incorporado parte do material reunido, a este e a outros ensaios63.

    Se Freyre, portanto, abandonou tal projeto de estudo da vida de menino no Brasil, embora houvesse enxertado o material reunido para esse projeto em ensaios dipersos, seu amigo/discpulo, ao contrrio, parece ter-se apega-do com afinco a essa idia. o prprio Freyre quem nos fala desse apego: Em 1933, [Lins do Rego] escrevia-me do Rio a respeito de um livro novo do qual j lera trechos durante uma manh inteira, dizendo-o inspirado em meu projeto de reconstituio da vida de menino no Brasil nos engenhos e na cidade64. Trata-se, como se sabe, do romance Menino de engenho. Um romance, segundo Freyre, voltado para o drama da infncia brasileira. Para os pecados e para as virtudes da infncia65. Os pecados pueris, Freyre atribui s primeiras aventuras de sexo [do] menino senhoril com mulatas magistrais [e] muleques crescidos na rua. As virtudes, no entanto, vieram em grande

    62 Rego, Prefcio a Freyre, Regio e tradio, p. 132.63 Freyre, Aspectos, p. 151.64 Id., Recordando Jos Lins do Rego, p. 97.65 Freyre, Aspectos, p. 94.

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    parte do contato afetivo, assexuado do menino e sua me negra de criao.Ultrapassa os propsitos deste ensaio analisar o grau de verdade, e as

    contradies implcitas nessa mtua narrativa da relao escravo mental/senhor absoluto entre Freyre e Rego. Para os propsitos aqui apresentados, interessa-me assinalar a apropriao de Rego do mito da me-preta tal como este se encontra em vrios escritos de Freyre uma apropriao, qui, em terceira mo, caso seja vlida a minha hiptese de que Freyre, por sua vez, resgatou esse mito da historiografia norte-americana. No importa aqui tanto as vicissitudes do percurso do mito da me-preta at chegar s pginas das memrias de Lins do Rego, quanto o fato de que esse mito, repito, represen-tou um papel central em sua composio da mitologia do Velho Nordeste agrrio como regio utpica de confraternizao interracial. Como sugere a historiadora Emlia Viotti da Costa, nada mais oportuno para o sucesso dessa empreitada do que enfatizar os aspectos da tradio aristocrata que favoreciam uma relao harmoniosa entre senhores e escravos especial-mente num momento [os anos trinta] em que os afro-brasileiros organizavam uma Frente Negra para lutar pela melhoria de suas condies66. Se por um lado o mito da me-preta servia como uma compensao ou alvio (num nvel imaginrio) das tenses raciais na sociedade de ento, por outro, ele alimentava uma expectativa de lealdade e servilismo que em nada ajudava as trabalhadoras domsticas a se libertarem de sua condio de semi-escravas. Apesar da erradicao da ama-de-leite no Brasil devido ao sucesso das cam-panhas higienistas do final do sculo XIX, as donas de casa jamais deixaram de empregar uma me de criao, criadeira, ou bab com quem pudessem dividir o encargo das tarefas maternais. Portanto, era necessrio para essas trabalhadoras domsticas modelos profissionais que resistissem o esteretipo da subserviente me-preta. Alm disso, esse mito tampouco contribuiu para que se percebesse a crueldade da prtica da maternidade transferida. Como revela o folhetim citado no incio deste trabalho, a me criadeira era nor-malmente castrada do direito de exercer a maternidade dos prprios filhos para ter que assumir os cuidados de uma prole que no a sua67.

    Como todo mito, o da me-preta tem por funo ocultar uma realidade

    66 Costa, The Brazilian Empire, p. 244. (traduo minha).67 Sobre as imagens e condies de vida da ama-de-leite no sculo XIX, ver Giacomini, Ser escrava

    no Brasil, pp. 145-70; Magalhes & Giacomini, A escrava ama-de-leite: anjo ou demnio?, pp. 73-88; Deiab, A memria afetiva da escravido, pp. 36-40; e Carneiro, Procuram-se amas-de-leite na historiografia da escravido: da suavidade do leite preto ao fardo dos homens brancos.

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    sob um falso efeito de visibilidade. Em seu ensaio sobre a bab negra no Brasil, O dipo brasileiro: a dupla negao de gnero em raa, a antroploga Rita Laura Segato fala dessa invisibilidade imposta pela representao estereoti-pada. Para Segato, trata-se de um crime perfeito baudrillardiano, ou nos termos de Roland Barthes um roubo de linguagem [a language-robbery] 68. Em outras palavras, como explica Segato, os aspectos exteriores da cena parecem preservar-se como uma casca ou epitlio, enquanto aspectos deter-minantes do seu contedo so removidos e substitudos sub-repticiamente por outros atravs de uma estratgia de verossimilitude69. Mas quem afinal a me negra de criao brasileira? Para uma aproximao com os aspectos de sua realidade necessrio desviar os olhos das memrias de infncia modernistas e busc-los em outros discursos ou exerccios de representao como a literatura de testemunho, a histria oral, a literatura afro-brasileira, e novos estudos histricos.

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    Recebido em maio de 2008.Aprovado para publicao em junho de 2008.

    Sonia Roncador O mito da me preta no imaginrio literrio de raa e mestiagem cultural. Estudos de Literatura Brasileira Contempornea, n. 31. Braslia, janeiro-junho de 2008, pp. 129-152.