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155 Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 155-182, 2008. O monge, a morte e o estupa: práxis e padrões funerários no budismo primitivo a partir das fontes arqueológicas e textuais Cibele Elisa Viegas Aldrovandi* ALDROVANDI, C.E.V. O monge, a morte e o estupa: práxis e padrões funerários no Budismo primitivo a partir das fontes arqueológicas e textuais. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 155-182, 2008. Resumo: O artigo apresenta e discute a práxis e os padrões funerários presentes no Budismo primitivo, revistos a partir das fontes arqueológicas e textuais. Apesar do registro de evidências funerárias desde o início dos estudos sobre o Budismo, elas não haviam recebido atenção até uma década atrás. O suposto silêncio absoluto dos cânones e a inexistência de rituais póstumos entre os budistas deveram-se principalmente à primazia atribuída às fontes escritas em detrimento das fontes arqueológicas e epigráficas. Uma revisão dessas fontes comprova a presença de padrões funerários recorrentes e também permite delinear a práxis ocorrida nos funerais durante o Budismo primitivo. Palavras-chave: Padrões Funerários – Estupas – Budismo – Índia Antiga. do Budismo haviam recebido muito pouca atenção do meio acadêmico. O principal motivo dessa lacuna sobre a práxis funerária budista esteve vinculado à suposta inexistência de evidências sobre esse tema, preconizada pelos estudiosos europeus durante os séculos XIX e perpetuada no século XX. Esse pressuposto esteve diretamente associa- do à primazia atribuída às fontes textuais em detrimento das fontes arqueológicas e epigráficas. O julgamento implícito nessa forma de análise mais antiga considerava o Budismo verdadeiro aquele presente nos textos do cânone páli, isto é, os Tipitaka. Essa questão foi amplamente revista e discutida por G. Schopen (1995; 1997) que trouxe uma abordagem totalmente inovadora para as pesquisas sobre a práxis funerária durante o Budismo primitivo. (*) Pós-doutorado pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. [email protected] (1) Os vocábulos em sânscrito, com exceção dos nomes próprios, localidades e obras literárias, foram grafados pelo sistema “Tokyo-Standard”. Introdução s narrativas textuais e iconográficas sobre as exéquias observadas após a morte do fundador do Budismo, o MahAparinirvANa 1 do Buda Shakyamuni, que teria vivido ca. 563-483 a.C., são numerosas e, algumas delas, consideravelmente detalhadas (ver Aldrovandi 2006). Por outro lado, até uma década atrás, os rituais funerários dedicados aos monges e leigos falecidos durante os primórdios A Cibele Elisa Viegas Aldrovandi.pmd 05/05/2009, 23:16 155

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Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 155-182, 2008.

O monge, a morte e o estupa:práxis e padrões funerários no budismo primitivo

a partir das fontes arqueológicas e textuais

Cibele Elisa Viegas Aldrovandi*

ALDROVANDI, C.E.V. O monge, a morte e o estupa: práxis e padrões funerários noBudismo primitivo a partir das fontes arqueológicas e textuais. Revista do Museu deArqueologia e Etnologia, São Paulo, 18: 155-182, 2008.

Resumo: O artigo apresenta e discute a práxis e os padrões funeráriospresentes no Budismo primitivo, revistos a partir das fontes arqueológicas etextuais. Apesar do registro de evidências funerárias desde o início dos estudossobre o Budismo, elas não haviam recebido atenção até uma década atrás. Osuposto silêncio absoluto dos cânones e a inexistência de rituais póstumos entreos budistas deveram-se principalmente à primazia atribuída às fontes escritas emdetrimento das fontes arqueológicas e epigráficas. Uma revisão dessas fontescomprova a presença de padrões funerários recorrentes e também permitedelinear a práxis ocorrida nos funerais durante o Budismo primitivo.

Palavras-chave: Padrões Funerários – Estupas – Budismo – Índia Antiga.

do Budismo haviam recebido muito poucaatenção do meio acadêmico.

O principal motivo dessa lacuna sobre apráxis funerária budista esteve vinculado àsuposta inexistência de evidências sobre essetema, preconizada pelos estudiosos europeusdurante os séculos XIX e perpetuada no séculoXX. Esse pressuposto esteve diretamente associa-do à primazia atribuída às fontes textuais emdetrimento das fontes arqueológicas e epigráficas.O julgamento implícito nessa forma de análisemais antiga considerava o Budismo verdadeiroaquele presente nos textos do cânone páli, isto é,os Tipitaka. Essa questão foi amplamente revistae discutida por G. Schopen (1995; 1997) quetrouxe uma abordagem totalmente inovadorapara as pesquisas sobre a práxis funeráriadurante o Budismo primitivo.

(*) Pós-doutorado pelo Museu de Arqueologia e Etnologiada Universidade de São Paulo. [email protected](1) Os vocábulos em sânscrito, com exceção dosnomes próprios, localidades e obras literárias, foramgrafados pelo sistema “Tokyo-Standard”.

Introdução

s narrativas textuais e iconográficassobre as exéquias observadas após

a morte do fundador do Budismo, oMahAparinirvANa1 do Buda Shakyamuni, queteria vivido ca. 563-483 a.C., são numerosas e,algumas delas, consideravelmente detalhadas (verAldrovandi 2006). Por outro lado, até umadécada atrás, os rituais funerários dedicados aosmonges e leigos falecidos durante os primórdios

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O problema da priorização dos documentosescritos certamente não esteve restrito às questõesque envolvem o Budismo primitivo, mas foi, e,em certos casos ainda é, uma prática corrente nomeio acadêmico. Também não é novidade que aArqueologia foi considerada durante um longoperíodo uma ciência menor, subordinada àHistória e utilizada apenas para ilustrar e reiterarteorizações criadas a partir das fontes escritas.Essa prática acabou por tratar com descaso oumesmo omitir evidências materiais fundamentaisà compreensão das mais diferentes questões,períodos e regiões. Os vestígios materiais foram,na maioria das vezes, tratados pelo viés ideológi-co corrente — quase sempre de caráter etnocêntrico— e terminaram por elaborar quadros históricosmuito restritos ou mesmo equivocados.

Esta visão tendenciosa acabou por conferirao período histórico em questão um carátersimplista e falseado ao desconsiderar evidênciasclaras da existência de tratamento do morto edas práticas funerárias entre os budistas primiti-vos. A ênfase dada às fontes textuais não apenasneutralizou efetivamente a independência dasfontes arqueológicas e epigráficas como tambémexcluiu aquilo que fez parte das práticas ecrenças budistas em relação aos mortos duranteo início da sua história. Schopen (1997: 205)acredita que, mesmo atualmente, os estudiosospresumem que as evidências das práticas budistassó podem ser encontradas nas fontes escritas eque apenas estas podem refletir o que realmenteocorreu.

Nos primórdios dos estudos sobre oBudismo, no final do século XIX, foi estabelecidoque embora os cânones budistas — isto é, asfontes páli — apresentassem uma descriçãopormenorizada da vida monástica durante oBudismo primitivo, essas obras não tratavam dosrituais funerários realizados pela comunidadebudista. Na introdução de sua tradução doMahaparinibbanasutta2 que narra as exéquias doBuda Shakyamuni, Rhys Davids (1881: xliv-xlv)inaugurou essa teoria, num comentário umtanto paradoxal que permite observar toda a

carga ideológica que permeou as traduçõesrealizadas por esse e outros missionários daquelaépoca. Os indícios da existência de um ritofunerário (translado do corpo, cremação,construção de montículo com as cinzas), emboraclaramente mencionados pelo próprio tradutor,não são considerados elementos suficientes, poiso Vinaya “não possui nenhuma regra em relaçãoao modo de tratamento do corpo de um bhikkhumorto”, eles “não faziam parte das regrasmonásticas”.

Oldenberg (1882: 376) segue o mesmocaminho ao dizer que “os textos do Vinayabudista guardavam silêncio em relação às honraspóstumas dos monges mortos e os arranjos paraa cremação talvez fossem realizados pelos leigos”.Nesse mesmo sentido, L. de La Vallée Pousin aoescrever um verbete sobre Morte e Deposição doMorto Budista para a Encyclopaedia of Religion andEthics, em 1911, não foi capaz de reunir quasenenhuma informação sobre o assunto e, em vezdisso, preencheu essas páginas com definições edescrições acadêmico-filosóficas sobre o processoda morte propriamente dito. A postura dessesautores reflete claramente a primazia das fontesescritas, os cânones e regras monásticas, os únicosa serem considerados fidedignos naquela época,silenciavam completamente sobre a práxisfunerária. Esses registros versavam sobre osconceitos éticos e filosóficos que regiam a Ordembudista. Embora as razões para essa supostaausência tenham permanecido desconhecidas,essa generalização terminou por imprimir sobreo Budismo primitivo uma suposta inexistência deritos funerários e de tratamento dedicado aomorto.

Esse fato se torna ainda mais surpreendentese considerarmos que no início do século XIXforam registradas evidências arqueológicas eepigráficas nos estupas3 em conjuntos monásticosbudistas (Fig. 1), claramente associadas a

(2) Para tradução em português ver Aldrovandi 2006:682-794.

(3) Monumentos erigidos em memória do Budahistórico, de um santo budista ou em comemoração aalgum episódio importante da vida do fundador doBudismo, abrigavam uma relíquia sagrada – geral-mente restos mortais – em seu interior e são impor-tantes lugares de peregrinação para os budistas.

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Fig. 1. Mapa com os principais sítios durante o Budismo primitivo (Taddei 1978: 12).

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contexto funerário, que nunca foram confronta-das às teorizações baseadas apenas nas fontescanônicas disponíveis naquela época.

Os antecedentes dos estupas foram observa-dos na Índia num período bem mais recuado,pois a prática de cobrir as cinzas e restos mortaisde um morto com um monte de terra remonta,pelo menos, ao período Védico. Essas estruturas,durante a época Bramânica, eram erigidas comblocos de argila ou tijolos — os SmaSAna (verAldrovandi 2006: 260, 319). Assim, os estupasnão podem ser considerados monumentosespecificamente budistas, mas uma continuidadede um costume comum na práxis funerária daÍndia antiga.

O estupa budista (Fig. 2) se desenvolveu nasseguintes etapas (cf. Barua 1926: 21): (1) ummonte de terra circundado por um anel depedras; (2) um bloco de pedra depositado sobreo monte de terra; (3) o aperfeiçoamento dessapedra na forma de uma plataforma ou base(medhI), cilíndrica ou quadrada, um domohemisférico (aNDa) com inclusão de um elemen-to quadrado no topo (harmikA), um eixo central(yaSTi) e pára-sóis (chattra); (4) a construção deuma cerca de madeira — vedikA, para proteçãoda estrutura e, em certos casos, de portais(toraNa). Existiam regras específicas para aconstrução de um estupa (ver Bareau 1964: 202-

205). A partir de uma determinada época,alguns monastérios passaram a erigir estupasmemoriais ao redor do estupa principal, quecontinham as cinzas de monges célebres por suapiedade e sabedoria, eles podiam ser construídosem pedra ou tijolos.

O general Cunningham (1854: 211-220)publicou, por exemplo, os resultados de suasescavações nos centros monásticos ao redor deSanci, nos quais havia evidências claras daexistência de um extenso cemitério associado aosítio budista de Bhojpur, anterior à era Cristã.Nele havia pelo menos 50 estupas funerários, nosquais foram encontrados vários depósitoscontendo vestígios esqueletais — o estupa 8c, porexemplo, possuía numerosos ossos grandes.Mesmo em Sanci, no estupa 2; em Sonari, noestupa 2; e em Andher, nos estupas 2 e 3, haviavestígios do mesmo tipo. Tais evidências foramrevistas por Schopen (1997: 86-98), que analisouo material epigráfico existente, capaz de fornecerinformações sobre a construção e ornamentaçãodesses monumentos para abrigar relíquiaspóstumas e que foram financiados por umnúmero vultoso de monges e monjas budistas.Além disso, há também o material publicado porE.W. West, em 1862. O estudioso havia identifica-do corretamente uma necrópole no conjuntomonástico de Kanheri, formada por centenas de

Fig. 2. Esquema gráfico do estupa I de Sanci e seus principais elementos arquitetônicos (Aldrovandi 2007).

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estupas pequenos ao redor de um maior. Em1883, Burgess publicou uma descrição de outrocemitério monástico no conjunto de grutas deBhaja, formado por 14 estupas talhados na rochae que serão discutidos adiante.

Ao reavaliar as fontes disponíveis, Schopen(1997: 7, 114) propôs uma outra direção para oestudo das práticas funerárias durante o Budismoprimitivo, mais focada na Arqueologia dasReligiões, isto é, nas evidências que tenham deixadoo comportamento religioso impresso no registro arqueoló-gico — as construções e arquitetura religiosas, asinscrições e vestígios artísticos. Para o autor apenasos textos que tenham sido comprovadamenteconhecidos ou utilizados numa época, ou quetenham governado ou moldado o tipo de compor-tamento religioso que pode ser traçado em campo,ou seja, associados ao que as pessoas teriam feito narealidade, e não apenas escrito, são aqueles quedevem ser trabalhados.

Assim, embora as publicações sobre asevidências arqueológicas e epigráficas das práticasfunerárias budistas tenham estado disponíveispara os estudiosos desde o início das pesquisas,elas não foram levadas em consideração uma vezque não estavam registradas nos cânones quetinham sido preservados. Uma outra vertente dedados que possibilita a análise dos ritos fúnebresbudistas primitivos são os relatos antropológicosmais recentes que, embora não possam serdiretamente transpostos ao período maisremoto, podem fornecer indícios da continuidadede alguns elementos da práxis funerária, nosdiferentes ramos do Budismo (ver Rhys Davids1881; Knox 1911; Wells 1960; T. Bareau 1975;Gombrich 1971, 1988; Wijayaratne 1994;Gellner 2001). Como veremos, a análise doconjunto de evidências arqueológicas, epigráficase textuais revelaram que os budistas não apenasdedicavam cuidados à deposição de seus mortoscomo também aos rituais que envolviam aguarda e celebração de sua memória.

1. As Fontes Arqueológicas e Epigráficas:revendo o que esteve ali desde o início

Os conjuntos monásticos construídosdurante o início do Budismo estiveram direta-

mente associados à paisagem funerária e àsformas como a tradição budista tratou e secomportou diante dos seus mortos. No Budismoprimitivo, os padrões funerários dos quais se têmregistros estiveram, provavelmente, associadosaos indivíduos considerados dignos de adoração— o Buda e os monges proeminentes da comuni-dade budista.

Um primeiro aspecto que concerne a estatemática é observado em alguns sítios doBudismo primitivo. Existe uma associação dosprincipais locais em que o Buda Shakyamuniteria estado em vida — celebrados por meio daconstrução de um estupa, e as centenas dedepósitos secundários de origem funeráriadispostos ao seu redor — estupas memoriais(geralmente descritos como votivos) de tamanhomenor que com o passar do tempo foramdistribuídos de forma cada vez mais irregularpelo terreno ao redor do estupa principal — omahAstupa. Entre os sítios associados aos locaisem que ocorreram os principais episódios dabiografia do Buda estão Lumbini (Nascimento);Bodh-Gaya (Iluminação); Sarnath (Pregação daDoutrina); e Kushinagara (Morte). Mas mesmo ascidades do Vale do Ganges que o Buda visitou eque marcam outros eventos de sua vida, comoKaushambi, Vaishali (Fig. 3), Shravasti, Rajagrhae Pataliputra possuem estupas com esse tipo deconfiguração.

Em relação à abrangência da distribuiçãogeográfica dos conjuntos monásticos temos: naÍndia central, sítios como Sanci, Sonari; anordeste, Bodh-Gaya e Sarnath; a leste,Thotlakonda; a noroeste, Taxila (Jaulian),Butkara, Kalawan e Mohra Moradu; ao sul,Amaravati, Guntupalle e Nagarjunikonda; e aoeste Bhaja, Bedsa, Kanheri, Nadsur, Sudhagarhe Pitalkhora.

Um dos principais exemplos é o sítio deBodh-Gaya, que, embora bastante perturbado,apresenta uma enorme quantidade de estupasmemoriais de tamanhos e formas variados. Deacordo com Cunningham (1892: 46-49) haviapelo menos quatro camadas sobrepostas demonumentos semelhantes, pedras talhadas emépocas mais antigas foram encontradas comfreqüência na base dos monumentos maistardios, durante a deposição das camadas de

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solo, o nível do pátio, aos poucos, foi elevado(em 6m) e os estupas mais tardios foram construídossobre os mais antigos, em camadas sucessivas, deépocas diferentes.

Da mesma forma, esse padrão também podeser verificado nos estupas que teriam contido asrelíquias do Buda. Assim, tanto os lugares queteriam sido visitados pelo Iluminado comoaqueles que teriam abrigado seus restos mortaisestiveram associados à paisagem funeráriabudista desde seu período mais remoto.

Mesmo não estudados sistematicamente, osvestígios arqueológicos presentes nos antigossítios sagrados budistas fornecem indícios decontinuidade nas práticas funerárias, nosperíodos mais remotos, desde pelo menos oséculo II a.C.; perpetuados numa fase intermedi-ária, entre os séculos IV e V d.C.; e, também,observados em sítios mais tardios, associados aosníveis estratigráficos datados do século X e XII d.C.

Entre os sítios mais antigos e melhorestudados estão os sítios de Sanci e Bharhut. Naépoca em que foi escavado, o estupa de Sancimereceu uma interessante observação de Marshall(1918: 87-88). O arqueólogo mencionou umtempo em que o Grande Estupa esteve circunda-

do, como todos os santuários mais famosos doBudismo, por uma profusão de estupas detamanhos variados agrupados próximos à facedo platô. Eles foram destruídos entre 1881-1883, durante a retirada e limpeza do materialao redor do estupa principal, que removeuescombros num diâmetro de 18 m. Um outroexemplo é o monastério de Guntupalle, emAndhra Pradesh, no qual se encontra uma sériede estupas funerários ordenados em fileiras.Longhurst (1917: 30-36), que escavou a área,acreditava que se tratava das tumbas arruinadasdos monges que morreram naquele sítio.

No Vale do Ganges, outros sítios compossíveis conjuntos de estupas funerários seriam,por exemplo, Shravasti, Lauriya Nandangarh eKaushambi (cf. Schopen 1997: 183-184).Przyluski (1920: 48) mencionou pequenos estupasde tijolos ao redor do estupa maior de Kapilavastu,estruturas com base quadrada e sem o domo.

Em relação ao noroeste da Índia, um relatoantigo mencionou que M. Elphinstone foi oprimeiro a chamar a atenção dos antiquáriospara a existência de monumentos bactrianoschamados topos (estupas) no Punjabe e Afeganistão.M. Burnes encontrou um grande número de

Fig. 3. Ruínas do grande estupa de Vaishali com as bases dos estupas secundários ao redor e o pilarde Ashoka ao fundo, século III a.C. (Aldrovandi 2005).

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estupas na rota de Lahore a Kabul, e entre Kabule Jalalabad. Burnes e M. Gerard encontraramum alemão, chamado Martin Bergen, que haviaaberto mais de trinta desses monumentos,dentro dos quais encontrou vasilhas de ouro e depedra contendo ossos e um número considerável demoedas gregas de cobre e ouro (cf. JournalAsiatique XIV, 1834: 264-6). No Paquistãoforam registrados grupos de pequenos estupas debarro — cozidos ou não, no sítio de Mainamati(“Mainamati Excavations”, Pakistan Archaeology5, 1968: 173; apud Schopen 1997: 142, n. 36),que contiveram relíquias de ossos. O mesmo tipode estupa foi mencionado por Taddei (1970: 85-86), em Gazni. Sobre inscrições de caráterfunerário em Hadda, ver Fussman (1969: 5-9;1974: 58-61) e, em Shaikhan Dheri, Dani(1965/1966).

Um dos exemplos mais consistentes daarquitetura funerária budista primitiva foiescavado por Marshall (1951, I. 235; III. pr. 45),trata-se do estupa Dharmarajika, em Taxila, nonoroeste da Índia. Em menos de um século, esseestupa, provavelmente construído no final doperíodo Maurya ou início do século II a.C., foicercado por um conjunto numeroso de peque-nos estupas associados a moedas do século I a.C.A mesma configuração pode ser observada noestupa Butkara I (Fig. 4), no Vale do Swat,Paquistão, escavado pela Missão Italiana (Taddei1978) e datado inicialmente do século III a.C. Osítio de Mirpur-Khas, no Sind, que data doperíodo intermediário, possui um registroarqueológico menos detalhado, mas há mençãoa uma floresta de pequenos estupas ao redor doseu estupa principal, anteriores ao ano 400 d.C.— com associações funerárias: urnas comfragmentos de ossos (ver Bhandarkar 1917: 47-48; Cousens 1929: 82-97; Mitra 1971: 32-33, 133).

Uma situação semelhante foi observada emJaulian, sítio mais tardio, porém mais bempreservado também em Taxila: numa baseretangular ao redor do estupa central existemvestígios de pelo menos vinte e um estupasmenores; sua distribuição irregular indica queprovavelmente não tenham sido parte doplanejamento arquitetônico inicial, mas acresci-dos em épocas diferentes nos espaços vagos; apósessa área ter sido preenchida, outros estupas

foram erigidos no nível inferior — cinco delesforam observados no piso lateral. Pelo menostrês desses estupas continham depósitos funerári-os ou câmaras que os contiveram. Alguns dessesagrupamentos parecem ter existido mesmo emsítios atualmente não tão bem preservados.

Os estupas memoriais ou secundáriosencontrados nos conjuntos monásticos budistasdesde os tempos mais remotos foram recorrente-mente considerados e descritos como de origemvotiva, no entanto, em muitos casos esses estupasvotivos contiveram objetos de caráter funerário:os vestígios esqueletais — ossos e cinzas, namaioria dos casos, de monges anônimos. Aatribuição de um caráter votivo a esses estupasfunerários secundários certamente distorceu ainterpretação de sua função primária. Marshall(1951: I, 240-249), por exemplo, ao descrevercerta quantidade de pequenos estupas votivos aoredor de Dharmarajika, em Taxila, relata quetodos continham ossos ou cinzas. Mesmo emSanci, um dos poucos estupas votivos preservados,continha um depósito funerário anônimo(Marshall 1918: 88).

Um outro dado interessante fornecido porMarshall (1951: 246, 335, 361), foi a observa-ção dos pequenos estupas construídos nos vihArade Taxila, Kalawan e Mohra Moradu. O arqueó-logo sugeriu que tais estupa eram “monumentosfunerários que serviram de memoriais paraexpor a santidade da cela em que um bhikSuparticularmente venerável viveu e morreu”; eleacrescentou que tais estupas contiveram as cinzasde monges, “os restos mortais dos antigosmoradores”.

Sobre Amaravati, um dos sítios comocupação mais longa na história do Budismo —possivelmente até o século XIV, há uma brevedescrição em Fergusson (1868: 138-140), mas ocomplexo foi dilapidado pelos zamindar —caçadores de tesouros e pelos oficias ingleses.Burgess (1882: 4, 9), anos mais tarde, mencio-nou um estupa funerário ao redor do estupaprincipal que continha um “pequeno chatti(pote) e uma quantidade de ossos calcinados”. Omesmo foi observado por Rea (1909: 118-9;1912), que registrou vinte estupas funerários; nasetapas de campo seguintes esse pesquisadorencontrou os chatti sobrepostos a um grupo de

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dezessete urnas megalíticas — descritas como“tumbas piriformes neolíticas”.4

A ausência da parte superior — um tipo depináculo — e a presença de perfurações na base

dos estupas secundários, observadas na maiorparte dos registros arqueológicos dos sítios,indicam que eles provavelmente tinham sidoutilizados para conter as relíquias de monges

Fig. 4. Planta do estupa de Butkara I circundado por estupas secundários, Vale do Swat,Paquistão (Taddei 1978:87).

(4) Um outro aspecto interessante associado a sítiosbudistas primitivos, revelado durante as escavações, ésua freqüente associação aos sepultamentos proto-históricos — na forma de dolmens ou megálitos (vertambém Rao 1988: 46). Para a existência de dolmens nas

montanhas ao redor de Amaravati, ver Burgess (1882:97-98) e Fergusson (1868: 143). No noroeste da Índiaantiga, ver Faccenna (1964: 62-65). Para uma análisepreliminar dessa temática, ver Schopen (1996: 215-238).

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budistas. Nesse sentido, a situação em Bodh-Gaya é interessante, pois apresenta um elementoimportante à compreensão da prática funeráriarelacionada aos estupas. Cunningham (1892:48-49) ao descrever os estupas votivos encontra-dos em grande quantidade nesse sítio diz que “ospináculos dos estupas medievais altos estavammeio quebrados e mesmo os domos hemisféricosdos estupas mais antigos estavam fora de lugar”,ou seja, eles não apresentavam um pináculo ouchattra. O arqueólogo atribuiu essa ausência àconstrução de novos estupas sobre os antigos,porém, outra explicação mais recente podeconter uma resposta mais pertinente. A escava-ção do sítio de Ratnagiri em Orissa, no leste daÍndia, que representa o período mais tardio doBudismo primitivo, foi realizada por Mitra(1981) e Bénesti (1981: 93-122) e revelou estupasmuito semelhantes aos encontrados em Bodh-Gaya. Nesse sítio, ficou ainda mais evidente queuma parte considerável desses estupas eraportátil — trazidos de algum outro local edepositados perto do estupa principal. Osestupas não continham pináculos, mas umencaixe no topo no qual elementos de diferentesformatos eram inseridos. Embora esses estupastenham sido descritos como votivos, alguns delescontinham vestígios funerários — ossos calcinadosencontrados em urnas ou perfurações — geralmentenas bases do cilindro — fechadas com tampos depedra, os chamados estupas SarIrika (relicários).Infelizmente, como na maioria dos casos, apresença desses vestígios não foi estudada deforma sistemática, pois as relíquias foramnotadas somente durante a conservação dosestupas.

Tanto os agrupamentos de estupas de Bodh-Gaya como aqueles de Ratnagiri parecem, aomenos no aspecto formal, com o que I-tsing, noséculo VII, chamou kula, um elemento comfunção muito específica (ver Takakusu 1896:82). O peregrino diz que “eles (os mongesbudistas da Índia) algumas vezes constroem algosemelhante a um estupa para o morto, paraconter seus SarIra (relíquias, restos corpóreos)que é chamado kula, semelhante a um pequenoestupa mas sem a cúpula”.

Um outro tipo de configuração funeráriaencontrado nos sítios budistas mais antigos é a

deposição dos restos mortais de vários mongesnum único estupa, acompanhada de inscrições —aqui designados estupas comunais. O conjuntomonástico de Sanci e outros, associados a essecomplexo, como Sonari, Satdhara, Bhojpur eAndher apresentaram esse tipo de configuraçãofunerária. No estupa 2 de Sanci, descrito porCunningham (1854: 184-189, 203-205, 223-226), encontravam-se os restos mortais de dezmonges, que representavam no mínimo trêsgerações distintas. Em Sonari, o estupa 2abrigava as relíquias de cinco monges; emAndher, os estupas 2 e 3 foram utilizados para omesmo propósito. Dois estupas encontrados emNagarjunikonda, com características semelhantese presença de potes e relicários com ossos ecinzas, foram observados por Longhurst (1938:20-21), que sugeriu que o estupa 4 conteve dozedepósitos e o estupa 5 tinha abrigado seis deles.Schopen (1997: 180-181) sugeriu que, em algunssítios, os estupas funerários comunais podem tersido erigidos em datas anteriores ao estupa queteria contido relíquias do Buda e que esta foipossivelmente uma prática monástica bastantedifundida.

Outras evidências das práticas funerárias doBudismo primitivo foram encontradas, melhorpreservadas, em conjuntos monásticos talhadosna rocha, distribuídos no oeste do Planalto doDeccan e na faixa litorânea do Konkan — comoBhaja e Kanheri. Muitos outros sítios dessaregião podem ter possuído cemitérios, mas estesnão foram tão bem preservados.

O cemitério de Bhaja compreende umconjunto de caráter funerário bastante interes-sante e distinto dos demais descritos anterior-mente. A configuração diferenciada dessecemitério budista pode dever-se à necessidade deadequação ao tipo de paisagem específica alipresente. Ele se encontra na Gruta 20 domonástério e é composto por 14 estupasmemoriais esculpidas na escarpa da rocha (Fig.5), porém sem a hierarquização característicaobservada nos conjuntos que apresentam ogrande estupas circundado pelos estupas secun-dários. A parte frontal do teto de rocha dessagruta perdeu-se e um telhado moderno recobre afileira dos nove estupas frontais, alguns deles malpreservados. Os estupas possuem diâmetros

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variados que vão de 1,6 m a 2,5 m; as alturasvariam entre 1,8 m e 3 m. Os primeiros estupasesculpidos parecem ter sido os seis frontais àdireita (1 a 6), numerados da direita paraesquerda. Ao lado do estupa 6, um pouco maisao fundo, estão outros três estupas (7 a 9) emmelhor estado de preservação (Fig. 6). Atrásdesses três últimos estupas encontram-se outrosdois estupas e, ao fundo, a última fileira, comtrês estupas (10 a 14) (Fig. 7).5 Os estupas compára-sóis, no fundo da gruta, são os maistardios. Nagaraju (1981: 124, 129) propôs umacronologia desses estupas entre o final do séculoIII a.C. e II d.C. Os estupas funerários foramconstruídos afastados do grande estupa docaityagRha 12, para abrigar as relíquias demonges proeminentes, como observado pelasinscrições que sobreviveram. A prosperidadetransformou o centro de Bhaja, que foi um dosmais antigos, num dos principais monastériosbudistas do Deccan. A existência do conjunto deestupas de caráter funerário e talhado na rochanesse monastério pode indicar a proeminênciados monges que nele residiram. Tal colegiado, oumelhor, a sucessão continuada de pontíficesnesse monastério, teve possivelmente um papel dedestaque na propagação do Budismo nessaregião da Índia antiga.

Outros cemitérios budistas construídos emárea afastada do monastério e em homenagem amonges proeminentes são mencionados porNagaraju (1981: 130, 304) em Sringeri, Nanjangud,Hampi e Mudabidri, mas não há uma descriçãodetalhada dos mesmos.

O conjunto de estupas funerários deKanheri foi descoberto e inicialmente descritopor West em 1853 (ver West 1862: 116-120).Naquela época, o estudioso já observara que taisestupas contiveram as cinzas dos monges, e que agaleria que os abrigava (grutas 84 a 87) era anecrópole do conjunto monástico.6 Burgess(1883: 67), por sua vez, descreveu o local como“um longo terraço sobre a rocha maciça que seestende na beira da montanha, no qual seencontram as bases de numerosos estupas detijolos, monumentos construídos sobre as cinzasde uma série de bauddhasthavira ou monges queali faleceram”. Esse grupo de quatro grutas decaráter funerário foi construído na extremidadesudoeste da montanha de Kanheri, a aproxima-damente 600 m ao sul do caityagRha principal.O acesso às grutas se dá por uma série de degraustalhados na rocha em direção ao sul. No alto,

Fig. 5. Planta dos 14 estupas na Gruta 20 do conjunto monástico de Bhaja (Nagaraju 1981: fig.25).

(5) Para detalhamento ver Aldrovandi 2006: 551-562.

(6) Na época, West o numerou como gruta 38. Amesma numeração foi utilizada por Burgess (1883: 67)e Boosman (1961: 88-94). No Archaeological Survey ofIndia recebeu outro número e foi classificado comogruta 84. A área engloba as grutas 84 a 87 descritaspor Nagaraju (1981: 213) e Wani (1999: 23-24).

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Fig. 6. Gruta 20 do monastério de Bhaja, estupas 7 a 9 (Aldrovandi 2005).

Fig. 7. Gruta 20 do monastério de Bhaja, estupas 10 a 14 (Aldrovandi 2005).

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encontra-se uma plataforma natural queabrigava um cemitério com mais de uma centenade estupas memoriais pequenos destinados apresevar os restos mortais de monges desseconjunto monástico (Fig. 8). Na época de suadescoberta, a necrópole parece ter estado emmelhores condições de preservação, pois adescrição menciona 54 estupas ao longo dagaleria e outros 50 ainda soterrados, no entanto,atualmente, poucos restaram. Os estupaspossuem dimensões variadas, em três tamanhos:os maiores têm 1,80 m, os médios, 1,55 m; e osmenores, 1,35 m de diâmetro. No centro dessesestupas há um estupa maior, com diâmetro cercade quatro vezes maior que os demais, mas,atualmente, ele se encontra muito mal preserva-do. West (1862) descreveu esse estupa com umfriso lateral, mas um século mais tarde Boosman(1961) havia registrado a ausência de qualquerdecoração e os severos danos nesse monumento.

Grande parte dos estupas presentes nasgrutas funerárias de Kanheri tinha os harmikA dedegraus invertidos feitos de pedra (Fig. 9).Outras pedras esculpidas e identificadas como oschattra foram encontradas associadas aos

estupas. Boosman (1961: 89) sugeriu que essaseria uma possível indicação de que, antigamente,existiram ainda mais estupas no local. Em 1974,Wani encontrou 44 inscrições (epitáfios) nesselocal, junto de partes de antigos harmikA. Essepesquisador (Wani 1999: 25-28) mencionaapenas 20 estupas memoriais na entrada daplataforma do estupa maior; mais 40 estupas aofundo, todos arruinados.

A localização dessas grutas esteve associadaao caminho que levava à cidade de Tulsi.Embora, atualmente, a área esteja praticamenteinacessível, essa pode ter sido, na antiguidade, aprincipal via de acesso às grutas de Kanheri, apartir de Sopara, no litoral, e Nasik, no planal-to, por meio de Bhivandi. Nesse caso, em tempospassados, o conjunto de estupas funerários teriaestado junto à entrada do conjunto monástico.As inscrições encontradas junto à necrópole enas áreas circunvizinhas indicam que, original-mente, tais grutas tiveram uma função regular eserviram de abrigo para os monges. Após seudesmoronamento, elas passaram a ser utilizadascomo área para abrigar os restos mortais dosmonges. O local pode ter sido utilizado antes do

Fig. 8. Plataforma com vestígios das bases dos estupas do conjunto funerário de Kanheri (AIIS / DSAL).

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ano 168 d.C. e permaneceu ativo durante umlongo tempo, como está indicado pela grandequantidade de estupas encontrados no local econfirmado pelas inscrições. Elas registram osnomes dos monges, seus méritos acadêmicos ou oestágio espiritual que teriam atingido em vida; emalguns casos, mencionam a época em que osestupas foram erigidos. A maior parte dessasepígrafes pertence aos séculos V e VI d.C, foramescritas em brahmi na língua prakrti, e perten-cem às grutas mais tardias (ver Gokhale 1975:110-112; 1985: 94-101; 1991). O conjuntomonástico de Kanheri, um importante centro deestudos budista, certamente congregou uma

grande quantidade de monges, provavelmenteeducados por mestres célebres e de grandeconhecimento, que ao morrer tiveram seus restosmortais depositados nos estupas das Grutas 84 a 87.

Nagaraju (1981: 304) mencionou outrosestupas memoriais em Nadsur e Pitalkhora. Oconjunto de Nadsur possui doze estupas naGruta 3, com tamanho e forma variados; quatrodesses eram estupas estruturais (construídos e nãotalhados na rocha), o melhor preservadoabrigava “um punhado de cinzas” (cf. Cousens1891: 3-4; Abbott 1891: 121-123). O conjuntode Pitalkhora foi escavado por Deshpande(1959), que descreveu um agrupamento de

Fig. 9. Vestígios dos harmikA dos estupas do conjunto funerário de Kanheri(AIIS/DSAL).

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quatro escavações na encosta oposta ao caityagRhaprincipal e às celas monásticas, que continhamum ou mais pequenos estupas, mal preservadosmas, em pelo menos um deles, o arqueólogodescreveu “perfurações, uma com um encaixepara receber uma tampa”; esses orifícios foramoriginalmente lacrados por placas de pedra econtiveram relicários de cristal em seu interior(ver Willetts 1961: 59-65; Mitra 1971: 174),também encontrado em estupas do Ceilão(Nagaraju 1981: 285).

O complexo monástico de Sudhagarh foiexplorado por Kail (1966-67: 184-189), quemencionou a existência de oito estupas com 1 me 1,30 m de altura, distribuídos em uma celaampla de teto baixo; o pesquisador afirmouserem estupas funerários, nos quais as “relíquiasdos santos budistas foramconsagradas em um receptáculoperfurado no ábaco (harmikA)do estupa”. Nenhum dosestupas encontrados emNadsur, Pitalkhora e Sudhagarhpossuem inscrições associadas.No entanto, as evidênciasarqueológicas apontam parauma função funerária: osestupas foram distribuídos demodo ordenado em períodossucessivos. Em Pitalkhora oagrupamento foi construído acerta distância da área públicado complexo monástico, comoocorreu em Kanheri e, de certaforma, em Bhaja.

A presença de um estupafunerário no conjuntomonástico de Bedsa foirevelada por Schopen (1997:174-175) que, a partir daanálise da inscrição associada,considerou o pequeno estupana Gruta 3, de caráterfunerário. Assim como ele, oestupa da Gruta 4 de Kanheriapresenta o mesmo tipo deepígrafe, e o da Gruta 36, amesma configuração. Nagaraju(1981: 107-13) atribui o

estupa da Gruta 3 em Bedsa ao século I a.C.; eo de Kanheri ao século II d.C. Trata-se,portanto, de outro padrão funerário com umúnico estupa talhado na rocha encontrado emnichos isolados (Fig. 10).

Tais conjuntos apresentam evidências dasdiferentes configurações espaciais utilizadas pelapaisagem funerária budista. Em Bhaja, houveuma distribuição espacial diferenciada, pois osquatorze estupas funerários foram erigidos emuma gruta distante do estupa principal. No casode Kanheri, uma das quatro grutas que formama galeria funerária possui um estupa maior aoredor do qual os pequenos estupas de tijolosforam distribuídos. Os conjuntos de Bedsa eKanheri, entre tantos outros, possuíram estupasúnicos, talhados em nichos isolados.

Fig. 10. Estupa funerário em nicho isolado, Gruta 36 do conjuntomonástico de Kanheri (Aldrovandi 2005).

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Um outro elemento mais raro, presente nosconjuntos monásticos de Bhaja e Karli, parecetambém estar associado ao contexto funeráriobudista: são algumas poucas perfuraçõesencontradas nos pilares laterais das naves doscaityagRha principais que receberam decoraçãofloral em baixo-relevo e teriam contido restosmortais em seu interior. Um desses elementos éencontrado no caityagRha 12 de Bhaja e outrosdois no caityagRha 8 de Karli (Fig. 11), um delesassociado a uma inscrição e há registros sobre aexistência de restos mortais encontrados nasperfurações. Em Karli, a inscrição associadamenciona a doação do pilar esquerdo n.5 feitapor um bhANaka (aquele que recita os textossagrados), discípulo do mestre Dhamutariya deSopara, junto das relíquias corpóreas —

saSarIro danam (ver Senart 1903; Nagaraju1981: 337).

Os estudos recentes de Schopen (1997) eFogelin (2003) indicam que os restos mortaisguardados nas áreas intramuros dos conjuntosmonásticos teriam pertencido exclusivamente amonges. Nesse caso, os vestígios depositados numpilar do principal edifício de um conjuntomonástico, como ocorreu nos caityagRha deBhaja e Karli, teriam provavelmente sido demonges e não de leigos.

Outro elemento que merece atenção emrelação aos padrões funerários no Budismoprimitivo é a configuração da distribuiçãoespacial dos estupas secundários que parece estarassociada à proximidade do estupa principal, oque sugere que tais depósitos funerários podem

ter sido trazidos intencional-mente de outros locais e emdiferentes ocasiões. A proximida-de intencional dos estupasmenores em relação ao estupaprincipal foi discutida recente-mente e interpretada pela teoriados sepultamentos ad sanctosproposta por Schopen (1997:125-134). Ela tem por base aconcepção de que tanto oslocais visitados pelo Buda emvida, como suas relíquias, eramimbuídos de vida e, por isso, seusdiscípulos eram beneficiadospor sua proximidade físicamesmo após a morte. Asrelíquias encontradas pelosarqueólogos foram, ao quetudo indica, preservadas demodo semelhante àqueledescrito na consagração dasrelíquias do Buda: em urnascinerárias abrigadas em estupasrelicários ou memoriais. Nessesentido, existiu um paralelismoentre as relíquias do Buda e osrestos mortais dos mongesbudistas proeminentes. Os ritosfúnebres realizados para osmonges procuravam garantir-lhes um nascimento melhor ou,

Fig. 11. Orifício para guarda de restos mortais no Pilar 5 do caityagRha 8de Karli (Aldrovandi 2005).

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eventualmente, a Iluminação. Assim como acircum-ambulação de um estupa era um atomeritório, o sepultamento dos restos mortais deum budista, próximo a um estupa principal,também seria meritório, pois permitia a adora-ção perpétua do Buda ou do monge que foi seumestre em vida, uma vez que as reliquias eramimbuídas de vida (Schopen 1997: 123-124).

Apesar das evidências recorrentes existentessobre a paisagem funerária budista nenhumdesses sítios arqueológico foi escavado sistemati-camente e a preservação desses conjuntosmonásticos sofreu danos graves ao longo dosséculos. Durante o século XIX e início do XX,também é preciso lembrar, interessava mais aoscolecionadores e aos museus os relicários emoedas antigas encontrados no interior dosestupas, que um mero punhado de cinzas ou ossos.Dessa forma, muitas evidências importantes parao estudo da práxis funerária budista foramirreversivelmente descartadas do registro arqueo-lógico.

Uma pesquisa recente de Fogelin (2003)realizada no monastério de Thotlakonda, nolitoral leste da Índia, cuja ocupação esteverestrita dos séculos III-II a.C. aos II-III d.C,evidenciou uma rara e interessante paisagemfunerária. O arqueólogo encontrou 231 cairns —grupos de pedras empilhadas para formar ummontículo ou monte, que podem variar de 0,50m a 12 m de diâmetro — na área periférica domonastério. Geralmente os monumentosmenores foram agrupados ao redor de outromaior. Outros montículos e montes foramtambém encontrados nas montanhas adjacentes,a maior parte deles estava voltada para omonastério. Esse pesquisador utilizou o critériode proximidade e visibilidade do estupa principalpara determinar o status dos indivíduos, cujosrestos mortais teriam sido sepultados ao redordo sítio budista. Eles foram erigidos ao redor doconjunto monástico como memoriais, possivel-mente, para abrigar as cinzas dos monges quenão eram suficientemente proeminentes parareceber a consagração intramuros. Uma outrapossibilidade era a utilização desses memoriaispara os mortos da comunidade leiga ou, ainda,provavelmente como nos centros de peregrina-ção, uma combinação de ambos. A análise do

estudioso aponta para uma possível diferencia-ção entre os montes funerários mais próximosdo monastério, que teriam sido erigidos para osmonges; e aqueles mais distantes, nas montanhase planície adjacentes, que teriam sido construídospara os devotos leigos (cf. Fogelin 2003: 76-77,289-312). Inscrições encontradas nos chattra dealguns desses estupas registraram doações feitapor leigos (Sastry et al. 1992: 84).

As evidências provenientes das fontesepigráficas forneceram informações importantessobre os estupas memorias e em muitos casosconfirmaram seu caráter funerário. A análisemais recente e aprofundada da epigrafia funerá-ria foi realizada por Schopen (1997: 166-179,186-188). O autor pesquisou, por exemplo, umainscrição que pertenceu originalmente ao chattrade um estupa funerário de Amaravati dedicada aum monge chamado Nagasena. Existe uma sériede traduções propostas para a epígrafe e apóscomparações com inscrições semelhantes presen-tes em outros sítios como Sanci, Sonari, Mathura,Bedsa, Bhaja e Kanheri, o pesquisador confir-mou se tratar de uma série limitada de inscriçõesassociadas aos estupas de monges locais quefaleceram. Embora a pesquisa epigráfica sejarestrita àquilo que está contido na inscrição, emalguns casos há indicações do lugar de origem domonge morto. Em quase todos os exemplos onome do monge é seguido por seu título religio-so, ou de um título que indica o tipo de práticaou status espiritual que ele alcançou durante avida — como nas epígrafes mais tardias deKanheri pesquisadas por Ghokale (1991).Schopen (1997: 166-179, 186-188) observouque na maior parte dos casos, especialmentedurante o período mais remoto, os indíciosrevelam que os estupas abrigaram mongescomuns. Contudo, muito raramente, os estupasforam erigidos para grandes santos — os arhat,que aparecem somente nas inscrições maistardias de Kanheri. A implicação dessa ausência,segundo esse estudioso, é que nem sempre apresença de uma idéia em um texto canônicosignifica necessariamente que tal concepção fossecorrente nas comunidades budistas; os mongescujos restos mortais foram preservados nosestupas funerários não tinham atingido o idealreligioso pregado nos cânones, somente no

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período mais tardio é que essa associação passoua ocorrer.

Outro aspecto importante a ampliar oconhecimento em relação aos estupas funeráriosfoi a descoberta de inscrições dhAraNI quepertencem a um grupo específico de textosbudistas muito pouco conhecidos, mas queforneceram evidências claras sobre a razão doseu uso nos estupas mais tardios. A utilizaçãodesses textos foi inicialmente observada porMitra (1981: 28, 31-22, 43, 98-99) em oitoestupas secundários em Ratnagiri. Em seguida,Schopen (1982; 1997: 120, 141-142) quepesquisou o uso dos dhAraNI nos sítios de Bodh-Gaya, Ratnagiri, Nalanda e Paharpur. Os doisexemplos mais antigos desses textos forampreservados na Coréia e no Japão. Embora oestudo dessas inscrições ainda esteja no início,uma análise preliminar evidenciou uma funçãoassociada ao problema da morte e à tentativa deevitar um renascimento num dos infernosbudistas ou noutro destino pouco auspicioso e,em última instância, com a libertação daqueles jánascidos nesses lugares. A associação funeráriadas dhAraNI encontradas em sítios arqueológicosdo Budismo primitivo está indicada não apenaspelo que aparece no próprio texto, mas tambémpelo fato de terem sido, na maior parte doscasos, encontradas junto aos estupas quecontinham vestígios esqueletais anônimos. Ocaráter apotropaico parece ter sido a principalrazão para a utilização dos dhAraNI nos estupase, nesse sentido, sua função esteve mais associadaàs crenças populares que propriamente àdoutrina canônica budista.

A partir das evidências existentes é possívelconsiderar, por extensão, que os estupas que nãoapresentaram vestígios esqueletais associados,mas foram encontrados nos sítios arqueológicosjunto àqueles que comprovadamente apresenta-ram evidências funerárias — restos mortais ouepigrafia —, podem também ter sido utilizadoscomo estupas funerários. A variação tipológicados estupas encontrados nos conjuntos monásti-cos pode, provavelmente, estar relacionada aostatus dos monges e leigos cujos restos mortaisforam encerrados em estupas. Enquanto oscentros de peregrinação, como revelam asinscrições de Bodh-Gaya, parecem ter encerrado

monges e devotos leigos, os conjuntos monásticosparecem ter abrigado exclusivamente mortos dacomunidade monástica — em geral os maisproeminentes.

Embora se trate de um levantamento parcialdas evidências arqueológicas e epigráficas,presentes nos registros das explorações realizadasno subcontinente indiano desde a metade doséculo XIX, a identificação apresentada pelosdiferentes estudiosos foi, em certos casos, muitoprecisa. As evidências existentes confirmam queos restos mortais dos monges budistas foramconservados sob a forma de relíquias em umnúmero considerável de complexos monásticos,alguns deles pertencentes a períodos bastanterecuados da história do Budismo no sul da Ásia.

Em síntese, os padrões funerários encontra-dos ao longo desse levantamento abrangeram,como vimos, pelo menos quatro tipos principaisde monumentos: (1) estupas comunais queabrigam num único edifício os restos mortais devários monges; (2) estupas funerários secundári-os distribuídos ao redor de um estupa principal;(3) estupas funerários de diferentes tamanhosagrupados sem a presença de um estupa central;(4) estupas isolados construídos em nichos ourecintos pequenos que abrigam os restos mortaisde um único monge. Muitas vezes esses tiposdistintos de monumentos ocorrem simultanea-mente num mesmo sítio arqueológico.

2. As Fontes Textuais: relendo palavras silenciadas

Apesar do suposto silêncio atribuído àsfontes textuais budistas no tocante às práticasfunerárias, estudos mais recentes apresentaramimportantes avanços sobre essa temática. OVinaya páli e o Mulasarvastivadavinaya7 sânscrito,pesquisados por Schopen (1997), possuemclaras citações sobre a morte de monges. Noentanto, como observou o estudioso, o lugar emque elas foram registradas talvez pareça de inícioum pouco inesperado: a seção Sobre mantos e

(7) Gilgit Manuscripts [III. 2. 113-148], editado por N.Dutt (1942), cuja versão chinesa foi traduzida noséculo V d.C.

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material para mantos — no Civarakkhandhaka eCivaravastu. Em sua análise, o estudioso (Schopen1997: 206-207) considera natural essa localiza-ção devido à questão da herança sobre apropriedade do monge falecido. Seu cIvara(manto) era provavelmente um dos principaispertences e, assim, este era um momento e meiolegítimo de um outro monge adquirir ummanto. No caso de o monge possuir bens maisvaliosos as regras se tornavam mais complexas.

No Civarakkhandhaka do Vinaya páli,conforme analisou este pesquisador, as regrasformais foram registradas de modo sucinto eaparecem em alguns poucos casos de morte.Num deles, dois monges atendem um mongemoribundo, após seu falecimento eles tiram omanto e a tigela do morto, em seguida contamao Buda sobre a morte e ele lhes responde que aOrdem é proprietária da tigela e dos mantosdaquele que morreu, mas, na verdade, aquelesque assistem o moribundo prestam um grandeserviço e, assim, ele permite que os membros daOrdem dêem os seus pertences àqueles quecuidaram do enfermo.

Por outro lado, o Mulasarvastivadavinayadevota cerca de 35 páginas à distribuição daspropriedades de um monge falecido. Comoobservou Schopen (1997: 206), esse maiordetalhamento das regras foi geralmente atribuídoa diferenças cronológicas, assim, as especificidadesindicariam uma composição mais tardia, o queindiretamente atribuía uma primazia ao Vinayapáli. No entanto, o budólogo considera talinterpretação restrita, pois ao invés de umaquestão cronológica, essa diferenciação pode tersido um reflexo de diferenças sectárias naaplicação mais ou menos rigorosa das regras: oscompiladores dos cânones dos Mulasarvastivadinprocuraram evitar ambigüidades e estabelecerum código mais rigoroso e abrangente. Aexistência de tais regras revela, nesse sentido, queas comunidades monásticas budistas possuíamuma ampla gama de questões potencialmenteconflituosas que, em cada ramo, mereceramatenção e propostas diferenciadas para evitá-lasou solucioná-las.

O Civaravastu do Mulasarvastivadavinayadescreve, por exemplo, o caso do monge Upananda,que possuía uma quantidade considerável de

bens materiais. Os bens foram inicialmentepostos em custódia do rei, mas a comunidademonástica de Uravasta, após estabelecer seudireito sobre as posses do monge falecido,procedeu à distribuição entre seus membros. Aosaber da morte de Upananda, os monges deSaketa foram reclamar uma parte dos bens. Osmonges reuniram novamente os bens do mongemorto e os dividiram com os monges da comu-nidade vizinha. No entanto, o procedimento foirepetido várias vezes para incluir os monges deVaishali, Varanasi, Rajagrha e Campa. Asituação chegou a um ponto em que os monges,por estarem ocupados com tais questões,abandonaram suas demais obrigações e afazeres.O Buda, informado da situação, teria declaradocinco ocasiões para distribuição das posses (deum monge falecido): o gongo, o Tridandaka, ocaitya, a mensagem, e o movimento formal é oquinto. A necessidade de uma legislação se fazpresente no momento em que há uma ameaçareal de distração da comunidade, em detrimentode suas atribuições religiosas legítimas.

O trecho apresentado revela uma relaçãoclara entre a distribuição das posses de ummonge e a realização de um funeral apropriado.As ocasiões que marcam a distribuição dasrelíquias integram momentos específicos esignificativos do funeral monástico entre osMulasarvastivadin. O uso do gongo ou do sinopara anunciar a morte parece marcar o iníciodas exéquias dos budistas e revela seu carátercomunal. O chamado sonoro para reunir acomunidade era utilizado nas atividades associa-das a toda a comunidade monástica. A convoca-ção dos monges podia ter por objetivo tanto arealização de trabalho quanto a intenção deavisar sobre um perigo ou um falecimento (cf.Schopen 1997: 209).

O segundo procedimento mencionado é arecitação do Tridandaka ou do Dharma —dharmaSravaNaMdattaM, realizado durante ouapós a cremação do morto. Schopen (1997:231-232) observou que, nas fontes textuais, areferência exata ao Tridandaka é na maioria doscasos desconhecida. De forma geral acredita-seque foi um sutra sobre a impermanência(anityasUtra), uma outra sugestão é que oTridandaka era um tipo de fórmula ritual à qual

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qualquer texto sagrado podia ser conjugado. Osrelatos antropológicos no sudeste asiáticoregistram uma recitação nesse momento dofuneral leigo (ver Wijayaratne 1994: 74-75;Aldrovandi 2006: 348-354).

A adoração do estupa, ou caitya, pontuariao final da cerimônia. Nas suas narrativas, operegrino chinês I-tsing do século VII d.C.mencionou que, nos países ocidentais (Ásiacentral e sul), essa adoração e os serviços comunseram realizados após o meio-dia ou durante ocrepúsculo. Quando todos estavam sentados ummestre dos sutra se sentava no trono de leões edeclamava alguns versos. As descrições parecemindicar que o Tridandaka consistia de: uma elegiaàs três jóias do Budismo (o Buda, a Doutrina e aComunidade budista), seguida pela recitação deum texto sagrado e, finalmente, da transferênciados méritos. Segundo I-Tsing, ela não era,portanto, restrita aos funerais (ver Lévi 1915:433-434; Schopen 1997: 232-233).

Da mesma forma, a ordem em que adistribuição dos pertences do monge falecido erarealizada reflete uma seqüência de atos, cadaqual mais distante do momento da morte, eparece envolver um grau decrescente de partici-pação nas atividades funerárias. Existem mongesque participam do funeral desde o início — dosoar do gongo; aqueles que estão presentesapenas no final durante a adoração do caitya; eaqueles que participam do movimento formal, ouseja, podem não ter estado presentes no funeral.Assim, a prioridade sobre os bens e direitosestava diretamente associada ao grau de partici-pação no funeral.

No Civaravastu existem ainda algumaspromulgações que confirmam a relação entre arealização dos funerais e a distribuição das possesde um monge. Esses excertos evidenciam o queparecem ter sido considerados os mais importan-tes elementos do funeral monástico primitivo.Eles foram analisados por Schopen (1997: 209-211) a partir da tradução dos Gilgit Manuscriptse de fontes tibetanas. Uma primeira parte dotexto descreve um fato que teria ocorrido emShravasti, no qual um determinado mongeenfermo veio a falecer em sua cela e renasceraentre os seres não humanos. O monge responsá-vel pela distribuição de mantos entrou nessa cela

a dizer: “eu distribuo a tigela e o manto”. Nessemesmo instante, o monge morto apareceuempunhando uma maça e, tomado por fúria,teria dito: “ao realizar a remoção (translado) domeu corpo, apenas então deveis proceder àdistribuição de minha tigela e meu manto”. Omonge atemorizado fugiu. Os monges teriamperguntado ao Buda sobre esse evento e ele lhesrespondeu: “primeiro deverá ser realizada aremoção do monge falecido e, somente então,seu manto e sua tigela serão distribuídos”. Otrecho indica que o traslado ritualizado docorpo era o procedimento mínimo envolvido nofuneral dos Mulasarvastivadin. No entanto, esseprimeiro aspecto não parece ter sido considera-do suficiente, pois uma passagem seguinte dotexto descreve em termos semelhantes o queparece ter sido o segundo componente necessárioao funeral. Após a morte e a realização daremoção do corpo de um outro monge, osdemais atiraram o cadáver no campo de crema-ção e retornaram ao vihAra. O monge incumbi-do da distribuição de suas posses entrou na celado monge falecido entoando os mesmos dizerese, da mesma maneira que o outro monge, ofantasma reapareceu na cela empunhando umamaça a dizer que somente após se realizar aadoração do corpo em seu favor o mongepoderia distribuir sua tigela e seu manto. Maisuma vez o Buda inquirido a esse respeitoresponde que a adoração do corpo do mongemorto deveria ser realizada pelos monges em seufavor e que, apenas então, sua tigela e seu mantodevem ser distribuídos do contrário isso setornaria um perigo. Tal procedimento é chama-do nas fontes textuais SarIrapUjA. Schopen(1997: 99-113, 211, 227-8) observou que essetermo foi geralmente traduzido como adoraçãodas relíquias, no entanto, pode ter tido umsignificado mais amplo ou distinto, pois descreveo ritual realizado após a remoção do corpo etranslado ao campo de cremação, mas, antes deser incinerado, ou seja, antes que pudesse existirqualquer relíquia. Assim, tratar-se-ia da adoraçãodo corpo do monge falecido, que pode terincluído a lavagem e unção.

Os trechos descritos acima apresentam duaspráticas distintas do rito funerário budista,aparentemente, necessárias para conseguir

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apaziguar o fanstasma e permitir a distribuiçãode suas posses. A respeito dos fantasmas —piSAca, Schopen (1997: 237) observou que nosVinaya essas criaturas são consideradas causaslegítimas para o abandono dos retiros na estaçãodas chuvas, o que de forma geral era proibido. Ouso dos dhAraNI nos estupas também parece terestado relacionado a essas questões. Esses sãoelementos interessantes que revelam a influênciadas crenças populares presentes entre a comuni-dade monástica.

Uma outra passagem do Civaravastu revelaqual pode ter sido o terceiro procedimentonecessário no funeral de um monge budista.Após a morte consumada de um monge emShravasti, seu translado ao campo de cremação ea realização da adoração do corpo, o monge foicremado. Mais uma vez o fantasma do mortoaparece ao monge encarregado da distribuiçãode seus pertences e lhe diz para realizar a recita-ção do Dharma oferecida em seu favor, docontrário ele não poderia distribuir os mantosmonásticos. Novamente consultado, o Budarecomenda realizar a recitação do Dharma emnome do falecido e dirigir a dádiva (transferir omérito ao morto) para que seus mantos monásti-cos pudessem ser distribuídos. Esse procedimen-to derradeiro era o mais distintamente budistados três aspectos do funeral e, talvez, exclusivo dofuneral monástico nesse período. Os monges queparticipam do funeral criam os méritos aorecitar o Dharma e os transferem ao morto (verFilliozat 1980: 102-116). Tal prática póstumaestabelecia a separação definitiva entre o morto esuas posses, a partir da compensação geradapelos rituais funerários.

O translado e a adoração do corpo sãomencionados nos funerais do imperador Ashokae do rei Prasenajit, o que indica não terem sidoexclusivos do funeral monástico budista (verBareau 1970-71). Mas nesses funerais reais não hámenção à recitação do Dharma ou à transferênciados méritos para o morto — elemento recorrentenas narrativas dos funerais de monges e monjas.Assim, a distribuição das posses de um mongebudista morto parece, desde o início, depender darealização de um conjunto de práticas rituais ouobrigações póstumas devidas ao morto. Nessesentido, Schopen (1997: 214) observa que o

direito à herança do monge estava de acordo coma legislação hindu presente nos Dharmashastrana qual está expressa a relação direta deobrigatoriedade entre o direito à herança de ummorto e a realização dos ritos fúnebres.

Essas crenças budistas foram importantes osuficiente para serem incorporadas a um códigode comportamento instituído para regulamentara comunidade monástica — um elemento oficialdo Budismo monástico que, curiosamente,parece divergir da doutrina fundamental budista— a inexistência de um ser permanente — anAtman.Essa discrepância é interessante, pois revela queas supostas doutrinas fundamentais do Budismopodem, possivelmente, ter tido menos influênciano comportamento leigo budista e mesmo entreos monges mais letrados, que o esperado (Schopen1997: 215). Um estudo antropológico doBudismo Theravada moderno no Sri Lanka(Gombrich 1971: 243) corrobora essa idéia.Embora a doutrina do anatta (sânsc. anAtman)possa ser salvaguardada por meio da idéia deque a personalidade que continua através deuma série de nascimentos é tão real quanto apersonalidade do indivíduo vivo — prArthanA; oscasos de renascimentos auspiciosos e transferên-cia de méritos a parentes mortos revelam que adoutrina do anatta não é eficaz em relação à vidaseguinte do morto e que a crença na sobrevivên-cia individual após a morte é um elementofundamental na prática do Budismo cingalês. Asdiscrepâncias entre os princípios e as práticasbudistas, tanto no passado quanto atualmente,foram pesquisadas por S. Dutt (1960: 318).

Nesse sentido, entre as práticas funeráriasvédico-bramânicas, embora as doutrinas detransmigração e liberação tenham transformadotoda a especulação sobre a práxis funerária naÍndia antiga, os ritos dedicados aos ancestraismantiveram-se marcados pelo antigo rigor e sepreservaram ao lado das novas doutrinas.Durante um longo período, a visão ritual demundo da antiga religião védica conviveu, pormeio das diretrizes traçadas pelos Sutra e Shastranos funerais e ritos ancestrais, com poucainfluência das doutrinas inovadoras, cosmografiase teologias surgidas no período brâmanico queerodiram gradualmente as estruturas institucionaisda religião védica. Embora tenha havido uma

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mudança nos ideais envolvidos na pós-morte,nos conceitos de imortalidade e libertaçãodefinitiva do ciclo de renascimentos, a intençãodos ritos SrAddha sobreviveu e a idéia da passa-gem do morto em uma progressão cosmogônica,e da salvação do indivíduo vinculada à práticaritual apropriada por meio de seus descendentes,permitiu que cerimônias arcaicas dedicadas aosmortos se perpetuassem até os dias atuais (cf.Knipe 1977: 112, 121-122).

Um outro aspecto das exéquias budistas,que também pode ser encontrado nas fontestextuais, diz respeito à construção dos estupas oucaitya (santuários) para abrigar os restos mortaisdos monges e que, como vimos, foram o princi-pal tipo de registro arqueológico preservado napaisagem funerária budista. A prática de erigirestupas ficou registrada nas fontes textuais eaparece numa passagem do Mulasarvastivadavinaya.A versão tibetana dessa narrativa (ver Rockhill1907: 110-111) preservou um excerto sobre otratamento dos restos mortais do mongeSariputra que envolveu a disputa entre os leigos ea comunidade monástica sobre suas relíquias.

As exéquias do Buda Shakyamuni estiveramdesde o princípio associadas à memória epreservação das relíquias corpóreas do Ilumina-do, e grande parte das fontes secundárias estevepreocupada com o papel e a ênfase prestada àsrelíquias no Budismo primitivo. O mesmoocorre na iconografia do período (Fig. 12).Gombrich (1988: 123) atribui a origem do cultode relíquias aos budistas. A adoração de imagens(o terceiro tipo de SarIra mencionado nas fontes

textuais) entre os Theravadin, por exemplo,exigia que a escultura contivesse uma relíquiacorpórea dentro da mesma (um pedaço de ossoconsagrado), para poder ser consideradasagrada.

A adoração às relíquias foi de início conside-rada, pelos acadêmicos (Oldenberg 1882;Lamotte 1988), de caráter exclusivamente leigo,ou seja, daqueles menos evoluídos espiritualmen-te, que precisavam da adoração para facilitar suabusca, enquanto os monges — mais elevados, nãonecessitavam de tal mecanismo. Nesse sentido, odesenvolvimento da adoração ao estupa e, maistarde, das imagens budistas por monges foiatribuído a uma contaminação das práticaspopulares laicas. No entanto, estudos maisrecentes mostraram que a distinção tradicional-mente proposta entre monges e leigos não seconfirma. Schopen (1997: 31-34), que analisouinscrições pertencentes aos conjuntos monásticosassociados aos estupas e datados do século IIa.C., verificou que as evidências apontam paraum culto ao estupa controlado pela comunidademonástica. Os monges e monjas aparecem comouma porção representativa de doadores eparticipantes das atividades meritórias associadasao culto do estupa.

As fontes textuais sobre o MahAparinirvANado Buda mencionam que suas relíquias foramcoletadas e teriam sido disputadas apenas pelosleigos, e estendem tais conflitos também aosrestos mortais de eminentes monges budistas. Oincidente também teria ocorrido durante adivisão das relíquias de Ananda, mas mesmo

Fig. 12. Cena do transporte das relíquias do Buda, século I d.C., face norte da arquitrave inferior do torana sul doEstupa I de Sanci, Madhya Pradesh, Índia (Photo © John C. Huntington. Courtesy of The Huntington Archive ofBuddhist and Related Arts).

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antes das exéquias do Buda, os restos mortais domonge Sariputra foram objeto de controvérsiaentre leigos e monges, descrita no vinaya tibetano(Rockhill 1907: 111). Nesse excerto o Budatambém descreveu o tipo de estupa funerárioapropriado às diferentes categorias de indivídu-os. No Mahaparinibbanasutta (Rhys Davids 1881:93-5 [V. 27-31]), são mencionados quatropersonagens dignos de um estupa: um Tathagata,ou Buda-Arahat; um Buda-Pakkeka (aquele quealcançou a Iluminação, mas não a proclamoupara o mundo); um verdadeiro ouvinte doTathagata, e um cakravartin (monarca universal).De acordo com Schopen (1997: 192-193), emalgum momento, a prioridade sobre a guardados restos mortais dos monges budistas pode tersido questionada pelos leigos, mas a primazia foidada aos monges — a participação leiga devia serregulada pela comunidade monástica. Embora ocaráter histórico da narrativa presente no Vinayatibetano não possa ser comprovado, a passagempermite entrever as intenções daqueles quecompilaram os textos sagrados. Infelizmente nãohá como datar ou localizar a origem de taisfontes o que restringe suas possíveis implicações.

Essa fonte textual também informa sobre asformas de deposição do cadáver de um mongebudista. Antes de ser sepultado o corpo deve serlavado. Ele deve ser cremado, mas se não houvermadeira disponível deve ser atirado em um rio.Caso não haja um rio nas proximidades deve sersepultado num local sombreado, a cabeça parao norte, deitado sobre o lado esquerdo sobreum leito de erva e recoberto com erva verde oufolhas. Um caitya (estupa) deve ser erigido sobreos restos mortais do monge. O mesmo tipo dedescrição recorre no Kanjur tibetano que incluia exposição do cadáver. Nessa passagem háuma clara menção à distribuição espacial dosestupa (ver Bareau 1960: 236, 240, 247, 264;1964: 202-203; Schopen 1997: 165). Nela, oBuda teria dito que assim como Sariputra eMaudgalyayana se sentaram (em relação aoBuda) quando o Tathagata estava sentado, damesma forma seus estupas funerários deviam serdispostos, o que remete à teoria dos sepultamen-tos ad sanctos de Schopen. Além disso, o estupados vários anciãos (sthavira) deveria ser alinhadode acordo com sua idade, os estupas de homens

virtuosos comuns deviam ser colocados forado monastério. Trechos semelhantes sobre amorte de Sariputra aparecem no Vinaya dosMahasamghika, como observou La ValléePoussin (1935: 276-279). No Samyuttanikaya páli(Schopen 1997: 191, 203-204), a narrativa foialterada em alguns trechos, como na ausência demenção à preservação das relíquias do monge.

Duas outras fontes textuais páli a conterreferências à guarda dos restos mortais dosmonges budistas são o Udana e o Apadana (verSchopen 1997: 165-193). Tais fontes forampouco estudadas, entretanto apresentaminjunções dirigidas aos monges sobre a realizaçãode ritos fúnebres para um membro da comuni-dade monástica; em seguida, à construção eadoração de um estupa memorial. No Vinayapáli existe ainda uma narrativa que descreveparte de uma cerimônia funerária realizada porum grupo de monjas e a construção de umestupa para consagrar os restos mortais de umamonja morta (ver Oldenberg 1882: 308-309; eSchopen 1997: 86-98).

A cremação de um monge budista noCeilão, considerado um arhat (iluminado), foinarrada por Fa-Hsien, que peregrinou entre osanos 399-414 pela Índia e Sri Lanka (ver Legge1886: XXXIX). O breve relato diz que nummahAvihAra (grande monastério), em que trêsmil monges residiam, havia um SramaNa (asceta)de elevada virtude e considerado por todos umarhat. Ao morrer, o rei ofereceu ao monge otratamento fúnebre digno de um arhat, comoprescrito nas regras: a leste do vihAra foi erguidauma grande pira funerária e no topo foramcolocados sândalo, aloé e outras madeirasaromáticas; de cada lado da pira foram construídosdegraus: o corpo foi envolvido com um tecidobranco limpo, quase como a seda, com o qualderam várias voltas e levado a um catafalco naforma de um carro funerário sem os dragões epeixes (usados na China). No momento dacremação, o rei e uma multidão de pessoasvindas de todas as partes se reuniram e oferece-ram flores e incenso; durante o cortejo fúnebreo rei ofereceu flores e incenso; ao chegar aocampo de cremação o catafalco foi elevado até oalto da pira e óleo de tulasi foi derramado e ofogo aceso; enquanto a pira ardia todos em gesto

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reverente removeram seu traje superior e osatiraram junto com o leque de plumas e asombrinha na pira funerária, para ajudar naincineração; terminada a cremação os ossosforam coletados e um estupa foi construído paraabrigar os restos mortais do arhat.

Uma outra questão relevante, presente nasfontes escritas, diz respeito aos problemas que amorte de um monge podia ter gerado nãoapenas entre a comunidade monástica mastambém entre a sociedade leiga. Um trechointeressante preservado no Kanjur tibetanopossui uma passagem a respeito da morte de umleigo de origem bramânica convertido aoBudismo (ver Schopen 1997: 215-216). Nessanarrativa o Buda encontrava-se em Shravasti,onde um pai de família após ter se casado, teveum filho que recebeu os sacramentos védico-bramânicos e o nome de seu gotra, depois secasou e, mais tarde, entrou para a Ordembudista. Tempos depois o monge, tomado poruma enfermidade, faleceu. Os monges deixaramseu corpo, tigela e manto junto a uma estrada.Alguns brâmanes e pais de família que caminha-vam pelo local viram o cadáver e um delesexclamou: “meus senhores, um monge budista —SAkyaputra, faleceu”. Todos foram olhar e aoreconhecer o monge, eles disseram: “senhores,este é o filho de (...) tal é o destino dos que seconvertem à Ordem daqueles SramaNa budistassem deus, se ele não tivesse entrado para aOrdem, seus parentes teriam realizado ascerimônias”. Os monges levaram o problema aoBuda que lhes recomendou: “a partir de então,monges, com minha autorização deverão serrealizadas cerimônias fúnebres para um mongemorto”. No entanto, os monges desconheciamtais cerimônias e, por isso, o Buda acrescenta queum monge morto deve ser cremado, atirado emum rio, sepultado ou exposto e que, apóstransferir os méritos ao morto e realizar arecitação do Dharma do Tridandaka, os mongesdeverão partir. De acordo com a narrativa, apósos ritos os monges se dispersaram, no entanto, osbrâmanes e pais de família os repreenderam, poisos monges depois de carregar um cadáver, nãotinham se purificado. Os monges novamenteinquiriram o Buda que confirmou que somenteaqueles que tiveram contato com o cadáver

deviam se purificar e lavar seus mantos, osdemais deviam apenas lavar as mãos e os pés”. Osmonges também não tinham adorado o estupa eo Buda teria dito que isso devia sempre ser feito.

Na passagem acima, a atenção dos mongesem relação à comunidade leiga está diretamenteassociada a elementos extremamente importantesna sociedade bramânica da época: a morte e apoluição (ver Schopen 1997: 219). Os ritos depurificação são tema recorrente na literaturanormativa bramânica, os principais ritos queenvolvem impureza da família são o nascimento ea morte (ver Bareau 1964: 203-204; Malamoud1982: 441). Outro elemento fundamental dosVinaya, que transparece claramente nessapassagem, é a preocupação daqueles que oscompilaram com a censura social. Apesar de adoutrina budista não atribuir importância aocorpo de um morto, os monges teriam buscadose adequar às crenças leigas por meio de regras epreceitos cujo propósito era primeiramenteevitar conflitos. Algumas pesquisas antropológi-cas, por sua vez, revelam a inexistência de umanoção sagrada atribuída ao corpo entre osbudistas cingaleses e também a influência hindupresente nos ritos fúnebres atuais que se deve àimitação de costumes difundidos na região(Wijayaratne 1994: 72). Entre eles está o fato deo corpo não poder ser inumado nem às quartas-feiras ou aos sábados, pois, nesses dias, acredita-se que os deuses percorrem o espaço; assim ne-nhum cadáver pode ser transportado nas ruas,nenhum enlutado deve ir aos templos e nenhumsacerdote, nesse caso, nenhum monge budista,deve ir à casa do morto. É provável que a criaçãodas regras monásticas tenha ocorrido gradual-mente, de acordo com as necessidades decorren-tes do desenvolvimento histórico a que a Ordembudista esteve sujeita (ver Horner 1938: I. xvi-xxix).

A partir do que foi exposto, pode serdelineada uma breve reconstrução das exéquiasprestadas a um monge budista a partir daspassagens presentes nos textos canônicos: 1. apósa morte de um monge, um gongo era soado afim de anunciar seu falecimento; 2. os demaismonges entravam em sua cela, recitavam oTridandaka e trasladavam o corpo para ocampo de cremação; 3. ali os monges adoravam ocorpo, ou seja, eles o banhavam e, talvez, ungissem

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e envolvessem o cadáver em tecido; 4. em seguida,o corpo era cremado; 5. um estupa era erigidopara guarda dos restos corpóreos do monge; 6.havia uma recitação do Dharma, possivelmentecom ênfase particular dada aos temas relaciona-dos à morte, renascimento e transitoriedade (háindicações de que uma recitação ocorria nãoapenas antes da cremação, mas também junto aoestupa ou caityagçha); 6. no final da recitação, omérito acumulado era transferido ao mortopara que ele pudesse renascer em uma posiçãomais auspiciosa ou elevada; 7. findos os rituaisfúnebres, os monges se purificavam e limpavamsuas vestes antes; 8. a herança do monge mortoera então dividida entre a comunidade monásti-ca; os monges que estiveram presentes no funeraltinham maior direito aos pertences do mongefalecido.

3. Considerações sobre o registro e a práxisfunerária no Budismo primitivo

Mesmo sem uma abordagem sistemática efocada no tratamento funerário dedicado aosmonges mortos, a quantidade de evidênciasmateriais compilada mostrou-se suficiente paratraçar um testemunho considerável da práxis epadrões funerários durante o Budismo primitivoanteriormente ignorado.

Acreditamos, no entanto, que o uso degeneralizações sobre essa temática precisará sermediado pelas considerações sobre crenças epráticas que certamente possuíram característicasregionais. Os padrões regionais teriam influencia-do de modo direto as regras necessárias ao bomconvívio entre monges e leigos. As comunidadesbudistas deviam interagir com a sociedadebramânica da época. Como bem lembrado porSchopen (1997: 220), um código de disciplinasmonásticas estabelecido junto a uma áreapredominantemente bramânica teria, provavel-mente, que conter regras diferentes daquelaspromulgadas entre as comunidades budistasfixadas, por exemplo, em áreas de maioria tribal.

O que se observa, também é que os ritosfúnebres adotados pela comunidade budistarefletem semelhanças intrínsecas às exéquiasbramânicas. Nesse sentido, os monges teriam

sido influenciados e motivados não apenas peladoutrina budista, mas por crenças e convençõeslegais presentes no contexto histórico no qual oBudismo nasceu e se desenvolveu. Os conceitosbramânicos sobre a morte e a poluição estavamarraigados em grande parte das sociedades comque as primeiras comunidades monásticasbudistas mantiveram contato. Qualquer atitudede desprezo a tais regras de purificação eraobjeto de crítica e reprovação, especialmente, nocaso de um indivíduo que fora originalmente ummembro da comunidade bramânica e se conver-tera ao Budismo. As próprias oferendas realiza-das nos estupas, além do caráter altruístapróprio do Budismo, foram influenciadas pelareligião popular, pois se tratava de uma conces-são dos meios monásticos às preocupações doslaicos (Bareau 1964: 205; Thapar 1966: 67).

Nesse sentido, o principal problema existen-te em relação às limitações impostas pelas fontesescritas é que não há qualquer prova de queuma determinada literatura canônica tenha sidoaquela utilizada, ou mesmo conhecida, dascomunidades budistas regionais. Assim, não épossível lhes atribuir um valor documental diretoem relação às práticas monásticas. De qualquermodo, as fontes existentes apresentam umquadro bastante dinâmico do Budismo primiti-vo no subcontinente indiano e evidenciam opapel ativo que os centros monásticos tiveramjunto às populações locais — por meio de umelaborado conjunto de rituais, educação e laçoseconômicos estabelecidos pelas doações paraobtenção de méritos. Em sua revisão, Schopen(1997: 221) concluiu que o monge que surgenesse novo panorama do Budismo primitivo é“muito mais humano e muito mais indiano queaquele apresentado pelas obras acadêmicasocidentais”. Nesse sentido, podemos observarque não estamos mais diante da estrutura religiosaidealizada professada pelos cânones, mas daorganização social e religiosa com a qual o Budis-mo primitivo esteve envolvido.

Essa interação complexa que se estabelecia,talvez também possa ser estendida ao papelcomplementar que os monges e leigos ocupavamnos rituais funerários. No entanto, com exceçãodos funerais dos reis anteriormente menciona-dos, não parece ainda ter sido encontrada

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qualquer descrição mais aprofundada dasexéquias da população leiga durante o Budismoprimitivo, mas é possível que o funeral fosse umaresponsabilidade da comunidade monástica.Existem apenas menções ocasionais aos rituaisrealizados pelos monges para o morto e omoribundo, nas quais o monge deixava omonastério e seguia até a casa do devoto. Comovimos também, a práxis funerária leiga atual estáatestada nos relatos antropológicos e pode serum indício de continuidade dos rituais originais.

As fontes textuais definitivamente nãosilenciaram sobre as práticas funerárias budistas,ainda assim, essa é uma questão relativamenterecente entre os estudiosos e as passagensapresentadas acima e outros excertos da literatu-ra canônica budista ainda requerem um estudomais aprofundado para que possam continuar arevelar, de modo pormenorizado, as atitudes econcepções responsáveis pela construção dapaisagem funerária durante o Budismo primiti-

vo. Se por um lado, as fontes textuais budistasque informam sobre a práxis funerária possuemdatas mais tardias, provavelmente posteriores aoséculo I d.C., as fontes epigráficas, emborafundamentais, são bastante concisas em relação àtemática funerária no Budismo primitivo. Nessesentido, a pesquisa arqueológica sistemática doscentros monásticos budistas, uma vez associadaàs demais evidências existentes, poderá contribuire efetivamente ampliar o conhecimento sobre apráxis funerária dos estratos menos proeminen-tes da hierarquia monástica e da população leiga.

Agradecimentos

Ao Prof. V. D. Gogte e Profa. S. Gokhale,do Deccan College Post-Graduate and ResearchInstitute, Pune, Índia. Ao labeca-MAE peloapoio constante. À FAPESP pelo financiamentoda pesquisa.

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Abstract: The article presents and discusses the funerary patterns and praxis inprimitive Buddhism, revised from archaeological and textual sources. Althoughrecords of funerary evidence existed since the beginning of Buddhist studies, theyhave not received attention until a decade ago. Presumed canonic silence andsupposed inexistence of death rituals among Buddhists were especially due to aprimacy of textual over archaeological and ephigraphic sources. A revision ofthese sources confirms the existence of recurrent funerary patterns, and allows todelineate practices which occured in funerals during primitive Buddhism.

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Recebido para publicação em 25 de maio de 2008.

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