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Fernando Brenha Ribeiro Eder Cassola Molina 8.1 Deriva continental 8.2 Magnetismo das rochas: propriedades magnéticas 8.3 Temperatura de Curie e temperatura de bloqueio 8.4 A magnetização das rochas 8.5 Deriva polar: a hipótese do dipolo geocêntrico axial 8.6 Deriva aparente dos polos 8.7 As reversões do campo geomagnético 8.8 Anomalias magnéticas lineares nas bacias oceânicas Referências LICENCIATURA EM CIÊNCIAS · USP/ UNIVESP Geofísica O MOVIMENTO DOS CONTINENTES 8

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Fernando Brenha RibeiroEder Cassola Molina

8.1 Deriva continental8.2 Magnetismo das rochas: propriedades magnéticas 8.3 Temperatura de Curie e temperatura de bloqueio8.4 A magnetização das rochas8.5 Deriva polar: a hipótese do dipolo geocêntrico axial8.6 Deriva aparente dos polos8.7 As reversões do campo geomagnético8.8 Anomalias magnéticas lineares nas bacias oceânicas Referências

Licenciatura em ciências · USP/ Univesp

Geof

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O MOviMenTO DOs COnTinenTes8

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Geofísica

8.1 Deriva continentalA ideia de que os continentes possam se mover ao longo da superfície da Terra não é recente.

No final do século XIX já havia especulações a esse respeito que, a partir da publicação do livro

A Origem dos continentes e dos oceanos por Alfred Wegener em 1915, deram origem

a um dos grandes debates da história das ciências da Terra. De um lado, os adeptos da ideia

da deriva continental - os mobilistas - defendiam, com base em um conjunto de evidências

geográficas, paleoclimáticas e paleontológicas, a hipótese de que os continentes estivessem todos

reunidos em um único supercontinente em torno de 200 Ma atrás.

Os opositores da deriva continental - os fixistas - refutavam todas as evidências apresentadas,

e isso era possível devido à falta de dados geológicos que fossem realmente convincentes.

Embora houvesse evidências sugestivas da deriva continental, elas estavam longe de ser real-

mente persuasivas. Um dos argumentos utilizados pelos opositores da deriva continental era a

falta de um mecanismo físico que permitisse o movimento dos continentes em um planeta com

a estrutura como a da Terra.

O debate sobre a deriva continental foi longo e se estendeu, na realidade, até a década de

1970, quando, com exceção de poucos opositores, a ideia da deriva continental passou a ser aceita

de forma geral. Essa aceitação, no entanto, só foi possível graças a uma série de observações que

começaram a ser feitas na década de 1950 e que levaram à proposição da tectônica de placas,

que é uma teoria mais ampla do que simplesmente a hipótese da deriva continental.

Uma revisão histórica da deriva continental e da proposição da tectônica de placas pode

ser encontrada em vários trabalhos. Uma revisão bastante detalhada pode ser encontrada em

Wyllie ou em Oreskes. Apresentaremos, na sequência, apenas as principais evidências que

levaram à proposição da teoria da tectônica de placas.

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8 O movimento dos continentes

8.2 Magnetismo das rochas: propriedades magnéticas

Os átomos de um grande número de elementos possuem momento magnético próprio, o que, em

termos muito simples, significa que esses átomos se comportam como pequenos ímãs permanentes.

O momento magnético é uma grandeza vetorial caracterizada por uma magnitude e

por uma direção e um sentido, que são determinados pela estrutura eletrônica do átomo.

Na ausência de um campo magnético externo, o momento magnético de um átomo

isolado pode apontar para qualquer direção. Se sobre esse átomo for aplicado um campo

magnético externo, o átomo tende a se alinhar ao campo da mesma forma que a agulha

de uma bússola tende a se alinhar ao campo magnético da Terra.

Por outro lado, o comportamento de um conjunto de átomos com momento magnético

próprio é muito diferente do comportamento dos átomos isolados pelo fato de os átomos intera-

girem entre si. A descrição dos mecanismos de interação é complexa para um curso introdutório

e, portanto, não será apresentada aqui. Apenas o resultado final da interação será apresentado.

Quando vários átomos com momento magnético próprio são mantidos próximos uns dos

outros como, por exemplo, em uma estrutura cristalina, a interação entre os momentos atômicos

tende a organizar os momentos magnéticos individuais em uma entre quatro formas diferentes.

Na primeira, que ocorre com metais como Fe, Ni e Co, os vetores momento magnético se

alinham, na forma esquematizada na Figura 8.1a. Como todos os vetores momento magnético

apontam para a mesma direção, a estrutura cristalina tem um momento magnético próprio.

Materiais com essa propriedade são chamados materiais ferromagnéticos.

A segunda forma de organização, que ocorre, por exemplo, com alguns óxidos de metais

de transição, Níquel (Ni) e manganês (Mn), é exatamente oposta à primeira. Os momentos

magnéticos se alinham em uma mesma direção, mas com os momentos magnéticos alternando os

sentidos (Figura 8.1b). Como resultado, o momento magnético total, que é a soma vetorial dos

momentos individuais, se anula. Esses materiais são chamados antiferromagnéticos simples.

Em outros materiais, elementos diferentes, ou íons diferentes de um mesmo elemento com

momentos magnéticos diferentes, se organizam de forma semelhante aos materiais antiferro-

magnéticos simples. Nesse caso, porém, como os momentos não são iguais, a soma vetorial dos

momentos individuais não é nula, o que gera um momento magnético fraco (Figura 8.1c).

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Esse tipo de material recebe o nome de material ferrimagnético. Em alguns outros materiais, os

momentos magnéticos individuais são idênticos e se organizam de forma semelhante aos antifer-

romagnéticos simples, mas sem um alinhamento perfeito (Figura 8.1d). Esses materiais também

apresentam um momento magnético fraco e são chamados materiais antiferromagnéticos incli-

nados ou acantonado.

No caso de materiais que não sejam antiferromagnéticos simples, ocorre também um segundo

processo de auto-organização dos momentos magnéticos, que está associado ao tamanho do grão

mineral. O estabelecimento de um momento magnético não nulo em um cristal corresponde a um

acúmulo de energia. Dois ímãs colocados lado a lado interagem entre si de forma a se repelirem. Para

mantê-los juntos é necessário fornecer energia ao sistema

a fim de contrabalançar o efeito da repulsão. Quando o

grão mineral é muito pequeno (Figura 8.2a), a energia

acumulada no grão é pequena, de modo que é possível a

orientação do momento magnético.

À medida que o grão mineral cresce, a energia

acumulada cresce, criando uma situação instável que

tende a desorganizar o alinhamento dos momentos

magnéticos atômicos. Como resultado, o grão mineral

Figura 8.1: As quatro possíveis formas de auto-organização dos momentos magnéticos de um conjunto de átomos mantidos suficientemente próximos para interagirem entre si.

d

b

c

a

Figura 8.2: Domínios magnéticos: a. domínio simples em um grão mineral pequeno; b. grão mineral com domínios magnéticos múltiplos.

a b

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8 O movimento dos continentes

se subdivide em regiões ou domínios magnéticos, cada um com momento magnético estável

(Figura 8.2b). Na ausência de campo magnético externo, esses momentos dos domínios se

orientam de forma aleatória, de modo que o grão mineral não exibe momento magnético

líquido. Esse é o motivo pelo qual uma barra de ferro, que é um material ferromagnético, não

apresenta, na ausência de campo magnético externo, momento magnético próprio significativo.

Quando o material é introduzido em uma região onde existe campo magnético, em uma

primeira fase os limites entre os vários domínios se movem de forma a aumentar os grãos com

momento magnético na direção do campo aplicado (Figura 8.3). Para campos externos altos,

também é produzida a magnetização devido a uma rotação dos domínios (Figura 8.4). Nessa

situação, a soma vetorial dos momentos dos grãos minerais deixa de ser nula.

O movimento dos limites entre os domínios e a rotação dos domínios são processos que requerem

energia, e essa energia é retirada do campo magnético externo que induz a magnetização. Quando

o campo magnético externo é diminuído ou retirado, a reorganização dos domínios também requer

energia e usa a energia acumulada na magnetização do grão mineral. Como o processo de reor-

ganização é dissipativo, isto é, transforma parte da energia disponível em calor, a magnetização do

material, a um determinado valor de campo externo na fase em que o campo diminui, não é igual

à magnetização adquirida na fase em que o campo aumentava.

Figura 8.3: Movimento dos limites entre domínios na presença de um campo intensidade magnética He

externo com a consequente indução de momento magnético líquido M

. O volume dos domínios na direção e no sentido do campo externo aumenta, enquanto que o volume dos domínios não alinhados diminui.

Figura 8.4: Indução de momento magnético líquido M

em função da rotação dos momentos individuais dos domínios devido à presença de um campo intensidade magnética He

externo forte.

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Geofísica

Na fase em que o campo cresce, o movimento dos

limites entre os domínios tem no campo externo uma

fonte de onde pode retirar toda a energia necessária. Na

fase em que o campo diminui, a energia disponível é

apenas a energia acumulada no material. Sobra, na realida-

de, uma magnetização residual.

Esse processo é o responsável pela ocorrência daquilo

que é chamado de histerese magnética, ilustrado no

diagrama da Figura 8.5. Imagine que um material

magnético esteja inicialmente livre de campo magnético

externo. Nesse caso, a magnetização líquida é nula.

Se um campo magnético externo for aplicado de forma

crescente, a magnetização do material crescerá até atingir

um valor máximo. Nessa situação, o material estará

saturado do ponto de vista magnético. Se, agora, o campo

for diminuído progressivamente até zero, o material

reterá, pelo motivo descrito no parágrafo anterior, uma magnetização residual ou remanescente.

Por outro lado, se o módulo do campo magnético começar a aumentar novamente, mas com

o vetor campo apontando no sentido oposto ao inicial, a magnetização do material diminuirá

progressivamente até se anular. O valor do campo necessário para anular a magnetização rema-

nescente é chamado de campo coercitivo ou, algumas vezes, de força coercitiva. Aumentando

ainda mais o módulo do campo, o material passa a adquirir uma magnetização que, eventual-

mente, atinge a saturação. Repetindo o processo de forma cíclica, a curva de magnetização se

fecha, formando o que se chama curva de histerese magnética do material.

A área contida dentro da curva representa a dissipação de energia no processo. Materiais muito

dissipativos apresentam áreas muito grandes e materiais pouco dissipativos apresentam áreas menores.

Um material magnético ideal não dissiparia energia e a curva de histerese se reduziria a uma linha

passando pela origem do diagrama na Figura 8.5.

Figura 8.5: Curva de histerese de um material magnético onde a intensidade do vetor M

é expresso em função do um campo intensidade magnética He

externo. MR é o módulo da magnetização remanescente e Hc é o módulo da força coercitiva (campo coercitivo).

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8 O movimento dos continentes

8.3 Temperatura de Curie e temperatura de bloqueioA organização dos momentos magnéticos atômicos para produzir espontaneamente um

momento magnético líquido, em materiais ferromagnéticos ou ferrimagnéticos, não ocorre

a qualquer temperatura. A agitação térmica dos átomos se opõe à orientação, de modo que

existe uma competição entre dois processos. Uma das características dos materiais magnéticos

é a chamada temperatura de Curie. Acima dessa temperatura, a magnetização espontânea não

é possível. Abaixo da temperatura de Curie, que no caso, por exemplo, do mineral magnetita

é de 580 °C, a magnetização espontânea passa a ocorrer.

No caso de um grão pequeno onde existe um único domínio magnético, o momento

magnético se torna progressivamente maior com o resfriamento. No entanto, mesmo que a

temperatura esteja abaixo da temperatura de Curie, a agitação térmica ainda será suficiente para

forçar uma contínua reorientação do momento magnético, até que a temperatura caia abaixo do

que se chama temperatura de bloqueio, que normalmente é algumas dezenas de graus mais baixa

que a temperatura de Curie. Abaixo da temperatura de bloqueio a magnetização fica estável.

8.4 A magnetização das rochasA maioria das rochas contém pequenas quantidades de minerais ferrimagnéticos e anti-

ferromagnéticos inclinados, dispersos na matriz da rocha. Esses minerais são os responsáveis

pela preservação de um momento magnético, que é induzido pelo campo magnético da Terra

no momento da formação das rochas. Essa magnetização registra a direção e, em princípio, a

intensidade do campo magnético existente no local e no momento da formação da rocha.

A esse momento magnético inicial, outras componentes posteriores de magnetização podem

se superpor, mas, na maioria dos casos, a magnetização inicial é a mais estável, de modo que é

possível determiná-la em laboratório. A magnetização determinada em laboratório recebe o

nome de magnetização remanescente natural. A aquisição dessa magnetização pode ocorrer

através de diversos processos, dos quais três são importantes para estudos paleomagnéticos.

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Geofísica

O primeiro processo é a magnetização térmica remanescente, que é adquirida pelo resfria-

mento de uma rocha ígnea na crosta superior, quando a temperatura da rocha cai abaixo da

temperatura de bloqueio dos minerais magnéticos presentes. Além disso, rochas de qualquer

tipo que sejam aquecidas acima da temperatura de Curie em função, por exemplo, de contato

com um corpo intrusivo perdem a magnetização que possuíam antes da intrusão, e passam

a registrar a direção do campo geomagnético do momento em que a temperatura retorna a

valores inferiores à temperatura de bloqueio.

O segundo processo importante é a magnetização remanescente detrítica. Rochas sedimen-

tares clásticas, ou seja, rochas sedimentares formadas por fragmentos de rochas pré-existentes,

herdam os minerais magnéticos das rochas que deram origem aos sedimentos. Esses minerais

possuem momento magnético próprio e, durante o processo de deposição ou logo após, se ali-

nham na direção do campo magnético da Terra da mesma forma que a agulha de uma bússola.

O terceiro processo importante de magnetização é a magnetização química remanescente.

A magnetização química ocorre quando um mineral magnético é formado no sedimento por

precipitação. Processos de alteração dos minerais e de metamorfismo também podem levar à

aquisição de magnetização química.

8.5 Deriva polar: a hipótese do dipolo geocêntrico axial

A determinação do momento magnético líquido de uma amostra de rocha permite estimar

a posição do polo magnético do campo terrestre no momento em que a magnetização foi

obtida, supondo que o campo indutor fosse um campo dipolar.

Como já visto no texto O campo magnético terrestre, o campo magnético originado

no interior da Terra não pode ser considerado um campo dipolar, isto é, um campo semelhante

ao campo magnético produzido por um ímã. O campo magnético da Terra tem, na realidade,

a forma de um campo dipolar sobre o qual se superpõem campos magnéticos com morfologia

bem mais complexa, cuja soma é chamada de componente não dipolar do campo.

A componente dipolar e a componente não-dipolar do campo não são estáticas e variam

como função do tempo. As variações da componente não-dipolar são mais rápidas que as

variações do campo dipolar, de modo que uma média do campo magnético calculada em um

período longo deve diminuir o peso da componente não-dipolar.

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8 O movimento dos continentes

A posição média dos polos paleomagnéticos calculados com base em conjuntos de

amostras, cobrindo períodos da ordem de 10.000 anos ou mais, tende a coincidir com a

posição do polo geográfico da Terra no caso de amostras de formações com idades inferiores

a, aproximadamente, 20 milhões de anos.

Essa observação levou à formulação da hipótese de que o campo geomagnético tenha sido

sempre predominantemente dipolar, com o eixo próximo ao eixo de rotação da Terra, de forma

que a posição média do eixo do dipolo, calculada em um intervalo de tempo suficientemente

longo, coincide com o eixo de rotação da Terra. Essa hipótese, chamada de hipótese do dipolo

geocêntrico axial, é fundamental para a interpretação de dados paleomagnéticos, pois dela

dependem as mais importantes conclusões obtidas com base nesses dados.

As evidências em favor da hipótese do dipolo geocêntrico axial provêm de estudos paleomagné-

ticos realizados em rochas ígneas e sedimentares jovens e em sedimentos jovens de fundo oceânico.

Sedimentos muito finos são depositados no assoalho de bacias oceânicas com veloci-

dades de sedimentação variando entre 1 m/Ma e 10 m/Ma. Como a taxa de deposição

é lenta, o campo magnético registrado em uma lâmina de sedimento, com espessura da

ordem de dois centímetros, representa uma média do campo geomagnético em um período

que varia entre 2.000 e 20.000 anos.

Uma forma de se testar a validade da hipótese do dipolo axial é comparar a inclinação do

campo registrado em amostras de sedimentos com espessura de alguns centímetros com a

inclinação esperada pelo modelo de dipolo axial para o local em que o sedimento foi depositado.

A comparação mostra um excelente acordo entre a previsão teórica e os dados experimentais.

8.6 Deriva aparente dos polosConsidere que, em uma determinada região continental, tenha sido obtido um conjunto

de polos paleomagnéticos. Nesse conjunto, cada polo corresponde à média de um conjunto

de amostras com idades distribuídas em um intervalo suficientemente amplo (10.000 anos ou

mais) em torno de um valor médio bem definido. Nesse caso, admitida a hipótese do dipolo

geocêntrico axial, cada polo representa uma estimativa da posição do polo de rotação da Terra

na época correspondente.

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Geofísica

Se cada um dos polos for localizado em um

mapa da superfície da Terra, e se houver polos

correspondendo a idades médias superiores a,

aproximadamente, 30 milhões de anos, o que

se obtém é a representação de um movimento

aparente do polo de rotação sobre a superfí-

cie da Terra (Figura 8.6). Admitindo-se que

a orientação do eixo de rotação da Terra em

relação, por exemplo, às estrelas fixas, não tenha

sido alterada significativamente ao longo, pelo

menos, da maior parte da história da Terra,

existem duas alternativas diferentes para expli-

car esse movimento.

Uma possibilidade é a de que as diferentes

feições geográficas da superfície da Terra se

tenham mantido fixas umas em relação às outras

e que todo o conjunto se tenha movimentado

em relação ao eixo de rotação. Outra possibili-

dade é a região onde os polos paleomagnéticos

foram obtidos ter-se movimentado em relação às demais feições da superfície da Terra. Nesse

caso, o movimento aparente do polo é o inverso do movimento da região em relação ao polo.

Não há como decidir por uma ou outra hipótese com base em uma única curva de deriva

polar aparente. No entanto, comparando curvas de deriva polar obtidas em regiões diferentes,

mas cobrindo o mesmo intervalo do tempo geológico, é possível verificar se houve movimento

relativo entre as duas regiões.

A Figura 8.7 apresenta a curva de deriva polar aparente, em um mesmo intervalo da his-

tória da Terra, observada em dois continentes distintos: a América do Norte (verde) e a Europa

(vermelho). As duas curvas são diferentes. Se a hipótese do dipolo geocêntrico axial for aceita,

a primeira alternativa para explicar a origem da curva de deriva polar aparente perde o sentido

porque, nesse caso, as curvas deveriam ser iguais para os dois continentes. A existência de curvas

diferentes indica que os dois continentes se moveram um em relação ao outro.

Figura 8.6: Representação esquemática do movimento aparente do pólo paleomagnético através da sua projeção no hemisfério norte. As idades associadas aos números representam uma possível variação temporal da posição do pólo desde 500 Ma anos atrás. / Fonte: Modificado de Stacey, 1977.

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8 O movimento dos continentes

8.7 As reversões do campo geomagnéticoUm dos resultados mais importantes do paleomagnetismo foi demonstrar que o campo

geomagnético alterna a sua polaridade ao longo do tempo. Chamando a polaridade atual do

campo magnético da Terra de polaridade normal, o registro paleomagnético mostra que houve,

no passado, longos períodos em que a polaridade do campo era predominantemente oposta, ou

reversa, em relação à polaridade normal.

A Figura 8.8 modificada de Stacey (1977) esquematiza a variação da polaridade do campo

geomagnético nos últimos cinco milhões de anos. Entre o presente e, aproximadamente,

690.000 anos o campo magnético apresentou polaridade normal. Entre 690 ka e 2,43 Ma, o

campo magnético foi predominantemente reverso, mas houve alguns períodos mais curtos, com

duração entre 50 ka e 150 ka, em que o campo voltou à polarização normal. Entre 2,43 Ma

e 3,32 Ma, o campo apresentou polaridade normal, com pequenas incursões para o estado de

polaridade reversa, e entre 3,32 Ma e 5,10 Ma o campo foi predominantemente reverso.

Figura 8.7: Movimento aparente dos pólos paleomagnéticos observados na América do Norte (curva verde) e na Europa (curva laranja) no mesmo intervalo de tempo. A projeção dos pólos é feita no hemisfério norte. As idades associadas aos números, em algarismos romanos no caso de dados da América e em arábicos no caso de dados europeus, representam uma estimativa aproximada e imprecisa / Fonte: modificado de Stacey, 1977.

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Geofísica

Os intervalos de tempo mais longos, caracterizados por uma polaridade predominante, são

chamados de épocas e os períodos mais curtos de polarização oposta à predominante recebem o

nome de eventos. As épocas registradas na Figura 8.8 receberam o nome de pesquisadores que

contribuíram para o estudo do campo magnético da Terra, e os eventos são identificados pelo

local onde foram identificados pela primeira vez. A Figura 8.9 também modificada de Stacey

(1977) apresenta a coluna de variação do campo geomagnético desde o presenta até 80 Ma.

A determinação da polaridade do campo geomagnético, com base em amostras retiradas de

um depósito sedimentar contínuo ou de uma sequência de derrames, onde a idade da deposição

pode ser estabelecida com alguma precisão, permite escrever a história do campo magnético no

período coberto pela sequência de lavas ou sedimentos no local de afloramento da sequência.

Figura 8.8: Coluna de reversões do campo magnético da Terra nos últimos 5,10 Ma. São identificadas as épocas magnéticas do período, os ventos dentro de cada época e as polaridades respectivas. A polaridade normal, coincidente com a polaridade do campo atual é representada em preto. A idade dos limites entre as diferentes polaridades é fornecida em milhões de anos / Fonte: modificado de Stacey, 1977.

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8 O movimento dos continentes

8.8 Anomalias magnéticas lineares nas bacias oceânicas

Desde a década de 1950, levantamentos magnéticos foram realizados nos oceanos sobre

diferentes feições do seu assoalho. De maneira geral, os levantamentos eram feitos por navios que

rebocavam, através de um cabo longo, um magnetômetro, que registrava as pequenas variações do

campo magnético (Figura 8.10). Os levantamentos mais antigos produziram perfis longos e muito

espaçados, de modo que a sua interpretação era muito limitada, mas, em 1955, começaram a ser

realizados levantamentos com vários perfis magnéticos paralelos e pouco espaçados.

A interpretação desses perfis também, em geral, consistia na sobreposição dos perfis a um mapa

da região e no traçado de linhas de contorno de igual magnitude do campo magnético. Para isolar

feições do campo com a escala das dimensões da região investigada, o comportamento médio do

campo magnético era estimado calculando a média da intensidade do campo sobre um retículo

estabelecido sobre a área de estudo.

Figura 8.9: Coluna de reversões do campo magnético da Terra nos últimos 80 Ma. À esquerda é apresentado o período e a época geológica e à direita é apresentada a idade em milhões de anos. Na coluna de polaridade do campo magnético, a polaridade normal é representada pela cor preta / Fonte: modificado de Stacey, 1977.

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Geofísica

Figura 8.10: Representação de um levantamento magnético em áreas oceânicas.

As dimensões desse retículo dependem da dimensão

total da área estudada e da escala de detalhe que o estudo

deseja. O campo magnético médio era, em seguida,

subtraído das medidas originais e o resultado assim obtido

representa as variações locais do campo magnético,

chamadas de anomalias magnéticas.

Com o passar do tempo, o processo de separação

do campo regional médio do campo de anomalias

se aprimorou muito com a introdução de técnicas

numéricas muito mais precisas, mas a filosofia por trás das

diferentes formas de análise é essencialmente a mesma.

O primeiro resultado obtido com essa técnica foi

publicado em 1958, onde um levantamento feito ao

largo da costa oeste dos Estados Unidos gerou um

mapa de anomalias magnéticas, caracterizado por um

conjunto de anomalias alongadas e aproximadamente

paralelas apresentado na Figura 8.11. Embora o

padrão observado não encontrasse, na ocasião, uma

explicação convincente, o acúmulo de resultados

semelhantes em outras regiões oceânicas, sobretudo sobre as dorsais oceânicas e as bacias

oceânicas, apresentava padrão semelhante.

Figura 8.11: Padrão de anomalias magnéticas alongadas observadas ao largo da costa oeste dos Estados Unidos. A área sombreada corresponde à polaridade normal. As linhas tracejadas correspondem a falhas conhecidas ou inferidas no assoalho oceânico. A falha mais ao sul da figura parece marcar um deslocamento do padrão de anomalias / Fonte: modificado de Wyllie, 1971.

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8 O movimento dos continentes

O processo que levou a uma explicação convincente do padrão de anomalias magnéticas

é longo e será omitido aqui (os autores temem estar começando a cansar o leitor), mas, em

resumo, a explicação é a seguinte.

As anomalias observadas no fundo do assoalho oceânico foram identificadas como sendo

devidas a faixas alternadas de rochas com magnetização normal e magnetização reversa. A dúvida

que surgiu é como um padrão desses poderia ter sido gerado. A explicação proposta, que é um

tanto criativa (Figura 8.12), foi a de que, se o assoalho oceânico for produzido continuamente

ao longo das dorsais meso-oceânicas (o leitor há de se lembrar que existe um vulcanismo intenso

nessas regiões) de forma que o material mais novo produzido desloque o material mais antigo, o

assoalho oceânico irá registrar as variações do campo geomagnético.

O processo é semelhante ao que ocorre em um gravador de fita cassete, onde as variações

do campo magnético do cabeçote do gravador, que grosseiramente corresponde à dorsal,

ficam registradas na fita que se move sobre ele e que, também grosseiramente, corresponde ao

assoalho oceânico em movimento.

O material vulcânico e ígneo formado na cadeia meso-oceânica, inicialmente, tem uma

temperatura acima da temperatura de Curie, mas, com o resfriamento, adquire uma magne-

tização induzida pelo campo geomagnético existente no momento em que a temperatura

Figura 8.12: Representação esquemática de um possível processo de espalhamento do assoalho oceânico.

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Geofísica

de bloqueio é ultrapassada. O assoalho oceânico mais velho se desloca para dar origem ao

mais novo e um registro do campo magnético também fica impresso no material mais jovem.

Se o processo for contínuo, tem-se um registro contínuo das variações do campo geomagnético.

O problema dessa explicação é encontrar um mecanismo para o deslocamento do assoalho

oceânico. O leitor também há de se lembrar que um dos argumentos dos fixistas do início do

século XX contra a ideia da deriva continental era a falta de um mecanismo físico plausível para

o processo. O mecanismo que causa o espalhamento do assoalho oceânico não tem explicação

muito precisa, mas, na realidade, ela não é tão necessária assim. O problema pode ser contornado

considerando duas observações diferentes.

A Figura 8.13 mostra a idade do

assoalho oceânico estimada por dados

paleontológicos, obtidos nos sedimentos

da base da camada sedimentar (camada 1)

da bacia do Atlântico Sul. A idade desses

sedimentos aumenta com a distância à

dorsal, o que sugere enfaticamente que

o assoalho oceânico está se expandindo.

Observações semelhantes foram feitas nas

demais bacias oceânicas. Isso significa que

as variações do campo magnético no assoa-

lho oceânico, que são variações observadas

em uma escala de distância à dorsal podem

ser traduzidas em uma variação temporal

do campo, desde que se admita a ideia do

espalhamento do assoalho.

Por outro lado, o registro das reversões do campo paleomagnético em um único local mostra

uma escala temporal dessas variações. O que ocorre é o fato de que o registro temporal das

reversões do campo obtido em um único local concorda com o registro temporal registrado nas

anomalias do fundo do assoalho oceânico. Embora ainda se possa apresentar alguma objeção à

explicação, o fato de os dois registros representarem as mesmas variações do campo magnético

reforça ainda mais a ideia de que o assoalho oceânico esteja mesmo em espalhamento contínuo.

Figura 8.13: Distância da dorsal meso-oceânica como função da idade dos sedimentos da base da camada 1, em contato com os basaltos do embasamento oceânico no Atlântico Sul. A taxa de espalhamento do assoalho oceânico, se esse conceito for aceito, é de aproximadamente 2 cm/ano para cada lado da dorsal. / Fonte: modificado de Stacey, 1977.

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8 O movimento dos continentes

Os argumentos apresentados acima não foram aceitos de forma pacífica, mas, no início da década

de 1970, a força dos argumentos e dados geológicos e geofísicos, que foram sendo acumulados,

levou a uma aceitação generalizada da ideia do espalhamento oceânico e a formulação da teoria

da Tectônica de Placas. Não se pode esquecer, por exemplo, das evidências de deriva continental

fornecidas pelos dados paleomagnéticos. A formalização dessa teoria é assunto da próxima aula.

A procura por mecanismos físicos capazes de produzir o espalhamento oceânico não é, de

forma alguma, irrelevante e será assunto do texto “As forças que impulsionam as placas

litosféricas” de nossa disciplina.

ReferênciasOreskes, N. Plate Tectonics. “An inseder’s history of the modern theory the Earth”.

Boulder: Westview Press, 2003.

stacey, F. D. Physics of the Earth. 2. ed. New York: John Wiley and Sons, 1977.

Wyllie, P. J. The Dynamic Earth: Textbook in Geosciences. New York: John Wiley & Sons, 1971.

GlossárioMa: A idade geológica pode variar desde zero até 4.600.000.000 anos, que é a idade aproximada da Terra e

do Sistema Solar. Uma forma mais compacta de se escrever a mesma informação é utilizar potências de dez. Por exemplo, 8.000 anos, que corresponde aproximadamente ao término da última glaciação, pode ser escrito como 8,0 × 103 anos. A idade de uma rocha, por exemplo, 160.000.000 anos, pode ser escrita como 1,6 × 108 anos e a idade da Terra pode ser escrita como 4,6 × 109 anos. Uma forma mais comum consiste em expressar a idade fazendo uso de múltiplos de dez. Por exemplo, o término da última glaciação ocorreu a 8 ka (quilo ano, quilo significando 1.000), a idade da rocha é de 160 Ma (mega anos, mega significando milhões) e a idade da Terra é de 4,6 Ga (giga anos, giga significando bilhões).

Wyllie: P.J. Wyllie, 1971, The Dynamic Earth: Textbook in Geosciences, John Wiley & Sons, New York. Trata-se de um livro já bastante antigo, mas que contém, nos capítulos finais, uma revisão bastante detalhada e muito interessante da evolução das ideias que acabaram sustentando a teoria da tectônica de placas, feita ainda durante o estabelecimento dessa teoria.