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O Mundo Pelos Olhos de Bob - James Bowen

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  • Sumrio

    CapaSumrioFolha de RostoFolha de CrditosDedicatriaEpgrafeCaptulo 1Captulo 2Captulo 3

  • Captulo 4Captulo 5Captulo 6Captulo 7Captulo 8Captulo 9Captulo 10Captulo 11Captulo 12Captulo 13Captulo 14Captulo 15Captulo 16

  • Captulo 17Captulo 18EplogoAgradecimentosNotas

  • James BowenTraduo

    Robson Falchetti Peixoto

  • Copyright James and Bob Ltd & ConnectedContent Ltd, 2013

    Ttulo original: The world according to BobCopyright 2014 Editora Novo Conceito

    Todos os direitos reservados.

    Nenhuma parte desta publicao poder serreproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por

    qualquer meio, seja este eletrnico, mecnico defotocpia, sem permisso por escrito da Editora.

    Verso digital 2014

    Produo Editorial:Equipe Novo Conceito

    Este livro segue as regras da Nova Ortografia daLngua Portuguesa.

    Dados Internacionais de Catalogao naPublicao (CIP)

    Bowen, JamesO mundo pelos olhos de Bob James Bowen ;traduo Robson Falchetti Peixoto. --Ribeiro Preto, SP : Novo Conceito Editora,2014.

  • Ttulo original: The world according toBob.ISBN 978-85-8163-422-7

    1. Autoajuda 2. Bowen, James, 1979 - 3.Gatos4. Memrias autobiogrficas 5.Relacionamentos humanos-animais I. Ttulo.

    13-12502 | CDD-636.800929

    ndices para catlogo sistemtico:1. Gatos : Relacionamentos humanos-animais :

    Biografia 636.800929

    Rua Dr. Hugo Fortes, 1885 Parque IndustrialLagoinha

    14095-260 Ribeiro Preto SPwww.editoranovoconceito.com.br

  • Para todos aqueles que dedicamsua vida a ajudar os necessitados

    e os animais abandonados

  • Existe algo na presena de umgato...

    que parece arrancar um pedacinho dasolido.

    LOUIS CAMUTI

    Se pudesse haver o cruzamentoentre a espcie humana e o gato, por

    certo melhoraria o homem, maspioraria o gato.

    MARK TWAIN

  • Captulo 1

    O vigia noturnoHavia sido um dia daqueles. Tudo o

    que poderia dar errado deu errado.

    Comeou quando meu despertadorno tocou e eu dormi mais do que devia.Assim, eu e meu gato, Bob, nosatrasamos para pegar o nibus perto domeu apartamento em Tottenham, ao nortede Londres. Estvamos a caminho deIslington, onde eu vendia a revista TheBig Issue, uma publicao sobre ossem-teto. A viagem no durara nemcinco minutos quando as coisas

  • passaram de mal a pior.

    Meu gato Bob estava sentado em suaposio habitual, meio adormecido nobanco ao meu lado, quando subitamentelevantou a cabea, olhando em voltacom desconfiana. Nos dois anos emque nos conhecamos, a capacidade deBob para farejar confuso sempre foipraticamente infalvel. Em instantes onibus foi tomado por um cheiro forte dequeimado e o motorista, em pnico,declarou nossa viagem encerrada. Todostnhamos de descer imediatamente.

    No foi exatamente a evacuao doTitanic, mas o nibus estava com trsquartos de lotao, por isso houve muitoempurra-empurra e gente se

  • acotovelando, o maior caos. Bob noparecia estar com pressa, entodeixamos os outros irem na frente eficamos entre os ltimos a sair, o que,como vimos depois, foi uma sbiadeciso. Realmente havia um cheirohorrvel no nibus, mas pelo menosestava quente l dentro.

    Descemos e paramos em frente a umnovo canteiro de obras. O vento veloz egelado nos aoitava.

    Fiquei contente por ter enrolado spressas, ao acordar, um cachecol de lparticularmente grosso no pescoo deBob.

    O problema revelou-se nada mais

  • srio do que um motor superaquecido,porm o motorista tinha de esperar ummecnico da empresa para consert-lo.Assim, em meio a muito resmungo ereclamao, cerca de duas dzias de nsfomos deixados na calada gelada porquase meia hora, enquantoaguardvamos um outro nibus.

    O trnsito do fim da manh estavaterrvel, por isso, Bob e eu saltamos emIslington Green aps mais de uma hora emeia de viagem. Estvamos muitssimoatrasados. Eu perderia o corre-corre dahora do almoo, um dos momentos maislucrativos para vender minha revista.

    Como sempre, os cinco minutos decaminhada at o nosso ponto de venda, a

  • estao de metr Angel, eram repletosde interrupes. Era sempre assimquando Bob estava comigo.Eventualmente eu caminhava com elepreso a uma falsa corrente comprida,feita de cadaro, mas na maioria dasvezes ele seguia empoleirado em meusombros, observando curiosamente omundo, como se fosse o vigia na proa deum navio. No era algo que as pessoasestivessem acostumadas a ver todos osdias, ento nunca conseguamos andarmais de dez metros sem algum nosparar para acarici-lo ou tirar uma foto.Isso no me incomodava, de jeitonenhum. Bob um companheirocarismtico, de aparncia formidvel, eeu sei que ele gosta de ateno, desde

  • que o sujeito seja amigvel mas,infelizmente, isso no se pode garantir.

    A primeira pessoa a nos parar nestedia foi uma senhorinha russa, que pelojeito sabia tanto lidar com gatos quantoeu sabia recitar poesia russa.

    Oh, koschka, to bonito! disseela, pegando na minha gola em CamdenPassage, a viela de restaurantes, bares elojas de antiguidades que corre ao longoda parte sul de Islington Green. Pareipara que ela o cumprimentasse, mas elaimediatamente ergueu a mo at Bob etentou toc-lo no nariz. Um movimentonada inteligente.

    A reao instantnea do meu gato foi

  • atacar, repelindo-a com um movimentofurioso da pata e um miaaaaaau! bemalto e enftico. Felizmente ele nochegou a arranh-la, no entanto a deixouum pouco abalada, por isso tive degastar alguns minutos para ver se elaestava bem.

    Tudo bem, tudo bem. Eu s queroser amiga disse a senhora. Ela estavabranca feito uma folha de papel. Erabastante idosa, e fiquei preocupado quepudesse enfartar e capotar ali mesmo.

    Nunca faa isso com um animal,senhora eu disse, o mais educado esorridente possvel. Como a senhorareagiria se algum tentasse colocar amo em seu rosto? Sorte sua ele no t-

  • la arranhado.

    Eu no queria perturb-lo eladeclarou.

    Senti um pouco de pena.

    Venham c vocs dois, vamos seramigos disse eu, tentando atuar comopacificador.

    Bob foi relutante, pois j tinhaformado sua opinio, mas no fim dascontas cedeu, permitindo que elapassasse a mo, bem delicadamente, aolongo da parte de trs de seu pescoo. Asenhorinha ficou se desculpando muito,e foi bem difcil nos livrarmos dela.

    Eu sinto muito, sinto muito ela

  • repetia sem parar.

    No tem problema eu lhedizia, j desesperado para ir embora.

    Quando finalmente nosdesvencilhamos e chegamos estao,coloquei a mochila na calada para queBob pudesse se esticar sobre ela nossa rotina habitual , e entocomecei a preparar a pilha de revistasque, na vspera, eu tinha comprado docoordenador local do projeto.Estabeleci uma meta de vendas de pelomenos duas dzias, pois, como sempre,eu estava precisando do dinheiro.

    L estava eu, mais uma vezfrustrado.

  • Nuvens cinzentas sinistras pairavamsobre Londres desde o meio da manh.Antes que eu vendesse uma nicarevista, comeou a chover forte,obrigando Bob e eu a nos abrigarmos apoucos metros do nosso ponto, em umapassagem subterrnea perto de um bancoe de alguns edifcios empresariais.

    Bob uma criatura alegre, masdetesta chuva, especialmente quando do tipo congelante como a que estavacaindo, ento se encolheu todo. Seu pelocor de marmelada sempre parecia ficarum pouco mais acinzentado e menosnotvel. Como seria de esperar, menospessoas pararam para mim-lo, de modoque vendi menos revistas do que o

  • habitual.

    Como a chuva no dava sinal detrgua, Bob foi logo deixando claro queno queria se demorar ali. Lanando-meolhares fulminantes, torceu-se at viraruma bola, como uma espcie de ouriocor de laranja. Entendi a mensagem,porm conhecia a realidade. O fim desemana estava se aproximando, e euprecisava ganhar algum dinheiro paranos manter. Minha pilha de revistasainda estava to grande quanto nomomento em que chegamos.

    Como se o dia no estivesse indomal o suficiente, no meio da tarde umjovem policial comeou a implicarcomigo. No era a primeira vez, e eu

  • sabia que no seria a ltima, mas eurealmente no precisava dessaperturbao naquele instante. Euconhecia a lei; estava perfeitamente nodireito de vender revistas ali. Eu tinhaminha credencial de vendedor ambulantee, a menos que estivesse incomodando opblico, poderia vender revistas alientre o amanhecer e o pr do sol.Infelizmente, ele parecia no ter nadamelhor para fazer e insistiu em meaporrinhar. No sei por que ele merevistou, presumivelmente em busca dedrogas ou de uma arma perigosa, masno encontrou nenhuma das duas coisas.No satisfeito, ele passou a fazerperguntas sobre Bob. Expliquei que eleestava legalmente registrado em meu

  • nome e que tinha um microchipimplantado na pele. Isso pareceu deixaro policial ainda mais mal-humorado, eele se retirou com um olhar quase tosevero quanto o mau tempo.

    Insisti no meu ponto de venda pormais algumas horas, mas l pelo incioda noite, quando o pessoal dosescritrios j havia ido para casa e asruas comeavam a ser tomadas porbeberres e adolescentes procurandoconfuso, decidi dar o expediente porencerrado.

    Eu estava desalentado; mal tinhavendido dez revistas, uma frao do que

  • eu esperava vender. Porm j haviavivido base de latas de feijo baratocom nacos de po ainda mais barato,ento sabia que no morreria de fome.Tinha dinheiro suficiente para comprargs, pagar a conta de luz e aindacomprar uma ou duas refeies paraBob. Mas eu precisaria trabalhar denovo no fim de semana, algo querealmente no queria fazer, sobretudoporque havia previso de mais chuva eeu andava me sentindo um poucoindisposto, com tendncia a piorar.

    Quando me sentei no nibus de voltapara casa, senti os primeiros sinais dagripe em meus ossos doloridos e ondasde calor. Excelente. Era tudo de que eu

  • precisava, pensei, suspirandoprofundamente em meu assento e meajeitando para um cochilo.

    A essa altura, o cu assumiu um tommuito escuro, e os postes de luzresplandeciam. Havia algo na Londresnoturna que fascinava Bob. Enquanto eutentava cochilar, ele ficou olhandofixamente pela janela, perdido em seuprprio mundo.

    O trnsito de volta a Tottenhamestava to ruim como estivera de manh,e o nibus avanava lentamente, a passode lesma. Em algum lugar apsNewington Green, devo ter adormecidocompletamente.

  • Fui despertado com algo me batendode leve na perna e bigodes me roando abochecha. Abri os olhos. Bob estavacom a cara perto da minha, dando-mepatadinhas no joelho.

    Que que ? eu disse, um poucoirritado.

    Ele apenas inclinou a cabea, comose apontasse para a frente do nibus.Ento comeou a se movimentar, saindodo assento em direo ao corredor,lanando-me olhares ligeiramentepreocupados enquanto seguia adiante.Eu estava prestes a perguntar Aondevoc est indo?, mas ento olhei para arua e percebi onde estvamos.

  • Ah, droga! lamentei, pulandoimediatamente do assento.

    Peguei a mochila e dei sinal para omotorista parar bem em cima da hora;mais trinta segundos e teria sido tardedemais. Se no fosse pelo meu pequenovigia noturno, teramos perdido o nossoponto.

    A caminho de casa, entreirapidamente na loja de convenincia naesquina de nossa rua e comprei algunscomprimidos baratos para a gripe.Comprei tambm alguns petiscos paraBob e um saquinho de seu jantar defrango favorito. Era o mnimo que eupodia fazer depois de tudo. Fora um diainfeliz, e eu at podia sentir pena de

  • mim mesmo. Mas, de volta ao calor daminha quitinete, observando Bobdevorar sua rao, percebi que, naverdade, eu no tinha motivos parareclamar. Se eu tivesse ficadocochilando dentro daquele nibus teriaacabado a quilmetros de distncia!Olhei pela janela e vi que o tempoestava piorando. E se eu tivesse ficadomais tempo na chuva? Poderiafacilmente desenvolver algo bem piordo que uma leve gripe. Tive sorte deescapar...

    Eu sabia que era sortudo. H umvelho ditado que diz que o homem sbiono chora pelas coisas que no tem, masagradece pelas que possui.

  • Depois do jantar, sentei-me no sofimprovisado, enrolado num cobertor,bebericando usque aquecido com mel,limo e gua morna o usque era deuma miniatura antiga que eu tinhalargado por ali. Olhei para Bob, quecochilava perto do aquecedor, seu lugarfavorito, os problemas do dia h muitotempo j esquecidos por ele. Eu disse amim mesmo que deveria ver o mundocomo Bob. Afinal, havia tantas coisasboas pelas quais eu deveria ser grato.

    J fazia pouco mais de dois anos queeu havia encontrado Bob ferido, no pisotrreo deste mesmo prdio. Quando oavistei luz sombria do corredor, ele

  • parecia ter sido atacado por outroanimal, pois estava com ferimentos naparte de trs das patas e no corpo.

    No comeo imaginei que pudesse terum dono, mas, depois de v-lo nomesmo lugar por alguns dias, levei-opara minha quitinete e cuidei dele atsarar. Tive de desembolsar quase todosos meus centavos para comprarremdios, porm valeu a pena: eurealmente gosto da companhia dele.Nossa ligao foi instantnea.

    Pensei que seria uma relao curta.Ele parecia desgarrado, por isso,presumi que naturalmente voltaria sruas. Mas ele se recusou a sair do meulado. Todos os dias eu o colocava para

  • fora e tentava faz-lo seguir seu rumo,no entanto ele vinha atrs de mim ruaabaixo ou surgia repentinamente nocorredor ao anoitecer, convidando-separa entrar e passar a noite comigo. Diza lenda que so os gatos que escolhemos donos, no o contrrio. Assim,percebi que ele tinha me escolhido. Umdia, seguiu-me at o ponto de nibus, amais ou menos um quilmetro e meio dedistncia, na Tottenham High Road.Estvamos longe de casa, de modo que,ao afugent-lo e v-lo desaparecer porentre a multido agitada, imaginei queno o veria mais. Todavia, quando asportas do nibus se abriram, eleapareceu do nada, saltando ligeiro, e eus pude ver um borro alaranjado

  • afundando-se no assento ao meu lado.Foi assim.

    Desde ento somos inseparveis,duas almas ganhando a vida comdificuldade nas ruas de Londres.

    Eu suspeitava que fssemosrealmente almas gmeas, cada umajudando o outro a curar as feridas dopassado conturbado. Eu dei a Bobcompanhia, comida e um lugar quentepara deitar a cabea noite; em troca,ele me deu esperana e direo na vida.Ele me abenoou com sua lealdade,amor e humor, e tambm com um sentidode responsabilidade que eu nuncasentira antes. Tambm me presenteoucom algumas metas e me ajudou a ver o

  • mundo mais claramente.

    Por mais de uma dcada fui umviciado que dormia ao relento, emsoleiras de porta e abrigos para sem-teto, ou em acomodaes precrias portoda a cidade. Nesses anos perdidos,estive alheio ao mundo, absorto naherona, anestesiado na solido e na dorda minha vida cotidiana.

    Como um mendigo, tornei-meinvisvel maioria das pessoas. Emconsequncia, esqueci-me de agir nomundo real e de interagir com aspessoas em muitas situaes. De certaforma, eu fiquei desumanizado, mortopara o mundo. Com a ajuda de Bob, euestava lentamente voltando vida. J

  • fizera grandes avanos ao dar um chuteno meu vcio em drogas, livrando-me dadependncia de herona e metadona.Sim, ainda estava sob os efeitos damedicao, mas podia ver uma luz nofim do tnel e esperava estarcompletamente limpo em breve.

    No foi uma jornada fcil. Longedisso. As coisas nunca so fceis paraum viciado em recuperao. Eu aindatinha o hbito de dar dois passos frentee um para trs, e trabalhar nas ruas nocontribua muito nesse aspecto, pois no um ambiente onde a bondade humanatransborda. Sempre havia encrenca aovirar a esquina, ou ento a encrencaaparecia para mim: eu tinha um talento

  • especial para atra-la.

    Na verdade, eu ansiavadesesperadamente por sair das ruas edeixar aquela vida. No sabia quandonem como isso seria possvel, masestava determinado a tentar.

    Por ora, o importante era valorizar oque eu tinha. Pelos padres da maioriadas pessoas, no parecia ser muito.Nunca tive muito dinheiro, no moravanum lugar bonito nem possua um carro.Mas minha vida tomou um rumo muitomelhor em comparao com o passadorecente: eu tinha a minha quitinete e omeu trabalho como vendedor ambulanteda revista The Big Issue. Pela primeiravez em anos eu estava indo na direo

  • certa e tinha Bob para me ofereceramizade e me guiar pelo caminho.

    Ao levantar-me para ir dormir maiscedo, inclinei-me e bagunceidelicadamente os pelos do pescoo deBob.

    Onde eu estaria sem voc,amiguinho?

  • Captulo 2

    Novos truquesTodos ns somos criaturas de

    hbitos, e Bob e eu no somosdiferentes. Nossos dias juntos comeamcom uma rotina conhecida. Algumaspessoas iniciam o dia ouvindo o rdio,outras, com exerccios ou uma xcara dech ou caf. Bob e eu comeamos nossasmanhs brincando.

    No instante em que acordo e mesento, ele se arrasta da sua cama, nocanto do quarto, vai at mim e me encarade maneira inquisitiva. Logo depois

  • comea a ronronar, um pouco parecidocom um aparelho eletrnico. Brrrr,brrrr.

    Se no ganha toda a minha ateno,comea a fazer outro rudo, um barulhobem lamentoso e suplicante, umaespcie de waaaah. s vezes coloca aspatas na lateral do colcho e se estica,quase ficando no nvel dos meus olhos.

    Ele ento toca levemente uma pataem mim, quase como se me cutucassepara eu identificar sua mensagem: Nome ignore! Estou acordado h muitotempo e faminto, ento cad o meu cafda manh?. Se minha reao muitolenta, ele por vezes intensifica aofensiva de charme e faz o que chamo de

  • Gato de Botas. Como o personagemnos filmes do Shrek, ele se posta ali nocolcho, me encarando com seus olhosverdes penetrantes e arregalados. fofode cortar o corao e irresistvel.Sempre me faz sorrir. E semprefunciona.

    Guardo sempre um pacote de suaguloseima favorita numa gaveta ao ladoda cama. Dependendo de como me sinto,deixo-o subir na cama para ganhar umacarcia e uns petiscos; se estou maisbrincalho, atiro-os no tapete para queele v buscar. Muitas vezes passo osprimeiros minutos do dia jogandopequenas guloseimas por toda parte,vendo-o ir atrs delas. Gatos so

  • criaturas incrivelmente geis, e Bob noraro intercepta os petiscos em plenovoo, como um jogador de beisebolrecepcionando uma bola no campoexterno. Ele salta e os pega com aspatas. Algumas vezes at os pega com aboca. um espetculo.

    Em outras ocasies, se estoucansado ou sem nimo para brincar, elese entretm sozinho.

    Numa manh de vero, por exemplo,enquanto eu estava ainda deitado nacama, assistindo televiso seria umdia de muito calor, e estavaespecialmente quente ali no quinto andardo nosso prdio , Bob estavaenrolado num ponto escuro do quarto,

  • aparentemente em sono profundo, ouassim eu pensava.

    De repente ele se endireitou, pulouna cama e, quase a usando comotrampolim, atirou-se na parede atrs demim, batendo nela bem forte com aspatas.

    Bob, o que foi isso? perguntei,chocado. Olhei para o edredom e vi aliuma pequena centopeia. Bob aobservava e estava claramente prontopara mastig-la.

    Ah, no, voc no vai,companheiro... eu disse, sabendo quealguns insetos podem ser venenosospara os gatos. Voc no sabe por

  • onde isso andou.

    Bob lanou-me um olhar como sedissesse: Seu estraga-prazeres.

    Sempre fico impressionado com avelocidade, a fora e a capacidadeatltica de Bob. Algum disse uma vezque ele deveria ser parente da espcieMaine Coon, ou de um lince, ou dealgum tipo de gato selvagem. bempossvel, pois o passado de Bob umcompleto mistrio para mim. No seiquantos anos ele tem, no sei nada sobrea vida que levava antes de encontr-lo.A menos que fizesse um teste de DNA,nunca vou saber de onde ele veio ouquem eram seus pais. Mas, para serhonesto, no me importo. Bob Bob. E

  • isso tudo o que eu preciso saber.

    Eu no fui o nico que aprendeu aamar Bob por sua personalidadepitoresca e imprevisvel.

    Era a primavera de 2009, e quelaaltura Bob e eu vendamos a The BigIssue h um ano mais ou menos. Noincio tnhamos um ponto diante daestao de metr Covent Garden, nocentro de Londres. Mas tnhamos nosmudado para a estao Angel, emIslington, onde conseguimos, comesforo, um bom lugar. Ali Bob haviaconquistado um pequeno, pormdedicado, grupo de admiradores.

  • At onde eu sabia, ramos a nicaparceria humano/felino que vendiaaquela revista em Londres. E, ainda quehouvesse outra, eu desconfiava que aparte felina no era preo para Bobquando se tratava de atrair e agradar uma multido.

    Durante nossos primeiros diasjuntos, quando eu ainda era um artista derua que tocava guitarra e cantava, Bobficava sentado l, igual a um Buda,observando o mundo cuidar de seusnegcios. As pessoas ficavamfascinadas com ele e eu acho que umpouco hipnotizadas. Paravam,acariciavam e falavam com ele. Muitasvezes perguntavam sobre a nossa

  • histria e eu contava como havamos nosconhecido e formado nossa parceria.

    Desde que passamos a vender a TheBig Issue, ele se tornou muito maisativo.

    Muitas vezes eu me sentava nacalada para brincar com ele, echegamos at a desenvolver algunstruques.

    Acontece que Bob passou a entreteras pessoas por conta prpria. Eleadorava brincar, por isso eu traziacomigo brinquedinhos que pudessem seratirados para ele perseguir. Seu favoritoera um ratinho cinza com a barrigapreenchida com a famosa erva do gato.

  • O rato h muito tempo no tinha maisqualquer vestgio da erva; agora era umacoisa surrada, imunda e de dar pena.Comeou a descosturar; embora semprefora cinza, assumira um tom imundo.Bob tinha muitos outros brinquedos,alguns dos quais ganhara deadmiradores, mas o rato estrangulado,como eu o chamava, ainda era o nmeroum.

    Quando sentvamos diante do metrAngel, ele o segurava na boca,sacudindo-o de um lado para o outro. svezes o girava pela cauda e soltava-opara que voasse alguns metros, ento oatacava e comeava todo o processonovamente. Bob adorava caar ratos de

  • verdade; obviamente estava imitando avida real. Isso sempre detinha aspessoas em seu trajeto, e eu conhecialguns passageiros que passavam dezminutos parados ali, como sehipnotizados por Bob e sua caa.

    Mais por tdio do que por qualqueroutra coisa, comecei a brincar com elena calada. No comeo brincvamosapenas de dar as mos. Eu esticava aminha e Bob estendia a pata parasegur-la. Estvamos apenasreproduzindo o que j fazamos em casa,mas as pessoas achavam maravilhoso.Paravam para nos observar, no rarotirando fotos. Se eu recebesse uma libratoda vez que algum geralmente uma

  • senhora parasse e dissesse algo comoah, que meigo ou isso encantador,eu seria rico o suficiente para, bem,acho que para no precisar mais mesentar na calada.

    Congelar o traseiro nas ruas no acoisa mais divertida do mundo, entominhas horas de lazer com Bob setornaram mais do que simplesentretenimento para as multidespassantes. Me ajudava a passar o tempoe tambm a aproveitar um pouco mais osmeus dias. No dava para negar:incentivava as pessoas a comprar osexemplares da revista. Foi mais uma dasbnos que Bob me deu.

  • A essa altura tnhamos passadotantas horas diante da estao Angel quecomeamos a desenvolver um poucomais as nossas tarefas.

    Bob adorava suas pequenasguloseimas, e eu descobri que ele fariade tudo para t-las. Por exemplo: se eusegurasse um biscoitinho mais ou menosum metro acima dele, ele ficava sobre aspatas traseiras, num enorme esforo pararoub-lo das minhas mos. Envolvia aspatas no meu pulso para firmar-se,depois se soltava com uma delas etentava agarrar o petisco.

    Previsivelmente, aquilo foi umgrande sucesso. Acho que haviacentenas de pessoas andando pelas ruas

  • de Londres com fotos de Bobestendendo as patas para o cu em seuscelulares.

    Recentemente havamosaperfeioado ainda mais esse truque. Oaperto que ele dava no meu brao paraalcanar a guloseima era muito forte.Ento, de vez em quando eu o erguia noar, lenta e gentilmente, para que eleficasse balanando a alguns centmetrosdo cho.

    Ele pairava um pouco, at que sesoltava e caa, ou ento eu o colocavatranquilamente no cho. Sempre lhedava uma aterrissagem macia, claro, egeralmente colocava minha mochiladebaixo dele.

  • Quanto mais show ns dssemos,mais as pessoas pareciam correspondere mais generosas se tornavam, noapenas comprando a The Big Issue.

    Desde os nossos primeiros dias naAngel, o pblico foi incrivelmentegeneroso, deixando lanches e aperitivosno somente para Bob, mas para mimtambm. Comearam a nos dar peas deroupas, muitas vezes tricotadas a mo.

    Bob agora tinha uma coleo decachecis, de todas as cores. Naverdade, ele tinha tantos que eu estavaficando sem espao para guard-los.Devia ter duas dzias deles!Rapidamente, Bob foi se tornando paraos cachecis o que Imelda Marcos tinha

  • sido para os sapatos.[1]

    s vezes era um pouco demais seralvo de tanto calor humano, apoio ecarinho, mas nem por um momento meiludi achando que no houvesse tambmaqueles que sentiam algo bem diferenteem relao a ns. E esses nuncaestiveram muito longe...

    Aproximava-se a hora de maiormovimento da semana, o rush de sexta-feira, no comecinho da noite, e asmultides entravam e saam do metrAngel, agitando-se mais a cada minuto.Enquanto eu me desdobrava na ruatentando vender minha pilha de revistas,

  • Bob estava totalmente alheio, agitando orabo distraidamente de um lado para ooutro, deitado sobre a minha mochila.

    Foi s quando as coisas seacalmaram, l pelas 19 horas, que noteiuma senhora a poucos metros de ns.No sabia h quanto tempo estava ali,mas ela olhava com ateno, quaseobsessivamente, para Bob.

    Pela forma como resmungava para simesma e sacudia ocasionalmente acabea em negativa, percebi que dealgum modo nos desaprovava. Eu notinha inteno de comear uma conversacom ela, especialmente porque estavaocupado demais com a venda dosltimos exemplares da revista antes do

  • fim de semana.

    Infelizmente, os planos dela eramoutros.

    Jovem, voc no v que este gatoest aflito? ela me disse,aproximando-se.

    Sua aparncia era a de umaprofessora, ou mesmo a diretora de umaescola abastada. De meia-idade, falavacom um sotaque elegante e usava saia ejaqueta de tweed desarrumadas e sempassar. Considerando sua aparncia eseus modos, duvidei muito que algumaescola a tivesse empregado. Ela erabrusca, beirando o francamenteagressivo.

  • Senti que ela era encrenca, por issono respondi. Contudo, ela obviamenteestava determinada a comear umabriga.

    Tenho observado vocs h algumtempo e posso ver que seu gato estabanando o rabo. Sabe o que issosignifica? inquiriu.

    Dei de ombros. Eu sabia que, dequalquer forma, ela ia responder aprpria pergunta.

    Significa que ele no est feliz.Voc no devia estar explorando estepobre animal. Acho que voc no estapto a cuidar dele.

    Tantas vezes nos vimos nessa

  • situao desde que Bob e eu comeamosa trabalhar juntos nas ruas... Mas eu erabem-educado; assim, em vez de dizer senhora que cuidasse da sua vida, eu, jcansado, comecei a me defender.

    Ele est abanando o rabo porqueest contente. Se ele no quisesse estaraqui, a senhora no veria nem a poeiradele. Trata-se de um gato. Ele escolhecom quem quer estar. Ele livre para irembora quando quiser.

    Ento por que ele est nocadaro? retrucou ela, com um olharpresunoso no rosto.

    Ele s fica preso no cadaro aquie quando estamos nas ruas. Uma vez ele

  • fugiu e ficou apavorado porque noconseguia me achar. Eu o solto quandoele vai fazer as suas necessidades.Ento, mais uma vez, se ele noestivesse feliz, como a senhora estdizendo, sumiria no minuto em que eusoltasse o cadaro, no?

    Eu j tinha tido essa conversa umacentena de vezes antes e sabia que, para99 pessoas em 100, essa era umaresposta racional e razovel. Masaquela senhora fazia parte do um porcento que nunca acreditaria nas minhaspalavras. Um daqueles indivduosdogmticos que acreditam sempre estarcom a razo e voc, sempre errado ainda mais errado se voc fosse

  • impertinente o suficiente para noenxergar o ponto de vista deles!

    No, no, no. notrio que, seum gato est abanando o rabo, um sinalde aflio disse ela, mais animada doque nunca. Notei que seu rosto ardia emfogo, que ela agitava os braos e andavaao nosso redor de modo bemameaador.

    Dava para dizer que Bob estavadesconfortvel com ela; ele tinha umexcelente radar quando se tratava dedetectar encrenca. Tinha se levantado ecomeou a se apoiar em mim, de modoque estava agora entre as minhas pernas,pronto para saltar se as coisas sassemdo controle.

  • Uma ou duas pessoas tinham parado,curiosas para ver a confuso, por isso eusabia que teria testemunhas caso aquelasenhora fizesse ou dissesse algoultrajante.

    Continuamos discutindo por umminuto ou dois. Tentei aliviar os medosdela contando um pouco sobre minharelao com Bob.

    Ele mora comigo h mais de doisanos. Ele no ficaria a meu lado nemdois minutos se eu o estivessemaltratando contei a certa altura. Masela era intransigente. No importava oque eu dissesse, ela apenas sacudia acabea em desaprovao. Simplesmenteno estava disposta a escutar o meu

  • ponto de vista. Aquilo era frustrante aoextremo, mas no havia nada mais queeu pudesse fazer. Resignei-me ao fato deque ela tinha direito a ter opinioprpria. Por que no concordamosem discordar? falei em certomomento.

    Affff suspirou ela, acenandoos braos para mim. Eu no concordocom nada do que voc diz, jovem.

    No fim das contas, para meu grandealvio, ela comeou a se retirar,resmungando e sacudindo a cabeaenquanto se enfiava na multido que seacotovelava perto da entrada do metr.

    Observei-a por um momento, mas

  • logo fui distrado por dois clientes.Felizmente, sua atitude era oposta dasenhora. O sorriso deles me aliviou. Aoentregar o troco a um deles, ouvi umbarulho atrs de mim que reconheciimediatamente: um alto e agudomiaaaaau. Virei-me e vi a senhora detraje de tweed. Ela no apenas tinhavoltado como estava com Bob nosbraos.

    De alguma forma, enquanto euestivera distrado, ela tinha conseguidopeg-lo da mochila. E agora o embalavadesajeitadamente, sem afeto ou empatia,uma mo sob a barriga dele e a outra nascostas. Era estranho, como se ela nuncahouvesse segurado um animal antes. Era

  • como se carregasse uma pea de carnequalquer ou uma melancia comprada nomercado.

    Bob estava visivelmente furioso porser tratado assim grosseiramente e secontorcia feito louco.

    O que voc acha que estfazendo? gritei. Ponha-o no choagora mesmo ou vou chamar a polcia!

    Ele precisa ser levado para umlugar seguro declarou ela, com umaexpresso ligeiramente enlouquecida norosto avermelhado.

    Ah Deus, no, ela vai fugir comele, pensei, preparando-me para largarmeu estoque de revistas e comear uma

  • perseguio cerrada pelas ruas deIslington.

    Felizmente, o longo cadaro de Bobainda estava amarrado a minha mochila,e por um momento houve uma espcie deimpasse. Mas ento notei que elapercorria os olhos pelo cadaro.

    No, voc no vai... disse eu,avanando para impedi-la.

    Meu movimento pegou-adesprevenida, o que por sua vez deu aoportunidade a Bob. Ele soltou outromiaaaau estridente e se libertou dasgarras da mulher. Ele no a arranhou,entretanto cravou as patas no brao dela,o que a fez entrar em pnico e

  • subitamente deix-lo cair sobre acalada.

    Bob pousou com uma leve pancada,depois ficou ali por um momento,rosnando, silvando e mostrando osdentes para ela. Eu nunca o vira toagressivo com algum.

    Inacreditavelmente, ela usou issocomo argumento contra mim.

    Ah, olhe s, veja. Ele est comraiva ela disse, apontando para Bobe dirigindo-se meia dzia de pessoasou mais que nos observavam.

    Ele est bravo porque voc opegou sem a permisso dele frisei. S eu posso peg-lo.

  • Ela no ia desistir facilmente. Logoque percebeu a plateia, passou a jogarcom ela.

    No, ele est com raiva por causada maneira como voc o trata declarou. Todo mundo pode ver. por isso que ele deve ser tirado de voc.Ele no quer ficar com voc.

    Novamente houve um breve impasseenquanto todos prendiam a respirao.Foi Bob quem quebrou o silncio.

    Ele lanou mulher um olharrealmente desdenhoso, depois caminhoude volta at mim e comeou a esfregar acabea na minha perna, ronronandoruidosamente quando me abaixei para

  • acarici-lo.

    Ento afundou o traseiro no cho evoltou a erguer os olhos para mimdivertidamente, como se dissesse:Agora podemos continuar com maisalguns truques?. Reconhecendo o olhar,mergulhei a mo no bolso do casaco eexibi uma guloseima. Quaseimediatamente, Bob se ergueu sobre aspatas traseiras e agarrou meus braos.Ento coloquei rapidamente umaguloseima em sua boca, extraindoaaahs de algum lugar atrs de mim.

    Havia momentos em que ainteligncia e a capacidade de Bob paracompreender as nuances do que estavaacontecendo ao seu redor desafiavam as

  • crenas. Aquele foi um dessesmomentos. Bob havia jogado com opblico. Era como se quisesse fazer umadeclarao, como se dissesse: Estoucom James, e estou muito feliz de estarcom James. Toda e qualquer pessoa quedisser o contrrio est enganada. Fim depapo. Essa certamente foi a mensagemque a maioria dos espectadoresentendeu. Um ou dois deles eram rostosfamiliares, pessoas que haviamcomprado revistas de mim no passadoou parado para dizer oi a Bob. Algunsse viraram para a mulher em traje detweed e deixaram claro o que sentiam.

    Conhecemos esse cara. Ele legal disse um jovem de terno.

  • Sim, deixe-os em paz. Eles noesto fazendo mal a ningum, e ele cuidamuito bem do gato disse uma mulherde meia-idade. Uma ou duas pessoasdemonstraram apoio. Vrias outrasvozes se juntaram, nenhuma delasconcordando com aquela senhora.

    A expresso que se formou no rostodela falou por si mesma: estava aindamais vermelha do que nunca, quase roxa,na verdade. E falou confusamente,resmungando por um momento, mas nadado que disse fazia sentido. Era bvioque a ficha cara, e ela percebera quehavia perdido a batalha. Ento se viroue desapareceu mais uma vez namultido, desta vez felizmente

  • para sempre.

    Voc est bem, James? perguntou um dos espectadores,enquanto eu me ajoelhava para dar umaolhada em Bob. Ele ronronava alto, massua respirao era estvel e no havianenhum sinal de ferimento de quando elao deixou cair no cho.

    Estou bem, obrigado respondi,no sendo totalmente honesto.

    Eu odiava quando as pessoasinsinuavam que eu estivesse usando Bobde alguma forma negativa. Isso memagoava profundamente. De certo modoramos vtimas das circunstncias. Bobqueria ficar comigo, disso eu estava

  • absolutamente certo. Ele provava detempos em tempos. E, no momento, ficarcomigo infelizmente significava passarseus dias nas ruas. Fato. Eu no tinhaescolha.

    A desvantagem era que isso nostornava alvos fceis para o julgamentoalheio. Mas tnhamos sorte: a maiorianos julgava com bondade. Eu tinhaaprendido a aceitar que sempre haveriaquem nos julgasse mau.

  • Captulo 3

    O BobmvelEra o incio de uma agradvel tarde

    de vero, e eu tinha decidido parar maiscedo com o trabalho. O tempo,ensolarado, parecia ter estampado umsorriso no rosto de todo mundo. E eucolhera os benefcios: vendi todo o meuestoque de revistas em poucas horas.

    Desde que comecei a vender a TheBig Issue, uns anos atrs, aprendi a sersensato, por isso, decidi reinvestir partedo dinheiro na compra de mais algumasrevistas para o restante da semana. Com

  • Bob nos ombros, fui me encontrar com acoordenadora, Rita, no lado norte daIslington High Street, no caminho doponto do nibus que ia at minha casa.

    De longe dava para ver Ritaconversando animadamente com umgrupo de vendedores de aventalvermelho reunidos em torno de algumacoisa. Tratava-se de uma bicicleta. Eume dava bem com Rita, e sabia quepoderia tirar um sarro de leve.

    O que isso, Rita? brinquei. Pedalando no Tour de France?

    Acho que no, James sorriuela. Algum acabou de me dar istoem troca de dez revistas. Eu realmente

  • no sei o que fazer com ela, para serhonesta. Bicicletas no so muito aminha praia.

    Era bvio que a bike no estava emboas condies. Havia indcios deferrugem no guido, e a lanternadianteira estava com o vidro quebrado.A pintura tinha alguns lascados earranhes e, de quebra, um dos para-lamas estava quebrado no meio. Suaparte mecnica, porm, parecia estar emestado razovel.

    Ela tem condies de rodar? perguntei a Rita.

    Acho que sim respondeu ela,encolhendo os ombros. O moo falou

  • alguma coisa sobre um dos freios, queprecisa de uma atenozinha, mas sisso.

    Ela podia ver que a minha menteestava maquinando.

    Por que no d uma volta? Veja oque acha!

    Por que no? disse eu. Pode olhar o Bob por um segundo?

    Eu no era um ciclista profissionalcomo Bradley Wiggins, no entanto tinhaandado de bike ao longo da infncia emais de uma vez em Londres. Comoparte da minha reabilitao, h poucosanos, estive por um tempo envolvidocom um curso de fabricao de

  • bicicletas, por isso, sabia um poucosobre manuteno. Era bom saber queparte daquele treinamento no tinha sidoem vo.

    Entregando o cadaro de Bob a Rita,peguei a bicicleta e a virei de cabeapara baixo para inspecion-la. Os pneusestavam cheios, e a corrente pareciaestar bem lubrificada e se movendolivremente. O selim estava um poucobaixo para mim, ento o subi um pouco.Coloquei a bicicleta na rua e fiz um testerpido. As marchas estavam um poucogrudentas e, conforme Rita me avisara, ofreio dianteiro no funcionava muitobem. Tive de aplicar presso mxima nomanete do guido para conseguir alguma

  • reao, e no foi o suficiente para fazera bicicleta parar. Imaginei que houvesseum problema com o fio dentro do cabo.Fcil de consertar, eu presumia. O freiotraseiro estava bom. Era tudo o que euprecisava saber.

    O que quer dizer? perguntouRita quando relatei tudo isso a ela.

    Quero dizer que ela est Ok paraandar respondi.

    A essa altura eu tinha tomado adeciso.

    Dou dez libras por ela. O queacha? ofertei.

    Srio? Tem certeza? disse

  • Rita, um pouco surpresa.

    Sim respondi.

    Est bem, negcio fechado. Vocvai precisar disto tambm disse ela,fuando debaixo de seu carrinho eexibindo um velho capacete preto deciclismo, bastante surrado.

    Sempre fui um pouco colecionador,juntando tranqueiras e miudezas.Durante algum tempo, minha quitineteficou cheia de todos os tipos de lixo,desde manequins at placas de trnsito.Mas agora era diferente. Era na verdadeum dos primeiros investimentos sensatosque eu fazia em muito tempo. Eu sabiaque a bike seria til l em Tottenham,

  • onde eu poderia us-la para viagenscurtas at as lojas ou os consultriosmdicos. Eu teria de volta as dez librasbem rpido economizando compassagens de nibus. Para as viagensmais longas at a estao Angel ou aocentro de Londres eu continuaria a tomaro nibus ou o metr. Afinal, o percursoat esses lugares era traioeiro demaispara uma bicicleta, por causa das ruas ecruzamentos principais. Alguns deles,inclusive, eram famosos pontos deacidentes envolvendo ciclistas.

    Foi s ento, enquanto eu mapeavamentalmente as viagens que a partir deagora poderia fazer pedalando, que meocorreu um problema.

  • E como que eu vou conseguirlevar isto para casa?

    Os motoristas de nibus nopermitem bicicletas a bordo. Semchance de ir com ela no metr. Eu seriabarrado imediatamente nas catracas.Talvez me safasse levando a bike numtrem metropolitano, porm no havialinhas que chegassem perto da minhaquitinete.

    S h uma coisa a fazer, eu disse amim mesmo.

    Ok, Bob, parece que voc e euvamos pedalando para casa hoje comuniquei.

    Bob tomava banho de sol na calada

  • perto de Rita, mas vinha mantendo umolho em mim o tempo todo. Quandomontei na bicicleta, ele inclinouligeiramente a cabea para um lado,como se dissesse: O que essageringona e por que voc est sentadoem cima dela?.

    Ele ficou me olhando novamente,desconfiado, quando prendi o capacete,pendurei a mochila nos ombros ecomecei a mover a bicicleta na direodele.

    Vamos l, Bob, suba a bordo disse eu, estendendo a mo para ele edeixando-o subir nos meus ombros.

    Boa sorte desejou Rita.

  • Obrigado. Acho que vamosprecisar falei.

    O trnsito na Islington High Streetestava intenso e, como de costume,praticamente parado. Ento andei com abicicleta pela calada por um tempo,seguindo para Islington MemorialGreen. Passamos por dois policiais, queme dirigiram um olhar curioso, mas nadadisseram. No existia lei proibindoandar de bicicleta com um gato nosombros. Bem, at onde eu sabia, noexistia. Imagino que, se quisessem meparar, eles o teriam feito. Obviamentetinham coisas melhores para fazernaquela tarde, graas a Deus.

    Eu no queria ir de bicicleta pela

  • High Street, ento atravessei uma faixade pedestres. Atramos mais do quesimples olhares. A expresso no rostodas pessoas variava de espanto a alegriasbita. Mais de uma pessoa parou derepente, apontando para ns como sefssemos visitantes de outro planeta.

    No nos demoramos e cortamoscaminho pela esquina da Green,passando pela livraria Waterstones, eviramos na rua principal rumo ao nortede Londres, a Essex Road.

    Ok, aqui vamos ns, Bob disse eu, preparando-me para entrar notrfego intenso. Fomos logo costurandoentre nibus, vans, automveis ecaminhes.

  • Bob e eu logo pegamos o jeito dacoisa. Enquanto eu me concentrava emficar aprumado, dava para senti-lo sereacomodando. Em vez de se pr de p,ele decidiu, sensatamente, acomodar-seno meu pescoo, com a cabea abaixadae apontando para a frente. Dava para verque ele queria curtir o passeio.

    Era o meio da tarde, e muitascrianas saam da escola. Ao longo detoda a Essex Road, grupos de alunos deuniforme paravam e acenavam para ns.Tentei acenar de volta, mas perdi umpouco o equilbrio, fazendo Bobdeslizar pelo meu ombro.

    Oops, desculpa a, amigo. Nofarei de novo prometi, enquanto ns

  • dois recupervamos o equilbrio.

    O progresso era constante, todaviaum pouco lento s vezes. Se tnhamos deparar por causa do trfego, algumberrava pedindo uma foto. Em certomomento, duas adolescentes saltaram narua para se atracar com a gente.

    Ah, meu Deus, isso to fofo! comentou uma delas, inclinando-sesobre ns to pesadamente, posandopara a foto, que quase nos derrubou.

    Eu no andava de bicicleta h algunsanos e no estava fisicamentepreparado. Por isso dava umasparadinhas de vez em quando para tomarflego, atraindo uma legio de

  • espectadores de cada vez. A maioriasorria e aprovava, mas algunsbalanavam a cabea em sinal deprotesto.

    Estpido! ouvi um cara demeia-idade, vestindo terno, dizerenquanto passava por ns.

    Aquilo no parecia estpido demodo algum. Na verdade, era bastantedivertido. E eu poderia dizer que Bobestava se divertindo tambm. A cabeadele estava bem prxima minha, edava para senti-lo ronronar contente aomeu ouvido.

    Descemos toda a Newington Green ede l para a Kingsland Road, onde a rua

  • descia para a Seven Sisters. Eu estavaansioso por essa parte. Durante o maiortempo da viagem, afora alguns pequenosdeclives aqui e ali, a rua tinha sidorazoavelmente plana. Nesse ponto,porm, eu sabia que ela dava ladeiraabaixo por mais ou menos umquilmetro e meio. Eu poderia descersem freio com bastante facilidade.

    Para minha alegria, notei que existiauma ciclovia exclusiva, completamentevazia. Bob e eu logo estvamos voandoladeira abaixo, com o ar quente de verosoprando atravs do meu cabelo e dospelos dele.

    Uhuuu! No o mximo, Bob?

  • Senti-me um pouco como Eliot nofi lme E.T. no que eu esperassedecolar a qualquer momento e voltarvoando pelos telhados londrinos,obviamente, mas devamos estar fazendocerca de 30 quilmetros por hora depoisde um tempo.

    O trnsito na pista principal nossadireita estava congestionado, e aspessoas desciam as janelas para deixarentrar um pouco de ar. A expresso norosto delas quando passvamos zunindoera impagvel.

    Duas crianas puseram a cabeapara fora do teto solar do carro egritaram para ns. Algumas pessoasapenas observavam, em absoluto

  • espanto. Era compreensvel, eupresumia. No sempre que se v umgato laranja descendo uma ladeiramontado numa bicicleta.

    S levamos cerca de meia hora parachegar em casa, o que foiimpressionante, considerando quetivemos tantas paradas imprevistas.

    Ao estacionarmos na rea comum doprdio, Bob simplesmente pulou dosmeus ombros, como se estivessedesembarcando do nibus. Era tpico desua atitude descontrada perante a vida.Ele tinha aceitado tudo com calma; smais um dia normal em Londres.

    De volta quitinete, passei o

  • restante da tarde e da noite arrumando abicicleta. Consertei logo o freiodianteiro e dei um ajuste geral.

    A est disse a Bob, ao melevantar para admirar a minha obra. Acho que temos um Bobmvel.

    Eu no posso ter certeza, mas achoque o olhar que ele me lanou indicavaaprovao.

    Frequentemente as pessoas meperguntam como Bob e eu noscomunicamos to bem.

    simples costumo responder. Ele tem sua prpria linguagem e eu

  • aprendi a entend-la.

    Pode parecer improvvel, mas averdade.

    Seu principal meio de comunicao a linguagem corporal. Ele possui umagama de sinais que me dizem exatamenteo que est sentindo e, muito mais diretoao ponto, o que ele quer em qualquermomento especfico. Por exemplo, sequer ir ao banheiro quando estamosandando pela rua, comea a resmungar erosnar um pouco. Da comea a seremexer no meu ombro. Eu no precisoolhar para ele para saber o que esttramando; est olhando em volta paraachar um lugar onde possa fazer suasnecessidades.

  • Se, por outro lado, ele est andandono cadaro e se cansa, solta um leverosnado ou resmungo com um gemido,em tom grave. Ele tambm se recusa aandar mais um centmetro sequer.Apenas olha para mim como quem diz:Vamos l, amigo, me pegue. Estouexausto.

    Se fica com medo, recua em meuombro; se est no cho, executa umamanobra inversa para ficar entre asminhas pernas, em posio favorvelcaso eu precise peg-lo. Mrito dele: raro que algo o assuste. O som de umaambulncia ou de um carro de polciapassando com as sirenes ligadas mal oincomoda. Vivendo e trabalhando no

  • centro de Londres, ele est acostumadocom isso. A nica coisa que oenlouquece um pouco so os freios de arcomprimido dos caminhes e nibusgrandes. Sempre que ouve esse som altoe sibilante, ele recua e olha assustado.

    Em noites de fogos de artifcio, eletambm fica um pouco nervoso com osestrondos e exploses, mas geralmentegosta de ver, da janela, as luzesbrilhantes no cu.

    Existem outros sinais tambm. Porexemplo, posso dizer muito sobre oestado de esprito dele pela forma comomove o rabo. Se est cochilando oudormindo, o rabo fica parado e quieto, claro. Mas outras vezes ele o abana, em

  • diferentes movimentos. O abano maiscomum uma ondulao suave de umlado para o outro, como se fosse umlimpador de para-brisas no ajuste maislento. Esse o seu abano de satisfao.Tenho passado interminveis horassentado com ele por toda Londres, e ovejo fazendo isso quando est entretidoou quando est fascinado por algumacoisa.

    A senhora que tentou roub-lo naestao Angel no foi a primeira ainterpretar mal esse movimento decauda. Outros cometeram o mesmo erroe o confundiram com um sinal de raiva.Bob fica zangado, sim, contudo sinalizacom um movimento de rabo bem

  • diferente, no qual o bate de leve aqui eali, mais ou menos como um mata-moscas.

    Existem mensagens mais sutistambm. Se, por exemplo, ele estpreocupado comigo, chega bem perto,para me examinar. Se estou me sentindoindisposto, muitas vezes ele se aproximae escuta o meu peito. E faz um monte decoisas amorosas do tipo. Ele tem ohbito de esfregar-se contra mim,ronronando. E tambm esfrega a cara naminha mo, inclinando a cabea paraque eu lhe coce atrs da orelha.

    Zologos e especialistas emcomportamento animal tm direito opinio deles, mas para mim essa a

  • maneira de Bob dizer que me ama.

    Claro que a mensagem maisfrequente que ele quer passar se refere comida. Se ele quer que eu v cozinhapara aliment-lo, por exemplo, circulabatendo nas portas. Bob um bichomuito esperto; poderia facilmentedesprender um dos fechos de seguranapara crianas que eu tive de adaptarespecialmente para cont-lo, por issosempre tenho de conferi-los. Quandochego l, ele sempre se retira para umlocal junto ao aquecedor, no canto, e fazcara de santo. Mas isso no dura muitotempo, e ele logo implora por umlanche.

    Bob persistente e no me deixa em

  • paz at conseguir o que quer. Ele ficafrustrado se opto por ignor-lo, e tentatodos os tipos de truque, desde me baterde leve no joelho at fazer o olhar doGato de Botas. No existe limite parasua criatividade quando se trata depreencher um vazio no estmago.

    Por um tempo, seu maior desafio erame distrair enquanto eu jogava no Xboxde segunda mo que peguei numa loja decaridade. Na maioria das vezes Bobficava bem feliz por me ver jogar. Eleera fascinado por certos jogos,especialmente os de automobilismo.Ficava postado ao meu lado sentindocada curva e manobra. Em uma ocasio,eu poderia jurar que vi seu corpo se

  • inclinando enquanto fazamos juntos umacurva particularmente acentuada.

    No entanto, ele impunha um limite ajogos de ao com muitos tiros. Se euestivesse jogando um desses, ele semandava para outro canto da sala. Se ojogo ou eu alguma vez ficavabarulhento demais, ele levantava acabea e olhava de l. A mensagem erasimples: Abaixe isso, por favor. Nod para ver que estou tentando tirar umasoneca?.

    Eu ficava realmente absorto quandoestava jogando. No era difcil comearuma partida s nove da noite e noterminar at a madrugada. Bob nogostava disso e fazia das tripas corao

  • para chamar minha ateno,especialmente quando estava com fome.

    Havia ocasies, porm, em que euera imune a seus encantos, de modo queele tomava medidas mais drsticas.

    Certa noite eu estava jogando comBelle quando Bob apareceu. Ele haviajantado duas horas antes e decidiu queprecisava fazer um lanche. Entoaplicou sua ttica habitual de busca porateno, fazendo vrios rudos,colocando-se sobre os meus ps e seesfregando contra minhas pernas. Masambos estvamos to envolvidos nameta de alcanar o prximo nvel dojogo que no reagimos de jeito nenhum.

  • Ele saiu de fininho por um instante,circundando o local em que a TV e oXbox estavam conectados. Aps ummomento, moveu-se em direo aoconsole e pressionou a cabea contra ogrande boto sensvel situado no meio.

    Bob, o que voc est aprontando? perguntei com ar inocente, aindaabsorto demais no jogo para notar o queele estava fazendo.

    Um segundo depois, a tela ficoupreta e o Xbox comeou a desligar. Eletinha aplicado presso suficiente noboto para desativ-lo. Estvamos nomeio de um nvel realmente complicadodo jogo, por isso devamos ter ficadofuriosos com ele. Mas ficamos sentados

  • ali, absortos, com a mesma expresso dedescrena no rosto.

    Ele fez o que eu estou pensando? perguntou Belle.

    Bem, acho que sim, mas no dpara acreditar.

    Bob ficou l olhando, triunfante. Aexpresso dele dizia tudo: E a, vaicontinuar me ignorando?.

    Nem sempre Bob e eu dependemosde sinais e de linguagem corporal.

    Algumas vezes usamos uma estranhaespcie de telepatia, como sesoubssemos o que o outro est

  • pensando ou fazendo. Ns tambmaprendemos a alertar um ao outro sobreo perigo.

    Poucos dias depois de adquirir abicicleta, decidi levar Bob a um parquelocal que tinha acabado de passar poruma pequena reforma. A essa altura elej estava completamente vontaderodando de bicicleta por todo lado emcima dos meus ombros e se tornara cadavez mais confiante, inclinando-se nascurvas como o garupa de uma moto.

    O parque revelou-se um poucodecepcionante. Exceto por alguns novosbancos e arbustos e um playgrounddecente, parecia que nada tinha mudadomuito.

  • Bob, no entanto, estava disposto aexplorar. Quando eu sentia que eraseguro, ocasionalmente o deixava livredo cadaro para que ele pudesse sedivertir na vegetao enquanto faziasuas necessidades. Eu tinha acabado desolt-lo e estava sentado, lendo umarevista em quadrinhos e tomando um solquando, de repente, ouvi ao longe olatido de um co.

    O-ou, pensei.

    A princpio, achei que ele estivessea duas ruas de distncia. No entanto, medida que o latido ficava mais alto, medei conta de que o co estava muito maisperto que isso. Ao longe, vi um pastor-alemo muito grande, de aparncia

  • ameaadora, correndo em direo entrada do parque. O co estava a nomais que 150 metros de distncia evinha sem coleira. Pode-se dizer queestava procurando confuso.

    Booob! gritei na direo domatinho em que, sabia eu, ele estavaocupado atendendo ao chamado danatureza. Bob, venha c!

    Por um momento, fiquei em pnico.Mas, como tantas vezes no passado,estvamos na mesma sintonia, e suacabea logo surgiu por entre os arbustos.Eu agitava os braos para ele,encorajando-o a se juntar a mim semfazer muito barulho. Eu no queria que oco me visse. Bob entendeu

  • imediatamente o que estava acontecendoe saiu correndo dos arbustos. Ele notinha medo de ces, mas escolhia comsabedoria suas batalhas. A julgar pelobarulho que o pastor-alemo estavafazendo, no era um co com o qualquisssemos comprar uma briga.

    No entanto, o pelo laranja brilhantede Bob no era exatamente difcil dedetectar em meio vegetao, e o cologo comeou a acelerar em nossadireo, latindo ainda mais ferozmente.Por um momento tive a sensao terrvelde que Bob havia sado tarde demais, demodo que peguei a bicicleta e mepreparei para entrar pedalando na linhade fogo, se necessrio. Eu sabia que, se

  • o co o interceptasse, Bob poderia estarem srios apuros.

    Como tantas vezes no passado,porm, eu o tinha subestimado.

    Ele atravessou correndo o gramadoe chegou enquanto eu me agachava sobreum joelho. Num movimento ininterrupto,lancei-o sobre o meu ombro, endireitei-me num pulo em cima da bicicleta com Bob em p nos meus ombros ,pisei nos pedais e comecei a pedalar.

    Frustrado, o pastor-alemo nosperseguiu por um breve momento, emcerto ponto correndo lado a ladoenquanto descamos a rua emvelocidade. Deu para ouvir Bob

  • sibilando para ele. No consegui ver acara que ele fazia, e no teria mesurpreendido nadinha se estivessezombando do co.

    O que voc vai fazer agora,valento?, ele provavelmente estavadizendo.

    Ao chegarmos rua principal, jvoltando para o nosso bloco deapartamentos, olhei para trs e vi nossoinimigo ficando l longe, onde foiencontrado pelo dono, um grandalhocorpulento vestindo jaqueta preta ejeans. Ele lutava para colocar o co devolta na corrente, mas isso j eraproblema dele, no meu.

  • Essa foi por pouco, Bob falei. Obrigado, Deus, pelo nossoBobmvel.

  • Captulo 4

    O estranho casalEra raro eu receber visitas na

    quitinete. Eu no tinha muitos amigospela regio e vivia no meu canto dentrodo edifcio. Passava o dia perto dosvizinhos nas paredes ao lado, entretantodava para contar nos dedos de uma moas vezes em que algum deles havia feitouma visitinha para papear.

    Por esse motivo, eu sempre ficavadesconfiado quando algum batia naporta ou apertava o interfone na entrada,l embaixo. Automaticamente eu

  • supunha o pior, esperando serconfrontado por um oficial de justia ouum cobrador de dvidas para receber umdinheiro que eu no tinha.

    Foi essa a minha reao imediataquando a campainha tocou logo aps asnove em uma manh de dia de semana,enquanto Bob e eu estvamos prontospara sair para o trabalho.

    Quem pode ser? disse eu,instintivamente puxando as cortinas,ainda que no tivesse viso da entrada.

    James, o Tico. Posso subir coma Princesa? disse uma voz familiarpelo interfone.

    Ah. Tico, claro, suba. Vou botar

  • a chaleira no fogo respondi, dandoum suspiro de alvio.

    Tico era, como sugeria seu nome, umsujeito minsculo, um tiquinho de gente.Rijo, j tinha perdido a maior parte docabelo. Tal como eu, era um viciado serecuperando das drogas que tinhacomeado a vender a revista The BigIssue.

    Ele andava passando por ummomento difcil e tinha dormido em casaalgumas vezes nos ltimos meses.Metera-se em problemas no trabalhodepois de se tornar coordenador emIslington. Haviam lhe retirado o crach elhe dado uma suspenso de seis meses.Ele ainda esperava seu afastamento ser

  • revogado e andava realmente seesforando para conseguir se sustentar.

    Eu sentia como se tivesse recebidouma segunda chance na vida desde queencontrei Bob, por isso tambm dei aTico uma nova oportunidade. Eu gostavabastante dele. No fundo sabia que tinhaum bom corao.

    Outro motivo para Tico e eu nosdarmos bem era que ambostrabalhvamos na rua na companhia donosso animal de estimao. No caso deTico, era sua fiel Princesa, cruza delabrador com staffordshire bull terrier.Ela era uma cadela preta linda e dcil.

    Quando ele ficava comigo, deixava

  • Princesa em outro lugar. Ele sabia queeu tinha Bob e que uma cadela em casapoderia me causar problemas. Mas, poralguma razo, aquele dia foi diferente.Preparei-me para o que poderiaacontecer quando a dupla chegasse porta da frente.

    As orelhas de Bob se aprumaram aosom da batida. Ao ver Tico e Princesaentrando, a primeira reao dele foiarquear as costas e sibilar. Ao que tudoindica, os gatos arqueiam as costas parase mostrarem superiores numa briga. por isso que os pelos tambm ficameriados. Nesse caso em particular,porm, Bob no precisava ter se dadoao trabalho. Princesa era uma cadela

  • muito calma e afetuosa. Ela tambmpodia estar um pouco nervosa. Assim,no momento em que viu Bob de frente,ela simplesmente congelou no lugar.

    Era uma inverso completa depapis, pois geralmente o co,fisicamente maior, que intimida o gato.

    Est tudo bem, Princesa falei. Ele no vai machucar voc.

    Ento a levei para o meu quarto efechei a porta para que se sentissesegura.

    James, amigo. Tem como voccuidar da Princesa por hoje? perguntou Tico, indo direto ao assuntoquando lhe passei uma caneca de ch.

  • Tenho que resolver minha situao nasegurana social.

    Claro eu disse, sabendoquanto tempo esse tipo de coisa poderialevar. Isso no ser problema, n,Bob?

    O gato me lanou um olharenigmtico.

    Vamos trabalhar na estaoAngel hoje. Ela vai ficar bem com agente l, no vai? perguntei.

    Sim, sem problemas disseTico. Ento que tal eu peg-la ali porvolta das seis da tarde?

    Tudo bem respondi.

  • Certo. Melhor eu correr. Tenhoque pegar o comeo da fila se quiser queme vejam antes do Natal comentouTico, botando a cabea dentro doquarto.

    Seja uma boa menina, Princesa disse a ela antes de partir.

    Como j havia demonstrado maisuma vez esta manh, Bob no tinhagrandes problemas com ces, a menosque fossem agressivos com ele. Mesmoassim, conseguia se controlar muito beme tinha enxotado alguns vira-latas deaparncia assustadora com um grunhidoe um sibilo ruidoso. Durante nossosprimeiros dias fazendo performances lem Covent Garden, eu at o tinha visto

  • dando uma patada no nariz de um coagressivo demais. Bob no era apenasterritorial com ces: tambm no era umgrande f de outros gatos. s vezes eume perguntava se ele sabia que era umdeles. Bob parecia olh-los como sefossem seres inferiores, indignos derespirar o mesmo ar que ele. Nossopercurso de ida e volta do trabalhotornara-se mais complicado nos ltimosmeses, graas ao cancelamento de umservio de nibus que costumava noslevar direto da Tottenham High Roadpara a estao Angel. Assim,comeamos a tomar nibus diferentes,um dos quais nos obrigava a descer naNewington Green para pegar outro, a umquilmetro e meio da Angel, mais ou

  • menos. Quando a grana era curta, amosa p para l, e Bob farejava e olhavafixo toda vez que passvamos pelafrente de um gatil.

    Se alguma vez via outro gatoperambulando, informava-o, em termosinequvocos, de que estava pisando noseu territrio.

    Uma vez, ao ver um gato malhadocirculando furtivamente na IslingtonGreen, Bob se transformou. Esforou-semuito para alcanar aquele oportunistaque invadia seu territrio. Foi como seeu tivesse um co especialmenteagressivo na ponta do cadaro. Ele tinhade carimbar sua autoridade sobre asituao. Obviamente, j tivera a mesma

  • necessidade com Princesa.

    Se eu tinha alguma reserva, era a deque a cadela podia ser um poucoinconveniente. Ces davam muito maistrabalho que gatos. Para comear, nodava para coloc-los nos ombrosenquanto se descia a rua, uma falha dedesign que, logo descobri, diminuaconsideravelmente nossa velocidade.

    Caminhando at o ponto de nibus,Princesa era um sofrimento tremendo.

    Ela puxava a corrente, parava parafarejar trechos aleatrios de grama e sedesviou do caminho para agachar e fazersuas necessidades no menos que trsvezes no espao de umas centenas de

  • metros.

    Vamos, Princesa, ou nuncachegaremos eu disse, j lamentando adeciso de ficar com ela. De repente,lembrei-me do motivo pelo qual nuncaquis adotar um co como animal deestimao.

    No entanto, se eu lutava para teralgum tipo de controle sobre ela, Bobno tinha esse problema. No nibus,ocupou a posio rotineira no assento aolado da janela, de onde manteve umolhar atento sobre Princesa, que estavaenfiada debaixo dos meus ps. A cara deBob sempre foi expressiva. Os olharesque lanava a Princesa toda vez que elainvadia o seu territrio durante a viagem

  • eram hilariantes. A rea debaixo doassento no era exatamente espaosa, ePrincesa s vezes se mexia paramelhorar a posio. Toda vez que faziaisso, Bob olhava para ela como quemdiz: Por que no fica quieta, cachorraestpida?.

    L fora o tempo estava ruim; a chuvamartelava. Chegando em Islington, leveiBob ao parquinho de Islington Greenpara ele rapidamente fazer suasnecessidades e decidi deixar Princesafazer o mesmo. Grande erro. Ela levouuma eternidade para achar um localadequado. Da me dei conta de que tinhame esquecido de trazer sacos plsticos,por isso tive de vasculhar uma lata de

  • lixo para encontrar algo para recolhersuas fezes. Eu realmente no estavacurtindo o meu dia como bab decachorra conclu.

    Com a chuva se intensificando acada minuto, encontrei abrigo sob otoldo de uma cafeteria. Quando umagaronete apareceu, decidi que poderiamuito bem pedir a ela uma xcara dech, um pires de leite para Bob e umpouco de gua para Princesa. Entreirapidinho para usar o banheiro,deixando meus dois companheirosamarrados mesa pela corrente.

    S os deixei por alguns minutos, masao voltar era claro que algum tipo dedisputa vinha acontecendo. Eu tinha

  • deixado Bob sentado numa cadeira ePrincesa de p debaixo da mesa.Todavia, quando voltei, Bob estavasentado sobre a mesa, lambendo umpires de leite, enquanto Princesa estavasentada debaixo da mesa, no parecendonem um pouco feliz com sua tigela degua. Eu no fazia ideia do que tinhaacontecido, porm era evidente que Bobhavia se firmado, mais uma vez, como older.

    Como sempre, ele tambm estavaatraindo a ateno dos transeuntes.Apesar do tempo, um casal de senhorasparou para acarici-lo e cumpriment-lo.

    Mas a pobre Princesa mal era

  • notada. Era como se ela no estivesseali. De uma forma estranha, eu sabiacomo ela se sentia. Eu vivo na sombrade Bob s vezes.

    A chuva finalmente abrandou, eseguimos rumo ao nosso ponto de vendana Angel. Enquanto Bob e euocupvamos nossa posio habitual,Princesa deitou-se a alguns metros, coma cabea deliberadamente posicionadade modo que pudesse captar a maiorparte do ambiente a nossa volta. Partede mim tinha achado que ela seria umfardo, no entanto acabou por serexatamente o oposto: ela provou ser umtrunfo valioso.

    Enquanto eu andava de um lado para

  • o outro tentando convencer os passantesa desembolsar algumas libras por umarevista, Princesa permanecia sentada l,atenta, com a cabea na calada e osolhos girando como cmeras devigilncia, examinando cuidadosamentetodo mundo que se aproximava de ns.Se tivessem seu selo de aprovao, elacontinuava enraizada no lugar;entretanto, se houvesse qualquersuspeita, ela repentinamente se sentavaereta, pronta para intervir. Se ela nogostasse do jeito de algum, dava umpequeno rosnado ou mesmo um latido.Geralmente era o suficiente para passara mensagem.

    Mais ou menos uma hora depois que

  • tnhamos nos instalado, um bbado comuma lata de cerveja extraforte na moveio tranando as pernas em nossadireo. Aquilo podia ser a runa daminha existncia na Angel. Quase tododia algum com a cara cheia de cervejame pedia uma libra para comprar maisuma. Princesa o avistou, levantou-se elatiu um aviso ligeiro, como quem diz:Afaste-se. Ela no era a maior cadelado mundo, mas parecia intimidadora.Nesse aspecto, ela estava mais parastaffordshire do que para labrador. Elelogo mudou seu rumo, indo incomodaroutra pobre alma.

    Princesa ficava toda alerta sempreque algum se ajoelhava para acariciar

  • Bob e dizer ol. Ela dava um passo nadireo deles, projetando a cabea paraa frente para ter certeza de que estavamtratando o menor membro do nosso triocom o devido respeito. Mais uma vez, sedesaprovasse algum, exprimia seussentimentos e os intrusos recuavam.

    Ela realmente facilitou um pouco omeu trabalho. s vezes era um desafioficar de olho em Bob enquanto eutentava vender uma revista, sobretudoquando a rua estava movimentada. Oincidente com a senhora do traje detweed tinha me deixado especialmentecauteloso.

    Obrigado, Princesa comecei adizer, entregando-lhe uma pequena

  • guloseima.

    Mesmo Bob lanou a ela uns olharesde aprovao. Em algum lugar, bem lno fundo de sua mente felina, eu tinhacerteza de que ele estava revendo suaopinio sobre a nossa nova e inesperadarecruta. Talvez ela no sejacompletamente ruim, afinal, pode serque ele estivesse pensando.

    O tempo continuou feio durante todaa tarde. Por isso, quando o relgioestava quase dando seis, comecei a mepreocupar com Tico. Eu tinha vendidobem e queria comear a pegar o rumo decasa. No era uma noite para ficar foraat tarde. Mas nem sinal dele. Passoudas seis da tarde e ainda nada. Vi uma

  • das coordenadoras da The Big Issueindo do trabalho para casa. Todo mundoconhecia Tico, ento perguntei se ela otinha visto.

    No; no o vejo h semanas, naverdade ela disse. No desde todaaquela confuso, sabe?

    Sim falei.

    Por volta das seis e meia, medesiludi completamente. Eu sabia quemoradores de rua no eram as pessoasmais pontuais do mundo, mas j estavaficando ridculo.

    Venham vocs dois, vamos paracasa. Ele pode buscar voc l, Princesa eu disse, reunindo todas as minhas

  • coisas. Estava furioso com Tico, etambm um pouco preocupado.

    Mais cedo, Bob tinha tolerado quePrincesa ficasse na quitinete por algunsminutos, mas ela passar a noite eraoutro assunto. Dava para prever muitoslatidos de Princesa, reclamaes dosvizinhos e, para mim, uma noite semdormir.

    Parei na loja de convenincia parapegar alguma comida para ela. No faziaideia do que ela gostava de comer, porisso apostei numa lata de rao a preopadro e uns biscoitos para ces.

    J na cozinha, quando todos nospreparamos para jantar, Bob mais uma

  • vez deixou claro quem vinha emprimeiro lugar. Quando Princesa fez ummovimento na direo da tigela de guaque eu colocara para ela, Bob sibilou erosnou ruidosamente, fazendo aintrometida recuar. Ele teve de beberseu leite primeiro.

    Porm no demorou muito para quese chegasse a um acordo. Na verdade,Bob estava to contente com a novacompanheira que lhe permitiu acabarcom o que sobrou em sua tigela dejantar.

    Agora j vi tudo, pensei comigomesmo. Na verdade, no tinha visto no.

  • Eu estava morto de cansao porvolta das dez da noite e adormeci emfrente televiso. Ao acordar, vi algoque me fez desejar ter uma cmera. Euteria feito uma pequena fortuna naquelesprogramas que exibem clipes de animaisbonitinhos.

    Bob e Princesa estavam estendidosno tapete, cochilando serenamente.Quando os deixei, eles estavam emlados opostos da sala, com Bob prximoa seu lugar preferido, junto aoaquecedor, e Princesa perto da porta.Enquanto eu dormia, Princesaclaramente procurou o calor doaquecedor e deslizou lado a lado comBob. A cabea dela estava agora a

  • apenas uns 30 centmetros do nariz deBob. Se eu no soubesse das coisas,teria achado que eram amigos de longadata. Tranquei a porta da frente,desliguei as luzes e fui para a cama,deixando-os l. No ouvi um pio at amanh seguinte, quando fui acordadopelo som de latidos.

    Levei um minuto para lembrar queeu tinha uma cadela em casa.

    O que foi, Princesa? perguntei, ainda meio dormindo.

    Dizem que alguns animaisconseguem sentir que seus donos estoprximos. Minha melhor amiga Belleno raro ficava na quitinete com a gente

  • e havia me dito que Bob muitas vezessentia quando eu estava vindo para casa.Vrias vezes ele saltava no peitoril dajanela da cozinha, olhando ansiosamentepara a rua minutos antes de eu chegar porta da frente. Estava claro quePrincesa tinha o mesmo dom, poisalguns momentos depois ouvi acampainha. Era Tico.

    Pelo aspecto de seu rosto, com abarba por fazer e um tanto turvo, elehavia dormido na rua, o que,conhecendo Tico, era bem possvel.

    Sinto muitssimo ter deixadovoc na mo ontem noite, mas tive umproblema ele disse, se desculpando.No me dei ao trabalho de perguntar o

  • que foi. Eu mesmo havia tido noitesassim, decididamente muitas delas.

    Fiz outra xcara de ch e enfiei umpedao de po na torradeira. Ele pareciaquerer algo quente.

    Bob estava deitado ao lado doradiador, com Princesa enrolada aalguns metros, com os olhos mais umavez fixos em sua nova amiga. Aexpresso no rosto de Tico foiimpagvel. Ele ficou abismado.

    Olhe para aqueles dois. Fizeramamizade rapidinho falei sorrindo.

    D para ver, mas no acreditomuito disse ele, abrindo um sorrisolargo.

  • Tico no era homem de perder umaoportunidade.

    Ento voc se importaria decuidar dela de novo se eu estiver emapuros? perguntou ele, mastigando atorrada.

    Por que no? respondi.

  • Captulo 5

    O fantasma naescada

    Durante dias a chuva foi implacvel,transformando as ruas de Londres empiscininhas infantis. Regularmente, Bobe eu chegvamos em casa encharcados,por isso, hoje eu havia voltado paracasa mais cedo.

    Cheguei quitinete l pelo meio datarde, desesperado para tirar as roupasmolhadas e para Bob se aquecer.

    O elevador do meu prdio era

  • inconstante nas melhores horas. Apsalguns minutos apertando repetidamenteo boto para que ele descesse do quintoandar, percebi que estava mais uma vezcom defeito.

    timo! murmurei para mimmesmo. Lamento, Bob. Temos deencarar a longa subida outra vez.

    Ele olhou desconsolado para mim.

    Ento, vamos nessa eu disse,baixando o ombro para que ele pudessesubir a bordo.

    Estvamos nos ltimos lances deescada, do quarto para o quinto andar,quando notei uma figura nas sombrassobre o patamar acima de ns.

  • Espere aqui um segundo, Bob falei, colocando-o nos degraus esubindo sozinho.

    Aproximando-me, pude ver quehavia um homem encostado na parede.Curvado e com a cala parcialmentearriada, havia algo metlico em suamo. Eu soube imediatamente o que eleestava fazendo.

    No passado, o prdio havia sido umfamoso refgio para usurios etraficantes de drogas. Viciadosconseguiam entrar e usavam a escada eos corredores para fumar crack emaconha ou injetar herona, como essecara estava fazendo. Desde que memudei, a polcia melhorou radicalmente

  • a situao, mas de vez em quando aindavamos garotos traficando no vo daescada do andar trreo. Porm, estavalonge de ser to ruim quanto um abrigohabitacional em que eu havia moradoanteriormente, l em Dalston, o qual erainfestado de viciados em crack. Pormainda assim era angustiante,especialmente para as famlias quemoravam nos pequenos apartamentos.Ningum quer que seus filhos cheguemda escola e se deparem com um drogadoinjetando na escadaria em frente a suacasa.

    Para mim, evidentemente era umalembrana do passado que eu estavadesesperado por deixar para trs. Eu

  • continuava a lutar contra o vcio; semprelutaria. Infelizmente era assim a naturezadas coisas. No entanto, desde que mejuntei a Bob, mudei radicalmente eestava a caminho da completarecuperao. Quando consegui me livrardo vcio em herona e depois emmetadona, receitaram-me um remdiochamado Subutex, um medicamento maisleve que estava reduzindo, de formalenta mas segura, minha dependncia dasdrogas. O conselheiro da minha unidadede dependncia havia comparado essaparte final da recuperao ao pouso deum avio: eu desceria lentamente devolta terra. Estava tomando Subutex hvrios meses. Descido o trem de pouso,eu podia ver as luzes da pista minha

  • frente. A descida ia conforme oplanejado; eu estava quase de volta emterra firme.

    Eu preferia no ver isso, disse amim mesmo.

    Vi que o cara tinha l seus 40 anos,com o cabelo cortado bem curto. Vestiacasaco, camiseta e jeans preto e tnisimundo. Felizmente, no era agressivo.Na verdade, era exatamente o oposto.Foi muito amistoso, o que era bastanteincomum. O altrusmo no bem umponto forte em viciados em herona.

    Foi mal, colega, vou sair do seucaminho disse ele, num forte sotaquede East End, tirando seus

  • equipamentos da perna e subindo acala. Dava para dizer que tinhaacabado de injetar. Seus olhos tinhamaquele olhar vidrado.

    Decidi deix-lo ir primeiro. Eusabia que no devia confiarcompletamente num viciado. Queriamant-lo na minha frente, onde eupudesse v-lo.

    Ele estava muito vacilante e,cambaleando, subiu o pequeno lance deescadas at o patamar do quinto andar,passou pelas portas e entrou no corredorque conduzia ao elevador.

    Bob subira trotando o ltimo lancede escadas atrs de mim, ainda preso ao

  • cadaro. Eu queria lev-lo para dentropor segurana, por isso me dirigi para aporta da nossa quitinete. Havia acabadode colocar a chave na fechadura e deixarBob entrar quando ouvi um gemido alto.Virei-me e vi o cara desabar. Elesimplesmente caiu como um saco debatatas, batendo no cho com umapancada.

    Colega, voc est bem? perguntei, correndo at ele. Claro queno estava.

    Pude ver imediatamente que suasituao era complicada; no pareciaestar respirando.

    Ah, cus, ele est tendo uma

  • overdose!, eu disse a mim mesmo,reconhecendo os sintomas.

    Felizmente, eu estava com meucelular Nokia barato. Liguei para aemergncia e pedi uma ambulncia. Amoa do outro lado da linha pegou meuendereo, mas disse que demoraria pelomenos dez minutos.

    Pode me descrever o estadodele? ela perguntou, com a voz calmae profissional.

    Ele est inconsciente e no estrespirando respondi. E a pele estmudando de cor.

    Ok, parece que o corao deleparou. Vou pedir pra voc fazer uma

  • reanimao cardiopulmonar nele. Sabe oque isso? perguntou a moa.

    Sei, sim. Mas voc vai ter que meexplicar direitinho como fazer.

    Ela me mandou virar o cara de ladoe conferir se sua passagem de ar estavadesobstruda. Da tive de vir-lo decostas para poder aplicar compressoem seu peito e tentar reanimar ocorao. Ento precisei fazer respiraoboca a boca para tentar faz-lo reagir.

    Dentro de instantes l estava eupressionando seu peito com as duasmos, contando enquanto o fazia.Quando cheguei ao nmero 30, pareipara ver se havia alguma mudana de

  • estado.

    A moa do servio de emergnciaainda estava na linha.

    Alguma reao? perguntou.

    No, nenhuma. Ele no estrespirando completei. Vou tentarde novo.

    Continuei pelo que devem ter sidovrios minutos, pressionando seu peitofuriosamente em rajadas curtas, depoisinsuflando ar em sua boca. Mais tarde,recordando, fiquei surpreso com a calmaque senti. Percebo agora que era umadessas situaes em que o crebro entrano modo automtico. A realidadeemocional do que ocorria no estava

  • absolutamente na minha mente. Pelocontrrio: eu estava apenas meconcentrando no lado prtico das coisas,tentando fazer o cara respirar. Apesardos meus melhores esforos, porm, oestado dele permaneceu o mesmo.

    Em certo momento, ele comeou afazer um som gorgolejante, cavernoso.Eu tinha ouvido falar sobre o estertorda morte que uma pessoa faz quandotoma o ltimo flego. Eu no queriapensar nisso, mas temia que fosse o queeu estava ouvindo.

    Depois do que pareceu umaeternidade, ouvi o interfone tocar, entocorri at minha casa.

  • Servio de ambulncia disseuma voz. Apertei o interfone e pedi parasubirem. Felizmente, nosso elevadoresquisito agora estava funcionandonovamente, de modo que chegaram aoquinto andar em poucos segundos. Elesjogaram as bolsas no cho eimediatamente exibiram um kit dereanimao cardiopulmonar, paraconduzir choques eltricos. Entorasgaram a camiseta dele.

    Afaste-se, senhor disse umdeles. Assumiremos a partir daqui.

    Pelos prximos cinco minutos, maisou menos, continuaram trabalhandofebrilmente para faz-lo se mexer. Maso corpo jazia deitado ali, inerte e sem

  • vida. A essa altura o choque entrava emao e eu estava parado junto soleira,trmulo.

    Finalmente, um dos homens daambulncia tombou para a frente evirou-se para o outro: No. Ele se foi anunciou.

    Lenta e muito relutantemente,colocaram um cobertor sobre o corpo eguardaram o equipamento.

    Era como se eu tivesse sido atingidopor um raio. Eu estava absolutamenteaniquilado. Os caras da ambulnciaperguntaram se eu estava bem.

    Acho que s preciso entrar esentar por um momento disse a eles.

  • Bob ficara dentro do apartamento nodecorrer de todo o drama, porm agoratinha aparecido soleira, talvezsentindo que eu estava transtornado.

    Vamos l, amigo, bora entrar falei, pegando-o no colo. Por algumarazo eu no queria que ele visse ocorpo deitado ali. Ele tinha visto cenassemelhantes nas ruas do centro, mas mesentia no dever de proteg-lo.

    Alguns momentos depois, a polcia ealguns paramdicos chegaram. Passadoum instante, um jovem policial bateu naminha porta.

    Foi voc que o encontrou e ligoupara a emergncia? perguntou.

  • Sim respondi. Eu j tinha merecomposto um pouco, mas ainda mesentia abalado.

    Voc fez a coisa certa. No achoque havia muito mais que pudesse terfeito por ele disse o policial, em tomtranquilizador.

    Descrevi como o havia encontradona escada e o visto cair.

    Parece que o efeito foi bemrpido comentei.

    Contei-lhes que eu era um viciadoem recuperao, o que, penso eu,dissipava qualquer suspeita de que euestivesse envolvido com aquele cara.Eles sabiam como os viciados eram,

  • alis, eu tambm sabia.

    Todo viciado egosta. No final dodia, tudo o que importa so elesmesmos. Literalmente venderiam aprpria av ou assistiriam namoradamorrer para se drogar. Se um viciadotivesse descoberto outro viciado queteve uma overdose desse jeito, ele teriafeito duas coisas: tirado todo o dinheirodos bolsos do coitado e depois fugido e rpido. Desejaria no ter nada aver com o ocorrido.

    Os policiais tambm pareciam saberdo prdio e de seu passado duvidoso,pois foram muito compreensivos.

    Est bem, Sr. Bowen, tudo de

  • que preciso por ora. improvvel queprecisemos de mais detalhes para oinqurito, mas vamos arquivar seusdados caso tenhamos de falar com vocnovamente comunicou o policial.

    Conversamos por mais algunsinstantes. Ele disse que haviamencontrado alguns documentos deidentidade com o sujeito e tambmalguns medicamentos com seu nome eendereo. Descobriu-se que era pacientede uma ala psiquitrica.

    Quando vi o oficial saindo pelocorredor, a cena foi completamenteapagada. Era como se nada tivesseacontecido. Estava to silencioso quantoum tmulo no meu prdio. Ningum mais

  • parecia caminhar por ali naquela horado dia.

    No silncio, senti-me repentinamentedevastado pelo que eu tinha acabado dever. No dava mais para refrear minhasemoes. De volta quitinete,simplesmente desabei em lgrimas.Liguei para Belle do meu celular e lhepedi que viesse ficar comigo aquelanoite. Eu precisava falar com algum.

    Ficamos acordados at bem mais demeia-noite e bebemos cerveja demais.Eu no conseguia tirar da cabea aimagem do cara desabando.

    Fiquei em estado de choque leve por

  • alguns dias. Por um lado, eu estavaabalado com o fato de o pobre sujeitoter morrido daquela forma. Ele passaraseus momentos finais no andar de umbloco de apartamentos annimo, nacompanhia de um completo estranho.Essa no era a forma como a vidadeveria funcionar. Ele era filho dealgum, talvez irmo de algum ou atmesmo pai de algum. Seus amigos que deveriam estar com ele naquelahora. Onde estavam eles? Por que nocuidaram dele? Eu tambm queria saberpor que raios o haviam autorizado a sairda ala psiquitrica num dia em queestava to vulnervel...

    Mas, se eu fosse honesto, a coisa

  • que me atingiu com mais fora foi aconstatao de que poderia facilmenteter sido eu. Pode parecer bobagemagora, mas me lembro de pensar queparecia um pouco como Scrooge[2]sendo visitado pelo fantasma de seupassado no to distante.

    Durante a maior parte de umadcada eu tinha vivido assim. Eutambm fora uma figura fantasma,escondendo-me em escadarias e becos,perdido no vcio em herona. Eu notinha memria real dos detalhes, claro.Grandes trechos da minha vida naquelapoca eram um completo borro.Entretanto era seguro supor que houveprovavelmente dezenas talvez

  • centenas de ocasies em que eupoderia ter morrido sozinho em algumaesquina annima de Londres, longe dosmeus pais, parentes e dos amigos dequem eu tinha me distanciado.

    Pensando no rastro da morte daquelehomem, parte de mim no conseguiarealmente acreditar que eu tambm haviavivido dessa maneira. E se eu tivessesido realmente rebaixado a isso? E se eurealmente tivesse feito essas coisas amim mesmo? Uma parte de mim noconseguia imaginar como eu fora capazde inserir uma agulha na minha carne, svezes quatro vezes por dia. Pareciairreal, s que eu sabia que fora verdade.Eu ainda carregava as cicatrizes,

  • literalmente. Era s olhar para meusbraos e pernas para v-las.

    Elas me faziam lembrar do quofrgil ainda era minha situao. Umviciado est sempre vivendo no fio danavalha. Eu sempre teria umapersonalidade viciada e algunsproblemas de sade mental que eu sabiaque me tornavam propenso a umcomportamento destrutivo. Bastava ummomento de fraqueza e eu poderiadegringolar novamente. Isso meassustava, mas tambm fortalecia minhadeterminao para continuar essa lentadescida terra de que meusconselheiros haviam falado. Eu noqueria ser outra vez um annimo nas

  • escadas. Eu tinha de continuar seguindoem frente.

  • Captulo 6

    O inspetor de lixoTodos temos nossas obsesses na

    vida. Para Bob, so as embalagens.

    A coleo variada de caixas,pacotes, papis de embrulho e garrafasde plstico que usamos no dia a dia ofascina. E alguns materiais lhe causammaior fixao que outros.

    O plstico bolha, naturalmente, uma fonte de entretenimento sem fim.Qual criana no gosta de estourar asbolhas? Bob fica louco de entusiasmo

  • toda vez que o deixo brincar com umafolha dessas. Sempre fico de olharatento nele. Toda vez que ele estourauma bolha com a pata ou boca, ele sevira e me dirige um olhar como sedissesse: Voc ouviu isso?.

    Papel de embrulho outrafascinao. Sempre que desembrulho umpresente para ele, Bob demonstra maisinteresse em brincar com o papelenfeitado do que com o brinquedo em si.Ele tambm obcecado pelo papelbarulhento usado dentro de pacotes decereais e nos embrulhos de po. Nuncadeixa de me surpreender: ele podepassar meia hora farfalhando uma bolade papel. Bolas de papel-alumnio

  • amassado tm o mesmo efeito.

    No h dvida, porm, sobre o seutipo favorito de embalagem: caixas depapelo. Basicamente toda caixa queencontra um brinquedo, um objetoprojetado para lhe fornecer horas dediverso. Se alguma vez passo por Bobcom uma caixa de papelo na mo, elese atira na minha direo para agarr-la.No importa se uma caixa de cereal,uma caixa de leite ou uma caixa maior:ele se levanta num pulo, remandorapidamente com as patas, como sedissesse: Me d! Quero brincar comisso agora.

    Ele tambm adora se esconder nascaixas maiores, um hbito que me deu

  • um susto em pelo menos uma ocasio.

    Eu no deixo Bob sair perambulandosozinho, e as janelas esto semprefechadas para evitar que ele suba e saiapor elas. (Eu sei que os gatos tm acapacidade de se endireitar no ar, eestvamos apenas a cinco andares dealtura, mas eu no queria testar suashabilidades de voo!) Assim, numa noitede vero, quando no consegui encontr-lo em nenhum de seus locais habituais,entrei em pnico.

    Bob, Bob, onde est voc,amigo? perguntei, sem resposta.

    Olhei em todo lugar, um processoque no demorou muito, dada a

  • pequeneza do meu apartamento. Mas nohavia sinal dele no quarto, na cozinha ouno banheiro. Eu estava comeandorealmente a me preocupar com seu bem-estar quando de repente me ocorreu queeu havia colocado no armrio arejadouma caixa contendo algumas roupas desegunda mo que me foram dadas porum voluntrio.

    Como era de esperar, abri o armrioe dei com uma inconfundvel forma corde laranja submersa no meio da caixa.

    Ele fizera a mesma coisa no haviamuito tempo, com consequncias quasedesastrosas.

    Belle tinha vindo me ajudar a pr o

  • lugar um pouco em ordem. No era amais organizada e arrumada das casasna maior parte das vezes. No ajudava ofato de que, durante anos, eu haviacatado coisas que os outros jogavamfora. No sei se inconscientemente eunutria o sonho de abrir um negcio desucata, ou se apenas era fascinado porcoisas antigas, mas de alguma forma eujuntara todo tipo de quinquilharia, desdelivros e mapas antigos at rdios etorradeiras quebrados.

    Belle havia me convencido a jogarfora um pouco dessas velharias, etnhamos arrumado algumas caixas depapelo cheias delas. Ns amos jogaralgumas no lixo, e levar outras a lojas

  • de caridade ou ao posto de reciclagemlocal. Belle estava descendo com umacaixa para jog-la no lixo e aguardava achegada do elevador quando sentiu acaixa sacudir. Isso a assustou um pouco,e eu a ouvi gritar l de dentro daquitinete.

    Quando abri a porta para ver qualera o problema, ela tinha soltado a caixano cho e encontrado Bob l dentro. Elese desenredava de uma coleo delivros e revistas antigos onde tinha seenroscado para uma soneca.

    Logo depois disso, resolvi lhe fazeruma cama com uma caixa de papelo.Percebi que, se dormisse numa delas,poderia ficar menos obcecado em outras

  • vezes. Eu havia tirado um lado de umacaixa e depois a forrei com umcobertorzinho. Ele ficou muitoconfortvel ali; adorou.

    No se livrou totalmente de suaobsesso, no entanto. E continuavaprofundamente interessado na lata delixo da cozinha. Toda vez que eu botavaalgo no lixo, ele se erguia sobre as patastraseiras e enfiava o nariz dentro da lata.Se alguma vez eu o desafiasse, ele melanava um olhar como quem diz: Ei, oque voc est jogando a dentro? Aindano decidi se quero brincar com isso ouno. Por um tempo, comecei debrincadeira a cham-lo de inspetor delixo. Nem sempre foi motivo de riso,

  • no entanto.

    Eu acabava de sair do banho numamanh quando ouvi barulhos estranhosvindos da cozinha. Dava para discernirum som fino e metlico de coisaraspando, como se algo estivesse sendoarrastado por todo lado. E vinhaacompanhado por uma espcie degemido baixinho.

    Bob, o que voc est aprontandoagora? perguntei, pegando uma toalhapara secar o cabelo enquanto iaaveriguar.

    No pude deixar de rir diante daviso que tive.

  • Bob estava postado no meio do choda cozinha com uma lata vazia decomida de gato enfiada no topo dacabea. A lata estava repousada numngulo elegante, bem sobre a linha deviso. Bob ficou parecendo umcruzamento entre o Cavaleiro Negro dofilme Monty Python com o Santo Graale um guarda gals diante do Palcio deBuckingham, com seu chapu de pele deurso caindo sobre os olhos.

    Era bvio que ele no conseguia vermuita coisa, pois estava andando paratrs pelo cho da cozinha, arrastando alata consigo na tentativa de se livrardela. Fazia movimentos premeditados,recuando um passo cuidadoso de cada

  • vez, ocasionalmente balanando a lataou erguendo-a um pouco antes de daruma pancadinha no cho com ela, naesperana de que o impacto adesalojasse de sua cabea. Porm, seuplano no estava funcionando. Eracmico ver aquilo.

    No era preciso ser Hercule Poirotou Columbo[3] para descobrir o quehavia acontecido. No canto da cozinha,pude ver o saco de lixo preto que eulevaria no dia seguinte at oscontineres com rodinhas l embaixo.Em geral, eu esvaziava a lata de rao,punha-a dentro do saco preto e odeixava do lado de fora da quitinete,especialmente para impedir Bob de

  • fuar nele. Mas, por alguma razo, tinhame esquecido e o d