69
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC SP Milton Sgambatti Júnior O NARRADOR E A NARRATIVA GRÁFICA DE LOURENÇO MUTARELLI EM NADA ME FALTARÁ MESTRADO EM LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA São Paulo 2013

O NARRADOR E A NARRATIVA GRÁFICA DE LOURENÇO ......narrativa à semelhança de uma graphic novel, apoiado firmemente em sua própria trajetória de vida, visto que é um escritor

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC – SP

Milton Sgambatti Júnior

O NARRADOR E A NARRATIVA GRÁFICA DE

LOURENÇO MUTARELLI EM

NADA ME FALTARÁ

MESTRADO EM LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA

São Paulo

2013

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC – SP

Milton Sgambatti Júnior

O NARRADOR E A NARRATIVA GRÁFICA DE LOURENÇO

MUTARELLI EM NADA ME FALTARÁ

Dissertação apresentada à banca examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título de

Mestre em Literatura e Crítica Literária, sob

orientação da Profa. Dra. Maria Rosa Duarte de

Oliveira.

São Paulo

2013

3

Banca examinadora

____________________________________

____________________________________

____________________________________

4

À Claudia Verginia

(por tudo)

À Kelly Marques

(pelo mau gosto)

5

Às famílias Sgambatti, Joaquim

e Contro pelo carinho, apoio e

pela confiança em meu trabalho

meu eterno afeto.

6

primera

secunda

tercera persona

vías

no te hablo de ninguna

mis palabras son del fuego

y él no tiene cara

Alberto de Mari

7

SGAMBATTI, Milton Júnior. O narrador e a narrativa gráfica de Lourenço

Mutarelli em Nada me Faltará. Dissertação de mestrado. Programa de Estudos Pós-

Graduados em Literatura e Crítica Literária. Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, SP, Brasil, 2013. 69p.

Resumo

O objetivo central desta pesquisa é o estudo do livro Nada me Faltará de

Lourenço Mutarelli, tendo em vista a ausência de um narrador e a maneira como a

narrativa se instala na intersecção entre o romance e a graphic novel, fato

significativo para um autor advindo dos quadrinhos. Para conduzir estas reflexões,

propomos como hipótese nuclear o fato de ser este um romance que, ao ser construído

apenas por diálogos, coloca-se no limiar com a graphic novel, criando uma espécie de

arte narrativa sequencial a partir do presente, na experiência do aqui e agora da

relação que estabelece entre o texto e o leitor. Fundamentam este trabalho as reflexões

sobre o narrador e o conceito da história, de Walter Benjamin, além do

posicionamento crítico de Will Eisner sobre a arte narrativa da graphic novel. Os

resultados da análise crítica ressaltam como Nada me Faltará se encontra em novo

formato narrativo feito de resíduos e esquecimento, em cujos espaços vazios e

reticenciosos – materializados pelo sinal gráfico ... –, inscrevem-se gestos de um

narrador em estado de potência, próprio da contemporaneidade.

Palavras-chaves: Lourenço Mutarelli, literatura contemporânea, narrador, graphic

novel, história.

8

SGAMBATTI, Milton Júnior. The narrator and the graphic narrative of Lourenço

Mutarelli in Nada me Faltará. Master’s degree dissertation. Program of Pos-Graduate

Studies on Literature and Criticism. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

SP, Brasil, 2013. 69p.

Abstract

The main objective of this research is the study of the book Nada me Faltará of

Lourenco Mutarelli in view the absence of a narrator and the way the narrative installs

itself at the intersection between the novel and the graphic novel, significant fact

arising to an author of comics. To conduct these reflections we propose as a

hypothesis nuclear the fact that this is a novel that, to be write just for dialogues,

stands on the threshold between the novel and the graphic novel, creating a sort of

sequential narrative art from the present, in experience of the here and now of the

relation it establishes between the text and the reader. As grounds for this research are

reflections about narrator and about the concept of history by Walter Benjamin, and

the critical positioning of Will Eisner on the narrative art of the graphic novel. The

analysis results highlight how critical Nada me Faltará is located around for new

narrative format made from residues and forgetting in whose void spaces and

reticence signs, materialized by graphic sign ... are inscribed actions of a narrator in

state of an output, typical of contemporary times.

Keywords: Lourenço Mutarelli, contemporary literature, narrator, graphic novel,

history.

9

Sumário

Introdução: experimentos de Lourenço Mutarelli ...................................................... 10

Quadros e balões: as narrativas gráficas .................................................................... 14

O narrador, Walter Benjamin vs Lourenço Mutarelli................................................. 27

Diálogos sequenciais: uma narrativa gráfica .............................................................. 31

Como interligar o invisível? ........................................................................................44

Considerações finais ................................................................................................... 64

Referências do autor ................................................................................................... 67

Referências gerais ...................................................................................................... 68

10

Introdução: experimentos de Lourenço Mutarelli

O senhor viu como não é fácil decifrar

a escrita com os olhos.

Franz Kafka

Lourenço Mutarelli é conhecido pelos personagens sombrios, movidos a

decepções, fracassos e insegurança, vivendo em um mundo sem ética nem moral.

Além de quinze álbuns de quadrinhos, como O rei do Ponto (Devir, 2000), A Caixa

de Areia ou Eu Era Dois em Meu Quintal (Devir, 2005) e Quando meu Pai se

Encontrou com o ET Fazia um Dia Quente (Quadrinhos na Cia, 2011), é autor da

coletânea de peças O Teatro de Sombras (Devir, 2007) e dos romances O Cheiro do

Ralo (Devir, 2002), O Natimorto (DBA, 2004), A Arte de Produzir Efeito Sem Causa

(Companhia das Letras, 2008), entre outros. Mutarelli também atuou nas adaptações

para o cinema de O Cheiro do Ralo e O Natimorto, ambas dirigidas por Heitor Dhalia.

Quando escreveu seu primeiro romance O Cheiro do Ralo, em 2002,

Mutarelli diz tê-lo feito em cinco dias, mas podemos dizer que o escreveu ao longo de

toda sua vida, pois o livro é uma coletânea de tudo o que viveu; uma mistura de

milhares de coisas. Mutarelli relata que ainda adolescente trabalhou em uma farmácia

na qual havia um banheiro com um cheiro insuportável, e que mais tarde morou em

um apartamento no qual também havia um banheiro mal cheiroso; mais que o cheiro

que subia do ralo, e da memória de Mutarelli, ele parece ter pretendido compor uma

personagem que representasse sua antítese, visto que como trabalhava com nanquim e

desenho, sua roupa sempre parecia suja e cheia de tinta e muitas vezes aqueles que o

encontravam o tratavam mal, como a um mendigo. Assim ele criou uma personagem

que humilhava as pessoas, de modo que “o cheiro do ralo”, em vez de incomodá-la, a

inspirava e alimentava.

Nesse sentido, Mutarelli, desde o seu primeiro romance, já narrava como

quem escreve um roteiro ou como quem produz quadros que revelam mais do que as

palavras podem significar. Desde então, vêm experimentando a voz narrativa em seus

romances, multiplicando os seres narrativos por meio de desenhos, epígrafes e

capítulos do livro.

Em Nada me Faltará (Companhia das Letras, 2010) o experimento é ainda

mais radical: Mutarelli retira qualquer sensação de que há um narrador, de modo que

11

a única presença é a dos diálogos por meio dos quais o leitor poderá reconstruir a

história, aos pedaços.

Ao entrarmos em contato com Nada me Faltará, o mais recente romance de

Lourenço Mutarelli, o que nos intrigou foi justamente essa ausência de narrador em

um romance composto apenas por diálogos, sem nenhum elemento que os articulasse

de modo claro. Uma das indagações que nos fizemos então foi em que medida esse

narrador se afastava do modelo da tradição sobre o qual reflete Walter Benjamin em

seu clássico ensaio O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov, de

1936, (BENJAMIN, 1983) e em que lugar ele se alojava? Como se dava essa narração

pobre de experiência e feita de resíduos dispersos? Por fim, voltamos a nos questionar

de modo ainda mais incisivo: esse narrador é nenhum ou vários? Se vários, como

multiplicá-los nesse vazio de tempo?

Nossa primeira hipótese de trabalho foi a de que Mutarelli construía sua

narrativa à semelhança de uma graphic novel, apoiado firmemente em sua própria

trajetória de vida, visto que é um escritor que iniciou sua carreira como quadrinista.

Mas, nesse “romance”, Mutarelli criou uma narrativa híbrida entre a palavra e a

imagem, alocada na sutil linha que divide a graphic novel do romance propriamente

dito.

Nossa segunda hipótese de trabalho é a de que a narrativa gráfica de Nada

me Faltará, à semelhança das graphic novels do autor, tem a capacidade de nos fazer

experimentar um tempo simultâneo, em que passado, presente e futuro se condensam.

E o leitor, ao experimentar essa narrativa, deve caminhar por meio dos vazios de uma

narração que não tem continuidade no tempo e se oferece aos pedaços, vistos por

muitas perspectivas; ao fazer isso o leitor deve ser capaz de construir sua própria

imagem do tempo (passado, presente e futuro).

Nossa terceira hipótese de trabalho é que essa maneira de narrar é capaz de

interligar o invisível e, com isso, nos autoriza a não renunciar nossa relação com a

experiência, mesmo que fragmentada; nisso a situação do escritor (anotador) se

aproxima sobremaneira da do leitor: mais do que escrever, Mutarelli lê o mundo de

que participa.

Este trabalho se propõe, então, a refletir sobre o exercício da arte narrativa de

um autor cujos estudos críticos, ainda que poucos, convergem ou para a análise de

situações que espelham conflitos psicológicos, ou para a dos quadrinhos, mas de fato

nenhuma pesquisa acadêmica se voltou para sua obra literária de modo mais crítico,

12

como o que objetivamos aqui ao refletirmos sobre a posição e o papel do narrador em

Nada me Faltará, nos interstícios de uma forma entre a graphic novel e o romance.

Assim, antes de adentrarmos ao nosso objeto de pesquisa, discorreremos brevemente

sobre algumas pesquisas acadêmicas existentes sobre a obra de Mutarelli que, de um

modo ou de outro, iluminaram o caminho que buscamos percorrer.

A primeira a nos chamar a atenção foi a de Liber Eugenio Paz, mestre em

Tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, que desenvolveu sua

dissertação de mestrado entre 2006 e 2008 apoiado na obra de Lourenço Mutarelli;

nela ele pesquisou essencialmente as publicações em quadrinhos de Lourenço

Mutarelli editadas entre 1988 e 2006 focalizando o desenvolvimento da sociedade e

sua relação com a tecnologia. O título de sua dissertação Considerações sobre

sociedade e tecnologia a partir da produção de histórias em quadrinhos de Lourenço

Mutarelli no período de 1988 a 2006 já indica de modo evidente o foco principal de

sua pesquisa, que põe em cena o estilo da escritura de Mutarelli, mas diz muito pouco

sobre seu narrador ou a construção de suas personagens.

Outra interessante dissertação apoiada na obra de Mutarelli é a que Leila

Toshie Yabiku defendeu em 2008 no Programa de Mestrado em Psicologia Clínica na

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob o título: Um desafio na construção

superegóica: Lourenço e o pai. Sua dissertação é apoiada na obra O Cheiro do Ralo,

de Lourenço Mutarelli, publicada pela Devir Livraria em 2002 e reeditada pela

Companhia das Letras em 2011, e elabora uma análise psicanalítica da personagem

em sua relação com o pai, porém trata a personagem como caso clínico, fazendo da

literatura meio para a análise psicanalítica.

Como a obra de Mutarelli ainda se encontra livre de estudos acadêmicos,

pelo menos no segmento da Crítica Literária -em dissertações de mestrado ou em

teses de doutoramento-, buscamos outras pesquisas que pudessem discutir ou nos

apresentar um panorama um pouco mais amplo sobre a figura do narrador na

literatura contemporânea. Nessa busca nos concentramos, também, em dissertações e

em teses de doutoramento que, de alguma forma, identificassem a ausência ou a

multiplicidade de narrador(es) e ai encontramos alguns trabalhos interessantes, como

o de Enedir da Silva dos Santos A constituição da personagem em Lorde, de João

Gilberto Noll, tese de doutoramento defendida em 2008 na Universidade Federal do

Mato Grosso do Sul. Essa pesquisa mostra que o autor esboça uma personagem

inserida na sociedade ocidental do século XXI, traduzindo-lhe as mazelas existenciais

13

em um indivíduo desfigurado, anônimo e transitório; um ser errante e desmemoriado

muito próximo à personagem Paulo de Nada me Faltará.

Outra interessante dissertação Nove noites: o discurso do narrador e a

construção do personagem na ficção contemporânea, de Claudia Regina Bergamim

defendida em 2006 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, investiga a

importância da presença de dois narradores na obra de Bernardo Carvalho e as

transformações ocorridas ao longo dos anos na arte de contar histórias. Além disso,

demonstra como o discurso do narrador na narrativa atual pode ser responsável por

um texto que mistura fatos reais e imaginários sem, contudo, romper o compromisso

com a ficção.

Ainda nessa direção, está a dissertação de Maria de Fátima da Silva Pereira –

O narrador na fronteira entre deixar e apagar marcas: um estudo sobre O matador

de Patrícia Melo – defendida em 2005 na Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, na qual se observa a hesitação de um ato narrativo presente e ausente, já

indicativo desse questionamento ao ato de narrar de uma experiência que lhe escapa.

Por fim a pesquisa de Izadora Netz Sieczkowski apresentada, em 2011, ao

Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Para além dos

quadrinhos e graphic novels: os estudos literários e visuais em diálogo – na qual se

discute o fato de as graphic novels apresentarem aos leitores um universo bem mais

complexo do que se pode imaginar; nela, Sieczkowisk analisa comparativamente três

graphic novels que oferecem ao leitor uma articulação entre diferentes tipos de

linguagem, como a visual e a escrita, além de discutir como o tipo do traço e a cor das

imagens podem contribuir para a construção do sentido e da mensagem que se deseja

passar. Trata-se de uma pesquisa que contribui para a quebra do preconceito de que as

graphic novels são puro entretenimento para crianças e adolescentes e não parte da

literatura propriamente dita.

14

Quadros e balões: as narrativas gráficas

Faremos agora um brevíssimo comentário sobre como se dão as narrativas

gráficas, também chamadas de graphic novels pelo seu mais importante escritor e

pesquisador, o norte americano Will Eisner. Nossa intenção é apresentar ao leitor

parte de seu estudo a fim de comparar futuramente essa técnica de contar uma história

com a utilizada por Lourenço Mutarelli em Nada me Faltará.

Diferente do que se pode esperar de uma graphic novel tradicional em que os

quadros e as ilustrações e até mesmo as intervenções do narrador nos orientam pela

história, em seu mais recente romance, Mutarelli experimenta uma narrativa gráfica,

sem utilizar nenhum dos artifícios comuns à arte sequencial.

Ao longo de sua experiência como desenhista e escritor Mutarelli salta da

graphic novel para o romance em busca da “liberdade” que o traço não mais lhe

oferece e, então, se rende ao poder da palavra. Quando do lançamento de seu romance

A Arte de Produzir Efeito sem Causa, pela Companhia das Letras, em 2008, em

entrevista para o blog da editora, Mutarelli comenta:

A imagem continua presente em meu trabalho, mas agora eu trabalho para

evocar essa imagem através das palavras. Eu acho que quando a gente lê

um texto imaginamos a realidade, ou algo muito parecido com o que está

descrito. E quando você representa isso graficamente, já é um filtro, eu

acho que você já impõe um pouco desse universo [aos leitores].

(MUTARELLI, 2009. grifo nosso)

Com isso Mutarelli nos mostra o quão importante é para ele se ver livre das

amarras que as imagens, que gritam na folha de papel, lhe proporcionam e volta aos

experimentos em seus desenhos, mas agora abre mão da imposição da imagem para

entrar em contato com a liberdade do texto.

Ao longo do tempo foi natural à intersecção entre a arte gráfica e a arte

15

narrativa, na década de 1970, impulsionada pelos grandes avanços tecnológicos surge

a história ilustrada, isto é, a junção entre a arte narrativa e a arte gráfica. Atraídos por

essa nova possibilidade, artistas e escritores iniciam uma parceria que colocaria no

mercado editorial desde pequenos contos até histórias (novelas e romances) inteiras

ilustradas. É fato que esse formato não era uma total novidade, mas seu renascimento

e fortalecimento, devido às facilidades tecnológicas de impressão da época,

fortaleceram um rico veículo artístico de comunicação.

Podemos observar um exemplo desse “novo” formato na imagem a seguir:

Imagem retirada de Narrativas Gráficas (EISNER, 2008. p. 31)

Diz Eisner que:

“Nessa forma de narrativa gráfica, o escritor e o artista preservam sua

soberania porque a história vem do texto e é embelezada pela arte. O ritmo

vagaroso desse tipo de narrativa oferecia ao leitor mais tempo para

observar melhor a arte.” (2008. p.31)

E, reflete, com certo pesar, embora as técnicas utilizadas pelos ilustradores

sejam as mais variadas e até mesmo sofisticadíssimas para a época, ainda assim o

mercado resistia a conceituar o objeto como livro. (2008. p.31)

16

Segundo Eisner, o perfil do leitor, sua experiência e características culturais

devem ser levados em consideração pelo narrador para que esse possa contar sua

história com sucesso. Uma boa comunicação depende da memória, da experiência e

do vocabulário visual do próprio narrador.

“Nas histórias em quadrinhos, espera-se que o leitor entenda coisas como

tempo implícito, espaço, movimento, som e emoções. Para que isso ocorra,

um leitor deve não apenas se utilizar de reações viscerais, mas também

fazer uso de um acúmulo razoável de experiências.” (2008. p.53)

Devido à ausência de som, o diálogo nos balões age como um roteiro que

convida o leitor a recitá-lo mentalmente e, segundo Eisner: “O estilo do letramento e a

simulação de entonação são as pistas que habilitarão o leitor a ler o texto com as

nuances emocionais pretendidas pelo narrador.” (2008. p.65)

Imagens retiradas de Narrativas Gráficas (EISNER, 2008. p. 65)

Não é difícil perceber a intensidade de cada um desses dois quadrinhos.

Embora a imagem e o conteúdo do texto sejam os mesmos o letramento, o tamanho e

o preenchimento de cada um dos balões, modificam e intensificam a sensação de

agonia da personagem. Além disso, o leitor, no segundo quadrinho, é convocado de

17

modo muito mais intenso a participar da dor da personagem, com isso ele tende a

ficar mais “preso” à história que no primeiro quadrinho.

Um breve prólogo deve ser capaz de capturar o leitor dos quadrinhos para o

restante da história. Não temos como saber exatamente o que o leitor está imaginando

quando descrevemos sucintamente uma ou outra personagem, por isso de alguma

forma a imagem criada por cada leitor não pode vir a comprometer a história.

Imagens retiradas de Narrativas Gráficas (EISNER, 2008. p. 20)

Além desses elementos existem padrões de referência que são

universalmente válidos e que não precisam de explicações mais detalhadas para que

possam ser compreendidos, basta escolher bem a ilustração, por exemplo, em uma

cena de salvamento, como as abaixo, é fácil perceber se a situação é de heroísmo ou

de humor, não?

Imagens retiradas de Narrativas Gráficas (EISNER, 2008. p. 23)

Nos anos 1930, o auge das histórias em quadrinhos de aventura, os

quadrinhos eram numerados para orientar os leitores. Como se pode observar na

reprodução da história do Príncipe Valente, de 1937, a seguir:

18

Imagens retiradas de Narrativas Gráficas (EISNER, 2008. p. 140)

Hoje em dia não há essa necessidade dado o alcance que as histórias em

quadrinhos têm no mundo todo. Will Eisner, um dos mais premiados quadrinistas

norte-americanos, estudou a arte narrativa por alguns anos e percebeu que

“invariavelmente, o narrador se identifica com a narrativa de alguma forma, se sente

parte dela.” (2008. p. 163) Pensando sobre o mercado editorial Eisner afirma que

19

“o narrador gráfico não pode fugir do mercado. Uma história em

quadrinhos é essencialmente visual, e isso define o produto. ... O

narrador gráfico, em busca de um lugar no mercado, dará supremacia ao

trabalho gráfico. O narrador gráfico interessado na captação de leitores

manterá a parte gráfica a serviço da história.” (EISNER, 2008. p.163)

Alguns deles, no entanto, acabam por se aventurar para além das graphic

novels e esse é o caso de Lourenço Mutarelli, que, advindo dos quadrinhos, adentrou

o mundo dos romances e da literatura há 11 anos quando escreveu O Cheiro do Ralo,

em 2002. Ele diz ter tomado essa decisão para oferecer ao leitor um leque maior de

possibilidades quando entrasse em contato com suas histórias, oferecendo-lhes mais

liberdade e (principalmente) para se livrar da sensação de que nunca havia conseguido

transpor em nanquim aquilo que estava em sua imaginação. Partiu, então, para a

literatura em busca de novas experiências.

Desde Transubstanciação, sua primeira graphic novel, de 1991, Mutarelli já

intercalava texto e imagem de um modo singular:

20

Imagem retirada de Transubstanciação (MUTARELLI, 1991. p. 19)

Nessa imagem, a fumaça do cigarro da personagem ajuda a delimitar os

“balões” das “falas” do rádio e do televisor ao mesmo tempo em que os intersecciona

de forma a construir uma narrativa que se instala entre imagem e palavra.

Mais à frente em sua graphic novel, Mutarelli oferece ao leitor algumas

páginas sem nenhuma intervenção narrativa. Páginas em que a imagem é capaz de

continuar a história de modo ainda mais eficaz do que qualquer outro tipo de

intervenção narrativa.

21

Imagem retirada de Transubstanciação (MUTARELLI, 1991. p. 47)

E, nas duas páginas finais de sua graphic novel, Mutarelli coloca lado a lado

duas maneiras de construir a história: uma página repleta de “palavras” e uma imagem

central e outra em que o excesso de informação visual dispensa por completo

qualquer intervenção narrativa, como se pode observar nas imagens a seguir:

22

Imagem retirada de Transubstanciação (MUTARELLI, 1991. p. 52)

23

Imagem retirada de Transubstanciação (MUTARELLI, 1991. p. 53)

Em A Caixa de Areia ou eu era dois em meu quintal, de 2005, Mutarelli

desenha uma página em que cada uma das personagens repete uma mesma frase sem

parar, sem nem ao menos se importar com a presença do outro, para nas páginas

seguintes nos oferecer a imagem de um carro em que as personagens viajam, cada vez

mais imersas em um estranho deserto. Além disso, o fato de aproximar-distanciar a

imagem, como se fosse uma câmera de cinema, faz com que a narrativa gráfica vá

sendo construída à medida em que o leitor se coloca dentro da cena, no instante

presente de sua ação de leitura verdadeiramente performática.

24

Imagem retirada de A caixa de Areia ou eu era dois em meu quintal (MUTARELLI, 2005. p. 36)

25

Imagem retirada de A caixa de Areia ou eu era dois em meu quintal (MUTARELLI, 2005. p. 37)

É curioso como a focalização da cena, que corresponderia ao foco narrativo,

vai criando por meio do movimento de aproximação-distanciamento de um olho-

câmera, que é também o do leitor, a sequência narrativa pela justaposição de quadros.

Lourenço Mutarelli sempre apoiou sua obra na experimentação e na ânsia

por descobrir os limites de seu próprio ofício. Ao buscar atingir esses limites produz

seu mais recente romance, Nada me Faltará; nele utiliza uma lógica que se instaura

sobre o não-sequencial dentro de uma arte sequencial escrita na “forma” de romance,

e ao ser questionado sobre o porque de tê-lo escrito de forma tão minimalista, diz:

Achei que a ideia do minimalismo deveria estar também — e

principalmente — na narrativa. Por isso optei em narrá-la em diálogos.

26

Diálogos simples. Cotidianos. Sem poesia ou afetação. Queria construir

um livro com o mínimo possível. O desafio era tornar a história inteligível.

Aproveitando minha trajetória nas histórias em quadrinhos, a ideia que me

ocorreu foi narrar uma história usando apenas os balões. Os diálogos.

Sem recordatórios ou caixas de texto que situassem o leitor no tempo ou

no espaço. (MUTARELLI, 2010b)

É, portanto, fácil perceber que, para Mutarelli, ao menos no que diz respeito

a suas obras, a palavra liberta e a imagem impõe, sua composição de uma graphic

novel não mais poderia ser feita de modo a construir imagens fixas, a única forma de

fazê-las era liberá-las na imaginação do leitor. E é isso que ele experimenta em Nada

me Faltará: uma trama simples expressa unicamente pelo poder da palavra.

Acreditamos que essa sua proximidade com a graphic novel, o cinema e a

literatura cria possibilidades de uso ímpar da relação entre imagem e palavra,

potencializando-as em um verdadeiro diálogo pluridimensional.

27

O narrador, Walter Benjamin vs Lourenço Mutarelli

Nossa responsabilidade começa com o

poder de imaginar.

Haruki Murakami

Walter Benjamin em seu clássico ensaio O narrador: considerações sobre a

obra de Nikolai Leskov, de 1936, reflete sobre a figura do narrador na obra de Leskov,

um narrador clássico (ou oral) cuja função é dar ao ouvinte a oportunidade de um

intercâmbio de experiências, um narrador que narra a experiência por ele vivida em

suas viagens, ou a tradição da comunidade de que participa. Além de traçar o perfil

desse narrador, Benjamin nos apresenta outras duas famílias narrativas: o narrador do

romance, um narrador isolado que não pode falar exemplarmente sobre suas

preocupações mais importantes, pois sua narrativa não apresenta um saber coletivo

tecido na substância viva da existência e o “narrador” da informação, aquele que

transmite, pelo narrar, a informação, visto que escreve não para narrar a sua

experiência empírica, mas o que aconteceu com outros, que não ele, em determinado

local ou situação.

Benjamin estabelece no ensaio, então, as transformações ocorridas nas

maneiras de contar e narrar dos homens. A narração tradicional e a figura desse

narrador remetem a vários aspectos históricos que são enumerados nos ensaios

Experiência e Pobreza, de 1933, e O narrador, de 1936. Ao refletir sobre essas lentas

transmutações que a arte de narrar sofreu ao longo do tempo, Benjamin aponta para a

força da lacuna e da cesura como constituintes de uma nova forma de narrar,

tomando, por exemplo, Kafka e Proust como referências; trata-se de u tipo de

narração e de narrador que dão lugar aos resíduos, às lacunas e ao esquecimento,

fazendo com que a narração tradicional desaparecesse e cedesse lugar a outras formas

de narrativa.

Esse desmoronamento, citado por Benjamin no início de Experiência e

Pobreza e de O Narrador, se acelera com a experiência que a reprodutividade técnica

traz para a vida do homem nas grandes cidades. Aqui as descrições de “choque” de

Benjamin lendo Baudelaire de alguma forma preparam o terreno para a teoria do

“trauma1” em Freud: “choque” e “trauma” possuem origem comum, pois nenhum

1Trauma, em grego, significa ferida ou lesão produzida por ação violenta externa ao organismo.

28

deles consegue ser elaborado simbolicamente; físicos ou psicológicos são rápidos e

violentos demais para não deixarem-se elaborar: ferem.

Essas transformações se manifestam, em termos literários, por meio de uma

mudança em relação à construção da temporalidade e do sentido. A arte não pode

mais “representar” a realidade e o homem de modo a identificá-los; esse é um mundo

que saiu dos trilhos e se assemelha a Babel que criou novas línguas e novos seres.

Nesse contexto, Benjamin opõe a “informação jornalística”, rápida, efêmera e sempre

nova na qual não há um narrador a compartilhar sua experiência de vida, às estruturas

lentas e duradouras da narração tradicional: “isso ocorre porque não chega até nós

nenhum fato que já não tenha sido impregnado de explicações. Em outras palavras:

quase mais nada do que acontece beneficia a narrativa, tudo reverte[-se] em proveito

da informação.” (1983. p.61)

O que se nega ao homem na informação é o poder enigmático da narração,

pois na verdadeira narrativa é facultado ao leitor “interpretar a coisa como ele a

entende - e com isso o que é narrado alcança[ria] a amplitude de oscilação que falta à

informação.” (BENJAMIN, 1983. p.61) Essas mutações em relação às questões do

sentido e do tempo manifestam-se de maneira privilegiada na questão do “sentido da

vida”, isto é também, na questão da morte e da relação entre narração e morte -entre

escritura, memória e morte-. Se a autoridade da palavra do moribundo fundava a

narração tradicional, a degeneração da morte na modernidade também significa uma

ausência de autoridade, de memória e de sentido totalizante nas narrativas.

Criar uma nova forma de contar uma história é o que Mutarelli faz ao

inscrever em Nada me Faltará um narrador entre ausência-presença e que só pode ser

entrevisto por meio de gestos quase mudos, restos de diálogos, multiplicação de

pontos de vista de personagens cuja presença apenas o diálogo marca, como podemos

perceber no início do romance:

Carlos?

Oi, Cris.

Onde você está?

Acabei de chegar em casa. Quer ligar aqui?

Não... Ele apareceu.

Encontraram ele?

Ele apareceu.

Ele apareceu? Ele está vivo?

Ele está bem.

Onde ele estava? Como ele está?

29

Ele apareceu.

Mas onde? Onde o encontraram? Como ele está?

Ele apareceu do nada.

Meu Deus! E como ele está?

Ele está bem.

Você já viu ele?

Não. Quem me ligou foi a Fernanda. Ele apareceu na casa da dona Inês.

Ele apareceu... O que foi que ele disse? Por onde ele andou durante esse

tempo? E como está a Luci, e a menina?

Ele não lembra de nada.

Não lembra? Como assim, não lembra? Minha Nossa! E a Luci e a Ingrid?

Ele não sabe.

Então elas continuam desaparecidas? E ele não se lembra de nada?

É. Parece que a polícia está lá, investigando.

E onde ele está?

Ele está no hospital.

Hospital? Em que hospital? Mas ele está bem?

Está. Está na Beneficência Portuguesa. Parece que ia fazer uns exames.

Que coisa... Eu já tinha perdido as esperanças... Você já avisou o Pedro?

Não, vou ligar agora. [...] (MUTARELLI, 2010. p.6-7)

Eis aí uma narrativa que abre mão de um narrador e se faz pela justaposição de

diálogos, sem que haja nenhuma intervenção ou esclarecimento sobre aqueles que

participam dessas cenas dialogais.

Se narrar implica história, pois todo discurso se insere no tempo, nada

melhor do que retomarmos aqui o último texto de Walter Benjamin, considerado por

alguns como o mais importante texto revolucionário desde Marx, Sobre o conceito da

História, de 1940, também chamado de Teses de Filosofia da História e que é

bastante conhecido do público brasileiro, especialmente depois da publicação de

Walter Benjamin: Aviso de incêndio, de Michael Löwy, em 2005.

Publicado pela primeira vez em 1942 esse texto póstumo e inacabado não

possui versão definitiva. Existem vários manuscritos com número variável de teses. A

redação das Teses se daria provavelmente entre o final de 1939 e o início de 1940.

Nas reflexões de Benjamin, encontraremos tentativas de compreender o

fluxo da história. Não se trata de adquirir um conhecimento isento, dito objetivo, do

passado, mas de articular passado e presente de tal maneira que ambos possam ser

transformados. É esse tipo de reflexão que Benjamin nos oferece: uma história

impregnada de cesura, de interrupção, descontínua e fragmentada e que só pode ser

construída a partir de um discurso lacunar e residual, que articule presente-passado-

futuro condensadamente, em um pensamento constelacional: “articular historicamente

o passado não significa reconhecê-lo ‘tal como ele foi’. Significa apoderarmo-nos de

30

uma recordação (Erinnerung) quando ela surge como um clarão em um momento de

perigo.” (BENJAMIN, 2010. p.11)

Na tese XIV Benjamin caracteriza a história como “objecto de uma

construção, cujo lugar é constituído não por um tempo vazio e homogéneo, mas

por um tempo preenchido pelo Agora (Jeitztzeit).” (2010. p.17; grifo nosso)

Nessa mesma tese, Benjamin, alegoriza o salto2 como a única ação capaz de

fazer a história acontecer, um salto dialético, pois integra passado e presente,

proporcionando que a “verdadeira” história apareça diante de nossos olhos. Essa

relação do presente com o passado não pode, então, seguir os moldes da identificação

com os grandes heróis do passado, tais quais são descritos pela história oficial; pelo

contrário, deve desconstruir a narrativa da “história dos vencedores” e indicar outras

possibilidades narrativas históricas, silenciadas, esquecidas, recalcadas.

É nesse tempo que se inscreve Nada me Faltará: um tempo que é sempre

presente e se materializa nos diálogos que se sucedem ininterruptamente. Há a

construção de um tempo narrativo no qual apenas o presente passa pelos nossos olhos

sem que possamos parar o fluxo para reter alguma imagem que se cristalize como

experiência passada. Em Nada me Faltará experimenta-se o limiar entre a graphic

novel e o romance exigindo um novo tipo de leitor. Um leitor-performer capaz de

habitar o espaço da história com todos os seus sentidos em ação no aqui e agora da

experimentação do entre-lugar de uma narrativa que se faz entre a graphic novel e o

romance

2O salto é para Benjamin algo determinante, pois com ele conseguimos enfim exercer nossa liberdade, visto que não somos livres, mas podemos criar momentos em que exercemos nosso direito à liberdade. Em vários de seus textos essa característica dialética do salto está presente, mas a que nos chama mais atenção, além da aqui exposta, está em As Afinidades Eletivas, de Goethe, de 1922 (BENJAMIN, 2009). Nesse mesmo texto Benjamin parece buscar o teor de verdade viva da obra na sua ligação com o mundo material. Ele acredita que a verdade está impressa no mundo dos fenômenos e que precisa dessa impressão para se realizar. Precisa da aparência para se revelar, e isso não significa que matéria e verdade sejam a mesma coisa, pois, se fosse esse o caso, seria possível um conhecimento imediato.

31

Diálogos sequenciais: uma narrativa gráfica

Después de todo, qué somos, qué es

cada uno de nosotros sino una

combinatoria, distinta y única, de

experiencias, de lecturas, de

imaginaciones3.

Enrique Vila-Matas

Nossa hipótese primeira trata do fato de que Mutarelli ao construir Nada me

Faltará o faz utilizando-se da linguagem dos quadrinhos, por meio de diálogos, sem

nenhum requadro, contorno ou traço que nos possa auxiliar na construção da história;

ao fazer isso, ele acaba por resgatar, de certa forma, o narrador do passado que não

dispunha de nenhum desses mecanismos ou artifícios para contar sua história e

utilizava apenas da fala e da imaginação de seus ouvintes. O que ele nos oferece,

então, é uma espécie de narrativa gráfica construída por meio de uma sequência de

diálogos justapostos. Podemos observar isso logo no início da narrativa, por meio de

uma série de sete diálogos sequenciais.

Observemos o primeiro dos sete diálogos do romance:

Carlos?

Oi, Cris.

Onde você está?

Acabei de chegar em casa. Quer ligar aqui?

Não... Ele apareceu.

Encontraram ele?

Ele apareceu.

Ele apareceu? Ele está vivo?

Ele está bem.

Onde ele estava? Como ele está?

Ele apareceu.

Mas onde? Onde o encontraram? Como ele está?

Ele apareceu do nada.

Meu Deus! E como ele está?

Ele está bem.

Você já viu ele?

Não. Quem me ligou foi a Fernanda. Ele apareceu na casa da dona Inês.

Ele apareceu... O que foi que ele disse? Por onde ele andou durante esse

tempo? E como está a Luci, e a menina?

Ele não lembra de nada.

Não lembra? Como assim, não lembra? Minha Nossa! E a Luci e a Ingrid?

3“Depois de tudo, que somos, o que somos cada um de nós se não uma combinação, distinta e única, de experiências, de leituras, de imaginações.”, em tradução livre.

32

Ele não sabe.

Então elas continuam desaparecidas? E ele não se lembra de nada?

É. Parece que a polícia está lá, investigando.

E onde ele está?

Ele está no hospital.

Hospital? Em que hospital? Mas ele está bem?

Está. Está na Beneficência Portuguesa. Parece que ia fazer uns exames.

Que coisa... Eu já tinha perdido as esperanças... Você já avisou o Pedro?

Não, vou ligar agora.

Eu vou no hospital. Você sabe em qual quarto ele está?

Não. Mas eu também estou indo para lá.

Então nos vemos no hospital. (MUTARELLI, 2010. p.6-7)

Esse diálogo funciona como uma espécie de prólogo da ausência de uma

história que a personagem que a protagonizou, Paulo, nega ter existido, mesmo com

fortes indícios de que aconteceu, por meio de personagens-testemunhas de um

acontecimento passado: o fato de Paulo ter saído de casa há um ano acompanhado da

mulher e da filha, agora desaparecidas.

Outro fato interessante a se observar é que em nenhum momento o nome da

personagem, Paulo, pivô da história, é citado no diálogo entre seus amigos, Carlos e

Cris. Um prólogo que parte do princípio que já saibamos de quem se trata. A pessoa a

quem se referem Carlos e Cris é ele. O pronome ele é citado 25 (vinte e cinco) vezes.

Ainda não sabemos quem é esse ele de que Carlos e Cris falam, mas já tomamos parte

da história. Ela já nos prendeu. Já queremos saber o que houve e construímos algumas

imagens em nossa mente, buscando sentido para esses pedaços de uma narrativa

enigmática.

O núcleo da história na qual estamos adentrando nos é oferecido por meio de

um diálogo telefônico que se justapõe a outro, no qual há indícios de mudança de

cena e de situação de forma direta, sem que o leitor seja conduzido pela mediação de

uma voz narrativa:

Como vai, dona Inês?

Oi, Carlos. Ele não lembra de nada... Meu Deus do céu!

Mas ele está bem?

Ele está bem. Eu é que quase morro de susto.

Ele não lembra de nada? Ele está com amnésia?

Ele se lembra de tudo até o dia do desaparecimento. O que aconteceu nesse

tempo todo ele não sabe.

E a Luci?

Ele não sabe. Ele nem sabia que ela tinha desaparecido junto com ele.

Meu Deus! Que coisa!

Nem me fale. Mas pelo menos ele está bem. Ele não sabe o que aconteceu

33

com a minha netinha.

Calma, dona Inês. Eu acho que com o tempo ele deve recuperar a

memória. E, se ele voltou, elas também vão aparecer.

Ele chegou em casa como se nada tivesse acontecido.

E o que os médicos falaram?

Você sabe como são esses médicos...

Pelo menos ele está aqui de volta e está bem, não é?

É.

Olha lá a Cris.

...

Oi, dona Inês, como vai a senhora?

Vamos levando, minha filha.

Oi, Carlos.

E ai?

Você já esteve com ele?

Não, tem um policial conversando com ele agora.

O policial veio falar comigo também, veio me perguntar se ele tinha

inimigos. Se tinha envolvimento com drogas, se o casamento ia bem.

E o que a senhora disse?

Eu disse a verdade. Disse que meu filho é uma pessoa correta, que tem

uma vida absolutamente normal. Olha lá! Aquele que está vindo é o tal

policial.Duvido que a mãe desse sujeitinho possa dizer o mesmo dele.

Calma, dona Inês. A senhora precisa manter a calma.

Porque ele não veio me interrogar quando o Paulo desapareceu? Por que

eles não o encontraram? Cadê minha neta? E minha nora?

Calma, dona Inês. O Carlos está certo. Não vale a pena a senhora ficar

assim. Agora a gente precisa curtir o Paulo. Eu acho que logo ele vai

acabar se lembrando de tudo, e assim encontraremos a Luci e a Ingrid.

Deus te ouça, minha filha. Deus te ouça. Um ano. O que terá acontecido

nesse tempo todo? Vou aproveitar que o policial saiu e vou até o quarto.

Eles só estão deixando entrar uma pessoa por vez. Quando eu voltar, um

de vocês entra.

Mas a senhora já esteve com ele?

Já, minha filha. É que eu quero ficar mais um pouquinho.

Claro. (MUTARELLI, 2010. p.8-9)

Esses diálogos nos remetem a imagens em quadros e requadros clássicos –

típicos da graphic novel –, como a imagem de Cris ao fundo se aproximando das

personagens que dialogam em primeiro plano, para que, no quadro seguinte, a

aproximação se complete e ela passe a integrar ao diálogo. No entanto, há um sinal

gráfico bastante significativo que materializa o espaço da passagem entre essas duas

cenas: é o sinal de reticências [...] que faz a interligação entre as duas sequências de

diálogos como um gesto narrativo que se delineia nos vazios de um entre-espaço, a

meio caminho entre o visível e o invisível. Muitas são as opções de continuidade, a

partir daqui: ou o policial se aproxima de dona Inês, Carlos e Cris e toma parte no

34

diálogo, esclarecendo sobre sua conversa com Paulo, ou um deles (Carlos ou Cris)

sobe para visitar Paulo, no quarto. Novamente nenhuma intervenção narrativa

explícita acontece e a passagem de cena é inferida rapidamente pela leitura, no

presente da narrativa; os únicos índices gráficos da interligação possível entre as

cenas se materializam nos vãos e passagens entre as cenas por meio de duas marcas: o

espaço em branco ou o sinal de reticências [...], como podemos observar na citação

abaixo:

E aí, Paulo? Como é que você está?

Eu estou legal, eu... estou bem.

Você não imagina como é bom te ver, cara!

É bom te ver, Carlos.

Eu falei com a sua mãe lá fora. Ela levou um susto e tanto quando te viu.

É. Eu sei.

Ela disse que, quando chegaram aqui, foi ela quem precisou ser atendida.

Mas ela está bem agora.

Ela está bem, está bem. A pressão subiu, mas ela está bem.

E você? Que coisa tudo isso.

É.

Que loucura, tudo isso.

É mais estranho para vocês do que para mim.

É mesmo? E o que aconteceu?

Nada. Para mim, não aconteceu nada.

Sua mãe disse que você não se lembra.

Não me lembro de nada. É como se...

O quê?

Como se nada tivesse acontecido.

Mas você está bem?

Só me sinto um pouco cansado.

A Cris está aí fora. Ela veio te dar um abraço.

Minha mãe falou que vocês estavam aí.

Eu vim só te dar um abraço. Vou descer, assim ela pode subir.

Tá legal. Eu preciso descansar um pouco.

Ela só vai te dar um abraço.

Legal.

É muito bom te ver, cara. Você fez muita falta.

Eu estou aqui agora.

Vou deixar você descansar. Amanhã eu volto.

Olha lá o Carlos.

O que você achou dele?

Ele parece bem, dona Inês. Ele parece bem.

Eu vou dar um pulinho lá.

Vai sim Cris.

...

Você achou ele normal?

35

Normal, normal. Ele parece muito bem.

Você não achou ele um pouco diferente?

Diferente? Não, dona Inês. Não notei nada de diferente. A senhora notou

algo? (MUTARELLI, 2010. p.9-10. grifo nosso)

E assim segue a história, diálogo após diálogo, sem nenhuma intervenção

narrativa além dos gestos gráficos, que se dissolvem nos vazios e intervalos das cenas,

e deixam sugeridos as expressões e tons de um discurso marcado pela oralidade. E aí

nova tensão se instaura entre o tom da fala das personagens em diálogo e os gestos

gráficos da escrita no espaço do livro.

...

E você conseguiu lembrar de alguma coisa?

Nada.

Acho que ainda é cedo.

Não sei dizer. Esse tempo todo não passou para mim, entende?

É difícil até de imaginar. E você não lembra de nada?

O que você fez ontem?

Eu? Nada de mais. Por quê?

Mesmo assim, mesmo que não tenha feito nada de mais, o que é que você

fez ontem?

Eu sei lá. Mas porque você está perguntando isso?

Só para ver se você me entende. O que você fez?

Ontem? Eu fui trabalhar... depois a Cris me ligou e eu vim te visitar.

Que mais?

Sei lá. Peguei um puta trânsito na ida... depois, quando saí daqui, fui pra

casa, esquentei um pedaço de pizza no micro-ondas e fiquei vendo TV...

depois fui dormir.

Agora, imagine se você acordasse hoje, chegasse no trabalho e todo mundo

ficasse surpreso e dissesse que se passou um ano?

...

Entendi. Então é assim que você se sente?

É isso.

Essa sensação deve ser horrível.

Para mim nada aconteceu. Eu não tenho como mostrar esse entusiasmo que

vocês demonstram ao me ver. Eu sei que isso pode parecer duro, mas, para

ser honesto, nem senti falta de vocês. O que foi um ano para vocês foi

ontem para mim.

É... É difícil...

Oi, Carlos.

Bom dia, Johnny.

É sério que o Paulo apareceu?

É. Estive lá com ele ontem.

Porra, e o que aconteceu?

Ele não se lembra de nada.

Mas onde encontraram ele?

36

Não encontraram. Ele apareceu.

Caramba!

É. É uma história muito confusa.

(MUTARELLI, 2010. p.16-17. grifo nosso)

Embora no primeiro diálogo não haja nenhuma imagem, indicação ou

descrição do local em que ocorre a cena, é fácil imaginar que Carlos e Paulo estão no

hospital, até porque é lá que Paulo estava no capítulo anterior e, como ele é uma das

personagens do diálogo isso fica implícito; mas no diálogo seguinte, Carlos conversa

com uma nova personagem: Johnny; como não sabemos ainda quem é Johnny,

precisamos adentrar muito mais no diálogo para conseguir descobrir que Carlos,

agora, está no escritório e que Johnny é seu colega de trabalho.

O que queremos enfatizar aqui é que não há nenhuma intervenção de um

narrador entre as cenas ou ainda imagens típicas da arte sequencial que esclareçam o

que está acontecendo, como podemos observar no primeiro e sétimo quadrinho, na

imagem a seguir:

37

Imagem retirada da graphic novel Vida Louca (MARTIN, 2008. p. 73)

No que diz respeito à arte sequencial, seja a história narrada em primeira ou

em terceira pessoa esse artifício é bastante usual, mas em Nada me Faltará somos

privados das noções de tempo e espaço como algo contínuo e temos que saltar por

entre cenas, completando mais lacunas que as usuais. Com isso Mutarelli nos coloca

em contato com outro modo de narrar no qual o narrador não possui mais a autoridade

de antes. Temos apenas os fragmentos da história e devemos caminhar pelos vazios

que a narrativa nos oferece.

Esses vazios são entremeados por diálogos que se portam como narradores

38

particulares, como entes capazes de nos contar a história. Não há blocos acinzentados

de texto ao longo do romance, apenas curtas frases que compõe diálogos que se

mostram como gestos que integram os (não) acontecimentos entre si e dão forma a

narrativa. São esses múltiplos diálogos e a maneira com que são dispostos (com

espaços entre si) que suportam uma narrativa que se auto pronuncia.

Walter Benjamin, em seus ensaios Experiência e Pobreza, de 1933 e O

narrador, de 1936, já antecipava essa transmutação na maneira de narrar. Segundo

ele, as relações e as transformações ocorridas na história e nas maneiras de narrar dos

homens, favorecem lentas transmutações nos gêneros literários e mesmo nas

narrativas banais e cotidianas, tal qual esta da personagem Paulo de Nada me Faltará.

Quando dizemos que Mutarelli nos oferece uma narrativa gráfica temos em

mente algumas imagens que queremos explicitar aqui de modo a apoiar nossa

hipótese primeira de que ele faz isso de modo consciente ao construir uma

“narrativa” utilizando-se dos conceitos da graphic novel sem a limitação usual de

seus contornos e requadros.

A fim de traçarmos um paralelo que evidencie os cruzamentos entre a

graphic novel e este modo narrativo de Nada me Faltará, usaremos como exemplo

alguns fragmentos de Retalhos: um romance ilustrado (2009), de Craig Thompson,

um premiado quadrinista norte-americano:

39

Imagem retirada da graphic novel Retalhos (THOMPSON, 2009. p. 115)

E em Nada me Faltará:

Deus te ouça, seu Olímpio. Deus te ouça. No fundo eu procuro não ter

expectativas. Eu não quero ficar alimentando a esperança.

Eu entendo a senhora.

...

Como vai, seu Olímpio?

Paulo. Que bom ver você, meu rapaz.

...

Eu vou passar um cafezinho.

...

Meus sentimentos seu Olímpio. Eu lamento por dona Carlota.

Pra você ver como são as coisas. Ela vinha enfrentando bem, sabe?

Deve estar sendo muito difícil para o senhor.

Ela estava resistindo. O câncer estava sob controle. Mas, quando vocês

desapareceram, ela não aguentou. Ela entregou os pontos.

Eu sinto muito.

40

...

Paulo, você acha que elas vão aparecer?

Eu não sei seu Olímpio. Sinceramente não sei.

Sabe, Paulo, eu fiquei muito surpreso quando disseram que você tinha

voltado. Eu não tinha mais esperanças.

Eu imagino.

Você acha que elas podem estar vivas?

Eu não sei.

Mas o que você acha?

Olha, seu Olímpio, eu quero acreditar que sim.

Eu acho que logo, logo nós vamos ter notícias. Eu tenho certeza que elas

vão voltar, assim como você voltou.

Vamos torcer por isso.

...

A gente não é ninguém quando está sozinho.

(MUTARELLI, 2010. p.36-37. grifo nosso)

Na graphic novel, de Craig Thompson, os momentos de silêncio são

expostos por quadrinhos em que não há nenhuma fala, nenhum balão, mas neles fica

evidente a expressão facial de suas personagens, assim como o que duas delas estão

fazendo, nesse caso se distanciando do ponto original da cena e da outra personagem

enquanto essa se recompõe do tombo que havia levado no segundo quadrinho; por

outro lado no romance, de Mutarelli, esses momentos de silêncio são evidenciados

pelas reticências utilizadas entre uma e outra fala. Apesar de termos essa sensação de

que um silêncio está em cena, não temos nenhuma imagem de como as personagens

estão reagindo, suas expressões faciais e seu comportamento corporal ficam

completamente a cargo da imaginação do leitor. Mutarelli retira mais que as amarras

do requadro de seu romance. Retira dele tudo o que pode, mas ainda assim o deixa em

pé.

Mais à frente, em sua graphic novel, Craig Thompson faz uso de silêncios e

de reticências, mas, no exemplo que utilizaremos, essas expressam a impossibilidade

de traduzir em palavras aquilo que uma de suas personagens está sentindo. É fato que

isso também ocorre no romance de Mutarelli, mas a intensidade e a multiplicidade de

significados que o uso dessas reticências possui em seu romance é amplificada. Tais

silêncios são também parte de outro fragmento dessa graphic novel, como veremos a

seguir:

41

Imagem retirada da graphic novel Retalhos (THOMPSON, 2009. p. 181)

Nela, percebemos uma personagem que após receber um presente de sua

namorada fica sem palavras dado o inusitado de ter recebido um cobertor feito de

retalhos (daí o nome do livro). Além desse momento de mudez, esse trecho modifica

de modo muito interessante o foco de visualização da cena. Antes ela estava sendo

vista a partir dos olhos de seu narrador; entre o segundo e o quinto quadrinhos, a

focalização muda para os olhos da personagem para, no sexto e último quadrinho da

página, voltar para os olhos de seu narrador. Isso dá movimento e intensidade ainda

maior à cena.

Buscando uma passagem que traga alguma sensação parecida com a descrita

acima, no romance, de Mutarelli, encontramos o uso de dois tipos de reticências:

Oi Paulo.

Tudo bem, Cris?

Tudo, e você? Desculpa, te manchei de batom.

...

42

Como é que você está se sentindo?

Eu estou bem, Cris. E você?

Tudo bem. Nossa! Nós rezamos muito por vocês.

Obrigado pela intenção.

É estranho.

O quê?

Essa situação. Eu queria dizer tanta coisa...

Eu acho que eu deveria ouvir o conselho dos médicos, sabe? Talvez seja

melhor eu descansar um pouco.

(MUTARELLI, 2010. p.11-12. grifo nosso)

A segunda utilização das reticências pode ser interpretada como a falta da

personagem em encontrar palavras para descrever o que sente, tal qual aconteceu com

a personagem masculina da graphic novel citada há pouco; por outro lado a primeira

utilização das reticências pode ser interpretada como um momento de silêncio entre as

personagens; algo como um quadrinho sem balões como o que se pode ver no quarto

ou quinto quadrinho da página mostrada há pouco.

Mutarelli constrói uma graphic novel na qual o leitor caminha pelo não

quadrinho e pelo quadrinho ao mesmo tempo de modo a estar, simultaneamente,

dentro e fora de uma narrativa gráfica; mas também dentro e fora do modelo de

romance, tal qual o entendemos no contexto do século XIX, porém, que vai de

encontro com aquilo que é o romance para Bakhtin: um espaço dialógico e tensional

do “homem que fala”, um campo no qual a tensão de forças é a constante e todos os

demais gêneros – literários e não literários – podem habitar em um diálogo não

harmônico e dissonante.

O grande prazer do texto de Mutarelli é percorrê-lo, não decifrá-lo. Podemos

dizer que Mutarelli nos oferece uma espécie de narrativa tradicional ao devolver-lhe

seu poder enigmático, pois, como refletiu Walter Benjamin, em O narrador na

verdadeira narrativa é facultado ao leitor “interpretar a coisa como ela a entende – e

com isso o que é narrado alcança a amplitude de oscilação que falta à informação”

(BENJAMIN, 1983. p.61). É isso o que Mutarelli nos oferece em Nada me Faltará:

um espaço de experimentação de uma nova narrativa feita de restos de romance e

graphic novel, amalgamados.

Desta forma, embora a linha sequencial esteja comprometida por blocos

justapostos de diálogos que colocam e retiram de cena personagens e situações

espaço-temporais distintas, é no contato com esses diálogos, nas numerações dos

43

capítulos, separando cada take de ação, nos vazios dos espaços entre cenas e nas

reticências [...], disseminadas por toda a narrativa, que temos o fugaz aparecimento de

gestos narrativos, nada mais do que isso.

Cabe ao leitor a responsabilidade de remontar a história, e para isso, ele deve

recuperar dentro de si as experiências que julga importantes e construir, juntamente

com os gestos gráficos que autor e (não) narrador lhe oferecem, na página do livro,

essa nova maneira de contar uma história. Sem imagens, balões, quadros ou

requadros, mas com um campo para experimentar o que é ∕ não é gráfico e o que é ∕

não é textual.

44

Como interligar o invisível?

Um ser real, por mais profundamente

que simpatizemos com ele, percebemo-

lo em grande parte por meio de nossos

sentidos, isto é, continua opaco para

nós.

Marcel Proust

Entrar em contato com os escritos de Mutarelli é uma experiência intensa;

nela devemos ter como finalidade apenas o experimentar, sem buscar nele explicações

imediatas. Textos como os dele “exigem um leitor paciente e atento, que abdique da

expectativa de compreensão e ‘aplicabilidade’ imediatas.” (GAGNEBIN, 2011. p.7)

Ao ler Mutarelli devemos nos permitir entrar em contato com aquilo que ele não

deixa evidente, aquilo que parece estar sob o véu de sua inscrição; essa a maior

riqueza e talvez a mais importante verdade de seus textos.

Para resgatar o passado e articular esse passado com o presente Mutarelli faz

uso –até excessivo– de referências bibliográficas e citações em seus romances. Foi

assim em O Cheiro do Ralo, em O Natimorto, em A Arte de Produzir Efeito sem

Causa, em Miguel e os Demônios e agora em Nada me Faltará não foi diferente. Ele

acaba por recuperar o passado através dos textos literários, que sismografam seu

tempo e por isso se mostram mais confiáveis que a história propriamente dita, e os

articula com o que vive no presente –sua produção literária– para com isso mudar o

passado e o presente criando uma nova possibilidade de futuro para si e para os que

com ele entrarem em contato.

Para citar apenas alguns exemplos de como isso ocorre e permeia toda sua

obra podemos perceber que em A Arte de Produzir Efeito sem Causa além das

citações epigráficas que povoam todo o romance há um momento especial em que há

uma procura por uma referência bibliográfica; em um primeiro momento as

personagens procuram o livro sem saber ao certo o que procuram:

– Boa tarde. Posso ajudar?

– Boa tarde. Eu estou procurando um livro que depois fizeram um filme.

Não lembro o nome do autor. Acho que é um autor russo.

– Vamos ver no sistema. Qual o título?

– Eu não lembro...

– Sabe a editora?

– Não. Eu nunca vi o livro, mas a capa do filme é um homem com uma

45

máquina de escrever no lugar da cabeça. (MUTARELLI, 2008. p.114-115)

Mais à frente, melhor orientada no caminho a seguir, a personagem encontra

o livro:

Sai apressada. Burroughs. Precisa encontrar os livros de Burroughs. [...]

Na hora do almoço vai passar na livraria que fica na rua da loja. O único

título que conhece de sua obra é Naked lunch. Já é um começo. [...] não

encontra o livro na grande livraria. Corre os sebos da região. Encontra uma

edição em português publicada em 2005. [...] Lê [...] (2008. p.195-196)

Através da leitura a realidade (e o presente) se altera com o conhecimento do

literário (e do passado) e “Bruna [a personagem] segue lendo arrepiada.” (2008.

p.205)

Em Miguel e os Demônios há várias citações; em uma delas a personagem

diz: “Por falar em citação, vou te dar mais uma: em resposta à célebre declaração e

Sócrates, que disse ‘saber que não se sabe nada’, Arcésilas, um filósofo antigo, disse

que isso já era demais, ou seja, que nem isso ele sabia.” (2009. p.96), mais à frente

cita Darwin: “A relação do homem com o mistério era somente a relação do homem

com a natureza. Como a temiam, a divinizavam. E como bem disse Darwin: ‘A

natureza não é boa nem má, é diferente’.” (2009. p.103) e finalmente em Nada me

Faltará além da referência à memória da infância e do passado alterando o presente

com a lembrança do “Forte apache” (2010. p.22), e da dublagem do “Johnny

Weissmuller” (2010. p.104-105) em determinado momento há uma série de citações

bibliográficas em cascata:

... Se o senhor quiser, podemos consultar os livros que o Paulo comprou.

Isso seria interessante.

Vamos ver, então.

Aqui.

Poxa! Vocês têm todos esses registros.

Como confiar em si e viver melhor, Norman Vincent Peale.

Os parceiros invisíveis, John A. Sanford.

Um minuto para mim, Spencer Johnson.

Histórias escolhidas, esse fui eu que indiquei. Lygia Fagundes Telles.

A cabana, William P. Young.

A hora da estrela, esse também fui eu que indiquei.

Eu, Pierre Rivière...

Espera! Como é o resto do título?

É do Foucault.

Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão!? É

46

isso?

Isso.

(MUTARELLI, 2010. p.123)

Essa manipulação do tempo, que ao resgatar o passado o intersecciona com o

presente criando novas possibilidades para ambos e para o futuro ocorre em momento

de total presentificação da cena, é feita pelo transmutar de formas narrativas, pela

maneira experimental que Mutarelli sempre escreveu.

Desde suas graphic novels, como vimos em algumas figuras de A Caixa de

Areia ou eu era dois em meu quintal, Mutarelli têm uma ânsia barroca por cobrir todo

o espaço em branco da folha por desenho e acaba por fazê-lo como quem sobrepõe

presente, passado e futuro.

Em Quando Meu Pai Encontrou com o ET Fazia um Dia Frio, sua mais

recente graphic novel, de 2011, Mutarelli transporta uma mesma personagem por toda

a obra, em momentos que se justapõem, rompendo com a sequência temporal. Assim,

em determinados momentos a personagem está no presente, mas o texto no passado,

em outros a personagem está no passado, mas a imagem que a suporta no futuro,

como podemos ver nas duas imagens abaixo:

Imagem retirada da graphic novel Quando meu pai encontrou com o ET fazia um dia frio (MUTARELLI, 2011)

47

Imagem retirada da graphic novel Quando meu pai encontrou com o ET fazia um dia frio (MUTARELLI, 2011)

A fazer essa articulação e intersecção temporal Mutarelli acaba por criar

novas formas de narrar, como a “arte narrativa sequencial4” de Nada me Faltará.

Em Nada me Faltará, Mutarelli nos apresenta uma personagem e uma

narrativa que não conseguem sair do presente. Não reconhecem o passado como fato

e nem se deslocam para o futuro.

Pra mim nada aconteceu. Eu não tenho como mostrar esse entusiasmo que

vocês demonstram ao me ver. Eu sei que isso pode parecer duro, mas, pra

ser honesto, nem senti falta de vocês. O que foi um ano pra vocês foi

ontem pra mim.

(MUTARELLI, 2010. p.16)

É essa relação com o passado que nos oferece Mutarelli, um passado

descontínuo, irregular, um passado capaz de nos aceitar como sujeitos do presente e,

ao mesmo tempo, nos impulsionar para o futuro. Mutarelli escreve em um lugar entre

gêneros e cria personagens e uma narrativa novas e capazes de se deslocarem no

tempo e no espaço de forma absolutamente singular. Nesse sentido estamos todos

alocados nessa fratura entre esses dois momentos e, nesse lugar de descontinuidade,

acabamos por não conseguir nos movimentar nem para frente nem para trás.

4Tentamos aqui justapor os conceitos de Arte sequencial e de narrativa.

48

Percebemos, em seu texto, o prezar pelo imediatismo da ação e, para um

sujeito que age como se não houvesse passado um dia sequer -após sua ausência de

um ano-, o procedimento é certeiro. A presentificação absoluta do eu e de suas ações,

decorre não só pela temática exposta, mas principalmente pelo artifício utilizado.

Lourenço Mutarelli, como já dissemos, constrói seu sexto5 romance, Nada

me Faltará, de 2010, apenas a partir de diálogos, como uma espécie de graphic novel,

sem as ilustrações e sem os balões, apenas com texto. Ao construir essa história sem

as intervenções de um narrador, o livro nos oferece a oportunidade de reconstruir a

história por meio dos vazios deixados ao longo do caminho.

Assim, diálogos, reticências e espaços vazios revelam-se como evidências de

gestos de um fluxo narrativo, mesmo que fragmentado e descontínuo, a apontar uma

direção a seguir, como se fossem parte integrante de uma graphic novel ainda não

ilustrada.

A imagem que queremos reproduzir aqui é a de uma constelação, permeada

por intervalos e vazios, por onde se fazem as travessias que se desdobram em

múltiplas direções. Essas interligações, que os astrônomos fazem das estrelas criando

constelações, se assemelham ao que somos convocados a fazer com os diálogos e

espaços vazios desse romance.

5Lourenço Muterelli além dos quinze álbuns de quadrinhos e das cinco peças escreveu seis romances, a saber: O Cheiro do Ralo, de 2002; O Natimorto, de 2004; Jesus Kid, de 2004; A arte de Produzir Efeito Sem Causa, de 2008; Miguel e os Demônios, de 2009 e Nada me Faltará, de 2010.

49

Imagem retirada de http://astro.if.ufrgs.br/const.htm.Acesso em 04/01/2013

Imagem retirada de http://astro.if.ufrgs.br/const.htm.Acesso em 04/01/2013

Embora essa proliferação de vazios (e de reticências) já esteja evidente desde

as primeiras linhas da narrativa, há um momento dos mais importantes que é este:

Bom dia.

50

Bom dia. Eu vim visitar um paciente no quarto 103.

Você é da família?

Não. Sou um amigo.

Só um minuto.

Pois não.

...

O paciente do 103 teve alta hoje pela manhã.

Alta?

É. O sr. Paulo Maturello.

E ele foi para casa?

Imagino que sim.

Obrigado.

(MUTARELLI, 2010. p.18)

O mais significativo nessa passagem é o surgimento do nome integral da

personagem – Paulo Maturello – e a inscrição sorrateira do nome do próprio autor

Mutarelli. Jogo paranomástico que insinua a presença autoral travestida, feito signo.

A reflexão sobre este limiar entre a vida e a sua representação na arte é frequente em

outros trabalhos do autor, seja nas graphic novels, seja em outros de seus romances.

Em A Caixa de Areia ou eu era dois em meu quintal, logo nas primeiras

páginas a inscrição de Lourenço Mutarelli, e de sua família, já se fazem presentes.

51

Imagem retirada da graphic novel A caixa de Areia ou eu era dois em meu quintal (MUTARELLI, 2005. p.7)

Na página seguinte a cena vai se formando e o nome do filho de Lourenço

Mutarelli aparece: Francisco.

52

Imagem retirada da graphic novel A caixa de Areia ou eu era dois em meu quintal (MUTARELLI, 2005. p.9)

E embora a apresentação das personagens deixe evidente a relação com a

vida do autor ele a nega e diz que são apenas personagens de um teatro de sombras.

A propósito O Teatro das Sombras, de 2007, é uma das obras de Mutarelli.

Não por acaso esse é o título do livro, as cinco peças que a compõem oferecem ao

leitor a sombra do que foi e é a vida das personagens, isto é, cada personagem acaba

por tentar se esconder por trás de uma falsa imagem que expressam à sociedade,

imagem que funciona com uma sombra projetada no grande lençol que a sociedade

ergue à frente de cada uma delas.

Como em A caixa de Areia, de 2005, O Teatro das Sombras, de 2007, coloca

em cena uma paisagem, depois uma mobília (como vimos nas imagens anteriores) e

dá sequência a essa construção do cenário com a inserção de cada uma das

personagens, uma após a outra em uma cena construída que visa representar a vida,

53

mas não a representa. Esse artifício evidencia mais que um limiar entre vida e

representação, mas um abismo entre ambas, que a cada página (ou dia) se torna mais e

mais intransponível.

Em o Teatro das Sombras

“Lourenço nos mostra em um espelho o medo que cada um tem de

enfrentar sozinho sua vida e a busca do confronto de não se sentir infeliz.

As pessoas não querem mais ser felizes, só querem se anestesiar e apagar

de suas consciências quão infelizes elas de fato são” (DEVIR, 2007)

Em Nada me Faltará, outras peças enigmáticas se disseminam pela

narrativa, e as mais significativas estão em dois momentos: um primeiro quando entra

em cena um detetive para desvendar o enigma do passado da personagem Paulo e

outra ao final, quando a personagem Paulo, que até então negava o passado que

atribuíam a ela, cria uma nova versão para o ocorrido.

Na primeira delas, é justamente em uma livraria que surgem as pistas para

um possível acontecimento capaz de desvendar o enigma do passado da personagem:

trata-se de um livro de Michel Foucault: Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe,

minha irmã e meu irmão. “Essa obra é resultado de um trabalho coletivo6

desenvolvido em um seminário do Collège de France” (FOUCAULT, 1977. p.XV),

coordenado por Michel Foucault, interessado nas relações entre psiquiatria e justiça

penal: “Queríamos estudar a história das relações entre psiquiatria e justiça penal. No

caminho encontramos o caso Rivière.” (FOUCAULT, 1977, p.IX)

Foucault apresenta, no primeiro capitulo da obra, um dossiê sobre a incerteza

gerada pelo julgamento de Jean Pierre Rivière7 – no qual ora se admitia a existência

de que esse sofria de alienação mental hereditária, ora o oposto, isto é, o fato de que

demonstrava-se lúcido no momento dos homicídios.

Essa tensão entre os discursos psiquiátrico e jurista permearam todo o

julgamento e acabam por mudar a percepção da pena imposta ao réu. No relato,

inicialmente Jean Pierre Rivière fora condenado à morte por parricídio e fratricídio e

depois, perdoado por Sua Majestade, teve sua pena convertida em prisão perpétua:

6 O Dossiê que resultou na obra de Foucault foi organizado, estudado e anotado em um trabalho coletivo realizado por: Blandine Barret-Kreigel, Gilbert Burlet-Torvic, Robert Castel, Jeanne Favret, Alexandre Fontana, Michel Foucault, Georgette Legée, Patricia Moulin, Jean-Pierre Peter, Philippe Riot e Maryvonne Saisson. 7 O caso de Jean Pierre Rivière “estava relatado nos Annales d’hygiène publique et de medicine légale de 1836.” (FOUCAULT, 1997. p.IX)

54

Por sentença do tribunal do júri de Calvados, a data de 12 de novembro de

1836, o chamado Jean Pierre Rivière, de 21 anos, nascido em Courvauden,

habitante da aldeia de la Faucterie, profissão agricultor, declarado culpado

de parricídio, foi condenado à pena de morte, mas por carta de indulto com

data de 10 de fevereiro de 1836, Sua Majestade perdoou o referido Rivière

da pena de morte, comutando-a para a prisão perpétua. (FOUCAULT,

1977. p.180)

Uma intersecção interessante que ocorre entre o relato de Foucault e a obra

de Mutarelli é o fato das transcrições do interrogatório de Jean Pierre Rivière

esvaziarem-se, atravessadas por relatos de pessoas, de alguma forma, ligadas a ele,

como Michel Harson, proprietário e prefeito da comuna de Aunay, que diz conhecer

pouco Jean Pierre (1997. p.23-24); Zéphyr Théodore Morin, doutor em medicina, que

diz nunca ter ouvido falar em Jean Pierre (1997. p.24); Jean-Louis Suriray, cura da

comuna de Aunay, que diz que Jean Pierre sempre pareceu ter um gênio muito doce

(1997. p.24); Gabriel-Pierre Retout, proprietário e agricultor, que afirma conhecer

pouco Jean Pierre (1997. p.24); e vários outros que expressam opiniões sobre os

“fatos”; nesse sentido, essa multiplicidade de versões, que colocam o acontecimento à

prova, criam uma proximidade entre o trabalho de Foucault e a obra de Mutarelli.

Mas o que mais chama a atenção é o fato de termos o relato do próprio Jean Pierre

Rivière, o que chamou a atenção de Foucault: “Sejamos francos. Não foi talvez isto

que nos deteve mais de um ano sobre esses documentos. Mas simplesmente a beleza

do manuscrito de Rivière. Tudo partiu de nossa estupefação.” (FOUCAULT, 1997.

p.XI).

Interessante notar que em ambas as obras há uma espécie de “mecanismo

que sustenta o conjunto: secretamente armado de antemão, [...] [que], uma vez tendo

surgido, apanha todos em sua armadilha, inclusive seu próprio autor.” (FOUCAULT,

1977. p.XIV).

A segunda passagem enigmática, já quase ao final, surge quando a narrativa

cria uma possível conexão entre o livro de Foucault, que Paulo leu, e a versão que

poderia ser perfeitamente possível, desvendando o mistério do desaparecimento de

sua mulher e filha:

Eu tive um pesadelo horrível.

Foi só um sonho.

Tem umas coisas ruins passando na minha cabeça.

Que coisas?

Eu vi alguma coisa.

Você lembrou de algo?

55

Não sei.

[...]

Respira um pouco. Você está branco feito um fantasma.

...

Eu vi a Luci e a Ingrid.

Você deve ter sonhado com elas. Deve ser isso.

Eu vi umas cenas, sabe?

Talvez você esteja recuperando a memória nos sonhos, quem sabe?

Não. Eu espero que não. Foi horrível!

Deve ter sido um sonho.

Eu estava espancando a Luci, cara.

Foi um sonho.

Eu batia nela com um martelo.

Foi só um pesadelo.

...

Eu não sei.

...

[...]

Foi horrível!

Se acalma. Foi só um sonho.

Será?

Foi um sonho. Você está estressado. Todo mundo fica em cima de você.

A gente sabe que tem um monte de gente desconfiando de você, mas eu te

conheço. Você nunca faria uma coisa dessas. Você está sendo

sugestionado. É isso. (MUTARELLI, 2010. p.127-128. grifo nosso)

É fácil perceber a semelhança entre o que houve no relato do Foucault e no

texto de Mutarelli, nos dois casos há modificação do que se tinha como real pelas

versões sobre o acontecido, que se esvai envolto por dúvidas e incertezas.

Durante o julgamento de Jean Pierre Rivière, muitas vezes, algo parecido

com o trecho acima, extraído do romance, acontece, quando, além dos jurados e do

juiz, o próprio réu altera sua versão dos fatos. É em momentos como esse que a

realidade pode se tornar ficção e a ficção, realidade, questionando o intervalo que

separa o acontecimento de sua representação.

Tanto no julgamento do século XIX, na França, quanto na investigação do

enigma, presente no texto de Mutarelli, temos a sensação de que o que existe e

importa é o presente absoluto e que esse é tido como a única verdade dos fatos.

Em Nada me Faltará, Paulo apresenta uma nova versão para os fatos,

levantando a suspeita de que ele é o autor do assassinato de as mulher e filha, no

entanto, essa versão é desacreditada pelo próprio amigo, de modo que desvanece,

também, a certeza que o leitor teria e o enigma permanece. Aliás, o fato de

permanecer sem esclarecimento é o que o faz ser enigma e, por isso mesmo, retorna

56

sobre si e se vê como é: um signo cujo significado se lança no abismo do sentido,

como Giorgio Agamben destaca em Ideia da Prosa “é importante que a representação

pare um instante antes da verdade; por isso, só é verdadeira a representação que

representa também a distância que a separa da verdade.” (1999. p.107)

Também em Nada me Faltará, como em outros romances e graphic novels

de Mutarelli, há uma convergência para situações que apontam para a

inapreensibilidade do sentido, para a incerteza e a inevitabilidade da fratura da

representação incapaz de capturar a verdade, para sempre ausente. É o escritor

dilacerado entre a consciência do fracasso da representação e a busca incessante pela

captura da realidade, da experiência viva daquilo que é o aqui e o agora.

Tal questionamento sobre o intervalo vida-representação ocorre em outro

momento do romance, no início do terceiro capítulo, quando Paulo inicia sua terapia

com o Dr. Leopoldo. Logo no primeiro encontro, ele conta ao terapeuta que as

pessoas dizem que esteve ausente por um ano e que não se lembra de nada deste

período, que para ele é como se tivesse dormido no dia anterior e acordado no dia

seguinte pela manhã em frente ao prédio em que mora sua mãe. Era como se esse

tempo não tivesse passado. Ao detalhar mais o caso ao terapeuta ocorre o primeiro

dos muitos momentos interessantes dessa terapia. Mais que citar o diálogo teremos

que mostrá-lo para que se possa compreender melhor como se dá a escritura de

Mutarelli.

...

Fale um pouco sobre essa situação.

Eu estou bem. É que as pessoas não entendem isso.

Quem são essas pessoas que o pressionam?

Ah! Minha mãe, os amigos, e tem também um investigador.

Investigador?

É. Um policial que trabalha no caso. Nisso que acabo de passar.

...

Fale um pouco sobre o caso em questão.

Eu fiquei desaparecido por cerca de um ano.

Desaparecido?

É.

...

E o que aconteceu durante esse período?

Eu não sei.

Não sabe?

Essa é a questão. Não me lembro de nada. É isso que perturba as pessoas.

Então essa ausência se dá num sentido literário?

Como assim? Quer saber se eu desapareci mesmo, é isso?

57

Isso.

Eu sumi mesmo. Fiquei fora do ar, pra valer. Pelo menos é o que eles

dizem.

...

(MUTARELLI, 2010. p.23. grifo nosso)

Esse diálogo revela o que o terapeuta pensa sobre sentido literário de um

acontecimento, que não merece atenção por não acontecer no campo da experiência

vivida. Novamente aqui retorna a reflexão sobre o limiar entre o vivido e o

representado, de modo que entre o acontecimento e a narração inscreve-se uma zona

de silêncio indicando a impossibilidade de dizer o vivido, em todas as suas múltiplas

dimensões.

A experiência vivida no passado e sua rememoração não existem para Paulo

e por isso não há o que narrar para ele. Só há o presente figidio do aqui e agora sem

laços com o que foi ou virá. Nesse sentido, Paulo não consegue articular passado e

presente da mesma maneira que o fazem aqueles que estão a sua volta. Ele não tem

em seu corpo a marca, o rastro dessa experiência e não quer tê-la, por isso não a sente

como sua.

É essa incomunicabilidade que faz com que Paulo não se entenda com os que

o cercam e a maneira como Mutarelli constrói sua história -apenas a partir de

diálogos- só colabora para que sintamos de modo mais carnal essa tão incômoda

incomunicabilidade. O fato de multiplicar em sua narrativa a quantidade de versões e

pontos de vista das personagens sobre o que poderia ter acontecido com a história

ausente e não registrada na memória e na experiência da personagem Paulo Maturello,

um duplo seu, dissemina em cada um de nós, leitores, essa sensação incômoda de uma

narração que está e não está lá; a experiência de uma falta, de uma lacuna

irremediável capaz de integrar tantas fissuras.

O curioso é que apenas na gravação das sessões de análise que a personagem

Paulo tem a possibilidade de se apropriar daquilo que ouve e ter a experiência de um

acontecimento ausente. Mais importante que isso é perceber o que os vazios dessa

história têm a nos contar. Eles são os verdadeiros narradores, os únicos capazes de

nos oferecer aquilo que não conseguimos desvendar sozinhos.

No momento não estou trabalhando. Também, de certa forma, estou me

readaptando.

De certa forma?

É, porque, como eu disse em nossa primeira sessão, para mim o tempo não

58

passou. E, se o tempo não passou, não tenho que me adaptar a nada.

Então, por que você usou a palavra readaptar?

Bom, porque é isso. De um jeito ou de outro, as coisas mudaram. Mesmo

que para mim nada tenha mudado, a forma como as pessoas me tratam é

muito diferente. E em consequência disso eu acabo mudando.

Fale mais sobre isso.

É isso

...

Preciso me adaptar à forma como as pessoas passaram a me tratar.

(MUTARELLI, 2010. p.51)

Com esse diálogo, Mutarelli nos oferece uma reflexão sobre o que é interno e

externo ao ser humano, sobre aquilo que é experiência e aquilo que é informação, ou

seja, aquilo no qual inscrevemos nossa marca pessoal e a indiferenciação frente aquilo

que nos é exterior e que não traz, portanto, a marca de uma vivência interior. Essa é

uma condição social na qual o homem contemporâneo está imerso e que, de alguma

forma, nos faz outros, diferentes de nós mesmos. Reflexão próxima a essa, Adorno e

Horkheimer fazem em Dialética do Esclarecimento quando dizem que

... o medo de perder o eu e o de suprimir com o eu o limite entre si

mesmo e a outra vida, ... está irmanado a uma promessa de felicidade e

que ocaminho era o da obediência ... sobre o qual a satisfação não

brilha senão como mera aparência, como beleza destituída de poder.”

(2006. p.39. grifo nosso)

Após algumas sessões de terapia, Paulo não consegue mais conviver com as

cobranças e com a necessidade de esclarecer algo que para ele não faz sentido e

encerra a sessão com um diálogo que apresenta de modo ainda mais intenso o

comportamento lacunar da personagem e da própria escrita de Mutarelli:

...

Você se sente agitado?

Agitado? Nem um pouco. Por quê?

Porque você está balançando o pé sem parar.

É ritmo. Estou com uma música na cabeça.

...

Então me diga o que acha que passa na cabeça das pessoas.

...

Lembra quando você falou que o silêncio diz muito?

Sim.

Então, doutor. Interprete o meu silêncio.

(MUTARELLI, 2010. p.65. grifo nosso)

Esse comportamento lacunar não fica apenas evidente pela última frase –

59

“Então, doutor. Interprete o meu silêncio.” (2010. p.65) –, mas também pelo uso das

várias reticências que esse brevíssimo diálogo apresenta. De fato, toda a obra é

carregada de momentos que evidenciam esvaziamento do discurso oral que culmina

no silêncio, no qual se inscreve a insuficiência da linguagem para capturar a realidade

e, novamente, evidencia-se aí a reflexão sobre o ato de representar.

O silêncio! É isso o que Mutarelli busca em sua literatura, e aqui colocamos

seus quadrinhos e seus romances no mesmo grupo: literatura. Se olharmos para seus

quadrinhos especialmente, para sua mais recente graphic novel: Quando Meu Pai

Encontrou Com o ET Fazia um Dia Frio (2011), encontraremos em um livro de cento

e duas páginas, cinquenta sem texto algum além das imagens; dos oito balões, típicos

para diálogos, existentes em todo o livro, apenas dois deles contém texto, os outros

seis estão vazios. Balões sem texto. Literalmente! Páginas completamente silenciosas.

Imagem retirada da graphic novel Quando meu pai encontrou com o ET fazia um dia frio (MUTARELLI, 2011)

Na imagem acima, podemos perceber um traço característico da escritura de

Lourenço Mutarelli que é o investimento no silêncio, entre dizer/não dizer; entre-

lugar em que a representação para um instante a fim de que, tal qual no enigma, possa

olhar para si própria e perceber o sentido lançado no abismo do inapreensível; a

60

fissura irremediável entre o signo e aquilo que deseja representar e apreender. Embora

descreva, no texto lateral, que foi no caminho de volta que o pai contou sua versão

dos fatos, o balão que deveria representar tal experiência está vazio, marca de uma

narração ausente, de uma história que se cala, como acontece em Nada me Faltará.

Interessante, também, é perceber que a página anterior é monocromática,

toda vermelha, sem ilustração, sem variação de tonalidade, sem nada além da

composição com a ilustração em tons de cinza da página a seu lado. Uma espécie

estranha de moldura. Outra característica interessante dessa história é que o livro que

a contém não tem suas páginas numeradas. Quando o lemos podemos ter a sensação

de preenchimento da maneira que melhor entendermos, tanto utilizando as muitas

páginas monocromáticas existentes ao longo da narrativa (são doze), como

acrescentando novas páginas a ela.

Mutarelli nos oferece esse conceito de fluidez do ser no tempo em um breve

diálogo entre Paulo e seu “melhor” amigo Carlos:

Estou falando como alguém que te conhece. Paulo, eu só quero que você

volte a ser o que era.

Eu queria o mesmo de você. Só que eu não acredito que isso seja possível.

(MUTARELLI, 2010. p.72)

Para mais à frente completar com:

...

Sabe o que parece? Sabe quando a gente acompanha uma série, um seriado

estrangeiro, e de repente eles mudam o dublador?

...

Está me ouvindo?

Sei. Eu estou te ouvindo. Não precisa ficar me perguntando isso o tempo

todo.

Pois é, eu não conseguia mais acreditar naquele personagem quando isso

acontecia.

(MUTARELLI, 2010. p.104)

Paulo Maturello, ou deveríamos dizer Lourenço Mutarelli, não pode acreditar

em algo que não revela sua própria voz, por isso não cede, ou constrói uma

personagem que não cede ao desejo alheio de ser quem ele(a) não é.

Para me consolar, eu era muito pequeno, meu pai explicou que aquilo não

era verdade. Ele falou que eram atores, e eu fiquei desapontado com isso.

Daí ele disse que o Tarzan era um ator americano e que a voz que a gente

ouvia nem era a sua voz verdadeira.

Entendi.

61

Acho que, percebendo meu desapontamento, ele deixou bem claro que o

grito era o grito do ator de verdade, mas todo o resto, tudo o que ele falava

era dublado.

Era o Johnny Weissmuller. O grito dele era legendário.

...

E nós só podíamos ouvir sua voz verdadeira quando ele gritava.

Você quer dizer que só assim poderei reconhecer sua voz?

Não. Ao contrário. Agora eu grito o tempo todo. Você esqueceu como era

a voz de quando eu não era eu mesmo. É da voz dele que você deve estar

sentindo falta.

(MUTARELLI, 2010. p.105)

Olhando fixamente para Paulo podemos perceber o que ele vivia: uma

história no sentido literário, como havia dito o Dr. Leopoldo logo no início do livro

(p.23), e agora ele tinha a chance de ser ele mesmo. Personagem de sua própria

história; na verdade, a sua própria história sem versão, nem dublagem. Paulo deixava-

se levar mais pela brisa do presente que pelo vento do passado. De alguma forma, é

isso o que Mutarelli faz em sua obra: cria páginas e páginas de uma graphic novel

sem imagens fixas, com texto sem balões e as oferece a cada um de nós para que

possamos preenchê-las da maneira como melhor pretendermos, sem precisar que ele

os duble para que possamos por eles ser atingidos.

Ao dar voz ao fracasso das personagens, da autoria, do narrador, que não

consegue mais contar, e da própria narração faz disso a nossa experiência viva como

leitores a fim de que atentemos para a nossa própria linguagem, que é nosso modo de

estar no mundo. Por ela, apenas aspectos, sombras fugidias daquilo que chamamos de

realidade. Calar, tornar visível o esquecimento, as lacunas, o abismo que nos separa

do contato direto com as coisas é a oportunidade da experiência mais aguda.

Mutarelli coloca um lençol sobre nosso corpo, não apenas uma venda em

nossos olhos, mas um extenso tecido que envolve todo nosso corpo, fibra que limita

nossos movimentos, mas que, paradoxalmente, nos coloca em prontidão para

apreender o invisível.

62

Gravura utilizada como capa do romance Nada me Faltará, de Lourenço Mutarelli.

A solidão que Paulo experimenta parece ser uma solidão insuperável, capaz

de se aproximar da típica solidão do gênero trágico, como bem lembra Lukács em A

Teoria do Romance quando diz que:

... cada um terá de nascer da solidão e, na solidão insuperável, em meio a

outros solitários, precipitar-se ao derradeiro e trágico isolamento; cada

palavra trágica terá de dissipar-se incompreendida, e nenhum efeito trágico

poderá encontrar uma ressonância que o acolha adequadamente. (2009.

p.43)

Mutarelli faz suas personagens pensarem a esse respeito em muitos

momentos. Citaremos aqui dois deles: o primeiro ocorre quando a mãe de Paulo

reflete que “a gente não é ninguém quando está sozinho.” (MUTARELLI, 2010.

p.37), o segundo, já nas inconclusivas sessões de psicanálise de que Paulo participa,

quando diz a seu analista: “Foi o senhor que disse que eu deveria falar o que me

viesse à cabeça. Nesse sentido, nada me convence. Porque a realidade é algo que deve

ser compartilhado, não é mesmo?” (MUTARELLI, 2010. p.100)

Talvez possamos concluir, então, que Nada me Faltará é justamente a

63

encenação dessa falta, daquilo que se faz presente pela ausência de narrador, de

história a ser contada, de esquecimento, de não acontecimento, de solidão e de

silêncios expressos em um objeto inconclusivo e no qual registramos nossa voz, nessa

zona intervalar entre o romance e a graphic novel.

64

Considerações finais

O senhor é meu pastor.

Nada me faltará

Salmo 23

Ao entrar em contato com Nada me Faltará, de Lourenço Mutarelli, muitas

foram as inquietações que nos moveram, mas a principal delas reside no fato de que

ele é um texto construído sem a presença de um narrador que integre os diálogos

presentes em toda a obra. Em vez disso, a narrativa é construída apenas por diálogos

justapostos, como se estivéssemos frente a uma graphic novel, mas sem se utilizar de

nenhum requadro, imagem, balão ou qualquer outro artifício comum à arte sequencial

dos quadrinhos. Desse modo, decidimos pela polêmica conclusão de que esse texto se

aloja no limiar entre a graphic novel e o romance, um entrelugar no qual ele parece

ficar confortável.

Sabendo que seu autor, antes de iniciar sua produção romanesca, produziu

quadrinhos, imaginamos ser esse um elemento determinante de sua escolha por

utilizar tal experiência no seu text literário. Ao avaliar as outras produções de

Mutarelli, pudemos perceber o quão lacunar é o seu discurso e o quanto ele acaba por

deixar espações vazios para que esses possam ser preenchidos por seus leitores, visto

que isso ocorre tanto em sua produção romanesca quanto gráfica.

Esse modo singular de nos apresentar uma história, abrindo mão de um

narrador integrador é, a nosso ver, um marco importante na trajetória do autor,

evidenciando a qualidade estética de seu trabalho.

Para que essa justaposição de diálogos faça sentido o autor utiliza alguns

artifícios de escrita e de diagramação. A própria marcação dos capítulos com

numeração em corpo bem maior que o usual e o espaço deixado antes do início de

cada diálogo, intensificam o gesto narrativo que acaba por ocupar o espaço do

narrador ausente durante todo o romance.

Além desse espaçamento inicial, cada diálogo, quando em um mesmo

capítulo, está separado por um espaço, como se fosse o intervalo necessário para que

se tome fôlego e se reinicie a sequência de relatos; mais que isso, esses espaços

funcionam como uma “narração” de acontecimentos, dando-nos a impressão de que

temos mais a transcrição de falas feitas por uma testemunha muda, do que um

65

romance. Talvez seja aí um sutil vínculo com a “gravação” que o terapeuta faz das

falas da personagem Paulo, durante as sessões.

A insuficiência da linguagem e o próprio narrador ausente se fazem presentes

pelo uso excessivo do sinal gráfico reticencioso ..., esse o mais intenso índice de

que a responsabilidade pelo ato narrativo se dilui nesse lugar vazio. Nesse texto,

poderíamos dizer também, que nesse registro diário de diálogos, a voz se faz presente

pela reprodução das impressões daqueles que cercam a personagem Paulo e, com isso,

a rememoração do que (não) houve acaba por nos ser fornecida de modo

inconclusivo, visto que essa personagem não toma para si nada do que é descrito

pelos que a cercam. O que temos em mãos é a reprodução inconclusiva das falas das

quais a personagem não se apropria; nem ao menos é possível a rememoração do que

(não) houve e que, portanto, não é reconhecido como experiência.

Pela maneira como a narrativa se faz, isto é, apenas por meio de diálogos

transcritos por terceiros, esse romance cria a possibilidade de experimentarmos um

tempo simultâneo em que passado, presente e futuro se interseccionam e modificam

uns aos outros de forma ainda mais intensa do que aquela prevista por Benjamin,

quando sugere que, ao entrarmos em contato com a história, não adquirimos um

conhecimento isento, dito objetivo, do passado, mas sim articulamos passado e

presente de modo que ambos se transformem e criem uma nova possibilidade de

futuro, também, por essa interação, transformado. (2010)

A construção desse texto no limiar entre o romance e a graphic novel, nossa

primeira hipótese, nos impulsionou em direção à segunda quando imaginamos que é

justamente pela maneira não usual de sua construção que existe a possibilidade de

intensa articulação entre esses momentos temporais criando novas possibilidades não

apenas de futuro, mas de passado e de presente. Naturalmente, essa é uma leitura

inicial da obra de Mutarelli, especialmente no que diz respeito a esse romance, pois

sabemos que com o tempo ele agregará novas percepções e se enriquecerá à medida

que envelhece.

A cada leitura de Nada me Faltará, novos questionamentos e sensações se

colocavam no caminho dessa pesquisa, porém, não quisemos nos desvincular de nossa

temática principal que se ligava intimamente à ausência de narrador e às

consequências trazidas para a obra. Ao iniciar nossa pesquisa pela análise da ausência

de um narrador-integrador e os desdobramentos que isso causava para a narrativa,

66

chegamos à nossa última hipótese, ou seja, que essa maneira de narrar é capaz de

interligar o invisível e, com isso, nos oferecer uma expressão fragmentada do mundo,

sem, no entanto, nos levar à renúncia de outro tipo de experiência: a das lacunas e do

vazio potencial.

Por isso, pensamos que a situação do escritor-anotador se aproxima

sobremaneira da do leitor: mais do que escrever, Mutarelli lê o mundo de que

participa. Imagem por imagem, palavra por palavra e ao criar esse novo estilo de

narrativa ele não a aprisiona a qualquer modelo que possamos ter de gráfico ou de

textual. Com isso, em vez de escrever seu texto ele o anota, como quem transcreve

diálogos que ouve; uma testemunha muda das lacunas do próprio viver; daquilo que

foi esquecido, apagado; dos restos onde tudo/nada falta.

67

Referências do autor

MUTARELLI, Lourenço. Quando Meu Pai Encontrou com o ET Fazia um Dia Frio. São

Paulo: Companhia das Letras, 2011.

______. Nada me Faltará. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

______. Miguel e os Demônios. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

______. A Arte de Produzir Efeito Sem Causa. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

______. O Teatro das Sombras. São Paulo: Devir, 2007.

______. A caixa de Areia: ou eu era dois em meu quintal. São Paulo: Devir, 2005.

______. Transubstanciação. São Paulo: Dealer Editora, 1991.

______. A Arte de Produzir Efeito sem Causa. Youtube, 15 mar. 2009. Disponível em:

<http://www.youtube.com/watch?v=m13G2ekMtl8>. Acesso em 17 de junho de 2013.

______. O minimalismo de “Nada me faltará” Blog da Companhia, 14 out. 2010. Disponível

em: <http://www.blogdacompanhia.com.br/2010/10/o-minimalismo-de-nada-me-faltara/>.

Acesso em 17 de junho de 2013.

68

Referências gerais

ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos

filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

AGAMBEN, Giorgio. Ideia da Prosa. Trad. João Barrento. Lisboa: Cotovia, 1999.

BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da

cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

_____. O Anjo da História. Trad. João Barrento. Lisboa: Assírio & Alvin, 2010.

_____. Ensaios Reunidos: Escritos Sobre Goethe. Trad. Mônica Krausz Bornebusch, Irene

Aron e Sidney Camargo. São Paulo: Editora 34, 2009.

BENJAMIN, Walter., HORKHEIMER, Max., ADORNO, Theodor W., HABERMAS,

Jürgen. Os Pensadores: Textos Escolhidos. Trad. José Lino Grünnewald, et al. São Paulo:

Abril Cultural, 1983.

DEVIR. Livros: O teatro de Sombras. Devir Livraria e Editora, 2007. Disponível em:

<http://www.devir.com.br/mutarelli/teatro_sombras.htm>. Acesso em 17 de junho de 2013.

EISNER, Will. Narrativas Gráficas.Trad. Leandro Luigi Del Manto. São Paulo: Devir, 2008.

______. Quadrinhos e Arte Sequencial.Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,

1999.

FOUCAULT, Michel. Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão:

um caso de parricídio do século XIX apresentado por Michel Foucault. Trad. Denize Lezan

de Almeida. 5. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1977.

GAGNEBIN, Jeanne Marie. Apresentação. In: Escritos Sobre Mito e Linguagem. Trad.

Susana Kampff Lages e Ernani Chaves. São Paulo: Editora 34, 2011.

LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio. Trad. Wanda Nogueira Caldeira Brant,

Jeanne Marie Gagnebin e Marcos Lutz Müller. São Paulo: Boitempo, 2005.

69

LUKÁCS, Georg. Prefácio. A Teoria do Romance. Trad. José Marcos Mariani de Macedo.

São Paulo: Editora 34, 2009.

MARTIN, Jamie. Vida Louca. Trad. Marcelo Barbão. São Paulo: Conrad, 2008.

THOMPSON, Craig. Retalhos: um romance ilustrado. Trad. Érico Assis. São Paulo:

Companhia das Letras, 2009.