23
O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015 1 ISSN 2179-5568 Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015 O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios Tochime Miguel Hino [email protected] MBA Gerenciamento de obras, tecnologia e qualidade da construção Instituto de Pós-Graduação - IPOG Joinville, SC, 27/01/2015 Resumo Este artigo tem como objetivo abordar as questões relativas à gestão ambiental dos cemitérios e o grave problema de contaminação por necrochorume. O questionamento que deu origem à pesquisa é o fato de que se debate o assunto, porém não se sabe exatamente qual é a situação real dos cemitérios no Brasil. Como os órgãos ambientais fiscalizam os cemitérios existentes? Pretende-se verificar os bons exemplos de prevenção e de medidas mitigadoras. Conhecer quais são as outras alternativas de sepultamentos, além do tradicional, menos agressivo ao meio ambiente. Muitos cemitérios brasileiros foram implantados, quando não existiam leis ambientais específicas e, terão que se adaptar as novas normas. Este artigo foi desenvolvido a partir de revisões bibliográficas, com base em artigos científicos publicados sobre cemitérios e seus resíduos nocivos ao meio ambiente e a saúde pública. Para isso, foi feita uma revisão da literatura disponível na internet. Concluiu- se que existem algumas boas práticas e ações implementadas, por outro lado, ainda existe muito trabalho a ser efetuado, tendo em vista a falta de seriedade das autoridades e, o abandono em que se encontram os cemitérios existentes pelo país. Palavras-chave: Necrochorume. Gestão ambiental. Cemitérios. Contaminação. 1. Introdução Este artigo pretende apresentar alguns estudos efetuados por pesquisadores, professores, gestores e peritos ambientais, técnicos e profissionais de engenharia, geologia, química e demais áreas, tendo como foco principal o grave problema dos cemitérios horizontais, com sepultamentos convencionais em túmulos, com a discussão em torno do necrochorume, desde a sua origem iniciando-se pelas inumações, o estudo do tipo de solo existente, das águas superficiais e do lençol freático, a localização dos cemitérios e do seu entorno. O artigo estrutura-se em várias partes, divididas da seguinte forma: inicia-se com esta introdução, seguida da gestão ambiental dos cemitérios, a questão da contaminação por necrochorume, o estudo da vulnerabilidade do meio físico de subsuperfície à contaminação, seguida dos riscos de contaminação da água subterrânea e da água superficial, a situação atual dos cemitérios brasileiros, o monitoramento e medidas mitigadoras, discussões e resultados, a conclusão do artigo e finalmente a apresentação das referências bibliográficas. O estudo sobre este tema se insere na área de conhecimento, práticas de Gestão Ambiental de Resíduos, cujo interesse da pesquisa se iniciou, pela leitura de várias pesquisas e estudos encontrados, com as discussões em torno do necrochorume, cuja relevância de estudos é muito grande, devido à contaminação dos solos e das águas subterrâneas. A seleção dos artigos se justifica pela disponibilidade on line e pela facilidade dos mecanismos de busca. O recorte temporal que se utilizou para a pesquisa bibliográfica inicia-se em 1980 e finaliza-se em 2012. As localidades consideradas

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

1

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios

Tochime Miguel Hino – [email protected]

MBA Gerenciamento de obras, tecnologia e qualidade da construção

Instituto de Pós-Graduação - IPOG

Joinville, SC, 27/01/2015

Resumo

Este artigo tem como objetivo abordar as questões relativas à gestão ambiental dos

cemitérios e o grave problema de contaminação por necrochorume. O questionamento que

deu origem à pesquisa é o fato de que se debate o assunto, porém não se sabe exatamente

qual é a situação real dos cemitérios no Brasil. Como os órgãos ambientais fiscalizam os

cemitérios existentes? Pretende-se verificar os bons exemplos de prevenção e de medidas

mitigadoras. Conhecer quais são as outras alternativas de sepultamentos, além do

tradicional, menos agressivo ao meio ambiente. Muitos cemitérios brasileiros foram

implantados, quando não existiam leis ambientais específicas e, terão que se adaptar as

novas normas. Este artigo foi desenvolvido a partir de revisões bibliográficas, com base em

artigos científicos publicados sobre cemitérios e seus resíduos nocivos ao meio ambiente e a

saúde pública. Para isso, foi feita uma revisão da literatura disponível na internet. Concluiu-

se que existem algumas boas práticas e ações implementadas, por outro lado, ainda existe

muito trabalho a ser efetuado, tendo em vista a falta de seriedade das autoridades e, o

abandono em que se encontram os cemitérios existentes pelo país.

Palavras-chave: Necrochorume. Gestão ambiental. Cemitérios. Contaminação.

1. Introdução

Este artigo pretende apresentar alguns estudos efetuados por pesquisadores, professores,

gestores e peritos ambientais, técnicos e profissionais de engenharia, geologia, química e

demais áreas, tendo como foco principal o grave problema dos cemitérios horizontais, com

sepultamentos convencionais em túmulos, com a discussão em torno do necrochorume, desde

a sua origem iniciando-se pelas inumações, o estudo do tipo de solo existente, das águas

superficiais e do lençol freático, a localização dos cemitérios e do seu entorno. O artigo

estrutura-se em várias partes, divididas da seguinte forma: inicia-se com esta introdução,

seguida da gestão ambiental dos cemitérios, a questão da contaminação por necrochorume, o

estudo da vulnerabilidade do meio físico de subsuperfície à contaminação, seguida dos riscos

de contaminação da água subterrânea e da água superficial, a situação atual dos cemitérios

brasileiros, o monitoramento e medidas mitigadoras, discussões e resultados, a conclusão do

artigo e finalmente a apresentação das referências bibliográficas. O estudo sobre este tema se

insere na área de conhecimento, práticas de Gestão Ambiental de Resíduos, cujo interesse da

pesquisa se iniciou, pela leitura de várias pesquisas e estudos encontrados, com as discussões

em torno do necrochorume, cuja relevância de estudos é muito grande, devido à contaminação

dos solos e das águas subterrâneas. A seleção dos artigos se justifica pela disponibilidade on

line e pela facilidade dos mecanismos de busca. O recorte temporal que se utilizou para a

pesquisa bibliográfica inicia-se em 1980 e finaliza-se em 2012. As localidades consideradas

Page 2: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

2

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

neste artigo são cemitérios de alguns municípios brasileiros, que foram palco de estudos

geológicos, hidrogeológicos, ensaios de campo e de laboratório, monitorados por um tempo

determinado e, desta forma tornaram-se objeto e referência de algumas dissertações, artigos e

trabalhos acadêmicos. Os artigos e demais publicações são assinados pelos autores ou citados

por outros, de modo que serão consideradas as discussões e os resultados obtidos, bem como

responder as questões levantadas neste artigo. Desta forma, este trabalho foi desenvolvido a

partir de revisões bibliográficas, com base em artigos e estudos científicos publicados sobre

cemitérios, tendo como ênfase os males que os mesmos podem ocasionar ao meio ambiente.

Esta pesquisa sugere uma possibilidade de outros estudos de aprofundamento sobre o tema do

necrochorume e, os seus efeitos poluidores e nocivos à saúde da população, bem como da

gestão ambiental dos cemitérios, como empreendimento viável para acesso à população. O

presente artigo tem como objetivo geral: Pesquisar como o problema do necrochorume é

gerenciado em alguns cemitérios brasileiros; como objetivos específicos: entender a ação dos

órgãos ambientais na fiscalização e monitoramento das atividades em alguns municípios.

Conhecer os estudos científicos publicados, os principais problemas ambientais, as medidas

preventivas e mitigadoras, elucidar a questão da contaminação das águas subterrâneas e a

gestão ambiental dos cemitérios como um todo.

2. Gestão ambiental em cemitérios

A população cresce sem parar e o número de óbitos também. As inumações são feitas em

cemitérios, que podem provocar grandes impactos ambientais na região em que estão

instalados. A Resolução CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) nº335 de 3 de

abril de 2003 e a 402/08, regulamentam e estabelecem critérios mínimos que devem ser

integralmente cumpridos na elaboração dos projetos de sua implantação dos cemitérios, como

forma de garantir a decomposição normal do corpo e proteger as águas subterrâneas da

infiltração do necrochorume e a contaminação do solo.

Constata-se o grave problema de descaso em muitos aspectos, principalmente aos terrenos

destinados para a ocupação de cemitérios, geralmente serem aqueles que possuem baixa

valorização econômica, sendo que, muitas vezes, as características geológicas, geotécnicas e

hidrogeológicas, não são avaliadas de maneira adequada, levando a sérios problemas

sanitários e ambientais. Em muitos municípios brasileiros praticamente são nulos, os estudos

e providências neste sentido, sejam pela falta de recursos financeiros ou técnicos existentes

para a implantação destes empreendimentos. Segundo a EMBRAPA (2006), 72,9% dos

municípios brasileiros têm uma população de até 20000 habitantes. E é bem provável que

poucas destas localidades possuam uma política de meio ambiente atuante, voltada para a

gestão ambiental dos cemitérios. Ou seja, grande parte dos municípios brasileiros enterra os

seus mortos, sem maiores cuidados com a contaminação por necrochorume.

Silva L., (2011), em sua pesquisa realizada em 600 cemitérios no Brasil, constatou-se que

75% dos casos de problemas de contaminação e de poluição verificados, eram originados por

cemitérios municipais e 25% por cemitérios particulares, com sérios problemas de locação,

aspectos construtivos e da falta de uma gestão ambiental. Verificou-se que os impactos

ambientais são mais freqüentes em cemitérios municipais, os quais em geral, são implantados

Page 3: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

3

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

e operados de forma negligente e, sem adoção de medidas mitigadoras por parte dos

municípios. Com o crescimento populacional, os cemitérios hoje estão localizados em regiões

centrais, que sofrem desvalorização imobiliária no seu entorno. O que se constata na realidade

é a total falta de gestão ambiental dos cemitérios. Entre os cemitérios pesquisados encontram-

se os cemitérios municipais de São José do Rio Preto (SP), Catanduva (SP) e de Votuporanga

(SP), onde apontaram irregularidades no processo de sepultamento e a maneira de se lidar

com os resíduos, provenientes da decomposição dos corpos. Segundo a pesquisa, passaram-se

20 anos e a situação permanece a mesma, ninguém cobra o cumprimento das resoluções ou

fiscaliza a situação.

Por outro lado, a CETESB, instituição paulista responsável por fiscalizar os cemitérios

particulares ou municipais, somente entra com pedido de vistoria em um cemitério, se houver

uma denúncia com o caso comprovado de contaminação. Portanto, não há uma ação

sistematizada ou mesmo esporádica; para fiscalizar seria preciso perfurar o solo e isso seria

inviável, visto que seria necessário manter trabalhadores especializados em seu quadro

funcional. O órgão ambiental fiscaliza o processo de implantação dos cemitérios, porém após

esse período não há mais atuações. Fiscaliza-se o processo, mas não há monitoramento do

solo, das águas superficiais e subterrâneas após a implantação, na fase de operação dos

empreendimentos.

Existem alguns cemitérios construídos dentro das leis ambientais, obedecendo-se toda a

legislação vigente, porém ainda a maioria dos casos estudados e referenciados nos trabalhos

encontrados, registra-se muitos casos de total abandono, sem nenhuma preocupação com o

meio ambiente muito menos com a população e as condições do entorno. É fato de que com a

implantação de um cemitério em uma localidade, os impactos ambientais e sanitários tendem

a se manifestar, pois altera significativamente o meio em que se está inserido. Com certeza,

estes locais não voltarão mais a serem os mesmos, salvo a implantação de sérias medidas de

prevenção e de mitigação.

2.1. Contaminação por necrochorume

De acordo com Pacheco et. al., (1997), cada corpo decomposto libera até 40 litros de

chorume. O processo de putrefação é composto por duas fases principais: gasosa e a

coliqüativa. Os gases internos, como o metano provoca o dilaceramento do corpo inumado.

Como não há controle, estes gases são lançados ao ar livre, provocando odores que, conforme

a velocidade dos ventos pode abranger grandes regiões. Em seguida, inicia-se a produção e a

liberação de necrochorume, que pode atingir até 12 litros, durante o período de 1 a 4 semanas.

“O segundo período do processo possui duração mais longa, de 2 a 8 anos, ocorrendo

dissolução pútrida” (PACHECO, 1986:25). Desta forma, um determinado local recebendo

esta quantidade de líquido infiltrando no solo e, sem nenhuma medida mitigadora ou de

prevenção desta contaminação, com certeza se terá sérios problemas. A questão resume-se em

não deixar que sejam contaminados o solo, a água e ar. Observam-se pelos estudos dos

cientistas e pesquisadores, várias situações problemáticas encontradas pelo Brasil.

Page 4: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

4

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

Segundo estudos de Matos apud Pacheco (2011), os cemitérios podem atuar como fontes

geradoras de impactos ambientais quando sua localização e manejo são inadequados. A

decomposição dos corpos depende das características físicas do solo, onde o cemitério está

implantado. Podem contaminar os solos e mananciais existentes por microorganismos, que

proliferam no processo de decomposição dos corpos. Em virtude do aumento de volume das

águas pluviais, quase sempre o processo de transporte do necrochorume é acelerado,

ocasionando maior contaminação. Assim surge a necessidade de se construir uma drenagem

superficial eficiente de águas pluviais, em toda a área do cemitério, interligando-se com a rede

pública na área externa. Devem-se instalar calhas e tubulações, dispostas adequadamente nas

áreas internas, coletando as águas superficiais de chuva para fora do perímetro dos cemitérios.

A contaminação pode atingir os lençóis freáticos através de necrochorume, líquido liberado

pelos cadáveres em putrefação, que também pode conter microorganismos patogênicos. Trata-

se de uma solução aquosa rica em sais minerais e substâncias orgânicas desagradáveis,

viscosa, de cheiro forte e grau variado de patogenicidade. O necrochorume é constituído de

60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas,

como a putrescina e a cadaverina.

Desde o final da década de 1980, a Universidade de São Paulo, realiza estudos sobre a

contaminação nos cemitérios paulistas de Vila Nova Cachoeirinha e Vila Formosa.

Detectaram-se principalmente bactérias heterotróficas, proteolíticas e clostrídios sulfito-

redutores. Também foram encontrados enterovírus e adenovírus nas amostras. Verificou-se

que as principais fontes de contaminação das águas subterrâneas no cemitério são as

sepulturas com menos de um ano, localizadas nas cotas mais baixas, próximas ao nível

freático. Nestes locais é maior a ocorrência de bactérias em geral. Os vírus podem ter a

mobilidade maior que as bactérias. Os vírus foram transportados no mínimo até 3,20 metros

da zona não saturada até atingir o aqüífero.

A figura 1 ilustra exemplo de vazamento de necrochorume em sepultura de cemitério.

Figura 1 – Vazamento de necrochorume no cemitério Nova Cachoeirinha em São Paulo (SP)

Fonte: Matos & Pacheco, 2000

Page 5: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

5

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

Os corpos podem sofrer dependendo das condições ambientais locais, fenômenos como

autólise, putrefação e saponificação. A autólise é iniciada logo após a morte, onde as células

deixam de receber oxigênio e de trocar nutrientes e, passam a ser dissolvidas por enzimas do

próprio corpo. Em seguida vem a putrefação que é a decomposição dos tecidos e órgãos por

bactérias e outros microorganismos. Em locais de solos muito úmidos, ocorre a saponificação,

processo em que a quebra das gorduras corporais libera ácidos graxos, que inibe a ação das

bactérias putrefativas, atrasando a decomposição dos corpos. O fenômeno ocorre em

ambientes quentes e úmidos; é comum nos cemitérios brasileiros, onde há alagamento de

sepulturas por águas superficiais e subterrâneas. Constata-se a sua ocorrência no cemitério

Tapanã em Belém (PA), onde os prazos para as exumações podem chegar a 8 anos, bem além

dos 5 anos, constante na legislação. A saponificação dos corpos pode lotar os cemitérios, cuja

rotatividade de vagas fica bastante prejudicada, devido à demora exatamente na exumação

dos corpos.

Uma das primeiras providências nos cemitérios será a instalação, dos sistemas de poços de

monitoramento que deverão ser instalados, conforme norma vigente da ABNT NBR 15495,

Poços de Monitoramento de Águas Subterrâneas em Aqüíferos Granulares, estrategicamente

localizados a montante e a jusante da área do cemitério, com relação ao sentido de

escoamento freático. Os poços deverão ser monitorados e as águas subterrâneas analisadas

antes do início da operação do cemitério, para o estabelecimento da qualidade “em branco”,

do aqüífero freático, de acordo com os padrões de potabilidade do Ministério da Saúde,

Portaria nº 2914/2011. A figura 2 apresenta um poço de monitoramento de águas

subterrâneas.

Figura 2 – Poço de monitoramento no cemitério São Pedro Curitiba PR

Foto: Aniela Almeida do Jornal Gazeta do Povo 11/2010 - Curitiba PR

2.2. Estudo da vulnerabilidade do meio físico de subsuperfície à contaminação

Page 6: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

6

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

Como ocorre a contaminação do subsolo? Conforme Silva L., (1995), a contaminação do

subsolo inicia-se no processo de deterioração, se houver condições de vulnerabilidade no

meio físico. Decorre das características geológica, geotécnica e hidro-geológicas.

A filtração mecânica e absorção são os processos mais importantes na retenção de organismos

(PACHECO, 1986:28). A eficácia na retenção das bactérias e vírus depende da litologia, da

aeração, da redução de umidade, da presença de nutrientes, etc. Esse mecanismo de filtração

tem sua maior importância para organismos maiores como as bactérias.

Pacheco (1986), em estudo feito em um cemitério da Alemanha, localizado em terrenos de

aluvião não-consolidado, observou-se pelas análises químico-bacterológicas realizadas a cada

0,5 m, que a diminuição no número de bactérias somente se inicia a partir de 3,00 m da base

do túmulo, havendo uma redução de 97% do número de bactérias a 5,50 m, sendo

praticamente nulo destas a 6,00 m. Trata-se de uma constatação muito significativa, pois este

estudo comprova que a existência do meio físico favorável, facilita a filtração de bactérias

presentes e que, zeram a possibilidade de contaminação das águas subterrâneas.

Confrontando-se os estudos destes pesquisadores, verifica-se que independentemente da

região onde se encontram os cemitérios, o meio físico geológico existente tem sido o fator

determinante para a filtragem dos líquidos da decomposição dos cadáveres. A porcentagem de

ideal de argila no solo é na faixa de 20 a 40%, para que os processos de decomposição

aeróbica e condições do necrochorume sejam favorecidos. A figura 3 apresenta os níveis de

vulnerabilidade do meio físico de subsuperfície em cemitérios.

Figura 3 – Modelo de níveis de vulnerabilidade do meio físico de subsuperfície em cemitérios (adaptado de

PACHECO, 1986)

A figura acima apresenta um modelo de níveis de vulnerabilidade do meio físico de sub-

superfície, conforme o local de sepultamento e sua relação com a litologia e o nível freático.

Pode-se verificar que na situação A, em que o material geológico apresenta média

condutividade hidráulica e profundidade do lençol freático acima do recomendado, é

considerada de baixa vulnerabilidade de contaminação, favorecendo os fenômenos

transformativos destrutivos, sendo assim indicado o processo de sepultamento. Já a situação

Page 7: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

7

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

B, em que o material geológico apresenta baixa condutividade hidráulica e o nível freático

quase aflorante, é considerada como de extrema vulnerabilidade à contaminação e

favorecendo fenômenos transformativos como da saponificação, sendo desfavorável o

processo de sepultamento. Na situação C, o processo de sepultamento é desfavorável, devido

ao material geológico que apresenta alta condutividade hidráulica e profundidade do nível

freático abaixo do recomendado, sendo considerada como situação de alta vulnerabilidade.

Segundo a resolução CONAMA nº 335, a condutividade hidráulica do material geológico de

cemitérios deve ser entre 10 -5 e 10 -7 cm/s. Nos terrenos destinados à implantação de

cemitérios, a espessura da zona não saturada e o tipo de material geológico são fatores

determinantes para a filtragem dos líquidos resultantes da decomposição de cadáveres. Solos

com baixa condutividade hidráulica são bons retentores de contaminantes, mas isso faz com

que o lençol freático se aproxime da superfície rapidamente, entrando diretamente em contato

com as sepulturas ou camadas contaminadas do solo. Resta analisar os diversos fatores e

propor soluções e medidas de monitoramento e de mitigação, para a administração dos

cemitérios existentes em solos desta natureza.

2.3. Risco de contaminação da água subterrânea

A ocorrência da contaminação das águas subterrâneas está interligada à eficiência de

filtragem físico-química do solo, atividades resultantes da ação do homem passíveis de

contaminação, medições no controle ambiental das áreas cemiteriais.

A seguir se apresenta um modelo de quatro situações de sepultamento e seus respectivos

riscos à contaminação da água subterrânea, pela pluma de contaminante, conforme o local de

sepultamento e a relação dos materiais geológicos, profundidade do nível freático e os

aspectos ambientais externos ao meio físico, como rachaduras em jazigos, que são comuns em

cemitérios. Na situação A observa-se uma lenta condução do contaminante devido à média

condutividade hidráulica do material geológico, das características geossanitárias do material

argiloso, aliado à profundidade do nível do lenço freático favorável, onde o contaminante é

interceptado na zona não saturada, sendo assim classificada como situação de médio risco à

contaminação da água subterrânea. Já na situação B, o túmulo está situado sob o nível freático

podendo ser inundado; como os túmulos não são impermeáveis, considera-se essa situação de

extremo risco. Na situação D há um risco grave de condução do contaminante a profundidade

maior, devida a sua alta condutividade hidráulica, aliada à baixa profundidade do lençol

freático, considerando-se, portanto de situação de alto risco; para resolver esse tipo de

situação objetivando a diminuição do risco à contaminação da água subterrânea, a resolução

CONAMA nº 355 exige o sepultamento acima do nível natural do terreno, conforme

apresenta a situação C. Com a apresentação deste perfil geológico, torna-se fácil o

entendimento das situações, que se pode encontrar nos cemitérios das diversas regiões do

país. A figura 4 apresenta este modelo de perfil de solo, quanto aos riscos e a condutividade

hidráulica.

Page 8: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

8

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

Figura 4 – Modelo de risco à contaminação da água subterrânea (adaptado de PACHECO 1986)

2.4. Risco de contaminação da água superficial

Em cemitérios em que o terreno está repleto de túmulos e onde o sistema de drenagem das

águas pluviais é deficiente, estas podem escoar superficialmente e inundar os túmulos

existentes. As águas pluviais têm destinação na rede pública sob o pavimento das ruas e

canalizadas para os corpos de água mais próximos, contaminando-os com substâncias trazidas

do interior dos cemitérios. Para minimizar este problema a Resolução nº 355 do CONAMA,

estabelece que a área de sepultamento deve-se ter um recuo mínimo de 5 m em relação ao

perímetro do cemitério. Entende-se que esse recuo deve ser ampliado se as características do

solo da área forem desfavoráveis, como permeabilidade reduzida, distância inadequada em

relação ao nível do lençol freático e outras. Constata-se que a resolução CONAMA nº

368/2006, não contempla recuos em construções fora do perímetro dos cemitérios, em relação

a estes. A maioria dos cemitérios estudados está bem aquém do estabelecido pela Resolução,

não obedecendo aos parâmetros preconizados.

2.5. Situação atual dos cemitérios brasileiros

Segundo identificou Silva L., (2011), cerca de 70% dos cemitérios públicos brasileiros têm

problemas de ordem ambiental e sanitária. Chegou-se a esta conclusão, após levantamento

onde se reuniu dados de mais de mil cemitérios do país, entre públicos e privados. O

pesquisador, que é professor da Universidade de São Judas, explica que os problemas

começam na superfície, com a proliferação de animais vetores de doenças e, continuam no

subsolo, com a contaminação do lençol freático. Se o necrochorume escapa do túmulo, ele

pode entrar em contato com o lençol freático, criando-se uma mancha de poluição que atinge

quilômetros de distância podendo contaminar poços e mananciais, como ocorre em alguns

Page 9: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

9

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

municípios da região norte do país. Em décadas anteriores não havia a preocupação de se

observar os critérios geológicos para construção de cemitérios. A escolha dos terrenos para a

implantação de cemitérios deveria considerar os mesmos critérios dos aterros sanitários, com

o lençol freático profundo, distantes de centros urbanos e de corpos de água, como rios,

córregos e lagos.

Os aterros sanitários quando saturados são desativados, porém com os cemitérios o tratamento

é outro, depois de algum tempo os ossos são removidos e outro corpo é inumado no mesmo

local. Os cemitérios constituem-se portanto de fonte renovável de contaminação, pois estes

não costumam ser desativados. Um diagnóstico ambiental dos locais de enterro já existentes

e, a observação de critérios geológicos para a implantação de novos cemitérios são algumas

medidas para amenizar a situação das contaminações. A pesquisa desenvolvida por Silva L.,

(2011) resultou no desenvolvimento de substâncias capazes de neutralizar o necrochorume,

reduzindo o nível de contaminação. A grande meta é não permitir que o líquido extravase.

Para tanto, foi criada uma espécie de colchão a ser colocado na sepultura, o qual possui um

líquido que elimina os efeitos dos poluentes. Existe também uma substância que lava o

subsolo retirando o necrochorume. O geólogo destaca ainda a necessidade de uma legislação

mais específica, que oriente a construção de lajes e paredes de contenção e obrigue uso de

substâncias neutralizadoras do necrochorume.

Segundo estudos de Braz et. al., (2000) no cemitério São José em Belém (PA), mais

conhecido como Benguí, em 1995, pessoas da comunidade denunciaram ao Ministério

Público, de que existia contaminação de águas subterrâneas e superficiais, na área periférica

ao cemitério. Após vários ensaios e estudos executados comprovou-se que realmente havia

contaminação e, em 1997 este cemitério foi desativado e lacrado para novos sepultamentos.

Verificou-se também que o cemitério fora implantado em local de antiga extração de minério

classe II, resultando, portanto, em presença de lençol freático bem próximo à superfície. Em

2000 ainda foram encontrados níveis elevados de contaminação, permanecendo o risco de

ocorrência de doenças à população local, que utilizam água captada de poços rasos, nas

proximidades do cemitério. O fato comprova a importância de monitoramento das águas

subterrâneas e superficiais, nas áreas de implantação de cemitérios mesmo após a sua

desativação.

Conforme relata Martins, C., (2004) nenhum dos 8 cemitérios de Cuiabá (MT) possui licença

ambiental de acordo com a Resolução nº 335; apenas 2 cemitérios são efetivamente

monitorados através de poços. A situação dos 25 cemitérios situados em zona rural são as

mais críticas, que estão situados próximos aos mananciais existentes e, que já deveriam estar

interditados há muito tempo. Comparando-se o trabalho de vários pesquisadores, os

problemas existentes nos cemitérios são análogos e de difícil resolução, pois observa-se que

os mesmos estão abandonados há muito tempo e, a intervenção dos especialistas quase

sempre acontece, quando estes locais já estão em colapso e apresentando grave problema para

a população do seu entorno.

As figuras 5 e 6 mostram a situação caótica de alguns cemitérios pesquisados neste artigo.

Page 10: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

10

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

Figura 5 – Cemitério Tapanã Belém (PA)

Foto: Portal ORM – 11/2012 - http://noticias.orm.com.br/noticia

Figura 6 – Descaso no cemitério Nossa Senhora da Piedade em Cuiabá (MT)

Foto: Telma Couto da Silva – g1.globo.com/mt - 02/2013 TV Centro América

Uma constatação interessante, segundo Lastoria (2002) na cidade São Paulo existe uma

condição hidrogeológica diferente de Campo Grande (MS), porque se localiza em uma bacia

sedimentar em que o embasamento está mais próximo à superfície e, por isso mais

desfavorável, aumentando a preocupação quando se refere aos solos. Nestas situações, a

geologia, o tipo de solo e a topografia são agravantes. O mesmo acontece devido às condições

naturais em Bonito (MS), tornando-a adversa, pois há o relevo cárstico, ou seja, formado por

rochas calcárias o que a torna desfavorável, onde a espessura do solo é muito pequena. Assim,

se as sepulturas são executadas diretamente no solo, sem nenhuma camada de proteção, o

problema pode se agravar. Um fator que é muito preocupante é o nível do lençol freático em

Bonito que, está há apenas 1,86 m de profundidade da superfície do terreno, no período final

da época das chuvas.

Page 11: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

11

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

No estado de São Paulo, a USP, investigou a influência dos cemitérios na contaminação dos

aqüíferos livres no Cemitério Vila Formosa (segundo maior do mundo) e Vila Nova

Cachoeirinha, na cidade de São Paulo e o Cemitério de Areia Branca, na cidade litorânea de

Santos. Concluiu-se que há um comprometimento sério, relativo à contaminação do subsolo,

nas cercanias daquelas necrópoles. Observou-se também a presença de radioatividade num

raio de duzentos metros das sepulturas, provenientes da radioterapia ou dos que receberam

marca-passos cardiológicos em vida. Na avaliação da ocorrência e do transporte de

microorganismos no aqüífero freático do Cemitério Vila Nova Cachoeirinha, no município de

São Paulo, a pesquisa de indicadores demonstrou a presença, de várias bactérias e também

enterovírus e adenovírus, que são vírus potentes que causam doenças graves, como a

meningite e a poliomielite paralítica, sendo que as crianças são as mais susceptíveis às

infecções.

Já Terra et. al., (2008) avaliaram o impacto do necrochorume nas águas subterrâneas do

cemitério de Santa Inês, na cidade de Vila Velha (ES). Das análises físico-químicas realizadas

constatou-se a presença de compostos nitrogenados em índices elevados. No caso da amônia,

que indica poluição recente, refere-se ao primeiro estágio da matéria orgânica. Os riscos

dessas contaminações para a saúde pública implicam em problemas como a

metahemoglobinemia, malformações congênitas e cânceres gastrointestinais. Já para análises

bacteriológicas, há indícios de alto grau de contaminação por microorganismos, visto que

foram encontrados concentrações acima do estabelecido pela legislação brasileira.

Segundo Lussi et. al., (2011), o cemitério municipal de Sinop (MT) encontra-se em uma

região de condutividade hidráulica classificada como de moderadamente rápida a muito

rápida. Este fator é preocupante, pois se constata valores de condutividade hidráulica de até

45,05 cm/h, em desconformidade com a legislação pertinente. Uma proposta de solução seria

a verticalização do cemitério, devido ao lençol freático ser próximo da superfície do terreno,

ou a escolha de uma nova área para o cemitério que se enquadre conforme a legislação.

Verifica-se dessa forma que, conforme constatado por Lastoria (2002) em Sinop (MT)

apresenta o mesmo problema da cidade de Bonito (MS), onde o lençol freático se situa bem

próximo da superfície do terreno do cemitério.

Conforme estudos de Reis et. al., (2012), o não atendimento aos quesitos legais de

licenciamento ambiental de cemitérios é uma realidade em todos os municípios do Norte

Pioneiro do Estado do Paraná, inclusive quanto ao cemitério municipal de Bandeirantes (PR);

segundo estudos, o relevo planialtimétrico deste cemitério sugere que um grande número de

sepultamentos, nos últimos 60 anos, ocorreu em área de alta e extrema vulnerabilidade

ambiental. Pelos estudos realizados em vários municípios do Brasil, constatou-se que na

maioria dos casos estudados, os problemas apontados são bem semelhantes, ou seja, os

cemitérios estão localizados em áreas impróprias, em condições geológicas desfavoráveis e,

os ensaios físico-químicos apresentaram algum grau de contaminação e, portanto fora dos

padrões da legislação vigente.

Page 12: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

12

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

Alguns trabalhos reportam os resultados do monitoramento de cemitérios no Brasil: Pacheco

et. al., (1999) – cidades de Santos e São Paulo (SP); Matos (2011) – São Paulo (SP); Pequeno

Marinho (1998) – Fortaleza (CE), além de outros autores citados neste artigo. A análise crítica

destes resultados em conjunto com os parâmetros recomendados para controle pelas

legislações da CETESB (1999), e da Agência Britânica (2002) e mencionada pela

Organização Mundial de Saúde (1998), permite identificar como indicadores químicos e

biológicos mais importantes para o monitoramento de cemitérios, as seguintes análises de

amostras de água:

• pH (em geral observa-se uma tendência de aumento);

• Condutividade elétrica específica – CEE (aumento devido à presença de sais na solução);

• Íons: Cl-, carbonatos (HCO3-; CO3=); Ca2+;

• Nitrogênio e Fósforo (os monitoramentos não detectaram aumento nestes parâmetros);

• Dureza (ou Alcalinidade) (observado aumento);

• Alguns metais pesados, em particular ferro, Cromo total (não analisados);

• DQO (Demanda Química de Oxigênio), DBO5 (Demanda Bioquímica de Oxigênio);

• Carbono Orgânico Total (COT) (como parâmetro indicador de compostos orgânicos);

• Bactérias heterotróficas (todos observaram aumento);

• Bactérias proteolíticas (todos que analisaram encontraram presença significativa);

• Bactérias lipolíticas (idem);

• Clostrídios sulfito-redutores (idem);

• Coliformes Totais (presentes em todos, porém maiores valores em locais sem saneamento);

• Coliformes Fecais (presentes em parte das amostras, também maiores valores em locais sem

saneamento).

3. Monitoramento e medidas mitigadoras

Comparando-se os trabalhos de vários autores, há um consenso de que existe a necessidade de

monitoramento contínuo de solos, das águas de superfície e de subsuperfície dos cemitérios,

pois os mesmos configuram fontes potenciais de contaminação. Verifica-se a necessidade

urgente em se implantar poços de monitoramento do nível hidrostático, de acordo com norma

vigente ABNT NBR 15495 – Poços de Monitoramente de Águas Subterrâneas em Aqüiferos

Granulares, estrategicamente localizados a montante e a jusante da área do cemitério, com

relação ao sentido de escoamento freático; com análise físico-química da águas efetuadas,

com os padrões estabelecidos de potabilidade, de acordo com a Portaria 2914/2011 do

Ministério da Saúde.

Muito se discute sobre a conservação do meio ambiente, dos mares, dos rios, lagos e

nascentes, porém verifica-se que pouco se discute sobre as águas subterrâneas, que são

consumidas no mundo através de poços tubulares, poços rasos e nascentes. Na prática

verifica-se facilmente esta realidade, onde no caso de ocorrência de acidentes em rodovias,

por exemplo, o órgão ambiental local trabalha rapidamente para a contenção de combustíveis

e outros produtos químicos, evitando-se o seu espalhamento e contaminação de córregos e

nascentes próximos. Por que as águas subterrâneas para o consumo humano, não recebem o

mesmo tratamento? O desastre ambiental no caso de contaminação não é o mesmo? Acredita-

Page 13: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

13

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

se que se trata de negligência por parte dos municípios e da população em geral, na falta de

cobrança aos órgãos competentes do meio ambiente, para o monitoramento regular e a

fiscalização sistêmica dos poços subterrâneos, situados no entorno dos cemitérios e outros

locais, como aterros sanitários, lixões, etc.

Além da implantação de poços de monitoramento, os jazigos para inumação de cadáveres

deverão ser construídos de forma que o efluente líquido ou gasoso, não infiltrem para a área

externa. A escolha do local a ser implantado em caso de ampliação e de novos cemitérios é

muito importante, devendo ser o mais distante do lençol freático, com solo favorável e, se

possível em área que não seja urbana, ser longe de captação de água para consumo humano e

local de dessendentação de animais. Executar a impermeabilização de solo com coleta de

necrochorume para tratamento em lagoas apropriadas; canalização de enxurradas na área do

cemitério através de tubulações e calhas apropriadas; incineração de todo material utilizado

no interior dos cemitérios.

A informação mais importante a ser considerada é a profundidade do topo do aqüífero, ou

seja, o nível hidrostático, onde é exigida uma distância mínima do nível inferior das

sepulturas ao topo do lençol freático, de pelo menos 1,50 m acima do mais alto nível freático,

medido no final da estação das cheias. Esta medição somente será possível se houver poços de

monitoramento nos cemitérios. As providências citadas são de suma importância e, que não

ofereceria maiores ônus aos cemitérios municipais, uma vez que, normalmente as prefeituras

já mantem pessoal lotado para a lida diária nestes locais. Seria necessário somente treinar

adequadamente estes funcionários, através de convênios com órgãos estaduais de meio

ambiente e, eventualmente com técnicos contratados para ministrar as formações e elaborar

um cronograma, com os procedimentros necessários para o monitoramento dos poços.

Segundo Silva L., (2010) sem mecanismos e monitoramento de proteção ao lençol freático,

115 cemitérios da região de São José do Rio Preto (SP), ameaçam a água do subsolo. Seria

necessário descontaminar a área, por meio de produtos oxidantes aplicados em perfurações de

até 5 metros e, construir pequenas bacias no fundo das covas, para o necrochorume não

escorrer para a terra. Conforme dados da prefeitura de Votuporanga (SP), o investimento para

se adequar cada túmulo às normas, custa de R$1000,00 a R$2500,00, dependendo do tamanho

do jazigo. Existem 7000 sepulturas construídas antes de 2003 e, pelo ritmo do trabalho

empregado neste cemitério, levaria 58 anos para a sua conclusão, ao custo de mais de 12

milhões de reais. São números assombrosos e totalmente inviáveis, para a execução efetiva

dos trabalhos de adequação naquele município. Os dados descritos são de abril de 2010.

A adequação dos cemitérios à Resolução nº 355, entre outras coisas deve observar a distância

do lençol freático, conforme já citados neste artigo, a instalação de filtros biológicos, através

de microorganismos capazes de tratar o necrochorume e, outras formas de cumprir as

exigências ambientais; a utilização de pastilhas contendo uma imensa quantidade de bactérias

selecionadas, que possuem alta capacidade de digerir matéria orgânica. Essas bactérias vêm

em forma de esporos e são ativadas gradativamente na medida em que entram em contato

com líquido contendo o necrochorume. Estas pastilhas são colocadas dentro da urna funerária,

Page 14: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

14

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

na região lombar e, na medida em que o corpo vai liberando o necrochorume, elas são

ativadas e vão digerindo essas substâncias.

Outro produto eficiente utilizado é a manta absorvente de necrochorume. É fabricada com um

plástico resistente e possui uma camada de celulose e um pó que em contato com líquido se

transforma num gel. Nas bordas possue um fio de náilon que na ocasião da exumação ele é

puxado e transformado a manta num saco de ossos. É colocada dentro de uma urna revestindo

todo o seu interior e na medida que, o corpo vai liberando líquidos, a celulose vai absorvendo

impedindo que o mesmo extravase e fazendo com que ele permaneça na urna pelo tempo

necessário à decomposição sem contaminar a urna, a sepultura e o meio ambiente como um

todo.

No município de Conchal (SP), a prefeitura somente autoriza os sepultamentos, se os corpos

estiverem acondicionados em invólucros protetores, que evita o vazamento do chorume. No

caso de famílias carentes e indigentes, pode-se requerer gratuitamente, através de pedido ao

departamento de promoção social. O mesmo acontece em Rio Branco do Sul (PR), sendo que

neste município, a prefeitura disponibiliza gratuitamente a toda a população, os invólucros

para o sepultamento. Constata-se outros municípios que se utilizam de invólucros semelhantes

para sepultamentos: Laguna (SC), Barra do Bugre (MT), Fortaleza (CE) e São Lourenço do

Oeste (SC). O custo unitário médio de um invólucro para adulto é de R$50,00, conforme

consulta efetuada à empresa Invol (preço base: outubro/2014). A figura 7 apresenta este

modelo de invólucro retentor e absorvedor para sepultamentos, testado e aprovado pelo

Instituto de Tecnologia do Paraná.

Figura 7 – Exemplo de invólucro absorvedor e retentor de necrochorume

Foto: Invol Ambiental - Campo do Tenente PR

4. Discussões e resultados

Uma alternativa encontrada em algumas cidades do Brasil são os cemitérios verticais. São

prédios de dois ou mais pavimentos que oferecem lóculos ou gavetas, para o sepultamento e

que devem dispor de sistema de inativação dos gases do necrochorume e sistema de vedação

para que estes gases não cheguem às áreas comuns de visitantes e funcionários. Os cemitérios

verticais possuem, além de lóculos, crematório, ossário e cinerário. A maioria utiliza o

Page 15: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

15

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

sistema de tratamento do necrochorume, com a decomposição que acontece na presença de ar,

evitando-se a produção de líquidos; os gases seguem para um inativador de gases

contaminantes, conforme apresenta a figura nº 8.

Figura 8 – Modelo de inativador de gases em cemitério vertical

Foto: Valfer Tecnologia - Cemitérios ecológicos Jundiaí SP

Segundo o fabricante, a utilização deste inativador permite a construção de cemitérios

verticais, com baixo custo e ecologicamente corretos. A manutenção e o cuidado destes

sistemas devem ser constantes, pois qualquer vazamento gera transtornos sociais e

ambientais. O maior cemitério vertical do mundo está na cidade de Santos (SP); trata-se do

Memorial Necrópole Ecumênica, que foi criado em 1983 e possui mais de catorze mil lóculos,

distribuídos em catorze andares. A figura 9 apresenta este cemitério vertical de Santos (SP).

As figuras 10 e 11 apresentam respectivamente, exemplo de lóculos em andares e o cemitério

vertical de Curitiba (PR).

Figura 9 – Cemitério vertical de Santos (SP)

Foto: Memorial Necrópole Ecumênica

Page 16: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

16

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

Figura 10 – Lóculos do cemitério São Miguel e Almas em Porto Alegre RS

Foto: http://interfacepinduca.wordpress.com/2013/06/27/lugar-para-morrer-2-porto-alegre/

Figura 11 – Cemitério vertical de Curitiba PR

Foto: Universal Necrópole Ecumênica de Curitiba

A grande vantagem dos cemitérios verticais é o fato de ser uma alternativa para a necessidade

das cidades, em virtude do crescimento populacional, além de ser uma opção ecologicamente

correta, por não poluírem o meio ambiente, o solo e o lençol freático.

Também em cemitérios implantados em parques, o controle pode ser eficiente e

ecologicamente correto, como no caso do cemitério Parque São Pedro de Curitiba (PR), onde

o grande diferencial é uma estrutura composta por poços de monitoramento e uma malha de

drenagem profunda que abrange os seus 120000 m2 de área. Através do sistema, o

necrochorume é drenado para um filtro biológico. A cada seis meses, as águas subterrâneas

são analisadas em atendimento às normas vigentes.

Outro bom exemplo vem do cemitério metropolitano Parque das Allamandas de Londrina

(PR), inaugurado em 2011, onde o jazigo na área mais baixa do cemitério está a 7,50 metros

distantes do lençol freático, cinco vezes maior do que a exigida em lei. Além disso, todo o

terreno é revestido por uma manta com lastro de brita, que serve como filtro natural; contém

ainda seis poços de monitoramento distribuídos nos seus 72000 m2. É o único cemitério

completamente adequado às normas, dos sete existentes na área urbana do município.

Page 17: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

17

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

Outra possível solução discutida e aceita por estudiosos poderia ser a cremação. A cremação é

um processo eficaz na destruição de micróbios. Segundo Mariath (1995, p.15) a cremação

apresenta a grande vantagem de destruir os microorganismos patogênicos e seus esporos,

agentes das moléstias infecciosas, concorrendo para o desaparecimento das epidemias.

Um dos inconvenientes pode-se citar que no caso de necessidade de posterior exumação, por

exemplo, num processo de investigação ou identificação, já não é possível. Outra grande

polêmica é a questão religiosa, onde algumas denominações, não aprovam a cremação de

corpos. Um crematório é um forno que reduz cadáveres a cinzas, submetendo os corpos a

temperaturas altíssimas de até 1000 C°. Em alguns países a cremação chega a superar os

enterros, enquanto que no Brasil apenas cerca de 5% dos cadáveres são cremados. Os

pesquisadores concordam que a cremação seria a solução mais adequada, para a preservação

do meio físico. Eles avaliam, no entanto, que a questão cultural é o principal empecilho, para

o uso desta técnica. Pode-se citar como desvantagens da utilização dos crematórios, a queima

de árvores; somente na Índia, 50 milhões de árvores são cortadas anualmente, lançando na

atmosfera 8 milhões de toneladas de dióxido de carbono. Estima-se que no Reino Unido, 25%

das emissões de mercúrio, são provenientes da queima de obturações dentárias em

crematórios. Entretanto, se os crematórios forem providos de filtros para a coleta de resíduos

de gases exalados, constituem-se em uma boa alternativa para a destinação final de corpos. A

figura 12 apresenta um modelo de forno de cremação de corpos.

Figura 12 – Modelo de forno para cremação de corpos

Foto: Memorial Guararapes – Jaboatão dos Guararapes – PE

O setor funerário tem investido em novas tecnologias para reduzir cada vez mais os impactos

da despedida. Um exemplo é cremação criada pela empresa escocesa Resomation Ltd, que

oferece uma mistura de água em alta temperatura e hidróxido de potássio. O corpo é colocado

em uma cápsula que, em seguida, é preenchida com o líquido alcalino. De duas a três horas

depois, restam apenas os ossos, transformando em pó e entregue à família. A vantagem fica

na ausência de emissões de gases do efeito estufa e do mercúrio emitido pela queima de

próteses dentárias. Também utiliza 80% menos de energia que a cremação regular. A água

restante do processo segue para estações municipais de tratamento e retorna ao ciclo

hidrológico. Até agora, o processo foi aprovado para ser utilizado em alguns estados

Page 18: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

18

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

americanos e países europeus. A figura 13 apresenta um modelo de equipamento de

ressomação.

Figura 13 – Modelo de equipamento utilizado na ressomação de corpos

Fonte/foto: Mother Nature Network – www.mdig.com.br/index.php?itemid=9088#ixzzNHlqHQp1

5. Conclusão

Como resposta para os questionamentos conclui-se que no Brasil não há controle na

construção de cemitérios, pois os governantes empurram o problema, o Estado aos órgãos

ambientais e estes ao municípios, que não possuem recursos humanos e financeiros para

fiscalizar e monitorar. Desta forma, respondendo ao questionamento da situação atual dos

cemitérios no Brasil, constatou-se que se apresenta bastante precária, com problemas graves

de localização dos cemitérios existentes e, que poucas medidas de prevenção e de

monitoramento estão sendo executadas. Após a resolução CONAMA de 2003 foi estipulado

um prazo de 180 dias para adaptação dos cemitérios existentes, porém não ocorreu quase

nenhuma ação significativa nos cemitérios pesquisados.

Constata-se também que os órgãos ambientais, segundo vários autores pesquisados, atuam na

fase de processo de licenciamento e implantação dos cemitérios, porém não fiscaliza os

empreendimentos em operação. Cita-se o exemplo absurdo do município de Joaçaba (SC),

onde o Ministério Público colocou o órgão estadual de meio ambiente (FATMA) como ré, em

ações movidas contra o município, pela ausência de fiscalização deste órgão. O caso mais

grave ocorre no cemitério frei Edgar, devido o mesmo se localizar muito próximo do rio do

Peixe, naquele município.

Será que os cemitérios não merecem uma política pública específica, uma equipe

multidisciplinar que pudesse levantar, avaliar, diagnosticar, planejar e propor alternativas,

para o enfrentamento destes diversos impactos e para a busca de uma sustentabilidade

ambiental? Na busca incessante de respostas às situações degradantes que se encontram as

necrópoles, foram nulos autores que descrevem uma boa atuação destes órgãos. Pelo

Page 19: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

19

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

contrário, a atuação dos órgãos ambientais são omissas em alguns estados, na questão dos

cemitérios.

É notório que as resoluções não são obedecidas em sua totalidade, além do que as medidas

mitigadoras e o controle do necrochorume são tímidas e pontuais, não representando portanto,

nem de longe, o universo dos cemitérios pesquisados. Acredita-se que não existam soluções a

médio e a longo prazos, seja, pela falta de ação e fiscalização dos órgãos ambientais, pelo

elevado custo em projetos e adequações. O cenário vislumbrado pelo trabalho de pesquisa,

mostrou-se bastante sombrio na solução da gestão ambiental dos cemitérios. Nota-se que deve

haver uma intervenção maciça do poder público federal, realizar um verdadeiro mutirão

nacional de estudos e adequações, juntamente com os órgãos estaduais de meio ambiente e

das prefeituras. Deverá disponibilizar recursos técnicos e financeiros, além de investir e

incentivar pesquisas e novas tecnologias, para recuperação de áreas já degradadas e

colapsadas, que são os cemitérios contruídos antes de 2003. A exemplo das verbas destinadas

às áreas da educação e da saúde, o governo federal deverá repassar uma percentagem dos

recursos, para a gestão ambiental dos cemitérios municipais de todo o país.

Chega-se à conclusão de que algumas alternativas como já debatido anteriormente, seriam a

implantação de cemitérios verticais e crematórios, pela iniciativa privada ou sob concessão,

devido ao seu alto investimento. São estruturas dotadas de mecanismos que impedem que o

necrochorume entre em contato diretamente com o solo e, assim evitando-se a poluição dos

lençois freáticos, não comprometendo a qualidade das águas. Para os cemitérios

convencionais, comparando-se os estudos de diversos autores pesquisados, a questão de

contaminação por necrochorume e, as tratativas para a solução são muito parecidas,

especificamente no trinômio inseparável: cemitério-meio físico-necrochorume. Pode-se

resumir como boas práticas também, por escolha correta do local do cemitério, solo

geologicamente favorável e o tratamento adequado dos resíduos gerados.

Surpreendentemente verificou-se que não existe uma norma internacional específica de meio

ambiente que versa sobre cemitérios, pelo baixo interesse das autoridades ambientais dos

países. No Brasil verifica-se que existe maior acompanhamento por contaminação de postos

de combustíveis, indústrias em geral e dos aterros sanitários, em detrimento dos problemas de

contaminação nos cemitérios, mais especificamente de solos e aqüiferos. Entende-se que a

fiscalização dos locais citados também são necessárias, porém espera-se uma atenção maior

na fiscalização dos cemitérios, pelos efeitos altamente nocivos detectados.

Nota-se que, em muitos casos pesquisados não existe monitoramento pelos órgãos municipais

e, as pesquisas de contaminação contratadas muitas vezes não são conclusivas, além de não

sofrerem uma fiscalização sistêmica. Muitos cemitérios estão em completo abandono com

superlotação e a falta de vagas para novos sepultamentos, notadamente em alguns municípios

pesquisados na região norte do país, ao ponto do agendamento para sepultamento ser de até

48 horas em algumas localidades.

Embora a resolução do CONAMA preveja o licenciamento dos cemitérios desde 2003, a

regularização pouco avançou no país, mesmo com a resolução de 2008, poucas providências

Page 20: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

20

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

foram tomadas, mantendo-se praticamente inalterado o cenário dos cemitérios do Brasil. A

resolução prevê responsabilidades civis, penais e administrativas, bem como multas diárias e

outras obrigações (arts. 14 e 15 da resolução nº 335/2003). Na prática, não é isso que se vê,

pelo vasto material pesquisado para este artigo, salvo raríssimas exceções.

Os questionamentos efetuados para este artigo foram totalmente respondidos, porém como já

citado, este artigo tem a pretensão de nortear e sugerir, futuros estudos de viabilidade

econômica de construção de cemitérios verticais, visando principalmente ao atendimento à

população em geral, comentando e sugerindo parcerias e concessões por parte das prefeituras

à iniciativa privada. Espera-se que se incluam também neste trabalho, estudos socio-

economicos, pesquisando junto as instituições bancárias, meios de financiamentos

disponíveis, para erigir empreendimentos ecologicamente corretos.

A solução para o destino final dos cadáveres não basta ser sanitária e ambientalmente correta,

deve ser também moral, social, religiosa e eticamente aceitável pela população. Caberá

encontrar o equilíbrio entre os interesses econômicos comercial e sustentável, sendo que não

será uma tarefa fácil, visto que o controle das atividades humanas depende de critérios,

valores objetivos e subjetivos e, de mudanças de postura de toda a sociedade.

O Estado e o município devem garantir melhor acesso da população às necrópoles, onde o

sofrimento e as dores da despedida, muitas vezes ainda não são respeitados, devido ao

abandono que se encontram a maioria dos cemitérios pesquisados.

6. Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS/ABNT. NBR 15495. Poços de

monitoramento de águas subterrâneas em aqüíferos granulares. 24p. Rio de Janeiro,

2008.

BRASIL – Ministério da Saúde Portaria nº 2914 – 12/12/2011 Dispõe sobre os procedimentos

de controle e vigilância da qualidade de água para consumo humano e seu padrão de

potabilidade – DOU nº 239 14/12/2011, seção 1 p. 39/46.

BRASIL - Resolução CONAMA nº 335 de 03 de abril de 2003. Dispõe sobre o licenciamento

ambiental de cemitérios. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/CONAMA/. Acesso

em 02 de dezembro de 2014.

BRASIL - Resolução CONAMA nº 368 de 28 de março de 2006. Dispõe sobre licenciamento

ambiental de cemitérios. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/CONAMA/. Acesso

em 02 de dezembro de 2014.

BRASIL Resolução CONAMA nº 402 - 17 de novembro de 2008. Dispõe sobre licenciamento

ambiental de cemitérios. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/CONAMA/. Acesso

em 02 de dezembro de 2014.

Page 21: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

21

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

BRAZ, Vera et. al., - Presença de contaminação em áreas de cemitério após sua

desativação; estudo de caso do cemitério Benguí Belém Pará, 2000.

http://www.bvsde.paho.org/bvsacd/abes23/VI-010.pdf - Acesso em 02/10/2014.

CADORE, Francine – Ministério Público aponta agravamento de problemas nos cemitérios de

Joaçaba SC - http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/noticia/2009/10/ministerio-publico-

aponta-que-cemiterios-podem-ter-agravado-problemas-ambientais-em-joacaba-2691122.html

- acesso em 18/10/2014.

CETESB. - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental - Norma n. L1. 040:

Implantação de cemitérios - São Paulo, 1999.

CETESB – Valores orientadores para solos e águas subterrâneas no Estado de São

Paulo. Disponível em: http://www.cetesb.sp.gov.br/solo/relatorios/tabela_valores_2005 pdf.

COSTA, Antonio; et. al., Implantação de um crematório em Maceió: Um estudo do

Potencial de mercado. XXVII Encontro de Engenharia de produção. Foz do Iguaçu, 2007.

http://www.abepro.org.br/biblioteca/enegep2007_tr670485_0383.pdf - Acesso 08/10/2014.

EMBRAPA – Mapeamento e estimativa da área urbanizada do Brasil – tab. 1, 2006.

FATMA – Fundação do Meio Ambiente SC – Instrução Normativa nº52 – Cemitérios –

versão março/2012. Disponível em www.fatma.sc.gov.br – acessado em 25/11/2014.

FUNERARIANET. Disponível em: www.funerarianet.com.br. Acesso em 01/12/2014.

KUNT, Patrícia; - Cemitérios: potenciais fontes geradoras em impactos ambientais – art. nº

35 Especialização em MBA Gestão Ambiental – IERGS; Porto Alegre, 2011.

http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=976&class=02 Acesso em 09/09/2014.

LASTORIA, Giancarlo. Hidrologia da Formação Serra Geral do Estado do Mato Grosso do

Sul. 2002. 133f. Tese (Doutorado em Geociências) – UNESP, Rio Claro/SP, 2002.

http://aguassubterraneas.abas.org/asubterraneas/article/viewFile/27568/17828 - Acesso em

08/12/2014.

LELI, Isabel; et. al., Estudos ambientais para cemitérios: indicadores, áreas de influência e

impactos ambientais – Boletim geográfico Maringá v.30, n.1, p.45-54, Rio Claro, 2012.

LUSSI, Cassiana; et. al., – Avaliação do risco de contaminação das águas subterrânea por

necrochorume no cemitério municipal de Sinop – MT, 2011.

http://aguassubterraneas.abas.org/asubterraneas/article/view/27635/17892 acesso 11/12/2014.

MARIATH, Júlio. – A cremação. Tipografia da Livraria do Globo, Porto Alegre, 1995.

Page 22: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

22

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

MARTINS, C. - Cemitérios desrespeitam legislação – reportagem Diário de Cuiabá edição nº

10917 - 16/05/2004. Disponível em www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=180486.

Acesso em 15/12/2014.

MATOS, Bolívar. - Avaliação da ocorrência e do transporte de microorganismos no

aqüífero freático de Vila Nova Cachoeirinha. 113p. Dissertação de Doutorado – Instituto de

Geociências da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011 - Acesso em 15/10/2014.

PACHECO, Alberto. - Os cemitérios como risco potencial para as águas de abastecimento.

Revista do Sistema de Planejamento e de Administração Metropolitana v. 4, n. 17, p. 25-37,

Acesso 02/10/2014.

PACHECO, Alberto; MATOS, Bolívar. Cemitérios e Meio Ambiente. Disponível na internet.

<http://www.igc.usp.br/index.php?id=316 >. Acesso em 22 de outubro de 2014.

PACHECO, Alberto; et al. - O problema geo-ambiental da localização de cemitérios em

meio urbano. CEPAS, nov. 1997.

PEQUENO MARINHO, Alice. - Contaminação de aqüíferos por instalação de cemitérios:

estudo de caso do cemitério São João Batista. 1998. 88f. Dissertação (Mestrado) - Centro de

Ciências, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 1998.

PEREIRA, Ariana. - Resíduos de corpos - Cemitérios contaminam o solo – artigo

disponível na internet: http://www.diarioweb.com.br/noticias/imp.asp?id=88644; 2007;

acesso em 17/12/2014.

REIS, Teresinha. - Cemitérios e seu potencial poluidor: estudo de caso no município de

Bandeirantes – PR – Curso Gestão Ambiental – Faculdade de Ourinhos SP, 2012. Disponível

em: http://fio.edu.br/cic/anais/2013_xii_cic/PDF/BIOLOGIA/bio003.pdf. Acesso em

10/09/2014.

RESOLUÇÃO SEMA nº 02 – 23/04/09 - Dispõe sobre licenciamento ambiental de

cemitérios/http://www.iap.pr.gov.br/arquivos/File/Legislacao_ambiental/Legislacao_estadual

/ - acesso em 21/10/2014.

ROMANÓ, Elma Nery de Lima. Cemitérios: passivo ambiental medidas preventivas e

mitigadoras.Disponível/http://www.sobrade.com.br/eventos/2005/visinrad/palestras/elma_ro

mano_cemiterio.pdf. Acesso em 14 de novembro de 2014.

SILVA, Leziro. - Cemitérios ameçam lençol freático – disponível em

www.diarioweb.com.br/.../8036, São José do Rio Preto, 2010. Acesso em 05/09/2014.

SILVA, Leziro. - Cemitérios: fonte potencial de contaminação dos aqüíferos livres. Revista

Saneamento Ambiental, n. 71 São Paulo, 2011.

Page 23: O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios · 60% de água, 30% de minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, como a putrescina e a cadaverina

O necrochorume e a gestão ambiental dos cemitérios dezembro/2015

23

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Edição nº 10 Vol. 01/ 2015 dezembro/2015

SILVA, Leziro. – Os cemitérios na problemática ambiental – I Seminário Nacional

“Cemitérios e Meio Ambiente” SINCESP & ACEMBRA. São Paulo, 1995.

SILVA, Leziro. - Cremação: método alternativo para a disposição de cadáveres.

Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 1999b. Disponível em:

www.agracadaquimica.com.br/quimica/arealegal/slides/310.pps Acesso em 05/09/2014.

SILVA, Robson Willians da Costa; MALAGUTTI FILHO, Walter. Cemitérios: fontes

potenciais de contaminação. Ciência Hoje, v. 44, n. 263, p. 24-29, set. 2009. Disponível em:

<http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/263/pdf_aberto/cemitérios 263.pdf. Acesso em 12 de

outubro de 2014.

TERRA, Vilma., et. al. - Impacto do necrochorume nas águas subterrâneas do cemitério de

Santa Inês, Vila Velha - ES, Brasil. XV Congresso brasileiro de águas subterrâneas. Natal,

2008.Disponível: http://aguassubterraneas.abas.org/asubterraneas/article/view/23731/15802.

Acesso em 10/12/2014.