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VIII Encontro Latino Americano de Iniciação Cientifica e IV Encontro Latino Americano de Pós- Graduação Universidade do Vale do Paraíba 1057 O NOVO RELACIONAMENTO ENTRE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E TRABALHO Janúzia Mendes¹ e Amílcar Baiardi² ¹Universidade Federal da Bahia / Departamento de Ciências Sociais Aplicadas à Agricultura Escola de Agronomia. Campus Universitário. 44.380- 000. Cruz das Almas. BA. Brasil. (75) 621- 1220/2002. [email protected]. Mestranda em Desenvolvimento Rural do Programa de Pós-Graduação em Ciências Agrárias, Escola de Agronomia, Universidade Federal da Bahia. ²Universidade Federal da Bahia / Departamento de Ciências Sociais Aplicadas à Agricultura Escola de Agronomia. Campus Universitário. 44.380- 000. Cruz das Almas. BA. Brasil. (75) 621- 1220/2002. [email protected]. Professor Titular do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas à Agricultura, Escola de Agronomia, Universidade Federal da Bahia. Palavras- chave: Inovação Tecnológica; Organização Produtiva Capitalista; Conscientização do Trabalho e Relações de Produção. Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicada Resumo Recentes transformações da organização produtiva capitalista induziram novas exigências de qualificação da força de trabalho e de relações de produção, tornando obsoletos os paradigmas taylorista e fordista, caracterizados pelos ganhos de produtividade via racionalização/automação, que revelaram a possibilidade de incrementos das taxas de lucro com menos trabalho vivo, desprovido de elevados requisitos de qualificação. O advento da denominada Terceira Revolução Industrial e Tecnológica trouxe consigo novos paradigmas de organização da produção que ensejaram novas formas de relacionamento entre o capital e trabalho e exigiram um trabalhador com mais subjetividade e qualificação. O presente texto reflete sobre as mudanças em curso na natureza da relação capital / trabalho e sobre o perfil mais conveniente da força de trabalho à organização produtiva contemporânea. Apresentação As recentes transformações ocorridas na organização produtiva capitalista, sobretudo a partir dos anos oitenta do século passado, sugerem um repensar sobre a natureza da relação capital / trabalho, como também sobre as características da força de trabalho em termos de qualificação, face às demandas das empresas. Se no início da formação do sistema capitalista o trabalho era o centro da valorização e acumulação do capital, a partir da Terceira Revolução Industrial e Tecnológica - na sua forma de trabalho vivo e

O NOVO RELACIONAMENTO ENTRE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E TRABALHO · Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a Centralidade no Mundo do Trabalho. 2º edição. Cortez Editora,

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VIII Encontro Latino Americano de Iniciação Cientifica e IV Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba

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O NOVO RELACIONAMENTO ENTRE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E TRABALHO

Janúzia Mendes¹ e Amílcar Baiardi²

¹Universidade Federal da Bahia / Departamento de Ciências Sociais Aplicadas à Agricultura – Escola de Agronomia. Campus Universitário. 44.380-000. Cruz das Almas. BA. Brasil. (75) 621-1220/2002. [email protected]. Mestranda em Desenvolvimento Rural do Programa de Pós-Graduação em Ciências Agrárias, Escola de Agronomia, Universidade Federal da Bahia. ²Universidade Federal da Bahia / Departamento de Ciências Sociais Aplicadas à Agricultura – Escola de Agronomia. Campus Universitário. 44.380-000. Cruz das Almas. BA. Brasil. (75) 621-1220/2002. [email protected]. Professor Titular do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas à Agricultura, Escola de Agronomia, Universidade Federal da Bahia.

Palavras-chave: Inovação Tecnológica; Organização Produtiva Capitalista; Conscientização do Trabalho e Relações de Produção. Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicada

Resumo Recentes transformações da organização produtiva capitalista induziram novas exigências de qualificação da força de trabalho e de relações de produção, tornando obsoletos os paradigmas taylorista e fordista, caracterizados pelos ganhos de produtividade via racionalização/automação, que revelaram a possibilidade de incrementos das taxas de lucro com menos trabalho vivo, desprovido de elevados requisitos de qualificação. O advento da denominada Terceira Revolução Industrial e Tecnológica trouxe consigo novos paradigmas de organização da produção que ensejaram novas formas de relacionamento entre o capital e trabalho e exigiram um trabalhador com mais subjetividade e qualificação. O presente texto reflete sobre as mudanças em curso na natureza da relação capital / trabalho e sobre o perfil mais conveniente da força de trabalho à organização produtiva contemporânea.

Apresentação

As recentes transformações

ocorridas na organização produtiva capitalista, sobretudo a partir dos anos oitenta do século passado, sugerem um repensar sobre a natureza da relação capital / trabalho, como também sobre as

características da força de trabalho em termos de qualificação, face às demandas das empresas. Se no início da formação do sistema capitalista o trabalho era o centro da valorização e acumulação do capital, a partir da Terceira Revolução Industrial e Tecnológica - na sua forma de trabalho vivo e

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constituída, principalmente, por trabalhadores sem elevados requisitos de qualificação - vem perdendo importância nos circuitos de acumulação.

No passado as exigências de valorização / acumulação do capital impunham a intensificação do trabalho em termos de prolongamento das jornadas. Contudo, já a partir da Segunda Revolução Industrial e Tecnológica, segundo Coutinho (1992) - a da eletricidade, do motor à explosão e da química, - o avanço da ciência e da técnica e as novas formas de organização da produção por elas proporcionadas. A revolução científico-tecnológica do fim do século XX impulsionou a denominada Terceira Revolução Industrial e Tecnológica que, por sua vez, aduziu novos elementos à relação capital / trabalho e cancelou as vantagens competitivas da base técnica constituída por plantas industriais dedicadas. Trabalho X Conhecimento Científico

Como resultado do cluster de inovações gerado pelo complexo eletrônico, grosso modo a indústria tende a se organizar em três modelos básicos (Baiardi, 1995). O primeiro, o Flexible Manufactoring System , FMS, que é controlado por computadores que estabelecem como deve operar cada parte do sistema com relação à velocidade, grau de transformação do produto, montagem, etc. Com a introdução do CAD, Computer Aided Design ; do CAM, Computer Aided Manufacture e do AGV, Automatic Guided Vehicles , potencializou-se a flexibilização, a automação e o uso do espaço com novas seqüências organizacionais no fluxo de produção, resultando no surgimento das células produtivas. Estas, com uma concepção totalmente diferente da linha de montagem, trouxeram também como vantagem a implantação de uma rede interna de gerenciamento que levou ao just in time. Neste modelo os trabalhadores participam da concepção, dos ajustes produtivos, da produção propriamente e estabelecem redes com os consumidores. Deixam, portanto, de estar alienados ou alheios em relação aos produtos de sua atividade.

No segundo, com plantas em micro-escala e operando com mão-de-obra de elevada capacitação técnico-científica, se restaura integralmente a subjetividade do trabalho na produção de bens com alta composição de conhecimento, uma vez que nas mesmas a etapa e concepção do produto está praticamente integrada com a produção. É o modelo mais freqüente na produção de software, hardware , componentes eletrônicos, fármacos e produtos de manipulação biogenética, resultantes de drug-design , polímeros, compositos e outros materiais, cujo nascimento vem programado nestas pequenas indústrias de high-tech , que surgem através de um processo disseminativo (spin-off) no entorno das universidades ou onde há concentrações de centros de P&D, beneficiando-se da integração com super-computadores e super-processadores.

O terceiro é aquele da fábrica automática, Computer Integrated Manufacturing , CIM, onde o processo produtivo é controlado por painéis e vídeos através de telecomandos e telecontroles, e é mais adaptado à indústria de processos contínuos como a siderúrgica, a petroquímica e a de celulose e comparativamente ao primeiro e ao segundo, malgrado exija força de trabalho altamente qualificada, envolve operações mais rotinizadas.

Ao lado daquilo que se poderia definir como inovação tecnológica stricto sensu , surgiram as inovações organizacionais capazes de maximizar as mudanças técnicas e capturar as quase rendas decorrentes da liderança inovacional. A conjugação das mudanças técnicas com o envolvimento de trabalhadores em atividades de coordenação, descentralização de responsabilidade, interação com P&D e marketing - enfim em todas as atividades que caracterizam a nova automação flexível própria da customização em massa que cancelam as vantagens das máquinas dedicadas e exigem uma força de trabalho intelectualmente qualificada - cria as condições para o surgimento de uma relação capital / trabalho na qual os cânones da organização produtiva que nasce com a revolução industrial deixam de ter eficiência.

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Processo de Conscientização do Trabalho A imposição do trabalho humano sobre a natureza implica na produção consciente e subjetiva do produto do trabalho, antes mesmo de sua efetivação. Como resultado desse processo de trabalho, surge um objeto exterior ao homem e, como tal, podendo ser apropriado por qualquer outra pessoa que não o trabalhador. Da mesma forma, como a capacidade de trabalho ou força de trabalho é também uma mercadoria, então, esta, pode ser apropriada por outros homens.

No estágio atual do capitalismo o trabalhador perdeu completamente qualquer poder sobre o processo produtivo. A mercadoria força de trabalho é utilizada pelo capital, produzindo valor e riqueza, mas, não é mais o trabalhador que usa os meios de produção e, sim, o contrário, os meios de produção que usam a capacidade de trabalho. Então, constata-se que o capital como fruto do trabalho humano, autonomiza-se e impõe sua vontade aos homens, comandando a humanidade, ou seja, ele inverte a relação natural dos homens de sujeito-objeto. Para Antunes (1995), que reproduz a partir de uma visão marxiana a análise das determinantes da alienação do trabalho e sua evolução, as formas contemporâneas de estranhamento são minimizadas pela redução da separação entre elaboração e a execução e pela redução dos níveis hierárquicos no interior das empresas, levando o trabalhador a pensar, agir e propor dentro do processo produtivo, alargando, ainda mais a exploração imposta pelo capital, agora sob a forma de trabalho intelectual. Se assim não agirem, demonstrando domínios nessas “aptidões”, trabalhadores serão substituídos por outros que demonstrem “perfil” e “atributos” para aceitar esses “novos desafios” propostos pelo capital que mascara esses “novos desafios” através da necessidade de atender aos desejos do mercado consumidor. O reconhecimento que o autor faz a partir de uma análise marxista conduz ao entendimento que a redução da alienação estaria alargando a exploração do trabalho.

Para outros autores significaria uma redução da mesma, na medida que a ampliação da subjetividade significaria redução da alienação, imposta pelos novos paradigmas de organização do trabalho ensejados pela revolução industrial e tecnológica já referida, que altera a relação capital / trabalho contratualmente. Segundo Warner (1996), a qualificação da força de trabalho na fábrica moderna, que se expressa pela capacidade em conceber e elaborar processos e produtos, é essencial para que ocorra a inovação e, conseqüentemente, para que a empresa se torne competitiva. Para a firma, segundo o autor, a capacitação na linha da subjetividade passa a ser fundamental à estratégia de sobrevivência empresarial que incorpora o trabalhador como parceiro.

Freeman e Perez (1988) já haviam chamado a atenção para o papel estratégico que tem o skill profile dos trabalhadores na transição da fábrica convencional para a moderna ou science based . Teece (1988) reafirma o mesmo ponto de vista, de onde se conclui que este é um modo de ver consensual entre os economistas evolucionistas ou neo-shumpeterianos. Da mesma forma Porter (1990) compartilha da idéia quando trata das metas individuais das firmas na determinação das vantagens nacionais de competição. Enfatiza o autor o quanto é fundamental se contar com o trabalhador diferenciado e participante dos processos de concepção, de produção e de relacionamento com o mercado, sinalizando as tendências à fusão da atividade de elaboração e execução e à redução dos níveis hierárquicos no interior das empresas, levando o trabalhador a pensar, agir e propor dentro do processo produtivo, o que leva, conseqüentemente, a uma nova estrutura de geração do valor e distribuição do produto do trabalho.

Observa-se, portanto, que diferentes visões enfatizam a tendência à redução da alienação do trabalho, embora não convirjam na idéia de que a mesma conduza ao alargamento da exploração imposta pelo capital.

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Algumas Considerações Finais

As trajetórias das mudanças técnicas e os novos paradigmas de produção e organização do trabalho vêm revolucionando o perfil do trabalhador e as relações de produção. Os efeitos dessas mudanças – potencializadas por novos clusters de inovações em processos, produtos, técnicas gerenciais, etc – têm adicionalmente sido devastadoras sobre os empregos ditos diretos pela seguintes razões: I) redução do uso de componentes de produtos através do crescente uso de micro-computadores; II) emprego da automação robótica; III) intensificação do uso de aparelhos eletrônicos em substituição aos mecânicos IV) banalização da informação e V) um aumento mais que proporcional da produtividade em relação à demanda agregada. Além das inovações que stricto sensu podem ser consideradas tecnológicas, surgem as gerenciais como a flexibilização funcional (trabalhadores ocupantes de postos estáveis desempenhando várias funções) e a flexibilização numérica (fazer gravitar em torno de um núcleo um número muito maior

de trabalhadores temporários), que reforçam a tendência ao desemprego estrutural e que ensejam novas relações de trabalho para os trabalhadores que permanecem diretamente ligados às plantas industriais. Com as mudanças recentes no processo produtivo, o capital redefine sua exigência em relação ao perfil do trabalhador, pretendendo-o multifuncional e polivalente, capaz de desempenhar funções de controle dentro das empresas-mãe ou das empresas sub-contratadas. Como esse engajamento ocorre com poucos trabalhadores, a grande maioria está sendo levada a se organizar em cooperativas de trabalho, onde passa a atender às exigências feitas pelas empresas capitalistas, tornando-se parceira na tarefa permanente de valorização e acumulação do capital. Mesmo com esta intensa transformação nas formas de organização da produção, e conseqüentemente nos processos de trabalho, marginalizando cada vez mais o trabalhador, e ampliando a exclusão social, característica deste modo de produção, o desenvolvimento da técnica se mostra intimamente ligada ao trabalho.

Referências Bibliográficas

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