O Pão

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Constituição do pão

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  • 1

    Porque que se tem tanto trabalho a fazer po e no se mastigam antes os gros de trigo, se faz uma boa papa com a sua farinha ou mesmo uns scones? Seria bem mais rpido e prtico. Mas toda a trabalheira vale a pena quando se trata dum produto to saboroso e fofo como o po. O po o resultado do trabalho conjunto de trs seres vivos - o gro de trigo, um micrbio e o homem - e envolve uma complexa teia de alteraes qumicas e configuracionais.

    Olhemos para uma fatia de po e observemos a estrutura do seu miolo

    . Este miolo uma espuma, ou seja, uma disperso de gs numa fase slida. J a cdea mais dura, estaladia e com uma colorao acastanhada. Falemos ento um pouco sobre algumas alteraes que esto na base da formao destas estruturas.

    Os ingredientes fundamentais do po so a farinha de trigo, a gua, o sal e a levedura de padeiro. Farinha de trigo 100 g gua 60 ml Sal 1,5 g Levedura 2 g

    A farinha de trigo constituda por vrios tipos de compostos, todos eles bem importantes para a qualidade final do po. Falemos apenas dos mais relevantes: o amido e as protenas. O amido, que representa cerca de 70% da farinha, constitudo por cadeias dum acar a glucose. Umas so ramificadas a amilopectina e outras so lineares a amilose.

    Estas cadeias formam uma estrutura semi-cristalina, bem resistente, que se denomina grnulo

    (no caso do amido do trigo existem grnulos maiores e outros de menores dimenses)

    amilose

    amilopectina

    amilase (enzima) glucose

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    Nas farinhas existem umas enzimas (catalisadores biolgicos) as amilases - que cortam1 essas cadeias. Da resultam acares livres que so bem importantes, como se ir ver.

    Quanto s protenas do trigo, elas tm uma diferena em relao s dos outros cereais. que a fraco no solvel, constituda por 2 tipos de protenas- as gliadinas e as gluteninas

    - forma uma rede. Isto acontece quando se adiciona gua farinha e quando se procede amassadura.

    Olhemos a figura que se segue:

    1. As protenas encontram-se originalmente enroladas. 2. A energia mecnica introduzida na amassadura provoca a quebra dalgumas

    ligaes qumicas mais frgeis e esses novelos vo-se desenrolando.2 3. As cadeias desenbaraadas estabelecem novas ligaes entre si e formam

    uma espcie de rede, do tipo teia de aranha. E essa rede que chamada glten, a qual simultaneamente plstica, elstica e muito coesa.

    protenas da farinha, inicialmente todas

    emaranhadas

    alterao das ligaes durante a amassadura

    alinhamento das protenas no fim da amassadura

    fonte: Cookwise. Shirley O. Corriher

    1 as amilases so catalisadores: no cortam, apenas aceleram a quebra das ligaes entre os acares que constituem as cadeias do amido 2 O trabalho da amassadura normalmente feito por uma mquina a amassadeira. Mas tambm pode ser

    feito por ns, os humanos. E, a, que se v o trabalho (energia) que necessrio para uma boa amassadura. uma verdadeira canseira!

    1

    2

    3

    glutenina

    gliadina

  • 3

    Muita investigao tem sido feita sobre as protenas do glten e pensa-se que muitas das suas caractersticas especficas esto muito relacionadas com os aminocidos que contm enxofre, nomeadamente a cistena. Representando a formao do glten duma forma muito esquemtica:

    Gliadinas Gluteninas gua Glten fonte: Cookwise. Shirley O. Corriher

    A rede aguenta o gs formado A gua outro dos ingredientes do po onde se vo dissolver todos os compostos solveis. Por outro lado liga-se aos outros componentes e, nomeadamente, s protenas que vo constituir o glten e ao amido, hidratando-os. E necessria a todas as reaces enzimticas. O sal solvel em gua, dissociando-se em ies sdio e cloreto. Para alm de evidenciar o sabor do po, esses ies reforam as ligaes entre as cadeias do glten, tornando-o mais coeso.

    Por ltimo falemos do micrbio envolvido no po a levedura Saccharomyces cerevisiae. A sua identificao como responsvel pelo desenvolvimento das massas panares apenas ocorreu no sculo XIX, com Pasteur.

    As clulas desta levedura consomem os tais acares livres provenientes do amido e vo produzindo um lcool o lcool etlico, um gs o dixido de carbono e vrios outros compostos que conferem ao po o seu fantstico sabor e aroma. Ao processo metablico levado a cabo pela levedura na ausncia de oxignio, chama-se fermentao. esta mesma levedura que tem o principal papel na produo do vinho e da cerveja. E, quando por vezes temos problemas intestinais, at a tomamos em cpsulas (a Ultralevure que quase todos conhecem).

    O gs produzido vai-se acumulando dentro da massa e, se o glten tiver a fora adequada para reter esse gs, ele vai-se acumulando na massa e esta vai-se expandindo (crescendo) dada a sua elasticidade.

    Durante a fermentao a massa vai crescendo, podendo ficar com mais do dobro do seu volume inicial.

    clulas de Saccharomyces cerevisiae

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    020406080

    100120

    0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55Temperatura (C)

    Ac

    tivid

    ade

    (%

    )

    curva que mostra a variao da actividade da levedura com a

    temperatura

    Fotomicrografias mostrando a transformao da massa panar durante a fermentao

    Incio da fermentao: grandes bolsas de gs e outras mais pequenas alinhadas com o glten

    Aps 2 horas de fermentao. Observa-se a rede de glten onde o gs est retido.

    A temperatura de fermentao est relacionada com uma boa

    actividade da levedura, a qual tem o seu ptimo a cerca de 37C. No grfico junto pode-se ver que as temperaturas baixas, a actividade da levedura quase nenhuma. com base nesta caracterstica que hoje se usa muito congelar as massas panares, para serem depois utilizadas quando d jeito. A temperaturas superiores a 65C a levedura morre. (est-se a ver o triste fim que ela tem no forno, depois dum trabalho to til que fez para ns, os homens).

    Disse Pasteur: fermentar viver sem oxignio. Durante a fermentao a massa manipulada algumas vezes para dividir e redistribuir as bolhas de gs e as clulas da levedura, de modo a ficarem mais uniformemente distribudas. Por outro lado, impede-se que se criem tenses nalgumas cadeias de glten que rodeiam as bolhas gasosas, provocadas por grandes quantidades de gs acumulado. Quando a massa atinge o volume desejado, metida no forno, a temperaturas entre os 200 e os 220C, e inicia-se a fase de cozedura. Verifica-se ento um grande aumento no volume da massa. E isto porque, medida que o calor vai sendo conduzido atravs da massa, a temperatura desta vai aumentando, da resultando uma maior actividade da levedura (logo uma maior produo de gs) e uma expanso das bolhas de gs. Aos 60C ocorre a morte trmica das clulas da levedura e a actividade dalgumas enzimas comea a baixar. Tambm a esta temperatura inicia-se a gelatinizao do amido e a coagulao das protenas, fundamentalmente devido a um aumento do n de ligaes S-S- entre as cadeias proteicas. E a gua que estava includa na rede glutnica excluda e vai ser importante para a gelatinizao do amido. No po, a gelatinizao do amido no completa, uma vez que a quantidade de gua na massa limitada. Tambm a temperatura e o tempo de cozedura so importantes. A gelatinizao inicia-se por volta dos 65C. Com a desnaturao e coagulao do glten, a cerca de 72C, a espuma solidifica, fixando a estrutura do miolo, que perde capacidade para reter o gs.

    Gelatinizao do amido: quando sujeitos ao calor, os grnulos absorvem gua e vo inchando fonte: http://osu.orst.edu/food-resource/

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    Algumas alteraes que ocorrem na massa panar medida que a sua temperatura vai aumentando: Temperatura da massa aps

    introduzida no forno (C) Alguns fenmenos que ocorrem na massa durante a cozedura da massa

    panar

    30 expanso do gs e aumento da produo enzimtica de acares 50 - 60 fim da actividade das leveduras e forte actividade enzimtica 60 - 80 coagulao das protenas; gelatinizao do amido 100 evaporao de gua, libertao de vapor de gua e formao da cdea 110 - 120 formao de dextrinas na cdea 130 - 140 formao de dextrinas escurecimento 140 - 150 reaces de caramelizao (entre acares) 150 - 200 escurecimento (reaces de Maillard entre acares e aminocidos) e

    formao da estrutura estaladia

    A ESTRUTURA FINAL DO MIOLO DO PO

    formam-se uns buraquinhos que vo dar origem aos alvolos

    E c temos o nosso po. Fofinho, aromtico e saboroso. Uma delcia!

    bolhas de ar

    filme de protena

    amido

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    OS LEVEDANTES Chamamos fermentos ou levedantes s substncias responsveis pelo aumento de volume de massas, introduzindo bolhas gasosas, o que vai dar muita leveza ao produto final Podem ser naturais ar, vapor (caso dos sufls), qumicos o fermento ingls (bicarbonato de sdio) usado nos bolos ou biolgicos, como a levedura de cerveja, usada no po e nas cream crakers. No caso dos fermentos qumicos, as bolas de ar no so criadas por ele. Eles simplesmente fazem crescer as introduzidas enquanto se trabalha a massa com a batedeira. Quanto mais bolhas se tiverem formado nesta fase, melhor ser a textura final do nosso bolo. Mas h que ter cuidado para que no se forme glten.

    Pela aco do calor: 2 NaHCO3 Na2CO3 + CO2 + H2O

    cido actico

    O ar introduzido quando se bate fica tanto mais retido quanto mais gordura e ovos a receita tiver.