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Revista Científica da FASETE 2019.1 | 64
O PAPEL DA DISCIPLINA LIBRAS FRENTE A REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
NEGATIVAS SOBRE OS SURDOS EM CIDADES DO INTERIOR
Cristiano das Neves Vilela
Professor da UFAL, Mestre em Educação e membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Interiorização da Língua de Sinais (NEPILS) do Campus do Sertão da UFAL.
E-mail: [email protected]
RESUMO
Nesse artigo tratamos de algumas representações sociais sobre os surdos do
sertão alagoano construídas institucionalmente e também nas relações de
familiares e profissionais da educação em contato com pessoas surdas entre os
anos 1981 e 2005 na cidade de Delmiro Gouveia, Alagoas. Procuramos perceber
se essas representações continuam vigorando baseando essa análise nas
concepções sobre os surdos e a Libras de 95 estudantes dos primeiros semestres
dos cursos de licenciatura do Campus do Sertão da UFAL entre 2017 e 2018.
Trata-se de uma pesquisa de campo de abordagem qualitativa e quantitativa onde
utilizamos como instrumento de coleta de dados questionários e entrevistas
semiestruturadas. Verificamos após análise do objeto de estudo que entre 1981
a 2005 construíram-se em Delmiro Gouveia representações sociais onde os
surdos eram vistos como deficientes e que nunca seriam independentes e capazes
no futuro. Observamos que as mesmas representações sociais ainda estão
vigorando e se estabeleceram atualmente como as mais usuais. Concluímos que
a disciplina Libras, matéria obrigatória nos cursos de licenciatura em todo o país,
pode ser uma ferramenta importante para o enfrentamento de representações
sociais negativas sobre os surdos em regiões distantes dos grandes centros
urbanos.
Palavras-chave: Surdos. Libras. Sertão. Representações.
THE ROLE OF SIGN LANGUAGE CLASS IN FACE OF THE
NEGATIVE SOCIAL REPRESENTATIONS ABOUT DEAF PEOPLE IN
COUNTRY CITIES
ABSTRACT
This article is about some social representations about deaf people in Alagoas
backwoods region, institutionally constructed and also formed by the familiar
and professional relationships when in contact with deaf people from the years
1981 to 2005, in the city of Delmiro Gouveia, Alagoas state of Brazil. We tried
to understand if these representations are still present basing this analysis on the
conceptions about deaf people and sign language of 95 students of the first
semesters of the teaching degree and courses of UFAL between 2017 and 2018.
This is a field research with qualitative and quantitative approach, in which we
made use of semi structured questionnaires and interviews as tools to gather data.
It was verified, after the analysis of the research, that between 1981 and 2005, it
was built in Delmiro Gouveia social representations in which deaf people were
seen as disabled people who would never be independent and capable in the
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SURDOS EM CIDADES DO INTERIOR
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future. We observed that the same social representations are still being
reproduced and they have established themselves as the more common ones.
Itwas concluded that sign language classes, which are mandatory for every
teaching degree course in all Brazilian universities, can be an important tool in
the fight against the negative social representations about deaf people in regions
distant from the metropolitan areas.
Keywords: Dead people. Sign Language. Representations.
1 INTRODUÇÃO
As pessoas surdas que vivem nas capitais e nos grandes centros urbanos do Brasil já utilizam a
Libras a várias décadas, entretanto, muitos outros surdos que vivem no interior ainda não a
conhecem. Um agravante é a falta de contato com membros da comunidade surda que usufruem
plenamente de uma experiência de vida baseada numa cultura visual. Mesmo quando ocorre a
aproximação de surdos do interior com outros membros da comunidade surda, geralmente esses
encontros são breves e irregulares, não possibilitando que os surdos em regiões mais afastadas
também descubram-se como pertencentes de uma cultura surda. Poderíamos até afirmar que ainda
há, figurativamente, um abismo entre a situação linguística, cultural e educacional dos surdos nas
capitais e dos seus pares em regiões mais isoladas do Brasil.
Além da situação precária em que vivem essas pessoas surdas, pois sem contato com sua língua
de sinais e obrigados a tentar usufruir uma cultura oral sem condições biológicas de abstraí-la de
maneira natural, esse isolamento gera uma série de desafios quando nas comunidades as pessoas
terminam reproduzindo vários estereótipos e mitos, ao passo que diversas representações sociais
dos surdos que não correspondem com a realidade são perpetuadas. Basta imaginarmos que até
mesmo onde a comunidade surda é bastante atuante no campo político e educacional, as
representações sociais negativas continuam existindo e exigindo sua constante desconstrução. De
modo que as representações sociais negativas produzidas sobre os surdos do interior são mais
preocupantes, já que a situação linguística, educacional e social em que se encontram são ainda
mais desafiadoras.
Nesse texto discutiremos algumas representações sociais sobre os surdos do sertão alagoano que
foram construídas institucionalmente e também nas relações dos familiares e profissionais da
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educação em contato com pessoas surdas entre os anos 1981 e 2005 na cidade de Delmiro
Gouveia, Alagoas. A partir da análise dessas representações tentaremos mostrar porque
acreditamos que a disciplina Libras, matéria obrigatória nos cursos de licenciatura em todo o país,
pode ser uma fermenta importante para o enfrentamento desse tipo de representações sociais
negativadas dos surdos em regiões distantes dos grandes centros urbanos.
O desejo em analisar as representações sociais dos surdos nessa cidade do interior alagoano e
relacioná-las com algumas características da disciplina Libras, surge a partir das ideias
apresentadas inicialmente na dissertação intitulada: Gênese da Educação de surdos em Delmiro
Gouveia, (VILELA, 2016) cujo objetivo era investigar as primeiras iniciativas educacionais de
surdos em Delmiro Gouveia, AL. No percurso daquela investigação, a coleta de dados apontou
para a intensidade com que as representações sociais acerca dos surdos influenciavam o trabalho
pedagógico e as relações familiares. Naquele trabalho as representações sociais encontradas foram
discutidas essencialmente a partir de sua relação com o início de sua educação na cidade de
Delmiro Gouveia em instituições que atendiam principalmente deficientes intelectuais.
Entretanto, muito material coletado nas entrevistas e não utilizados na dissertação são reveladores
no que diz respeito à profundidades dessas representações sociais e como essas formam conceitos
e motivam atitudes em uma comunidade. Utilizamos as transcrições das entrevistas coletadas por
ocasião daquela investigação e não utilizadas naquele texto na produção do trabalho que agora
apresentamos.
Também é nosso desejo, conforme já explicitado, discutir como a disciplina Libras pode ser uma
excelente alternativa no enfrentamento de representações sociais negativadas sobre os surdos.
Para alcançar esse objetivo, coletamos dados de 95 estudantes de licenciatura que cursaram a
disciplina Libras no Campus do Sertão da UFAL. Como a sede do campus do sertão é na cidade
de Delmiro Gouveia, a coleta de dados junto aos estudantes nos ajudou também a ver qual foi a
longevidade dessas representações sociais negativas sobre os surdos no decorrer dos anos.
Em síntese, nesse texto procuramos responder algumas questões: Quais foram algumas das
principais representações sociais sobre os surdos que vigoraram no sertão alagoano entre os anos
1981 a 2005? Qual a abrangência dessas representações, ou seja, ainda são visíveis hoje em dia?
Como a disciplina Libras nos cursos de graduação pode servir para o enfrentamento dessas
representações?
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2 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E OS SURDOS
As representações sociais sobre os surdos em Delmiro Gouveia nos ajudam a entender como se
pensava os surdos naquele momento. Elas podem nos ajudar a encontrar os comportamentos e as
crenças que se tornaram “legítimas” a partir da popularização dessas mesmas representações
construídas sobre os surdos. Essas representações, embora não representem a verdade e mesmo
carentes de reflexão e aprofundamento, traduzem um pensamento coletivo sobre aquele grupo que
vigorou durante um período considerável de tempo e que deram sentido a práticas institucionais
e familiares em relação aos surdos. Pesavento (2005, p. 41) diz:
As representações são portadoras do simbólico, ou seja, dizem mais do que aquilo que mostram ou
enunciam, carregam sentidos ocultos, que, construídos social e historicamente, se internalizam no
inconsciente coletivo e se apresentam como naturais dispensando reflexão.
As representações sociais não são a realidade, o que ocorre é que por vezes as representações
exercem mais influência no pensamento coletivo do que a própria realidade. Muitas vezes outros
sentidos podem ser atribuídos à própria realidade a partir de uma visão estabelecida pela
representação dela. Dessa forma ela deixa de ser apenas uma representação e passa a se legitimar
como sendo a própria realidade. Segundo Pesavento (2005) além de transmitir apenas uma ideia
de substituição como se a representação fosse uma cópia do real, as representações também
possuem capacidade de mobilização e de produzir reconhecimento e legitimidade social.
As representações constituídas sobre o mundo não só se colocam no lugar desse mundo, como fazem
com que os homens percebam a realidade e pautem a sua existência. São matrizes geradoras de
condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real.
Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a
realidade. (PESAVENTO, 2005, p. 39)
Ou seja, as representações estabelecem-se como motivadoras de práticas sociais. No caso em
questão, as representações sobres os surdos que estamos analisando são reveladoras por que elas
geraram práticas e concepções sobre os surdos que persistiram sendo a única explicação sobre
essas pessoas no período analisado. Mas, quais eram as principais representações sobre os surdos
em Delmiro Gouveia? Onde podemos encontrar essas representações? Respondendo a essa
questão é importante perceber que encontraremos essas representações dentro de uma relação de
poder entre os grupos sociais:
Ao tratarmos das representações sociais dos surdos, pensamos em quais delas acabaram por legitimar
discursos e práticas no ambiente institucional e na comunidade. Julgamos importante também
identificar as instâncias de poder, pois nas representações sociais o grupo social que possui o poder
simbólico de exprimir sua força e impor suas interpretações é o que produz a legitimação das
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representações. No caso dos surdos de Delmiro Gouveia, é por meio das narrativas dos ouvintes, o
grupo pertencente à cultura majoritária, representado pelos pais e professores, que se produzem as
representações usuais sobre os surdos. (VILELA, 2016, p. 98)
Para o trabalho citado acima e que foi fonte das preocupações iniciais que geraram a discussão
que propomos, foram selecionados três grupos de entrevistados: 1º) três ex-alunos surdos; 2º)
quatro professores/profissionais que atuaram com surdos; e 3º) seis pais/familiares desses ex-
alunos e uma mãe de um surdo que não estudou na instituição – um total de quatorze entrevistados.
(VILELA, 2016). Entretanto, na proposta atual, que objetiva analisar algumas representações do
grupo majoritário sobre os surdos, utilizaremos determinados fragmentos de transcrições das
entrevistas feitas ao 2º e 3º grupo, ou seja, aos pais, familiar e professores dos alunos surdos.
Destacaremos nesse trabalho duas representações sociais principais acerca dos surdos em Delmiro
Gouveia entre os anos já informados. Mas antes, cabe relatar brevemente como começou a
educação de surdos em Delmiro Gouveia.
Em 1981 foi criada a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Delmiro Gouveia
para atender pessoas com deficiência. Como ela era a única instituição a acolhe-los, em 1984 já
existiam surdos frequentando a instituição. Nessa época e nos anos posteriores, não há nenhuma
menção dos surdos no regimento da instituição. Em 1994 os estudantes surdos são colocados em
uma turma com apenas alunos surdos. Em 1997 começam as atividades da primeira professora
que sabia Libras na APAE. No ano seguinte ocorreu o primeiro curso de Libras com os surdos da
APAE e no ano 2000 é realizado um curso de Libras com uma instrutora surda vinda do Recife.
Em 2005 os alunos surdos saem da APAE e vão para escolas regulares e para as salas de recursos
do município.
Quais eram as representações sociais sobre os surdos nesse contexto? 1 – Os surdos eram vistos
como deficientes. No princípio, os atendimentos educacionais na APAE eram realizados a partir
de práticas para deficiência intelectual. Os alunos ficavam todos juntos, independentemente de
serem ou não surdos, o que favorecia criação de representações sociais ligadas a deficiência
intelectual. Mesmo com a introdução da Libras, a principal representação social foi a da
deficiência e a questão de língua e identidade foram subordinadas a ideia de normalização e
correção.
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Os relatos que apresentamos a seguir foram colhidos das transcrições de entrevistas realizadas
entre 18/04/2015 a 15/09/2015 e destacam a deficiência como uma representação social muito
marcante dos surdos em Delmiro Gouveia. Seguem alguns exemplos:
Na APAE eles achavam que o surdo era um deficiente que não tinha condições de se manter sozinho,
tinha que ter um acompanhante, uma pessoa pra cuidar em tudo. Eu lembro que eles tratavam os surdos
como tratavam os outros que estavam lá que também não eram surdos e tinham suas deficiências, era
tudo a mesma coisa. (JRL, pai)
As crianças ficavam todas juntas. Eram tratados todas do mesmo jeito, eu não via diferença.
Antigamente eles eram tratados como deficiente mesmo. Achavam que eles não eram capazes e pronto.
Era o mesmo tratamento, como doentes mesmo, como deficiente, como mongoloide, eram tratados
assim. [...] Antes os professores não eram capacitados em LIBRAS, em lidar com o surdo. Eles lidavam como lidavam com outros deficientes, os com sindrome de down. Eles não tinham instruções, não
tinham um curso para lidar com eles. (APA, mãe)
Quando eu conheci a sala eu vi crianças com deficiência mental leve, profunda, síndrome de down,
autismo. E o surdo lá, convivendo com todas as situações. O surdo jovem já tem sua linguagem, sua
forma de viver. Mas, a tarefa que era mimeografada para as crianças com síndrome de down, era dada
para o deficiente mental leve, o profundo e também para o surdo. Não tinham essa percepção. (ECS,
professora)
Diziam assim: “Ah, vai criar uma menina doida. Essa menina nunca vai te respeitar, não sei o quê...”
Eu ficava muito triste. Mas Deus sabe, Deus que me deu ela porque sabe o futuro. Mas quando falavam
aquilo, Ave Maria! Ficava doente, doente! Eu pensava assim: “Do jeito que Deus deu a ela, dá a
qualquer um.” Eu falava: “Ela não é a primeira nem a derradeira.” (RFP, mãe)
Mesmo quando os alunos foram separados em uma sala só de surdos, e a instituição contava com
professores que já sabiam um Libras, a atitude institucional frente as decisões educativas a serem
tomadas revela uma preferência a oralidade. A crença de que os alunos precisavam de reabilitação
e treinamento auditivo sugerem uma visão clínica ou medicalizada da surdez (PERLIN;
STROBEL, 2006; SKLIAR, 2010) onde o objetivo seria substituir os objetivos pedagógicos
tradicionais pela incessante busca do sucesso na oralização a partir da estimulação de qualquer
resíduo auditivo existente e o treinamento regular e sistemático da fala:
Nem estímulo fonoaudiologico eles tinham, e até isso, mesmo sem formação, eu fiz um pouco. Lembro
que os levei para fazer o teste de audiometria, porque ninguém sabia seu nível de surdez. [...] Com o
resultado desses exames foi quando solicitamos a APAE que começasse a solicitar do município uma
fonoaudióloga pra lá, porque era muito importante. Todos eles estavam na fase dos 4 aos 12 anos.
Ainda dava tempo fazer um estímulo de voz. [...] Quando eu via a aluna com 4 anos, sabendo a
profundidade da surdez dela e que ela podia ter uma boa oralização, mas tinha a questão de condição
financeira da família. (ECS, professora)
Percebemos como uma ideia de correção estava bastante presente nos procedimentos que
procuravam restabelecer a fala por meio do estimulo do resíduo da audição. Nesse momento, os
surdos sabiam apenas um pouco de Língua de Sinais, e obviamente haviam dificuldades de
comunicação e de interação com os professores. Souza (1998 apud SÁ, 2010, p. 280) pondera
sobre esse assunto: “Como ensinar sem linguagem? A única ‘saída’ que [o professor] imagina ter
é a redução de seu ato de ensinar à estimulação dos canais sensoriais remanescentes como via de
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acesso a linguagem”. Entretanto, sabemos que os surdos não dependem da língua oral para
desenvolverem língua e consequentemente poderem ser bem-sucedidos na sua escolarização
usando essa língua natural. A perspectiva hierarquizante da língua oral sobre a língua de sinais
como língua de instrução é um reflexo dessa representação dos surdos como deficientes.
(GESSER, 2009, p.45)
Digno de nota salientarmos que muitas dessas representações sociais construídas sobre os surdos,
foram a razão para que diversas pessoas enxergassem a surdez como uma “deficiência”, e não
apenas do tipo sensorial, mas algo muito próximo da deficiência mental. Sá (2010, p. 174) nos
alerta para esse fato:
No olhar obrigatório imposto pelo conjunto de representações sociais a respeito da surdez, o surdo é
levado a perceber-se e a narrar-se como deficiente, e não apenas como “deficiente auditivo”, mas até
mesmo como “deficiente mental”.
Em Delmiro Gouveia, esses tipos de representações não estavam limitados apenas a uma situação
institucional, restrita aqueles que conviviam com os surdos. Muitos na comunidade também
pensavam nos surdos como deficientes intelectuais e muitas vezes até como doidos:
Era corriqueiro as pessoas chamarem os surdos de “doidos” e acharem que os surdos atacariam ou
agrediriam os transeuntes. A APAE era chamada pejorativamente de “escola dos doidos”. [...] O relato
de um pai mostra o que acontecia na comunidade: “A gente tinha que aguentar aquilo, era: ‘lá vai o
mudinho’, ‘o mudo’ ou ‘ele é doido’, e a gente ouvia isso na rua. Minha filha ficava nervosa e dizia:
“Não é mudo, vocês sabem o nome dele, ele tem nome”. (VILELA, 2016, p. 100)
2 - A representação social dos surdos como deficientes ocasionou também a ideia dos surdos
como pessoas dependentes e incapazes. De fato, a segunda representação social sobre os surdos
que abordaremos nesse texto relaciona-se com a ideia de que os surdos nunca seriam
independentes e capazes no futuro. Os fragmentos abaixo nos ajudam a ver como isso acontecia:
Eu achava que meu filho ia ser um incapaz pelo resto da vida, era isso que eu tinha na minha mente,
igual a muita gente da minha família. Quando eu dizia: “Eu tenho um filho deficiente.” Diziam: “hein,
hein, coitado do bichinho.” (SPF, mãe)
Em relação ao futuro eu pensava será que ela ia passar disso? Só isso aqui? Será que ela não vai estudar mais na frente? Só com pintura, só isso? Eu pensava muito: “Acho que ela nunca vai ter uma vida de
escola normal” [...] Eu pensava: “ela não vai sair disso. Não vai estudar nunca.” Lembro que eu dizia
que ela nunca ia estudar numa sala normal, não vai aprender mais nada. Eu pensava nisso enquanto
estava lá na APAE. (APA, mãe)
Quando pensava no futuro vinha tanta coisa. Passava tanta coisa pela minha cabeça que eu dizia assim:
“Meu Deus, o que é que eu vou fazer na vida?” Porque é uma pessoa que eu nunca vou deixar sozinha.
Não posso deixar com ninguém, tem que ser comigo porque só eu tenho paciência, os outros não vão
ter, pensava. (RFP, mãe)
O médico aconselhou a levar ele pra uma escola e acompanhar, mas essa escola só tinha em Recife,
Maceió e Aracaju, três capitais mais perto, mas a gente não tinha condições de se deslocar daqui. [...]
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Aí ficou esse peso na consciência da gente. Se pudesse, aí ia ter como uma pessoa normal, pra trabalhar
e se manter sozinho, mas a agente não ia poder, ficamos com esse peso na consciência e com ele nas
costas por que tinha que carregar mesmo. [...] Nós nos sentíamos mal porque podíamos ter uma pessoa
que fosse aproveitada e que pudesse se manter sozinha. Nós pensávamos e ficávamos preocupados
porque íamos ter aquela pessoa dependente da gente pelo resto da vida. (JRL, pai)
Ao analisarmos os relatos acima, percebemos o quanto os surdos de Delmiro Gouveia foram
marcados pelo rótulo da incapacidade e de que seriam eternamente dependentes dos familiares
ouvintes. Trata-se de uma representação social bastante forte em legitimar o discurso de que os
surdos não teriam uma vida normal e a incapacidade está claramente relacionada com a ideia de
serem deficientes. A falta de comunicação oral, encarada como único modo de ingresso no mundo
do trabalho e na vida social de uma pessoa adulta normal, produzia medos, incertezas e culpa.
Concluímos então que as representações principais sobre os surdos que queremos destacar
relacionam-se com a ideia dos surdos serem deficientes, e terem uma deficiência muito próxima
a uma deficiência intelectual e também que nunca seriam independentes e capazes no futuro.
Entretanto, mesmo não correspondendo com a realidade e havendo hoje em dia uma série de
argumentos intelectuais e legais que se contrapõem a essas representações, qual foi a longevidade
delas?
3 QUAL A LONGEVIDADE DESSAS REPRESENTAÇÕES?
Desde a década de 2000 os surdos do Brasil obtiveram várias vitorias ao estabelecer legalmente
importantes direitos linguísticos e sociais, bem como conseguiram garantir políticas de formação
e de acessibilidade importantíssimas, exemplos são as leis 1436/2002 e o decreto 5626/2005. Por
isso, é importante saber se as representações sociais que acabamos de analisar perduraram nos
anos seguintes ou eram apenas temporárias.
Para melhor entender essa questão, decidimos perguntar sobre os mitos, estereótipos e
representações negativas sobre os surdos que estudantes de quatro cursos de licenciatura do
Campus do Sertão da UFAL possuíam. Esses alunos haviam acabado de concluir o segundo
semestre, momento no qual ofertamos a disciplina Libras. Os estudantes pertenciam aos cursos
de licenciatura em pedagogia, história, letras e geografia. A metodologia de coleta de dados
consistiu em submeter questionários aos estudantes da disciplina Libras, tão logo concluíssem a
disciplina. O preenchimento se deu por adesão e de forma espontânea. O questionário foi
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preenchido por 95 estudantes e ocorreu durante o final de três semestres consecutivos, entre os
anos de 2017 e 2018.
Acreditamos que já que a sede do Campus do Sertão da UFAL se localiza na mesma cidade na
qual investigamos as representações sociais negativas sobre os surdos entre os anos 1981 a 2005
e que a maioria dos estudantes dos cursos de licenciatura do campus moram nessa mesma cidade
ou em cidades vizinhas, então parece razoável crer que a partir das respostas desses estudantes
podemos tentar descobrir a longevidade dessas representações. De modo que, quais são as
representações sociais dos surdos na atualidade? O que revelam as respostas dos estudantes?
Pediu-se aos participantes que informassem quais eram suas crenças acerca dos Surdos e da Libras
antes de ingressarem da disciplina Libras. Eles tiveram que responder sobre seis temas,
informando em quais dessas ideias acreditavam: 1- Libras são gestos ou mímicas, 2 - Libras não
é uma língua; 3 - Os surdos são ‘deficientes’; 4 - os surdos não possuem cultura, 5 - O problema
do surdo é sua ‘deficiência’ e 6 - Os surdo são surdos-mudos. Sem exceção, todos os estudantes
assinalaram pelo menos quatro crenças das dispostas no questionário, o que revela que todos
acreditavam em mitos e estereótipos sobre o assunto. Abaixo, o Gráfico - 1 demonstra a frequência
das respostas:
Gráfico 1 – Crenças dos estudantes antes de cursarem a disciplina Libras
Percebe-se no gráfico acima que 78,2% dos estudantes acreditavam que os surdos são deficientes
e 59,8% criam que essa “deficiência” é o “problema” dos surdos. Da mesma forma que as
representações sociais no sertão alagoano nas décadas anteriores rotulavam os surdos como
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deficientes, eles continuam sendo vistos dessa forma por uma parcela expressiva da comunidade.
Uma parcela, diga-se de passagem, jovem e teoricamente com mais acesso as fontes de
informações. Os números revelam um preocupante quadro de continuidade da representação mais
estereotipada sobre os surdos.
Ainda observamos no gráfico que a representação social dos surdos como deficientes facilita a
negação da existência de uma cultura surda. Percebe-se que 70,6% dos estudantes responderam
que acreditavam que os surdos não possuíam uma cultura. Similarmente às representações sociais
dos surdos em Delmiro Gouveia nos anos anteriores, hoje em dia talvez por desconhecimento, a
negação da diferença baseada numa cultura distinta pode gerar uma diferença baseada numa visão
patológica que facilita o desenvolvimento de uma pedagogia para a deficiência, ou seja, práticas
relacionadas com a educação especial para pessoas com deficiência intelectual são utilizadas com
surdos quando poderiam dar lugar a concepções pedagógicas multilíngues e multiculturais.
Também verificamos no gráfico como os vários equívocos sobre a natureza da Libras, mesmo
depois de dezesseis anos após seu reconhecimento, revelam um preocupante desconhecimento
sobre os surdos e sua língua. Percebemos que 79,3% dos entrevistados acreditavam que a libras
não é uma língua, enquanto 80,4% acreditavam que a libras se constitui apenas de gestos e
mímicas.
Então, podemos concluir que, passados treze anos do fim do recorte temporal estudado naquela
investigação sobre a educação de surdos em Delmiro Gouveia, basicamente as mesmas
representações sociais construídas institucionalmente e no âmbito familiar e reforçadas pela
comunidade delmirense sobre os surdos do sertão alagoano ainda estão vigorando. A
continuidade dessas representações negativadas sobre os surdos precisa ser questionada se
havemos de partir para o enfrentamento dessa problemática. A razão é que não estamos mais
vivendo em uma época em que não existiam informações suficientes sobre aos surdos ou quando
a Libras ainda não havia sido reconhecida e era vista apenas como uma linguagem. É urgente
pensarmos no enfrentamento dessas situações nas cidades do interior do Brasil. Mas, como?
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4 A DISCIPLINA LIBRAS NOS CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES COMO
ENFRENTAMENTO DAS REPRESENTAÇÕES NEGATIVADAS SOBRE OS SURDOS
Como enfrentar essas questões? Acreditamos que uma excelente oportunidade para discutir esses
estereótipos e tentar questionar representações sociais negativas sobre os surdos pode ocorrer a
partir da atuação dos professores de Libras na graduação. Esses professores podem organizar de
foram sistemáticas e regular os conteúdos da disciplina, sobretudo nos cursos de formação de
professores, para que abranjam seriamente essa problemática. Em nosso caso, ao fazer isso nos
últimos anos, obtivemos resultados bastante satisfatórios, o que aponta para essa direção como
uma possibilidade razoável.
Quando a disciplina Libras foi criada a partir do decreto 5626/2005 não foram estabelecidas
normas mais detalhadas sobre ementa, carga horária e os conteúdos sob os quais ela deveria ser
estruturada, por isso há muita diversidade em como se oferta essa matéria por todo o Brasil. Sobre
carga horária, por exemplo, geralmente podem variar entre 30 a 80 horas, e acerca dos conteúdos
ministrados há bastante diferença entre as diversas instituições e até mesmo entre docentes da
mesma instituição (SANTOS; CAMPOS, 2014). Não havendo uma preocupação maior sobre o
que ensinar pode-se perder uma excelente oportunidade para tentar trabalhar conteúdos teóricos
importantes nas aulas de Libras. Alguns professores organizam a disciplina apenas com conteúdo
prático do ensino de Libras como segunda língua, obviamente isso até pode possibilitar uma
efetividade maior no ensino da língua, mas organizar essa disciplina dessa forma nos parece
extremamente insuficiente para responder a demandas que apresentamos nesse trabalho e que
estão presentes também em muitas outras cidades.
A disciplina Libras é uma excelente oportunidade para discussões dessa natureza também pelo
fato de que nos últimos anos a expansão das Universidades Federais e dos Institutos Federais para
o interior brasileiro levou dezenas de novos campis para regiões muito distante das capitais dos
estados e dos grandes centros urbanos e em muitos desses lugares atualmente a disciplina Libras
está sendo ministrada. Além disso, muitas IES públicas, privadas, filantrópicas e confessionais,
possuem cursos de graduação em pequenas cidades onde também ofertam a disciplina Libras. É
muito provável que em outras cidades situadas em regiões de interior, além da região onde
realizamos essa investigação, também passem por situações semelhantes. Portanto é importante
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perguntar como a disciplina Libras nos cursos de graduação poderia ser os lócus para o
enfrentamento de representações sociais negativadas sobre os surdos.
Partindo de nossa experiência, no campus do sertão da UFAL Libras é uma disciplina obrigatória
ofertada no segundo período dos cursos de licenciatura, sendo também disciplina eletiva nos
cursos de bacharelado. A carga horária total são 60 horas. No período em que coletamos os dados
para essa investigação, ministramos a disciplina da seguinte forma: A carga horária foi
estabelecida em conteúdos teóricos e práticos, sendo 30 horas para atividades teóricas e 30 horas
para ensino de Libras. Nesse ponto, é importante deixar claro que não pretendemos apresentar
aqui uma receita ou modelo de organização do currículo ou da carga horária da disciplina, nossa
intenção é tão somente relatar uma experiência de trabalho exitosa visando o enfrentamento das
já comentadas representações negativas.
Nos conteúdos trabalhados, sempre procurávamos relacionar a teoria com o que os estudantes já
conheciam e com aquilo que acreditavam sobre os surdos e a Libras, bem como trazer essas
discussões o máximo possível para a realidade local. Desde a primeira aula, na apresentação do
plano da disciplina, ficou estabelecido que o objetivo da matéria seria para além do ensino de
Libras, que trataríamos também de conteúdos teóricos que possibilitassem a formação do futuro
professor para as questões envolvendo os estudantes surdos e a Libras e que um dos objetivos da
disciplina é discutir os estereótipos e crenças correntes sobre a comunidade surda.
A parte teórica da disciplina procurou abranger os seguintes conteúdos: Quem são os surdos e o
que é a Libras, uma introdução aos estudos da surdez. Aspectos linguísticos da Libras, onde
buscamos mostrar as provas de que Libras é língua e os principais mitos sobre ela. Cultura e
Identidade Surda, discutimos porque os surdos não são deficientes e a sua condição como
minoria cultural e linguística. História da educação de surdos, síntese da história do povo surdo.
Modelos educacionais para surdos, uma discussão dos principais modelos de educação de
surdos. Inclusão e Bilinguismo, uma reflexão sobre essas as duas propostas. Legislação, estudo
da lei 1436/2002, do decreto 5626/2005, entre outros. Ensino de língua portuguesa para surdos,
destacamos o ensino de língua portuguesa na modalidade escrita como segunda língua.
Tradutor/Intérprete de Língua de Sinais, discutimos a formação, atuação e desafios desse
profissional.
O PAPEL DA DISCIPLINA LIBRAS FRENTE A REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NEGATIVAS SOBRE OS
SURDOS EM CIDADES DO INTERIOR
Cristiano das Neves Vilela
Revista Científica da FASETE 2019.1 | 76
Após concluírem a disciplina Libras perguntamos aos estudantes sobre as mudanças que puderam
perceber nas representações sociais que possuíam antes do início daquele do semestre. A
finalidade era entender se os estudos desses conteúdos são eficazes ou não em ajudar os estudantes
de Libras na graduação a questionar as representações sociais negativadas sobre os surdos, os
estereótipos e os mitos que possuíam e se puderam ajudar a produzir uma mudança de pensamento
que motive a uma transformação social. Perguntamos aos estudantes se o estudo desses temas
teóricos na disciplina Libras contribuíram para uma mudança de pensamento sobre os surdos? O
Gráfico - 2, abaixo, nos mostra a resposta:
Gráfico 2
Todos os 95 estudantes que contribuíram nessa investigação ocorrida no final de três semestres
consecutivos afirmaram que os conteúdos teóricos estudados contribuíram para uma mudança de
pensamento acerca dos surdos. Esse percentual bastante expressivo nos ajuda a entender que a
disciplina Libras pode sem dúvidas ser também um excelente momento para o enfrentamento
dessas questões e deve de fato sê-lo. O professor de Libras com formação adequada para discutir
essas questões, pode contribuir de forma significativa na transformação social dos futuros
profissionais que está formando, sobretudo quando são profissionais da educação. Tal formação
precisa ser baseada na escolha de conteúdos que reflitam por parte do professor conhecimento da
realidade dos surdos no contexto local.
O PAPEL DA DISCIPLINA LIBRAS FRENTE A REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NEGATIVAS SOBRE OS
SURDOS EM CIDADES DO INTERIOR
Cristiano das Neves Vilela
Revista Científica da FASETE 2019.1 | 77
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos nesse texto que as principais representações sociais dos surdos em Delmiro Gouveia entre
os anos 1980 a 2002 são aquelas que narram os surdos como deficientes e incapazes. Essas
representações sociais ainda são correntes, como podemos atestar pelo fato de muitos jovens
estudantes dos cursos de formação de professores no campus do sertão ingressarem na
universidade munidos das mesmas representações sociais negativadas. Procuramos também
demostrar a importância de se fazer um enfrentamento dessas representações sociais negativas e
que uma excelente oportunidade para isso ocorre nas aulas da disciplina Libras nas diversas
instituições de ensino superior espalhadas pelo interior do país.
Sobre esse último ponto, acreditamos que o ensino de Libras, sobretudo nos cursos de formação
de professores, deve, dentre outras coisas, promover discussões sobre os aspectos sociais e
culturais do povo surdo; deve deixar claro as bases pelas quais afirma-se que Libras é uma língua;
deve discutir a educação de surdos, os modelos educacionais disponíveis e acima de tudo
promover uma discussão sobre os estereótipos, crenças e preconceitos existentes em uma boa
parte da comunidade ouvinte. Essa discussão deve ser feita de forma intencional e sistemática,
não acreditamos que seja suficiente apenas dar algumas “pinceladas” desses assuntos entre as
aulas práticas de Libras. Cremos que o professor de Libras não pode selecionar os conteúdos dessa
disciplina como se fosse ministrar o primeiro estágio de um curso de Libras para iniciantes. Isso
significaria reduzir a importância dela, sobretudo nos cursos de formação de professores, e nas
regiões mais isoladas do interior, às aulas de um curso básico de Libras, e para nós esse não é o
espirito por trás dessa disciplina.
Longe de apresentar uma conclusão sobre o assunto, convidamos o leitor a pensar em sua região
nas possibilidades de estratégias que sejam eficazes para a transformação da situação educacional
e linguísticas dos surdos que vivem longe das capitais e dos grandes centros urbanos brasileiros.
Em pequenas cidades do interior as pessoas surdas que ainda não tem acesso a Libras e vivem
sem contato com a comunidade surda, encontram dificuldades para sua efetiva emancipação como
sujeitos. É empolgante perceber que alguns pesquisadores dão os primeiros passos para discutir a
situação social e linguística dos surdos no interior do Brasil e a questão da interiorização da Libras.
De modo que existem mais aspectos sobre esses assuntos que precisam ser analisados e discutidos
do que esse texto seja capaz de caber.
O PAPEL DA DISCIPLINA LIBRAS FRENTE A REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NEGATIVAS SOBRE OS
SURDOS EM CIDADES DO INTERIOR
Cristiano das Neves Vilela
Revista Científica da FASETE 2019.1 | 78
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 10.436 de 24 de abr. de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais -
Libras e dá outras providências. Brasília, DF, abr. 2002.
BRASIL. Decreto n. 5.626 de 22 de dez. de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de
abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras. Brasília, DF, dez.
2005.
GESSER, Audrei. Libras? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
PERLIN, Gladis; STROBEL, Karin. Fundamentos da educação de surdos. Florianópolis:
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PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica,
2005.
SÁ, Nídia Regina Limeira de. Cultura, poder e educação de surdos. 2ª. ed. São Paulo:
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básica. São Carlos: EdUFSCar, 2014.
SKLIAR, Carlos. Os Estudos Surdos em Educação: problematizando a normalidade. In:
SKLIAR, Carlos (Org.). A Surdez: um olhar sobre as diferenças. 4ª. ed. Porto Alegre: Editora
Mediação, 2010.
VILELA, Cristiano das Neves. Gênese da educação de surdos em Delmiro Gouveia. 2016.
182 f. Dissertação (mestrado em Educação) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão,
SE, 2016.