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ISSN 2175-053X Samia Kamal Genena e Tércia Maria Ferreira da Cruz REBESP, Goiânia, v. 6, n. 1, p. 02-11, 2014 2 Samia Kamal Genena Perita Criminal do Estado de Santa Catarina; Mestre em Engenharia Elétrica, Pós-graduada em Inteligência Criminal; Graduada em En- genharia de Controle e Automação Industrial e Bacharel em Direito. Atua como Agente de Inteligência na Diretoria de Informação e Inteli- gência DINI/SSP-SC. Email: [email protected] Tércia Maria Ferreira da Cruz Tenente Coronel Chefe da Agência Central de Inteligência da PM-SC; Mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento EGC/UFSC. Email: [email protected] RESUMO O Estado brasileiro durante anos não conferiu atenção ao sistema prisional como um todo, proporcionando com a sua omissão o surgimento do crime organizado. De encontro às organizações criminosas foi editada uma legislação que regulamentou o Regime Disciplinar Dife- renciado e visou segregar os membros de facções para desarticulá-las, enfraquecendo sua atuação tanto dentro quanto fora do âmbito prisional. Recentemente, o Estado de Santa Catarina, além da transferência de presos para unidades prisionais federais optou também, pela exaus- tiva aplicação da atividade de Inteligência salientando sua absoluta relevância no enfrentamento à criminalida- de organizada. A atividade de inteligência foi fundamen- tal para subsidiar a investigação criminal, resultando na produção de provas a serem utilizadas em processos penais movidos contra os membros de organizações cri- minosas. Conclui-se, portanto, que o enfrentamento ao crime organizado não deve ser transitório, mas sim, uma ação permanente dos órgãos de inteligência de segu- rança pública. Palavras-chave: Segurança pública; Crime organiza- do; Regime disciplinar diferenciado; Inteligência de se- gurança pública; Inteligência policial. ABSTRACT The Brazilian State for years had given no attention to O PAPEL DA INTELIGÊNCIA NO ENFRENTAMENTO AO CRIME ORGANI- ZADO: A EXPERIÊNCIA RECENTE DO ESTADO DE SANTA CATARINA the prison system as a whole, providing the advent of or- ganized crime with its omission. Against criminal organi- zations was issued a legislation that regulates the Diffe- rentiated Disciplinary Sanction which aimed to segregate members of gangs, weakening them and disarticulating its activities both inside and outside of prison. Recently, the State of Santa Catarina, besides transferring priso- ners to federal prisons also decided for the exhaustive implementation of the Intelligence activity emphasizing its absolute relevance in combating organized crime. The Intelligence activity was essential to support criminal in- vestigations, resulting in the production of evidence for use in criminal prosecutions filed against members of gangs. Therefore the conclusion is that facing organized crime should not be fleeting, but be long-lasting action from agencies of the Security Intelligence service. Keywords: Public safety; Organized crime; Disciplinary differentiated sanction; Public security intelligence; Poli- ce intelligence. 1 INTRODUÇÃO O Poder Público durante muitos anos não dispensou a atenção necessária ao sistema prisio- nal e a postura do Estado era a de que basta manter o apenado dentro dos muros dos estabelecimentos prisionais para que a questão da criminalidade es- tivesse resolvida. Este descaso pode ser conside- rado um dos principais motivos do surgimento do movimento organizado da população carcerária. Este trabalho visa demonstrar a importância da atividade de Inteligência no combate ao crime organizado. Apresentam-se ao longo do trabalho, aspectos relativos à omissão estatal que permi- tiram o surgimento das organizações criminosas no âmbito prisional, expandindo-se posteriormente para fora dele. Elencam-se posicionamentos sobre a eficácia da aplicação do Regime Disciplinar Dife- renciado na perspectiva da limitação da perpetua- ção criminal e a necessidade imperiosa de frear o avanço da criminalidade organizada. É demonstrado o relevante papel assumido pela atividade de Inteligência em face dos aconte- cimentos recentes envolvendo ataques promovidos por organizações criminosas no Estado de Santa Catarina e sugere-se que, estratégias de Inteligên- cia devem ser valorizadas no combate ao crime or- ganizado em longo prazo. Nesta perspectiva, o presente trabalho ob- jetiva não só proporcionar um levantamento biblio- gráfico sobre a temática exposta, mas também,

O PAPEL DA INTELIGÊNCIA NO ENFRENTAMENTO AO CRIME ORGANIZADO: A EXPERIÊNCIA RECENTE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

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O Estado brasileiro durante anos não conferiu atençãoao sistema prisional como um todo, proporcionando coma sua omissão o surgimento do crime organizado. Deencontro às organizações criminosas foi editada umalegislação que regulamentou o Regime Disciplinar Diferenciadoe visou segregar os membros de facções paradesarticulá-las, enfraquecendo sua atuação tanto dentroquanto fora do âmbito prisional. Recentemente, o Estadode Santa Catarina, além da transferência de presos paraunidades prisionais federais optou também, pela exaustivaaplicação da atividade de Inteligência salientandosua absoluta relevância no enfrentamento à criminalidadeorganizada. A atividade de inteligência foi fundamentalpara subsidiar a investigação criminal, resultando naprodução de provas a serem utilizadas em processospenais movidos contra os membros de organizações criminosas.Conclui-se, portanto, que o enfrentamento aocrime organizado não deve ser transitório, mas sim, umaação permanente dos órgãos de inteligência de segurançapública.

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  • ISSN 2175-053X Samia Kamal Genena e Trcia Maria Ferreira da Cruz

    REBESP, Goinia, v. 6, n. 1, p. 02-11, 2014 2

    Samia Kamal Genena

    Perita Criminal do Estado de Santa Catarina; Mestre em Engenharia Eltrica, Ps-graduada em Inteligncia Criminal; Graduada em En-genharia de Controle e Automao Industrial e Bacharel em Direito. Atua como Agente de Inteligncia na Diretoria de Informao e Inteli-gncia DINI/SSP-SC.

    Email: [email protected]

    Trcia Maria Ferreira da Cruz

    Tenente Coronel Chefe da Agncia Central de Inteligncia da PM-SC; Mestre em Engenharia e Gesto do Conhecimento EGC/UFSC.

    Email: [email protected]

    RESUMO

    O Estado brasileiro durante anos no conferiu ateno ao sistema prisional como um todo, proporcionando com a sua omisso o surgimento do crime organizado. De encontro s organizaes criminosas foi editada uma legislao que regulamentou o Regime Disciplinar Dife-renciado e visou segregar os membros de faces para desarticul-las, enfraquecendo sua atuao tanto dentro quanto fora do mbito prisional. Recentemente, o Estado de Santa Catarina, alm da transferncia de presos para unidades prisionais federais optou tambm, pela exaus-tiva aplicao da atividade de Inteligncia salientando sua absoluta relevncia no enfrentamento criminalida-de organizada. A atividade de inteligncia foi fundamen-tal para subsidiar a investigao criminal, resultando na produo de provas a serem utilizadas em processos penais movidos contra os membros de organizaes cri-minosas. Conclui-se, portanto, que o enfrentamento ao crime organizado no deve ser transitrio, mas sim, uma ao permanente dos rgos de inteligncia de segu-rana pblica.

    Palavras-chave: Segurana pblica; Crime organiza-do; Regime disciplinar diferenciado; Inteligncia de se-gurana pblica; Inteligncia policial.

    ABSTRACT

    The Brazilian State for years had given no attention to

    O PAPEL DA INTELIGNCIA NO ENFRENTAMENTO AO CRIME ORGANI-ZADO: A EXPERINCIA RECENTE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

    the prison system as a whole, providing the advent of or-ganized crime with its omission. Against criminal organi-zations was issued a legislation that regulates the Diffe-rentiated Disciplinary Sanction which aimed to segregate members of gangs, weakening them and disarticulating its activities both inside and outside of prison. Recently, the State of Santa Catarina, besides transferring priso-ners to federal prisons also decided for the exhaustive implementation of the Intelligence activity emphasizing its absolute relevance in combating organized crime. The Intelligence activity was essential to support criminal in-vestigations, resulting in the production of evidence for use in criminal prosecutions filed against members of gangs. Therefore the conclusion is that facing organized crime should not be fleeting, but be long-lasting action from agencies of the Security Intelligence service.

    Keywords: Public safety; Organized crime; Disciplinary differentiated sanction; Public security intelligence; Poli-ce intelligence.

    1 INTRODUO

    O Poder Pblico durante muitos anos no dispensou a ateno necessria ao sistema prisio-nal e a postura do Estado era a de que basta manter o apenado dentro dos muros dos estabelecimentos prisionais para que a questo da criminalidade es-tivesse resolvida. Este descaso pode ser conside-rado um dos principais motivos do surgimento do movimento organizado da populao carcerria. Este trabalho visa demonstrar a importncia da atividade de Inteligncia no combate ao crime organizado. Apresentam-se ao longo do trabalho, aspectos relativos omisso estatal que permi-tiram o surgimento das organizaes criminosas no mbito prisional, expandindo-se posteriormente para fora dele. Elencam-se posicionamentos sobre a eficcia da aplicao do Regime Disciplinar Dife-renciado na perspectiva da limitao da perpetua-o criminal e a necessidade imperiosa de frear o avano da criminalidade organizada. demonstrado o relevante papel assumido pela atividade de Inteligncia em face dos aconte-cimentos recentes envolvendo ataques promovidos por organizaes criminosas no Estado de Santa Catarina e sugere-se que, estratgias de Intelign-cia devem ser valorizadas no combate ao crime or-ganizado em longo prazo. Nesta perspectiva, o presente trabalho ob-jetiva no s proporcionar um levantamento biblio-grfico sobre a temtica exposta, mas tambm,

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    fazer uma conexo com o material pesquisado e a relevncia de valorizar atividades que propiciam resultados duradouros no combate criminalidade organizada. Para tanto, utilizou-se o mtodo induti-vo com procedimento de pesquisa bibliogrfica di-versificada como fonte.

    2 MOTIVAO PARA O SURGIMENTO DO CRI-ME ORGANIZADO

    A situao catica no sistema prisional bra-sileiro est atualmente em evidncia e observa-se que o controle sobre os encarcerados complexo. As prises tornaram-se ambientes propcios para o crescimento das faces criminosas, cujos lde-res podem tranquilamente planejar aes ilcitas de dentro do crcere e disseminar a violncia e a desordem contra a sociedade. Atualmente, o poder das faces criminosas tamanho, que elas coor-denam rebelies conjuntas em mais de uma unida-de prisional simultaneamente, bem como ordenam ataques sociedade. Antigamente, os altos muros dos estabele-cimentos prisionais eram capazes de manter o en-carcerado isolado do mundo exterior. Com a evolu-o tecnolgica vivenciada principalmente a partir da dcada de 90, o cenrio mudou, observando-se que o Estado no direcionou recursos financeiros suficientes, tampouco dedicou a devida ateno para que o sistema prisional evolusse e se reno-vasse, junto com a sociedade e as tecnologias ne-cessrias. As precrias condies carcerrias, os maus tratos e o abuso de poder dos agentes prisio-nais encarregados de preservar a integridade fsica e moral dos encarcerados, assim como a neglign-cia do Estado, so fatores que contriburam para o surgimento das organizaes criminosas no Brasil, as quais, em sua maioria, nasceram dentro dos es-tabelecimentos prisionais. Sobre o surgimento do crime organizado dentro das unidades prisionais, tem-se importante pesquisa desenvolvida por Porto (2007), sobre o Primeiro Comando da Capital PCC, faco cri-minosa que surgiu no Estado de So Paulo e que atualmente, alastra-se por diversos Estados da fe-derao:

    [...] Muito embora em um primeiro momen-to descartssemos as condies prisionais como geradoras de tal organismo somos forados a reconhecer que efetivamente tal circunstncia milita como elemento dos mais decisivos para que o fenmeno se es-palhe com rapidez e ganhe adeptos facil-mente. Todos os lderes confirmaram terem

    sofrido sevcias e maus-tratos diversos, no-te-se que foram ouvidos (neste aspecto em especial) separadamente e confirmaram: espancamentos, reduo de gneros de limpeza ao mnimo, humilhaes as mais diversas, exageros em punies, etc., tudo criando um ambiente propcio recepo de um doutrinamento. [...] Os lderes [...] determinaram que um nibus fosse me-tralhado porque os agentes penitencirios aparentemente encontravam-se excedendo nos castigos e na represso, com o temor infundido a partir do atentado atenuou-se [...] a tendncia represso e, via de con-sequncia, teriam melhorado as condies carcerrias. Ora, todos os sentenciados da-quela unidade prisional passam a atribuir tal relaxamento como forado pelo PCC e as-sim passaram a formar uma massa de ma-nobra suscetvel a atender qualquer ordem ou determinao do partido, irmanando-se com a organizao ou passando a dela fa-zer parte. (PORTO, 2007, p. 60).

    Ainda sobre o surgimento do crime orga-nizado, Nucci, disserta mencionando a culpa do Poder Pblico e revela a necessidade de tratar os presos envolvidos com organizaes criminosas de maneira diversa, como no caso da aplicao do Re-gime Disciplinar Diferenciado, o qual ser discutido posteriormente neste trabalho:

    [...] no se combate o crime organizado, dentro ou fora dos presdios, com o mes-mo tratamento destinado ao delinquente comum. Se todos os dispositivos do Cdigo Penal e a Lei de Execuo Penal fossem fielmente cumpridos, h muitos anos, pelo Poder Executivo, encarregado de construir, sustentar e administrar os estabelecimen-tos penais, certamente o crime no estaria, hoje, organizado, de modo que no haveria necessidade de regimes como o estabele-cido pelo art. 52 da Lei de Execuo Penal. (NUCCI, 2009, p.1023, grifo nosso).

    A finalidade dos estabelecimentos prisionais e do sistema penal estatal basicamente o cumpri-mento da pena privativa de liberdade, a preveno, a represso e a ressocializao do encarcerado. Contudo, as prises tornaram-se propcias ao forta-lecimento e o crescimento das organizaes crimi-nosas, ou seja, transformaram-se nas sedes des-tas organizaes, sendo verdadeiramente Escolas do Crime. As organizaes criminosas podem ser consideradas como uma forma de manifestao de um Poder Paralelo, haja vista sua estruturao com ordenamento prprio e aplicao de estatutos que preveem inclusive a pena de morte.

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    Um exemplo recente deste Poder Parale-lo das faces criminosas, foi execuo, entre agosto e setembro de 2013, de quatro acusados de terem participado do assassinato de um menino boliviano de apenas cinco anos que, durante um assalto a casa onde morava; demonstrando clara-mente a fora do crime organizado e o modo como funciona seu poder, tanto dentro quanto fora do sistema prisional, inteiramente margem da ordem jurdica nacional. A criana foi assassinada com um tiro na cabea por membros do PCC que come-tiam um assalto, pois eles ficaram irritados com o seu choro. Antes mesmo que as autoridades ofe-recessem a denncia criminal contra os acusados, a organizao criminosa que no tolera a morte de crianas, determinou a morte dos envolvidos. Dias depois, dois membros da quadrilha que j estavam presos, apareceram sem vida, por terem ingerido uma mistura de substncias. Outros dois membros da quadrilha foram assassinados a tiros e seus cor-pos foram encontrados posteriormente pela polcia. Em seu livro, Costa (2004), j elegia algu-mas caractersticas de organizaes criminosas, dentre as quais figuram: unidade social, existncia de metas especficas, comportamento social pa-dronizado, arranjo pessoal em prol de um objetivo, funes especficas dos membros com prvia dis-tribuio das tarefas dentro do grupo e sua interde-pendncia resultante, recursos materiais traduzidos pela mo de obra de seus membros e pelo capital por eles arrecadado, inamovibilidade de sua estru-tura hierrquica com uma gradao de estatutos de hierarquia e regras detalhadas que asseguram sua separao. Quando anlises so efetuadas sobre a or-ganizao e estrutura das faces criminosas, facil-mente depreende-se que as caractersticas acima nominadas esto sempre presentes. Para a auto-ra: a estrutura de uma organizao criminosa em muito lembra uma sociedade em castas (COSTA, 2004, p. 62). Ela observa que dentre as caracte-rsticas listadas possvel enquadrar facilmente as organizaes criminosas relacionadas ao trfico de entorpecentes.

    [...] tem-se que a criminalidade organizada no Brasil o conjunto de crimes praticados por um grupo de indivduos, associados em funo de suas vontades livres e conscien-tes, dirigidos consecuo de metas e de fins comuns, que dependem para o xito de suas pretenses, da interao com outras organizaes sociais, lcitas ou ilcitas, e mantm caractersticas prprias de hierar-quia e de diviso de funes para a sua subsistncia. (COSTA, 2004, p.88).

    O crime organizado ganhou definio na legislao nacional com o Decreto n 5.015/2004 que promulgou a Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Con-veno de Palermo a qual surgiu da necessidade da unio entre pases para combater a prtica do crime organizado internacional.

    Grupo criminoso organizado - grupo estru-turado de trs ou mais pessoas, existente h algum tempo e atuando concertadamen-te com o propsito de cometer uma ou mais infraes graves ou enunciadas na presen-te Conveno, com a inteno de obter, di-reta ou indiretamente, um benefcio econ-mico ou outro benefcio material. (BRASIL, Decreto n 5.015, 12 de maro de 2004).

    Recentemente, devido necessidade pre-mente de uma legislao nacional que determinas-se o conceito de organizao criminosa, foi sancio-nada a Lei n 12.850/2013. A total falta de controle institucional sobre as organizaes criminosas e o medo da criminalidade organizada o principal responsvel pelas mais radicais propostas de alte-raes nas legislaes penal e processual penal, bem como pelas exacerbaes do poder de polcia, conforme afirma Hassemer:

    O atual debate pblico sobre Poltica crimi-nal veicula a impresso de que a soluo do problema consiste em conferir s auto-ridades da segurana pblica, de uma vez por todas, todos os meios e instrumentos necessrios que sempre reivindicaram, a fim de que possam assenhorar-se da Crimi-nalidade Organizada. (HASSEMER, 1994, p.27).

    A Lei n 12.850/2013, alm de definir orga-nizao criminosa, disps sobre a investigao cri-minal, os meios de obteno da prova, infraes penais correlatas e o procedimento criminal refe-rente ao crime organizado. A legislao disciplina detalhadamente a ao controlada, a colaborao premiada e a infiltrao de agentes no crime orga-nizado. Com a vacatio legis de 45 dias, a lei que foi publicada no Dirio Oficial da Unio no dia 05 de agosto de 2013, ainda no pode ser aplicada, mas espera-se que ela em muito colabore com as atividades de Inteligncia no combate ao crime or-ganizado. A definio de organizao criminosa pre-sente no art. 1 da Lei n 12.850/2013 traz caracte-rsticas importantes mencionadas por Costa (2004), citando-se in verbis:

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    Art. 1 1 Considera-se organizao cri-minosa a associao de 04 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela diviso de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qual-quer natureza, mediante a prtica de infra-es penais cujas penas mximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de carter transnacional. (BRASIL, Lei n 12.850, 05 de agosto de 2013, grifo nosso).

    Sabe-se que atualmente os criminosos mais perigosos e nocivos sociedade escondem--se sob o manto do sigilo e da intimidao difusa ou coletiva, como o que se observa com a onda de ataques promovidos por faces criminosas em todo o pas. Diante disto, denota-se a impor-tncia da aplicao de legislao diferenciada, bem como da Inteligncia de Segurana Pbli-ca, para conter a evoluo destas organizaes.

    3 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO COMO FERRAMENTA DE DESARTICULAO DE FAC-ES CRIMINOSAS

    Como resposta ao aumento da violncia im-posta pelo crime organizado, foi institudo a nvel nacional o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), regulado pela Lei n 10.792/2003, que alterou a Lei de Execuo Penal. O RDD, inserido no con-texto histrico do seu surgimento, foi uma criao legislativa em resposta ao aumento da criminalida-de no Brasil. A sociedade estava assustada com a atuao de grupos criminosos organizados dentro e fora dos estabelecimentos prisionais, e clamava por uma resposta do Estado. O RDD representou, portanto, um revide do Estado onda de violncia instaurada pela crimi-nalidade organizada. Determinou uma nova moda-lidade de sano disciplinar aplicada, entre outras hipteses, aos presos sobre os quais recaem fun-dadas suspeitas de envolvimento ou participao, a qualquer ttulo, em organizaes criminosas. Esta sano considerada um instrumento para a manuteno da disciplina e da ordem, vi-sando principalmente extinguir conexes existen-tes entre os presos pertencentes a organizaes criminosas, tanto dentro quanto fora dentro das unidades prisionais. Desta forma, o RDD tem sido utilizado como argumento cabal para a transfern-cia de indivduos reclusos que so membros de fac-es criminosas para unidades prisionais federais, oferecendo uma interessante oportunidade para verificao do alcance das metas propostas e do desmantelamento do crime organizado.

    Exemplifica-se a aplicao da sano com a experincia do Estado de So Paulo, onde o Po-der Pblico percebeu, em meados do ano de 2001, o que estava ocorrendo dentro das suas unidades prisionais, observando diante de si um cenrio de-sordenado e catico. Segundo Porto (2007), ape-nas o PCC j contava com cerca de 6.000 integran-tes no Estado de So Paulo, todos doutrinados e dispostos a atender s ordens de seus lderes, sur-gindo, portanto, a urgente necessidade de restabe-lecer o controle da massa carcerria e do sistema prisional. Criou-se o RDD, primeiramente a nvel estadual, como ferramenta de combate e desarti-culao da criminalidade organizada. Afirma Porto que:

    O efeito prtico do isolamento dos lderes das faces criminosas propiciado pelo Re-gime Disciplinar Diferenciado foi devasta-dor para a criminalidade organizada. Com a falta de contato com os lderes, importan-tes integrantes, alguns deles fundadores destas faces, foram destitudos de seus comandos, causando a desestruturao destes grupos criminosos. (PORTO, 2007, p.66).

    notrio que as faces criminosas no po-dem continuar logrando xito em seus desgnios e por este motivo o Estado precisa de meios capazes de garantir a segurana pblica, combatendo de forma eficaz as organizaes criminosas que im-pem temor sociedade, seja pela edio de legis-lao prpria para o combate deste tipo de crime, seja pelo investimento nas atividades de Intelign-cia para subsidiar suas decises.

    4 A INTELIGNCIA NO ENFRENTAMENTO AO CRIME ORGANIZADO

    Conceitua-se a atividade de Inteligncia de Segurana Pblica como um exerccio permanente e sistemtico de aes especializadas para a pro-duo e salvaguarda de conhecimentos necess-rios para prever, prevenir e reprimir atos delituosos de qualquer natureza ou relativos a outros temas de interesse da segurana pblica. Sua definio segundo o Manual Brasileiro de Inteligncia de-terminada como:

    [...] o exerccio permanente e sistemtico de aes especializadas para a identifi-cao, acompanhamento e avaliao de ameaas reais ou potenciais na esfera de Segurana Pblica, basicamente orienta-das para produo de conhecimentos, com vistas ao assessoramento de autoridades

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    governamentais, nos respectivos nveis e reas de atribuio, para o planejamento, a execuo e o acompanhamento das po-lticas de Estado. Engloba, tambm, a sal-vaguarda de dados, conhecimentos, reas, pessoas e meios de interesse da sociedade e do Estado. (SISTEMA..., 2004, p.15, apud PATRCIO, 2009, p.89).

    A finalidade principal da atividade de Inteli-gncia assessorar na formulao de polticas que deem efetividade s aes estratgicas. Desta for-ma, segundo Gomes:

    A inteligncia aplicada aos servios de po-lcia judiciria e de segurana pblica, em geral, proveem informaes de irrefutvel interesse no enfrentamento e investigao de aes de organizaes criminosas: iden-tificao de grupos criminosos, do modus operandi e da diviso de tarefas; individu-alizao de seus integrantes e comandos hierrquicos; plotar a localidade ou regio de atuao; traar tendncias criminosas; monitoramento e documentao da atu-ao criminosa e do eventual informante (interceptao telefnica combinada com ao controlada, com recurso vigilncia eletrnica, mvel ou fixa); identificar o indi-vduo criminoso mais propenso para coope-rar com a investigao policial ou para ser oferecida a delao premiada; preveno de crimes; proteo de testemunhas. (GO-MES, 2010, p.42).

    Sobre o termo Inteligncia explica Roratto que:

    Derivado da palavra inglesa intelligence, passou a designar, dependendo do enfoque que se queira dar, servio de Informaes, servio de Inteligncia, servio secreto, ser-vio de segurana. Em todos os casos, uma instituio do Estado colocada dispo-sio dos governantes dos pases para que eles se informem antes de tomar decises, na crena de que esta figura onipresente, onisciente, quase divina, seja capaz de co-nhecer com profundidade os assuntos que envolvem interesses nacionais. (RORAT-TO, 2012, p. 37).

    Na verdade, o que ocorre, que a ativida-de de Inteligncia, capaz de absorver, compilar e sistematizar informaes provenientes de diversas fontes, negadas ou abertas, e desta forma, acaba sim conhecendo com profundidade os assuntos de interesse do Estado e, portanto, capaz de asses-sorar o processo decisrio. Destaca Roratto (2012,

    p. 39) que: a Inteligncia de Estado deve voltar-se para encontrar as informaes verdadeiras, e no apenas as aparentes, para bem cumprir o seu pa-pel de informar aos dirigentes e proteger os interes-ses do Estado e da sociedade. Segundo Coelho (2012, p.25): a Intelign-cia Estatal hoje atua sobre temas globais, como por exemplo, o narcotrfico, o trfico de armas, as questes ambientais e o terrorismo. O enten-dimento dos autores que estudam o tema que a atividade de Inteligncia deve atuar no sentido da proteo da estrutura do Estado como um todo, especialmente no cenrio atual, onde a crescente atuao do crime organizado tem causado insegu-rana para a sociedade. Roratto afirma:

    Nos novos tempos, os estados enfrentam de forma ampliada outras formas de ame-aas que devem ser entendidas pelos seus dirigentes e para aos quais os servios de Inteligncia devem voltar-se no sentido da proteo da sociedade. Estas ameaas ao estado democrtico podem ser encontra-das, na crescente criminalidade organiza-da, no comrcio ilegal de armas, de drogas, de seres humanos, no terrorismo interna-cional e na destruio do meio ambiente [...]. (RORATTO, 2012, p.39).

    Esclarece Rodrigues (2009, p. 58-59) que, as operaes de inteligncia governamental e poli-cial, aliadas ao intercmbio de dados e informaes entre Servios de Inteligncia, so instrumentos le-gais disposio do Estado, mas reitera que em Estados democrticos, como o Brasil, as operaes de inteligncia devem ser executadas estritamente em obedincia aos preceitos constitucionais vigen-tes, salvaguardando direitos e garantias individuais [...]. Rodrigues tambm diferencia a operao de Inteligncia de Estado e operao policial:

    A distino entre operao de Inteligncia de Estado e operao policial que a pri-meira, visa transformar informaes tticas em conhecimentos estratgicos que anteci-pam fatos, alertam para situaes e subsi-diam documentos para o assessoramento das autoridades governamentais, enquanto a segunda busca a produo de provas da materialidade e autoria de crimes. (RODRI-GUES, 2009, p.61).

    Ressalta-se que as operaes de Intelign-cia Policial tm o compromisso de reunir e produ-zir provas materialmente lcitas e processualmen-te legtimas para validar aes na Justia, e neste sentido, no mbito da criminalidade organizada, as

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    atividades de Inteligncia so extremamente impor-tantes.

    Os dados e as informaes reunidos pos-sibilitam identificar e compreender as ca-ractersticas, a estrutura, as formas de financiamento e o modus operandi das organizaes criminosas e de seus com-ponentes. Conhecer estes elementos es-sencial para (a) a formulao de polticas direcionadas para a Segurana Pblica; (b) o planejamento de aes preventivas e ofensivas; (c) o subsdio de anlises pros-pectivas em nvel estratgico; e (d) o forne-cimento de provas materiais aos processos judiciais. (RODRIGUES, 2009, p.59).

    Corroborando a importncia da atividade de Inteligncia como ferramenta para o combate criminalidade organizada, especialmente quanto ao seu aspecto preventivo, expe Gonalves:

    Diante do grau de complexidade e diversifi-cao do crime organizado, a atividade de Inteligncia adquire grande importncia no s para a represso, mas, sobretudo, no que concerne preveno contra o desen-volvimento do crime organizado. A ativida-de de Inteligncia til para o planejamento de estratgias de ao das autoridades no contexto da segurana pblica. E as aes de inteligncia devem reunir Inteligncia governamental e policial, em escala federal e estadual. (GONALVES, 2006).

    Dentre as tcnicas que so utilizadas na atividade de Inteligncia para o combate ao crime organizado, desponta dentre as mais importantes e eficazes a interceptao telefnica, que permite observar comportamentos e traar linhas de ao contra atividades de faces criminosas. Rodrigues (2009, p.63) reitera que a interceptao das co-municaes e dos sinais eletromagnticos consi-derada tcnica operacional relevante na busca do dado protegido, em um ambiente hermeticamente fechado e segmentado. Neste mesmo sentido, para Azevedo (2003, p.470, apud RODRIGUES, 2009, p.62), monitorar as comunicaes torna-se imprescindvel face aos bices encontrados na produo de inteligncia, pois as organizaes criminosas so imperme-veis presena de estranhos; assim, tcnicas convencionais de investigao tornam-se incuas quando se trata de crime organizado. Observa-se, portanto, que a atividade de Inteligncia, em especial a interceptao das co-municaes, pode e deve ser utilizada como fer-ramenta para subsidiar o combate criminalidade

    organizada, pois permite o monitoramento distn-cia do planejamento feito pelos grupos criminosos, alm de permitir a identificao de seus membros e o exato grau do seu envolvimento com a faco cri-minosa a que pertence, e neste sentido, os rgos de segurana pblica do Estado de Santa Catarina tm agido para propiciar maior segurana socie-dade.

    5 A EXPERINCIA RECENTE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

    Entender como funcionam as faces crimi-nosas no Brasil, em especial em Santa Catarina, foi condio vital para a atuao das foras policiais no combate ao crime organizado. O problema rela-cionado s faces criminosas surgiu em 2003 com a fundao do Primeiro Grupo Catarinense (PGC) no Estado. Aps sua fundao, o Grupo se estrutu-rou nas cadeias e penitencirias com pouca inter-veno estatal. A incapacidade dos rgos responsveis pela persecuo criminal em identificar e coibir a ao das lideranas do PGC junto ao sistema pri-sional catarinense, aliada ausncia do Estado junto s reas de risco e vulnerabilidade social, permitiu que a faco criminosa tomasse corpo, deixando o sistema prisional para ganhar espao na sociedade. Em seu artigo, Baltazar Jnior afirma que:

    [...] conhecido o problema disciplinar en-frentado nas prises brasileiras, a resultar em verdadeira dominao das instituies por parte dos presos mais fortes ou inte-grantes de determinados grupos, de modo a submeter os demais a toda sorte de violn-cias e at mesmo morte, bem como a per-severar na prtica criminosa de dentro do estabelecimento, particularmente no caso de organizaes criminosas, valendo-se da facilidade dos meios de comunicao pos-tos disposio, bem assim do livre aces-so de visitantes que, a par da necessria e conveniente assistncia familiar, servem aos propsitos de levar ordens e determi-naes para os executantes que no esto encarcerados. (BALTAZAR JUNIOR, 2007).

    As organizaes criminosas so organiza-das e estratificadas, elas possuem algumas carac-tersticas marcantes e aspectos que lhes permitem grande mobilidade, alto poder de ao e intimida-o, propiciando resultados espantosos, alcanan-do nmero indeterminado de vtimas. Tendo por aliados a omisso estatal e a corrupo, detentos lderes do PGC passaram a se comunicar e tramar

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    crimes da priso para as ruas. Como exemplo, ci-tam-se os efeitos decorrentes das ondas de ata-ques no Estado de Santa Catarina, especialmente na regio da Grande Florianpolis, em que a so-ciedade se sentiu acuada. O simples ato de usar o transporte coletivo urbano era considerado uma atividade de risco. Nas unidades prisionais de Santa Catarina e de todo o Brasil, a enxurrada de aparelhos de te-lefone celular que so infiltrados nestes estabeleci-mentos, propicia que os encarcerados continuem se comunicando com outros membros das suas or-ganizaes criminosas que no esto reclusos. As-sim, o planejamento de crimes e a prpria adminis-trao destas organizaes criminosas mantido, independentemente da priso dos seus lderes. O uso de telefone celular nas unidades prisionais foi determinante para a evoluo das atividades das faces criminosas, dentro e fora dos presdios. Sobre este assunto, Abreu afirma que:

    [...] se o sistema prisional brasileiro fosse eficiente no sentido de no se admitir a presena de agentes corruptos nas peni-tencirias; se os que cuidam dos presos e administram as unidades prisionais deste pas fossem bem remunerados e no ga-nhassem a misria que ganham; se o pre-so, de fato, fosse vigiado; se no houvesse a possibilidade da entrada de turbilho de aparelhos celulares dentro dos presdios para os detentos poder comunicar-se com o mundo exterior, ou mesmo a simples insta-lao de bloqueadores de linhas daqueles aparelhos, sanados estes pontos e outros mais, certamente que o RDD no precisaria nem de ter nascido. (ABREU, 2008).

    Portanto, o circuito de informaes e comu-nicaes fundamental para o funcionamento das organizaes criminosas e, na maioria das vezes, a comunicao se d atravs da utilizao pelos criminosos de telefones celulares dentro de esta-belecimentos prisionais, bem como a passagem de dados aos familiares durante as visitas e tambm para os advogados, que levam os recados para fora das unidades prisionais. Sabe-se que todo o funcionamento das fac-es criminosas hoje se baseia neste circuito de comunicao entre os lderes presos nas unidades prisionais e as lideranas que esto nas ruas, ten-do, por exemplo, o fato que foi por este meio, dada a ordem para iniciar os atentados no Estado de Santa Catarina em 2012 e 2013, denotando que o monitoramento destas comunicaes via intercep-tao de dados e telefnica fundamental para o desenvolvimento da atividade de Inteligncia volta-

    da para o combate ao crime organizado. Desta forma, desde o final de 2012 quando o Estado sofreu a primeira grande onda de ataques e durante o ano de 2013, ainda em curso, foram realizadas interceptaes de comunicaes, devi-damente autorizadas judicialmente, de criminosos que estavam reclusos em unidades prisionais e uti-lizavam telefones celulares para administrar a or-ganizao criminosa a que pertencem, bem como para planejar e ordenar crimes. Durante as ondas de ataques que o Estado catarinense enfrentou instalou-se um Gabinete de Crise, que contou com toda fora de policiamento ostensivo e repressivo nas ruas para dar pronta re-posta s aes criminosas e reunies dos rgos de Inteligncia praticamente dirias, que buscaram assessorar o governo estadual com informao so-bre a melhor forma de conter os ataques. Alm do policiamento reforado que se presenciou a nvel estadual, a reduo do nmero de atentados foi ob-servada nitidamente aps a segunda onda de ata-ques que ocorreu no incio do ano de 2013, com a transferncia de lideranas do PGC para unida-des prisionais federais, para cumprimento do RDD como sano disciplinar. Aps a deflagrao das transferncias de lideranas para unidades prisio-nais federais, a faco criminosa foi parcialmente desarticulada, perdendo fora. A atividade de Inteligncia permitiu no s o assessoramento do governo estadual na deciso de transferir os lderes do PGC para cumprimen-to de sano disciplinar em unidades prisionais federais, mas tambm a produo de provas da materialidade e autoria dos atentados, permitindo a instaurao de processos que j condenaram membros da faco criminosa pela prtica do crime organizado. A primeira deciso da justia de Santa Ca-tarina que condenou membros do PGC pelos ata-ques contra a segurana pblica e a sociedade foi dada em 10 de setembro de 2013, por um juiz da 2 Vara Criminal de Joinville que condenou sete inte-grantes do PGC, por serem responsveis por orga-nizar e ordenar a prtica de uma srie de atentados naquela regio, no incio de 2013. Os denunciados reuniram pessoas para executar os crimes e ainda lhe deram o respaldo necessrio. O processo teve apoio nas interceptaes telefnicas autorizadas judicialmente em perodo imediatamente anterior aos atentados, esclarecendo a articulao da fac-o criminosa na realizao dos ataques. H ainda outros processos judiciais em cur-so, desencadeados a partir de provas produzidas pela atividade de Inteligncia utilizada na investi-gao criminal. Os presos transferidos para unida-

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    des prisionais federais, por exemplo, foram identi-ficados e puderam ser ligados aos atentados que ocorreram no Estado, em especial com a utilizao da interceptao das comunicaes autorizada ju-dicialmente. A grande investigao no mbito da Inteligncia Policial resultou em uma ao penal, em trmite na 3 Vara Criminal de Blumenau, por associao ao trfico e formao de quadrilha, con-tra 98 acusados de envolvimento na onda de aten-tados, configurando certamente o maior julgamento da histria de Santa Catarina, que se iniciou no dia 10 de setembro de 2013. Ressalta-se que a transferncia de lideran-as do PGC para unidades prisionais federais para cumprimento da sano do RDD, no garante que eles no voltaro a agir quando retornarem ao Es-tado de Santa Catarina. Por mais contraditrio que possa parecer, h um papel antagnico na trans-ferncia de presos para o RDD, pois apesar de produzir um afastamento fsico das lideranas das faces criminosas das suas bases, importante tambm para consolid-las neste papel e reforar a sua autoridade e sua influncia sobre a massa carcerria. Assim, o preso cuja punio resulta em remoo para o RDD, encarna a imagem exemplar da insubmisso s regras oficiais do Estado, o que lhe confere ainda mais legitimidade para ocupar a posio de lder de uma organizao (DIAS, 2011, p. 314). Percebe-se, portanto, que a transferncia de presos para unidades prisionais para cumpri-mento de sano disciplinar uma medida de en-frentamento do crime organizado de curto prazo, como assevera Dias em sua tese:

    Em suma, na ausncia de qualquer polti-ca pblica voltada para o planejamento de mdio e longo prazo, o RDD segue como panacia para resolver todos os problemas do sistema especialmente em momentos de crise seja como elemento definidor de negociao e acordos, seja pela sua apli-cao como medida punitiva expressiva quando os problemas saltam os muros das penitencirias e atingem a sociedade mais ampla, exigindo do poder pblico uma res-posta firme e dura contra a criminalidade. (DIAS, 2011, p. 321).

    Segundo reportagem em jornal de ampla circulao em Santa Catarina:

    [....] dos 40 transferidos para o Regime Dis-ciplinar Diferenciado (RDD) nas penitenci-rias de Mossor (RN) e Porto Velho (RO), em fevereiro, 17,6% so os mesmos que em 2010 haviam sido mandados para pre-

    sdios federais pelo mesmo motivo: coman-dar crimes de dentro do sistema prisional. Retornaram ao Estado e no s continua-ram a exercer a liderana no PGC, como a fortaleceram. (VARGAS e PEREIRA, 2013).

    Observa-se, portanto, que a aplicao do RDD muito embora constitua efeito claro de desar-ticulao das faces criminosas, trata-se de medi-da emergencial que tambm pode colaborar para o fortalecimento dos seus lderes, consolidando-os como mitos e autoridades dentro das organizaes e do sistema carcerrio. Justamente por causa des-te paradoxo, a atividade de Inteligncia exercida contra o crime organizado catarinense buscou prin-cipalmente desarticul-lo, sendo de vital importn-cia a continuidade do trabalho de Inteligncia sobre a faco criminosa catarinense.

    6 CONCLUSO

    O enfrentamento criminalidade organiza-da vem ganhando fora a nvel estadual, bem como federal. Recentemente sancionou-se legislao fe-deral que alm de definir finalmente o que seria uma organizao criminosa, tambm disciplinou detalhadamente tcnicas para investigao dessa modalidade de crime. No Estado de Santa Catarina desde o final de 2012, observou-se a movimenta-o de todo o aparato estrutural do Estado, relativo segurana pblica, o qual uniu foras no combate faco criminosa PGC desenvolvendo em espe-cial, atividades de Inteligncia e investigao crimi-nal que propiciaram a instaurao de processos pe-nais contra os membros do PGC envolvidos com os atentados que assolaram o Estado, tendo tambm assessorado as autoridades competentes em todo o processo decisrio que envolveu a transferncia de lideranas da organizao criminosa para unida-des prisionais federais. Questionou-se a durao do efeito das transferncias destes presos para cumprirem o Re-gime Disciplinar Diferenciado em outros Estados da Federao, uma vez que em outras ocasies de transferncia, os presos que retornaram ao Estado, no s continuaram a exercer a liderana no PGC, como se fortaleceram nesta posio. Esta realida-de aliada questo da impermeabilidade do crime organizado demonstra que reconhecidamente, o combate s faces criminosas representa uma tarefa difcil e constante, que deve ser executada permanentemente, dentro dos preceitos legais, e com aes prprias da atividade de Inteligncia de segurana pblica e policial.

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    ______________________ARTIGO SUBMETIDO EM 13/10/2013 E ACEITO

    PARA PUBLICAO EM 24/02/2014.

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