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O papel da mídia na diversidade cultural brasileira Com suas dimensões continentais, o Brasil é um país de diversidade cultural incomparável. Cada estado brasileiro tem orgulho do seu sotaque, costumes, comidas e músicas típicas. Mas a produção cultural do país retrata essa diversidade? E os meios de comunicação contribuem para a promoção desses valores culturais? A Constituição é clara ao afirmar que a programação das emissoras de rádio e televisão deve promover a cultura nacional e regional e estimular a produção independente que a divulgue. A regulamentação desse dispositivo constitucional, no entanto, já tramita a 17 anos no Congresso Nacional e nunca foi regulamentado. Para o professor Albino Rubim, da Universidade Federal da Bahia, a TV em rede nacional representa uma lógica perversa que contribui para a pouca divulgação das culturas regionais. Samba e feijoada, segundo ele, não são os únicos elementos da identidade brasileira. Há um tempo, havia uma relação muito íntima entre políticas culturais e políticas de afirmação nacional. Quer dizer, a identidade nacional era fundamental. As políticas culturais eram calcadas em cima da idéia de identidade nacional e a identidade nacional era a identidade do centro do país, do lugar onde se governava o país, ou seja, a identidade, na verdade, era muito forjada a partir do Rio. Então, muitos dos elementos identitários que eram ditos brasileiros eram na verdade... por exemplo, o samba, não é que o samba não tenha importância no Brasil, mas o samba certamente não é elemento cultural de vários lugares do Brasil, mas era tornado elemento de identidade nacional. Na verdade, se a gente fizer o mapa cultural do Brasil, esse mapa não coincide com o mapa territorial do Brasil, dos Estados Brasileiros. A Bahia, por exemplo, tem a região de Salvador e do entorno de Salvador, que é uma região muito negra, de cultura negra, de forte influência de cultura afro. Todo mundo quando fala da Bahia, da música baiana, fala disso, mas a Bahia tem a região do cacau que tem uma cultura toda diferente, tem a região do sertão que é muito cultura nordestina, tem a região do oeste que hoje tem muito gaúcho porque é uma região da soja, então a Bahia não tem uma unidade cultural"

O papel da mídia na diversidade cultural brasileira

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Page 1: O papel da mídia na diversidade cultural brasileira

O papel da mídia na diversidade cultural brasileira

Com suas dimensões continentais, o Brasil é um país de diversidade cultural

incomparável. Cada estado brasileiro tem orgulho do seu sotaque, costumes,

comidas e músicas típicas. Mas a produção cultural do país retrata essa

diversidade? E os meios de comunicação contribuem para a promoção desses

valores culturais? A Constituição é clara ao afirmar que a programação das

emissoras de rádio e televisão deve promover a cultura nacional e regional e

estimular a produção independente que a divulgue. A regulamentação desse

dispositivo constitucional, no entanto, já tramita a 17 anos no Congresso

Nacional e nunca foi regulamentado. Para o professor Albino Rubim, da

Universidade Federal da Bahia, a TV em rede nacional representa uma lógica

perversa que contribui para a pouca divulgação das culturas regionais. Samba

e feijoada, segundo ele, não são os únicos elementos da identidade brasileira.

“Há um tempo, havia uma relação muito íntima entre políticas culturais e

políticas de afirmação nacional. Quer dizer, a identidade nacional era

fundamental. As políticas culturais eram calcadas em cima da idéia de

identidade nacional e a identidade nacional era a identidade do centro do país,

do lugar onde se governava o país, ou seja, a identidade, na verdade, era

muito forjada a partir do Rio. Então, muitos dos elementos identitários que eram

ditos brasileiros eram na verdade... por exemplo, o samba, não é que o samba

não tenha importância no Brasil, mas o samba certamente não é elemento

cultural de vários lugares do Brasil, mas era tornado elemento de identidade

nacional. Na verdade, se a gente fizer o mapa cultural do Brasil, esse mapa

não coincide com o mapa territorial do Brasil, dos Estados Brasileiros. A Bahia,

por exemplo, tem a região de Salvador e do entorno de Salvador, que é uma

região muito negra, de cultura negra, de forte influência de cultura afro. Todo

mundo quando fala da Bahia, da música baiana, fala disso, mas a Bahia tem a

região do cacau que tem uma cultura toda diferente, tem a região do sertão que

é muito cultura nordestina, tem a região do oeste que hoje tem muito gaúcho

porque é uma região da soja, então a Bahia não tem uma unidade cultural"

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A pesquisadora Ana Regina Barros, da Universidade do Piauí, fez um

levantamento que mostra que a produção cultural brasileira está quase toda

concentrada na região sudeste. Em 2005, quase 80% dos recursos captados

nas empresas, a partir de incentivos da Lei Rouanet, ficaram na região

sudeste. 36% só na cidade de São Paulo. Já a Região Norte ficou com apenas

meio por cento dos recursos. O estado de Roraima, por exemplo, não recebeu

nada. Segundo a pesquisa, houve projetos em todas as regiões, que não

receberam recursos. Ana Regina avalia que a centralização da verba não

permite que as manifestações culturais do país tenham visibilidade na mídia.

“Primeiro, não permite que se conheça. Segundo, não permite que se

mantenha. Nós temos inúmeras manifestações de ponta a ponta. Nosso país é

vários países em um único país. Cada vez que você vai a um lugar, você vê

uma nova dança, uma nova manifestação, uma nova comida, um patrimônio

imaterial maravilhoso, um patrimônio material muito bom e se nós não temos

condições de descentralizar essa verba, se a gente mantém em um único

mercado, porque é um mercado muito forte, porque é um mercado que

concentram pessoas, na região sudeste, você faz com que essas

manifestações, elas não consigam sair da sua esfera pequena, que elas não

consigam ser alçadas a uma esfera maior. E quem perde com isso não é só a

pequena cidade de Valença que tem lá uma manifestação, perde todo o país,

porque você não tem a oportunidade de conhecer”

Para reverter esse quadro, uma das propostas em discussão é a políticas de

cotas na programação de TV, aliada a um fundo de fomento para as produções

audiovisuais. Um projeto de lei, do ano passado, em discussão na Câmara, que

dispõe sobre novas regras para o serviço de televisão por assinatura, acabou

abordando esse tema. A proposta incluiu cotas de programação nacional e

independente que deverão ser obedecidas pelas operadoras. A idéia é do

relator do projeto, deputado Jorge Bittar, do PT do Rio de Janeiro. Com o

sistema de cotas, ele quer estimular a produção independente fora do eixo Rio-

São Paulo. Para o professor César Bolaño, da Universidade de Sergipe,

especialista em economia política da Comunicação, além de estimular a

produção regional, as cotas podem ajudar o Brasil a se inserir no mercado

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internacional de produção audiovisual.

“É preciso deixar bem claro que a concentração da produção que existe no

Brasil é ruim para o país. A própria competitividade internacional do país se vê

prejudicada. É preciso criar condições para que o conjunto da população possa

se manifestar e que outras formas de se fazer comunicação e de produzir a

cultura apareçam, porque a cultura brasileira é muito rica e o que aparece, o

que é midiatizado é basicamente a produção de uma única empresa. Isso é

muito ruim para o Brasil inclusive em termos de competitividade que possa ter

lá fora. Não é verdade que o Brasil tem competitividade externa. É verdade que

a Globo tem alguma competitividade que é preciso avaliar. O Brasil não. O

Brasil não tem. Fora isso, a produção brasileira se viu esterilizada pela

concentração de todos os recursos econômicos dirigidos à produção cultural

para essa empresa em particular. Isso não é justo.”

Já o professor Murilo Ramos, coordenador do Laboratório de Políticas de

Comunicação da Universidade de Brasília, acredita que a discussão sobre o

sistema de cotas, não pode deixar de fora a televisão aberta.

“Eu acredito na necessidade de cotas. Eu acredito na necessidade de, mais do

que cotas, de uma política específica para fomento à produção. Isso é

extremamente importante. O meu entendimento desse processo é que não era

a hora de juntar as duas coisas. Porque você poderia ampliar o processo de

distribuição de televisão por assinatura com a entrada de novos agentes, no

caso as operadoras de telecomunicações, eu sempre defendi isso, deixando a

discussão do fomento e da produção para outro momento, ate porque, esse é

meu argumento central: por que deixar a TV aberta de fora disso? Mais uma

vez, você entra em cima de um setor que ainda está tentando se firmar e isso é

dito por todo mundo: é impossível lá então vamos fazer aqui. Não acho justo

isso. Libera mais uma vez o setor de TV aberta de ele também ser passível de

abrir sua programação para outro tipo de produção “

Especialistas também questionam a eficiência de uma política de cotas em um

setor cuja oferta de canais é cada vez maior e não pode ser limitada pelas

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fronteiras dos países. As inovações tecnológicas, como a digitalização e o

acesso a conteúdos pela Internet, tornam as possibilidades de acesso aos

conteúdos estrangeiros ilimitadas. Um dos grandes desafios do setor de

comunicação, hoje, é resolver o impasse entre o avanço da tecnologia e a

regulamentação do setor.

De Brasília, Geórgia Moraes