O papel dos jornalistas e a democracia - · PDF fileUma das características do mundo moderno é que a humanidade nunca ... John B. Thompson, ... capacidade de intervir no curso dos

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  • O papel dos jornalistas e a democracia1

    Carina Paccola2

    Universidade Norte do Paran (Unopar) Resumo Este trabalho parte do princpio de que uma das caractersticas do mundo moderno que a humanidade nunca teve sua disposio tantas informaes transmitidas por diferentes e numerosos veculos de comunicao. A transmisso de informaes feita ao mesmo tempo em que ocorrem os fatos, influenciando decises polticas e econmicas em todo o mundo. Se a informao, hoje, reveste-se desse peso antes inimaginvel, qual o papel e qual a posio social dos homens e mulheres jornalistas que trabalham cotidianamente na produo de notcias? Este estudo analisa se o jornalista estabelece alguma relao entre a sua atividade profissional e a construo da democracia. Para tanto, avalia entrevistas com 16 jornalistas de jornais impressos. Palavras-chave: Jornalistas; democracia; prtica profissional. Introduo

    Uma das caractersticas do mundo moderno que a humanidade nunca teve sua

    disposio tantas informaes transmitidas por diferentes e numerosos veculos de

    comunicao. A transmisso de informaes feita ao mesmo tempo em que ocorrem os

    fatos, influenciando decises polticas e econmicas em todo o mundo.

    A mdia a maior provedora dos smbolos utilizados na construo da viso que se

    tem do mundo. John B. Thompson, no livro A Mdia e a Modernidade, afirma que a mdia

    criou o que ele chama de mundanidade mediada: nossa compreenso do mundo fora do

    alcance de nossa experincia pessoal, e de nosso lugar dentro dele, est sendo modelada

    cada vez mais pela mediao de formas simblicas (Thompson, 2001: 38).

    Se a informao, na modernidade (entendida aqui como a que se inicia no perodo

    capitalista), reveste-se desse peso antes inimaginvel, qual o papel e qual a posio social3

    dos homens e mulheres jornalistas que trabalham cotidianamente na produo de notcias,

    ou seja, na estruturao de suas prticas e interaes num dado espao social?

    Este estudo pretende analisar que conscincia o jornalista tem de suas aes; se ele

    estabelece alguma relao entre a sua atividade profissional e a construo da democracia.

    Cabe a pergunta: Por que deveria o jornalista pensar a sua atividade como elemento da

    construo da democracia?

    1 Trabalho apresentado ao NP 02 Jornalismo, do IV Encontro dos Ncleos de Pesquisa da Intercom. 2 Jornalista, professora do Departamento de Comunicao Social/Jornalismo da Unopar, mestre em Cincias Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), [email protected]. 3 Utilizo o conceito de posio social no sentido de posicionamento nas relaes sociais.

  • 2

    Os jornalistas que exercem sua atividade em empresas comerciais e que visam lucro

    deparam-se com a linha editorial j definida e com limites estabelecidos. Mesmo assim,

    esses profissionais imprimem sua marca no trabalho realizado no cotidiano.

    Se o jornalista buscar um preparo terico e refletir sobre sua prtica, ele pode com

    sua ao preencher lacunas que surgem naturalmente no exerccio dirio do jornalismo. Ele

    pode deixar sua mensagem. Esse exerccio cotidiano de ocupar brechas reveste-se de

    intencionalidade. um ato poltico.

    Ter uma prtica crtica e consciente no dia-a-dia significa assumir seu papel de ator

    social enquanto jornalista, ocupando um espao importante dentro da mdia. Para verificar a

    viso que os jornalistas tm da sua prtica profissional, este trabalho entrevistou

    profissionais de jornais impressos.

    Parte-se da hiptese de que os jornalistas tm pouca clareza sobre seu papel e

    posio social no exerccio profissional, no enxergando brechas e acreditando que no tm

    muito a fazer diante dos poderes econmicos e polticos que atuam na linha editorial da

    empresa.

    A falta de reflexo e de preparo terico resulta num jornalista mais alienado4 e

    acomodado, menos crtico e que no v possibilidades de um agir diferente daquilo que j

    est determinado. Sem a reflexo, o profissional pode nem ter conscincia de que pode agir

    de forma a construir uma sociedade mais democrtica.

    Para analisar o papel e a posio social dos agentes produtores de notcia sero

    empregados conceitos sociolgicos que pressupem que as duas noes (papel e posio

    social) so complementares. Os jornalistas tm uma identidade social especfica e, como

    tal, tm direitos e obrigaes no espao social que ocupam para a construo das relaes

    sociais.

    preciso reconhecer a informao como um direito do cidado. A Constituio

    Federal, de 1988, em seu artigo 5, no captulo que trata dos direitos e deveres individuais e

    coletivos, estabelece no pargrafo XIV: assegurado a todos o acesso informao (...).

    A atividade profissional do jornalista, portanto, est ligada ao cumprimento de um direito

    constitucional do cidado.

    John B. Thompson, ao analisar a relao entre os meios de comunicao e a

    democracia, ressalta:

    Poucos duvidam de que os vrios meios de comunicao tenham desempenhado e continuaro desempenhando um papel crucial na formao de um sentido de responsabilidade pelo nosso destino coletivo. (...) Eles ajudaram a pr em movimento uma certa democratizao da responsabilidade, no sentido de que a preocupao por outros distantes se torna cada vez mais entranhada na

    4 Alienado no sentido de alhear-se.

  • 3

    vida quotidiana de mais e mais indivduos. (...) Eles comprovam a possibilidade de que a crescente difuso de informaes e imagens atravs da mdia pode ajudar a estimular e a aprofundar um sentido de responsabilidade pelo mundo no humano da natureza e pelo universo de outros distantes que no compartilham das mesmas condies de vida (Thompson, 2001: 227).

    Embora a mdia exera profunda influncia na formao do pensamento poltico e

    social (Thompson, 2001:15), o jornalista relativiza o seu papel nesse processo de

    influncia. como se o jornalista ao escrever uma matria, por exemplo restringisse a

    sua ao simples atividade de contar o que aconteceu, como se o que ele pensa a respeito

    do mundo no causasse efeito sobre o seu trabalho final.

    Parece, assim, que a influncia da mdia no pensamento da sociedade tem um poder

    por si s. E o jornalista no tem nenhuma influncia sobre o que publicado. Ou seja, o

    jornalista se sente alienado daquilo que ele produz, como se a mdia tivesse vida prpria,

    como se a matria escrita por ele tivesse um nico caminho a ser seguido.

    Mesmo com um poder limitado, o jornalista no usa dos recursos de que dispe para

    que sua atuao se revista de um carter de transformao. Pierre Bourdieu chama de

    campos de interao o conjunto de circunstncias que proporcionam aos indivduos

    diferentes inclinaes e oportunidades (Bourdieu, 1989).

    Esse conceito de Bourdieu est em Thompson:

    A posio que um indivduo ocupa dentro de um campo ou instituio muito estreitamente ligada ao poder que ele ou ela possui. No sentido mais geral, poder a capacidade de agir para alcanar os prprios objetivos ou interesses, a capacidade de intervir no curso dos acontecimentos e em suas conseqncias. No exerccio do poder, os indivduos empregam os recursos que lhe so disponveis; recursos so os meios que lhes possibilitam alcanar efetivamente seus objetivos e interesses (Thompson, 2001: 21).

    Dentro da redao, os jornalistas fazem vrias escolhas ao longo de um dia de

    trabalho. A primeira seleo ocorre com a definio da pauta. O reprter responsvel pela

    matria tambm tem critrios prprios para abordar os assuntos. Depois de pronto, o

    material passa pelas mos do editor que tem o poder de mudar o enfoque escolhido pelo

    reprter e quem vai definir ttulo, e o espao que vai ocupar na pgina.

    Assim, a notcia passa por vrios prismas. O caminho que a informao colhida pelo

    reprter percorre at que a notcia saia no jornal, aps passar pelo trabalho de edio, j faz

    balanar o mito da objetividade.

    No nvel operacional, o jornalista se caracteriza pela permanente tomada de decises. (...) ao escrever, cada palavra uma deciso, cada informao, uma deciso, cada orientao, deciso. Durante todo o tempo da sua atividade diria (...), ele toma decises (Dines, 1986: 120).

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    Ao tomar vrias decises todos os dias dentro da redao, a posio cultural,

    poltica e ideolgica do jornalista pesa de alguma forma no produto final do seu trabalho,

    por mais que ele esteja submetido lgica alienante dentro de uma empresa.

    Se os veculos no esto cumprindo a tarefa importante que tm para a construo e

    a ampliao da democracia os jornalistas podem ter a conscincia de seu papel social na

    redao. Alm da sua atividade individual profissional, o jornalista tambm pode engajar-se

    coletivamente na mobilizao que visa democratizar os meios de comunicao. (...) a

    questo do controle da informao no pode mais permanecer fora da pauta daqueles que

    lutam por sociedades mais democrticas e igualitrias (Miguel, 1999: 207).

    Foram entrevistados5 16 jornalistas: quatro de Londrina (PR), quatro de Curitiba,

    quatro de So Paulo e quatro Braslia para verificar como vem seu papel e a relao entre

    jornalismo e democracia.

    A escolha pela funo de reprter, neste trabalho, por considerar que ele a figura

    mais emblemtica do jornalista. quem vai rua atrs da notcia, quem faz as entrevistas e

    quem redige o material, que depois ser revisto na edio. O reprter faz a ponte entre o

    jornal e a sociedade. ele que se apresenta sociedade como representante da imprensa.