189
O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

O Pensamento Político deAlberto Pasqualini

Page 2: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

CIP - Catalogação na publicação: Sônia Domingues Santos Brambilla - CRB 10/1679

Realização:Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do SulInstituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do SulMuseu Júlio de Castilhos

Coordenação:Escola do Legislativo "Deputado Romildo Bolzan"

Pesquisa:Liana Bach MartinsMarcia Eckert Miranda

Digitação e Revisão:Géssica Daiana Sielichow de OliveiraPriscila Pereira PintoRenata DiasRoberta de Freitas

Editoração:Juçara Campagna - CORAG

Capa:Sid Monza - CORAG

A coleção “O Pensamento Político” faz parte do projeto realizado pela Assembléia Legislativa doEstado do Rio Grande do Sul, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e o MuseuJúlio de Castilhos, com coordenação da Escola do Legislativo “Deputado Romildo Bolzan”, quetem por objetivo destacar e homenagear personagens da História política do Rio Grande do Sul.

Maria Avelina Fuhro GastaiDiretora da Escola do Legislativo Deputado Romildo Bolzan

P284p Pasqualini, Alberto, 1901-1956.O pensamento político de Alberto Pasqualini / realização Assembléia Legislativa do

Estado do Rio Grande do Sul, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, MuseuJúlio de Castilhos. - Porto Alegre : Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul,2005.

272 p. - (O pensamento político, 3)

1.Pasqualini, Alberto - Político Gaúcho. 2. Pasqualini, Alberto - Partido TrabalhistaBrasileiro. 3. Pasqualini, Alberto - trabalhismo. 4. Rio Grande do Sul

- História. 5. Rio Grande do Sul - Política. I. Título. II. Série.

CDU 342.534 (816.5)

Page 3: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

MESA DIRETORA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA2005

Deputado Iradir PietroskiPresidente

Deputado Ronaldo Zulke1° - Vice-Presidente

Deputado José Farret2° - Vice-Presidente

Deputado Elmar Schneiderl° - Secretário

Deputado Gerson Burmann2° - Secretário

Deputado José Sperotto3° - Secretário

Deputado Paulo Brum4° - Secretário

Page 4: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

ApresentaçãoAssembléia Legislativa

do Rio Grande do Sul

lberto Pasqualini nasceu em Ivorá, município de Júlio de Castilhos, no dia 23 de setembrode 1901 e morreu no Rio de Janeiro em , junho de 1960. Foi advogado, secretário deEstado da Justiça e Interior no governo do interventor general Cordeiro de Farias (1938-

1943), senador e duas vezes candidato ao governo do Estado, humanista, católico ecumênico eideólogo de grande vigor do trabalhismo.

Sua vida foi marcada por uma coerência e vitalidade intelectual impar, dedicando-se comdenodo a causa pública. A sua vida foi devotada a luta incansável contra as injustiças sociais. Numaépoca onde começava ser marcada pela dicotomia da ideologia Esquerda/ Direita, ele foi alémprocurando uma idéia de justiça universal, aplicada a todos os homens que superasse os malfadadosideologismos particulares. Não foi um homem de esquerda, na acepção da palavra, pois criticava osreducionismos destes e tampouco foi um homem de direita, pois teceu a mais severa critica aocapitalismo e as desigualdades extremas provocadas por esse sistema dentro do seu conceitoacabado de "Usura Social" que impedia o pleno desenvolvimento do ser humano.

Foi eleito pelo PTB para o Senado Federal em 1950 onde se destacou pela sua grandezaintelectual e humana. Nacionalista, foi um dos lideres na questão do "Petróleo é nosso", sendodecisivo na criação da Petrobrás.

Pasqualini na sua vida política foi muito marcado pelas encíclicas papais RERUMNOVARUM (1891) de Leão XIII e QUADRAGÉSIMO ANNO (1931) de Pio XI que o colocou nacorrente do catolicismo social e pelo teórico e político do trabalhismo inglês Clement Attlee (1883-1967). Certamente, o pensamento de Pasqualini tem muita consonância com a obra do italianoNorberto Bobbio que se definia como um socialista-liberal. Sobretudo, a importância de Pasqualiniestá no seu humanismo e na força do seu pensamento sempre voltado na luta perpétua e incansávelcontra as injustiças sociais e mazelas morais da humanidade. Ele foi um grande reformador socialna sua luta contra a exclusão social e a miséria que oprimia as pessoas. Filho do Rio Grande, ciosode ser gaúcho, no entanto, se elevava no seu universalismo.

Nicolau Maquiavel (1469-1527) teria se encantado com Pasqualini, pois a sua vida foimarcada pela eterna luta entre a “fortuna” e a “virtú”. Homem de extraordinária “virtú”(capacidade) foi assolado pelas desgraças da “fortuna”, a sorte sempre adversa que parecia sempretestar a sua grandeza até a sua tragédia final. O aneurisma cerebral que o acometeu em 1955,interrompeu prematuramente a sua incansável luta pela justiça social e pela elevação do serhumano.

Nesses tempos de incertezas, corrupções e fugacidades, a importância de Alberto Pasqualinié incomensurável. Se pudéssemos definir Pasqualini numa frase diríamos: Pasqualini é orgulho dogênero humano e um visionário.

Edson PortilhoDeputado Estadual e Presidente da Escola do Legislativo

Page 5: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

ApresentaçãoInstituto Histórico

e Geográfico do Rio Grande do Sul

Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, preparou, no âmbito do Protocolode Intenções com a Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, juntamentecom o Museu Julio de Castilhos, e a Escola do Legislativo da Assembléia Legislativa do

Estado do Rio Grande do Sul, o terceiro volume da série “O Pensamento Político”,dedicado a Alberto Pasqualini.

O trabalho deste ano tem como foco o pensamento político de um teórico e político, homemprático, homem de ação. Teórico das relações sociais na vergonhosa sociedade desigual brasileiraque percebeu e combateu o que conceituou e desenvolveu como “usura social” que a atualglobalização tende a aumentar.

Teórico social democrata, num país de crescentes exclusões, fez esforços para provocarreflexões e discussões e o conhecimento da sociedade brasileira para a ação política. Teórico quenão negligenciou o papel do Estado, como não alijou a função dinamizadora e social do capital.Teórico que percebeu, com clareza, o significado e o alcance do monopólio estatal do petróleo,ampliando e politizando a discussão que então se fazia.

Teórico que hoje estaria no campo generoso daqueles que ainda acreditam que uma outraglobalização é possível.

Conhecer, refletir e discutir a pluralidade dos pensamentos políticos é o propósito da Escolado Legislativo, nessa generosa contribuição didática, com a apresentação de pensamentos puros,sem intérpretes.

Gervásio Rodrigo NevesPresidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul

Page 6: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

ApresentaçãoMuseu Julio de Castilhos

livro “O Pensamento Político de Alberto Pasqualini” é o terceiro da série PensamentoPolítico, linha editorial que surgiu como uma iniciativa da Assembléia Legislativa doEstado, através da Escola do Legislativo, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio

Grande do Sul e do Museu Julio de Castilhos.O Museu Julio de Castilhos, desde a sua criação em 1903, ocupa posição-chave de

instituição mantenedora da memória política e social do povo gaúcho e essa missão precípua dainstituição foi o que, seguramente, nos encaminhou para a escolha do nome de Alberto Pasqualinicomo o personagem político deste livro.

O livro reúne textos, falas, artigos e estudos de um dos personagens mais importantes dahistória política recente do nosso Estado. Procuramos ir às fontes e, com isso, possibilitar ao leitoruma melhor compreensão do pensamento daquele que se constituiu num dos maiores teóricos eestudiosos das doutrinas políticas e econômicas da sua época, tornando-se, também, um dosfundadores e o principal ideólogo do Partido Trabalhista Brasileiro.

O livro busca - mais do que simplesmente resgatar as idéias - dar ensejo às avaliações ereflexões do contributo do pensamento de Alberto Pasqualini, da permanência e, sobretudo, daatualidade de suas idéias.

Nara M M NunesDiretora do Museu Julio de Castilhos

Page 7: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Apresentação

embro que na minha infância em Caxias do Sul o meu pai fazia citações de discursos deAlberto Pasqualini. Invariavelmente, as tardes de domingo eram recheadas de discussõesna velha casa cinza. Muito me marcou a frase “o que faz o trabalhista é a mentalidade e

não a profissão”. Assim eu fui crescendo. Acumulando sonhos e desejos para uma efetiva mudançasocial no Brasil.

Alberto Pasqualini ensinou-me que é fundamental o comprometimento dos homens públicoscom as causas populares e com o solo pátrio. Ele propunha soluções para os graves problemassociais, como o analfabetismo, a falta de escolas, a miséria e a marginalização dos trabalhadoresrurais. Foi um guerreiro na luta por reformas de base. Pregava um salário mínimo justo, mais emelhores condições de trabalho para os trabalhadores, um sistema de saúde eficaz, queria a reformaagrária, a implantação de colônias agrícolas, a ampliação do cooperativismo, a concessão decréditos para os pequenos agricultores, e outras tantas aspirações.

A Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul está de parabéns pela iniciativa de lançar abiografia deste político gaúcho que é orgulho para todos nós. Sem dúvida, os jovens, estudantes efuturas gerações hão de se orgulhar de tão nobre iniciativa.

Aos meus amigos quero dizer que considero o senador Alberto Pasqualini, ao lado dopresidente Getúlio Vargas, ícones na minha formação sindical, social, e política.

Alberto Pasqualini vive!

Senador Pardo Paim (PT/RS)

Page 8: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Apresentação

m 1994, organizei e o Senado Federal publicou, em quatro volumes, Alberto Pasqualini -Obra Social e Política, livro que tinha como objetivo mais imediato resgatar as idéias dogrande político e ideólogo sul-rio-grandense.

Aquela reunião de textos jornalísticos e de pronunciamentos políticos ou parlamentares dePasqualini acabou por se transformar num importante documento sobre a vida política e intelectualbrasileira entre as décadas de 30 e 60.

A obra teve uma calorosa recepção entre historiadores, pesquisadores, professores eestudantes universitários. Distribuído para bibliotecas de todas as universidades brasileiras, o livrotornou-se fonte obrigatória de referência. Em pouco tempo, a primeira edição esgotou-se.

Mais recentemente, em 2001, republiquei o trabalho, em apenas um volume, reunindoalguns dos textos que mais me impressionavam pela sua vitalidade, pela sua atualidade. Com aclareza e a densidade que lhe eram peculiares, Pasqualini discute os grandes temas nacionais de suaépoca, como as chamadas reformas de base, o valor do trabalho, a ética na vida pública, educação,inflação e a carência de moradias. Aliás, temas ainda hoje em pauta.

Agora, em 2005, a Escola do Legislativo lança mais um trabalho sobre esse quem é dosmais destacados políticos sul-rio-grandenses de todos os tempos. Trata-se de um livro de sumaimportância, já que reúne 40 trabalhos intelectuais de Alberto Pasqualini, líder inconteste da umageração de jovens políticos de que fiz parte. Trata-se de uma iniciativa altamente louvável doLegislativo gaúcho que vem confirmar o reconhecimento sempre crescente da importância da obrade Alberto Pasqualini tanto para o Rio Grande do Sul quanto para o Brasil.

Senador Pedro Simon

Page 9: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Apresentação

“A vida só tem expressão, só tem sentido, só tem beleza, quando guiada por umideal; ideal de bondade, de justiça, de humanidade, que nos faça compreender ascontingências e as misérias terrenas, nos dê forças e coragem para superá-las e nosaproxime sempre mais da perfeição, que só existe fora dos limites humanos, isto é,na vastidão e na glória de Deus”, (trecho de “Discurso aos economistas”, publicadono jornal Correio do Povo, edição de 24/12/1953).

Filho de imigrantes italianos, Alberto Pasqualini nasceu no Rio Grande do Sul em 23 desetembro de 1901. Exemplo típico do homem moderno que, distinto do primitivo, molda tempo eespaço às suas idéias, pode ser considerado como arquiteto de propostas que repercutem até hoje.

Como parlamentar e administrador, destacou-se sobretudo por suas atividades no setordoutrinário. Membro do PTB, cunhou uma leitura do Trabalhismo marcada por sua formaçãocatólica. “Quando Cristo prescreveu aos homens de se amarem uns aos outros, não dispensou dessepreceito os capitalistas” afirmou no artigo “Discurso-plataforma”, publicado no Diário de Notíciasem 12/11/1946.

Pasqualini cursou a Faculdade de Direito de Porto Alegre, formando-se em 1929. Ativista daRevolução de 1930, foi posteriormente eleito vereador na capital gaúcha, membro do Conselho dasMunicipalidades e secretário do Interior e Justiça do Rio Grande do Sul (durante o governoDornelles, 1943/1944). Incompatibilizando-se com a linha ditatorial do Estado Novo, em 1945,criou a União Social Brasileira que se fundiria naquele mesmo ano com o PTB gaúcho.

Em 1947, Pasqualini concorreu ao governo do Rio Grande do Sul, sendo derrotado pelasforças conservadoras, à frente do PSD. Em 1950, elegeu-se senador da República e, no exercício domandato, notabilizou-se como relator do projeto da Petrobrás e pela fundamentação técnica de seuspareceres em outras importantes áreas. Em 1954, novamente disputou o governo gaúcho e foiderrotado por uma poderosa coalizão do conservadorismo que reinava absoluto na política estadual.Alberto Pasqualini faleceu em 3 de junho de 1960, comprovando, com sua trajetória, a máximasegundo a qual os homens passam, mas suas idéias ficam.

Cada vez mais o legado de Pasqualini é motivo de estudos, debates e novas publicações. Eque bom que assim seja. Agora, a nossa Assembléia Legislativa, através da sua Escola doLegislativa, vem de lançar a obra "O Pensamento Político de Alberto Pasqualini", que é umaespécie de síntese ou de leitura-guia para quem, como eu de modo especial, cultiva nestapersonalidade gaúcha uma fonte para inspiração de trabalho social e político.

Parabéns a Assembléia pela iniciativa e a Escola por lançar mais uma obra fundamental paraentendermos nossa trajetória política.

As lições que Pasqualini deixou são uma luz para aqueles que lutam por uma sociedade maisjusta, fraterna e igualitária e que precisam adaptar esta autêntica ideologia brasileira aos temposatuais.

Sérgio Zambiasi

Page 10: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Apresentação Técnica

Pensamento Político de Alberto Pasqualini reúne textos, discursos e entrevistas desseimportante político gaúcho, nascido no atual município de Ivorá, RS, em 1901 e falecidono Rio de Janeiro, em 1956. Considerado um dos grandes pensadores políticos brasileiros

do século XX, ajudou a estruturar a doutrina do trabalhismo brasileiro, inspirado no homônimoinglês. Nossa escolha traz de volta as idéias de Pasqualini, ainda hoje tão atuais, possibilitando umadiscussão sobre as questões sociais e econômicas que o preocuparam 60 anos atrás.

Para esse fim pesquisamos em jornais e livros, selecionando alguns textos que chamam aatenção pela sua atualidade, apesar de escritos a vários anos atrás. Esses estão dispostos em ordemcronológica, para que o leitor possa ter uma visão do desenrolar do pensamento de Pasqualini. Aortografia foi corrigida segundo os padrões atuais da língua portuguesa.

Assuntos como a questão partidária, as bases e diretrizes do Partido Trabalhista, a economia,o trabalho assalariado, os lucros do setor privado ou a questão pública são transcritos nesse livro.Assuntos relacionados com a posição do Rio Grande do Sul na federação, a moradia, a reformaagrária revelam as preocupações de uma pessoa vinculada ao seu estado e às condições sócio-econômicas do trabalhador. Seus discursos, enquanto candidato ao governo do estado, evidenciam oseu projeto para um governo construído em torno dos ideais de justiça social e de rigorosamoralidade. Nunca venceu uma eleição ao executivo, entretanto sua atuação como parlamentardemonstra sua capacidade de tratar com as questões que afligiam a classe trabalhadora.

Page 11: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Sumário

1.Discurso durante a campanha eleitoral da Frente Única para a Câmara Federal - 30 de agosto de1934...........................................................................................................................................................212.Discurso de encerramento dos trabalhos anuais da Câmara Municipal - 18 de novembro de 1936......303.Saudação ao Presidente Getúlio Vargas, em nome do Departamento Administrativo - 17 denovembro de 1940.....................................................................................................................................354.Ditaduras - 11 de junho de 1943 ............................................................................................................435.O sentido da democracia - 27 de junho de 1943 ....................................................................................496.As leis e as mulheres - 04 de julho de 1943...........................................................................................547.Amor e poder - 28 de julho de 1943 ......................................................................................................598.Saudação aos jornalistas cariocas - 04 de janeiro de 1944 ....................................................................659.Marginais e colônias agrícolas - 27 de agosto de 1944..........................................................................6810.A organização social do mundo - 29 de dezembro de 1944 ................................................................7111.Governo e partidos - 11 de fevereiro de 1945......................................................................................7912.Candidaturas e programas - 01 de abril de 1945..................................................................................8313.A lição das greves - 08 de abril de 1945 ..............................................................................................8614.Nas vésperas da constituição - 10 de setembro de 1946 ......................................................................8915.Discurso como candidato - novembro de 1946....................................................................................9316.Trabalhismo e Socialismo - Discurso em Caxias do Sul - 17 de dezembro de 1946...........................10917.Entrevista sobre a inconstitucionalidade do Parlamentarismo rio-grandense - 18 de julho de 1947...12818.A força interna dos partidos políticos - 24 de agosto de 1947.............................................................13019.À margem da mensagem presidencial I - 14 de setembro de 1947......................................................13420.À margem da mensagem presidencial II - 18 de setembro de 1947 ....................................................13921.À margem da mensagem presidencial IV - 28 de setembro de 1947...................................................14422.Entrevista sobre parlamentarismo ou presidencialismo - 18 de outubro de 1947 ...............................15023.As verdadeiras causas do desequilíbrio social - 07 de novembro de1947 ...........................................15724.A importância das eleições municipais -15 de novembro de 1947......................................................16425.Discurso no Diretório Municipal do PTB - 06 de abril de 1949..........................................................16626.Discurso em homenagem a Getúlio Vargas - 20 de abril de 1949.......................................................16927.Entrevista sobre sucessão presidencial - I - 31 de agosto 1949 ...........................................................17328.A essência de Trabalhismo - 28 de fevereiro de 1950 .........................................................................17629.Mensagem lida em comício do PTB - 20 de abril de 1950..................................................................18030.Discurso na Convenção Nacional do PTB - Lançamento da candidatura de Getúlio Vargas àPresidência da República - 18 de junho de1950 .......................................................................................18331.Conferência do Alegrete - 07 de setembro de 1950.............................................................................19132.Diretrizes fundamentais do Trabalhismo Brasileiro ............................................................................20033.Reformas de base I - 29 de agosto de 1951..........................................................................................21134.A sociedade segundo o Trabalhismo - 04 de outubro de 1951 ............................................................22035.Discurso no Clube do Comércio - 06 de março de 1951 .....................................................................22936.O problema da moradia - 02 de setembro de 1952 ..............................................................................23437.Síntese da plataforma do candidato trabalhista - 22 de julho de 1954.................................................24738.Plataforma de governo - 25 de julho de 1954 ......................................................................................24839.Discurso em Cruz Alta - 12 de setembro de 1954 ...............................................................................26140.Em defesa do monopólio estatal do petróleo II - 29 de março de1955................................................265

Page 12: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Discurso Durante a Campanha Eleitoralda

Frente Única para a Câmara Federal

A paz a nossa paz é a paz objetiva, paz orgânica - expressão do equilíbrio, dahonestidade, da justiça que devem existir nas ações individuais, nas atividadeseconômicas, nas disputas políticas, nas práticas administrativas, no exercício dopoder, nas relações, enfim, entre governantes e governados.

PELOTAS, 29 (via aérea) - Foi esta a conferência pronunciada, no dia 27, no TeatroGuarany:

Aqui estamos, neste amável aconchego sentindo bem junto de nós o coração deste admirávele altivo povo pelotense; aqui estamos, menos para conquistá-lo para a nossa causa, para estimular-lhe o entusiasmo, do que para buscarmos nós mesmos na sua alma vibrante, na palavra inflamadados seus oradores, no ardor da sua mocidade intrépida nas suas tradições de cultura e destemor, oretempero das nossas forças, o revigoramento das nossas energias morais, empenhadas nesta grandebatalha política onde se vai decidir a sorte do Rio Grande do Sul.

Não somos instigadores da anarquia; não somos propagandistas da desordem, empreiteirosda demagogia ou inimigos da paz. Somos homens que nasceram livres e que livres se conservamtendo, portanto, o direito de debater as questões políticas e morais de sua terra e de exprimir opensamento com a altivez, o desassombro dos cidadãos independentes. Como rio-grandenses, temosainda a convicção de que não nos foi cassado o direito de falar em nome das tradições de honra e dedignidade do povo gaúcho!

Para os nossos adversários nós somos apenas perturbadores da paz, dessa paz que elesafirmam ter imposto ao Rio Grande: paz social, paz política, paz econômica e administrativa. Nodicionário da República Nova muitas palavras inverteram a sua significação. São podendo ocultaras próprias misérias a ditadura tentou disfarçá-las, trocando as palavras que as descrevem. Haveráhoje ainda alguém que duvide das realidades que correspondem às expressões “posto de sacrifício”,“espírito revolucionário”, “obra revolucionária”, “dinamismo construtor”, “cumprimento do dever”,“bem público”, “prática do bem”, “desprendimento” e “desapego às posições” e muitos outrossarcasmos que o poder atira à face do povo?

Não é, pois, de estranhar que a palavra “paz” tenha também perdido na boca do despotismo,a sua significação natural e humana.

Enganam-se, entretanto, os lexicólogos da tirania. Não se mudam os fatos e nem se ilude opovo, com inversões vocabulares e com escamoteações verbais.

A paz é tudo, menos o que eles pensam, é tudo, menos o que eles desejam - Paz não ésilêncio diante da iniqüidade, a resignação diante do abuso, a impassibilidade diante do desgoverno,a humilhação diante da força.

Paz não é a impunidade, a irresponsabilidade, a tolerância, a submissão.Todos nós somos partidários da paz; todos a desejamos, todos a queremos, a exigimos, por

ela lutamos e lutaremos. A paz, porém, como nós a compreendemos e como deve ser entendida, nãoé o disfarce da ignomínia, a ocultação do erro, o abafamento da indignidade. A paz, a nossa paz, é apaz objetiva, a paz orgânica - expressão do equilíbrio, da honestidade, da justiça que devem existir

Page 13: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

nas ações individuais, nas situações sociais, nas atividades econômicas, nas disputas políticas, naspráticas administrativas, no exercício do poder, nas relações, enfim, entre governantes egovernados.

Paz Sócial

Não pode haver paz social sem segurança, não há segurança social sem civilização.Já tivemos a lembrança de rio-grandensizar o Brasil, mas nunca tivemos a idéia de civilizar

o Rio Grande. Porque há, desgraçadamente, dois Rio Grande: há o Rio Grande evoluído, entregueao trabalho e absorto nos mistérios fecundos da civilização. É o Rio Grande que lida nas fazendas,que labuta nas lavouras, que se agita nas indústrias, se movimenta no comércio, aprende nasescolas, medita nos gabinetes, trabalha nas repartições, vigia nos quartéis, construindo a suariqueza, preparando os seus homens, aperfeiçoando as instituições, defendendo o seu patrimônio. Eo Rio Grande que marcha no ritmo da evolução social.

Mas, há um outro Rio Grande, que não evolui, que não tem profissão, que ficou à margemda civilização. É o Rio Grande bárbaro, o Rio Grande atávico, o Rio Grande selvagem, aquém sepoderiam aplicar as palavras de Darwin: “Ao gaúcho dos pampas falta por completo o sentimentode humanidade” .

Em quase todos os povos há formas coletivas de criminalidade. Elas tomam este ou aqueleaspecto, segundo as condições étnicas mesológicas e econômicas dos agregados humanos. A máfia,o camorrismo, o gangsterismo, são expressões organizadas da criminalidade econômica.

O caudilhismo, na América do Sul, é a forma organizada da criminalidade política.As suas agressões não são contra a propriedade, senão acidentalmente, e, em geral, sob a

forma de extorsões. As investidas do caudilhismo, como expressão de delinqüência, são contra avida, contra a liberdade, contra o exercício dos direitos políticos e sociais.

E ele o maior e mais feroz inimigo da democracia e para combatê-la, congrega e mobilizatodas as forças da criminalidade nativa.

O caudilhismo, no Rio Grande, é de formação guerreira. As guerras o geraram, asrevoluções o expandiram, a política o aproveitou.

Psicologicamente, é a degeneração de virtudes primitivas que serviram à causa da libertaçãoda América. Sociologicamente, é um complexo de tendências anti-sociais, rebeldes a toda idéia decivilização.

“Os instintos caudilhescos, quando se não podem expandir livremente em conseqüência dacontenção que sobre eles exercem o meio social e as instituições legais, são a causa de certasdeformações psíquicas que poderiam catalogar sob a denominação de psicose do caudilhismo.”

O mandonismo, o exibicionismo, a prestigiomania, a obsessão da popularidade, a vaidade dese sentir assediado e admirado, de constituir o ponto de convergência de todos os olhares e de todasas atenções; a necessidade de receber o elogio e a submissão de toda a gente e de ser apresentado aomundo como um super-homem, eis os sintomas menos perigosos desses estados psicopatológicos.

Há duas espécies de caudilhismo: o caudilhismo de cima e o caudilhismo de baixo; ocaudilhismo que manda e o caudilhismo que obedece.

O habitus caudilhesco exterioriza-se e pode ser observado até em certas particularidades daindumentária, das atitudes e da postura do corpo. Quando, por exemplo, em pleno coração de umacidade civilizada, onde as pessoas procuram distinguir-se pela elegância do traje e pela suavidadedo trato, encontramos indivíduos enfiados em capas de provisórios, olhar turvo, costeletas puxadasaté o queixo, aba do chapéu quebrada aos olhos, um cano de 44 emergindo meio palmo da orla docasaco, temos a certeza, quase absoluta, de que estamos na presença de espécimes do caudilhismobaixo. Ninguém se sente seguro perto desses tipos, a não ser dentro de um carro blindado ou tendoem cada braço uma metralhadora.

Há indivíduos que só nesse aparato de força encontram o derivativo para as suas tendências.São os leões-de-chácara absolutamente inofensivos. Outros, porém, há que não sossegam

enquanto não cometem uma tropelia, não armam uma bagunça, não espaldeiram um cidadão

Page 14: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

indefeso ou não praticam um assassinato. São perigosos, principalmente porque sempre agridempelas costas, de emboscada ou a traição. O ataque pela frente é privilégio do homem de bem, dohomem que tem consciência de que exerce um direito, de que pratica um ato justo e realiza umaação moral.

Meus senhores, como poderá haver tranqüilidade no Rio Grande enquanto nãodesaparecerem esses aspectos degradantes, essa brigandagem torpe, inimiga da civilização?

Como poderá haver segurança, quando os governos e as facções políticas, ao invés dereprimirem e combaterem essa criminalidade crioula, lhe estimulam os surtos e lhe garantem aimpunidade?

Como pode haver sossego, quando os habitantes da própria capital do Estado, que deveriaser um centro de cultura e de civilização, não podem sair de suas casas com a certeza de que a elasvolverão sem um olho vazado, uma costela partida ou uma bala no espinhaço?

Como pode haver paz social, quando, ao invés de se empregar a força armada para garantir aintegridade, a liberdade, o trabalho dos cidadãos contra as arremetidas dos caudilhetes, e se põe aforça ao serviço desses mesmos caudilhetes?

Consultem os nossos adversários a própria consciência e depois nos digam se somos nós oueles os perturbadores da paz social.

Paz Política

A paz social é a condição da paz política. Paz política não significa, porém, inércia,acovardamento, transigência, cambalacho ou receio de desagradar ao poder.

Há paz política quando, divididos embora os cidadãos em ideologias diversas, exercem,entretanto, sem constrangimento, as prerrogativas que lhes são asseguradas pela Constituição: hápaz política quando se toma efetiva a prática da democracia, quando os embates se travam nasesferas das idéias dos postulados políticos, das questões programáticas, da crítica administrativa,orientando, esclarecendo, instruindo a opinião, para que o eleitorado pronuncie nas umas a suasentença irrecorrível.

Quando, porém, os depositários do poder dele se servem não como meio de assegurar oexercício dos direitos e o respeito à vontade do povo, mas como instrumento aos serviços de umafacção; quando os governantes, traindo o mandato que lhes foi conferido pelo povo, utilizam-se daforça, mantida pelo mesmo povo para humilhá-lo, para impedir-lhe a livre manifestação da vontade;quando não se respeita a consciência do funcionário, que não é servidor de um partido, mas umagente da administração política, isto é, da própria coletividade; quando os usufrutuários do poderorganizam "resistências" não para resistirem às paixões, aos interesses, ao sabujismo, aorastejamento, à corrupção, ao suborno, à intriga, à infâmia e às tendências anti-sociais, mas aspreparam, as ensaiam, as exibem, como instrumentos de violências para conturbar as consciências,atemorizar os tímidos, comprimir a liberdade e sufocar a opinião; quando o poder se dissimula, sedesnivela, se degrada, se irresponsabiliza, nessas formas e por esses processos como poderá haverpaz política, que pressupõe o mínimo de constrangimento e o máximo de liberdade?

Esses métodos são incompatíveis com a democracia, porque são os métodos da tirania e dodespotismo. Como o sumo filósofo, Aristóteles, nós poderíamos também exclamar: “Que terrívelflagelo é a injustiça quando tem as armas na mão!”

Vencer por tais processos não é vencer. Há vitórias que são ignomínias como há derrotasque são triunfos imortais.

No dia em que um governo, respeitando a vontade do povo, fosse derrotado nos comícios,ele seria, de fato, o único vencedor. Teria alcançado a maior, a mais bela, a mais estupenda dasvitórias que ao homem é dado conseguir, porque, vencendo-se a si próprio, na expressão imortal doorador romano, teria vencido a própria vitória!

Se existem da parte dos governantes sinceros propósitos de respeitar a lei e praticar o bem,ainda não é tarde para o fazer.

Reprimam o crime, contenham a violência, desarmem os esbirros, acalmem a calúnia,

Page 15: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

desautorizem a mentira.Um gesto pode ser uma redenção. Nós não guardamos rancores, não nos move a raiva, não

nos alimenta o ódio. As nossas palavras não são de agressão mas de legítima defesa. Não somosofensores, mas ofendidos; não somos atacantes, mas atacados. Mais do que nós, mais do que osnossos partidos, atacado, ofendido e agredido é o próprio Rio Grande do Sul!

Paz Econômica

Da paz social, da paz política e da reta administração depende a paz econômica.Falar em paz econômica, no Rio Grande, é uma ironia. É fechar os olhos à desorganização,

ao desânimo, à miséria, ao desespero que lavram em quase todos os quadrantes das atividadeseconômicas rio-grandenses. Esse estado de coisas é quase exclusivamente conseqüência dadesorientação, da imprevidência, da insegurança da administração.

A produção está desamparada e os produtores abandonados e arruinados pelos trustes.Não há quem não saiba que as funções econômicas fundamentais são a produção e o

consumo. As demais funções são secundárias, acessórias e derivadas daquelas.Organizar a produção, estimulá-la, promover o seu aperfeiçoamento, remover as causas que

a perturbam, resolver-lhe os problemas cuja solução não está ao alcance das organizações privadas,eis o dever do Poder Público em matéria de política econômica.

No Rio Grande tem-se procedido de modo erradamente inverso. Ao invés de cuidar-se doessencial, que é a produção, tratou-se do acessório, que é a intermediação.

Entre a intermediação e a produção há sempre um antagonismo de interesses. Ointermediário procura adquirir pelo mínimo para revender pelo máximo. Quando existe umapluralidade de intermediários, em razão da concorrência que entre eles se estabelece, há uma maiorprocura nas zonas de produção e uma maior oferta nos mercados de consumo. Conseqüentemente,os preços tendem a elevar-se ao máximo nas zonas produtoras e a baixar nos mercados de consumo,reduzindo-se ao mínimo a carga especulativa, isto é, o lucro da intermediação. Com o fenômeno daconcorrência, aproveitam, pois, os produtores e os consumidores, que têm, como adversáriocomum, o intermédio.

A medida que a concorrência entre os intermediários recrudesce, os lucros das operações oudos negócios vão sempre mais reduzindo e, por essa razão, compreendendo os intermediários queseria preferível substituir esse estado de guerra, que os aniquila, por uma situação de entendimentose de colaboração, não raras vezes fundem-se numa organização única, formando assim o que sechama vulgarmente um truste.

Não é difícil de se compreender o perigo que tal organização representa para os produtores eos consumidores, pois os intermediários associados poderão de agora em diante impor os preços decompra e os preços de venda.

Os governos prudentes combatem os trustes justamente pelos desequilíbrios que podemocasionar. Só houve um governo que teve a genial idéia de promover a formação e oficialização detrustes: foi o governo rio-grandense, o Governo Getúlio Vargas! E para quê? Para salvar aprodução!

Certos intermediários dos principais produtos rio-grandenses foram agrupados emorganizações sui generis a que se deu o nome de “sindicatos”. Não ficou aí, porém, a peregrinafórmula governamental. Criaram-se as famosas taxas bromológicas, taxas elevadas, proibitivas,delas se isentando os sindicatos, com o fim de assegurar-lhes o controle absoluto e a exclusividadedo comércio.

O Governo coroou a sua obra instituindo o monopólio legal em favor dos sindicatos.Armados os sindicatos de todos esses privilégios, iniciaram a escorcha dos produtos, pois,

senhores absolutos do comércio, estavam em condições de impor os seus preços. Elevaram ospreços nos mercados de consumo seguindo o princípio de comprar pelo mínimo para revender pelomáximo, obtendo, assim, lucros fabulosos.

As manobras altistas dos sindicatos, nos mercados de consumo, foram estimular as

Page 16: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

indústrias dos mesmos produtos em outros estados.As nossas mercadorias foram deslocadas, substituídas, operando-se assim o fomento da

superprodução reflexa e a conseqüente queda dos preços. De quem é o prejuízo? Os sindicatos sãoos que menos sofrem, porque só compram e vendem quando querem e pêlos preços que lhesconvêm. O espoliado, o sacrificado, o arruinado, é o pobre produtor.

Eis, pois, a finalidade e o destino dessas organizações: fazer a fortuna de poucos e adesgraça de muitos.

Aí está, como triste exemplo ilustrativo, o caso da banha. Esse produto representava umadas maiores parcelas do valor das nossas exportações. Hoje essa indústria, graças à ação dosindicato, está virtualmente destruída e uma onda de miséria e de desespero ameaça assolar todauma vasta região colonial, outrora próspera e feliz.

Os sindicatos comerciais, monstruosidades econômicas, organizações ilegais e anti-sociaisforam à solução oficial achada para resolver os nossos problemas econômicos. O Governo passadodescobriu a fórmula, a amai administração a aplicou até à navegação fluvial.

Uma das necessidades vitais para o Rio Grande, é a solução do problema pecuário. Pareceinacreditável que até hoje não tenha sido ainda resolvida essa questão. Ela se não é simples, não é,em todo caso, insolúvel. Depende apenas de boa vontade. Há urgência no caso. O peso dashipotecas e dos impostos está atolando cada vez mais os criadores. É necessário quanto antesconstruir os estabelecimentos frigoríficos e organizá-los de tal forma a poderem dar escoamento àprodução. Várias fórmulas já foram propostas ao Governo para a solução desse tema. Por que nãoas aplica?

Por que não descruza os braços? O que é que ainda espera?Meus senhores, eu não quero que as minhas palavras sejam portadoras de maus presságios.

Tenho, porém, a convicção segura, a quase certeza plena de que, se não se mudarem esses sistemas,se não se emendarem essas práticas, se não se sair dessa apatia, cinco anos mais serão tempo desobra para a completa ruína econômica do Rio Grande!

Só não enxergam a catástrofe os que não a querem ver ou os que não têm o patriotismosuficiente para impedi-la, enquanto é ainda tempo de o fazer.

Pode a oposição não vencer o Governo. Ele será, porém, derrotado pêlos seus próprios erros,pelas suas próprias culpas, pela miséria e pelo desespero daqueles que lhes sofrem asconseqüências. E fácil enfrentar a força de um exército, não é difícil sufocar uma revolução.Impossível, porém, é dominar a angústia e o desespero de um povo.

Os problemas econômicos e administrativos exigem soluções seguras. Não basta realizareste ou aquele empreendimento, construir um edifício, ligar duas cidades por uma faixa de cimento,estender alguns quilômetros de trilhos, erguer um obelisco, alterar uma rua, criar um instituto, parase poder caracterizar uma “obra administrativa notável”.

Uma verdadeira obra administrativa obedece sempre a um sistema preordenado e derealizações.

Meia dúzia de empreendimentos isolados, dispersos, desconexos, são antes aventurasadministrativas.

O que falta ao atual Governo é precisamente isto: método, orientação, penetração, previsão,clarividência. Resolvem-se as questões mais por palpite do que por estudo. Faz-se alguma coisa porfazer, sem se indagar, sem se examinar se o que se faz está bem-feito, ou se não se poderia fazermelhor. O Estado possui servidores íntegros e competentes. De que servem, porém, a capacidade, ameticulosidade, o escrúpulo, quando o impulso se substitui ao raciocínio? De que servem a cultura,a vontade de realizar e de acertar, quando os arrivistas que se diplomaram na escola da bajulaçãovão ocupar os lugares que, por direito, deveriam pertencer aos que acumularam experiência no tratodos negócios públicos?

Meus concidadãos, a vitalidade deste País é tão grande que, por mais que os governos setenham esforçado por aniquilá-la, não conseguiram ainda realizar a sua obra. Não sabemos atéquando e até onde ele resistirá. O certo, porém, é, quanto ao Rio Grande do Sul, que, pêloscaminhos que o conduzem, desta vez, sim, irá para o despenhadeiro.

Page 17: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Falar em paz econômica do Rio Grande do Sul, mais do que uma amarga ironia, é umacrueldade.

Se os governos, em vez de esmagarem, com pulso de ferro, as conspirações que se tramamna sua própria imaginação, aplicassem toda essa energia em resolver as questões vitais da economiae da administração, em realizar a justiça social, assegurar a liberdade política e tranqüilizar acoletividade, maiores títulos de benemerência conquistariam para o seu nome.

Falo tão sem paixão, tão acima das conveniências partidárias, que eu preferiria mil vezes otriunfo dos nossos adversários à vitória da oposição, desde que essa vitória fosse puramente umaconseqüência de esfacelamento econômico do Rio Grande.

Enganam-se os que julgam que o objetivo dessa nossa campanha seja a posse do poder.Fiquem com ele os nossos adversários, contanto que o utilizem, não como instrumento de interessespartidários e pessoais, mas como meio de realizar o bem coletivo, que não tem cor política. Quantoa nós, contentes ficaremos com o direito de exame e de crítica e com a faculdade de propor ao povotodos aqueles princípios, todas aquelas medidas que consideramos necessárias ao seu próprio bem-estar.

Os verdadeiros estadistas, os que têm a consciência tranqüila, não receiam a discussão dosseus atos e a análise da sua conduta, pois fácil será confundir os que criticam se estiverem errados e,se tiverem razão, felicidade deverá ser para o governante, digno desse nome, descobrir os próprioserros e ter a oportunidade de corrigi-los.

O homem civilizado, ao argumento responde com outro argumento, e não com a explosãode sentimentos maus. Pretender destruir a verdade com a agressão, não é proceder como criaturashumanas, mas como brutos, ou como homens que perderam o uso da razão.

Quando Cristo, acusado de perturbar a paz dos judeus e de tramar a revolução, foiconduzido preso perante o sumo sacerdote Anás e este o interrogou sobre a sua doutrina e os seusdiscípulos, o divino Mestre respondeu:

- “Eu falei abertamente ao mundo; eu sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todosos judeus se reúnem e nada disse em oculto. Por que me perguntas a mim? Pergunta aos queouviram o que foi que lhes ensinei”.

Tendo dito isto, um dos criados que ali estavam deu uma bofetada em Jesus dizendo:- “Assim respondes ao sumo sacerdote?”Advertiu Jesus.- “Se falei mal, dá testemunho do mal; e, se bem, por que me feres?”Meus concidadãos, nós também temos pregado ao Rio Grande, abertamente, na imprensa e

na praça pública, a revolução moral, a purificação dos costumes políticos, a dignificação da práticaadministrativa. Temos pregado o idealismo, o desprendimento, a fraternidade para que o Estado nãoseja o gozo de poucos e o sacrifício de muitos. Nós também podemos perguntar aos sumossacerdotes do Poder:

- Se falamos mal, apontai-nos a mentira. Se falamos bem, se dizemos a verdade, por que osvossos servos nos insultam, por que nos agridem, por que perseguem a imprensa independente, porque atacam homens indefesos, por que enxovalham a civilização?

Meus concidadãos, a nossa missão, a missão da Frente Única é a missão da paz. Da paz quenão seja a paz gelada dos sepulcros, caiados por fora e podres por dentro, mas da paz que seja aalegria da existência revivida e purificada na verdadeira prática do bem e na reparação de todas asinjustiças.

Se o nosso sacrifício pessoal for à condição dessa paz que o Rio Grande tanto procura,abram-se, então, quanto antes, os nossos túmulos, para que encontremos na paz da morte afelicidade que para ele sonhamos na paz da vida!

A CARAVANA da Frente Única em Pelotas. Conferência do Dr. Alberto Pasqualini. Correio doPovo, Porto Alegre, 30 ago. 1934,p. 8,12.

Page 18: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Discurso de Encerramento dos TrabalhosAnalisados da Câmara Municipal

A cordialidade que sempre reinou nesta Casa (...), entre os representantes dasituação e os da oposição; a coincidência de pontos de vista na parte substancial dequase todas as questões debatidas e das medidas postas em prática pela Câmara,fizeram, por assim dizer, esfumar as linhas divisórias dos partidos, para se formaraqui dentro um partido único que tem como programa os interesses reais e legítimosda cidade.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Peço a palavra.

O SR. PRESIDENTE - Tem a palavra o nobre Vereador:

O SR. ALBERTO PASQUALINI - (Lê:)

“Sr. Presidente, Srs. Vereadores:Os Vereadores da oposição ouviram com muito acatamento e prazer a oração que acaba de

ser proferida pelo Sr. Presidente da Câmara e se sentem penhorados pela maneira com que tem sidointerpretada a atuação dos representantes da oposição nesta Casa.

Desejo em nome do meu companheiro coronel Germano Petersen Júnior e no meu,apresentar os meus votos congratulatórios pelo bom termo dos nossos trabalhos legislativos.

Numerosas foram às questões trazidas ao exame da Câmara, na presente reunião, devendo-se salientar, dentre os trabalhos realizados, a discussão e votação do orçamento, a lei que regula acobrança da dívida ativa, a lei que concede favores aos que construírem casas para operáriossujeitando-se a aluguéis tabelados, a lei que autoriza o Executivo a realizar uma operação de créditopara atender às obras de saneamento do 4o Distrito e, finalmente, a lei que concede anistia fiscal,relativamente às multas, comissões e outros ônus de cobrança aos devedores em atraso.

É bem possível que as soluções da Câmara a todos esses problemas não tenham sido as maisperfeitas. Entretanto, o que se não pode negar é que houve da parte de todos o bom propósito deacertar, e isso já constitui um grande passo na escala e nas condições psicológicas daperfectibilidade.

O orçamento atual do município traz acumulada a onerosa carga de erros passados. Se oExecutivo for prudente e criterioso na aplicação de certas verbas, se se fizerem somente os gastosnecessários e se os serviços da Prefeitura forem rigorosamente fiscalizados, poder-se-ão obtersaldos parciais que reduzirão consideravelmente o déficit previsto.

Quando, daqui a um ano, o Legislativo novamente se reunir para examinar, discutir e votar aproposta orçamentária do exercício de 1938, terá ele maior experiência e melhor conhecimento dasituação dos negócios da Comuna, podendo então, com mais acerto e segurança, tomar resoluções emedidas tendentes a restabelecer o equilíbrio orçamentário.

A nova lei que regula a cobrança da dívida ativa ampliou os casos em que é permitido ocancelamento e a redução dos débitos, favorecendo os contribuintes em situação financeira precária,e suprimiu vantagens ilegais e absurdas que eram atribuídas a certos funcionários municipais.

Page 19: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Outra medida legislativa de inegável alcance social é a que estimula a construção de casasdestinadas a operários obrigando os proprietários, para poderem gozar dos favores por elainstituídos, a submeter-se à tabela de aluguéis constante da mesma lei. Os operários poderão, dessaforma, com aluguéis inferiores aos correntes, habitar casas confortáveis. Não é uma lei completa. Éapenas um ponto de partida, o primeiro passo para uma série de medidas mais amplas. O quedesejamos é que o operário se tome dono da sua moradia.

A Câmara, certamente, há de atingir esse objetivo com providências legislativascomplementares que serão oportunamente estudadas.

Para realizar as obras de saneamento do 4o Distrito, a Câmara autorizou o Executivo arealizar uma operação de crédito no valor de 5.000 contos de réis. Reservou-se ao Legislativofaculdade de examinar, no momento azado, as condições do empréstimo e da realização das obras.E de se prever que a Câmara consoante o critério firmado em outros casos análogos, estabeleça oregime da concorrência, quer quanto à operação de crédito, quer quanto à execução das obras.

O projeto de lei ontem votado pela Câmara relevando os contribuintes, em atraso, dasmultas, comissões e outras taxas de cobrança, desde que satisfaçam os respectivos débitos até 31 dedezembro, é também uma medida de grande alcance fiscal, pois oferece aos devedores da FazendaMunicipal nova oportunidade de liquidarem as obrigações fiscais sem maiores ônus, lucrando oscofres municipais com o aumento da arrecadação decorrente dos favores instituídos.

Questão não menos importante, apenas aflorada pela Câmara na presente reunião, é areferente ao abono ao funcionalismo municipal.

O abono deve beneficiar, precipuamente, os funcionários de médio e de pequeno salários.O ideal seria ter um quadro de funcionários reduzido, mas bem remunerado, e,

conseqüentemente, íntegro e eficiente. O funcionário mal pago é um homem revoltado, displicente,inerte, quando não propenso à prevaricação, e, portanto, inútil e prejudicial.

Infelizmente, o número e a seleção dos funcionários não obedecem ainda às necessidades eaos interesses da administração, mas a conveniências e a injunções políticas. Uma dasconseqüências desse regime, mais ou menos generalizado, consiste em ficarem, às vezes, osfuncionários capazes, operosos e independentes, marcando passo, enquanto os epistolados e ossabidos fazem carreira com prejuízo para a administração.

Não se pode esperar e muito menos exigir de um funcionário, preterido na promoção,prejudicado nos seus direitos, mal recompensado nos seus esforços, nem amor ao emprego nemdedicação ao serviço. O tratamento desigual e

as injustiças tirar-lhe-ão todo o estímulo e a iniciativa limitando o seu trabalho ao mínimoindispensável à estabilidade no cargo.

Os vencimentos do funcionalismo devem ser ajustados às condições da existência, para queesta se tome relativamente desafogada, decente e digna.

Ora, são precisamente os funcionários de pequeno e médio salários os mais castigados pelasaperturas da época. A eles deve, portanto, atender, em primeiro lugar, o município.

Entendo, por isso, que o abono deverá ser extensivo a todos os servidores da Prefeitura,compreendidos na classe média e inferior, mas àqueles que efetivamente prestam serviços,excluídos os que a malícia popular cognominou “deputados da Prefeitura” e cuja atividade, segundoconsta, só se manifesta na percepção dos vencimentos no fim do mês. A esse conviria, quanto antes,cassar o mandato...

Com relação aos agentes do tráfego, parece-me que o abono não poderá ser inferior a150$000 mensais, conforme emenda que ofereci ao projeto.

Os agentes do tráfego são os funcionários mais sacrificados. Os demais exercem suasfunções, pelo menos ao abrigo das intempéries. Os agentes do tráfego, porém, chumbados noencruzamento das ruas, sofrem as inclemências do tempo e das estações. São candidatos àtuberculose e a outras enfermidades.

Percebem, mensalmente, 250$000. E, como se vê, um salário de fome, um saláriodesumano, não condizente com a natureza do trabalho.

Page 20: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

A população da capital não tem servidores mais úteis. Eles velam dia e noite, ao sol, ao frioe ao calor, pela segurança das pessoas que se movimentam nas ruas. Não é justo, pois, que,enquanto outros funcionários percebem comodamente e sem esforço, de 3 a 4 contos por mês,podendo ainda exercer por fora a profissão, os agentes do tráfego percam a saúde e muitas vezes avida no cumprimento dos seus pesados deveres e isso, humildemente, resignadamente, sem nuncaformular um protesto, sem enviar uma queixa, sem dirigir um pedido aos Poderes Municipais.

Creio que todos os meus nobres colegas hão de convir em que a elevação do abono aosagentes do tráfego, de 40$000, segundo a proposta do Sr. Prefeito, para 150$000, é um dever dehumanidade, de justiça e de gratidão.

A Comissão Permanente há de, certamente, estudar com todo o interesse e carinho a questãodo abono, conciliando as justas aspirações do funcionalismo com as possibilidades orçamentárias.

No que se refere à ação do Executivo é de se esperar que corresponda, no mesmo grau, àpreocupação e aos esforços do Poder Legislativo em dar solução adequada às questões que secorrelacionam com o bem-estar e os interesses da população, pois é somente da cooperação e dacolaboração harmônica dos dois poderes que poderão advir resultados eficientes e úteis para acoletividade.

A cordialidade que sempre reinou nesta Casa, há pouco salientada pelo Sr. Presidente, entreos representantes da situação e os da oposição; a coincidência de pontos de vista na partesubstancial de quase todas as questões debatidas e das medidas postas em prática pela Câmara,fizeram, por assim dizer, esfumar as linhas divisórias dos partidos, para se formar aqui dentro umpartido único que tem como programa os interesses reais e legítimos da cidade.

Ainda há poucos dias, um dos vereadores da oposição teve a confortadora solidariedade damaioria, que, num gesto de rara elevação, nobreza e elegância moral e partidária, protestou contra aatitude de certos funcionários da Prefeitura que pretendem cassar-lhe o mandato.

Esse gesto, que jamais será esquecido, veio demonstrar que as afinidades psicológicasexistentes entre homens de bem criam liames morais que as tricas partidárias não logram desfazer.

Há sempre nos pontos de vista e nas atitudes dos homens retos, sejam quais forem as suasorigens ou filiações partidárias, um denominador comum, que o é o bem geral da coletividade.

Só os homens limpos e bem-intencionados podem encontrar esse ponto de intersecção detodas as vontades verdadeiramente orientadas para o bem e só entre eles são admissíveis e possíveisentendimentos sinceros e leais.

A oposição também deseja e espera ardentemente que este ambiente de cordialidade jamaisse altere e que a única preocupação de todos, nesta Casa, seja a de fazer qualquer coisa de útil e debom em prol de nossa cidade e da sua nobre e generosa, população."

A seguir, o Vereador Alberto Pasqualini, disse o seguinte:“Sr. Presidente, requeiro a V. Exa se consigne na ata dos nossos trabalhos de hoje, um voto

de louvor à Mesa da Câmara, pela maneira criteriosa e imparcial com que tem conduzido ostrabalhos.” (Muito bem! Muito bem!)

O SR. PRESIDENTE - Srs. Vereadores, preliminarmente, antes de pôr em votação aproposta do nobre representante da oposição, Sr. Alberto Pasqualini cujo nome sempre declino,nesta Casa, com o maior apreço e a maior simpatia, agradeço, em nome da Comissão Executiva, agenerosidade das suas bondosas expressões feitas à direção da Câmara Municipal.

Posta a votos a proposta do Vereador Pasqualini foi aprovada.

O SR. PRESIDENTE (Prosseguindo) - Vai ser suspensa a sessão por 5 minutos, a fim de serlavrada a ata de encerramento dos nossos trabalhos da 2ª reunião ordinária da 1ª legislatura.

O SR. PRESIDENTE - Está reaberta a sessão. O Sr. Secretário vai proceder à leitura da atada sessão de hoje.

O Sr. Secretário - Faz a leitura da ata que, posta em discussão, é aprovada, sem observações.

Page 21: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

O SR. PRESIDENTE - Está encerrada a última sessão da 2a reunião ordinária da 1a

Legislatura.Levanta-se a sessão às 21h30min.

Deixam de comparecer os Srs. Vereadores: Ludolfo Boehl e Salathiel Soares de Barros.

RIO GRANDE DO SUL. Câmara Municipal. Annaes da Câmara Municipal de Porto Alegre: 33ªSessão da 2ª reunião ordinária da 1ª legislatura. Porto Alegre, Globo, 18 nov. 1936. p. 1171-1178.

Page 22: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Saudação ao Presidente Getulio Vargas,em Nome do Departamento Administrativo

Devemos pré ferir que nos apontem os enganos a que nos aplaudam os êxitos,pois, para os que têm a responsabilidade dos negócios públicos, o erro é quase umdelito; o êxito, apenas um dever.

Senhor Presidente:O Departamento Administrativo que, neste momento, tem a honra excepcional de receber-

vos em sessão plenária, é uma delegação direta de vossa confiança e da vossa autoridade. Ele vosdeve, portanto, contas do mandato que lhe conferistes e da forma pela qual o tem exercido.

Órgão colateral dos Executivos estadual e municipais, a sua função na administração geraldo Estado se desenvolve precipuamente no exame e debate das iniciativas governamentais que. emrazão de sua natureza e relevância, postulem provimentos legislativos. Incumbe-lhe ainda avigilância das arrecadações e dos gastos públicos, o estudo e a proposição dos meios e processos deaperfeiçoamento da administração estadual e municipal, além de outras funções de caráterinformativo.

O Departamento Administrativo, no regime vigente, é o órgão que exerce a crítica daadministração estadual e municipal: crítica no sentido técnico da expressão, que é a forma maiselevada da colaboração e que consiste no discernimento das soluções mais adequadas aosproblemas administrativos e, às quais, só é possível chegar-se com segurança pelo confronto ediscussão das diversas formas de concebê-lo.

No desempenho dessas amplas e importantes atribuições, o Departamento Administrativo doRio Grande do Sul tem procurado realizar a finalidade e o espírito da lei que o instituiu, agindo comdiscrição, com objetividade suaviter in modo, fortiter in ré.

Entre ele e os demais órgãos da administração pública, estadual e municipal, a colaboração éa mais íntima, e o entendimento, o mais cordial.

Esse perfeito sincronismo de ação derivada identidade de orientação e de propósitos queanimam os responsáveis pela administração pública rio-grandense, o que não exclui a possibilidadede divergências acidentais no tocante ao modo de apreciar tecnicamente determinadas questões.Essas divergências, porém, são antes variações angulares sob as quais visamos os mesmos objetivose existem naturalmente onde cada qual conserva autonomia do pensamento e onde se nãomenospreza a nobre e elegante atitude do espírito, que consiste em admitir a possibilidade de quehaja acerto não só na própria opinião como também na alheia.

Devemos preferir que nos apontem os enganos a que nos aplaudam os êxitos, pois, para osque têm a responsabilidade dos negócios públicos, o erro é quase um delito; o êxito, apenas umdever.

A discussão das opiniões é ainda útil e salutar porque estimula o estudo mais cuidadoso eaprofundado dos temas administrativos, propiciando o descobrimento da melhor solução.

O essencial é que os pontos de vista se originem do estudo objetivo das questões, não comoacontece nas assembléias políticas onde as discordâncias, na generalidade dos casos, derivam demotivos e considerações absolutamente estranhos ao mérito dos assuntos debatidos.

O plano em que se exercem as atividades do Departamento Administrativo permiti-me a

Page 23: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

observação particularizada de todos os setores da administração pública estadual e municipal. ODepartamento pode informar que ela se realiza com segurança e com esforço cada vez crescente nosentido do aperfeiçoamento.

O Rio Grande tem muitas razões para felicitar-se e - por que não dizer -, tem razões paraorgulhar-se de ter na chefia de seu governo, secundado por um ativo e brilhante secretariado, umdos mais ilustres soldados do nosso Exército, o nobre e culto Cel. Cordeiro de Farias. Essas razõesaparecerão um dia mais vivas, quando, realçadas na perspectivado tempo e, talvez, da saudade, osrio-grandenses puderem melhor avaliar os serviços que lhe foram prestados, lealmente,impessoalmente, sem reclame, sem o alarde que é a ressonância da tolice e o mecanismo dacompensação da mediocridade.

Tem sido comum propósito do governo e do Departamento aperfeiçoar a administraçãopública e assentá-la em bases racionais.

A normalização das finanças do Estado e dos municípios e a solução das questões que lhesão conexas, em que se inclui a equitativa e não antieconômica distribuição dos encargos fiscais e aboa aplicação das rendas públicas, constitui uma das preocupações fundamentais da administração.Podemos sincera e honestamente assegurar que a situação financeira do Estado, malgrado asdificuldades oriundas de um período de desgoverno, tende rapidamente para a regularidade, semprejuízo da integral execução do plano administrativo traçado. O déficit que, possivelmente, oorçamento de 1941 ainda usará, será um déficit nominal. Em geral os orçamentos públicoscostumam ser equilibrados na previsão e deficitários na execução. Com o orçamento do Estado dar-se-á o fenômeno inverso: será ele deficitário na previsão, mas tenderá a equilibrar-se na execução.Poderíamos, sem pecar contra a técnica orçamentária, estabelecer a equivalência aritmética entre areceita e a despesa; preferimos, porém, conservar o déficit para que ele seja uma advertência e umaexortação constante à prudência e à moderação nos gastos.

A máquina administrativa estadual está sendo ativamente remodelada. Não ignoramos queexistem falhas e deficiências em certos setores e organismos administrativos.

O Governo do Estado, porém, com a colaboração deste Departamento, está firmementeempenhado em corrigi-las.

Esperamos vencer a rotina e a burocracia, eliminando o desperdício de meios e de energia.A administração pública não deve ter o aspecto e os movimentos lerdos dos organismosanquilosados, mas deve funcionar com o máximo de eficiência, de agilidade e de economia.

Temos a certeza de que, brevemente, todos os serviços públicos autárquicos, semi-autárquicos ou centralizados funcionarão sinergicamente dentro de suas verdadeiras finalidades,produzindo, o máximo de benefício econômico e de rendimento administrativo.

Finanças sólidas e administração bem organizada constituem as duas condições essenciais, abase e o ponto de partida de qualquer programa de administração intensiva.

Podemos afirmar com segurança que, se se persistir na atual orientação e se se mantiversempre vivo o senso crítico, que é o mecanismo de prevenção e de correção dos erros, dentro decurto período o Rio Grande do Sul terá resolvido satisfatoriamente todos os seus problemasfundamentais.

Desejamos que o Estado seja o ponto de apoio, o coordenador de todas as iniciativas eatividades úteis à coletividade, um instrumento não de opressão mas de defesa de todos os direitos.

Desejamos que não se alterem a paz e a concórdia entre os rio-grandenses e que todos elesse sintam livres, seguros e confiantes, encarando o poder público e os seus agentes não comsuspeita e inquietação, mas como a garantia do seu próprio bem-estar. Tudo será perfeito se osgovernantes governarem com mentalidade de governados e se estes elegerem os governantesárbitros dos seus interesses e das suas necessidades.

Temos, por fim, sempre presente que a administração pública deve ter paredes de cristalpara que cada um possa verificar como foi empregada a contribuição que lhe exigiu o poderpúblico.

Por esses princípios temos orientado a nossa ação e é sob a inspiração deles, Sr. Presidente,que desejamos continuar a prestar-vos o nosso leal concurso na objetivação do vosso e do nosso

Page 24: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

grande sonho e que é a construção moral e material de uma grande e forte nação. Grande e forte,não para oprimir outras nações, mas para cooperar com elas na realização dos grandes ideais dahumanidade.

É também com essa disposição de ânimos que estamos decididos a praticar o Estado Novoporque o compreendemos e o interpretamos não apenas como alteração de organização política,mas, principalmente, como renovação de mentalidade, de orientação governamental e de métodosde administração. Estes devem assentar em princípios técnicos, devem ser ditados pelo interessepúblico e não por conveniências pessoais ou político-partidárias.

A própria constituição política do país deve ser o sistema fundamental dos processostécnico-jurídicos mais aptos a realizar o constante ajustamento da sociedade às novas condiçõesespirituais e materiais da vida. O Estado é a integração desses processos e está para a coletividadecomo o sistema nervoso para os seres animados. Ele deve, portanto, ser estruturado de tal forma quepermita a pronta e rápida percepção das necessidades de todas as partes do organismo social eassegure a rapidez das reações específicas destinadas a satisfazê-las. O Estado é, essencialmente,um órgão de ajustamento e equilíbrio social.

Nos organismos superiores, quando há falhas no sistema de relação e de coordenação, dá-sea ruptura do equilíbrio entre o organismo e o meio, o que pode acarretar o prejuízo e até adestruição daquele. Fenômeno análogo acontece com as sociedades quando há defeitos no seuaparelhamento de defesa e no seu mecanismo de adaptação nos diferentes momentos históricos doprocesso evolutivo.

Creio ser essa a filosofia do Estado Novo e sua justificação histórica.Ele não é uma ameaça à liberdade individual, mas pretende ser a garantia da liberdade

dentro dos princípios da justiça social e dos interesses nacionais.Não pode haver liberdade para a prática da injustiça e da iniqüidade. O individualismo

exagerado conduz à opressão dos fracos e é uma tese da plutocracia. O outro extremo, a anulaçãodo indivíduo e o aniquilismo da personalidade, é obra da barbaria e do despotismo. A personalidadee a dignidade humanas devem ser respeitadas, a liberdade individual precisa ser assegurada, mas amedida e o critério da liberdade é o interesse social. O indivíduo é livre, porém ele deve ver e medira sua liberdade não com seus olhos e as suas medidas, mas com os olhos e o estalão da coletividade.

Esses postulados acham-se inscritos na Constituição de 10 de novembro de 1937. Comoconsequência lógica, instituiu ela os processos considerados mais adequados a garantir a suaexecução prática. Se o Estado Nacional é forte, ele o é para defender o direito e não para destruí-lo.O direito, porém, que ele defende é o conjunto das condições que garantem a cada um uma justaparcela na distribuição dos bens da civilização.

Afirma-se que um dos característicos do Estado Nacional é o de ser autoritário. Estequalitativo exige interpretação. Autoritarismo não é aqui, como vulgarmente se supõe, sinônimo dearbítrio e ilegalismo. Estado autoritário é o Estado provido dos meios eficazes do cumprimento desua missão. Estado autoritário é sinônimo de Estado ativo em contraposição ao passivismodeterminado pela supremacia do indivíduo.

A ampliação da esfera da atividade estatal é uma decorrência do ritmo, do estilo da vidamoderna e da complexidade crescente dos seus problemas. Estado autoritário não significa, pois,arbítrio governamental, mas uma maior sensibilidade e uma maior reatibilidade no ajustamentocontínuo dos interesses individuais aos interesses coletivos.

Somos democratas e o nosso regime é democrático, mas a democracia não deve procedercomo o homem insensato da Escritura que foi aconchegar e aquecer ao calor do peito as víboras queencontrara enregeladas no caminho.

A democracia, se quiser sobreviver, deve ser menos piedosa e, diante dos perigos que aameaçam, munir-se dos necessários meios de defesa.

A nossa época é essencialmente socialista, e o nosso socialismo, o socialismo brasileiro, nãose caracteriza pela trituração do indivíduo na máquina do Estado, mas pela cooperação harmônicadas partes com o todo. O Estado é o órgão que realiza o sistema da cooperação nacional.

Na essência de todas as concepções e movimentos políticos sociais modernos é essa a idéia

Page 25: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

fundamental que reponta e que procura consubstanciar-se. Existe no mundo uma aspiraçãogeneralizada, um desejo, um ideal de justiça social em busca das formas de materializar-se. Essesentimento tem força muito superior aos interesses e às vontades individuais e vai abrindo caminhopor entre as resistências do egoísmo como a planta por entre as pedras que a oprimem no solo ondebrota. Felizes os povos quando homens superiores de aguçada esthesia política, sintonizam comesse ideal e o realizam sem perturbar o ritmo social. Desgraçadas as nações quando lhe servem demédium naturezas deformadas e patológicas, cujas reações desordenadas e cujos excessos podemcomprometer a própria civilização. Essas nações, como pêndulos violentamente sacudidos,oscilarão em busca de equilíbrio até que desapareça a mão que as conturba.

A vossa sensibilidade política. Senhor Presidente, pressentiu, na agitação do mundo, o pontode equilíbrio, sem oscilar nos extremos. Em linguagem hegeliana, poderíamos dizer que, nopanorama político social - brasileiro de 1937, o individualismo era a tese; os extremismos, aantítese; vós. Senhor Presidente, realizastes a síntese.

Extraordinárias - escreveu Cícero na República - são as transformações e as mudançascíclicas que se operam nas estruturas dos Estados. Estudá-las é função do sábio; pressenti-las,prevê-las. moderar-lhes a eclosão e ritmar-lhes o curso, é missão de um grande estadista inspiradopor Deus.

Nenhuma doutrina política é totalmente verdadeira nem totalmente falsa. A sabedoriaconsiste precisamente em extrair e aproveitar de cada uma o seu teor de conveniência e de justiça.

O regime instituído pela Constituição de 1937 é capitalista. Mas não totalmente capitalista,porque não admite o predomínio do capital sobre o trabalho, nem a exploração do fraco pelo forte.As relações entre o capital e o trabalho estão assentadas num plano de harmonia e cooperação e nãode subordinação. Em princípio, os meios de produção são privados. Pode, porém, o Estado, emdeterminadas circunstâncias, quando o interesse nacional o exige, subtrair esses meios da livreconcorrência e socializá-los.

O regime instituído pela Constituição de 1937 é corporativista. Não é, porém, totalmentecorporativista, porque o seu corporativismo é econômico e não político.

O regime instituído pela Constituição de 1937 é democrático, mas a democracia não é ultra-individualista, liberal e contemplativa. E ela lateralmente temperada pela instituição corporativa e,centralmente, pelo intervencionismo estatal e pelo reforçamento do Poder Executivo.

Se alguém perguntasse se é este o regime verdadeiro responderíamos que, filosoficamente, apergunta não tem sentido, porque não há, em tese, regimes verdadeiros ou falsos. Há regimes queconvêm ou não convêm a um determinado momento histórico, que se adaptam ou não se adaptam auma determinada nação.

Os regimes políticos, como instrumentos de adaptação do organismo social às condiçõeshistóricas, são funções do espaço e do tempo, variam, alteram-se, retificam-se, aperfeiçoam-se. Enecessário até que haja um certo coeficiente de elasticidade para facilitar em todas as circunstânciasessa adaptação.

Uma carta política define-se, pois, pelas suas coordenadas históricas e deve ser julgada,dentro do espírito e das necessidades da época, pelas suas idéias nucleares, pelas suas diretrizesfundamentais, pelo seu conteúdo social.

Creio que a melhor apologia que se possa fazer da Carta constitucional de 1937, comoestruturação política e social reclamada pelo momento histórico, seja dizer-se que os seus princípiosbasilares já se haviam imposto entre nós muito antes de ser ela outorgada.

Se fosse lícito ao humilde intérprete do Departamento ilustrar a tese com uma documentaçãopessoal, pediria vénia para repetir as seguintes palavras proferidas no momento em que um grupo demoços cheios de ideais e de ilusões transpunha os umbrais da academia e tomava uma atitude diantedos problemas da vida.

“Estamos vivendo o período de doutrinação que precede às grandes transformações sociais.A consciência coletiva já começa a perceber que a organização política e econômica da sociedadeatual não corresponde às suas necessidades materiais e aos seus postulados morais.

Nenhum homem, sincero e probo, poderá assegurar que a constituição política da sociedade

Page 26: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

moderna e o seu regime econômico estejam calcados sobre a idéia de utilidade geral, de bemcoletivo, que constituem o ideal de justiça. Só os espíritos superficiais, ou os caracteres torpementeegoístas, poderão considerar justa a situação de milhões de desafortunados a quem uma organizaçãosocial deficiente e aberrante da equidade dá, em troca de trabalho e de sofrimento, a incerteza dopão de cada dia.

Não. A justiça não é a utilidade do mais forte, como proclamava cinicamente o sofistainterlocutor de Sócrates.

A justiça deve ser, como a definiu o filósofo que a história apelidou divino, a expressão daharmonia universal. Para que reine a ordem e a harmonia na sociedade é necessário que se areforme, que se não pretenda, levianamente, deter a evolução que normalmente se deve operar. Epreciso orientar e dirigir as forças sociais, perscrutando e prevendo cientificamente o termo a que sedirige. E mister não obstar-lhes insensatamente o desdobramento, para que, acumuladas epotencializadas, não explodam formidáveis e irresistíveis, revertendo violentamente instituições earruinando coletividades.

Em todos os momentos históricos da sociedade, em todos os pontos da curva evolutiva, asua constituição econômica e política deve ser a mais adequada à diferenciação das funções quenela se opera e ao desdobramento rítmico de todas as atividades. Se a harmonia cessa de existir, sese rompe o equilíbrio funcional, a sociedade, necessariamente, se perturba e se debate, como sucedenas regiões atmosféricas, quando o equilíbrio barométrico agita as camadas aéreas, deslocando-as,revolvendo-as, convulsionando-as, desencadeando, enfim, os tufões e as tempestades.

É necessário que a organização econômica, o regime da produção, o sistema político ejurídico evolviam incessantemente com a própria sociedade. Mas o processo deve ser lento eprogressivo.

Não é de crer-se, por isso, que esse objetivo possa ser alcançado com programas trágicos ecom revoluções apocalípticas; com doutrinas que pretendam destruir e aniquilar, em vez de integrare construir; com sistemas que visem eliminar uma das causas de injustiça social, implantando outra,quiçá mais perigosa e mais temível. A revolução é sempre o equivalente da opressão e, portanto,padece dos mesmos erros, dos mesmos vícios e das mesmas iniquidades.

Há, por outro lado, quem entendia que o máximo que se podia atingir, econômica epoliticamente, foi alcançado pela Revolução Francesa, que proclamou a igualdade de todos perantea lei. criando a democracia baseada no conceito de cidadão.

Esquecem, porém, como observa vim sociólogo moderno, que o cidadão, como enteprimogênito da soberania política, não existe nem pode existir nos tempos atuais. O cidadão, comoexpressão política, só era possível na antigüidade clássica, porque o trabalho produtor eraexclusivamente realizado pêlos escravos, permitindo aos civis, uma intensa e exclusiva atividadepolítica.

Hodiernamente, o cidadão é uma ficção legal, porque, sob as suas aparências, existe arealidade que é o indivíduo, como elemento integrante de um sistema econômico diverso. E preciso,pois, descobrir uma organização social que, sob o ponto de vista econômico, seja baseada narealidade da produção, e, sob o ponto de vista político, seja a expressão de ficções legais,metafísicas, mas de todas as atividades ou funções orgânicas da sociedade.

Só assim se realizará a justiça econômica, a justiça política, a justiça social, que sempre foi oideal dos filósofos e o ideal consciente ou subconsciente da sociedade.”

Essas palavras, pronunciadas há quase doze anos, constituem um indício de que, já antes daRevolução de 1930, tinham curso entre a mocidade as idéias que deveriam mais tarde encontrarexpressão na Carta de 1937 e na admirável e avançada legislação social do País.

Mas se os regimes, seja qual for a sua natureza e o seu estilo, são funções do espaço e dotempo, algo deve ser invariante em todos eles; logo, é o próprio espírito que os toma fecundos esem o que não passarão de fórmulas estéreis e vazias. Esse algo, esse quid vivificador, é a vontadefirme e constante dos governantes e governados, de praticá-los honesta e sinceramente e de orientarno serviço da Pátria os seus pensamentos e as suas ações sub spicieaeternitates. A pátria é eterna eestá acima dos homens e de suas criações efémeras, como o firmamento está acima das nuvens que

Page 27: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

às vezes o toldam e o obscurecem mas que em seguida se desfazem tangidas pelo vento.Esses são os propósitos, esses são os sentidos, que nesta hora. Senhor Presidente, unem a

todos os rio-grandenses de boa vontade.Extirpado o caudilhismo, que menos nos oprimia do que nos desagradava, transformou-se o

potencial de nossas energias polêmicas em energias orgânicas de trabalho e de reconstrução. O RioGrande transfigurou-se. O Rio Grande das turmas rodoviárias, das fanfarronices e das ameaçasridículas, o Rio Grande caudilhesco - revivescência anacrônica e caricatural de tempos heróicos -esse Rio Grande desapareceu para sempre e jamais reviverá, porque o Rio Grande, sem deixar deser heróico, quer ser aquilo a que o votou a sua destinação histórica: uma expressão racional detrabalho, de cultura e de civilização.

A quem deve o Rio Grande a realização do seu maravilhoso destino?Responde o povo. Senhor Presidente, nas consagrações que vos tem tributado. Ele vos diz

que enquanto a gratidão não se apagar do coração dos homens, a sua dívida para conosco seráimprescritível e irresgatável.

Quando aqui lutávamos não pela supremacia de partidos ou de homens, o que seriasubsterno, mas para integrar o Rio Grande na civilização, a mocidade nos exortou: “libertai o RioGrande e tereis o seu coração!”

Vós acudistes e aqui tendes nossos corações, são corações altivos, e por isso mesmo,corações leais.

Corações altivos, sim, corações altivos! Porque não seria digno de um grande e nobre chefecomandar homens que não marchassem de cabeça erguida e não trouxessem nos lábios o quesentem no coração!

O Rio Grande contou convosco numa das horas mais sombrias do seu destino. Podeis estarcerto de que essa certeza jamais vos decepcionará!

PASQUALINI, Alberto. A homenagem do Departamento Administrativo ao Chefe da Nação.Correio do Povo, Porto Alegre, 17 nov.1940.p. 7,13.

Page 28: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Ditaduras

O que um regime tira ao povo em liberdade deve restituir-lhe em benefícios deoutra natureza.

Os problemas sociais, políticos, econômicos e administrativos do estado moderno sãodemasiadamente extensos e complexos para que um único homem os possa apreender na suatotalidade, descobrindo-lhes e prescrevendo-lhes soluções adequadas ou que, pelo menos, mais sepoderiam aproximar de soluções teoricamente ideais.

Há, sem dúvida, indivíduos dotados de grande vigor mental, de considerável poder deintuição, mas não há gênio capaz de abranger o polimorfismo das questões, de apanhar-lhes todosos aspectos, de perceber-lhes todos os sentidos, de prever todas as situações futuras e de antecipar-lhes a solução.

A multiplicidade dos temas e das funções estatais exige a divisão do trabalho e toda umaorganização de técnicos e de especialistas; requer ainda a crítica das soluções propostas e o controlede sua execução. A ação governamental só pode ser, por esse motivo, um trabalho de cooperação.

A crença de que um único homem é capaz, com a sua onisciência e a sua infalibilidade, deconduzir um povo é tão ingênua como a que imagina o imperador Hiroito filho do céu.

As duas suposições têm, aliás, a mesma origem psicológica e derivam da concepçãoprimária, mítica, mágica ou divina do chefe e do poder.

Em todas as coletividades humanas, por mais primitivas, existe um princípio de ordem e dedireção que se materializa no seu tipo de organização social, política e jurídica. A formação docomportamento social e o poder de assegurá-lo estão intimamente ligados.

Nas sociedades primárias, as duas funções se acham em estado de indiferenciação e reunidasna pessoa do chefe, que é, ordinariamente, o membro mais forte, isto é, dotado de maior poderfísico, mágico ou psíquico. A autoridade tem a sua origem na maior capacidade de condução dogrupo, revelada através de feitos guerreiros, venatórios ou mágicos. Em geral, as virtudes, quequalificam e determinam o chefe, estão em relação com as atividades predominantes do gruposocial, atividades que lhe caracterizam o modo de vida e condicionam a segurança.

Nos povos envolvidos em constantes lutas, o poder e o chefe têm um caráter militar. Nospovos cujas condições geográficas lhes permitem uma existência pacífica, a organização do podertoma outro sentido.

Podemos, modernamente, observar a revivescência desse fato até na indumentária dosmonarcas. Nos países pacíficos usam preferentemente trajes civis, nos países belicosos oumilitarizados vestem predominantemente uniformes militares.

O poder tende a conservar-se buscando freqüentemente na mitificação o que lhe falta emoutras virtudes para justificar a sua permanência em determinada pessoa ou descendência. Aconcepção da origem divina dos reis é uma das manifestações desse fenômeno.

A mitificação ou divinização do poder, do governante ou do chefe representa, pois, umequivalente de capacidade e de autoridade na condução do grupo social.

Nas sociedades primitivas, a autoridade absoluta do chefe era um fator de coesão e deunidade da tribo; nas sociedades modernas, do tipo europeu, o monarca passou a ser apenas o

Page 29: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

símbolo dessa unidade.A medida que as coletividades humanas evoluem, o poder tende a despersonalizar-se,

transferindo-se do indivíduo para grupos, castas ou classes e destas para todos os membros dasociedade. Segundo as concepções modernas, a soberania ou poder político reside no povo isto é namassa dos cidadãos e o seu exercício é apenas delegado aos indivíduos. E como se caracterizaformalmente a democracia representativa.

A estrutura democrática pode diversificar neste ou naquele país segundo o estilo dosmecanismos instituídos, as suas correlações e o modo de distribuição e de controle do poder pelosdiferentes órgãos.

Acontece freqüentemente que a concepção democrática não é bem assimilada pelasociedade organizada de acordo com os seus princípios e os seus modelos ou é pouco assimilávelpor deficiência de um teor mínimo de cultura, condição fundamental da democracia. Outras vezes, amáquina democrática falha na sua missão de conduzir o Estado por excesso de atrito entre asengrenagens do sistema, por excesso de partidarismo e de individualismo, por falta deadaptabilidade às novas condições de existência coletiva e não raro pela ausência de sintonismoquando não pela existência de verdadeiro divórcio entre as aspirações e os interesses do povo e aconduta dos seus representantes, os quais, de intérpretes de sua vontade e de suas necessidades,passam a ser advogados de interesses de grupos, trocando os deveres e as responsabilidades domandato popular pelo profissionalismo político e pelo negocismo.

A inadaptabilidade ocasional do sistema democrático, o desgaste de suas energias em lutas ecompetições estéreis, a decomposição moral dos órgãos de governo, a sua falta de coordenação, asua ineficiência e impotência ante os mais graves problemas sociais e nacionais, podem favorecer epropiciar, até nas sociedades mais civilizadas, surtos de primitivismo caracterizados pela regressãodo poder ao indivíduo e pela centralização da autoridade.

Nos momentos de crise, de desarticulação e descontrole das forças dirigentes, em que seexigem quase milagres para resolver certos problemas; nos momentos em que a nação se encontra,como diriam os psicanalistas, em situação traumática, o poder tende a condensar-se e revestir assuas formas originárias.

A concepção mítica do chefe quase divino é então substituída pela concepção mística dohomem-providência, que é a forma intelectualizada e modernamente estilizada daquela.

Hiroito, de origem divina, Hitler e Mussolini, "homens providenciais" parecem serhodiernamente, exemplos típicos de gradação dessas concepções.

Como decorrência lógica e natural, temos o “führerprinzip” do nazismo e o credere,ubbidire e combattere do fascismo, que também se traduz nesta outra fórmula, mais ingênua epopular, do “Mussolini há sempre ragione...”

E certo que, conceitualmente, tanto o nazismo como o fascismo se apresentam comoditaduras de Estado. Na realidade, porém I' Étaí c' est mói, isto é, o Estado é a projeção metafísicado "fuhrer" e do "duce", e o totalitarismo, com doutrina, é apenas a justificação teórica do ditador.

O fenômeno ditatorial tem caracteres e estilo próprios segundo as suas causas determinantese a sociedade em que se manifesta. Nos povos de certo nível cultural, o ditatorialismo postula,necessariamente, uma base ideológica, engendra uma mística reivindicatória e procurafundamentar-se num ideal ou programa político e social que se propõe realizar.

A doutrina cria adeptos, aderentes e interessados, e a ditadura se instala apoiada numpartido. A existência deste implica, de certo modo, a idéia esotérica e o reconhecimento de que opovo é a fonte e a origem do poder, captada e interpretada, porém, a sua vontade através das antenase das reações do ditador.

Mas, como os raios do partido têm como centro e fulcro o chefe, que lhes serve de suporte, odesaparecimento deste significará, a maioria das vezes, o esboroamento do partido e, portanto, dopróprio sistema.

Nas sociedades de baixo nível cultural, as ditaduras não precisam justificar-seideologicamente. Surgem por mero golpe da força e o ditador se torna o dono do país. São as quemais se aproximam da forma primária do poder. Dessa natureza foram às ditaduras caudilhescas

Page 30: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

centro e sul americanas, cuja formação podemos observar no curso da história dos povos daAmérica. O caudilhismo não possui idéias, mas apenas instintos. Qualquer justificação teórica nãosó seria supérflua como não teria sentido algum. No regime caudilhesco, a identificação entre ocaudilho e o Estado é absoluta e os dois patrimônios se confundem. Os esbirros e a capangagemsubstituem os ministérios e os departamentos de propaganda.

Mas, se a personalização do poder é sempre uma ditadura, nem sempre a ditadura envolve,necessariamente, a personalização do poder.

Por essa razão (e aqui se podem cometer erros de apreciação), cumpre distinguir as ditaduras“regressivas”, de caráter puramente personalista, míticas, caudilhescas ou místicas, e as ditadurasque poderíamos denominar “técnicas”, como se instituíam na antiga Roma nos momentos de perigonacional e como se podem instituir ainda hoje quando circunstâncias excepcionais reclamem aconcentração da autoridade.

Surgem em condições históricas determinadas e com objetivos definidos, caracterizando-sepela sua transitoriedade e pela observância de certos princípios jurídicos fundamentais. Não visam àabolição do regime democrático; são antes meros parênteses senão episódios da própria vidademocrática.

A segurança nacional, a necessidade de reorganizar o país, de sanear as instituições, dehigienizar a administração, de restabelecer a harmonia e o sintonismo entre o povo e os órgãosgovernamentais, de obter a unidade e celeridade de ação, são, entre outras, as causas que podemdeterminar, em certo momento, a suspensão de certas liberdades e franquias, a concentração daautoridade, simplificando o mecanismo governamental e imprimindo maior agilidade e rapidez àssuas funções.

O Brasil, em 1930, e atualmente, na vigência do estado de emergência e na ausênciatemporária dos órgãos parlamentares, bem como as democracias envolvidas no conflito mundial,estão, em maior ou menor graus sob o regime de concentração de autoridade, ou tecnicamenteditatorial.

Nas ditaduras técnicas, o ditador não é um ente semi-divino, um iluminado, ou um caudilhoque se apoderou do estado por uma circunstância fortuita. E apenas um cidadão, um magistrado, umestadista, em quem a nação confia e reconhece, em determinado momento, as possibilidades e osatributos morais e intelectuais de coordenar as diferentes funções governamentais, imprimindo-lhes,sem delongas e sem dispersão de energias, um sentido único. As suas determinações não sãorevelações ou inspirações divinas, nem criações ex-nihilo, nem produto do capricho e do arbítrio,mas soluções estudadas por grande número de técnicos e de auxiliares. Por essa razão, não podem enão devem ter sentido personalista ou político.

A ditadura técnica não trabalha para o ditador, para um partido, para uma classe ou para umgrupo, mas para a nação. As suas tarefas são essencialmente construtivas e não policiais.

E certo que a ditadura originariamente técnica pode desvirtuar-se, degenerar e converter-seem ditadura de forma regressiva. Para isso, porém, devem concorrer dois fatores: o meio e ohomem.

Num meio relativamente estável, onde se possa desenvolver normalmente o espírito crítico,é pouco provável que um Júpiter ou um messias encontrem ambiente propício e ressonância para assuas atitudes e os seus delírios. E esse extraordinário sentido de equilíbrio, impregnado de humor ede espírito desportivo, que, mais do que a tradição, tomaria impossível nos povos anglo-saxões agerminação, a mise-en-scène e o misticismo dos regimes totalitários. Um Mussolini na Inglaterra ounos Estados Unidos seria algo de inconcebível.

Por outro lado, ainda que o meio possa, intrínseca ou acidentalmente, oferecer certascondições favoráveis a qualquer surto de caráter regressivo, não haverá perigo que isso ocorraquando o senso crítico estiver do lado dos governantes, quando forem realmente estadistas, quandosuas atitudes e suas ações denotarem elevado grau de equilíbrio interno, de experiência humana, desabedoria e também certa dose daquele ceticismo sutil que, sem tomar o homem descrente oucínico, lhe serve de mecanismo regulador das próprias reações e de blindagem filosófica contra apopularidade fácil e versátil, a subserviência e a insinceridade dos oportunistas.

Page 31: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Em nosso País, encarada a tese do ponto de vista sociológico, poderiam eventualmenteconspirar em favor de uma ditadura regressiva os seguintes fatores: o ciclotimismo latino, certastendências caudilhescas e o misticismo africano. A esses elementos potenciais e endógenos seacrescentaria, como força exógena e indutora, a existência de regimes dessa natureza em outrospaíses. Porque, toda inovação social e política realizada em uma nação tende a determinar, por umfenômeno de indução e de mimetismo, o mesmo processo em outras nações.

Dados, porém, os rumos da política nacional nos últimos anos, a rápida industrialização doPaís, a elevação do seu padrão cultural, a solução de inúmeros problemas sociais, a organizaçãoadministrativa em bases técnicas, o crescente contato com os povos anglo-saxões e, por fim, a atualsituação do mundo, o período de uma eclosão ditatorial de forma regressiva parecer haverdefinitivamente passado.

Por mais paradoxal que a muitos pareça, foi o golpe de Estado de 1937 que preservou entrenós a democracia. A concentração do poder então operada que ainda hoje subsiste foi à vacinaantógena polivalente contra o surto epidêmico das formas regressivas do poder.

Somente mais tarde é que poderemos compreender melhor toda a extensão e a significaçãodesta verdade. A tendência natural de cada um é apreciar os fatos através de detalhes e de pequenosinteresses. A crítica histórica, porém, deve examiná-los em conjunto, desprezando as frações.

Cumpre admitir que estamos muito longe da quinta essência da perfeição, que muitas causaspodem estar erradas ou que se poderiam fazer melhor. Tudo isso, porém, representa as oscilações dacurva e não a sua direção predominante e o seu sentido fundamental.

As ditaduras técnicas têm caráter construtivo; as ditaduras regressivas, como observaCambo, não possuem sentido orgânico, porque tudo podem criar, menos um novo ditador, isto é,um novo super-homem, dada a irreversibilidade dos fatos históricos.

A excelência de um sistema pressupõe, necessariamente, dentro de certos limites econtingências, a possibilidade de sua continuidade. Um regime de duração condicionada ao bomfuncionamento do fígado ou à resistência do miocárdio do ditador, que estabilidade pode oferecer ànação, cuja vida não se conta por dias, mas por séculos?

A ditadura técnica, por sua natureza, não apresenta o problema da sucessão do ditador,porque é transitória, evolui para a democracia cuja estrutura irá preparando, completando eaperfeiçoando à medida que for chegando ao termo de sua missão.

Há, entretanto, uma contingência a que estão sujeitas todas as ditaduras. E o que poderíamosdenominar o princípio da equivalência ou do equilíbrio político e que se poderia formular assim: oque um regime tira ao povo em Uberdade deve restituir-lhe em benefícios de outra natureza.

As ditaduras são regimes essencialmente de ação. Onde esta não puderem se desenvolver oufalhar, não poderão subsistir.

E a necessidade vital de ação que conduz as ditaduras regressivas à guerra. E então severifica, paradoxalmente, o mesmo fenômeno de liquidação das democracias ultraliberais: estassucumbem por impotência, deficiência de autoridade, por inação; as ditaduras desmoronam e seconsomem, autofagicamente, por excesso de poder e de ação. Quer umas quer outras parecem terem si mesmas o germe do próprio perecimento.

Mas, não será nesses movimentos cíclicos ou dialéticos, origens de crises e de infortúnios,de grandezas e de misérias, que residem, ao mesmo tempo, os mecanismos de auto-regulação e osfatores de equilíbrio interno das nações?

PASQUALINI. Alberto. Ditaduras. Correio do Povo, Porto Alegre. 11 jul. 1943. p.4

Page 32: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

O Sentido da Democracia

A democracia há de ser, antes e acima de tudo, produto da cultura, doperfeiçoamento moral, da homogeneidade de sentimentos, devendo encontrarinspiração permanente na disposição e no propósito de cada membro dacoletividade de concorrer com as suas criações espirituais e materiais paraaumentar o acervo de bens sociais e tornar mais humana e equitativa a suadistribuição.

Segundo um postulado do direito moderno, todo poder político emana do povo e só pode serlegitimamente exercido em nome dele e no seu interesse.

A Carta Política de 1937 inscreveu-o no seu artigo primeiro e, portanto, na pedrafundamental do edifício constitucional.

A força com que esse princípio se impõe à consciência universal pode ser apreciada naatitude dos amais condutores de povos, seja qual for o regime político em que atuam: todos eles,ditadores ou ultrademocratas, se declaram representantes do povo e intérpretes de sua vontade. Issovem demonstrar ser essa atitude a única legitimação possível da autoridade.

O povo, porém, não é uma entidade abstrata. E a soma de todos os indivíduos vinculados auma determinada coletividade política e, portanto, a soma de suas necessidades, de suas tendências,dos seus ideais, soma que não é uma adição de parcelas ou interesses heterogêneos, mas umaresultante geral e direcional que marca o diagrama evolutivo e cultural nação.

Se todo poder reside no povo, a posse e o exercício do poder contra a sua vontade, os seusinteresses será uma violência e uma usurpação.

Tem-se geralmente do poder político uma noção menos exata e freqüentemente deformada.Costuma-se representá-lo e imaginá-lo apenas por um dos seus aspectos: a possibilidade material deimpor coativamente certas determinações. Esta, porém, é somente uma de suas faces, a menosessencial. O poder, no seu sentido orgânico e substancial, é um fator de coesão e de cooperaçãosocial e se traduz numa pluralidade de funções: função de perceber as necessidades e aspiraçõescoletivas, de determinar, por assim dizer, o lugar geométrico onde os interesses individuais devemprojetar-se, fundir-se e integrar-se no sistema dos interesses coletivos; função de descobrir assoluções mais adequadas aos problemas que a evolução social suscita; função de estruturação, deorganização e de disciplina social e, por fim, função de ordenar e utilizar os meios materiaisadequados de efetivá-las e assegurá-las.

Vê-se, portanto, que o poder, no seu aspecto substancial, se confunde com o próprio direito.Onde não existe essa identificação, não há poder político nem poder jurídico, mas tirania, opressãoe simples abuso da força material.

Na história dos povos não é rara a anomalia que se caracteriza pela inversão funcional dosmeios e dos fins. Tal fato acontece, por exemplo, quando o sistema material e secundário da coaçãoe da força pretende ser um fim em si próprio, absorver e controlar funções que pertencem aosórgãos direcionais.

Uma das maiores dificuldades está em saber como e quando o comportamento dos órgãos demanifestação do poder, isto é dos governantes, exprimem realmente à vontade e os interesses do

Page 33: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

corpo social.Se se advertir que isso somente ocorre quando os agentes do poder são escolhidos por via de

eleição popular, ter-se-á resolvido apenas aparentemente à dificuldade, pois restará averiguar estaoutra questão de determinar como e quando certos cidadãos investidos de autoridade pública poresse modo poderão ser considerados como efetivamente escolhidos pelo povo.

Sabemos, por experiência quase universal e por experiência própria, que os métodos eprocessos instituídos para esse fim são quantitativa e qualitativamente falhos e que os resultadosfavoráveis dependem, principalmente, do grau de cultura do povo, e da menor influência de fatoresque os possam deformar ou comprometer.

Admitindo-se, porém, que a escolha se possa realizar em condições tecnicamente ideais eque a investidura no poder seja legítima na sua origem, esta condição não será ainda suficiente, poiscumprirá que o uso da autoridade continue a ser legítimo em todos os momentos do seu exercício.Se os governantes (entendendo-se o termo no sentido mais amplo), em dado momento, exercerem opoder contra os interesses da coletividade, sua posição se tomará ilegítima, ainda que tenha sidolegal ab origine. E necessário que, se mantenha sempre inalterável a consonância entre os atosgovernamentais e os interesses coletivos.

Ora, a única maneira pela qual é possível apurar a existência dessa plena correspondência eharmonia entre os interesses do povo e a conduta dos governantes, entre as necessidades easpirações daquele e as determinações destes, estará em assegurar a todos os membros dacoletividade a possibilidade de opinarem sobre o modo como devem ser conduzidos os negóciospúblicos e sobre as atividades governamentais.

Se fosse possível sobre cada assunto político e administrativo de certa importância obter opronunciamento da coletividade, teríamos a democracia direta. Isso, porém, não somente éimpraticável como nem todos os cidadãos estariam em condições de indicar, com plenoconhecimento de causa, as soluções mais adequadas para os problemas correntes.

O que é sempre possível e o que mais deve interessar é que se possa livremente manifestar aopinião esclarecida.

O sistema representativo, por si só, não conduz a esse desideratum, pois a existência de umapluralidade de órgãos governamentais oriundos do voto popular tem-se freqüentemente reveladoincapaz de assegurar o controle da opinião sobre a gestão dos negócios públicos.

Os parlamentares, sob o disfarce da representação popular, são, não raro, expressões deinteresses de camarilhas e a prática tem demonstrado que nem sempre os “representantes do povosão recrutados entre elementos moral e intelectualmente mais idôneos”.

É necessário, portanto, que no meio social existam e se desenvolvam outras formas deexpressão dos sentimentos e dos ideais coletivos e é principalmente necessário que exista sempre apossibilidade de manifestação da opinião esclarecida sobre todos os assuntos públicos cuja soluçãoexige estudo e sabedoria.

Onde os atos governamentais podem ser livremente examinados e discutidos, onde asmedidas governamentais não são o produto do arbítrio ou do capricho de uma ou mais pessoas, massão estudadas, pensadas tecnicamente assentadas e executadas; onde os governantes, ressalvadasnaturalmente certas restrições que as circunstâncias podem aconselhar no interesse da própriacoletividade, asseguram a todos os cidadãos a faculdade de exporem os seus desejos e as suasnecessidades, de defenderem os seus pontos de vista, de indicarem e sugerirem as medidas maisadequadas para resolver determinadas situações, de apontarem os erros e os enganos para seremretificados e corrigidos, de reclamarem contra abusos da autoridade para serem reprimidos; onde osgovernantes se colocam na posição de prepostos, mandatários, gestores da coisa pública ou, numapalavra, de servidores e não de senhores do povo ou dominadores e árbitros absolutos dos seusdestinos, aí existe, realmente, no que respeita às relações entre governantes e governados, umregime democrático.

Não basta para caracterizar um governo democrático que se tenha originado e constituídosegundo determinadas fórmulas. E necessário que, a todo instante, a ação governamental sedesenvolva no plano exclusivo dos interesses coletivos, que exista uma perfeita sintonização entre

Page 34: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

os seus propósitos e as aspirações do povo, entre as suas realizações e as necessidades econveniências nacionais.

O poder se legitima muito mais pelo espírito com que é exercido do que pela forma comofoi alcançado. Se assim não fosse, nenhuma revolução se poderia justificar e diante dos desatinos edos abusos dos governos legais ou constitucionais só haveria o remédio da submissão e daresignação. O povo se legitima ou não pelos sensatos.

Como e quando, porém, se poderá afirmar que determinado governo age em consonânciacom os interesses coletivos?

O juiz dessa conformidade só pode ser, evidentemente, o próprio povo, isto é, a opiniãohonesta e esclarecida. Por isso, a democracia reside substancialmente na possibilidade de todos oscidadãos idôneos e capazes de se pronunciarem com correção e espírito patriótico os problemasnacionais, os atos do governo, a conduta dos governantes, afim de aprová-la, desaprová-la e retificá-la. A crítica é condição fundamental da democracia.

Um governo será tanto mais democrático quanto mais se orientar pela bússola da opiniãosensata, quanto mais direto e mais extenso for o seu contato e a sua articulação com os órgãos deextrinsecação da vontade e dos sentimentos coletivos.

O estado é o sistema nervoso da nação e o governo deve ser o órgão central desse sistema,recolhendo, interpretando e coordenando as atividades e reações do corpo social. Um governo semmeios de informação popular seria como um organismo desprovido de órgãos sensoriais. Sem podercontrolar as suas próprias reações, sem pontos de referência com a realidade, viveria, e agiria dentrode uma espécie de “autismo” ou de delírio alucinatório.

Entre os mais eficazes meios de expressão popular e de intercâmbio de idéias está aimprensa. A Constituição vigente lhe atribui função de caráter público. Creio que podemos agoracompreender e interpretar melhor o sentido dessa função.

Não deseja a Constituição que a imprensa se transforme em instrumento de propagandapessoal e de louvaminha dos governantes, o que seria deprimente. O que quer a Constituição é que aimprensa seja uma tribuna honesta e responsável, onde se traduza o verdadeiro sentir do povo, onde,dentro do mais elevado espírito de entendimento e de colaboração, governantes e governados falema linguagem clara da sinceridade da verdade e do patriotismo e acertem o rumo dos negóciospúblicos.

Quão maiores e mais numerosos forem os meios de expressão popular, maiores e maisextensas serão as fontes de informação dos governos e maiores serão também, portanto, asprobabilidades de que se conduzam com acerto e sabedoria.

A intercomunicação de governantes e governados, a influência e participação direta e ativada opinião esclarecida na gerência dos negócios públicos, a crítica objetiva e impessoal daorientação geral do governo e da administração, seria como que o comício permanente onde,segundo a clássica frase de Renan, se realizaria o plebiscito de todos os dias.

O problema da democracia é, portanto, a formação de uma consciência esclarecida, amultiplicação e a Uberdade dos seus meios de expressão.

Sem um ingente trabalho educacional, que ainda está por ser começado, que eleve o nívelcultural do povo, que aumente a capacidade do seu juízo crítico e a faculdade de autodeterminar-se,a democracia continuará sendo uma palavra vã de que se servirão os aventureiros e espertalhõespara iludi-lo e para mascará-lo, mascarando, sob o disfarce do bem geral, os seus próprios interessese ambições.

A democracia não é apenas a sonoridade e a sedução de uma palavra nem pode ser realizadacom fórmulas ingênuas e anódinas. A democracia há de ser, antes e acima de tudo, produto dacultura, do aperfeiçoamento moral, da homogeneidade de sentimentos, devendo encontrarinspiração permanente na disposição e no propósito de cada membro da coletividade e de concorrercom as suas criações espirituais e materiais para aumentar o acervo de bens sociais e tomar maishumana e eqüitativa a sua distribuição.

Para isso, é preciso reformar as concepções egoístas e primárias e substituir a mentalidadeagressiva de luta pela vida - que é a forma individual do imperialismo como o imperialismo é a

Page 35: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

forma internacional do egoísmo e onde há poucos vencedores e muitos vencidos - pela idéia decooperação social e de fraternidade.

A função do Estado será coordenar os fatores dessa cooperação e instituir a técnicadestinada a assegurá-la e a aperfeiçoá-la.

É possível que tudo isso seja utopia, mas é uma utopia generosa, que vive nos ideaishumanos e de que já se vislumbram os albores.

O dever das gerações presentes é preparar e educar as gerações vindouras no espírito dessautopia para que todos os povos formem um dia a Grande Democracia que irmanará a todos oshomens e onde não haverá mais tanques nem canhões, nem sangue, nem lágrimas.

PASQUALINI, Alberto. O sentido da democracia. Correio do Povo, Porto Alegre, 27 jun. 1943.p.4.

Page 36: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

As Leis e as Mulheres

As leis e as mulheres são fiéis somente a quem as sabe compreender e interpretar.

Um amigo, estudioso de assuntos sociais, deu-se a pena de me enviar um comentário sobreum artigo publicado domingo nesta folha.

Na carta que me enviou, e que aqui não transcrevo, porque não estou a isso autorizado,declara-se socialista. No socialismo, assegura-me ele, está à salvação dos povos e do gênerohumano.

Também acredito que assim seja. Todos, intimamente, com maior ou menor clareza econvicção, assim pensamos. Onde, porém, surge à dificuldade e se manifestam às divergências é namaneira de compreender e de conceituar o “socialismo”.

De socialismo existem muitas variedades e concepções, o que torna imprecisa a idéia e vagoo termo. Werner Sombart no seu famoso livro “Deutscher Sozialismus” (de que Deus e a RAF nosguardem), catalogou 184 qualificações diferentes ou variantes de socialismo e um autor inglês,Griffith, por ele citado, colecionou nada menos de 261 acepções diversas da palavra só em autoresde língua inglesa.

Esta é a razão pela qual a polícia, em todos os países, não se preocupa com o substantivo,mas implica freqüentemente com o adjetivo...

Certa vez um fazendeiro da fronteira, que possui um coração cheio de boas intenções esetenta quadras de sesmaria lotadas de herefords, declarou-me ser adepto do socialismo e depraticá-lo nos seus domínios. “Eu, disse-me, arregaço as mangas, trabalho e chimarreio com apeonada”. Aí está outra forma ou outra concepção de socialismo, provavelmente ainda não fichadapelos colecionadores...

A meu ver, pouco importa a amplitude ou a qualificação que se queira dar ao socialismo. Oessencial é que a idéia exprima uma forma de organização social cada vez mais humana e menosegoísta, tendente a não permitir as privações e os sofrimentos de muitos em holocausto às demasiasde poucos.

O socialismo não deve pretender suprimir as desigualdades ou, segundo a concepçãoingênua e popular, instituir um regime em que todos possuam a mesma quota de bens, porque issonão só seria utópico, como desnecessário.

Não se trata de impedir que uns possuam mais do que outros, desde que esse “mais” sejarazoável, derive de justa causa e tenha um uso legítimo. Quer-se apenas assegurar a todos ummínimo indispensável de participação nos bens da cultura e da civilização.

Na própria União Soviética não existe a igualdade material na fruição dos bens sociais. Lá,os indivíduos estão, por assim dizer, na mesma situação dos empregados de uma grande empresa.Há de comum entre eles a circunstância de nenhum ser proprietário dela; os proventos, porém, queretiram do trabalho diversificam, segundo a natureza e a quantidade desse trabalho.

Nosso socialismo deverá ser evolucionista e progressivo, ter vima base educacional e umsentido cristão. Dentro do Evangelho há ainda muito para aprender e nunca os seus preceitostiveram tanta atualidade

Mas, o tema deste comentário não é caracterizar ou discutir os diferentes sistemas socialistas

Page 37: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

e sim registrar a seguinte observação com que meu ilustre amigo encerrou sua missiva:- Talvez, escreve ele, seja verdadeiro o aforismo segundo o qual as leis e os regimes são

como as mulheres: é preciso violá-las para serem fecundas...”Aí está, sem dúvida, uma tese ginecológica digna de alguma reflexão. Realmente, se a lei

não é violada, se permanece sempre pura, se não reage, se não funciona, é como se não existisse e,portanto, praticamente estéril.

Não sei o que pensarão da máxima os D. Juans que estão na Correção por terem violado asdonzelas do Código Penal e que podem, por experiência pessoal, dar testemunho do quanto as leisvioladas são prolíficas e fecundas...

Não é esse, porém, o caso. A sentença tem outro sentido: quer possivelmente dizer que a leiexprime algo de estático. E o que se pensa, o que se sente, O que se quer em determinado momento.E a fórmula, a tradição, a vida estereotipada.

Mas, os modos de pensar, de sentir, de querer, evoluem: a vida cria novas necessidades,enquanto as fórmulas permanecem fixas, imóveis e invariáveis. As leis, como imaginaria o citadofazendeiro socialista, são como cercas de arame farpado que nos não deixam andar por ondequeremos. Há cercas grandes, bem tramadas, de muitos fios, há cerquinhas e tapumes. Chega à horaem que, de qualquer jeito é preciso passar do outro lado. Que fazer se os posteiros não as removemou não abrem prudentemente a porteira? Só há uma solução: arrombá-las.

Abrem-se, então, novos caminhos, novas perspectivas, novos panoramas. Dilatam-se oshorizontes até encontrar outras cercas e haver novos arrombamentos. E assim prosseguirá a marchada história.

A violação das leis pode, pois, ser um fator de progresso. Quantas vezes o que hoje constituium delito não é amanhã um postulado social, um princípio de direito, uma prática científica ou umato meritório? E por essa razão que Durkheim afirmou ser o delito, não raro, uma antecipação damoral futura.

É também por esse motivo que o criminoso é, às vezes, um precursor de idéias e de sistemasque vingarão no futuro. O delinqüente, escreve um criminalista, com suas tendências para anovidade, à energia que em parte lhe substitui e compensa a deficiência moral, é o precursor audazde empreendimentos socialmente úteis aos quais o homem honesto, quase sempre misoneísta etímido, não teria a coragem de se dedicar.

Quantas iniciativas e realizações úteis e fecundas não tiveram origem em patifarias? Asvezes, num empreendimento, salvam-se apenas as intenções; outras vezes, porém, as intenções sãoas piores, mas os resultados são aproveitáveis. Deve isso correr por conta do princípio daconservação da energia.

Precursores são também os gênios. Que é o gênio senão a antecipação do futuro? O homemde gênio está, naturalmente, em conflito com o seu meio. Se à genialidade aliar a ação, procurarádominá-lo e subverter a ordem constituída. Chegará, então, à fronteira do crime.

A distância entre o homem de gênio e o delinqüente, observa Henry T. F. Rhodes, no seuinteressante ensaio: “O gênio e o crime”, é a espessura de um fio de cabelo. O homem normal seadapta; o delinqüente tenta adaptar-se, mas não o consegue; o homem genial também faz aexperiência e, não tendo resultado, procura uma nova harmonia. Inimigo natural da sociedade, ogênio, conclui H. Rhodes, mergulha as raízes no que se poderia chamar um “ódio sublime”.

Devemos, pois, reconhecer, apoiados em tão respeitáveis e abalizadas opiniões, que aviolação das leis e dessa preciosa dama bem instalada na vida que se chama “ordem constituída” é,muitas vezes, condição do progresso e do curso normal da evolução social.

Mas, se isso é exato em se tratando de leis anacrônicas, que representam na vida social opapel das solteironas na vida doméstica, o caso muda um pouco de feição quando se trata de leisnovas, recém formuladas, recém apresentadas à sociedade, como mocinhas saídas do colégio e queestréiam o primeiro baile.

Toda lei precisa ser interpretada. (Se assim não fosse, de que viveriam os advogados, osjuizes e os burocratas?) Digo mais: o que vale não é a lei, mas a sua interpretação.

Ora, com relação a certas leis, é precisamente nessa operação exegética - que consiste em

Page 38: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

lhes descobrir o gênio, o temperamento, os maus instintos ou as boas intenções - que se cometemmuitos erros, erros semelhantes aos que muitos homens, menos avisados e ainda piores psicólogos,praticam em relação a certas mulheres.

Os indivíduos desconfiados vivem torturados pela suspeita e cometem não raro a estupidezde, sem corpo de delito, sem base concreta, manifestá-la à bem amada. Não pode haver maior erropsicológico. Quem insinua a infidelidade implicitamente a admite e quem a admite já está,moralmente, na situação de homem enganado.

Segundo uma lei psicofisiológica conhecida, toda representação mental encerra em simesma um começo de realização. Levantar a hipótese da infidelidade é sugeri-la e toda sugestão,nesse terreno, tende perigosamente para a realidade. C’est une invitation à Ia valse...

Se os antecedentes justificarem uma suspeita “teórica”, maior será ainda a tontice e a faltade habilidade, porque à insinuação seguir-se-á fatalmente o fato consumado.

O amor requer uma estratégia muito fina e muito sagaz; por isso, Ovídio, que se intitulavamestre na arte e tinha curso de estado-maior, nos adverte, no seu clássico manual, que o amor é umaespécie de arte militar; qnaedam species militiae amor est.

Foi certamente por não se ter instruído com suficiência nela que seu contemporâneo e colegaPropercio se viu um dia na situação de muitos, isto é, de dizer à sua ingrata:

Saepe ego multa tuae levitatis dura timebam Haec tamen excepta, Cynthia, perfídia.Muitas vezes eu tinha graves suspeitas da tua maluquice.Mas nunca, oh Cíntia, poderia esperar tamanha perfídia!Fazendo-lhe embora tão amarga censura, entregava os pontos e jurava-lhe ser mais fácil que

os rios se diluíssem mudos no oceano e que o tempo invertesse as estações do ano do que mudasseo seu amor por ela. E a loura Cíntia, de mãos afiladas e porte de rainha (fulva coma, longaequemanus et máxima toto corpore) ouvia felinamente os queixumes, imaginando novas aventuras. Atéque um dia o poeta, achando que era demais, a interpela:

Hoc verum est, tota te ferri, Cynthia Roma Et non ignot a viver e nequitia?Então é verdade, oh Cíntia, que andas solta em Roma. E que tua pouca vergonha já não é

segredo para ninguém?Todos os poetas falam da inconstância das mulheres. Deve haver entre eles grande

percentagem de vítimas. Catulo, por exemplo, que tinha vasta experiência do assunto, nos garanteque as juras de amor de uma mulher devem ser escritas nas asas do vento e na superfície das ondas:

... mulier cupido quod dicit amanti in vento et rapida scribere oportet aqua.Creio, porém, que maior pessimismo é o do Eclesiastes quando nos afirma que, dentre mil

homens, se encontra um, mas dentre todas as mulheres não se acha nenhuma: virum de mille ununreperi, mulierem ex-omnibus non inverti. E esta, como sabemos, é a palavra oficial...

Os metafísicos, mais áridos do que os poetas, limitam-se simplesmente a nos ensinar que háduas espécies de mulheres infiéis: infiéis a priori e infiéis a posteriori. A infidelidade a priori éuma “virtualidade”, uma tendência congênita, ou, se quisermos misturar Kant com aendocrinologia, um a priori glandular.

E assim como a torre de Piza, ou segundo uma imagem mecânica, um sistema em equilíbrioinstável.

É claro que as criaturas não têm culpa de a natureza as ter feito assim.Mas, para sossego do outro sexo, as brejeirices, que o poeta da arte de amar denominava

furtiva Vénus, as mais das vezes não passam de furtiva troca de olhares ou de subjetivas aventurascom Clark Gable...

Pois bem: é em relação a esses casos (porque os outros são casos perdidos) que é precisoempregar a mais atilada estratégia psicológica. Cumpre que o Romeu ou o Otelo, ao invés de trairseus receios e suas desconfianças, manifeste à Julieta a crença absoluta na sua fidelidade objetiva esubjetiva, convencendo-a de que é a própria personificação da virtude. Nada lisonjeia tanto umamulher (e ainda mais um homem, principalmente quando tem aspirações políticas) como atribuir-lhe predicados que não possui.

Com tal tática se despertará nela, pelo mecanismo psicológico já descrito, a inclinação de

Page 39: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

agir de acordo com esse juízo e essa convicção. Com o tempo, tal disposição poderá tomar-sepermanente e cristalizar-se num hábito. Talvez seja essa a razão pela qual os técnicos na matériaafirmam haver mulheres fiéis mais por hábito do que por índole. Praticamente, o resultado é omesmo...

Ora, por mais estranho que pareça, fenômeno análogo ocorre com as leis.E de má política, tão logo aparecem, recebê-las com desconfiança e hostilidade e atribuir-

lhes intuitos menos confessáveis, porque isso poderá constituir um incentivo para que tomem, defato, por esse caminho e se transviem. O melhor, ainda que possam legitimar certas suspeitas, serátratá-las simpaticamente e dar-lhes a interpretação mais em consonância com o que é razoável,justo, útil, legítimo e bom. Tal atitude e tal política poderá criar um estado geral de espirito, geraruma esperança, provocar uma expectativa e induzir uma convicção que ninguém se animará a violarou a defraudar.

As leis, entre as quais se incluem os regimes e as constituições, valem pelo espírito e pelosentido que lhes atribuímos e pelo modo como as praticamos. Entre os tantos sentidos possíveisporque não escolher, como já aconselhava a sabedoria romana, o que é mais idôneo e mais aptopara resolver utilmente as situações?

As leis e as mulheres são fiéis somente a quem as sabe compreender e interpretar.Não é difícil, com boa vontade, interpretar o texto de uma lei. Mas há quem afirme ser

absolutamente impossível decifrar a alma de uma mulher...

PASQUALINI, Alberto. As leis e as mulheres. Correio do Povo. Porto Alegre, 4.jul. 1943.p.4.

Page 40: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Amor e Poder

Todo poder que não serve ao amor é energia que se degrada.

Qualquer filósofo germânico do tipo astênico e esquizotímico, que nunca tivesse ousadolançar uma cabeça de ponte num coração feminino, poderia escrever quatro volumes sobre o amor,quatro sobre o poder e mais quatro sobre as relações metafísicas entre o amor e o poder. Sobrariaainda material para vários apêndices e suplementos.

Há quem afirme que, para discorrer razoavelmente sobre o amor, é preciso nunca ter amadoe, para dissertar corretamente sobre o poder, nada é de tanta valia como uma insuficiência supra-renal.

E possível que o filósofo, depois de estudar com proficiência a gênese, a evolução e asdiferentes manifestações do amor, e do poder, dedicasse alguns capítulos especiais ao poder comomeio de realização do amor e ao amor como força de consecução do poder. Não menostranscendente seria a discussão da tese do que é mais forte: se o poder do amor ou o amor do poder.

O exame das reações e do comportamento humano determinados pelo amor e pelo podertalvez levassem o filósofo à conclusão de que o poder do amor conduz ao amor do poder e que oamor do poder nada mais é do que uma das manifestações do poder do amor. Assim, amor e poder,forças biológicas de igual sentido e de igual sinal, identificar-se-iam na unidade vital do sersegundo o plano do infinito...

Esta seria a síntese da obra.A verdade é que há tantas concepção de amor quantos são os corações que lhe

experimentaram as delícias e os tormentos, os êxtases e as angústias as esperanças e os desesperos,as graças e as feridas.

Por essa razão é, ao mesmo tempo, fácil e difícil defini-lo. Fácil, porque todos os conceitoslhe convêm; difícil, porque nenhum o exprime cabalmente. Cada qual o compreende e o caracterizasegundo as suas próprias reações e experiências.

Censuram-se os namorados suspirando: “Tu não sabes o que é amar...” “Eu sei, tu é que nãosabes...”

Ambos têm razão. Todos sabem e ninguém sabe o que é amor.Disse La Rochefoucaud acontecer com o amor o mesmo que com os fantasmas: todos falam

deles sem que ninguém os tenha visto...Do amor existem milhares de definições, desde as poéticas até as cínicas. Há quem o

considere um estado patológico e há até quem lhe negue a existência. O tema é tão velho ou maisvelho do que o mundo.

Se dentre as definições me fosse dado escolher uma, preferiria a de Spinoza: amor esttitiliatio concomitante idea a causae externae. O amor é uma cócega associada à idéia de causaexterior. Não é extraordinário? Não é o amor uma coceira? Hoje, talvez, nos exprimíssemos deoutra forma. Em vez de insinuar que o amor é uma sarna cardíaca, poderíamos dizer, maiselegantemente, que é um “estado alérgico do coração...”.

Schopenhauer, porém, o hipocondríaco Schopenhauer, acha graça, da ingenuidade dospoetas e dos enamorados e lhes adverte que o amor é apenas a vontade de viver de outro indivíduo...Na troca de olhares saturados de amor já está germinando uma vida nova. Os suspiros dos

Page 41: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

namorados são os suspiros do “gênio da espécie”. O amor é o estratagema de que se serve anatureza para alcançar os seus fins.

Outro filósofo assevera, mais positivamente, ser o amor “a continuidade do plasmagerminativo que se manifesta e se afirma energicamente, salvaguardando os direitos da espéciecontra as fantasias individuais”.

O amor seria, pois, apenas o disfarce ou a camuflagem do instinto; um engodo e um ardil danatureza para realizar os seus desígnios: a continuidade da vida. Segundo Chamfort a natureza só sepreocupa com a permanência da espécie e, para perpetuá-la, lhe é suficiente valer-se da nossatolice... Não foi o mesmo cínico Chamfort que afirmou ser o amor “L' échange de deuxphantasies etlê contact de deux epidermes?.

O casamento, conforme uma opinião corrente, tem três fases: a primeira do entusiasmo, asegunda do hábito, a terceira da... resignação. Só nesta última é que os dois compreenderiam o logroe que o casamento é "uma cilada que a natureza nos arma”.

De acordo com tais idéias, o amor seria um epifenômeno, um luxo sentimental, acomplicação de um tropismo. Dois átomos de hidrogênio não se combinam com um de oxigêniopara constituírem uma molécula de água? Um grão de polem, levado pelo vento ou na asa de uminseto, não desce o pistilo da flor para formar a semente? Produz-se a água gera-se a planta semnecessidade de amor. O que quer a natureza é um novo ser, é a continuidade da vida, de que osorganismos são as formas transitórias. Fazer do amor o objetivo da vida é inverter os meios e osfins, pois é a vida que é o objetivo do amor.

A natureza não se interessa pelos sonhos, pelas ânsias, pelas aflições, pelos alvoroços, pelossuspiros, pelas lágrimas e pelos madrigais dos namorados. O que a natureza reclama não sãoromances, mas, como Hitler, novos organismos, novos individuais. Rés non verbas...

Não há dúvida de que essa concepção materialista e prosaica do amor deve ser, no mundodos namorados, obra da quinta coluna...

Devemos, pois, protestar contra a nazificação do amor e proclamar que é ele a razão daexistência, a beleza da vida, a exaltação das almas e a fusão dos corações. E o sopro e a chamadivina onde se sublima o sentido da vida...

Não sentenciou Proudhon que, nas almas de elite, o amor não tem órgãos?Talvez haja na tese proudhoniana um pouco de exagero. Nem todos, evidentemente,

concordariam em dar ao amor caráter tão... metafísico.Convirá por isso, ficar com a fórmula intermediária de um filósofo americano e segundo a

qual o homem, que é um dos termos, vive para a mulher, que é o outro termo, e a mulher para aprole, que é, como num silogismo, a conclusão.

Segundo essa concepção, a mulher tem na vida um papel mais importante do que o homem.É nela que a natureza deposita suas esperanças e é a ela que confia a realização dos seus projetos.

Todas as reações da mulher têm como objetivo a segurança da prole.Muitos pensam que quem escolhe é o homem. Pura ilusão. Quem escolhe é a mulher. A

superioridade física, mental ou econômica do homem garantirá a prole. E por essa superioridadeque a mulher guia a sua escolha, o que obriga o homem a lutar por conquistá-la. Luta pela vida éluta pela superioridade; e luta pela superioridade é, real ou potencialmente, luta pelo amor.

A mulher é o perpetum movens, o centro de gravitação do mundo. É ela que faz a história.Eis a razão por que sagacidade e a malícia gaulesas aconselham que, nas complicações dos

homens, se procure sempre a mulher...E de rir da ingenuidade dos historiadores quando pretendem conhecer e ensinar as razões

que inspiraram ou ditaram as atitudes dos homens históricos. Que sabem eles do que passava naconsciência e no coração desses homens quando se tomaram heróis ou criminosos? Se fossepossível devassá-la, talvez se encontrasse a imagem de uma mulher.

Isso não acontece apenas com os condutores de povos e os heróis. Acontece também com ossábios, os artistas, os burgueses e os proletários; com os grandes homens e os pequenos, com oschefes de Estado e os humildes funcionários. A diferença é apenas esta: enquanto o funcionárioprocurará afirmar a sua superioridade e a sua personalidade vencendo um concurso burocrático, um

Page 42: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

chefe de Estado subjugará um povo ou desencadeará uma guerra.A própria filosofia, que realiza freqüentemente o milagre de elevar o homem acima da

natureza, não consegue imunizá-lo e libertá-lo da tirania dessa força misteriosa que é o instinto daperpetuação da vida.

Foi paradoxalmente do cérebro de Augusto Comte, o fundador da filosofia positiva, filosofiaque nega qualquer valor às concepções apriorísticas, que brotou um dia esta genial intuição:

“On ne peutpas toujours penser, mais on peuti toujours aimer.”Cansamo-nos de pensar e até de agir, diz o filósofo, mas nunca nos cansamos de amar...Quem lhe inspirou tão grande verdade não foi a especulação filosófica, mas O amor de

Clotilde - mon angélique Chiotilde - como lhe chamava.Ela, porém, vivia decepcionada e triste, desiludida dos homens e do mundo. Já não

acreditando na vida e no amor, lhe escrevia:“O amor não é indispensável nas relações dos homens; deveis viver como se eu não existisse

e considerar-me uma sincera amiga, cuja felicidade atual será de embelezar alguns momentos devossa vida. Esqueçamos os nossos sexos para pensar nos nossos corações...”

Esquecer os sexos! Como poderia o ardor e a paixão do filósofo conformar-se com idéiastão proudhonianas?

“Esquecer os nossos sexos, viver como se não existísseis, numa palavra, dar minha alma avós e meu corpo a outras, tudo isso me é impossível. Meu coração é incapaz de tais abstrações...”Admiráveis palavras! Pode o espírito conceber, abstrair, idealizar, enunciar princípios, engendrarteorias, criar mundos imaginários. Mais forte do que os sistemas é, porém, o coração, porque ocoração é a própria vida que quer continuar. Diante de um lindo rosto de mulher, todas asabstrações se esfumam como a névoa sob os raios ardentes do sol...

E no amor de sua angélica Clotilde que o gênio de A. Comte adquire novos lampejos e seexpande, em novas criações. Ele próprio haveria de reconhecer que grande parte de sua obra foiinfluenciada pela mulher cujo nome haveria de imortalizar:

“A esse amor nobre deverei sempre, como filósofo, a compreensão verdadeira dapreponderância necessária da vida afetiva. Eu havia estabelecido no meu livro fundamental que,nem o pensamento, nem a ação podem constituir o centro essencial da existência humana, que deveser dirigida sobretudo para o sentimento. Era, porém, necessário que essa convicção racional fosseconsolidada e animada por um profundo sentimento pessoal... Este é o eminente serviço de queserei sempre devedor, minha Clotilde, à vossa adorável influência e que assim contribuirá paratomar a segunda parte da minha carreira filosófica superior à primeira...”

O amor gera a vontade de viver e de criar. E da necessidade de amor que nasce o queNietzsche chamou a “vontade de poder”.

Quando o indivíduo possui as condições naturais para elevar a personalidade ao nívelnecessário à realização do seu destino, tudo se passa normalmente. O caso, porém, pode complicar-se quando a ausência de alguma dessas condições gera o sentimento de inferioridade e determina aformação de mecanismos de compensação.

Alfred Adier estabeleceu a lei psicológica de que o sentimento de inferioridade orgânica seconverte em fator permanente do desenvolvimento psíquico do indivíduo.

Isso quer dizer que o indivíduo procura cobrir por meio de mecanismos de compensação, assuas deficiências orgânicas.

E essa, aliás, uma lei geral da vida. A astúcia é, por exemplo, a força do fraco. Se o leãotivesse a astúcia da raposa e o elefante a velocidade do antílope, que seria dos outros animais?

A possibilidade e a harmonia da vida repousam no equilíbrio dos contrários e dosequivalentes. A inteligência é um equivalente da força. Onde há exuberância de músculo há, emgeral, insuficiência de córtex e onde há excesso de vida orgânica pode haver deficiência de vidamental.

Tanto a inteligência como a força são expressões de poder.Esses equipamentos psíquicos de cobertura podem determinar a criação de planos ou de

objetivos imaginários através dos quais o indivíduo procurará afirmar a sua personalidade e a sua

Page 43: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

superioridade. Dentro de certos limites, o fenômeno é normal. São os mecanismos de compensaçãoe de sublimação que nos ajudam a viver. Quando, porém, os limites são excedidos, quando oindivíduo recorre àquilo que Adier denomina a “técnica neurótica da vida”, podem acontecergrandes reboliços na terra.

Se Napoleão tivesse tido a figura de um Robert Taylor, provavelmente Napoleão I nuncateria existido.

São os complexos de inferioridade que põem o mundo em polvorosa.Mas, são os mecanismos de compensação e de sublimação que criam também as grandes

obras do espírito humano.O característico fundamental da vida é a sua tendência à continuidade; é a “libido”, isto é, a

vontade de expandir-se e de perpetuar-se.É a mulher que simboliza a vida, porque é nela e por ela que a vida humana continua. O

homem é o grão de pólen; a mulher é o pistilo.Poderiam as mulheres com razão sustentar que os homens são meros satélites e acessórios.

Não é assim no reino animal? Representa o homem apenas o termo a quo e o sistema de segurançada prole.

E essa segurança que orienta a escolha da mulher e é a criação ou consecução dessasegurança que desorienta muitas vezes o homem.

A mulher se rende tanto ao músculo como ao cérebro, tanto à posição do homem como à suaarte, tanto ao seu heroísmo como aos fundos bancários, porque tudo faz parte do sistema desegurança.

Entre os selvagens é o duelo que decide, freqüentemente, a quem deve pertencer a mulheramada. Entre os civilizados, a força e o poder revestem outras formas reais ou compensativas quevão desde a ortopedia miraculosa dos alfaiates até a teoria da relatividade... E por elas que o homemconsciente ou inconscientemente, procura impor-se e manifestar a sua suficiência.

É do amor, da vontade de viver, que emana a energia, a impulsão criadora, a vontade depoder.

Um mecanismo de compensação impulsionado pelo amor poderá criar um herói, formar umsábio, revelar um gênio, animar um artista, fazer um santo ou gerar um criminoso; sem amor,poderá, quando muito, produzir um cético, um negativista, um hipocondríaco e um suicida.

O amor é o convite para a vida e o poder o meio de garantir a sua aceitação. Todo poder quenão serve ao amor é energia que se degrada.

Sobrada razão, pois, teria Herr Professor se encerrasse o seu 12° volume com a conclusãode que o poder e o amor formam a síntese da unidade vital.

Mas, muito antes dele um nosso patrício se havia antecipado, com inigualável espíritoprático e senso de humor, numa ilustração avançada e sui generis da teoria.

Quem no-lo relata é von Martius, outro sábio germânico que, há mais de 120 anos,percorreu as selvas deste imenso Brasil.

Conta-nos Martius que havia no Rio Negro, na tribo dos Manaos, um cacique todo-poderosochamado Cocui. Como todo homem, tinha seu hobby. Assim, diante do outro sexo, era acometidode manifestações alérgicas, principalmente quando se tratava de mulheres dos amigos. Até aquinada haveria de extraordinário e o tupixava poderia viver admiravelmente entre nós. Seu “fraco,porém, era outro. Depois de seduzir as mulheres dos companheiros, requisitava-as, engordava-as eas comia! Não está aí a mais perfeita “assimilação” do objeto amado na mesma unidade vital...?

Refere ainda o naturalista alemão que os súditos, despojados de suas mulheres, acabarampor revoltar-se contra o totalitarismo do chefe. Não esclarece, porém, se elas não se sentiamimensamente felizes de oferecer as suas tenras costelas ao amoroso estômago do originalmorubixava...

PASQUALINI, Alberto. Amore Poder. Correio do Povo, Porto Alegre, 18jul. 1943. p. 4

Page 44: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Saudação aos Jornalistas cariocas

Maior favor se presta aos agentes da autoridade pública, que a exerçam com retaintenção, indicando-lhes os enganos e prevenindo-os contra o erro...

Senhores jornalistas: Esta vossa cativante e desvanecedora manifestação de simpatia édemasiadamente honrosa e significativa, para que me seja lícito recebê-la a título pessoal. Elaexprime antes os aplausos dos jornalistas da metrópole à orientação do governo rio-grandense, oqual atendo-se ao dispositivo da Constituição que confere à imprensa função e caráter público, nãopoderia recusar-lhe, na esfera das suas relações com ela, os direitos, as prerrogativas e a dignidadeque decorrem, necessariamente, da definição constitucional.

Na realidade, a imprensa deve ser, na sociedade moderna, não apenas um veículoinformativo, um meio de publicidade remunerada, mas antes os órgãos naturais da expressão dossentimentos, aspirações e das necessidades coletivas. É nessa qualidade que a imprensa se dignifica,que se eleva à categoria de função pública, na sua função de registrar os fatos sociais e as reações daopinião e de orientá-las no sentido do bem comum.

A missão da imprensa é, essencialmente, informar, esclarecer, criticar, educar e exortar. Aimprensa é, por isso mesmo, uma peça indispensável no funcionamento dos regimes e dosmecanismos democráticos, que se devem caracterizar, não apenas pelos processos formais dainvestidura, mas principalmente pela sintonização constante da ação governamental com a vontade,interesses e necessidades da Nação. Ora, é principalmente através da imprensa que podem sermelhor manifestadas, percebidas e estudadas as reações coletivas e o pronunciamento das elites,ratificando ou reprovando, aplaudindo ou criticando as medidas e os atos governamentais. Têm,pois, os governos, na imprensa, antenas e termômetro da opinião esclarecida e, ao mesmo tempo,um precioso e poderoso instrumento de preparação psicológica, de orientação e educação dasmassas.

Eis por que a imprensa e o governo, quando compenetrados de sua verdadeira missão social,devem ser forças convergentes e funções que se completam: aquela, indicando as necessidadescoletivas e os reclamos da opinião, e este satisfazendo-os; aquela, apontando enganos, erros eabusos, e, este, corrigindo-os, emendando-os e reprimindo-os; aquela, doutrinando e preparandoespiritualmente o povo para as reformas decorrentes da evolução social, e este, executando-as. Aimprensa e o governo não podem, conseqüentemente, andar divorciados, pois a ação de ambos devecoincidir, nos seus fins éticos e nos seus objetivos sociais. Se não é perturbando e envenenando osentimento popular; se não é mascarando, sob disfarce o bem comum das incompatibilidadespessoais ou dos interesses inconfessáveis; se não é desvirtuando os fatos ou falseando a verdade quea imprensa se credencia ao titulo de órgão e intérprete da opinião pública, não há de ser, também,fazendo a apologia e o elogio sistemático da administração e dos seus agentes, encobrindo erros,disfarçando deficiências e defendendo absurdos, que a imprensa poderá justificar o atributoconstitucional. Não se colabora com o governo apenas aprovando e aplaudindo, mas tambémcriticando e censurando. Maior favor se presta aos agentes da autoridade pública, que a exerçamcom reta intenção, indicando-lhes os enganos e prevenindo-os contra o erro - e isso é humano -perturbam a exata visão da realidade e deformam a consciência das próprias possibilidades.

O essencial é que, tanto na crítica como na aprovação, tanto na censura como no aplauso,

Page 45: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

proceda o jornalista com lealdade e sinceridade, visando o bem público e não interesses subalternos.Por isso, à elevada vocação da imprensa no Estado democrático e à sua extraordinária influênciasobre a sensibilidade das massas e os movimentos de opinião, devem, por outro lado, corresponderàs normas éticas da sua conduta, e que são, praticamente, as mesmas que devem inspirar e nortear aação governamental. A degradação da imprensa é o primeiro passo e o primeiro sintoma dadecadência e da dissolução moral das nações. A guerra veio apontar e evidenciar tristes exemplosdessa verdade. Se não é fácil a tarefa de governante, não menos difícil e delicada é a missão dojornalista, que é quase a de um magistrado, pois lhe cumpre relatar e julgar os fatos sociais e asatitudes individuais. Por isso, graves são os seus deveres, os seus compromissos para com a Pátria ea sociedade; amplas devem ser, por outro lado, sem prejuízo da responsabilidade correspondente, asgarantias e as prerrogativas de que deve ser investido, e, sem as quais, não lhe será lícito exercer aprofissão, com independência e dignidade.

Elevar o padrão ético da imprensa, cercá-la de respeito e autoridade, vendo nela a tribunaonde, por assim dizer, realiza o plebiscito de todos os dias, deve constituir a nossa constantepreocupação.

Estes princípios não podem ser ignorados ou esquecidos, pelos órgãos ou pessoas que têm aseu cargo coordenar as atividades da imprensa, a quem incumbe, conseqüentemente, cooperar noseu aperfeiçoamento moral e cultural e na dignificação do jornalismo, elevando-o e nãodeprimindo-o, facilitando-lhe e não tolhendo-lhe os meios de realizar a sua nobre e relevante missãosocial. Esta é, senhores jornalistas, a forma pela qual encaramos e compreendemos a função daimprensa, e, por essa forma, tem o governo rio-grandense orientado as suas relações com ela.Entendeu o governo do meu Estado, ser questão de honra assegurar-lhe a livre apreciação dos atosda administração pública. Não nos julgamos mais dignos, mais clarividentes, nem mais patriotasque os jornalistas da nossa terra. Além disso, só a carência de idéias ou o seu demasiadoencurtamento é que nos poderia sugerir a conveniência de bitolar as opiniões alheias e cercear a suamanifestação. Confiamos inteiramente no critério e na honestidade dos que têm a direção dosórgãos de publicidade, certos de que, se na gestão dos negócios públicos nos conduzimos comprobidade, não poderemos merecer censura, ao passo que será de interesse público, que sejamosadvertidos, quando estivermos incidindo em erro.

Tenho a grande satisfação de proclamar que a imprensa rio-grandense, cujas tradições dehonradez, dignidade e patriotismo, e cujos serviços à causa pública são por demais conhecidos, temcorrespondido, de maneira admirável, aos desejos e propósitos de colaboração do governo. Entreeste e os homens de imprensa existe o mais perfeito acordo e o mais elevado espírito decamaradagem e cooperação. A ação esclarecedora e exortativa da imprensa, deve o governo acompreensão e a aceitação popular de medidas de sacrifício, que as circunstâncias exigem, e quepoderão tomar-se ainda maiores no futuro. Esse cordial entendimento é possível porque estábaseado na lealdade, no respeito recíproco e tem como única causa e fonte inspiradora o interessepúblico, ao qual devem ceder passo todas as demais considerações e conveniências. Não estoureivindicando para o meu estado e o seu governo títulos ou situações de exceção, mas apenasexpondo as diretrizes da nossa conduta em relação à imprensa, diretrizes de que não nosafastaremos e que julgamos perfeitamente enquadradas dentro do verdadeiro espírito e dopensamento da renovação social e administrativa tantas vezes enunciadas pelo chefe da Nação.

Para o governo do meu Estado, orientado por um homem de índole liberal, caráter reto eaustero, e de espírito e coração voltados para as necessidades e os sofrimentos do povo, é umagrande honra, um motivo de justo desvanecimento receber a simpatia e a solidariedade dosjornalistas da metrópole, legítimos expoentes da cultura e porta-vozes da opinião nacional. Emnome do governo do Rio Grande, vos agradeço esta homenagem, e agradeço particularmente aspalavras generosas e indulgentes que me dirigiu o vosso intérprete. Asseguro-vos que tudo faremospara mantermo-nos fiéis aos nossos compromissos e para continuarmos a merecer a consideraçãodos homens de imprensa, a quem está confiada, nesta hora de tantas indecisões, incertezas eapreensões, a patriótica tarefa de instruir o povo e alertá-lo contra os perigos e insídias que oameaçam. Prepará-lo para as reformas que hão de aplainar, sempre mais as desigualdades humanas,

Page 46: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

e estender a todos os cidadãos os benefícios da cultura e civilização."

PASQUALINI, Alberto. “Não se colabora com o governo apenas aprovando e aplaudindo, mastambém criticando e censurando”. Correio do Povo, Porto Alegre, 4 jan. 1944. p. 12.

Page 47: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Marginais e Colônias Agrícolas

(...) a função das colônias agrícolas é, antes de tudo, social e educativa.

Se o plano de assistência social às populações marginais, mediante a criação e organizaçãode colônias agrícolas, mereceu o aplauso e o apoio irrestrito dos ruralistas esclarecidos, foi elerecebido com certa reserva e ceticismo, por alguns que lhe não compreenderam o verdadeiroalcance e significado social.

Há até quem negue a existência do problema. E, sem dúvida, uma atitude muito cômodapara os que não têm interesse ou se não querem dar ao trabalho de resolvê-lo.

Observam alguns que, atualmente, não pode haver marginais, pois há grande procura detrabalhadores; em vez de falta de ocupação, há escassez de mão-de-obra.

Pondo de lado as condições em que o trabalho é oferecido e a maneira simplista de encarar aquestão, esquecem os que assim argumentam que a falta de braços é, muitas vezes, decorrência daprópria marginalidade. Marginais não são apenas os sem trabalho, sem terra, sem meios desubsistência. Marginais são principalmente aqueles cujas condições de vida social os tomaramorgânica e psicologicamente inaptos para o trabalho.

Como pode haver braços quando falta a energia, quando o organismo é minado pela doençae enfraquecido pela falta ou deficiência de alimentação?

Como pode haver disposição para o trabalho e perseverança nele quando as própriascondições sociais dos trabalhadores e a ausência total de educação criaram taras e complexos que osreduzem à situação de seres impassíveis e inertes diante das mais duras necessidades e privações?

Não bastaria proporcionar meios de trabalho para resolver o problema das populaçõesmarginais. O que cumpre, antes de tudo, é curar organismos e educar inteligências; fazer corpossãos e incutir, pela educação, hábitos de trabalho metódico, de economia e capacidade deautodireção, quase totalmente ausentes no nosso trabalhador rural.

Tal é o seu complexo de inferioridade e submissão que não tem reivindicações. Nasceuservo da gleba e os seus protestos contra o destino não vão além da prática do abigeato, às mais dasvezes para saciar a fome dos filhos.

A indolência e malandragem são, quase sempre, conseqüência da própria miséria; traduzema incapacidade física para o trabalho organizado e persistente e a filosofia dos vencidos eresignados.

Curar e educar deverão ser os objetivos fundamentais no plano de recuperação daspopulações marginais.

Para a realização dessa tarefa é necessário, antes de tudo, promover o agrupamento defamílias, fixando-as em determinada área, pois toda assistência sistemática é impossível enquantoestiverem dispersas. Esses agrupamentos, onde cada família deverá dispor de um lote de terra, decasa, de moradia confortável e de instrumentos de trabalho, constituirão, precisamente, as colôniasagrícolas.

O plano prevê em cada grupo colonial a instituição de serviços técnicos, de administração,de serviço médico-hospitalar, escolas de instrução primária, escolas técnico-agrícolas, oficinas,usinas de beneficiamento e armazéns, devendo toda a organização propender para a formacooperativa.

Page 48: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

A concessão de terras e meios de trabalho não seria por si suficiente para resolver oproblema, pois o que cumpre, em primeiro lugar, é realizar a tarefa educativa, que é o objetivofundamental da colônia. Por essa razão, os agrupamentos deverão ser inicialmente submetidos a umregime tutelar até que as novas gerações, educadas e orientadas em um novo espírito e uma novadisciplina, tenham adquirido condições psicológicas de autodeterminação.

Talvez não se devam ter muitas ilusões quanto aos resultados em relação aos adultos.Quando, porém, uma família marginal é fixada em uma colônia agrícola, o que se temprecipuamente em vista é a recuperação dos filhos.

Uma colônia de duzentas famílias reúne, possivelmente, quinhentas crianças do sexomasculino, que são educadas racionalmente, e receberão instrução primária e instrução técnico-agrícola ou técnico-profissional. Serão quinhentos operários especializados que poderãofuturamente estabelecer-se com economia própria ou empregar a sua atividade nas fazendas.

Uma das razões que impedem o desenvolvimento da agricultura na campanha é adificuldade com que lutam os nossos fazendeiros de encontrar pessoal apto para os trabalhosagrícolas, que exigem um grau de conhecimentos e de experiência mais elevado do que o requeridonas lides puramente pastoris.

As colônias agrícolas serão precisamente núcleos de formação de trabalhadoresespecializados nas diferentes atividades agrícolas, notadamente as que são peculiares às culturas decada região.

A valorização do homem, o aumento de sua capacidade de produção e de consumo, omelhor e mais racional aproveitamento da terra constituirão fatores de enriquecimento econômico.Serão, em última análise, os próprios fazendeiros os maiores beneficiários da integração dosmarginais ao sistema social e econômico do Estado.

Na plataforma da aliança liberal, lida na Esplanada do Castelo em 1930, referindo-se aosmilhares de brasileiros que vivem nos sertões, sem instrução, sem higiene, mal alimentados e malvestidos, declarava o Presidente Vargas:

“É preciso grupá-los, instituindo colônias agrícolas, investi-los da propriedade da terra,fornecendo-lhes os instrumentos de trabalho, o transporte fácil para a venda da produção excedenteàs necessidades do seu sustento; despertar-lhes, em suma, o interesse, incutindo-lhes hábitos deatividade e economia. Tal é a valorização básica, essa sim, que nos cumpre iniciar quanto antes - avalorização do capital humano -, por isso que a medida da utilidade social do homem é dada pelasua capacidade de produção.”

Outra não é a política esboçada no plano de assistência social ao nosso trabalhador rural.O receio de que a elevação do seu nível de vida possa trazer o encarecimento da mão-de-

obra (ou, melhor, a sua valorização) não pode constituir argumento para que seja ele relegado aoabandono e à própria sorte, pois equivaleria a sustentar a tese de que se deve manter o proletariadorural na miséria e na ignorância para que possa ser melhor explorado.

Na realidade, porém, a mão-de-obra vale pelo seu rendimento e não se poderá comparar orendimento do trabalho de um simples peão com o de um operário especializado.

A formação de agricultores na região da campanha determinará, necessariamente, odesenvolvimento da agricultura, e, por via de conseqüência, da indústria, o que lhe modificará afisionomia econômica e social, corrigindo uma série de males decorrentes do sistemaexclusivamente pastoril.

Muitos fazendeiros já estão compreendendo que o plano de assistência ao trabalhador ruralnão é somente um imperativo social e de solidariedade humana, mas também uma conveniênciaditada pelo próprio interesse.

Cumpre, porém, ter sempre presente que a função das colônias agrícolas não é apenaseconômica; é ela, antes de tudo, social e educativa. Nelas deverá ser modelada a nova mentalidadedo homem do campo e delas poderá irradiar uma nova concepção de vida e de trabalho que há deredimir uma grande legião de deserdados e oprimidos.

PASQUALINI, Alberto. Marginais e Colônias Agrícolas. Correio do Povo, Porto Alegre. 27 ago.

Page 49: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

1944. p. 4.

A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DO MUNDO

O capitalismo, quando na sua forma individualista e egoísta, é a origem e a causade todos os males que atormentam o mundo.

Bem compreende), meus caros paraninfados, a vossa satisfação, no momento em que,chegando ao termo final dos vossos estudos acadêmicos, recebeis a recompensa dos vossostrabalhos e o coroamento dos vossos esforços. É sem dúvida uma vitória o que acabais deconseguir, uma das mais belas e esplêndidas vitórias, porque é o triunfo do espírito, da perseverançae da dedicação, triunfo que custa às mais das vezes não pequenos sacrifícios e que somente pode serverdadeiramente alcançado quando existe um ideal que ilumina a existência.

Compreendo a vossa emoção porque a senti igual um dia quando há quase dois decênios,nesta mesma casa, um grupo de jovens como vós prestávamos o juramento solene de defender odireito, a justiça e a causa da humanidade: humanitatis causae nunquam defuturos.

Na promessa que acabais de fazer de desempenhar com honra os deveres do vosso grau estáimplícito o mesmo compromisso, pois a natureza dos vossos estudos, das vossas pesquisascientíficas e dos misteres que estais habilitados a exercer vos impõem o dever de pôr os vossosconhecimentos e as vossas aptidões ao serviço da sociedade.

Só pode haver honra, só pode haver mérito, só pode haver nobreza nas nossas ações quandoelas têm um sentido humano e quando derivam daquela parte do nosso ser onde os sentimentossociais se sobrepõem aos instintos egoístas, origem de todos os males e de todos os sofrimentos dahumanidade.

Nestes anos de disciplina escolar, durante o curso que, com tanto êxito acabais de concluir,fizestes, guiados por vossos mestres, uma ampla digressão no domínio das ciências econômicas epolíticas. Estudastes os suportes materiais da sociedade, a sua estrutura econômica e política, osfenômenos da produção, da circulação e distribuição da riqueza, a lei das trocas, a função dotrabalho, a origem do capital, a organização e a técnica do comércio, a ciência de administraçãoprivada e pública, um amplo programa, enfim, de matérias e de questões onde se acham inscritos osproblemas fundamentais da dinâmica social e onde deveis ter sentido também palpitar a inquietaçãoe a angústia do mundo moderno.

Já nas primeiras páginas dos vossos compêndios encontrastes, como noção preliminar detodos os fenômenos econômicos, a observação fundamental de que o homem é um sistema denecessidades e de que toda a atividade humana se desenvolve no sentido da produção de bens eserviços para a satisfação dessas necessidades.

A inteligência armou a mão e os sentidos do homem de instrumentos poderosos para agirsobre a natureza, mas, se extraordinários foram e são os progressos da ciência e da técnicarelativamente aos processos da produção de bens, talvez o mesmo, não se possa afirmar quanto aocritério social de sua repartição.

As descobertas da ciência, o aperfeiçoamento da técnica e os equipamentos mecânicoscriaram para o homem dos nossos dias condições superiores e nunca imaginadas de segurança, decomodidade e de conforto, mas determinaram, por outro lado, a concentração industrial ecapitalista, tendo como conseqüência a formação do proletariado moderno.

Page 50: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

A produção de utilidades converteu-se numa fonte ilimitada de lucros para os que dispõemdos meios de produção e de troca, mas essas mesmas utilidades são as mais das vezes inacessíveisaos que contribuem com o seu trabalho para produzi-las.

Se a produção pressupõe, de um lado, necessidades humanas e, de outro lado, trabalhohumano, não parece justo que poucos, favorecidos da sorte, acumulem proventos ilimitados à custadesse trabalho e dessas necessidades.

Porque, há duas maneiras de viver: do trabalho próprio ou do trabalho alheio. Parece-me queesta segunda forma é um desafio lançado à face de Deus. Não disse o Criador que o homem haveriade ganhar o pão de cada dia com o suor do seu rosto? In sudore vultus tuivoscerispane.

No entanto, há os que se subtraem ao cumprimento da lei divina, há os que a iludem e adefraudam, conseguindo, não o pão quotidiano, mas todas as comodidades da vida, com o suor derostos alheios.

Há, pois, um erro fundamental na organização social e econômica do mundo, erro tantasvezes apontado e assinalado, erro das mais funestas conseqüências e que coloca num dos extremosdo sistema os que trabalham e no outro extremo, os que usufruem os benefícios.

Hoje, mais do que nunca, o compreendemos e mais do que nunca sentimos a necessidade decorrigi-lo.

O capitalismo, quando na sua forma individualista e egoísta, é a origem e a causa de todosos males que atormentam o mundo.

É esse egoísmo, na sua avidez ilimitada de lucros, que cria os monopólios, que explora ohomem, que maquina as guerras, que gera a miséria, que oprime os povos. E ele a negação dasolidariedade humana e o repúdio das leis divinas.

Toda a existência humana, as relações entre os indivíduos e as relações entre os povos estãoenvenenadas e animalizadas pela idéia de luta. Luta pela dominação, luta pelo ganho, luta peloespaço, pêlos mercados, pelas matérias-primas. Lutam os indivíduos, lutam as classes, lutam ospovos, lutam os continentes.

Já na educação da criança se procura, por várias formas, desenvolver esse instinto animal,incutindo-lhe a idéia de que é necessário “vencer” na vida. Nessa luta, não há contemplações, nãohá piedade.

Cada homem vê no seu próximo um adversário virtual e cada povo enxerga nos demaispovos inimigos potenciais.

As guerras são romanceadas e os feitos bélicos tanto mais exaltados quanto mais ferozes emais sangrentos os embates e maior o número de vítimas que se contar nos campos de batalha.

Há os que sustentam que essa forma de luta é uma contingência biológica animal e há os queafirmam, principalmente os que têm interesse em que não desapareça, ser ela fator de progresso.

E por essa forma que se procura explicar e justificar as guerras, essas espantosas e estúpidascarnificinas que têm ensangüentado o mundo, causado os maiores sofrimentos à humanidade edegradado o homem à categoria do mais cruel dos animais.

As guerras foram, por isso, industrializadas, e se converteram num negócio e numaprofissão.

Mas, se a luta é uma característica biológica, se é a expressão da natureza e de instintosanimais, não devemos esquecer que há no homem, além da animalidade, todo um conjunto deatributos psicológicos que lhe permitem distinguir o bem do mal, o justo do injusto e de formular,enfim, julgamentos morais.

Além das tendências egoístas, manifestações do instinto de conservação, há na psiquehumana, mais ou menos desenvolvidos, os sentimentos sociais de simpatia e de solidariedade e cujainexistência ou desaparecimento tomaria impossível a vida em sociedade.

A simpatia, como sabeis, é uma sintonização de estados afetivos, a nossa identificação nasituação de outrem.

Quando nos comovemos diante da dor e da miséria alheias, quando corremos em auxílio dosnossos semelhantes, agimos sob o influxo dos sentimentos de simpatia e solidariedade.

E nesses sentimentos, cujas raízes mergulham na nossa própria constituição orgânica, que

Page 51: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

tem a sua origem o direito e a justiça, que nada mais são, psicologicamente, que a dosagem, amedida e o equilíbrio das reações ego-simpáticas, materializadas nas suas diversas formas deexpressão.

O individualismo na ordem social corresponde à predominância das reações egoísticas naesfera psicológica e, portanto, a uma diminuição ou obscurecimento dos sentimentos de simpatia ede solidariedade.

O individualismo consiste, precisamente, na desconsideração do semelhante e, por essarazão, os seus processos são os da luta.

Creio que a mais primária manifestação de individualismo na espécie humana foi aantropofagia. Segue-se-lhe a escravidão e a servidão. Do direito de devorar o vencido, passou-se aode dispor dele como coisa, como propriedade. Segundo Aristóteles, o escravo é uma máquinaanimada, como uma máquina é um escravo sem alma. Na concepção romana, os escravos eram,exatamente, um produto da luta, isto é, da guerra e da conquista. O vencedor tinha o direito de vidae morte sobre o vencido: jus vitae et necis.

Os imperadores, porém, em vez de matarem os prisioneiros, os vendiam como escravos,conservando-lhes, assim, a vida: servabant. Daí a denominação de servi.

A escravidão e a servidão, tais como existiam antigamente, foram abolidas nos nossostempos entre os povos civilizados, e nos inspiram hoje o mais profundo horror. Subsistem, porém,não raro, sob outras formas e subsistirão sempre enquanto o individualismo, nas suas manifestaçõesexclusivistas e agressivas e na sua sede de dominação e de lucros, continuar a cavar desigualdades ea produzir desequilíbrios sociais.

O processo social se define por duas tendências: a individualista e a socialista; a primeira,tendo como centro os instintos egoístas e a segunda os sentimentos de simpatia e de solidariedade.

E em torno do ponto de equilíbrio dessas duas tendências que se agita a humanidade e há decontinuar sempre convulsionada e angustiada enquanto não o encontrar.

Os métodos do individualismo são os da luta - da luta pela dominação, pelo sujeitamento doindivíduo a outro indivíduo, da luta pelo ganho sem limite e sem considerações: os métodos dosocialismo, que aqui defino simplesmente como uma crescente extensão da solidariedade social, sãoos da cooperação.

Se examinarmos a evolução do homem, veremos que todo o seu progresso moral consiste naampliação do círculo da solidariedade social, de modo que se estenda além da família, do clã, daclasse, do grupo, da nacionalidade, para abranger todas as criaturas humanas.

A grande tragédia do mundo é ser ainda governado pelos instintos - muitas vezes osinstintos mais primários - e não pela razão e os sentimentos.

Deve-se substituir a concepção individualista, irracional e animal de luta pela vida, pelaidéia moral e cristã de cooperação para a vida. Cooperação dos indivíduos, cooperação dos povos,cooperação dos continentes. As tendências egoístas de supremacia, de dominação, de exclusivismo,devem ceder lugar aos sentimentos de justiça e de igualdade. Os instintos de pugnacidade devem sersublimados e aplicadas as suas energias na conquista da natureza e na debelação dos males queafligem a humanidade. O homem deve lutar, mas lutar unicamente para libertar-se da miséria, domedo, do ódio, da opressão e nunca para escravizar os seus semelhantes.

Nossa era está desgraçadamente ainda muito imbuída de concepções agonísticas, de guerras,de lutas, de vitórias, de conquistas de vencedores e vencidos, de hegemonia e dominação. Nopróprio âmbito da vida quotidiana, quando alguém, por força de circunstâncias, acumula riquezas, éconsiderado e saudado como um “vencedor”. Venceu na vida e recebe as honras e as homenagensque a fortuna impõe.

Eu não ousaria afirmar, como São João Crisóstomo, que ninguém pode enriquecerhonestamente. Talvez se apoiasse o santo padre da Igreja na palavra de Jesus, segundo a qual é maisfácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que entrar um rico no reino dos céus. E que,no pensamento de Jesus, a riqueza traz consigo o estigma da injustiça.

Mas, por pregar essas doutrinas, foi Cristo crucificado. Se ele voltasse hoje ao mundo,muitos dos que se dizem seus discípulos ou seus adeptos talvez não o reconhecessem e o negassem

Page 52: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

antes que o galo cantasse pela primeira vez.O que é certo, o que não pode merecer dúvida, é que também nas lutas econômicas, onde há

vencedores, há vencidos e, para que a riqueza se acumule nalguns pontos, é necessário, a não serque se negue o princípio da conservação da energia, que desapareça ou se rarefaça noutros.

Se é utopia pretender erradicar a causa do mal, se não seria sensato nem conveniente, nestafase da evolução humana, eliminar o capitalismo como propriedade privada dos meios de produçãoe como instrumento de lucro, deve-se, pelo menos, cortar-lhe os excessos e impedir a exploração dohomem pelo homem, que conduz a uma nova forma de escravidão.

É necessário, antes de tudo, como proclamava Leão XIII na sua famosa encíclica, subtrair ostrabalhadores do egoísmo desumano dos especuladores que, na sua avidez ilimitada de lucros, delesabusam como se fossem coisas: personis prorebus ad questum abutentes. E se é unicamente otrabalho, como ainda observava o grande pontífice, que gera a riqueza das nações, manda então ajustiça que se atribua aos trabalhadores aquela parte dos benefícios a que eles têm direito.

Corrigir os malefícios do capitalismo na ordem interna e banir o imperialismo na ordemexterna, será, certamente, o programa do futuro. Porque, o imperialismo é a forma internacional docapitalismo, como o capitalismo é a forma individual do imperialismo.

E certo que, desde os tempos em que a escravidão era considerada uma instituição natural ejusta, desde os tempos em que, segundo a doutrina de Aristóteles, se sustentava haver homens cujanatureza é de serem escravos, muitos progressos foram feitos nas instituições jurídicas e sociais.

Estamos, porém, ainda muito longe do termo final dessa evolução.Todos hoje compreendem e admitem que não pode haver paz, que não pode subsistir uma

organização econômica e social em que uns possuam em excesso e outros não tenham comosatisfazer as necessidades mais elementares da vida.

Não há nenhuma razão natural, nem jurídica, nem moral que possa excluir uma parte dahumanidade do uso e gozo dos bens da terra, dos frutos e dos benefícios da cultura e da civilização.O mundo deverá propender para uma organização social em que todos possam usufruir essesbenefícios na justa proporção do seu trabalho. E a isso e apenas a isso que denominamossocialismo.

Ter em excesso, quando outros possuem o suficiente, é admissível possuir, porém, emexcesso, quando outros não têm o indispensável, é profundamente injusto e desumano e, comoqueria Santo Ambrósio, quase um ato de violência: pius quam suficeret swnptui violenter obtentumest.

Eu não creio que aqueles mesmos que bafejados pela sorte, conseguiram acumular riquezas,possam julgar-se felizes e tranqüilos, tendo diante dos olhos o espetáculo quotidiano da miséria e danecessidade. Talvez se sentissem mais em paz com a própria consciência se, possuindo menos,pudessem enxergar um pouco, um pouco mais de afeto e um pouco menos de rancor nos rostos dosseus irmãos, abatidos pelo trabalho e torturados pelo sofrimento. Porque como adverte a Escritura, émelhor ter pouco com justiça do que muito iniquamente: Melius estpanim ctimjustitia quammultifrudus cum iniquitate.

Mas, uma ordem material e exterior baseada na justiça somente será possível quando tiverplena correspondência com um estado interior e espiritual.

A organização social e econômica será sempre o reflexo de uma mentalidade e enquantoessa mentalidade não evoluir e se aperfeiçoar, enquanto o homem não aprender a moderar os seusinstintos egoístas e incluir, como condição de sua felicidade, a felicidade alheia, não poderemos teresperanças de que haja, no mundo, paz, segurança e bem-estar.

Não haverá transformações sociais estáveis e duradouras se não se reformar, ao mesmotempo, o caráter do homem. O que é necessário, por isso, é educá-lo, cultivar-lhe o lado bom enobre da personalidade, desenvolver-lhe os sentimentos de simpatia e de solidariedade, ensinar-lhea amar os seus semelhantes e a reprimir os instintos egoístas.

Não creio, porém, que essa educação do homem se possa realizar sem Uberdade.Nossos sentimentos estão em relação com as nossas idéias e concepções. Para sentir, é

preciso compreender. Mas, para compreender, é necessário que exista a possibilidade da

Page 53: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

transmissão e do debate das idéias, pois é por essa forma que se amplificam os horizontes dopensamento e se retificam os seus erros.

Educar consiste precisamente em incutir representações mentais capazes de provocardeterminados sentimentos, atos e atitudes. Educar é ensinar a compreender, a sentir e a reagir.Educar é formar convicções.

Para que possa haver educação é necessário, pois, antes de tudo, que haja liberdade depensamento e de sua expressão. Onde essa liberdade não existe, jamais podera haver consciências;haverá, sim, almas deformadas como as plantas que rastejam esmagadas sob o peso dos rochedos.

O horrendo espetáculo que hoje oferece o mundo nos indica, com uma evidência que nãopoderia ser mais eloqüente nem mais cruel, e a que extremos de barbárie e de ferocidade podechegar o homem quando se lhe tira a Uberdade de pensar, quando se lhe exaltam os instintosanimais e quando se lhe ensina que a paz é uma utopia, um sonho de pusilânimes e que a maneiramais gloriosa e heróica de viver e de servir à pátria é saber manejar vim engenho de guerra paratrucidar outros homens, filhos de outras pátrias.

Aí estão os escombros ensangüentados da velha e desgraçada Europa para documentar, maisuma vez, a obra sinistra dos regimes de força, da mística nacionalista e da histeria militarista.Melior est sapientía quam arma bélica. Mais vale a sabedoria, diz a Bíblia, do que o poder dasarmas.

Reflitamos sobre tudo isso, nós os da América, nós brasileiros, porque talvez tenhamosassim a sorte de desviar, ainda em tempo, certos caminhos que podem conduzir ao mesmo erro e aomesmo abismo.

Meus jovens amigos:Ao deixardes esta Escola, o maior bem que vos posso desejar é que vos conserveis fiéis a

vós mesmos, fiéis ao ideal com que nela entrastes. Por maiores que possam ser, durante a vossavida, os vossos desenganos, não abandoneis nunca a crença no aperfeiçoamento moral do homem enum futuro melhor para a humanidade. Humanita quasi seges. A humanidade é como uma searaimensa e imperecível em que alguns frutos amadurecem mais cedo e outros mais tarde. Dia virá,porém, em que todos estarão sazonados, em que as idéias de bondade, de fraternidade e de justiçafrutificarão em todos os corações. Então, e só então, haverá a paz. Paz, que não será oemudecimento da razão diante da força, o estrangulamento da liberdade, a humilhação, da justiça, osilêncio dos oprimidos, a resignação dos desgraçados. Paz, que não será a paz gelada dos sepulcros,caiados por fora e podres por dentro, mas a paz que iluminará um mundo livre de torpezas, demisérias, de podridões, um mundo redimido de todas as iniqüidades.

Se tudo isso é utopia, lembrai-vos de que não haverá para vós, que sois a mocidade, tarefamais nobre, mais digna e mais gloriosa do que trabalhar, ainda que em vão, pela realização dessautopia. E, com a alma isenta de preconceitos, liberta de ódios e purificada de egoísmos, com ocoração voltado para todos os homens e todos os povos, repeti, como numa oração de cada dia, aspalavras de Sêneca:

"Contemplarei todas as terras como se fossem minhas e a minha como se fora de todos eviverei como quem sabe que nasceu para os outros e, por essa razão, darei graças à natureza que,por tal forma, não poderia tomar melhor a minha existência. Pois, sendo eu um só, deu-me a todos eassim fez que todos se dessem a mim."

Tudo o que eu possuir nem guardarei com avareza nem desperdiçarei com prodigalidade epensarei sempre que nenhuma coisa será tão minha como quando a tiver dado de coração.

Saberei que a minha pátria é o mundo governado por Deus e que Deus está acima de mim,junto de mim, como supremo censor dos meus atos e das minhas palavras.

Quando a natureza me chamar novamente ao seu seio; partirei dando testemunho que amei aretidão da consciência e as nobres finalidades da vida, que não ofendi a Uberdade de ninguém e queninguém diminuiu a minha.

Aquele que assim agir, aquele que tentar agir assim, ainda que nada consiga, ainda quesucumba, terá realizado coisas admiráveis e entrará no caminho que leva até Deus: iter faciet adDeos.

Page 54: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

PASQUALINI, Alberto. A organização social do mundo. (Discurso pronunciado como paraninfodos bacharéis de economia e finanças). Correio do Povo, Porto Alegre, 29 dez. 1944, p. 4.

Page 55: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Governo e Partidos

O poder é apenas um sistema de meios políticos e jurídicos para a realização deum programa que presume exprimir o bem comum. Desde o instante em que o povoopte por outras diretrizes, o partido que está no poder deve entregá-lo ao que venceue se impôs na simpatia e na confiança popular.

A notícia de que haverá de fato eleições e de que está para ser promulgada a lei eleitoralprovocou alvoroço em todo o país, havendo auspiciosamente começado a efervescência política.

Os próceres iniciaram confabulações, os políticos já se estão movimentando e articulandosegundo as recíprocas afinidades, sendo a prever para breve a exumação dos velhos partidos, a suaprovável remontagem nas oficinas dos P.R.P., P.R.M., P.D., P.C., etc., etc., e a formação de novospara os embates eleitorais.

O povo acompanha curioso o desenrolar dos ensaios nos bastidores da alta governança eprocura adivinhar, como a platéia antes do espetáculo e enquanto se afinam os instrumentos, o quese passa atrás do pano, como cada personagem do elenco desempenhará seu papel e se a peça serádo gênero “I Plagiacci” ou se terá o estilo wagneriano do “Crepúsculo dos Deuses”...

De qualquer forma, a desusada atenção popular é alvissareira, pois vem denotar o interesseda massa pelos acontecimentos que se prenunciam na próxima reabertura da temporada político-eleitoral.

Mas, seria profundamente deplorável e decepcionante se, depois de tão longa pausa, quedeve ter propiciado o arejamento do ambiente político, se reiniciassem as práticas com os mesmoserros, os mesmos vícios e os mesmos embustes; se as forças que se vão exibir e medir na arenaeleitoral se caracterizassem e definissem simplesmente como partido de governo e partido que estácontra o governo - o primeiro tendo como programa manter-se no poder a qualquer custo e osegundo tendo como objetivo derrubar o governo, também de qualquer jeito para assenhorear-se dopoder.

Nos países em que o Estado tem um caráter providencial, em que a esfera de sua influência einterferência se estende a quase todas as atividades e negócios, o normal exercício daquelas e acondução destes dependem direta ou indiretamente das boas graças das autoridades. Daí a razãopela qual, onde tal fenômeno se verifica, as hostes dos dois exércitos se digladiam encarniçada eirreconciliavelmente, umas para não perder as posições-chave e os negócios e as outras para obtê-los para si. Quando a tese é “ficar no poder” e a antítese “derrubar o governo”, a síntese será,necessariamente, uma revolução.

A isso, a esse triste e degradante espetáculo, não se pode dar o nome de democracia, porquenão é um embate de idéias que procuram iluminar e acertar o caminho do bem comum, mas umentrechoque de estômagos que se pretendem mútua e egoisticamente excluir.

Agarrar-se ao poder com unhas e dentes não pode constituir um programa, como tambémnão pode ser um programa lutar simplesmente para arredar e enxotar os que se acham na posse dopoder.

A política, no elevado sentido do termo, é a ciência da pesquisa e a arte da realização dobem-estar social. Exige desinteresse, renúncia, abnegação. Pressupõe um ideal.

Page 56: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

E preciso, pois, distinguir entre agrupamentos que se formam em torno de interesses, epartidos que se constituem para a realização de objetivos éticos e sociais. As fórmulas políticasconcernentes à estruturação e ao mecanismo estatal, guardados certos princípios fundamentais, sãoapenas meios para alcançar a finalidade fundamental.

Cumpre, por isso, que, na discussão e eleição dos meios, não se percam de vista os fins.Todo cidadão deve ser político, político no bom sentido da palavra. Ser político no bom

sentido significa cooperar ativamente com a própria opinião e voto para o bem geral.O debate político deve versar sobre a caracterização e definição do bem comum e sobre a

escolha dos meios mais adequados de realizá-lo. Como as questões políticas envolvem, geralmente,matéria opinativa e se traduzem, como se diz em lógica, em juízos de valor, cumpre acatar erespeitar todas as opiniões enquanto se possa apurar e autenticar a sua sinceridade e não sejam odisfarce de interesses ou quizílias pessoais.

Todos os sistemas oferecem vantagens e desvantagens. A discussão política deve ter porobjetivo a evidenciação de umas e outras. Justamente porque não se pode demonstrarmatematicamente a "verdade" política, o seu critério é expresso, nas democracias, pelo acordo damaioria.

Por essa mesma razão, todo debate político deve ter por finalidade a constituição e apuraçãodessa maioria em torno de determinada tese, sistema ou solução.

Duas condições são, por isso, fundamentais no funcionamento da democracia: primeiro, aliberdade de debate político; segundo, a liberdade e a garantia do voto.

Constitui, portanto, dever fundamental e elementar do governo assegurar ao povo todas ascondições que lhe permitam manifestar as suas simpatias e preferências por este ou aqueleprograma e a escolha dos nomes de sua confiança para executá-lo.

Se os indivíduos que ocupam os postos governamentais podem e devem, como qualquercidadão, ter convicções políticas, o governo como tal não pode parcializar-se. Os altos cargos daadministração pública não são propriedade de partidos e muito menos de indivíduos. Pertencem aopovo e é a ele que incumbe designar, por meio do voto, quem deve exercê-los.

Governo é magistratura e a sua ação não pode ser facciosa. Aqueles que se valem do poderpara fins partidários e como instrumento de coação, degradam a autoridade, são indignos da funçãoque exercem e cometem uma traição contra o povo.

Nada há, por isso, de tão absurdo como o slogan de que o Governo precisa ganhar e vaiganhar as eleições. Pode, sem dúvida, o partido que está no poder disputar e ganhar o pleitoeleitoral, porém lisamente, em concorrência e em igualdade de condições com as demais correntesde opinião.

Cumpre, pois, fazer a nítida distinção entre governo e partido e não identificar um comoutro.

O poder é apenas um sistema de meios políticos e jurídicos para a realização de umprograma que presume exprimir o bem comum. Desde o instante em que o povo opte por outrasdiretrizes, o partido que está no poder deve entregá-lo ao que venceu e se impôs na simpatia e naconfiança popular.

Somente quando se considera o governo não como o aparelhamento técnico e jurídico parasatisfação de necessidades e realização de aspirações coletivas mas como um instrumento a serviçode interesses privados é que se criam obstáculos à livre manifestação da vontade popular.

Para um partido que está no poder, a derrota nos comícios eleitorais deveria significar a maisbela das vitórias, pois constituiria a prova cabal e indiscutível da correção, da Usura e da dignidadecom que os governantes souberam desempenhar e honrar o seu mandato.

Tudo o que acaba de ser dito são noções elementares - quase lugares-comuns - mas queconvém relembrar e repetir no momento em que se fala em eleições e existe a probabilidade de quevenham a realizar-se.

Façam-se, pois, eleições, mas eleições livres e honestas, sem golpes, sem truques, semmalabarismos, eleições por onde se filtrem todos os matizes da opinião nacional.

E de esperar que as novas gerações, que não conhecem ainda os processos da velha

Page 57: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

politicalha, não se deixem envolver e contaminar por ela, mas se disponham antes a repeti-la e acombatê-la.

É necessário desinçar a política nacional do profissionalismo e do caudilhismo. Enquantoainda houver sintomas dessas duas pragas, principalmente da última, que se manifesta sob váriasformas e constitui mal endêmico em certas repúblicas centro e sul-americanas, o Brasil não poderáaspirar ao primeiro plano da escala internacional onde se alinham as nações cultas e civilizadas.

Um povo revela o seu verdadeiro nível cultural no funcionamento das instituições políticasque, nas democracias, têm como premissa e pressuposto fundamental a verdade eleitoral.

Sem esta verdade, nenhum governo saindo das umas será legítimo, porque será um produtoda coação ou da fraude e nunca a expressão da vontade soberana do povo.

PASQUALINI, Alberto. Governo e Partidos. Correio do Povo, Porto Alegre, 11 fev. 1945. p. 4.

Page 58: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Candidaturas Programas

... um programa não deveria ser um simples ato fornial,a poste-tiori, parajustificar uma candidatura, mas, antes, cumpriria ser esta a decorrência lógica enatural de um programa.

Depois de escolhidos os candidatos à Presidência da República, estão as duas correntestratando de elaborar os respectivos programas. Nada se conhece ainda do seu conteúdo e das suastendências, a não ser, segundo consta, que os dois candidatos estão de acordo precisamente noponto que deveria constituir o motivo da divergência.

Assim, o objetivo primário e fundamental da candidatura oposicionista é reformar a Carta de1937 e os respectivos suplementos; o candidato governamental, segundo se informa, também julganecessária essa reforma, admitindo, para esse fim, que se devem atribuir ao futuro Parlamentofunções de poder constituinte.

Restaria saber, pois, no que irão diferir os dois programas. Talvez em muito pouco, talvezem nada. Excluída a questão programática, ficará o campo da divergência restrito àsincompatibilidades ou simpatias pessoais ou ainda aos postos de governo, que uns procurarãoconservar e outros conseguir.

O erro fundamental está em que um programa não deveria ser um simples ato formal, aposteriori, para justificar uma candidatura, mas. antes, cumpriria ser esta a decorrência lógica enatural de um programa. A garantia de sua execução, por outro lado, não poderá residir apenas nosatributos morais do candidato, mas, principalmente, num movimento de opinião organizado, quetenha raízes na consciência e na vontade popular, numa força política arregimentada e mobilizadaem defesa permanente de determinados princípios e soluções.

O que se está verificando em nosso País é uma inversão de processos, fato de que não sepode, evidentemente, excluir a responsabilidade do Governo.

Se, antes de se agitarem candidaturas e questões eleitorais, houvesse o governo restabelecidoa uberdade de manifestação do pensamento, se houvesse encaminhado a reforma constitucional poroutros processos mais condizentes com os postulados jurídicos e os desejos da opinião, poder-se-iam, certamente, consagrar tantas energias malbaratadas no exame de questões fundamentais e cujasolução qualquer programa político-partidário deve enunciar.

À discussão destinada a esclarecer a opinião pública, dever-se-iam seguir, logicamente, asformações partidárias, propugnando estes ou aqueles objetivos, estas ou aquelas soluções,realizando-se, por fim. os comícios eleitorais.

O debate político irrompeu, porém, com o lançamento de candidaturas, visando objetivosmais ou menos imediatistas e restritos e deixando à margem os verdadeiros interesses do povo que,na sua grande maioria, se mantém indiferente, no meio do ambiente de confusão, de desalento e deceticismo que se criou.

A candidatura Eduardo Gomes foi apresentada na presunção de que o Sr. Getúlio Vargaspretenderia eleger-se e continuar. Sou dos que não acreditam nessa hipótese pela simples razão deque tudo se pode negar ao Presidente da República, menos inteligência. A sua candidatura seria omaior erro que ele poderia cometer contra si. Para um homem que dirigiu o País

Page 59: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

discricionariamente, que tinha nas mãos todos os poderes e a solução de todas as questões, quegovernou e administrou de acordo com os seus pontos de vista, sem ter que dar satisfação a quemquer que fosse, seria porventura interessante continuar na Presidência da República num regime delimitações, de freios, de controle, sofrendo ainda a violência dos ataques adversários? Seriainteressante manter-se na Presidência com a ação restrita, principalmente no momento em que aNação terá de enfrentar os gravíssimos problemas de pós-guerra?

Sabe muito bem o Sr. Getúlio Vargas que as circunstâncias exteriores e os acontecimentosinternos não permitiriam conservar a estrutura política da Carta de 1937. Teria, pois, de irtransigindo e capitulando ante a pressão interna e externa, desgastando as energias em lutaspolíticas, pouco ou nada mais podendo realizar no setor administrativo.

O Presidente da República é um político bastante hábil e perspicaz para não correr os riscosdeste momento de transição. Acredito, embora possa estar errado, que ele jamais se colocaria entreos termos de uma contradição que poderia comprometer o saldo favorável de sua obra e cujojulgamento não compete aos amigos ou inimigos, mas à História.

Com a declaração formal do Presidente de que não pretende eleger-se e com o lançamentoda candidatura de Gaspar Dutra, está agora a Nação entre dois candidatos que. essencialmente, maisse aproximam pelas semelhanças do que se extremam pelas diferenças. É para as suas mãos quedeslizará o eixo da política nacional. Ambos são militares e não políticos. Existe, pois, a grandepossibilidade de que a crise nacional venha a ter uma solução, não como a querem ou desejamcertos políticos, mas como o exigem os interesses do País. Bastará aproveitá-la e isto está nas mãosdos dois ilustres soldados.

Eles saberão, por certo, colocar a pátria acima das dissensões de grupos e dasincompatibilidades pessoais.

O que cumpriria, pois, antes de tudo, seria um entendimento com referência à divisão decompetência e atribuições entre os poderes Legislativo e Executivo, restabelecendo-se o equilíbrioevidentemente rompido pela Carta de 1937 e restituindo-se ao Parlamento as prerrogativas que lhesão. por assim dizer, conaturais. Resolvida esta preliminar, que concentra todo o debate atual e emque parece não haver divergências entre os candidatos, tratar-se-ia de examinar outras questões decaráter fundamental e de natureza social e econômica.

Será pela forma de encará-las e resolvê-las que se hão de caracterizar e diferenciar, emessência, as correntes de opinião.

Quanto à autoridade e sinceridade dos programas e a certeza moral de sua execução, sabe opovo que todo programa envolve uma promessa e que esta vale por quem a faz...

PASQUALINI, Alberto. Candidaturas e Programas. Correio do Povo, Porto Alegre, 1º abr. 1945. p.4.

Page 60: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

A Lição das Greves

Uma razão única, que é a necessidade de viver, induzir os trabalhadores ao usodesse recurso extremo e um único direito invocam eles, direito que não é simplescriação legal e que, por isso mesmo, nenhuma lei pode suprimir, porque decorre daprópria natureza: o direito de viver.

Não pretendo fazer aqui a apologia da greve, que é um recurso de que os trabalhadoresdevem lançar mão somente em casos excepcionais. Nos próprios países de legislação socialavançada, o exercício do direito de greve está devidamente regulamentado, especificando-se quaisos casos e em que condições pode aquela legitimar-se.

Assim, estabelece a Constituição do México no art. 123, inciso XVIII, que “as greves serãolícitas quando tenham por objeto conseguir o equilíbrio entre os diversos fatores da produção,harmonizando-se os direitos do trabalho com os do capital”.

"Nos serviços públicos - prescreve o mesmo dispositivo constitucional - será obrigatóriopara os trabalhadores dar aviso, com dez dias de antecedência, à Junta de Conciliação e Arbitragem,da data fixada para a suspensão do trabalho. As greves somente serão consideradas ilícitas quando amaioria dos grevistas exerça atos de violência contra as pessoas ou propriedades, ou em caso deguerra quando aqueles pertençam aos estabelecimentos e serviços que dependem do governo."

O exercício do direito de greve vem ainda longamente regulamentado na Lei Federal doTrabalho, que também fixa o processo para dirimi-la. Antes de declará-la, por exemplo, devem ostrabalhadores formular por escrito as suas reivindicações ao empregador, comunicando o propósitode recorrer à greve, devendo caracterizar-lhe o objeto e indicar o dispositivo legal em que sefundamenta. O aviso deve ser dado com seis dias de antecedência ou de dez, quando se trate deserviços públicos.

Segundo a lei mexicana que estamos citando e que é das mais modernas, a greve deve terpor finalidade:

a) conseguir o equilíbrio entre os diversos fatores da produção harmonizando os direitos dotrabalhador com os do capital;

b) obter do empregador a celebração e o cumprimento do contrato coletivo de trabalho;c) exigir a revisão do contrato coletivo, ao terminar o período de vigência nos termos e casos

estabelecidos pela lei;d) apoiar uma greve que tenha por objeto algumas das finalidades acima mencionadas e que

não tenha sido declarada ilícita.Fora dos casos e condições legais, a greve é considerada ilícita.A Carta Constitucional de 1937 não admite a greve, que considera recurso anti-social,

nocivo ao trabalho e ao capital e incompatível com os interesses da produção nacional. Ainstauração do dissídio coletivo seria, segundo a nossa legislação trabalhista, o meio de pleitear amodificação das condições de trabalho.

Fazendo, porém, obstrução do aspecto jurídico da greve e examinando os movimentosirrompidos unicamente através de suas causas determinantes, parece não haver dúvida serem elas decaráter meramente econômico. Uma razão única, que é a necessidade de viver, induz os

Page 61: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

trabalhadores ao uso desse recurso extremo e um único direito invocam eles, direito que não ésimples criação legal e que, por isso mesmo, nenhuma lei pode suprimir, porque decorre da próprianatureza: o direito de viver.

De acordo com a nossa legislação vigente, especialmente a legislação de guerra, penasseveríssimas poderiam ser aplicadas aos grevistas. Quem, entretanto, ousaria invocar essas leis paraameaçá-los, acusá-los ou condená-los?

Há no Brasil um problema sério e grave, que cumpre estudar e resolver, o do tremendodesequilíbrio que a inflação trouxe para a economia das classes proletárias.

Todos sabem que uma das conseqüências da inflação é enriquecer, pelo menosmomentaneamente, a classe patronal e empobrecer sempre mais os que vivem de salários. Devemosreconhecer a dura realidade e a triste verdade expressa já no slogan de que, na situação atual, osricos ficam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. A razão é muito simples: os ricospossuem bens, propriedades, meios de produção, mercadorias, que se valorizam fantasticamentecom a inflação; os pobres só têm o salário e este é uma expressão monetária que se degrada sempremais e cada vez vale menos.

O simples aumento dos salários, por si só, não resolverá o problema, porque esse aumentotambém concorrerá para ativar o processo inflacionário e conseqüentemente, elevar ainda mais ocusto de vida. Aumento de salário significa aumento do custo de produção, da capacidade aquisitivae, portanto, maior procura de bens e utilidades, contribuindo dessa forma para o seu encarecimento.

O que cumpre é romper esse círculo vicioso e isso só se conseguirá com o aumento daprodução de utilidades de consumo, a redução dos gastos públicos improdutivos, notadamente, namedida do possível, as despesas militares que absorvem grande percentagem dos ingressospúblicos, a taxação dos lucros e aplicação da respectiva receita exclusivamente em obras e serviçosde assistência social, a simplificação do cipoal legislativo que entrava a produção e entorpece acirculação da riqueza e, finalmente, com a adoção de outras medidas, em cuja execução devemcolaborar o Governo e todas as classes interessadas.

O Governo, sem dúvida, não se poderá eximir da culpa de não ter tido a previsão necessáriae de não haver acudido, em momento oportuno, para prevenir ou circunscrever a extensão do mal.Atribuir-lhe, porém, a integral responsabilidade é um absurdo que o bom senso não deve admitir.

E certo, que, muitas vezes, as dificuldades que estão nas coisas se aliam à incapacidade ouao descaso das pessoas em resolvê-las. O dia, porém, que se conseguir eliminar esses percalços, omundo terá dado um grande passo no caminho da perfeição.

O aspecto mais sombrio, entretanto, das perspectivas que se desenham diante dos nossosolhos reside na circunstância de que o País terá de enfrentar os mais sérios problemas sociais eeconômicos justamente no momento em que se verifica a eclosão de uma crise política, cujoprocesso e cujas conseqüências não se podem ainda claramente prever e calcular.

Lamentavelmente, os interesses políticos que se entrechocam parecem obscurecer a visãoexata da situação e das verdadeiras necessidades do povo que apenas são afloradas como tema deexploração facciosas e não com o intuito e o interesse patriótico de estudá-las e satisfazê-las.

Aí está, porém, a lição dos fatos e sobre o que ela significa e pode pronunciar devem refletirtodos aqueles que têm responsabilidades nos destinos do País.

Vivemos numa época em que a política, como ciência e arte de conduzir sociedade e derealizar o bem-estar social, não deve ser feita apenas por políticos, mas interessar a todos, porquesomente pela compreensão, concurso e boa vontade de todas as classes, por uma conjugação deesforços comuns, sem preocupações subalternas e sem intuitos egoísticos e pela ação esclarecida esegura dos governos, se poderão erradicar as causas do mal que está minando e debilitando oorganismo nacional.

PASQUALINI, Alberto. A lição das greves. Correio do Povo. Porto Alegre, 8 abr. 1945. p.4.

Page 62: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Nas Vésperas da Constituição

Nossos constituintes não fizeram uma Constituição para o brasil,mas para um país de natureza abstrata.

Quando, dias atrás, no Rio de Janeiro, a tensão nervosa da população, conseqüência dasdificuldades e privações que a torturam, explodiu num lamentável movimento depredatório, umilustre parlamentar propôs que a Assembléia Constituinte se considerasse em sessão permanente atéa promulgação da Constituição. Julgava, possivelmente, o nobre deputado, que os males que nosafligem seriam tanto antes debelados quanto mais cedo fosse promulgada a lei fundamental do país.

Esse pensamento era, aliás, muito razoável num constituinte, compenetrado e convicto comodevia estar da transcendente função política, histórica e social da elaboração constitucional.

Mas, sem menoscabar ou subestimar o alívio psicológico que a futura Constituição poderátrazer às nossas aflições, julgamos que será prudente não nos fazermos demasiadas ilusões sobre assuas milagrosas virtudes.

Uma Constituição, por si só não resolve problemas. Pode apenas facultar e facilitar os meiosjurídicos e políticos de sua solução. Terá a Constituição de 1946 escolhido os meios maisadequados? Isso é o que veremos em breve quando a obra dos constituintes for submetida à provada realidade.

Há, a respeito, muitos prognósticos pessimistas e não se pode deixar de reconhecer queexistem para isso fundadas razões.

Os constituintes de 1946, precisamente porque egressávamos de um período ditatorial, e semostraram aflitos com o problema da liberdade e de suas garantias jurídicas. Preocuparam-se mais(notadamente os da oposição) em combater, corrigir e apagar, como diziam, os vestígios daditadura, do que em criar uma estrutura política e jurídica em consonância com os postulados e asnecessidades sociais dos nossos dias.

Na campanha política, explodiram ódios e ressentimentos, de longa data represados. Isso eranatural, mas tais questões não podiam interessar ao povo. Os políticos invectivavam um passadoque se extinguia enquanto o povo dirigia os seus olhares para o futuro onde punha as suasesperanças.

Como conseqüência dessa assintonia desse desentendimento e dessa incompreensão, aConstituição de 1946 será ainda a dama espartilhada de 1891 com o rouge da legislação trabalhistado Estado Novo. As garantias jurídicas da liberdade terá adicionado as garantias jurídicas dotrabalho. Não terá aberto, porém, nenhuma perspectiva nova para a solução das grandes questõesnacionais, para a solução dos problemas sociais, para a instituição da verdadeira justiça distributivaque, nos seus textos, será apenas uma figura de retórica.

Dirão que, no capítulo dos direitos sociais, há uma grande novidade: a participação dostrabalhadores nos lucros das empresas.

O anteprojeto consignava simplesmente a participação do trabalhador nos lucros.Posteriormente, foram apresentadas diversas emendas. Queriam umas que a participação fossedireta; outras, que fosse direta ou indireta, deixando a solução para a lei ordinária; por fim, umaterceira fórmula propunha que se criasse uma contribuição social sobre os lucros para o custeio de

Page 63: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

um amplo plano de assistência social.Na votação do projeto e das emendas, segundo agora informa a imprensa, prevaleceu a

primeira solução: a participação direta. O extraordinário é que foi ela defendida por trabalhistas,comunistas e, representantes mais reacionários do capitalismo.

Ouvi de certo político a seguinte explicação: a participação direta dos trabalhadores noslucros é inexequível praticamente. Todos o sabem, menos os trabalhadores que vivem embalados nadoce ilusão de que vão associar-se aos dividendos dos patrões. Pleitearam uns a participação diretapara agradar aos trabalhadores e mostrar que são seus amigos e defensores; outros, os capitalistas,porque sabem de antemão que a fórmula jamais será executada: por fim, os comunistas a apoiaramporque querem que o proletariado compreenda que não deve confiar nos processos do capitalismo...E acrescentou: mundus vult decipi, ergo decipiatr. O povo quer ser enganado; portanto, para sermosagradáveis ao povo, não há outra solução senão enganá-lo...

Não sei se a explicação é exata, pois parece muito cínica para ser correia. E de se acreditarque a maioria dos constituintes tenha sido sincera na formação dos seus pontos de vista. Certo,porém, é que a disposição votada será letra morta, porque a participação direta do trabalhador noslucros é de tão difícil realização prática, que o preceito constitucional jamais será regulamentado. E,ainda que um dia o viesse a ser, grande seria a decepção dos trabalhadores, eis que, na partilha doslucros, não lhes tocariam quantias maiores que as gratificações que os patrões, por ocasião dasfestas de fim de ano, distribuem espontaneamente aos seus auxiliares.

Mas, não é só isso. Desde que seja o patrão legalmente compelido a abrir mão de umaparcela dos lucros em favor dos seus empregados, se sentirá desobrigado de proporcionar-lhesquaisquer outros benefícios ou de aumentar-lhes os salários. Quando, pois, os empregadosreclamarem melhoria de remuneração, terão os patrões sempre pronta esta resposta: trabalhem eproduzam mais, pois assim os lucros serão maiores e ganharão mais...

Nossos constituintes não fizeram uma Constituição para o Brasil, mas para um país deexistência abstrata. Não se aperceberam de que entre nós, os problemas sociais e econômicos sãoainda de caráter elementar e assistencial e que só poderemos resolvê-los se dispusermos de grandemassa de recursos financeiros e se a aplicação desses recursos for convenientemente concentradanessa finalidade.

Por que e para que acenar aos trabalhadores com perspectivas ilusórias, com esperanças vãs,com benefícios que jamais serão outorgados? Por que esse engodo constitucional, essa mistificaçãodemagógica que só pode ter o efeito de ludibriar o proletariado? Se houvesse o sincero propósito demelhorar as condições de vida das massas trabalhadoras, outras deveriam ser as soluções: soluçõessimples, práticas, exeqüíveis e eficientes.

Se a Constituição instituísse uma contribuição sobre os lucros e fixasse ao mesmo tempo aquota mínima dos lucros a ser socializada, isto é, a ser aplicada em obras e serviços de recuperaçãosocial e econômica, então, sim, estaríamos diante de uma fórmula concreta cuja execução poderiaser imediatamente iniciada. Disporíamos de bilhões de cruzeiros para serem investidos na instalaçãode colônias agrícolas onde se processaria a recuperação social, econômica e educacional daspopulações rurais, que vivem na miséria e no abandono, aumentando o seu potencial aquisitivo eprodutivo e abrindo mercados para as nossas indústrias. Disporíamos de bilhões para a organizaçãode institutos de crédito que proporcionariam o financiamento, sem juros, para a aquisição damoradia, para as cooperativas de produção e de consumo; disporíamos de bilhões para combater atuberculose, que dizima a população, a mortalidade infantil, as endemias rurais; disporíamos debilhões para centuplicar as escolas e todos os meios e organismos de assistência social.

Somente depois de havermos resolvidos adequadamente esses problemas elementares é quepoderíamos pensar em outras soluções que nem os povos mais cultos, mais civilizados e de muitomais alto padrão de vida, cogitaram até agora de sugerir e de equacionar.

O mal das constituições é serem feitas por políticos e não por estadistas. Muitos daquelestêm outras preocupações que não as verdadeiras necessidades do povo, embora quase sempre asmascarem sob o disfarce do interesse público.

Nossos políticos discursaram liricamente sobre os problemas da liberdade e da democracia,

Page 64: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

esquecendo que, para a grande maioria do povo, há outro problema excruciante que é o danecessidade. A Uberdade política sendo, sem dúvida um dos maiores bens é, no entanto, apenas opressuposto para conseguir a libertação da necessidade. E mister, por intermédio dos processos daliberdade e da democracia, resolver o problema da necessidade e realizar a justiça social.

O erro do fascismo consistiu em pretender alcançar esses fins por outra forma, isto é, pelasupressão da Uberdade. O erro de certos democratas é querer instituir os meios esquecendo os fins,o que tornará ilusória e sem sentido a existência daqueles.

Em toda a campanha política que precedeu às eleições só se discutiram temas e se ouviramchavões da Revolução Francesa. Eis por que, para o povo, não passou de palavrório oco e vazio.Por fim, qual foi o resultado? foi realmente salva a democracia e a liberdade política? O povo teveapenas a alternativa de escolher entre dois generais. Quem o afirma é o próprio General GoisMonteiro numa de suas recentes entrevistas. “O Presidente Dutra - advertiu o ilustre titular daGuerra - foi sufragado por mais de três milhões de brasileiros. Sua eleição resultou do espírito e dascircunstâncias criadas pelo 29 de outubro e não só por força da ação do PSD. Todo mundo sabeque, antes daquele movimento, a ação do PSD era morna e macia...”

Ora, em 29 de outubro de 1945, houve no Rio de Janeiro uma parada de tanques. Logo, se aeleição do atual presidente resultou dessas circunstâncias devemos, necessariamente tirar aconclusão de que foram os tanques os seus verdadeiros eleitores.

Sem entrar no exame desses fatos, teremos de reconhecer que poderiam eles caracterizar,quando muito uma “tanquecracia” nunca, porém, uma democracia.

Mas... o que passou, passou. Afinal de contas, estamos na América do Sul e não naInglaterra ou nos Estados Unidos.

E necessário que a liberdade política exista e seja assegurada. E um imperativo como secostuma dizer retoricamente, da “dignidade humana”. E necessário que a democracia (ainda queseja este nosso simulacro de democracia) funcione. Isto, porém não basta, pois teremos apenas àdisposição os meios jurídicos para realizar outros objetivos fundamentais do homem e do cidadão.De que lhe serve a uberdade, de que lhe adiantam as urnas, se não tem saúde, se não tem pão, nãotem teto, e não tem justiça?

Não se caia, pois, no perigoso engano de imaginar que a Constituição, por um passe demágica, venha resolver e sanar tudo. Depois de promulgada continuarão as filas e o mercado negronão acabará.

O leite não jorrará nas leitarias, nem o pão ficará mais branco. A inflação tambémcontinuará, como o déficit, a tuberculose, o analfabetismo, a mortalidade infantil e a misérianacional.

A grande tarefa ainda não está começada, nem sequer esboçada. Se os nossos nobres eilustres pais da pátria não se compenetrarem dessa verdade, verdade que coloca a solução dosgrandes problemas nacionais fora do alcance dos temas e das combinações meramente políticas, nãose surpreendam e não se espantem quando um dia, depois de haverem votado uma Constituição, queconsideram a panaceia dos nossos males e a suprema garantia da liberdade e da democracia, o povolhes der as costas e corra a bater palmas aos ditadores...

PASQUALINI, Alberto. Nas vésperas da Constituição. Correio do Povo, Porto Alegre, 10 set.1946. p. 4.

Page 65: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Discurso como Candidato

Devemos voltar as nossas vistas para aqueles que não têm terras, não têmmorada, não têm sequer um lugar onde morrer.

Já na sua qualidade de candidato do Partido Trabalhista a governador do Estado, o Sr.Alberto Pasqualini proferiu o seguinte discurso-plataforma:

“Nunca poderia imaginar, nunca poderia prever nos dias de minha infância e de minhaadolescência, quando, vivendo entre humildes trabalhadores e agricultores, compartilhava de suasdificuldades e de suas aflições, pudesse um dia ser-me reservado o extraordinário privilégio e aglória imerecida de vir a ocupar esta posição de combate em defesa de sua causa.

O destino se serve às vezes dos mais humildes instrumentos para auxiliar a realização dosseus desígnios. E o desígnio da Providência é, agora, em todos os confins da terra, a redenção, aexaltação e a vitória do trabalhador.

A redenção do trabalhador brasileiro iniciou-se em outubro de 1930 e é um movimento quecontinua e que continuará enquanto houver sinais de sofrimento e de lágrimas nas faces doshumildes e dos pequeninos.

Nada poderá detê-lo: nem a cegueira de uns, nem o egoísmo de outros. Nada poderá resistir-lhe, porque é uma força que emana do fundo das nossas consciências e dos nossos corações eporque é uma determinação do próprio Criador.

Sim, seria incompreensível como nos pudéssemos estar amando uns aos outros, comopudéssemos estar cumprindo o preceito evangélico, enquanto houvesse sobras e alegrias nospalácios dos ricos e somente privações e sofrimentos nos lares dos pobres.

Nosso movimento não é, por isso, um movimento de espoliação, mas um movimento dereparação e de justiça. O que apenas reivindicamos é que se dê a cada trabalhador, a cada criaturahumana aquilo que, por direito lhe deve pertencer, isto é, uma razoável participação nos frutos doseu trabalho e nos bens materiais e espirituais que constituem hoje o patrimônio da civilização e dacultura.

Poderia parecer, à primeira vista, que trabalhismo e capitalismo são posições antitéticas.Não obstante, nossa atitude perante o regime capitalista é clara e definida: não somos contra ocapital privado, não o combatemos e não pretendemos suprimi-lo, porque entendemos maisconveniente que a coordenação dos meios de produção continue sendo de iniciativa privada.Pensamos ainda que se não deve procurar instituir um regime onde se tente o bem-estar materialcom o sacrifício da liberdade, que é o supremo bem. Mas, julgamos também que essa liberdade nãopode e não deve ser usada para oprimir as massas proletárias ou para negar-lhes o direito elementarde viver ao abrigo da necessidade, de viver com decência, com conforto e com um pouco de alegriaque não deve estar ausente em nenhum coração humano.

Somos, sim, contra o capitalismo extremamente individualista, reacionário e egoísta. Somoscontra o capitalismo parasita cujo único escopo é acumular lucros e fortunas para serem usufruídaspor poucos com o sacrifício de muitos.

Bem sabemos e compreendemos que, na sociedade humana, nem todos têm os mesmosatributos naturais, as mesmas habilitações, o mesmo poder de concepção e de ação. Devemos

Page 66: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

estimular a capacidade empreendedora do indivíduo, pois, no regime capitalista, é a ele que estápraticamente condicionado o progresso econômico do país.

Cumpre, porém, por outro lado que essa capacidade não se exercite apenas em amontoarlucros, mas que tenha também um sentido social, isto é, seja dirigida segundo os interesses dacoletividade.

Quando, por exemplo, se cria uma empresa, não devem os seus organizadores pensar apenasnos lucros que a mesma empresa lhes vai proporcionar, mas refletir que a sua produção ou os seusserviços irão atender necessidades humanas e que exigirão também o concurso e o trabalho decriaturas humanas. É necessário que se estabeleça um nexo de solidariedade entre essasnecessidades, os trabalhadores que acionam os instrumentos da produção e as pessoas quecoordenaram o empreendimento. Somente quando na distribuição dos benefícios se ponderaremdevidamente todos esses fatores o empreendimento terá caráter social.

Nos tempos atuais, já não podemos conceber o capital sob o prisma do jus abutendi, isto é,do direito de dispor exclusivamente segundo as próprias conveniências. Devemos antes considerar ocapital e a propriedade como uma espécie de delegação, ou mandato da sociedade ao indivíduo parao fim de desenvolver o bem-estar econômico e social.

O mundo está passando da concepção individualista para a concepção solidarista da vida.Quando Cristo prescreveu aos homens de se amarem uns aos outros, não dispensou desse

preceito os capitalistas. Não será possível, porém, que nos amemos uns aos outros, não estaremosobservando o mandamento divino, se o poder econômico, privilégio de alguns, for utilizado comoinstrumento de exploração.

Entre o capitalismo individualista e a supressão do capital privado, há uma posiçãointermediária na qual nos colocamos e em que se procura considerar a empresa, isto é, a conjugaçãodos fatores da produção, como uma comunhão de interesses que devem ser tratados com eqüidadena partilha dos benefícios.

Mas, se desejamos organizar a sociedade e a economia segundo os princípios da justiçasocial, se queremos realmente atender interesses dos trabalhadores, precisamos então agir emsentido prático, olhar para as suas necessidades e escolher os meios de satisfazê-las.

Não se melhoram as condições de vida do povo apenas com frases e boas intenções.Precisamos pôr de lado a retórica, as especulações abstratas, a declamação demagógica, para atacaros problemas sociais com senso de objetividade.

O grande erro de muitos políticos é não compreenderem que o povo quer coisas simples. Opovo quer pão, quer leite, quer carne, quer poder vestir-se e ter uma casa decente para morar. Opovo quer meios de trabalho, quer escolas e hospitais; quer honestidade, lealdade e justiça. Simplessão também as coisas que O povo não quer. O povo não quer viver na miséria, não quer serexplorado, não quer mercado negro, não quer que os filhos se criem analfabetos ou morramtuberculosos, não quer ser ludibriado por políticos inescrupulosos ou enganado por promessas quenunca se hão de cumprir.

Bem sabemos que os problemas do povo não se resolvem da noite para o dia. Sabemos quehá muitas dificuldades e um longo caminho a percorrer. A maior dificuldade não está, geralmente,na falta de boa vontade dos governos, mas na ausência ou deficiência de meios. Parece lógico,porém, que, se queremos os fins, devemos também querer os meios e estes devem ser procuradosonde se encontram.

Obra social, senhores, não se faz com palavras, mas com recursos e muitos recursos. Quemdeve proporcioná-los? Os trabalhadores? Os funcionários públicos? Os marginais? Evidentementenão. Os recursos só podem ser fornecidos por aqueles que têm algo para dar e sobras que podemdispensar.

Aliás, os capitalistas, sobretudo, a maioria dos nossos capitalistas, não opõem a isso a menorobjeção porque compreendem que, se a sorte os favoreceu na vida, criou-lhes também encargos aque se não podem subtrair. Compreendem que uma parte da riqueza que representa acumulação delucros, deve voltar às suas origens para que a sociedade se desenvolva harmonicamente e não hajanela desequilíbrio que lhe comprometa a estrutura. Não há maior perigo para o regime capitalista do

Page 67: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

que uma sociedade miserabilizada, como não há maior inimigo do capitalismo do que o própriocapitalismo egoísta e parasitário.

As classes mais favorecidas têm portanto deveres para com a coletividade, cabendo aoEstado fixar-lhes ajusta medida de acordo com as necessidades sociais.

Precisamos, pois, se quisermos que o Estado realize efetivamente obra trabalhista, ampliaras bases de suas possibilidades financeiras, sem o que sempre estaremos no domínio da ficção, daspromessas e da palavra oco e vazio.

O trabalhismo não pode ser uma atitude meramente sentimental, romântica ou platônica.Muito menos deverá ser uma expressão demagógica ou do esnobismo político. O trabalhismo devecaracterizar-se por uma posição clara e definida perante as concepções e os problemas sociais e poruma série de soluções práticas para esses mesmos problemas.

Precisamos, pois, traçar as nossas diretrizes e devemos fazê-lo com sinceridade e lealdade.Devemos expor claramente ao povo os nossos pontos de vista, os nossos objetivos e as soluções queapontamos e defendemos. Cumpre, antes de tudo, que nós mesmos nos compenetremos e nosconvençamos da necessidade dessas soluções para que possamos, então, com convicção,entusiasmo e decisão cada vez mais crescentes, bater-nos pela execução do nosso programa.

Se somos um movimento de caráter social-trabalhista, nossos compromissos deverão ter porobjeto, antes de tudo, os interesses das classes trabalhadoras, isto, é, do proletariado e dos pequenosagricultores. Isso não significa que descuremos as questões de base da nossa economia e oslegítimos interesses de outras classes; desejamos apenas acentuar as tendências e caracterizar osentido da nossa orientação.

Pelo fato de ser o nosso movimento de índole trabalhista, não quer dizer, por isso, que nelese não possam integrar elementos capitalistas, pois todos aqueles que apoiam ou desejam verrealizado nosso programa são trabalhistas no sentido político e ideológico da expressão.

Todos os que olham os problemas do mundo e da nossa terra com visão e compreensão,todos os que se apercebem da marcha evolutiva da sociedade humana e do sentido dessa evolução,todos que possuem sentimentos verdadeiramente cristãos e que não fazem do cristianismo apenas aantemural dos seus interesses materiais ou o disfarce de sua hipocrisia, não poderão deixar de sertrabalhistas, isto é, de desejar que a ordem social propenda para uma crescente igualação de todosos homens, igualação não apenas jurídica ou teórica, mas também econômica e efetiva.

Creio que, no futuro, quando nossa rudimentar democracia conseguir realmentemovimentar-se e gravitar em tomo de idéias e soluções, quando os partidos deixarem de ser oproduto ocasional de fatores meramente políticos, quando a linha divisória das agremiações não formais demarcada com as cores das conveniências que vinculam os homens ao poder, então só haverálugar para três grandes caudais da opinião pública: a corrente conservadora do capitalismo privatistacom os interesses que lhe estão ligados; a corrente oposta, anticapitalista, da produção e a correnteintermediária da concepção solidarista e cristã do capital e do trabalho da socialização parcial dosbenefícios decorrentes da conjugação dos fatores da produção.

A primeira estrutura é a herança do passado, julgam alguns que a segunda concepção talvezvenha a ser a estrutura do futuro, do futuro remoto, ao passo que a terceira, que se situa na Unhaintermediária, é a que emerge no presente e que se projetará no futuro próximo como a solução maisconsentânea com o estado atual da nossa evolução social.

Parece insensato ficarmos chumbados ao passado e pouco prático fazermos planos somenteexeqüíveis quando a humanidade tiver atingido a sua perfeição moral. Se seria um crime, diante deum homem que tem fome, dizer-lhe que não tem direito de comer, seria também magro consoloconvencê-lo de que, daqui a alguns séculos, tal fato não acontecerá. O mais razoável será dar-lheum prato de comida e arranjar-lhe uma ocupação adequada.

Peço, senhores, que me perdoeis de estar falando uma linguagem demasiadamente singela. Eque presumo estar me dirigindo a trabalhadores e não a filósofos ou a políticos. Estes constituem,sem dúvida, uma respeitável classe - à qual, em certo sentido também pertencemos...

Preferem, entretanto, os políticos - pelo menos os políticos que se julgam sagazes - ladearcertas questões a fim de não se comprometerem ou não se incompatibilizarem com esta ou aquela

Page 68: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

parte do eleitorado. Ficam, por isso, sempre e cautelosamente na amplidão das generalidades, ondehá muito espaço para divagar e fazer do sofrimento humano um tema de imagem poética e figurasde retórica.

Nós não podemos usar dessa tática e seguir esse caminho. Devemos falar clara eobjetivamente. Devemos indicar os nossos rumos, traçar as nossas diretrizes, sem o receio deprovocar resistências ou de perder eleitores, porque estes só interessam quando o voto documentauma convicção.

Mais do que a vitória eleitoral deve preocupar-nos a vitória de nossas idéias e de nossaorientação. Não somos imediatistas e temos a certeza de que elas, as nossas idéias, hão de triunfarporque estamos dentro da linha de evolução do mundo.

Muitos que hoje, por equívoco ou por circunstâncias de caráter acidental, se acham emoutros partidos, virão certamente um dia engrossar as nossas fileiras quando verificarem que os seussentimentos sintonizam com os nossos e quando compreenderem que é necessário conjugar todas asforças dispersas ou fracionadas que tendem para os mesmos objetivos.

Justamente porque temos um programa a realizar, porque temos finalidades sociais a atingir,nossa posição, na competição política e eleitoral que se vai travar, é uma posição afirmativa e nãonegativa. Não constituímos um movimento de oposição, mas um movimento essencialmente dedoutrinação e de afirmação.

Três são os objetivos de natureza assistencial para os quais deve dirigir-se a política social-trabalhista no Estado: amparo e proteção ao trabalhador em geral; assistência aos agricultores,sobretudo aos pequenos agricultores, e valorização da colônia; recuperação dos marginais.

Cumpre inicialmente observar que as normas legais de proteção dos trabalhadores e asgarantias jurídicas do trabalho não são da competência legislativa do Estado, mas da alçada daUnião. Pode, entretanto, o Estado tomar uma série de medidas e instituir serviços que poderão trazerconsideráveis benefícios às classes trabalhadoras.

Tudo, aliás, que se fizer em benefício do povo será feito em favor dos trabalhadores, pois édestes que se constitui a grande massa da população. Os ricos e os abastados, formam uma minoria.Se os seus empreendimentos econômicos devem merecer a atenção, o estímulo e o apoio do Estado,eles, pessoalmente, não necessitam de proteção.

Uma das principais preocupações do Estado deve ser a saúde da população. Se um animal deraça adoece, a Secretaria da Agricultura porá facilmente à disposição do seu proprietário os serviçosgratuitos de um veterinário. Se adoece o filho, de um operário, muitas vezes não terá ele os meiosde restituir-lhe a saúde. Não se pode compreender como numa sociedade organizada, um animalpossa valer mais do que uma criatura humana.

Deve, portanto, o Estado esforçar-se para que a cada família seja assegurada assistênciamédica. Mas, de nada adianta diagnosticar a moléstia, quando não se pode dispor dos meios para adebelar. São necessários também os remédios, hoje caríssimos, e é necessário o Hospital, osanatório, a maternidade, a creche e o preventório.

O ideal, porém, será sempre prevenir a enfermidade. Há certas moléstias que resultam maisda falta de cuidados higiênicos e da insuficiência de alimentação. Precisamos, pois, educar o povo,alimentar o povo, aumentar-lhe a magra dose de vitaminas que hoje obtém no mercado negro.

Eis por que nosso programa prevê a instalação de granjas nas proximidades dos centrosurbanos. Não basta, porém, dizer, platonicamente, que essas granjas são necessárias. E mister criá-las, organizá-las, fazê-las funcionar. Se se tivesse tratado disso há mais tempo, não teria o povopassado por tantas privações e poderia hoje dispor de alimentos básicos por preços mais acessíveis.

Outro grave problema que nos aflige é o da habitação. Se a Constituição, ao invés deinscrever nos seus textos fórmulas demagógicas e inexequíveis, tivesse adotado soluções maispráticas, poderia esse problema, e muitos outros, estar em vias de solução.

Se quisermos proporcionar ao povo a possibilidade da casa própria que é a aspiração ar todafamília, precisamos eliminar o juro, é necessário que o capital aplicado não exija remuneração.

Os bancos e as Caixas Econômicas não poderiam fazer financiamentos sem juro porquetambém devem pagá-los aos seus depositantes. Se, porém, o Poder Público obtiver através de

Page 69: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

contribuições sociais, o dinheiro não lhe custará nada e, por isso, poderá emprestá-lo sem juro.Eis por que para o financiamento da casa própria, da lavoura, dos pequenos produtores das

cooperativas de produção e das cooperativas de consumo constituídas de trabalhadores preconizanosso programa uma organização de crédito popular cujos fundos serão obtidos pelo Estado atravésde contribuições, isto é, por meio de uma tributação social.

E necessário que o crédito seja acessível a todos os que desejam trabalhar e contribuir obem-estar da coletividade. Afirmar pomposamente que o trabalho é um direito e um dever social,proclamar o princípio da iniciativa privada, o postulado da igualdade de oportunidade, e nãofornecer os recursos para o trabalho e os empreendimentos ou restringir a possibilidade destes é umcontra-senso. O princípio da iniciativa privada só se justifica se a todos os cidadãos capazes,dinâmicos e empreendedores, forem assegurados os meios de concorrer para o progresso dacoletividade. Se esses meios forem o privilégio de alguns, o sistema então nos conduzirá fatalmenteà concentração, ao monopólio e à opressão econômica.

Relativamente ao crédito, estamos num círculo vicioso. Para empreender algo precisamosnormalmente do crédito, mas para obter o crédito é necessário que tenhamos algo para dar emgarantia. O industrial, o grande comerciante, o fazendeiro, o proprietário, consegue crédito porquepodem garanti-lo. Nenhum trabalhador, porém, nenhum pequeno agricultor ou pequenocomerciante o obteria, porque não oferece as necessárias garantias. Os bancos não podem correrriscos; eis que o capital é propriedade dos acionistas e o dinheiro com que giram pertence aosdepositantes, a quem devem restituí-lo. Por essa razão, na superveniência das conjunturas e dascrises, quando os empreendimentos capitalistas fracassam, quando toda a estrutura ameaça ruir,vêm os reajustamentos econômicos cujos ônus, afinal, recaem sobre o povo.

Paralelamente à organização do crédito capitalista e privado, deve, pois, existir aorganização do crédito popular e público. O próprio cooperativismo não se poderá desenvolver semo crédito cômodo e fácil. As cooperativas, como sabeis, não são organizações capitalistas. Se setrata de cooperativas de produção, precisam do crédito para o financiamento das safras.

Pretender produção barata e cobrar juros de financiamento agrícola é uma contradição.Temos presentemente em funcionamento uma Caixa de Crédito Cooperativo cujas taxas de jurossão relativamente baixas. Já é um grande passo, mas o que se toma necessário é eliminar o jurodesse tipo de financiamento.

As cooperativas de consumo, por sua vez, também devem ser financiadas, sem o que nãoterão capital para operar. Se a finalidade das cooperativas de consumo é baratear as utilidades pelasupressão da intermediação, como será possível realizar esse objetivo desde que tenham de pagarjuros que vão onerar o preço das mesmas utilidades?

Vemos, pois, que todos nós, muitas vezes, desejamos os fins, mas temos o receio deempregar os meios adequados. Atritamo-nos contra preconceitos, contra a tradição, contra o espíritodo capitalismo clássico. Emprestar sem juro chega a ser quase um escândalo. Não obstante, énecessário que esse escândalo se realize se quisermos dar uma base mais firme e mais justa à nossaestrutura econômica.

Nos institutos tradicionais de crédito, há duas contas: a do deve e a do haver. Devem aosbancos o capital dos acionistas e o numerário que recebem dos depositantes: têm em haver odinheiro que emprestaram. Nos seus negócios devem, por isso, ser cautelosos, pois se correremriscos e tiverem grandes perdas haverá um desequilíbrio entra as duas contas e irão fatalmente àfalência.

Na organização do crédito popular, nos moldes do nosso programa, só haverá uma conta: ado haver. Nada deverá nunca a instituição, porque o dinheiro que recebe através das contribuições,nada lhe custará. Pode, portanto, correr riscos nas suas operações, que não lhe afetarão em nada oequilíbrio financeiro.

Se o Banco Popular financiar um pequeno lavrador ou colono e a colheita se frustrar porqualquer eventualidade não irá o banco tirar-lhe a terra, o arado e os bois para cobrar-se, mas lhedará nova oportunidade para refazer-se e endireitar a vida. E por que procederá assim? Porque obanco, o nosso banco, será um organismo assistencial e não uma máquina de produzir dividendos.

Page 70: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Reconhecemos que as possibilidades do Estado relativamente à criação de um organismodessa natureza serão inicialmente limitadas e estarão bastante aquém das necessidades a atender.Isso, porém, não quer dizer que não devamos levar adiante a idéia e o empreendimento. Seprecisarmos de cem milhões de cruzeiros mas dispusermos inicialmente apenas de dez,começaremos com estes dez. O essencial é começar, prosseguir e não desanimar, porque se todostrabalharem com decisão e tenacidade, algum dia os objetivos serão alcançados. E possível quenesse dia já não vivamos, mas isso, longe de nos desacreditar, documentará perante as geraçõesfuturas, ainda com maior eloqüência, a pureza do nosso idealismo e o desinteresse da nossa ação.

Outro ponto focalizado com especial destaque no nosso programa é a assistência aotrabalhador rural, ao pequeno agricultor, ao colono, ao granjeiro e ao pequeno criador. Esseshumildes obreiros da nossa economia e do nosso progresso precisam de amparo mais efetivo.Lutam eles com dificuldades imensas, curtem toda a sorte de privações. O Estado, o Poder Público,muito lhes tira, mas pouco lhes dá. Nosso caboclo, que possui reservas imensas de inteligência e deenergia, se fosse amparado e assistido, poderia desenvolver uma extraordinária capacidade detrabalho. No entanto, vive praticamente abandonado no seu privitivismo, freqüentemente nacondição de intruso em terras alheias, ignorando por completo os bens da civilização.

A colônia, por seu lado, que representa um poderoso fator de estabilidade econômico esocial, além de não ter a menor assistência, sente, por vezes, pesar sobre si uma dualidade aossentimentos nacionais, como se o Brasil pudesse julgar o patriotismo de seus filhos pêlos nomes deseus antepassados. No entanto, senhores, foi um Antônio Chirlando o primeiro a tombar na geladafrente apenina e foi um Wolf, o sargento Wolf, o bravo entre os mais bravos soldados do Brasil. Aíestão dois símbolos da alma, una e imortal da pátria. No mesmo dia em que chegava à frente debatalha o comunicado da sua condecoração e promoção por atos de heroísmo, caía o sargento Wolf,varado, pelas balas nazistas. Creio que nesse instante, ao exalar o último suspiro e dirigir o seuderradeiro pensamento para a pátria, deve ter repetido as palavras da mãe de Chiriando quandosoube da morte do filho: “E um privilégio morrer, para que outros possam ser mais felizes”. Sim,todos esses bravos que dormem em Pistoia o sono eterno dos heróis, deram a vida para quepudéssemos ser mais felizes. Mas, se nada fizermos para que possa haver mais felicidade nomundo, se esquecermos e repudiarmos o seu sacrifício supremo, então todos os que tombaramempunhando armas, ou como frei Orlando, o crucifixo, terão o direito de erguer-se dos seustúmulos para nos interpelar: “Por que nos assassinastes?”

Precisamos dispensar mais atenção e cuidado aos trabalhadores do campo, pois são eles quenos alimentam. E necessário tomar a vida rural mais atraente, mais produtiva e lucrativa, a fim deevitar o absenteísmo e a emigração dos colonos. O solo já está empobrecendo, a população rural semultiplica e os mais jovens demandam às cidades e outras regiões do país, onde as terras são maisférteis. Precisamos criar na colônia novas condições de trabalho, proporcionar aos agricultores osmeios e instrumentos de produção, prestar-lhes assistência, dar-lhes escolas, hospitais, crédito,estradas e diminuir, senão suprimir os tributos que gravam altamente a produção. Devemos impedirque os agricultores e trabalhadores rurais sejam explorados e humilhados, que lhes arrebatem asterras ou o produto do trabalho. Devemos, por fim soltar as nossas vistas para aqueles que não têmterras, não têm moradia, não têm sequer um lugar onde morrer, para esses deficitários da vidasobreviventes da fome, da tuberculose, da miséria física e fisiológica que o destino jogou à margemda sociedade.

Quando mencionamos os marginais, não devemos entender os esmoleiros e indigentes, mas,sim, uma legião de criaturas sem meios e capacidade de trabalho e de subsistência. A suarecuperação deve fazer-se principalmente em colônias agrícolas, tais como se acham indicadas emnosso programa.

A função das colônias agrícolas será propiciar a cada família terra, moradia e instrumentosde trabalho. Reunidas as famílias em colônias, será possível prestar-lhes toda espécie de assistênciamédica, assistência educacional e espiritual.

Antes de tudo, precisamos dar saúde aos marginais, ensiná-los a cultivar a terra e fixar-senela, incutindo-lhes hábitos de trabalho e economia. E preciso que criem necessidades, necessidades

Page 71: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

de homens civilizados, para que possam ter estímulo para o trabalho. E mister, além disso, instruir-lhes e educar-lhes os filhos, principal objetivo da colônia agrícola. Por essa razão, cada núcleodeverá possuir escolas primárias, escolas técnico-agrícolas e patronatos.

Muito se fala hoje em lavoura mecanizada. Entre outras dificuldades que ela apresenta entrenós, há a circunstância de não termos operários especializados para lidar com máquinas. Precisamospassar da doma de potrilhos para a doma de tratores. Por outro lado, as oficinas mecânicas estão nascidades, longe das zonas de trabalho. Quando se quebra uma peça, a máquina pára até que a peçaseja transportada para a cidade e ali consertada. Máquina inativa é um capital que dá prejuízo eencarece a produção.

Precisamos, pois, instalar no campo oficinas de reparos e de aprendizagem.Eis que, assim, as colônias agrícolas, com todos esses serviços organizados, serão

verdadeiras universidades rurais, de que sairá o futuro homem do campo. Serão elas própriasoficinas que transformarão o marginal no mais eficiente dos trabalhadores rurais.

Quando tivermos conseguido isso, teremos aumentado a capacidade de produção e deconsumo de uma considerável parcela da nossa população, que hoje representa um peso morto naeconomia do Estado. Aumentando o consumo, haverá também mais trabalho nas fábricas, maisempregos, maior circulação de riqueza, mais progresso e bem-estar. Aqueles que, fornecendo osmeios, tiverem contribuído para isso, terão colocado dinheiro a prêmio, pois, se forem inteligentes,deverão compreender que os lucros estão na proporção dos negócios e que a proporção dosnegócios está na razão direta da capacidade de consumo, isto é, do poder aquisitivo da população.

Poder-se-ia agora perguntar se está nas possibilidades do Estado realizar tudo isso, ou se nãoestaremos nos domínios do sonho e da fantasia. Devemos responder que está nas possibilidades econstitui dever do Estado iniciar a execução do plano. Um ser humano, desde o nascimento, levapelo menos vinte anos para se fazer adulto. Se a recuperação de milhares de criaturas levar outrotanto, não deveremos, só por isso, desistir da empresa.

Esses são, senhores, os pontos característicos do nosso programa. Deve ele ser interpretadonão apenas pelas suas formulações concretas, mas sobretudo pelo espírito e o sentido do nossomovimento.

Colocando em primeiro lugar o homem, o trabalhador, com os seus problemas e as suasnecessidades, não descuramos outras questões de interesse vital para a economia do Estado e queformam, por assim dizer, a base de uma estrutura e do seu progresso. Vias de comunicação, forçamotriz, transporte, saneamento de cidades, ensino, higiene pública, constituem antes temas comunsde administração do que pontos específicos de uma orientação partidária.

Desejaríamos ver a nossa universidade transformada em centro de irradiação cultural.Infelizmente, as pesquisas técnicas, científicas e as investigações de caráter especulativo são, entrenós ainda muito acanhadas e incipientes. E necessário estimulá-las e criar condições para que sepossam realizar.

Não podemos desconhecer a influência da universidade não só na formação científica,técnica e filosófica, mas também no pensamento político. Para isso, porém, é necessário ter,realmente, uma universidade que seja o ponto alto da nossa ciência e da nossa cultura.

A proteção da maternidade e da infância e a recuperação de menores desamparados devemconstituir pontos básicos de um programa e de um governo trabalhista, como básica deve sertambém a preocupação de garantir trabalho aos desempregados e desajustados. Não basta que aConstituição proclame enfaticamente que a todos é assegurado trabalho que possibilite a assistênciadigna, porque só com palavras ninguém terá ocupação nem meios dignos de viver. E necessário queo poder público tome medidas práticas para que cada cidadão tenha uma ocupação adequada às suashabilitações e para que cada cidadão tenha habilitações que lhe permitam viver com dignidade. Semisso, o princípio da igualdade de oportunidade não sairá dos domínios da mitologia.

Quanto ao funcionalismo, entendo nosso programa que, como proletários dos Estados quesão, devem ter ampliadas as suas garantias e as possibilidades de prosseguir. E necessário, porém,que se não faça da função pública uma sinecura ou um meio fácil de vida. Justamente porque ofuncionário é um trabalhador e servidor por excelência, da coletividade, com mais exação do que

Page 72: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

qualquer outro trabalhador deverá cumprir as suas obrigações. O sistema das vantagens e dasgarantias deve corresponder ao sistema dos deveres e das responsabilidades.

Aliás, o funcionário público sempre se caracterizou, entre nós, pela sua honestidade noçãodo dever. Cumpre que não seja desestimulado com pretensões, parcialidade e injustiças que tiram,com razão, a vontade de trabalhar.

Do ponto de vista político, entende nosso programa que a administração pública deve serexercida imparcialmente, isenta de quaisquer vinculações partidárias, salvo no que concerne aoprograma de administração.

Não podemos pretender o governo para fazer dele ou dos cargos públicos meio de vida.Devemos desejá-lo apenas como instrumento jurídico e administrativo para realizar os objetivosque perseguimos. Todos aqueles que quiserem cooperar para essa finalidade, sejam quais foremseus partidos, serão nossos amigos. Detestamos o exclusivismo, o sectarismo, que só podem existironde a partilha dos cargos públicos é o único objetivo da ação política.

Nosso movimento é um movimento de idealismo. Se agirmos em função de interessespessoais, estaremos traindo a causa dos trabalhadores. Devemos combater na posição que nos forindicada, com renúncia, desprendimento e com sacrifício se necessário. Aqueles que se nãoacharem imbuídos desse espírito devem compreender que erraram a porta e que se sentirão mais àvontade em outras companhias.

Como desejamos que se pratique sinceramente a democracia, que a opinião pública semanifeste sem constrangimentos de qualquer natureza, quer através da palavra escrita e falada, queratravés das urnas, julgamos ser de bom aviso que certas autoridades públicas não exerçam atividadepartidária. Isso não impede, evidentemente, que tenham suas convicções políticas. O que nãodeverão, porém, é fazer no exercício de suas funções, pois o que desejamos são eleitoresconscientes e livres e não máquinas eleitorais. É preferível que um partido seja derrotado edesapareça a que se posterguem os princípios pelos quais combate.

Meus senhores:Essa é a nossa linha, a nossa linha política, a nossa linha ética, a nossa Unha social, linha

que passa pelo centro, onde presumimos que esteja a virtude. Nossas diretrizes e nossos objetivossão claros e definidos. Por constituírem eles um imperativo para as nossas consciências é queiremos às urnas. Nosso movimento possui uma razão intrínseca, permanente, e não um carátertransitório e acidental. Ele tem de prosseguir em linha reta sem infletir para os lados, sem procuraracomodar-se a conveniências ou a situações do momento. Se as outras linhas também forem retasnão haverá o perigo de colisões.

Porque possuímos objetivos programáticos, nada temos contra ninguém e não hostilizamosquem quer que seja. Para nós, todas as opiniões são responsáveis e o pleito que se avizinha é, antesde tudo, uma oportunidade de debater princípios e soluções, como convém à verdadeira democracia.

É necessário que não vejamos nas campanhas eleitorais causas de inquietações e contornosde tragédia. Devem ser antes festas cívicas onde o povo discute os seus problemas e exercite a suasoberania.

Desejamos paz e tranqüilidade para o Rio Grande e para o Brasil e acreditamos que elasomente poderá ser perturbada se impedir ao povo o exercício dos seus direitos fundamentais.

Como somente defendemos e propugnamos o bem-estar do povo, não poderemos nuncadeixar de apoiar o poder público toda vez que a sua ação vise esses objetivos. As dificuldades dahora presente são imensas e devemos cooperar para superá-las.

Para aqueles que sentem e compreendem as responsabilidades do Governo, não é a derrotaeleitoral mas, sim, a vitória que poderá preocupar. É desta e não daquela que corremos os riscos.Devemos ser comedidos nas promessas para que não aumentemos, no futuro, as desilusões do povo.Nossa luta poderá durar sessenta dias, como sessenta meses ou sessenta anos. O essencial é quelutemos e trabalhemos com sinceridade, com renúncia e abnegação.

Desejo prestar minha homenagem aos meus eminentes competidores, candidatosrespectivamente do Partido Social Democrático e das Oposições Coligadas. São ambos rio-grandenses de alta estirpe, companheiros de outras lutas, dignos de nossa admiração e do nosso

Page 73: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

respeito. Sinto-me particularmente honrado de tê-los como concorrentes neste prélio cívico, para oqual somos levados, prisioneiro dos acontecimentos, não por vontade ou por motivos pessoais, maspara cumprirmos nossos deveres de fidelidade para com as agremiações a que pertencemos, paracom as nossas idéias e a opinião pública.

Se um deles for o vitorioso tem, desde já, a antecipação dos meus votos de congratulações ede brilhante êxito no seu governo. Se, porém, as preferências da opinião pública se inclinarem parao nosso lado, acredito que saberão acatá-las e que não nos recusarão o seu auxílio e a sua assistênciasempre que estiverem em jogo os altos interesses do Rio Grande, que devem pairar fora e acima daspaixões partidárias.

Tenho a convicção de que todos saberão compreender o sentido e a magnitude deste debatedemocrático, que perderia toda sua beleza se se reduzisse a discussão de nomes, porque estes sãocomo nuvens fugidas sob o firmamento dos princípios e dos ideais.

Manifesto a minha mais viva gratidão ao Partido Trabalhista que me conferiu esta honra,inigualável de ser seu primeiro candidato ao governo do nosso glorioso estado. Tudo farei eempenharei todas as minhas energias para não desapontar e desiludir os trabalhadores e para quenão seja defraudada a confiança que em mim depositaram.

Sou grato às expressões de afeto com que me distinguiram nesta solenidade os nobresinterpretes de vossas aspirações.

Quero, agora, render minha mais cara homenagem e o meu profundo reconhecimento aoSenador Getúlio Vargas, cujas generosas e alentadoras palavras constituirão sempre para mim umincentivo para prosseguir lutando - pelos nossos ideais.

Acredito plenamente na vitória da nossa causa, porque, bela, justa e profundamente cristã,há de encontrar acolhida no espírito e no coração do povo gaúcho.

Se, porém, a contagem material dos votos nos for desfavorável, nem por isso deveremosconsiderar inútil a nossa predicação e o nosso esforço, porque teremos semeado idéias, discutidosoluções, focado problemas, esclarecendo a opinião república e educado o povo para o conscienteexercício da democracia.

Que as umas decidam, pois, qual a corrente ou o sistema que deve governar o Rio Grande eque, diante de sua sentença inapelável, se prosternem todos reverentes como homenagem suprema àvontade soberana do povo.

Programa

1. A política do Governo do Estado será conduzida no sentido do desenvolvimento de suaeconomia das forças da produção e do progresso social. Na realização desses objetos, o Governoterá sempre em vista os interesses das classes trabalhadoras.

2. Nas suas relações com as empresas privadas, o estado não deverá considerar o capital comomero instrumento produtor de lucro, mas como meio de expansão econômica de bem-estarcoletivo. Somente sob essas condições poderão tais empresas receber o estímulo e o apoio dopoder público.

3. Governo deverá proteger o povo contra todas as formas de exploração.4. A ampliação e o melhoramento das vias de comunicação, a solução do problema da força motriz

e dos transportes, deverão constituir temas fundamentais da futura administração do estado.5. O estado prestará auxilio eficaz às cooperativas e associações de trabalhadores legalmente

reconhecidas, procurando, por todas as formas, amparar o trabalhador, preservar-lhe a saúde e obem-estar.

6. O estado incentivará e promoverá a produção de gêneros de primeira necessidade e sobretudo, aprodução leiteira, avícola e hortícola com o fim de barateá-la e obtê-la em quantidade suficienteàs necessidades da população. Para tanto poderá instalar granjas cooperativas nas proximidadesdos grandes centros consumidores.

7. O estado ampliará os serviços de assistência às populações rurais com o objetivo de facilitar-lhes os meios de produção e de trabalho, proporcionar-lhes conforto e bem-estar, evitando a

Page 74: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

fuga do campo e a emigração de colonos. Deverão ser multiplicadas as escolas públicas,eficazmente auxiliadas as escolas particulares, disseminadas escolas técnico-agrícolasestimulando o cooperativismo, instaladas estações de máquinas e equipamentos agrícolas,postos de distribuição de sementes, fungicidas e inseticidas, depósitos para armazenamento daprodução e câmaras de expurgo; melhoradas as vias de comunicação e organizados serviçosassistência técnica e assistência médico-hospitalar.

8. Será isenta do imposto de transmissão inter-vivos a pequena propriedade rural, quando oadquirente for o trabalhador rural ou colono. Será isenta do mesmo e outros tributos, dooperário.

9. Logo que as condições orçamentárias do estado o permitam, será extinto o imposto de vendas econsignações pago pelo colono. Deverá, da mesma forma, ser gradativamente reduzido até atotal extinção o imposto incidente sobre a produção agrícola.

10. As reivindicações constantes da Carta do Agricultor, aprovada pelo primeiro Congresso deAgricultores, em 14 de julho de 1945, constituem parte integrante do presente programa.

11. A receita de que trata o Decreto-Lei n° 532 de 27 de janeiro de 1944 (adicional do imposto devenda e consignações) será exclusiva e integralmente aplicada em obras e serviços deassistência social. Os recursos dessa verba deverão ser ampliados de acordo com a capacidadecontributiva das classes mais favorecidas.

12. plano de assistência social incluirá essencialmente:a) a instalação de colônias agrícolas;b) o combate à tuberculose e à mortalidade infantil;c) a organização de serviços de assistência à infância, à maternidade e aos menoresdesamparados;d) a organização de serviços médicos e hospitalares;e) produção e distribuição gratuita de medicamentos às pessoas de poucos recursos;f) organização de um departamento especializado destinado a assegurar trabalho adequado àspessoas desempregadas.13. As colônias agrícolas terão função social, econômica e educacional, estimulando-se nelas,além do trabalho individual, a produção sob forma cooperativa. As colônias agrícolas serãoprovidas:a) de escolas de ensino primário e técnico-rural;b) de equipamentos destinados à lavoura mecanizada;c) de oficinas de conserto e de aprendizagem;d) de usinas de beneficiamento da produção;e) de armazéns cooperativos;f) de serviços de assistência médico-hospitalar, educação física e assistência espiritual.

14 O estado, nos limites de suas possibilidades, e, em conexão com iniciativas de igual natureza,promoverá a organização do crédito popular destinado ao financiamento, sem juro, da casaprópria, das cooperativas de consumo de trabalhadores e das cooperativas de produção agrícolaconstituídas de pequenos agricultores ou colonos. Nas mesmas condições poderá ser financiadaa construção de habitações para trabalhadores, a aquisição da pequena propriedade rural e dosdemais meios de produção. Os fundos serão obtidos, quer da verba de assistência social, quer deoutras contribuições a serem instituídas.

15 O estado e os municípios promoverão o mais rapidamente o saneamento das cidades. Ascontribuições de custeio devidas pelos particulares serão fracionadas em pequenas prestações, afim de facilitar o pagamento.

16 A Universidade deverá ser provida dos necessários recursos para o seu reaparelhamento e para ocontrato de cientistas, técnicos e especialistas de renome a fim de preparar os professores etransformá-la em centro de pesquisas técnico-científicas e de expansão cultura

17 Deverão ser asseguradas ao magistério estadual e municipal condições materiais e morais quelhe permitam cumprir com eficiência e dignidade a sua alta missão.

18 A administração pública deverá ser desburocratizada e organizada em base de maior autonomia

Page 75: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

e responsabilidade dos diferentes órgãos administrativos.19. A administração pública deverá ser exercida imparcialmente no interesse exclusivo da

coletividade, desvinculada de quaisquer injunções partidárias, estranhas ao programa deadministração:a) o funcionalismo será selecionado rigorosamente de acordo com o grau de capacidade eidoneidade de cada um, excluída, em absoluto, a interferência partidária;b) os prefeitos, delegados de polícia, exatores e autoridades que lhes são subordinados, nãopoderão exercer atividade partidária.

20 O estado e os municípios deverão ampliar as garantias e os serviços de assistência aos seusfuncionários, exigindo, porém, de cada um o exato cumprimento dos seus deveres funcionais.

Pasqualini, Alberto. Discurso do candidato do PTB: “Devemos voltar as nossas vistas para aquelesque não têm terras, não têm morada, não têm sequer um lugar onde morrer”. Correio do Povo,Porto Alegre, 12 nov. 1946. pp, 4, 24.

Page 76: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Trabalhismo e SocialismoDiscurso em Caxias do Sul

O mal não está em que haja iniciativa privada; o mal está em que essa iniciativaseja conduzida num sentido egoísta e individualista, em explorar o povo, ao invés deser dirigida para o bem coletivo.

A visita de Alberto Pasqualini a Caxias constituiu um acontecimento que há de passar daregião colonial como o inicio de uma nova era para a vida política e social do Estado, sempreignorado e esquecido e não raro perseguido o nosso laborioso agricultor que tanto contribui com oseu esforço e sacrifício para a fartura e riqueza da pátria, viu finalmente surgir um candidato, queconhece de perto suas necessidades e aspirações e que fará um governo sempre atento aodesenvolvimento da nossa agricultura pelo auxílio real e eficaz ao homem que vive entregue aotrabalho árduo da terra. Por isso, Alberto Pasqualini, que em tantas oportunidades assumiu a defesade nossos agricultores, sem outros objetivos senão o de defender uma causa justa e humana, teve nocarinho, no afeio e nas mais vibrantes demonstrações de apoio, de fé e de entusiasmo de que foialvo em Caxias, uma antecipação do triunfo de seu nome nas urnas, a 19 de janeiro.

Realmente, o laborioso povo de Caxias jamais viveu horas tão intensas de vibração cívicacomo durante a permanência ali do ilustre homem público que o povo do Rio Grande escolheu paragoverná-lo. Num ambiente de excepcional entusiasmo e receptividade, Alberto Pasqualinipronunciou, sábado à noite, no teatro local, sob constantes aplausos da multidão que o superlotava,a notável oração que reproduzimos a seguir. E na manhã seguinte, domingo, esses aplausos serepetiram ainda mais intensos na Praça da Bandeira, completamente tomada pelo povo, quandoAlberto Pasqualini e os demais oradores falaram no maior dos comícios até hoje realizados naPérola das Colônias.

Ao meio-dia, os trabalhistas caxienses homenagearam o candidato do povo com um grandechurrasco que reuniu milhares de pessoas. Ao chegar ao local da festa, Alberto Pasqualini foicarregado nos braços do povo que o aclamava e vivava constantemente seu nome.

As mesmas demonstrações de solidariedade repetiram-se no Distrito de Galópolis, cujapopulação acorreu em massa a homenagear Alberto Pasqualini em sua passagem por essalocalidade, quando de regresso a Porto Alegre. Como em Caxias, o candidato do PTB falou aolaborioso povo de Galópolis, esclarecendo em palavras sinceras e honestas alguns dos pontosessenciais de seu programa.

O magistral discurso de Alberto Pasqualini em CaxiasFoi o seguinte o notável discurso pronunciado pelo Dr. Alberto Pasqualini na noite de

sábado, em Caxias:“Ao expor, na sessão solene de encerramento da Convenção do Partido Trabalhista, as

linhas fundamentais do nosso programa, tive em mente indicar os objetivos, as diretrizes e ascaracterísticas do nosso movimento.

Era necessário mostrar qual a nossa concepção social, qual a nossa orientação política, quaisos motivos básicos em que se inspira a nossa ação, qual, enfim, nossa posição entre os dois mundosque hoje se defrontam: o mundo capitalista e o mundo socialista.

Não poderíamos dizer, pura e simplesmente, que pertencemos a um desses dois mundos; que

Page 77: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

somos capitalistas ou socialistas, pela simples razão de que diversificam as concepções a respeito,existindo uma pluralidade de formas de capitalismo e de socialismo.

Só de socialismo um escritor inglês anotou e colecionou mais de cem conceitos diferentes.Podemos, pois, ser capitalistas ou não capitalistas, socialistas ou não socialistas, dependendo dosentido que se atribuir a esses sistemas econômicos e sociais.

Para esclarecer melhor nossa posição, será conveniente configurar os extremos: ocapitalismo individualista de um lado, e o socialismo comunista do outro.

O capitalismo de um modo geral se caracteriza pela propriedade privada dos meios deprodução. Tendes aqui nesta próspera e progressista cidade muitas fábricas, muitas casas denegócio, muitas empresas. Os seus proprietários são pessoas ou sociedades de pessoas. São eles quepossuem o solo e os edifícios onde estão instaladas as fábricas, que possuem os maquinados e asmatérias-primas, isto é, os meios de produção. Nessas fábricas ou empresas trabalham outraspessoas que não vivem do rendimento ou de lucro da empresa, mas dos salários que recebem. Sãoos operários e os empregados.

Os proprietários dos meios de produção chamam-se capitalistas; os que trabalham ao seuserviço chamam-se proletários. Isto define as duas classes: a classe patronal e a classe proletária.

Temos também aqui nesta próspera região outra classe de pessoas que possuem meios deprodução - proprietários de pequenas frações do solo e de instrumentos rudimentares de trabalho.São os agricultores. Não são nem capitalistas, no sentido rigoroso do termo, nem proletários, eis queeles próprios trabalham a terra, acionando os instrumentos da produção.

Todas as empresas que aqui existem, todas as fábricas que cresceram e se desenvolveram deuma maneira admirável foram obra, não do governo, não do Estado, mas da iniciativa particular.

E precisamente esta a característica do regime capitalista: a iniciativa do indivíduo e apropriedade privada dos meios de produção.

No regime comunista isso não seria possível. Aí os meios de produção e as empresaspertencem não a pessoas ou sociedades privadas, mas ao Estado, que é quem toma a iniciativa dosempreendimentos econômicos. Praticamente, os que trabalham nas empresas são todos empregadosdo Estado.

No regime capitalista há, pois, três figuras: o patrão ou o capitalista, o trabalhador ou oempregado e o Estado. No regime comunista, pelo menos tal como hoje existe, há só duas figuras: oEstado e o trabalhador.

No regime capitalista, quem regula as relações jurídicas entre patrões e empregados, quemfixa as normas de trabalho, quem resolve as questões que surgem entre as duas partes, é o Estado.No regime comunista, o árbitro dessas questões é o próprio patrão, isto é, a autoridade, donde há operigo de perder o trabalhador e sua liberdade.

Se, teoricamente, o Estado socialista deveria ser o Estado dos trabalhadores, existindo paraampará-los e protegê-los, sabemos que, na prática, não é bem assim. No próprio Estado socialista, atendência é de se formarem duas classes: uma, dos que mandam e estão de cima, e a outra dos queobedecem e estão debaixo. E o pior é que, dispondo os primeiros de todos os meios de coerção, osoutros não têm para quem apelar. Numa humanidade cheia de imperfeições, um regime dessanatureza pode levar o homem à escravidão.

O mundo socialista poderia, pois, do ponto de vista jurídico da propriedade, eliminar asclasses, mas não poderia eliminar a hierarquia e a polícia. O proletário, continuará sempreproletário, ao passo que o patrão será apenas substituído pelo burocrata ou pelo agente daautoridade pública.

Creio que a melhor forma de realizar a justiça social será ainda empregando os métodos deliberdade e não os processos da violência e da coação. Nenhuma transformação ou organizaçãosocial estável será possível se, ao mesmo tempo, se não reformar o caráter e não aperfeiçoarem ossentimentos dos homens.

O regime socialista, de que constitui expressão concreta em nossos dias, o comunismo, secaracteriza, pois, essencialmente, pela socialização integral dos meios de produção e pela iniciativado Estado relativamente aos empreendimentos econômicos fundamentais. Fazendo abstração do

Page 78: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

aspecto materialista desse regime, que poderia não lhe ser essencial, entendem alguns querepresenta ele um limite para o qual tenda a evolução da humanidade, sem, talvez, como nas sériesmatemáticas, poder nunca atingi-lo.

Examinada, porém, a questão no presente e, sobretudo, em nosso País, não só não podemospensar, mas nem sequer sonhar com uma organização econômica e social dessa natureza.

Se, no Brasil, coletivizássemos os meios de produção, se passassem eles às mãos do Estado,acabaríamos todos morrendo à míngua.

Como dizem os próprios comunistas, no Brasil não há nem condições objetivas ou materiais,nem condições subjetivas ou psicológicas, para a instituição entre nós do regime socialista.

Precisamente por sermos um país ainda em fase de pré-capitalização e de pré-industrialização, precisamos de iniciativa privada, e de muita iniciativa privada. Estejam, pois,tranqüilos os nossos capitalistas, que terão, ainda, entre nós, vida muito longa se souberemrealmente compreender a verdadeira função do capital, isto é, se souberem fazer o uso devido dosmeios de produção.

Precisamos, por isso, distinguir duas formas de capitalismo: o capitalismo individualista e ocapitalista solidarista.

Capitalismo individualista é o que tem como elemento psicológico o egoísmo. E o quepretende tudo para si, isto é, para os detentores dos meios de produção. Os métodos doindividualismo, como já tive ocasião de observar, são os da luta, luta pela dominação, luta pelosujeitamento do indivíduo a outro indivíduo, luta pelo ganho sem limites, sem considerações, semescrúpulos.

O pensamento do capitalista individualista é dirigido exclusivamente para o lucro, para aacumulação da riqueza, que quer para o seu exclusivo proveito. Por isso, não titubeia em explorar obraço do trabalhador, em sugar-lhe todas as energias, como em explorar as necessidades do povo.Para o capitalismo individualista são estranhas quaisquer considerações ordem ética ou social. Paraobter cada vez maiores lucros não hesita em recorrer aos processos mais condenáveis, desde omercado negro, até a formação de frustes. Sua filosofia é que, na luta pela vida, os fracos eindefesos devem sucumbir à ação dos mais fortes. Não têm considerações pelos semelhantes. Quermanipule drogas para aliviar as dores e curar os enfermos, que fabrique bombas para destruir ahumanidade, o seu objetivo é um só: ganhar dinheiro e mais dinheiro, amontoar fortunas para seuexclusivo benefício, para satisfação do seu egoísmo e, muitas vezes, para malbaratá-las no luxo e nadissipação. As misérias, as privações e os sofrimentos alheios são para ele meras contingências danatureza, uma espécie de lei inexorável da vida, à qual os oprimidos se devem resignar. Minoraresses sofrimentos, corrigir as desigualdades humanas, criar uma organização social mais justa,constituem, no seu modo de pensar, temas demagógicos e perigosos, quando não utopias defantasistas e sonhadores.

O capitalismo individualista propende, em suas últimas conseqüências, para o monopólio,para a hegemonia econômica, para a exploração do povo.

Referindo-se a essa forma de capitalismo, dizia Pio XI na Encíclica Quadragésimo Anno serimpressionante, em nossos dias, não só a concentração de riqueza, mas também o acúmulo de umpoder enorme, de uma posse despótica, da economia nas mãos de poucos, e estes, freqüentemente,nem são os proprietários, mas simplesmente depositários do capital, de que dispõem a seu falante.Esse poder toma-se mais do que nunca despótico naqueles que, tendo na mão o dinheiro, agemcomo donos, dominam o crédito e governam os empréstimos; de sorte que, observa Pio XI, são eles,de certo modo, os distribuidores do sangue mesmo que alimenta o organismo econômico e têm nassuas mãos, por assim dizer, a alma da economia. De modo que ninguém, contra a vontade deles,poderia mesmo respirar. Tal concentração de forças e de poder, que é quase a nota específica daeconomia contemporânea, é o fruto natural daquela liberdade desenfreada de concorrência quedeixa sobreviver somente os mais fortes, isto é, que mais freqüentemente usam da violência na luta,e os que têm menos escrúpulos de consciência”.

A que conseqüências pode levar essa concentração de riqueza e de poder? “Ela gera,continua ainda Pio XI, três espécies de luta para o predomínio: primeiramente, se combate para a

Page 79: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

prevalência econômica, depois, se porfia encarniçadamente para o predomínio sobre o poderpolítico, a fim de se valer de suas forças e de sua influência nas competições econômicas, por fim,se trava a luta entre os próprios estados, ou porque as nações usam de sua força e do poder políticopara promover as vantagens econômicas dos próprios cidadãos, ou porque aplicam o poder e asforças econômicas para fazer cessar as questões políticas surgidas entre as nações”. As últimasconseqüências do espirito individualista na vida econômica, conclui Pio XI, são as que vós vedes edeplorais: a livre concorrência destruiu-se por si mesma, a hegemonia econômica suplantou aliberdade de comércio; à cobiça do lucro seguiu-se o desmedido desejo de predomínio, e toda aeconomia tornou-se, assim, horrivelmente áspera, inexorável e cruel. E, senhores, esse tipo decapitalismo, egoísta e agressivo, que nós combatemos porque ele gera a opressão, a miséria, asguerras, a desgraça das nações.

Mas ao lado dessa forma de capitalismo inexorável e sem entranhas, há outro capitalismoque não mergulha as suas raízes no egoísmo, mas se inspira nos princípios da cooperação e dasolidariedade social.

Parte da idéia de que toda forma de produção visa satisfazer necessidades humanas e quedeve, em conseqüência, existir um nexo de solidariedade entre essas necessidades, os que detêm oucoordenam os meios de produção e os trabalhadores que acionam esses meios. Entende, por isso,que se deve instituir um sistema de cooperação social em que, adjudicando embora, aoscoordenadores dos meios de produção ou capitalistas a parte que lhes é devida na produção dariqueza, se atenda, por outro lado, à contribuição prestada pelo trabalhador e aos interesses gerais dacoletividade.

Preconiza esse sistema que as relações entre o capital e o trabalho sejam reguladas por umalegislação justa que tenha na devida conta o esforço e a cooperação do trabalhador na produção dosbens que formam a riqueza nacional.

Considera o organismo social como um todo solidário, que só se poderá, manter em posiçãoestável com o aplanamento das desigualdades sociais, não devendo, por isso, a riqueza acumular-seapenas alguns pontos para não comprometer o equilíbrio de todo o sistema.

A essa forma de capitalismo humanizado, que não desconhece os princípios da solidariedadesocial, mas antes neles se assenta, damos o nome de capitalismo solidarista.

Ele exclui, de um lado, o capitalismo individualista e, de outro lado, a socialização dosmeios de produção ou o comunismo. Sua concepção fundamental é de que o capital não deve serapenas um instrumento produtor de lucro, mas, principalmente, um meio de expansão econômica ede bem-estar coletivo.

Esta é, também, senhores, a idéia substancial do nosso programa. Para nós, trabalhismos ecapitalismo solidarista, são expressões equivalentes.

Vê-se, pois, que não existe nenhuma afinidade ideológica e doutrinária entre o trabalhismo eo comunismo. Nossos métodos e nossas soluções não se baseiam na luta de classe, mas nasolidariedade entre as classes. O que pretendemos apenas é que essa solidariedade não seja tão-somente de ficções e de palavras para embalar e iludir o povo, mas, sim, de efetivas realizações pararesolver os problemas existentes.

E nesse um dos pontos de diferença entre o nosso e outros partidos, que também pregam asolidariedade social para encantar o eleitorado, mas que não se animam a traduzi-la em fatosconcretos para não contrapor-se aos interesses que eles, na realidade, representam, ou aos interessesque temem. Nós não temos esses receios e não pretendemos acender uma vela a Deus e outra aodiabo. Solidariedade quer dizer encargos. De solidariedade retórica e verbal o povo já está farto.

São os níveis econômicos que estabelecem, hoje, a linha divisora das classes.Conseqüentemente, só poderá haver solidariedade entre as classes quando os que pertencem aosníveis mais altos se dispuserem a cooperar para a atenuação dessas desigualdades e para queaqueles que se encontram nos níveis inferiores possam ter realmente oportunidade de melhorar ascondições de existência.

Não se compreende, pois, a idéia de solidariedade social sem a idéia de uma contribuiçãodos mais afortunados em benefício dos menos afortunados. Eis por que à justiça social distributiva

Page 80: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

deve seguir-se, como conseqüência lógica, a justiça social contributiva.Aqueles que afirmam que, ora nos revelamos capitalistas, ora socialistas, que ora roçamos o

comunismo e ora afagamos o espiritualismo cristão, ou não têm, ou fingem não ter, a menor noçãodos temas que pretendem discutir, ou ainda, o que é pior, procuram desvirtuar nosso pensamento,falsear as idéias que defendemos, para depois refutá-las.

Nossa posição é clara e definida. Se por socialismo se entender a socialização dos meios deprodução, não somos socialistas; se se entender, simplesmente, uma crescente extensão dasolidariedade social e uma crescente participação de todos nos benefícios da civilização e dacultura, então somos socialistas.

Da mesma forma, se por capitalismo se entender individualismo, egoísmo e tradicionalismo,não somos capitalistas; se, porém, se entender uma função social que se exerce para o crescenteprogresso econômico e social da coletividade, então somos capitalistas.

Trabalhismo e capitalismo solidarista são expressões equivalentes porque, no seu conceito,se ressalta o primado do trabalho na produção da riqueza. “A fonte fecunda de todos os bensexteriores, proclama a Encíclica Rerum Novarum, é principalmente o trabalho do operário, otrabalho dos campos e da oficina”. Tal é a fecundidade e a eficiência do trabalho que se podeafirmar, sem receio de engano, que é ele a fonte única de onde procede a riqueza das nações. Porisso, manda a eqüidade que o Estado se preocupe com os trabalhadores e proceda de modo que detodos os bens que eles proporcionam à sociedade, lhes seja dada uma parte razoável, comohabitação e vestuário, para que possam viver a custo de menos trabalho e privações. Essa solicitude,continua Leão XIII, longe de prejudicar alguém, tornar-se-á ao contrário em proveito de todos,porque importa soberanamente à nação que criaturas humanas, que são para ela o princípio de benstão indispensáveis, não se encontrem continuamente a braços com os horrores da miséria.

Infelizmente, a doutrina dos Pontífices nem sempre tem sido seguida por aqueles mesmosque deveriam ter obrigação de fazê-lo. Eis por que Pio XI deplora “que muitos que se dizemcatólicos tenham esquecido a lei sublime da justiça e da caridade, a qual não somente prescreve dara cada um o que lhe é devido, mas ainda socorrer nossos irmãos como a Cristo mesmo. E coisaainda mais grave, diz o Papa, por cobiça de lucros, não receiam de oprimir os trabalhadores,havendo também os que, abusando da religião, para vexame da própria religião, fazem do seu nomeum anteparo com o fim de se subtraírem às reivindicações plenamente justificadas dostrabalhadores. Nós não deixaremos nunca, diz Pio XI, de reprovar semelhante conduta visto que sãoessas as causas pelas quais a Igreja, embora não o merecendo, pôde ser acoimada de tomar a defesados ricos e de não ter sentimento algum de piedade para os sofrimentos daqueles que se achamcomo deserdados do seu quinhão de bem-estar nesta vida”.

Cito, católicos que me ouvis, a palavra dos Pontífices não para afagar as vossas crenças, maspara que conheçais a verdadeira doutrina social da Igreja e compreendais que é engano supor queela defenda o capitalismo individualista.

Nosso programa é fundamentalmente humano e essencialmente cristão. Nada tem que vercom o comunismo para o qual nenhuma conveniência existe em que o executemos, pois acabariaperdendo a freguesia. O comunismo está, sim, interessado em que permaneça a situação atual, emque continuem predominando os métodos da política tradicionalista a serviço do individualismopara que, por essa forma, se agravem os atritos entre as classes e o povo afinal se convença de quenão há soluções dentro do regime capitalista.

Nós, porém, proclamamos o contrário. Afirmamos que poderá haver soluções sociais, desdeque esse capitalismo se humanize e deixe de adjudicar muito a si próprio, como dizia Pio XI.Entendemos que, dentro dos princípios que sustentamos poderá haver amplas perspectivas deentendimento e cooperação entre as classes, reconhecendo a classe capitalista que lhe devem caberos principais encargos e responsabilidades quanto à manutenção da estabilidade social, ecompreendendo também os trabalhadores que devem cumprir lealmente seus deveres deassiduidade ao trabalho para que não decresça a produção e para que não diminuam as própriaspossibilidades econômicas.

Nossos ilustres adversários se inclinam a reconhecer a realidade dos problemas sobre os

Page 81: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

quais tantas vezes temos chamado a atenção da opinião pública. Eles já começam a virar o barcopara navegar nas nossas águas. Isso muito nos alegra, e apenas lamentamos que não se disponhamtambém a empregar os meios adequados para enfrentar situações que se não resolvem com palavrasmas com recursos.

Reconhecem o problema da mortalidade infantil, da tuberculose, da subalimentação, dosmarginais, da falta de assistência aos trabalhadores rurais e aos pequenos agricultores e de umalonga série de outras questões. Afirmam que vão resolvê-las, mas esquecem de dizer-nos comofarão. Ignorância e pauperismo, dizem eles, são os nossos males. Logo, para corrigi-los, bastaeducar e criar riquezas.

Com essas palavras mágicas com essa fórmula simplista acreditam ter encontrado solução.Em matéria social parece existir uma espécie de lei dos três estados: a primeira fase é a da

reação contra quaisquer soluções; a segunda, é a das soluções verbais; a terceira, a das soluçõesreais.

Muitos de nossos felizes adversários estão ainda na primeira; outros já começam a entrar nasegunda. E, sem dúvida, um considerável progresso. Acredito que um dia, sob pressão da opiniãopopular, se resolvam a entrar na terceira. Mas, se o fizeram, pensando apenas nas eleições, entãovirão tarde...

Todos nós desejaríamos que nos esclarecessem como produzirão mais riqueza e por queprocessos promoverão a educação do povo. Além disso, seria necessário que nos explicassem o quefarão com a riqueza, pois se ela acumular apenas nas mãos de alguns, a situação, em vez resolver-se, se agravará.

Criar riqueza não basta. É necessário também que ela se possa distribuir com eqüidade.Sobre isso, porém, silenciam prudentemente nossos antagonistas, e tratam logo de tranqüilizarmeios, mas negar os votos, jurando-lhes que nada lhes pedirão. Boa tática, sem dúvida, para quempretende votos, e não soluções.

E a nós, que sustentamos a tese de que assistência social só se faz com recursos e muitosrecursos, que do nada não é possível tirar coisa alguma, que é necessário que contribuam os quepossuem em excesso para resolver os problemas, porque são, precisamente, uma decorrência dodesequilíbrio econômico das classes; a nós que propugnamos soluções concretas, que expomosnecessidades e que afirmamos, honesta e sinceramente, que o bem comum exige dos maisfavorecidos um pequeno sacrifício para sua própria segurança, a nós taxam de demagogos,sonhadores e fantasistas.

Demagogia e fantasia é pretender resolver tudo sem poder fazer nada ou pela carência totalde meios ou por não querer empregar os meios adequados, porque a isso se oporiam os interessesque constituem precisamente o sustentáculo de certos partidos.

Nós não pretendemos iludir a quem quer que seja. Afirmamos categoricamente que osprincípios da solidariedade social impõem aos que têm de mais o dever de contribuir para resolveros problemas dos que têm de menos.

E possível que, por isso, muitos individualistas se afastem ou não se aproximem de nós.Muito o lamentaremos. Mas se nos dessem o voto e rejeitassem nossas idéias nos ríamosderrotados, ao passo que, se aceitarem os princípios, mas recusarem o sufrágio, nos consideraremosvitoriosos.

Nosso problema não é apenas vencer apenas uma eleição e controlar governo; nossoproblema é criar uma mentalidade social que facilite o uso dos meios que o poder oferece pararealizar o programa que defendemos.

Eis, por que, operários, trabalhadores, trabalhadores manuais ou intelectuais, industriais,comerciantes, capitalistas, todos os que apoiam nosso programa são para nós trabalhistas.

O que faz o trabalhismo é a mentalidade e não a profissão. Muitos capitalistas estão lutandoao nosso lado, porque são homens de perspectivas amplas e de visão social; porque sabem, por maisparadoxal que pareça, que não há maior nem dedicado e querido amigo do extremismo que ocapitalismo individualista, reacionário e egoísta.

E esse capitalismo que cava e aprofunda os desníveis sociais, que aumenta o

Page 82: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

descontentamento popular, que gera, com seus processos, a revolta dos espíritos acirrando a luta declasses e levando as massas ao desespero. Aqui, em verdade, os extremos se tocam, cooperandopara o mesmo fim: a subversão social.

Situações como essas não se corrigem com floreios verbais nem com esse granfinismopolítico e perfumado que acena de longe para a massa sofredora, mas que, na verdade, desdenha oseu contato e foge à solução de seus problemas.

Devemos, pois, decidir-nos entre as pontas deste dilema, ou queremos os fins e empregamosos meios, ou não desejamos usar os meios adequados e, nesse caso, devemos ser honesteis e deixarde enganar o povo com as promessas, isto é, com os fins, que não podemos alcançar.

Desejo, agora, pondo de lado outros pontos do nosso programa para não alongar-me eabusar de vossa bondade e de vossa paciência, examinar uma das teses que interessaparticularmente à colônia e que maior impugnação tem sofrido de parte dos nossos ilustresadversários.

Taxam-na de extravagante, fantasista e utópica. A história, aliás, está cheia de fantasias, quedepois se converteram em fecundas realidades.

Não é de se estranhar que certos adversários critiquem acerbamente a idéia, dada a índoletradicionalista dos agrupamentos partidários a que pertencem.

Refiro-me à questão do crédito ou do financiamento sem juros aos pequenos agricultores eàs respectivas organizações cooperativas.

Vós, caxienses, que viveis nesta região de pequena propriedade, conheceis melhor queninguém as dificuldades que assoberbam nossos laboriosos agricultores. O solo está empobrecendo,os meios e instrumentos agrícolas cada dia mais encarecem, o trabalho da terra toma-se cada vezmais estafante e penoso, enquanto seu rendimento diminui

As novas gerações estão desertando do campo para as cidades, onde o trabalho na indústria,no comércio e nos transportes é menos árduo e mais lucrativo e onde pode o trabalhador encontrarum pouco mais de conforto para si e para sua família.

Em conseqüência de tudo isso, a produção agrícola, desajudada e desprovida de qualquerassistência está diminuindo e diminuirá sempre mais se se não acudir em tempo com medidasadequadas.

O crédito é, realmente, a alma do organismo econômico, como o dinheiro é o sangue de queele se alimenta. Dispor do crédito quer dizer dispor dos meios para trabalhar, para empreenderiniciativas, para acelerar o ritmo do processo econômico.

Poder-se-ia quase afirmar que praticamente igualdade de oportunidade significa no mundomoderno, igual possibilidade na obtenção do crédito desde que dinheiro é, por excelência, o meiopara qualquer iniciativa.

Um regime que proclama o postulação da igualdade de oportunidade, da iniciativa privada enão oferece os meios para a concretização desses princípios, é um regime falho um regimeverbalista de engano e de mentira.

Na pequena agricultura, o crédito é necessário para que o agricultor possa adquirir terras einstrumentos de trabalho. O crédito é ainda necessário para aquisição de material agrícola, deutilidades de consumo, para melhoramentos mobiliários ou imobiliários, para facilitar obeneficiamento e a venda da produção, o que poderá ser feito através de organizações cooperativas.

Mas, pergunta-se: quem propiciará esse crédito ao pequeno agricultor? Como já tive aoportunidade de dizer, estamos aqui num círculo vicioso, pois, para empreender algo precisamosnormalmente de crédito, mas para obter crédito é necessário que tenhamos algo para dar emgarantia.

Os bancos não financiam o pequeno agricultor porque este não lhes pode dar garantias reais.Os bancos, como sabeis, são instituições que negociam com o dinheiro, com os comerciantes

negociam com outras mercadorias. Assim como o comerciante adquire utilidades por determinadopreço, para depois revendê-las por um preço maior que cubra o custo, as despesas e dê aindamargem de lucro, assim também os bancos recebem dinheiro dos depositantes para reemprestá-lo auma taxa que cubra o juro pago ao depositante, as despesas de administração, os riscos e

Page 83: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

proporcione ainda lucros que são distribuídos aos acionistas sob forma de dividendos.Se o banco paga quatro, cinco ou seis por cento de juros ao depositante, emprestará a oito,

dez ou doze por cento.A quase totalidade dos bancos faz a intermediação do dinheiro com o fito exclusivo de obter

lucros. Não se interessam, em geral, pela finalidade da aplicação do dinheiro, mas unicamente paraque o devedor ofereça as necessárias garantias, pague os juros e liquide a dívida no vencimento.

Se um agricultor idôneo, capaz, com vontade de trabalhar, mas desprovido de recursos,apresentar-se a um banco e solicitar um empréstimo, o banco não lhe dará o dinheiro se nãooferecer as necessárias garantias reais. Está, portanto, o agricultor, privado de realizar a iniciativaque tem em vista e de contribuir para o aumento da produção agrícola e da riqueza.

Mas, admitindo-se que pudesse apresentar fiador idôneo, o banco lhe cobraria tais juros queobrigaria o agricultor a trabalhar unicamente para pagá-los.

A sua produção ficaria onerada em primeiro lugar com o juro que o banco paga ao seudepositante, em segundo lugar com a despesa do banco na intermediação do dinheiro, e em terceirolugar com o lucro do banco sobre o empréstimo, pois a tanto equivale a taxa cobrada pelos bancoscomerciais.

Ora, é universalmente sabido que o rendimento da agricultura é muito inferior ao daindústria, do comércio e de outro gênero de investimentos, e que, conseqüentemente, não comporiaos juros que aqueles podem pagar.

Além disso, na agricultura, os riscos são maiores e os prazos devem ser mais longos, dadasas peculiaridades da exploração agrícola, cujos processos são mais lentos do que as transformaçõesindustriais e as trocas mercantis.

Se a agricultura capitalista ainda pode comportar ágio que não exceda de certa taxa, apequena lavoura já não poderá suportá-lo.

Eis por que o crédito agrícola tem esbarrado sempre contra estas três dificuldadesfundamentais que não podem ser superadas pelo sistema clássico de crédito, taxa de juros, sistemasde garantias e prazo.

A matéria é de tal relevância que tem sido objeto de preocupação e de estudos não apenasdos governos de cada país, mas de conferências internacionais, chegando-se mais de uma vez aaventar a hipótese da criação de um banco internacional de crédito agrícola. Iniciativa ainda nãoconcretizada em face dos compreensíveis obstáculos de ordem técnica e política.

Se examinarmos a história, a evolução do crédito agrícola desde a modalidade primitiva deempréstimo da terra, até o empréstimo do capital, veremos que a tendência é para a redução dosencargos e suavização do sistema de garantias.

O crédito agrícola tende para a gratuidade.Temos, por exemplo, em nosso País, a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do

Brasil, como principal especialização do crédito, mas que, praticamente, só atende à lavouracapitalista, e com taxas ainda elevadas. A Caixa de Crédito Cooperativo, criada em 1943, parafinanciamento de cooperativas, opera na base de seis por cento, mas não dispõe dos fundosnecessários.

O problema, entre nós, está ainda muito longe de ser resolvido, tanto assim que, na reformabancária que ora se projeta, cogita-se da criação de um banco autônomo, de crédito rural.

Na vizinha República Argentina, que, em muitas coisas, nos pode servir de exemplo, as Leisn° 11.684 e 12.389 criaram no Banco da Nação a seção de crédito agrário, operando com a taxamáxima de seis por cento. As organizações cooperativas, os financiamentos para a colheita ebeneficiamento da produção têm sido feitos na base de quatro e meio por cento. Chegou a serapresentado um projeto legislativo propondo a redução da taxa máxima para três e meio por cento,o que equivaleria praticamente à gratuidade do juro desde que essa taxa deve representar,aproximadamente, a despesa de administração do banco.

Para incrementar a produção agrícola e reduzir-lhe o custo é necessário, no que depende docrédito, estender a sua acessibilidade, generalizá-lo, sendo o ideal, quanto à pequena agricultura,eliminar o juro. E esta uma sobrecarga que não deve ser suportada pela produção agrícola ou, pelo

Page 84: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

menos, pela produção agrícola não-capitalista.Por outro lado, parece evidente que a supressão do juro não será possível dentro dos moldes

tradicionais do sistema bancário. Como poderia um banco, que recebe dinheiro a juro. emprestá-losem juro? Ainda que se minasse da operação o intuito especulativo ou o lucro devia o mutuáriopagar pelo menos o juro correspondente ao custo do dinheiro.

Vê-se, pois, que, sendo o financiamento da agricultura sem juro um ideal a ser atingido,deveremos, se quisermos possibilitar o incremento e barateamento da produção agrícola, estudaroutra modalidade de crédito, em que o dinheiro não só nada custe, mas ainda que não exista aobrigação de restituí-lo à fonte de onde procede, a fim de, por esta forma, poder ser ampliada amargem dos riscos e tornar mais liberal o sistema de garantias, predominando as de naturezapessoal. O crédito agrícola, como dizem os entendidos, deve ser local e pessoal.

Isso só será possível se o Poder Público tomar a si a tarefa e se obtiver os fundos, não porvia de depósitos reembolsáveis, mas por meio da receita de contribuições sociais e de outrosrecursos disponíveis.

Reconheço que a palavra “contribuição” provoca arrepios, e isso não é sem razão. Mas, areação natural, que sentimos, diante de perspectiva de termos de pagar um tributo, não derivapropriamente do fato de sermos obrigados a contribuir com alguma coisa; não é, por assim dizer,uma reação egoísta, mas, sim, a idéia e a persuasão, confirmadas pela experiência de que, nageneralidade dos casos, o encargo que não é imposto, não tem nenhuma finalidade útil. Issoacontece quase sempre com as tributações fiscais, cujo objetivo é cobrir os encargos daadministração. Criam-se novos tributos ou se aumentam os existentes, mas o povo não vê nenhumbenefício do sacrifício que se lhe impõe.

Nosso caso é diferente. Não pretendemos criar contribuições fiscais, mas contribuiçõessociais. Isto é, solicitar um pouco de muitos para auxiliar a solução de problemas que interessam atodos. Serão elas dosadas de tal forma que se sintam mais os benefícios do que os encargos.

Quando Secretário do Interior, propus a criação do adicional de um décimo por cento aoimposto de vendas e consignações para ser o produto da receita aplicada em obras e serviçossociais. Essa pequena taxa é individualmente insensível, pois todos a pagamos sem nos darmosconta disso, rende, hoje, anualmente, mais de vinte milhões de cruzeiros.

Se aplicarmos parte dessa receita na constituição de fundos destinados ao financiamento dapequena agricultura e aí acrescentarmos mais a receita dos juros e dividendo de capitais de estado, areceita de outras pequenas contribuições a serem instituídas, e ainda se for passiva uma parcela dareceita comum, poderá essa nova instituição do crédito iniciar as suas operações com um capitalmínimo de vinte a trinta milhões de cruzeiros, recebendo anualmente novos fluxos de importânciasmaiores dada a progressão natural da receita. No fim de cinco anos por exemplo, o capital emmovimento atingiria cifra superior a cem milhões de cruzeiros, e assim progressivamente, ficando oEstado cada vez mais aparelhado, não só para dispensar proteção e amparo eficaz à pequenaagricultura, mas também para realizar outras obras e serviços de assistência social.

Concomitantemente com esse auxílio, deverá naturalmente o Estado orientar as atividadesagrícolas e prestar toda a assistência ao agricultor, a fim de que possa efetivamente aproveitar osmeios postos à sua disposição.

Deverá igualmente estudar a possibilidade de um sistema de seguros que cubra, o maispossível, os riscos desse tipo de financiamento.

Têm-me perguntado alguns como é possível o financiamento sem juros, se o próprio bancotem despesas a cobrir. A solução me parece intuitiva, desde que uma parte da receita anual poderiaser aplicada no custeio dos serviços administrativos. Quando, porém, falo em banco, refiro-me,simplesmente, por comodidade de expressão, a essa modalidade de crédito sem ter a intenção demencionar especificamente todo o aparelhamento administrativo e burocrático. Se talaparelhamento absorvesse parte dos fundos estaríamos comprometendo a sua finalidade.

A distribuição do crédito aos pequenos agricultores e as várias organizações cooperativaspoderá ser feita através das próprias prefeituras, que estão em contato direto com os interessados eque podem, conseqüentemente, com facilidade, fiscalizar-lhe as atividades. Poderá, ainda, essa

Page 85: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

distribuição, ser feita por intermédio da rede de Suais e agências do Banco do Rio Grande.Pela própria natureza da idéia exposta poderá cada um verificar que não estamos procurando

soluções imediatistas nem pretendemos anunciar milagres para fins eleitorais. Desejamos, sim,estabelecer certas bases para o futuro, dentro de uma nova concepção e orientação social. Nossoprograma não é a curto prazo. O que desejamos, principalmente, é ir preparando e acumulando osmeios, a fim de que possam os que vierem depois de nós, estar aparelhados para enfrentar a crise e adepressão econômica que fatalmente se seguirá ao atual período inflacionista. Devemos olhar nãoapenas com os olhos no presente, mas também com os olhos no futuro. Essa é a grande missão dohomem público.

A idéia do financiamento sem juro tem provocado reações e críticas. As reações devemosconsiderá-las naturais. Todo aquele que faz da intermediação da moeda um negócio lucrativo, todosaqueles que, como dizia Pio XI, têm na mão o dinheiro, que dominam o crédito e governam osempréstimos e que são os distribuidores do sangue mesmo, que alimenta o organismo econômico, sesentem virtualmente ameaçados, embora não haja motivos para tantas inquietações, que são antesfrutos da incompreensão.

Quanto às críticas, devemos distinguir a crítica sincera, honesta, que deseja esclarecer otema de crítica que parte intencionalmente de falsos pressupostos ou ainda da crítica imbecil feitade encomenda, muitas vezes como oportunidade de injuriar, e que revela a debilidade mental e ocaráter dos seus autores ou inspiradores.

Desses ataques não me vou ocupar. São, como dizia Júlio Diniz, ferroadas de insetos que agente esmaga com o pé.

Um dos nossos críticos teve a bondade de me atribuir a ignorância de leis econômicasconhecidas e, menos escrupulosamente, me atribuiu também declarações e afirmações que jamaisformulei. Para documentar, porém, a própria sabedoria e credenciar, portanto, a sua argumentação,invocou até a lei de Gresham, lei segundo a qual como sabeis, a moeda ruim expele do mercado aboa.

Parece que em política, nossos adversários confiam muito nos efeitos dessa lei...Adverte-nos o ilustre adversário que a coexistência do dinheiro com juro e do dinheiro sem

juro dentro de um mesmo mercado determinaria um fenômeno de deslocamento e de evasão aosfatores da produção. Nenhum empreendedor, diz o crítico, com disponibilidade de capital, deixariade empregar o seu próprio dinheiro em aplicações remuneradoras que rendam juros, disputando,depois, o dinheiro de graça, para com os lucros repetir a operação acumulativa.

O raciocínio revela, sem dúvida, uma grande perspicácia. Mas, como logo ressalta à vistanão tem a menor consistência, porquanto não preconizamos o crédito sem juros à outrem, paraquaisquer fins especulativos, mas, tão-somente, para finalidades específicas e assistenciais, isto é,para financiamento da pequena agricultura, das organizações, cooperativas de pequenos agricultorese quando for possível para o financiamento de casa própria, desde que não é possível ao trabalhadoradquiri-la pelas modalidades atuais.

O sistema que propomos, não interfere onde atuam as outras organizações de crédito, isto é,no setor capitalista.

Observa ainda nosso opositor: “Estabelecida a singularidade monetária no Rio Grande doSul, dele se afastariam todos os capitais e riquezas acumuladas e para ele convergiriam todos osnecessitados, desde que não há barreiras entre os estados da Federação, todos os detentores devalores se evadiriam do estado, e este seria superpovoado de milhares de brasileiros, sequiosos dehabitar esse regalado seio de Abraão em que o poder público dá dinheiro sem garantias e semprevenções...”

Não se trata, como podeis ver, de um argumento, mas de uma pilhéria baseada nodesvirtuamento de nosso programa, coisa, aliás, que o crítico não teve o menor escrúpulo de fazer.

Deveria, entretanto, já que presume conhecer tão profundamente nossa economia refletirsobre o regime da produção agrícola e sobre a posição geográfica do Rio Grande com mercadoprodutor de gêneros alimentícios em relação a outros estados muito mais próximos dos mercados deconsumo. Temos em comparação com outros mercados produtores, a enorme desvantagem das

Page 86: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

longas distâncias e dos fretes para as utilidades de baixa densidade econômica, o que nos obrigaráno futuro, se quisermos sobreviver, a baixar o custo da produção.

Ora, um dos meios de baratear a produção agrícola consistirá, precisamente, em diminuir oônus do dinheiro, isto é, em suprimir o juro do financiamento à pequena lavoura.

E isso se torna tanto mais necessário entre nós, em nosso Estado, onde o regime da pequenapropriedade e do financiamento da produção torna o crédito agrícola praticamente inexistente. Seexiste, é apenas sob a forma rudimentar de fornecimentos a prazo feitos por comerciantes aosagricultores.

Para nossos críticos é também um contra-senso a possibilidade de crédito sem garantiasreais ou capitalistas. Não consideram garantia suficiente a honra e o suor dos nossos agricultores.No entanto, todos vós sabeis como eles cumprem religiosamente as suas obrigações.

Mas, se por infelicidade, não puderem colher o que plantaram, porque a geada matou ou aseca torrou as plantações, maiores razões haverá, então, para socorrê-los e ampará-los, o que,evidentemente, não poderiam esperar do atual sistema de crédito, que visa o lucro e não aassistência ao trabalhador.

A base da economia rio-grandense é ainda a agricultura e a pecuária. Se não asfortalecemos, se lhes não dermos condições mais sólidas de existência, correremos grandes riscos enão poderemos pensar sequer no desenvolvimento do nosso parque industrial, de vez que a matéria-prima da nossa indústria deve ser tirada, em grande parte, da própria produção agrícola.

Garantem outros críticos que o financiamento nas bases propostas em nosso programa, istoé, financiamento sem juro à pequena agricultura, às cooperativas de pequenos agricultores, e,eventualmente, às cooperativas de consumo e para a aquisição da casa própria, viria agravar oproblema inflacionista, com a extensão e facilidade do crédito. E afirmam, modestamente, que nósignoramos as leis da inflação e das conjunturas econômicas.

Esses mesmos doutores pontificam que a inflação resulta de um desajustamento entre osmeios de pagamento (moeda e crédito) e o volume dos bens e utilidades disponíveis, ou seja, ovolume da produção.

Por esse motivo não compreendemos como possa agravar a inflação, o crédito que sedestina, precisamente, a incentivar a produção de bens de consumo.

Se o Governo (e só poderia ser o Governo Federal) emitisse papel-moeda para fazerfinanciamentos dessa natureza, poder-se-ia ainda admitir a tese. Desde, porém, que o dinheiro dosfinanciamentos não provenha de emissões, desde que seja retirado do mercado através decontribuições para ser aplicado não em operações especulativas, mas na produção de gêneros deprimeira necessidade, o efeito dessa medida será duplamente oposto à inflação.

Devemos reconhecer que a União poderia dispor de muitos maiores recursos para promovero tipo de financiamento assistencial que projetamos. O ideal seria que o fizessem mediante umatributação adicional dos lucros e das grandes fortunas. Com isso, reduziria, de um lado, o poder deespeculação do dinheiro, que é proporcional à sua massa, e, de outro lado, traria grande incentivo àprodução de bens de consumo, neutralizando, assim, os efeitos da inflação. Infelizmente, porém, oGoverno Federal está preocupado em aumentar a taxação dos rendimentos, não para finalidadesdessa natureza, mas para cobrir déficits, que, como sabeis, decorrem de despesas absolutamenteimprodutivas e inúteis. Com isto não quero dizer que lhe caiba a culpa. A culpa é menos doshomens que do sistema.

Podereis, agora, perguntar se é razoável que alguns contribuam para que outros possammelhorar as condições de existência e prosperar. Deveríamos responder que, precisamente nisso, seresume o princípio da solidariedade e da justiça social contributiva.

Mas, seria um engano pensar que apenas contribuímos para benefício de outros.Como sabeis, a base do processo econômico é o consumo. Se não há capacidade de

consumo, se não há potencial aquisitivo, é inútil pensar em produzir. O nível social e econômico deum país se avalia pela capacidade média de consumo de seus habitantes. Capacidade de consumo epadrão de vida são termos equivalentes.

Se os industriais pretendem desenvolver as suas indústrias, se os comerciantes pretendem

Page 87: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

ampliar os seus negócios, devem pensar primeiramente em criar mercados de consumo. Criarmercados de consumo significa criar consumidores.

Todo dinheiro, pois, que for aplicado em melhorar as condições da vida do povo serádinheiro empregado para aumentar o nível do consumo e, consequentemente, para desenvolver aprodução e o comércio.

Consumo é satisfação de necessidades.Na hierarquia das necessidades humanas, há as elementares e as complementares. O índice

de progresso econômico e social de um povo se mede pelo grau em que pode satisfazer asnecessidades complementares. Na verdade, o povo brasileiro, na sua maioria, não consegue aindaatender às necessidades elementares.

Precisamos, pois, descentralizar o poder do consumo para acelerar o ritmo do processoeconômico e da produção da riqueza.

Vou ilustrar a tese com um exemplo. Imaginemos dez pessoas, uma dispondo de cinco milcruzeiros, e as nove restantes apenas de cinco. A primeira poderá adicionar um copo de vinho àrefeição, ao passo que as demais não poderão fazê-lo. Mas, se o que tem cinco mil cruzeiros,proporcionar dez cruzeiros a cada um dos nove restantes, estes poderão também dar-se ao prazer detomar um copo de vinho. Noventa cruzeiros não farão muita falta a quem tem cinco mil. Emcompensação, em vez de um copo de vinho, serão consumidos dez. Nessas condições, se poderávender dez vezes mais, produzir dez vezes mais, transportar dez vezes mais, arrecadar dez vezesmais impostos.

É, pois, a natureza e a extensão do consumo que acelera o ritmo da economia.No exemplo figurado, a contribuição era uma dádiva. Nós porém, não propomos dádivas,

mas contribuições, pequenas contribuições para constituir fundos de assistência social e paraproporcionar a cada um oportunidade de, com o seu trabalho, aumentar as possibilidades doconsumo.

A uma economia de produção deve, necessariamente, estar vinculada uma economia deconsumo. Pretender organizar aquela sem cuidar desta seria o mesmo que pensar em construir umedifício sem querer gastar dinheiro com tijolos.

É, portanto, do próprio interesse dos capitalistas, isto é, dos proprietários dos meios deprodução, empregar capital na ampliação dos mercados de consumo, isto é, em aumentar o poderaquisitivo dos consumidores. Será, simplesmente, um dinheiro posto a prêmio.

De tudo isso, deduz-se que, quando preconizamos a necessidade de melhorar as condiçõesde vida do povo, ainda que para isso seja necessário instituir contribuições, não estamos procurandoespoliar os que têm algo para dar. Muito ao contrário, estamos pretendendo criar condições que lhespossibilitarão o desenvolvimento de suas atividades e, conseqüentemente, a percepção de maioresrendimentos, provindos, porém, não da miséria alheia, mas de uma situação de prosperidade geral.Se todos estiverem bem, ninguém estará mal; mas, se a maioria estiver mal, ninguém poderá sentir-se bem.

Cumpre que todos se compenetrem de que no organismo social e econômico deve existirsolidariedade, equilíbrio e harmonia. Se no organismo humano os braços começassem a crescer àcusta das pernas, em breve o corpo não se sustentaria mais de pé. E, então, de que adiantaria aosbraços se terem desenvolvido tanto? E necessário, pois, que haja um sistema central de distribuição.No organismo social esse sistema é o Estado. E é precisamente uma distribuição justa da riqueza,no interesse da própria estabilidade social, que preconiza o trabalhismo.

O Brasil precisará ainda de longos anos de capitalismo. Não de capitalismo individualista,mas de capitalismo solidarista.

Caxias, com o maravilhoso surto de seu progresso, é um exemplo vivo de quanto pode ainiciativa privada. E, se não pode ser maior a extensão de suas indústrias, deve-se ao fato de não tersido apoiada a iniciativa dos caxienses quando pretenderam, com os seus próprios recursos, resolvero problema da energia elétrica.

A ação do Poder Público é, geralmente, lenta, tarda, burocraticamente anquilosada, eis que oEstado não está, ainda, entre nós, aparelhado para assumir a responsabilidade de certos

Page 88: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

empreendimentos econômicos.Sua função deveria ser antes de assistência e de controle, somente intervindo quando a

iniciativa particular fosse impotente para atingir os fins colimados ou quando o empreendimento,por sua própria natureza, não devesse ser objeto de exploração privada ou lucrativa.

As atividades econômicas não devem ser burocratizadas. Esse é, aliás, um dos grandesmales da socialização, males de que padece a própria Rússia, de modo que, se por um lado seelimina o lucro privado, por outro aumenta-se o custo da produção, o que neutraliza qualquerbenefício social que o sistema poderia proporcionar.

De que adiantaria, por exemplo, socializar as fábricas de Caxias se se pagassem os mesmossalários aos empregados, e os lucros que auferem atualmente seus proprietários desaparecessem emvirtude de uma administração ineficiente?

O mal não está em que haja iniciativa privada; o mal está em que essa iniciativa sejaconduzida num sentido egoísta e individualista, em explorar o povo ao invés de ser dirigida para obem coletivo.

Essa é, senhores, a tese que sustentamos. Não somos socialistas no sentido rigoroso dotermo, e, mesmo que o quiséssemos ser, não teríamos entre nós as condições necessárias parapraticar o socialismo. Desejamos um capitalismo sadio, humano, que reconheça os direitos dostrabalhadores, que compreenda a sua verdadeira função econômica e social, que se inspire nosprincípios da solidariedade, que suporte os encargos que lhe incumbem perante a coletividade.

Somente um capitalismo cristianizado, mas que não aparente ser cristão e crente apenasquando trata de receber, continuando materialista e pagão quando se trata de dar; somente umcapitalismo que não faça da religião, como dizia Pio XI, o anteparo de sua cobiça, mas que a ignorequando estão em jogo os interesses dos trabalhadores e do povo; somente um capitalismoespiritualizado, sentimentalizado, tal como nós o concebemos, e que se identifica com o própriotrabalhismo - pois, nesse caso, o capitalista será um trabalhador por excelência, somente essecapitalismo poderá, na hora atual, salvar o mundo da débâcle e preservá-lo da escravidão.

Eu desejaria que nossos adversários refletissem um pouco sobre essas verdades e sedispusessem, sinceramente, a apresentar soluções para os nossos problemas sociais, soluçõesconcretas e não apenas soluções verbais, fugindo a qualquer compromisso para não perder eleitores.

Porque, quando falamos ao povo, devemos ser claros e positivos, devemos exibir não apenasas promessas, mas também os encargos que o seu cumprimento exige.

Nós não temos o receio de fazê-lo e, mais uma vez o proclamamos e advertimos, que nossavitória importará a criação desses encargos. Os que estiverem de acordo, os que formarem na unhade frente do capitalismo solidarista e do trabalhismo, venham conosco; os que formarem naretaguarda do capitalismo individualista e reacionário, que nos combatam.

Mas, o povo está conosco, e está conosco porque sabe e compreende que estamosdefendendo a sua causa.

Eis, também, por que, caxienses, seremos vitoriosos. Será o triunfo da idéia, e não a vitóriados homens; a vitória da idéia que há de lançar no Rio Grande os marcos de uma nova política -política de esperança para os desafortunados, de conforto para os que sentem a aflição das privaçõese sofrem a angústia da dor; política de mais tranqüilidade social, de mais segurança e de maisjustiça, política que nos há de conduzir, ainda que lentamente, à custa de muitos trabalhos e demuitas lutas, ao mundo da verdadeira uberdade e democracia social, onde só nos sintamos com odireito de ser felizes quando nossos olhos deixarem de contemplar o espetáculo quotidiano damiséria e da necessidade e quando possamos erguê-los para o céu, não para implorar apenas aquiloque o egoísmo e a injustiça dos homens sonegam, mas também para agradecer os benefíciosrecebidos através de uma ordem social feita de solidariedade e de justiça, como o deseja o coraçãode Deus”.

PARTIDO Trabalhista Brasileiro: Alberto Pasqualini recebeu verdadeira consagração em Caxias.Correio do Povo, Porto Alegre, 17 dez. 1946. pp.7, 8. Nota: Este discurso foi utilizado porAlberto Pasqualini para compor o segundo capítulo de seu livro "Bases e sugestões para uma

Page 89: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

política social", com pequenas alterações.

Entrevista Sobre aInconstitucionalidade

do Parlamentarismo Rio-grandense

Somente (...) com o espírito isento das paixões e dos interesses do momento,poderá o Rio Grande dizer de que lado estava a razão.

Logo que foi conhecida a decisão do Supremo Tribunal Federal, declarando inconstitucional aCarta parlamentarista rio-grandense, a nossa reportagem pôs-se a campo, a fim de ouvir a opiniãodos líderes das correntes políticas que votaram a favor do governo de gabinete.

Ausente o Deputado José Diogo Brochado da Rocha, líder da bancada trabalhista naAssembléia, o qual se encontrava ontem em São Borja, conferenciando com o Sr. Getúlio Vargas,ouvimos, porém, a palavra altamente autorizada do Sr. Alberto Pasqualini, influente prócer do PTB,e ex-candidato à governança do Estado pelo partido majoritário.

Foram essas as impressões de S. Sa sobre o histórico pronunciamento do Supremo TribunalFederal.

“Com a adoção do parlamentarismo, teve em vista a maioria dos constituintes possibilitar,nas condições da atual divisão de forças políticas, a participação e a cooperação de todos os partidosno governo ajustando-o constantemente, através de um mecanismo democrático mais sensível, aosmovimentos e aos reclamos da opinião pública refletidos na Assembléia. Eminentesconstitucionalistas, como Pontes de Miranda e Carlos Maximiliano, abonaram a perfeitacompatibilidade do sistema, com a Constituição Federal.

O Supremo Tribunal Federal, entretanto, entendeu não se conciliar o regime parlamentar nosestados com os princípios constitucionais da União. O seu histórico aresto representa a verdadejudiciária diante da qual temos todos o dever de nos curvar.

Roma locuta, causa finita.Restará a crédito dos constituintes rio-grandenses o gesto também histórico de terem

ensejado mais um passo no caminho do aperfeiçoamento das instituições e a nobre intenção dehaverem tentado, mediante uma nova estrutura de governo, a conjugação honesta de forças políticaspara a realização de um grande programa de administração e solução dos problemas do povo.

Democracia não é exclusivismo e facciosismo. Democracia é, essencialmente, uma técnicade governo capaz de traduzir, a todo instante, as verdadeiras necessidades e as legítimas Aspiraçõespopulares.

O presente será julgado pelo futuro. Somente então, com o espirito isento das paixões e dosinteresses do momento, que tudo deformam e deturpam, poderá o Rio Grande dizer de que ladoestava a razão.”

PASQUALINI, Alberto Roma locuta, causa finita. O presente será julgado pelo futuro.Correio do Povo, Porto Alegre, 18jul. 1947.p. 12.

Page 90: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

A Força Interna dos Partidos Políticos

Os partidos só poderão sobreviver quando, objetivamente, possuam conteúdosocial e, subjetivamente, traduzam uma convicção em torno desse conteúdo, isto é,em torno de determinadas soluções consideradas essenciais ao progresso e ao bem-estar social.

Num magnífico discurso, pronunciado segunda-feira na Assembléia Legislativa do Estado, oDeputado Egídio Michaelsen salientou os objetivos fundamentais que inspiraram a campanhaeleitoral trabalhista neste Estado. Não se tratava apenas de eleger um candidato. Esse objetivopoderia até ser considerado secundário, pois o que importava, principalmente, era pregar e difundirdeterminada concepção social, debater certas idéias e soluções, preparando o caminho para asconquistas do futuro.

É certo que, por se tratar de um cronograma restrito ao âmbito estadual, suas formulaçõesdeveriam ser, necessariamente, limitadas. Isso, porém, não impediu que, a par de reivindicações queinteressavam direta e imediatamente aos trabalhadores e pequenos agricultores, se discutissemtambém teses de caráter fundamental, se prefixasse um ponto de partida e se delineasse umaconcepção geral do que deve ser entre nós, o trabalhismo, como tendência, como doutrina social ecomo síntese das aspirações das classes menos favorecidas.

Porque, segundo acentuou O Deputado Michaelsen, quase todos os partidos que surgiramem conseqüência do regresso do País às atividades político-eleitorais, foram improvisações. Os seusprogramas não são construções doutrinárias, não exprimem reivindicações brotadas dasnecessidades sociais e da consciência popular, condensadas através de um período de lutas; nãooferecem soluções concretas para os mais prementes problemas nacionais, mas são acenos mais oumenos vagos onde se evitam maiores compromissos neste ou naquele sentido, embora todosprocurassem explorar o tema social.

Verificou-se aqui aquela acertada observação de Harold Laski de que “a maioria das pessoasque é a favor de grandes modificações, em geral, não apoiará qualquer modificação específica, emparticular”.

Foi o que aconteceu com os programas de quase todos os nossos partidos que estão cheiosde slogans e de generalizações onde se promete a “atenuação dos desníveis sociais”, a “melhordistribuição da riqueza” a “elevação do padrão de vida” etc., abstendo-se, porém, cautelosamente,de indicar qual o grau de nivelamento social pretendido e desejado e qual a forma prática dealcançá-lo.

Até o burguês mais reacionário admitirá a conveniência de que se corrijam certas injustiçassociais; não, bem entendido, por sentimentalismo ou amor ao próximo, mas porque podemconstituir um perigo e uma ameaça para ele próprio; opor-se-á, porém, às medidas que visem àrealização desse objetivo desde que se lhe exija qualquer contribuição.

No Brasil não saímos ainda da era do primitivismo político, caracterizada pelas formaçõespartidárias em função de pessoas e de interesses. Há partidos cuja única finalidade é apoiargovernos. Afinal, não representa o governo um grande sistema de interesses? Ter na mão o podernão significa dispor das funções públicas, ter a possibilidade de nomear, de distribuir cargos e

Page 91: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

benefícios, de favorecer ou contrariar determinados negócios?Está claro que todos esses partidos estão voltados, mais cedo ou mais tarde, ao perecimento.

Desaparecerão com as próprias conveniências ocasionais de que são emanações efêmeras eartificiais.

Hodiernamente, nenhum partido poderá subsistir sem uma concepção social definida e sema firme determinação de executar os corolários e conseqüências práticas dessa concepção. Ospartidos só poderão sobreviver quando, objetivamente, possuam um conteúdo social e,subjetivamente, traduzam uma convicção em tomo desse conteúdo, isto é, em tomo de determinadassoluções consideradas essenciais ao progresso e ao bem-estar social.

Onde não são essas soluções, onde não são os postulados e as idéias que aglutinam oscidadãos em associações políticas, os partidos não terão consistência, não terão substância nemcoesão, porque lhes faltará o elemento polarizador das consciências o vínculo unificador dasvontades, a causa comum pela qual se batem todos aqueles que comungam do mesmo ideal, sejaqual for a classe ou hierarquia social a que pertençam.

Pela mesma razão, quando os partidos se movimentam ao sabor de interesses individuais,quando constituem simples massa de manobra, nunca poderão ter diretrizes definidas e sadias, poisestas só podem dimanar de objetivos claros e precisos, certos e impessoais, conhecidos e queridospor toda a massa partidária.

Eis por que a recente campanha eleitoral não teve para muitas finalidades imediatistas, masfoi a oportunidade de uma doutrinação social de discutir problemas, de criar uma nova mentalidade,de esclarecer o eleitorado sobre certas questões do presente e do futuro, de educá-lo para a práticada democracia e de habilitá-lo a escolher entre sistemas e doutrinas.

É certo que, entre nós, em razão do baixo teor de nossa cultura política há a interferência deforças e de influências que perturbam e retardam a evolução política do povo. Isso deve constituirum motivo a mais para que insistamos na tarefa educativa, certos de que não será um trabalhoperdido, desde que são evidentes os progressos que temos feito, de tempos para cá, na prática daverdadeira democracia e no modo de encarar determinados problemas sociais.

Em 1943, para citar apenas um exemplo, quando a Secretaria do Interior propôs um plano derecuperação das chamadas populações marginais, a idéia, se em muitos setores despertou interesse eaté aplausos, noutros provocou reações contrárias, a ponto de ser taxada de “extremista”. Issosignifica que, há um lustro, falar em “marginais”, instalação de colônias agrícolas com objetivossociais, econômicos e educacionais, e em outras questões e problemas de ordem social, eracandidatar-se à lista parda dos suspeitos do “comunismo”.

O plano de organização de colônias agrícolas foi e continua engavetado. Não obstante,vemos agora que o tema mereceu dispositivos da Constituição recentemente promulgada; vemosainda o assunto tratado especificamente na mensagem que o Presidente da República enviou aoCongresso em princípios do corrente ano. Nesse documento sublinha o General Dutra: “Verificandoo governo a conveniência de conter o êxodo para as cidades e de atrair para os campos parte dapopulação marginal existente nos centros urbanos - objetivo que só poderá ser atingido, medianteuma substancial elevação do padrão de vida das populações do interior - resolveu tomar a iniciativade legislação que facilite o acesso à terra a quantos brasileiros queiram fecundá-la com o seutrabalho. Não se trata nem de socializar o solo nem de destruir a propriedade privada, mas decumprir preceito constitucional por uma larga política de aproveitamento de terras públicas com afundação de colônias agrícolas e núcleos agro-industriais em terrenos irrigáveis ou saneáveis e naszonas em que o Poder Público tenha executado ou venha a executar grandes obras de recuperação evalorização do solo”.

Tudo isso serve para demonstrar que, quando certas idéias e soluções correspondem adeterminadas necessidades sociais, têm uma virtude intrínseca de propagação e deautoconcretização.

Fora do poder, devem os partidos ser os veículos de difusão de concepções e programaspolítico-sociais; no poder, devem ser os órgãos propulsores de sua execução.

As idéias são forças em busca dos instrumentos de sua realização. Quando estes falham ou

Page 92: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

degeneram, nem por isso as idéias perecem, mas procurarão em outras formas e armaduras os meiosde sua corporificação.

Razão teve, pois, o Deputado Michaelsen ao afirmar que os programas não pertencem ahomens ou organizações e que se correspondam a imperativos sociais, devem ser difundidos ecumpridos, sejam quais forem os seus executores acidentais.

Isso define ao mesmo tempo a linha política de um partido de índole popular em relação àsiniciativas governamentais.

Um partido que realmente propugna o bem-estar social e, especialmente os interesses dasclasses trabalhadoras, deve apoiar toda proposição sincera coincidente com as formulações do seuprograma, parta a iniciativa de onde partir. Pode um partido não querer co-responsabilizar-se emdeterminada administração; porém, jamais, lhe seria lícito enveredar pelo caminho da oposição semfinalidade.

O que cumpre é examinar os fatos, concreta e objetivamente, e não agir em função depessoas ou de interesse político em jogo.

A atuação dos partidos que realmente reivindicam benefícios para o povo e para as classesmenos favorecidas, deve ser positiva e não negativa. Deve sempre visar à execução do seuprograma e utilizar os meios oportunos para consegui-lo.

Cumpre, por isso, que todas as questões sejam apreciadas in concreto e resolvidas segundo ocritério do interesse social.

A oposição entre partidos deve resultar da oposição entre os sistemas que os mesmosrepresentam e que, muitas vezes, os governos encarnam. Quando estes, porém, acudirem àsnecessidades sociais com medidas sinceras e oportunas, convêm que sejam prestigiadas eestimuladas para que se não prive o povo dos seus benefícios.

Um partido, pois, que pretenda realmente representar e defender as classes trabalhadoras,deve seguir uma linha política construtiva e não negativista. Para ser construtiva não é necessárioque demande o palácio do governo em busca de acomodações e arranjos políticos, ou que renuncieao direito da crítica; para não ser negativista, bastará que, na solução de qualquer questão ouproblema, se inspire unicamente nas diretrizes de seu programa e adote a atitude e a posição que obem comum e os interesses coletivos aconselham.

Mas, para tanto, é necessário ter um programa, isto é, uma concepção político-social e umconjunto de objetivos claros e definidos que devem constituir o denominador comum de todas asconsciências, de todas as vontades partidárias e ponto de convergência de todos os esforços eatividades.

E precisamente esse ponto de referência e essa comunhão de pensamento e de sentimentos acondição de homogeneidade de qualquer agremiação política. Fora disso, não haverá partidos, masajuntamentos heterogêneos, sem coesão interna e que tenderão fatalmente a desintegrar-se tão logodesapareçam as circunstâncias acidentais que lhes motivaram a existência.

Um partido, para merecer esse nome e para ter condições intrínsecas de sobrevivência e deêxito, deve, em primeiro lugar, estar ao serviço de um ideal; em segundo lugar, cumpre que os seuslideres ou dirigentes tenham a inteligência suficiente para compreender esse ideal e a honestidadebastante de não permitir a sua deturpação.

PASQUALINI, Alberto. A força interna dos partidos políticos. Correio do Povo, Porto Alegre,24 ago. 1947. p. 4.

Page 93: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

A Margem da Mensagem Presidencial

... é necessário fazer funcionar os princípios da justiça social, dando-lhesexpressão real e prática.

A mensagem que o Presidente da República enviou, em princípios do corrente ano aoCongresso Nacional, é um documento que convém ser lido, meditado e divulgado. Nele foramexpostos com serenidade, clareza e objetividade os mais prementes problemas nacionais e indicadastambém as soluções que pareceram mais acertadas.

A mensagem é, em verdade, todo um plano de governo, plano que vem suprir as lacunas dacampanha eleitoral de 1945, orientada mais num sentido político do que num sentido programático.Agora, porém, em contato direto com as duras realidades nacionais, pode o governo sentir ecompreender quão imensa é a tarefa a realizar neste País, quão precários são os meios e enormes asdificuldades a superar.

A verdade, que deve pairar acima das questões partidárias, obriga-nos a reconhecer que amensagem contém um relato sincero da situação do País e que as diretrizes governamentais quenela vêm esboçadas, no tocante ao modo de encarar certas questões, estão em perfeita harmonia econsonância com os imperativos sociais do momento.

Há ainda, sem dúvida, bastante timidez e excessiva cautela no planejamento das soluções ena fixação dos objetivos a atingir, mas não se podem regatear aplausos à orientação geral que, semantida e encorajada, permitirá ainda ao governo realizar muito em benefício do País e sobretudoem benefício dos trabalhadores e das classes menos favorecidas.

No capítulo que trata da Política Social, a mensagem nos observa que “a solução dasquestões de educação, previdência e assistência sociais, assim como as de trabalho e povoamento dosolo brasileiro, deverão constituir, em seu conjunto, o alvo dos mais decididos e empenhadosesforços do governo”.

Constituem essas palavras uma notícia alvissareira, pois nos indicam que na escala dasprioridades o problema social ocupa o primeiro lugar nas cogitações do governo.

Estamos pois, evoluindo e nos distanciando sempre mais daquela época, não muito remotaem que a questão social era considerada um simples caso de polícia ou então o objeto demaquinações extremistas.

Mas, os problemas sociais não se resolvem apenas com a formulação de normas jurídicas ede boas intenções tais como se encontram na Constituição e nas leis. E necessário atacá-los commedidas oportunas, concretas e eficazes.

Com meros floreios legislativos não estaremos aparelhados para lutar contra a mortalidadeinfantil, a tuberculose, as endemias rurais; não liquidaremos o analfabetismo, não organizaremos aprodução e não elevaremos o padrão material e educacional do povo.

Nesse particular, a Constituição é um jardim de flores de retórica. Nela enfaticamente sedeclara que a ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social; que “atodos é assegurado trabalho que possibilite existência digna”; que “a lei poderá promover a justadistribuição da propriedade com igual oportunidade para todos”, etc, etc.

Mas até agora ninguém ainda definiu os princípios da justiça social. Vagamos, pois numa

Page 94: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

espécie de terra de todos e de ninguém, onde cada qual pode fincar a sua estaca, mais ou menoslonge, conforme o seu sistema métrico de avaliar e medir a “justiça social”. A garantia do trabalhoque a Constituição assegura é puramente verbal, porque, na realidade ninguém usufrui dessagarantia. A possibilidade de encontrar ocupação ou emprego depende ainda das condições domercado de trabalho, isto é, das necessidades momentâneas dos empregadores. Não temos umaorganização que garanta a cada pessoa que deseja trabalhar uma ocupação adequada às suasaptidões. Por essa mesma razão, a segurança de uma “existência digna” é um mito.

Da mesma forma, a “igual oportunidade para todos” na distribuição da propriedade é, porenquanto, uma fantasia. Não só os instrumentos de produção se encontram nas mãos de poucosprivilegiados, como o Estado não faculta a ninguém a oportunidade dos meios de realizarempreendimentos úteis à coletividade.

Cada qual deve arranjar-se como pode. O dinheiro, que é o meio por excelência, é objeto dedistribuição e especulação privada. Para obtê-lo, é necessário bater à porta dos bancos, mas estes sóo cedem mediante ágio e garantias que só os capitalistas podem oferecer.

A posição e a atitude do Estado perante o cidadão que, não dispondo de meios, deles precisapara realizar algo, é puramente negativa, isto é, limita-se a não impedir que tente a oportunidade,mas não lhe proporciona pondo à disposição os recursos necessários. A tão proclamada “igualdadede oportunidade” é apenas um conceito ou um ideal teórico a que não corresponde por enquantonenhuma realidade prática. O que há é puro individualismo, luta pela vida, onde cada qual devedefender-se como pode, sem contar com a ajuda do Estado.

Acredito que foi esse o pensamento da mensagem quando fez, melancolicamente, estaobservação: “Situação singular e talvez, contraditória, verifica-se, de fato em nosso País: de umlado deparamos com disposições constitucionais e da legislação ordinária a outorgar os mais amplosdireitos ao indivíduo e à família, assim como a conferir as mais formais garantias ao trabalhador emvários campos de atividade; do outro lado com as tristes realidades das condições em que seencontra boa parte da população urbana e a maioria da população rural, em relação à efetividadedesses direitos e garantias”.

Esta é a triste e desalentadora verdade. Muitos direitos e garantias estão apenas no papel,isto é, nas leis. A realidade, porém, é outra. Ainda bem que temos o bom senso e a sinceridade dereconhecê-la e proclamá-la. No entanto, deve haver em tudo isso um profundo erro, pois comoadverte a mensagem “o principal objetivo do Governo e a razão de ser do próprio Estado cifram-sena consecução do bem-estar de todos. Servir ao homem desde o nascimento, proporcionar-lhe osmeios de desenvolver a personalidade e capacidade, garantir seu aperfeiçoamento e aproveitamentoe promover sua defesa contra os riscos do infortúnio e da miséria - são, sem dúvida, os finsprecípuos do Estado moderno”.

Se é essa a finalidade fundamental do Estado, devemos convir em que, entre nós, está aindamuito longe de ser realizada. Porventura poderíamos afirmar que, no Brasil, o Estado serve aohomem desde o seu nascimento quando quase a quarta parte das crianças que nascem perecem já noprimeiro ano de existência? E a própria palavra do Presidente da República quem no-lo confirma:“De perto de 2 milhões de crianças que nascem anualmente no Brasil, cerca de 500 mil não chegama completar um ano de idade”. Onde está a causa desse desfalque de vidas, dessa perda desubstância social? Ela reside, diz a mensagem, “na ignorância, no pauperismo, na saúde precáriados pais e em outros fatores de ordem social e econômica’.

Entre as doenças, a tuberculose, como sabemos, é a que contribui com o maior número deóbitos. As estimativas fiscais mais otimistas - anota a mensagem - revelam que no mínimo 300.000pessoas estão presentemente atacadas desse mal no Brasil. São, sem dúvida, estimativas otimistas,porque outras fixam em 800 mil a um milhão o número de tuberculosos, com uma mortalidadeanual de 100.000.

Relativamente às endemias rurais, informa-nos a palavra do governo que “em quase todosos municípios do Brasil, excetuada a maior parte do Rio Grande do Sul, a malária continua a grassarcom intensidade, chegando na capital do Pará, a porfiar com a tuberculose na conquista do primeirolugar entre as causas de morte”. Quanto às demais endemias “as verminoses contribuem

Page 95: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

enormemente para o baixo rendimento do trabalho rural. O tracoma e a bouba assolam ainda vastasáreas do nosso território, constituindo problemas de caráter nacional de alta relevância. A pestebubônica, banida praticamente dos grandes centros portuários e industriais, ainda é endêmica,contudo em 202 municípios do Norte e do Nordeste. Além desses males, outras endemiascontribuem para retardar o desenvolvimento econômico do País”.

Mas não é tudo. O quadro é ainda mais extenso e impressionante. Relata a mensagem que“as doenças venéreas, principalmente a sífilis, continuam a contribuir de forma alarmante, para acegueira, as afecções do sistema nervoso, do aparelho circulatório e outros males que reduzem ouanulam a capacidade de trabalho em grande escala e são importantíssimas causas de óbito,assumindo em certas regiões do País caráter epidêmico, tal a intensidade de sua propagação”. Poroutro lado, “as febres tifóides e as disenterias salteiam praticamente todo o território nacional”.

Creio que ainda não se fez um estudo sobre a influência de certas moléstias, como a sífilis,nas reações coletivas. Um povo sifílizado, em determinadas situações, deve comportar-se de mododiverso de outros povos em razão dos distúrbios que essa moléstia produz no sistema nervoso.Restaria ainda indagar qual a parcela de responsabilidade da sífilis nos acontecimentos políticos deuma nação...

Esse é o estado sanitário do Brasil, exposto, não através das lamúrias dos pessimistas, daparcialidade dos políticos, da critica dos demagogos, mas da palavra serena e autorizada doPresidente da República.

Para enfrentar tão grandes males, de que meios e de que aparelhamentos dispomos? Que temfeito o Estado para combatê-los? Com que recursos conta a população? E ainda a mensagem queno-lo diz: "Com exceção da parcela da população já assistida, embora de forma ainda precária pelaprevidência social e instituições beneficentes de caráter contributivo, bem como excluídos ospoucos brasileiros que conseguiram recursos suficientes para poder custear os serviços médicos deque necessitam - o grosso da coletividade laboriosa tem de se declarar indigente quando precisa deserviços prestados pelas instituições particulares ou oficiais".

Cuidar da saúde da população é o primeiro dever do Poder Público. Como se pode pensarem desenvolvimento econômico, aumento da riqueza, progresso, melhoria do padrão de vida,quando a maior parte dos organismos que compõem a coletividade nacional estão minados peladoença e, portanto, incapacitados para o trabalho produtivo? Como se pode planejar o povoamentodo solo, o aumento da densidade demográfica, que é uma das condições da expansão econômica, secerca de meio milhão de brasileiros já perecem no primeiro ano de vida e se outra grande parteescapa da morte piedosa, mas não foge ao doloroso destino de uma existência de misérias esofrimentos?

Assegura-nos a mensagem que o governo está tomando as providências para atender àsolução do problema da saúde e, nesse propósito, submeterá ao Congresso Nacional o “CódigoNacional de Saúde”.

Nada se poderá objetar quanto à oportunidade e talvez mesmo à necessidade dessa lei, masnão será apenas com códigos que o problema sanitário e, de um modo geral, o problema social doBrasil, terá solução.

O que nos falta não são leis, são recursos. E a própria mensagem que nos aponta aexiguidade das verbas, quer nacionais, quer estaduais e municipais, esclarecendo que as despesascom a saúde pública exigiriam mais de uma centena de cruzeiros per capita, enquanto os gastos dosestados para esse fim, variaram, em 1946, de Cr$ 24,41 para Cr$ 2,63.

A pobreza das verbas orçamentárias para os serviços de saúde é simplesmente desoladora enão será por certo com uma assistência social a conta-gotas que poderemos enfrentar e erradicartoda essa série de males que debilitam o organismo nacional.

No projeto de orçamento para 1948, enviado ao Congresso Nacional, notamos, por exemplo,além de outras pequenas dotações, a consignação da verba de 30 milhões de cruzeiros para odesenvolvimento da campanha nacional de proteção à maternidade e à infância; 36 milhões para oFundo Hospitalar e 30 milhões para assistência hospitalar aos tuberculosos do interior. Será comtais migalhas que poderemos resolver o problema da infância, da maternidade, da tuberculose e

Page 96: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

atender à penúria hospitalar do País? Para tudo isso precisaríamos dispor, anualmente, não de cemmilhões, mas de um bilhão de cruzeiros, pelo menos no orçamento nacional.

Conhecemos já a amplitude das nossas misérias e das nossas necessidades. Tem o governo afranqueza de expor-lhes toda a extensão confirmando os clamores, os reclamos e as advertências detodos quantos têm estudado com patriotismo esses problemas.

O que cumpre agora é ter a mesma coragem de conseguir os meios para atacá-los comdecisão e energia.

Nessa luta pelo soerguimento nacional todos devem cooperar: cooperar não apenas emintenção, mas também em atos. Como tudo se reduz a uma questão de recursos, é necessário fazerfuncionar os princípios da “justiça social”, dando-lhes expressão real e prática. Ora, o maiselementar imperativo de justiça social exige que os que têm demais contribuam para aliviar asaflições dos que têm de menos. Tudo está, pois, em dosar a contribuição, de modo que nem osafortunados se privem de suas comodidades nem os espoliados continuem amargando umaexistência de privações, existência inútil para si e para a Pátria.

PASQUALINI, Alberto. À margem da mensagem presidencial I. Correio do Povo, Porto Alegre, 14set. 1947. p. 4.

Page 97: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

À Margem da Mensagem Presidencial JJ

... o processo social, material e cultural de um país se mede pelo teor de suasnecessidades e pelo grau em que podem ser atendidas.

Num país como o Brasil, com tão altos índices de analfabetismo, de ignorância, demortalidade infantil, de morbidade em geral e de pauperismo, os problemas sociais revestem aindacaráter elementar e primário: são problemas de natureza assistencial.

Mais de 40% da população é, segundo o censo de 1942, constituída de menores de 14 anos.Temos, portanto, 20 milhões que não produzem. Dos 30 milhões restantes talvez 10 ou 12 milhõestenham realmente expressão econômica, pois existe uma grande massa que não consome, isto é, quenão atende sequer às necessidades elementares da vida civilizada, por faltar-lhe poder aquisitivo.Não tem poder aquisitivo, ou porque não dispõe de meios de produção, ou porque não temcondições físicas e habilitações para o trabalho. Não podendo produzir, não pode consumir; nãopodendo consumir, não poderá ter recursos para produzir. Esse é um dos aspectos do círculo viciosoda miséria nacional.

A maior parte da massa populacional que está nessas condições encontram-se nas zonasrurais. Isso é exato sobretudo nos Estados do norte do Brasil.

Em sua mensagem ao Congresso, afirma o Presidente da República que a situação demilhões de brasileiros das zonas rurais, submetidos a um processo secular de atrofiamento de suascapacidades físicas e intelectuais, vegetando sem estímulo, sem saúde, sem instrução e morando emterras alheias, decorre do sistema de utilização da terra, isto é, do alto índice de concentração dapropriedade rural no Brasil. E esse alto índice - adverte a mensagem - que explica o baixo salário dotrabalhador rural, a má utilização da terra, o atraso da mecanização agrícola, o espantosodesperdício de energias humanas, a não fixação do homem à terra, a mesquinhez do nosso mercadointerno, o deslocamento demográfico para as cidades, a diminuta densidade de tráfego das nossasestradas de ferro e a impressionante degradação dos solos agrícolas.

Para sanar esses males preconiza a mensagem a necessidade da reforma agrária medianteuma série de providências, entre as quais enumera as seguintes: facilidades de utilização de áreassuficientes para a lavoura, para a criação e a habitação higiênica, destinadas àqueles que desejamdedicar-se às atividades rurais, de modo a fixar o homem ao campo dentro de um programa decolonização racional; revisão da legislação sobre arrendamento de terras; transformação datributação territorial num instrumento eficaz para a utilização racional das terras e para combater aconcentração da propriedade rural; estabelecimento, em bases sólidas, do crédito agrícolaespecializado para financiamento, a juros módicos, da pequena exploração agrícola e pecuária;encorajamento e estímulo à instalação de cooperativas de agricultores e criadores.

Além da reestruturação agrária, nas bases propostas, pretende o governo enviar aoCongresso um projeto de Código Rural que, segundo anuncia a mensagem, deverá ter feiçãoprogressista “dentro da diretriz do parcelamento das grandes glebas inaproveitadas ou devolutas, empropriedades passíveis de exploração lucrativa”.

A divisão das grandes glebas não seria, porém, suficiente para alcançar os objetivoscolimados. Por essa razão, diz a mensagem, “urge também reerguer e valorizar o trabalhador

Page 98: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

nacional, mediante a instalação de Colônias Agrícolas pela venda a trabalhadores rurais brasileiros,a longo prazo, de lotes cujo aproveitamento será feito mediante assistência e orientação técnica”. Eainda pensamento do governo, segundo a mensagem, instalar nas colônias agrícolas, indústriasrurais, para serem exploradas pelos próprios colonos, em moldes cooperativistas.

Aí estão, pois, os lineamentos fundamentais de um plano de reforma agrária, de organizaçãoda vida rural e de recuperação social como tantas vezes temos preconizado aqui no Rio Grande doSul. O programa deverá, naturalmente, atender às peculiaridades e às características de cada região.

Na escala das prioridades, o problema sanitário ocupa, como vimos, o primeiro lugar. Enecessário, antes de tudo, cuidar da saúde do homem rural. Vive ele abandonado, à míngua derecursos médicos, farmacêuticos e hospitalares e na mais completa ignorância no que concerne acuidados higiênicos. Curar os organismos e prevenir a enfermidade é a primeira tarefa. Em seguida,educar para o trabalho, alfabetizai", instruir e ministrar os conhecimentos técnicos indispensáveis.Sem isso, de nada adiantará a divisão e distribuição das terras, porque, embora dadas de graça, nãoencontrarão quem as saiba e possa cultivar.

Eis por que a instalação de colônias agrícolas constituem um dos pontos fundamentais deum programa dessa natureza. A função da colônia agrícola é, antes de tudo, operar a concentraçãodo elemento humano. Não é possível prestar assistência onde existe a dispersão. O governo nãopode instalar uma escola, um hospital e uma oficina ao lado de cada rancho. A colônia agrícolapossibilita, não apenas a organização do trabalho e seu maior rendimento, mais também aorganização da assistência social, educacional e técnica.

As colônias agrícolas não devem, pois, ser encaradas apenas como unidades econômicas deprodução, mas como todo um sistema de serviços, desde a escola primária à escola técnica, desde aoficina à estação de máquinas, o posto médico ao hospital, o armazém cooperativo ao engenho debeneficiamento.

Cumpre que a colônia agrícola seja um centro de aprendizagem e de irradiação: dali sairãoos operários rurais especializados, os futuros agricultores, física e tecnicamente aptos para as lidesda terra.

Mas, colônias agrícolas desse estilo não se organizam apenas com palavras. São necessáriosrecursos e recursos em grande escala. A instalação de uma colônia para duzentas famílias, com osseus serviços racionalmente organizados, não custará menos do que uma dezena de milhões decruzeiros, recuperáveis a longo prazo.

Na proposta orçamentária da União para 1948, encontramos a consignação de uma verba de28 milhões e oitocentos mil cruzeiros para colônias e núcleos agrícolas. Um pingo d'água numoceano de necessidades.

Poder-se-ia observar que o alto custo da organização de colônias agrícolas as tomapraticamente irrealizáveis. Não é difícil responder à objeção. Em primeiro lugar, não é necessárioque todos os agricultores sejam organizados em colônias agrícolas. Devem ser estas instaladas depreferência onde mais se façam sentir as necessidades sociais e educacionais do homem do campo.A função das colônias, como observamos, não é apenas propiciar meios de produção, mas instruir eemancipar o trabalhador rural, habilitá-lo profissionalmente ao cultivo da terra, tendo em vista,principalmente, a educação e preparação das gerações novas. Cada colônia deve ser um viveiro deagricultores e técnicos rurais que demandarão, posteriormente, outros pontos para exercerem as suasatividades. Será isso uma conseqüência do desenvolvimento demográfico da colônia. Caberátambém ao Estado a tarefa complementar de proporcionar aos novos elementos, já aptos para otrabalho, os necessários meios de produção.

A vida rural no Brasil deverá ser organizada, futuramente, na base de colônias agrícolas. Oscolonos que vieram de além-mar trouxeram um grande cabedal de experiência, de vontade detrabalhar e progredir. Seria um erro supormos que, para o desenvolvimento da agricultura, esuficiente distribuir terras. A terra de nada serve quando os músculos não têm resistência, quando ohomem não sabe cultivá-la ou, sabendo-o, não dispõe dos recursos necessários, ou ainda quando éum vencido. Não basta possuir a terra. Temos em toda a parte milhares de ocupantes de terras, cujaprodutividade é nula e levam uma existência de miséria e privações. Não dispõem eles de

Page 99: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

conhecimentos e recursos para o cultivo da terra; são fisicamente desgastados pelas doenças e pelasubnutrição. A indolência em que vivem mergulhados é a expressão exterior da miséria física efisiológica. Vencidos, liquidados, são criaturas sem necessidades ou que, pelo menos, não têmconsciência delas.

Essa espécie de nirvana, produto do pauperismo e da resignação, é a suprema degradação doser humano. O homem é, essencialmente, um sistema de necessidade: necessidades espirituais emateriais. E precisamente na diferenciação dessas necessidades que ele se distingue dos animais.Do mesmo modo, o progresso social, material e cultural de um país se mede pelo teor de suasnecessidades e pelo grau em que podem ser atendidas.

Toda a economia se baseia nas necessidades humanas e na sua satisfação, expressa noconsumo. A vida humana se reduz a sentir necessidades, ter a aspiração de satisfazê-las e lutar paraconseguir os meios.

A degradação da necessidade é o índice de miséria, de atraso e de degeneração.Desaparecendo o desejo de uma vida melhor, desaparece não só o estímulo para o trabalho, mas asua própria razão de ser.

A recuperação de grande massa de brasileiros deve fazer-se, precisamente, desenvolvendo-lhes a consciência de novas necessidades e incutindo-lhes a vontade de satisfazê-las. Isso dependede condições físicas e psíquicas, de criar organismos sãos e aptos para o trabalho; de ministrarconhecimentos e proporcionar os meios de adquirir e produzir. Só então teremos efetivamenteelevado o padrão de vida.

Como acertadamente observa a mensagem presidencial, o alargamento do mercado internoatravés do aumento do poder aquisitivo das massas rurais, é uma das condições senão a própria basedo revigoramento econômico e de desenvolvimento industrial do país.

Não se trata de verdades novas, nem ditas pela primeira vez. São slogans que estão na bocae na pena de todos que enxergam duas polegadas adiante do nariz. Mas é muito alvissareiro queessas afirmações se encontrem num documento oficial e, sobretudo, numa exposição da situaçãopanorâmica do país feita pelo Chefe da Nação ao Congresso Nacional. Isso significa que muitassoluções, às vezes encaradas com desconfiança, já se impõem aos próprios governantes e estão emvias de concretização.

Pelo menos, já é muito ter o diagnóstico das nossas fraquezas e deficiências e saber comodevemos acudir-lhes. Poderá ainda haver certa hesitação quanto ao emprego dos meios adequados eeficazes para executar as soluções previstas e planejadas. As idéias não provocam resistênciaenquanto se mantêm nos domínios da abstração e das generalizações. Quando porém tratamos decorporificá-las e materializá-las, de sair do terreno das especulações do puro verbalismo, para aterra firme dos fatos e das realidades, tudo muda de figura.

Estamos cansados de ver e ouvir autênticos burgueses discorrer com grande aperto d'almasobre a miséria, o pauperismo e a justiça social. Em geral preferem contribuir com idéias esentimentos a contribuir de outro modo mais concreto para a solução desses problemas...

Mas, já conhecemos de sobra os nossos males e podemos até dispensar os discursos.Sabemos também qual é a medicina. O que cumpre agora é ter a coragem e a decisão de buscar ecoordenar os meios para obter os remédios e aplicá-los convenientemente.

Se a justiça social se traduz, como concordam nossos sociólogos e políticos, por uma melhordistribuição da riqueza, é mister então tomar as medidas para torná-la efetiva. Muitos, porémarrependendo-se de traduzir em fatos o que dizem em palavras, estacam e perguntam: “Queadiantaria socializar a miséria?”

Há aqui um evidente sofisma. Não temos, em conjunto, grande riqueza; a que existe, porém,expressa na soma de recursos, dinheiro e meios de produção e está mal distribuída.

Como nas dunas, ela se acumula aqui e ali, trazida pêlos ventos da especulação, pelotrabalho e pelas necessidades de milhões. O que cumpre é um suave movimento de retomo e derecuperação das depressões. A prosperidade, o bem-estar, a estabilidade social e econômica de umpovo tem mais sentido horizontal do que vertical. Porque quando tudo se acumula nas montanhasmediante o desgaste e a erosão da base, será fatal, mais cedo ou mais tarde, a ruptura do equilíbrio e

Page 100: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

o desmoronamento de toda a cordilheira. E então, não haverá lei de segurança que o possa impedir.

P1ASQUALINI, Alberto. A margem da mensagem presidencial II. Correio do Povo, PortoAlegre, 18 set 1947. p.4.

Page 101: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

À Margem da Mensagem Presidencial JN

A defesa de um país não reside apenas nos seus tanques, nos seus canhões, nosseus vasos de guerra, nos seus aviões. Ela tem a sua base sobretudo no vigor físico emoral do seu povo, na aptidão dos seus filhos, nas suas indústrias, na suaagricultura, no seu potencial econômico e no seu equilíbrio social.

Um programa de recuperação social e de soerguimento nacional deve incluir os seguintespontos fundamentais: combate à doença, à mortalidade infantil, à desnutrição, ao analfabetismo, aodesconforto; reforma agrária, pelo desenvolvimento da pequena propriedade, fator de estabilidadeeconômica e social; assistência social, técnica educacional ao trabalhador rural e pequenoagricultor; instalação de colônias agrícolas; organização rural através do cooperativismo.

Relativamente aos trabalhadores das cidades, constituem necessidades básicas: a saúde,moradia, alimentação e educação.

Há evidente interconexão entre os problemas e interesses do trabalhador rural e dotrabalhador urbano. O incremento da produção rural e o seu barateamento beneficiará o trabalhadorurbano; por outro lado, a elevação do nível de vida das populações rurais, traduzido no aumento deconsumo, determinará maior produção industrial e, consequentemente, elevação de salários.

Duas terças partes da população do País se acham dispersas na zona rural. A recuperação dohomem do campo constitui, portanto, um problema vital para a própria indústria. Se as populaçõesrurais não têm capacidade de consumo, será inútil pensar em desenvolvimento industrial, pois épouco provável que os americanos, ingleses ou canadenses comprem nossas manufaturas ou quelhes possamos fazer concorrência nos mercados mundiais.

Se os nossos capitalistas se reunissem e resolvessem cotizar-se e contribuir espontaneamentecom alguns milhões de cruzeiros para serem investidos em elevar o poder aquisitivo das massasrurais e urbanas, fariam, em última análise, um bom negócio.

Nossos surtos industriais coincidem com os conflitos mundiais, quando surgem as indústriasde emergência para suprir a falta de produtos estrangeiros pela impossibilidade de importá-los ou deserem produzidos no exterior. Terminadas as guerras e feita nos grandes países a reconversão dasindústrias, a crise acomete nosso incipiente industrialismo. Não somente perdemos os mercadosexternos, se é que havíamos conseguido conquistar algum, como não podemos competir, no mercadointernacional, com a produção similar estrangeira. Todos aqueles que haviam emigrado do campopara as cidades em busca de trabalho nas fábricas, onde os salários eram mais compensadores queas atividades rurais, vêem-se subitamente sem ocupação e marginalizados. A conseqüência disso é adesorganização tanto da indústria como da agricultura, com as mais graves perturbaçõeseconômicas e sociais.

Não há dúvida de que estamos a caminho da crise. Ela sobrevirá, fatalmente, dentro depoucos anos.

Razão de sobra, pois, tem a mensagem presidencial quando nos adverte que a base e acondição de nosso fortalecimento econômico deve ser o alargamento do mercado interno. Ora, issosó será possível se conseguirmos elevar o nível vital das populações rurais, combatendo a doença, oanalfabetismo, o marginalismo e organizando a vida rural em outras bases.

Page 102: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

A realização desse objetivo é, para nosso País, um imperativo de sobrevivência. Por essemotivo, deveremos empenhar todos os esforços, concentrar todas as energias e fazer todos ossacrifícios para que possa ser alcançado.

Conhecemos, de longa data, nossos males, nossas debilidades, nossas deficiências; sabemostambém quais os remédios que se devem aplicar. O que cumpre agora é ter a coragem e a decisão deconseguir os meios, isto é, os recursos financeiros para a execução de um plano de tal envergadura.

Desde logo devemos desiludir-nos de contar com o milagre. Também devemos descrer dopoder mágico das palavras e dos decretos. Ex nihilo nihil. Do nada, absolutamente não podemostirar. Se aqueles que dispõem de recursos que excedem as suas necessidades não se dispuserem acontribuir para a reconstrução nacional, é inútil perder tempo com palavras. Não obstante, énecessário que os postulados da justiça social funcionem e que funcionem concretamente e nãofiquem apenas como enfeites de programas de partidos e na retórica de véspera de eleições.

Um programa de recuperação e assistência social em grande estilo exige elevada soma derecursos em face de necessidades quase incomensuráveis. Não valeria a pena sequer começar a suaexecução sem dispor, inicialmente, no orçamento nacional, de uma verba anual mínima de umbilhão de cruzeiros.

Para a aplicação dessa verba deveria ser organizada, dentro de uma planificação técnica,uma escala de necessidades. Apenas para fixar idéias e exemplificar poderíamos supô-la distribuídada seguinte forma: combate à doença, à mortalidade infantil, ao analfabetismo e outros malessociais: 300 milhões. Fundo para institutos de crédito social, destinados ao financiamento docooperativismo e da casa própria: 400 milhões.

Seria conveniente que a verba destinada à assistência social fosse aplicada através dasadministrações estaduais, a fim de evitar a duplicidade e o encarecimento dos serviços,adicionando-se, dessa forma, os recursos locais aos federais. O plano de reforma agrária tambémconviria fosse de execução estadual, atendendo às peculiaridades regionais. Reservar-se-ia à Uniãoa aplicação direta dos fundos destinados ao crédito social. Para esse fim, poderiam ser organizadasem outras bases a Caixa de Crédito Cooperativo e a Fundação da Casa Popular, ou ampliados eunificados os respectivos serviços em uma só instituição, de acordo com um plano geral dedisciplina do crédito, em consonância com as finalidades de sua aplicação.

Para a obtenção dos fundos necessários, há dois caminhos: primeiro, a tributação; segundo,o estorno da despesa, improdutiva, isto é. a redução das verbas dessa despesa e aplicação daeconomia resultante na execução do plano. Isso significaria dar ao Orçamento um sentido social.

A contribuição social a ser instituída poderia, inicialmente, incidir sobre a renda e serarrecadada sob a forma de imposto adicional. A taxação consultaria, precisamente, os postulados dajustiça social contributiva, expressa no art. 202 da Constituição.

A receita do Imposto de Renda está prevista, no próximo ano, em Cr$ 2.779.900.000,00. Em1949, atingirá, possivelmente, três bilhões.

Ninguém poderia razoavelmente opor-se a contribuir com mais de 20% do imposto a fim defornecer à União os meios necessários de executar um plano de tal envergadura e que redundaria emúltima instância, em benefício dos próprios contribuintes. Na pressuposição de que a taxaçãoadicional fosse fixada nessa base, isto é, em 20% do imposto vigorante, ter-se-ia inicialmente umareceita de 600 milhões. Entretanto, seria de justiça que a incidência da taxação se verificasse emrendimentos superiores a certo limite; cem mil cruzeiros, por exemplo, a fim de excluir a maioriados salários e ordenados. Nessas condições, a arrecadação poderia ser estimada, em 1949, em 500milhões.

Para completar um bilhão faltariam 500 milhões, a serem fornecidos pelos recursosordinários do Orçamento, mediante cortes em despesas não absolutamente necessárias ou menosnecessárias do que as que se destinam aos fins sociais previstos.

Em primeiro lugar, impor-se-ia uma redução nos gastos militares. No projeto de Orçamentopara 1948, as despesas com os três ministérios militares totalizam cerca de cinco bilhões decruzeiros, absorvendo mais de 44% da receita tributária da União, sem falar nos encargos quecorrem pelo orçamento do Ministério da Fazenda. Os orçamentos dos Ministérios da Agricultura,

Page 103: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Educação e Saúde, Trabalho, Indústria e Comércio, perfazem, todos reunidos, cifra inferior a um sódos ministérios militares, o Ministério da Guerra, cuja despesa, para 1948, está fixada em cerca dedois bilhões e meio de cruzeiros. Em contraposição, para um país essencialmente agrícola, temosum orçamento da Agricultura quase quatro vezes menor.

Uma das funções e dos deveres fundamentais do Estado é, sem dúvida, a defesa militar danação. A tese está fora de qualquer discussão e não podemos regatear louvores à preocupação dosnossos chefes militares de modernizar e tomar eficientes os meios dessa defesa.

Esta questão, porém, não pode ser encarada apenas do ponto de vista do dever profissional edas necessidades teóricas de defesa. Se se levarem em conta a posição e a extensão geográfica doPaís, precisaremos, tecnicamente, não de cinco, mas de cinqüenta bilhões.

O que cumpre indagar é se existem condições políticas internacionais que nos coloquemdiante de uma ameaça atual que imponha a prioridade de despesas militares de tamanho vulto,quando o País não tem recursos para combater a mortalidade infantil, a Tuberculose, as endemiasrurais e um sem número de moléstias que dizimam e debilitam a sua população; quando não temrecursos para instalar escolas e hospitais, para assistir a maternidade, a infância e a velhice; quandonão tem meios financeiros para recuperar as populações desajustadas, para organizar a vida rural,para estimular e baratear a produção de gêneros de primeira necessidade, para proporcionarmoradias higiênicas aos trabalhadores, para equipar portos e estradas de ferro, abrir estradas,aproveitar as riquezas naturais, desenvolver a economia, difundir a cultura e fortalecer o organismonacional.

A defesa de um país não reside apenas nos seus tanques, nos seus canhões, nos seus vasosde guerra, nos seus aviões. Ela tem a sua base sobretudo no vigor físico e moral do seu povo, naaptidão dos seus filhos, nas suas indústrias, na sua agricultura, no seu potencial econômico e no seuequilíbrio social. Os Estados Unidos constituem a prova e o exemplo vivo dessa verdade. São asestruturas da retaguarda que vencem as guerras.

Mas, onde estão os perigos que estejam a reclamar gastos tão desproporcionados à nossapobreza e que a Nação não pode suportar sem imenso sacrifício para o povo?

Imaginar a possibilidade de conflitos entre países da América é um absurdo e um contra-senso. Ainda, porém, que isso seja teoricamente possível, temos no sistema de segurançapanamericano o mecanismo de prevenção e solução desses conflitos. Não será, portanto, necessáriorecorrer às armas.

Por outro lado, em um conflito intercontinental, não seremos nós, evidentemente, queiremos assumir as principais responsabilidades. Essa tarefa e esse encargo cabem, na hora atual, aosnossos amigos americanos, cujos interesses em jogo, cuja riqueza e cujo poderio são infinitamentemaiores.

E possível que, num futuro remoto, venha a caber-nos esse papel. Por ora cumpre que nospreocupemos com a defesa interna, com a guerra à miséria e ao pauperismo e com o fortalecimentode nossa estrutura econômica e social, que deve constituir a base da própria defesa militar.

A Inglaterra, por exemplo, na conjuntura em que se encontra, está tratando, malgrado suasenormes responsabilidades internacionais, de reduzir em mais de 20% os gastos militaresordinários. Poderíamos nós, sem maiores inconvenientes, no estado de necessidade em que seencontra o País, reduzi-los pelo menos em 10%, o que representaria, desde logo, uma economia de500 milhões, que seriam aplicados em finalidades sociais.

Na pressuposição de que um programa dessa natureza começasse a ter execução em 1949,poderia a União, a partir desse exercício, dispor dos recursos de duas verbas; uma representaçãopelas economias feitas em outras despesas e a ser coberta pelos meios ordinários do Orçamento; aoutra específica e progressiva, correspondente á despesa adicional de 20% do imposto de renda. Aotodo, um bilhão de cruzeiros, para começar.

Tendo em conta, porém, a natural progressão do Imposto de Renda, po-der-se-ia prever,num qüinqüênio, o emprego de seis bilhões de cruzeiros, o que não excluiria ainda a possibilidadede maiores inversões mediante a obtenção, em outras fontes, de recursos específicos.

Admitindo-se que a distribuição desses recursos se fizesse de acordo com a sugestão acima

Page 104: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

formulada, teríamos, em cinco anos, as seguintes aplicações: assistência social: um bilhão eoitocentos milhões; reforma agrária: um bilhão e oitocentos milhões; fundos para o crédito social:dois bilhões e quatrocentos milhões de cruzeiros.

Com isso, evidentemente, não estaria resolvido todo o problema, mas teríamos dado,certamente, um grande passo no caminho de sua solução.

O cooperativismo, a pequena agricultura e, conseqüentemente, a produção de gênerosalimentícios, tomariam um impulso extraordinário desde que o crédito social pudesse contar com talfundo de movimentação. A casa própria estaria igualmente ao alcance do trabalhador, o que nãoacontecerá enquanto tiver de pagar juros sobre os financiamentos destinados a esse fim.

Como o dinheiro que iria formar o capital dos institutos de crédito social não precisaria serrestituído à fonte originária, porque não proviria de depósitos, tal como acontece com os bancos,poderiam ser maiores os riscos de sua aplicação e alterado, em conseqüência, o sistema dasgarantias, dando-lhes, em determinados casos, caráter acentuadamente pessoal.

A abolição do juro é um imperativo na economia não capitalista. Para isso, porém, énecessário que o dinheiro seja público e esteja sob a disciplina de objetivos sociais e não sob odomínio de interesses privados, que visam apenas o lucro.

Os métodos capitalistas têm a sua aplicabilidade ao setor capitalista. Seria, porém, um errosenão um contra-senso pretender, com o seu emprego, resolver problemas onde não está emequação o lucro, mas um fim social.

Em sua mensagem ao Congresso, o Presidente da República expôs, com franqueza eobjetividade, uma longa série desses fins. E absolutamente necessário agora que não haja hesitaçãoquanto ao emprego adequado dos meios. E isso que o povo espera.

O Brasil deverá manter-se ainda no regime capitalista. Mas, o capitalismo é como umaárvore. As folhas que caem adubam o solo. O enriquecimento do solo, por sua vez, aproveita àplanta, permitindo-lhe multiplicar a seiva e estender os galhos. Cuidemos, pois, da terra antes queesta se esgote e antes que a própria árvore, depois de ter-lhe sugado e absorvido toda a substância,acabe também por secar. Eis por que, podar a árvore, é ainda um meio de garantir-lhe asobrevivência...

PASQUALINI, Alberto. A margem da mensagem presidencial IV. Correio do Povo,Porto Alegre, 28 set. 1947. p. 4.

Page 105: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Entrevista Sobre Parlamentarismo emPresidencialismo

O quer é realizar o ajustamento dos dois poderes, legislativo e Executivo, somentepossível ou melhor realizável no regime parlamentar.

O parlamentarismo é o assunto dominante no momento. Pela primeira vez na História doBrasil republicano, os adeptos do sistema de governo de gabinete, tão vigorosamente defendidopelo Deputado Raul Pilia, vêm desenhar-se nitidamente a vitória dos seus princípios, com aresolução tomada pelas bancadas do PTB e do PL de votarem por uma Constituição parlamentaristapara o Estado.

Não vamos historiar os acontecimentos políticos que estão sensacionalizando não apenas oEstado, mas todo o País de olhos voltados para a experiência importantíssima que se tenta no RioGrande do Sul.

Nosso intento é outro.Queremos lançar mais um pouco de luz sobre a questão. Desejamos hoje expucar

objetivamente, à imensa maioria de leitores leigos, o que são presidencialismo e parlamentarismo,quais as restrições que se opõem a ambos os sistemas, quais as circunstâncias e as decorrências dasua aplicação ao caso rio-grandense e tantas outras coisas de palpitante interesse na hora atual ehistórica que estamos vivendo.

Mas, e aqui abrimos os olhos, somos na matéria tão leigos quanto a maior parte dos leitores.(Sem dúvida têm razão aqueles deputados que insistem na politização do povo.)

Devemos nos valer, pois, de uma palavra autorizada. Para isso procuramos o Sr. AlbertoPasqualini, figura saliente nos entendimentos que se processam para a implantação doparlamentarismo no Rio Grande do Sul.

Esta entrevista foi solicitada ao destacado prócer do PTB pelos jornalistas que se achavamna Assembléia, anteontem, após a movimentada e decisiva reunião da bancada trabalhista. Massomente ontem foi concedida à tarde no apartamento da Av. Borges onde reside o ex-candidato aoGoverno do Estado. Reunindo em seu gabinete os jornalistas o Sr. Alberto Pasqualini discorreulongamente, enquanto os lápis dos taquígrafos deslizavam sobre o papel, acerca da momentosaquestão no tom simples e amigável que lhe é característico.

A estrutura e funcionamento dos dois sistemas

Digamos que foi uma espécie de sabatina a que submetemos o destacado homem públicoferindo a tecla do parlamentarismo. E assim explicou-nos S. Sa de início, a estrutura efuncionamento de ambos os sistemas de governo ora postos em balanço, presidencialismo eparlamentarismo:

- “Creio - diz o Sr.. Alberto Pasqualini - não ser necessário repetir uma verdade que todosconhecem; tanto o regime parlamentar como o regime presidencial são modalidades do sistema

Page 106: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

representativo e forma democrática de governo.Para que o público possa compreender mais facilmente a estrutura e o funcionamento dos

dois sistemas nos reportaremos ao nosso caso estadual.No regime presidencial o Poder Executivo isto é a administração pública ou o governo, são

exercidos pelo governador com auxílio dos seus secretários. O governador é o chefe do governo, osupremo dirigente da administração. Escolhe e demite, como quer e quando quer os seussecretários. Estes cumprem as suas ordens e instruções.

No regime parlamentar a situação seria diversa. Os secretários passariam a constituir umórgão coletivo, o Secretariado chefiado por um deles. E ao Secretariado que caberia dirigir aadministração do Estado e assumir as responsabilidades decorrentes. O governador se colocaria naposição de magistrado acima dos partidos e alheios às suas influências e flutuações. Ainda mais: noregime parlamentar existiria a responsabilidade política do Secretariado perante a AssembléiaLegislativa, o que quer significar que os componentes daquele órgão só se poderiam manter nosseus cargos com o apoio da Assembléia. Desde que esse apoio faltasse, desde que a maioria daAssembléia votasse uma moção de desconfiança deveriam os secretários necessariamente demitir-sea fim de que fosse organizado um novo Secretariado cuja orientação e cuja política merecesse aaprovação da Assembléia.

No regime parlamentar o governo representado pelo Secretariado não se poderia manter semo apoio da maioria da Assembléia. Negado o apoio com a conseqüente demissão dos secretáriosincumbiria ao governador convidar um representante das forças majoritárias do Legislativo paraorganizar um novo Secretariado, cuja composição e programa de governo pudessem obter aaprovação da maioria da Assembléia.

Para esse efeito, a pessoa designada pelo governador para organizar o novo Secretariado, eque seria o seu chefe, deveria fazer as necessárias démarches junto aos partidos afim de escolhernomes que assegurassem o apoio parlamentar.

Vê-se, pois, que, no regime parlamentar existe um órgão, uma peça do mecanismogovernamental que permite o ajustamento constante dos dois poderes: o Executivo e o Legislativo.Não seria possível nesse regime manter-se um governo que estivesse em conflito com oLegislativo.”

O Gabinete - peça móvel e substituível

“O gabinete, pois ou, entre nós, o Secretariado, é a peça móvel e substituível - continua o Sr.Alberto Pasqualini - A outra peça do Poder Executivo, o governador (ou o presidente) é a peça fixae que nunca é atingida por moções de desconfiança, pois não e politicamente responsável perante oLegislativo. A sua principal função, além de representar o Estado, consiste em tomar as medidasoportunas para promover o ajustamento constante entre o governo (secretariado ou ministério) e oPoder Legislativo.

No regime parlamentar um conflito entre o governo e o parlamento se resolve por umaqueda do ministério (ou gabinete) e substituição por outro: no regime presidencial um conflito entreo Poder Executivo e o Legislativo não tem solução. Termina quase sempre num golpe de Estado.Esses conflitos podem facilmente surgir se o presidente não tem o amparo da maioria do legislativoe é por ela hostilizado.

Esse caso poderá facilmente surgir no Brasil futuramente quando pelo menos três fortescorrentes políticas disputarão a Presidência da República. A que vencer não terá maioria noCongresso. Será uma situação bastante difícil para o presidente eleito. No regime parlamentar asolução seria relativamente simples, pois, o presidente, que deve pairar acima dos partidos, trataráde promover a organização de um ministério que tenha assegurado o apoio da maioria das Casas doCongresso.”

O Parlamentarismo será uma exigência de ordem prática

Page 107: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

- “Eis por que muitos pensam que a instituição do parlamentarismo, no Brasil, mais do queum postulado teórico será uma exigência de ordem prática decorrente da pluralidade de partidos.

O Legislativo (Parlamento, Congresso ou Assembléia) representa o povo, isto é, oeleitorado. O gabinete pois (ou entre nós, o Secretariado) é responsável perante o povo porintermédio do Legislativo. Ora, pode acontecer que, num conflito entre o gabinete (ou Secretariado,e o Legislativo, se convença o chefe do Estado (presidente ou governador) que o Legislativo nãoestá com a razão e que não está representando os verdadeiros interesses ou a verdadeira opiniãopopular. Nesse caso, para que se opere uma harmonização da vontade popular com o órgão que arepresenta, pode o presidente ou governador dissolver o Legislativo. E o recurso de que dispõeaquele contra o arbítrio deste. A dissolução do parlamento ou assembléia equivaleria, pois, a umapelo ao pronunciamento das umas, para que o eleitorado decida de que lado está a razão.

Será desnecessário dizer que o Legislativo não deveria votar moções de desconfiança porqualquer futilidade; nem que o governador não deveria dissolver a assembléia - que é um recursoextremo e só utilizável quando está em jogo uma questão fundamental - pelo simples fato de cairum secretariado por um voto de desconfiança.

Observam os parlamentaristas que o regime presidencial dificilmente poderá funcionar numpaís onde haja mais de duas correntes políticas ponderáveis. O presidente só poderá governarmediante combinações do seu partido com outros, a fim de assegurar-se o apoio da maioria doparlamento. No regime parlamentar, o ajustamento se opera através da composição ao gabinete.

Em nosso Estado, por exemplo, o governador, teoricamente, não pode governar, pois o seupartido conta apenas com 16 dos 55 deputados da Assembléia. No caso de um conflito entre oLegislativo e o Executivo, as conseqüências seriam imprevisíveis. O mecanismo presidencialista -dizem os parlamentaristas - não oferece soluções constitucionais para esses conflitos.

Cumpre, por outro lado, reconhecer que o regime parlamentar só pode funcionarsatisfatoriamente quando existe um elevado padrão de cultura política nas câmaras legislativas. Nospaíses ainda primários, sem Uberdade e sem cultura, o parlamentarismo não teria sentido, pois nãose poderia constituir um parlamento que traduzisse fielmente a vontade popular.”

A independência e harmonia dos Poderes no Parlamentarismo

Há uma pausa que o repórter evita se torne ponto final, formulando esta interrogação:“Declara a Constituição de 18 de setembro que o Governo Federal poderá intervir nos

Estados para assegurar a independência e harmonia dos poderes. Existe no parlamentarismo essaindependência e essa harmonia? A questão, como se sabe, é apaixonante.”

O Sr. Alberto Pasqualini aceita o mote e volta a discorrer, desta maneira:“Se por” independência de poderes”, quisermos significar “poderes” que agem separada ou

isoladamente”, tal independência não pode existir em nenhuma forma de governo democrático,porque tomaria impossível o seu funcionamento “harmônico”, como quer a Constituição”.

O que denominamos “poderes” são, na realidade, funções. Ora, as funções no organismoestatal, como em qualquer outro organismo, não se poderiam exercer “sem nenhuma dependência”,isto é, sem nenhuma “correlação”. E necessário não esquecer que os “poderes” no Estado são (comoas funções no organismo) atividades cooperantes. Ação isolada e independente seria a negação dacooperação, da intercorrelação e, conseqüentemente, da harmonia.

Se ao Poder Legislativo, ao Executivo e ao Judiciário fosse possível agir isoladamente semdependência, poderia cada um deles visar finalidades opostas e contraditórias. Deixaria,conseqüentemente, de existir a “harmonia” e o organismo jurídico estatal não poderia funcionarnem subsistir.

Por essa razão, a “independência de poderes”, uma vez que se deve, necessariamente,conciliar com a “harmonia”, tem, logicamente, na Constituição um outro sentido. Significa apenasisto: que as diferentes funções do Estado devem ser exercidas por órgãos específicos e distintos. Oque não se quer é que o órgão que faz as leis também as execute; que aquele que as executa lhespossa dar a interpretação e aplicação jurisdicional. E nesse sentido que cumpre entender a

Page 108: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

“independência” dos poderes expressa na Constituição.O cérebro e o aparelho muscular, por exemplo, têm estrutura e funções próprias e

específicas, mas não podem agir e funcionar independentemente um do outro. Se o cérebrodeterminasse movimentos num sentido e os músculos os executassem noutro, o organismo acabariapor ser destruído.

Montesquieu, considerado o teorista da divisão dos poderes, observava precisamente que“tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo de notáveis, de nobres ou do povoexercesse esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar oscrimes ou as questões entre particulares”. A divisão era e é considerada uma condição da liberdade,que estaria comprometida se o autor da lei fosse ao mesmo tempo o seu executor e julgador.

Se os poderes, que são a expressão de uma mesma soberania e de uma mesma vontadepopular, pudessem agir isoladamente, sem correlação funcional, deixariam de ser harmônicos, comoquer a Constituição. Por essa razão, poderes independentes e, ao mesmo tempo, harmônicos, sópodem ser os que se exercem por órgãos distintos e específicos e dentro de um sistema decorrelação ou ajustamento funcional.

Afirmam, por isso, os partidários do Governo de Gabinete que o parlamentarismo éexatamente um mecanismo de constante ajustamento funcional entre o Executivo e o Legislativo.Ele realiza a harmonia sem ferir a independência, isto é, a especificidade dos órgãos para asdiferentes funções. Os três poderes são exercidos por órgãos distintos: o Poder Legislativo peloParlamento; o Executivo, pelo Gabinete e o Presidente, e o Judiciário pelos tribunais. Se para quepossa funcionar o Gabinete, é necessário o apoio do Legislativo, essa condição visa assegurar oajustamento ou a harmonia funcional entre os dois poderes. Nem por isso, porém, a funçãoexecutiva deixará de ser específica e privativa do gabinete, embora deva ser exercida em harmoniacom o Legislativo.

Eis por que, segundo os parlamentaristas, no sistema que defendem, melhor se realiza aharmonia dos poderes, sem tolher-lhes a sua especificidade ou independência e que deve consistirna faculdade exclusiva de exercer determinada função estatal.”

A independência dos poderes no Regime Presidencial

“No próprio regime presidencial - prossegue S. Sa sob a nossa viva atenção - existe aindependência dos poderes, no sentido absoluto da expressão. Em primeiro lugar, o Executivoexerce sua ação de acordo com as leis votadas pelo Legislativo. Tem aquele, entre nós, a iniciativados projetos de lei e em muitos casos, essa iniciativa é privativa do Executivo. Onde está, pois, aindependência do Legislativo? E ainda o presidente que sanciona e promulga as leis, podendo vetá-las e, assim, suspender a sua promulgação; que nomeia, com a aprovação do Senado, os ministrosdo Supremo Tribunal e do Tribunal de Recursos.

Por sua vez é o Senado Federal que julga o presidente da República nos crimes funcionais eque suspende a execução de decretos inconstitucionais pelo Supremo Tribunal.

De outro lado, o Poder Judiciário pode tomar insubsistentes as leis votadas pelo Congresso,declarando-as inconstitucionais. Os Tribunais exercem, de certo modo, uma função legislativa, pois,na aplicação da lei não é o pensamento ou o objetivo do legislador que prevalece, mas ainterpretação judiciária, isto é, o sentido e o alcance que lhe atribuem os Tribunais”.

A independência de poderes no Regime Parlamentar

“Só se concebe, pois, a “independência” de poderes no sentido do seu exercício por órgãosdistintos e específicos” - termina S. Sa”

“Como no parlamentarismo, as funções legislativas, executivas e judiciárias se exercem porórgãos distintos, existe a independência de poderes de que trata a Constituição. Eis por que, a meuver, a instituição do regime parlamentar no Estado não ofenderia o princípio constitucional.”

Page 109: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

A hipótese da Intervenção em que consistiria?

O repórter, não obstante a conclusão a que chegara o nosso entrevistado, quis saber em queconsistiria a intervenção no caso em que, instituído o parlamentarismo no Estado, fosse consideradoinconstitucional.

Tudo o que acabo de dizer, observou o Sr. Alberto Pasqualini, é coisa elementar, velha,sabida e ressabida.

Admitindo-se a hipótese da que fosse inconstitucional o regime parlamentar nos Estados,essa inconstitucionalidade deveria, antes de tudo, ser declarada pelo Supremo Tribunal Federalmediante provocação do Procurador-Geral da República. Decidindo o Supremo Tribunal que oparlamentarismo nos Estados fere a Constituição Federal, o Congresso Nacional se limitaria, deacordo com o disposto no art. 13 da Constituição, a suspender os dispositivos da Constituiçãoestadual, considerados inconstitucionais, determinando a adoção da forma presidencialista, desdeque essa medida seria o bastante para restabelecer a normalidade constitucional.

A intervenção consiste apenas nisso, e tudo se reduziria a reformar a Constituição.

O Parlamentarismo e o PTB

Como o assunto já ia resvalando para o caso concreto, que tanto interessa a opinião publicario-grandense, quisemos saber se a bancada do PTB já havia decidido a adoção da fórmulaparlamentarista.

Depois de refletir um pouco disse-nos o Sr. Alberto Pasqualini: - “A bancada do PTB,conforme noticiou a imprensa, concordou por maioria e em princípio em realizar, nesse sentido, umentendimento com a bancada do PL. Uma Comissão da bancada está agora incumbida de estudar afórmula.”

Os objetivos do PTB

“Na hipótese - continuou o nosso entrevistado - em que venha ser instituído no Estado ogoverno de Secretariado, o PTB e o PL, com maioria na Assembléia, passarão automaticamente acontrolar o governo.

O PTB, e o mesmo acontece com o PL, não visa com isso apossar-se pura e simplesmentedo poder, o que se quer é realizar o ajustamento dos dois poderes somente possível ou melhorrealizável no regime parlamentar. Se mais de dois partidos concordarem em cooperar no governotanto melhor. Com isso lucrará o Rio Grande. A única coisa que o PTB deseja é objetivar o seuprograma e que sejam asseguradas as liberdades democráticas. Como combatemos o facciosismo,não poderíamos ser nunca exclusivistas.

Por outro lado cumpre reconhecer à Assembléia Legislativa a faculdade de escolher oregime que melhor convenha aos interesses do Rio Grande e melhor assegure o funcionamento doseu governo.”

PARLAMENTARISMO ou presidencialismo, esta é a questão. Correio do Povo, Porto Alegre,11 maio 1947. p. 5/24.

Page 110: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

As Verdadeiras Causas do DesequilíbrioSocial

E na desproporção entre as atividades e remunerações improdutivas, de um lado,e as atividades e remunerações produtivas do outro, que reside a principal causa dodesequilíbrio social e do empobrecimento geral.

A coletividade econômica em que vivemos é essencialmente baseada na troca: troca deutilidades por utilidades, de serviços por serviços, de utilidades por serviços. Em última análise,onde existe a divisão do trabalho, a troca se realiza entre diferentes formas de trabalho.

A característica desse sistema é que as trocas não se operam diretamente, mas por viaindireta e através de um elemento de avaliação, que é a moeda e que serve, como ensinam oscompêndios de economia, de denominador comum das trocas.

Assim, o trabalhador não troca o seu trabalho por certa quantidade de alimentos, mas pordeterminada quantidade de moeda, que lhe permitirá, depois adquiri-los. Do mesmo modo, oagricultor não troca diretamente um saco de batatas por utilidades de que necessita.

A função da moeda é, portanto, servir de intermediação nas trocas. Cada qual troca o seutrabalho - utilidade, que é o resultado dele, por moeda. Com esta poderá adquirir outras utilidadesou o próprio trabalho alheio.

Poderíamos dividir as atividades humanas em duas grandes categorias: atividades produtivase atividades improdutivas. As da primeira classe poderiam ser subdivididas em atividadesdiretamente produtivas e atividades indiretamente produtivas.

Atividade diretamente produtiva seria aquela que cria uma utilidade ou serviço apto asatisfazer imediatamente uma necessidade humana, seja qual for a natureza desta. Atividadeindiretamente produtiva seria a que não produz imediatamente um bem de consumo ou de uso, masque cria os meios ou as condições de sua produção.

De um modo geral, atividade ou trabalho produtivo seria aquele que contribui parasatisfazer, de modo direto ou indireto, necessidades humanas, de caráter econômico ou não.Atividades improdutivas seriam as que não concorrem para esse objetivo.

Há atividades improdutivas que, não obstante, no estado atual de nossa evolução social, sãonecessárias... As atividades policiais, por exemplo, nada produzem que possa ser consumido ouusado, mas não poderiam ser dispensadas. O mesmo se pode dizer de todas as demais que serelacionam com a segurança nas relações humanas e que são o reflexo e a conseqüência de umasociedade e de um mundo imperfeitos. As atividades improdutivas podem, pois, ser necessárias,menos necessárias e totalmente desnecessárias.

Imaginemos vinte pessoas, reunidas em um lugar isolado do mundo e constituindo umapequena coletividade econômica. Estabelecer-se-ia, possivelmente, entre elas uma divisão dotrabalho, embora rudimentar. Sabemos que a divisão do trabalho varia com a densidade dapopulação, o seu grau de concentração e ainda o seu grau de evolução. A especialização das funções

Page 111: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

econômicas, por exemplo, parece estar ainda em função da densidade do capital.Na coletividade imaginada, uns trabalhariam a terra, outros fabricariam os instrumentos de

trabalho, os abrigos, as peças do vestuário, etc. Haveria, assim uma prestação mútua de serviços.Todos estariam contribuindo com um trabalho útil e produtivo para a manutenção e o bem-estar dogrupo, e os encargos e benefícios poderiam ser eqüitativamente distribuídos, de modo que houvesseequivalência entre o trabalho de cada um e a quota de bens que lhe caberia.

Suponhamos, porém, que, um belo dia, dez daqueles vinte lograssem o domínio sobre osdemais e resolvessem organizar a seu modo a comunidade. Um, por exemplo, se arrogariasimplesmente a função de “chefe”. Os nove restantes passariam a ser os seus auxiliares,encarregando-se de executar as suas ordens, de exercer a fiscalização, a vigilância, etc. etc. Qualseria a conseqüência dessa transformação? Teríamos agora dez pessoas que já não produziriam.Como resultado, as 10 restantes para poderem fornecer as utilidades e serviços necessários àmanutenção de todos teriam que realizar um trabalho duplicado. Isso parece claro e evidente.Relativamente aos dois grupos - grupo “dirigente” e grupo “dirigido” - a permuta já não serealizaria entre trabalhos produtivos, mas entre atividades produtivas e atividades improdutivas. Osdez, que dividiram entre si o “comando” da comunidade, como nada em realidade produzem, nadade útil teriam para permutar. Ou, por outra, a permuta se daria entre um trabalho útil e umaatividade totalmente inútil. Isso significaria que metade da comunidade viveria, necessariamente, àcusta da outra metade.

Imaginemos (apenas para facilitar a compreensão do exemplo) que toda a produção fosseconsiderada como pertencente à comunidade e que cada componente do grupo recebesse, ao fim decada dia, semana ou mês, certo número de fichas ou certificados de trabalho que lhe dariam direitoa receber ou adquirir as utilidades de que necessitasse. Qual seria o “valor” da produção? Esse valorseria o equivalente da soma total das fichas, ou certificados de trabalho. Se, por hipótese, tivessemsido distribuídas duzentas fichas, cada ficha valeria a ducentésima parte dos bens produzidos,valendo, por sua vez, essa ducentésima parte uma ficha.

Do mesmo modo, cada ficha valeria a ducentésima parte do trabalho produtivo realizado. Asfichas, pois, representariam o trabalho efetuado para a produção dos bens necessários à manutençãodo grupo e como cada uma delas pode ser trocada por uma parcela de produção, a soma total dasfichas representaria o poder aquisitivo existente naquela coletividade. Também não seria difícil deperceber que o “valor” de cada ficha residiria exclusivamente na parcela de trabalho que a mesmarepresenta. O poder aquisitivo existente estaria, pois, em relação à quantidade de trabalhoproduzido. Se dermos a essas fichas o nome de “dinheiro” concluiríamos que dinheiro e trabalhoseriam, nessa comunidade, expressões equivalentes.

Se, pois, todos os componentes do grupo realizarem trabalhos produtivos, as duzentas fichasrepresentarão esse trabalho e o valor da produção.

Mas, voltando à hipótese de que dez assumam a “direção” da comunidade, mudem as suas“atividades” e, não obstante recebam também fichas ou certificados de trabalho em igualdade ou emmelhores condições dos demais, que acontecerá então? Parece claro que, se os dez restantescontinuarem a realizar a mesma quantidade de trabalho, a produção ficará reduzida à metade. Nessecaso, o seu “valor”, expresso no número de fichas, necessariamente duplicará, pois que agora,apenas metade da produção ficará valendo as duzentas fichas. Se o grupo dirigido tiver de dobrar otrabalho para produzir os bens necessários à coletividade, a sua remuneração sofrerá, em conjunto,uma redução ou desvalorização de 10% desde que, por um trabalho duplicado, terão a mesmacompensação.

Esse exemplo rudimentar serve apenas para demonstrar que o “valor” das utilidades eserviços em uma comunidade com referência a determinada forma de pagamento é uma relaçãoentre a totalidade das remunerações produtivas e improdutivas expressas nessa forma de pagamentoe a quantidade dessas utilidades e serviços. Serve ainda para evidenciar que o crescimento dasremunerações improdutivas determina, necessariamente, uma elevação de valor das utilidades,expresso sempre esse valor em unidades monetárias. Ainda mostro que o aumento dasremunerações improdutivas desvaloriza necessariamente as remunerações produtivas, isto é, o seu

Page 112: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

poder aquisitivo, o que sempre acontece quando ocorre um aumento dos meios de pagamento (dasfichas distribuídas), sem um aumento correlato da produção “econômica”, isto é, decorrente detrabalho produtivo.

A inflação é, essencialmente, uma conseqüência do crescimento das remuneraçõesimprodutivas, seja qual for a sua natureza, ou da produção sem utilidade econômica (como materialde guerra), o que vem a dar na mesma.

Se, por exemplo, em um determinado país, a soma total das remunerações em determinadoperíodo, for igual a cem bilhões (de uma unidade monetária qualquer) e a produção for de umbilhão (também de uma determinada unidade de medida), o valor monetário da produção será decem unidades monetárias por unidade de produção. Se a soma das remunerações duplicar sem quehaja aumento da produção, duplicará também o valor monetário desta.

E necessário não confundir a soma total das remunerações, em determinado momento ouperíodo, com o volume de meios de pagamento ou de moeda em circulação. Deve haver umaproporção técnica entre o volume de moeda e o volume de trabalho produtivo. Essa proporção sedesequilibra quando aumenta o quantitativo da moeda circulante como conseqüência deremunerações improdutivas. Porque, como vimos, há uma moeda que tem como lastro o trabalhoprodutivo, e há outra que não tem lastro algum, pois a tanto equivale a remuneração de atividadesimprodutivas. E como dinheiro falso. Ambas, porém, têm a mesma cunhagem e, legalmente, omesmo poder aquisitivo.

Na realidade, o valor da moeda é o trabalho produtivo que ela exprime. Esse valor poderiaser representado por uma fração em que o remunerador é a soma das remunerações produtivas maisa das remunerações improdutivas. Isso significa que, se as remunerações improdutivas aumentam,decresce o valor ou o poder aquisitivo da moeda, e portanto, dos salários que são pagos em moeda.As cem fichas entregues aos dez que trabalham, representam, em nosso exemplo, o valor real daprodução. As cem fichas, distribuídas aos dez que nada produziram nada representam. Se, nãoobstante, concorrerem com as demais e tiverem o mesmo poder aquisitivo, é claro que o valor dasprimeiras e, portanto, de todas, ficará reduzido à metade.

As atividades improdutivas, exercem, pois, uma verdadeira usura social, desde que sãoremuneradas à custa do trabalho produtivo. A desproporção entre as remunerações ou atividadesprodutivas e as remunerações improdutivas é sempre a causa do baixo nível de vida e da pobreza deuma nação.

As remunerações improdutivas, além da usura específica que exercem sobre o trabalhoprodutivo, impossibilitam, dificultam, ou restringem as inversões para finalidades sociais, culturaise para a criação do capital instrumental e de todos os bens, que não sendo de consumo ou usoimediato, contribuem para o progresso e o bem-estar de uma atividade. São elas que impedem ospaíses jovens e pobres de emergirem do atraso, da ignorância e do pauperismo.

As guerras, que representam o mais gigantesco esforço improdutivo de uma nação são acausa principal do desequilíbrio econômico e do mal-estar social em todo o mundo. Nas guerras,não somente há perdas de vida e destruição de riquezas. Milhares de pessoas - as fisicamente maisaptas - são retiradas do trabalho produtivo e as atividades de milhares de outras se concentram naprodução de guerra. Depois das guerras surgem outros problemas, como os de restauração dasriquezas destruídas, de recuperação, reconversão que exigem o dispêndio de novas energias,também aqui aplicadas improdutivamente, desde que se trata de reconstruir o que se destruiu oudesorganizou. O número de existências improdutivas, como os inválidos de guerra e cujamanutenção tem que ficar a cargo da coletividade, também aumenta. Eis uma das razões por que asguerras desencadeiam em toda a parte processos inflacionistas, agudos e graves.

A própria preparação para a guerra tem, necessariamente, esse efeito. O país que desenvolvee mantém um programa armamentista aumenta, consideravelmente as atividades improdutivas. Ofinanciamento ou remuneração dessas atividades, como da produção e aquisição de material bélico,traz como conseqüência uma tremenda carga, às atividades produtivas. A inflação é a regra nospaíses que se armam. E quando os programas armamentistas não são cobertos por emissões, isto é,por dinheiro sem lastro o são pelos impostos que reduzem as remunerações das atividades

Page 113: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

produtivas e, portanto, o poder aquisitivo do povo que trabalha. Os canhões e a manteiga estãosempre em relação inversa, como estão em relação inversa os arsenais e as escolas, os quartéis e oshospitais. E preciso, sobretudo nos países pobres, optar entre uma e outra coisa.

Alas, o que há de sumamente grave nos processos inflacionistas, criados peloarmamentismo, é que são irreversíveis, o que não ocorreria, por exemplo, se a inflação fosseocasionada em conseqüência da criação de aparelhamento produtor ou de bens produtivos a longoprazo.

A inflação significa simplesmente a elevação do custo de vida e a redução do poderaquisitivo criado pelo trabalho produtivo. Decorre, essencialmente, como observamos, deremunerações e financiamentos improdutivos.

Há, porém, ainda outro aspecto. A desvalorização dos salários traz como conseqüência anecessidade do seu reajustamento para que aqueles que os percebem possam viver. Isso, por suavez, acarreta uma nova desvalorização dos meios de aquisição ou do poder aquisitivo do dinheiro,pela razão de que ocorre um aumento desses meios sem que aumente, correlatamente o lastrorepresentado pela produção ou pelo trabalho produtivo. E o círculo vicioso da inflação ou, comodizem os economistas, a “espiral inflacionista”, que não pode ser detida se não se empregam asmedidas adequadas.

Em uma coletividade nacional há, em primeiro lugar, os elementos que podem produzir e osque não podem. Entre estes últimos estão os velhos, as crianças, os doentes e os inválidos. Devemser sustentados, naturalmente, pelos primeiros. E esse um dever humano e social. Entre os quepodem produzir, há, como observamos, os que realizam trabalhos produtivos, os que exercematividades improdutivas e ainda os que, podendo trabalhar, não se ocupam em coisa alguma, eapresentam estes o último grau do parasitismo social.

Em geral, podem-se arrolar como principais atividades improdutivas:a) as que se relacionam com a defesa militar;b) as que representam um excesso de intermediação;c) as que constituem um excesso de burocracia.E claro que, em todo país civilizado, deve existir um princípio de ordem e de organização e

um sistema de segurança. As atividades que se relacionam com essas funções não podem serdispensadas, embora não produtivas, no sentido aqui atribuído a esta expressão. Quando, porém,essas atividades excedem os limites das necessidades ou os limites que o trabalho produtivo podesuportar, o país não poderá desenvolver-se e prosperar, como não seria possível o desenvolvimentode uma planta quando organismos estranhos lhe sugassem a seiva.

Se um organismo é adulto, é exuberante, tem reservas de energia, uma sangria não lhecomprometerá a vitalidade ou a saúde. Mas, se está em fase de crescimento, é anêmico, não poderásuportá-la sem estiolar-se e paralisar o seu desenvolvimento normal.

As atividades improdutivas de caráter público (burocracia, defesa militar etc.) sãoremuneradas através do imposto ou da emissão. O imposto, como observamos, opera, direta ouindiretamente, uma redução dos salários e dos ganhos em geral; a emissão desvaloriza-os. Noprimeiro caso, há uma redução quantitativa; no segundo, uma perda de valor. Quer dizer que osefeitos são os mesmos.

As atividades improdutivas de caráter privado são remuneradas através dos lucros, dosganhos sem causa e dos rendimentos de capitais estáticos.

O Brasil possui uma população de cerca de cinqüenta milhões. Segundo o censo de 1942,mais de 40% é constituída de menores de quatorze anos. Só aí temos vinte milhões que nãoproduzem. Dos trinta milhões restantes, talvez quinze milhões tenham, realmente, expressãoeconômica. Não podemos saber a que cifra montam os ganhos desses quinze milhões e a quantodesses ganhos correspondem a parcela produtiva e a parcela improdutiva. Podemos, entretanto,calcular que as remunerações totalmente improdutivas, exclusivamente a cargo de entidadespúblicas (União, Estados e Municípios) ascendam anualmente a dez bilhões de cruzeiros.

Se considerarmos os padrões médios do salário de nossos trabalhadores urbanos e rurais,não estaremos longe de errar afirmando que essa cifra de dez bilhões representa o trabalho anual de

Page 114: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

um milhão de trabalhadores.Um país que tem necessidade de desenvolver o seu aparelhamento produtor, de explorar

suas riquezas naturais, que precisa cuidar da instrução, educação e da saúde da população, queprecisa criar as condições gerais da produção e circulação da riqueza e elevar o nível de vida dopovo, tem de, imperiosamente, reduzir ao mínimo as atividades, os ganhos e gastos improdutivos.Se isso é difícil na esfera privada, não o é no âmbito de ação das entidades públicas.

E na desproporção entre as atividades e remunerações improdutivas, de um lado, e asatividades e remunerações produtivas do outro, que reside a principal causa de desequilíbrio social ede empobrecimento geral. Enquanto essa desproporção não for corrigida, seria inútil esperarqualquer melhoria nas condições de vida da população, sobretudo nas condições de vida das classestrabalhadoras sobre cujos ombros pesam, direta ou indiretamente, todos os ônus das existências ouatividades improdutivas. Quando mencionamos as “classes trabalhadoras” é claro que não nosreferimos apenas aos operários, mas a todos os que realizam um trabalho produtivo e útil.

Parece intuitivo que, se naquela comunidade de vinte pessoas, dez deixaram de trabalhar eproduzir, as outras dez terão que duplicar o seu trabalho. Mas, não será essa a única conseqüência.Diminuindo o número dos que trabalham produtivamente, o trabalho dos outros terá de concentrar-se sempre mais na produção de utilidades essenciais e de necessidade imediata. Poder-se-ia, dessaforma, chegar ao ponto em que haveria dificuldade de fabricar os próprios instrumentos deprodução.

O mesmo fenômeno, naturalmente, em forma muito mais complexa, ocorre nas grandescoletividades, onde a divisão do trabalho atingiu um elevado grau de desenvolvimento. O excessode remunerações improdutivas impossibilita e dificulta as inversões para a criação do capitalinstrumental e para o estabelecimento de todas aquelas condições a que está subordinado oprogresso material, a cultura e o bem-estar social de um país.

O erro fundamental está em que as atividades improdutivas, que deveriam constituir umacessório e servir às produtivas, com o tempo foram adquirindo uma preponderância sobre estasúltimas e passaram a governá-las. O regime democrático não conseguiu eliminar esse desviohistórico e é provável que o não consiga tão cedo. Para isso, seria necessário que o povo pudesseadquirir maior capacidade de discernimento. Mas, para lograr essa capacidade, sobretudo aos paísesmais atrasados, seria necessário que a situação se invertesse... Estamos, pois, diante de um círculovicioso que só o tempo poderá romper, já que o “grupo dirigente” nenhum interesse teria em fazê-lo.

Quem, pois, quiser sinceramente procurar as verdadeiras causas de nosso desequilíbrioeconômico e social (principalmente do “nosso”, porque somos um país economicamente pobre,socialmente atrasado e que está em fase de crescimento, não possuindo um grande cabedal deriquezas criadas e de desenvolvimento técnico que possam contrabalançar a grande massa dasatividades e remunerações improdutivas), não terá dificuldade de encontrá-las. Também não lheserá difícil vislumbrar, se tiver um pouco de bom senso, quais as medidas que poderiam removê-lasou atenuar-lhes os efeitos.

Mas, é forçoso reconhecer que, em tomo das atividades “acessórias”, há grandes interessescriados e constituídos e que são encarniçadamente defendidos sob os mais diversos pretextos.Qualquer solução exigiria, em primeiro lugar, uma boa dose de cooperação, compreensão, e um altograu de patriotismo; em segundo lugar, muita coragem e energia na sua execução.

Eis aí um tema digno de exame por parte dos partidos políticos; um tema por certo muitomais importante do que o ‘problema” da sucessão...

PASQUALINI, Alberto. As verdadeiras causas do desequilíbrio social. Diário daAssembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 7 nov. 1949. p. 23-26.

Page 115: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

A Importância da Eleições Municipais

A. administração municipal é a que está mais diretamente vinculada àsnecessidades da população.

Encerrando a nossa etiquete sobre as eleições municipais, ouvimos hoje o Dr. AlbertoPasqualini, que no pleito estadual de 19 de janeiro foi um dos candidatos a governador do Estado eque também figurou entre os componentes da última Câmara de Vereadores de Porto Alegre,fechada com o Golpe de 1937.

Foram as seguintes as palavras do líder trabalhista:“A administração municipal é que está mais diretamente vinculada às necessidades da

população. Nas cidades o abastecimento de água, de luz e energia elétrica, os esgotos, os transportese outros problemas urbanos são de alçada municipal. Nas zonas rurais, a municipalidade temprincipalmente a seu encargo a difusão do ensino primário e a construção e o melhoramento dasestradas internas; do governo municipal depende ainda a escolha das autoridades que estão emimediato contato com os cidadãos, como os subprefeitos e inspetores de quarteirão.

Por todas essas razões, é natural que os pleitos municipais despertem no eleitorado uminteresse todo especial.

Nas eleições municipais têm ainda, entre nós, maior influência os fatores locais e pessoaisdo que os motivos partidários. Em alguns municípios, por exemplo, determinados partidos se aliam;noutros, os mesmos partidos se combatem. Na interpretação do resultado das eleições não se poderádeixar de ter em consideração essa circunstância. Terão maior probabilidade de êxito os candidatosque, pela sua idoneidade, inspirem maior confiança ao eleitorado.

A campanha eleitoral decorreu, de um modo geral, satisfatoriamente. Em certos municípiosas autoridades locais ainda deram atestado de sua incultura, procurando pressionar o eleitoradotímido e ignorante. Indiscutivelmente, porém, fizemos nesse terreno grandes progressos e os abusosque se verificam não podem ser levados à conta do governo estadual.

Acredito que, depois das eleições e em conseqüência delas venha a alterar-se sensivelmenteo panorama político do Estado no sentido de uma maior cooperação interpartidária, reclamada pelaprópria necessidade de se estabelecer, no interesse recíproco, a colaboração entre a administraçãoestadual e as administrações municipais conquistadas pelos partidos de oposição”.

PASQUALINI, Alberto. “A importância das eleições municipais.” Correio do Povo,Porto Alegre, 15 nov. 1947. p. 4.

Page 116: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Discurso no Diretório Municipal do PTB

E nas campanhas políticas que os partidos se revitalizam, que se fortalecem, quese intensificam suas pregações doutrinárias...

Em sessão realizada anteontem, segundo já noticiamos, o Dr. Alberto Pasqualini foihomenageado pelo Diretório Municipal do PTB. Agradecendo as saudações que lhe foramdirigidas, o ex-candidato à governança do Estado por aquele partido pronunciou o discurso que,abaixo, transcrevemos na íntegra:

“Faz pouco, ao deixar o hospital, o Diretório Municipal do Partido Trabalhista mandou rezaruma missa em ação de graças pelo restabelecimento de minha saúde. Foi um gesto de nobre edelicado companheirismo que muito me sensibilizou. Eu vos devia, pois, esta visita para renovar osmeus agradecimentos e para dizer o quanto me havia penhorado aquela demonstração decamaradagem e amizade. Por isso, não vim receber uma homenagem, mas antes prestá-la aosprezados companheiros do Diretório Municipal e a todos vós, trazendo-vos o meu aplauso pelosvossos esforços e pela vossa preocupação constante de lutar em prol do engrandecimento doPartido.

Estamos nos aproximando de novos embates eleitorais. E nas campanhas políticas que ospartidos se revitalizam, que se fortalecem, que intensificam suas pregações doutrinárias,arregimentam suas forças e se consolidam, preparando-se para conquistar as posições políticas, istoé, os mandatos legislativos e executivos que possibilitarão a realização prática dos seus objetivosprogramáticos. O Partido Trabalhista deve preparar-se com antecedência e firmeza para a luta.Desta vez não nos colherão desprevenidos, com nossa força dispersa e hesitante. Encontrarão, sim,como sublinhou, há pouco, nosso vigoroso companheiro José Vecchio, um bloco único, coeso eindissociável. Temos condições para intervir decisivamente nas eleições federais e estaduais. Digomais: temos forças suficientes para eleger o presidente da República e o governador do Estado.Poderemos, sem dúvida, renunciar a qualquer uma dessas vitórias, mas voluntariamente e jamaispor imposição de quem quer que seja. Nunca, porém, teríamos o direito de fazê-lo com sacrifíciodos objetivos pelos quais se bate o partido, com o sacrifício da causa trabalhista, pois isso seriadefraudar as esperanças do eleitorado e trair a imensa legião de trabalhadores que depositam suasesperanças no Partido Trabalhista e vêem nele o instrumento político de defesa de suasreivindicações, dos seus interesses e de suas aspirações. Dentro das bases de nosso programa,poderemos ter entendimentos com quaisquer agremiações democráticas: fora dessas bases e nointeresse exclusivo de pessoas ou de grupos, tais entendimentos não seriam acordos honestos, masconluios espúrios que devemos repudiar.

Está-se procurando atualmente ferir a tecla do estadualismo e explorar de novo o sentimentoregionalista, e isto quando existem partidos de âmbito nacional. Afirma-se, por exemplo, que Afinasintervirá unida no debate sucessório, que São Paulo quer ser ouvido e que os rio-grandenses talvezse unam para repetir o 1930.

Para nós, trabalhistas, essas cantilenas não têm sentido algum. Como disse, o PartidoTrabalhista deve ser o instrumento de defesa das classes trabalhadoras. Estas não têm fronteiras, não

Page 117: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

são constituídas de mineiros, de paulistas ou de gaúchos, mas, simplesmente, de brasileiros. Osproblemas para os quais o Partido Trabalhista oferece soluções não são problemas políticosregionais, mas questões econômicas e sociais, e portanto, de caráter nacional. Interessam a todacoletividade brasileira.

Devo também dizer-vos, que em minha opinião pessoal, perdem o seu tempo os queprocuram atrair para a sua causa e os seus candidatos o apoio político do líder máximo do nossoPartido, Senador Getúlio Vargas. Temos a certeza de que ele jamais abandonará o seu partido, masque se colocará à frente das hostes trabalhistas para lutar pela vitória de nossos ideais.

As vezes, subestimam nossas possibilidades, mas, na verdade, todos desejam o apoio doPartido Trabalhista, conhecendo a sua imensa e indiscutível base popular. Quanto às alianças comque às vezes nos ameaçam, não devemos receá-las, porque temos o maior e o mais forte dos aliados,que é o povo. Quanto às demais ameaças, não devemos dar-lhes a menor importância. Estamoscuriosos para ver como se pretende praticar e preservar a democracia neste País.

O que cumpre é inspirar confiança, agir com sinceridade, lutar com desprendimento,desambição, guiados apenas por um ideal. Aqui todos somos soldados e devemos combater no lugarque nos for indicado. Em 19 de janeiro de 1947, tive a honra singular de ser o candidato do PartidoTrabalhista ao governo do Estado. Pois bem. Se entender o partido que, nas próximas eleições, devolimitar-me à pregação doutrinária, ou fazer a propaganda dos seus candidatos ou que, simplesmente,devo vir à sede do partido para auxiliar os serviços da secretaria, considerarei muito honrosaqualquer dessas tarefas e procurarei desempenhá-la da melhor maneira possível. Em nosso partido,ninguém deve ter direitos, todos devemos ter obrigações. Ideal, desprendimento, coesão e disciplinasão as quatro condições fundamentais de êxito e de vitória de um partido.

Devemos, pois, esforçar-nos para que, no seio do partido, cessem os desentendimentos e asquerelas, não medrem as preocupações de natureza pessoal e exista cada vez maior unidade depensamento e de ação. Só assim seremos fortes, só assim seremos dignos do trabalhismo e da causaque defendemos.

Não tenho palavras para agradecer esta honrosa recepção que me dispensa o DiretórioMunicipal e a carinhosa acolhida dos demais companheiros aqui presentes; para agradecer asgenerosas expressões que tiveram para comigo os nobres companheiros José Vecchio e EgídioHervé; para agradecer, enfim, as saudações dos demais oradores, em palavras repassadas deeloqüência e de bondade. Serão elas para mim um incentivo de continuar na luta pelos nossosideais, ideais que hão de um dia ser efetivados em realizações concretas para o bem-estar dasclasses trabalhadoras e do povo, para honra e glória de nosso partido!”

Correio do Povo, Porto Alegre, 6 abr. 1949. p. 14.

Page 118: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Discurso em Homenagem a Getúlio Vargas

Um partido deve ser um ideário, uma convicção que se transforma em ação, açãodoutrinária, ação política, ação administrativa.

Conforme estava programado, realizou-se ontem à noite, no Largo da Prefeitura, o comíciocom que o PTB comemorou, em Porto Alegre, o aniversário do Senador Getúlio Vargas. Ao mesmotempo, em diversas outras cidades rio-grandenses, tinham lugar idênticas manifestações. Além doDr. Braga Pinheiro, suplente de Senador, que leu uma mensagem do Sr. Getúlio Vargas aosqueremistas e trabalhistas de Porto Alegre; do Sr. José Vecchio, do líder da bancada de vereadoresZacarias Azevedo, dos Deputados Humberto Gobbi e João Nunes de Campos, usou da palavra oSenador Salgado Filho, cujo discurso revestiu-se de significação em face do momento político.

Depois de confessar-se comovido como rio-grandense, por mais uma vez se dirigir aos seuscoestaduanos e por sentir que está correspondendo aos que nele confiaram, elegendo-o senador daRepública, fez S. Exa o elogio da obra social do ex-presidente Vargas, para a qual contribuiu comoauxiliar de sua imediata confiança. Atribuiu o Senador Salgado Filho, ao Sr. Getúlio Vargas, ofortalecimento de nossas Forças Armadas, além do mérito para criação do Ministério daAeronáutica.

Passando em revista os acontecimentos políticos, S. Exa aludiu às manobras dos quepretendem envolver o Exército na política, citando a este respeito as declarações de dois generaisque desanuviaram o ambiente das veladas ameaças que se vinha fazendo à livre manifestação doeleitorado.

Referindo-se especificamente ao prestígio do Senador Vargas, frisou que todos procuramarrasá-lo, mas não deixam de recorrer a ele, quando precisam de apoio popular para se elegerem. Etanto é assim, afirma, que já se chegou à ousada declaração de “com Getúlio sim, para Getúlionunca”. Advertiu, porém, o orador que o ex-presidente jamais trairia a confiança popular, de queemana a sua força política.

Mais uma vez defendeu o Senador Salgado Filho o ponto de vista de que o PTB não devecomprometer-se em acordos políticos, comparecendo às urnas, em 1950, com os seus candidatospróprios.

O discurso do Dr. Alberto Pasqualini

Outro discurso que assumiu especial importância política foi o improviso do Dr. AlbertoPasqualini, cujo texto é, segundo notas taquigráficas, o seguinte:

“Esta extraordinária e vibrante manifestação de afeio que os trabalhistas de Porto Alegretributam, neste dia, ao presidente de nosso Partido, Senador Getúlio Vargas, repete-se nestemomento em muitos lugares, os mais longínquos, deste imenso país, e é a exteriorização e umsentimento que se conserva sempre vivo, que não se apaga nunca da alma dos trabalhadores doBrasil.

Não estamos prestando uma homenagem suspeita a quem possa distribuir os favores do

Page 119: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

poder. Ao contrário, estamos rendendo nosso preito a quem do poder foi apeado, mas não foiapeado do coração de milhões de brasileiros.

Esse sentimento deve merecer o respeito também daqueles que combatem o Senador GetúlioVargas. Menosprezá-lo não seria apenas desconsiderar um homem, indiscutivelmente o maior líderpopular do Brasil, mas seria ferir a sensibilidade da imensa legião dos trabalhadores que lhe votama mais profunda veneração e o mais vivo reconhecimento. Por outro lado, tentar impedir, porqualquer forma, que esses votos que hoje formulamos pela sua felicidade se possam um diatransformar em votos que se depositam nas umas, seria desrespeitar a consciência e a liberdade doscidadãos, seria atentar contra a soberania do povo e então as umas não seriam mais o relicário dessavontade soberana, mas seriam, sim, a mortalha da democracia!

Apontam erros ao Governo do Presidente Vargas. Não errar é condição, é privilégio dadivindade, não dos homens. Talvez um dos seus maiores erros fosse ouvir, fosse aceitar e seguir osconselhos de certos amigos, que, depois, lhe deram as costas, o abandonaram e o traíram.

Mas, não são os enganos do seu governo que aqui nos reúnem em praça pública. O que aquinos traz, o que aqui nos congrega, é o reconhecimento de uma obra social, é o reconhecimento deque a idéia e a diretriz que essa obra encerra devem ser continuadas, desenvolvidas e concretizadasnas soluções do programa do Partido Trabalhista.

E para isso, companheiros, que temos um partido: para que seja o veículo de uma idéiasocial, o órgão de manifestação das necessidades e das aspirações populares, para que seja,principalmente, o instrumento político de defesa dos interesses e das reivindicações das classestrabalhadoras. Aqueles que pensam que o Partido Trabalhista é uma máquina eleitoral, um meio degalgar as posições e o poder, um meio de satisfazer ambições, devem, certamente, estarequivocados. O partido existe para defender uma causa e os mandatos políticos devem ser exercidosem benefício da causa e não em proveito das pessoas. Para aqueles que visam apenas objetivospessoais à custa da confiança e da boa fé dos trabalhadores e do eleitorado, as portas do partidodevem estar fechadas para entrar e abertas para sair, porque não nos fazem falta alguma.

Um partido deve ser um ideário, uma convicção que se transforma em ação, açãodoutrinária, ação política, ação administrativa. Fazer de um partido uma simples engrenagemeleitoral, às vezes à custa dos cofres públicos, para galgar posições e o poder, para satisfazerinteresses privados, seria tripudiar sobre a consciência e a dignidade dos cidadãos.

O panorama da política nacional nos oferece aspectos melancólicos e contristadores. Ospolíticos, ao invés de preocupar-se com os problemas e as necessidades do povo, ocupam-se comcandidaturas e candidatos, cuidam do “problema” da sucessão. E que cada um quer saber como vaificar, como vai colocar-se, e é exatamente por isso que a “sucessão” constitui para muitos um“problema”. O que nós, porém, desejaríamos saber é como irá ficar o povo.

Já que é esta a ordem do dia da política nacional, já que é este o tema da atualidade - asucessão - tratemos, pois, do problema da sucessão.

Se se entender que a sucessão consiste em substituir um governo por outro governo, isto é,de substituir um conjunto de diretrizes e soluções por outro conjunto de soluções, se se trata desubstituir um sistema individualista e conservador por um sistema mais progressista e de tendênciassocialistas, então para nós, trabalhistas, a discussão em tomo do problema da sucessão está abertahá muito tempo. Se, porém, se trata apenas de eleger o presidente da República, então é necessárioque saibam que temos forças suficientes para eleger o presidente da República. Se se trata de elegero governador do estado, temos formas mais que suficientes para eleger o governador do estado.

Mas, para nós, trabalhistas sinceros e idealistas, a questão não é apenas vencer uma eleição.Uma eleição é um episódio na vida dos partidos. O que mais nos deve preocupar, o que mais nosdeve interessar é que tenham solução imediata e urgente os problemas e as necessidades queafligem o povo e, sobretudo, as classes trabalhadoras; é que não continuemos a viver chumbados aeste sistema individualista, parasitário e egoísta que tudo arranca do povo sem nada lhe conceder.Se os nossos adversários nos dessem garantias plenas de que esses problemas serão resolvidos e deque essas necessidades serão atendidas; se nos dessem garantias plenas de que os pontosfundamentais de nosso programa teriam fiel execução, então poderíamos, hoje mesmo, dissolver o

Page 120: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

nosso partido. Enquanto, porém, não existirem essas garantias, não poderemos enrolar a nossabandeira, não poderemos desiludir e muito menos trair aqueles que confiam em nós.

Sabeis que, em nosso primário regime presidencial, grande é a influência do PoderExecutivo, isto do presidente da República e dos governadores na orientação e condução dosnegócios públicos. Exercem eles uma espécie de ditadura constitucional. Pois bem. Quando os dooutro lado vierem solicitar o apoio de nosso partido para os seus candidatos, não bastará que tragamcomo credencial a alegação de que são amigos pessoais do presidente de nosso partido, pois que asamizades nada têm de ver com a maneira de encarar os interesses coletivos. A verdadeira políticanão pode estar contida nos limites das relações privadas e das relações domésticas, porque criacompromissos com ideais e com o povo.

A não ser que reneguemos nossa fé e nosso partido, jamais poderíamos apoiar candidaturasreacionárias ou candidatos cujos processos e cujos métodos fossem incompatíveis com a éticapolítica e administrativa. Nossa moral partidária deve pairar acima de quaisquer interesses eleitoraisimediatistas.

Há partidos que dizem que têm os seus candidatos naturais. Pois bem: nosso partido tambémtem os seus candidatos naturais. O que nós queremos apenas é que esse jogo seja limpo, poispretendemos entrar nele desportivamente, como bons jogadores, para ganhar ou para perder.

Companheiros: devemos estar organizados, vigilantes e mobilizados para a luta que seaproxima. Sob os mais diversos pretextos, forças reacionárias tentarão impedir, tentarão perturbarou desvirtuar a manifestação das aspirações populares e obstar a vitória do trabalhismo. Mas, nósvenceremos! Venceremos porque nossa força não é o poder, nossa força não é o dinheiro, nossaforça não são os tanques e as metralhadoras, nossa força é, sim, o ideal que vive no coração dopovo, do povo que sofre, do povo amargurado, do povo desiludido, mas também do povo que reage,do povo que confia, do povo que espera, do povo que aqui está para ouvir de nós, não palavraspusilânimes de capitulação, mas para ouvir o nosso firme propósito de lutar e de enfrentar todas aseventualidades.

Que este dia, em que os trabalhistas trazem a sua mensagem de saudação e de solidariedadeao presidente de nosso partido, seja o símbolo da nossa união; união indestrutível, semdivergências, sem querelas, sem rivalidades, olhos fitos no ideal, um por todos, todos por um.

Dizem que 1950 está à vista. Nós o esperaremos em cima da trincheira. Seráverdadeiramente o primeiro grande embate, a primeira refrega, em grande estilo, entre as forçasreacionárias e as forças populares. Nós já sabemos, companheiros, que a vitória será nossa!

DISCURSO em comício pelo PTB. Correio do Povo. Porto Alegre, 20 abr. 1949. pp. 5,14.

Page 121: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Entrevista sobre Sucessão Presidencial- J

Mais importância do que o candidato deveria ter a natureza das soluçõespreconizadas pêlos diferentes partidos.

RIO 30 (CP) - O vespertino Folha Carioca publica hoje, com destaque, uma entrevista queo Sr. Alberto Pasqualini concedeu a um representante daquele órgão, que foi especialmente ouvi-loem Porto Alegre. Interrogado em primeiro lugar como encara o problema da sucessão presidencial eas negociações partidárias que vêm sendo entabuladas nesse sentido, aquele destacado lídertrabalhista gaúcho respondeu:

Um Trono Vacante

“E estranho e singular que a eleição para presidente da República constitua no Brasil um“problema”. No entanto, o termo está consagrado pela terminologia política, é linguagem oficial dospartidos, é problema, é ainda “sucessão”, o que dá a impressão de haver um trono vacante...

Temos uma dezena ou mais de partidos políticos. Seria de se supor que pelo menos osmaiores se distinguissem e diferenciassem por princípios e objetivos, se não contrários, ao menosdiversos. E assim sendo a competição eleitoral deveria ter em vista a conquista de mandatospolíticos para a realização desses princípios e a conquista desses objetivos. O “problema”, pois,seria o próprio exercício da democracia e se resolveria num episódio eleitoral com o fim de apurarpara que lado se inclina a maioria do eleitorado.

Mais importância do que o candidato, deveria ter a natureza das soluções preconizadas pelosdiferentes partidos. Assim, por exemplo, na Inglaterra, o que interessa numa eleição não é apossibilidade deste ou daquele político tomar-se chefe do governo, mas a vitória ou derrota de umadeterminada tese ou sistema econômico e social. O eleitorado escolhe entre a solução conservadorae a solução socialista, e não propriamente entre Churchil ou Attlee.

O mesmo acontece em outros países mais ou menos civilizados. E para isso que existem ospartidos. Aliás a própria palavra o indica. Quem fala em “partido” alude necessariamente a umaposição ou atitude relativamente a sistemas políticos sociais e econômicos. No Brasil, porém, ascoisas se passam de modo diverso. Há muitos partidos, mas estes, em geral, não traduzem posiçõesideológicas diferentes. São formações em tomo de situações e interesses ocasionais.”

A Presidência

“Vivemos no Brasil - continuou o Sr. Pasqualini - num regime presidencialista primário quese adapta maravilhosamente às tendências caudilhescas sul-americanas. O Presidente da República

Page 122: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

é centro de atividade política e administrativa do país. Em tomo dele, por isso, se popularizaminteresses e ambições de grande vulto. Dispor da presidência, equivale dispor de máquinaadministrativa, do Ministério da Fazenda, do Banco do Brasil, equivale a ter nas mãos grandesnegócios, vinculados ao governo e ao próprio poder econômico. Não, não são ideologias quedisputam a Presidência da República, mas esses grandes interesses que, divididos em grupos, sedigladiam e formam o back ground da política nacional. Eis por que existe um “problema” dasucessão. Não se trata de choques de idéias e de soluções, mas de choques de interesses.

Donde a razão de ser de tão encarniçada luta pela presidência. Se assim não fosse, a soluçãonatural do “problema” estaria nas umas e não ofereceria dificuldades”.

As Negociações

Aludindo, em seguida, às negociações partidárias para a solução do problema da sucessãopresidencial, disse o destacado prócer petebista: “As negociações com que vêm sendo entaboladasrepresentam apenas uma tentativa para o encontro da composição entre os interesses em conflito,coisa aliás bastante difícil.

Até agora, não se ouve dizer, por exemplo, que entre os políticos que examinam a questãohouvesse concordância ou divergência quanto às soluções a serem dadas aos problemas nacionais.Isso prova que tais problemas não entraram sequer em cogitação. É que o “problema” é outro. Isso,entretanto, não significa que entre os políticos não haja os que encaram as questões nacionais comelevado espírito público e até com idealismo.

Mas não são esses rari nantes in gurgite vasto, que resolverão o “problema”.

Candidato Único

Perguntado, nesta altura, se achava viável a possibilidade de um candidato único e se nãoseria isso uma fuga à democracia, o Sr. Alberto Pasqualini respondeu:

“O candidato deveria ser uma questão secundária. Deveria ser uma conseqüência e não umapremissa. E se premissas fossem todas iguais, teriam que conduzir necessariamente à mesmaconclusão. Em outras palavras: se todos os partidos querem a mesma coisa, não há necessidade deuma pluralidade de candidatos. Os próprios partidos podem deixar de existir e fundir-se num só. Se,porém, pretendem coisas diferentes, como poderá haver um “candidato único”? Não seria isso deum ilogismo”?

A Fórmufa Jobim

Perguntado sobre como recebera a chamada “Fórmula Jobim” e de suas possibilidades noterreno prático, Pasqualini respondeu: “Walter Jobim é um homem honrado, que segue uma linhade decência política. Acredito que sua intenção, conhecendo muito bem as condições de nossademocracia, fosse evitar um choque de maiores proporções entre interesses em conflito. Sua atitudefoi nobre e sincera, mas não creio que tenha sido compreendida”.

Sobre o panorama político-social de seu Estado, o Rio Grande do Sul, não quis falar o Sr.Alberto Pasqualini.

E conversa vai conversa vem, o repórter achou jeito de encaixar uma pergunta meiodiscreta: Haveria possibilidade do Rio Grande, a exemplo de 1929, em tratando-se da sucessãopresidencial, unir-se e formar uma frente única? A reposta foi rápida:

- “Depois que existem os partidos políticos nacionais, as frentes regionais são destituídas dequalquer sentido.

Sua eventual formação provaria apenas que os partidos não têm consistência, não têmprogramas nem objetivos específicos. Particularmente, para o Partido Trabalhista Brasileiro nadasignificaria uma frente única dessa natureza, porquanto o PTB pretende ser um instrumento político

Page 123: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

de defesa da classe trabalhadora e os trabalhadores não têm interesses ou necessidades a resolvercomo gaúchos, paulistas ou mineiros, mas simplesmente como brasileiros.

Não há nem poderia haver, para um partido de massas, somente problemas e soluçõesregionais, mas também nacionais. Além disso, entre 1929 e 1949, medeia uma distância de vinteanos. Naquela época, havia casos políticos a resolver. Hoje, as questões são predominantemente deíndole econômica e social. São, por isso, questões que interessam a toda a coletividade nacional enão a este ou àquele Estado. E tomo a repetir: as soluções pelas quais o Partido Trabalhistapropugna são soluções de âmbito nacional. Portanto, para o PTB as frentes regionais não podem tersentido algum. Seriam a negação do trabalhismo...” - concluiu Pasqualini sua palpitante entrevista.

DECLARAÇÕES do Sr. Alberto Pasqualini. “É estranho e singular que a eleição do Presidente daRepública constitua no Brasil um problema”. Correio do Povo, Porto Alegre, 31 ago. 1949. p. 3,14.

Page 124: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

A Essência do Trabalhismo

A essência do trabalhismo está fio reconhecimento de que o único critério justode qualquer remuneração ou de qualquer ganho deve residir no valor social dotrabalho de cada um.

O primeiro postulado trabalhista foi enunciado no dia em que o Criador disse ao homem: insudore vultus tiu vesceris pane. “Ganharás o pão com o suor do teu rosto”. Desde então se tornoucontrário à lei divina ganhar o pão e as comodidades da vida com o suor de rostos alheios.

Sabemos que a sociedade tem as suas raízes orgânicas na simpatia e na solidariedade. A vidasocial deve ser essencialmente atividade cooperante. A parte deve cooperar com o todo para que otodo possa garantir a sobrevivência, a segurança e o bem-estar de cada uma das partes. Eis por que avida social no seu aspecto econômico fundamental, assim como se acha organizada nascoletividades civilizadas, é uma troca constante de utilidades e serviços, em última análise umintercâmbio de trabalho.

É o trabalho a fonte originária e primacial dos bens e é, portanto, o trabalho a causaprincipal do valor de quase todos os bens. Donde se pode concluir que a única moeda legítima quedeve possibilitar o acesso aos bens ou a sua aquisição é o trabalho que concorreu, direta ouindiretamente, para a sua produção. Também se poderia concluir que a participação de cada um noproduto social, representado pelo acervo dos bens produzidos, deveria estar em proporção àutilidade social do seu trabalho, isto é, deveria ser graduada pelo maior ou menor benefício quetrouxe para a coletividade.

O trabalho a que aqui nos referimos significa qualquer gênero de atividade de que possaresultar em benefício econômico e, portanto, monetariamente mensurável a quem exerce. Osresultados de uma atividade podem ser úteis ao indivíduo, mas prejudiciais ou indiferentes para acoletividade. A utilidade social do trabalho se medirá pela maior ou menor soma de benefícios queproporcionar à coletividade.

Poderíamos dizer que o valor social do trabalho está em função de sua utilidade social e desua qualificação. O trabalho, portanto, deveria ser remunerado em função do seu valor social. Narealidade, porém, isso não acontece.

Freqüentemente, a atividade socialmente menos útil é a que rende mais ou recebe maiorremuneração. Isso proporciona a alguns a posse injusta de poder aquisitivo permitindo-lhes disputarcom vantagens sobre os demais, o produto social isto é, a soma de bens produzidos e existentes.

Vemos freqüentemente muitos indivíduos que enriquecem ou que desfrutam de um altonível de existência, sem terem prestado ou sem prestarem nenhum trabalho socialmente útil. Quempor exemplo, ganha numa negociata ou simplesmente num negócio de pura especulação dezmilhões, obtém, praticamente um poder aquisitivo objetivo, donde a razão pela qual o trabalhismonão é, necessariamente, um movimento socialista. A economia socialista é apenas uma técnica, não

Page 125: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

um fim, técnica que poderia eventualmente, dar bons resultados em países evoluídos socialmente ematerialmente, como a Inglaterra e os Estados Unidos mas que, possivelmente daria resultadosnegativos em países atrasados.

O trabalhismo na sua primeira fase ou forma elementar, é um conjunto de reivindicaçõesquanto às garantias jurídicas do trabalho proletário. Essa primeira fase já foi ultrapassadapraticamente em todos os países civilizados e as garantias do trabalho se acham incorporadas nãoapenas à legislação específica de cada país, mas também aos textos constitucionais. São, portanto,conquistas definitivas que se sedimentam na estrutura orgânica das nações. Entre nós, essesprincípios fundamentais se acham, hoje, inscritos no artigo 157 da Constituição.

Na segunda fase as reivindicações trabalhistas concernem à própria organização econômicada coletividade, visando, precisamente, reduzir sempre mais, se não eliminar todas as causas efatores de usura social, de modo que o intercâmbio se opere sempre entre formas de trabalhosocialmente útil e de modo que todo ganho e toda disponibilidade de poder aquisitivo seja acontrapartida dessa espécie de trabalho ou atividade.

Todo ganho que não corresponda a um trabalho socialmente útil (que se pode denominarganho improdutivo), tenderá a piorar as condições de existência social e a agravar os desníveis e asinjustiças existentes.

Os princípios fundamentais do trabalhismo poderiam, pois, ser assim resumidos:

a) o trabalho é a fonte principal e ordinária dos bens produtivos. A função destes é asatisfação de necessidades. O valor dos bens reside, portanto, na sua utilidade e no trabalhoque concorre para produzi-los;b) a coletividade humana é um sistema de cooperação. A cooperação se realiza pelo trabalhoe para que a cooperação de cada membro da coletividade se tome efetiva, é necessário quese traduza por uma atividade socialmente útil, isto é, que traga benefícios não apenas a quemexerce, mas também aos demais membros da coletividade e contribua desta forma para oaumento do bem-estar geral;c) a forma de cooperação é um intercâmbio de trabalho. Quem de útil nada produz nada deútil tem para permutar;d) o poder aquisitivo deve ser a contrapartida do trabalho socialmente útil. Esse trabalho é oúnico e verdadeiro lastro da moeda. A posse de poder aquisitivo que não derive dessa formade trabalho, representa uma apropriação injusta do trabalho alheio e se caracteriza comousura social;e) o objetivo fundamental do trabalhismo deve ser a eliminação crescente da usura social ealcançar uma tal organização da sociedade onde todos possam realizar um trabalhosocialmente útil de acordo com as suas tendências e aptidões, devendo (...) equivalente aosalário anual de mil trabalhadores. O dinheiro dos operários representa trabalho, trabalhoprodutivo, duro e penoso. E esse trabalho o lastro do seu salário ou dos seus ganhos. Odinheiro do negocista, do agiota, do intermediário desnecessário, do burocrata inútil, doparasita, não tem lastro algum. E como moeda falsa. Entretanto, tem o mesmo poderaquisitivo. O que ganhou dez milhões num negócio escuso pode adquirir o produto dotrabalho de centenas de trabalhadores, isto é, pode trocar uma atividade socialmente inútil,senão prejudicial, pelo trabalho útil de centenas de pessoas.Poderia parecer, à primeira vista, que os milhões ganhos pelo intermediário ou agiota, em

nada podem prejudicar os que realizam um trabalho socialmente útil. Pensar assim seria um engano,pois é evidente que numa sociedade baseada na troca, quem de útil nada produz, nada tem de útilpara permutar. Se, não obstante, dispõe de poder aquisitivo, a posse desse poder é socialmenteinjusta e ilegítima.

Numa sociedade organizada de acordo com os princípios da justiça social, o acesso ao poderaquisitivo não deveria ser possível sem a realização de um trabalho socialmente útil.

A essência do trabalhismo está no reconhecimento de que o único critério justo de qualquerremuneração ou de qualquer ganho deve residir no valor social do trabalho de cada um.

Page 126: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Eis por que o trabalhismo deve propender, para uma organização social em que se reduzamcada vez mais os elementos de usura social, se eliminem os ganhos que não correspondam a umtrabalho socialmente útil, devendo a escala dos ganhos estar na relação do valor social de cadaespécie de trabalho, valor que, como observamos, é a função de sua utilidade social, de suaqualificação e, eventualmente, do risco.

Se o valor social do trabalho depende de sua utilidade, é evidente também que depende danatureza e da massa das necessidades existentes em uma determinada coletividade.

Poderá, portanto, variar de acordo com as condições de tempo e de lugar.Muitos consideram o socialismo como um meio de eliminar certos elementos de usura

social, considerando-se como tal à intermediação ou a exploração privada dos meios de produção,distribuição e troca. Nem sempre, porém, essa eliminação alcança satisfatoriamente essaremuneração e graduar-se-á pelo valor social desse trabalho, com a garantia de um mínimo dentrodos padrões da nossa civilização, para as formas de trabalho menos qualificado.

A função precípua do Estado deve ser hoje a realização da justiça social. Se a justiça social,como comumente se admite, se traduz por uma eqüitativa distribuição de riqueza, isto significa,simplesmente, que garantido um mínimo fundamental, a participação de cada um no produto social(isto é, no acervo dos bens produzidos) deve estar em relação ao valor social do seu trabalho, isto é,ao grau de sua contribuição para a produção desses bens e para o bem-estar geral. Essa parece ser aessência do trabalhismo.

Há uma tarefa social que incumbe à sociedade ou à organização, e outra que é individual. Aorganização econômica e social deve assegurar um padrão objetivo mínimo, elevando-o sempremais à medida que a ciência e a técnica criam novos meios de bem-estar. Deve-se assegurar a cadaum a oportunidade efetiva (isto é, meios) de ascender na escala dos padrões sociais e de viver emsegurança quando já não possa trabalhar. Ao indivíduo caberá utilizar os meios que são postos à suadisposição pela sociedade.

Vê-se, portanto, que o trabalhismo, quanto aos seus postulados e objetivos humanitários, éuma doutrina social; quanto aos meios e procedimentos para alcançar esses objetivos, é uma técnicaeconômica que se deverá socorrer dos dados e dos ensinamentos dos diferentes ramos da economia.Politicamente, o trabalhismo é um movimento de opinião tendente a obter a consecução dos seusobjetivos através da ordem e do mecanismo jurídico-constitucional, isto é, através dos poderes doEstado.

Os objetivos finais do trabalhismo são os mesmos em todo o mundo. As soluções concretasé que podem variar de acordo com as circunstâncias de tempo e de lugar. Na realidade, otrabalhismo somente poderá encontrar a sua integral realização no dia em que os seus princípiosdominarem em todas as grandes nações que controlam a vida internacional, o que determinará,necessariamente, a eliminação do armamentismo, que é uma das principais causas de usura social,de mal-estar e empobrecimento dos povos.

A cooperação que deve existir entre os membros de uma coletividade nacional deve existirtambém entre os membros da comunidade internacional. Os princípios são os mesmos, o quesignifica que o trabalhismo abrange também a ordem internacional.

Como conclusão final poderemos observar que o trabalhismo, sem uma base e um conteúdofilosófico, social e econômico e sem um conjunto de soluções inspiradas em seus princípios, nãopassará de um vistoso rótulo colocado num frasco vazio.

PASQUALINI, Alberto. A essência do trabalhismo. Diário de Noticias, Porto Alegre, 28fev.1950, p. 2,16.

Page 127: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Mensagem Lida em Comício do PTB

O clima do trabalhismo só pode ser o da democracia, estruturado em suas formassuperiores, eis por que desejamos que ela seja definitivamente implantada eassegurada no nosso País.

Porto Alegre assistiu ontem, pela segunda vez, ao lançamento da candidatura do SenadorGetúlio Vargas à Presidência da República. No dia 18, um comitê popular efetuou grande comíciono Largo da Prefeitura, onde, após falarem numerosos lideres políticos, um operário leu umaproclamação em que disse exigir, em nome do povo gaúcho, a candidatura do ex-Presidente daRepública.

Ontem, em novo e grande meeting, os Diretórios Estadual e Municipal do PTB lançaram,outra vez, a candidatura do Senador Getúlio Vargas e este ato se verificou justamente no momentoem que principiaram a circular, em Porto Alegre, as primeiras notícias da aceitação por parte doPresidente de Honra do PTB, da sua candidatura à sucessão do General Eurico Dutra.

Como sucedeu no dia 18, dezenas de oradores ocuparam ontem o microfone, representandoDiretórios Distritais do PTB e Diretórios Municipais do interior do Estado. Após a irradiação,vários oradores populares também expressaram o seu apoio à candidatura Getúlio Vargas.

Entre os oradores do comício oficial do PTB destacaram-se os Srs. Egidio Hervé, Presidentedo Diretório Municipal; João Nunes de Campos, Deputado Estadual; José Loureiro da Silva quepronunciou o discurso oficial; Zacharias de Azevedo, líder da bancada trabalhista na CâmaraMunicipal; José Vecchio e Tenório Leite, membros do Diretório Nacional.

O líder da bancada trabalhista na Assembléia Legislativa do Estado, Deputado EgidioMichaelsen, leu, também, importante mensagem enviada pelo Sr. Alberto Pasqualini, que seencontra atualmente no Rio de Janeiro. O texto desse documento é o seguinte:

“Neste dia de tanta significação afetiva para todos os trabalhadores do Brasil, o povo estáacorrendo aos comícios trabalhistas para homenagear Getúlio Vargas. Dando expansão aos seussentimentos de gratidão, os trabalhadores estão, ao mesmo tempo, praticando a verdadeirademocracia. E, aqui, na praça pública, e não em conciliábulos secretos que eles vêm declarar quemdesejam ver elevado à suprema magistratura do País. É ao povo que cabe essa decisão e não aospoderosos do dia.

Se uma imensa parcela do povo brasileiro deseja sufragar o nome do grande brasileiro, nãopodemos compreender como, em nome da democracia, se pretenda obstar ou ameaçar a livremanifestação da vontade popular.

Desejamos que se pratique a democracia e que os seus princípios sejam acatados erespeitados. Nós, trabalhistas, nada devemos temer dela, antes tudo devemos esperar do exercíciosincero e honesto das instituições democráticas. O clima do trabalhismo só pode ser o da

Page 128: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

democracia, estruturada em suas formas superiores, eis por que desejamos que ela sejadefinitivamente implantada e assegurada no nosso País.

Nossa exclusiva preocupação deve ser a realização dos ideais trabalhistas, ideais quepretendem a objetivação da verdadeira justiça social. Eles têm um sentido profundamente humano ecristão e nada há neles de extremista e de subversivo. Subversivos, sim, são os propósitos daquelesque pretendem tolher ao povo brasileiro o direito de autodeterminar-se.

Assim como reconhecemos aos demais partidos o direito de escolherem seus candidatos, nãopodemos admitir vetos para os nossos. Entendimentos políticos só deveremos aceitá-los em base deigualdade. Não poderemos considerar nenhuma proposta que parta da premissa que o candidatodeve ser de outro partido. Se um partido político deseja nosso apoio, deve também dispor-se aapoiar-nos. De qualquer forma nenhum entendimento deveremos admitir com sacrifício dosobjetivos e das reivindicações trabalhistas. Por isso, a base para qualquer entendimento não podeser um programa de proposições vagas e imprecisas, mas um conjunto de soluções concretas,maduramente estudadas e onde os interesses das classes trabalhadoras estejam plenamentegarantidos.

Nenhuma ameaça deverá jamais intimidar-nos. As massas trabalhadoras não deverãopermitir nenhum esbulho dos seus direitos e de suas prerrogativas democráticas e deverão reagir àaltura da agressão, parta de onde partir.

Não nos caberá a responsabilidade do que acontecer se alguém tentar violar a Constituiçãodo País. Se tivermos força para eleger um candidato, a teremos também para garantir o veredictodas umas. Para isso esperamos contar com a cooperação de todos os verdadeiros democratas, sejamquais forem os seus matizes partidários. Não importa a pluralidade de partidos e candidatos. O queimporta é que nos respeitemos mutuamente e que nos submetamos à vontade popular manifestadaatravés do voto livre e consciente.

Desejamos que a campanha política que se aproxima seja pacífica e cordial. Nada temoscontra ninguém. Para nós, o mais importante não será obter votos, mas conquistar consciências. Setodos entregarmos a decisão ao povo e nos submetermos a ela, as instituições democráticas estarãopreservadas e, teremos elevados os foros de nossa cultura política.

Esse deve ser o nosso pensamento e, neste dia, consagrado às homenagens ao chefe de nossopartido, devemos reafirmar a nossa unidade, a nossa coesão e a nossa fidelidade aos ideais dotrabalhismo. Eles resistirão a todos os embates e sobreviverão a todas as contingências porque nelesestá traçado, com uma fatalidade inexorável, a fisionomia futura da sociedade humana que nãopoderá continuar a ser o gozo de poucos afortunados e o sofrimento de milhões de deserdados.”

Rio, abril de 1950. (ass.)Alberto Pasqualini

Correio do Povo, Porto Alegre, 20 abr. 1950, p.20.

Page 129: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Discurso na Convenção Nacional do PTB –Lançamento da Candidatura de GetúlioVargas à Presidência da República.

A resolução do Partido e a candidatura do seu emérito presidente não significamum revide, não traduzem um repto, não envolvem a intenção de uma desforra, nãopretendem um ajuste de contas. São elas apenas a decorrência lógica de umaorientação social e de um programa, e da existência de um homem que o povo julgacapaz de realizá-lo.

RIO, 17 (C. P.) - Foi o seguinte o discurso pronunciado hoje pelo Sr. Alberto Pasqualinidurante a Convenção Nacional do PTB:

O Partido Trabalhista Brasileiro acaba de definir sua posição de traçar os seus rumospolíticos na atual emergência da vida nacional, lançando a candidatura do Senador Getúlio Vargas àPresidência da República.

Razão de ser da candidatura Vargas

A resolução do partido e a candidatura do seu emérito presidente não significam um revide,não traduzem um repto, não envolvem a intenção de uma desforra, não pretendem um ajuste decontas. São elas apenas a decorrência lógica de uma orientação social de um programa e daexistência de um homem que o povo julga capaz de realizá-lo.

Se a democracia é um sistema e um estilo de vida coletivo - em que as resoluçõesfundamentais emanam diretamente da vontade popular ou são expressão dessa vontade, acandidatura do Senador Getúlio Vargas constitui um ato de profundo sentido democrático, porquecorresponde ao desejo de uma grande parcela do povo brasileiro e é, portanto, praticada emobediência a um imperativo da vontade popular.

Função dos Partidos

A função de um partido político é arregimentar a opinião pública em tomo de umdeterminado sistema de princípios, de idéias e de soluções: mobilizá-la, torná-la atuante, dar-lheforça decisória através do voto livre e consciente. No plano psicológico, devem portanto os partidospolíticos desenvolver a sua ação na conquista de consciência - mais importante do que a conquistade votos - e no plano pragmático devem empenhar-se na consecução dos mandatos eletivos que lhespermitam pôr em execução as idéias e soluções que preconizam.

Page 130: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Objetivos do Trabalhismo

O trabalhismo tem objetivos certos, definidos, universais, consubstanciados entre nós noprograma do Partido Trabalhista Brasileiro.

Como nosso dever de trabalhista é batalhar pela sua realização, estamos, neste momento,desenvolvendo nossa ação política exclusivamente em função desses objetivos, certos de que isso éum direito que o regime proclama e uma prerrogativa que a Constituição assegura.

O trabalhismo, como doutrina social, como estruturação econômica e como movimentopolítico tem características definidas e a sua linha, que é uma linha essencialmente cristã, não tocaos extremos mas passa aproximadamente pelo centro onde julgamos que esteja a melhor solução.

Para nós, a sociedade humana, como centro de atividades econômicas, deve ser baseada nacooperação da parte com o todo e na cooperação do todo com cada uma das partes. A forma dessacooperação só pode ser o trabalho, isto é, uma atividade não apenas proveitosa a quem a exerce,mas também útil à coletividade.

Quando uns vivem à custa do trabalho de outros, essa cooperação deixa de existir para haverapenas exploração, parasitismo e usura social. Consideramos também o trabalho, a fonte direta ouindireta de todos os bens e, portanto, na distribuição dos benefícios ou da riqueza produzida, estacircunstância deve ter uma consideração e uma influência fundamental. Eis por que existe otrabalhismo, eis por que nos denominamos trabalhistas.

O objetivo básico do trabalhismo é organizar a sociedade de tal forma que a cooperaçãoentre os indivíduos se tome efetiva e se realize segundo os verdadeiros princípios da justiça social.

Poderíamos, portanto, dizer que o objetivo fundamental do trabalhismo é a eliminaçãocrescente do parasitismo e da usura social, de modo que os ganhos de cada um correspondamefetivamente às suas necessidades e sejam a justa contraprestação de um trabalho ou de umaatividade socialmente útil.

Não podemos mais admitir nenhuma forma de exploração humana e as desigualdadeseconômicas já não poderão ser toleradas como conseqüência dessa exploração.

A sociedade tem o dever de garantir a cada um uma participação mínima nos bens quecaracterizam o progresso material e cultural dos nossos dias e não é concebível que deles estejamprivados justamente aqueles que os produzem com o seu trabalho. Deverá ainda a sociedadeproporcionar a cada um, de forma efetiva e não apenas teórica, a possibilidade de elevar o seupadrão social e econômico mediante maior qualificação e valorização do trabalho. Eis por que háuma tarefa que incumbe à coletividade e outra que incumbe ao indivíduo. Cabe à sociedadeassegurar, a cada um, um mínimo de bem-estar e os meios de melhorar, pelo exercício de umaatividade útil as próprias condições de existência. Cabe ao indivíduo utilizar-se desses meios, peloseu esforço, galgar a escala dos padrões sociais e econômicos.

Trabalhismo e Iniciativa Privada

Como sabeis, há na sociedade diferentes categorias de trabalho. O operário de uma fábricaefetua um trabalho e a remuneração é o salário. O que realiza o empreendimento, isto é, o queconcebeu, instalou e dirige a fábrica, também executa uma forma de atividade socialmente útil. Nós,trabalhistas, não pretendemos suprimir essa atividade, isto é, não pretendemos abolir a iniciativaprivada e socializar os meios de produção. Queremos, sim, que os empreendimentos privados nãose desenvolvam tendo apenas em vista o lucro, mas especialmente, tendo em mira as necessidadescoletivas.

Entendemos que o lucro não deve representar a exploração do trabalhador e o sacrifício doconsumidor, proporcionando a quem o percebe possibilidades ilimitadas de consumo que podem irdo luxo a dissipação, enquanto outros sofrem misérias e privações.

O lucro, deduzida a justa remuneração do empreendedor, deve encontrar a sua aplicaçãonatural em inversões socialmente úteis. E esse corretivo que se deve introduzir no sistema dainiciativa privada. Para nós, o livre empreendimento não significa a possibilidade de explorar o

Page 131: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

povo, mas somente a idéia de que cada um pode valer-se de sua capacidade de invenção e iniciativapara realizar empreendimentos úteis à coletividade. Encarado o regime capitalista sob esse aspecto,o lucro deixará de ser um modo de exploração e de usura social e passará a ser a remuneração deuma forma de atividade socialmente útil.

Se é conveniente que se mantenha em seus delineamentos gerais a estrutura do regimecapitalista, isso não significa que seja qualquer tipo de capitalismo que um partido de índoletrabalhista possa admitir e defender.

Em primeiro lugar, o trabalhismo não pode solidarizar-se com um capitalismo de caráterindividualista e parasitário: em segundo lugar, há certas atividades e empreendimentos, certasriquezas e certas formas de poder econômico que devem ser socializadas.

A função do Estado na orientação da economia

Entendemos também que ao Estado cumpre orientar os empreendimentos privados a fim deevitar o tumultuamento do processo econômico e a fim de prevenir ou atenuar as crises cíclicas ouconjunturais que são inerentes a um sistema de regulação natural e que tantos sofrimentos causamas classes proletárias. A maior e melhor arma de que o Estado se poderá valer para esse fim será ocrédito, que deverá ser canalizado para todos os empreendimentos úteis e posto à disposição detodos aqueles que tenham capacidade e vontade de realizá-los.

Não se concebe como, no regime capitalista, essencialmente baseado na iniciativa privada ena liberdade de iniciativa, a possibilidade de realizar as combinações produtivas, isto é, dedesenvolver as atividades econômicas, esteja restrita apenas a alguns grupos de privilegiados.Porque há duas maneiras de suprimir ou de cercear essa liberdade: uma, deferindo-a exclusivamenteao Estado e teremos então o socialismo; e outra enfeixando-a nas mãos de uma oligarquiaeconômica e teremos então o capitalismo na sua forma mais opressiva e repugnante.

Meio de desenvolver a produção

Um país que assenta sua estrutura econômica na base da iniciativa privada deve provê-la dosmeios de realizar-se e desenvolver-se. E, em se tratando de um país pobre de capital, uma dasformas de promover o seu desenvolvimento econômico e criar o aparelhamento produtor seráoperar uma redução drástica dos ganhos especulativos e dos gastos públicos inúteis e improdutivosque absorvem e consomem grande parte do salário dos trabalhadores, devendo as somascorrespondentes serem aplicadas em inversões de utilidade coletiva, em serviços de assistênciasocial e de recuperação das populações rurais.

E inútil, nos países pobres e de capital escasso, pensar em outras soluções porque nãoexistem. E inútil pensar em desenvolver a produção, a indústria e a agricultura e os meios decirculação, quando não se proporcionam os recursos para esse fim.

Além disso, para produzir é preciso que haja consumidores; para que haja consumidores émister que exista poder aquisitivo; para que haja poder aquisitivo é necessário que o povo não sejamiserável. De que adianta que as lojas e os armazéns estejam abarrotados de mercadorias se o povonão tem recursos para adquiri-las e se o salário do trabalhador é pago em moeda que se avilta dia adia?

O que cumpre, pois, é elevar o nível econômico do nosso povo, dando-lhe, direta ouindiretamente, maior poder aquisitivo e evitar que se lhe reduzam, através dos lucros de especulaçãoe de imposição fiscais que alimentam o parasitismo, os minguados ganhos que mal sobram paraviver.

Muito poderia me alongar sobre esse tema, mas parece que não é esse o momento nem aoportunidade.

Formas de Crédito

Page 132: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Apenas, já que aludi ao crédito, desejaria também fazer uma referência ao juro. Nósentendemos que o juro não tem sentido quando o crédito ou os financiamentos não se destinam aatividades lucrativas no sentido capitalista, mas a finalidades sociais e assistenciais. Vós bemsabeis, por exemplo, que a moradia própria será sempre inacessível ao trabalhador, e que o créditode que os pequenos agricultores tanto precisam para adquirir a terra e os instrumentos de trabalhoserá sempre uma miragem enquanto se cobrarem os juros atuais sobre os financiamentos. Eis porque preconizamos uma total reforma na organização do crédito, distinguindo entre o crédito quetem em vista o dividendo, tanto para quem o dá como para quem o recebe, e o crédito que visa oobjetivo social, que não pode pretender juros e que deve, portanto, ser instituído e organizado peloEstado.

O problema da terra

Com relação à terra, entendemos que a sua aquisição deve ser acessível a todos que desejamtorná-la produtiva e que, para isso, incumbe ao Estado tomar as medidas adequadas. A terra, fonteprimária de todos os bens que condicionam a própria vida, não pode ser transformada em objeto demonopólio ou em valor de especulação.

Organização da economia agrária

Quanto à economia agrária, sobretudo dos pequenos produtores, parece-nos que devepropender para a organização cooperativa, pois será essa a melhor forma de dar-lhes uma eficazassistência social, técnica e financeira, livrando-os, ao mesmo tempo, das manobras da especulação.

Posição em face do Capitalismo e do Socialismo

Como podeis ver, não pregamos o socialismo, se por essa idéia se entender a abolição dainiciativa e da propriedade privada e a socialização dos meios de produção; mas também não somoscapitalistas, se o capitalismo for um sistema econômico organizado exclusivamente para o lucro enão para as necessidade coletivas.

O capital, seja nacional ou estrangeiro, deve ser um conjunto de meios instrumentais ou devalores aplicáveis à produção de utilidades e serviços reclamados pelas necessidades do povo epelos interesses da coletividade. Só nessas condições, o capital privado terá uma função social eeconômica; fora delas haverá apenas explorações, parasitismo e usura social.

Segunda etapa do Trabalhismo

Estamos agora na segunda etapa do trabalhismo. A legislação social do Governo doPresidente Getúlio Vargas outorgou as garantias jurídicas do trabalhador, a sua carta de alforria.Essas conquistas não custaram nem sangue nem lágrimas, porque a sabedoria de um governoantecipou-se às próprias reivindicações do proletariado. Só isso seria o bastante para redimi-lo detodos os seus erros e de todos os seus possíveis enganos.

Vamos agora iniciar a segunda fase que é a de dar maior amplitude à legislação social,estendendo os seus benefícios, sobretudo os da previdência social, a todos os trabalhadores; faseque é principalmente a do estabelecimento das garantias econômicas e da estruturação dacoletividade nacional em outras bases onde o parasitismo e os fatores de especulação e exploraçãosejam eliminados para que subsistam apenas as atividades socialmente úteis, aliviando assim oimenso gravame e a carga insuportável que pesa sobre as massas trabalhadoras.

Sentido da candidatura Vargas

Page 133: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Getúlio Vargas é novamente chamado para realizar essa segunda etapa e há de fazê-la com oauxílio de todos nós e a cooperação de todos os patriotas. Sua candidatura não tem portanto umsentido negativo e demagógico; não é dirigida contra ninguém, não tem os olhos voltados para opassado, porque nos interessa apenas o futuro, onde estão as esperanças de dias melhores. Sealguém pensar o contrário estará cometendo um erro; se alguém agir em sentido contrário, não terájamais a nossa solidariedade.

A candidatura Getúlio Vargas tem, pois, um sentido altamente construtivo, tem uma tarefasocial a cumprir e completar, e é profundamente democrática porque emana das fontes genuínas davontade popular.

Justamente por essa razão o Partido Trabalhista Brasileiro está, neste momento, dandocumprimento a uma imposição programática, a uma missão política, e está exercendo uma funçãoessencialmente democrática.

Trabalhismo e Democracia

Por ser o trabalhismo um movimento no sentido das necessidades e das aspiraçõespopulares, o clima do trabalhismo só pode ser o da democracia, eis que somente através dasinstituições e do mecanismo democrático pode o povo fazer sentir a sua vontade e fazer valer osseus direitos.

Não tem o trabalhismo brasileiro nenhum objetivo, nenhuma reivindicação que se nãopossam enquadrar rigorosamente dentro dos princípios constitucionais vigentes. O que apenasdesejamos é que os textos da Constituição deixem de ser frases sonoras de conteúdo puramenteverbal para transformar-se em realidade viva através de medidas e providências que atendamefetivamente às necessidades do povo brasileiro.

Enquanto as massas trabalhadoras e sofredoras tiverem uma crença e uma esperança, umpaís nada terá a recear e todos poderão sentir-se tranqüilos. Não haveria erro maior do que destruí-las. As massas trabalhadoras acreditam em Getúlio Vargas e nele confiam. Alimentemos essa fé eessa esperança que poderão tomar mais suave o caminho de nossa evolução social, tão inexorávelcomo as leis da natureza.

E necessário que nossos homens públicos e que todos os homens de responsabilidade,aqueles que possuem a visão panorâmica das coisas e não o estreito diafragma dos políticos dealdeia, compreendam esse fenômeno e compreendam quanto é útil à coletividade e à ordem socialque exista no seio das massas uma força de polarização, de liderança e de contenção que as guie, asconduza às suas legítimas conquistas, suavemente, sem os atropelos, os extravasamentos e osexcessos das agitações sociais.

Confiança na Democracia

Por outro lado, senhores, devemos encarar as competições políticas como debate de idéias esão como questões pessoais.

A existência de tendências e de correntes diversas de opinião é da índole do regimedemocrático. Nós, trabalhistas, acatamos e respeitamos todas as crenças e convicções políticas e,portanto, tributamos o maior respeito às agremiações particulares que as professam.

Eis por que nos sentimos à vontade de dirigir nossa saudação a todos os partidos políticosaqui representados e de render as nossas homenagens ao candidato da União Democrática Nacional,ao candidato do Partido Social Democrático, os eminentes brasileiros Brigadeiro Eduardo Gomes eDeputado Cristiano Monteiro Machado.

Podem nossos preclaros adversários de idéias ter a certeza de que a nossa ação políticajamais se desviará dos seus objetivos que são os do trabalhismo e que não devem portanto serdesvirtuados ou deturpados. Nossa linha política pretende ser uma linha reta traçada no plano dasinstituições democráticas. Se as outras Unhas também o forem não haverá o perigo doscruzamentos. Esperamos que, passando elas, embora por pontos diferentes, todos convirjam para

Page 134: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

um ponto só, que é o bem-estar do povo e a felicidade da pátria. Lá nesse ponto, terminada arefrega, nós havemos de nos encontrar para trabalharmos juntos pela grandeza do Brasil.

Devo dizer que de nós não partirão provocações, nem as poderemos aceitar, pois pretendemosdesenvolver a campanha eleitoral no plano elevado das idéias, debatendo objetivamente problemasnacionais, dentro dos princípios da educação e da ética política. Essa é, companheiros, arecomendação que vos trago de nosso eminente candidato, e se não a seguíssemos, não seríamosdignos a causa de defendermos. Mas, devemos também esclarecer que, como cidadãos brasileiros,cônscios dos seus direitos e de suas prerrogativas constitucionais, não poderemos temer e admitirameaças e, portanto, não nos deteremos diante delas. Se o preço da liberdade é realmente a eternavigilância, acreditamos então que os verdadeiros democratas estarão sempre alertas, não faltando,nesta hora, as inspirações de sua fé e aos seus compromissos com a democracia para que sejaassegurado ao povo brasileiro o direito de escolher livremente o candidato de sua preferência.

Esperemos, assim, que a 3 de outubro o povo não deposite o seu voto nas urnas com adescrença, o desalento e a humilhação dos vencidos, mas que o faça com fé, com entusiasmo, comaltivez, com a consciência de quem exerce uma prerrogativa soberana e de quem traça livremente osdestinos da Nação.E esse teste que desejamos realizar e os acontecimentos futuros nos dirão se o Brasil é um país livree democrático ou se uberdade e democracia são, em nossa Pátria, apenas ficções e palavras vãs,apenas o disfarce da exploração econômica e da opressão das massas trabalhadoras. Por isso, ofuturo também nos dirá se a paz social que se pretende assegurar é a paz que dimana da realizaçãoda justiça, a paz que vive nos lares e nos corações felizes, ou se é a paz dos cemitérios, a paz geladados sepulcros, caiados por fora e podres por dentro.Nós estamos desarmados. Nosso arsenal é constituído apenas de nossas convicções, de nossosideais, de nossas esperanças, de nosso voto. A história, porém, nos estimula e nos tranqüiliza,porque nos ensina que, em todos os tempos e em todos os lugares, essas sempre foram as únicasarmas invencíveis.

Correio do Povo, Porto Alegre, 18 jun. 1950, p

Page 135: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Conferência do Alegrete

Defendemos a tese de que todo ganho ou remuneração deve provir de umaatividade socialmente útil e que onde há ganhos sem correspondência num trabalhodessa natureza, existe apenas parasitismo social, isto é, uma forma de exploração dohomem pelo homem.

Constitui para mim uma honra e um privilégio poder nesta noite dirigir a palavra à nobre eculta sociedade alegretense e dirigi-la também a todos os homens da fronteira, cuja hospitalidade,cuja bravura e cujos rasgos de heroísmo, através da história, todos nós conhecemos e admiramos. Ea fronteira a fiel depositária das tradições rio-grandenses. Foi ela, por vezes, o cenário de lutasépicas, onde os homens defendiam as lindes da Pátria ou as suas idéias de armas na mão.

A ponte do Ibirapuitan aí está para assinalar um episódio de um passado recente, quando apaixão política atingia tal intensidade de nos jogar em lutas fratricidas. Se esse passado político nãodeve mais voltar porque hoje não teria mais sentido, por outro lado ele nos revela a verdadeirapsicologia do povo gaúcho, a firmeza e a coragem com que os rio-grandenses sabem defender ascausas que abraçam e pelas quais estiveram sempre dispostos a dar o seu sangue e a sua vida.

Sabeis que a alma do homem e as características temperamentais são quase sempre umreflexo do ambiente físico em que decorre a sua existência. Os que vivem em horizontes fechadossão geralmente tímidos e desconfiados. E que são a timidez e a desconfiança senão um retraimentoe uma limitação de nós mesmos, uma barreira que levantamos entre nós e nossos semelhantes?

De modo diverso reagem e se comportam os que vivem em horizontes mais amplos. Sãohomens, como se diz, de alma aberta, sem prevenções, sem desconfianças, francos, leais ehospitaleiros.

Esta é a característica do homem dos pampas, onde os sentimentos de liberdade, de altiveze de independência são um reflexo da própria amplidão terrestre.

Por isso mesmo, o homem do pampa, cujo raio visual é limitado apenas pela linha onde océu e a terra se encontram, dificilmente tolera limitações. Dificilmente admite restrições a esteinstinto de Liberdade e de independência que está sempre pronto a defender com o risco e osacrifício da própria vida.

A bravura e a intrepidez do gaúcho exprimem exatamente sua atitude de permanentereação contra tudo que possa limitá-las ou perturbá-las.

Creio que a índole e a psicologia do gaúcho estão retratadas naquela velha e arrevesadaquadrinha popular que todos nós aprendemos em criança:

Sou valente como armasE guapo como um leãoÍndio velho sem governoMinha lei é o coração.

Page 136: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Sim, a sua lei é o coração. Existe ainda este outro traço de alma do gaúcho: o seusentimentalismo.

Ele é franco, leal, hospitaleiro. E nobre, bom e generoso.Sua alma não tem malícia, não tem dobras, não tem manhas, não tem sinuosidades: Ele

nunca espera alguém atrás do toco. Quando ataca, ataca pela frente. Seu coração não compreende afelonia e a traição. É tão amplo como a vastidão do pampa. E tão simples como a natureza que orodeia.

A solidão em que vive tomou o gaúcho um sonhador: o sentimento de Liberdade fez deleum bravo. O romantismo e a bravura transformaram-no num idealista, que escreveu com as suasarmas e o seu sangue, as mais belas páginas de nossa história.

Foi ele que, de lança em riste, galopou altivo e heróico, todas estas vastas campinas, todasas planuras da campanha, campos de batalha ideais para os reencontros da cavalaria. O caráter dogaúcho, forjado nessas lutas históricas e retratado pela fisionomia da paisagem, foi sempre oidealismo feito ação, que sabia galvanizar a consciência cívica do Rio Grande, berço de homens ede ideais em todas as suas arrancadas pela independência, pelo progresso e pela felicidade da Pátria.

Mas, tudo no mundo evolui e se transforma e o Rio Grande heróico, o Rio Granderomântico, não poderia fugir a essa contingência histórica e a essa lei inexorável.

Os entreveres do passado são os comícios do presente. Os caudilhos de ontem são oslideres de hoje. O choque cruento das armas passou a ser tão-somente o debate pacífico das idéias.

Estamos na transição de uma fase romântica de nossa história política para um períodomais realístico.

Nossa evolução social e econômica cria novos problemas, que já não se resolvem compontas de lança e patas de cavalo. Opera-se uma mudança na fisionomia da campanha. Até ocavalo, companheiro inseparável do gaúcho, está criando rodas e asas, está sendo substituído pelamáquina, pelo automóvel, pelo jipe, quando não pelo teco-teco. Antes os gaúchos apenascavalgavam. Hoje rodam e voam. Até as lerdas carretas vão minguando para dar lugar aoscaminhões velozes. Pelas noites e pelas madrugadas já não se ouvem tão seguido os rangidosdolentes, o tinir da agulhada e a voz melancólica do carreteiro, mas o ronco dos motores e o somestridente das buzinas.

Tudo isso representa a invasão do progresso. A civilização se caracteriza precisamente pelasubstituição crescente do esforço muscular do homem em primeiro lugar, pela energia dos seresirracionais e, depois, pela máquina. A máquina tudo invade, até o mecanismo mental, pois existemcérebros eletrônicos que realizam operações tão complicadas que a mente humana não seria capazde executar.

As novas condições materiais trazem mudanças nos hábitos de vida e nas relações detrabalho e o homem tem de adaptar-se a essa transformação.

Mas, em todas essas mutações e transformações, determinadas por fatores de ordemtécnica, econômica e sociológica, há uma constante no modo de ser do gaúcho dos pampas, é a suanobreza e o seu idealismo.

Esse idealismo impregnou a alma de todos os rio-grandenses.É fácil compreender a influência que essa característica psicológica do gaúcho deveria ter e

há de continuar a ter em nossa vida política.Todos os movimentos políticos são, aqui no Rio Grande, ditados e inspirados por ideais e

sentimentos, por vezes tão arraigados que transformaram o Rio Grande em campo de batalha.Para nós, rio-grandenses, a política nunca foi a perversão de uma tendência, nunca foi uma

forma de negócio, nunca foi uma aventura, uma pescaria em águas turvas. Nunca foi uma maneirade receber e sim uma forma de dar, de servir à coletividade.

Pensando certo ou pensando errado, sempre tivemos as nossas convicções, sempre tivemosuma coloração definida, no passado ou usávamos o lenço branco ou o lenço vermelho, ou éramosmaragatos ou pica-paus.

Page 137: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Mas, como sabeis, a política é a própria dinâmica social e, portanto, o seu sentido e os seusobjetivos estão em função das mudanças que se operam na coletividade.

Afirmou Herder que a história é o esforço incessante da humanidade para uma humanidademais verdadeira. Em verdade, a história registra o esforço incessante do homem para a sualibertação.

A primeira fase dessa luta é a luta pela liberdade e pela igualdade política, que se traduznos direitos fundamentais do homem, nas franquias democráticas e nas garantias do cidadão. Asegunda fase é a da luta pela libertação econômica, senão pela igualdade (pois esta é inatingível)pelo menos pela proporcionalidade que deve existir entre o valor social do trabalho e a remuneraçãocorrespondente.

A liberdade e a igualdade política já se consideram conquistas do mundo democrático. Eispor que as concepções e as soluções que se defrontam no mundo moderno, nos regimesdemocráticos, concernem menos à estrutura política do que à estrutura social e econômica dacoletividade.

A Revolução de 30 teve ainda um sentido acentuadamente político, mas já então secompreendeu que não havia, no Brasil, apenas questões de ordem política, mas que existiamtambém problemas de ordem social e cuja solução, como pensavam alguns, não poderia ficarcompreendida no âmbito de ação dos comissários de polícia.

Assim, a Revolução de 30, na sua origem, na sua motivação popular, na sua forma depreparação e de eclosão, tinha ainda um cunho acentuadamente político e romântico, passou, depoisde quebradas as forças políticas e influências então dominantes, de caráter oligárquico ereacionário, a transformar-se numa verdadeira revolução social.

Vós sabeis que esse movimento partiu do Rio Grande do Sul e que o chefe dessemovimento foi Getúlio Vargas. Sabeis também que o grande animador desse movimento foi outrofilho dos pampas, Osvaldo Aranha.

Getúlio Vargas representava o objetivo, a compreensão do problema em toda a suaextensão e profundidade, o movimento no seu processo ulterior de evolução. Dizia-me ainda hápouco tempo Osvaldo Aranha que em Getúlio Vargas houve sempre uma constante: a suainclinação pelos pobres e pelos humildes. Eles deviam, portanto, estar no seu pensamento e nosseus objetivos.

Osvaldo Aranha era o impulso romântico e sentimental transformado em ação.Os gaúchos desta banda, justamente por terem a alma mais aberta - tão aberta como a

vastidão do pampa - possuem menos inibições em suas formas de comportamento e de reação. Sãopor vezes exagerados, quer nos atos de violência, quer nos rasgos de generosidade, quer nosdefeitos, quer nas virtudes. Tudo isso, porém, nada mais exprime do que a franqueza, a sinceridadee a altivez do seu caráter.

Nós, rio-grandenses do centro, do norte e do litoral, já por outras influências de caráterétnico, somos mais reservados em nossas manifestações. Sem deixarmos também de sersentimentais, somos talvez um pouco menos impulsivos e um pouco mais reflexivos.

Mas, parece evidente que, em razão da interpretação e do cruzamento das etnias, o modode ser de uns influirá necessariamente no modo de ser dos outros e que se irá operando, no RioGrande, um verdadeiro caldeamento psicológico onde haverá uma assimilação recíproca decaracteres e atributos, que nos dará o futuro tipo do gaúcho.

O temperamento de nossa gente afeita à luta, a sua índole, o seu idealismo, deu ao RioGrande a vocação da política. O rio-grandense é um ser essencialmente político.

A política deve ser uma ciência e uma arte. Ela é também sentimento. Ciência, que nosdeve apontar as melhores soluções para os problemas da coletividade; arte que deve dispor os meiose indicar a técnica de executá-las.

O instinto político se revela, pois, por um interesse pelo bem-estar coletivo. E umamanifestação de inclinações sociais em oposição aos instintos e sentimentos individualistas eegoístas. E claro que essas manifestações podem, por vezes, tomar aspectos diferentes e constituiraté uma deformação de sua causa originária.

Page 138: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Seja como for, denotam sempre uma realidade subjacente, a tendência e o interesse pelasua causa coletiva, seja qual for o prisma pelo qual cada um a encara e a compreende.

Quando um povo tem vocação para política é porque tem a alma impregnada de uma altadose de espírito público. E essa uma das condições da liderança política.

Por isso mesmo, o sentimento partidário tem sido, entre nós, sempre mais acentuado doque em outras regiões do País. E, aliás, um fato que todos reconhecem. E que os rio-grandenses,muitas vezes, lutaram de armas na mão na defesa dos seus ideais. É essa também a razão pela qual oRio Grande tem estado sempre, e há de continuar estando, enquanto não deixarmos de ser rio-grandenses, na linha de frente dos movimentos políticos, que visam à grandeza da Pátria.

O movimento trabalhista é, sem dúvida, no Brasil, a obra de um rio-grandense e de umfilho da fronteira: Getúlio Vargas. Poderá até parecer estranho e paradoxal que o trabalhismo sejaimpulsionado justamente por um homem que tem as suas origens e as suas raízes no meio pastorilque, como sabeis, é geralmente conservador. Só esse fato seria o bastante para nos dar a medida degrau de evolução e de antevisão de nosso eminente candidato à Presidência da República.

O fato de ser o trabalhismo, em nosso País, um movimento liderado por um homemvinculado ao campo deve constituir um motivo de tranqüilidade, pois nos dará de antemão agarantia de que não haverá o perigo de que o nosso trabalhismo possa descambar para os extremos.Teremos a certeza de que se conterá dentro daqueles limites em que os trabalhadores poderão veratendidas as suas legítimas necessidades e justas aspirações sem que para isso seja necessáriosubverter as linhas fundamentais da ordem existente.

A legislação social do Governo do Presidente Vargas assinala o processo evolutivo denosso trabalhismo. O proletariado brasileiro conquistou todo um sistema de garantias, sem umagreve, sem uma arruaça, sem o derramamento de uma gota de sangue.

É dessa circunstância que nasce esse profundo sentimento de gratidão que os trabalhadoresvotam a Getúlio Vargas e a confiança que nele depositam.

Um movimento trabalhista, no Brasil, partindo das camadas proletárias, teria sido umprocesso extremamente difícil em razão do seu baixo nível de cultura.

Os verdadeiros líderes, os que podem conhecer, em extensão e profundidade, toda acomplexidade do problema social, não se improvisam da noite para o dia e não devemos confundi-los com demagogos vulgares, aventureiros e charlatães.

A função de liderança se desenvolve inicialmente nos meios mais intelectualizados. E alique se examinam os problemas, que se estudam e esboçam as soluções, que se fixam os objetivos,que nasce a idéia, que se constroem os sistemas, o que pressupõe, necessariamente, o conhecimentoda ciência social e econômica.

A permeabilização das idéias nas camadas populares presume já um certo grau deesclarecimento ou, como se costuma dizer, de politização. Quando esta não existe, quando faltam ospressupostos, a compreensão e assimilação da idéia se torna mais difícil.

Mas, é sempre possível crer sem compreender, desde que possamos confiar em algo queseja o esteio de nossa fé.

Se, para ter uma crença, para ir ao templo e orar fosse necessário um curso de Teologia,poucos, certamente, teriam a possibilidade de adorar o Criador e de praticar a religião. O teólogotem a compreensão da verdade divina. O crente tem a intuição e o sentimento de Deus.

A tendência natural do nosso espírito é ir do simples para o complexo, do concreto para oabstraio. O processo de assimilação do abstraio é sempre mais difícil, donde a tendência derepresentá-lo por imagens concretas ou de encarná-lo num ser humano.

Creio que, assim, poderemos perceber melhor o que Getúlio Vargas representa para amassa trabalhadora nos seus delineamentos teóricos, na sua concepção abstraía, nos seus princípioscientíficos. Sabe, porém, compreendê-lo através da ação política e administrativa de um homem queo tem realizado. Essa pessoa representa para o povo uma diretriz, uma tendência, que sabecorresponder às suas necessidades, aos seus anseios, as suas aspirações. Não segue o povo umaorientação por causa da pessoa, mas segue a pessoa por causa de sua orientação.

Page 139: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

A idéia é mais assimilável através de sua personificação, que se não deve confundir com opersonalismo. O líder toma-se o símbolo de um pensamento coletivo e o povo o segue por intuição,que é o raciocínio do instinto. A pessoa exprime, assim, a própria idéia em movimento, emrealização.

Quando o povo diz que quer Getúlio Vargas, pretende significar que deseja ver realizada aidéia que ele encarna e simboliza e que a maior parte do povo não saberia definir ideologicamente.

Vê-se, pois, que o queremismo é o trabalhismo representado e explicado através de umafigura humana; o trabalhismo é o queremismo na sua expressão racional. O queremismo ésentimento e intuição. O trabalhismo é idéia e concepção. O queremismo é a fé. O trabalhismo é arazão. Mas, a razão e a fé não se excluem, antes se completam.

Creio que, em síntese, poderíamos dizer que o queremismo é a atitude das massastrabalhadoras diante de um homem que encarna urna idéia que corresponde às suas necessidades eàs suas aspirações.

Mas, essa idéia e essa orientação que se exprimem pela palavra trabalhismo, não poderiamter apenas a duração de uma existência humana.

Eis por que Getúlio Vargas criou uma estrutura política que deveria ser a depositária e oveículo permanente dessa idéia e dessa orientação, destinada a atuá-la e a realizá-la através dotempo. Essa estrutura política é o Partido Trabalhista Brasileiro.

A função do Partido Trabalhista, portanto, é ser o instrumento político de defesa dasclasses trabalhadoras, o porta-voz de suas necessidades e de suas aspirações.

A linha desse partido não toca os extremos, mas passa aproximadamente pelo centro, setomarmos como pontos de referência o capitalismo e o socialismo. E como uma bissetriz entreaqueles que têm demais e o dever de renunciar ao excesso para que aqueles que têm de menos nãocontinuem na privação e na necessidade.

A maneira de realizar esse objetivo vem exposta no programa do partido, que me abstenhode desenvolver aqui, porque seria abusar de vossa paciência e de vossa generosidade.

Assim como as massas trabalhadoras compreendem que Getúlio Vargas é o seu guia,sentem também que o PTB é o seu partido.

Estamos agora empenhados em uma nova luta. O seu objetivo fundamental deverá ser arealização da segunda etapa do trabalhismo. A primeira, até 1945, foi a instituição das garantiasjurídicas do trabalho e do trabalhador. A segunda será a ampliação dessas garantias e sua extensão atodo o proletariado, particularmente aos trabalhadores do campo, que vivem praticamenteabandonados e entregues à própria sorte.

Será ainda a instituição de um novo sistema econômico, onde o poder aquisitivo e os meiosde produção estejam ao alcance de todos aqueles que desejam realmente ser úteis à coletividade.

No sistema capitalista atual, os meios de produzir, isto é, a terra, as fábricas, as máquinas,os instrumentos de trabalho, o dinheiro, o crédito, estão nas mãos de poucos. Entende o socialismoque não devem ficar nas mãos de ninguém, mas que devem ser transferidos à propriedade ouexploração do Estado, isto é, da coletividade.

Sustentamos nós, porém, que num país como o Brasil, em que tudo ainda está praticamentepor fazer, os meios de trabalhar e de produzir devem estar ao alcance daqueles que possuemrealmente capacidade e vontade de realizar empreendimentos úteis à coletividade. Entendemos, porexemplo, que, se um trabalhador rural tem necessidade de um pedaço de terra e quer trabalhar, deveo poder público fornecer-lhe os meios para adquiri-la e os instrumentos para cultiva-la. Cumpre-lheainda orientá-lo, auxiliá-lo, prestar-lhe assistência técnica, assistência médica e hospitalar, porquenão será com organismos minados pela doença e a subnutrição que poderemos realizar a grandezado Brasil.

Aos trabalhadores das cidades, da indústria e do comércio, além da assistência social deque necessitam, deve o poder público facultar-lhes adquirir a moradia higiênica e confortável,porque comodidades da vida e conforto não devem ser privilégios dos afortunados.

E preciso não esquecer que, para que o nosso trabalhador possa realmente adquirir hábitosde trabalho e de economia, é necessário que atinja um determinado padrão de existência, porquanto

Page 140: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

se isso acontecer, tudo fará para mantê-lo. Se, porém, vegetar num verdadeiro estado de misériafísica e fisiológica, será sempre um vencido e não terá estímulo algum nem para lutar e, quandomuito, lhe sobrará o instinto animal de viver.

Defendemos a tese de que todo ganho ou remuneração deve provir de uma atividadesocialmente útil e que onde há ganhos sem correspondência num trabalho dessa natureza, existeapenas parasitismo e usura social, isto é, uma forma de exploração do homem pelo homem.

O objetivo fundamental do trabalhismo é, precisamente, eliminar essa exploração, porqueem relação aos que possuem ela custa apenas uma redução dos ganhos, mas, ao trabalhador, custa osuor do seu rosto e o pão de seus filhos.

Todos, aqui trabalhistas ou forças políticas aliadas, estamos empenhados nessa luta. Nãoimporta o tempo que ela possa durar. O essencial é que lutemos com convicção, com perseverança,com sinceridade - com o desprendimento de quem prega um ideal e realiza um apostolado.

De 1930 a 1950, decorreram 20 anos. E possível que, em 1970, estas crianças que aquiestão e que representam nossa dívida para com o futuro e com a Pátria, estejam aqui, neste mesmolugar, desfraldando uma nova bandeira de combate e realizando assim, o esforço incessante dahistória pela libertação e pela felicidade do homem.

O ideal trabalhista já empolgou a fronteira. Ele não poderia deixar de ecoar no coraçãogeneroso, na alma heróica e romântica dos filhos dos Pampas.

Os trabalhadores do campo e toda essa imensa legião de deserdados que vemos povoandoas mas de nossas belas cidades - cidades que são paradoxalmente, como já se disse, núcleos deabastança cercados por cinturões de miséria - compreendem que no trabalhismo está a sua redenção.

E os donos destas campinas verdes e sem fim, pontilhados, como se vêem lá do alto, demanchas brancas, pretas e vermelhas, manchas que formam uma das maiores riquezas do RioGrande, deverão compreender que não poderá haver segurança e tranqüilidade, sobretudo no futuro,sem a instituição de um sistema que acompanhe a evolução natural, onde se realizem os princípiosda justiça social e onde, segundo uma expressão que se tomou famosa, se possa dar aos pobres e aoshumildes uma vida que lhes permita ter a sensação de que possuem realmente uma.

Eis por que temos a certeza de que os homens da fronteira, com a mesma fé e a mesmacoragem dos heróis do passado, saberão defender a causa trabalhista com toda a força do seuidealismo, de sua lealdade, de sua bravura, escrevendo mais uma página de civismo nos fastos doRio Grande do Sul.

PASQUALINI, Alberto. Conferência do Alegrete (Cine Teatro Glória em 7 set. 1950). Diário deNotícias, Porto Alegre, 10 set. 1950. p. 10.

Page 141: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Diretrizes Fundamentais do TrabalhismoBrasileiro

1° A política e a ação do Poder Público deverão ser conduzidas no sentido do desenvolvimento daeconomia nacional, das forças da produção e do progresso social. Na realização desses objetivos,o Estado terá precipuamente em vista as necessidades e os interesses das classes trabalhadoras, ajustiça e a solidariedade social.

2º O desenvolvimento da economia e a justiça social somente poderão ser realizados pela adoção demeios eficazes tendentes a elevar o nível econômico e cultural das massas trabalhadoras rurais eurbanas, pela melhor distribuição e aplicação da renda e da riqueza nacional.

3º No campo econômico será mantida a iniciativa privada e, portanto, a propriedade e a exploraçãoprivada dos meios de produção, porém com as limitações que a Constituição autoriza e osencargos exigidos pelos interesses coletivos.

4º A exploração das riquezas do subsolo e das fontes de energia de relevante interesse econômico esocial deverá, progressivamente, tornar-se um empreendimento do Poder Público e ser realizadaem benefício da coletividade nacional e da coletividade humana.

5º O capital privado terá a garantia e proteção do Estado quando interessado em promover aexpansão da economia e o bem-estar coletivo. Será reconhecido aos seus detentores o direito àpercepção de uma justa retribuição pela iniciativa e risco dos empreendimentos e pelacoordenação dos fatores da produção. O lucro não deverá proporcionar a alguns, possibilidadesde consumo sem limites, mas deverá encontrar sua aplicação natural em inversões socialmenteúteis.

6º A posse de riquezas e de meios de produção impõe o dever de contribuir para a realização definalidades assistenciais e para corrigir os desequilíbrios econômicos e sociais.

7º Deverá ser energicamente reprimido, nos termos do art. 148 da Constituição vigente, o abuso dopoder econômico e todas as formas de exploração do povo.

8º Deverão ser reduzidas as despesas e atividades improdutivas e combatidas todas as causas deusura social, dando-se às rendas públicas uma destinação socialmente útil.

9º A garantia ao trabalho que a Constituição assegura deve ter como pressuposto a garantia aoacesso dos meios de realizá-lo. A igualdade de oportunidade deve ser assegurada principalmentepelo acesso ao poder aquisitivo.

10ºDeverá ser constituído um Fundo Social ou Fundo de Poder Aquisitivo que será utilizado,mediante o fornecimento de crédito sem juros, para as seguintes finalidades:a) financiamento da construção e aquisição da moradia destinada ao trabalhador;b) financiamento a trabalhadores rurais, pequenos agricultores e colonos, para a aquisição daterra e meios de produção;c) financiamento de cooperativas de pequenos agricultores, horticultores e granjeiros;d) financiamento de cooperativas de bens ou serviços e cooperativas de consumo constituídas detrabalhadores;e) financiamento de obras e serviços de assistência social;

Page 142: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

f) financiamento de obras e serviços de utilidade social executados pelas entidades públicas;g) financiamento de obras, serviços ou empreendimentos de relevantes interesses sociais oureclamados pelas conjunturas econômicas.

11º O Fundo de que trata o item anterior, que terá organização autônoma, será constituído dedotações orçamentárias da União, dos Estados e, facultativamente, dos Municípios, por umatributação adicional dos artigos de luxo e da renda, excluídos da taxação os rendimentos dapessoa física aquém de certo limite e, eventualmente, pelas reservas dos Institutos dePrevidência.

12º O capital estrangeiro aplicado no desenvolvimento econômico do país terá as mesmas garantiase estará sujeito aos mesmos ônus do capital nacional.

13° Deverão ser mantidos e tornados efetivos os princípios, direitos e garantias constantes dosTítulos IV, V e VI da Constituição vigente, bem como os direitos e garantias que sejam umadecorrência do regime democrático e da ordem econômica e social por ela instituída.

14º A organização do crédito deverá ter em vista torná-lo acessível a todos os que se propõemrealizar empreendimentos de utilidade social. As taxas de juros deverão ser progressivamentereduzidas. Para esse fim os estabelecimentos oficiais ou semi-oficiais de crédito, com o auxíliodo capital público, fixarão taxas diferenciais de acordo com as finalidades dos financiamentos e anecessidade de estimular estes ou aqueles empreendimentos. As reservas dos Institutos dePrevidência e as disponibilidades das Caixas Econômicas só poderão ser aplicadas emfinanciamentos de utilidade social.

15.° A legislação trabalhista deverá ser mantida e aperfeiçoada, tornando-se extensivos os seusbenefícios a todo o proletariado. As organizações trabalhistas gozarão de autonomia, devendo oPoder Público auxiliá-las e orientá-las no sentido de alcançarem as suas verdadeiras finalidades.

Considera-se dever do Estado:

a) assegurar a cada cidadão uma ocupação em consonância com as suas aptidões, tomando asmedidas adequadas para combater o desemprego;

b) assegurar a cada trabalhador salário-mínimo de acordo com as suas necessidades e as da família.

16º Deverá ser incentivado o desenvolvimento do cooperativismo, mediante a assistência financeiraprevista no item n° 10.

17º A União e os Estados, com o auxílio do Fundo Social, promoverão a rápida recuperação daspopulações desamparadas e organizarão planos de colonização tendo em vista a solução dosproblemas econômicos, sociais, educacionais e técnicos das populações rurais.

18º A distribuição da propriedade territorial terá por objetivo o seu maior rendimento econômico esocial. Para esse fim, poderá ser desapropriada mediante justa indenização.

19º As Universidades e as Escolas oficiais deverão ser providas dos necessários recursos para o seureaparelhamento e para o contrato de cientistas, técnicos e especialistas de renome a fim depreparar professores e especialistas, tornando-se centros de pesquisas técnico-científicas e deexpansão cultural. O Poder Público instituirá bolsas que permitam o acesso às EscolasSuperiores a todos os que, desprovidos de recursos, demonstrem aptidões para qualquer forma deatividade científica ou artística.

20º O Partido Trabalhista Brasileiro bater-se-á:

a) pela educação do povo, e, principalmente da juventude nos princípios da cooperação e dasolidariedade social;

b) pela difusão da cultura, tornando-a mais acessível ao povo e, sobretudo, às massas trabalhadoras;c) pela elevação dos debates políticos e pela observância, nesse particular, de certas normas éticas

fundamentais;d) contra o profissionalismo político e todas as formas de parasitismo social;e) contra todas as causas de corrupção social, política e administrativa;

Page 143: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

f) contra a guerra e os interesses que, direta ou indiretamente, a possam provocar;g) contra todas as formas de imperialismo;h) por uma política de desarmamento, de cooperação e de intercâmbio entre todos os povos,

devendo ser estreitados cada vez mais os vínculos de solidariedade continental, removidas asbarreiras econômicas e todas as causas que possam gerar ambiente de desconfiança entre ospovos da América.

i) pela preservação do regime democrático, dos direitos fundamentais do homem e dos princípioscristãos.

Justificação

O programa do Partido Trabalhista Brasileiro, fundado em março de 1915, tinha em vista,em muitas das suas disposições, a nova ordem constitucional que se iria instituir. A preocupaçãofundamental do Partido, preocupação justa e legítima, era que não fossem diminuídos os direitos eas garantias assegurados aos trabalhadores pela legislação trabalhista do Presidente Getúlio Vargas.

Com a promulgação da Constituição, em 18 de setembro de 1946, numerosos itens doprograma trabalhista tiveram acolhida nos textos constitucionais. Trata-se, portanto, atualmente, detornar efetivos esses preceitos.

Das circunstâncias apontadas surge a necessidade de uma revisão do programa do Partido,suprimindo disposições já corporificadas em princípios da nossa organização política e incluindooutros que melhor caracterizem a índole de nosso Trabalhismo, configurem os seus objetivos, assuas diretrizes, a sua orientação e o localizem dentro dos sistemas econômicos e sociais que sedefrontam no mundo.

Poderíamos admitir que existem atualmente três sistemas ou regimes fundamentais: - ocapitalismo, o socialismo e o comunismo. Pondo de lado este último, cuja tática e cujos processosnão se poderiam coadunar com a ideologia Trabalhista, é de perguntar qual o regime preconizadopelo Trabalhismo brasileiro, se o capitalismo ou o socialismo. Sobre esse ponto não existem idéiasmuito claras, o que impõe a necessidade de fixar a verdadeira doutrina e as soluções que seformulam para os nossos problemas fundamentais.

Os objetivos básicos do Trabalhismo

O objetivo básico do trabalhismo, em todo o mundo, é a organização da sociedade de talforma que se assegure a crescente eliminação da usura social. E preciso que essa expressão “usurasocial” seja compreendida no seu verdadeiro sentido e que se não confunda com “usura monetária”(isto é, a cobrança de juros excessivos sobre empréstimos), que é apenas uma modalidade de “usurasocial”.

Existe usura social quando as relações econômicas entre os membros de uma sociedadenão estão baseadas nos princípios da justiça social, tais como hoje os formulamos e admitimos. Ausura social é o que comumente se costuma denominar “exploração do homem pelo homem” e quetodos reconhecem que deve ser banida do seio da sociedade.

A coletividade humana, do ponto de vista econômico, é baseada na troca: troca deutilidades por utilidades, de utilidades por serviços, de serviços por serviços. O homem vive emsociedade justamente por não ser auto-suficiente. A sociedade é, portanto, uma forma decooperação e a atividade de cada um deve ser uma atividade cooperante, isto é, não deve ter apenasum sentido de utilidade individual, mas também um sentido de utilidade social. A forma individualda cooperação, é o trabalho. Eis porque a sociedade, em última análise, é um intercâmbio detrabalho, intercâmbio que, nas modernas coletividades humanas, assume as formas mais variadas ecomplexas.

Desde logo seria lícito concluir que poderia haver, na sociedade, duas formas de usurasocial: uma, conseguindo uns os meios de viver sem a prestação de um trabalho socialmente útil, e

Page 144: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

outro conseguindo obter esses meios sem que haja uma correspondência entre eles e o valor socialdo trabalho produzido.

Há usura social toda vez que uns vivem à custa do trabalho alheio ou que as relações detrabalho (ou de intercâmbio de trabalho) ferem os princípios da equidade, tais como são hojecompreendidos.

Se, por exemplo, alguém tem a seu serviço outras pessoas e lhes paga salários miseráveis,obtendo à custa do trabalho das mesmas, bons resultados econômicos, pratica uma forma de usurasocial. Toda vez que as remunerações de determinadas formas de atividade não correspondem aograu de sua utilidade coletiva, há usura social.

Aqueles, por exemplo, que, no sistema baseado na iniciativa privada, (sistema capitalista)combinam os fatores da produção (empresários ou capitalistas), fazem jus a uma remuneração(lucro) pela iniciativa, organização, direção e risco dos empreendimentos. Se, porém, para obteremmaiores benefícios, explorarem o trabalhador e o consumidor, cometem uma forma de usura social.O lucro que deriva da atividade empreendedora, deduzida aquela parcela que se pode considerar ajusta remuneração do empreendedor, deve ser invertido na aplicação da empresa ou em novosempreendimentos.

Relativamente, à remuneração de atividades, poderíamos dizer que há duas formas deusura social: uma positiva e outra negativa. Há usura positiva quando alguém obtém ganhos queestão acima do valor social de sua atividade ou trabalho; há usura negativa, quando os ganhos sãoinferiores ao valor social do trabalho. No conjunto das relações sociais, as duas formas de usura, sãonecessariamente correlatas, isto é se há exploradores há, necessariamente explorados.

Suponhamos uma sociedade de três indivíduos, onde dois trabalham e produzem e oterceiro nada faça, e não obstante, percebe os mesmos benefícios. Tal sociedade seria justa?Evidentemente não esse terceiro estaria exercendo uma espécie de usura sobre os demais.

Quando, pois, se afirma que o objetivo fundamental do trabalhismo, em todo o mundo, é aredução senão a eliminação crescente da usura social, a palavra “usura” é empregada no sentidoindicado. Mas existem modos diversos de chegar a esse resultado. Sabemos que há os queconsideram o lucro uma forma de usura social e entendem, por isso, que a sociedade deve serorganizada de forma que o lucro seja eliminado.

Sabemos também que o lucro é o objetivo do empreendimento privativo do capitalista.O capitalista é o proprietário dos meios de produção, isto é, da terra, dos estabelecimentos

industriais, das máquinas, dos instrumentos de trabalho, das matérias primas - enfim, do capital.Mas, os meios de produção precisam ser acionados pelo braço e pela inteligência do homem. São ostrabalhadores que os acionam e aos quais o empregador paga determinado salário. Afirma-se que aremuneração paga ao trabalhador nunca corresponde mas é sempre inferior à sua contribuição realpara a produção e que, dessa forma, o empregador como que se apropria de uma parcela dessetrabalho, deixando de remunerá-la. O lucro, por exemplo, em última análise, nada mais seria do queessa parcela de trabalho que não é remunerada, o que constituiria uma modalidade de usura social.

Afirma-se, além disso, que a produção capitalista visa exclusivamente o lucro, ao passoque a produção deve ter em vista a satisfação de necessidades humanas.

A forma preconizada para eliminar todos esses inconvenientes seria a socialização dosmeios de produção. Nessas condições, os meios de produção deixariam de ser propriedadeindividual ou privada para tornar-se propriedade social ou coletiva. Deixando de existir oempreendimento privado mas sendo este organizado pelo Estado, deixaria também de existir olucro, e, conseqüentemente, a exploração do trabalhador. Dessa forma, afirma-se, a produção serealizaria para o consumo e não para o lucro e o trabalhador receberia, pelo menos teoricamente, ovalor integral do seu trabalho.

E assim que muitos apontam o socialismo como um meio de eliminar certos elementos deusura social (ou conseguir o máximo dessa eliminação) considerando-se como tais, a intermediaçãoou a exploração privada dos meios de produção, distribuição e troca.

Pondo de lado quaisquer considerações sobre a orientação filosófica de certas formas desocialismo, mas encarando apenas o tipo de estrutura econômica que ele apresenta com o objetivo

Page 145: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

de obter a eliminação crescente da usura social ou da exploração do homem pelo homem,deveremos observar que, no Brasil, não existiriam condições materiais, objetivas, nem condiçõespsicológicas e políticas para a instituição do socialismo, isto é, não lograria aqui alcançar osobjetivos visados.

Fazendo sempre abstração de quaisquer considerações de caráter filosófico, que aqui nãointeressam, é preciso observar que socialização "a posteriori" pressupõe sempre algo que se possasocializar. E necessário um certo desenvolvimento industrial, que não existe no Brasil, e que essedesenvolvimento tivesse atingido aqueles limites em que já não seria conveniente que se mantivessesob o regime da iniciativa privada.

Pretender, por outro lado, criar um desenvolvimento econômico, sob a forma socialista,seria, no Brasil, um contra-senso. Nem existem meios técnicos, nem meios financeiros, nemeducação para tal empresa.

Isso não significa que o Estado, em certos casos, não deva tomar a iniciativa dosempreendimentos econômicos, sobretudo quando estes transcendem os limites das possibilidades oudas conveniências do empreendimento privado. Para isso, porém, é sempre necessária umapreparação técnica e o treinamento de homens que sejam capazes de dirigir, com elevado espíritopúblico, empresas dessa natureza. Possuímos, sem dúvida, bom material humano, mas este,geralmente, não é aproveitado pelos que governam o país. Enquanto não se modificar a mentalidadedominante não temos esperança de que, sob este aspecto, a situação se possa modificar. Será esse,portanto, um cometimento mais para as novas gerações.

Vê-se, pois, que, embora o objetivo fundamental do trabalhismo possa ser o mesmo emtodo o mundo, a maneira de atuar e realizar-se, será diferente conforme as condições peculiares e ograu de civilização e cultura de cada país. Na Inglaterra, o trabalhismo é socialista. No Brasil, nãopoderia sê-lo pela ausência dos pressupostos.

A economia socialista é uma técnica, não um fim. Poderá dar, eventualmente, bonsresultados em países evoluídos social e materialmente, mas daria resultados negativos em paísescomo o nosso, que figura entre os mais atrasados do planeta. Será desnecessário esclarecer que nosreferimos aqui a um socialismo do tipo do trabalhismo inglês e não a outras formas de socialismo.

A soma dos ganhos de todos os indivíduos de um país é o que poderemos chamar, de umamaneira simplista, a renda nacional, que não deve ser confundida com renda ou receita pública. Otrabalhismo sustenta o princípio de que nenhum ganho é justo desde que não corresponda a umaatividade socialmente útil. Eis porque a renda nacional deve ser distribuída e aplicada de tal formaque se atenda a esse princípio. Nem sempre o que constitui um ganho legal é um ganho justo. Nosistema da livre iniciativa, é difícil evitar essas injustiças na sua origem. Cumpre, por isso, aoEstado corrigi-las. E essa a função social precípua do Estado. Todo ganho deve estar sempre emfunção do valor social do trabalho de cada um. Onde há ganhos sem trabalho, há parasitismo eusura social.

Essa é a razão pela qual também poder aquisitivo e trabalho deveriam ser expressõesequivalentes.

A renda nacional é resultado do trabalho produtivo. A distribuição dessa renda, porém,nem sempre é feita na proporção desse trabalho. E preciso, pois, que cada um dela participe na justaproporção do seu trabalho, isto é, na justa proporção dos benefícios com que contribuiu para acoletividade. Trabalho significa aqui qualquer forma de atividade socialmente útil e não apenas otrabalho assalariado. Onde há ganhos que não correspondam a um trabalho ou atividade útil, há,como observamos, usura social, o que significa, pura e simplesmente, que uns se locupletam à custado trabalho de outros.

Poderíamos, pois, resumir os princípios gerais do trabalhismo nos seguintes termos:a) o trabalho é a fonte principal e originária de todos os bens produzidos. A função destes é a

satisfação de necessidades. O valor dos bens reside, portanto, na sua utilidade e no trabalho queconcorre para produzi-los;

b) a coletividade humana é um sistema de cooperação. A cooperação realiza-se pelo trabalho e paraque a cooperação de cada membro da coletividade se torne efetiva, é necessário que se traduza

Page 146: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

por uma atividade socialmente útil, isto é, que traga benefícios não apenas a quem exerce mastambém aos demais membros da coletividade e contribua, por esta forma, para o aumento dobem-estar geral;

c) a forma de cooperação é um intercâmbio de trabalho. Quem de útil nada produz nada tem parapermutar;

d) o poder aquisitivo deve ser a contrapartida do trabalho socialmente útil. Esse trabalho é o único everdadeiro lastro da moeda. A posse de poder aquisitivo, que não deriva dessa forma de trabalho,representa uma apropriação injusta do trabalho alheio e caracteriza-se como usura social;

e)o objetivo fundamental do trabalhismo deve ser a eliminação crescente da usura social e alcançaruma tal organização da sociedade onde todos possam realizar um trabalho socialmente útil deacordo com as suas tendências e aptidões, devendo a remuneração graduar-se pelo valor socialdesse trabalho, com a garantia de um mínimo dentro dos padrões da nossa civilização, para asformas de trabalho menos qualificado.

A função precípua do Estado deve ser hoje a realização da justiça social. Se a justiçasocial, como comumente se admite, se traduz por uma eqüitativa distribuição da riqueza, istosignifica simplesmente que, garantido um mínimo fundamental, a participação de cada um noproduto social (isto é, no acervo dos bens produzidos) deve estar em relação ao valor social do seutrabalho, isto é, ao grau de sua contribuição para a produção desses bens e para o bem-estar geral.Essa parece ser a essência do trabalhismo.

Há uma tarefa social, que incumbe à sociedade ou à organização e outra que é individual.A organização econômica e social deve assegurar um padrão objetivo mínimo, elevando-o sempremais à medida que a ciência e a técnica criam novos meios de bem-estar. Deve-se assegurar a cadaum a oportunidade efetiva (isto é, de meios) de ascender na escala dos padrões sociais de viver emsegurança quando já não possa trabalhar. Ao indivíduo caberá utilizar os meios que são postos à suadisposição pela sociedade.

Vê-se, portanto, que o trabalhismo, quanto aos seus postulados e objetivos humanitários, éuma doutrina social: quanto aos meios e procedimentos para alcançar esses objetivos, é uma técnicaeconômica que se deverá socorrer dos dados e dos ensinamentos dos diferentes ramos da Economia.Politicamente, o trabalhismo é um movimento de opinião tendente a obter a consecução dos seusobjetivos através da ordem e do mecanismo jurídico-constitucional, isto é, através dos poderes doEstado. Os objetivos finais do trabalhismo são os mesmos em todo o mundo. As soluções concretasé que podem variar de acordo com as circunstâncias de tempo e de lugar. Na realidade, otrabalhismo somente poderá encontrar a sua integral realização no dia em que os seus princípiosdominarem em todas as grandes nações que controlam a vida internacional, o que determinará,necessariamente, a eliminação do armamentismo, que é uma das principais causas de usura social,de mal-estar e empobrecimento dos povos.

A cooperação que deve existir entre os membros de uma coletividade nacional deve existirtambém entre os membros da comunidade internacional. Os princípios são os mesmos, o quesignifica que o trabalhismo abrange também a ordem internacional.

Trabalhismo, Socialismo, Capitalismo

O trabalhismo não é, pois, necessariamente, um movimento socialista. Como vimos, osocialismo não é um fim, mas um meio, isto é, uma forma de organização econômica tendo emvista a eliminação da usura social.

Abstraindo das diferentes concepções socialistas - incompatíveis com os princípios cristãosquando têm caráter materialista - e considerando socialismo simplesmente a socialização dos meiosde produção, de circulação e de troca, mediante uma planificação da economia, observamos que osistema seria inexeqüível num país como o Brasil.

Devemos, pois, permanecer no sistema da iniciativa privada, isto é, no regime capitalista.Mas, se é conveniente que se mantenham em seus delineamentos gerais, a estrutura do regimecapitalista, isso não significa que seja qualquer tipo de capitalismo que o trabalhismo possa admitir

Page 147: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

e defender. Em primeiro lugar, o trabalhismo brasileiro não poderia solidarizar-se com umcapitalismo de caráter individualista e parasitário; em segundo lugar, há certas atividades eempreendimentos, certas riquezas e certas formas de poder econômico que devem ser socializados.

Nos sistemas individualistas, o capital visa exclusivamente o lucro, que poderáproporcionar a seus detentores possibilidades de consumo sem limites, à custa do produto social,isto é, do trabalho do proletariado. O trabalhismo não poderá admitir tal forma de capitalismo. Parao trabalhismo, o capital deve ser um conjunto de meios instrumentais ou aquisitivos, dirigidos ecoordenados embora pela iniciativa e atividade privadas, tendo em vista o desenvolvimento daeconomia, e o bem-estar coletivo. Conseqüentemente, o lucro não deverá ser O produto daexploração do trabalhador, mas, deduzida a justa remuneração do empresário, deverá constituiraquela parte do produto social que é invertida para a criação de novas riquezas e produção de bens.O capital de caráter meramente especulativo e explorador não poderia encontrar guarida e tolerânciano verdadeiro pensamento trabalhista.

O capital é um conjunto de meios destinados à produção, à circulação e à troca. Umafábrica é capital, uma estrada de ferro também o é. Não se pode ser contra o capital, o que seriaabsurdo. O capitalismo, porém, é uma relação de propriedade ou de exploração do capital. Se essapropriedade ou essa exploração são exercidas contra o interesse coletivo, o capitalismo é,evidentemente, um mal que deve ser combatido. Na constituição do capital há sempre uma parcelade usura do trabalho, e que é representada por aquela parte que está cristalizada no aparelhamentoprodutor.

Se alguém por exemplo, por meio de um empréstimo, constrói e instala uma fábrica, esseempréstimo terá que ser amortizado com os lucros do empreendimento. Ora, o lucro representa anão remuneração de uma parcela de trabalho e um sacrifício do consumidor. Para simplificar aidéia, suponhamos que um sapateiro tome a seu serviço um oficial. Se lhe pagasse, como salário, oque ele realmente produz, o dono da oficina não teria resultado algum. Isso significa que, para que osapateiro tenha lucro, é necessário que o empregado ganhe menos do valor que realmente produz.

Com relação ao lucro que invertido, essa usura existirá em qualquer sistema. O capital éuma acumulação de lucro, isto é, de trabalho não remunerado. No sistema socialista de economia, ocapital não se constitui através do lucro ou rendimento privado, mas através de taxação. Ora, ataxação produz idêntico efeito, pois equivale a uma redução do salário nominal. Se alguém, porexemplo, percebe mil cruzeiros mensais, mas tem que pagar duzentos cruzeiros de impostos, osalário real estará reduzido a oitocentos cruzeiros.

Se o Estado socialista pagasse ao trabalhador o valor integral do trabalho, não poderiahaver inversões, isto é, não seria possível constituir o aparelhamento produtor e os demais meioscorrelatos, isto é, o capital.

A parte do lucro, que é invertida, não representa uma injustiça social. Pode haver injustiçana parcela do lucro que é consumida pelo capitalista, sempre que o consumo exceda os limitesrazoáveis da remuneração devida à atividade empreendedora.

O problema, pois, não é o da existência ou supressão do lucro e sim o de sua aplicação.O capitalismo, portanto (isto é, a exploração privada dos meios de produção, circulação e

troca) será injusto na medida em que proporcione, a alguns, possibilidades de consumo sem limites,à custa do produto social, isto é, do trabalho; será nocivo, na medida em que, para alcançar essaspossibilidades, use de métodos e processos anti-sociais; será, por fim, inconveniente na medida emque tumultue o processo econômico, dando lugar às crises periódicas ou ciclos conjunturais, quesão uma conseqüência natural da liberdade de iniciativa e da livre concorrência.

E de perguntar como será possível corrigir, praticamente, as injustiças e inconveniênciasdo regime capitalista.

Poder-se-á responder que, se não é possível eliminá-las, será sempre possível atenuá-las.Taxar, por exemplo, os rendimentos, e aplicar o produto da taxação em inversões

socialmente úteis será uma forma de canalizar o lucro e os rendimentos capitalistas para as suasverdadeiras finalidades. Taxar fortemente os artigos de luxo é, em geral, o supérfluo, e, com oproduto da taxação custear serviços de assistência social, será outra forma de corrigir certas

Page 148: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

injustiças. Será uma maneira de obrigar os que podem adquirir o supérfluo a contribuir para resolveros problemas daqueles que não têm o necessário. E apenas isso que pretende o trabalhismo, isto é,tornar efetiva a solidariedade social.

Onde o sistema socialista de economia desse piores resultados que o capitalista, nãohaveria conveniência em substituir este por aquele. Suponhamos, por exemplo, que, numa fábrica,os operários ganhem, em média, x e o patrão lucre y. Com sua socialização, poder-se-á, sem dúvida,abolir o lucro, mas se a fábrica passar a ter uma administração pior, de modo que se encarecerá ocusto da produção e do modo que a eliminação do lucro, nem aproveite ao operário nem aoconsumidor, quais seriam as vantagens da socialização? Se a eliminação do lucro nem fizesseaumentar o salário do trabalhador, bem diminuísse o preço para o consumidor, a abolição do lucroseria perfeitamente inútil. A socialização só poderia dar resultados quando a administração daíempresa socializada pudesse ser mais eficiente do que a empresa privada. Para isso, porém, serianecessário um alto nível de educação social, que não existe ainda na maior parte dos homens.

A socialização integral dos meios de produção, no estado atual da humanidade, poderiatrazer ainda outros inconvenientes, pois o Estado se tornaria todo-poderoso e seria difícil encontrarhomens perfeitos para geri-lo. É certo que a tendência é para aumentar as funções do Estado,evoluindo da função simplesmente policial à função social e à função econômica. Essa evolução,porém, está condicionada a um maior grau de perfeição dos homens.

Por outro lado, não será demais observar que, se a forma socialista da produção pode serdesaconselhada, não será para atender aos interesses capitalistas, mas para atender ao maiorinteresse da própria coletividade.

Será desnecessário esclarecer que há setores da economia onde a socialização ou aestatização se impõe. Não há hoje países onde impere o puro regime capitalista. Há países deeconomia exclusivamente socialista e países de economia mista.

PASQUALINI, Alberto. Bases e Sugestões para uma política social. Porto Alegre, O Globo, 1948.

Page 149: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Reformas de Base

Creio que não estarei em erro nem cometerei uma heresia ao repetir agora aafirmação de que o trabalhismo, encarada a questão sob o aspecto dos postuladosdemocráticos, não tem porque reivindicar nenhuma reforma de maior tomo emnosso sistema político-constitucional.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Sr. Presidente, temos ouvido falar, nestes últimostempos, da necessidade de uma reforma de base: mas, talvez porque não haja sido debatido oassunto, não possuímos uma idéia clara, definida ou aproximada do seu conteúdo e da sua extensão.Sabemos apenas que há reformas que se impõem, que há situações, métodos e sistemas que devemser corrigidos ou eliminados em vários setores da vida nacional. Entretanto, o que desconhecemos -porque não foram fixados - são os delineamentos dessa reforma, suas coordenadas, suascaracterísticas e sua profundidade. E natural, portanto, que cada um lhe atribua, já não digo osentido das suas conveniências, mas, ao menos, a interpretação ditada ou sugerida por suastendências e inclinações.

Meu objetivo é indicar alguns pontos dessa reforma, encarada do ângulo da concepçãotrabalhista. Devo esclarecer que não pretendo interpretar nem o pensamento nem a orientação doPartido Trabalhista Brasileiro, a que tenho a honra de pertencer, porque isso constitui tarefa efunção dos seus órgãos dirigentes. O que apenas me proponho é contribuir modestamente para oestudo de certas questões, procurando as soluções do ponto de vista da doutrina trabalhista, assimcomo consigo compreendê-la e interpretá-la.

As opiniões que vou emitir serão, portanto, rigorosamente em tese, estritamente em caráterpessoal.

Características de uma Reforma de Base, do ponto de vista Político Constitucional

Uma reforma de base, pelo próprio significado e força da expressão, envolve,necessariamente, uma modificação substancial em certa ordem de coisas ou em determinadosistema.

Ora, o sistema, objeto de uma reforma de base, no sentido que se anuncia, ou pode ser o denossa organização política, ou o de nossa organização econômica, ou ambos ao mesmo tempo.

Nossa organização política está definida na Constituição. Consagra ela os princípiosfundamentais da democracia representativa, o regime republicano e federativo, a existência domunicípio, a divisão dos poderes, os direitos e garantias individuais, as normas básicas daorganização social e econômica, tendo em mira, como se diz no texto constitucional, a realização dajustiça social.

Se admitirmos que são esses os capítulos fundamentais ou as linhas mestras de nossoesquema político-constitucional, uma reforma de base, deveria importar, necessariamente, asupressão, a mudança ou o deslocamento de alguma ou de algumas dessas linhas estruturais.

Não seria qualquer alteração constitucional que poderia caracterizar uma reforma de base,no sentido político.

Page 150: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

E certo que o caráter da reforma é relativo, isto é, está em função do ponto de referênciaque se toma, da importância e do efeito que se lhe atribui. Assim, do ponto de vista da forma degoverno, a substituição do regime presidencial pelo regime parlamentar constituiria, sem dúvida,uma reforma fundamental. Do ponto de vista geral do governo democrático, a mudança não poderiaestar compreendida no conceito de reforma de base, eis que tanto o presidencialismo como oparlamentarismo são, com menor ou maior perfeição, formas de governo democrático.

A reforma ou revisão constitucional que objetivasse a alteração da competência tributária,a supressão das atribuições de uma das Casas do Congresso, não poderia também configurar umareforma de base, que implica mudança de estrutura, não de detalhes.

No regime democrático, há as constantes e as variáveis, a substância e os acidentes. O quea democracia postula é a intangibilidade do sistema das constantes, é a preservação da substância.

Os objetivos fundamentais do Trabalhismo se Enquadram nos princípiosconstitucionais vigentes

Creio que não estarei em erro nem cometerei uma heresia ao repetir agora a afirmação deque o trabalhismo, encarada a questão sob o aspecto dos postulados democráticos, não tem por quereivindicar nenhuma reforma de maior tomo em nosso sistema político-constitucional. E isto porquenão constituiria condição para a realização dos seus objetivos, que podem ser enquadrados nosistema geral dos princípios constitucionais vigentes e devem ser realizados através das instituiçõesdo mecanismo democrático.

O que cumpre é que os textos constitucionais deixem de ser frases sonoras e vazias paratransformar-se em realidade viva através de uma série de soluções e medidas que atendam,efetivamente, as necessidades do povo brasileiro.

De que serve, por exemplo, que a Constituição proclame enfaticamente que a ordemeconômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, que a todos é asseguradotrabalho que possibilite existência digna, que a lei promoverá a justa distribuição da propriedadecom igual oportunidade para todos, que o uso da propriedade deve ser condicionado ao bem-estarsocial, se todas essas formulações tiverem apenas um caráter verbal o retórico e não forem tomadasas medidas concretas para dar-lhes execução prática? Numa Constituição não se podem admitirtextos e enunciados meramente decorativos. Tudo o que ela estatui deve ser seguido, tudo o que eladetermina deve ser executado. O problema de maior importância será, portanto, cumprir aConstituição e não reformá-la.

Isso não significa o desconhecimento da conveniência e da utilidade de modificar oucorrigir certos dispositivos constitucionais, não, porém, como exigência do trabalhismo, mas com oobjetivo de esclarecer-lhes e fixar-lhes melhor o sentido e a extensão, de aperfeiçoar ofuncionamento do regime e o mecanismo governamental.

Cumpre mudar o comportamento político

Se uma reforma de base não envolve, do ângulo do trabalhismo, modificações substanciaisem nossa organização político-constimcional, na sua parte anatômica, estrutural, estática, tal fatonão obscurece a necessidade de que se operem mudanças no processo funcional ou dinâmico, quenão se devam corrigir as formas, os métodos e o estilo de comportamento político.

O estilo da política é reflexo do meio social

A política reflete, necessariamente, as características do meio, suas condições de evoluçãosocial, econômica e cultural. A medicina, por exemplo, nas sociedades civilizadas, é uma ciência euma arte: ciência e arte de curar e prevenir as enfermidades. Nas sociedades primitivas é bruxaria efeitiçaria. Existem ainda as formas intermediárias da pseudociência, do charlatanismo.

Page 151: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Quando o nível médio de instrução e de cultura é muito baixo, toma-se difícil a assimilaçãodas idéias gerais e a compreensão das soluções racionais para os problemas da coletividade. Opovo, às vezes, na sua ingenuidade, aceita mais facilmente a droga que lhe é ministradaaparatosamente pela demagogia do que terapêutica racional que lhe poderia, em verdade, aliviar asnecessidades e os sofrimentos.

É claro que onde isso se verifica só poderão existir as aparências, as formas exteriores dedemocracia.

Maiorias incultas e minorias solertes

Eis por que, nas democracias incipientes onde, ao lado de uma grande maioria menos cultae esclarecida, pode coexistir uma minoria esperta e solerte, há o perigo de que a política setransforme numa espécie de arte de enganar, numa técnica de mistificação, num conjunto deexpedientes e processos charlatanescos para embair a opinião pública, para alcançar e manter ospostos eletivos que asseguram o controle do mecanismo governamental, que é, sobretudo nos paísesatrasados, a providências de que todos dependem, a fonte distribuidora de favores e benefícios, achave do poder econômico.

Mas, para que se possam criar e manter os artifícios, para que se possa confundir comeficiência a opinião pública e mascarar com êxito os interesses individualistas sob o disfarce dobem coletivo, é necessário hodiemamente dispor de grandes e custosas máquinas de propaganda,cuja montagem e cujo funcionamento exigem consideráveis somas de dinheiro. E eis que se podeentão estabelecer uma verdadeira aliança ou identidade de interesses entre grupos políticos e gruposeconômicos, grupos que controlam as grandes empresas ou farejam os grandes negócios e a cujoencargo ficarão os suprimentos para o financiamento da máquina político-eleitoral.

As lutas e campanhas políticas, embora com â rotulagem mais variada e diversionista,poderão ser, na realidade, verdadeiras sociedades de capital e indústria, empreendimentos em contade participação onde os sócios aparentes são os políticos e os sócios ocultos, os que manobram nasombra, investindo e arriscando capital, tendo em vista os dividendos futuros.

A política, em vez de ser um debate de idéias e soluções, se transforma então num simplesnegócio e num jogo de malabarismos, a que o povo muitas vezes assiste sem desconfiar darealidade subjacente, sem poder discernir onde está a verdade e onde está o embuste, onde está asolução racional ou a mistificação, onde está o ideal e onde está a aventura, onde estão os querealmente querem servi-lo e onde pretendem apenas explorar-lhe a ingenuidade e a boa fé.

Causas econômicas do Primarismo Político

Existe ainda outro fato de particular importância e que tem grande influência, em paísessubdesenvolvidos no estilo da vida política. Trata-se de um fator de ordem econômica, isto é, adiminuta capacidade da indústria e de outras atividades econômicas para absorver, em maior escala,os elementos ativos da população.

Calcula-se, por exemplo que, no Brasil, seja de mais de 300 mil pessoas o crescimentoanual da população ativa, isto é de pessoas que estão em condições de trabalhar e que precisam,portanto, obter emprego em alguma atividade. Estima-se, igualmente, que o custo anual dasinversões necessárias para dar colocação a esse número fora de atividades agrícolas, seria de maisde 15 bilhões.

Ora, não seria possível dentro da organização e das condições econômicas atuais, atingiresse ritmo inversionista e aproveitar todo esse material humano em atividades produtivas. Assim é aconseqüência necessária que parte desses excedentes, e principalmente os elementos maisqualificados que, geralmente, não possuem especialização técnica, forçará o caminho para oemprego público ou para emprego em atividades compreendidas na esfera de influência do poderpúblico.

Page 152: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Trava-se assim, uma verdadeira disputa em tomo de cargos e empregos públicos, desde osmais aos menos categorizados, fato que se refletirá necessariamente na formação de clientelaspolíticas, no comportamento das agremiações partidárias e nas verdadeiras razões que, muitas vezesmotivam a filiação a este ou àquele partido.

Efeitos sobre os Partidos e a Administração Pública

Pode-se, assim, explicar e compreender melhor as causas pelas quais os partidos políticos,quando no poder, tendem, sob a pressão dessas circunstâncias, a transformar-se em agências deempregos públicos e porque a concepção corrente de governo partidário não é de governo orientadono sentido de diretrizes e objetivos programáticos, mas de governo preocupado em criar e distribuircargos, favores e compensações à clientela política, eleitoral e doméstica, aumentando, dessa forma,os coeficientes de ocupação improdutiva.

A administração pública sofre, necessariamente, as conseqüências dessa situação, porque ocritério racional do interesse público passa a ser substituído pelo critério primário das conveniênciaspolíticas, órgãos e serviços são freqüentemente, concebidos e planejados com ioda a perfeiçãotécnica visando à realização de finalidades reclamadas por necessidades coletivas. O provimentodos cargos e funções não se subordina, porém, cm muitos casos, aos requisitos da capacidade e daidoneidade, mas simplesmente a conveniências, injunções e compromissos políticos. E vemos entãoas escolhas mais inexplicáveis, c contra-indicadas com grave prejuízo para a administração e para acoletividade.

Daqui decorre também a convicção generalizada da incapacidade do Estado para realizar eadministrar empreendimentos de caráter econômico, onde a substituição, na escolha do pessoaldirigente, do critério rigorosamente técnico e moral por qualquer outro, comprometerá,irremediavelmente, os objetivos, o funcionamento e a eficiência da empresa colocando-a emposição de inferioridade em relação ao empreendimento privado.

Eis como certas contingências políticas, determinadas, em grande parte, por umretardamento econômico podem ocasionar o desvirtuamento do serviço. O desvirtuamento doserviço público poderá, por sua vez, ser um fator de atraso na evolução e no progresso econômicodo País.

Talvez todo esse complexo de circunstâncias nos possa também esclarecer a razão de serde certa inconsistência dos partidos políticos, de sua falta de coesão, de suas lutas e dissensõesinternas, da ausência de diretrizes e de orientação programática. Tudo decorre da mesma diátese, devícios e defeitos orgânicos. Falta-lhes a substância ideológica, o motivo permanente e comum atodos os seus membros de lutar, o ideal que a todos deveria congregar para uma ação desinteressadano sentido de bem comum, tal como poderá ser compreendido e interpretado segundo os princípiosde cada concepção política social e econômica.

Os partidos deixam, assim, de ser movimentos organizados de opinião tendentes àexecução de determinadas reformas ou soluções, através do mecanismo democrático constitucionalpara caracterizar-se como meros agrupamentos ocasionais em tomo de pessoas ou interesses e,portanto, tão versáteis e efêmeros como as causas originárias de sua existência.

Círculo Vicioso

Vemos, pois, que existe uma estreita relação e dependência entre as formas e o estilo docomportamento político e o grau de desenvolvimento econômico e cultural de determinadacoletividade. O pior é que se estabelece um verdadeiro círculo vicioso: o primitivismo econômicogera as formas do primarismo político e o primarismo político contribui, direta ou indiretamente,para manter a incultura e o primitivismo econômico e, conseqüentemente, os índices de exploraçãosocial.

Page 153: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Esse círculo vicioso somente poderá romper-se à medida que se acelerar odesenvolvimento econômico e cultural, à medida que se operarem mudanças na mentalidadepolítica e à medida que as massas trabalhadoras forem adquirindo maior consciência política.

Poderia parecer, à primeira vista, que, tratando-se de fatos e variações interdependentes, ocírculo vicioso não poderia ser quebrado. Na realidade, porém, a sociedade não é um sistemaestático, mas um processo dinâmico que evolui constantemente sob a pressão de forças internas e deinfluências externas.

Creio que esse processo evolutivo poderá ser apressado ou retardado segundo o grau decompreensão, de honestidade, de espírito público e de sabedoria das chamadas elites dirigentes.

Pressão do negocismo e da corrupção

Mas, não podemos desconhecer, além das circunstâncias apontadas, a existência de outrosfatores negativos que criam entraves aos objetivos superiores da política. As camadas mais cultas dasociedade e todos aqueles que, mais diretamente, podem influir na direção dos negócios públicos ena política nacional, exercem suas atividades nos grandes centros urbanos. Ora, esses, não raro,abrigam verdadeiros focos de corrupção e de venalidade. Neles o relaxamento dos costumes atingeo grau mais elevado, neles existe a sedução e a tendência para uma vida fácil e cômoda e um grandemercado de tudo o que contribui para gozá-la. Neles encontramos toda uma legião de especuladorese negocistas sem escrúpulos e sem entranhas, cujo objetivo único é o dinheiro e cuja única filosofiaé o cinismo. O que se pretende é viver à custa de expedientes e enriquecer sem trabalhar. Ganham-se fortunas da noite para o dia em negociatas e especulações, favorecidas, de uns tempos para cá,pela maré enchente da inflação. E, como podem ser facilitadas, direta ou indiretamente, porinfluências políticas, há sempre o perigo e o risco de que os homens públicos e os que têm a seuencargo importantes setores da administração pública se deixem apanhar nas armadilhas de umarefinada técnica de envolvimento e acabem por não resistir às investidas da solércia e às carícias dosabujismo que obliteram a visão da consciência e amolecem as resistências morais.

Certas formas de ganhar dinheiro e de fazer fortuna podem não estar previstas no CódigoPenal. Isso, porém, não quer dizer que sejam socialmente legítimas. Todo ganho, que não derive deuma modalidade de trabalho, que não seja a contrapartida de uma atividade socialmente útil,caracteriza uma forma de exploração e de parasitismo. Porque existem, em verdade, duas maneirasde viver: uma, do trabalho próprio, e outra, do trabalho alheio. Mas, esta última contraria o própriomandamento divino: in sudore vultus tui vesceríspane. Ganharás o pio com o suor do teu rosto. Hámuitos, porém, que, violando a lei de Deus, preferem não só obter o pão mas todas as comodidadesda vida com o suor de rostos alheios.

Enquanto essa minoria de exploradores e parasitas acumula fortunas e esbanja nosrequintes exibicionistas do luxo de importação o dinheiro que deveria ser investido no progresso doPaís e na criação de meios de produção e de bem-estar, uma grande massa de homens e mulheresluta, trabalha e sofre para sustentá-los.

Objetivo moral e político de uma Reforma de Base

Uma reforma de base deverá extirpar esses cancros sociais e contribuir para manter aadministração e os homens públicos imunes de suas influências e do seu poder de corrupção.

E deverá também operar uma mudança no estilo e nas formas do comportamento político,ajustando-o aos verdadeiros objetivos da ciência e da arte política.

A organização de uma consciência cívica e de uma liderança, em todos os setores da vidanacional, inspirada nesses objetivos superiores, terá um papel fundamental nesse processo detransformação, pois sua função precípua, será um constante trabalho de educação o esclarecimentodo povo.

Verdadeiro sentido da Política

Page 154: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Creio que já compreendemos que a política não pode ser um sistema de expedientes aoserviço de indivíduos, grupos ou classes, mas que deve ser a ciência e a arte da organização e dofuncionamento da sociedade, tendo em vista promover o contínuo ajustamento da estruturaeconômica das instituições políticas e jurídicas ao sentido fundamental da evolução humana.

Todo objetivo final da ação política deve ser eminentemente social e consistir em orientar acoletividade a organizar as atividades que nela se desenvolvem em ordem, a criar a maior soma debens materiais e imateriais, assegurar sua distribuição de acordo com as necessidades de cada um eo grau e valor de sua contribuição para a produção desses bens.

Para alcançar esses objetivos será necessário instituir os procedimentos técnico-econômicos e os mecanismos jurídico-administrativos indicados pela ciência social em geral. Eispor que a política, na ordenação e coordenação dos meios para atingir os fins, deve ter uma basecientífica e racional, abandonando definitivamente os expedientes da mistificação e da demagogia.

É, portanto, fundamental para uma reforma de base, que a política se liberte do seuprimitivismo e dos processos tradicionais; é necessário que os homens públicos realizem umesforço para emancipar-se da mentalidade ainda dominante, para superar as contingências de nossoinfantilismo econômico e de nosso atraso cultural.

Não impede que as soluções para os problemas nacionais sejam concebidas de maneirasdiferentes e vistas sob ângulos diversos. A controvérsia política terá, então, como objetivo o debatee a justificação de cada ponto de vista, de cada doutrina, de cada orientação.

Preparação do futuro

A política é como que uma técnica da solidariedade no tempo. Dispondo do acervo deexperiências do passado, não se deve limitar a efeitos imediatistas, mas ter sempre os olhos voltadospara o futuro.

Nisso o estadista se distingue do político vulgar, porque este encara os fatos e as situaçõessegundo o critério oportunista das conveniências momentâneas, ao passo que aquele os consideracom a visão e as perspectivas do futuro. Quanto ao Brasil, cumpre não esquecer que o futuro é aquarta dimensão em que deverão ser equacionados os seus problemas fundamentais.

Eis por que uma reforma de base deverá ser também um compromisso das geraçõespresentes para com as gerações futuras. E será este também o melhor meio de resgatarmos nossadívida de gratidão para com as gerações passadas que, além da vida, nos legaram este patrimôniosagrado e inalienável, que é o Brasil, nossa Pátria comum.

E necessário, portanto, criar as condições psicológicas, morais e políticas para que areforma se possa realizar democraticamente, para que atinja as estruturas que já não resistem aoembate das novas idéias, que já não se ajustam às necessidades de nosso tempo, que já nãocorrespondem aos postulados da justiça social. (Muito bem! Muito bem! Palmas. O orador écumprimentado.)

PASQUALINI, Alberto. Reformas de Base I. Diário do Congresso Nacional, Rio de Janeiro,29 ago. 1951.

Page 155: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

A Sociedade Segundo o Trabalhismo

A inflação resulta de uma desproporção, em dado momento, entre a rendaprodutiva e a renda improdutiva.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Em exposição anterior que tive a honra de fazerperante o Senado, procurei caracterizar a posição do trabalhismo, em face dos problemaseconômicos fundamentais da coletividade, indicando, em termos amplos e genéricos, quaisdeveriam ser os seus objetivos e a sua política.

Sempre que me refiro a trabalhismo, não aludo a partidos trabalhistas, mais ao idealtrabalhista, que deveria ser o motivo de ação desses partidos.

Prosseguindo, hoje, nessas considerações, e procurando demonstrar ou justificar, ainda quesuperficialmente, esse objetivos, creio que poderia iniciar esta explanação com uma observaçãoque, desde Aristóteles, constitui o lugar comum talvez mais glosado por sociólogos, economistas efilósofos que se ocupam da sociedade, dos fatos e das relações que nelas se desenvolvem.

Não me animaria a dizer que o homem é um animal essencialmente social; mas poder-se-iarelembrar, com Aristóteles, a razão pela qual o homem vive em sociedade, razão que reside,precisamente, na circunstância de não ser auto-suficiente. Afirmou o filósofo que aquele quepudesse prescindir do convívio e do comércio dos mais homens, ou porque de nada precisasse, ouporque se bastasse a si mesmo, não pertenceria à coletividade humana: ou seria um bruto ou seriaum Deus.

A Sociedade segundo o Trabalhismo

Para o trabalhismo a sociedade humana deve ser a organização da cooperação e dasolidariedade entre os indivíduos que a constituem. O que cumpre é que estabeleçam os termos econdições dessa cooperação para que se eliminem todas as formas de exploração e se assegure oque denominamos “justiça social”.

A forma individual da cooperação é o trabalho, isto é, uma atividade que possa ser útil aosdemais e que, em conseqüência, encontre na atividade destes uma correspondência de benefícios. Acooperação, base da sociedade, se caracteriza, portanto, por um intercâmbio de trabalho ou deserviços.

Tomo sempre a palavra “trabalho” no sentido de uma atividade econômica e socialmenteútil, de uma atividade que produza ou contribua para produzir bens e serviços que contenhamalguma utilidade para os demais membros da coletividade e possam, por isso mesmo, serpermutados por bens e serviços oriundos de atividade da mesma natureza ou de outras formas detrabalho.

O agiota, o açambarcador, o monopolista, o especulador exercem atividades, mas nãopoderíamos considerá-las e classificá-las como formas de trabalho, porque “trabalho” por definição,é uma atividade socialmente útil.

Por outro lado, trabalho não é apenas o trabalho físico. Não é apenas uma atividade em quese emprega predominantemente a energia muscular, mas qualquer gênero de atividade de que possaresultar um benefício econômico, não apenas para quem a exerce, mas também para os demaismembros da coletividade.

Page 156: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Sabemos que, quanto mais sensos e evoluídos os agrupamentos humanos, maior é a divisãodo trabalho e a diferenciação das funções econômicas que neles se processam. Nas sociedadesmodernas, esse intercâmbio, justamente em razão da crescente divisão e especialização do trabalho,assume uma feição microtônica (se me posso exprimir assim), pois no atual sistema de produção,centenas senão milhares de pessoas participam, por vezes, da criação de uma única utilidade, demodo que a contribuição individual é infinitesimal na unidade, distribuindo-se por um grandenúmero delas.

Isso significa que, à medida que se opera a divisão do trabalho, mais complexa se torna atrama das relações e dos vínculos de dependência econômica entre os indivíduos. Os lermos dointercâmbio perdem as características individuais para serem regidos pelas leis econômicas dosfenômenos de massa.

Se a vida em sociedade se caracteriza como um intercâmbio de trabalho ou de serviços,parece que se poderia assentar, como princípio básico da cooperação e da solidariedade anecessidade de que esse intercâmbio se realize um termos de uma equivalência de valores. Ondealguns pudessem beneficiar-se do trabalho de outros sem uma prestação equivalente de trabalho,não haveria eqüidade e a sociedade deixaria, então, de ser a organização da cooperação e dasolidariedade para se transformar na organização da exploração e da injustiça.

Onde há ganhos sem trabalho correspondente, isto é, sem a prestação de serviços que osjustifiquem, na base de uma reciprocidade de valores, há parasitismo e exploração social.

Nesse grande mercado de serviços que é a sociedade humana, quem de útil nada produz,nada pode ter para oferecer e, portanto para permutar. Logo, todo ganho obtido nessas condiçõespoderá representar uma apropriação do valor do trabalho alheio.

Os ganhos e remunerações devem ser a contrapartida de uma atividade socialmente útil edevem estar em proporção à utilidade que dela resultou para os demais membros da coletividade.

Esta é a tese fundamental, que está para o trabalhismo como o postulado de Euclides estápara a geometria euclideana.

Eis por que poderíamos reduzir a três os objetivos finais do trabalhismo: primeiro,organizar verdadeiramente a sociedade, na base da cooperação e da solidariedade; segundo, emconseqüência, todas as formas de exploração econômica e social; terceiros, ser a cada um os meiosde imprimir ao seu trabalho o maior coeficiente de utilidade social, tornando-se credor daremuneração correspondente.

Duas ordens de Atividades: Produtiva e Improdutiva

Dentro dessa ordem de considerações, poderíamos, de um modo geral, dividir a sociedadeem dois grandes grupos: o grupo dos que cooperam com trabalho ou atividade socialmente útil, quedenominaram o grupo A; e o grupo dos que não contribuem com atividade dessa natureza, ouporque não trabalham e são simplesmente parasitas, ou porque a atividade que exercem não temutilidade social, não ocorre, nem direta nem indiretamente, para aumentar as condições e os meiosde bem-estar. Denominaremos a esse grupo, o grupo B. Dele ficam naturalmente excluídos os que,por este ou aquele motivo, não podem trabalhar.

O grupo A poderia ser designado como produtivo; o grupo B, como grupo improdutivo.

Sentido das palavras “Produtivo” e “Improdutivo”.

Desejo esclarecer e caracterizar o sentido em que são tomadas, para efeito dessaclassificação, as palavras “produtivo” e “improdutivo”, “produtividade”, e “improdutividade”,porque têm elas significações diversas, na linguagem dos economistas.

Para os fisiocratas, por exemplo, “produtivo” era apenas o trabalho aplicado à terra.Entendiam que o trabalho de um artesão cobria apenas o custo da produção e o salário de suasubsistência, ao passo que o trabalho do agricultor cobria o custo da produção, o salário de suasubsistência, produzido ainda um “excedente”, que era o rendimento líquido do proprietário da

Page 157: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

terra. Consideravam a indústria e o comércio em certo sentido, como atividades improdutivas.Tomou-se célebre a máxima de Turgot: “Só o agricultor produz algo mais de que o salário do seutrabalho. E, portanto, a única fonte de riqueza”.

Para Adam Smith a produtividade do trabalho residia na circunstância de incorporar àmatéria sobre que se exerce um valor adicional, transformando-a em mercadoria. Assim, o artesão,na manufatura que produz, acrescenta ao valor dos materiais o valor do seu salário e o lucro dopatrão. O trabalho, por essa forma, como que se fixa e se materializa em uma mercadoria de certaduração, que poderá ser vendida, pondo em movimento outra quantidade de trabalho equivalente.Segundo a tese de Smith, portanto, a atividade dos trabalhadores empregados em uma fábrica debatom seria produtiva, ao passo que o trabalho de um empregado doméstico ou de um médico seriaimprodutivo.

Outros economistas clássicos, como Stuart Mill, ampliam o conceito de trabalho produtivo,entendendo como tal o trabalho que se aplica em criar utilidades permanentes, que se incorporem aseres animados ou inanimados.

Em geral, para os economistas clássicos, produtivo é o trabalho que contribui, direta ouindiretamente, para a criação de riqueza material. O trabalho empregado para salvar um amigo, dizMill, não é produtivo, a não ser que ser trate de um trabalhador que produza mais do que consome.

Analisando essas concepções, observava Marx que, segundo a idéia capitalista, trabalhoprodutivo é o trabalho assalariado que produz a mais valia, isto é, que além de produzir o valorcorrespondente à subsistência do trabalhador ou força do trabalho, produz um excedente, que é olucro do capitalista.

Realmente, para o empregador capitalista, o trabalho do operário somente é produtivoquando produz algo mais do que o valor do próprio salário. Do contrário, não teria interesse em tê-lo ao serviço.

Costuma-se também falar em produtividade do trabalho em outro sentido. Para umadeterminada quantidade e tipo de equipamentos, isto é, de capital, a produção per capita podeatingir o seu ponto máximo com um determinado volume de ocupação ou número de trabalhadores.Daí por diante, aumentando-se esse número, poderá haver aumento da produção em valoresabsolutos, não, porém, em valores relativos, isto é, a produção per capita diminuirá. Diz-se entãoque a produtividade marginal do trabalho decresce, entendendo-se, por produtividade marginal, oacréscimo de produção resultante da adição de uma unidade de trabalho. A mesma noção deprodutividade física se pode aplicar ao capital. Se nos referirmos ao dinheiro, a produtividadesignificará um aumento ou decréscimo de lucro resultante de uma inversão adicional. Esses fatossão rotulados pelos economistas com o nome de “lei dos rendimentos decrescentes”.

Mas não é um nenhum dos sentidos indicados que estou empregando a palavra“produtividade”, neste momento. Com a expressão “atividade produtiva” pretendo simplesmentesignificar atividade que concorre para a produção de utilidades e serviços destinados a satisfazernecessidade e desejos humanos e à criação de meios de bem-estar. Creio que se poderia adotar afórmula de um economista moderno Gustav Cassel: para que um serviço se possa considerareconômico ou produtivo, o essencial é que contribua direta ou indiretamente para satisfazernecessidade humanas.

Nessas condições, a atividade produtiva tanto se pode aplicar à produção de bens deconsumo e uso diretos, como à produção de bens de consumo e uso indiretos, isto é, à criação demeios instrumentais de produzir.

As atividades empregadas na agricultura, na indústria, nos transportes são essencialmenteprodutivas. A intermediação, nos limites em que se presta um serviço necessário, dentro do atualsistema de organização econômica, poderá considerar-se indiretamente produtiva. Deixará de sê-lotodas as vezes em que houver excesso e ultrapassar as exigências da circulação ou esteja emoposição aos interesses dos produtores e consumidores. As atividades de mera especulação deverãoser consideradas absolutamente improdutivas.

As atividades compreendidas no conceito de serviço público poderão ser direta ouindiretamente produtivas na justa medida em que forem reclamadas pelas necessidades imperativas

Page 158: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

da organização política e administrativa da coletividade, condicionando, por essa forma, apossibilidade e a segurança das demais atividades ou contribuindo para a sua maior produtividade.Fora dos limites dessas exigências, serão atividades improdutivas. Todo excesso de burocracia éabsolutamente improdutivo.

O critério da produtividade nem sempre é um critério absoluto, mas relativo, nem é umcritério abstrato, mas concreto, devendo-se decidir, em face de condições e circunstânciasparticulares, se determinada forma de ocupação é produtiva ou improdutiva. Trata-se simplesmentede um princípio de orientação.

Há atividades essencialmente improdutivas mas de que nem sempre podemos Tais são, porexemplo, as que se relacionam com a defesa militar do país.

Caracterizado por essa forma o sentido em que estou empregando a palavra produtivodistinguir, no grupo A, grupo produtivo, aqueles cujas remunerações são inferiores ao valor socialdo trabalho produzido e neste caso está a grande massa dos assalariados; e aqueles cujasremunerações ultrapassam esse valor e nesse caso está o grupo capitalista. Na parte excedente, essasremunerações representarão ganhos sem causa, um enriquecimento indevido e, portanto, umainjustiça no sistema da distribuição.

Há porém, um fato fundamental: tanto os componentes do grupo A, como do Grupo Bconsomem bens e serviços que são o resultado do trabalho produtivo. Se consomem, é porquedispõem de poder aquisitivo. Ora, possuir meios de aquisição sem ter prestado um trabalhocorrespondente ao montante desses meios, é o que precisamente caracteriza uma forma deexploração. Poderíamos, pois, formular este princípio: o coeficiente de exploração existente emdeterminada coletividade é proporcional aos ganhos obtidos improdutivamente. E poderíamos aindaafirmar como corolário, que o bem-estar, expresso no grau médio de satisfação das necessidadesdos integrantes de uma coletividade, é inversamente proporcional ao coeficiente de exploraçãosocial, isto é, aos ganhos improdutivos.

Conseqüências da desproporção entre atividades produtivas e improdutivas

Poderia, à primeira vista, parecer que a distinção entre atividades, inversões e ganhosprodutivos e improdutivos tem um caráter meramente acadêmico, tanto que dela não se ocupa amaioria dos economistas modernos, que se limitam, em geral, a desenvolver a teoria daprodutividade marginal do trabalho, do capital e do dinheiro.

Na realidade, porém, não é assim, pois que a proporção entre essas duas categorias deganhos e inversões, tal seja o grau de desenvolvimento técnico-econômico de um país e o nível deocupação, tem grande influência nesse mesmo desenvolvimento, no padrão médio de vida, nadistribuição da riqueza produzida e no curso dos processos inflacionários, os quais, comoprocuraremos demonstrar, estão em função da forma de composição da renda nacional.

Composição da renda nacional

Todo trabalho ou atividade se traduz, economicamente, por uma forma de remuneração ouganho, ordinariamente expressos em moeda. A soma total das remunerações e dos ganhos em umpaís é o que constitui e se pode denominar, de um modo simplista, renda nacional.

O estudo da formação, distribuição, composição e aplicação da renda nacional é um doscapítulos mais importantes da economia.

Não desejo deter-me aqui no exame das diversas maneiras de conceituar a renda nacional,até porque para isso me faltariam conhecimento. Bastará observar que existem vários critérios paradefini-la e determiná-la. Costuma-se, em geral, considerar a renda nacional sob três aspectosdiferentes: como valor total do resultado ou produto líquido das atividades econômicas em umdeterminado período, e teremos então a renda produzida; como valor total das remunerações oupagamentos aos fatores da produção, compreendendo, portanto, salários, ordenados, juros,

Page 159: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

arrendamentos, lucros, etc. e será então a renda paga; como valor total dos bens e serviçosconsumidos, mais as inversões líquidas, e teremos a renda consumida.

Esta é a definição que encontramos no relatório referente à “Estimativa da Renda Nacionalno Brasil”, elaborado por Derksen, chefe da seção de estatística da renda nacional da ONU, com acolaboração de uma equipe de economistas nacionais.

Ousaria fazer aqui uma observação. Se conceituarmos a renda nacional como some totaldas remunerações aos fatores da produção, não sei como poderíamos incluir nesse conceito asremunerações dos elementos estranhos à produção, isto é, os ganhos que não derivam de umaatividade produtiva.

Por isso, prefiro definir a renda nacional simplesmente como a soma total dasremunerações ou ganhos, quer se originem de atividades produtivas, quer decorram de atividadesnão economicamente produtivas.

Numa coletividade em que todos os ganhos derivassem de atividades produtivas, nosentido que atribuímos a esta expressão, renda nacional e trabalho seriam expressões correlatas istoe, a soma monetária que representa a renda nacional seria o equivalente do valor monetário dotrabalho ou dos bens e serviços que são o resultado material desse trabalho. Assim, se se apurasseque, em 1950, como presumem as estatísticas, a renda nacional, no Brasil, foi de 170 bilhões,saberíamos que se produziram bens e serviços no valor de 170 bilhões. Na realidade, porém, issonão acontece, porque nessa cifra da renda nacional estão computados não somente os ganhosoriundos de atividades produtivas, mas também os derivantes de atividades improdutivas, isto e,que não contribuíram para a produção de bens e serviços economicamente úteis.

Se o Congresso, por exemplo, decretasse um aumento geral dos vencimentos e salários, aestatística acusaria um aumento da renda nacional, mas a esse aumento não corresponderia umaprodução adicional de utilidades e serviços.

É importante, por conseqüência, distinguir entre a parcela da renda nacional oriunda deatividades produtivas e a parcela oriunda de atividades improdutivas, cumprindo assinalar que nemsempre uma progressão da renda nacional significa, por isso, um aumento da produção ou do valorreal, dessa renda.

Valor monetário ou nominal e valor real da renda nacional

É preciso, pois, não confundir as variações monetárias da renda nacional com as variaçõesdo seu valor real, isto é, decorrentes de uma maior soma de trabalho produtivo.

Pode a expressão monetária ou nominal da renda nacional aumentar consideravelmente e,não obstante, diminuir o seu valor real, porque isso depende do poder aquisitivo ou valor dodinheiro. Sabem todos, por experiência própria, que, percebendo embora hoje salários ou ordenadosmaiores, logram adquirir menos do que podiam fazê-lo com salários ou ordenados menores emtempos passados. A renda expressa em cruzeiros aumentou, mas o poder aquisitivo do dinheirodiminuiu em uma proporção maior.

Um funcionário, letra H, por exemplo, percebe hoje um salário nominal que é mais aodobro (2,35) do que percebia em 1936. O salário real, porém, isto é, o seu poder aquisitivo,corresponde à metade do salário de 1936. Isso significa que, não obstante os aumentos sucessivos,esse salário em conseqüência da desvalorização da moeda, sofreu uma redução de 50%.

A ocupação improdutiva tende a aumentar

Em 1912, a renda monetária, per capita, no Brasil, segundo as estatísticas, era estimada em236 cruzeiros; em 1945, era de 1.343 cruzeiros. Feita, porém, a “desinflação”, isto é, comparado opoder aquisitivo do dinheiro dos dois anos, a renda real per capita era em 1912, 236 cruzeiros e, em1945, 207.

Do mesmo modo, em 1939, a renda per capita era, aproximadamente, de 695 cruzeiros;estima-se que, em 1950, tenha sido de 3.200 cruzeiros e, portanto, mais do quíntuplo. Reajustado,

Page 160: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

porém, o valor do cruzeiro, na base de 1939, a renda real per capita, em 1950, passa a ser de 848cruzeiros, o que nos diz que, em 11 anos, aumentou apenas de 22%.

Renda improdutiva e inflação

Isso significa que, no Brasil, a produtividade não acompanha o aumento demográfico dapopulação e que existe um acentuado desvio de atividades ou de ocupação para a improdutividade,o que é bastante grave para um país que está na fase inicial do seu desenvolvimento econômico.

A inflação gera o aumento monetário ou nominal da renda nacional, mas somente umamaior quantidade de trabalho produtivo ou o aumento de sua eficiência, pelo aperfeiçoamentotécnico, é que pode determinar um aumento da renda real. A renda real é função das atividadesprodutivas e traduz, portanto, o valor dos bens e serviços produzidos em determinado período.

Mas, paralelamente à renda produtiva, existe a renda improdutiva representada pelasremunerações e ganhos que não contribuíram para a produção de bens e serviços economicamenteúteis.

Poder-se-ia dizer, de um modo geral, que, para um determinado nível de ocupação, o poderaquisitivo do dinheiro aumenta na relação direta da renda produtiva e na relação inversa da rendaimprodutiva. Conseqüentemente, o custo da vida aumentará na relação direta da renda improdutivae na relação inversa da renda produtiva.

O desenvolvimento dessa tese nos levaria à conclusão de que o único e verdadeiro lastro damoeda é o trabalho produtivo e que, por conseguinte, o valor do dinheiro é dado pelo coeficiente detrabalho que ele encerra.

Mas o dinheiro é criado (e tomo aqui a palavra dinheiro no sentido de meios de aquisição)tanto pelas atividades e remunerações produtivas como pelas atividades e ganhos improdutivos.Donde se segue necessariamente a conclusão de que, quanto maior o volume destas últimas, maior éa diluição do valor do dinheiro ou o grau de usura exercido pelas atividades improdutivas sobre asatividades produtivas.

A inflação resulta de uma desproporção, em dado momento, entre a renda produtiva e arenda improdutiva. Esse fato nos leva a compreender melhor o seu mecanismo e a forma eficaz decombatê-la. A inflação, Sr. Presidente, é um dos maiores flagelos sociais e representa um pesadotributo lançado sobre as massas trabalhadoras e os assalariados em geral, E, na realidade, umaconfiscação traiçoeira dos salários. Uma política verdadeiramente trabalhista deve, portanto,procurar combater a inflação, não com uma terapêutica sintomática, mas atingindo as suasverdadeiras causas.

É esse o tema que pretendo desenvolver ulteriormente.

PASQUALINI, Alberto. A sociedade segundo o trabalhismo. Diário do CongressoNacional, Rio de Janeiro. 4 out. 1951.

Page 161: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Discurso no Clube do Comércio

Creio que devemos cultivar nossas tradições políticas, não no sentido partidaristaacidental, mas no seu significado fundamental, naquilo que revelam a tendência e a vocação dacausa pública e esse indomável sentimento de independência e de liberdade, que é uma dascondições e uma das garantias do regime democrático.

Este testemunho de simpatia que temos a ventura de receber de vossa generosidade temhoje para mim uma significação e um encanto particular. E que além da presença tão grata e tãohonrosa de tantas pessoas a quem voto admiração e afeto, tenho esta noite a meu lado, paracompartilhar do privilégio de vossa amizade e dos meus sentimentos de gratidão, uma companheira,que é também uma gaúcha autêntica, não apenas pela circunstância do nascimento ou dos laçosfamiliares, mas principalmente, pela sua afeição, pela sua fidelidade e pelo seu culto à terra, à gente,aos costumes e às tradições do Rio Grande do Sul.

Há entre todos nós este elo afetivo e indestrutível que nos une, esta marca que nosdistingue, esta condição de que nos orgulhamos: sermos filhos do Rio Grande do Sul.

Ser rio-grandense é, para nós, muito menos que um sentimento regionalista, mas muitomais do que um mero acidente geográfico. E a integração em uma determinada formação social epsicológica, a identificação com certo estilo de vida pública e privada, a responsabilidade peranteum passado de lutas e de sacrifícios, não em prol de interesses localistas, mas para independência egrandeza da Pátria e pelo aperfeiçoamento de suas instituições.

O rio-grandense é um ser político por excelência e com isso quero apenas significar que eletem a vocação da causa pública que é uma das manifestações superiores do instinto e do sentimentosocial. A esse sentimento se contrapõe, em pólo oposto, as tendências grupistas e - individualistas.Onde predominam essas tendências, a política, em vez de ser a ciência e a arte de organizar eorientar a sociedade no sentido de alcançar os seus objetivos superiores, não passa de um sistema deexpedientes ao serviço de interesses privados. Ela se torna então a forma degenerativa de umafunção e de uma atividade que deveria ser exercida em benefício da coletividade.

Eis que então os partidos políticos longe de exprimirem as diferentes concepções do bemestar coletivo e as diversas forças organizadas e atuantes para alcançá-lo, não passam de bandos quese disputam o poder, não como meio de realizar um ideal político e social, mas como fonte devantagens materiais, de negócios e de favores. São como certas sociedades anônimas, que seorganizam para benefício exclusivo dos seus incorporadores e dirigentes e onde o incauto acionista,que é o povo, nunca logra ver um magro dividendo, embora prometido com estardalhaço nofoguetório demagógico da praça pública.

Podemos com orgulho proclamar que não obstante nossos defeitos e certas práticasviciosas que ainda subsistem, o mercantilismo nunca se infiltrou na vida política do Rio Grande doSul.

Os homens do Rio Grande sempre souberam ser fiéis aos seus ideais políticos, pelos quais,muitas vezes, como o atestam as páginas de nossa História, deram o seu sangue e a sua vida. Porsermos capazes de divergir até de armas na mão, sabemos nos compreender e nos respeitar. Setransigirmos, não o fazemos na base de negócio, mas do interesse público. Quando vencedores, não

Page 162: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

somos arrogantes; quando vencidos, não rastejamos aos pés do vencedor, não perdemos a dignidadee a compostura.

A função pública, no Rio Grande, sempre foi exercida com decência e honestidade. Aquinão são sequer as exceções que confirmam a regra. Nossos homens públicos e nossos funcionáriosjamais macularam o serviço público, mas sempre souberam dignificar os cargos de que foramdepositários. Poderíamos citar, como exemplo coletivo dessa verdade, nossa austera magistratura,padrão eloqüente de integridade e de fidelidade à causa do direito e da justiça.

Seria desprimoroso, injusto e deselegante se reivindicássemos para nós rio-grandenses,qualquer superioridade moral ou qualquer primado patriótico, mas o que cumpre reconhecer e,todos reconhecem, é que as contingências geográficas, nossa formação histórica e, possivelmente,nossa estrutura econômica, acentuaram, no Rio Grande, certos traços da alma brasileira,desenvolvendo e aguçando o seu sentido político, isto é, a preocupação e o interesse pelas questõesque concernem ao bem-estar da coletividade, embora encarado, muitas vezes, sob ângulosdiferentes.

Creio que devemos cultivar nossas tradições políticas, não no seu sentido partidaristaacidental, mas no seu significado fundamental, naquilo que revelam a tendência e a vocação dacausa pública e esse indomável sentimento de independência e de Uberdade, que é uma dascondições e uma das garantias do regime democrático.

Onde não existe idealismo, onde a atividade pública não é um ato de renúncia, dedesprendimento e quase uma missão apostolar, o poder político se tomará sempre o monopólio decorrilhos, de grupos econômicos, um jogo do mercantilismo e da aventura. E então os órgãos daadministração, como ainda ontem assinalava em sua alocução radiofônica o Sr. Presidente daRepública, existirão apenas para defender interesses pessoais, proteger apadrinhados e enriquecer osespeculadores.

Não irei repetir o chavão, que se ouve e se lê todos os dias, que vivemos a era das grandestransformações sociais. Mesmo porque essas transformações não são de agora, começaram com aprópria humanidade e a acompanharão até O fim dos séculos. O importante é descobrir o seusentido fundamental, isto é, o rumo que segue a evolução da humanidade e de suas instituições.

Creio não ser difícil perceber que a história da humanidade em sua significação essencial, éum processo de nivelamento: nivelamento jurídico, nivelamento político, nivelamento social,nivelamento econômico.

A humanidade tende para a igualdade, talvez como uma série matemática tende para umlimite, como os pontos da hipérbole tendem para a assíntota, à medida que avançam para o infinito.

A sabedoria, portanto, consistirá em facilitar esse processo e será estultice e coisa vã tentaropor-lhe resistência, como o seria pretender contrariar a lei da gravidade ou alterar a trajetória doscorpos celestes. A natureza conduz os que lhe seguem as leis; arrasta os que a elas se opõem:volentes ducit, nolentes trahit.

A verdadeira política consistirá, pois, em orientar nossa ação de acordo com a tendênciaevolutiva da sociedade, ritmando-lhe o processo e facilitando-lhe o desenvolvimento.

Encarando a política sob esse ângulo universal, quase diria sub specie aeternitatis,poderíamos dizer que é ela a ciência e a arte de promover, dentro das contingências de tempo e delugar, as reformas sociais em ordem a realizar o contínuo ajustamento das instituições políticas ejurídicas e da estrutura econômica ao sentido fundamental da evolução humana.

Essa é a função e a missão do verdadeiro estadista, que se distingue do político comum naparticularidade de que este encara os fatos e as situações segundo o critério oportunista dasconveniências momentâneas, ao passo que aquele os considera com a visão e as perspectivas dofuturo. No que particularmente respeita ao Brasil, é preciso sempre não esquecer que o futuro é aquarta dimensão em que deverão ser equacionados os seus problemas fundamentais.

Se reconhecermos que o verdadeiro objetivo da política é coordenar os meios de assegurarà sociedade um grau sempre crescente de segurança e de bem-estar; se visa assentar as bases, asestruturas e as instituições que devem garantir a liberdade, estabelecer o equilíbrio econômico e

Page 163: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

promover o aperfeiçoamento moral do homem e a paz entre as nações, então a política, no seusentido mais elevado e mais profundo, será a própria técnica da solidariedade humana.

Esta é a política que deve ser estudada, compreendida e seguida sobretudo pela mocidade,que se não deve deixar envenenar e corromper por aquela outra política, que é a sua antítese e a suacontrafação; que é o seu lado oposto e caricato, porque se resume, muitas vezes, num facciosismoestreito, mesquinho e odioso; porque nada mais é do que um entrechoque de interesses e de apetites,um processo de corrupção e de aviltamento moral, a ciência de mascarar as próprias conveniênciase ambições sob o disfarce do interesse coletivo, uma arte de enganar, uma escola de bajulação e desabujismo - a técnica, enfim, de mistificar o povo, de anestesiar-lhe a consciência e os sentidos,enquanto é espoliado e sacrificado.

Essa espécie de política deve ser combatida e banida, como uma das maiores chagas doorganismo nacional.

Mas parece-me que estou cometendo uma impropriedade fazendo considerações destanatureza nesta reunião de finalidades puramente afetivas. E que a sua causa, embora indireta, é umacausa política, é um abraço de despedida por ter de afastar-me temporariamente de vosso convíviopara exercer um mandato político que foi conferido por uma parcela do povo rio-grandense.

Quando vejo, aqui no Rio Grande e fora dele, tantas expressões de sua intelectualidade ede sua cultura, tantos expoentes de suas atividades econômicas, das profissões liberais e do seuhonrado funcionalismo; tantos lutadores da causa pública, humildes uns e outros que já se podemconsiderar vultos históricos, pergunto a num mesmo se não irei usurpar o lugar que, por direito,deveria caber a um desses rio-grandenses ilustres.

Levo como modesta credencial apenas o meu idealismo, um pequeno breviário de idéias ede diretrizes, a sinceridade de minhas convicções e o grande desejo de ver nossa Pátria organizadaem outras bases, onde a justiça social seja uma realidade viva e não simplesmente uma figura deretórica, um enfeite literário para adornar os programas partidários e as plataformas políticas; ondea justiça e a solidariedade social não se traduzam apenas na sopa do mendigo, no asilo daorfandade, no Natal da criança pobre, no cartão do prócer político recomendando empregos para aclientela eleitoral. Mas, que sejam a garantia do trabalho que deve ser um direito para todos e nãouma dádiva que se implora como uma graça; que seja a eliminação da exploração humana, oequilíbrio das relações econômicas, a morte do parasitismo, a segurança do futuro, a dignidade, aalegria e a felicidade de viver.

No cumprimento do meu dever, dentro da modéstia de minhas possibilidades, procurareiter sempre presente o preceito de Marco Aurélio: seguir o que é justo, dizer o que é verdadeiro. Emdefender a justiça, que deve ser principalmente o escudo dos fracos e dos humildes, e em proclamara verdade, não poderei admitir interferências ou limitações. E se um dia se criar umaincompatibilidade entre minha consciência e a conduta a seguir ou se me convencer da inutilidadede lutar pêlos ideais que abracei, então só me restará devolver humildemente ao nobre e altivo povodo Rio Grande o mandato que a sua generosidade me confiou.

Não sei como poderia agradecer a formosa oração do meu querido amigo. Dr. Luiz LopesPalmeiro, uma das inteligências moças e privilegiadas do Rio Grande. Suas palavras expressas coma elegância de estilo e o brilho que lhe admiramos, foram um transbordamento de indulgência e degenerosidade que incentivam a não abandonar o campo da luta.

Minha senhora e eu vos agradecemos o encanto desta noite em que nos distinguistes com ahonra de vossa presença e os requintes de vossa atenção e de vossa fidalguia. Guardaremos delauma recordação inesquecível. Será a lembrança de vossa bondade e também a imagem semprepresente e sempre viva de nosso querido Rio Grande.

PASQUALINI, Alberto. Creio não ser difícil perceber que a história da humanidade é umprocesso de nivelamento. Diário de Notícias, Porto Alegre

Page 164: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

O Problema da Moradia

Assegurar a cada família habitação higiênica, decente e confortável, constitui umdos imperativos do nosso tempo. O Estado ou os governos que não conseguiremrealizá-lo terão falhado em uma de suas importantes missões sociais.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Sr. Presidente, meus nobres colegas, desejo, com asconsiderações que vou fazer, analisar alguns aspectos do problema da moradia, sobretudo o dofinanciamento da habitação para o trabalhador, aspecto que se relaciona com um tema mais amplo emais geral, qual o da organização estatal do crédito para objetivos sociais e assistências.

Um dos direitos fundamentais do homem é o direito de estar, isto é, o direito de ocuparcerta porção do espaço físico, como condição da própria existência material.

Esse direito, nas suas conseqüências e nos seus corolários lógico-sociais deve traduzir-se,no mundo moderno pelo direito de cada um a ter sua moradia para nela abrigar a família e constituiro seu lar.

Não seria suficiente, porém, o reconhecimento teórico e jurídico desse direito desde que aquestão não pode, em nossos dias, ser colocada apenas em termos de possibilidade, mas deve serposta em termos de efetividade. Eis por que uma sociedade bem organizada deve criar todas ascondições e proporcionar os meios para que esse direito possa ser concretizado.

O problema da moradia não existe para as classes abastadas, que podem desfrutar doconforto dos palacetes e dos apartamentos de luxo. E um problema típico das classes proletárias dosque vivem de salários ou vencimentos médios e inferiores. Para estes últimos, as dificuldades setomam, dia a dia, mais angustiantes.

As despesas de moradia não trazem maiores preocupações aos orçamentos das pessoas quepossuem rendas elevadas, mas podem causar graves desequilíbrios nos orçamentos dos grupos demenor capacidade econômica.

Se examinarmos a distribuição das diversas despesas num orçamento doméstico,poderemos desde logo verificar que, quanto menores os ganhos de uma pessoa ou de uma família,maior é a percentagem desses ganhos que deve ser gasta na alimentação. Já no século passado oeconomista e estatístico alemão Engels formulou a conhecida lei segundo a qual as despesas dealimentação estão, percentualmente, na razão inversa dos salários. Isso significa que, se o salário formuito baixo, quase todo ele deverá ser gasto em alimentação.

Quando, em conseqüência da desvalorização da moeda, decresce o valor real ou o poderaquisitivo dos salários o trabalhador se vê na contingência de reduzir as demais despesas inclusivede moradia, forçado que é a aplicar maior percentagem dos seus ganhos em alimentação. Por outrolado a propriedade imobiliária “valoriza-se” aparentemente, por efeito da depreciação monetária e,realmente, em face da maior procura dos que pretendem aplicar nela o dinheiro, para fugir dosefeitos da inflação.

A desvalorização dos salários e a valorização da propriedade e, portanto, a elevação dosaluguéis, obriga o trabalhador, sobretudo nos grandes centros urbanos, a deslocar-se para as zonasperiféricas ou para as áreas cujo valor esteja na paridade de sua capacidade de pagar despesas de

Page 165: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

moradia. Quando essa capacidade tende para zero, é a população pobre forçada a procurar abrigoem lugares praticamente abandonados e cuja ocupação pouco ou nada lhe custe.

As classes de menores recursos são gradativamente expulsas das zonas que se valorizampara as áreas que, por suas condições ou situação, ainda pouco valem ou estão momentaneamentesem utilização. Eis por que aqui, no Rio, enquanto a cidade se estende, se ergue para o alto, nasuntuosidade e imponência de suas edificações, as encostas dos morros se cobrem de andrajos parareceber e abrigar a população humilde que neles se refuga, acossada pelos arranha-céus.

O desenvolvimento das cidades determina um processo de deslocamento. Os grupos quevão adquirindo maior capacidade econômica, tendem a deslocar os grupos de rendimentos menorespara as zonas menos urbanizadas e para as habitações de categoria inferior. Assim, os grupos desalários ou de rendimentos superiores tendem a empurrar os grupos de salário médio para ashabitações sofríveis, os grupos de salário médio empurram por sua vez, os grupos de baixos saláriospara as habitações miseráveis.

Esse movimento poderia, dentro de certos limites, considerar-se um fato natural. Ocorre,porém, que pode ele adquirir um ritmo anormal e acelerado nos períodos inflacionários, pois, então,a pressão centrífuga estará na razão direta da valorização da propriedade e da desvalorização dossalários.

Uma das conseqüências da inflação que produz esse duplo efeito, é a marginalização dahabitação, isto é, a inflação joga continuamente uma grande massa de proletários para as habitaçõesmiseráveis, ou seja, fora da margem do que deveria ser uma habitação humana.

Segundo as estimativas correntes, surgiram nas favelas do Rio de Janeiro, no período de1940 a 1950, cerca de 27.500 casebres, abrigando presumidamente 110.000 pessoas (4 por barracosegundo a média verificada). Pelo censo de 1950, a totalidade da população das favelas era de186.000 pessoas o que quer dizer que no decênio 1940-1950, o aumento foi de 150%.

Ora, foi precisamente nesse período que se verificou o tremendo impacto inflacionário quequadruplicou o custo de vida, elevando-se o papel-moeda em circulação de 5.186 milhões para31.202 milhões.

Há, sem dúvida, outras causas concorrentes que influem na formação dessas cidadescaricaturais que levam para o alto dos morros o protesto da pobreza e da miséria contra a dosarranha-céus. Há as migrações do interior para as cidades, mas não devemos que se elas seprocessam, é porque se está operando um crescimento urbano brado à custa do estiolamento docampo.

Os recursos monetários do País tendem, por efeito da própria inflação, que os atrai para ossetores mais especulativos, e por efeito da defeituosa organização e distribuição do crédito, aacumular-se nas grandes cidades e nas mãos de grupos reduzidos. O Distrito Federal, por exemplo,concentra 40% do movimento bancário, ao passo que em Mato Grosso não atinge 0,4 %. Isso nosexplica, em parte, porque com o valor de um metro quadrado de terreno em Copacabana sepoderiam adquirir 10 milhões de metros quadrados de terras em Mato Grosso. Certas cidades seagigantam mas o interior, de um modo geral, permanece estacionário e abandonado. A agricultura,em razão do defeituoso regime de distribuição das terras, da carência de crédito adequado e derecursos de toda a ordem, está impossibilitada de libertar-se dos métodos primitivos, irracionais eantieconômicos de produzir. Não consegue reduzir os custos de produção, sobretudo os custosparasitários para os quais contribuem, com elevados coeficientes, as pesadas taxas de juros. Está,por isso, impossibilitada de oferecer os seus produtos ao nível da capacidade aquisitiva do mercadointerno e da paridade do mercado internacional.

Este último fato cria problemas difíceis em nossa vida de relação com as demais nações epara os quais se adotam ou se propõe, freqüentemente, soluções artificiais ou de emergência quetenderão a manter e a agravar a situação e a jogar novas e mais tremendas cargas sobre o povo. Etudo isso para salvar um sistema produtivo organizado em bases econômicas e socialmente falsas.

Nas grandes cidades continua-se a levantar febrilmente arranha-céus, a construirapartamentos e vivendas suntuosas, a congestionar as vias públicas de automóveis de luxo, a encher

Page 166: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

as lojas de artigos de importação, formando tudo isso a maquilagem que disfarça o pauperismonacional.

O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - Permite V. Exa um aparte?

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Com o maior prazer.

O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - No entanto, na última sessão desta Casa, o Senador AssisChateaubriand asseverou que os males atuais da nossa agricultura eram decorrentes da pequenapropriedade, e que só a grande propriedade nos poderia salvar desta situação.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Naturalmente, esse é o ponto de vista do Senador AssisChateaubriand.

Desviam-se de aplicações mais produtivas, mais necessárias e de maior sentido econômicoe social as disponibilidades monetárias que representam, em última análise, o trabalho do povo.

Não sei como poderá desenvolver-se uma economia e como poderá aumentar o bem-estarde uma coletividade que se acha premida e esmagada, se me posso exprimir assim, entre doislatifúndios: O latifúndio horizontal e o latifúndio vertical; entre os que exploram o direito depropriedade da terra, impondo aos que dela necessitam, preços abusivos, arrendamentosescorchantes ou parcerias leoninas, e os que exploram as disponibilidades monetárias subtraindo-asdas atividades produtivas para erguer luxuosos arranha-céus, para especular sobre essa fictíciavalorização imobiliária provocada pela inflação e que somente nas transações realizadas em 1951produziu lucros de cerca de três bilhões de cruzeiros.

Voltando ao tema destas considerações, cumpre ter sempre presente que, para umdeterminado nível de salário, a despesa de moradia não pode ser superior a determinadapercentagem desse mesmo salário.

Se investigarmos o custo da ração alimentar necessária a uma pessoa para não viver emregime de fome, verificaremos que uma família proletária de quatro pessoas, com um orçamento dedois mil cruzeiros, não poderia, em rigor, numa grande cidade, em face do atual custo de vida, pagardespesas de moradia.

As observações estatísticas indicam que os salários de maior freqüência entre ostrabalhadores não alcançam dois mil cruzeiros. Creio que isso explica a marginalização dahabitação, isto é, o deslocamento das massas proletárias de salários inferiores para as habitaçõesmiseráveis, onde os gastos de moradia são reduzidos e às vezes inexistentes.

As favelas do Rio, com uma população de duzentas mil almas servem de ilustração à tese.Segundo o censo realizado pela Prefeitura, em 1948, nem 5% dos elementos ativos

percebiam salários superiores a 1.500 cruzeiros. Esse fato nos esclarece a razão pela qual, de acordocom o mesmo censo, 62% dos moradores não pagavam aluguel e os aluguéis superiores a 200cruzeiros não chegavam a 1 %. Os barracos de valor até 2 mil cruzeiros representavam 64% datonalidade e não alcançavam 5% os de valor superior a 10 mil.

Seria um erro supor que as favelas sejam ajuntamentos de vadios e malandros. Apopulação ativa das favelas é de aproximadamente 100.000 pessoas. O grupo predominante é o dosindustriários com cerca de 50% e dos quais, aproximadamente, 20.000 são empregados emindústrias de construção.

A formação dessas latolândias ou cidades marginais não é uma característicageomorfológica do Rio de Janeiro. O fenômeno se verifica, com maior ou menor intensidade, emquase todos os grandes centros urbanos. Em Porto Alegre, por exemplo, não se conheciam as“malocas” até 1942, quando começaram a sentir-se, por lá, os efeitos da inflação. Hoje, PortoAlegre possui cerca de 3.000 dessas habitações humildes com uma população de cerca de 15.000almas.

Fato grave também se verifica com relação a certos grupos de salário médio. Essaspessoas, em razão de sua condição social e de suas ocupações, são obrigados, por vezes, a morar

Page 167: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

não muito longe do núcleo central das grandes cidades e em habitações razoavelmente decentes. Eocorre que a moradia passa a constituir quase o problema fundamental, e então, em vez de despesasde alimentação condicionarem as de habitação e terem sobre elas prioridade, dá-se o inverso: Corta-se na alimentação para poder atender a aluguel. Essa é uma das razões pelas quais grande parte dapopulação dos centros urbanos está sujeito a um permanente regime de subnutrição, com todas asconseqüências que lhe são decorrentes.

Assegurar a cada família habitação higiênica, decente e confortável, constitui um dosimperativos do nosso tempo. O Estado ou os governos, que não conseguirem realizá-lo, terãofalhado em uma de suas importantes missões sociais.

Aqueles que não possuem economias acumuladas - e isso ocorre com a classe proletáriaem geral - só poderão adquirir a moradia com economias futuras, isto é, reservando para esse fimuma parcela dos salários e obtendo uma antecipação dessas economias através de empréstimos. Aparcela que pode ser reservada para esse fim não tem, praticamente, nenhuma elasticidade parasalários inferiores a certo nível.

Uma família proletária de 4 a 5 pessoas, com uma renda global de 3 mil cruzeiros, nãopoderia, em rigor, gastar atualmente, mais de 10% em moradia, quer seja aluguel ou amortização.

O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - Permite V. Exa um aparte? (Assentimento do orador.) - V.Exa tem toda razão. E o que sucede com o pequeno funcionalismo.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Que está, aliás, incluído na classe proletária.Duas são as causas que tomam praticamente incessível a aquisição de moradia aos grupos

de menor capacidade econômica: uma, é a ausência de crédito e de recursos substanciais para essefim; outra, são os juros que se exigem nos financiamentos.

Os Institutos de Previdência, por exemplo, poderiam ter entre as demais finalidadesespecíficas, a de financiar a aquisição da casa própria aos associados. Para isso teriam de utilizarsuas reservas técnicas.

Ora, a reserva técnica de um Instituto, nas bases em que estão organizadas, precisamproduzir certo rendimento, considerado atuariamente necessário ao custeio dos seus serviços. Esserendimento está na ordem de 5 a 6%. Na melhor das hipóteses, os Institutos poderiam realizar osfinanciamentos na base de 7 ou 8%.

As caixas econômicas estão em situação análoga, ou, talvez, mais desfavorável, pois giramcom depósitos sobre os quais abonam juros. Como operam com depósitos as garantias devem sermaiores. Por isso, as caixas econômicas emprestam a juros elevados, não inferiores a 9%, efinanciam apenas uma parte do valor do imóvel. Quem não possui a parte restante - e nesse casoestá a quase totalidade dos que possuem rendimentos inferiores e médios - não se poderá valer dosfinanciamentos da Caixa Econômica, que, por isso mesmo, se tomam apenas acessíveis aos quecontam com recursos e rendimentos superiores.

O Sr. Alfredo Simch - Muito bem!

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Temos a Fundação da Casa Popular criada para o fimespecífico de proporcionar a casa própria aos grupos de salários inferiores, compreendidos nessacategoria os que percebem menos de 60 mil cruzeiros anuais.

Não é meu intuito analisar aqui essa instituição, sua organização e seu funcionamento.Desejo apenas sublinhar que, de um modo geral, os financiamentos têm sido feitos na base

de 7 e 8%, prazo de 20 anos e que, nessas condições, incluindo-se ainda as taxas de seguro de vida,de seguro contra fogo e taxas prediais, a mensalidade toma-se excessivamente onerosa e fora doalcance da maioria dos trabalhadores. E preciso não esquecer que 80% deles, incluído ofuncionalismo público, percebem salários ou vencimentos inferiores a dois mil cruzeiros. O saláriomédio dos comerciários, por exemplo, é em todo o País de 1 .083 cruzeiros, sendo ainda inferior odos industriários e o dos trabalhadores rurais. Em rigor, como observei, nas grandes cidades, onde o

Page 168: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

problema é mais premente, a maioria dos trabalhadores, dado o baixo nível de salários, não poderiapagar despesas de moradia, sem reduzir, além do limite crítico, as despesas de alimentação.

A Fundação não concede financiamento desde que a amortização e demais despesasabsorvam mais de 25% do salário. E como se vê, muito otimismo, supor que a média dostrabalhadores possa aplicar essa percentagem em despesas de moradia.

Para tomar financeiramente acessível a moradia aos trabalhadores de baixos salários, aFundação projetou um tipo de habitação cujo custo, no Rio, é de, aproximadamente, 30 milcruzeiros, excluindo o terreno. E um barraco melhorado e mais higiênico. A mensalidade seria de300 cruzeiros, importância que, a meu ver não pode ser gasta em moradia por uma família quetenha um orçamento inferior a três mil cruzeiros, sem que se sujeite a privações e a uma deficiênciaalimentar que caracteriza fisiologicamente a fome.

O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - Muito bem!

O SR. ALBERTO PASQUALINI - A Fundação da Casa Popular luta contra doisobstáculos insuperáveis para realizar o objetivo que a lei lhe prescreveu. O primeiro obstáculo é acarência de recursos. Foi-lhe atribuído inicialmente um capital de 2 bilhões. Na realidade, foi umcapital simbólico, porque a Fundação pode contar apenas com 3 milhões, um empréstimo de cercade 180 milhões dos Institutos de Previdência aos juros de 5,5% e uma pequena receia dacontribuição de 1% sobre as transações imobiliárias, abolida pela Lei n° 1.473, de 24 de novembrode 1951.

Essa mesma lei previu recursos orçamentários para a Fundação no montante de 1 bilhão e100 mil cruzeiros, distribuídos por dez anos, numa escala decrescente, de modo que a contribuição aser entregue no corrente exercício será de 200 milhões e a última, em 1951, será de 20 milhões.Partindo da pressuposição de que os financiamentos se realizem na base de 6% e prazo de 20 anos,a Fundação disporá de um capital rotativo, entre dotações orçamentárias e receita de amortizações,de 200 milhões anuais, o que lhe permitirá, num decênio, realizar financiamentos no montante de 2bilhões.

Esses recursos são irrisórios em face da magnitude do problema e da extensão dasnecessidades. Se admitirmos que o custo médio da casa popular, construída em massa, seja, hoje,excluído o terreno, de 50 mil cruzeiros - o que é uma cifra muito baixa -, veremos que, com essesrecursos, em 10 anos, não poderá a Fundação construir ou financiar mais de 40 mil unidades. Ora,de muito mais do que esse número precisaria, nesse período, o Rio de Janeiro para resolver oproblema das favelas. Não se pode pensar em contribuir substancialmente para resolver o problemada morada popular sem, pelo menos, quintuplicar esse quantitativo.

O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - V. Exa permite um aparte? (Assentimento do orador.)

Acho estranhável que a Lei n° 1.473, de 24 de novembro de 1951, concedendo os créditospara a Fundação da Casa Popular tenha admitido o critério decrescente, isto é, no primeiroexercício, 200 milhões de cruzeiros e, ao chegar ao 10° exercício, apenas 20 milhões. Ora, oproblema. Como V. Exª muito bem está expondo, é complexo e só vejo, daqui por diante,possibilidades de crescimento da necessidade das casas populares. Conseqüentemente, como está, alei é uma verdadeira contradição com os fatos.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Exato. Devo ainda esclarecer a V. Exa que a Fundaçãoda Casa Popular tinha um plano decenal para resolver o caso das favelas. Previa a construção desessenta mil casas e a inversão necessária seria de dois bilhões e cem milhões de cruzeiros.

É necessário organizar um programa de maior envergadura, buscando para isso os recursosfinanceiros onde podem ser coletados e planejando, em 10 anos, a construção de, pelo menos, meiomilhão de moradias populares higiênicas e confortáveis, porque, afinal, a higiene e o conforto nãodevem ser privilégio dos afortunados.

Page 169: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Esse seria um programa digno de um governo trabalhista ou de qualquer governo que secompenetrasse da premência e da gravidade da situação em que se debatem as massastrabalhadoras.

Sem a mobilização de recursos fundamentais, tudo não passará de promessas, delongas efantasias.

O Sr. Flávio Guimarães - A construção da casa popular está sendo financiada pelas caixaseconômicas e, também, pelas autarquias, contribuição essa que não entrou na argumentação de V.Exa que se restringiu à Fundação da Casa Popular.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Acabei de observar há pouco que os financiamentosdas caixas econômicas e das autarquias são inacessíveis à maioria de trabalhadores, em razão dosjuros que se cobram dos mesmos.

O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - V. Exa está coberto de razão. O que declarou é um fato.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Demonstrarei isso no decurso de minha ora.

O Sr. Flávio Guimarães - Deve-se levar em conta o número de habitações construídas pelaFundação da Casa Popular, pelas caixas econômicas e pelas autarquias, de que falam as estatísticas.

O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - São insuficientes e o mal é perceptível, porque os juros,agravando a situação das classes desfavorecidas, não permite a construção de casas populares.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - O crédito para finalidades sociais e assistenciais nãodeve ser organizado artificiosa e isoladamente, mas deve ser enquadrado dentro do sistema geral deorganização de crédito e inspirado em uma orientação e diretrizes racionais e unitárias, em razãodas conexões existentes entre as diferentes modalidades e aplicações de créditos e suas repercussõeseconômicas e sociais.

A organização estatal do crédito deve ter como base o controle de uma parte substancialdas disponibilidades monetárias existentes sob a forma de depósitos bancários ou sob outras formas,quer sejam líquidas, flutuantes, forçadas ou voluntárias, desde que estejam no mercado e deveainda, sobretudo nas fases inflacionárias de conjuntura, assentar-se em uma política fiscal enérgicaque vise dar pelo menos a uma parte dos lucros e rendimentos a sua verdadeira função.

Receiam alguns que isso equivalha a um processo de descapitalização. Na realidade, adescapitalização se opera com as despesas públicas totalmente improdutivas, e com os bilhõesgastos pela classe capitalista no supérfluo, no luxo e na dissipação.

O segundo obstáculo - é esse o aspecto principal destas considerações - são os juros queincidem sobre os financiamentos, impedindo o trabalhador de adquirir moradia.

O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - Muito bem.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Para determinado montante a amortizar a mensalidade éfunção do prazo e das taxas. Tomando-se como base o prazo de 20 anos, veremos que umfinanciamento de 50 mil cruzeiros a 6% exigirá, pela Tabela Prise, uma amortização mensal dequase 360 cruzeiros. Isso significa que, no fim de 20 anos, o mutuário terá desembolsado 86 milcruzeiros. Terá pago 36 mil cruzeiros só de juros, o que representa 150 cruzeiros por mês, isto é,mais de 40% da mensalidade.

O Sr. Flávio Guimarães - Se não houver pagamento de juros, mesmo à taxa de 6%, não épossível obter casas, porque o Banco ou a Caixa Econômica pagam esses juros aos depositantes.Este é o problema.

Page 170: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Acabei, há pouco, de observar que as caixaseconômicas não podem, em rigor, realizar financiamentos para a aquisição da casa popular, emrazão dos juros que devem pagar aos depositantes. Se a taxa média de juros for de 5% e as despesasde administração 2 ou 3%, as caixas econômicas não poderão financiar a taxas inferiores a 8 ou 9%.

O Sr. Flávio Guimarães - Entende, pois, V. Exa, que não somente a Fundação da CasaPopular mas também as autarquias não deveriam cobrar juros?

O SR. ALBERTO PASQUALINI - A Fundação da Casa Popular é que não deveria cobrarjuros, desde que os seus recursos não são onerosos.

O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - Fora desse terreno, tudo será ilusório.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Uma amortização de 360 cruzeiros por mêscorresponde a 18% de um salário de 2.000 cruzeiros, a 24% de um salário de 1 .500 e a 33% dosalário médio dos comerciários. Só a parcela correspondente aos juros equivaleria a mais de 12% dosalário mínimo do Distrito Federal.

Computadas as demais despesas que devem ser incluídas na mensalidade, concluir-se-áque, na base dos atuais níveis de salários e do custo de vida, a casa própria, ainda que seja umbarraco melhorado, será inacessível à maioria dos trabalhadores ou então lhes custará privações esacrifícios que não estão em condições de suportar.

Chego, agora, à conclusão fundamental destas observações e que aponta a necessidadeabsoluta de eliminar os juros nos financiamentos destinados à aquisição da casa popular.

Quando muito, se o salário o comportar, poderá ser cobrada uma pequena taxa deadministração.

Vou reservar para outra ocasião a justificação doutrinária da eliminação dos juros emfinanciamentos dessa natureza e de modo geral de todos os financiamentos de caráter social eassistencial. O que agora apenas desejo acentuar é que o juro constitui um dos obstáculos que tornainacessível a casa própria à grande maioria das pessoas de poucos recursos, o que constituiria, deper se uma razão suficiente para que o Estado organizasse o crédito de tal forma que, nesses casos,fosse eliminado.

O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - V. Exa terá o meu apoio integral na Comissão de Trabalho ePrevidência Social. O ponto de vista que defende merece toda a minha simpatia, e acredito ser oúnico que atende realmente ás necessidades do operariado brasileiro.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Muito obrigado a V. Exa.Tudo que o trabalhador puder reduzir em despesas de moradia poderá empregar no

atendimento de outras necessidades e na aquisição de maior quantidade de utilidades. Liberar poresse modo uma parte dos salários será uma forma de aumentá-los e de distribuir por maior númerouma capacidade aquisitiva adicional; será uma forma de aumentar as possibilidades do consumointerno e de que depende fundamentalmente nosso desenvolvimento agrícola e industrial. Nãodevemos esquecer que a grande massa da população consome o que produzimos internamente, aopasso que são as camadas de maior potencial econômico que consomem os produtos de importação.Reforçar o poder aquisitivo da massa, com a redistribuição adequada de uma parte dos excedentesdos grupos privilegiados, constitui pois, não apenas um imperativo social, mas também medida desábia política econômica.

Observei, no curso destas considerações, que a inflação agrava extraordinariamente oproblema da moradia, porque reduz o poder aquisitivo dos salários e valoriza a propriedadeimobiliária. O proletariado sente os efeitos, mas não conhece a engrenagem dessa máquina infernal,que é o sistema econômico vigente. Não pode saber, que significa a inflação. Mas, não estaria longeda verdade se se convencesse de que é um meio de tirar das migalhas dos pobres para aumentar a

Page 171: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

fortuna dos ricos, que é um meio de aumentar os lucros à custa dos salários, que é um meio dealimentar todas as formas de parasitismo que é um meio de financiar negociantes e patifarias entreelas a mais cruel e monstruosa de todas, que é a guerra ou sua preparação e isto à custa do trabalhoe do sofrimento do povo.

O Sr. Attilio Vivacqua - Permite V. Exª um aparte? (Assentimento do orador.) - Estouapreciando a brilhante e profunda oração de V. Exa. O problema encontra, também, grandesdificuldades na questão fiscal. Acredito mesmo que a necessidade da construção de habitaçõespopulares exigirá, amanhã, uma reforma constitucional, a fim de estabelecer-se a cooperação daUnião, dos Estados e dos Municípios nos seus diversos aspectos, inclusive no que diz respeito àfixação do homem no interior abrangendo a solução de outro problema gravíssimo: o da habitaçãorural, com o fim de atrair o homem para a terra. Desejava dar este aparte, não só para manifestar omeu interesse pelo discurso de V. Exa como para fixar esses pontos, que considero os maisimportantes da questão.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - V. Exa tem toda razão, e muito agradeço o aparte.E de duvidar que os beneficiários da inflação tenham o sincero propósito e o interesse de

combatê-la. Falam e pregam muitas vezes contra ela, mas devem sentir-se intimamente satisfeitosquando vêem suas propriedades e bens valorizar-se, quando os balanços acusam o contínuoaumento dos lucros fáceis, quando há indícios de que se alargam sempre mais o campo e asoportunidades de especulação.

Ao falar em especulação, não me refiro aos açougueiros, aos vendeiros e aos feirantes: nãodevemos pensar no comércio varejista, que por estar em contato direto com o público éfreqüentemente o bode expiatório. E ele tão responsável pela alta contínua dos preços como oscristãos pelo incêndio de Roma. Os verdadeiros "tubarões" se encontram nas águas profundas, ondemanobram invisivelmente os cordéis da política econômica, financeira e monetária do país.

O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - Muito bem!

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Lá não há partidos que os separem, porque possuem,na realidade, um único, que é o do dinheiro.

O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - Aliás, não com o brilhantismo de V. Exa, tive ocasião defrisar este ponto perante o Senado.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Parece que estamos sendo avassalados por uma ondade insânia e não compreendemos que todo ganho especulativo ou improdutivo não aumenta asubstância econômica, nada acrescenta em riqueza e é apenas uma forma de tirar de muitos para oenriquecimento, sem causa, de poucos. E, uma espécie de processo canceroso do organismoeconômico e que acabará por corroer-lhe e liquidar-lhe a estrutura.

O regime econômico vigente está cheio de contradições.Afirma-se, por exemplo, que só há uma maneira de fazer baixar o custo de vida: é

produzir. Se, porém, em conseqüência de maior produção, os preços tendem a cair, é o governochamado a intervir direta ou indiretamente no mercado para não deixar que baixem. E financia-seentão a manutenção dos preços altos com novas emissões, isto é, por um processo de contínuoencarecimento.

Uma cédula emitida, que não represente trabalho produtivo, que não tenha como lastrocerta quantidade de riqueza, é como um cheque sem fundos, é uma “felipeta” de curso orçado, quesó pode adquirir valor, em última análise, subtraindo-o do salário dos trabalhadores.

Só existe um modo de baratear o custo de vida. Consiste em primeiro lugar, em erradicarcorajosamente as causas da inflação, entre as quais se podem incluir: primeiro, o aumento crescentedos gastos públicos economicamente improdutivos, com prejuízo do que é essencial; segundo, o

Page 172: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

alargamento de crédito para operações e negócios de mera especulação, notadamente as inversõesimobiliárias que têm esse caráter, determinando a concentração dos recursos monetários nasgrandes cidades com prejuízo da agricultura, que vive asfixiada sem crédito e escorchada pelas altastaxas de juro; terceira, a ausência de um sistema racional de crédito que permita o financiamento deinversões básicas, das atividades produtivas e da criação de meios de bem-estar sem recurso emúltima instância, às emissões. Será necessário ainda organizar a produção em outras bases,eliminando os custos adicionais decorrentes de técnica deficiente, e as parcelas parasitárias doscustos e dos preços.

A inquietação e o impasse da hora presente resultam, principalmente, das incongruênciasda organização econômica, em completo divórcio com os postulados sociais que aceitamos.Reconhecemos como justa, determinada política social, mas praticamos uma política financeira,monetária e fiscal que lhe está em absoluta contradição. Semeamos novas esperanças no coraçãodas massas trabalhadoras, mas por outro lado, conservamos as velhas estruturas, absolutamenteincapazes de atenuar as dificuldades da hora presente e de remover as do futuro.

Se um governo tentasse um ponto de equilíbrio, procurando ser trabalhista no Ministériodo Trabalho, liberal no Ministério da Economia e conservador no Ministério das Finanças, deixariade ser governo para se transformar num conflito.

Os contrastes entre os grupos sociais se extremam cada vez mais, por efeito do sistemaeconômico e dos seus mecanismos. Há um processo de crescente exacerbamento entre a “tese” e a“antítese” podendo ser a “síntese” uma eclosão violenta.

Para que isso não ocorra cumpriria que todos aqueles que pertencem, embora formalmente,a partidos diversos, mas que possuem a mesma concepção dos problemas fundamentais e de suasolução, que esposam os mesmos ideais de liberdade e de justiça social, se dispusessem a coordenare unir os seus esforços para uma ação política comum; ação política de sentido elevado, semobjetivos individualistas, mesquinhos e diversionistas, inspirada unicamente no propósito de dotar acoletividade nacional dos novos instrumentos de que necessita para o seu progresso, a suatranqüilidade e seu bem-estar; de uma ação política que lenha como suporte moral a firmedisposição de extirpar da vida nacional todas as formas de exploração, de negocismo e de corrupçãoe de organizá-la em bases de maior decência e austeridade.

Creio que somente assim poderíamos ter autoridade para aconselhar e orientar o povo emhoras tão difíceis e que se poderão tomar ainda mais amargas; para explicar-lhe o que é possívelfazer e o que não é possível; para dizer-lhe, sincera e honestamente, o que pode esperar e o que nãodeve, para solicitar-lhe novos créditos de confiança e para pedir-lhe que não descreia de nossafidelidade e devotamento à causa pública.

PASQUALINI, Alberto. O problema da moradia. Diário do Congresso Nacional. Rio deJaneiro, 2-9-52. pp. 8878-8879.

Page 173: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Síntese da Plataforma do CandidatoTrabalhista

1º Estimular o desenvolvimento econômico do Estado e de todas as forças da produção,auxiliando a iniciativa privada cujas realizações sejam coincidentes com o interesse coletivo.

2° Intensificar as inversões e os empreendimentos estatais que condicionam a possibilidadedesse desenvolvimento, como o Plano de Obras que deverá ser periodicamente revisto e atualizadoe o Plano de Eletrificação, que deverá ser ampliado.

3o Orientar o desenvolvimento econômico do Estado no sentido da racionalização, isto é,de acordo com as características, geoeconômicas das diversas regiões.

4o Amparar as classes trabalhadoras em tudo que esteja ao alcance do Estado.5o Dispensar auxílio e proteção aos pequenos agricultores e colonos.6o Auxiliar e estimular o desenvolvimento do cooperativismo.7o Intensificar a difusão do ensino primário e técnico.8o Dar maior amplitude aos serviços de assistência social e saúde pública.9o Aperfeiçoar o mecanismo de ação administrativa do Estado.10° Realizar um governo de justiça social e de rigorosa moralidade.

Correio do Povo, Porto Alegre, 22 jul. 1954, p. 3

Page 174: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Plataforma de Governo

O Rio Grande decidirá se deseja seguir o caminho da paz e da justiça social ouretrogradar a uma política vazia de conteúdo humano.

É a seguinte a íntegra da plataforma de governo apresentada ontem pelo Senador AlbertoPasqualini ao povo do Rio Grande:

Eis-nos no limiar de uma nova e grande jornada. Por determinação da vontade partidária,cabe-me, mais uma vez, o posto de vanguarda neste embate que se vai travar e que terá seudesfecho em 3 de outubro, com o pronunciamento soberano e definitivo do eleitorado rio-grandense.

E, por não ser esta a primeira vez que, em circunstâncias idênticas, tenho a honra de medirigir ao Rio Grande, desejo, antes de mais nada, reafirmar aqui as idéias e os princípios que têmnorteado minha conduta na vida pública e que, mais do que isso, constituem a única razão de ser deminha modesta atividade político-partidária.

Reafirmação do Programa de 1947

Como ponto de partida nesta nova missão que meus companheiros me confiaram, sinto-meno dever de confirmar e ratificar as diretrizes e o programa que me orientaram na campanha de1947 como candidato do Partido Trabalhista Brasileiro ao Governo do Estado. Essas diretrizespermanecem imutáveis, eis que nada perderam em sua substância. A dinâmica dos fatos poderá tertrazido alterações no quadro geral da situação do Estado, isto é, no âmbito da realidade em quedeverá atuar o Poder Público. Tal circunstância, porém, poderá apenas implicar mudança depormenores, fato natural e inerente à execução de qualquer plano de administração. Mas nãoimporta em abandonar o programa fundamental, pois este deve ser observado e seguido comabsoluta constância e fidelidade.

Cabe aqui apenas projetar esses princípios sobre fatos novos e circunstâncias atuais, o quetentarei fazer em poucas palavras.

Não vou, pois, deter-me numa enumeração pormenorizada de todas as necessidades e detodos os problemas do Estado e apresentar-vos soluções para todos eles. Não venho trazer-vos umapanacéia, que se indica como remédio para tudo e para todos. Não prometo nem prometerei jamaissoluções mentirosas e, inexeqüíveis e que sirvam de meros expedientes eleitorais. Proponho-meapenas encaminhar soluções possíveis e sensatas e sempre em função da realidade do interessesocial, e das possibilidades financeiras do nosso Estado.

Sentido da Luta Eleitoral

Na luta eleitoral em que ora nos empenhamos, excluímos qualquer caráter personalista.Tenho como competidor no campo adversário meu nobre amigo Engenheiro lido Meneghetti, rio-grandense dos mais ilustres e dos mais dignos, a quem voto particular estima e admiração. De igualrespeito e apreço é merecedor o ilustre Deputado Wolfran Metzler, candidato do Partido da

Page 175: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Representação Popular. Permiti que vos confesse, com toda a franqueza e sinceridade, que se tudose resumisse em escolher, de forma simples e primária, qual dos três nomes deveria ser oGovernador do Rio Grande, eu jamais permitiria fosse o meu sequer mencionado como candidato àalta investidura que se vai disputar.

Não, não são os nomes e as pessoas que estão em jogo. Bem sabeis que a questão deve sercolocada noutros termos. O que, em verdade, se vai decidir, o que, na realidade, se vai verificar,nesta refrega eleitoral, é se o Rio Grande deseja enveredar e prosseguir no caminho natural queconduz à paz e à justiça social, dentro da ordem democrática e do espírito cristão, de modo aproporcionar a todos maior participação nos benefícios da civilização e do progresso, ou se querretrogradar às fórmulas arcaicas de uma política inteiramente vazia de verdadeiro conteúdohumano.

Porque, em verdade, não se trata mais de libertar o povo da opressão e da tirana política.Felizmente, essa fase de nossa vida pública já pertence aos domínios do passado. E um capítulo quese encerrou com a conquista definitiva das franquias democráticas e com a consolidação do regimerepresentativo, através do voto universal e secreto, cuja realidade ninguém pode negar.

A verdadeira tirania

Não obstante, afirmou-se no campo adversário que a luta que se vai ferir no Rio Grandenão é senão mais um episódio da “eterna disputa entre a liberdade e a tirania”. E possível que assimseja, eis que as palavras, com o evoluir dos tempos, mudam muitas vezes de significação e desentido. Se, nos dias atuais, em que todo cidadão deste país tem plena liberdade de ir à praçapublica para dizer o que pensa e o que sente; em que qualquer pessoa pode recorrer à justiça quandose julgar prejudicada ou ferida em seus direitos; em que na tribuna e na imprensa se podem fazer asmais veementes críticas aos homens que detêm a responsabilidade do Governo, críticas muitasvezes injustas e que raiam pelos extremos da injúria e da difamação - é sem dúvida porque, setirania existe, ela será certamente de outra natureza, que não política. Não pode ser e não serájamais essa tirania que é a antítese da liberdade, dessa liberdade de que todos podemos desfrutar ede que, se fôssemos sensatos, nunca deveríamos abusar. Trata-se, em verdade, de outra tirania, nãomenos cruel nem menos odiosa que a tirania política e que não poucos teimam em não enxergar, emnão compreender, em não sentir, em não afastar. E a tirania da miséria, da necessidade e dosofrimento, que aflige imensas parcelas de nossa população; que transforma em tragédia a vida detodos aqueles que lutam pelo pão cada dia, de todos os que vivem de salários, cujo nível estásempre abaixo das necessidades mais elementares e, quando se fala em elevá-los, desencadeia-severdadeira tormenta que quase abala as próprias instituições, como se ao Governo não assistisse odireito, quando na verdade tem o dever, de proteger os fracos e os humildes contra o pior de todosos inimigos da paz, da liberdade, da democracia, da justiça e da tranqüilidade social, que é o abusodo poder econômico. Este sim, é o maior de todos os tiranos, porque fazendo uso da liberdade,pretende dar ao forte o direito de oprimir o fraco e, superpondo-se ao próprio poder do Estado, negaa este a faculdade de intervir para corrigir as injustiças sociais, impedindo a exploração do homempelo homem. Invocam-se então todas as teorias do liberalismo econômico, manipulando-as eescamoteando-as habilmente, de modo a confundi-las e identificá-las com o liberalismo político, afim de dar a impressão de que toda intervenção do Estado no campo econômico e social é atentarcontra a democracia e a liberdade.

A intervenção do Estado e o campo econômico

O equívoco da campanha contra a intervenção e a iniciativa do Estado no campoeconômico está em supor que sejam elas sempre contra a iniciativa privada. Pelo contrário: aintervenção do Estado, além de sua função corretiva, reclamada pelos interesses sociais, temtambém por objetivo, nos países subdesenvolvidos, realizar os empreendimentos básicos quecondicionam a própria iniciativa privada, ou libertá-la das peias de grupos monopolísticos que

Page 176: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

pressionam e oprimem os pequenos e médios produtores e, através deles, os trabalhadores econsumidores, enfim toda a vida econômica.

Nada tem que ver a iniciativa particular legítima com a ação desses grupos poderosos quepretendem dominar os pontos estratégicos da vida econômica. O combate que se tem desenvolvidoultimamente contra a iniciativa estatal é apenas um slogan solerte de poderosos interessesmonopolísticos e dos exploradores do povo.

A iniciativa e o controle do Estado, além de constituírem uma necessidade de ordem geralpara maior equilíbrio e justiça do sistema econômico e social, vêm sendo reconhecidos até pelosmelhores defensores da ordem capitalista, como uma necessidade inclusive nos países, como onosso, de fraca estrutura econômica. Como é possível reunir a massa de capitais privados,necessária aos grandes empreendimentos básicos? Como é possível deter o progresso econômico,fazê-lo esperar pela eventual e remota possibilidade dessa mobilização de capitais, onde, quando ese o capital particular estiver disposto e capaz de se congregar e arriscar em tais empreendimentos?Como esperar que isso se realize, quando é escassa a experiência individual para empreendimentosde maior porte, quando o hábito das sociedades por ações não existe enraizado em nossocapitalismo ainda familiar e, sobretudo, quando as taxas de juros e de lucros e a avidez dosmercados chamam, com poucas exceções, todo o capital para atividades muito mais lucrativas eespeculativas e muito mais apropriadas ao controle de um indivíduo ou de um pequeno grupo?

É imprescindível, portanto, a intervenção do Estado na esfera econômica, quer para supriras deficiências da iniciativa privada, quer para corrigir suas anomalias, pois o Estado deve semprecolocar os interesses coletivos acima dos interesses particularistas de pessoas ou grupos.

Moralidade Administrativa

Mas, não basta, neste particular, que a ação supletiva ou corretiva do Estado seja eficiente.Cumpre que se revista também de moralidade, pois esta deve ser sua norma constante e inflexívelde ação.

A rigorosa moralidade dos atos do Governo e de cada um dos seus servidores deve serinquestionável. Nem por medo, nem por favor, me farão jamais transigir com este ponto de honrado meu programa.

Além da inflexibilidade intransigente no respeito aos ditames da moralidadeadministrativa, acreditamos que a moralidade nos serviços públicos poderá ser encorajada efacilitada, pelas normas de organização e de eficiência, tendentes a um controle técnico dasdespesas e da interferência dos funcionários, especialmente no que toca ao planejamento adequadodos projetos e dos programas governamentais.

Função Fundamental do Estado: realizar a Justiça Social

O papel do Estado de administrar justiça assume, nos dias de hoje, uma feição nova. É queo Estado, além de juiz imparcial na aplicação estrita da lei, deve ser realmente o defensor dos maisfracos numa sociedade em que alguns grupos poderosos têm todas as condições favoráveis e muitostêm tudo contra si. Ao Governo se impõe, portanto, o dever da justiça social que é uma de suasfinalidades fundamentais, e esta se realiza sobretudo no encaminhamento de todos os programasativos do Estado no sentido de estruturar uma ordem econômica de acordo com os legítimosinteresses e reivindicações das massas trabalhadoras.

Finanças Públicas e Orçamento Estadual

Uma boa finança é necessária a um governo de orientação social.Um programa trabalhista não pode ser realizado sem o lastro e a base de uma sadia

organização financeira. A estabilidade e a própria exequibilidade de um programa de governodependem essencialmente do equilíbrio monetário pelo constante e inflexível combate a inflação da

Page 177: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

moeda e do crédito na esfera federal. Sabeis que a inflação é, em última análise, uma confiscaçãodos salários em benefício dos lucros, a causa, portanto, das maiores injustiças e desequilíbriossociais. O Governo Estadual deverá, portanto, na esfera de sua competência apoiar os empenhes eas medidas para vencer as influências negativas e os fatores adversos na grande batalha contra ainflação que tem, como um dos efeitos mais nocivos, o de provocar o espírito de especulação, deaventura, do lucro fácil e desmedido.

Seria, pois, uma incoerência se não cuidássemos de manter saneadas as finanças do Estado.O trabalho do futuro Governo será facilitado pelos esforços coroados de êxito feitos nesse sentidopelo Governo do eminente General Ernesto Dorneles, com a colaboração eficiente e o esclarecidoapoio da Assembléia Legislativa do Estado.

Revela-nos o balanço geral referente ao exercício de 1953 um índice de liquidez financeirade 1,75, que, tecnicamente, deve ser considerado ótimo.

O serviço da dívida fundada, tanto interna como externa, encontra-se rigorosamente emdia; o Tesouro vem atendendo com absoluta pontualidade os encargos referentes a juros eamortizações de todos os empréstimos, quer lançados, quer contratados com estabelecimentos decrédito.

A dívida flutuante está sendo resgatada com perfeita normalidade; foram inscritos sob essetítulo, pelo Governo, compromissos oriundos de exercícios financeiros encerrados a partir de 1935,em montante superior a cem milhões de cruzeiros.

Regularizada que foi, pela presente administração toda a dívida pública, fortalecei-se demodo expressivo o crédito do Estado, propiciando a realização de vários e vultosos empréstimos,tendentes a acelerar o ritmo do seu desenvolvimento econômico.

Votada com um déficit previsto de cerca de quarenta e cinco milhões de cruzeiros, a leiorçamentária para o ano em curso se executa em auspiciosas condições; na verdade, acusam osíndices técnicos um excesso de arrecadação de aproximadamente duzentos milhões de cruzeiros, oque permitirá não só cobrir aquela diferença mas também realizar novas e variadas aplicações.

Com a autarquização da Viação Férrea, a se concretizar em breve, ficará o Estado libertode enormes responsabilidades financeiras, já que o déficit de exploração de da Rede passará a sersuportado exclusivamente pela União; efetivada essa providência, poder-se-á contar com maiorsoma de recursos para o desenvolvimento dos demais serviços públicos.

Integralmente regularizadas, como se encontram, as finanças do Estado, fácil serámobilizar os recursos indispensáveis à realização das obras reclamadas pela coletividade rio-grandense, em seu justo anseio de progresso.

Empreendimentos Estatais

Na esfera dos empreendimentos estatais, o Plano de Obras deve ser ressaltado comoexemplo da capacidade de realização do atual Governo.

Nosso empenho será o de executá-lo com constância e tenacidade, atualizando-o edesdobrando-o com base no melhor conhecimento das necessidades. Na medida em que os recursoso permitirem, procuraremos intensificá-lo e ampliá-lo, a fim de que o Rio Grande possa acelerar aexpansão de suas atividades produtoras.

O Plano de Obras está ligado, necessariamente, ao Plano de Eletrificação e a outrosprogramas parciais. Procuraremos integrar os diversos programas num plano geral dedesenvolvimento e progresso do Rio Grande, que incorpore também a contribuição do GovernoFederal e a colaboração dos municípios. Será um programa de esforços complementares eharmônicos que promova, além das providências fundamentais de desenvolvimento da economia,os investimentos necessários à elevação dos níveis de vida de nossa população.

Crédito

Page 178: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Fator decisivo é o crédito para estímulo e desenvolvimento da produção. Não sejustificaria, pois, que o Estado se alheasse desse problema. Minhas idéias sobre o crédito, tive aocasião de expô-las em diversas oportunidades e, sobretudo, no projeto que apresentei ao Senado,instituindo o Sistema Federal de Bancos de Estado.

Embora a matéria caiba mais na esfera de competência dos Poderes Federais, entendo queo Governo Estadual deve ter também um papel vigoroso nesse sentido.

Deve-se, aliás, ressaltar, com justiça, que os estabelecimentos bancários rio-grandenses setêm conduzido numa Unha impecável de prudência e sobriedade, não se deixando absorver eempolgar pela onda inflacionária que corrompeu boa parte do sistema bancário nacional.

De qualquer forma, porém, cabe ao Estado um esforço maior no terreno do crédito. OBanco do Rio Grande do Sul foi criado com a finalidade de tomar-se um banco ao serviço daprodução. Entretanto, pela condição de seus recursos, foi obrigado a limitar-se-á um banco dedepósitos e descontos. Sendo, praticamente, um banco do Estudo, cumpre aparelhá-lo paradesempenhar o papel econômico e social a que deve se destinar. Assim, deve ser modificada suaorientação no sentido do atendimento precípuo das atividades produtoras, sendo providocomplementarmente de recursos do Estado, em regime especial, para serem aplicados, através decarteiras especializadas, na assistência financeira aos pequenos agricultores e às respectivasorganizações cooperativas, ampliando-se essa assistência, progressivamente, às cooperativas deconsumo constituídas de trabalhadores.

Indústria, Agricultura e Pecuária

O Rio Grande marcha para o pleno desenvolvimento industrial. Essa tendência, porém,deve ser ritmada pela complementação e harmonia entre a indústria e as atividades agropecuárias. Oproblema perene e universal das relações entre a indústria e a agricultura poderá, assim, sersatisfatoriamente resolvido em nosso Estado.

O desenvolvimento industrial não deve implicar o abandono ou decadência da atividadeagrícola nem o desenvolvimento da agricultura deve importar o cerceamento da atividade pastoril.A industrialização, corretamente compreendida, significa intensificação, mecanização eracionalização das atividades agrícolas, e a criação de fatores novos para a eficiência da produção,como sejam as máquinas de cultivar e beneficiar, a fabricação de produtos químicos para aadubação e defesa sanitária vegetal e animal, o aproveitamento da eletricidade para a eficiência e oconforto mecânico que ela proporciona nos meios rurais.

A industrialização das atividades agrícolas, o aperfeiçoamento dos métodos de criação, asubstituição dos processos rotineiros pelos processos mecânicos e racionais terão comoconseqüência a maior qualificação do trabalhador rural e, portanto, a elevação dos seus salários e doseu padrão de existência, que é, hoje, o mais miserável de todos.

Com o programa federal da Eletrobrás e do Fundo de Eletrificação, que, inclusive, ampliarecursos estaduais nesse particular, abre-se a perspectiva de promover-se, mediante a colaboraçãonas duas esferas governamentais, a realização de empreendimentos de eletrificação rural, sobretudonas zonas de maior densidade de população.

E necessário prosseguir e desenvolver o programa de armazéns e silos, em vias deexecução. Reduziremos, por essa forma, as perdas das colheitas, contribuiremos para aregularização dos transportes e melhor aproveitamento das vias férrea e fluvial, inclusive embenefício da economia cambial do País. Abriremos também, por esse modo, maiores possibilidadesde crédito à produção, regularizando-se o abastecimento e os preços, tanto no interesse dosprodutores como dos consumidores.

Atenção especial merecerá o problema de irrigação através da construção de reservatóriose açudes, de poços e sistemas coletivos ou individuais de irrigação. Por essa forma, deveremosatingir um aumento substancial na produção agrícola e pastoril, contribuindo para a riqueza denosso Estado e para a redução do custo de vida. A economia do Rio Grande não pode nem deve

Page 179: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

ficar à mercê das irregularidades climáticas, pois dela depende não só nossa gente, mas tambémuma fração ponderável da população do Brasil.

Sistema de Transportes

O sistema de transportes em conjunto é, ao lado do sistema de geração e transmissão deenergia, a ossatura de um plano de desenvolvimento econômico. Deverá ser promovida acoordenação entre os diferentes programas e a melhor articulação entre os esforços estaduais,federais e municipais, no sentido de um plano unitário, realizando obras e desenvolvendo-seserviços em consonância com os interesses da economia do Estado.

As diretrizes de um plano geral de transportes deverão resultar de acurados estudostécnico-econômicos, prosseguindo os trabalhos que deram base ao Plano de Obras, Serviços eEquipamentos. Parece, entretanto, que não há como hesitar sobre a importância do transporferroviário em nosso Estado e sobre o papel que exerce a Viação Férrea.

Dever-se-á, portanto, dar continuação, com acentuada prioridade, aos programas atuais,visando melhorar a via permanente, os meios de tração e material rodante da Viação Férrea, demodo a reduzir-lhe o custo de operação e aumentar a capacidade de transporte, tudo a serviço daprodução e do consumo.

No que se refere às rodovias, deve o sistema ser considerado em articulação com oferroviário fluvial e lacustre.

Cumpre estabelecer um programa rodoviário conjunto, federal e estadual, em que sedeterminem prioridades em função do sistema geral de transportes e de interesses da economia doEstado.

Amparo aos trabalhadores e pequenos agricultores

Procurando desenvolver, por todos os meios, a economia rio-grandense, voltaremos a açãodo Governo, com especial interesse para os trabalhadores urbanos e rurais, sobretudo para ospequenos agricultores.

Venho dessa gente humilde e laboriosa e disso muito me orgulho e desvaneço. O Estadodeverá ajudá-los como produtores e como consumidores. A melhoria dos níveis de vida em geralnas cidades e no interior depende decisivamente do amparo aos pequenos agricultores e colonos,que, com o seu trabalho árduo, penoso e desajudado, contribuíram para a riqueza de nossa terra epara tomá-la um dos celeiros de nossa Pátria.

Assistência Social e Saúde Pública

Um governo trabalhista deve cuidar, com especial interesse, dos desprotegidos da sorte, dainfância, dos desvalidos, dos indefesos, dos desamparados.

Em 1944, por minha sugestão, quando Secretário do Interior, foi majorado o imposto devendas e consignações com um acréscimo destinado à assistência social. Os orçamentos, entretanto,não têm consignado a totalidade da importância correspondente aos fins a que se destina.

É necessário corrigir essa deficiência, a fim de podermos destinar recursos mais amplos aobras e serviços de assistência social.

Os serviços de saúde pública devem ser também desenvolvidos e, sobretudo, não limitarsua ação à sede dos municípios mas abranger também o interior, onde se devem fazer sentir asmedidas profiláticas e de educação sanitária. Será igualmente necessário orientar e auxiliar a criaçãode hospitais rurais, sobretudo nas zonas desprovidas de recursos médico-assistenciais.

Deverá intensificar-se o combate às endemias que assolam nossa população, criando-se ascondições do seu bem-estar e aumentando sua capacidade para o trabalho.

Saúde pública, higiene e assistência social, proteção à maternidade, à infância e à velhicedesamparada, constituem pontos básicos de um programa trabalhista.

Page 180: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Instrução e Educação

Seria injusto negar ou omitir os esforços que o atual Governo do Estado tem feito em proldo ensino primário e da disseminação do ensino técnico profissional.

As atividades e realizações se vêm processando em marcha progressiva mas ainda comresultados que não estão em correspondência com as necessidades de nossa população.

Mantém hoje o Estado, no setor do ensino primário, mais de mil grupos escolares ouescolas isoladas, onde estão matriculados cerca de 180.000 alunos. Muito embora devamosreconhecer os progressos feitos, são ainda desanimadoras essas cifras em face das necessidades denossa população.

O desenvolvimento do ensino primário e do ensino técnico-profíssional, que será uma dasformas de aproveitar aptidões e abrir novas perspectivas aos nossos trabalhadores, deverá constituirum dos objetivos fundamentais de um governo trabalhista.

Além dos serviços estatais que forem instituídos para esse fim deverão ser auxiliadas asinstituições particulares que tenham idênticos objetivos, pois representam uma preciosa colaboraçãopara o atendimento de uma das funções e finalidades fundamentais do Poder Público.

Coordenação de esforços

Com o objetivo de racionalizar o desenvolvimento geral de nosso Estado, dever-se-ápromover o planejamento regional das medidas necessárias ao progresso das diversas zonas, deacordo com suas características geoeconômicas, os interesses da população e a necessidade demelhorar as condições de vida e elevar o padrão de existência dos trabalhadores.

Procurarei, se eleito, aumentar o interesse para a aplicação de recursos técnicos efinanceiros da União, tendo por objetivo ampliar a capacidade produtiva de nosso Estado, odesenvolvimento de sua economia, do seu progresso, assegurando o bem-estar da população. Enecessário, para isso, que o prestígio de nossa terra se possa alicerçar num governo que tenha umprograma objetivo e o apoio real das camadas populares.

Temos todas as condições para possuir a economia mais harmônica e mais equilibrada doPaís. Com a ação conjugada do Governo do Estado e da União será possível transformar,progressivamente, o Rio Grande numa das regiões mais prósperas, com o mínimo dedesajustamentos e desequilíbrios sociais.

Não basta que se desenvolva a economia e que se aumente a riqueza. E necessário que sejaela distribuída com equidade para que todos recebam a justa compensação do seu trabalho e do seuesforço.

Preocupação constante de um Governo Trabalhista

Deve constituir, para isso, preocupação constante de um governo trabalhista velar pelobem-estar das classes trabalhadoras, impedindo que sejam exploradas, prestando-lhes assistência epromovendo por todos os meios, a realização da justiça social.

Nos dias que correm, tremendos são os sacrifícios impostos ao proletariado. Odesenvolvimento econômico do País e o custeio de atividades improdutivas vêm sendoinfluenciados, através do processo inflacionário, à custa dos salários dos trabalhadores. Comosabeis, a inflação tende a enriquecer os mais ricos, os mais espertos, os especuladores e negocistas àcusta do proletariado que sofre as conseqüências, sem que se aperceba da maneira pela qual estásendo espoliado.

Poderia parecer que, desvalorizando o dinheiro mas aumentando os salários, há cenacompensação. A verdade é que, quando funciona a espiral inflacionária, mal se fala em elevar ossalários, ocorre novo aumento de preços, tomando completamente ilusória a melhoria dos salários.

Page 181: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

O que cumpre, pois, é combater as causas da inflação, erradicá-las do organismoeconômico, através de medidas de profundidade que atinjam o âmago do processo inflacionário.

Essas medidas, em verdade, pertencem à órbita dos poderes federais, escapam àcompetência do Estado, que não tem poderes para disciplinar a moeda e o crédito, taxar os lucrosexorbitantes, financiando o desenvolvimento econômico do País, não à custa dos salários dostrabalhadores, mas com os excedentes das classes economicamente poderosas.

Entretanto, como já expus, o governo estadual poderá cooperar no combate aos malefíciosda inflação, através de uma série de medidas compensatórias em que se incluem providênciasracionais tendentes ao desenvolvimento da produção e à redução dos respectivos custos.

Outros problemas

Deixo de mencionar uma série de outras questões e problemas, ou porque já foramindicados no programa com que concorri ao governo do Estado, em 1947, ou porque foramexpostos em outras oportunidades.

A enumeração de todas as necessidades do Estado e de sua população, notadamente dasclasses produtoras e trabalhadoras, obrigaria a fazer-vos um relatório cansativo de horas a fio, semutilidade prática, desde que estão na consciência de todos e o seu atendimento depende, não apenasde inventariá-las minuciosamente, mas dos recursos financeiros de que o Estado possa dispor.

Não será com uma inflação de promessas que poderemos acudir às angústias, às aflições eaos reclamos da coletividade. E necessário não prometer demais para não correr o risco de aumentaras desilusões do povo.

O essencial é possuir uma diretriz, que sirva de norma e de orientação para a solução doscasos e dos problemas ocorrentes. Nossa diretriz se inspira no programa trabalhista e, portanto, nadefesa intransigente dos legítimos interesses das classes trabalhadoras, no desenvolvimento daeconomia do Estado, das forças da produção e do progresso social, seguindo, não a linha que passapelos extremos, mas a inspiração cristã dos evangelhos.

O trabalhismo, bem compreendido e sinceramente praticado, representa mais uma etapa nocaminho da evolução social, que nenhuma força jamais poderá deter.

Enganam-se os que pensam que as dificuldades e os contratempos que o atual governotrabalhista teve de enfrentar, em sua ação administrativa, tenham abalado a fé e a confiança quesempre existiram no coração do povo. Têm este o senso suficiente para não se deixar desiludir epara compreender que não será recuando às fórmulas vazias do passado que poderá encontrar asolução dos seus problemas e das suas dificuldades.

O mundo não marcha para trás e o nosso dever é prosseguir, com resolução e firmeza, natrilha do nosso programa e de nossos ideais, corrigindo os erros e procurando não repeti-los nofuturo.

Não pouparei esforços nem sacrifícios para corresponder às esperanças que,generosamente, em mim depositaram meus companheiros de luta e os nossos valorosos aliados, aquem rendo o tributo do meu reconhecimento.

Se me perguntassem o que estou disposto a fazer pela vitória de nossa causa, poderiaresponder com uma frase que, na História, ficou famosa: “O que é possível fazer, está feito; o que éimpossível, se fará!”

Se me interpelassem o que pretendo realizar, se eleito, diria que meu propósito éconsagrar-me a um governo de inspiração social, com base nos princípios da mais rigorosa justiça emoralidade.

Desses princípios não me afastarei, com eles jamais transigirei, sejam quais forem asconseqüências.

Sou imensamente grato às palavras, cheias de bondade e de generosidade, com que mesaudaram e distinguiram meus valorosos companheiros de luta. Elas constituem para mim umincentivo para redobrar os esforços na luta em que estamos empenhados.

Page 182: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Rendo a homenagem de minha veneração ao Presidente Getúlio Vargas, chefe nacional donosso partido, cuja ação em prol das classes trabalhadoras nunca poderá ser esquecida e sempredeverá ser exaltada.

Faço um apelo aos meus nobres adversários para que este embate político se trave no planoelevado das idéias e das soluções, sem ataques pessoais, sem odiosidades e malquerenças, mas comnobreza e lealdade, para que o Rio Grande possa dar ao Brasil um exemplo de civismo, de educaçãoe de cultura política.

Ao povo rio-grandense caberá decidir, livremente, quem deve governá-los. Nós,trabalhistas, nos curvaremos, obedientes e submissos, à sua vontade soberana.

Devo, entretanto, proclamar que tenho absoluta confiança na vitória de nossa causa. O RioGrande já compreendeu que ela está na linha natural de evolução do mundo e que não serão aspequenas oscilações que apagarão ou abalarão a fé do povo em seu sentido fundamental.

O trabalhismo deve ser, antes e acima de tudo, um ato de convicção e de fé; convicção deque o trabalho é a fonte originária de todos os bens produzidos e certeza de que, no futuro, deveráser mais justa a sua repartição.

Para isso é necessário lutar, lutar com as forças do espírito, com a pregação constante dasidéias, lutar pela sua realização prática através do mecanismo estatal, cuja finalidade precípua deveser a realização da justiça social.

O Rio Grande, que já empunhou a bandeira do trabalhismo, não recuará, não abandonará asua legenda, não se deixará vencer pelas desilusões e pelos desencantos, mas erguendo essabandeira cada vez mais alto, cumprirá sua missão histórica e será fiel ao seu destino glorioso eimortal.

PASQUALINI, Alberto. O Rio Grande decidirá se deseja seguir o caminho da paz e da justiçasocial ou retrogradar a uma política vazia de conteúdo humano. Correio do Povo, Porto Alegre,25 jul. 1954, pp. 11,26.

Page 183: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Discurso em Cruz Alta

O derradeiro e supremo gesto de Getúlio Vargas foi uma lição morredoura paraa democracia.

Proferindo, em Cruz Alta, o seu primeiro discurso após os trágicos acontecimentos queabalaram o País, na madrugada de 24 de agosto, quando as forças reacionárias e os falsosdemocratas levaram o Presidente Getúlio Vargas ao supremo sacrifício de sua vida para poupar oBrasil de uma luta fratricida, o Sr. Alberto Pasqualini assim se expressou:

O nome desta cidade, profundamente sugestivo, está a lembrar-nos, nesta hora deinquietação e de incerteza, o destino do ser humano.

Para todos os cristãos, a cruz é um símbolo de sofrimento e de sacrifício, mas é também osímbolo da fé, o preço do resgate e da salvação da alma humana.

A injustiça do julgamento e a crueldade do castigo não perturbaram a serenidade do DivinoMestre. A incompreensão e o ódio dos seus inimigos não alteraram os seus sentimentos detolerância, de indulgência e de bondade. Numa lição de infinita misericórdia, de todos sentiupiedade e, na hora do sacrifício, pediu a Deus o perdão pelo crime que os seus algozes perpetravam.

Meus companheiros.A beira dos caminhos da nacionalidade, ergue-se hoje uma cruz.Nela podemos ler a seguinte inscrição: “Ao ódio, respondo com o meu perdão. Esse povo

de quem fui escravo não será mais escravo de ninguém. Minha alma e meu sangue serão o preço doseu resgate”.

Ali repousa Getúlio Vargas.Trazemos no coração a mágoa dos recentes e dramáticos acontecimentos que arrebataram a

vida de nosso grande Presidente Getúlio Vargas. E com a tristeza e a amargura desta hora, quereiniciaremos nossa peregrinação política pelo Rio Grande.

Já não temos entre nós a presença material daquele que, por sua clarividência, suaserenidade e seu gênio político, soube imprimir novos rumos ao Brasil, fazendo que nosso Paísdespertasse do torpor dos séculos e seguisse o caminho luminoso do progresso material e da justiçasocial. Mas a falta de Getúlio Vargas será agora substituída pela força de suas idéias e pelo sentidode sua obra, porque esta jamais perecerá.

Tudo o que ele representou em sua vida de dedicação à causa dos trabalhadores; todos ostraços de obreiro grandioso da libertação econômica do Brasil, e de defensor da nacionalidade,deverão agora corporificar-se num ideal partidário que há de recolher o sentido de sua obra econgregar a imensa maioria do povo brasileiro para defendê-la. Eis aí a grande missão histórica doPartido Trabalhista: levar avante, pelo caminhos da evolução e da verdadeira democracia, a obrasocial iniciada pelo Presidente Getúlio Vargas.

Há homens que, quando desaparecem, deixam atrás de si um vácuo imenso que não podeser preenchido pelo suceder das próximas gerações. Se consultarmos a História, veremos que énesses momentos que surgem as grandes crises, abalando povos e enfraquecendo nações.

Mas, ainda aqui se revela o gênio previdente de Getúlio Vargas: morreu traçando rumos àposteridade, legando ao povo brasileiro o sentido de sua vida e de sua obra e uma organizaçãopolítica capaz de continuá-la e de aperfeiçoá-la através do tempo.

Page 184: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Seu testamento político, escrito no limiar da eternidade, aponta o caminho que devemosseguir para realizar a grandeza do Brasil e o bem-estar do seu povo. Denuncia quais as forças quepretendem tolher a independência econômica de nossa Pátria e riscar as garantias e os direitos quesua legislação social conferiu aos trabalhadores.

Todo o grande exército trabalhista ouviu e compreendeu sua derradeira ordem do dia eaqui estamos, para empreendermos e realizarmos a continuação de sua obra.

Esperamos que o povo saiba interpretar o sentido do seu gesto heróico de renúncia, à vidapara poupar à Nação uma luta fratricida e um crime contra a democracia, crime instigado poraqueles mesmos que se dizem os seus defensores e se apresentam aos olhos estarrecidos da Naçãocomo as vestais do regime democrático.

O povo brasileiro viu, estupefato, nos últimos acontecimentos, o modo de agir de certosdemocratas. Percebeu como criaram, propositadamente, um clima artificial e fraudulento, paratentarem justificar a deposição ou a renúncia forçada do Presidente da República eleito pela vontadesoberana do povo brasileiro.

Onde está, perguntamos, a responsabilidade do Presidente da República ou de seusfamiliares nesse nefando crime da Rua Toneleros, cuja autoria intelectual, apesar de todas asdevassas e de todas as violências processuais até hoje não foi apurada?

No entanto, com base nessa suposta responsabilidade, se impôs a renúncia de umpresidente, que teve nas umas, em 1950, uma consagração popular, perpetrando-se, por essa forma,um atentado contra a Constituição e contra a vontade soberana do povo.

O derradeiro e supremo gesto de Getúlio Vargas foi uma lição imorredoura para ademocracia, foi o preço do seu resgate, porque a bala que lhe atravessou o coração impediu que seconsumasse no Brasil uma agressão violenta contra as instituições democráticas.

Meditem sobre tudo isso os rio-grandenses que fazem profissão de fé democrática elembrem sempre que Getúlio Vargas também era um rio-grandense.

O Partido Trabalhista, fiel à sua missão há de recolher e perpetuar o sentido perene dessalição e há de prosseguir, sem esmorecimentos, sem desvios e democraticamente, a luta política pelacausa dos trabalhadores e pela libertação do povo brasileiro.

Agora que já não existe, materialmente, o alvo principal das investidas de nossosadversários; agora que não mais existe aquele que apontavam como fonte e causa de todos os malese inimigos da democracia, porque ainda nos combatem com tanto encarniçamento, tentando atéassociar outras forças políticas na luta contra nós e nosso partido? A resposta a esta pergunta talvezpossamos encontrá-la na derradeira mensagem de Getúlio Vargas, quando disse: “Não querem queo trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”.

Eis aí a dura e triste realidade desta quadra tormentosa da vida brasileira. As forças dareação se unem para combater as forças da evolução, para isolar e afogar na impotência ossentimentos e as aspirações populares. Mas serão essas tentativas vãs, porque nada poderá deter amarcha inexorável do progresso social e da libertação do povo brasileiro dos grilhões docapitalismo reacionário e especulador.

Um governo de inspiração social, como deve ser um governo trabalhista, tem obrigações acumprir perante o povo, perante os trabalhadores das cidades, dos campos e das colônias, queesperam dias melhores e mais tranqüilos.

O caminho para a realização dessa tarefa e cumprimento desses deveres pode ser longo eáspero, mas não há obstáculos que não possam ser superados quando existe a firme intenção depercorrê-lo.

As incompreensões e as injustiças não nos devem abater jamais, principalmente nesta horaem que o Rio Grande está diante de uma nova encruzilhada: ou empreende com coragem edesassombro, a marcha para o futuro, que lhe abrirá novas perspectivas de progresso e de pazsocial, ou retrocede ao conservadorismo, que cada dia mais se afasta dos verdadeiros sentimentos easpirações populares.

A democracia há de fortalecer-se não com fórmulas ocas e vazias, não recebendopunhaladas pelas costas, mas resolvendo os problemas do povo e acudindo às suas aflições. O

Page 185: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

verdadeiro regime democrático se pratica buscando a fundo a causa de nossos males e instituindouma política racional de soluções, única forma de realizar o desenvolvimento econômico, adistribuição da riqueza e o bem-estar da coletividade.

Temos nós, trabalhistas, uma diretriz segura e um programa a cumprir. E vos asseguro quenada nos afastará do propósito de o realizar se o povo rio-grandense nos der a honra de governá-lo.Aqui não estamos com a missão de pedir votos para pessoas, porque os pedimos para uma causa.Essa causa, cruzaltense, não é apenas nossa, é também vossa, como é igualmente todo o RioGrande.

Vós, que tendes um glorioso passado de lutas, que aspirais ao progresso e que sonhais comdias melhores para o futuro, deveis cooperar conosco. E aqui, ao nosso lado, o vosso posto decombate.

Nosso estudo é o voto. E com ele e com a força que emana das urnas, e não das armas, quese consagra a vontade e a soberania do povo. E com o voto que se exercita e se defende ademocracia.

Tenho certeza de que, em 3 de outubro, contaremos com o vosso apoio, porque nossa causaé a vossa causa, nossa luta é a vossa luta, nossa vitória será a vossa vitória".

PASQUALINI, Alberto. Discurso em Cruz Alta. Correio do Povo, Porto Alegre, 12 set. 1954,p.6.

Page 186: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Em Defesa do Monopólio Estatal doPetróleo JJ

O capital estrangeiro e o capital privado em geral são guiados exclusivamentepor intuitos lucrativos. Esse é o objetivo a que tudo se deve submeter. A exploraçãodos recursos básicos de uma nação não pode, porém, ficar sujeita a essecondicionamento.

O SR. PRESIDENTE - Tem a palavra o nobre Senador Alberto Pasqualini para, comorelator na Comissão de Finanças, emitir parecer.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - (Lê o seguinte parecer.)

Sr. Presidente:1 - O projeto dos eminentes Senadores Plínio Pompeu, Othon Mader e Apolônio Sales têm

por objetivo modificar o sistema de exploração do petróleo instituído pela Lei n° 2.024, de 3 deoutubro de 1953.

Atualmente, a exploração petrolífera, compreendendo a pesquisa, a lavra, a refinação depetróleo nacional ou estrangeiro, o transporte marítimo de petróleo bruto de origem nacional ou dederivados de petróleo produzidos no País, bem como o transporte por meio de condutos de petróleobruto e seus derivados, constituem monopólio da União.

O monopólio é exercido pelo Conselho Nacional do Petróleo, no que concerne àsupervisão orientadora e fiscalizadora, e por intermédio da Petrobrás e Subsidiárias no que concerneà exploração propriamente dita.

São, nessas condições, o CNP e a Petrobrás órgãos institucionais de execução domonopólio da União e não entidades às quais a União possa deferir a execução desses serviçosmediante concessão.

2 - O projeto ora em exame pretende alterar, um tanto contraditoriamente o sistemavigente, permitindo a concessão da exploração petrolífera a nacionais ou a companhias brasileiras,organizadas de acordo com a lei, sendo o prazo da concessão de 30 anos, podendo esse prazo serprorrogado por igual período.

O projeto nada mais é, substancialmente, do que a reprodução da Emenda n° 19, de autoriado nobre Senador Othon Mader e oferecida na Comissão de Viação e Obras Públicas, por ocasiãode ser examinado e discutido no Senado o projeto da Petrobrás, na legislatura anterior, emenda quefoi recusada pelo Senado.

3 - A lei que instituiu o monopólio estatal da exploração do petróleo é de outubro de 1953.A Petrobrás foi instalada em maio de 1954, iniciando suas atividades em agosto, tendo, portanto,sete meses de funcionamento. Não há, na justificação do projeto, a indicação de fatos novos queaconselham uma mudança de ramos no sistema de nossa exploração petrolífera. Os aspectostécnicos do problema e os que se relacionam intimamente com os interesses nacionais daexploração petrolífera foram longamente debatidos por ocasião do exame, discussão e votação doprojeto da Petrobrás no Parlamento Nacional. Seria duvidosa a reedição, agora, de todos esses

Page 187: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

argumentos que evidenciaram a conveniência, senão a necessidade, da instituição do monopólioestatal da exploração do petróleo e sua execução por órgãos específicos, que são, no caso, oConselho Nacional do Petróleo e a Petrobrás.

O único argumento que poderia ser invocado, a esta altura, em favor do projeto seria oconcernente à diminuição de nossas disponibilidades cambiais. Mas, além de que esse fato nãopoderia ser considerado decisivo e é de natureza transitória, cumpro ponderar que, para o correnteexercício, que corresponde a um ano crítico, porque é ainda desfavorável o balanço cambial daPetrobrás, já está assegurada à empresa a cobertura cambial necessária para as suas aquisições edemais compromissos que devam ser pagos em moeda estrangeira.

A Superintendência da Moeda e do Crédito, em 3 de fevereiro último, resolveu conceder àPetrobrás, para o seu programa de inversões, no ano em curso, divisas, em dólares, correspondentesa 80% das economias resultantes de suas atividades, e das refinarias particulares, num mínimo de3% e num máximo de 5% da receita cambial em dólares. Presume-se que essas economias atinjam,no corrente ano, cerca de 40 milhões de dólares, dispondo assim a Petrobrás de cerca de 22 milhõesnessa moeda. A essas disponibilidades, em dólares, deve-se ainda acrescentar 3% sobre a receita emmoedas invencíveis e utilizáveis pela Petrobrás e que pode ser estimada no equivalente de 12milhões de dólares.

E certo que a garantia de câmbio à Petrobrás representara, neste momento, certo sacrifício.Será ele, porém, largamente compensado em futuro próximo quando as economias cambiaisresultantes do funcionamento e das atividades da Petrobrás serão consideravelmente maiores. Epreciso não esquecer que as divisas agora utilizadas pela Petrobrás representarão, em futuropróximo, um multiplicador de sua economização.

Essas economias podem ser calculadas anualmente da seguinte forma:ÜS$ Refinaria de Cubatão ............................................................................................. 20,000,000.00Produção amai e refinação em Mataripe ......................................................................... 9,000,000.00Petroleiros atuais ............................................................................................................. 2,000,000.00Produção de óleo e refinação para lubrificante em Mataripe ........................................ 40,000,000.00

E mais 3 dólares por barril de óleo comum que for produzido no Brasil e 1 dólar e meiopor barril que for refinado.

As divisas agora necessárias terão, possivelmente, no presente exercício, a seguinteaplicação da Petrobrás:US$ Desenvolvimento na área do Recôncavo ................................................................... K.(X)0,000Pesquisa e exploração fora da área do Recôncavo, incluindo a Amazônia ........................ 13.000,000Construção de novas refinarias (uma a ser instalada no Rio de Janeiro e outra no Nordeste............................................................................................................................................. 20,000,000

A produção atual (extração efetiva) do Recôncavo é de 6.000 barris diários, a produçãopotencial dos poços ó de cerca de 16.000 barris e a produção potencial dos campos de 20.000 barrisdiários.

3 - Com relação à descoberta de Nova ( )linda, que enche a Nação de tantas esperanças,convém observar que o óleo foi encontrado a mais de 2.700 metros de profundidade, em arenitocom 18 metros de espessura, havendo entretanto, outros arenitos mais profundos e muito maisespessos e que poderão encerrar reservas de óleo muito maiores. E se considerarmos que, em NovaOlinda, os indícios de óleo foram freqüentes a partir de 900 metros de profundidade, será essa umaindicação da presença do petróleo em parte considerável da coluna sedimentar. Informam ostécnicos que existem na Amazônia todas as características de sedimentação favoráveis à formação eà acumulação do óleo em grande escala, devendo-se ressaltar a acessibilidade da região apetroleiros, o que faz presumir que, dentro de tempo relativamente breve, as refinarias nacionaispossam estar utilizando o óleo da Amazônia.

4 - Quando, com a descoberta do petróleo no Amazonas, se abrem perspectivas tãopromissoras e tão animadoras para a nossa emancipação em matéria de combustíveis líquidos, seriade todo contra-indicada qualquer alteração na lei que instituiu o monopólio estatal da exploraçãopetrolífera. Agora, mais do que nunca, os aspectos econômicos e políticos do problema aconselham

Page 188: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

a manutenção desse monopólio. Não é essa propriamente, como muitas vezes se tem dito, umaatitude contra o capital estrangeiro que, nos termos do projeto, poderia vir a aplicar-se à exploraçãopetrolífera através de empresas organizadas no Brasil. Não é tampouco uma atitude contra o capitalprivado, que tem, em nosso País, outras e amplas possibilidades e oportunidades de inversão e delucro. Trata-se apenas do cumprimento do princípio fundamental, que está inscrito na ciência denosso povo de que as riquezas básicas do País, em particular o petróleo, devem ser exploradosexclusivamente em benefício da coletividade nacional e não com o objetivo de proporcionardividendos ao capital privado, nacional, estrangeiro ou internacional.

Os que defendem a tese da participação do capital estrangeiro, que poderia verificar-seatravés de empresas organizadas no Brasil, invocam o exemplo de outras nações, citando-se paísesextremamente débeis - como certos países sul-americanos e os países do Oriente Médio - e paísesextremamente fortes, como o Canadá e os Estados Unidos. Mas, como tivemos a oportunidades dedizer em parecer anterior sobre o mesmo tema, o Brasil não deve aderir a essa tese porque “nem étão forte para despreocupar-se das conseqüências dessa exploração, nem é tão débil para que delanecessite”.

5 - Pondo agora de lado essas considerações de caráter geral e entrando propriamente noexame do projeto, cumpre fazer as seguintes observações:

a) Prescreve-se no art. 2o que a União exercerá o monopólio da exploração petrolífera pormeio do Conselho Nacional do Petróleo, por meio da Petrobrás e subsidiárias e por concessõesdadas pelo Poder Executivo a nacionais e companhias brasileiras organizadas de acordo com a lei.A parte final dessa proposição é equívoca. Há a legislação brasileira que regula a constituição decompanhias, matéria do direito mercantil, e há a legislação brasileira anterior à Lei n° 2.004, queestabelecia as condições que deviam satisfazer essas empresas privadas para poderem dedicar-se àexploração petrolífera. Com a instituição do monopólio, essa legislação tomou-se praticamentecaduca. Poder-se-ia, portanto, pretender agora que as expressões do projeto “companhias brasileirasorganizadas de acordo com a lei” querem referir-se ao regime jurídico comum de constituição dasempresas. Nessas condições poderiam ter a participação inclusive de acionistas estrangeiros, desdeque organizada no Brasil e tendo aqui sua sede, condição suficiente para serem brasileiras.

Mas, tomar-se-ia temerário, em matéria de petróleo, tentar por essa forma, abrir as portasaos trustes internacionais. O capital estrangeiro e o capital privado em geral, são guiadosexclusivamente por intuitos lucrativos. Esse é o objetivo a que tudo se deve submeter. A exploraçãodos recursos básicos de uma nação não pode, porém, ficar sujeita a esse condicionamento.

Além disso, como freqüentes vezes se tem acentuado, e acaba de frisar o eminente SenadorJuracy Magalhães, é pouco provável que as empresas petrolíferas internacionais tenhamefetivamente interesse em descobrir novas fontes de óleo em nosso País, para uma exploraçãoimediata, desde que há excesso potencial de 2 milhões diários de óleo no mundo. As reservas doOriente Médio, por exemplo, são estimadas em mais de 50% das reservas mundiais, enquanto aprodução é inferior a 20% da produção mundial. O problema da exploração petrolífera nacional éum problema nosso e não dos trustes internacionais. Precisamos explorar imediatamente o nossopetróleo o que pode não estar nos desígnios das empresas internacionais.

b) O art. 2° do projeto pretende restringir a pesquisa e a lavra da Petrobrás, sem limitaçãode área, ao Recôncavo Baiano. Nos demais pontos do território nacional, segundo estatui o mesmoartigo, a pesquisa e lavra a serem realizadas pela Petrobrás, somente poderiam operar-se numa áreaformada por um raio de 22 quilômetros, tendo como centro o poço pioneiro de produção comercialque tivesse sido perfurado antes da data da conversão do projeto em lei.

Esse dispositivo tinha a pretensão evidente de excluir a Petrobrás da pesquisa e lavra, forada área do Recôncavo, pois por ocasião da apresentação do projeto, ainda não se manifestara opetróleo em Nova Olinda.

Aliás, no inciso III do art. 2º se declara expressamente que cada concessionário, comexclusão da Petrobrás, terá a permissão de pesquisar uma área máxima de 600.000 hectares, etc.

Na situação atual, de acordo com o projeto, à Petrobrás ficaria, portanto reservada a áreado Recôncavo e mais outra área de forma circular, tendo como centro o poço pioneiro de Nova

Page 189: O Pensamento Político de Alberto Pasqualini

Olinda e um raio de 22 quilômetros. Esse círculo teria pouco mais de 150.000 hectares, isto é, aquarta parte da área pesquisável e explorável pelas empresas privadas que houvessem obtidoconcessão.

Esse critério é evidentemente arbitrário e profundamente injustificável, pois a Petrobrásseria excluída de áreas onde está promovendo sondagens, como Alter-do-Chão no Pará, Riachão, noMaranhão, Jacarezinho, no Paraná, e na região nordeste do Recôncavo. Seria igualmente varrida dasáreas que foram objeto de pesquisas geológicas e geofísicas e nas quais foram investidos, peloConselho Nacional do Petróleo e pela Petrobrás centenas de milhões de cruzeiros. Todas essasáreas, segundo o projeto, seriam passíveis de concessão a terceiros sem qualquer indenização oucompensação ao trabalho progresso das entidades estatais. E, tomando como exemplo o campo deNova Olinda, poderia vir ele, em parte, a ser objeto de concessão, a qualquer empresa, desde quenão se conhecessem ainda as suas limitações e o poço pioneiro poderia ser excêntrico em relação àconfiguração do campo, tomando-se assim a área de reserva da Petrobrás não coincidente com asuperfície real do campo.

Além disso, a Petrobrás ficaria excluída, da exploração de três estruturas já delineadas,duas nas margens do rio Abacaxi e uma no Ariri, que ficariam fora do círculo em questão emborasituados na mesma bacia sedimentar.

Nessas condições, o CNP e a Petrobrás teriam investido dezenas de milhões em pesquisasgeológicas, geofísicas e de perfuração para conceder a expressão de estruturas petrolíferas de mãobeijada, a outras empresas.

O projeto em exame representa, portanto, a completa inversão do sistema instituída pelaLei n° 2.004. Nesta, é a Petrobrás a única e absoluta empresa exploradora, porque está investida domonopólio da exploração petrolífera em todo o território nacional. No projeto, a Petrobrás, empresaestatal, está em situação inferior às empresas privadas, dadas as limitações que lhes são impostas.Trata-se, portanto, de um sistema contrário aos interesses nacionais e que ofenderia, além disso, asconvicções e os sentimentos do povo brasileiro que reclama, em sua grande maioria, anacionalização integral da exploração petrolífera.

Por todas essas razões e ainda outras que foram desenvolvidas por ocasião da discussão doprojeto da Petrobrás e que aqui se omitem para brevidade da exposição, a Comissão de Finançasopina pela não-aprovação do projeto.

PASQUALINI, Alberto. Em defesa do monopólio estatal do petróleo II. Diário do CongressoNacional. Rio de Janeiro, 29 mar. 1955,pp.781, 7.