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O personagem artístico (Cláudio Ulpiano)

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O personagem artísticoCláudio Ulpiano

Aula de 09/021995

Eu acabei de dar um curso de dez aulas  –  terminou na segunda-feira

passada. Eu encerrei o curso lendo um texto  – e o texto é uma espéciede conclusão do curso que eu dei. Eu vou retomar o texto, agora, comoinício deste curso  – e eu acredito que vocês vão compreenderperfeitamente o que vai ocorrer na fala dela: eu não quero que elamodifique os verbos. Então, os verbos vão ser sempre referentes ao que já passou.Aluna: Ninguém sabe por que você está falando ‖ ela”!  Claudio: Ela? É porque é a S. quem vai ler esse texto.Als.: Risos… Cl.: E, aqui, realmente o texto não se refere ao que já passou. Ele, aqui,

vai se referir ao que vai acontecer. Então, todo mundo nesta aula vaitomar um contato direto… E se vocês quiserem uma cópia não sei se eladará… Al.: Não. (Risos) Eu não dou cópia e ainda peço que os gravadores sejamdesligados. Só depois eu vou iniciar a leitura, está bem?(Risos)Cl.: Vou passar o texto com vocês. Na quinta-feira passada, nós jácomeçamos [a mexer nessa questão], mas [ainda] com certa imprecisão.Eu vou pegar um texto do Stanilawsky e um texto do Cassavetes. Todomundo conhece os dois, (não é?) E esses dois textos vão ter o objetivode gerar a figura que vai comandar as nossas aulas. No texto do

Stanilawsky ele diz assim: ―A ação, o movimento é a base da arte que oator persegue. A ação ou movimento… é a base da arte que o atorpersegue. A ação ou movimento é a base da arte que o ator persegue.Diz o Stanilawsky: O ator, para exercer sua função de ator, tem que terdentro dele , ou anteriormente à pratica de ator [que ele irá exercer]  –  um TEMA. Por exemplo: ele pega uma aluna dele, que se chama Maria,e diz:- Eis o seu tema: sua mãe perdeu o emprego e a renda, não tem nadapara vender a fim de pagar o seu curso na escola dramática; portanto,etc… Ou seja, para representar, essa atriz pressupõe a constituição deuma história

 – e a partir dessa história ela faz a sua prática

representativa. O ator é desencadeado por uma história. Ai,praticamente, estaria a base da arte do Stanilawsky.Diz o Cassavetes: ―Eu não creio… eu não tenho nada escolhido nemretido, os acontecimentos se produzem; e esses acontecimentos seriammais naturais, porque são reais. Eles não emanam de mim, que soudiretor; nem emanam da câmera nem emanam de uma história, elesemanam das pessoas que os criam. Emanam dos personagens, ospersonagens dão vida, eles criam o espetáculo e produzem a obra.‖ A verdadeira diferença entre Shadows (que é um filme dele) e os outrosfilmes, é que Shadows, diz ele, ‖ emana dos personagens‖. Então, ele

está dizendo que esse filme, esse trabalho dele, emana do personagem;enquanto nós vimos que no Stanilawsky o personagem emana da

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história. Então, a diferença é nítida! Para o Cassavetes, toda obra, quenão é nem propriamente a história, pressupõe o personagem que aproduz. Se eu tomasse essa posição do Cassavetes e comparasse com oNietzsche, eu ouviria o Nietzsche dizer que  – à diferença do Platão, quediz que o corpo é aquilo queimpede o pensamento de pensar – é o corpo 

aquilo que força o pensamento a pensar. E quando o pensamento éforçado pelo corpo a pensar, a única coisa que o pensamento pensa é ocorpo. Ou seja, a função do pensamento é dar conta do corpo.Essa leitura do texto, e essa exposição do Cassavetes e do Stanilawsky épra mostrar pra vocês que nós vamos começar este curso pesquisando ,trabalhando e procurando PERSONAGENS. Ou seja: eu não vou falarnada mais do que essa figura, que eu vou criar aqui, chamada personagem . Por exemplo, o personagem rítmico do Messiaen; o personagem heteronímico do Fernando Pessoa; o personagem conceitual da filosofia; o personagem estético da literatura; e assim por diante.Esta aula, para que ela se desenvolva, para que ela se desenrole  – eessa palavra desenrolar-se é inteiramente filosófica  – seu ponto departida é essa idéia  –   personagem . Acho que fui bastante claro: nósestamos trabalhando com a noção de personagem, pouco importa deonde venha essa personagem. E o modelo da noção de personagem é omodelo do Nietzsche  – que o Nietzsche diz assim: ―o corpo não bloqueia o pensamento; o corpo força o pensamento a pensar.‖ E o que opensamento pensa, seria exatamente o corpo .É esse o fundamento da aula!A partir disso  – e eu acredito que fui claro nessa exposição  – eu achoque todo mundo compreendeu o que eu disse; e nós vamos entrar nessa

idéia de personagem… Para o entendimento inicial de vocês opersonagem… é o heterônimo do Fernando Pessoa, o ritmo do Messiaen,ou seja, o que eu vou descaracterizar no que estou chamando depersonagem  – é o sujeito pessoal . O que eu vou descaracterizar nele éexatamente a personalidade .Então, eu vou tomar como ponto de partida desta aula uma expressãoque não é do Proust  – mas que eu vou dizer que é do Proust! Eu voucriar a expressão PERSONAGEM ARTÍSTICO . E esse vai ser o ponto departida da aula. Nós vamos criar uma figura chamada personagem artístico - um personagem que tem como objetivo único de suaexistência produzir ARTE, mais nada! Ou seja: esse personagem não tem uma história pessoal, não tem uma vida pessoal; pelo contrário –  essepersonagem artístico tem um confronto a fazer em sua existência: ele é permanentemente invadido pelo sujeito pessoal, com quem ele tem quese confrontar - ele tem que afastar esse sujeito pessoal para liberar todas as suas forças . Então, a linha de aula que estou traçando pra vocês éque a arte só é possível se esse personagem artístico - nos confrontosque ele fizer - obtiver uma vitória sobre o sujeito pessoal. (Certo?)Evidentemente, isso é um momento muito difícil, porque muita gentepensa: ―Ah! Então para se produzir um personagem artístico eu tenhoque desfazer a minha história pessoal para sempre?‖ Não. Eu não estou

dizendo isso. Não obstante, se isso for feito, ótimo! Mas não é isso queestou dizendo. O que estou dizendo aqui é que o personagem artístico,

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num modelo proustiano de entendimento do que é estética, do que éarte, só pode se constituir se conseguir afastar de si a personalidade - com sua história pessoal, com sua biografia, com suas questõessentimentais, etc. Essa posição [que eu estou assumindo] se põecompletamente em oposição à posição do Stanilawsky.

Esse personagem artístico é - simultaneamente –  um personagemfilosófico e um personagem estético… O que ele vaiexercer na existênciadele  – que pode ser uma existência de um segundo - a existência não tem que ter uma longevidade , pelo contrário: se cada um de vocês, quefaz arte, analisar e avaliar os pouquíssimos momentos em que vocêsforam artistas; e os muitos momentos em que vocês forampersonalidades  – vocês vão verificar que o tipo de existência que opersonagem artístico exerce é totalmente diferente da existência dapersonalidade. Ele pode aparecer em nós nos raros momentos docotidiano, pode aparecer em nós quando nós estamos fabricando anossa arte - ou pode desaparecer pra sempre: sucumbido nasentimentalidade e nas emoções do comportamento do sujeito pessoal.Em última análise, o grande confronto que o pensamento dopersonagem artístico faz é com as práticas comportamentais do sujeitohumano. Em última análise, é esse o herói desta aula que  – basta olharaqui  – é uma aula em que praticamentetodo mundo é de arte  – aindaque as artes sejam as mais variadas, ainda que aqui exista um físico  –  esse físico , que estuda comigo há muitos anos, é um artista… Então,não é uma pregação; não é uma tentativa de persuasão  – masprecisamente o que o texto disse, [porque] eu estou entrandoexatamente no que dizia o texto. Nós não vamos partilhar datradição 

representativa do Ocidente  – que é dividir o mundo em sensível einteligível. (Eu vou ter que ensinar isso a vocês.) Nós vamos sair dessapartilha clássica; e vamos penetrar no que  – no texto  –  foi chamado de pré -individual. Ou seja, nós vamos mergulhar nesse oceanotempestuoso, pra fazer  –  ou não - alguma coisa de novo na arte. Se issonão acontecer… esse curso torna-se suicidário. Quer dizer, o alimento desse curso é  –  exatamente - o exercício da produção do personagemartístico.(Acho que eu não preciso mais reproduzir isso, não é? O texto ficouclaro, o texto evidenciou isso!)O nosso trabalho, agora, é mergulhar  – exatamente como aquele  pássaro que eu disse que, com sua velocidade, risca de branco o fundo do azul…  – e nós vamos mesmo mergulhar nas MATÉRIAS DA ARTE;porque SER ARTISTA é precisamente mergulhar nessas matérias e  –  ali -imprimir alguma coisa que nenhuma tecnologia será capaz de fazer.A arte  – como eu a compreendo  – é inteiramente MATERIALISTA.Inteiramente materialista! Ela é uma prática , um poder que o artista temde traçar na matéria, na qual ele trabalha, alguma coisa de tão especial que nenhuma prática tecnológica é capaz de dar conta. A arte é uma relação do sujeito artista com a matéria - com a matéria sonora , com a  pedra , com a palavra - por exemplo. Não importa qual seja a matéria  –  

a questão do artista é envolver-se com ela: envolver-se com a matéria.(Vocês entenderam?) E nesse envolvimento que ele vai fazer com a

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matéria, ao tornar-se um personagem artístico, ele tem que destruir nele–  pelo menos naqueles instantes  –  todos os poderes (geralmentesentimentais e sofridos) que o sujeito humano coloca dentro de si.Nós estamos produzindo uma idéia de arte que eu tenho. Uma idéia dearte que - ao invés de reproduções comportamentais –  é a geração dos

afetos, a produção dos gestos, mas - sobretudo - é o corpo comoEXPRESSÃO deTEMPO. Ou seja, se há alguma coisa que pode produziro tempo  – essa coisa chama-se CORPO. E a função do artista é darconta disso.(Vocês podem falar. Vocês têm três minutos pra perguntar, concordarou discordar.)Alº.: Só uma dúvida… Onde mora… a gente viu numas aulas atrás… num quadro, por exemplo: que existe a parte estética do quadro, masexiste também aquela essência, aquela… não sei como se chama isso… que é exatamente a parte eterna desse quadro: que é a alma, como sefosse a alma desse quadro. Agora, onde é que mora essa alma se nãoexiste essa história…  — -Cl.: O Cassavetes faz uma narrativa interessante. Ele diz que quandoele conseguiu fazer (o filme) Shadows (Sombras), que ele ficouapaixonado pela câmera. Geralmente o cineasta é apaixonado pelacâmera! Ele coloca a câmara na mão e sai filmando , cheio de paixãopor ela. O Cassavetes diz ter ficado tão apaixonado pela câmera dele,que procurava filmar comárvores em primeiro plano, procurava focalizar  janelas, pegar os personagens à distância… até verificar que a obra de arte - pelo menos no cinema  – é a aparição do personagem Então, o queele vai fazer? Ele vai colocar a câmara  – que no início era o principal

componente do filme  – como uma serviçal do personagem . A obra dearte é exatamente isso: a obra de arte vai implicar a quebra da nossapercepção utilitária, pra poder ver exatamente isso que você chamou deuma alma que vaihabitar uma tela. (Não sei se fui claro!) Ou seja, paranós produzirmos uma obra de arte e essa obra de arte fazer,necessariamente, uma composição com o espectador  – e ela vai fazeressa composição com o espectador  – o que tem que ser quebrado, não é só no artista ; mas cabe ao artista produzir os meios para que também oespectador quebre [sua percepção utilitária] e possa entrar em contatocom essa alma que vai ser marcada dentro de uma matéria. (Não sei sevocê se deu conta de que essa resposta é possível…) Alº.: Mais ou menos: é difícil!Cl.: Por que é difícil? Porque o sujeito humano, que é aquele que tem odomínio sobre nós, é governado , é centrado na sua percepção; e apercepção dele (todo mundo nesta aula aqui já sabe!) é sempre utilitária: está sempre respondendo aos interesses orgânicos!Então, a constituição do sujeito artístico é a quebra dessa percepçãoorgânica. Ele vai quebrar [esse domínio]; e ao quebrá-lo, a viagem delese transforma, como se diz, numa viagem … de droga ou algosemelhante : ele sofre umdeslocamento das estruturas perceptivas. Ele,o sujeito artista, penetra em um mundo que não é mais o mundo da

representação, já não é mais o mundo apreensível pela percepção

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utilitária ou pelo intelecto significativo. Ele entra num universointeiramente novo - e é isso que eu vou ensinar pra vocês!… - O que é essa personagem? O que é construir uma figura estética ouuma figura conceitual capaz de quebrar essas muralhas que constituema nossa vida pessoal, que constituem o modelo orgânico? Há um modelo

orgânico  –  nós somos um mundo orgânico. E toda a arte realista é umamanifestação desse modelo orgânico. Nós vamos tentar afastar essemodelo orgânico, para penetrar no que vai ser principal nas nossasaulas  – o que estou chamando de personagem artístico . Evidentementeque isso não é uma tarefa fácil: não é uma tarefa fácil no plano teórico ,mas não é uma tarefa fácil também no plano existencial . Porque, cadaum por si  –  concedendo e admitindo que aquilo que está fazendoéinteiramente novo e ponto final. Ou seja, é um exercício que cada umde nós vai fazer  – um exercício de artista . Cada um de nós vai fazeruma prática de sujeito artista, para tornar-se autônomo na sua própriaobra  –  cheio de orgulho daquilo que está fazendo  – e se confrontar comas forças psicológicas e orgânicas do sujeito humano.Na verdade, o que Proust, por exemplo, chama de sujeito artista não é -de modo nenhum  –  o autor de uma obra. Sujeito artista é aquele que écapazde produzir uma força tão grande em si mesmo, que se libera dosmodelos orgânicos, funcionais, pessoais e dos interesses de uma linhasuperficial. É como se eu os convidasse para participarem desse textoque eu escrevi; como se eu os convidasse a penetrar num mundoacentrado, sem dimensões e, como aquele apaixonado desmemoriadoque, atrás da sua amada, se dirige para não sabe onde , para lugar nenhum . E isso é  – queiram os sujeitos orgânicos ou não  –  isto é o

próprio  — -. A vida é exatamente esta abertura que não para de se fazer,mas que não caminha para lugar nenhum. Então, o artista seriaexatamente um membro desse universo e a vida nesse não -projeto,mas nesse processo dela de não se dirigir pra lugar nenhum… o que elafaz para ela própria se tornar possível é a produção da arte. A arte é omeio que a vida tem de conseguir passar. Isto que estou dizendo pravocês é evidente que quando vocês forem pra a rua e forem entrar emcontato com os outros, poucas pessoas vão entender o que estoudizendo. Então, essa aula daqui, o que ela exige de cada um de vocês, éque cada um de vocês se exceda  –  cada vez mais  – numa produção desofisticação. Que não confundam sofisticação com afeto  – ser afetado por alguma coisa; mas que cada um de vocês procure se sofisticar ao  ponto máximo da sua arte. E deixar de sacrificar a arte em favor dessa ——– em favor do sujeito orgânico. (É muito fácil o que eu vou dizer…) Vocês são todos… É a turma mais complexa que eu tenho, porque cadaum de vocês aqui é uma força nascente, uma força vibrante, cheia de… [---] não quer dizer que é a idade… porque a C –  tem dezessete anos, nãoé por isso! Porque cada um de vocês é uma potência aberta para umdesconhecido quase que insuportável  – e esse ‗desconhecido quase queinsuportável‘ é exatamente a produção da arte de vocês.É muito fácil entender o que eu disse: cada um de vocês está diante de

uma matéria  – e essa matéria é onde vocês vão inscrever a arte devocês. Isso implica, necessariamente, num esforço permanente . Sob

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pena dos prazeres do ‗bife com batata frita‘, etc., vencerem todas essaslutas.Eu não paro de dar aula de Ética pra vocês, não paro… Parece que éuma… repetição minha. Em outras linhas eu vou re-explicar… (inclusive também por causa da chegada da C – , ela chegou atrasada). A

arte - ela se torna o tema , ela se tornao motivo da vida de cada um denós. Ela é o motivo , ela é o tema . E não é propriamente o objetivo ; ela éa atmosfera da vida de cada um de nós. Mas, por causa disso, o amor ,o sexo e a amizade não vão desaparecer, mas essas três figuras,tão poderosas nas nossas vidas,  – sexo, amor e amizade  –  , ao invés deserem motivo, tema ou atmosfera, tornam-seornamentos . Eles vêmornamentar a personagem artística  — -, a personagem conceitual, oobservador científico. Eles vêm como ornamentos! Não é que o artista sepermita sair da sua atmosfera de arte para fazer sexo , praticar a amizade eexercer o amor - de maneira nenhuma! Sempre que eles vãofazer esses exercícios  – esses exercícios vão ser ornamentos da sua arte.E aí, o amor, o sexo e amizade perdem as suas características clássicasde sentimento . Perdem essas características clássicas de sentimento  – ese tornam conjugações poderosíssimas pra nossas vidas. Porque elesnão sãocentros , eles não são temas - como são para o homem comum!O homem comum - o homem médio  –  não tem outra saída: ou ele leva avida dele exatamente por essas linhas  – e ele coloca o amor, a amizade eo sexo como o centro da vida dele  – ou ele vai viver envolvido com culpasinsuportáveis.Mas é diferente do que estou dizendo do sujeito artista. O artista, não; oartista tem que levar às ultimas conseqüências o seu único motivo  – que

é a sua arte. Eu vou dar a última expressão sobre isso, e aí entro naaula, reproduzindo um texto do Jim Morrison em que ele diz que nofinal das contas a sua única amiga  –  é a música .(Vocês têm que começar a se preparar - uma vez que vocês foremconviver comigo, nas minhas aulas  – a aprender ; não,pra saber. Aaprender que tudo o que tem que ser feito aqui é o desenvolvimento quase que interminável - às vezes,insuportável. Porque eu souinsuportável, desde que eu considere alguém meu aluno. Se eu oconsiderar meu aluno , eu me torno insuportável. Por quê? Porque euvou forçar que o espírito seja a única linha possível pra ele. É isso.Deu para você compreender alguma coisa ou não,C – ?Alª.: Eu estou chegando… Cl.: Você está chegando, não é, menina? Tudo isso que estou falando pra vocês… escorre … isso escorre… issoescapa… Porque há uma solicitação da cidade  – a nossa cidadeconstituída exatamente sobre o campo psicossocial; ela se garante nocampo psicossocial. Então, toda a organização da cidade tem ummodelo orgânico e um modelo humano. E esse modelo orgânico e esse omodelo humano  – nos solicitam muito … Solicitam, de que maneira?(Vocês,  —– claramente.) Ele nos solicita nas festas , nos jantares , nos bares … Ele vai-nos chamando! Eu já disse, uma vez, um enunciado

pra vocês, um enunciado do Proust… (final de fita…) 

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LADO BO que estou dizendo pra vocês é que a natureza lançou uma série deflechas. Lançou, por exemplo, uma flecha musical - P – , L  – , Po-, e assimpor diante… Agora  – quem tem que administrar esses talentos , essasvocações , essas tendências … são vocês - é isso que se chama ÉTICA.

Ética é completamente diferente de moral : ÉTICA é saber administrar asgrandes tendências da sua vida.O Nietzsche diz que se essa grande tendência for a preguiça , levem-naàs últimas conseqüências, mas a administrem. Não deixem que essaslinhas poderosas fujam de suas vidas - porque a vida é inteiramente contingente. Inteiramente contingente! O artista… o gênio às vezes nãopode efetuar a sua obra, porque um pequenino erro… uma pequenina veia se rompe no cérebro… e ele morre! Vocês têm que saber  – o tempointeiro  – que vocês estão no interior da contingência . E estando nointerior da contingência o que vocês têm que exaltar o tempo inteiro é a potência de intensidade que vocês têm nas suas vidas. Levem aintensidade às ultimas consequências  – mas colocando como motivo davida de vocês , a ARTE.(O instrumento teórico mais poderoso que eu tenho ainda não é a aula.Por que ainda não é a aula? Porque está havendo faltas… O curso aindanão está organizado. Uma aula pressupõe um percurso muito poderoso!Eu não daria uma aula fácil  – a aula geralmente vai se tornando muito difícil… Então, vocês têm  –  nós temos - um elemento muito forte que é odomingo: eu preciso de vocês domingo ! E esse domingo é basicamentecinema. Com o cinema eu tenhomeios muito fortes de dar exatamente oque eu preciso. Então, não é que vocês tenham: nunca há o ―tem‖ aqui.

Nós vamos retomar os cinemas no domingo. Vamos retomar… Já forampassados dois filmes, (não é?) Foram passados dois Losey, não foi isso?O Criado e O Mensageiro. (Alguns ainda não viram. [Indica pessoas:]Você não viu… F –  também não viu… Isso foi… no penúltimo domingo.Você também não viu O Mensageiro . Então, paraaqueles que nãoviram… a gente pode fazer um novo encontro para passar outra vez osfilmes ) .No próximo domingo eu ainda vou manter o Losey com Casa de Bonecas e provavelmente A Cigana e o Gentleman . Eu vou dar umamantida no Losey porque eu já tenho que começar a forçar esse curso… E o componente mais poderoso pra mim eu ainda acho que seja ocinema, porque no filme eu posso parar e expor o que está acontecendoali.Eu quero explicar (e esta é a terceira vez que estou falando sobre issonesse curso) o que é o domingo pra vocês. Domingo é o meio que eutenho de o teórico se tornar visual . É isso. Eu conseguir mostrar pravocês o que foram os grandes artistas do século XX. Então, nessedomingo para mim é muito importante que vocês estejam presentes.Está pronto, está explicado isso, ninguém pode admitir queantecipadamente já sabe do que se trata. Não, não sabe. Só vaientender na hora em que estiver observando… 

Bem… esta aula vai ter como matéria-prima a noção de PERSONAGEM.Essa é a matéria desta aula: o personagem.

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(O Deleuze dizia que nunca dava intervalo nas aulas dele porquegeralmente o pessoal ficava no bar e não voltava. Risos…) Isso é muito compreensível. É a força que cai sobre a subjetividadepessoal. Porque o sujeito pessoal tem uma vida muito difícil, muitoesmagada. Qualquer um! A história pessoal é muito esmagada; ela é

muito atormentada. Então, ela procura saídas… A linha dela sãofestas… é um bar… Ela arranja essas saídas, não é? O que eu estouquerendo constituir pra nós são outros tipos de saída. (Não quer dizerque você não vai ao bar. Não é nada disso!) Mas são outras saídas.Outras linhas para a vida em que cada um fortaleça sua própria arte!Então, o plano de aula é essa idéia de personagem. Eu vou dar início àidéia de personagem…, é muito difícil!… Eu vou trabalhar umasimplificação … Eu vou trabalhar com Fernando Pessoa, para começar  –  Eu estou escolhendo agora!  – para simplificar isso e vocês poderempenetrar nessa questão: o que é exatamente um personagem artista . Oque é isso?Vou usar um pouco a C – e o F – . C – e F – são dois artistas que têm aexistência pessoal deles. Ou seja, ele se chama F – e ela se chama C – .Mas quando eles estão fazendo a peça deles, ela se chama Alice e ele sechama Rodrigo.Se eu perguntasse a eles dois… se eu agora me virasse pra eles e fizessea seguinte questão:  – C – , F – , quando vocês são C – e F – , as ações quevocês fazem são ações reais? E as ações que vocês fazem, quando vocêssão Alice e Rodrigo, são ações imaginárias?  – Como é que vocês meresponderiam?Alª: É real… Ou nada é real… ou tudo é real.

Cl.: Não, mas ao que parece… vamos dar uma pensada. Vamos pensaruma questão. C –  tem filho?Alª.: Não.Cl.: Alice tem. O que eu estou dizendo é que a arte realista… (Prestematenção! É de uma importância incrível o que estou dizendo pra vocês!).A arte realista se constitui pela produção de uma ação imaginária e deuma situação fictícia . Isso é arte realista! Ela produz uma ação imaginária numa situação fictícia .- O que é uma ação imaginária ? Rodrigo e Alice. Numa situação fictícia.Qual é a situação fictícia? Pátria Minha. Vocês entenderam? Norealismo, necessariamente, você vai fazer uma cisão entre o ator e opersonagem. O ator F – e a atriz C –  têm ação real numa situação real ;mas eles se tornam Rodrigo e Alice  – que é uma ação imaginária numasituação fictícia . Pouco importa se isso é verdadeiro ou falso –  é umatolice discutir se isso é verdadeiro ou falso porque isso é indiscutível - éesse o ponto de partida para nós entendermos a arte realista . Vamospartir assim. Nós vamos partir de que o ator realista se envolve comuma ação imaginária e com uma situação fictícia. (Vocês entenderam oque estou dizendo?)Há um filme modelo pra isso que é o Four Friends. Como se chama emportuguês?

Aluno: Amigos para sempre. 

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Cláudio: Amigos para sempre . Nós vamos ver esse filme. Domingo nósvamos ver esse filme! O filme é do Arthur Penn. Eu vou fazer vocêsconhecerem esse diretor.Há um acontecimento nesse filme, que um dos personagens  – o pai deuma moça que está se casando com um rapaz, que é o artista principal

 – nós vamos descobrir rapidamente, no processo do filme, que aquelepai, que é um homem miliardário, tem uma relação incestuosa com afilha. Nós tomamos um susto quando descobrimos isso  – ele tem umarelação incestuosa com a filha. E ele vai usar a seguinte expressão: ―O que é meu, eu não dou para ninguém!‖ Ele diz isso num jantar emfamília, com o noivo presente. Mas, na seqüência seguinte é ela, a filhadele, se casando com o tal sujeito. Em seguida, vai haver uma festa no jardim, na mansão da família. Aparece o jardim, onde a festa docasamento está se processando. A câmera vai, à distancia, sem zoom,fixa o pai - o tal cara miliardário  – que está numa janela longa ondeaparece o corpo dele inteiro, e ele está parado, [ereto], nessa posição,fixa, olhando para a câmera. O que está acontecendo exatamente ali?Está havendo uma situação … e dentro daquela situação há um conflito.O pai não concorda com a situação; e o rapaz que está casando com afilha, [encontra-se] na situação que ele quer. Então, aquele pai começa aobservar a situação. Na observação que ele faz  – é o casamento, a festade casamento está se processando no jardim  – ele vai se envenenando .Aquela situação vai envenenando o pai. Vai envenenando a tal pontoque ele sai de dentro da mansão, vai para o jardim, começa a fazer umdiscurso, de repente puxa um revólver, mata a filha, dá um tiro norapaz e se suicida.

- O que significa isso?O cinema realista pressupõe dois tipos de ação: uma ação explosiva euma ação retardada . A ação explosiva é paramodificar a situação; e aação retardada é uma ação que permite que a situação permaneça.(Vocês conseguiram entender?)Então, o que está acontecendo na definição que estou dando da arterealista? A arte realista se constitui por esse par: AÇÃO e SITUAÇÃO.- O que é a ação? A ação é o comportamento do personagem  – que é umcomportamento regulado pelos sentimentos e pelas emoções . Ou seja, ocomportamento se altera - se regula e se desregula - exatamente pelasemoções e pelossentimentos que se infiltram no comportamento.Por exemplo: houve um momento em que o Rodrigo começou a beber. Oque foi isso? O comportamento dele começou a se desregular pelossentimentos e pelas emoções.Então, o que estou dizendo pra vocês é que a arte realista se marca porisso: a ação dos personagens numa situação dada. ―Essa situação podese modificar explosivamente, no momento em que o comportamento deum determinado personagem é de tal forma envenenado, que elemodifica aquela situação. (Vamos parar aqui.)Então, arte realista = ação e situação .- O que faz o personagem na arte realista? (Nós temos que marcar isso

definitivamente, ouviu C – ?) O que o personagem faz é comportar-se . Eletem um comportamento. Esse comportamento tem dois objetivos: manter 

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a situação ou destruir a situação. São os comportamentos que ele tem.Como artista da arte realista, o que ele faz é comportar-se .(Tudo bem? Depois nós vamos nos aprofundar nisso).Agora vai surgir a ARTE NATURALISTA. A arte naturalista se origina naarte realista. Mas, quando você encontrar a arte naturalista, o

personagem naturalista não tem comportamento  – como tem opersonagem da arte realista. No naturalismo o comportamento torna-seCOMPORTAMENTO PERVERSO . Ou seja, o personagem naturalistapratica necrofilia , sadismo , masoquismo , comete predações , crimes insuportáveis , ele tem uma violência intolerável … Então, a diferença dorealismo para o naturalismo é que no realismo há comportamento ; e nonaturalismo adiciona-se à idéia decomportamento a idéia PERVERSÃO.(Vocês conseguiram entender isso?) Eu adicionei a idéia de perversão àidéia de comportamento. Eu estou dizendo que no realismo não há comportamento perverso. O comportamento perverso é umcomponente da arte naturalista. Por isso, o personagem naturalista é de umaperversão assustadora! Ele faz práticas necrofílicas, de sadismo, depredação, de destruição… Não quer dizer que não existam crimesrealistas, que não existam ações maldosas no realismo. Só que ocomportamento do realismo e o comportamento do naturalismo sedistinguem pela categoria perversão. Esse é um ponto de partida paranós. Eu não estou concluindo nada. Estou começando a elaborar umacompreensão do que seria a diferença da arte realista e da artenaturalista. Eu estou acrescentando ao naturalismo a idéia de perversão –  que se acrescenta à idéia de comportamento.- O que nós vamos fazer na próxima aula? Na próxima aula nós vamos

estudar o comportamento . Por que vamos estudar o comportamento?Porque é o fundamento da arte da ação, da arte realista. Nós vamosestudar o que é o comportamento , nós vamos estudar o que é a ação ,nós vamos estudar o que é a situação , para compreender o que sepassa quando surge o naturalismo. Então, naturalismo não é uma arteque se opõe ao realismo. O naturalismo é uma arte que se acrescenta aorealismo - se acrescenta: torna as tintas realistas mais fortes . Opersonagem naturalista traz com ele uma perversão que o (atenção!)desumaniza: ele se torna como que um ―bicho-homem‖. Ele vai setornar um bicho-homem! Ele é cheio de idéias fixas; ele tem uma perversão dentro dele. Por isso, o ator realista e o ator naturalista nãotêm uma prática semelhante: porque um tem comportamento e açõesdentro de uma situação; enquanto que o outro, o personagemnaturalista, não quer manter uma situação, nem explodir uma situação- o que ele quer é exaurir a situação. Por exemplo, se a situação é umfenômeno que se dá dentro de uma casa, o que o personagemnaturalista quer é chutar aquela casa, tomar tudo pra ele, destruir tudo que está ali dentro!Então, vocês vão ter que conhecer esse personagem.Alª: Eu sempre ouvi falar que o naturalista era o ator que nãorepresentava… que fazia, como dizem… muitos atores de televisão… 

Alº.:  — ? —–  Alª.: Exatamente! Por isso que eu estou estranhando… 

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Cl.: Exatamente. Você está estranhando apenas pelas palavras.Alª.: É porque… sempre ouvi falar… Ah! não, ator naturalista é aqueleque, na televisão, que não representa, que faz como se estivesse no sofáde casa, entendeu?Cl.: Nós não vamos pensar assim, ouviu C – ? O que nós vamos fazer… 

Porque, por exemplo, isso daqui não tem o menor problema para opessoal de música, o pessoal de física, o pessoal de literatura…, porqueem todos os níveis esta questão vai aparecer. Esta questão aparece namúsica, aparece no cinema, aparece na literatura… Aparece em todosos lugares. O que nós vamos fazer inicialmente é dar conta do realismo e do naturalismo –  é esse o nosso grande trabalho inicial. Nós vamos darconta disso. Nós vamos perseguir isso aqui, de qualquer maneira! Euvou fazer uma perseguição inicialmente aparentemente lenta, mas émentira, eu não ralento as minhas aulas; as minhas aulas não têmralentação, as minhas aulas são profundamente velozes … Elas sãovelozes e a velocidade delas faz parte da minha estimulação do meualuno, porque o nosso tempo é um tempo veloz, não adianta ficarparado, porque senão não vai pra frente. Então, nós vamos começar onosso procedimento confrontando realismo e naturalismo. Mas de umamaneira exaltante e exaustiva .Então, neste instante, as coisas estão com uma simplicidade muitogrande. Eu estou explicando o realismo como sendo uma ação dentrode uma situação. Nessa situação, o comportamento do personagemrealista ou se mantém naquela situação, aquela situação é suave praele, ou a situação é hostil e ele tenta explodir aquela situação. Então,nós vamos colocar duas figuras, já definitivas: a ação pode ser explosiva

ou retardada. E nós vamos pensar isso juntos! Vamos pensar juntos.Por que estou fazendo isso? Aparentemente estou me dirigindo à C – , aoF – , ao A –… quem mais tem aqui? Os três… ela, o M – Aparentemente!Não estou me dirigindo só a eles: eu estou usando a arte cênica comoexemplo! Por que eu estou usando a arte cênica como exemplo? Ela éum ótimo exemplo, porque ela é um exemplo mais genérico. Porexemplo, se eu for utilizar a literatura, ela fica muito presa, fica muitodifícil para os outros entenderem.Aluno: Eu ia falar do Émile Zola  — - naturalismo. Cabe, essa… Cláudio: Émile Zola é naturalismo! Cabe perfeitamente! Integralmente!O que nós vamos marcar nessa distinção  – e com isso eu tambémconsigo produzir, numa linguagem chula, tesão em alguns; numalinguagem coerente: vou produzir neles uma sedução , uma atração .Eu vou começar a atrair , a produzir um processo de atração , porqueestou começando a trabalhar naquilo que, por exemplo, exemplo só… éa obra de C – e a obra de F – Eu estou trabalhando na arte… realista.Como é que trabalha o ator realista. Por exemplo, se você vai trabalharnuma peça da Virginia Woolf  –  Orlando , que seja, Orlando que seja. Odiretor que não consegue distinguir o que seja uma arte realista de umaarte naturalista ou de outras linhas de arte, ele naturalmente vai fazerdo seu ator, na Virginia Woolf, um ator realista. E vai se dar mal… vai

se dar mal… porque não é isso!

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Então, o que nós vamos começar a fazer é entender o que vem a sercomportamento . Esse é o nosso primeiro procedimento: trabalhar emcima de comportamento; e eu aciono  – para produzir uma atração, usoaté o exemplo,  – a idéia de comportamento perverso.Então, aqueles que vierem no próximo domingo irão ver o

comportamento num filme realista clássico, do Arthur Penn  – chamado ,em inglês, Four Friends, com uma trilha musical magnífica  –  [inclusiveGeorgia, cantada pelo Ray Charles], e também o fundo musical doDvorak  – que nós vamos conhecer, antes de ver o filme. Nós vamosouvir a música… Por queouvir a música? Por quê? Não se pode pensarcinema sem entender de música. É impossível, é um equívoco pensar-seque se pode fazer isso! Nós vamos trabalhar com a música e com asimagens  – com o ótico e com o sonoro . Então, nós vamos ver esse filme,Amigos para sempre , que é um filme realista. Vamos ver, vamosexaminar, eu vou dar aula, vou apontar… Em seguida nós vamos ver O Criado, que é um filme naturalista. (Certo?) No Criado nós vamosencontrar o Dick Bogard, que é provavelmente um ator sofrido demais  –  porque ele fazia Losey e Visconti. Losey é um artista naturalista e oVisconti é um artista do tempo puro. E o Dick Bogard entrava nosdois… com um brilhantismo assustador!… Então, essa é a maneira que eu vou desencadear a aula, é uma maneiraque eu seduzo vocês à maneira do demiurgo platônico, porque a funçãodo demiurgo platônico é uma só: colonizar  – que não é o meu caso; por enquanto , persuadir  – ainda é o meu caso. Ou seja, o que é? Atrair  –  fazer vocês começarem a compreender que nada nesse mundo se dásem a prática do pensamento. Se existe uma arte realista, é porque o

pensamento a produziu . Então, é esse o procedimento que nós vamosfazer. Nós vamos começar a avaliar o que é o comportamento realista, oque é ação realista… Eu preciso que todo mundo venha… Eu preciso que todo mundo venha!Se alguém disser assim: eu não posso vir… Alª.: Pode ser assim umas 10 h.?Cl.: Pode ser até 3 horas da manhã. Pra mim, eu não tenho hora , nãotenho hora nenhuma . Eu não tenho hora, não tenho essas questões… Essas questões não atrapalham o meu trabalho, pelo contrário, exaltam o meu trabalho… E vocês vão começar a entrar nisso, cada um paraformar a sua independência! Eu não quero, como por exemplo, numcurso que eu estava dando, um aluno virar-se pra mim e perguntar:―Cláudio, o Kieslowski é realista, naturalista, afetivo?…‖ Eu não sei,meu filho, você que vai ter que decidir! Sou eu que vou decidir? Se vocêentender a minha aula, você vai saber o que fazer!Eu quero que vocês comecem a entender o que vocês estão fazendo!  Nós vamos entender! Nós vamos fazer um trabalho de uma belezaexcepcional! E nosso trabalho vai começar com o filme… (É praticamente o que eu tinha a dizer pra vocês hoje.)E aí, P – ? (Tá?) P – , L  – e o Po- trabalham com música… Toda essaquestão também está dentro da música.

Al.: Está na literatura… Cl.: Está em todos os lugares! Está em todos os lugares! Porque nós

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vamos começar a entender uma coisa incrível… Avida é poderosíssima;mas ela não tem muitas vias, são poucas , são poucas … são poucas aslinhas que a vida pode produzir! E essas pequenas linhas  – que a vidapode produzir  – nós vamos entender inteiramente… perfeitamente !E o meu procedimento de escolher o confronto da arte realista com

a arte naturalista é porque a arte naturalista (foi talvez no que eusurpreendi a C – ) acrescenta à idéia de comportamento a idéia de perversão .Alª.:  — - interpretação naturalista aquela interpretação característica detelevisão  — -Cl.: Qual é a interpretação característica?Alª.: Eles confundem naturalismo com ser natural … espontâneo… Alº.: Isso se chama  – no nosso meio [no meio teatral]  –  interpretaçãonaturalista .Cl.: A espontaneidade, não é? Quer dizer, o ator realista não teriaespontaneidade… Alº.: Olha, ele teria…  Mas…   — - usou mal a palavra… Cl.: É preciso ver com vocês.Alª.: É a não-representação.Cl.: O naturalismo não representaria… Alº: Supõe-se que não, mas é, num certo sentido.Cl.: Vamos ver o que é isso. Vamos ver. Vamos começar a fazer essetrabalho domingo. Não interessa a hora, pode serqualquer hora,domingo nós começamos a trabalhar.O que eu quero… vamos só fazer uma marca. Olha o que eu vou dizer,prestem atenção ao que eu vou dizer. Não precisa tomar isso em toda a

profundidade, pode escapar toda a profundidade, não faz mal. Ocomportamento . Essa figura chamada comportamento foi esgotada pelapsicologia behaviorista, no século XX. Ela estudou tudo sobrecomportamento. Então, onde houver um comportamento hánecessariamente um ego. (Prestem atenção!) Quem se comporta? O ego:o ego se comporta. Então, é preciso começar a entender o que eu faleiquando eu disse: F – é real e Rodrigo é imaginário . (Certo?)Porque (…) (fim de fita)Parte II[...] É, mas é outra questão! O que eu estou falando é dos deuses emrelação ao personagem… Não mais comportamento e ação, masintroduzir afetos, por exemplo. Se você quiser produzir uma obraartística, teatral  – pouco importa  – que seja afetiva, nessa obra nãopode haver personagem se comportando. Então você vê que essas… (C – está olhando pra frente, olhando para o lado, está pensando… Claro! Está produzindo pesquisa, está produzindo questão…) Alª: Eu quero saber por que, no caso dele, você falou [que] o Rodrigonão é real?Cl.: O que eu digo que o Rodrigo não é real é no seguinte sentido, vocêpode fazer a seguinte confrontação: você diz assim  – existe um Rodrigo e

existe um F – ; existe uma Alice e existe uma C – . É nítido, o que eu estoudizendo; é claro, o que estou dizendo. Então, todas as ações do Rodrigo

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são ações imaginárias. Isso é uma marca do realismo. Eu sei que, nessemomento, pra vocês, isso é difícil! Mas é a marca do realismo, orealismo traz  – como marca  – a ação imaginária numa situação fictícia.É a marca dele! É a marca dele! É a marca desse mundo realista… Por isso , quando você pega um cinema do Tarkovsky (não sei se alguém já

viu o cinema do Tarkovsky), ele é um cinema completamente diferentedo cinema realista. O cinema realista é o cinema do Spielberg, porexemplo. É um cinema entupido de planos. Vocês viram oIndiana Jones ? Esse filme, por exemplo, é entupido de planos. Quando você pega um Tarkovsky, é um plano seqüência de uma hora ! Uma hora! Os atoresestão em frente àquela máquina parada durante uma hora . É evidente que houve um procedimento diferenciado. É evidente que o personagemnão é do mesmo estilo.Então, é exatamente isso que nós temos, pra começar a fazer essepercurso. Para entender o pensamento, para entender corpo, entenderintensidade, entender todas as questões que nós vamos levantar  – oprocesso que eu vou utilizar é esse. É esse. Nós vamos começarexatamente na arte cênica.Nós vamos entrar nessa arte cênica  – e ver o que vai acontecer emfunção disso daqui. Eu acho que todo mundo pode estar plenamente deacordo com isso. Não tem o menor problema… Eu estou dizendo pra vocês que essa questão da arte se envolve tambémcom a vida. Agora eu vou dizer uma coisa muito difícil! Se por acaso eutranspusesse a arte realista para a filosofia, eu seria aristotélico; se eutranspusesse a arte naturalista para a filosofia, eu seria pré-socrático.Essas coisas vocês conhecem menos, mas vocês vão passar a conhecer

que esses procedimentos estão em todas as linhas da vida. (Foi claro oque eu falei? P –?… Tá?). Então, eu acho que é só. É só. Olha o que euestou fazendo nessa aula: eu não estou, em momento nenhum,preocupado em dar uma aula bonita pra vocês. Eu estou preocupadoem fazer uma… EXPLOSÃO ÉTICA aqui dentro, um movimento ético aqui dentro. E ética  – o que eu chamo de ética - é modo de vida e forma de arte . Isso que é ética! Qual é o seu modo de vida ecomo esse seumodo de vida se associa com sua prática artística! E, prática artística,não é fazer música, não é fazer isso, não é fazer aquilo… é também ummodo de vida. De que maneira eu vou construir essa única vida que eutenho. É isso. Ponto. Eu não tenho mais o que dizer! Perguntas… sevocês quiserem fazer alguma.Na música… o que nós vamos fazer?.: Eu não posso nem dizer pra você uma resposta precisa. O que euposso dizer pra você, é que se nós formos começar a percorrer a música , nós vamos encontrar coisas surpreendentes como, por exemplo, oOlivier Messiaen dividindo a música em rítmica e não-rítmica . E dizendona minha cara que o jazz - que eu amo desde os dois anos de idade temuma finalidade: apaziguar as paixões, ele diz isso! Talvez ele possaatenuar um pouco na frente. E o ritmo , não. No ritmo… o objetivo éapaziguar nada. O ritmo, diz ele, é uma produção da própria natureza,

enquanto que as músicas não rítmicas são originárias no orgânico. Nósvamos afirmar isso daqui sem estudar? Não. Nós vamos percorrer isso.

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Porque eu tenho exemplos vivos dentro desta sala  – que todas essasaulas geram conseqüências produtivas … geram conseqüênciasprodutivas, geram produções . Eu consegui uma coisa muito nova hoje.Eu preocupei a C – .(Riso…)  —–  

Porque nós vamos começar a pensar se, realmente, na questão do ator  –  se é possível pensar um ator que sejasimultaneamente um pensador. Euacho que sim. Não vou falar mais nada.(Tá bom, P – ? F – ? Entenderam?)Al.:  —  Cl.: E vai para o gabinete do psicanalista e vai ficar, interminável, ládentro, não é? Não tem jeito. É o sentimento. Então, tem que produziralguma coisa superior para poder viver. A arte é  – ao mesmo tempo  –  um modo de vida.Al.: Bom, tem que decidir o horário de domingo… Cl.: Decidir o horário… Horário… Para mim não há horário. Eu precisodesses dois filmes vistos… Eu preciso que esses dois filmes sejamvistos. São duas obras primas do cinema. Eu preciso que eles sejamvistos  – pra a gente começar a trabalhar. Vamos começar a entenderessas coAluno: Pode marcar então, de repente…