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O PODER DE CONTROLE NA SOCIEDADE ANÔNIMA FABIO KONDER COMPARATO & CALIXTO SALOMÃO FILHO 6 A ED., SÃO PAULO, FORENSE, 2014 Introdução Poder Econômico: A Marcha da Aceitação Para que se estude o poder de controle, há que se abordar a influência do poder nas ciências sociais. A evolução da reflexão sobre o poder nelas se deu como uma marcha da aceitação do poder como um dado da realidade. É possível conviver com ele, mas não poder ser combatido ou eliminado. H. Arendt, Poder e Violência: trata-se de conceitos antagônicos, na medida em que a violência aparece quando o poder desaparece. As raízes da violência estariam na burocratização do poder estatal, já que no Estado burocrático não se pode identificar o responsável pelo problema. Deixa de lado as relações de poder dentro do Estado que fazem com que grupos econômicos mais poderosos tomem conta dele e se utilizem da organização em seu próprio benefício. Contrapõe-se B. de Jouvenel: todo o poder leva à formação de elites que tendem a agir em benefício próprio, sempre que se delega a busca de objetivos sociais democráticos a um grupo definido. Essa elite acaba se apropriando do Estado para seus próprios interesses. Raciocínio pessimista sobre a democracia indireta, que clama por limites estruturais ao poder dessas elites. Nicklas Luhmann, Poder: poder é constitutivo de sociedade, um importante meio de comunicação, determinando comportamentos. Poder e violência só teriam uma ligação nas sociedades primitivas – ideia de formas de comunicação como instrumento de controle, v. Habermas). Reconhece necessidade de limitação do poder na esfera civil (mesmo erra de H. Arendt). Mas só pelo exercício do poder pode-se produzir verdadeiros ganhos tecnológicos dentro das organizações, por sua capacidade de inovação. Admitir o poder, quase como um ato de reverência e admiração, não é tão simples, e ve sendo construída há séculos nas ciências sociais. a) A visão filosófica a1) Os filósofos unitários: Kant e Hegel Tensão entre ideal e realidade é o traço mais marcante da filosofia moderna. Conceitos sintéticos a priore de Kant = aqueles não puramente analíticos e dedutíveis da lógica, e que requerem uma análise e

O Poder de Controle na Sociedade Anônima

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Fabio Konder Comparato

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O Poder de Controle na Sociedade AnnimaFabio Konder Comparato & Calixto Salomo Filho6a ed., So Paulo, Forense, 2014

Introduo Poder Econmico: A Marcha da Aceitao

Para que se estude o poder de controle, h que se abordar a influncia do poder nas cincias sociais. A evoluo da reflexo sobre o poder nelas se deu como uma marcha da aceitao do poder como um dado da realidade. possvel conviver com ele, mas no poder ser combatido ou eliminado.H. Arendt, Poder e Violncia: trata-se de conceitos antagnicos, na medida em que a violncia aparece quando o poder desaparece. As razes da violncia estariam na burocratizao do poder estatal, j que no Estado burocrtico no se pode identificar o responsvel pelo problema. Deixa de lado as relaes de poder dentro do Estado que fazem com que grupos econmicos mais poderosos tomem conta dele e se utilizem da organizao em seu prprio benefcio. Contrape-se B. de Jouvenel: todo o poder leva formao de elites que tendem a agir em benefcio prprio, sempre que se delega a busca de objetivos sociais democrticos a um grupo definido. Essa elite acaba se apropriando do Estado para seus prprios interesses. Raciocnio pessimista sobre a democracia indireta, que clama por limites estruturais ao poder dessas elites.Nicklas Luhmann, Poder: poder constitutivo de sociedade, um importante meio de comunicao, determinando comportamentos. Poder e violncia s teriam uma ligao nas sociedades primitivas ideia de formas de comunicao como instrumento de controle, v. Habermas). Reconhece necessidade de limitao do poder na esfera civil (mesmo erra de H. Arendt). Mas s pelo exerccio do poder pode-se produzir verdadeiros ganhos tecnolgicos dentro das organizaes, por sua capacidade de inovao.Admitir o poder, quase como um ato de reverncia e admirao, no to simples, e ve sendo construda h sculos nas cincias sociais.a) A viso filosficaa1) Os filsofos unitrios: Kant e HegelTenso entre ideal e realidade o trao mais marcante da filosofia moderna. Conceitos sintticos a priore de Kant = aqueles no puramente analticos e dedutveis da lgica, e que requerem uma anlise e comprovao na prtica. S um conceito a priori, definido puramente no mundo das ideias e que possa ser comparado mas no confrontado com a realidade capaz de justificar o marginalismo na microeconomia, apesar de suas premissas sabidamente no realizveis (ideal por trs do neoclassicismo).Hegel: realidade parece autoexplicativa e suficiente. Regra dialtica universal tem como princpio a oposio das partes ao todo (o Estado, concentra o poder, organiza a sociedade).Filosofia unitria busca reconstruir o mundo como unidade global, sem distino entre ser e dever ser. Filosofia, que busca explicar a justificao ltima dos fenmenos, precisa possuir um controle tico das vises do mundo fundamentos ltimos no bem se explicam sem as finalidades. tica e anlise da realidade no se devem separar, caracterstica criticada por utilitaristas e pragmticos, e que levar decadncia do movimento filosfico do mundo.a2) Ciso entre tica e realidadeEscolas ticas (dever ser) passam a se caracterizar por um individualismo metodologia, e a filosofia preocupada com a explicao de fenmenos ontolgicos (ser) passa a ser invadida pelo tcnico-cientificismo.Individualismo metodolgico tem origens nos utilitaristas (Locke e Bentham) = desejo individual fundamental na explicao das aes dos humanos, de forma que eles devem orientar-se nesse sentido, justificando teorias econmicas que determinem o dever ser (direito) a partir de mximas de bem estar.Nietzsche: coloca o indivduo e o poder de sua vontade ao centro da reflexo sobre o dever ser, e os princpios ticos so derivados para o comportamento de seu super-homem. Glorifica o individuo, o que eticamente bastante extremo (niilismo uma reconstruo moral absolutamente individual). Terreno est preparado para o poder poltico totalitrio.Anlise ontolgica passa a ser tomada por estudos tcnico cientficos. Wittgenstein pe ao centro da investigao filosfica a lgica, que ignora completamente o estudo dos porqus ltimos e perspectiva de anlise crtica da realidade, para a qual a conjugao entre causa ltima e causa final so fundamentaisa3) ContrapontoAnlise Marxista: usa uma forma de anlise global da realidade, envolvendo futuro e passado, na linha de Hegel, e traz consigo o determinismo (O capital, vertente econmica) e a crtica (reumanizadora). Sem a anlise humanista, o determinismo econmico levaria a concluses pssimas: o individualismo levaria a uma aristocracia proletria na fase ps-revoluo, como ocorreu de fato ao longo do sculo XX). Crticas: conceito de marcha inexorvel da histria desumaniza as relaes polticas e sociais, dando ao poder econmico valor to grande quanto o atribudo por seus rivais. Reconstruo da dialtica em volta da Escola de Frankfurt. Horkheimer retira da dialtica a perspectiva crtica em relao s cincias sociais positivistas, pela necessidade de um estudo interdisciplinar. Adorno usa a dialtica para criticar as relaes sociais burguesas, desumanizadoras, e se interessa pelos microssistemas e a riqueza da vida da classe operria. Habermas (discpulo de Horkheimer): condies transcendentais do homem em relao com o mundo haviam nascido em condies empricas, com base na histria natural da espcie humana que defendia sua existncia trabalhando, sofrendo relaes de dominao. No entanto, com a primeira frase h um consenso geral sem coero que se exprime sem ambiguidade: ideia da existncia humana como conversao e solidariedade. Teoria propugna por uma verdadeira revoluo das relaes sociais, por meio de cooperao das classes proletrias. Identifica na comunicao uma forma de construo de conhecimento, mas no necessariamente de ao, justificando formas de estruturao social e jurdica que deem liberdade de ao a partir de ento.b) A viso econmicab1) A marcha do pragmatismoNa teoria econmica que se percebe uma aceitao e valorizao mais clara do poderio econmico desenvolvimento muito mais linear, desembocando num forte pragmatismo. Cientificismo dos liberais clssicos e a metodologia matemtica introduzida pela microeconomia marginalista torna a cincia previsvel.Liberais clssicos desconheciam qualquer falha no funcionamento do mercado. Smith: como conciliar as imensas desigualdades provenientes do liberalismo? Utilitarismo de Bentham e Mill: felicidade vem da satisfao de necessidades individuais, ento o aumento da riqueza como um todo de uma nao compensa a desigualdade produo e consumo para o maior nmero de pessoas. Mas no consideravam esse problema como aptos a afetar seu modelo.Neoclassicismo: escola de Chicago. Existem pontos de equilbrio nas relaes microeconmicas e nas variveis macroeconmicas para onde essas relaes devem tender modelos de equilbrio para previso de resultados futuros. Caso o valor agregado gerado por uma situao com um agente monopolista seja maior que na concorrncia perfeita, ela justificvel. Revalorizao do poder econmico dos monoplios, relativizam das ineficincias alocativas por eles produzidos = deificao do poder econmico (cf. R. Bork, The antitrust paradox). Difunde-se, desafortunadamente, para o Brasil.Determinismo histrico de Marx: tolerncia ao poder econmico, considera intil batalhar o poder econmico j que o capitalismo monopolista o ltimo estgio antes da Revoluo Proletria. Posies incoerentes, destruio da prpria ideologia social construda (cf. P. Gay, A cultura de Weimar). O problema decorre do fato que h uma relao direta entre concentrao do poder econmico e m distribuio de renda (cf. W. Comanor e R. Smiley, Monopoly and the distribuition of wealth, em que h dados mostrando menor desigualdade entre os anos de 1890 e 1963, em que a legislao anti-monoplio foi melhor aplicada), e portanto impossvel construir sociedades economicamente e socialmente justas sem um combate estruturado ao poder econmico (desenvolvimento e distribuio de renda sempre mais efetivo com combate ao poder econmico. Polticas estatais de apoio de empresas exportadoras, com capacidade de concorrncia internacional, aliadas a medidas de proteo indstria nacional, foram os elementos fundamentais para o desenvolvimento industrial, conforme J. Brohnman, Postwar Development in the Asian NICs).b) A sntese SchumpeterianaDemocracia, Socialismo e Capitalismo: novo determinante de todo o desenvolvimento capitalista passa a ser o desenvolvimento tecnolgico, consolidando a explicao marxista da histria do capitalismo com o elemento impulsionador do progresso tecnolgico no mercado). Ganha fora o poder econmico com a glorificao dos monoplios noo centrada na necessidade de um motor do lado da oferta e empreendedores fortes e capazes para satisfaz-lo. Toda a tecnologia bem-vinda, inclusive aquela capaz de deslocar quantidades macias de mo de obra. Consumidor um ente cada vez mais destacvel, criao de seus gostos que no correspondem necessariamente com suas preferncias. Teoria chamada de evolucionismo econmico.c) Tendncias crticasTodas as teorias opostas buscam estabelecer modelos e modos necessrios de evoluo do processo econmico, mas isso tende a ser fadado ao fracasso, j que o conhecimento encontra-se disperso nos indivduos em maior ou menor grau (assimetria), tornando impossvel uma teorizao a respeito do comportamento econmico. Esses modelos de previso utilizam a teoria do conhecimento (F. Hayek, The use of knowledge in society) e a Economia da Informao (G. Akerloff, The market for lemons, mostrando que a falta de informao a respeito de determinado mercado poder levar ao seu desaparecimento, J. Stiglitz, The contributions of economics of infomration to twenthieth century economics, mostrando como as prprias tem efeitos sinalizadores, transmitindo informaes, e M. Spence, Signaling in retrospect, mostrando como sinais so formas de transmitir informaes e reduzir assimetrias entre agentes). Seus fracassos levam concluso que resultados econmicos no podem ser alcanados por modelos tericos. Assimetria ocorre muito mais na presena de poderes econmicos, por levarem a imensas distores, especialmente quanto as dificuldades sociais de acesso informao.Outra crtica ao neoliberalismo: o estruturalismo. Processo de desenvolvimento industrial do sistema capitalista levou a conflitos irreconciliveis nas economias subdesenvolvidas com as desenvolvidas impossibilidade de adaptao de modelos econmicos, vez que o subdesenvolvimento no uma fase do desenvolvimento (cf. R. Prebisch e C. Furtado, O desenvolvimentismo econmico na Amrica Latina e alguns de seus problemas principais e o clssico Formao econmica do Brasil). Determinismo e pessimismo, devido no participao das naes perifricas no sistema internacional de trocas, mostrando influncias dos esquemas lgico-formais do raciocnio econmico. Seus criadores veem na criao de uma demanda interna um fator essencial para o desenvolvimento, que depende, por exemplo, da diluio do poder econmicoFuno do raciocnio parece recobrar sua caracterstica fundamental: preciso reconhecer a assimetria de informaes e poder de atuao no mercado, ensejando uma atuao ativa nele que no deve se limitar a reprimir comportamentos abusivos. Proteo ao devido processo econmico, exatamente pelo potencial de excluso e criao de desigualdades nas interaes sociais do mercado. Ademais, a diluio do poder econmico deve-se dar pela importncia da concorrncia como instrumento de formao do conhecimento econmico potencial tanto criador como distribuidor do conhecimento (cf. Salomo Filho, Regulao e Desenvolvimento).c) A viso jurdicaMovimentos de crticas as concepes dominantes acerca do poder econmico ainda so esparsos.c1) Do racionalismo jurdico ao positivismoRuptura entre moral e direito a partir de Pufendorf: seu fundamento passa a ser na lgica, na existncia de um sistema racional e autointegrado de disciplina nas relaes sociais, caractersticas que acompanham a maior parte dos ordenamentos ocidentais. Afirmao da autosuficincia do ordenamento jurdico, sem interferncia de elementos imanentes natureza do homem.Fechamento do sistema em si mesmo, desenvolvimento do positivismo dogmtico na Pandectista (Alemanha, sculo XIX). Proteo da doutrina e do direito contra demandas sociais e ticas, e a lgica substitui o conceito de justia. Positivismo jurdico toma conta do ensino aps a promulgao do Cdigo Civil alemo, representando na teoria geral do direito brasileiro a mesma coisa que o marginalismo na economia. Integra-se aos cdigos uma doutrina pronta a grandes elucubraes lgicas e racionais, cada vez mais distante de valores e seus princpios.c2) Positivismo e poder econmicoDireito passa ser instrumento para objetivos econmicos (cf R. Posner, Law, pragmatism and democracy, em que se v no formalismo de Kelsen a admisso analise econmico do direito). Cincia do direito positivista totalmente avessa discusso da finalidade das normas para a mente positivista, mtodos interpretativos que se apresentem com uma certa coerncia racional, que por sua generalidade possam ser identificados em qualquer norma e que deixem intacto o autocentramento do jurista so bem-vindos. Abre-se o caminho para a transferncia ao economista de polticas econmicas e legislativas, atribuindo ao jurista uma tarefa de escriba. Assim, fcil entender a aceitao do poder econmico, sendo visto como algo a ser estimulado (cf. Calixto Salomo Filho, Direito Concorrencial as estruturas e as condutas).d) PerspectivasO nico raciocnio libertador o antissistmico. Da Escola de Frankfurt pode-se extrair a ideia de racionalidade comunicativa das relaes intersubjetivas por oposio racionalidade finalista das instituies do sistemas. Da economia do conhecimento e da informao e do estruturalismo possvel retirar as ideias de difuso de conhecimento e assimetria de informaes, ficando clara a necessidade de criar condies para o devido processo econmico, permitindo a incluso mais ampla possvel de agentes econmicos que podero tomar suas decises com o maior nvel de informaes possveis. Essas ideias requerem o combate ao poder econmico, que, concentrador de conhecimento e informaes, impede que a parte sem poder os adquira (perpetuao do desequilbrio). Implicao necessria entre poder econmico concentrado e subdesenvolvimento.Sadas exigem a rediscusso estrutural das relaes sociais. Pela tica da teoria dos jogos, o poder est muito mais na estrutura das relaes individuais que no prprio desequilbrio de foras entre as partes, acabando por determinar o comportamento do indivduo (dilema do prisioneiro), mas que confirma que as reformas estruturais so formas viveis de limitao do poder na sociedade (cf. K. Dowding, Power). Estimulao do comportamento cooperativo nas organizaes sociais, em detrimento do estratgico, que pode levar a abusos.Sociedade annima: por meio de sua organizao que se limita o poder nas relaes societrias, estabelecendo formas de comunicao entre acionistas e o comportamento cooperativo. Discusso realista mas idealista de limites estruturais e comportamentais do controle, ou ao menos regular seu uso e suas funes (E. Bernstein: democracia acionria era uma das principais esperanas contra a tendncia monopolizao crescente do capital). O problema que a concentrao do poder econmico, dentro e fora da empresa, favorece a manuteno das estruturas reinantes - caso trgico da tolerncia ao poder econmico e militar na Repblica de Weimar, no diferente como ocorreu no Brasil em 1964, garantindo um longo perodo de retrocesso em termos sociais. Lei das S/A surge nesse contexto: relevncia ao poder econmico como para fortalecer a grande empresa nacional. Viso crtica desse fenmeno o nico jeito de combater o conservadorismo, a dificuldade de reformas sociais e o retrocesso de nosso mercados de capitais (cf. Salomo Filho, Direito societrio e novo mercado).Parte IAnlise e DefiniesA palavra controle um neologismo do portugus, originando do francs e sofrendo influncia da conceituao inglesa. Na Frana, seu primeiro emprego era no sentido de um registro duplo, de se inscrever numa rol (folhas costuradas onde se escrevia decises atos, ttulos, normas etc.). Controle des socits anonymes seria, portanto, no sentido de fiscalizao ou exame administrativo nvel de controle mais fraco. J na lngua inglesa, h uma noo imbuda de poder ou dominao, aproximando-se do conduct. No portugus, a evoluo semntica com que significasse tanto vigilncia, fiscalizao como ato de poder, dominao e regulao mas nossa legislao usa mais a palavra no segundo sentido, como no controle do Banco Central sobre capitais estrangeiros. No seria absurdo, portanto, falar de controle do controle.Na sociedade annima, a economia interna segmentada pela legislao a diversos rgos, de forma que no pode ser deixada ao livre-arbtrio de seus fundadores ou acionistas diviso semelhar dos poderes no direito constitucional, marcada pela sua indelegabilidade. No entanto, eles no so colocados no mesmo nvel. A Assembleia-Geral rgo mais imediato, com um poder-funo deliberante para eleger e investir os demais rgos ideia de poder ou rgo supremo, mesmo que isso no seja refletido na realidade. A diretoria, abaixo dela, tem um poder-funo administrativo, o conselho fiscal um poder-funo sindicante etc. Ideia da separao romana entre potestas um poder especializado, subordinado, limitado, tal como os rgos subalternos da S.A. e o imperium o poder militar, supremo, reservado assembleia de acionistas.No entanto, a assembleia-geral no se confunde com a sociedade, posto que rgo mximo mas no organismo. Quando se fala em controle das sociedades annimas, se fala em um poder que transcende as prerrogativas legais da prpria assembleia, aproximando-o da soberania. No plano interno, a soberania se situa no fecho da abbada de uma organizao hierrquica, e no plano externo, na posio de igualdade com os demais sujeitos autnomos ambas as ideias derivando da desvinculao de comandos alheios. Nas primeiras concepes de sociedade annima, a ideia de soberania por alguns acionistas indicados, e no do quadro societrio como um todo esteve bem presente por exemplo, na Companhia das ndias Orientais, que estabelecia conselhos locais de poucos membros, numa concepo bem antiannima do poder.O mercantilismo um perodo em que a principal atividade estatal a grande empresa mercantil estatal colonial. A conjurao dos interesses da burguesia nascente apelou para a poupana popular, nascendo a empresa, sob a forma de sociedade annima, com as caracterstica antitticas de funo pblica (presena estatal), gesto privada (dominao da aristocracia na administrao) e interesse coletivo (presena do pblico inovador). Uma primeira crise nesse modelo se deu entre a gesto priva e o interesse coletivo, em que os administradores das companhias coloniais, gerindo-as como coisa prpria, no se preocupam em distribuir informaes ou sequer lucros a seus acionistas. Uma segunda confrontou a funo pblica com o interesse privado, no momento em que a presena do Estado de torna intil para acumular capitais, e em que a preocupao deixa de ser descobrir fontes de matrias-primas ou novos mercados para ser focada no processo tecnolgico produtivo. Esse movimento foi enfatizado pela Revoluo Francesa, que trouxe princpios individualistas s sociedades correspondentes s necessidades da burguesia industrial da poca a sociedade passa a ser visto como coisa dos scios (Code de Commerce de 1807, absoluta autonomia da assembleia-geral para definir seu interesse social e sua organizao interna). Perdura at o sculo XIX, perodo de extremado contratualismo nas sociedades annimas.No primeiro estatuto do Banco do Brasil, de 1808, por exemplo, somente os quarenta maiores acionistas integravam a assembleia-geral figura que aparece no pas pela primeira vez , revelando uma distino entre os empresrios e os meros investidores de capital nessa poca. O CCom de 1850 no fez meno a este rgo. A concepo do anonimato, ou encobrimento do poder de controle, com uma assembleia de regime semelhante s eleies populares, s se firmaria com a generalizao da democracia-parlamentar no Ocidente. A ambiguidade conjurada entre soberania da Assembleia-Geral e realidade paralela do poder fruto da ambiguidade entre a caracterstica aristocrtica da S.A. colonial e da sua natureza contratualista no ps-mercantilismo conflito que perdurou por toda a histria societria brasileira.Alis, a definio legal dos centros de poder raramente coincide com a realidade: vide, por exemplo, a declarao constitucional de que todo o poder emana do povo, que figura mais como enunciado de princpio e que no vincula a prtica poltica. O mesmo ocorre nas assembleias, que so incumbidas de decidir todos os negcios relativos ao objeto da sociedade (art. 121), mas cujas decises so na verdade fruto do controle de certos acionistas sobre ela. Pode ocorrer, ento, que o verdadeiro titular do poder decisrio seja estranho ao quadro societrio, que ocorre quando uma sociedade est muito endividada perante um banco e lhe transmite a controle afim de satisfazer seus crditos. De qualquer forma, no fizer de Ascarelli, o conceito de controle sempre feito em volta da assembleia-geral, como ltima instncia societria concepo que no desvirtuada pela cogesto (conselho, board of directors), vez que sua composio quase sempre reflete a preponderncia do capital nas deliberaes societrias, e por seu poder no ultrapassar a esfera administrativa (no abrange, por exemplo, fuses e aquisies).