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1 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA Nicola Stefano Galgano O preceito da Deusa O não ser como contradição em Parmênides de Eléia São Paulo 2015

O preceito da Deusa · Mário Ferreira dos Santos "A sabedoria do ser e do nada" 8 RESUMO GALGANO, N. S. O preceito da Deusa: O não ser como contradição em Parmnides de Eléia

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Page 1: O preceito da Deusa · Mário Ferreira dos Santos "A sabedoria do ser e do nada" 8 RESUMO GALGANO, N. S. O preceito da Deusa: O não ser como contradição em Parmnides de Eléia

1

UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM FILOSOFIA

Nicola Stefano Galgano

O preceito da Deusa O natildeo ser como contradiccedilatildeo

em Parmecircnides de Eleacuteia

Satildeo Paulo 2015

2

Nicola Stefano Galgano

O preceito da Deusa O natildeo ser como contradiccedilatildeo

em Parmecircnides de Eleacuteia

Tese a ser apresentada ao programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Filosofia do Departamento de

Filosofia da Faculdade de Filosofia Letras e

Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo

para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Filosofia sob

a orientaccedilatildeo do Prof Dr Roberto Bolzani Filho

Satildeo Paulo 2015

3

Ao Tomaz Toledo

4

AGRADECIMENTOS

Este trabalho eacute o resultado de um longo percurso que seguiu por todo tipo de configuraccedilatildeo

houve partes retas e tortuosas em descida e em subida planas e cheias de obstaacuteculos ele foi

possiacutevel graccedilas a mas tambeacutem apesar de A maioria dos obstaacuteculos natildeo poderia ter sido superada

sem a colaboraccedilatildeo de muitas pessoas que aqui quero agradecer

Agradeccedilo antes de tudo ao meu orientador o prof Roberto Bolzani Filho por ter acreditado

neste projeto e ter proporcionado as condiccedilotildees institucionais para que se realizasse

Agradeccedilo agraves instituiccedilotildees que me abrigaram materialmente agradeccedilo agrave USP e agrave FFLCH

cujas estruturas foram amigaacuteveis e cujos funcionaacuterios foram amigos e colaboraram com simpatia

principalmente a equipe da secretaria da FFLCH Geni Ferreira Lima Luciana Bezerra Noacutebrega

Maria Helena Barboza e Marie Maacutercia Pedrozo

Agradeccedilo agrave CAPES que com suas bolsas aquela propriamente de doutorado e aquela de

pesquisa no exterior me proporcionou as condiccedilotildees financeiras para o meu sustento no Brasil e no

Canadaacute quando ali passei um ano na Universidade de Toronto (UofT) Gostaria de registrar

tambeacutem a extrema simpatia e gentileza de seus funcionaacuterios que sempre me trataram bem e

cuidaram de que tudo ocorresse bem assim como de fato ocorreu

Os agradecimentos acadecircmicos satildeo inumeraacuteveis Antes de tudo aos meus orientadores

oficiais o prof Roberto Bolzani Filho e o prof Thomas M Robinson que me acompanharam

intelectualmente cada um a seu modo Eacute difiacutecil descrever o que representaram para mim associo

o prof Bolzani mais agrave liberdade de jorrar salvo depois passar pelo crivo criacutetico e o prof Robinson

mais a passar pelo crivo criacutetico salvo depois se permitir a liberdade das afirmaccedilotildees ousadas Com

ambos senti a felicidade da pesquisa

5

Depois ainda em acircmbito acadecircmico agradeccedilo agraves muitas pessoas que ofereceram sugestotildees

e me aconselharam tanto pessoalmente quanto por correspondecircncia Em primeiro lugar ao prof

Livio Rossetti da Universidade de Perugia que sempre me estimulou com sua amizade singeleza

e criatividade e mais do que isto sempre me contagiou com seu entusiasmo para com os preacute-

socraacuteticos grazie Livio Agradeccedilo tambeacutem ao prof Neacutestor Luis Cordero da Universidade de

Rennes estudioso pertinaz e insubstituiacutevel provavelmente o atual maior conhecedor de

Parmecircnides no mundo que sempre atendeu agrave minhas duacutevidas com clareza e generosidade

admiraacuteveis

Agradeccedilo agrave professora Eliane Christina de Souza pelas sugestotildees e pelo primeiro seminaacuterio

brasileiro sobre o natildeo ser realizado na UFSCar de proporccedilotildees ainda limitadas mas que espero

possa crescer Agradeccedilo aos professores Alberto Bernabeacute Beatriz Bossi e Graciela Marcos que

tambeacutem atenderam a certas minhas questotildees parmenidianas

Na esfera afetiva haacute muitas pessoas agraves quais eu agradeccedilo

Agradeccedilo antes de tudo agrave professora Maria Carolina Alves dos Santos amiga querida que

acompanhou todo este meu percurso os altos e os baixos apesar de morarmos em cidades

diferentes e eacute testemunha da difiacutecil alquimia pessoal pela qual eu passei que subjaz agrave conduccedilatildeo

da pesquisa filosoacutefica posto que o laboratoacuterio do pesquisador estaacute instalado em sua proacutepria mente

A ela agradeccedilo as conversas as aulas compartilhadas e o excelente seminaacuterio que foi realizado na

Universidade Federal de Mariacutelia onde o seu Platatildeo e o meu Parmecircnides se encontraram e

disputaram entre ser e natildeo ser

Agradeccedilo aos colegas Henrique de Paula Marcello Fontes e Sheila Paulino com os quais

compartilhei os momentos de alegria e de tensatildeo das festas e das discussotildees das perspectivas

acadecircmicas e de vida das duacutevidas decepccedilotildees esperanccedilas e satisfaccedilotildees e toda a paleta intelectual

6

afetiva e emocional que se vivencia com os amigos

Agradeccedilo agrave Patriacutecia que me abrigou e me abriga e gosta de compartilhar comigo o

espairecer necessaacuterio agraves nossas cansativas tarefas

Agradeccedilo aos meus filhos Giovanni que esteve trabalhando longe com o qual discutimos

muitas coisas do mundo e do universo Paula e Aureacutelia que estiveram sempre perto e presentes e

mais do que ningueacutem me ajudaram neste percurso em todos os sentidos todos Para elas natildeo haacute

palavras suficientes

Agradeccedilo por fim as ondas inspiradoras das praias solitaacuterias de Ilha Comprida o mar de

verde da minha moradia em Itu e o frio severo do Canadaacute fascinante ao menos para mim

7

Quando pensamos no nada absoluto natildeo realizamos

o nada nem tampouco a ideacuteia do nada porque a uacutenica

que podemos construir eacute por exclusatildeo das coisas

conhecidas e positivas eacute pela exclusatildeo total de toda

positividade por recusa sem a positividade natildeo

poderiacuteamos conceber o nada Soacute o concebemos por

oposiccedilatildeo ou seja por negaccedilatildeo do positivo pela

negaccedilatildeo da presenccedila pela recusa da presenccedila

Maacuterio Ferreira dos Santos

A sabedoria do ser e do nada

8

RESUMO

GALGANO N S O preceito da Deusa O natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleacuteia

2015 239 p Tese (Doutorado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Departamento

de Filosofia Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2015

O presente trabalho eacute um estudo da noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides Este estudo se propotildee a

preencher uma falta que ao longo do seacuteculo XX e agora no XXI foi se tornando cada vez maior

na medida em que crescia o interesse por essa noccedilatildeo extraordinaacuteria que pertence ao universo da

loacutegica e da ontologia antigas e da nossa atualidade Para evidenciar essa noccedilatildeo o trabalho deixou

de lado os demais aspectos do poema principalmente o estatuto do ser e se restringiu agrave anaacutelise da

noccedilatildeo de natildeo ser Para tanto foi desenvolvida uma metodologia que pudesse tornar claros tanto o

problema inicial parmenidiano quanto a soluccedilatildeo que ele propotildee Descobriu-se entatildeo uma

habilidade especiacutefica de Parmecircnides em observar o comportamento da mente humana com isto o

estudo esclareceu o papel do meacutetodo de Parmecircnides para compensar a amechanie (falta de

recursos) do homem comum na compreensatildeo do mundo Ele identifica o natildeo ser como objeto

virtual que enganosamente confunde aquele que se potildee no caminho da pesquisa pois para

Parmecircnides o natildeo ser eacute impossiacutevel Com a noccedilatildeo desta impossibilidade ele determina discute e

aplica o meacutetodo que garante a persuasatildeo verdadeira um autecircntico princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo

mas diferente daquele de Aristoacuteteles A este princiacutepio enunciado pela thea para distingui-lo daquele

do Estagirita o autor daacute o nome de Preceito da Deusa

Palavras-chave Parmenides natildeo-ser eleatismo natildeo-contradiccedilatildeo ontologia loacutegica

9

ABSTRACT

GALGANO N S The precept of the Goddess non-being as contradiction in Parmenides of

Elea 2015 239 p Thesis (Doctoral) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Departamento de Filosofia Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2015

The present work is an inquiry into the notion of non-being in Parmenides The study has the

purpose of filling a lack that increased along the XX century and now in the XXI according to the

growth of concern about this extraordinary notion which belongs to the universe of ancient and

modern logic and ontology With the aim of making this notion evident the work put aside the

other aspects of the poem mainly the statute of being and was restricted to the analysis of the

notion of non-being For this reason a methodology was developed that could make clear both the

initial parmenidian problem and the solution that he offers A specific ability was discovered that

of Parmenides as observer of the human mind with this the study made clear the role of

Parmenidesrsquo method to compensate the amechanie (lack of resource) of the common man in

understanding the world He identifies the non-being as a virtual object that deceptively confounds

that who takes the way of inquiry because to Parmenides non-being is impossible With the notion

of this impossibility he determines discusses and applies the method that certifies the true

persuasion an authentic principle of non-contradiction albeit different of that of Aristotle To this

principle enunciated by the thea to distinguish it from that of Stagirite the author gives the name

of Precept of the Goddess

Keywords Parmenides non-being eleaticism non-contradiction ontology logic

10

SUMAacuteRIO

1 APRESENTACcedilAtildeO 13

2 INTRODUCcedilAtildeO Agrave NOCcedilAtildeO DE NAtildeO SER 19

21 Introduccedilatildeo geral agrave temaacutetica 19

22 Justificaccedilatildeo da pesquisa dentro do panorama dos estudos de histoacuteria da filosofia na

atualidade 22

23 Apresentaccedilatildeo da temaacutetica e justificaccedilatildeo da metodologia 27

24 O testemunho de Platatildeo 30

3 PARMEcircNIDES PSICOacuteLOGO ndash PRIMEIRA PARTE 37

31 Introduccedilatildeo geral 37

32 Parmecircnides psicoacutelogo (primeira parte) 40

321 O fragmento 1 41

322 O fragmento 2 51

323 O fragmento 3 61

324 O fragmento 4 66

325 O fragmento 6 66

326 O fragmento 7 81

33 Resumo e conclusatildeo da primeira parte 92

11

4 O MEacuteTODO 95

41 Introduccedilatildeo 95

42 A exposiccedilatildeo do meacutetodo o natildeo ser em parmecircnides 97

421 Anaacutelise do fragmento DK 2 97

422 O anuacutencio da deusa versos 1-2 εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον

ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι 98

423 O primeiro caminho versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ

εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) 101

424 Os versos 5 a 8 ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι 118

425 τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν 118

426 οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν) 118

427 οὔτε φράσαις 118

428 De volta aos versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι 129

429 Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) 129

4210 Conclusatildeo 136

43 A discussatildeo do meacutetodo 140

431 Fragmento 6 141

432 Os versos 64 πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltgt 144

433 αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς 144

12

434 O fragmento 7 Os versos 1 e 2 146

44 A aplicaccedilatildeo do meacutetodo 149

441 Ἐὸν eacute ingecircnito e impereciacutevel 154

442 Intermezzo O natildeo ser na experiecircncia do devir 156

5 O PRECEITO DA DEUSA 170

51 O natildeo ser em Parmecircnides 170

511 O ser os seres 180

512 Ouk esti 184

52 Parmenides psicoacutelogo (segunda parte) 189

521 O fragmento DK 8 189

522 O fragmento DK 4 201

523 O fragmento 16 205

524 Conclusatildeo 208

53 O preceito da deusa 208

6 CONCLUSAtildeO 220

7 REFEREcircNCIAS 226

13

1 APRESENTACcedilAtildeO

O estudo apresentado nas paacuteginas a seguir trata de um tema especiacutefico entre os muitos

presentes no poema de Parmecircnides o natildeo ser Os motivos para este recorte satildeo dois o primeiro eacute

a necessidade atual no debate contemporacircneo de uma revisatildeo dos mais variados pressupostos que

sustentam e compotildeem a nossa visatildeo de mundo ndash que podemos chamar genericamente de

newtoniana ndash onde imergida em espaccedilo e tempo homogecircneos se encontra uma realidade em

constante devir esta visatildeo parece natildeo ser mais suficiente e ademais eacute questionada desde o seacuteculo

XIX pela filosofia e ao menos desde o seacuteculo XX pela ciecircncia mais avanccedilada Hoje espaccedilo e tempo

natildeo satildeo mais tidos como um receptaacuteculo neutro do mundo alguns tradicionais instrumentos

cognitivos humanos como a relaccedilatildeo causa-efeito e o princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo parecem natildeo

atuar de forma absoluta como se acreditava e finalmente a projeccedilatildeo para o futuro das dinacircmicas

do mundo segundo nossos atuais conhecimentos ndash e portanto uma ideia de rumo para a

humanidade ndash natildeo tem cenaacuterios confortaacuteveis principalmente porque a equivocidade a

instabilidade e ateacute mesmo a confusatildeo das noccedilotildees que utilizamos para ver o mundo natildeo permitem

um foco mais preciso

Em busca de novos caminhos de compreensatildeo jaacute na primeira metade do seacuteculo XX tanto

a ciecircncia como a filosofia se voltaram ao passado na esperanccedila de encontrar no patrimocircnio cultural

ocidental alguma ideia ou algum gancho que pudesse ajudar nessa busca Assim pensadores tatildeo

diferentes como Heidegger e Popper se dedicaram agrave interpretaccedilatildeo de Parmecircnides e o trataram como

par entre pares como colega como atualmente presente no debate contemporacircneo como filoacutesofo

14

vivo1 Parmecircnides natildeo eacute o uacutenico que recebeu tratamento similar outros preacute-socraacuteticos foram

chamados em causa e a razatildeo parece ser uma soacute suas ideias natildeo passaram pelos filtros platocircnico e

aristoteacutelico sendo menos comprometidas com a visatildeo cultural ocidental predominante e por isto

sugestivas de outras visotildees e outras posturas de compreensatildeo Mas Parmecircnides recebeu um

tratamento especial principalmente porque foi autor de um problema ainda hoje insoluacutevel a assim

chamada aporia eleaacutetica Ele e alguns de seus seguidores principalmente Melisso que radicalizou

as ideias parmenidianas satildeo responsaacuteveis por uma visatildeo de mundo anti-intuitiva que rejeita o devir

assim como geralmente o entendemos abrindo um abismo na noccedilatildeo de realidade seja aquela

cotidiana do homem simples seja aquela cientiacutefica do homem saacutebio Todavia a aporia eleaacutetica eacute

aporeacutetica nas conclusotildees mas natildeo nas premissas as quais restam firmes e coerentes para qualquer

um que se disponha a analisaacute-las isto eacute Parmecircnides tinha laacute suas razotildees assim agraves vezes tratado

como gecircnio e outras como banalmente iloacutegico o eleata continua representando um desafio seacuterio

aos pesquisadores de ciecircncia e de filosofia

A aporia eleaacutetica se revela imediatamente na oposiccedilatildeo absoluta entre o que eacute absolutamente

afirmado e o que eacute absolutamente negado Na foacutermula mais conhecida a oposiccedilatildeo eacute estabelecida

entre ser e natildeo ser mas tal oposiccedilatildeo possui esta caracteriacutestica se o natildeo ser eacute nada o ser natildeo tem

nada a que se opor e a oposiccedilatildeo cai para que subsista o natildeo ser deve ser algo mas se o natildeo ser eacute

algo o ser se oporia a algo isto eacute ao ser e neste caso tambeacutem a oposiccedilatildeo cai enfim se a oposiccedilatildeo

entre ser e natildeo ser eacute eliminada nos vemos obrigados a dizer que ser e natildeo ser satildeo a mesma coisa

1 Heidegger 1998 Popper 2014

15

com consequecircncias ainda mais absurdas O principal responsaacutevel da articulaccedilatildeo da aporia aquele

que natildeo se deixa capturar e que escapule de nossas garras racionais eacute o natildeo ser Desde Goacutergias e

Platatildeo o natildeo ser eacute uma noccedilatildeo das mais aporeacuteticas e como um Midas negativo tudo que ele toca se

torna difiacutecil mas dele o pensamento contemporacircneo natildeo consegue mais prescindir e como outras

noccedilotildees que sofreram outrora o mesmo destino de rejeiccedilatildeo estaacute sendo mais uma vez acolhido

estudado e repensado Por um lado a fiacutesica atual pretende que pares de partiacuteculas subatocircmicas

tenham origem no nada e por outro lado o natildeo ser passa a ser menos absoluto em loacutegicas

paraconsistentes e paracompletas Tanto no mundo sensiacutevel da fiacutesica quanto no mundo inteligiacutevel

da loacutegica o natildeo ser tambeacutem chamado de nada se alberga silenciosamente exigindo meditaccedilotildees

sobre seu papel e sua ldquoexistecircnciardquo isto eacute sobre seu status

O peso da filosofia parmenidiana foi sentido como jaacute dissemos pela cultura

contemporacircnea mas justamente os dois pensadores dos quais falamos Heidegger e Popper embora

tenham captado a dimensatildeo do recado de Parmecircnides ateacute mesmo mais do que muitos historiadores

da filosofia antiga satildeo conhecidos entre os estudiosos por ter produzido interpretaccedilotildees entre as

mais arbitraacuterias tanto do texto do poema quanto mais propriamente de sua filosofia A aparente

contradiccedilatildeo se resolve facilmente Popper e Heiddeger captaram a dimensatildeo filosoacutefica de

Parmecircnides e a aproveitaram para suas proacuteprias meditaccedilotildees mas a dimensatildeo filosoacutefica eacute apenas

um sinal da filosofia a qual para ser reconstruiacuteda e esclarecida sobre a base segura da exegese do

fragmentaacuterio texto parmenidiano requer tantas providecircncias metodoloacutegicas e uma atenccedilatildeo tatildeo

grande que o poema ainda eacute considerado um quebra-cabeccedilas pois apesar dos esforccedilos dos

estudiosos ao longo de mais de 150 anos ainda natildeo se conseguiu chegar a uma unanimidade de

interpretaccedilatildeo O problema dos fragmentos que sobreviveram os problemas paleograacuteficos de

16

traduccedilatildeo de coerecircncia interna e de compreensatildeo filosoacutefica fazem com que o poema seja estudado

hoje palavra por palavra com obstinaccedilatildeo surpreendente causando polecircmicas interpretativas a cada

passo a cada conjunccedilatildeo e a cada interpunccedilatildeo

No aspecto filosoacutefico um dos misteacuterios do poema estaacute na noccedilatildeo de natildeo ser Este aspecto

poreacutem natildeo depende precipuamente do estado do texto ou da exegese das palavras e de suas noccedilotildees

implicadas o natildeo ser foi problemaacutetico desde os exoacuterdios de divulgaccedilatildeo do poema quando estes

problemas textuais natildeo estavam presentes Vecirc-se isto claramente em Melisso que acaba rejeitando

qualquer devir em Goacutergias2 que escreve um texto tatildeo absurdo e ao mesmo tempo rigoroso que

ateacute hoje natildeo se sabe se ele estava falando seriamente ou apenas fazendo uma paroacutedia de

Parmecircnides e em Platatildeo que discute o natildeo ser no diaacutelogo O sofista A proposta de Parmecircnides eacute

escandalosa aparentemente implica o mundo imoacutevel de Melisso a equaccedilatildeo entre ser e natildeo ser de

Goacutergias e afinal o nonsense detectado por Platatildeo o qual natildeo acha soluccedilatildeo melhor de que eliminaacute-

lo atribuindo-lhe outra identidade um natildeo ser relativo no lugar daquele absoluto

A tradiccedilatildeo da histoacuteria da filosofia moderna de Hegel em diante privilegiou a noccedilatildeo de ser

e eacute para esta noccedilatildeo que se dirigiram os estudiosos ateacute aproximadamente a primeira metade do

seacuteculo XX De laacute para caacute do conteuacutedo do poema foram acentuados os aspectos metodoloacutegicos

epistemoloacutegicos e cada vez mais os cientiacuteficos Timidamente o natildeo ser comeccedilou a ganhar espaccedilo

e a representar uma etapa importante da meditaccedilatildeo filosoacutefica parmenidiana Nos anos 60 uma

preconizada volta a Parmecircnides foi surgindo a partir da questatildeo da impossibilidade de uma

2 Goacutergias Do natildeo ser ou da natureza (Περὶ τοῦ μὴ ὄντος ἢ περὶ φύσεως)

17

intermediaccedilatildeo entre ser e natildeo ser intermediaccedilatildeo rejeitada por Parmecircnides e reestabelecida

principalmente por Aristoacuteteles com sua teoria de mateacuteria e forma ato e potecircncia Nos anos 70 eacute

publicado o primeiro texto dedicado ao natildeo ser de Parmecircnides Il primato del nulla e le origini

della metafiacutesica de Alberto Colombo (1972) fortemente comprometido com uma liguagem

metafiacutesica tradicional onde o tratamento do natildeo ser eacute desenvolvido dentro de um discurso

filosoacutefico amplo e com anaacutelises eu penso de grande qualidade dentro daquela linguagem De outro

lado o natildeo ser foi bastante estudado principalmente pela assim chamada escola analiacutetica de

filosofia Entretanto os vaacuterios estudiosos pertencentes a esta corrente quase sempre se

movimentaram dentro de uma moldura conceitual pre-estabelecida normalmente de loacutegica onde

o natildeo ser e suas noccedilotildees correlatas ndash negaccedilatildeo dupla negaccedilatildeo nada etc ndash tinham um lugar cativo

entre os axiomas grosso modo procurava-se afinal entender o natildeo ser numa funccedilatildeo linguiacutestica

ou meta-linguiacutestica basicamente como operador loacutegico de negaccedilatildeo Por isso o natildeo ser como noccedilatildeo

filosoacutefica acabou sendo tido em consideraccedilatildeo menor e os estudos analiacuteticos de filosofia antiga natildeo

conseguiram penetrar no mundo anti-intuitivo do natildeo ser O mesmo natildeo pode ser dito dos estudos

de loacutegica os quais sem temor se aventuraram e continuam se aventurando por mundos estranhos

e aterradores no entanto o natildeo ser elaborado pela loacutegica natildeo pode natildeo passar pelo crivo do

aprofundamento filosoacutefico sob pena de permanecer apenas um operador loacutegico sem maiores

consequecircncias Chegando no terreno da filosofia mesmo o natildeo ser elaborado pela loacutegica natildeo pode

natildeo passar pelo crivo parmenidiano

O presente trabalho procura suprir a este anseio de uma pesquisa detida e pormenorizada

do tema do natildeo ser em Parmecircnides para aleacutem da moldura linguiacutestica abordando francamente a

questatildeo filosoacutefica mas sempre dentro do contexto do poema e de suas circunstacircncias histoacutericas

18

Ademais esse estudo eacute realizado sem a necessidade de entrar no restante da problemaacutetica

parmenidiana principalmente a questatildeo do ser e o seu status (suas caracteriacutesticas) no mundo

parmenidiano Para tanto foram tomadas algumas providecircncias metodoloacutegicas que permitissem

por quanto possiacutevel isolar a noccedilatildeo de natildeo ser sem contudo privaacute-la da vitalidade que percorre todo

o poema A primeira delas foi a identificaccedilatildeo das possiacuteveis observaccedilotildees que levaram Parmecircnides a

se interessar pelo assunto Foi assim identificado um Parmecircnides observador do comportamento

da mente humana que refletiu ateacute as uacuteltimas consequecircncias quais as implicaccedilotildees da negaccedilatildeo da

totalidade das coisas A segunda providecircncia foi identificar qual o pressuposto filosoacutefico que

Parmecircnides excogitou para a compreensatildeo da noccedilatildeo de natildeo ser Por fim foi identificado o meacutetodo

que permitiu a Parmecircnides distinguir os discursos persuasivos segundo a verdade daqueles que

persuadem de forma natildeo confiaacutevel Esse meacutetodo ao qual dei o nome de Preceito da Deusa foi

aquele que ele aplicou para a descoberta das caracteriacutesticas do seu ente cosmoloacutegico o eon

Especificamente em relaccedilatildeo ao natildeo ser o resultado da pesquisa eacute impressionante e mostra

como Parmecircnides tocou uma profundidade jamais vista antes e talvez nem depois dele A tese

tenta mostrar que para Parmecircnides a oposiccedilatildeo eacute entre a negaccedilatildeo e o ser realizando um passo ainda

aqueacutem do nosso princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo ou seja a oposiccedilatildeo proposta por Parmecircnides eacute

princiacutepio do princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo A meditaccedilatildeo filosoacutefica a respeito desta oposiccedilatildeo resulta

num caminho fortemente anti-intuitivo do qual aqui foi dada apenas uma breviacutessima nota

sugestiva Com isso espero ter contribuiacutedo agrave histoacuteria da filosofia eleaacutetica mas tambeacutem ao

enriquecimento do acervo conceitual proposto por aqueles pensadores e deixado de heranccedila

espiritual a todos noacutes

19

2 INTRODUCcedilAtildeO Agrave NOCcedilAtildeO DE NAtildeO SER

21 Introduccedilatildeo geral agrave temaacutetica

Natildeo ser eacute uma noccedilatildeo genuinamente transcendente porquanto por definiccedilatildeo natildeo se refere a

nenhum objeto nem da experiecircncia sensiacutevel nem ideal nem existente e nem potencial Essa sua

natureza sugere que em sua origem natildeo pode ter surgido como ressonacircncia na mente de algum

fato externo mas que seja uma criaccedilatildeo da proacutepria mente humana O natildeo ser aparece primeiramente

e abruptamente com Parmecircnides num ambiente e num momento histoacutericos de grande fecundidade

criativa do pensamento humano como resultado do interesse reflexivo dos saacutebios daquela eacutepoca

Na aurora da filosofia na Greacutecia do VI e V seacuteculos aC alguns saacutebios comeccedilaram a se

dedicar a certas reflexotildees e agraves noccedilotildees resultantes Antes de tudo a noccedilatildeo de lsquotodorsquo que em pouco

tempo geraria tambeacutem a questatildeo singular de se estabelecer se a lei do todo eacute interna ao todo como

pensavam os preacute-socraacuteticos ou externa ao todo como comeccedilaram a pensar aqueles que comeccedilaram

a separar o todo coacutesmico (fiacutesico) dos princiacutepios regentes Estes uacuteltimos ora pensaram um outro

todo separado (como o mundo das ideias de Platatildeo) ora uma estrutura hierarquizada entre o mundo

sensiacutevel e deus (como em Aristoacuteteles) ora complexas cosmologias como as dos gnoacutesticos e dos

neoplatocircnicos finalmente essa profusatildeo de interpretaccedilotildees alcanccedilou a noccedilatildeo de um universo

criado completamente dissociado de um ser transcendente criador junto com a postulaccedilatildeo de um

ser capaz de transitar nos e entre os dois mundos (Cristo homem divino) segundo o pensamento

cristatildeo que se afirmou no ocidente

E eacute justamente com a afirmaccedilatildeo da teologia cristatilde que se toca o primeiro auge de um

progressivo processo de hipoacutestase da noccedilatildeo de natildeo ser Depois de Parmecircnides jaacute em Melisso o

natildeo ser adquire uma versatildeo mais operativa no pensamento e no discurso (contra os preceitos da

20

deusa de Parmecircnides) a qual se configura como o fundamento do futuro desenvolvimento do

conceito do natildeo ser quantitativo ou seja de zero matemaacutetico Com Platatildeo o natildeo ser eacute despojado

de sua dimensatildeo absoluta e reportado a um contexto relativo a justificar o complexo tema da

diversidade dos seres no mundo Com Aristoacuteteles o natildeo ser pocircde conviver com o ser desde que na

dilaccedilatildeo do tempo como ele afirma no princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo Finalmente com Agostinho o

natildeo ser perde sua essecircncia original de negaccedilatildeo absoluta e passa por um lado a ter a potencialidade

de criaccedilatildeo ndash pois o Deus de Agostinho cria o mundo ex-nihilo invertendo assim o axioma

melissiano ndash e por outro lado passa a poder se compor com o lsquoserrsquo dando origem a uma escala

hieraacuterquica de seres na ordem cosmoloacutegica da teologia cristatilde A partir de Agostinho o tema do natildeo

ser desaparece das principais preocupaccedilotildees da filosofia3 e tambeacutem desaparece explicitamente da

cultura ocidental por mais de mil anos4 Apoacutes este periacuteodo reapareceraacute primeiro na filosofia em

forma majestosa na dialeacutetica hegeliana e depois na cultura dando origem aos movimentos niilistas

poacutes-nietzschianos que redundaratildeo no grande vigor do niilismo como opccedilatildeo de vida na cultura

atual De fato atualmente ecoa natildeo soacute nos livros especializados mas tambeacutem nos livros populares

e em outras miacutedias populares (jornais raacutedios internet) a assim chamada pergunta filosoacutefica

fundamental de Heidegger por que o ser e natildeo o nada Esta pergunta eacute um segundo auge da

hipoacutestase do natildeo ser pois de fato considera o natildeo ser uma alternativa concreta ao ser invertendo

assim o axioma parmenidiano

Este longo percurso comeccedila com Parmecircnides o primeiro a falar do natildeo ser no ocidente e

3No ldquoDe magistrordquo Agostinho esboccedila a questatildeo mas a abandona logo em seguida (De Magistro II 3) 4Uma rara e isolada exceccedilatildeo eacute aquela de Fredegiso de Tours que no ano 800 escreve uma ldquoEpistula de substantia nihili

et tenebrarumrdquo tambeacutem conhecida como ldquoDe nihilo et tenebrisrdquo veja-se o estudo de DAgostini (1998)

21

com sentido filosoacutefico ao menos pelo que se sabe ateacute agora o primeiro na histoacuteria do pensamento

humano Imergido no ambiente de reflexatildeo da Greacutecia jocircnica dos seacuteculos VI e V ndash dentro daquele

movimento de pensamento definido ateacute de lsquoilustraccedilatildeo jocircnicarsquo ndash sua descriccedilatildeo do natildeo ser apresenta

uma pureza de concepccedilatildeo que se rompe jaacute com seu disciacutepulo Melisso e progressivamente cada vez

mais ateacute nossos dias Isto significa que a noccedilatildeo parmenidiana natildeo foi absorvida pela cultura mas

foi abandonada ndash talvez recalcada ndash preferindo-se a ela outras noccedilotildees de natildeo ser progressivamente

mais distantes daquela absoluta Por este motivo ao se retomar a noccedilatildeo parmenidiana nos

deparamos com uma intuiccedilatildeo filosoacutefica intacta porque abandonada e portanto ilesa ao atrito do

tempo Quando solicitada e provocada ela responde com uma vitalidade desafiadora das melhores

reflexotildees justificando o grande interesse que Parmecircnides continua tendo depois de 2500 anos um

interesse diferente daquele despertado por peccedilas num museu que nos falam de outras eacutepocas essa

intuiccedilatildeo continua alimentando um interesse filosoacutefico vivo e poderoso fato raro entre as ideias da

antiguidade e reservado a pouca exceccedilotildees

Em nossos tempos coube a Friedrich Nietzsche inaugurar uma reflexatildeo radical sobre o

tema do natildeo ser elevando o nada a noccedilatildeo filosoacutefica poderosa e atuante Provavelmente ningueacutem

melhor do que ele soube interpretar profundamente os anseios do homem contemporacircneo quando

disse que o niilismo ldquoeacute o estado dos espiacuteritos fortes e das vontades fortes do qual natildeo eacute possiacutevel

atribuir um juiacutezo negativo a negaccedilatildeo ativa corresponde mais agrave sua natureza profundardquo5 entificando

o nada onde depois muitos iratildeo se apoiar para desenvolver suas proacuteprias doutrinas E ao lado desse

marco zero da origem o nada de onde tudo comeccedila (ldquoa vida se daacute desde nada e para nada aleacutem

5Nietzsche Wille zur Macht ed Kroner XV 24

22

dela mesma ldquoToma-se diz Nietzsche em Ecce homo natildeo se pergunta quem daacuterdquo6) se potildee o marco

zero da chegada o nada onde tudo termina o vazio deixado por deus ldquoDeus morreu Deus

permanece morto E noacutes o matamosrdquo7 Do seacuteculo XIX passando pelos Bergson Heidegger e Sartre

do seacuteculo XX e chegando agraves loacutegicas para consistentes do seacuteculo XXI a noccedilatildeo de natildeo ser (ou nada)

impotildee uma discussatildeo sem a possibilidade de atenuar o potencial devastador do problema a

consistecircncia do fundamento seja este entendido como visatildeo de mundo ou como verdade (absoluta

ou relativa) ou como afirmaccedilatildeo incontrovertiacutevel E em nossos tempos de Nietzsche a Priest natildeo

se consegue excluir Parmecircnides dessa discussatildeo todos tecircm que levar em conta o eleatismo e os

que natildeo o fazem acabam por perder o essencial da posta em jogo ou seja a possibilidade ou

impossibilidade de um conhecimento epistecircmico a possibilidade ou impossibilidade de se alcanccedilar

uma certeza para aleacutem das convicccedilotildees transitoacuterias

Posto que a filosofia antiga soacute eacute antiga quando comparada agrave filosofia de nosso tempo nas

proacuteximas paacuteginas seraacute estudado o tema do natildeo ser em Parmecircnides e se constataraacute que natildeo se trata

de um momento de um percurso histoacuterico jaacute superado mas de uma parcela atuante do discurso

filosoacutefico atual embora tenha sido desenvolvida na antiguidade da cultura grega

22 Justificaccedilatildeo da pesquisa dentro do panorama dos estudos de histoacuteria da filosofia na

atualidade

A expressatildeo natildeo ser enquanto noccedilatildeo filosoacutefica comparece pela primeira vez com

6 Nietzsche Ecce homo seccedilatildeo 3 7 Nietzsche Die froumlhliche Wissenschaft seccedilatildeo 125

23

Parmecircnides Como noccedilatildeo comum natildeo ser enquanto negaccedilatildeo de um ente qualquer a partir da

negaccedilatildeo do verbo ser eacute presente nas antigas liacutenguas histoacutericas e nas preacute-histoacutericas tambeacutem8 Nas

liacutenguas modernas natildeo ser eacute uma noccedilatildeo corrente e pertence agrave estrutura das nossas atuais linguagens

(com algumas exceccedilotildees natildeo relevantes aqui) a partir do uso pragmaacutetico principalmente das noccedilotildees

de presenccedilaausecircncia existecircncianatildeo existecircncia e em maneira preponderante na nossa estrutura

linguiacutestica predicativa onde qualificaccedilotildees satildeo consideradas pertencentes ou natildeo pertencentes a um

ente

A histoacuteria da filosofia mostra que natildeo ser natildeo eacute uma noccedilatildeo trivial como o uso pragmaacutetico

que dela fazemos poderia sugerir Desde seu aparecimento no texto parmenidiano o natildeo ser

apresentou uma aporia fortiacutessima talvez a maior das aporias e apesar das tentativas dos maiores

filoacutesofos parece se reapresentar de tempo em tempo como uma ferida que se reabre denunciando

que de fato nunca cicatrizou Da pragmaacutetica agrave noccedilatildeo criacutetica o salto eacute tatildeo grande que se se aplicasse

agrave pragmaacutetica a noccedilatildeo criacutetica o mundo assim como noacutes pragmaticamente o vemos e interpretamos

cairia abaixo O primeiro a perceber isto foi Parmecircnides e com ele os eleatas a aporia do natildeo ser

recebeu assim o nome de aporia eleaacutetica A mais radical expressatildeo da aporia eleaacutetica se encontra

em Melisso mas mesmo em Parmecircnides onde ela eacute atenuada a aporia eacute desnorteadora Com

nossas palavras atuais e com nossas noccedilotildees podemos dizer que se de um lado natildeo ser eacute a negaccedilatildeo

absoluta do ser entatildeo fica impossiacutevel sustentar a explicaccedilatildeo comum do fenocircmeno que noacutes

chamamos devir que consiste em asserir que as coisas nascem e morrem que tudo se transforma

que tudo passa a ser o que natildeo era e deixa de ser o que era

8A partiacutecula negativa μή estaacute bem documentada para o Indo-Europeu mē (Chantraine 1977 verbete μή)

24

Como se sabe esta aporia foi enfrentada por Platatildeo o qual se viu obrigado a deixar de lado

a noccedilatildeo de natildeo ser absoluto e a introduzir aquela de natildeo ser relativo exatamente para salvaguardar

a nossa percepccedilatildeo comum do devir Algo similar fez Aristoacuteteles pois de fato ambos ressaltam a

grande dificuldade representada pelo natildeo ser absoluto De laacute para caacute a aporia eleaacutetica natildeo foi

resolvida e a discussatildeo permanece em aberto basta consultar um dicionaacuterio de filosofia para se

perceber a equivocidade da noccedilatildeo de nada nos autores contemporacircneos ou um dicionaacuterio de loacutegica

a evidenciar por um lado a aporia e por outro a dificuldade de se estabelecer exatamente o status

questionis do natildeo ser Vejamos esse exemplo do verbete nada extraiacutedo de um dicionaacuterio de loacutegica

ldquoSegundo PL Heath da University of Virginia nada eacute um conceito ldquoindigestordquo e poucos

saberiam como lidar com ele Desde Parmecircnides (nasceu em 515 aC) que asseverou ser

impossiacutevel falar do que natildeo eacute mas violou sua proacutepria regra no ato de fazer tal asseveraccedilatildeo

ndash mergulhando em um mundo no qual o ocorrido se reduzia a nada ndash tornou-se difiacutecil

atravessar a estreita passagem que nesse tema separa sentido e sem-sentido Assim

limitamo-nos a lembrar que em notaccedilatildeo loacutegica a palavra nada costuma ser representada

pela negaccedilatildeo do quantificador existencialrdquo9

Desde Parmecircnides diz o autor do dicionaacuterio natildeo se conseguiu vir a cabo da questatildeo do natildeo

ser ou nada como se prefere dizer atualmente Mas o autor esqueceu de dizer que embora

Parmecircnides tenha violado a proacutepria regra aquela da impossibilidade de falar do natildeo ser natildeo foi o

uacutenico e natildeo foi exceccedilatildeo se se admite que a expressatildeo natildeo ser (ou nada) se refere ao que natildeo eacute do

qual eacute impossiacutevel falar entatildeo todos noacutes violamos a regra de Parmecircnides inclusive o autor o qual

viola a sua proacutepria regra (negaccedilatildeo do quantificador existencial) permanecendo plenamente

imergido na aporia eleaacutetica Esta passagem num verbete de um dicionaacuterio de loacutegica resume

claramente o problema aparentemente Parmecircnides no exato momento em que afirma o preceito

9Hegenberg L (2005) p 231

25

o viola ou seja a violaccedilatildeo estaacute contida na proacutepria manifestaccedilatildeo do preceito como aquelas famosas

frases paradoxais eu natildeo estou falando eu natildeo estou aqui natildeo leia esta placa e assim por diante

No entanto a suspeita de que talvez Parmecircnides natildeo tenha sido tatildeo ingecircnuo eacute mais que legiacutetima

Antes de tudo porque eacute muito difiacutecil construir uma cosmologia rigorosa como ele fez sobre um

conceito paradoxal E depois o paradoxo da aporia eleaacutetica se ele fosse um apenas paradoxo um

constructo sem consistecircncia epistecircmica teria sido relegado em plano secundaacuterio na histoacuteria da

filosofia e Parmecircnides teria seguido talvez a mesma sorte de seu concidadatildeo Zenatildeo o qual teve

que aguardar as pesquisas de loacutegica do seacuteculo XX para ver resgatado ao menos em parte o seu

valor

O fato de que a aporia eleaacutetica esteja ainda em aberto e sem soluccedilatildeo agrave vista levou a um

incremento dos estudos parmenidianos ao longo do seacuteculo XX com uma acentuaccedilatildeo na segunda

parte do seacuteculo As monografias e ateacute mesmo as ediccedilotildees criacuteticas se multiplicaram sem falar de

uma quantidade imensa de estudos e artigos em muitas aacutereas nas quais a obra parmenidiana incidiu

direta ou indiretamente filosofia literatura e poesia epistemologia filosofia da ciecircncia ontologia

loacutegica linguiacutestica e muitos outros campos mais especiacuteficos dos quais muitas vezes o estudioso de

histoacuteria da filosofia natildeo eacute notificado O assunto de longe mais tratado do poema de Parmecircnides eacute

o ser Isso deve-se principalmente ao proacuteprio DNA da histoacuteria moderna da filosofia na praacutetica

iniciada com Hegel A influecircncia do hegelianismo e do idealismo alematildeo como um todo redundou

nesta predileccedilatildeo para a noccedilatildeo absoluta do ser parente proacutexima do proacuteprio Absoluto hegeliano

Nesse contexto o natildeo ser eacute tatildeo somente um momento dialeacutetico embora estrutural o qual natildeo

possui uma autonomia e que afinal se desfaz na medida em que o Absoluto se realiza A

consequecircncia desta influecircncia limitou os estudos propriamente histoacutericos a respeito do natildeo ser de

Parmecircnides Surpreendentemente poreacutem a noccedilatildeo filosoacutefica de nada cresceu por proacutepria conta

26

entre os filoacutesofos contemporacircneos os quais acabaram por se interessar em Parmecircnides e estimular

novos estudos histoacutericos10

Neste percurso ainda eacute o ser o protagonista nos estudos histoacutericos de filosofia Jaacute nos outros

campos na reflexatildeo filosoacutefica contemporacircnea e nos estudos loacutegicos a noccedilatildeo de natildeo ser preme

para novos aprofundamentos Surgem assim novos estudos especialmente em aacuterea de filosofia

analiacutetica (penso aqui no moderado Jonathan Barnes mas haacute outros mais analiticamente radicais)

que voltam a evidenciar a aporia eleaacutetica Apesar de todos estes movimentos e com exceccedilatildeo de

poucos artigos dedicados a esclarecer o natildeo ser mais para esclarecer a noccedilatildeo de ser natildeo ouve

que eu saiba ateacute o presente trabalho um estudo especiacutefico sobre o natildeo ser em Parmecircnides Eu

proacuteprio quando senti a necessidade de enfrentar esse argumento fui colhido por uma sensaccedilatildeo de

assombro pelo tamanho do empreendimento sensaccedilatildeo que consegui superar somente com uma

estrateacutegia de pesquisa que articula o tema em partes separadas e de certa forma distintas embora

pertencentes ao mesmo fenocircmeno filosoacutefico da antiguidade grega a aporia eleaacutetica de Parmecircnides

a Platatildeo Assim o presente trabalho constitui a primeira etapa embora desenvolvida em segundo

lugar de uma tetralogia do natildeo ser que se desenvolve e evolui na sequecircncia histoacuterica de

Parmecircnides Melisso Goacutergias e Platatildeo O estudo sobre o natildeo ser em Melisso foi realizado no

mestrado aqui estaacute o estudo sobre Parmecircnides e no futuro minhas forccedilas o permitindo estatildeo os

10Aqui dois exemplos bem distintos mas tendo em Heidegger uma matriz comum o italiano Severino estudioso de

Heidegger na juventude publicou um importante artigo nos anos 60 ldquoRitornare a Parmeniderdquo (hoje em Severino

1982) onde recupera a oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo-ser de (segundo ele) Parmecircnides e desencadeia um grande

movimento na Itaacutelia chamado ateacute de neo-parmenidismo o argentino Cordero francecircs de adoccedilatildeo tambeacutem

estudioso de Heidegger na juventude se orientou para o aprofundamento das questotildees exegeacuteticas do poema de

Parmecircnides produzindo ateacute mesmo nos anos 80 uma ediccedilatildeo criacutetica a partir dos originais e resgatando um

Parmecircnides menos idealista alematildeo e menos platocircnico do que aquele defendido pela maioria das escolas histoacutericas

ateacute entatildeo e por muitas ateacute agora (Cordero 1984)

27

estudos sobre o natildeo ser em Goacutergias e sobre o natildeo ser no Sofista de Platatildeo Justificada a necessidade

histoacuterica da presente pesquisa podemos agora nos dedicar agrave apresentaccedilatildeo da mesma e da

metodologia escolhida para a realizaccedilatildeo

23 Apresentaccedilatildeo da temaacutetica e justificaccedilatildeo da metodologia

O poema de Parmecircnides pela sua importacircncia histoacuterica e filosoacutefica recebeu muitas atenccedilotildees

desde a antiguidade Graccedilas a essas atenccedilotildees algumas partes do poema sobreviveram devido agrave

citaccedilotildees dos vaacuterios doxoacutegrafos A reconstruccedilatildeo a partir das citaccedilotildees comeccedilou na aurora da

modernidade com a publicaccedilatildeo de uma coletacircnea de poetas gregos Ποίησις Φιλόσοφος em 1573

de autoria de Henri Estienne Nas paacuteginas dedicadas a Parmecircnides (41-46) natildeo satildeo reportadas as

citaccedilotildees de Simpliacutecio autor que Estienne segundo Cordero natildeo podia natildeo conhecer11 Esse livro

conteacutem tambeacutem um apecircndice com correccedilotildees aportadas por Joseph J Scaliger num trabalho de

filologia12 notaacutevel e inovador para a eacutepoca A versatildeo completa de Scaliger ficou ineacutedita e esquecida

ateacute ser reencontrada em 1980 acusando o excelente trabalho do filoacutelogo o qual reconstruiu o

poema em 148 versos faltando uns 12 para completar a versatildeo atualmente utilizada13 Esta simples

nota histoacuterica jaacute potildee toda a problemaacutetica que ainda perduraraacute por seacuteculos ateacute nossos dias a

reconstruccedilatildeo filoloacutegica do poema O texto de Parmecircnides passou de seu original dialeto jocircnico

(numa colocircnia itaacutelica) para a Atenas de Soacutecrates e Platatildeo e sucessivamente foi recopiado

provavelmente na escola de Aristoacuteteles onde jaacute se supotildee haver dois textos diferentes dadas as

11Cordero (1987) p 8 12ldquoProto-filologiardquo diz Cordero ibidem p 8 13Todas estas notiacutecias estatildeo em Cordero (1987)

28

citaccedilotildees diferentes do mesmo trecho em Aristoacuteteles e Teofrasto14 A filologia sucessiva se complica

mais ainda ao se considerar as citaccedilotildees de eacutepoca muito sucessivas com as mais diversas variaccedilotildees

de evoluccedilatildeo da liacutengua Ao todo as citaccedilotildees podem ser subdivididas em trecircs grupos cronoloacutegicos15

(1) Platatildeo Aristoacuteteles Teofrasto e Eudemo no seacuteculo IV aC

(2) Plutarco (sec I dC) Galeno (sec II dC) Clemente de Alexandria e Sexto Empiacuterico (sec II

e III dC) Dioacutegenes Laeacutercio (sec III dC)

(3) Plotino (sec III dC) Jacircmblico (sec III-IV dC) Proclo (sec IV-V dC) Damascio e Amocircnio

(sec V-VI dC) e Simpliacutecio (sec VI dC)

Platatildeo o primeiro a citar Parmecircnides parece iniciar uma das duas tradiccedilotildees doxograacuteficas

mais fortes aquela que jaacute inclui uma ldquointerpretaccedilatildeordquo de Parmecircnides no texto enquanto que uma

segunda que corre ateacute Proclo parece ser baseada num texto jaacute fortemente aticizado cujo maior

representante eacute Teofrasto16 Aleacutem disso parece haver uma terceira alternativa encontrada em Sexto

Empiacuterico que se baseia em textos peripateacuteticos diferentes dos de Teofrasto (como dissemos acima)

compondo um quadro bastante complicado os textos de Siacutempliacutecio Proclo Plutarco e Sexto

Empiacuterico os que citam a maioria dos versos de Parmecircnides apresentam cada um por motivos

diversos vantagens e desvantagens do ponto de vista da qualidade filoloacutegica Alguns destes

problemas seratildeo tratados mais adiante e aqui queremos apontar apenas o estado fragmentaacuterio do

texto e os seus intransponiacuteveis obstaacuteculos exegeacuteticos Por conta dessas dificuldades os estudos

parmenidianos estatildeo em aberto as tentativas dos estudiosos de novas soluccedilotildees a cada problema

14ib p 5 15Passa (2009) p 21 16Ibidem p 26-7

29

particular natildeo param e haacute muito trabalho ainda pela frente

A presente pesquisa tem um assunto delimitado o natildeo ser em Parmecircnides que delimita

tambeacutem reduzindo-as as dificuldades filoloacutegicas Por outro lado como veremos em breve a maior

dificuldade em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de natildeo ser no poema eacute de natureza filosoacutefica e portanto a

metodologia aqui usada alia o suporte filoloacutegico a um forte contexto interpretativo filosoacutefico Natildeo

satildeo poucos os autores em acircmbito de histoacuteria da filosofia que afirmam que a interpretaccedilatildeo do texto

de Parmecircnides depende da interpretaccedilatildeo filosoacutefica que a ele se daacute Um parecer similar se encontra

tambeacutem entre os filoacutelogos17 deixando a problemaacutetica agrave beira de um ciacuterculo vicioso de petitio

principii por um lado eacute necessaacuterio entender a letra do texto para entender as noccedilotildees e ideias

veiculadas e por outro lado eacute necessaacuterio conhecer as noccedilotildees e ideias veiculadas para entender a

letra do texto

Parece impossiacutevel escapar desta situaccedilatildeo por muitas razotildees Aleacutem das jaacute citadas questotildees

de transmissatildeo do texto eacute preciso acrescentar (1) o format escolhido por Parmecircnides ou seja a

poesia em linguagem eacutepica ao inveacutes da recente prosa jocircnica mais clara para expressar conteuacutedos

mais precisos (2) a funccedilatildeo didaacutetica do poema que o torna segundo o costume da eacutepoca um proacute-

memoacuteria para o ensinamento oral ou seja sem toda a preciosiacutessima parte da articulaccedilatildeo e

exemplificaccedilatildeo dos argumentos o que contribuiria ao esclarecimento (3) as novidades linguiacutesticas

de noccedilatildeo filosoacutefica e a descriccedilatildeo de uma cosmologia proacutepria que natildeo teve disciacutepulos verdadeiros18

aos quais recorrer para esclarecimento das noccedilotildees do mestre (4) a extraordinaacuteria complexidade e

17Passa (2009) p 11 18Uma discussatildeo mais adiante

30

profundidade da filosofia de Parmecircnides muito difiacutecil para a eacutepoca e a bem da verdade para a

atualidade tambeacutem

O presente estudo voltado a uma questatildeo filosoacutefica especiacutefica dispensa muitos dos

problemas implicados pelo estudo do poema como um todo e ao mesmo tempo consegue escapulir

do ciacuterculo vicioso acima chamando a depor em favor da nitidez da argumentaccedilatildeo proposta um

testemunha que eacute especial por vaacuterias razotildees Platatildeo como em breve veremos Por outro lado

proponho aqui um ponto de vista natildeo tentado ainda em relaccedilatildeo a Parmecircnides o ponto de vista de

um estudioso da mente humana aquele que hoje chamariacuteamos de psicoacutelogo de fato como

veremos o poema apresenta um vocabulaacuterio psicoloacutegico expliacutecito e tambeacutem como seraacute

evidenciado um vocabulaacuterio psicoloacutegico mimetizado na linguagem arcaica de Parmecircnides Todos

os termos psicoloacutegicos que estudaremos foram mais do que meticulosamente estudados pelos

criacuteticos e aqui se trata nada mais de que unir esse vocabulaacuterio ateacute agora disperso num todo mais

coerente e que mostraraacute um Parmecircnides ateacute agora ineacutedito o Parmecircnides psicoacutelogo Esses dois

instrumentos metodoloacutegicos o Parmecircnides psicoacutelogo e o testemunho de Platatildeo ajudaratildeo o primeiro

a interpretar palavras do texto claras na filologia mas misteriosas na noccedilatildeo e o segundo a confrontar

o resultado obtido com a cristalina discussatildeo filosoacutefica proposta por Platatildeo quando ele enfrenta

diretamente o eleata

24 O testemunho de Platatildeo

Sobre a relaccedilatildeo entre Parmecircnides e Platatildeo ou melhor de Platatildeo com Parmecircnides escreveu-

se muitiacutessimo e certamente natildeo eacute este o lugar para aprofundar tal tema Mas Platatildeo reveste uma

importacircncia especial como testemunha da obra parmenidiana e mais do que as suas ideias a respeito

de Parmecircnides nos interessam as suas palavras De fato Platatildeo eacute o mais antigo filoacutesofo a citar o

31

nome de Parmecircnides e tambeacutem a citar textualmente algumas de suas afirmaccedilotildees o faz em vaacuterias

oportunidades duas vezes no Banquete (em 178b9-11 que constitui o fr DK 28 B 13 e em 195c2

onde eacute apenas nomeado) duas no Teeteto (em 180e1 que constitui o fr DK 28 B 838 e em 183e3-

184a3 onde apresenta a pessoa de Parmecircnides) em vaacuterias passagens do Sofista (a ediccedilatildeo de Coxon

reporta cinco trechos entre os testimonia19) das quais trecircs contecircm citaccedilotildees de versos do poema (em

237a8-9 que constituem os versos DK 28 B 71-2 em 244e6 que constitui o fragmento DK 28 B

843-45 e em 258d3-4 que repetem os versos 71-2) Jaacute o diaacutelogo a ele titulado o Parmecircnides

embora seja impregnado de filosofia eleaacutetica natildeo possui citaccedilotildees que seguramente e literalmente

possam ser atribuiacutedas ao poema de Parmecircnides

O testemunho de Platatildeo apresenta algumas vantagens exegeacuteticas em relaccedilatildeo aos demais

doxoacutegrafos eacute o mais antigo e cronologicamente mais proacuteximo a Parmecircnides eacute confiaacutevel do ponto

de vista da compreensatildeo da letra do texto pois Platatildeo tem consciecircncia das dificuldades de

compreensatildeo daquele dialeto jocircnico transplantado no sul da Itaacutelia e comprimido num moacutedulo

didaacutetico (poema) imitando uma linguagem eacutepica ainda mais antiga ou seja percebe que eacute uma

linguagem artificiosa que pode conduzir a enganos20 por fim Platatildeo eacute um dos maiores filoacutesofos

da humanidade e ademais estudou detidamente a filosofia do eleata e a discutiu em obras

filosoacuteficas imortais portanto dificilmente pode ser acusado de incompreensatildeo da mensagem

parmenidiana21 tornando-se assim do ponto de vista filosoacutefico totalmente confiaacutevel

19Coxon (2009) p 104-113 20Platatildeo Theet 184a 21Na mesma passagem do Teeteto (184a) Platatildeo afirma de natildeo ter certeza de ter entendido o que disse e o que quis

dizer (φοβοῦμαι οὖν μὴ οὔτε τὰ λεγόμενα συνιῶμεν τί τε διανοούμενος εἶπε) palavras que indicam a preocupaccedilatildeo

rigorosa de Platatildeo quanto ao pensamento que ele achava profundo (βάθος) de Parmecircnides

32

A citaccedilatildeo que nos interessa diretamente eacute aquela do Sofista Platatildeo escreve jaacute em idade

avanccedilada um livro de grande importacircncia filosoacutefica um dos maiores livros de filosofia de todos

os tempos O Sofista Ali ele discute alguns temas essenciais da vida do pensamento humano

principalmente como eacute que o mundo pode se apresentar muacuteltiplo e mutaacutevel se as ideias parecem

tender agrave unidade e parecem ser imutaacuteveis O extraordinaacuterio aparato filosoacutefico que Platatildeo potildee em

jogo tem um ponto de partida singular uma discussatildeo sobre o natildeo ser Apoacutes o estabelecimento do

meacutetodo de caccedila ao sofista e apoacutes as vaacuterias articulaccedilotildees da diairesis platocircnica o natildeo ser eacute o primeiro

verdadeiro obstaacuteculo no percurso platocircnico mas eacute um obstaacuteculo tatildeo grande que assim como

configurado segundo a noccedilatildeo de natildeo ser que se conhecia ateacute entatildeo ndash o natildeo ser parmenidiano ndash natildeo

podia ser absorvido a serviccedilo de uma causa quem sabe maior para uma nova visatildeo de mundo a

causa e visatildeo platocircnicas natildeo podendo ser aproveitada a noccedilatildeo parmenidiana eacute descartada Na

sequecircncia do texto platocircnico outras noccedilotildees e outros filoacutesofos satildeo descartados mas somente

Parmecircnides sofre uma dinacircmica criacutetica especial que viraacute a ser conhecida como parriciacutedio A

respeito da questatildeo de se utilizar (e inutilizar) a noccedilatildeo parmenidiana de natildeo ser absoluto diz a

personagem o estrangeiro de Eleia que ele natildeo quer ser tido como parricida porque o pai

Parmecircnides natildeo cansava de repetir do comeccedilo ao fim (de sua atuaccedilatildeo filosoacutefica) em verso e em

prosa que

ldquoNatildeo impossiacutevel que isto prevaleccedila ser (o) natildeo ente

Tu poreacutem desta via de inqueacuterito afasta o pensamento22

22Parmecircnides (DK B 71-2) em Platatildeo Soph 237a8-9 Οὐ γὰρ μή ποτε τοῦτο δαμῇ φησίν εἶναι μὴ ἐόντα ἀλλὰ σὺ

τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήμενος εἶργε νόημα Trad Cavalcante de Souza (1978)

33

Aqui eacute preciso notar duas coisas a primeira eacute que natildeo aceitando a noccedilatildeo expressa na

citaccedilatildeo se mataria Parmecircnides o que quer dizer que esta noccedilatildeo eacute essencial na sua filosofia e sem

ela a filosofia parmenidiana natildeo sobrevive a segunda eacute a descriccedilatildeo contextual da citaccedilatildeo pois

Parmecircnides natildeo se cansava de repetir ao longo de sua vida e de todas as maneiras como um bordatildeo

o que confirma que a citaccedilatildeo pertence ao nuacutecleo soacutelido e persistente do pensamento do eleata As

duas descriccedilotildees satildeo sineacutergicas e apontam assim me parece para aquilo que eacute o essencial da

filosofia parmenidiana Ademais acrescente-se que a evidenciar este nuacutecleo essencial natildeo eacute um

pensador menor mas eacute Platatildeo na sua fase filosoacutefica mais profunda Penso que natildeo haacute mais duacutevidas

eacute possiacutevel fazer uma reconstruccedilatildeo do puzzle do poema limitadamente agrave sua parte filosoacutefica a partir

da imagem de referecircncia oferecida por Platatildeo que eacute tambeacutem aquela que mais interessou aos antigos

e que mais interessa tambeacutem aos filoacutesofos atuais

O poema foi muito estudado nos primeiros 150 anos apoacutes Parmecircnides ateacute basicamente

Aristoacuteteles e pouco depois e foi responsaacutevel direto por algumas das grandes intuiccedilotildees da antiga

filosofia grega Do que chegou ateacute noacutes aleacutem das obras dos eleaacuteticos Zenatildeo e Melisso ndash obras

altamente anti-intuitivas e paradoxais mas que nem sempre ajudam a entender o proacuteprio

Parmecircnides23 ndash o fruto mais desconcertante do eleatismo eacute sem duacutevida o Περὶ τοῦ μὴ ὄντος ἢ Περὶ

φύσεως de Goacutergias Este livro eacute seguramente referido ao eleatismo mas expotildee a mateacuteria de forma

paroxiacutestica deixando os estudiosos perplexos e indecisos entre levar as flagrantes contradiccedilotildees ali

expostas a seacuterio ou considerar o todo um exerciacutecio luacutedico de sarcasmo sofiacutestico As demais

23Em meu trabalho sobre Melisso tive a ocasiatildeo de pocircr em evidecircncia o quanto eacute bastante comum em muitos autores

interpretar Parmecircnides a partir de Melisso atribuindo ao mestre pecados que afinal satildeo soacute do disciacutepulo Por terem

noccedilotildees muito similares nem sempre eacute faacutecil discernir as de um das de outro (Galgano 2010)

34

referecircncias ao eleata podem ser inferidas em muitos autores de Empeacutedocles a Demoacutecrito mas natildeo

satildeo expliacutecitas ateacute Platatildeo o qual muitas vezes faz referecircncias aos antigos pensadores e no Sofista

traceja ateacute mesmo o primeiro esboccedilo de histoacuteria da filosofia da qual se tem registro onde

Parmecircnides eacute de novo nomeado junto com Xenoacutefanes e a estirpe eleaacutetica24

Platatildeo acolhe a heranccedila dos antigos embora natildeo se saiba muito bem em qual medida ele

seja franco quanto aos seus autores de referecircncia25 e discute suas propostas ora aceitando-as ora

criticando-as sempre com grande respeito e ateacute com veneraccedilatildeo como eacute o caso do proacuteprio

Parmecircnides natildeo soacute pela citaccedilatildeo no Teeteto mas tambeacutem pela impressionante apresentaccedilatildeo do

eleata no diaacutelogo Parmecircnides Diferentemente de Aristoacuteteles que muitas vezes como foi

evidenciado por alguns autores26 chega a distorcer o pensamento dos antigos para justificar suas

proacuteprias noccedilotildees Platatildeo eacute mais cauteloso e faz citaccedilotildees pontuais das quais natildeo se tem porque pocircr

em duacutevida a autenticidade Em relaccedilatildeo ao nosso tema das trecircs citaccedilotildees de versos no Sofista duas

repetem a mesma passagem aquela que nos interessa diretamente aqui As duas citaccedilotildees satildeo

ligeiramente diferentes

Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ φησίν εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήμενος εἶργε νόημα27

Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα28

24Platatildeo Soph 242b et passim 25Por exemplo em sua obra haacute uma uacutenica referecircncia a Pitaacutegoras embora ele discuta temas pitagoacutericos em muitas

passagens inclusive apresentando personagens pitagoacutericas 26Por exemplo a obra de Cherniss (1935) Aristotlersquos criticism of presocratic philosophy 27Platatildeo Soph 237 a 8-9 28Ibidem 258 d 2-3

35

Resta a tarefa de entender estas palavras que agora jaacute sabemos se referem ao cerne da

filosofia parmenidiana e de construir uma imagem de referecircncia que possa ser um guia confiaacutevel

na reconstruccedilatildeo do poema

A primeira expressatildeo Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ eacute uma expressatildeo imperativa embora

apresentada com um subjuntivo Haacute divergecircncias gramaticais que discutiremos detalhadamente

em sede oportuna mas o sentido geral eacute de uma noccedilatildeo reforccedilada com outra natildeo prevaleccedila (em

sentido ativo ou passivo por enquanto natildeo importa) eacute a noccedilatildeo jamais eacute o reforccedilo Esta expressatildeo

eacute tiacutepica de toda a fala imperativa da deusa que daacute um caraacuteter hieraacutetico e de universalidade agrave

afirmaccedilatildeo em suma diz a deusa eacute uma lei Qual eacute a lei que natildeo pode ser prevaricada Que sejam

os natildeo seres εἶναι μὴ ἐόντα No entanto o que venham a ser os ἐόντα e qual seja o sentido de εἶναι

eacute exatamente o problema mais criacutetico da filologia da semacircntica e da filosofia de Parmecircnides como

um todo Eacute portanto totalmente desaconselhaacutevel tomar estas noccedilotildees como imagem de referecircncia

E o mesmo deve ser dito em relaccedilatildeo ao verso seguinte ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε

νόημα onde os vaacuterios conceitos envolvidos lsquocaminhorsquo lsquopesquisarsquo lsquopensamentorsquo satildeo todos

problemaacuteticos em Parmecircnides e uma clara noccedilatildeo para todos eles talvez seja possiacutevel no fim do

estudo mas natildeo no iniacutecio e muito menos como pressuposto (externo) ao poema como imagem de

referecircncia

Apesar disso embora natildeo possam ser descartadas as noccedilotildees dos conceitos envolvidos tem

algo muito claro que permanece e que eacute a estrutura sintaacutetica onde as noccedilotildees estatildeo implantadas

μήποτε e μὴ A negaccedilatildeo μὴ se daacute como uma negaccedilatildeo a respeito de duas noccedilotildees de mesma origem

semacircntica εἶναι e ἐόντα E o μήποτε jamais indica claramente o imperativo negativo a respeito

da negaccedilatildeo μὴ Em suma a estrutura diz jamais seja negado algo onde esse algo se refere a εἶναι

e ἐόντα dos quais noacutes ainda natildeo temos uma clara semacircntica Ora estariacuteamos diante de algo

36

incompreensiacutevel se natildeo fosse Platatildeo a nos esclarecer A citaccedilatildeo ocorre no meio da discussatildeo sobre

o natildeo ser e o tema eacute exatamente se eacute possiacutevel que o natildeo ser seja29 Agora seja qual for o sentido

de εἶναι e ἐόντα em Parmecircnides coisa que analisaremos a seu tempo eles tecircm um sentido claro em

Platatildeo que o natildeo ser seja algo Para que possamos deixar espaccedilo agrave semacircntica parmenidiana sem

constrangecirc-la dentro da semacircntica platocircnica a imagem de referecircncia pode ser firmada em volta da

oposiccedilatildeo radical (jamais) entre duas instacircncias ser e natildeo ser cuja noccedilatildeo deve ser esclarecida

Temos assim nossa imagem de referecircncia O tema filosoacutefico principal em volta do qual gira

o poema eacute a oposiccedilatildeo radical de duas instacircncias cosmoloacutegicas (ἀρχάι) a saber ser e natildeo ser cujas

noccedilotildees devem ser esclarecidas Resta ainda a acrescentar que esta imagem natildeo eacute incongruente com

os textos de Melisso e de Goacutergias natildeo eacute incongruente com a temaacutetica apresentada por Platatildeo como

eleaacutetica e tambeacutem com aquela apresentada por Aristoacuteteles ademais natildeo eacute incongruente com as

demais imagens legadas pela doxografia ou ao menos natildeo eacute desabonada por elas

29Eacute a discussatildeo para tentar caccedilar o sofista que se escondeu no natildeo ser

37

3 PARMEcircNIDES PSICOacuteLOGO ndash PRIMEIRA PARTE

31 Introduccedilatildeo geral

A finalidade desse capiacutetulo eacute mostrar pela identificaccedilatildeo de um vocabulaacuterio psicoloacutegico em

seu poema a capacidade de Parmecircnides de observaccedilatildeo do comportamento mental humano esta

habilidade de autecircntico psicoacutelogo (talvez cognitivista segundo as atuais categorias em uso) em

ato no poema eacute capaz de explicar um resultado extraordinaacuterio a descoberta de uma estrutura do

pensamento a partir da descoberta de uma estrutura do pensar onde por pensar quero me referir ao

processo fisioloacutegico e por pensamento ao resultado desse processo Enquanto no proacuteximo capiacutetulo

examinaremos de perto as estruturas do pensar e do pensamento propostas por Parmecircnides aqui

nos limitaremos agrave averiguaccedilatildeo geral de uma investigaccedilatildeo psicoloacutegica ndash em breve veremos em que

moldes ndash capaz de sugerir o enfoque psicoloacutegico na pesquisa realizada pelo eleata Por outro lado

o estudo de psicologia como ciecircncia do comportamento mental e natildeo como ciecircncia da alma eacute um

ramo do saber relativamente recente e se se considera Wundt o fundador da psicologia cientiacutefica

no seacuteculo XIX ainda teremos de esperar o seacuteculo XX para a consolidaccedilatildeo de uma ciecircncia autocircnoma

em relaccedilatildeo ao atualmente ambiacuteguo impreciso e equiacutevoco conceito de alma A psicologia cientiacutefica

do seacuteculo XXI estuda a mente e natildeo a alma estribando-se sobre o comportamento mental concreto

e deixando de lado se haacute ou natildeo uma instacircncia ndash a alma ndash externa ao corpo material ou espiritual

que possa explicar os fenocircmenos psiacutequicos

Ao se aplicar essa noccedilatildeo atual de psicologia agraves culturas antigas nos deparamos com a

dificuldade da ausecircncia naquelas eacutepocas de uma tal visatildeo psicoloacutegica autocircnoma e por conseguinte

com a ausecircncia das noccedilotildees correspondentes e de uma terminologia especiacutefica a definir essa

autonomia Isso deu espaccedilo a um fenocircmeno singular quando se estuda a psicologia na antiguidade

38

em geral se estudam campos semacircnticos ligados agrave palavra psyche com o seguinte resultado haacute

vaacuterios estudos sobre a psicologia em Homero ou na poesia eacutepica ou na poesia liacuterica ou na trageacutedia

haacute ateacute alguns estudos sobre a psicologia nos preacute-socraacuteticos principalmente Heraacuteclito e ateacute mesmo

Demoacutecrito por fim haacute estudos de psicologia na obra de Platatildeo e principalmente como era de se

esperar na obra de Aristoacuteteles o primeiro a escrever um livro autocircnomo sobre psicologia Mas natildeo

haacute estudos sobre a psicologia na obra de Parmecircnides O motivo principal assim me parece deve

ser buscado no fato de que no poema de Parmecircnides a palavra psyche natildeo aparece

Num livro famoso 30 A descoberta do espiacuterito Bruno Snell estreia afirmando que ldquoO

pensamento europeu comeccedila com os gregose desde entatildeo surge como a uacutenica forma do

pensamento em geralrdquo (p 11) O lsquoespiacuteritorsquo do tiacutetulo natildeo eacute a mente da psicologia e nem de outras

disciplinas especiacuteficas eacute a mente em sentido cultural amplo mesmo assim para poder chegar a

consideraccedilotildees mais amplas Snell eacute obrigado a analisar mais detidamente noccedilotildees e termos como

psyche thymos nous de Homero em diante chegando a resultados importantes e a consideraccedilotildees

luacutecidas Infelizmente quando trata de Parmecircnides ele se limita agravequeles que lhe pareceram os

pontos altos da mensagens parmenidiana a revelaccedilatildeo divina a recusa da experiecircncia dos sentidos31

e o puro ser32 sem nenhum aprofundamento nem mesmo da questatildeo do nous ndash como se esperaria

de um livro que trata da descoberta da mente ndash que em Parmecircnides natildeo eacute pequena

30Snell (1975) 31Ib ldquo a influecircncia de Parmecircnides o qual deixou de lado o saber lsquohumanorsquo a experiecircncia sensiacutevel e buscou um

acesso directo a lsquodivinorsquordquo (p 190) 32Ib ldquoA divindade leva Parmecircnides ao pensamento lsquopurorsquo com o quale le apreende o puro ser Enquanto Alcmeon

partindo da percpccedilatildeo sensiacutevel proacutepria do saber humano avanccedila ndash diriacuteamos indutivamente ndash ateacute ao invisiacutevel a

deusa de Parmecircnides ensina-o a deixar de lado como coisa enganadora toda a percepccedilatildeo sensiacutevel e o dever por

ela captadordquo (p 191)

39

Com o livro de Snell se perdeu uma grande oportunidade de dar iniacutecio a estudos mais

aprofundados da psicologia em Parmecircnides Como veremos os historiadores da filosofia antiga do

seacuteculo XIX para a primeira metade do seacuteculo XX natildeo deixaram muito espaccedilo para um

desenvolvimento nesta direccedilatildeo por outro lado os historiadores da psicologia que na verdade

comeccedilaram a trabalhar mais intensamente na segunda metade do seacuteculo XX apenas se apoiaram

nos textos dos historiadores da filosofia em geral os mais renomados e utilizaram as obras mais

gerais de histoacuteria da filosofia antiga descuidando da imensa literatura secundaacuteria que foi produzida

sobre Parmecircnides O resultado foi uma verdadeira escassez de pesquisa e uma repeticcedilatildeo do seguinte

fenocircmeno laacute onde os textos se propotildeem a falar da psicologia de Parmecircnides se limitam a expor

sumariamente em geral de forma desajeitada a sua filosofia33

Assim falando de sua filosofia esses estudiosos abordam inexoravelmente a epistemologia

parmenidiana o tema da possibilidade do conhecimento verdadeiro No entanto uma pergunta

seria legiacutetima eacute possiacutevel se falar de epistemologia como Parmecircnides o fez sem fazer nenhuma

33Vejam-se alguns exemplos Os livros gerais de histoacuteria da psicologia deixam muito a desejar acute[Por exemplo Malone

(2009) onde nas p 34-36 dedicadas aos eleaacuteticos natildeo uma soacute palavra eacute referida agrave pesquisas parmenidianas sobre

o funcionamento da mente dedicando o pouco espaccedilo a um resumo muito impreciso das ideias filosoacuteficas do

eleatismo] mas mesmo livros especializados sobre o assunto satildeo surpreendentemente parcos quanto a Parmecircnides

ou ateacute mesmo omissos [Como exemplo de omissatildeo veja-se o Everson (1991) ldquoCompanion to Ancient Thought 2 ndash

Psychologyrdquo livro especificamente dedicado agrave Psicologia no pensamento antigo onde apesar da presenccedila dos

maiores nomes entre os scholars de filosofia antiga (Schofield Irwin Annas AA Long e outros) natildeo haacute nenhuma

referecircncia agrave psicologia de Parmecircnides] Um texto dedicado ao assunto Early psychological thought [Green C D

e Groff P R (2003)] destinado a psicoacutelogos e filoacutesofos (p ix) embora se proponha a ser um ancient account

accounts of mind and soul quando aborda Parmecircnides (e os eleaacuteticos) escreve assim ldquoNeverthless his inclusion

in a history of early psychological thought is a little tricky to justify since he had little or nothing to say on the

issue of the psychecirc (hellip) His major contributions were in epistemology tyhe theory of knowledge itself and in

ontology the theory of what at the most basic level can be said to existrdquo [Ibidem p 28] Natildeo me parece que os

diretos responsaacuteveis por tais afirmaccedilotildees sejam os seus autores pois eles tomaram essas descriccedilotildees dos estudiosos

de histoacuteria da filosofia antiga ndash em particular a respeito de Parmecircnides os autores citados satildeo Barnes e Gallop os

quais natildeo fazer nenhuma referecircncia aos estudos psicoloacutegicos de Parmecircnides ndash e o argumento principal eacute que no

texto parmenidiano natildeo haacute referecircncia agrave psyche

40

referecircncia ao sistema psicoloacutegico de conhecimento Acho que natildeo porque um aparelho cognitivo

tem que estar pressuposto expliacutecita ou implicitamente e tenho a impressatildeo de que se repete um

erro metodoloacutegico jaacute evidenciado em outros casos onde se confunde a palavra como a noccedilatildeo Por

exemplo se nos baseaacutessemos na palavra loacutegica nos livros de histoacuteria da loacutegica natildeo constaria

Aristoacuteteles porque embora a noccedilatildeo de loacutegica assim como hoje a entendemos estivesse jaacute perfeita

e claramente presente ele natildeo usava esta palavra e se fizeacutessemos o mesmo com a palavra nuacutemero

na histoacuteria da matemaacutetica natildeo constariam os primeiros pitagoacutericos embora as noccedilotildees matemaacuteticas

estivessem claramente presentes entre eles O mesmo parece acontecer com a psicologia em relaccedilatildeo

a Parmecircnides pois o fato de que natildeo compareccedila a palavra psique em seu poema natildeo quer dizer

que natildeo tenha tratado de temas psicoloacutegicos e como mostraremos ali estatildeo claramente presentes

muitas noccedilotildees que hoje chamariacuteamos de noccedilotildees de psicologia

32 Parmecircnides psicoacutelogo (primeira parte)

Passamos a estudar agora os elementos psicoloacutegicos com os quais e sobre os quais

Parmecircnides constroacutei a sua filosofia Embora o poema fale claramente a respeito de atos da mente

isto eacute a respeito da possibilidade de pensar a verdade e tambeacutem a respeito do caminho errado que

os mortais seguem quando pensam suas opiniotildees um aprofundamento desse ponto de vista pelo

que eu sei como eu jaacute disse ainda natildeo foi tentado Por isso antes de aprofundar o tema eu gostaria

de deixar claro mais uma vez em que sentido estou usando aqui o termo psicologia e seus

cognatos Uso aqui o termo no sentido utilizado pela ciecircncia moderna ou seja como mente e

tomando distacircncia do sentido de alma uma das possiacuteveis traduccedilotildees de ψῡχή Assim uso

psicologia como aquela ciecircncia que trata dos estados e processos mentais exatamente como a

41

primeira definiccedilatildeo do Dicionaacuterio Huaiss da Liacutengua Portuguesa34

A psicologia cientiacutefica surge no seacuteculo XIX mas se consolida somente no seacuteculo XX Assim

eacute razoaacutevel que o aspecto psicoacutelogo possa aparecer somente depois do surgimento da nova ciecircncia

da psicologia Na verdade esperariacuteamos um exame do ponto de vista psicoloacutegico no comeccedilo35 ou

ao longo do seacuteculo XX quando assistimos agrave multiplicaccedilatildeo de muitas disciplinas no campo da mente

humana desde as neurociecircncias ateacute a psicologia social e a comparativa Na aacuterea da filosofia

assistimos ao nascimento da filosofia da mente mas uma revisatildeo dos conhecimentos psicoloacutegicos

no pensamento antigo natildeo vai aleacutem de poucas notas nos livros gerais de histoacuteria da psicologia

Desta forma nestas paacuteginas o propoacutesito eacute pocircr em evidecircncia o Parmecircnides observador da natureza

funccedilotildees e fenocircmenos da mente humana e naturalmente algumas discussotildees sobre como e quanto

essas observaccedilotildees influenciaram a sua filosofia

321 O fragmento 1

O poema se abre com uma imagem poderosa e espetacular que jaacute desde o primeiro verso

carrega um vocabulaacuterio psicoloacutegico

ἵπποι ταί με φέρουσιν ὅσον τ ἐπὶ θυμὸς ἱκάνοι

Umas eacuteguas conduzem o jovem disciacutepulo tatildeo longe quanto o espiacuterito pode alcanccedilar e levam o carro

34Houaiss (2001) verbete psicologia 35 Uma notaacutevel exceccedilatildeo eacute o livro de Beare de 1906 ldquoGreek theories of elementary cognition From Alcmaeon to

Aristotlerdquo Na introduccedilatildeo ele diz ldquoThe aim of the following pages is to give a close historical account of the various

theories partly phisiological and partly psychological by which the greek philosophers from Alcamaeon to

Aristotle endeavourede to explain the elementary phenomena of cognition The pre-Aristotelean writers who

applied themselves to this subject and whose writings we possess any considerable information are Alcmaeon of

Crotona Empadocles Democritus Anaxagoras Diogenes of Apollonia and Platordquo Parmecircnides natildeo eacute tratado

42

sobre um caminho especial que o levaraacute agrave presenccedila da deusa A palavra θυμὸς parece ser a chave

para seguir o curso didaacutetico que Parmecircnides atraveacutes da voz da deusa oferece ao seu leitor O verso

eacute reportado por Sexto Empiacuterico o qual na sua paraacutefrase traduz θυμὸς exatamente por ψῡχή36

Naturalmente com esta palavra o ceacutetico Sexto quer dizer alma atendendo a uma noccedilatildeo de seu

tempo que eacute inuacutetil reportar aqui Mas certamente θυμὸς eacute uma palavra que se refere agrave estrutura

humana que atualmente chamamos mente

Θυμὸς tem um grande campo semacircntico jaacute em Homero onde significa alma ou espiacuterito como

princiacutepio de vida do sentir37 e do pensamento38 Mas aqui no proemio Parmecircnides faz uma

introduccedilatildeo ao caraacuteter do seu escrito com muitas imagens coloridas ressonantes e dinacircmicas39 para

colocar seu leitor na disposiccedilatildeo mental de atenccedilatildeo para as liccedilotildees da deusa40 Por esta razatildeo a

palavra θυμὸς aqui eacute fortemente poeacutetica e indeterminada de modo que o puacuteblico a intenda de uma

forma mais subjetiva que objetiva Portanto ela apresenta pouco interesse para a nossa busca de

um sentido claro e uniacutevoco Entretanto a sua posiccedilatildeo no primeiro verso nos deveria alertar de que

o sujeito do poema eacute a mente Eacute a mente (no sentido amplo de aquela capacidade humana de

imaginaccedilatildeo compreensatildeo e conhecimento) que estaacute se preparando para a grande aventura pelo

mundo inteiro ateacute seus limites (e mais) para descobrir os segredos mais ocultos privileacutegio do

36Sextus Empiricus 71121 ἐν τούτοις γὰρ ὁ Παρμενίδης ἵππους μέν φησιν αὐτὸν φέρειν τὰς ἀλόγους τῆς ψυχῆς

ὁρμάς τε καὶ ὀρέξεις 37Bremmer (1983) p 54 ldquoThymos is above all the source of emotionsrdquo 38Bremmer (1983) p 55 ldquoWhen Odysseus is left alone by the Greeks in a battle ldquohe spoke to his proud thymosrdquo (XI

403) Having realized the two possibilities left to him he ends his deliberations by asking ldquobut why does my

Thymos consider thatrdquo (XI 407)rdquo 39ldquoMultimidiardquo segundo a feliz expressatildeo de Cornelli (Cornelli 2007 p 50) 40Uma ampla discussatildeo sobre as teacutecnicas usadas por Parmecircnides em relaccedilatildeo ao seu auditoacuterio estaacute em Robbiano (2006)

Apesar da grande discussatildeo sobre o papel do proemio natildeo se encontra nenhum nexo de conteuacutedo entre este e o

resto do poema

43

homem saacutebio principalmente quando eacute conduzido por uma deusa

A descriccedilatildeo parece mostrar a mente bem disposta ao conhecimento e com uma grande carga

de vontade pronta para se lanccedilar na jornada difiacutecil do conhecimento E de fato depois da

cuidadosa descriccedilatildeo da viagem em direccedilatildeo agrave deusa que o receberaacute a viagem fiacutesica do disciacutepulo

termina diante da presenccedila divina enquanto a viagem da mente continua anunciada pela proacutepria

deusa primeiro atraveacutes do mundo dos pensamentos (como veremos) um mundo onde eacute possiacutevel

encontrar aquele tipo de Persuasatildeo que procede ao lado da verdade e segundo atraveacutes do mundo

da opiniatildeo feito de estrelas divinas ceacuteus eteacutereos Eros homens e mulheres Eacute notaacutevel como essa

segunda parte da viagem natildeo acontece com uma passagem fiacutesica do jovem aprendiz atraveacutes dos

lugares fiacutesicos dos quais o poeta poderia ter nos dado uma descriccedilatildeo mas eacute exatamente uma

viagem da mente examinando teorias sobre o mundo cosmoloacutegico o mundo bioloacutegico e tambeacutem

sobre o mundo psicoloacutegico Assim o poema de Parmecircnides eacute um poema da mente pela mente e

sobre a mente

3211 A deusa DK B 12-27

Nos 26 versos seguintes do fragmento 1 Parmecircnides conta da viagem de um jovem disciacutepulo

o kouros41 ao encontro da anocircnima deusa A linguagem que ele escolhe para esta parte eacute miacutetica de

forma que o cenaacuterio os atores e a proacutepria accedilatildeo satildeo miacuteticos Natildeo haacute nenhuma referecircncia a nenhum

41Entre as vaacuterias interpretaccedilotildees do kouros (em grego jovem) em geral polarizadas entre identificaacute-lo como o proacuteprio

Parmecircnides ou como um disciacutepulo de Parmecircnides se destaca a interpretaccedilatildeo de Cousgrove (1974) que diz que

kouros significa jovem mas no sentido de sem experiecircncia ldquoYouth on the other hand implies inexperiencerdquo (p

93) podendo afinal ser um homem adulto e maduro e mesmo assim ser kouros

44

vieacutes psicoloacutegico em toda a passagem exceto se quisermos entendecirc-la como o proacuteprio Sexto

Empiacuterico faz como uma alegoria de um tipo de processo mental42 A interpretaccedilatildeo correta ou ateacute

mesmo a interpretaccedilatildeo provaacutevel desta primeira parte do proemio eacute um assunto realmente

controverso entre os estudiosos43 e por outro lado para nossos fins entrar nesta discussatildeo natildeo eacute

42Para Sexto (Adv Math 7112-114) os cavalos satildeo os desejos da alma (τὰς τῆς ψυχῆς ὁρμάς) o caminho do daimon

eacute a argumentaccedilatildeo filosoacutefica (τὸν φιλόσοφον λόγον θεωρίαν) e assim por diante

43Zeller desconsidera o proemio enquanto Diels (1987) o revaloriza inclusive analisando os detalhes das descriccedilotildees

dos eixos ferrolhos e outros mecanismos presentes no proemio Bowra retoma de certa forma a interpretaccedilatildeo de

Sexto afirmando que o proemio eacute essencialmente alegoacuterico Simultaneamente uma retomada da interpretaccedilatildeo

misteacuterica que iniciara de certa forma com Diels acontece com a anaacutelise de Burkert (1969) e prossegue com

Kingsley (1999) e Kingsley (2003) ateacute chegar nas interpretaccedilotildees sensoacuterias de Gemelli-Marciano (2008) Esta uacuteltima

afirma antes de tudo seguindo Kingsley (2003) que o poema de Parmecircnides eacute esoteacuterico e depois que os meios

necessaacuterios a transmitir essa sensaccedilatildeo de entrar num outro mundo satildeo utilizados no poema que era declamado e

natildeo lido atraveacutes das imagens propostas e dos sons dos versos os quais proporcionariam ldquoAlienation and binding

are the most powerful means to remove listeners from the ordinary everyday dimension and way of thinking and

put them into a different state of consciousness Images repetitions sequences of words and sounds supposedly

logical arguments all contribute to this end and have a particular meaning and function that surpass conventional

human language and ordinary syntactical and semantic relationshipsrdquo (2008 p 26-7) Todavia a maioria dos

estudiosos tende para uma interpretaccedilatildeo literaacuteria principalmente como artifiacutecio retoacuterico introdutivo

No seu comentaacuterio ao estudo de Gemelli-Marciano (2013) apresentado a Eleatica em 2007 Cornelli afirma que

haacute um Parmecircnides que natildeo queriacuteamos ver (p 145-148) Eu concordo com algumas ressalvas Dada uma

normalidade de consciecircncia haacute muitas coisas que podem alteraacute-la Em primeiro lugar haacute as alteraccedilotildees atraveacutes de

certas substacircncias psicoacutegenas e possivelmente Parmecircnides se de fato praticava a katabasis quase certamente

usava as papaveris lacrimae (a resina que escorre do receptaacuteculo da flor de papoula quando sofre uma incisatildeo) que

era de largo uso religioso (natildeo necessariamente iniciaacutetico) e meacutedico em toda a aacuterea mediterracircnea (Nencini 2004

2009) uma praacutetica similar se manteacutem ainda no rito catoacutelico pelo uso religioso (natildeo necessariamente iniciaacutetico) do

vinho substacircncia que tambeacutem altera a consciecircncia Depois haacute as alteraccedilotildees de consciecircncia por paroxismo

emocional (stress e similares) como se em certos ritos principalmente aqueles acompanhados pelos sons

obsessivos de instrumentos de percussatildeo Depois haacute as alteraccedilotildees de consciecircncia pela arte poesia muacutesica e outras

onde a experiecircncia artiacutestica leva para ldquooutro mundordquo Mas o mesmo se sente diante que uma elegante demonstraccedilatildeo

matemaacutetica o da loacutegica extraordinaacuteria (assim nos parece) de um feito cientiacutefico qualquer Em suma natildeo haacute grande

novidade em dizer que sons e imagens do poema levam a um estado de consciecircncia alterado O problema estaacute na

explicaccedilatildeo que se quer dar agravequele estado alterado Em geral na ocorrecircncia de um estado alterado provocado

voluntariamente haacute um mestre que pretende saber o que aquele estado alterado significa Infelizmente a histoacuteria

mostra que esse tal mestre possuidor de uma pretensa sabedoria que vem de outro mundo nada mais eacute que um

charlatatildeo da supersticcedilatildeo e da crendice Ora supersticcedilatildeo e crendice tambeacutem se alimentam destes estados alterados

de consciecircncia (como jaacute dizia Heraacuteclito DK 22 B 5 14) A proposta de Parmecircnides eacute exatamente poder distinguir

os discursos verdadeiros daqueles que natildeo tecircm fundamento e que satildeo fruto de supersticcedilatildeo e crendice (ele diz

haacutebitos culturais) Apesar da grande empolgaccedilatildeo de Kingsley em defender a formaccedilatildeo iniciaacutetica de Parmecircnides o

fato histoacuterico eacute muito simples a religiatildeo misteacuterica era o padratildeo na antiguidade e natildeo a exceccedilatildeo Entatildeo ao histoacuterico

da filosofia natildeo interessa o Parmecircnides xamacircnico ou que faz katabasis isto era comum e estaacute registrado na cultura

anterior a Parmecircnides O que interessa ao historiador da filosofia eacute esta novidade chamada filosofia que em

Parmecircnides se manifesta de forma embrional E pouco importa se a matriz eacute religiosa ou iniciaacutetica o fato eacute que a

45

proveitoso porque neste trecho natildeo se encontra nenhuma palavra expliacutecita ou situaccedilatildeo ou imagem

que fale da mente Assim podemos pular esta parte e ir diretamente agrave fala da deusa com a qual

Parmecircnides muda completamente o tom da linguagem a partir do ponto do poema onde ela inicia

sua fala a linguagem perde o seu imaginaacuterio miacutetico e a indeterminaccedilatildeo poeacutetica para se tornar uma

linguagem teacutecnica e precisa apesar das grandes dificuldades com as quais Parmecircnides se depara

para expressar novas noccedilotildees como em breve veremos

3212 O programa DK B 128-30

Entatildeo a deusa recebe o kouros e depois de algumas palavras de conforto ela diz

hellipχρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι

ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ

ἠδὲ βροτῶν δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής

Ela diz que ele precisa aprender (πυθέσθαι)44 tudo de um lado o ἦτορ firme da verdade

filosofia representa uma mutaccedilatildeo geneacutetica para usar metaforicamente uma linguagem moderna que define una

autonomia em relaccedilatildeo agrave matriz Ora tal mutaccedilatildeo geneacutetica se revelou interessante e eacute por isto que cresceu

autonomamente e sobreviveu ateacute hoje eacute a esta criatura geneticamente modificada que se interessa o historiador

da filosofia e para a histoacuteria da filosofia sons e imagens satildeo interessantes na medida em que ampliam ou

aprofundam a compreensatildeo da filosofia e natildeo quando evocam esoterismos misteacutericos pois estes interessam agrave

antropologia e ciecircncias afins (ateacute mesmo agrave linguiacutestica na sua parte antropoloacutegica como a etno-linguiacutestica veja-se

por exemplo as referecircncias a Parmecircnides em Costa 2008) Entatildeo eu concordo que haacute um Parmecircnides que natildeo

queriacuteamos ver mas com a ressalva de que este querer eacute eventualmente consciente pois este outro lado (que natildeo

queriacuteamos conhecer) natildeo eacute necessariamente interessante Por exemplo o livro In the dark places of wisdom do jaacute

citado Kingsley (1999) faz uma hipoacutetese a respeito da biografia de Parmecircnides aquela de ele ser um iniciado

hipoacutetese vaacutelida mas natildeo nova como Cornelli sabe perfeitamente por ser um estudioso do pitagorismo (veja-se o

seu excelente In search of Pythagoreanism de 2013 e a criacutetica a Kingsley nas paacuteginas 46-49) Mas esta hipoacutetese

ao qual o inteiro livro eacute dedicado natildeo acrescenta um iota agrave compreensatildeo de sua filosofia pois esta natildeo estaacute nos

lugares obscuros da sabedoria mas na luz meridiana de sua ontologia sua loacutegica e na sua problemaacutetica cosmologia

suscitando ateacute hoje debates estes sim extraordinaacuterios entre os filoacutesofos e cientistas contemporacircneos no mundo

inteiro 44Muitas satildeo as traduccedilotildees dos estudiosos Albertelli (1939 p 119) che tu impari Pasquinelli (1958 p 227) imparare

Guthrie (1965 p 9) to learn Capizzi (1975 p 8) esplorare Barnes (1982 p 122) ascertain OBrien (1987 p 7)

hear Marques (1990 p 114) Santoro (2011 p 85) que te instruas Reale (1991 p 89) che tu apprenda Conche

(2004 p 43) que tu sois instruit Robbiano (2006 p 213) to find out Coxon (2009 p52) be informed

46

εὐκυκλέος e de outro lado as opiniotildees dos mortais nas quais natildeo haacute feacute verdadeira Deixei duas

palavras em grego porque precisamos olhar para elas mais de perto Mas antes de tudo precisamos

esclarecer o sentido geral da passagem Parmecircnides expotildee aqui o programa do assunto que ele

desenvolveraacute nos proacuteximos versos algo que podemos considerar como um iacutendice um dos vaacuterios

elementos meta-discursivos do poema45 Ele diz que seu poema trataraacute de duas coisas uma

relacionada com a verdade (vamos aceitar assim por enquanto) e outra com as opiniotildees dos

mortais Ademais o kouros precisa aprender como todas as coisas deveriam ser quando seguem as

aparecircncias (DK 131-2)46 O programa anunciado seraacute cumprido em duas partes chamadas parte

da verdade fragmentos DK 2 a 8 e a da opiniatildeo fragmentos DK 9 a 19

Agora podemos voltar para o verso 129 ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ Todos os

estudiosos entendem este verso metaforicamente e o traduzem segundo o sentido mais comum de

cada palavra deixando que a imaginaccedilatildeo do leitor se ponha em accedilatildeo o coraccedilatildeo imoacutevel da verdade

bem redonda Todas as traduccedilotildees vatildeo nesta direccedilatildeo embora com diferenccedilas de estilo e de opccedilatildeo

das variantes trazidas pelos doxoacutegrafos47 e natildeo se afastam do sentido metafoacuterico Apesar da

imagem muito forte de um ldquocoraccedilatildeo da verdade bem redondardquo que capturou a sensibilidade de

muitos estudiosos haacute muitas razotildees para tomar estas palavras natildeo como metaacutefora mas como uma

45Veja-se a respeito o excelente artigo de Livio Rossetti La structure du poegraveme de Parmeacutenide (2010) 46Estes versos controversos desde sua traduccedilatildeo ateacute a interpretaccedilatildeo natildeo satildeo assunto desta investigaccedilatildeo 47O termo εὐκυκλέος transmitido por Simplicius eacute escolhido por Diels mas muitos autores preferem uma das duas

outras variantes que temos εὐπειθέος de Sexto Empiacuterico e εὐφεγγέος trazido por Proclo O termo ἀτρεμὲς tem

uma variante ἀτρεκὲς em Plutarco Recentemente Kurfess leva adiante uma interessante questatildeo interpretativa

haacute na poesia arcaica uma tendecircncia agrave repeticcedilatildeo que no caso de Parmecircnides foi subestimada de forma que os trecircs

adjetivos natildeo satildeo alternativos (variantes) de um mesmo verso mas devem pertencer a trecircs versos diferentes

implicando a introduccedilatildeo de mais dois fragmentos ldquoWhat are commonly regarded as conflicting variant readings

of the opening of the poem are actually so I claim quotations from different passages of the poem and all three

adjectives εὐκυκλέος εὐπειθέος and even εὐφεγγέος preserve Parmenidesrsquo original wordingrdquo (Kurfess 2014a)

47

linguagem teacutecnica precisa Estudei esses versos em detalhes em trabalho precedente 48 e aqui

somente reporto algumas conclusotildees A primeira razatildeo a levar em conta eacute como jaacute dissemos a

mudanccedila do tom poeacutetico sugestivo e miacutetico na primeira parte do proemio agrave linguagem precisa da

deusa no resto do poema49 de forma que o coraccedilatildeo imoacutevel da verdade bem redonda eacute uma

linguagem teacutecnica e natildeo uma metaacutefora pois faz parte da fala da deusa e natildeo da descriccedilatildeo previa da

viagem do kouros Naturalmente neste caso surge o problema de entender estas palavras em

sentido teacutecnico pois de fato o que poderia significar um verso tatildeo colorido

Vamos comeccedilar rejeitando as razotildees da interpretaccedilatildeo padratildeo Um coraccedilatildeo imoacutevel natildeo eacute uma

boa metaacutefora porque o coraccedilatildeo de fato natildeo pode parar nunca pois um coraccedilatildeo imoacutevel eacute um coraccedilatildeo

morto A palavra para coraccedilatildeo eacute ἦτορ que tem uma longa histoacuteria desde Homero ateacute os poetas

liacutericos nunca foi usado como metaacutefora 50 A palavra para verdade ἀλήθεια (na forma genitiva

ἀληθείης) natildeo pode ser entendida como uma noccedilatildeo abstrata e ideal porque essa acepccedilatildeo comeccedilaraacute

somente com Platatildeo e se completaraacute provavelmente somente com Agostinho51 no tempo de

Parmecircnides ela deve ser entendida no sentido arcaico concreto de coisa verdadeira52 A bela

48Galgano 2012 49 Rossetti (2010 p 202) ldquoEn annonccedilant les deux types de savoir la deacuteesse entre dans le rocircle du sophos et du

didaskalos cependant que le poegravete Parmeacutenide abandonne celui du chanteur qui cherche agrave enchanter et

suggestionner son auditoire pour celui de lrsquointellectuel qui a appris et sait des choses retentissantes et qui est capable

drsquoen rendre compterdquo 50Sullivan 1996 Numa passagem desse artigo (p 17) a autora sugere ndash citando Il X 93 onde Agamemnon muito

preocupado diz ldquomeu ἦτορ natildeo estaacute firme (ἔμπεδον)rdquo ndash que o natildeo firme poderia fazer referecircncia agrave batida do

coraccedilatildeo talvez irregular caracterizando um sentido mais fiacutesico Eu penso que eacute muito mais simples aceitar o sentido

psicoloacutegico por vaacuterios motivos 1) uma noccedilatildeo de variaccedilatildeo da regularidade da batida do coraccedilatildeo em associaccedilatildeo com

as preocupaccedilotildees de Agamemnon me parece um conceito sofisticado demais para essas eacutepoca 2) o natildeo firme faz

referecircncia claramente a uma indecisatildeo de Agamemnon que vai procurar a ajuda de Nestor o mais saacutebio dos

Aqueus 3) Homero usa ἔμπεδον em outras ocasiotildees como adjetivo para φρένες e νόος (Il 6532 e 11813)

expressotildees com clara referecircncia psicoloacutegica 51No De libero arbiacutetrio Agostinho equipara a Verdade a Deus 52Bernabeacute associa o termo ἀλήθεια em Parmecircnides agraves foacutermulas iniciaacuteticas de matriz oacuterficas utilizadas no sul da Itaacutelia

48

expressatildeo bem redonda εὐκυκλέος tem o sentido homeacuterico de proteccedilatildeo bem feita como no

escudo de Agamemnon (Il XI 33)53 Ateacute mesmo ἀτρεμὲς adjetivo para imoacutevel que natildeo treme

poderia ser entendido como calma numa referecircncia ao mar que natildeo treme54 mas o sentido de natildeo

tremer ἀ (privativo) + τρεμὲς treacutepido eacute uma sugestatildeo muito clara de natildeo oscilaccedilatildeo de um lado a

outro e veremos a importacircncia disso55 Todos estes elementos remetem a uma rejeiccedilatildeo do sentido

metafoacuterico e nos obriga a procurar novas maneiras de entendimento

A deusa fala de duas coisas correlacionadas marcadas pelos correlativos ἠμὲν e ἠδὲ sendo

que o segundo verso tem sentido mais claro e natildeo eacute metafoacuterico as opiniotildees dos mortais nos quais

natildeo haacute feacute verdadeira Assim podemos ver que a deusa estaacute falando do conhecimento do mundo

(πάντα) de um lado as opiniotildees nas quais natildeo haacute uma verdade confiaacutevel e de outro lado afirmaccedilotildees

que satildeo confiaacuteveis O que estaacute em jogo eacute o fato de que alguns conhecimentos satildeo confiaacuteveis e

outros natildeo Ao conhecimento natildeo confiaacutevel a deusa chama de opiniotildees dos mortais enquanto que

ao confiaacutevel ela chama de verdade bem redonda Mas verdade bem redonda estaacute em caso genitivo

aqui um genitivo de origem e indica a instacircncia de onde o sujeito se origina isto eacute de uma verdade

bem redonda Agora se voltarmos para o sentido comum e natildeo metafoacuterico de ἦτορ o sentido de

naquela eacutepoca Para essas foacutermulas ἀλήθεια significa algo que natildeo deve ser esquecido (conforme a noccedilatildeo

etimoloacutegica da palavra) que deve ser mantido em mente ldquoNo universo das lacircminas a verdade natildeo eacute outra coisa

senatildeo aquilo que natildeo se deve esquecer o que foi aprendido na iniciaccedilatildeordquo (Bernabeacute 2013 p 51) Ou seja ἀλήθεια

apresenta a noccedilatildeo de um processo mental do sujeito e natildeo de um algo objetivado fora da mente do sujeito 53O termo κύκλος tem sentido substantivo de aro de proteccedilatildeo que manteacutem firmemente juntas todas as peccedilas do

escudo de Agamecircmnon (ἣν πέρι μὲν κύκλοι δέκα χάλκεοι ἦσαν cercado por dez aros de bronze) 54 LSJ verbete ἀτρεμὴς Semonides 737 ldquoθάλασσα ἀτρεμὴςrdquo 55Se eacute verdade que τρέμω e seus cognatos podem ser referidos ao tremor de medo eacute verdade tambeacutem que podem ser

referidos ao mero movimento fiacutesico sem implicaccedilatildeo emocional como em terremoto (Il 1318) ou no tremor dos

soluccedilos (Il 21507) jaacute ausecircncia de movimento portanto o natildeo tremor natildeo se refere soacute agrave calma (da coragem) mas

tambeacutem agrave imobilidade como os cumes de um monte (Il 5524) ou a uma estela ou uma grande aacutervore (Il 13438)

ou ateacute mesmo ao natildeo repouso de uma lanccedila em constante atividade (Il 13557)

49

sede da faculdade de raciociacutenio tudo se acomoda no lugar certo e se encaixa da melhor maneira

De fato como sede da faculdade de raciociacutenio56 isto eacute como mente na linguagem atual natildeo

temos nenhuma contradiccedilatildeo com ἀτρεμὲς natildeo tremente uma mente que treme (oscila) estaacute em

duacutevida enquanto uma mente imoacutevel (firme que natildeo oscila) eacute uma mente firmemente convencida

que ultrapassou a duacutevida alternante entre afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo do mesmo enunciado Qual eacute a causa

(origem gecircnese) de um tal estado mental de firmeza Eacute a verdade bem redonda onde bem redondo

se refere agrave soacutelida proteccedilatildeo que manteacutem juntas as peccedilas (como no escudo de Agamemnon57) algo

que liga todos os elementos para fazer uma peccedila uacutenica soacutelida e protegida

Agora a traduccedilatildeo estaacute completa a mente firme que vem de uma verdade bem amarrada (bem

conexa) Se fazemos uma paraacutefrase dos versos noacutes podemos dizer

Tu aprenderaacutes tudo

tanto a mente firme gerada de uma verdade bem conexa (convincente)

quanto as opiniotildees dos mortais nas quais natildeo haacute verdade convincente

Podemos ver aqui natildeo somente um vocabulaacuterio psicoloacutegico mas tambeacutem uma genuiacutena observaccedilatildeo

psicoloacutegica De fato a convicccedilatildeo eacute descrita como fenocircmeno psicoloacutegico da mente que natildeo treme

56Mesmo em Homero onde ἦτορ eacute raramente envolvido com o pensamento haacute uma passagem crucial logo na abertura

da Iliacuteada (1188) onde Aquiles enfurecido o coraccedilatildeo a flutuar indeciso em seu peito veloso (ἐν δέ οἱ ἦτορ

στήθεσσιν λασίοισι διάνδιχα μερμήριξεν ndash trad Nunes) estaacute indeciso entre agir (matar Agameacutemnon ou natildeo) eacute

notaacutevel como na expressatildeo homeacuterica ἦτορ preside uma duacutevida enquanto na expressatildeo parmenidiana ἦτορ consegue

sair da duacutevida e permanecer firme mais uma indicaccedilatildeo do valor natildeo metafoacuterico deste verso de Parmecircnides 57εὐκυκλέος foi escolhido por Diels por ser lectio difficilior Bem persuasivo a versatildeo dada por Sexto Empiacuterico expotildee

mais claramente o conteuacutedo psicoloacutegico da expressatildeo ἀτρεμὲς ἦτορ o que reforccedila a interpretaccedilatildeo aqui apresentada

Aqui dentro do contexto da interpretaccedilatildeo filosoacutefica ambos εὐκυκλέος e εὐπειθέος apresentam um sentido

convergente e a nossa tarefa pode se considerar cumprida Jaacute em contexto filoloacutegico os estudos continuam e se

aprofundam Passa por exemplo acredita que εὐκυκλέος seja um ajuste secundaacuterio que tende a transferir no verso

programaacutetico do proemio conteuacutedos fundamentais da tradiccedilatildeo neoplatocircnica (Passa 2009 p 52) jaacute Kurfess eacute ainda

mais ousado e defende a possibilidade de que as trecircs variantes εὐκυκλέος εὐπειθέος εὐφεγγέος pertenccedilam a trecircs

diferentes versos do poema (Kurfess 2012 p 18-54)

50

que natildeo oscila de um lado a outro mas permanece firme ligada por conexotildees e protegida da duacutevida

No outro lado a deusa coloca as opiniotildees dos mortais nas quais a convicccedilatildeo (πίστις) natildeo eacute

verdadeira porque as opiniotildees (a respeito de um mesmo fato) mudam enquanto a verdade bem

ligada daacute origem agrave mente firme isto eacute agrave mente que natildeo muda de ideia Parmecircnides nota que em

ambos os casos opiniotildees ou mente firme o homem se convence (ou persuade como diraacute alguns

versos agrave frente) mas o convencimento natildeo verdadeiro gera opiniotildees enquanto o conhecimento

verdadeiro gera a mente firme Ele faz uma distinccedilatildeo sutil mas importante e que eacute o ponto de partida

de uma discussatildeo a respeito do raciociacutenio ele diz que todo homem pode estar convencido de suas

crenccedilas mas isto natildeo significa que estas sejam verdadeiras Algueacutem pode estar persuadido de um

certo conhecimento mas a sua persuasatildeo natildeo torna verdadeiro aquele conhecimento Parmecircnides

diraacute depois que eacute necessaacuterio algo a mais para alcanccedilar a certeza eacute necessaacuterio um meacutetodo para ligar

com conexotildees estreitas os elementos daquele conhecimento que soacute assim se torna verdadeiro O

meacutetodo seraacute exposto nos versos seguintes

A problemaacutetica psicoloacutegica que Parmecircnides abriu eacute uma enorme descoberta que desde entatildeo

nunca mais iraacute abandonar o homem porque se nossas convicccedilotildees natildeo satildeo o bastante para certificar

a verdade isto significa ao menos duas coisas 1) natildeo temos certeza da verdade que temos logo a

posse da verdade fica em suspenso o que equivale pragmaticamente em natildeo ter a verdade 2)

temos que procurar uma maneira de certificar a verdade e isto significa que precisamos encontrar

a verdade isto eacute uma certificaccedilatildeo verdadeira que decirc verdade ao que ela certifica Com a introduccedilatildeo

desta problemaacutetica ele comeccedila aquele processo histoacuterico onde o homem sabe que ele natildeo eacute saacutebio

porque natildeo conhece a verdade em outras palavras ele inicia a questatildeo do homem em busca da

verdade o homem em busca da sabedoria Enquanto seus mestres buscavam apenas novos

conhecimentos em algum campo da vida humana Parmecircnides percebeu que haacute um problema

51

anterior comum a todos os saberes algo relacionado com as funccedilotildees da mente humana pelo qual

nenhum conhecimento poderia ser considerado verdadeiro ateacute que fosse corretamente certificado

Os sentidos natildeo satildeo suficientes os relatos natildeo satildeo suficientes as tradiccedilotildees natildeo satildeo suficientes

todas estas formas de conhecimento satildeo criticadas exatamente com esta distinccedilatildeo estar convencido

de algo natildeo torna este algo verdadeiro Ao mesmo tempo ele inicia a busca pela sabedoria partindo

da consciecircncia de que noacutes natildeo podemos ter a verdade imediatamente e a busca pela verdade do

conhecimento ambas as buscas implicam na nossa linguagem atual o iniacutecio da gnosiologia o

estudo das possibilidades de conhecimento58 e do estudo do conhecimento verdadeiro59 Nos

proacuteximos versos veremos como essa enorme descoberta eacute articulada ao longo de seu poema

sempre partindo de observaccedilotildees psicoloacutegicas

322 O fragmento 2

O fragmento DK 2 eacute uma obra prima em muitos sentidos e eacute uma das partes mais estudadas

do poema Aqui diremos apenas algo em referecircncia ao nosso enfoque psicoloacutegico geral

evidenciando um vocabulaacuterio psicoloacutegico principalmente nos primeiros dois versos mas o inteiro

fragmento estaacute construiacutedo a partir de uma observaccedilatildeo psicoloacutegica fundamental que acaba

comportando implicaccedilotildees filosoacuteficas profundas Por este motivo o fragmento 2 seraacute estudado

detidamente na primeira parte do segundo capiacutetulo Aqui analisaremos principalmente o verso 2

58 Agraves vezes referida agrave gnosiologia ou teoria do conhecimento embora tecnicamente essas expressotildees tenham uma

conotaccedilatildeo bem restrita (veja-se Abbagnano 1971 verbete conhecimento teoria do) 59Agraves vezes referido como epistemologia ou teoria do conhecimento embora tecnicamente essas expressotildees tambeacutem

tenham conotaccedilatildeo bem restrita (veja-se Abbagnano 1971 verbete conhecimento teoria do)

52

com uma atenccedilatildeo especial ao νοεῖν parmenidiano que constituiraacute a chave para a compreensatildeo da

reflexatildeo psicoloacutegica de Parmecircnides e permitiraacute evidenciar como uma grande problemaacutetica jaacute era

clara a ele Vamos relembrar os versos na ediccedilatildeo DK 28 B 2

εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας

αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι

τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν

οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

οὔτε φράσαις

A deusa diz ldquoagora presta atenccedilatildeo agraves minhas palavras eu te direi quais satildeo os caminhos de

inqueacuterito a pensar um que eacute e que eacute impossiacutevel que natildeo seja eacute caminho de Persuasatildeo (pois

acompanha a Verdade) outro que natildeo eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja este digo que eacute caminho

totalmente inescrutaacutevel porque vocecirc natildeo pode conhecer o natildeo ser (pois natildeo pode ser levado a cabo)

nem vocecirc poderia expressaacute-lordquo Dado o grande nuacutemero de interpretaccedilotildees diferentes esse sentido

geral pode ser contestado quase a cada palavra por muitos estudiosos Poreacutem vamos evitar o

sentido filosoacutefico (que seraacute estudado detidamente mais adiante) e nos restringir agrave parte psicoloacutegica

3221 O uacutenicos caminhos de inqueacuterito DK B 22

No verso 2 ndash αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι ndash a deusa fala de 1) νοῆσαι um verbo do

qual discutiremos em breve 2) ὁδοὶ caminhos para a accedilatildeo de νοῆσαι 3) ὁδοὶ διζήσιός εἰσι νοῆσαι

caminhos parta a accedilatildeo de νοῆσαι de um modo especiacutefico aquele que inquere 4) o fato de que os

caminhos a serem expostos satildeo os uacutenicos (μοῦναι) caminhos possiacuteveis para o modo que inquere

Cada palavra desse verso se refere a alguma distinccedilatildeo psicoloacutegica Vamos examinar

53

1) νοῆσαι Haacute uma controveacutersia aqui a respeito do sentido preciso de νοεῖν (de onde νοῆσαι) em

Parmecircnides Eacute uma grande discussatildeo porque de um lado Parmecircnides usa a estrutura poeacutetica eacutepica

isto eacute usa a linguagem e a forma mais tradicionais para expressar seu pensamento mas de outro

lado ele usa novos sentidos para palavras antigas e usa palavras antigas para descrever novas

descobertas reflexotildees e propostas assim a tensatildeo entre o antigo e o novo daacute espaccedilo a muitas

ambiguidades que satildeo um verdadeiro quebra-cabeccedila para os estudiosos60 Poreacutem enquanto estes

60Taraacuten (1965) traduz ldquowhich are the only ways of inquiry that you can be conceivedrdquo (p 32)

Ramnoux (1979) traduz ldquoquelle sont les seules voies de recherche agrave concevoirrdquo (p 110)

Untersteiner (1979) traduz ldquoquali sole vie di ricerca siano logicamente pensabilirdquo (p129)

Barnes (1982) traduz ldquowhat are the only roads of inquiry for thinking ofrdquo (p 124) e comenta ldquoThe phrase

lsquoarehellipfor thinking of (line 2) renders lsquoesti noecircsairsquo The verb lsquonoeinrsquo of which lsquonoecircsairsquo is the aorist infinitive plays

a central role in Parmenidesrsquo subsequent argument where it is standardly translated as lsquothink of or lsquoconceiversquo Some

scholars however prefer the very different translation lsquoknowrsquo and thereby change the whole character of

Parmenidean thought I think that the standard translation makes better sense of Parmenidesrsquo argument and I doubt

if the heterodox translation is linguistically correct It is true that in certain celebrated Platonic and Aristotelian

passages the noun lsquonousrsquo is used to denote the highest of cognitive faculties and there are passages in those

philosophers and in earlier writers where lsquointuitrsquo lsquograsprsquo or even lsquoknowrsquo is a plausible translation of lsquonoeinrsquo But

against those occurrences (which are fairly uncommon and usually highflown) we can set a host of passages where

lsquonoeinrsquo simply means lsquothink (of)rsquo lsquonoeinrsquo is the ordinary Greek verb for rsquothink (of)rsquo and lsquothink (of)rsquo is usually its

proper English equivalent Moreover the linguistic context in which the verb occurs in Parmenides favours (indeed

to my mind requires) the translation lsquothink (of)rsquo For lsquonoeinrsquo is thrice conjoined with a verb of saying with lsquolegeinrsquo

at B 61 and with lsquophasthairsquo twice in B 88 (cf lsquoanocircnumonrsquoat B 817) lsquoLegeinrsquo and lsquophasthairsquo mean lsquosayrsquo not lsquosay

trulyrsquo or lsquosay successfullyrsquo (the Greek for which is lsquoalecirctheueinrsquo) and the contexts of their occurrence imply that

lsquosayrsquo and lsquonoeinrsquo share at least one important logical feature they both stand in the same relation to lsquobeingrsquo In this

respect it is lsquothink that Prsquo and lsquothink of Xrsquo rather than lsquoknow that Prsquo and lsquoknow Xrsquo which parallel lsquosay that Prsquo and

lsquomention Xrsquo and that fact I think establishes the traditional translation of lsquonoeinrsquo

So much for the meaning of lsquonoecircsairsquo All however is not yet plain for the syntax of lsquoesti noecircsairsquo is disputed

Phrases of the form esti+infinitive recur later in the poem and their presence is indicated in my translation by

phrases of the rebarbative form lsquois (are) for φingrsquo The usage which is not uncommon in Greek has connexions

with the lsquopotentialrsquo use of lsquoestirsquo (Esti with infinitive often means lsquoit is possible tohelliprsquo In that case lsquoestirsquo is

lsquoimpersonalrsquo whereas in our locution it always has a subject explicit or implicit) Indeed it seems to me reasonable

to gloss lsquoa is for φingrsquo either by lsquoa can φrsquoor by lsquoa can be φedrsquomdashthe context will determine whether active or passive

is appropriate Thus in 1482 lsquoare for thinking of means lsquocan be thought of Observe that the gloss differs from its

original in one important feature The grammatical form of the phrase lsquoa is for φingrsquo may seduce us into making a

fallacious deduction from lsquoa is for φing it is easy to infer lsquoa isrsquo The grammatical form of the gloss does not

provide the same temptation The point may assume significance laterrdquo

OBrian (1987) traduz ldquojust what ways of enquiry there are the only ones that can be thought ofrdquo (p 16) e

comenta ldquoLinfinitif deacutepend agrave mon sense de ladjectif μοῦναι ou si lon veut de luniteacute syntaxique adjectif + verbe

(μοῦναι + εἰσι) [hellip] Ainsi sexpliquerait lemploi de lactive chez Parmeacutenide le voies de recherche sont ldquoles seules

ltquon aitgt agrave concevoirrdquo ldquoles soules agrave ecirctre conccediluesrdquo ou bien un peu plus librement ldquoles seules ltque lon puissegt

54

se preocupam com o sentido geral do νοεῖν no poema inteiro nossa preocupaccedilatildeo aqui eacute por

enquanto somente com esse verso A partir do artigo de von Fritz61 surgiu uma tendecircncia de tentar

explicar o termo tendo por referecircncia seu uso anterior principalmente obviamente em Homero

talvez esta tendecircncia tentava contrabalanccedilar um uso talvez desenvolto demais da hermenecircutica da

palavra por parte de alguns criacuteticos e ateacute mesmo filoacutesofos como em Heidegger62 por exemplo

Mesmo levando em conta por um lado as interpretaccedilotildees mais ousadas dos partidaacuterios do

historicismo hegeliano63 e por outro lado as sofisticadas estrateacutegias filoloacutegicas como a de von

Fritz noacutes seremos cautelosos e procederemos cautelosamente e por enquanto partiremos de um

sentido geneacuterico mas seguro da palavra νοῆσαι somente neste verso que eacute aquele que se refere a

concevoirrdquo ldquoles seules concevablesrdquordquo (p154) Na nota 10 mesma paacutegina OBrien expressa toda a dificuldade

quase o desespero de natildeo poder usar a palavra que encaixe perfeitamente pois as disponiacuteveis (conhecer saber

pensar comprender entender perceber aperceber apreender discernir contemplar considerar) apresentam todas

vantagens e desvantagens

Cerri (1999) traduz ldquoquelle che sono le sole due vie di ricerca pensabilirdquo (p 149) e comenta ldquoAqui νοεῖν eacute

usado no sentido corrente e geneacuterico de pensar natildeo naquele parmenidiano tecnicizado de entender (capire)

racionalmente neste segundo sentido natildeo poderia se dizer que o caminho do natildeo eacute que consiste num erro de

perspectiva pode ser objeto de νοεῖν isto eacute de intelecccedilatildeo como o caminho do eacute O meacuterito desta observaccedilatildeo eacute de

Gentili De fato o proacuteprio Parmecircnides diraacute mais adiante que o caminho natildeo verdadeiro eacute anoetos inconcebiacutevel

(fr 78 vv 22-23) (p 188)

Cordero (2005) traduz ldquocuales son los uacutenicos caminos de investigacion que hay para pensarrdquo (p 219) e

comenta ldquoEl verbo pensar () es evidentemente un infinitivo final o consecutivo pero haacute sido siempre tomado

comop si su valor fuese passivo sea directamente sea se si se interpreta ldquoeisiacuterdquo com valor potencial En

consequecircncia se lo haacute traducido em general como un participio pasivo [hellip] Nosotros preferimos dejar em la

indeterminacioacuten tanto el sujeto como el objeto del infinitivo pues no se trata de un verbo inserto em una frase sino

de un infinitivo aislado y rechazamos todo matiz ldquopasivordquo que como vimos seriacutea incompatible com uno de los

caminos (p 57-58)

Coxon (2009) traduzrdquo about those ways of enquiry which are alone conceivablerdquo (p 56) e comenta ldquolsquowhich

are for conceivingrsquo ie which may be conceived One of the two ways so described is in fact to be left lsquounconceived

[hellip] lsquowhich are for conceivingrsquo ie which may be conceived One of the two ways so described is in fact to be left

lsquounconceivedrsquordquo (p 290) 61Fritz K Von (1945) ldquoNous noein and its derivatives in Presocratic philosophy [excluding Anaxagoras] I From the

beginning to Parmenidesrdquo 62Heidegger ldquo[Parmecircnides jaacute usava] noein - the simple apprehension of something objectively present in its pure

objective presence [Vorhandenheit]rdquo (1996 p 22) 63Veja-se por exemplo Hosle 1984

55

um comportamento da mente portanto podemos dizer que o verbo νοεῖν quer expressar um ato da

mente Posto que os atos da mente satildeo de diversos tipos o problema consiste em saber a que tipo

ele quer se referir para tanto teremos que recorrer agraves descriccedilotildees apresentadas no texto

2) ὁδοὶ Temos aqui a primeira descriccedilatildeo Parmecircnides fala de um comportamento da mente quando

vai ao longo de um caminho seguindo um percurso como uma sequecircncia de momentos do ato ou

entatildeo como uma sequecircncia de atos Essa consideraccedilatildeo nos daacute a entender que ele natildeo estaacute falando

de um ato isolado como uma imagem ou uma percepccedilatildeo isolada ou um insight mas de um

processo

3) διζήσιός Com esta palavra64 temos mais uma especificaccedilatildeo do ato Ele quer falar a respeito de

algum tipo especiacutefico de caminho exatamente a respeito daquele usado para investigar inquirir

fazer perguntas e entender as respostas Parmecircnides depois de considerar que certo comportamento

mental eacute um processo diz que haacute muitos tipos de processos e ele iraacute falar apenas de um dentre eles

aquele de inqueacuterito Vai se tornando claro que o processo mental implicado por essas palavras eacute

um processo de pensamento voluntaacuterio de modo que os produtos sejam pensamentos natildeo

quaisquer pensamentos mas aqueles ao longo de um certo caminho natildeo qualquer caminho mas

aqueles pensamentos que compotildeem um caminho de investigaccedilatildeo em direccedilatildeo a algum

conhecimento

4) μοῦναι Essa palavra tem uma importacircncia muito grande e merece nossa especial atenccedilatildeo Ela

significa uacutenicas (feminino plural referido a ὁδοὶ palavra feminina) Saberemos depois que os

64Δίζησις que vem de δίζημαι procurar entre muitos (LSJ) e natildeo consta antes de Parmecircnides provavelmente eacute uma

invenccedilatildeo dele Untersteiner nota a nuance da indecisatildeo e trazendo como exemplo Heroacutedoto VII 1421 diz ldquoδίζησις

pode ser a busca diante de um problema que admite soluccedilotildees opostasrdquo (1979 p LXXXI n 119)

56

uacutenicos caminhos satildeo dois Mas o que eacute realmente importante eacute o fato como esse adjetivo indica

de que Parmecircnides examinou muitos caminhos e concluiu que soacute haacute dois para o inqueacuterito Esse

adjetivo eacute o resultado de uma observaccedilatildeo do comportamento da mente ele diz haacute muitos caminhos

para a atividade mental (aqui uma atividade de inqueacuterito) e depois de examinaacute-los todos encontrei

soacute dois adequados (para a atividade de inqueacuterito) Esta eacute uma genuiacutena observaccedilatildeo do

comportamento da mente com um projeto geral (como veremos mais adiante) com uma finalidade

especiacutefica uma pesquisa e o resultado

5) νοῆσαι de novo Agora depois das elucidaccedilotildees dos termos envolvidos podemos definir νοῆσαι

Essa forma vem de νοέω que significa a) perceber pela mente apreender tomar nota ter

conhecimento de perceber b) pensar considerar refletir c) considerar julgar presumir d) outros

sentidos especiacuteficos em construccedilotildees especiacuteficas Todas estas acepccedilotildees encontram-se no LSJ no

qual ademais encontramos tambeacutem a citaccedilatildeo do verso DK 834 de Parmecircnides no sentido de

percebido pela mente Mas percepccedilatildeo em nossa linguagem eacute um ato da mente sinoacutetico eacute um

momento isolado mesmo quando referido a muitos fatos da mente de fato percepccedilatildeo quando eacute

referida a muitos fatos da mente significa aquele resultado obtido por uma visatildeo sinoacutetica o mesmo

pode ser dito de pensamento que eacute um fato soacute mesmo quando implica uma sequecircncia de

raciociacutenio porque se refere ao resultado do raciociacutenio Alguns estudiosos traduzem νοεῖν com

pensar que eacute o mais comum no caso de Parmecircnides seguindo a traduccedilatildeo famosa de Diels

lsquodenkenrsquo65 Mas pensar tem um problema eacute muito geneacuterico e pode ser usado para qualquer

atividade mental desde percepccedilatildeo ateacute o trazer agrave memoacuteria relembrar desde buscar na memoacuteria

65Por exemplo Wilkinson (2009 p 77)

57

ateacute ter um insight e pensar solto como num brainstorm assim essa traduccedilatildeo natildeo seria errada

mas seria menos precisa daquilo que precisamos para o nosso estudo especiacutefico O sentido geneacuterico

e ambiacuteguo desta traduccedilatildeo acaba gerando conflitos e contradiccedilotildees com outras partes do poema onde

comparecem outros cognatos do verbo νοεῖν (tornaremos a isto mais adiante) Haacute um outro grupo

de traduccedilotildees com o sentido geral de conhecimento vamos examinar66 Von Fritz conclui que em

Parmecircnides embora mantendo uma natureza intuitiva (intuitive nature p 241) como em Heraacuteclito

e nos poemas homeacutericos νοεῖν ganha um novo aspecto ldquoporque foi o primeiro que incluiu

conscientemente o raciociacutenio loacutegico na funccedilatildeo do νόοςrdquo (p 242) Se noacutes podemos genericamente

concordar com von Fritz natildeo podemos fazer o mesmo com aqueles estudiosos que traduzem

νοῆσαι com for knowing como Kahn67 o qual tambeacutem confirma que ldquoA traduccedilatildeo proacutepria para o

verbo em Parmecircnides eacute um termo como cogniccedilatildeo ou conhecimentordquo68 Natildeo podemos concordar

porque conhecimento eacute uma funccedilatildeo da mente que pode ser o resultado de um raciociacutenio loacutegico

mas conhecimento pode ser tambeacutem aquele vindo de uma familiaridade empiacuterica com o conhecido

ou aquele que vem de uma intuiccedilatildeo ou de um sexto sentido (uma percepccedilatildeo natildeo claramente

identificada e classificada que muitas vezes acaba operando exatamente diante de escolhas onde

os criteacuterios racionais se esgotam por exemplo no conhecimento afetivo) mas o conhecimento

intuitivo eacute exatamente o sentido oposto agravequele usado por Parmecircnides pois a intuiccedilatildeo como fato

66Haacute ateacute quem natildeo traduz νοῆσαι como Colli o qual propotildee ldquoSuvvia io ti dirograve [hellip] quali sono le uniche vie di ricerca

la prima etcrdquo (2003 p 137) 67Kahn (2009 p 146 n 4) ldquoI take νοῆσαι as loosely epexegetical or final with ὁδοί lsquowhat ways of search there are

for knowingrsquo ie I do not construe the infnitive as potential with εἰσί which gives the usual translation lsquothe only

ways of search that can be thought ofrsquo This usual construction provides us with a gratuitous contradiction since

Parmenides goes on to show that the second way is after all ἀνόητος (8 17 cf 2 7)rdquo 68Ibidem The proper translation for the verb in Parmenides is a term like lsquocognitionrsquo or lsquoknowledgersquo it is paraphrased

by γνῶναι lsquoto recognize be acquainted withrsquo at 2 7

58

mental eacute uma sensaccedilatildeo imediata assim como o sexto sentido e natildeo segue caminhos (e muito

menos segue caminhos de inqueacuterito) aleacutem disso conhecer mesmo referido ao conhecimento

loacutegico eacute o resultado do processo isto eacute subentende um conhecedor um ato de conhecer e um

conhecido mesmo quando dizemos conhecendo no geruacutendio noacutes entendemos usar a mente tendo

o conhecimento como alvo e afinal o que a expressatildeo acentua eacute todo o processo principalmente

o resultado o conhecido Natildeo eacute disso que Parmecircnides estaacute falando Naturalmente o poema eacute

exatamente sobre como a mente pode alcanccedilar seu alvo que eacute o conhecimento verdadeiro Mas o

conhecimento verdadeiro ndash como veremos em detalhes ndash eacute um pressuposto de qualquer

conhecimento principalmente de um ponto de vista subjetivo porque qualquer que seja a coisa da

qual eu estou persuadido eu acredito que tal coisa para mim eacute verdadeira Assim o conhecimento

verdadeiro natildeo eacute suficiente para explicar a obra de Parmecircnides mesmo o xamatilde reivindica um

conhecimento verdadeiro mesmo o governante (o qual sabe isto eacute acredita saber a verdade acerca

do governo) mesmo o curandeiro ou o sacerdote O problema eacute que todos estes conhecimentos

verdadeiros natildeo satildeo mais suficientes nos tempos de Parmecircnides desde que as novas exigecircncias

culturais passam a exigir novas concepccedilotildees Que aqui Parmecircnides natildeo esteja falando do

conhecido mas do ato cognoscente eacute claro pela expressatildeo ὁδοὶ διζήσιός que se aplica agrave accedilatildeo do

conhecer e natildeo ao cognoscente ou ao conhecido entatildeo natildeo se pode usar o verbo conhecer a menos

de incorrer numa completa falsificaccedilatildeo do sentido do resto do poema69

Haacute ainda mais uma razatildeo para evitar conhecimentoconhecer para traduzir νοεῖν e seus

69Eacute o que acontece com Kahn o qual afinal forma um quadro distorcido da mensagem filosoacutefica do poema (ver mais

adiante n 153 p 114)

59

cognatos e eacute a razatildeo dada (involuntariamente) por von Fritz De fato se Parmecircnides eacute o primeiro a

usar o termo com a inclusatildeo de conotaccedilotildees relativas ao raciociacutenio loacutegico eacute exatamente esta nova

nuance de sentido que ele quer apresentar isto eacute a nuance de como conhecer algo com o uso do

raciociacutenio loacutegico neste caso o verbo νοεῖν e seus cognatos natildeo podem ser usados no novo

sentido com a nova contribuiccedilatildeo parmenidiana assentada e absorvida na semacircntica daquela

palavra porque seria historicamente incorreto exceto se Parmecircnides tivesse apresentado

explicitamente uma mudanccedila de sentido para aquela palavra A semacircntica de uma palavra natildeo pode

apresentar um novo sentido antes da proposta de uma nova variaccedilatildeo no sentido assim conhecer

pelo raciociacutenio pode ser uma consequecircncia da filosofia parmenidiana e natildeo uma premissa para um

novo uso da palavra feito pelo proacuteprio Parmecircnides pois isto redundaria em incompreensatildeo pela

audiecircncia Em outras palavras Parmecircnides natildeo utiliza a palavra num novo sentido mas apenas a

toma no sentido comum embora numa parte especiacutefica do sentido comum (a parte da accedilatildeo) isto eacute

numa de suas acepccedilotildees comuns e procura apresentar uma nova operaccedilatildeo um novo meacutetodo que

esta parte operativa pode seguir

Depois de todas estas distinccedilotildees e para evitar qualquer ambiguidade que poderia surgir destas

traduccedilotildees mais tradicionais70 eu prefiro usar aqui uma terminologia muito teacutecnica pela qual noacutes

70Haacute ainda um outro conjunto de interpretaccedilotildees que buscam relacionar noein e to eon procurando extrair as semacircnticas

de um a partir de outro e vice-versa Esta linha interpretativa natildeo eacute abordada aqui por dois motivos o primeiro eacute

que nos obrigaria a uma investigaccedilatildeo do eon parmenidiano investigaccedilatildeo metodologicamente excluiacuteda aqui o

segundo eacute que este tipo de approach resultou em muita equivocidade na medida em que se procura tratar o poema

como um todo orgacircnico coisa que o seu estado fragmentaacuterio natildeo permite Veja-se um exemplo entre os recentes

em Sedley com as muitas ambiguidades por exemplo entre pensar e pensamento (thinking and thought) que ele

usa como sinocircnimos (2000 p 120) Quando essa linha interpretativa se propotildee alvos menores consegue bons

resultados por exemplo Crystal (2002) cujo objetivo eacute mostrar que o noein que se identifica com o to eon aparece

soacute no fragmento 8 e natildeo antes ou Lesher (1994 especialmente p 24-34) o qual mostra um aspecto do noein de

Parmecircnides quando inserido dentro de um quadro maior de inqueacuterito (realizado por elenchos por tentativas e por

60

perdemos algo da poesia (e da beleza) mas ganhamos algo mais em clareza especialmente tendo

em vista nosso objetivo que eacute uma busca dos aspectos psicoloacutegicos do poema Assim usarei

exatamente o termo que segue a descriccedilatildeo de Parmecircnides um caminho de inqueacuterito colocando o

acento 1) na operaccedilatildeo 2) no caminho e 3) no inqueacuterito (na inquisitividade) e natildeo no conhecimento

(o qual eacute o resultado de todos esses elementos) nem sob o grande guarda-chuva de pensar no

qual quase qualquer accedilatildeo da mente pode ser incluiacuteda podemos simplesmente traduzir com

operaccedilotildees cognitivas da mente isto eacute aquela atividade da mente que tende ao conhecimento mas

natildeo eacute ela mesma o conhecer enquanto ato completo de cognoscente-conhecer-conhecido Este

termo poraacute no foco exatamente o nosso assunto as operaccedilotildees da mente e ao mesmo tempo

reduziraacute todas as discussotildees de ordem filosoacutefica e epistemoloacutegica que estatildeo aqui fora de tema

Podemos agora inserir a traduccedilatildeo de νοεῖν na nossa paraacutefrase anterior ldquoAgora preste atenccedilatildeo

agraves minhas palavras eu te direi quais satildeo os caminhos de inqueacuterito para as operaccedilotildees cognitivas da

mente (νοῆσαι) um que eacute e que eacute impossiacutevel que natildeo seja eacute caminho de Persuasatildeo (e acompanha

a Verdade) o outro que natildeo eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja e este eu te digo eacute caminho

inescrutaacutevel totalmente porque vocecirc natildeo pode conhecer o que natildeo eacute (pois natildeo pode ser cumprido)

nem dizecirc-lordquo

3222 DK B 24-8

Nos restantes versos do fragmento Parmecircnides expotildee os dois caminhos de inqueacuterito com

uma argumentaccedilatildeo sofisticada que mostra natildeo soacute o Parmecircnides psicoacutelogo mas mostra ao mesmo

testes) que ele chama peirastic paradigm of knowledge

61

tempo o Parmecircnides autenticamente filoacutesofo escrevendo uma das mais profundas paacuteginas de toda

a histoacuteria da filosofia ocidental Estes versos seratildeo estudados detidamente no proacuteximo capiacutetulo

323 O fragmento 3

Infelizmente o fragmento 3 eacute muito curto isolado e afinal de fato natildeo compreensiacutevel

Vamos olhaacute-lo

τὸ γὰρ αὐτὸ νοεῖν ἐστίν τε καὶ εἶναι

pois o mesmo eacute pensar e portanto ser71

O verso eacute uma citaccedilatildeo tirada de Clemente72 Plotino73 e numa versatildeo um pouco diferente de

Proclo74 Seu lugar no poema parece ser depois do fragmento 2 pois apresenta a mesma temaacutetica75

e parece ser a continuaccedilatildeo do mesmo argumento jaacute a traduccedilatildeo apresenta muitas dificuldades e

muitas diferentes soluccedilotildees entre os estudiosos

A citaccedilatildeo reportada por Clemente eacute lanccedilada de forma desordenada entre outras citaccedilotildees A

desordem do inteiro texto dos Stromateis parece ser voluntaria e atenderia a um meacutetodo especiacutefico

de escrita (associada inclusive agraves ideias expostas no Fedro de Platatildeo a respeito da relaccedilatildeo entre

ensinamento escrito e oral) que procura ocultar parte dos ensinamentos e tambeacutem procura escrever

71Trad Cavalcante de Souza 72Clemente Stromata VI II 233 73Plotino Enneades V 1 [10] 817 V 9 [5] 529-30 74Proclo in Parmenidem 115233 Theologia platonica I 14 75A colocaccedilatildeo de Diels na sequecircncia do fragmento 2 eacute seguida por muitos (Untersteiner Coxon e outros) Calogero

(1977 22-23) chega a integrar com um ὅσσα νοεῖς φάσθαι mas infelizmente natildeo se encontra fundamento nessa

integraccedilatildeo a natildeo ser a interpretaccedilatildeo do proacuteprio Calogero sobre a gecircnese da loacutegica parmenidiana

62

segundo um meacutetodo natildeo linear76 poreacutem coordenado com o ensinamento oral Voluntaacuteria ou natildeo

esta escrita desordenada impede uma clara contextualizaccedilatildeo das passagens citadas Em relaccedilatildeo agrave

citaccedilatildeo de Parmecircnides o assunto em discussatildeo era que os gregos roubavam de si proacuteprios isto eacute

plagiavam a si proacuteprios uns aos outros como exemplo Clemente faz muitas conexotildees entre

citaccedilotildees de dois autores supostamente um plagiando outro e agraves vezes junta mais de dois No caso

de Parmecircnides ele comeccedila com Heroacutedoto que reporta Phytia no caso da Divindade dizer e fazer

satildeo o mesmo continua com Aristoacutefanes pois pensar e fazer satildeo o mesmo e finalmente cita

Parmecircnides ldquopois pensar e ser satildeo o mesmo77 Pelo que se consegue entender se trata do plagio

da assimilaccedilatildeo de um conceito a outro dizer e fazer pensar e fazer pensar e ser Nenhuma

referecircncia eacute dada para se entender mais claramente o que significariam pensar e ser e mais ainda

o que significaria a assimilaccedilatildeo de um a outro78

No caso de Plotino a citaccedilatildeo eacute muito precisa como ele costumava fazer mas as noccedilotildees das

palavras satildeo revestidas de um forte neoplatonismo atribuindo a νοεῖν e a εἶναι sentidos de fato

muito distantes do pensamento preacute-socraacutetico79 Plotino natildeo tem uma preocupaccedilatildeo histoacuterica e natildeo

76A forma desordenada de escrita usada no texto dos Stromateis eacute um evento isolado natildeo soacute entre os escritos de

Clemente ndash cujas outras obras possuem uma redaccedilatildeo mais tradicional ndash com em geral na literatura sua

contemporacircnea gerando perplexidade entre os estudiosos Um panorama das vaacuterias hipoacuteteses pode ser vista em

Osborn 2005 O estudioso considera que se trata de uma teacutecnica de disseminaccedilatildeo de sementes de conhecimento

com a finalidade de despertar interesses a serem sucessivamente complementados pelo ensinamento oral numa

passagem diz ldquoThe Stromateis fulfil this role by transmitting the teaching which Clement received connecting

oral and written teaching The hidden element in them is a guard against their misuse by the mediocre or the bad

In his oral teaching Clement imparted the seeds of truth and his writing recalls themrdquo (Osborn 2005 p 14) 77Eis a passagem VI 2231-3 ldquo Ἡροδότου τε αὖ ἐν τῷ περὶ Γλαύκου τοῦ Σπαρτιάτου λόγῳ φήσαντος τὴν Πυθίαν

εἰπεῖν τὸ πειρηθῆναι τοῦ θεοῦ καὶ τὸ ποιῆσαι ἴσον γενέσθαι Ἀριστοφάνης ἔφη δύναται γὰρ ἴσον τῷ δρᾶν τὸ νοεῖν

καὶ πρὸ τούτου ὁ Ἐλεάτης Παρμενίδης τὸ γὰρ αὐτὸ νοεῖν ἐστίltνgt τε καὶ εἶναιrdquo 78Uma interpretaccedilatildeo do significado da citaccedilatildeo parmenidiana dentro do pensamento de Clemente ndash embora natildeo me

pareccedila justificada pelo texto pois parece associada indevidamente a outra citaccedilatildeo aquela do fragmento IV ndash eacute dada

em Itter 2009 especialmente cap VI 79Embora a influecircncia de Parmecircnides sobre Plotino seja importante e embora o estudo dos neoplatocircnicos em geral seja

63

distingue sequer o Parmecircnides histoacuterico da personagem do diaacutelogo Parmecircnides de Platatildeo (Guerard

1987 p 297) por causa desta falta de distinccedilatildeo dirige seu interesse mais para o Parmecircnides de

Platatildeo pois julga que no diaacutelogo platocircnico se daacute o cumprimento perfeito daqueles elementos jaacute

presentes no poema parmenidiano mas de forma imperfeita Desta maneira e na sequecircncia da

interpretaccedilatildeo platocircnica do Sofista para Plotino e para os neoplatocircnicos em geral por um lado

Parmecircnides apresenta as noccedilotildees que depois seratildeo superadas (segundo a interpretaccedilatildeo platocircnica do

parriciacutedio) pelo platonismo e pelo neoplatonismo e por outro lado a aporia eleaacutetica eacute rejeitada

com o desenvolvimento de uma outra cosmologia que desfaz o monismo parmenidiano80 Por causa

destas interpretaccedilotildees que miram mais a defender o platonismo do que a estabelecer uma semacircntica

historicamente plausiacutevel do texto parmenidiano a utilizaccedilatildeo de Plotino natildeo consegue dar pistas do

real significado dos dois conceitos νοεῖν e εἶναι em Parmecircnides Como em Clemente em Plotino

tambeacutem nos deparamos com uma metodologia especiacutefica onde o rigor exegeacutetico cede o passo agrave

intenccedilatildeo pedagoacutegica como aliaacutes se torna expliacutecito na proacutepria passagem que reporta a citaccedilatildeo de

Parmecircnides

ldquoAssim estes discursos natildeo satildeo novos nem satildeo de agora mas sem estarem

desenvolvidos jaacute foram enunciados haacute muito tempo Os discursos de agora [os de Plotino]

satildeo exegeses daqueles confiando nos escritos do proacuteprio Platatildeo que testemunham a

antiguidade destas doutrinasrdquo81

importante para se compreender Parmecircnides (jaacute que grande parte das citaccedilotildees do poema provecircm deles) os estudos

especiacuteficos sobre a relaccedilatildeo entre eleatismo e neoplatonismo satildeo escassos Assinalo aqui alguns trabalhos Guerard

(1987) Stamatellos (2007) Abbate (2010) 80Abbate chega a falar da constituiccedilatildeo de um neo-parmenidismo simultaneamente a um anti-parmenidismo por parte

dos neoplatocircnicos em geral (Abbate 2010 p 258) 81Enneades V18 ldquoΚαὶ εἶναι τοὺς λόγους τούσδε μὴ καινοὺς μηδὲ νῦν ἀλλὰ πάλαι μὲν εἰρῆσθαι μὴ ἀναπεπταμένως

τοὺς δὲ νῦν λόγους ἐξηγητὰς ἐκείνων γεγονέναι μαρτυρίοις πιστωσαμένους τὰς δόξας ταύτας παλαιὰς εἶναι τοῖς

αὐτοῦ τοῦ Πλάτωνος γράμμασινrdquo A traduccedilatildeo eacute de Marcus Reis Pinheiros que comenta ldquoPlotino afirma que seus

64

Plotino pensa que seus ensinamentos satildeo apenas um desdobramento daqueles de Platatildeo os

quais por sua vez se refazem a ensinamentos ainda mais antigos (como os de Parmecircnides) dos

quais satildeo desdobramentos Assim eacute o proacuteprio Plotino que nos indica que o sentido em que usa

νοεῖν εἶναι e sua assimilaccedilatildeo natildeo eacute o sentido original de Parmecircnides mas eacute um seu desdobramento

(ἐξηγητὰς no sentido que ele expocircs) O caso de Proclo natildeo eacute muito diferente e embora ele seja

muito importante por ter trazido muitos trechos do poema parmenidiano a sua confiabilidade

exegeacutetica eacute duvidosa 82 especialmente para noccedilotildees como pensar e ser que satildeo centrais no

neoplatonismo

Por outro lado o desenvolvimento dos estudos parmenidianos desde Hegel preferiu o

aprofundamento da noccedilatildeo de ser num vieacutes antes de tudo ontoloacutegico mas depois tambeacutem teoloacutegico

Neste tipo de terreno filosoacutefico os termos ser e pensar e sua assimilaccedilatildeo segundo a expressatildeo

parmenidiana aguccedilaram os esforccedilos interpretativos de muitos estudiosos tanto na parte mais

propriamente da histoacuteria da filosofia quanto tambeacutem na parte mais propriamente filosoacutefica

(Heidegger por exemplo) A discussatildeo ontoloacutegica e teoloacutegica a respeito deste fragmento 3 eacute

infindaacutevel e por isto vou apresentar apenas um exemplo de um estudioso importante Pierre

Aubenque Em seu artigo de 1987 Syntaxe et seacutemantique de lecirctre dedicado inteiramente ao estudo

do ser no poema de Parmecircnides apoacutes a introduccedilatildeo agrave problemaacutetica e apoacutes uma primeira anaacutelise do

fragmento 2 se volta agraves palavras de Parmecircnides do fragmento 3 A prosoacutedia e o sentido diz ele

proacuteprios discursos satildeo exegetas de discursos muito antigos e que os textos de Platatildeo satildeo testemunhas desta

antiguidade [hellip] fazer exegese dos textos antigos natildeo eacute interpretar objetivamente os textos mas caminhar rumo

aos niacuteveis superiores junto com os antigosrdquo (Pinheiros 2007 p 79-80) 82Guerard conclui ldquoAinsi la lecture neacuteoplatonicienne du dialogue platonicien revient agrave faire de Parmeacutenide un porte-

parole privileacutegieacute de Platonrdquo (Guerard 1987 p 300)

65

convidam a emendar esse fragmento no fragmento 2 pois depois da afirmaccedilatildeo do ser na primeira

via e da impossibilidade de conhecer o natildeo ser na segunda a citaccedilatildeo do fragmento 3 explicaria a

imbricaccedilatildeo do ser com o conhecer (p 114-115) Resta ainda explicar melhor o que significariam

estas palavras ldquode fato eacute o mesmo conhecer e serrdquo (Cest em effet la mecircme chose de connaitre et

decirctre) Apoacutes um percurso que comeccedila com o cogito cartesiano e passando por Homero e pelas

vaacuterias possibilidades de interpretaccedilatildeo sintaacutetica da frase chega numa duacutevida sem possibilidade de

soluccedilatildeo certa Aubenque resolve recorrer aos antigos isto eacute Plotino e Proclo Eacute entatildeo introduzida

a noccedilatildeo de inteligiacutevel extraiacuteda de Aristoacuteteles e se discute sobre a correlaccedilatildeo das identidades entre

inteligiacutevel intelecto e ser A discussatildeo se alarga ao fragmento 16 e aos poucos aos demais 6 8

7 etc tentando configurar uma noccedilatildeo de ser (do ponto de vista ontoloacutegico) que de fato nem o

fragmento 2 isoladamente e nem o 3 conseguem oferecer Este tipo de estudo eacute bastante comum

entre os interpretes e configura talvez o maior desafio dos estudos parmenidianos No entanto ndash e

a historiografia parmenidiana mostra isto ndash aos poucos esse tipo de estudo tende a ser afastar tanto

do contexto histoacuterico83 quanto do contexto literaacuterio do proacuteprio poema pois o tema daacute asas agrave vis

speculativa que todo estudioso de filosofia naturalmente possui a prova mais cabal disto eacute que satildeo

83Num artigo de 2007 Kahn trata de ldquoQuestotildees controversas de sintaxerdquo (Kahn 2007) e o primeiro assunto eacute o verso

do fragmento DK B 3 Por um lado ele pretende se restringir agrave sintaxe mas depois por outro lado natildeo achando

explicaccedilatildeo satisfatoacuteria recorre a DK B 8-34-36 dizendo que neste estaacute explicitado o sentido daquele e por fim

atribui a natildeo compreensatildeo a uma leitura distorcida pelo olhar da modernidade recorre entatildeo ateacute mesmo a

Aristoacuteteles para justificar a identidade entre ser e pensar Que Aristoacuteteles tenha afirmado a identidade entre nous e

noeton e que Parmecircnides o tenha feito entre einai e noein estaacute muito bem resta ainda a tarefa de dar um sentido

filosoacutefico a estas afirmaccedilotildees Numa linha inicialmente similar Casertano tambeacutem acha claro o sentido de DK B 3

mas acrescenta justamente ldquoTudo isto eacute bastante claro O problema nasce quando o ser e o pensar se ligam

precisamente agrave verdaderdquo (Casertano 2007 p 50) Isto eacute quando se quer dar a esta identidade um sentido filosoacutefico

propriamente parmenidiano onde a ligaccedilatildeo entre conhecimento verdadeiro e eon eacute um dos objetivos primeiros da

doutrina do eleata

66

exatamente os maiores filoacutesofos que acabam fazendo as interpretaccedilotildees historicamente mais

arbitraacuterias do poema e aqui penso em Nietzsche Heidegger e ateacute mesmo em Popper

No nosso estudo na busca de um vocabulaacuterio psicoloacutegico a presenccedila do verbo νοεῖν natildeo

parece ser suficiente no caso do fragmento 3 para determinar um sentido minimamente plausiacutevel

para um comportamento mental que de alguma forma assimilaria pensar e ser A amplitude da

noccedilatildeo de ser aqui um εἶναι sem nenhuma outra qualificaccedilatildeo pela proacutepria assimilaccedilatildeo aumenta

proporcionalmente a amplitude da noccedilatildeo de pensar tambeacutem um νοεῖν sem nenhuma qualificaccedilatildeo

de forma que nos encontramos diante de duas noccedilotildees maximamente amplas e sem nenhuma

possibilidade de reconduzi-las a qualquer comportamento mental concreto pela total falta de

referecircncias precisas no proacuteprio texto do poema ou referecircncias confiaacuteveis na doxografia

comeccedilando pelo proacuteprio Platatildeo e terminando pelos doxoacutegrafos autores da citaccedilatildeo Diante destas

circunstacircncias natildeo me parece aconselhaacutevel aprofundar as tentativas de atribuir qualquer sentido

psicoloacutegico a este fragmento para os nossos fins ele parece natildeo oferecer nenhuma contribuiccedilatildeo e

seraacute aqui desconsiderado

324 O fragmento 4

Ver p 204

325 O fragmento 6

O fragmento 6 reportado por Simpliacutecio84 mostra muitas passagens importantes da filosofia

84Simpliacutecio Physica 8627-28 11745-6 8-13 783-4

67

parmenidiana Ele eacute fundamental para noacutes porque mostra tambeacutem muitas passagens das visotildees

psicoloacutegicas de Parmecircnides estes satildeo os versos

χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι ἔστι γὰρ εἶναι

μηδὲν δ οὐκ ἔστιν τά σ ἐγὼ φράζεσθαι ἄνωγα

πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltεἴργωgt

αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς ἣν δὴ βροτοὶ εἰδότες οὐδὲν

πλάττονται δίκρανοι ἀμηχανίη γὰρ ἐν αὐτῶν

στήθεσιν ἰθύνει πλακτὸν νόον οἱ δὲ φοροῦνται

κωφοὶ ὁμῶς τυφλοί τε τεθηπότες ἄκριτα φῦλα

οἷς τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται

κοὐ ταὐτόν πάντων δὲ παλίντροπός ἐστι κέλευθος

Como todos os outros versos do poema estes tambeacutem receberam muitas e controversas

interpretaccedilotildees O ponto mais polecircmico eacute a passagem que pode sugerir a existecircncia de um terceiro

caminho aleacutem dos dois anunciados no fragmento DK B 2 Eu penso que o engano de um terceiro

caminho foi definitivamente rejeitado pelos estudos especiacuteficos de Cordero85 principalmente com

referecircncia agrave conjectura improacutepria no verso 3 proposta por Diels e que recebeu todo o peso da

autoridade do nome do grande filoacutelogo alematildeo Mas mesmo deixando de lado a questatildeo do terceiro

caminho o fragmento eacute motivo de muitas discussotildees Enquanto as discussotildees filosoacuteficas estatildeo aqui

fora de nossa esfera de interesses o ponto de vista psicoloacutegico nesse fragmento eacute muito

interessante Para o verbo νοεῖν e seus cognatos usaremos a nossa traduccedilatildeo teacutecnica de operar

cognitivamente obtida das qualificaccedilotildees que Parmecircnides oferece no fragmento DK B 2

3251 Os versos 61-4

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute pois eacute ser

e nada natildeo eacute isto eu te mando considerar

85Cordero 1984 2005 p 145-164 2007

68

Pois primeiro desta via de inqueacuterito eu ltte afastogt86

Mas depois daquela outra em que mortais que nada sabem87

No primeiro verso encontramos de novo o enunciado de um processo necessaacuterio como no

fragmento 2 eacute necessaacuterio dizer e operar cognitivamente (νοεῖν) que sendo se eacute88 Eacute notaacutevel a

repeticcedilatildeo parmenidiana de afirmaccedilotildees do fragmento DK B 2 em novas bases e com palavras quase

sinocircnimas No fragmento DK B 2 no verso 3 ele tinha dito que o caminho do eacute (seja o que for o

eacute) eacute impossiacutevel que natildeo seja mas em relaccedilatildeo a este caminho natildeo fizera referecircncia ao pensar e ao

dizer Jaacute no verso 5 e nos seguintes do mesmo fragmento falando do caminho do natildeo eacute (seja o

que for natildeo eacute) faz referecircncia ao conhecer (da esfera semacircntica do pensar) e ao dizer Agora aqui

no fragmento 6 formalmente daacute o mesmo argumento do caminho do natildeo eacute mas invertido e

atribuiacutedo ao eacute Enquanto ali era impossiacutevel conhecer (γνοίης) e dizer (φράσαις) o que natildeo eacute aqui

eacute necessaacuterio operar cognitivamente (νοεῖν) e dizer (λέγειν) que eacute Aqui tambeacutem podemos notar

que falando do que natildeo eacute (τό μὴ ἐὸν) Parmecircnides estaacute falando natildeo de certa foacutermula linguiacutestica

(predicativa ou outra) ou da verdade da foacutermula linguiacutestica (veritativa) ele estaacute falando da noccedilatildeo

evidenciada pelo processo de negaccedilatildeo (veja capiacutetulo 4 p 97) aquele processo que quer reduzir

todas as coisas a nenhuma coisa nada em portuguecircs e μηδὲν (nem um) em grego Parmecircnides

estaacute falando do nada absoluto e a maneira dele falar parece revelar uma reflexatildeo profunda com uma

notaacutevel consciecircncia da enorme problemaacutetica sujeitoobjeto89 no ato do conhecimento

86Reporto aqui a nota de Cordero (2005 p 213 n 6) ldquoConjectura Todos os manuscritos de Simpliacutecio uacutenica fonte

desta passagem apresentam uma lacunardquo 87Trad Cavalcante de Souza (1978) 88Cito aqui a traduccedilatildeo de Cordero que dedicou a esta tese de Parmecircnides um excelente livro cujo tiacutetulo Siendo se eacutes

(2005) ndash agora tambeacutem em portuguecircs Sendo se eacute pela editora Odysseus ndash eacute tomado exatamente das palavras que

estamos estudando aqui 89Estas afirmaccedilotildees seratildeo justificadas no capiacutetulo 4 p 97 em diante

69

Ainda no primeiro verso e avanccedilando para o segundo ele retoma as razotildees de suas teses

anteriores Assim ele diz pois eacute ser e nada natildeo eacute Como jaacute repetimos muitas vezes estas palavras

tambeacutem mereceriam muitas explicaccedilotildees e distinccedilotildees se estiveacutessemos procurando o seu sentido

filosoacutefico Natildeo eacute aqui o caso e para os nossos fins notamos apenas que a palavra nada (μηδὲν)

aqui significa exatamente nem uma coisa e natildeo eacute significa que eacute impossiacutevel que seja como ele

dissera no fragmento 2 Eacute muito importante ter agrave mente que por detraacutes destas palavras estaacute um

processo de reflexatildeo como dissemos acima e como explanaremos amplamente mais agrave frente

Nos versos seguintes Parmecircnides continua explicando seu meacutetodo e dando mais detalhes a

respeito Os versos 3 e 4 satildeo objeto de controveacutersias aacutesperas principalmente por uma lacuna nos

manuscritos A deusa pede ao kouros para fazer algo com o primeiro caminho (natildeo sabemos o que

por causa da lacuna pela conjectura de Diels ndash a mais aceita justamente aquela refutada por

Cordero ndash ela pediria para o kouros se afastar) e tambeacutem de fazer algo com o caminho que os

mortais seguem Esta passagem era e ainda eacute objeto de uma discussatildeo muito grande nos campos

paleograacutefico filoloacutegico e filosoacutefico o assunto em disputa eacute se haacute ou natildeo um terceiro caminho

indicado nessas palavras Na verdade noacutes natildeo precisamos enfrentar esta discussatildeo e podemos pulaacute-

la Para nossos fins noacutes seguiremos o que Parmecircnides indica como caminho (ou caminhos) e seus

caracteres e qualidades sem nos preocuparmos se eacute o primeiro caminho ou o segundo ou

eventualmente o terceiro ou mais

3252 Os versos 64-9

Mas depois daquela outra em que mortais que nada sabem

Erram duplas cabeccedilas pois o imediato em seus

Peitos dirige errante pensamento e satildeo levados

Como surdos e cegos perplexas indecisas massas

Para os quais ser e natildeo ser eacute reputado o mesmo

70

E natildeo o mesmo e de tudo eacute reversiacutevel o caminho90

Aqui comeccedila a parte mais interessante para o ponto de vista psicoloacutegico De fato desde o

verso 4 ateacute o final do fragmento haacute uma descriccedilatildeo do comportamento mental dos mortais

Parmecircnides diz que os mortais (βροτοὶ) natildeo sabem nada (εἰδότες οὐδὲν) andam por caminhos

forjados (πλάττονται) e tecircm duas cabeccedilas (δίκρανοι)91 porque a falta de recursos (ἀμηχανίη) em

sua mente (literalmente no peito στήθεσιν) guia um pensamento vagante Ao mesmo tempo eles

satildeo levados como surdo e cegos e confusos pessoas sem capacidade de julgamento para as quais

ser e natildeo ser satildeo considerados o mesmo e natildeo o mesmo O caminho deles eacute um caminho que tem

dois sentidos

1) βροτοὶ Temos nestes versos uma reprimenda contra os mortais os quais apresentam

alguns comportamentos que passamos a estudar Mas nossa primeira questatildeo eacute quem satildeo os

mortais Haacute muitas opiniotildees diferentes entre os estudiosos92 mas parece claro que embora o

90Trad Cavalcante de Souza (1978) 91Capizzi (1975 37) traduz ldquodoppiezzardquo duplicidade aqui no sentido de falsidade dissimulaccedilatildeo 92Uma resenha completa para os autores mais antigos se encontra em Zeller (1967 p 173-183 n 3 de Giovanni Reale)

A ampla discussatildeo verteu principalmente a respeito da identificaccedilatildeo dos βροτοὶ com os heraclitianos com posiccedilotildees

favoraacuteveis desde as mais radicais (por exemplo Patin 1899 o qual considerava o inteiro poema como uma

polecircmica anti-heraclitiana) ateacute as mais cautelosas (Guthrie) e com posiccedilotildees contraacuterias como aquela do proacuteprio

Zeller A discussatildeo vertia em volta do vocabulaacuterio aparentemente heraclitiano (com destaque para Calogero 1967

p 49 que na expressatildeo δίκρανοι via esculpida a imagem do involuntaacuterio fundador da dialeacutetica antiga Heraacuteclito)

mas tambeacutem sobre questotildees de cronologia A polecircmica foi amplamente superada a partir de Mansfeld (1960) o

qual evidencia como o vocabulaacuterio usado por Parmecircnides jaacute pertencia agrave tradiccedilatildeo da poesia liacuterica

Recentemente inesperadamente surgiu uma defesa da interpretaccedilatildeo do termo βροτοὶ como referido aos

heraclitianos principalmente mas tambeacutem aos pitagoacutericos e a Hesiacuteodo Trata-se da posiccedilatildeo de Jean Fregravere

defendida em seu livro sobre Parmecircnides (Fregravere 2012) num capiacutetulo cujo texto fora anteriormente apresentado em

Buenos Aires (Fregravere 2011) A tese mestra de Fregravere eacute que o homem comum natildeo se importa com caminhos de

pesquisa e que entatildeo a criacutetica de Parmecircnides tinha endereccedilo certo segundo ele heraclitianos pitagoacutericos e Hesiacuteodo

Afora as questotildees que tradicionalmente giram em volta desta disputa ndash a cronologia o vocabulaacuterio as intenccedilotildees

filosoacuteficas gerais de um e de outro autor ndash e deixando de lado o fato que Fregravere natildeo cuida de justificar seus

argumentos e nem de enfrentar as objeccedilotildees que satildeo muitas jaacute que este debate durou mais de 50 anos ainda resta

a questatildeo principal que eacute a seguinte como um pensador eacute capaz de influenciar uma cultura inteira e uma cultura

inteira se dispotildee a aceitar um pensador O exemplo de nossa cultura ocidental satildeo Jesus Cristo e o cristianismo Se

71

poema seja endereccedilado a homens saacutebios e cultos de seu tempo neste caso Parmecircnides quer

significar pessoas que usam uma certa maneira de pensar sem distinccedilatildeo entre pessoas comuns e

saacutebios Com efeito a primeira descriccedilatildeo dos mortais eacute mortais que nada sabem (εἰδότες οὐδὲν)

essa descriccedilatildeo assim como as demais qualificaccedilotildees dos mortais satildeo tradicionais na literatura

anterior a Parmecircnides93 a noccedilatildeo central gira em volta da contraposiccedilatildeo entre a divindade poderosa

algueacutem se potildee a criticar a maneira de pensar dos cristatildeos natildeo faz muito sentido alegar que o cristatildeo comum natildeo se

interessa por teologia e portanto se trata de criticar o autor e natildeo quem acolhe aquelas ideias Ao se criticar o

cristianismo se critica indiretamente o autor em suas teorias e diretamente e propriamente o fenocircmeno cultural o

qual nem sequer eacute de responsabilidade do autor Eacute verdade que Parmecircnides faz um discurso culto em oposiccedilatildeo a

outro discurso que soacute pode ser culto Mas o discurso culto contra o qual Parmecircnides se opotildee natildeo eacute uma simples

teoria como pode ser qualquer teoria em discussatildeo teoacuterica num espaccedilo acadecircmico reservado o discurso contra o

qual ele se potildee eacute uma teoria (uma interpretaccedilatildeo de mundo uma cosmovisatildeo) que penetrou profundamente na cultura

de massa Entatildeo a maneira de pensar de Hesiacuteodo natildeo eacute algo circunscrito a Hesiacuteodo mas eacute algo que formava a

proacutepria estrutura cultural da Greacutecia Especificamente Parmecircnides critica uma maneira de pensar a qual eacute uma

estrutura sociocultural de formaccedilatildeo extremamente complexa por isso natildeo se consegue atribuir isto a um soacute

pensador ou a uma escola isolada uma reaccedilatildeo cultural complexa e de massa a um conjunto de afirmaccedilotildees teoacutericas

Parmecircnides critica o pensamento que natildeo se preocupa com uma coerecircncia interna (podemos chamar de pensamento

miacutetico realismo ingecircnuo ou simplesmente crendice ou supersticcedilatildeo como se queira) e propotildee um instrumento para

alcanccedilar esta coerecircncia Isto vai muito aleacutem de um uacutenico pensador ou de um grupo pequeno de pensadores como

podem ter sido os jocircnicos ou os pitagoacutericos porque inclusive o pensador antes de ser criador de cultura eacute fruto de

uma cultura e expressa aquela cultura tambeacutem em suas inovaccedilotildees tanto por aderir a ela quanto por se opor a ela

Em suma a criacutetica de Parmecircnides se dirige a uma estrutura cultural e natildeo a uma teoria logo natildeo se dirige aos

grandes pensadores que o antecederam embora estes possam estar entre aqueles que criaram ou consolidaram a

cultura criticada pelo eleata Por exemplo Hesiacuteodo eacute um inovador e um consolidador da cultura anterior a ele e natildeo

se consegue separaacute-lo de sua proacutepria cultura ao se criticar aquela maneira de pensar proacutepria daquela cultura estaacute

se criticando Hesiacuteodo tambeacutem mas natildeo principalmente e nem majoritariamente Por todas estas razotildees aleacutem

daquelas mais teacutecnicas jaacute oferecidas pelos estudiosos natildeo faz muito sentido restringir o fragmento 6 e os demais

onde se encontra o termo βροτοὶ a esta ou agravequela escola a este ou agravequele pensador os βροτοὶ de Parmecircnides satildeo

todos aqueles que pensam sem ter um certo recurso em sua mente (ἀμηχανίη ἐν αὐτῶν στήθεσιν) 93Num estudo de Devoto (1964 p 62) se faz uma comparaccedilatildeo entre denominaccedilotildees antigas para homem no latim da

Europa ocidental e central a palavra usada era homo e similares com referecircncia agrave terra (Erneut-Meillet 1951 p

530 neacute de la terre) em contraposiccedilatildeo agrave divindade a qual pertence ao ceacuteu divinizado jaacute os termos germacircnicos men

e mensch fazem referecircncia ao homem que pensa distinto dos animais (Oxford English Dictionary 2009 verbete

man ldquo[it] have been usually referred to the Indogermanic men- mon- to think (see mind n) so that the

primary meaning of the name would refer to intelligence as the distinctive characteristic of human beings as

contrasted with brutesrdquo) pertencendo ao mundo dos caccediladores Em grego se encontram ambas as caracterizaccedilotildees

indicando a Greacutecia como lugar de encontro de vaacuterias concepccedilotildees da divindade assim βροτοὶ se contrapotildee aos

imortais enquanto ἄνθρωπος embora a etimologia seja obscura deve fazer referecircncia agrave cultura da caccedila

Em Homero a noccedilatildeo eacute expressa claramente por exemplo em Il 5440 ldquoφράζεο Τυδεΐδη καὶ χάζεο μηδὲ θεοῖσιν

ἶσ ἔθελε φρονέειν ἐπεὶ οὔ ποτε φῦλον ὁμοῖον ἀθανάτων τε θεῶν χαμαὶ ἐρχομένων τ ἀνθρώπωνrdquo [hellip] pois nunca

seraacute a mesma estirpe a dos deuses imortais e a dos homens que caminham sobre terra Note-se que Parmecircnides

usa ambas as denominaccedilotildees ἄνθρωπος em DK B 127 162 163 193 e βροτοὶ em 130 64 839 851 861

72

e onisciente e o homem limitado e ignorante aleacutem da noccedilatildeo expressa na poesia liacuterica94 haacute tambeacutem

a retomada desta contraposiccedilatildeo jaacute em acircmbito jocircnico e cientiacutefico o que nos conduz a uma noccedilatildeo

mais proacutexima do texto parmenidiano Em Xenoacutefanes 95 um dos mestres de Parmecircnides

encontramos por exemplo o fragmento DK B 23 ldquoUm uacutenico deus entre deuses e homens o maior

em nada no corpo semelhante aos mortais nem no pensamentordquo96 DK B 34 ldquoE o que eacute claro

portanto nenhum homem viu nem haveraacute algueacutem que conheccedila sobre os deuses e acerca de tudo

que digo pois ainda que no maacuteximo acontecesse dizer o que eacute perfeito ele proacuteprio natildeo saberia a

respeito de tudo existe uma opiniatildeordquo e em Alcmeon DK B 1 ldquoOs deuses tem conhecimento claro

das coisas invisiacuteveis e das coisas mortais aos homens ltcabegt conjecturarrdquo97 Enquanto no

pensamento anterior as estirpes de deuses e homens satildeo inconciliaacuteveis e incomparaacuteveis no

pensamento do VI para o V seacuteculo se processa uma comparaccedilatildeo o conhecimento divino eacute perfeito

aquele humano imperfeito Enquanto a religiatildeo oliacutempica estaacute fundada sobre a separaccedilatildeo entre o

humano e o divino e enquanto a religiatildeo misteacuterica tende a associar os dois o novo naturalismo

jocircnico e depois itaacutelico tende a superar esta separaccedilatildeo natildeo porque os homens se tornam deuses

mas porque como veremos nas proacuteximas linhas os homens podem preencher ao menos em parte

94Um bom resumo das noccedilotildees estaacute nestas palavras de Reale (1967 182) reportando Mansfeld ldquo [estes versos] satildeo

atinentes a uma concepccedilatildeo geral grega da natureza do conhecimento humano o qual 1) eacute um nada quando

comparada com aquele divino e 2) da forma como eacute eacute insuficiente para a proacutepria vidardquo Por outro lado embora a

anaacutelise literaria esteja correta a interpretaccedilatildeo de Mansfeld dessas passagens em minha opiniatildeo eacute incorreta 95Para a ligaccedilatildeo entre Xenoacutefanes e Parmecircnides veja-se Finkelberg 1990 96Trad Prado (1978 p 65-66) Xenoacutephanes DK 21 B 23 ldquoεἷς θεὸς ἔν τε θεοῖσι καὶ ἀνθρώποισι μέγιστος οὔ τι δέμας

θνητοῖσιν ὁμοίιος οὐδὲ νόημαrdquo B 34 καὶ τὸ μὲν οὖν σαφὲς οὔ τις ἀνὴρ ἴδεν οὐδέ τις ἔσται ἰδὼς ἀμφὶ θεῶν τε

καὶ ἅσσα λέγω περὶ πάντων εἰ γὰρ καὶ τὰ μάλιστα τύχοι τετελεσμένον εἰπών αὐτὸς ὅμως οὐκ οἶδε δόκος δ ἐπὶ

πᾶσι τέτυκταιrdquo 97Alcmeon DK 24 B 1 ldquoπερὶ τῶν ἀφανέων περὶ τῶν θνητῶν σαφήνειαν μὲν θεοὶ ἔχοντι ὡς δὲ ἀνθρώποις

τεκμαίρεσθαιrdquo

73

a ἀμηχανίη da condiccedilatildeo humana atraveacutes do conhecimento o qual embora ainda conjectural em

Xenoacutefanes e Alcmeon se torna um conhecimento de certeza verdadeira (πίστις ἀληθής) em

Parmecircnides Para a realizaccedilatildeo deste programa de conhecimento verdadeiro Parmecircnides expotildee o

ponto de partida a limitada condiccedilatildeo humana com a linguagem tradicional de sua cultura assim

a condiccedilatildeo humana tradicional recebe o nome tradicional de βροτοὶ os mortais98

2) πλάττονται Os mortais satildeo descritos por Parmecircnides natildeo em sua condiccedilatildeo fatal de

inferioridade em relaccedilatildeo aos deuses nem em sua miseacuteria existencial nem em qualquer outro sentido

moralista A descriccedilatildeo de Parmecircnides natildeo estaacute associada a qualquer contexto humano especiacutefico a

qualquer situaccedilatildeo precisa ou a qualquer outro evento ela eacute limitada aos comportamentos mentais

dos βροτοὶ e eacute feita de forma neutra e universal Haacute um problema inicial a partir do qual se datildeo os

comportamentos como consequecircncia desta causa uacutenica Os βροτοὶ cuja condiccedilatildeo humana eacute aquela

de nada saber (εἰδότες οὐδὲν) seguem por caminhos por eles forjados (πλάττονται)99 inventados

98Haacute um caso de sinoniacutemia entre 838-39 ὄνομ(α) βροτοὶ κατέθεντο e 193 ὄνομ ἄνθρωποι κατέθεντο como

justamente faz notar Cordero (1984 p 149 n 157) Mas que Parmecircnides os use como sinocircnimos uma vez natildeo

quer dizer que sejam sinocircnimos nos outros casos De fato Parmecircnides usa βροτοὶ quatro vezes (130 64 839

861) e uma vez o adjetivo βροτείας somente associados ao desvio do pensamento em relaccedilatildeo agrave verdade (130

ldquoβροτῶν δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθήςrdquo 64 ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲνrdquo 839 ldquoπάντ ὄνομ(α) ἔσται ὅσσα βροτοὶ

κατέθεντο πεποιθότες εἶναι ἀληθῆrdquo 851 ldquoδόξας δ ἀπὸ τοῦδε βροτείας μάνθανε κόσμον ἐμῶν ἐπέων ἀπατηλὸν

ἀκούωνrdquo 861 ldquoὡς οὐ μή ποτέ τίς σε βροτῶν γνώμη παρελάσσηιrdquo Jaacute ἄνθρωποι eacute usado em sentido muito mais

geral em 127 ldquoτήνδ ὁδόν (ἦ γὰρ ἀπ ἀνθρώπων ἐκτὸς πάτου ἐστίν)rdquo onde caminho dos homens apesar das muitas

imaginativas explicaccedilotildees de vaacuterios estudiosos significa provavelmente tatildeo somente caminho dos humanos

(diferenciado de caminhos de animais ou de coisas ndash vento aacutegua e outros) isto eacute estrada em 162 e 16 3 ldquoτὼς

νόος ἀνθρώποισι παρίσταταιrdquo e ldquoτὸ γὰρ αὐτό ἔστιν ὅπερ φρονέει μελέων φύσις ἀνθρώποισινrdquo os quais por serem

descriccedilotildees anatocircmico-fisioloacutegicas se referem necessariamente ao homem em geral (seja ele saacutebio ou natildeo) em 193

onde como vimos acima tem sentido sinocircnimo com βροτοὶ O que se pode concluir limitando-nos somente ao uso

feito por Parmecircnides nos fragmentos que sobreviveram eacute que o termo ἄνθρωποι inclui o sentido de βροτοὶ mas

natildeo vice-versa 99A interpretaccedilatildeo de πλάττονται como caminhos forjados pelos homens eacute mais coerente Desde Diels que retoma a

ediccedilatildeo aldina de 1526 muitos autores aceitam um πλάττονται que viria de πλάζω (LSJ desviar-se confundir vagar

o LSJ inclui o πλάττονται parmenidiano no verbete πλάζω) ao inveacutes de πλάσσω (LSJ moldar formar uma imagem

na mente forjar) Enquanto πλάζω significaria um errar dos humanos πλάσσω significaria um fantasiar isto eacute um

inventar explicaccedilotildees A discussatildeo filoloacutegica completa se encontra em Cordero (1984 p 147-8 e 2005 p 146-7)

74

improacuteprios A maioria dos estudiosos interpreta πλάττονται como erram mas desta forma se perde

por inteiro o conteuacutedo psicoloacutegico da expressatildeo parmenidiana os mortais forjam inventam

fantasiam explicaccedilotildees Este eacute o comportamento natural de quem quer explicar o mundo numa

formulaccedilatildeo subjetiva laacute onde a autocriacutetica ainda natildeo estaacute desenvolvida em outras palavras eacute o

procedimento normal da formulaccedilatildeo de explicaccedilotildees mais ou menos coerentes que afinal

redundaratildeo na formaccedilatildeo dos mitos Eacute muito feliz Cordero (1984 p 148) a lembrar-nos o uso de

πλάσσω em Platatildeo no Timeu quando Critias diz ldquoNatildeo mito inventado mas discurso verdadeirordquo

(μὴ πλασθέντα μῦθον ἀλλ ἀληθινὸν λόγον) Como jaacute vimos a consciecircncia de que a explicaccedilatildeo

miacutetica eacute mera fantasia jaacute estaacute desenvolvida nos mestres de Parmecircnides100 e o tema recorrente no

poema natildeo eacute tanto a afirmaccedilatildeo do ser (como prefere a historigrafia de tipo idealiacutestico que tem

origem em Hegel) mas a diferenciaccedilatildeo entre uma persuasatildeo verdadeira e uma persuasatildeo natildeo

verdadeira como estaacute especificado no programa em 129-30 Ora a persuasatildeo falsa tem sua origem

nos mortais ou seja a invenccedilatildeo dos falsos mitos eacute obra dos mortais posto que os deuses com as

devidas exceccedilotildees soacute falam a verdade Entatildeo a atribuiccedilatildeo da invenccedilatildeo dos falsos mitos aos homens

por parte de Parmecircnides eacute perfeitamente coerente com a sua proposta Ademais a criacutetica ao

pensamento miacutetico embora natildeo prosaicamente literal como em Xenoacutefanes natildeo estaacute nem tatildeo

Aceitam πλάζω Diels Barnes Burnet Coxon Ruggiu Taraacuten Untersteiner Verdenius Zafiropulo Entre os poucos

favoraacuteveis agrave interpretaccedilatildeo de πλάττονται como forjam estatildeo Cordero Cerri OBrien Santoro e Ferrari Este uacuteltimo

(Ferrari 2010 p 47) contesta uma anaacutelise de Passa (2009 p 104-111) feita com extrema acribia defendendo a

opccedilatildeo de Diels no entanto Passa valente filoacutelogo de Parmecircnides para defender Diels traz um enorme aparato

filoloacutegico mas para descartar a interpretaccedilatildeo de πλάττονται como πλάσσω curiosamente utiliza argumentos

somente interpretativos (segundo sua proacutepria interpretaccedilatildeo do poema) e nenhum argumento filoloacutegico 100Tanto os jocircnicos que descartaram as explicaccedilotildees miacuteticas e aceitaram apenas explicaccedilotildees naturalistas quanto os

itaacutelicos isto eacute os pitagoacutericos os quais mesmo mantendo um aparato religioso se dedicaram agraves pesquisas

naturalistas neste quadro o destaque eacute para a criacutetica severa de Xenoacutefanes agraves religiotildees)

75

escondida nos versos do sugestivo poema parmenidiano Mas voltaremos sobre isto mais adiante

Aqui vale salientar que Parmecircnides observa um comportamento mental os mortais por natildeo saber

nada fantasiam e inventam para dar sentido a algum fenocircmeno do mundo fica clariacutessima a noccedilatildeo

parmenidiana do comportamento psicoloacutegico do homem comum pois Parmecircnides percebe

claramente que os homens fantasiam inventam explicam criativamente assim como um psicoacutelogo

atual percebe o comportamento mental fantasioso a partir de explicaccedilotildees forjadas mais ou menos

verossiacutemeis de algueacutem que precisa explicar algo mesmo sem ter noccedilatildeo de como nem competecircncia

para tanto

3) Ἀμηχανίη Esse termo eacute dos mais interessantes e ademais pode ser tomado como a noccedilatildeo

que sintetiza a anaacutelise psicoloacutegica que Parmecircnides faz do comportamento mental do homem

comum como ainda veremos Embora retomado com perfeiccedilatildeo literaacuteria da tradiccedilatildeo eacutepica e liacuterica

para definir os mortais101 o termo ἀμηχανίη em Parmecircnides apresenta uma ampliaccedilatildeo de sentido

O termo significa falta de recursos e assim eacute traduzido por muitos estudiosos102 outros preferem

traduzir com perplexidade103 O sentido geral eacute que os limites humanos necessariamente levam a

uma conduta errante do noos (ἰθύνει πλακτὸν νόον) No entanto enquanto em relaccedilatildeo a βροτοὶ

todos ou quase todos os estudiosos notam a oposiccedilatildeo que Parmecircnides faz com o εἰδότα φῶτα de

101Presente em muitas formas (como verbo substantivo simples e composto adjetivo e com alfa privativo) na eacutepica e

na liacuterica recebe de todos os estudiosos a interpretaccedilatildeo de uma incapacidade dos mortais uma impotecircncia humana

em contraposiccedilatildeo agrave potecircncia divina 102 Por exemplo Beaufret (1955 p 81) ldquolabsence de moyensrdquo Rietzler-Gadamer (1970 p 29) ldquoHilflosigkeitrdquo

Somville (1976 p 42) ldquolimpuissancerdquo (p 17) 103Por exemplo Coxon (2009 p 58) ldquoperplexityrdquo Casertano (1978 p 17) ldquoincertezzardquo Untersteiner (1979 p 135)

ldquoperplessitagraverdquo

76

DK B 13 (o homem saacutebio) em relaccedilatildeo a ἀμηχανίη a falta de recursos ningueacutem lembra que deve

ser uma antiacutetese de uma noccedilatildeo que natildeo estaacute nomeada diretamente mas que estaacute presente

virtualmente a posse de recursos Vamos entender esta presenccedila virtual pela descriccedilatildeo que

Parmecircnides faz de sua antiacutetese ἀμηχανίη Ele diz que essa falta de recursos no peito (ἐν στήθεσιν)

que aqui significa mais uma vez mente eacute causa de um pensar vagante Isto significa que

Parmecircnides natildeo se refere a uma falta de recursos geneacuterica agrave limitaccedilatildeo geneacuterica dos βροτοὶ em

relaccedilatildeo aos deuses mas agrave falta de recursos na mente pois ele especifica claramente a falta em seus

peitos (ἀμηχανίη ἐν αὐτῶν στήθεσιν) Natildeo se trata da incapacidade do homem mas da

incapacidade da mente humana Mais uma vez a deusa antes expotildee seu pensamento com uma

afirmaccedilatildeo e depois explica o porquecirc daquela afirmaccedilatildeo Ela afirma que os mortais inventam

caminhos e explica porque (γὰρ) a incapacidade de suas mentes guia (ἰθύνει) um pensamento

errante Entatildeo a ἀμηχανίη eacute a causa do comportamento mental dos humanos quando afirmam e se

desmentem (δίκρανοι) e quando exercem um intelecto errante (πλακτὸν νόον) Mais uma vez a

mente estaacute descrita em sua operaccedilatildeo e por causa da qualificaccedilatildeo (πλακτὸν) eacute faacutecil entender que se

trata da mente operante entretanto a noccedilatildeo permaneceraacute ambiacutegua se se utilizarem os termos mais

comuns de traduccedilatildeo a saber pensamento intelecto e similares como eacute faacutecil constatar em muitos

estudos104 Por isso a traduccedilatildeo aqui proposta para o νοῆσαι de 22 (e seus cognatos) operaccedilotildees

104 A seguir um exemplo de como a descriccedilatildeo parmenidiana arcaicamente concreta e limitada ao seu contexto

histoacuterico-epistemoloacutegico se torna uma discussatildeo gnosioloacutegica geral a respeito do objeto da mente lanccedilando

Parmecircnides numa dimensatildeo filosoacutefica que apareceraacute muito mais tarde talvez somente na Idade Meacutedia Ademais

como veremos no proacuteximo capiacutetulo Parmecircnides mostra que eacute impossiacutevel mesmo para os mortais que a mente

fique sem objeto razatildeo pela qual a interpretaccedilatildeo abaixo pertencente agrave visatildeo intelectualizada de Parmecircnides natildeo

consegue colher a profundidade de sua filosofia Diz Curd (1991 247) ldquoAt B65-6 the Goddess says that

helplessness (amechanie) guides their wandering noos (ithunei plakton noon) and the implication is that mortals

having failed to keep their thought from the forbidden route are guided by a mistaken deceived and altogether

77

cognitivas torna clara a expressatildeo parmenidiana principalmente nos proacuteximos versos motivos de

inuacutemeras discussotildees De fato os efeitos da ἀμηχανίη satildeo articulados mais ainda nos versos

seguintes

4) οἱ δὲ φοροῦνται κωφοὶ ὁμῶς τυφλοί Este grupo de palavras faz referecircncia a uma mesma

noccedilatildeo onde o termo mais importante e que ilumina o sentido eacute ὁμῶς lsquosemelhante arsquo105 O sujeito

gramatical οἱ se refere ainda a βροτοὶ e estes satildeo levados (φοροῦνται) de forma semelhante a

helpless noos Mortals fail in controlling noos not understanding its proper object they fail to steer it properly So

their noos wanders having no object on which to fix In such a state and on such a route (see B71-2) they can

never hope to reach persuasive truth which is itself connected with what isrdquo [sublinhado meu]

Um outro exemplo pode ser visto em Palmer (2009 p 114-118) que depois de uma meticulosa anaacutelise filoloacutegica

bastante interessante acaba concluindo ndash mais uma vez em chave gnosioloacutegica e fazendo do poema um todo

inarticulado argumentando simultaneamente com o fr 2 o 6 o 8 e os demais ndash que ldquoTheir error [dos mortais]

consists in supposing that a proper object of understanding may be subject to the variableness of being bound up

in their conception of it as being and not being the same and not the samerdquo e mais adiante ldquoHowever since their

being is merely contingent Parmenides thinks there can be no stable apprehension of them no thoughts about them

that remain steadfast and do not wander and thus no knowledge no true or reliable conviction According to

Parmenides genuine conviction cannot be found by focusing onersquos attention on things that are subject to change

It comes only from focusing on what is not subject to changerdquo Mais uma vez o percurso parmenidiano eacute

desvirtuado De fato a preocupaccedilatildeo de Parmecircnides eacute o caminho de investigaccedilatildeo que permita distinguir a convicccedilatildeo

verdadeira da falsa mas o que transparece dessas palavras (se eu bem as entendi) eacute que a convicccedilatildeo verdadeira estaacute

associada agraves coisas natildeo sujeitas agrave mudanccedila

Verdenius chega mais perto da proposta metodoloacutegica de Parmecircnides ldquoDo ponto de vista humano eles proacuteprios

satildeo responsaacuteveis por sua fraqueza pois satildeo agentes livres para formar suas opiniotildees Do ponto de vista coacutesmico

significa que suas κρᾶσις μελέων satildeo destituiacutedas de princiacutepio condutor Eles erram para sempre (πλάττονται) ao

longo de caminhos humanos (fr 127 πάτος ἀνθρώπων) e natildeo tecircm parte nenhuma na Verdade divina porque tecircm

um πλαγκτὸς νόος no sentido metodoloacutegico isto eacute in malam partemrdquo ldquoFrom the human point of view they

themselves are responsible for this weakness as they are free agents in forming their opinion From the cosmic

point of view it means that their κρᾶσις μελέων is devoid of a leading principle They are forever wandering

(πλάττονται) along human roads (fr 127 πάτος ἀνθρώπων) and have no part in the divine Truth because they

possess a πλαγκτὸς νόος in the methodical sense i e in malam partemrdquo (Verdenius 1964 p 14) 105A maioria dos estudiosos talvez pressupondo um sentido retoacuterico-metafoacuterico traduz seguindo Diels (1989 p233)

ldquozugleichrdquo por exemplo ldquoat oncerdquo (Palmer p 114) ldquoad un tempordquo (Reale 1991 p 95) ldquotatildeo surdos como cegosrdquo

(Santoro 2011 p 91) ldquoat the same timerdquo (Taraacuten 1965 p 54) Alguns traduzem de forma diferente por exemplo

ldquociegos y sordosrdquo (Cordero 2005 p 219 que simplesmente natildeo traduz ὁμῶς) ldquodeaf and blind alike in

bewildermentrdquo (Coxon p 58 que ligando ὁμῶς a τεθηπότες entende como se estivessem atordoados) Alguns

traduzem eu penso de forma mais correta semelhante a como alguns exemplos ldquodeaf alike and blindrdquo (Barnes

1982 p 124) ldquodeaf and blind alikerdquo (Long 1975 p 85) e ldquocomo surdos e cegosrdquo (Cavalcante de Souza 1978 p

142)

78

surdos e cegos (κωφοὶ ὁμῶς τυφλοί) Natildeo satildeo surdos e cegos mas eacute como se o fossem106 O verbo

φοροῦνται aqui um passivo de φορέω aponta mais uma vez para a ἀμηχανίη da mente como

condutora dos βροτοὶ e logo como causa deles serem levados Por que a mente sem recursos

conduz os homens como se fossem surdos e cegos A mente dos mortais opera com operaccedilotildees

cognitivas errantes (πλακτὸν νόον) porque lhes falta um instrumento (ἀμηχανίη) que possa ser

usado para realizar um artifiacutecio A falta deste instrumento faz agir os mortais como surdos e cegos

isto eacute como se fossem insensiacuteveis sem os sentidos como se houvesse uma falta de percepccedilatildeo Nas

palavras de Parmecircnides eacute muito clara a individuaccedilatildeo do papel da mente na percepccedilatildeo da realidade

Os mortais tecircm olhos e ouvidos mas sem um certo instrumento na mente eacute como se natildeo os

tivessem Assim a censura aqui eacute contra algum tipo de comportamento mental que eacute como uma

falta de sensibilidade o que significa que eacute como uma falta de dados que venham da realidade para

a construccedilatildeo do caminho correto na mente A ligaccedilatildeo entre a sensorialidade e a correccedilatildeo do

argumentar eacute testemunhada ainda em nossas liacutenguas atuais e palavras como evidecircncia clareza e

outras mostram como a descriccedilatildeo da sensaccedilatildeo de estar argumentando corretamente estaacute ligada agrave

descriccedilatildeo da nitidez da percepccedilatildeo sensorial mesmo natildeo sendo uma descriccedilatildeo sensorial mas tatildeo

106Eacute interessante notar que mesmo traduzindo ὁμῶς como semelhante a muitos criacuteticos carregam o sentido metafoacuterico

em direccedilatildeo do alvo errado Tecnicamente surdos e cegos define uma metaacutefora mas mais uma vez se trata da

tentativa de Parmecircnides de descrever sensaccedilotildees dinacircmicas e fatos mentais concretos para os quais ele natildeo dispunha

de vocabulaacuterio pronto Os criacuteticos parecem esquecer que Parmecircnides estaacute falando de caminhos do pensar e natildeo de

uma teoria geral do conhecimento humano Ao estender o campo para uma teoria geral eles abrem espaccedilo para a

discussatildeo do papel dos sentidos na funccedilatildeo cognitiva geral do homem Vejam-se essas palavras de Long (1975 p

87) ldquoNow the deafness and blindness might be a part of the rhetorical description which culminate in τεθηπότες

ἄκριτα φῦλα [hellip] and largely metaphorical Or it may if only indirectly be connected with the condemnation of

sense perception in B 73-5rdquo Ora natildeo haacute metaacutefora retoacuterica na fala da deusa mas uma descriccedilatildeo sofrida por falta

de vocabulaacuterio culturalmente assentado de comportamentos mentais e o ὁμῶς deveria servir de alerta Nem haacute

uma condenaccedilatildeo dos sentidos porque simplesmente Parmecircnides natildeo estaacute falando dos sentidos mas dos caminhos

do pensar das operaccedilotildees cognitivas estaacute falando da mente dizendo que nos caso dos βροτοὶ ela se comporta

como se fosse surda e cega

79

somente a descriccedilatildeo de estados mentais usando metaforicamente expressotildees referidas aos sentidos

5) τεθηπότες ἄκριτα φῦλα Mais duas noccedilotildees estritamente psicoloacutegicas τεθηπότες

atordoados uma condiccedilatildeo psicoloacutegica que pode ser interpretada de muitas maneiras mas todas

acabam fazendo referecircncia a uma natildeo nitidez mental107 E eacute o atordoamento resultado da condiccedilatildeo

similar agrave surdez e cegueira que faz dos βροτοὶ um tipo humano especiacutefico ἄκριτα φῦλα um povo

sem capacidade de operar a κρίσις isto eacute a distinccedilatildeo entre ser e natildeo ser pois para eles ser e natildeo ser

satildeo o mesmo e natildeo o mesmo (οἷς τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόν) As

operaccedilotildees cognitivas erram porque haacute uma falta na mente de um recurso um instrumento mental

que torne possiacutevel a distinccedilatildeo de ser e natildeo ser Sem esse recurso as operaccedilotildees cognitivas natildeo tem

direccedilatildeo certa De fato

6) πάντων δὲ παλίντροπός ἐστι κέλευθος O fragmento fecha com esta afirmaccedilatildeo muito

discutida108 sobre a reversibilidade do caminho Mais do que reversibilidade penso que seria

oportuno falar de contra-direccedilatildeo109 que mesmo sendo uma traduccedilatildeo muito literal rende bem a ideia

do conflito entre ser e natildeo ser que Parmecircnides quer ressaltar Mais uma vez temos a descriccedilatildeo de

107 Ruggiu (1975 p 143) ldquoO paralelo do conceito parmenidiano com Odisseia XXIII105 eacute instrutivo no trecho

homeacuterico a grande surpresa impede Peneacutelope de falar οὐδέ τι προσφάσθαι δύναμαι ἔπος οὐδ ἐρέεσθαι οὐδ εἰς

ὦπα ἰδέσθαι ἐναντίον Isto eacute trata-se de uma forma de atordoamento que impede ao mesmo tempo de ver e de

expressar com palavrasrdquo 108Muito discutida porque muitos estudiosos gostam de discutir os caminhos sua quantidade e caracteriacutesticas Se se

utilizassem as palavras modernas menos sugestivas e mais prosaicas processo ou procedimento talvez natildeo

ocorressem tantas discussotildees Eacute verdade que eacute o proacuteprio Parmecircnides que ao colocar sua exposiccedilatildeo dentro de uma

moldura miacutestico-religiosa propicia esses entendimentos simboliacutesticos (por exemplo caminho como siacutembolo do

rumo certo em direccedilatildeo a um estaacutegio superior de vida) mas eacute verdade tambeacutem que o leitor moderno natildeo deveria ser

o mesmo da audiecircncia de Parmecircnides nos seus tempos O κέλευθος aqui eacute um processo mental uma dinacircmica

portanto um fenocircmeno da natureza (humana) e natildeo um caminho a seguir ou a natildeo seguir segundo sugestotildees miacutestico-

esoteacutericas para alcanccedilar algum segredo de natureza superior 109Um exemplo jaacute em Homero (reportado por LSJ) mostra este sentido na Iliacuteada (956) depois da fala de Diomedes

Nestor diz ldquohellip Natildeo poderaacute dos Acasos presentes nenhum censurar-te por teu discurso nem mesmo objetar-te

(οὐδὲ πάλιν ἐρέει)rdquo (trad Nunes 2001)

80

um comportamento mental ndash aqui caracteristicamente cognitivo pois se trata do caminho de

inqueacuterito ndash definido confusional onde afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo satildeo o mesmo e natildeo o mesmo porque

haacute uma falta de discernimento

3253 Conclusatildeo do fragmento 6

O fragmento 6 a partir do verso 4 eacute uma descriccedilatildeo do comportamento mental dos mortais

os quais por natildeo possuiacuterem certo recurso uma certa capacidade de discernimento se comportam

mentalmente como surdos e cegos isto eacute se comportam de maneira intelectualmente confusa

(τεθηπότες) logo natildeo sabem discernir (satildeo ἄκριτα φῦλα) e afinal quando tecircm que explicar o

mundo desmentindo a si mesmos (δίκρανοι) acabam produzindo falsos caminhos (πλάττονται) de

inqueacuterito A maioria dos estudiosos enfatiza aqui a parte negativa o caminho a natildeo ser seguido a

confusatildeo dos mortais em oposiccedilatildeo ao ser coraccedilatildeo da verdade cujos sinais seratildeo mostrados no

fragmento 8 Eu penso que Parmecircnides estaacute descrevendo os limites dos mortais tendo em vista um

processo mais concreto e mais limitado Natildeo se trata de comparar os limitados mortais com a

potecircncia divina mas de acusar uma falha na estrutura psicoloacutegica que opera a argumentaccedilatildeo Agrave

falha Parmecircnides daacute o nome de ἀμηχανίη realizando assim um perfeito diagnoacutestico psicoloacutegico

pois as demais descriccedilotildees que redundam em falta de discernimento satildeo os resultados de uma falta

(seria improacuteprio falar em disfunccedilatildeo) psiacutequica falta aos mortais um instrumento que os conduza

pelo caminho da persuasatildeo verdadeira Claramente a deusa tem este instrumento e eacute tarefa dela

ensinaacute-lo ao disciacutepulo de forma que Parmecircnides pela voz de sua deusa em seu programa didaacutetico

se propotildee a ensinar essa autecircntica μηχανή um instrumento artificial que permita preencher a lacuna

dos mortais (entre os quais eacute necessaacuterio incluir o kouros embora ele tenha recebido um destino

diferente dos βροτοὶ um destino que natildeo eacute de infelicidade μοῖρα κακὴ) Ou seja existe e eacute

81

possiacutevel ensinaacute-lo um certo instrumento com o qual os mortais podem sair de seu estado de ἄκριτα

φῦλα e finalmente distinguir a persuasatildeo verdadeira da persuasatildeo natildeo verdadeira No fragmento 7

esta temaacutetica seraacute aprofundada

326 O fragmento 7

3261 Generalidades

O fragmento 7 comeccedila com as palavras de Platatildeo e continua com citaccedilotildees de Sexto Simpliacutecio

e Dioacutegenes Laercio mas natildeo entraremos em questotildees exegeacuteticas pois estamos interessados

principalmente no vocabulaacuterio psicoloacutegico e a disposiccedilatildeo dos fragmentos no poema nos interessa

menos110 Vejamos o texto aqui na ediccedilatildeo Diels-Kranz (DK B 7)

110Como se sabe a disposiccedilatildeo dos fragmentos colhidos nas citaccedilotildees dos doxoacutegrafos eacute um quebra-cabeccedila autocircnomo

para o estudioso A versatildeo que estamos utilizando aqui eacute a de Diels-Kranz porque eacute a mais utilizada embora muitos

editores proponham outras sequecircncias No caso do fragmento 7 ele eacute um collage realizado por Diels que natildeo eacute

unanimidade e eacute utilizado desta forma principalmente por comodidade didaacutetica Os primeiros dois versos satildeo

tomados de Platatildeo enquanto os restantes satildeo tomados de Sexto Empiacuterico O fato notaacutevel principal eacute que Sexto cita

estes versos numa sequecircncia uacutenica com os versos conhecidos como fragmento1 ou seja segundo ele estes versos

pertencem agrave parte inicial do poema Embora outras citaccedilotildees de Sexto sejam consideradas pelos estudiosos como

feitas de memoacuteria ou sem cuidado literaacuterio ndash razatildeo pela qual ele eacute tido como doxoacutegrafo natildeo muito confiaacutevel e pela

qual tambeacutem Diels aceitou considerar estes versos uma emenda improacutepria feita por Sexto ao fragmento 1 ndash a citaccedilatildeo

eacute precisa demais para autorizar dissociar a uacuteltima parte (os versos em questatildeo) e colocaacute-la depois do fragmento 6

O que pesou a favor desta decisatildeo natildeo soacute de Diels mas de muitos outros eacute que esses versos parecem reapresentar

e aprofundar a descriccedilatildeo de um terceiro caminho logo soacute podiam estar depois do fragmento 2 que apresenta os

primeiros dois e depois do fragmento 6 que parece apresentar pela primeira vez no poema o terceiro caminho Ora

um dos dogmas exegeacuteticos que veio a cair entre os estudiosos ao longo do seacuteculo passado foi exatamente a

existecircncia de um terceiro caminho tanto pelos que passaram a defender somente dois caminhos (Cordero e outros)

quanto pelos que passaram a defender a ideia de uma multiplicidade de caminhos (por exemplo Couloubaritsis

fala ateacute mesmo em dez caminhos) razatildeo pela qual natildeo haacute mais nenhuma razatildeo exegeacutetica que impotildee a colocaccedilatildeo

desses versos depois do fr 6 e a discussatildeo permanece em aberto Na minha leitura do poema esses versos podem

muito bem permanecer no fragmento 1 sem gerar nenhum conflito exegeacutetico no entanto a questatildeo levantada no

fragmento 7 natildeo eacute relevante para os fins do esclarecimento da noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides nosso propoacutesito

primeiro logo esta questatildeo natildeo nos interessa de perto Por outro lado com referecircncia ao Parmecircnides psicoacutelogo em

pauta agora a colocaccedilatildeo do fragmento tambeacutem natildeo tem muita relevacircncia porque nos interessa apenas fazer um

levantamento do vocabulaacuterio psicoloacutegico do poema tal levantamento natildeo precisa do esforccedilo da compreensatildeo do

82

οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῆι εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα

μηδέ σ ἔθος πολύπειρον ὁδὸν κατὰ τήνδε βιάσθω

νωμᾶν ἄσκοπον ὄμμα καὶ ἠχήεσσαν ἀκουήν

καὶ γλῶσσαν κρῖναι δὲ λόγωι πολύδηριν ἔλεγχον

ἐξ ἐμέθεν ῥηθέντα

O valor filosoacutefico destas palavras eacute inestimaacutevel De fato encontramos aqui a primeira

formulaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo que se tornaraacute famoso com Aristoacuteteles mas numa

versatildeo muito diferente Aqui estamos interessados apenas no vocabulaacuterio psicoloacutegico de

Parmecircnides portanto pularemos os primeiros dois versos os quais seratildeo tratados no proacuteximo

capiacutetulo (e para o qual enviamos o leitor) notando apenas a reapresentaccedilatildeo da questatildeo baacutesica de

Parmecircnides a individuaccedilatildeo diferenciaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de caminhos de pesquisa para as operaccedilotildees

cognitivas Mais uma vez ele apresenta uma ὁδός διζήσιος (caminho de pesquisa portanto

processos mentais cognitivos) da qual poreacutem desta vez pede que o kouros mantenha afastado o

seu pensar indagador (εἶργε νόημα) ou seja as operaccedilotildees cognitivas da mente Jaacute os versos

sucessivos iratildeo requerer nossa atenccedilatildeo especial porque estatildeo repletos de muacuteltiplos sentidos A

interpretaccedilatildeo geral eacute que dada a radical oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser eacute necessaacuterio se manter afastado

do caminho que afirma que ser e natildeo ser satildeo o mesmo e natildeo o mesmo especificamente eacute preciso

tomar cuidado com a cultura herdada a qual forccedila a percepccedilatildeo para um desentendimento Assim

poema como um todo tarefa para a qual seria muito importante esclarecer a ordenaccedilatildeo ao menos provaacutevel dos

fragmentos Para o aprofundamento dessa questatildeo do terceiro caminho a literatura secundaacuteria eacute fecunda e generosa

Pode se ver um resumo dos estudos da primeira metade do seacuteculo passado em Untersteiner (1979 p CCXXVI n

52) pode se ver um estudo obsessivo da questatildeo em OBrien (1987 p 135 et passim) e pode se observar ao se

correr a literatura mais recente como certas escolas datildeo por certo o terceiro caminho principalmente as anglocircfonas

(exemplos recentes Crystal 2002 p 26 Wedin 2011) enquanto as escolas mais francoacutefonas tendem a uma

discussatildeo menos riacutegida

83

por causa dos haacutebitos culturais olhos natildeo vecircem ouvidos e liacutengua se confundem e a veemecircncia dos

discursos leva a um julgamento ruim isto eacute herdado das noccedilotildees argumentadas naqueles discursos

Mas esta interpretaccedilatildeo eacute controversa ademais principalmente a parte referente ao uacuteltimo verso (fr

75) estaacute longe das preferecircncias dos estudiosos de fato este verso recebeu recentemente uma nova

interpretaccedilatildeo que eu acho eacute muito pertinente e que aceito como a melhor disponiacutevel atualmente

embora radicalmente diferente daquela da grande maioria dos estudiosos Falando genericamente

em relaccedilatildeo a este fragmento as posiccedilotildees dos estudiosos se dividem em dois grupos haacute um grupo

que simplesmente esquece que o assunto principal satildeo os comportamentos mentais (v 2 ὁδός

διζήσιος) e afirma que Parmecircnides estaacute falando contra a veracidade do testemunho dos sentidos111

jaacute outros estudiosos percebem que a discussatildeo verte sobre questotildees de meacutetodo de pesquisa112

A deusa continua dando suas instruccedilotildees imperativas e diz nem o haacutebito que foi

experimentado muitas vezes te force sobre aquele caminho Eacute realmente interessante a capacidade

de Parmecircnides de sintetizar em poucas palavras um conteuacutedo tatildeo grande A deusa estaacute falando de

caminhos de operaccedilotildees cognitivas ao longo dos quais os pensamentos podem seguir uma

sequecircncia que noacutes chamamos de argumento Ela dissera que haacute bons e maus argumentos (os de

persuasatildeo verdadeira e os de persuasatildeo natildeo confiaacutevel fr 129-30) e tambeacutem explicara (fr 2 veja-

se o capiacutetulo 4 p 97) que os bons argumentos satildeo o resultado de um recurso especial da mente na

falta do qual os mortais satildeo capazes apenas de produzir maus argumentos pois eles acreditam que

111Reporto aqui somente os editores Coxon (2009 p 308) ldquoParmenides repeats the warning given in fr 5 (DK B 6)

against believing in the reality o f sensible objectsrdquo Taraacuten (1965 p 78) ldquoWhat Parmenides says in this passage

(vv 3-5) is that senses are responsible for the acceptance of the way of non-Beingrdquo 112Por exemplo Untersteiner (1979 p) ldquoexatamente ἀμηχανίη corresponde a ἔθος πολύπειρον que eacute propriamente

a causa da ἀμηχανίη porque corresponde agrave atitude mesquinha determinada pelo haacutebitordquo

84

ser e natildeo ser satildeo o mesmo e natildeo o mesmo mas diz a deusa ser e natildeo ser natildeo satildeo o mesmo pois

nunca os natildeo entes se tornam ser (essas uacuteltimas palavras satildeo a noccedilatildeo expressa nos dois primeiros

versos do nosso fragmento 7) Por esta razatildeo diz ela fique longe daquele caminho e natildeo deixe que

o repetido haacutebito te obrigue a permanecer nele

3262 Haacutebitos culturais o verso 73 ἔθος πολύπειρον

A deusa sugere ao kouros de ficar afastado daquele caminho e ao mesmo tempo de evitar

ser forccedilado sobre ele (cuidando de olhos ouvidos e liacutengua veja adiante) pelo haacutebito

multiexperiente Que haacutebito eacute este Eacute um haacutebito de comportamento da mente ou nas palavras de

Parmecircnides um haacutebito de maneira de pensar A palavra πολύπειρον significa experimentado

muitas vezes113 Esta experiecircncia do pensar seguindo um certo caminho eacute repetido muitas vezes

ateacute que se torna um haacutebito isto eacute um automatismo da mente114 Podemos ver nestas palavras uma

113Calogero ao inveacutes de muacuteltipla experiecircncia traduz de forma incorreta experiecircncia da multiplicidade (ldquoabitudine

allesperienza del molteplicerdquo 1977 p38) Verdenius traduz corretamente (ldquocustom that comes of much

experiencerdquo) mas interpreta a expressatildeo como uma percepccedilatildeo da inconstacircncia ldquoThe method underlying this third

way has the same character of inconstancyrdquo (1964 p 55) 114Mesmo entre aqueles que aceitam que o fragmento se refere ao caminho de pesquisa (da mente) e natildeo agrave capacidade

dos sentidos de descrever corretamente a realidade se datildeo incongruecircncias por exemplo Cerri (1999 p 62) afirma

que ἔθος πολύπειρον eacute um ldquovezzo di molto sapere labitudine inveterata a collezionare notizie in effetti polypeiriacutea

(sostantivo) polyacutepeiros (aggettivo) eacute in greco strettamente sinonimo di historiacutea e di polymathiacuteardquo e traz dois

exemplos um de Plutarco falando de Solon que em juventude viajara para o Oriente natildeo para comeacutercio ou para se

enriquecer mas para ldquomultiplicar a experiecircncia e a investigaccedilatildeo de conhecimento (polypeiriacuteas heacuteneka kaigrave

historiacuteas) A outra em Platatildeo (Leg 7 811 a-b) onde ele criticando a praxe escolar de memorizar

indiscriminadamente define esta falsa cultura de polypeiriacutea e polymatia Cerri afinal interpreta que a exortaccedilatildeo a

se manter afastados desse caminho coincide com uma criacutetica (de sabor muito heraclitiano) contra aqueles ldquosapientirdquo

que foram desviados pela polymatiacutea Mais adiante (p 217) comentando o verso 4 ele diz ldquoA metaacutefora do olhar

cego e do ouvido surdo eacute retomada aqui como imagem da impotecircncia intelectual dos saberes tradicionais

imiscuidos nas aparecircncias da multiplicidade errantes no caminho do natildeo eacuterdquo Por um lado Cerri afirma que

Parmecircnides se refere aos ldquosaacutebiosrdquo que usavam de polimathiacutea (E quem seriam esses saacutebios Talvez aqueles que

Heraacuteclito criticava pelos mesmos motivos Estaria Cerri confundindo Parmecircnides com Heraacuteclito) e por outro lado

afirma que se trata de uma criacutetica aos saberes tradicionais Ora a natildeo ser que se considerem ldquosaberes tradicionaisrdquo

85

observaccedilatildeo a respeito da formaccedilatildeo da maneira de pensar algo que noacutes chamamos forma mentis115

A maneira de pensar costumeira dos mortais eacute aprendida Esta aprendizagem eacute obtida pela

repeticcedilatildeo os mortais repetem muitas vezes aquele tipo de maneira de pensar ateacute que se torne

haacutebito Parmecircnides descreve o processo cultural de configuraccedilatildeo da forma mentis dos povos (φῦλα

fr 67) Que a maneira de pensar fosse algo relativo a cada cultura era fato conhecido Temos um

exemplo muito claro em Xenoacutefanes quando diz

ldquoMas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados

que como eles se vestem e tecircm voz e corpordquo

e

ldquoOs egiacutepcios dizem que os deuses tecircm nariz chato e satildeo negros

os traacutecios que eles tecircm olhos verdes e cabelos ruivosrdquo

Aqui Xenoacutefanes diz que os mortais tecircm sua proacutepria maneira de pensar (neste caso a respeito dos

deuses) e que cada povo tem suas crenccedilas Assim o processo cultural de aprendizagem com

diferenccedilas em cada cultura era conhecido e Xenoacutefanes mostra quais eram essas diferenccedilas

as noviacutessimas pesquisas dos jocircnicos e dos itaacutelicos o alvo recai sobre as antigas histoacuterias natildeo soacute as homeacutericas mas

como se percebe pelas criacuteticas de Xenoacutefanes tambeacutem sobre as mitologias locais em geral No entanto Parmecircnides

faz uma criacutetica mais radical porque o ἔθος πολύπειρον natildeo se refere ao comportamento de uma pessoa mas de

uma maneira de pensar isto eacute haacute uma generalizaccedilatildeo que vai muito aleacutem da criacutetica de Heraacuteclito agrave polymathiacutea

Nas citaccedilotildees platocircnicas (Leg 811a-b e 819a) polymathiacutea e polypeiriacutea natildeo tecircm uma conotaccedilatildeo negativa pelo

sentido comum das duas palavras eacute Platatildeo que critica esse tipo de aprendizagem quando ela estaacute unida a uma maacute

conduccedilatildeo (κακῆς ἀγωγῆς) Por outro lado Parmecircnides estaacute se referindo ao ἔθος πολύπειρον (e natildeo agrave πολυπειρία)

daqueles que trilham a ὁδός διζήσιος da qual a deusa recomenda afastamento ou seja se refere aos βροτοὶ Ademais

Cerri natildeo cita Tuciacutedides numa eacutepoca muito mais proacutexima de Parmecircnides para o qual πολυπειρία significa tatildeo

somente muito experiente (δι ὅπερ καὶ τὰ τῶν Ἀθηναίων 17141 ἀπὸ τῆς πολυπειρίας ἐπὶ πλέον ὑμῶν

κεκαίνωται) tambeacutem em Aristoacutefanes Lis 1109 significa tatildeo somente muito experiente (Χαῖρ ὦ πασῶν

ἀνδρειοτάτη δεῖ δὴ νυνί σε γενέσθαι δεινὴν ltμαλακήνgt ἀγαθὴν φαύλην σεμνὴν ἀγανήν πολύπειρον) 115Barnes capta a questatildeo da forma mentis mas aparentemente de forma curiosa e involuntaacuteria pois a aplica de um

jeito singular Ele acha que os versos 3-6 longe de constituirem um argumento ceacutetico contra os sentidos satildeo um

alerta ao puacuteblico para natildeo recorrer aos sentidos para julgar as suas teses ldquoParmenides diz nada mais que isto Se

vocecirc pensa que meu argumento estaacute errado entatildeo prove [com a razatildeo ndt] que estaacute errado natildeo recaia na preguiccedila

do senso comumrdquo (1982 p 298) Na opiniatildeo de Barnes Parmecircnides pede que a razatildeo seja aplicada somente

contra o argumento dele e natildeo em todo o caminho de pesquisa

86

descrevendo-as e criticando-as Mas seu disciacutepulo Parmecircnides vai aleacutem pois ele diz como uma

maneira de pensar pode configurar uma cultura e como uma cultura pode configurar uma maneira

de pensar De fato o haacutebito multiexperiente de pensar eacute uma configuraccedilatildeo cultural do pensar eacute a

maneira de pensar aprendida pela repeticcedilatildeo numa certa imersatildeo cultural Ao mesmo tempo esta

maneira de pensar originada por uma certa cultura pode forccedilar todos os pensamentos naquele rumo

do pensar constrangendo aqueles pensamentos dentro da maneira de pensar daquela cultura afinal

reproduzindo aquela cultura Assim Parmecircnides explicando como funciona o processo de

aprendizagem faz uma criacutetica severa contra a maneira tradicional de pensar aquela que se reproduz

pela repeticcedilatildeo forccedilando os pensamentos (as operaccedilotildees cognitivas) a permanecer sobre seu proacuteprio

caminho (a cultura tradicional) do pensar Isto significa que aleacutem da criacutetica cultural agrave maneira de

pensar tradicional haacute tambeacutem uma criacutetica agrave educaccedilatildeo e afinal agrave maneira especiacutefica (aquela da

investigaccedilatildeo) de pensar da tradiccedilatildeo

Muitos estudiosos querem ver essas criacuteticas como dirigidas a uma ou outra escola de

pensamento a algum pensador ou outro Mas os outros pensadores e suas escolas (Jocircnicos e

Pitagoacutericos) eram recentes e proacuteximos no tempo a Parmecircnides de forma que natildeo podem justificar

a expressatildeo ἔθος πολύπειρον o haacutebito multiexperiente Natildeo haacute outra opccedilatildeo em nenhum outro lugar

o alvo de Parmecircnides eacute o pensamento tradicional aquele pensamento que noacutes chamamos de

pensamento miacutetico116 Apesar do fato de ser uma deusa que diz isto a criacutetica de Parmecircnides se

116Uma criacutetica similar eacute feita por Heraacuteclito no fragmento DK 21 B 40 ldquoMuita instruccedilatildeo natildeo ensina a ter inteligecircncia

pois teria ensinado Hesiacuteodo e Pitaacutegoras Xenoacutefanes e Hecateu (πολυμαθίη νόον ἔχειν οὐ διδάσκει Ἡσίοδον γὰρ ἂν

ἐδίδαξε καὶ Πυθαγόρην αὖτίς τε Ξενοφάνεά τε καὶ Ἑκαταῖον)rdquo (Trad Cavalcante de Souza p 79) Mas a criacutetica

de Heraacuteclito natildeo eacute contra uma maneira de pensar tanto eacute verdade que junta poetas tradicionais e natildeo tradicionais

(Hesiacuteodo e Xenoacutefanes) e personalidades tatildeo diferentes quanto Pitaacutegoras um pesquisador de ambiente miacutestico e

Hecateu um pesquisador de ambiente pragmaacutetico como o eacute aquele de um geoacutegrafo De forma que Heraacuteclito estaacute

87

dirige agrave maneira tradicional de pensar ndash e natildeo haacute outro candidato a natildeo ser o pensamento miacutetico

na verdade o pensamento religioso pois noacutes chamamos mito o que para eles era religiatildeo ndash a qual

constrange os pensamentos (as operaccedilotildees cognitivas) por caminhos errantes (πλακτὸν νόον fr

66)

3263 Visatildeo audiccedilatildeo e liacutengua os versos 4 e 5

νωμᾶν ἄσκοπον ὄμμα καὶ ἠχήεσσαν ἀκουήν καὶ γλῶσσαν ldquoO haacutebito multiexperiente por esta

via natildeo te force exercer (νωμᾶν) sem visatildeo um olho (ἄσκοπον ὄμμα) e ressoante um ouvido

(ἠχήεσσαν ἀκουήν) e a liacutengua (γλῶσσαν)117 Mais uma vez Parmecircnides usa periacutefrases para explicar

sua visatildeo Se noacutes nos restringimos ao ponto de vista epistemoloacutegico aqui podemos ver apenas uma

metaacutefora de uma cogniccedilatildeo confusa e imprecisa Mas jaacute vimos a sensibilidade do eleata para a

observaccedilatildeo psicoloacutegica logo numa tal descriccedilatildeo das funccedilotildees psiacutequicas como haacutebito

multiexperiente eacute menos provaacutevel a introduccedilatildeo de uma metaacutefora e mais provaacutevel uma articulaccedilatildeo

com maiores detalhes da preacutevia descriccedilatildeo psicoloacutegica Como vimos no fragmento 6 os sentidos

imprecisos se referem a processos mentais e satildeo aqueles que natildeo possuem um certo recurso Assim

mesmo criticando a polymathiacutea isto eacute a erudiccedilatildeo seja ela tradicional ou natildeo Mas quando Heraacuteclito critica a

tradiccedilatildeo o faz a seu modo como por exemplo no fragmento DK 21 B 5 14 e 15 criticando genericamente uma

atitude cultural e natildeo atitudes de indiviacuteduos especiacuteficos Isto depotildee a favor da interpretaccedilatildeo cultural da passagem

em pauta de Parmecircnides o qual tem em comum com seus colegas (Heraacuteclito Xenoacutefanes e os demais naturalistas)

essa criacutetica ao pensamento miacutetico (religiatildeo tradicional) que ele desenvolve de maneira especiacutefica com uma criacutetica

ao comportamento mental 117Mais genericamente a criacutetica da segunda metade do seacuteculo passado em diante abandonou a interpretaccedilatildeo de uma

prevenccedilatildeo parmenidiana contra os sentidos e abraccedilou a ideia de uma advertecircncia contra mau uso dos sentidos A

grande maioria da criacutetica mais recente interpreta dessa segunda maneira embora tendo de escapar da sugestatildeo errada

do proacuteprio LSJ o qual no verbete νόημα traduz ldquoin Philos thought concept opp sensation sense-presentation

Parm 834 etcrdquo Com essa definiccedilatildeo para νόημα como tendo uma acepccedilatildeo de pensamento em oposiccedilatildeo a

sensaccedilatildeo a sugestatildeo de uma oposiccedilatildeo entre o νόημα de 72 e a descriccedilatildeo do papel sentidos nos versos 73-5 eacute ainda

mais forte

88

por exemplo um olho que natildeo vecirc eacute um olho que natildeo faz conexotildees mentais (operaccedilotildees cognitivas)

entre imagens que vecircm dos olhos fiacutesicos De novo as palavras de Xenoacutefanes podem nos ajudar

Ele diz ldquoMas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados que como eles se vestem e tecircm voz

e corpordquo onde isto significa eles natildeo percebem (natildeo veem) que se eles fossem gerados vestissem

roupas humanas e tivessem voz e corpo eles natildeo seriam deuses eles seriam humanos com todas

as consequecircncias aporeacuteticas que esta visatildeo implica O mesmo pode ser dito a respeito de outros

fragmentos de Xenoacutefanes pois Xenoacutefanes vecirc que cada povo cria seus deuses segundo sua proacutepria

imagem Em outras palavras um olho que natildeo vecirc eacute uma visatildeo que natildeo entende (natildeo conexiona) as

imagens que vecircm da realidade O mesmo pode ser dito do ouvido quando discursos ou histoacuterias

ou simples contos mesmo cheios de contradiccedilotildees satildeo capazes de persuadir quem tem um ouvido

ressoante (confuso) Assim o sentido aqui natildeo eacute metafoacuterico mas a descriccedilatildeo de um

comportamento mental neste caso especial a descriccedilatildeo de operaccedilotildees cognitivas

3264 Julgar pela fala os versos 5 e 6

κρῖναι δὲ λόγωι πολύδηριν ἔλεγχον ἐξ ἐμέθεν ῥηθέντα Todos os criacuteticos 118 traduzem

aproximadamente nesse teor ldquojulgue pela razatildeo a controversa tese por mim expostardquo Eacute

considerado um dos pontos altos do poema ao menos desde Plotino apesar das muitas dificuldades

histoacutericas de vir a acontecer uma estreia tatildeo eacuteclatant de uma palavra λόγος que teraacute uma fortuna

118Quase todos os criacuteticos traduzem ldquojulgue pela razatildeordquo ou com o equivalente ldquopelo argumentordquo A exceccedilatildeo se deve

aos pouquiacutessimos autores que consideram Parmecircnides uma figura de tipo xamacircnico e portanto para eles a razatildeo

natildeo eacute metro de juiacutezo da verdade No entanto ateacute mesmo Kingsley que defende exatamente essa interpretaccedilatildeo de

Parmecircnides mesmo traduzindo pela fala natildeo escapa de interpretar pela construccedilatildeo comum propondo afinal umas

alteraccedilotildees (ilegiacutetimas ele propotildee λόγου genitivo por λόγωι dativo) no texto grego segundo ele corrupto e

chegando ao seguinte resultado ldquobut judge in favor of the highly contentious demonstration of the truth contained

in the words as spoken by merdquo (Kingsley 2003 p 136-140)

89

sem iguais na histoacuteria futura da filosofia Eu proacuteprio aceitei essa traduccedilatildeo ao longo dos anos de

estudo do eleatismo pois como poderia enfrentar uma unanimidade entre os criacuteticos tatildeo coesa

Entretanto a linha das pesquisas dos uacuteltimos 50 anos tende a retirar do poema aquela paacutetina de

incrustaccedilatildeo platoniacutestica que recobre o poema e que foi depositada ao longo de mais de dois

milecircnios Esse trabalho de restauraccedilatildeo do poema vem sendo desenvolvido lentamente e quem se

propotildee a isto sabe da dificuldade de julgar se certa nuance eacute uma incrustaccedilatildeo do tempo ou pertence

agrave paleta parmenidiana Eu tambeacutem trabalhando nesse time me vi cerceado de duacutevidas ao

reinterpretar o emblemaacutetico ldquocoraccedilatildeo intreacutepido da verdade bem redondardquo com um muito mais

prosaico ldquoa mente firme da verdade bem conexardquo (Galgano 2012) Entatildeo natildeo eacute sem temor que

aceito e levo adiante uma interpretaccedilatildeo deveras mais prosaica de um colega estado-unidense

Christopher Kurfess que propotildee uma leitura ndash a meu ver ndash muito mais parmenidiana muito mais

pre-socraacutetica (aderente agrave eacutepoca) muito mais razoaacutevel dessa passagem A traduccedilatildeo de Kurfess eacute

assim ldquo

ldquoEssa leitura difusa que toma as palavras κρῖναι δὲ λόγῳ como um repuacutedio dos sentidos e

um comando para julgar pela razatildeo ou pelo argumento (racional) geralmente sem que se perceba

parece estar seguindo a direccedilatildeo da fonte estoacuteica (para a qual logos significava razatildeo [] Natildeo

somente a traduccedilatildeo de logos com razatildeo ou argumento eacute suspeita como tambeacutem a construccedilatildeo de

κρῖναι como um imperativo eacute tambeacutem problemaacutetico quando eacute lido no contexto da passagem como

um todo (como a citaccedilatildeo completa de Sexto nos permite fazer) [] Numa frase que comeccedila ἀλλὰ

σὺ τῆσδrsquo ἀφrsquo ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα ldquoMas tu afasta (teu) pensamento dessa via de pesquisardquo o

forte adversativo ἀλλὰ exerceria uma influecircncia sobre o resto da frase de forma que a partiacutecula mais

fraca δέ na frase κρῖναι δὲ λόγῳ dificilmente seria percebida como adversativa especialmente pela

ausecircncia de um μέν anterior Assim os dois infinitivos satildeo complementares com βιάσθω Isto altera

consideravelmente o sentido do todo

Mas tu afasta o pensamento desse caminho de pesquisa

e natildeo deixe que o haacutebito multiexperiente te force sobre este caminho

a exercer um olho sem alvo e um ouvido que ecoa

e a liacutengua e a julgar pela fala controverso o elenchos

90

por mim exposto

Nessa construccedilatildeo alternativa δὲ eacute conectivo κρῖναι um infinitivo complementar e com o

dativo λόγῳ ldquopela falardquo Parmecircnides natildeo estaacute fazendo uma afirmaccedilatildeo monumental marcando o

advento do discurso racional na histoacuteria humana mas a mais modesta (embora curiosa)

reivindicaccedilatildeo de que ao longo desse caminho assim como se deveria ser cauteloso em relaccedilatildeo

agravequilo que os sentidos podem apresentar (embora noacutes normalmente dependemos deles) assim

tambeacutem a fala (como eacute usada normalmente) natildeo seraacute instrumento totalmente confiaacutevel para a

compreensatildeo do ensinamento que a deusa iraacute oferecer Uma troca adicional nessa leitura eacute que

πολύδηριν agora eacute entendido como predicado acusativo A deusa natildeo estaacute dizendo que seu elenchos

eacute ldquocontroversordquo mas alertando o jovem contra julgaacute-lo assim devido agrave aplicaccedilatildeo errada do haacutebito

linguiacutestico Isto eacute o elenchos pode parecer controverso agravequeles muito preocupados com a maneira

de expressatildeo mas pela perspectiva que a deusa estaacute revelando isto seria um erro Lidas assim

estas linhas se tornam a primeira de vaacuterias passagens no poema onde a deusa aponta a natureza

potencialmente enganadora da fala dos mortais e da sua atitude a dar nomes119

119 Eis a passagem original por inteiro (Kurfess 2012 p 76-77) ldquoThis widespread reading which takes the words

κρῖναι δὲ λόγῳ as a repudiation of the senses and a command to judge by reason or (rational) argument appears to

be generally without appreciating the fact following the lead of the Stoic source (for whom logos did mean

ldquoreasonrdquo and much else besides) While the anachronistic understanding of logos is a major component of that

reading the influence of the Stoic source on how these lines have been read extends further Not only is translating

logos as ldquoreasonrdquo or ldquoargumentrdquo suspect but the construal of κρῖναι as an imperative is also problematic once it is

read (as Sextusrsquo fuller quotation allows us to do) in the context of the passage as a whole The Stoic source intends

for us of course to understand κρῖναι as an imperative (and such a construal led presumably to the form κρίνε

preserved in Sextus) but it seems as though he manages this by carefully selective quotation

Because the two portions of text cited by the source have generally in the scholarship of the last century or so

been thought to come from different places in the poem it has gone unnoticed or else been thought unremarkable

that compared to the proem as Sextus quotes it in full the Stoic source omits line 31 I think that the omission is

indeed remarkable and that the line was intentionally omitted because it was inconvenient for the Stoic reading of

the lines that follow In a sentence that has begun ἀλλὰ σὺ τῆσδrsquo ἀφrsquo ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα ldquoBut do you bar

(your) thought from this way of seekingrdquo the strong adversative ἀλλά is going to exercise an influence over the

remainder of the sentence such that the weaker particle δέ in the phrase κρῖναι δὲ λόγῳ is unlikely to be felt as

adversative especially in the absence of any preceding μέν It reads instead as a connective particle making the

infinitive κρῖναι parallel with νωμᾶν in the preceding line Both infinitives are thus complementary with βιάσθω

This alters the sense of the whole considerably We now understand the lines as follows

But do you bar thought from this way of seeking

And let not habit of much experience force you along this way

To ply an aimless eye and echoing hearing

And tongue and to judge by means of speech the elenchos

Spoken by me (to be) much-contending

On this alternative construal δὲ is connective κρῖναι a complementary infinitive and with the dative λόγῳ ldquoby

speechrdquo Parmenides is not making a monumental statement marking the advent of rational discourse into human

91

Essa traduccedilatildeo ldquonatildeo deixe que o haacutebito multiexperiente te force [] a julgar pela fala

controverso o elenchos120 por mim expostordquo me parece muito mais natural e fiel ao espiacuterito natildeo soacute

da eacutepoca e da mentalidade desses pensadores mas tambeacutem ao proacuteprio espiacuterito do texto Eu penso

embora Kurfess considere curioso o alerta de Parmecircnides que a deusa apresente um poderoso

argumento contra a retoacuterica dos discursos e natildeo soacute da retoacuterica culta ndash isto eacute agravequela referida ao

direito e agrave poliacutetica (Parmecircnides foi um poliacutetico bem-sucedido de uma polis eunocircmica121) ndash mas

tambeacutem da retoacuterica dos discursos sobre as estruturas e funccedilotildees do mundo (os mitos) aquela retoacuterica

consagrada pela tradiccedilatildeo de cadenciar e por que natildeo utilizar modelos formulares para ver o

mundo (weltanschaung) Diante da antiga cosmovisatildeo as novas tendecircncias culturais

principalmente as teoacutericas satildeo apenas teses controversas A deusa convida a natildeo considerar os

novos discursos como controversos de antematildeo exorta a deixar de lado os preconceitos e afinal

a examinar os argumentos (as falas) com cuidado

Esta interpretaccedilatildeo da letra do fragmento 7 natildeo altera o sentido geral da criacutetica de Parmecircnides

history but the more modest (though curious) claim that just as one should be wary along this way of what the

senses may present (though we regularly do depend upon them) so too speech (as regularly employed) is not going

to be a fully reliable instrument for comprehending the teaching which the goddess has to impart An additional

grammatical shift in this reading is that πολύδηριν is now understood as a predicate accusative The goddess is thus

not claiming that her elenchos is ldquomuch-contestingrdquo but warning the youth against judging it to be so due to a

mistaken application of linguistic habit That is while the elenchos might appear contentious to those too

preoccupied with the way it is expressed from the perspective that the goddess is revealing that would be an error

Read thus these lines become the first of a number of places in the poem where the goddess points out the

potentially deceptive nature of mortal speech and naming 120 Esta palavra eacute objeto de muitas e diferentes interpretaccedilotildees Aqui na busca de um vocabulaacuterio psicoloacutegico natildeo eacute

necessaacuterio se aprofundar mas resta o fato de que o sentido homeacuterico originaacuterio (reproche desgracie dissonou

LSJ) jaacute resulta alterado na eacutepoca de Parmecircnides O proacuteprio LSJ oferece esta passagem de Parmecircnides como

exemplo para o sentido de ldquoargumente off disporatildeo o refutativordquo No entanto este eacute o sentido utilizado em Platatildeo

em referecircncia agrave metodologia de Soacutecrates muitas deacutecadas depois Na literatura contemporacircnea a Parmecircnides com

raras exceccedilotildees o sentido principal eacute de teste ou prova Veja-se a respeito o oacutetimo estudo de Lester (1984) e com

metodologia similar mas com resultados diferentes Hurley (1989) 121Sobre a encomia de Eleacuteia e a nomothetia de Parmecircnides ver Mele 2005 e Mele 2006

92

ao saber tradicional mas ao mesmo tempo natildeo precisa recorrer ao anacronismo de uma invenccedilatildeo

ex novo e estrepitoso da razatildeo como criteacuterio epistecircmico absoluto Voltaremos a este assunto no

proacuteximo capiacutetulo quando esses temas seratildeo revistos agrave luz da proposta parmenidiana da oposiccedilatildeo

radical entre ser e natildeo ser e laacute veremos algo das novas problemaacuteticas que podem surgir desta

traduccedilatildeo

33 Resumo e conclusatildeo da primeira parte

Nesta parte de nossa investigaccedilatildeo escolhemos restringir o foco sobre aspectos psicoloacutegicos

do poema de Parmecircnides tentando evidenciar a habilidade do autor enquanto observador do

comportamento da mente humana Como instrumento primaacuterio de nossa averiguaccedilatildeo utilizamos

um sentido muito especial do verbo νοεῖν e dos seus cognatos extraiacutedo das proacuteprias qualificaccedilotildees

atribuiacutedas por Parmecircnides numa noccedilatildeo entre pensar que julgamos um conceito de abrangecircncia

grande demais e conhecer que julgamos um conceito ao mesmo tempo restrito demais na

medida em que se refere apenas a certo tipo de pensar aquele pensar direcionado ao conhecimento

especiacutefico de um objeto (mas como vimos para Parmecircnides o caminho do pensamento implica

tambeacutem saber ouvir ver se livrar de preconceitos isto eacute analisar com cuidado os argumentos)

e ao mesmo tempo excessivo por incluir todos os aspectos do conhecimento (um sujeito que

conhece um meio cognitivo e o resultado deste processo o conhecido) Ambos satildeo os mais usados

pelos estudiosos no caso do poema de Parmecircnides O termo escolhido foi operar cognitivamente

porque embora seja fortemente teacutecnico pode representar muito bem um filtro tanto para as

ambiguidades de pensar e conhecer quanto para a tentaccedilatildeo de ampliar a discussatildeo para os campos

epistemoloacutegicos ou filosoacutefico fora de tema nesta anaacutelise

Como resultados provisoacuterios nesta primeira parte da anaacutelise do poema do ponto de vista

93

psicoloacutegico podemos resumir o que segue

No fragmento 1 Parmecircnides descreve com linguagem que vem das sensaccedilotildees corporais a

experiecircncia da certeza e da duacutevida introduzindo o conceito de persuasatildeo como estagio

intermediaacuterio entre quem conhece e o que eacute conhecido a esta parte intermediaacuteria podemos chamar

de mente que tem seu proacuteprio modo de funcionar e pode ser persuadida tanto pela persuasatildeo

verdadeira quanto pela persuasatildeo natildeo verdadeira

No fragmento 2 Parmecircnides expotildee sua reflexatildeo sobre os caminhos do pensar A discussatildeo

completa desta reflexatildeo seraacute proposta no proacuteximo capiacutetulo e portanto aqui aproveitamos esse

fragmento apenas para a definiccedilatildeo da noccedilatildeo de voein aquela operaccedilatildeo da mente destinada agrave

cogniccedilatildeo que Parmecircnides iraacute utilizar ao longo do poema

No fragmento 6 Parmecircnides examina os dois caminhos de investigaccedilatildeo assim como satildeo

aplicados no mundo comum e faz uma distinccedilatildeo entre a psicologia comum e a maneira de operar

do homem saacutebio instruiacutedo pela deusa A diferenccedila consiste no uso de um recurso que os mortais

natildeo possuem Por esta razatildeo os mortais acreditam que ser e natildeo ser satildeo o mesmo e natildeo o mesmo

enquanto o homem com o recurso sabe (pelo recurso) que eles satildeo radicalmente opostos Assim o

homem com o recurso segue o caminho verdadeiro enquanto os mortais cuja mente se comporta

como se fosse surda e cega inventam caminhos de direccedilotildees reversiacuteveis

No fragmento 7 Parmecircnides aprofunda a anaacutelise antes de tudo faz a primeira enunciaccedilatildeo do

Preceito da Deusa a oposiccedilatildeo absoluta entre ser e natildeo ser Depois explica que haacute um haacutebito

experimentado muitas vezes que configura a mente comum e o homem com o recurso natildeo deveria

ser forccedilado a esta configuraccedilatildeo mental Enquanto observa o comportamento da mente social

Parmecircnides percebe que o recurso (o Preceito da Deusa) eacute algo que sai do entendimento comum

numa criacutetica clara ao pensamento religioso Por isso a deusa alerta o disciacutepulo a tomar cuidado com

94

o exerciacutecio dos sentidos (visatildeo audiccedilatildeo e liacutengua) e tambeacutem tomar cuidado com a retoacuterica dos

discursos comuns pois o haacutebito mental tende a aprovar e reprovar discursos por preconceitos o

kouros deve evitar ser forccedilado a pensar (operar cognitivamente) pelo preconceito122

Tanto o fragmento 4 quanto os restantes fragmentos do poema que apresentam um

vocabulaacuterio psicoloacutegico seratildeo abordados depois da anaacutelise completa do fragmento 2 De fato o

esclarecimento da reflexatildeo exposta no fragmento 2 poderaacute elucidar noccedilotildees principalmente do

fragmento 8 que sem aquele esclarecimento preacutevio permaneceria criacutepticas e obscuras Assim a

anaacutelise do vocabulaacuterio psicoloacutegico seraacute prosseguida e completada numa segunda parte apoacutes a

exposiccedilatildeo do meacutetodo parmenidiano para distinguir a persuasatildeo verdadeira da falsa

122 Em estudos muito recentes se tende a rearranjar os fragmentos do poema de forma radical Uma das tentativas estaacute

sendo levada adiante por Cordero e implica que alguns fragmentos que pela ordenaccedilatildeo Diels-Kranz pertencem agrave

segunda parte do poema sejam deslocados para a primeira parte Em artigo de 2013 Cordero afirma que esta

separaccedilatildeo do poema em duas partes eacute prejuiacutezo interpretativo traacutegico Em resumo embora Parmecircnides fale de dois

assuntos o discurso verdadeiro e as opiniotildees dos mortais isto natildeo quer dizer que a estes dois assuntos

correspondam duas partes no poema Principalmente dos fragmentos de 9 a 19 somente o 9 o 12 e o 19

pertenceriam agrave doxa de forma que os outros (os fragmentos 10 11 13 14 15 16 17 18) teriam que ser deslocados

para antes do fragmento 8 ldquoNo dudo em colocar esse conjunto em la via de la verdad antes del fragmento 7 como

explicacion del poleacutemico conjunto de pruebas (πολύδηριν ἔλεγχον) que la diosa dice haber ya expuesto (ῥηθέντα)rdquo

(2013 p 25)

A nossa interpretaccedilatildeo do fragmento 7 junto com a releitura oferecida por Kurfess parecem caminhar em favor

da hipoacutetese de Cordero onde a exposiccedilatildeo de saberes cosmoloacutegicos novos ndash por exemplo o fato de que a luz da lua

seja um reflexo da luz do sol ndash tecircm que superar o obstaacuteculo dos prejuiacutezos do conhecimento (religioso) tradicional

95

4 O MEacuteTODO

41 Introduccedilatildeo

Parmecircnides foi um observador do comportamento da mente e haacute em suas palavras

distinccedilotildees entre dois tipos de comportamento mental Nitidamente ele distingue entre um

comportamento mental insuficiente para os fins da pesquisa atribuiacutedo aos mortais e um

comportamento mental que inclui uma μηχανή a qual permite um percurso persuasivo de

pensamentos natildeo segundo a persuasatildeo natildeo confiaacutevel mas segundo aquela que deixa a mente firme

(129) ou seja sem as oscilaccedilotildees da duacutevida entre o sim e o natildeo Onde ele observou este segundo

tipo de comportamento E de que maneira o observou A resposta agrave primeira pergunta natildeo eacute difiacutecil

Parmecircnides observou este comportamento da mente nele mesmo123 A suporte dessa afirmaccedilatildeo

podemos alegar duas evidecircncias a primeira eacute que Parmecircnides fala claramente de ldquocaminhos de

pesquisa ao pensarrdquo isto eacute fala do pensamento em accedilatildeo e em princiacutepio soacute eacute possiacutevel observar

diretamente o pensar em accedilatildeo apenas na proacutepria mente jaacute que do pensar em accedilatildeo de outros se pode

conhecer soacute o relato a segunda eacute que na cultura grega anterior a Parmecircnides jaacute existia um terreno

propiacutecio para a auto-observaccedilatildeo fundado na ideia do ldquoconheccedila-te a ti mesmordquo 124 e que se

123 Haacute uma longa discussatildeo a respeito da presenccedila do individualismo na cultura e na primeira filosofia grega

Especialmente em referecircncia ao nosso assunto a possibilidade do conhecer epistecircmico os criacuteticos anteriores ao

seacuteculo XX sentiram a influecircncia de John Locke o qual afirma que o conhecimento de si proacuteprio surgiu muito depois

do conhecimento do mundo Tal afirmaccedilatildeo foi contestada duramente por Joeumll em 1903 (Der Ursprung der

Naturphilosophie aus dem Geiste der Mystik) mas antes dele jaacute existiam as vigorosas visotildees de Nietzsche no Die

Philosophie im tragischen Zeitalter der Grieschen (1873-80) Veja-se a respeito a excelente nota de Mondolfo em

Zeller (1950 p 27-98) sobre esse debate na primeira metade do seacuteculo XX Jaacute na segunda metade do seacuteculo XX e

depois a discussatildeo parece ter perdido focirclego 124 Platatildeo no Protaacutegoras (343a) ressalta que todos conheciam estas sentenccedilas (γράψαντες ταῦτα ἃ δὴ πάντες ὑμνοῦσιν

96

explicitaria em seu aspecto psicoloacutegico na exuberacircncia do ἐδιζησάμην ἐμεωυτόν (fr DK 101) de

Heraacuteclito125

A observaccedilatildeo do comportamento da proacutepria mente eacute um fato oacutebvio para quem estuda

psicologia e eacute notoacuterio que os grandes psicoacutelogos pesquisaram inexoravelmente suas proacuteprias

mentes e aqui cito apenas a auto-anaacutelise que Freud realizou rumo agrave descoberta do inconsciente126

como emblema dos esforccedilos da pesquisa psicoloacutegica desde o seacuteculo XIX ateacute hoje Eacute quase natural

que quem observa o comportamento da mente alheia seja levado a observar o comportamento da

sua proacutepria e eacute razoaacutevel aceitar que tambeacutem Parmecircnides que observou o comportamento da mente

em outros (como se vecirc nos fragmentos 6 e 7) o observou tambeacutem em si proacuteprio o que eacute mais

difiacutecil de determinar eacute de que maneira ele o observou em relaccedilatildeo aos caminhos de pesquisas e

como procedeu agrave compreensatildeo da observaccedilatildeo

A proposta deste primeiro paraacutegrafo do capiacutetulo eacute tentar evidenciar que tipo de observaccedilatildeo e

auto-observaccedilatildeo levou Parmecircnides a encontrar e expor um meacutetodo do pensar para o caminho de

pesquisa que afinal se mostraraacute uma das colunas de sustentaccedilatildeo da nossa cultura ocidental de sua

eacutepoca em diante ateacute hoje Como jaacute foi especificado nosso foco principal eacute o natildeo ser e eacute visando

ltΓνῶθι σαυτόνgt καὶ ltΜηδὲν ἄγανgt) Embora o ldquoconheccedila-te a ti mesmordquo se referisse ao conhecimento das proacuteprias

tendecircncias comportamentais (de forma a temperaacute-las como nos diz Platatildeo em Charmides 164d) a sugestatildeo natildeo

podia natildeo excitar em sentido introspectivo as mentes investigativas desses primeiros filoacutesofos (ver nota 3) 125 Heraacuteclito em sua investigaccedilatildeo alcanccedila dimensotildees abismais exatamente no acircmbito psicoloacutegico da introspecccedilatildeo pois

no fr DK 45 diz ldquoψυχῆς πείρατα ἰὼν οὐκ ἂν ἐξεύροιο πᾶσαν ἐπιπορευόμενος ὁδόν οὕτω βαθὺν λόγον ἔχειrdquo

(ldquoLimites de alma natildeo encontrarias todo caminho percorrendo tatildeo profundo logos ela temrdquo trad Cavalcante de

Souza 1978) Sassi remarca ldquoEnquanto a maacutexima deacutelfica (Γνῶθι σαυτόν nda) convidava o homem a reconhecer

os proacuteprios limites Heraacuteclito extrai de sua investigaccedilatildeo uma consequecircncia muito diferente o reconhecimento de

uma profundidade ateacute mesmo insondaacutevel da dimensatildeo interiorrdquo (Sassi 2009 p 171) 126 Freud fala de sua auto-anaacutelise em muitas passagens de suas obras veja-se por exemplo ldquoA interpretaccedilatildeo dos

sonhosrdquo de 1900

97

essa noccedilatildeo que levaremos adiante nossa leitura logo a pergunta se propotildee quase que por si que

comportamento da mente Parmecircnides observou que o levou agrave noccedilatildeo ineacutedita ateacute entatildeo de natildeo ser

Esse tema estaacute tratado no fragmento 2 e eacute a ele que nos dedicaremos cuidadosamente nas proacuteximas

paacuteginas

42 A exposiccedilatildeo do meacutetodo o natildeo ser em parmecircnides

421 Anaacutelise do fragmento DK 2

A primeira menccedilatildeo ao lsquonatildeo serrsquo no poema segundo a ordenccedilatildeo de Diels-Kranz eacute no

fragmento 2127 Eis o fragmento na ediccedilatildeo de Diels-Kranz com a traduccedilatildeo de Cavalcante de

Souza128

εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας

αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι

τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν

οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

οὔτε φράσαις

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

127Esta posiccedilatildeo no poema eacute aquela estabelecida por Diels e eacute seguida pela maioria dos criacuteticos Embora em relaccedilatildeo a

sua anterioridade sobre os fr 3 4 5 6 7 natildeo haja razotildees claras mas somente conjecturas mais ou menos provaacuteveis

certamente eacute anterior ao fr 8 porque neste a deusa declara que a diferenciaccedilatildeo das duas vias e o abandono de uma

jaacute fora feito antes Para a tese defendida aqui esta posiccedilatildeo eacute aceitaacutevel Entre os que ordenam de forma diferente

Coxon (2009) Couloubaritsis (2008) Santoro (2011) Recentemente a ordenaccedilatildeo dos fragmentos estaacute sendo

discutida radicalmente a partir da grande importacircncia dada agrave segunda parte do poema nos estudos da segunda

metade do seacuteculo XX 128Cavalcante de Souza (1978) p 142

98

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute natildeo ser

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute preciso natildeo ser

este entatildeo eu te digo eacute atalho de todo incriacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequumliacutevel)

nem o dirias

Esse fragmento apresenta um texto importante e por isto foi muito estudado pelos criacuteticos

Podemos dividi-lo em duas partes

a) a deusa anuncia palavras importantes e prepara o disciacutepulo agrave recepccedilatildeo

b) a deusa expotildee sua lei

Esta parte b) tambeacutem pode ser divididas em duas partes dois versos referentes ao ser e quatro

versos referentes ao natildeo ser

a) O anuacutencio da deusa

b) a deusa expotildee sua lei b1) dois versos referentes ao ser

b2) quatro versos referentes ao natildeo ser

422 O anuacutencio da deusa versos 1-2 εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας

αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

Estes primeiros dois versos foram tratados no capiacutetulo anterior e dele noacutes extraiacutemos uma

noccedilatildeo importante para a nossa anaacutelise a noccedilatildeo de que Parmecircnides utiliza para νοεῖν Para ele o

νοεῖν em jogo aqui eacute aquele que segue caminhos portanto se trata do pensar em operaccedilatildeo e natildeo em

sua noccedilatildeo estaacutetica ademais eacute o pensar que caminha pelos caminhos de pesquisa logo eacute um pensar

investigativo que quer saber que quer conhecer Atendendo a essas qualificaccedilotildees traduzimos νοεῖν

com o operar cognitivo da mente fazendo referecircncia agrave operaccedilatildeo do pensar mas restringindo o

sentido agravequelas cognitivas Evitamos desta forma tanto as ambiguidades da traduccedilatildeo de νοεῖν com

99

o termo amplo demais pensar quanto as ambiguidades e contra-sensos da traduccedilatildeo que usa o

termo conhecer complexo e sinteacutetico demais pois conhecer implica um agente cognitivo uma

operaccedilatildeo cognitiva e um objeto da cogniccedilatildeo Parmecircnides como vimos naquelas paacuteginas natildeo se

refere ao fato completo do conhecer mas apenas agraves operaccedilotildees cognitivas da mente

Devemos agora acrescentar algumas noccedilotildees que seratildeo uacuteteis a melhor enquadrar o fragmento

em questatildeo Vamos voltar ao termo νοῆσαι e completar a anaacutelise proposta no capiacutetulo anterior

Dissemos laacute que em controveacutersia alguns estudiosos o consideram passivo enquanto outros ativo

e esta uacuteltima eacute a nossa posiccedilatildeo A traduccedilatildeo de νοῆσαι como passivo eacute comum a muitos estudiosos

ndash comeccedilando por Diels-Kranz que traduz ldquowelche Wege der Forschung allein zu denken sindrdquo129

ndash mas torna pouco compreensiacutevel o resto do fragmento Entre as oacutetimas razotildees trazidas por

Mourelatos (2009 p 55 n 26) e Cordero (2005 pp 56-9) gostaria de ressaltar a dificuldade

exposta por Cordero o qual justamente afirma que a interpretaccedilatildeo passiva de νοῆσαι obriga a

pressupor um outro verbo para explicar as conjunccedilotildees declarativas do fragmento (uma vez ὅπως e

trecircs vezes ὡς) chegando a foacutermulas estranhas ao texto tais como ldquothe one ltsaysgtrdquo (Taraacuten 1965

p 32) ou ldquolun (dit)rdquo (Couloubaritsis 1990 p 370)130 Acrescento que com a forma passiva se

introduz uma questatildeo improacutepria pois se afirmaria que Parmecircnides estaria refletindo sobre o

129 Enquanto anteriormente Diels traduzia ldquowelche Wege der Forschung allein denkbar sindrdquo (Diels 1987) Traduzem

em passivo muitos importantes estudiosos ldquothe only two ways of search that can be thought ofrdquo (Burnet 1920)

ldquothat are to be thought ofrdquo (Cornford1939) ldquoconcebiblesrdquo (Jaeger 1947 em traduccedilatildeo espanhola) ldquologicamente

pensabilirdquo (Untersteiner 1979) ldquothat can be conceivedrdquo (Taraacuten 1965) e assim por diante Mais recentemente com

as devidas exceccedilotildees (exemplo ldquoque lon puisse concevoirrdquo Frere 2012) a maioria dos criacuteticos se orienta para uma

interpretaccedilatildeo ativa de νοῆσαι 130 Cordero conclui que ldquoComo respuesta a este tipo de lectura debe sentildealarse algo obvio el camino no hablardquo

(Cordero 2005 p 58)

100

pensar131 fato do qual natildeo se tem nenhum vestiacutegio no poema Parmecircnides estaacute refletindo pelo

pensar sobre o mundo (panta de 128) seguindo a temaacutetica proacutepria de sua eacutepoca de sua cultura e

de seu grupo intelectual de pertinecircncia Ele natildeo faz um discurso objetivo sobre o pensar mas

analisando o pensar faz um discurso objetivo ndash como veremos em breve ndash sobre a coerecircncia interna

dos pensamentos percebendo isto sim que a mente (o pensar) consegue aceitar ou realizar

discursos de feacute verdadeira e de feacute natildeo verdadeira sem diferenciaacute-los Ele se propotildee a distinguir

esses dois discursos e pocircr em evidecircncia como se consegue reconhecer uns e outros o que eacute um fato

que pertence agrave esfera do pensar e eacute ao pensar que se deve recorrer para realizar a distinccedilatildeo mas

isto natildeo significa que Parmecircnides tenha como objetivo estudar o pensar como alguns autores direta

ou indiretamente sugerem A metaacutefora do caminho eacute clara a este respeito ele natildeo se importa em

estudar os caminhos em si mas estuda a que lugares levam este ou aquele caminho ou dito de

outra forma que caminho tomar para se alcaccedilar o fim do discurso de feacute verdadeira O caminho eacute

apenas um meio um percurso e como tal tem que se saber aonde leva (ele estudaraacute inclusive os

sinais que estatildeo ao longo dele DK 82) mas posto que se devam conhecer as rotas seu objetivo

no estudo eacute antes de tudo natildeo se perder pelo caminho errado e sucessivamente depois de trilhado

o caminho de feacute verdadeira descrever e compreender o lugar onde chegou

131 Eacute a opiniatildeo de Couloubaritsis ldquola quecircte vise agrave penser lEon pour fonder le penser Cest pourqui dans la traduction

pour penser nous entendons [hellip] penser ce qui permet de penserrdquo (Couloubaritsis 2008 p 249-250) O eon

funda sim o pensar mas natildeo nos termos de pensar o pensar como se o pensar fosse para esses pensadores arcaicos

um objeto definido e separado a respeito do qual se devesse meditar a origem e funccedilatildeo Longe disso pensar eacute um

fenocircmeno que natildeo tem a nitidez que lhe atribuiacutemos hoje e expressotildees como ldquopenser ce qui permet de penserrdquo natildeo

fazem muito sentido para aquela eacutepoca

101

423 O primeiro caminho versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

O verso 4 O verso 3 eacute provavelmente o mais estudado de Parmecircnides merece Poreacutem

seguindo nosso percurso pelo aspecto psicoloacutegico notamos logo a presenccedila de uma palavra

marcadamente psicoloacutegica no verso 4 πειθοῦς persuasatildeo132 Diels grafa com maiuacutesculo indicando

a deusa tradicional Πειθώ Natildeo se tem esta certeza e por enquanto vamos considerar apenas o lado

natildeo sagrado ou seja os aspectos meramente estruturais e funcionais da persuasatildeo133 Embora se

haja bastante literatura sobre persuasatildeo e verdade nem sempre a ligaccedilatildeo entre as duas no contexto

parmenidiano eacute evidenciada com suficiecircncia O fato mais notaacutevel ndash e que pelo que sei natildeo foi

ressaltado ndash eacute que a aletheia de Parmecircnides aleacutem de natildeo ser a Aletheia absoluta tambeacutem natildeo eacute

uma aletheia qualquer Antes de tudo aletheia estaacute tradicionalmente associada quase que somente

132Veja-se o excelente estudo de peithein e seus cognatos em Mourelatos 2008 p 136-163 Mourelatos chega a

firmar que eacute Peitho a deusa anocircnima de Parmecircnides 133Blank numa tese fortemente maniqueiacutesta insoacutelita entre os estudiosos de Parmecircnides insiste sobre o papel dessas

figuras divinas dentro de um contexto essencialmente religioso e natildeo hesita a traduzir pistis por feacute fazendo

referecircncia a supostas disputas religiosas na eacutepoca de Parmecircnides entatildeo peitho natildeo eacute propriamente a persuasatildeo mas

a seduccedilatildeo ldquoEsti says Parmenides is the Way of true faith and although he argues for this logically he begins by

using the seductive power of persuasion and implies that those who hold the true faith will be happy while those

who do not are doomed to ignorance by their apistia rdquo (Blank 1982 p 177)

Jaacute Morgan num estudo sobre o mito nos preacute-socraacuteticos (e Platatildeo) de forma mais coerente afirma ldquoThe motifs

of conviction and persuasion pistis and peitho are to be understood primarily in epistemological rather than

religious terms although the imagery of the proem and the deployment of the above-mentioned motifs do carry

some religious resonancerdquo (Morgan 2004 p 71)

Uma outra partidaacuteria da interpretaccedilatildeo miacutestica eacute Gemelli-Marciano e algumas ideia a respeito de Peitho podem

ser encontradas em Gemelli-Marciano (2008) especialmente agraves paacuteginas 36-37

102

ao relato verdadeiro de uma testemunha ocular dos fatos134 ou agraves falas verdadeiras dos deuses135

ou dos preceitos dos poetas 136 e muito raramente associada a fatos verdadeiros Depois a

associaccedilatildeo de peitho (persuasatildeo) com aletheia respeita exatamente esse campo semacircntico de

aletheia como verdade de uma fala Mas Parmecircnides associa aletheia agrave pesquisa e ndash continua

Cherubin ndash isto sugere que ldquomesmo sem podermos ser noacutes mesmos testemunhas de algo ou onde

natildeo tivermos a possibilidade de achar uma testemunha confiaacutevel [hellip] podemos ainda assim ter

acesso ao caminho [] e este caminho eacute um caminho de inqueacuteritordquo137 com razatildeo diz Cherubin

que esta novidade eacute revolucionaacuteria138 Pelo lado da linguagem mitoloacutegica podemos ver que a deusa

134Levet (1976 p57) ldquoDe toute eacutevidence chez Homegravere le vrai se manifeste essentiellement quand il y a dialogue

[hellip] Les emplois de la plupart des motes exprimant le vrai ndash ils sont presque constamment associeacutes agrave un verbe de

deacuteclaration ndash portent agrave ce sujet un teacutemoignage irreacutefutablerdquo Cherubin acrescenta ldquoTo be able to tell aletheia requires

an awareness of the whole of what is relevant and awareness of the context of ones subjectrdquo (Cherubin 2009 p

58) 135Antes de tudo as invocaccedilotildees agraves Musas as quais na medida que inspiram o canto satildeo a garantia da verdade dos

relatos dos poemas Para Cherubin esse relato da origem eacute garantia da narraccedilatildeo do presente ldquoIn Pindar and in

Hesiods account of the Muses awareness of the origins of things (of the cosmos of a city of a family) is a requisite

for presenting currente events properly in ones poem (Cherubin 2009 p 58) 136Hesiodo Obras e dias 765-8 818 824 Citado por Detienne que diz ldquoDessa vez se trata de uma ldquoVerdaderdquo que se

define expressamente como ldquonatildeo esquecimentordquo dos preceitos do poetardquo (Detienne 1983 p 14 original ldquoQuesta

volta si tratta di una ldquoVeritagraverdquo che si definisce espressamente come ldquonon obliordquo dei precetti del poetardquo p 14) 137A passagem inteira eacute esta ldquoHe is suggesting that sometimes even where we cannot witness something ourselves

where we may have overlooked or forgotten something about a situation where we cannot find a reliable witness

and where the gods or their agents have not chosen to reveal things to us even when these traditional means are

not available we may still have access to a road whose orientation is governed by aletheia and the road is a road

of inquiryrdquo (Cherubin 2009 p 59) 138Dizer que Parmecircnides associa o caminho de inqueacuterito agrave aletheia estaacute correto O que eacute menos correto a meu ver eacute a

afirmaccedilatildeo (que estaacute no texto acima citado de Cherubin e que eu natildeo reportei) de que a via de inqueacuterito eacute governada

por aletheia (ldquoa road whose orientation is governed by aletheiardquo veja nota 137 acima) Ora Parmecircnides diz

claramente que esta via de inqueacuterito eacute a via de peitho portanto eacute governada por peitho O fato de que peitho atenda

agrave aletheia natildeo autoriza a pular esta etapa sob pena de total desentendimento da proposta de Parmecircnides Uma

criacutetica semelhante deve ser feita a Mourelatos o qual apoacutes uma excelente e profunda anaacutelise de dizesios conclui

afirmando que a busca de Parmecircnides eacute pela aletheia (ldquoFor Parmecircnides it is a quest for aletheiardquo Mourelatos 2008

p 68) Parece-me que eacute o caso de repetir para Parmecircnides eacute um caminho de busca governado por um discurso

persuasivo (argumento bem conexo peitho) que garante a verdade O alvo de Parmecircnides natildeo eacute a verdade mas um

instrumento que garanta a verdade

Todos os estudiosos tecircm consciecircncia desta divisatildeo feita por Parmecircnides que redunda no bordatildeo aletheia-doxa

mas lentamente acabam se esquecendo que o alvo eacute a diferenciaccedilatildeo das proposiccedilotildees Entre os poucos que potildeem

isto em relevo estaacute Patriacutecia Curd ldquoIn promising to teach the kouros all things the goddess undertakes to impart

103

Πειθώ tradicionalmente associada a Afrodite representando assim a persuasatildeo da fala sedutora139

em Parmecircnides eacute associada a aletheia configurando uma persuasatildeo que leva agrave verdade Mas

podemos acrescentar mais a aletheia de que fala Parmecircnides natildeo eacute qualquer aletheia mas a

aletheia proacutepria da persuasatildeo como estaacute claramente caracterizado pelo verso 4 Portanto estou

convencido de que eacute totalmente inuacutetil ampliar o horizonte semacircntico da aletheia parmenidiana agraves

ideias mais abstratas que consideram a noccedilatildeo de verdade isoladamente e em si mesma Penso que

Parmecircnides restringia o sentido apenas agrave verdade do discurso ou melhor tratando-se de persuasatildeo

devemos dizer agrave verdade do argumento embora sejam discurso e argumento no sentido arcaico140

Infelizmente deste ponto de vista ficam enfraquecidas todas aquelas interpretaccedilotildees que tendem a

fazer de Parmecircnides o profeta da Verdade idealizada A proacutepria costumeira divisatildeo do poema em

duas partes a parte da verdade ou aletheia e a parte da opiniatildeo ou doxa natildeo se justifica sendo

apenas um bordatildeo didaacutetico muito distante da letra do texto parmenidiano141

to him what he must know to avoid the errors of mortals Thus he must learn what it is for something to be reliably

and he must learn both the criteria for reliability and the tests that will allow him to investigate and to evaluate

various claims for trustworthy and reliable being or what-isrdquo (Curd 2004 P 22) 139Mourelatos 2008 p 139 140 Num artigo extremamente esclarecedor a respeito da aletheia em Parmecircnides Germani mostra que o sentido arcaico

de discurso (legein) eacute muito diferente da noccedilatildeo de discurso apresentada por Platatildeo e Aristoacuteteles Citando

Aristoacuteteles (ldquoeacute falso dizer que o ser natildeo eacute ou o natildeo ser eacuterdquo ldquoτὸ μὲν γὰρ λέγειν τὸ ὂν μὴ εἶναι ἢ τὸ μὴ ὂν εἶναι

ψεῦδοςrdquo Metaph IV 1011 27b) ela nota que natildeo estaacute presente em Parmecircnides a noccedilatildeo de dizer a verdade como

algo restrito somente ao discurso e aproveitando as palavras de Lloyd (Lloyd 1966 p 422) ela diz ldquoO proacuteprio

Lloyd analisando o emprego arcaico de termos como χρέ e ἀνάγχη nota que noacutes podemos interpretar Parmecircnides

como se ele acreditasse que eacute logicamente necessaacuterio que o que eacute eacute e logicamente impossiacutevel que natildeo seja mas

parece provaacutevel que ele tambeacutem tenha concebido esta necessidade como condiccedilatildeo fiacutesica real do Ser e quando ele

descreve Ἀνάγχη como ltmantendogt o que eacute ltem liamesgt (830) isto pode natildeo ser uma mera metaacutefora poeacutetica

Portanto me parece que a proacutepria noccedilatildeo de falso natildeo encontre nenhum lugar na concepccedilatildeo parmenidiana Aquilo

que corresponde na passagem aristoteacutelica agrave falsidade ndash ldquodizer que o ser natildeo eacute ou que o natildeo ser eacuterdquo ndash eacute concebido

por Parmecircnides como uma impossibilidade que natildeo se refere apenas ao dizer mas que eacute inerente antes de tudo ao

proacuteprio serrdquo (Germani 1988 p 194) 141 Reporto exemplarmente um trecho de Solana Dueso exemplo que se multiplica ad libitum em muitos outros

estudiosos ldquoIn the presentation of the program we have the first terminological clue of the theoretical content It

would be about truth (aletheia) and opinions (doxai) both terms being of epistemic and not ontological contentrdquo

104

O Parmecircnides psicologo percebe que a persuasatildeo eacute um fato da lsquomentersquo ndash conceito este uacuteltimo

que assim como noacutes o entendemos lhe eacute estranho ndash fenocircmeno que ele consegue identificar

descrevendo as ocorrecircncias mentais como dissemos no nosso estudo de 129 E eacute o Parmecircnides

psicoacutelogo que identifica duas persuasotildees uma acompanhada da verdade e outra onde a crenccedila natildeo

eacute acompanhada da verdade Agrave primeira ele chama de πειθός que gera a sensaccedilatildeo de firmeza na

mente (ἀτρεμὲς ἦτορ) e acompanha a verdade a qual eacute por isto εὐκυκλέος bem conexa na variante

trazida por Simpliacutecio ou εὐπειθέος bem persuasiva naquela trazida por Sexto Empiacuterico142 Agrave

segunda ele chama de lsquoopiniatildeo dos mortaisrsquo na qual natildeo haacute uma πίστις ἀληθής um convencimento

acompanhado de verdade143

Esta distinccedilatildeo nos mostra a agudeza da observaccedilatildeo psicoloacutegica A certeza pode ser de dois

tipos ou eacute uma certeza que deixa espaccedilo a duacutevidas ou eacute uma certeza indubitaacutevel Isto expotildee um

problema gnosioloacutegico que pode ser assim formulado posto que se tem uma convicccedilatildeo (e todos

temos convicccedilotildees) como posso saber se esta convicccedilatildeo corresponde agrave verdade ou eacute uma convicccedilatildeo

sem fundamento e sem correspondecircncia com a realidade Resposta natildeo posso sabecirc-lo A minha

mente mostra apenas convicccedilatildeo e para saber se tal convicccedilatildeo eacute acompanhada de verdade ou se natildeo

(Solana Dueso 2007 p 275) No entanto exatamente do ponto de vista terminoloacutegico como o autor pretende na

apresentaccedilatildeo do programa a deusa natildeo diz que o kouros aprenderaacute ldquoabout truthrdquo mas diz que aprenderaacute o ldquoatremeacutes

etorrdquo o qual mesmo do ponto de vista teoreacutetico (aleacutem de terminoloacutegico) constitui um assunto muito diferente

daquele que o autor imagina (a verdade) Se se quiser dividir o poema em dois assuntos estes satildeo a persuasatildeo

verdadeira e a persuasatildeo natildeo verdadeira natildeo a verdade e a opiniatildeo 142A minha discussatildeo destes termos estaacute em Galgano (2012) 143Num trabalho interessante Buontempi evidencia mais claramente a diferenccedila entre pistis e peitho em Parmecircnides

Diz ela ldquo[Peitho] estaacute ligada agraves palavras eacute o estado a partir do qual se toma a palavra ou o estado produzido pela

escuta de palavrasrdquo (Bontempi p 50) Esse estado possui a ambivaecircncia de pertencer ao caminho do ldquoeacuterdquo ou agraves

opiniotildees dos mortais Jaacute ldquopistis eacute aquela relaccedilatildeo que se estabelece entre termos de um para o outro transparentes

e disponiacuteveis e cujo viacutenculo consiste na disponibilidade e capacidade de cada um de se exibir ao outro

completamenterdquo (p 53) Entretanto Buontempi utiliza uma metodologia arriscada pois pretende extrair o sentido

de peithos e pistis a partir da interpretaccedilatildeo do poema de Parmecircnides nada mais controverso

105

tem feacute verdadeira eacute necessaacuterio recorrer a algo extra-mental eacute necessaacuteria uma prova externa porque

a mente por si soacute natildeo consegue identificar uma sua convicccedilatildeo propria como verdadeira ou falsa

A diferenciaccedilatildeo de dois tipos de persuasatildeo no poema eacute clara e a discussatildeo desta diferenciaccedilatildeo

pertence agrave parte propedeutica pois natildeo se fala dela na parte do eon no fr 8 quando a ordem do

mundo eacute explicada com exceccedilatildeo do final do discurso da deusa onde ela anuncia o encerramento

de seu discurso confiaacutevel (πιστὸν λόγον) Isto significa que este tema faz parte do instrumental

argumentativo preacutevio que conduziraacute agrave sucessiva anaacutelise cosmoloacutegica Em outras palavras depois

de exposto o programa haacute uma parte propedecircutica que discute a diferenciaccedilatildeo entre as duas

persuasotildees e sucessivamente as duas persuasotildees satildeo apresentadas certamente a persuasatildeo

verdadeira constituiacuteda pelo fragmento 8 e talvez ndash mas em volta desta questatildeo haacute muita

controveacutersia ndash a persuasatildeo natildeo verdadeira que Diels reuniu nos fragmentos de 9 a 19144

A esse respeito eacute necessaacuterio acrescentar que haacute duas formas (entre outras) muito comuns nos

argumentos em uma uma sequecircncia argumentativa leva agrave conclusatildeo (como por exemplo no

silogismo claacutessico) enquanto em outra haacute primeiro o enunciado da conclusatildeo e depois a exposiccedilatildeo

dos argumentos que provam o enunciado Parmecircnides parece preferir este segundo caminho o qual

conveacutem mais ao estilo hieraacutetico de uma fala divina primeiro o enunciado eacute feito seria melhor

144Cabe a Rossetti o meacuterito de evidenciar uma forte estrutura metatextual no poema de Parmecircnides A excelente anaacutelise

de Rossetti por exemplo mostra que ldquo[] les consideacuterations exposeacutees das les fragments 2-7 sont preacuteliminaires et

propeacutedeutiques non seulement elles servent agrave chasser tant de preacutejugeacutes mais elles preacutesentent aussi les fruits drsquoune

recherche et drsquoune reacuteflexion qui a deacutejagrave eu lieu auparavant Une telle reacutefeacuterence au processus de deacutecantation qui a

rendu possible lrsquoeacutelaboration et la fixation drsquoun enseignement deacutetermineacute est extrecircmement rare Qursquoune telle donneacutee

teacutemoigne en faveur drsquoune tregraves nette ceacutesure entre le proegraveme et les contenus doctrinaux nrsquoest pas moins digne de

remarquerdquo (Rossetti 2010 p 205) Gostaria de acrescentar que as consideraccedilotildees natildeo satildeo apenas consideraccedilotildees

contecircm a exposiccedilatildeo de um meacutetodo (Rossetti na n 20 remete a Cerri o qual fala de premissas metodoloacutegicas) que

poreacutem natildeo eacute tambeacutem apenas um meacutetodo porque embora se trate de um caminho a seguir eacute o caminho principal

do mundo eacute sua lei intriacutenseca o seu princiacutepio (arche ou archai) Esta discussatildeo seraacute feita mais adiante

106

dizer proclamado e depois satildeo dadas algumas explicaccedilotildees do porque daquele enunciado Os

versos 23-4 atendem a esta forma uma proclamaccedilatildeo eacute anunciada (vv 1-2) e depois enunciada

(vv3-4) A proclamaccedilatildeo enunciada consiste em estabelecer qual eacute o caminho que pensa o inqueacuterito

com persuasatildeo natildeo a persuasatildeo falsa mas a verdadeira um caminho enfim que anda com a

verdade Explicado o verso 4 temos que esclarecer o verso 3

O verso 3 Natildeo se pode isolar gramaticalmente o verso 3 do anterior verso 2 (e nem do seu

correlativo verso 5) e portanto natildeo se pode esquecer que se trata de um caminho No entanto as

noccedilotildees envolvidas satildeo estaacuteticas e natildeo haacute nenhum elemento dinacircmico ou sequencial ou de qualquer

natureza minimamente motora que remeta agrave ideia de caminho

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Eacute ndash natildeo eacute ndash natildeo ser expressam noccedilotildees estaacuteticas o que a primeira vista parece natildeo

combinar com a ideia dinacircmica de caminho Pois o sentido deste ponto de vista eacute que o caminho

de pesquisa a pensar por ser um pensar que procede por um caminho natildeo eacute o pensar de um

momento mas um pensar que constroacutei (que segue por) um caminho A estaticidade das formas

verbais sugere entatildeo que no percurso seguido pelo pensar para que o inqueacuterito seja de verdadeira

persuasatildeo o ἔστιν o οὐκ ἔστι e o μὴ εἶναι por serem estaacuteticos devem ser constantes Esta noccedilatildeo

eacute estrutural o caminho de inquerito a pensar deve conter uma constante vaacutelida em qualquer

momento e qualquer passagem do caminho O fato de ser a afirmaccedilatildeo de uma constante estaacutetica

numa dimensatildeo de caminho (dinacircmica) reforccedila a ideia de algo externo ao processo de natureza

fixa a ser aplicado a algo de natureza processual ou seja eacute uma lei pois a noccedilatildeo de lei expressa

tambeacutem as relaccedilotildees fixas entre as dinacircmicas de elementos de um ou mais processos

Vamos observar a estrutura sintaacutetica do verso mais de perto ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ

ἔστι μὴ εἶναι Depois da conjunccedilatildeo correlativa ἡ μὲν ndash que se coadunaraacute com o ἡ δὲ de 25 (ἡ δ

107

ὡς) ndash o verso eacute constituiacutedo de duas unidades sintaacuteticas autocircnomas mas subordinadas ao verso 2

pelos adverbios ὅπως e ὡς ademais as duas unidades estatildeo ligadas pela conjunccedilatildeo τε καὶ Vejamos

entatildeo a construccedilatildeo sintaacutetica sem entrar ainda na semacircntica ou seja sem traduzir os termos ἔστιν

οὐκ ἔστι e μὴ εἶναι

por um lado (ἡ μὲν) que ἔστιν e tambeacutem que οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

A conjunccedilatildeo τε καὶ (e tambeacutem que) nos diz que temos duas oraccedilotildees que pela estrutura de todo o

fragmento devem ser completas embora possa parecer que natildeo o sejam pois vejamo-as

separadamante e sem os adverbios

1) ἔστιν

2) οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

A primeira oraccedilatildeo eacute sem sujeito e sem objeto sendo constituiacuteda somente pelo verbo a segunda

dependendo da interpretaccedilatildeo pode ser (21) sem sujeito tambeacutem e com objeto direto ou (22) com

ldquosujeitordquo de verbo impessoal e sem objeto A primeira eacute afirmativa enquanto a segunda eacute negativa

entretanto a segunda nega uma segunda negaccedilatildeo contida no objeto (ou ldquosujeitordquo do verbo

impessoal) eacute negaccedilatildeo de negaccedilatildeo

Conjunccedilatildeo

correlativa

Adverbio

relativo

sujeito verbo objeto

Verso 23 ἡ μὲν

Oraccedilatildeo 1 ὅπως --- ἔστιν ---

Oraccedilatildeo 21

Oraccedilatildeo 22

ὡς

ὡς

---

μὴ εἶναι

οὐκ ἔστι

οὐκ ἔστι

μὴ εἶναι

---

O grande misteacuterio destas palavras eacute exatamente que o sujeito sintaticamente explicito ou

subentendido mas necessariamente claro na primeira oraccedilatildeo natildeo aparece e talvez na segunda

108

tambeacutem natildeo Natildeo conveacutem nestas paacuteginas reconstruir a discussatildeo dos vaacuterios estudiosos em relaccedilatildeo

a esta falta145 de nosso lado enfrentaremos a questatildeo por outras providecircncias que em breve seratildeo

apresentadas Por enquanto vamos aproveitar o resumo das possibilidades de soluccedilatildeo reportadas

por Cordero (2005) Para o estudioso haacute quatro possibilidades a saber ldquoa) trata-se de um erro de

transmissatildeo de texto Se assim for este deve ser corrigido introduzindo o sujeito ausente b) haacute um

sujeito conceitual impliacutecito que deve ser buscado no resto do Poema c) natildeo haacute nenhum sujeito

possiacutevel e d) o sujeito deve ser extraiacutedo do predicado isolado pois o eacutestin ldquoproduzrdquo o sujeito As

quatro possibilidades encontraram defensoresrdquo 146

Natildeo penso que seja o caso de tomar partido agora faremos isto somente no fim de a nossa

anaacutelise por enquanto vamos prosseguir com as nossas consideraccedilotildees A primeira delas eacute que as

duas oraccedilotildees natildeo satildeo simplesmente conjuntas elas satildeo mais do que conjuntas porque apresentam

145O problema principal eacute a interpretaccedilatildeo do estin da primeira oraccedilatildeo Em grego esta sintaxe representa uma anomalia

e por causa disso a leitura natildeo encontra nenhuma regra interpretativa direta restando apenas a possibilidade de

interpretaccedilotildees indiretas e portanto fortemente controversas Reporto aqui como exemplo aleacutem das quatro linhas

interpretativas agrupadas por Cordero e apresentadas acima dois exemplos radicalmente opostos e inconciliaacuteveis

mas cada um com seu fundamento (indireto) impossiacutevel de ser contestado cabalmente O primeiro eacute de Robinson

o qual deixa em aberto as vaacuterias interpretaccedilotildees possiacuteveis do sujeito de estin e as vaacuterias interpretaccedilotildees possiacuteveis do

proacuteprio estin (se existencial locativo ou outros) com uma uacutenica exceccedilatildeo a saber o estin natildeo pode ser impessoal

ldquoThings are a little more problematic when the verb is used absolutely since one has to decide between the

existential the locative and the veridical interpretation or should one hesitate to back one or other exclusively to

leave open the possibility of multiple interpretations in any particular instance What seems out of the question

however is an interpretation of the absolute use of the verb to be as an impersonal use no-one to my knowledge

has ever yet been able to produce an instance of meaning it is in a way linguistically analogous to meaning it rains

or meaning it snows Whatever we know about the verb to be in Greek indicates that it always has a subject Since

none is specified here I take it that the only fair thing to do is to say so and leave the matter in abeyance until such

time as Parmenides himself decides to let us in on his secretrdquo (Robinson 1975 p 625)

Mas exatamente do lado oposto Cordero defende o sujeito impessoal (para o qual ele daacute uma interpretaccedilatildeo

especiacutefica dos verbos impessoais) e diz ldquoSi tenemos em cuenta esta interpretaccedilatildeo de los verbos impersonales no

dudamos em afirmar que em 23a y 25a los dos eacutestin em tanto elementos autoacutenomos hasta entonces estaacuten

utilizados de forma impersonal Entonces del mismo modo em que ldquollueverdquo significa ldquose da ahora el hecho de

lloverrdquo ldquoel llover estaacute presente ahorardquo ldquoesrdquo significa ldquose da ahora el hecho de serrdquo ldquoel hecho de ser estaacute presente

ahorardquo (Cordero 2005 p 70) 146Cordero 2005 p 63

109

uma uacutenica noccedilatildeo em trecircs variaccedilotildees ἔστιν οὐκ ἔστι e μὴ εἶναι satildeo variaccedilotildees do campo semacircntico

de εἰμί o verbo ser Seriam simplesmente conjuntas se apresentassem verbos e objetos diferentes

Naturalmente uma construccedilatildeo deste tipo com verbos e objetos diretos diferentes seria possiacutevel147

e apresentaria duas oraccedilotildees sintaticamente independentes e conjuntas Mas no nosso caso a

construccedilatildeo eacute feita com trecircs formas do mesmo verbo que muito dificilmente tecircm uma conexatildeo

apenas conjuntiva

Ademais a segunda afirmaccedilatildeo duplamente negativa faz pensar agrave estrutura da citaccedilatildeo

platocircnica a qual natildeo eacute sintaticamente igual mas muito semelhante que nunca os natildeo entes sejam

onde tambeacutem uma negaccedilatildeo duplamente reforccedilada (Οὐ δαμῇ ndash μήποτε) recusa existecircncia aos natildeo

entes implicando apenas variaccedilotildees formais de εἶναι desta vez com o particiacutepio no neutro plural

τὰ ἐοντα que natildeo estaacute presente no fr 2

Estes elementos a mais precisam ser investigados Vamos comeccedilar pela conjunccedilatildeo148 τε καὶ

em geral traduzido por simples conjunccedilatildeo pelos criacuteticos assume aqui um valor mais forte O fato

que seja uma conjunccedilatildeo elimina de iniacutecio a interpretaccedilatildeo do verso 3 como uma disjunccedilatildeo149 Mais

que uma conjunccedilatildeo as duas subordinadas satildeo ligadas por uma conexatildeo vital onde o τε καὶ no

sentido de lsquotambeacutemrsquo ou ateacute mesmo lsquoambosrsquo representa a conjunccedilatildeo de uma segunda parte

reforccedilando a primeira natildeo porque explica mas simplesmente porque as duas fazem parte de um

147Por exemplo ldquoos uacutenicos caminhos de inqueacuteritos a pensar por um lado que examina e que natildeo eacute natildeo avaliarrdquo 148 Humbert (1954) ldquoDrsquoailleurs drsquoune faccedilon geacuteneacuterale une certaine indetermination inseparable de la poesie qui

exprime moins qursquoelle ne suggegravere est peu favorable agrave un employ rigoreux et preacutecis des particulesrdquo (p 370) 149Mansfeld (1960) reportado por Meijer (1997 p 100 and passim) O argumento de Mansfeld parte da consideraccedilatildeo

de que o silogismo disjuntivo natildeo precisa de sujeito (aqui o argumento de Parmecircnides natildeo precisaria de um sujeito

para o esti) A (ἔστιν) ou B (οὐκ ἔστι μὴ εἶναι)

110

todo150

Este reforccedilo da conjunccedilatildeo diria ateacute mesmo esse entranhamento pode ser melhor notado se

fazemos a comparaccedilatildeo do segundo emistiacutequio (ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι) com a citaccedilatildeo platocircnica do

bordatildeo parmenidiano (71 Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ φησίν εἶναι μὴ ἐόντα)

Expressatildeo da negaccedilatildeo Verbo ldquosujeitordquo da

completiva

negado

Citaccedilatildeo platocircnica Τοῦτο Οὐ δαμῇ εἶναι μὴ ἐόντα

Segundo emistiacutequio οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

O paralelismo segundo esta construccedilatildeo embora de iniacutecio possa parecer improacuteprio natildeo soacute

natildeo eacute impossiacutevel como tambeacutem me parece respeita mais fielmente o texto de Parmecircnides Ou seja

a dinacircmica principal da expressatildeo a injunccedilatildeo da deusa eacute dada pelo verbo οὐ δαμῇ o qual

independentemente de toda a discussatildeo filoloacutegica possiacutevel151 apresenta um sentido claro natildeo deve

prevalecer o pensamento de que os natildeo-entes sejam

Natildeo prevaleccedila isto natildeo prevaleccedila que os natildeo-entes sejam A equivalecircncia entre isto (τοῦτο)

e que os natildeo-entes sejam (εἶναι μὴ ἐόντα) fica clara Neste caso fica claro tambeacutem o sentido e o

150Aparentemente (pelo que pude descobrir) natildeo haacute estudos atuais completos sobra as partiacuteculas em grego antigo e

parece que o uacuteltimo foi de Denniston (1954) De laacute para caacute as partiacuteculas foram estudadas por trabalhos especiacuteficos

e separadamente por aacutereas literaacuterias (eacutepica trageacutedia etc) deixando uma lacuna na poesia onde o uso eacute muito menos

rigoroso (ver n 17) e oferece maiores dificuldades de interpretaccedilatildeo Um status questionis da problemaacutetica de te kai

possivelmente encontra-se em um artigo de proacutexima publicaccedilatildeo do qual por enquanto soacute consegui o abstract

Bonifazi (2012)rdquo 151Discussatildeo natildeo pequena posto que δαμάζω pode ser ativo ou passivo e δαμῇ eacute melhor entendido em sentido ativo

mas eacute exclusivamente atestado em passivo gerando inseguranccedila sobre as funccedilotildees de τοῦτο e μὴ ἐόντα e ateacute mesmo

obrigando LSJ a postular um uso novo em Parmecircnides e traduzir ad sensum ldquoit shall never be proved thatrdquo (LSJ

δαμάζω V)

111

paralelismo com 23 De fato lsquonatildeo prevaleccedilarsquo (natildeo venccedila nunca seraacute provado ou todas as variaccedilotildees

que os vaacuterios estudiosos excogitaram) significa de fato lsquoque natildeo aconteccedilarsquo lsquoque natildeo sejarsquo e afinal

lsquoοὐκ ἔστιrsquo Esta eacute a tese de Parmecircnides assim como apresentada por Platatildeo Este eacute o sentido mais

seguro confortado pelo mais antigo testemunho e pela mais alta autoridade filosoacutefica da

antiguidade Platatildeo que se dedicou com afinco ao estudo de Parmecircnides ao ponto natildeo soacute de lhe

dedicar dois diaacutelogos e muitas passagens mas ateacute mesmo de afirmar muito modestamente de natildeo

ter certeza de ter entendido o veneraacutevel e terriacutevel eleata

Muitos autores se referem a Parmecircnides como o filoacutesofo do ser152 isto estaacute certo Mas muitos

se esquecem de lembrar que ele eacute o filoacutesofo do natildeo ser e isto natildeo faz justiccedila ao eleata Vamos entatildeo

esclarecer essa noccedilatildeo posto que vem exatamente de Platatildeo e que certa orientaccedilatildeo da antiga escola

alematilde de histoacuteria da filosofia colocou na sombra em favor da noccedilatildeo de ser O segundo hemistiacutequio

de 23 soa assim (os uacutenicos caminhos de inqueacuterito a pensar satildeo por um lado) [] que natildeo eacute natildeo

ser O fato singular eacute que aleacutem da repeticcedilatildeo da negaccedilatildeo tem tambeacutem a repeticcedilatildeo do verbo εἰμί

Obviamente natildeo se trata de uma ditografia e portanto teremos que diferenciar o primeiro negar

(οὐκ ἔστι) do segundo negar (μὴ εἶναι) O primeiro negar eacute feito pela partiacutecula negativa οὐκ e o

presente do indicativo ἔστι A traduccedilatildeo simples e direta soa natildeo eacute De iniacutecio ndash apenas de iniacutecio

pois a seguir se veraacute que οὐκ ἔστι eacute modal ndash natildeo parece haver dificuldade quanto agrave traduccedilatildeo em si

restando apenas o problema da falta de sujeito Se lsquonatildeo eacutersquo estaacute certo resta descobrir ao que se refere

152Atualmente haacute autores que evitam ateacute a questatildeo do ser e que se limitam apenas ao verbo ser isto eacute a questotildees

linguiacutesticas Para estes criacuteticos Henn estreia uma nova categoria a ontofobia ldquoConteporary critics avoid talk of

fundamental existence because the concept of Being-as-such makes them feel unconfotable and remains for them

a nebulous indeterminate cipher an empty notion this ontophobia however has no grounding in factrdquo (Henn

2003 p 120)

112

e natildeo haacute outro candidato a ser alvo dessa negaccedilatildeo que o seguinte μὴ εἶναι

Natildeo parece haver atestaccedilatildeo de μὴ εἶναι na poesia eacutepica Pela pesquisa no TLG as primeiras

atestaccedilotildees parecem ser da eacutepoca de Parmecircnides se natildeo sucessivas sendo que neste uacuteltimo caso

ele deve estar entre os primeiros a usar esta expressatildeo Mas aguardando resultados filoloacutegicos mais

precisos podemos dizer que a noccedilatildeo de εἶναι contida no segundo negar natildeo deve ser a mesma do

primeiro sob pena de gerar uma contradiccedilatildeo de termos incompreensiacutevel mas que justamente neste

sentido aticcedilou a fantasia de muitos criacuteticos Penso por exemplo agravequeles que quiseram ver as duas

negaccedilotildees apenas no sentido gramatical153 e acabam achando o argumento de Parmecircnides fraco ou

tautoloacutegico quando natildeo inconsistente Mas o primeiro negar (οὐκ ἔστι) quer negar um outro negar

(μὴ) especiacutefico aquele que nega εἶναι154

153Por exemplo C Kahn cuja uacutenica conclusatildeo segundo sua leitura seria que ldquoIf we restate Parmenidesrsquo claim in the

modern formal mode it might run lsquom knows that prsquo entails lsquoprsquo In Kahn (2009) pp 153-4

Kahn eacute um interprete famoso e importante do texto parmenidiano Segundo ele proacuteprio relata ao se dedicar ao

estudo de Parmecircnides se deparou com a dificuldade de entender o uso que o eleata faz do verbo ser e aleacutem disso

se deparou com uma carecircncia de estudos a respeito Mergulhou assim no estudo de einai e produziu um dos mais

importantes trabalhos sobre o assunto que jaacute foram escritos The verb be in ancient Greek que recebeu uma segunda

ediccedilatildeo ampliada em 2003 depois de mais de 30 anos Resumidamente Kahn identifica seis grupos de uso do verbo

ser o uacuteltimo dos quais eacute um uso que segundo ele comeccedila com Parmecircnides Os primeiros cinco usos satildeo

encontrados em Homero o sexto eacute poacutes-homeacuterico tipo I uso vital tipo II (que se divide em IIA e IIB) afirmaccedilotildees

mistas de objetos singulares tipo III locativo existencial tipo IV o operador da frase existencial tipo V eimi como

predicado superficial ou verbo de ocorrecircncia jaacute o sexto natildeo recebe uma definiccedilatildeo uacutenica porque apresenta variaccedilotildees

complexas as quais tornam ldquothe Type VI the most problematic of all uses of eimirdquo (p 300) Chega ele entatildeo a mais

um tipo de uso que ele chama veridic que talvez em portuguecircs seja melhor rendido por veritativo O uso

veritativo seria afinal uma nuance do uso existencial Em relaccedilatildeo a Parmecircnides o grande aparato colocado em

jogo por Kahn esconde todavia alguns problemas os quais natildeo aparecem no estudo em questatildeo mas nos artigos

especiacuteficos sobre o eleata Aqui reporto aquele que me parece o seu erro fundamental alguns outros satildeo abordados

em minha recensatildeo a Essays on being (Galgano 2012) No seu famoso ldquoThe thesis of Parmenidesrdquo (originalmente

em Review of Metaphysics 1969 e aqui retomado de Essays on being 2009) Kahn potildee a questatildeo desta forma

ldquoQual era a pergunta que Parmecircnides fez a si proacuteprio e para a qual ele pensava que sua tese fosse a respostardquo (p

144) Kahn assim responde

ldquoThe problem which Parmenides raises from the beginning of his poem is not the problem of cosmology but

the problem of knowledge more exactly the problem of the search for knowledge the choice between

alternative ways for thought and cognition to travel on in pursuit of Truthrdquo (p 147) 154Um bom estudo sobre a diferenccedila entre estas duas negaccedilotildees encontra-se em Cassin 1998 p 200-211

113

Vou repetir a sequecircncia porque por um lado a accedilatildeo do primeiro negar eacute predicativa por outro

lado a noccedilatildeo predicada eacute maacutexima e acaba por gerar um pequeno desconforto argumentativo O

primeiro negar nega um segundo negar este segundo negar nega εἶναι Ou seja o segundo negar eacute

um lsquonegar algo especiacutefico (εἶναι)rsquo O conceito se torna claro se se manteacutem presente o sentido

psicoloacutegico muito mais que o gnosioloacutegico da expressatildeo parmenidiana Negar algo eacute o que fazem

ambas as expressotildees tanto do primeiro quanto do segundo negar Mas o segundo negar eacute a accedilatildeo

especiacutefica de negaccedilatildeo de εἶναι a qual eacute uma accedilatildeo da mente eacute um comportamento concreto o

comportamento mental de negar εἶναι Parmecircnides diz que o caminho persuasivo eacute aquele que nega

que se possa ter o comportamento mental especiacutefico de negar εἶναι natildeo eacute possiacutevel (ter o

comportamento mental de) negar εἶναι

Este eacute um ponto que gerou muita confusatildeo Parmecircnides natildeo nega que se tenha que negar

como se ele proacuteprio ao dizer que o natildeo ser natildeo eacute estivesse cometendo o maior dos disparates auto-

contraditoacuterios Satildeo muitiacutessimos os que interpretam Parmecircnides desta forma e depois cansados de

natildeo achar o fio da meada acabam dizendo que Parmecircnides eacute o filosofo do ser (apenas) Parmecircnides

usa gramaticalmente a negaccedilatildeo e tambeacutem a usa gnosiologicamente e epistemicamente Daacute para se

dizer mais daacute para dizer que ele usa a negaccedilatildeo de forma magistral como poucos souberam usar na

histoacuteria da filosofia De fato o segundo hemistiacutequio assevera que haacute um percurso mental que eacute

persuasivo (v 4) quando natildeo segue μὴ εἶναι Mais uma vez o percurso mental de inqueacuterito eacute

persuasivo quando natildeo se comporta mentalmente negando εἶναι quando natildeo tem a atitude de negar

εἶναι Resta descobrir o que eacute εἶναι

εἶναι eacute um infinitivo Como se sabe o infinitivo eacute a expressatildeo verbal depauperada de todo

sentido acessoacuterio ao ponto que ldquoCrsquoest de cette faccedilon neacutegative que lrsquoinfinitif a eacuteteacute deacutefini comme

114

repreacutesentant lrsquoideacutee verbale nuerdquo155 Os mais variados estudos natildeo conseguiram explicar de forma

convincente um sentido especiacutefico para o uso feito por Parmecircnides Por exemplo ldquoThe verb lsquobersquo

in ancient Greekrdquo156 um dos estudos mais completo sobre o tema se vecirc obrigado a atribuir a

Parmecircnides um uso supostamente novo mas de forma improacutepria e desnecessaacuteria157 Eu penso que

quando Parmecircnides quis utilizar um novo sentido inventou um novo termo to eon (invenccedilatildeo na

linha jaacute consolidada de substantivar verbos no gecircnero neutro) Natildeo fez o mesmo com εἶναι e suas

demais formas verbais razatildeo pela qual o sentido deve ser buscado nas acepccedilotildees tradicionais que

satildeo muacuteltiplas e equiacutevocas como diraacute mais tarde Aristoacuteteles

No infinitivo εἶναι expressa a ideia geral do verbo num campo semacircntico que vai desde

lsquopresenccedilarsquo e ateacute a funccedilatildeo predicativa comum a muitas liacutenguas indo-europeias Eacute inuacutetil buscar um

sentido preciso como lsquoexistirrsquo ou lsquoestar presente localmentersquo ou outro εἶναι significa tudo isto

principalmente porque usado na forma negativa se propotildee a negar qualquer positividade logo se

trata da negaccedilatildeo da presenccedila (sentido locativo) do atributo (sentido predicativo) da vardade

(sentido veritativo) da existecircncia (sentido existencial) e todos os demais sentidos e as demais

nuances que εἶναι pode ter genericamente podemos nos limitar ao sentido existencial porque eacute

mais cocircmodo para a nossa liacutengua exatamente na medida em que para a nossa compreensatildeo atual

155Humbert (1954) p 125 156Kahn (2003) passim 157Kahn extrai o sentido de εἶναι em Parmecircnides natildeo do uso que o eleata faz mas do contexto geral da mensagem

parmenidiana Teoricamente seria um meacutetodo viaacutevel posto que se consiga entender corretamente a mensagem do

filoacutesofo Na praacutetica no caso do poema de Parmecircnides que verte exatamente sobre εἶναι e seus derivados haacute um

risco enorme ndash ao qual em minha visatildeo Kahn sucumbiu ndash de cair num petitio principii onde o sentido de εἶναι eacute

extraiacutedo da mensagem filosoacutefica geral (Kahn o extrai de 129 que eacute o lsquoiacutendice parmenidianorsquo e portanto poderia

oferecer a ideia geral do poema) e por sua vez a mensagem filosoacutefica eacute obtida a partir do sentido de εἶναι Kahn

acredita ter encontrado no sentido lsquoveritativorsquo o novo uso que Parmecircnides faz de εἶναι

115

qualquer um dos outros sentidos estaacute incluiacutedo necessariamente no sentido existencial Em

portuguecircs a palavra que expressa εἶναι com a mesma equivocidade ou pluralidade de sentido numa

riqueza proacutexima ao grego eacute o verbo lsquoserrsquo158 Parece-me perfeitamente inuacutetil cercear o sentido de

forma francamente artificial para dar espaccedilo a polecircmicas fictiacutecias159 Ateacute mesmo para a acepccedilatildeo de

lsquoexistirrsquo se construiacuteram criacuteticas factoacuteides onde se chega a discutir se Parmecircnides pensasse ou natildeo

que seres natildeo existentes como quimeras e outros seres mitoloacutegicos pudessem ser incluiacutedos na

leitura predicamental160 Principalmente eacute necessario manter a equivocidade do termo porque

corresponde agrave forma mentis do autor e natildeo se deve exigir distinccedilotildees que natildeo eram processadas por

aquela cultura sob pena mais uma vez de atribuir aos antigos a nossa proacutepria forma mentis pecado

158Para εἰμί o dicionaacuterio LSJ apresenta sete campos (de A a G) com 16 acepccedilotildees e mais vaacuterias subacepccedilotildees Para o

verbo lsquoserrsquo o dicionaacuterio Houaiss apresenta 19 acepccedilotildees das quais 14 verbais e 5 como substantivo as subacepccedilotildees

satildeo exemplificadas mas natildeo classificadas 159 Um interessante resumo dessas polecircmicas pode ser visto em Gallop (1979) embora eu natildeo compartilhe a sua

interpretaccedilatildeo do fragmento 2 Apoacutes fazer criacuteticas detalhadas a Kirk amp Raven Mourelatos Kahn Furth e ateacute mesmo

Owen do qual compartilha a interpretaccedilatildeo existencial ele faz uma paroacutedia do Hamlet de Shakespeare e imagina o

famoso monoacutelogo sem o resto da peccedila faltando pedaccedilos e o verso seguinte ao to be or not to be na paroacutedia ele

imagina os criacuteticos se perguntando a respeito do sentido veritativo ou predicativo e se to be or not to be that is the

question onde a questatildeo seria se haacute de ser ou natildeo ser branco (predicativo) ou haacute ou natildeo haacute um hipopoacutetamo no

zooloacutegico (existencial) ou se ser branco ou natildeo ser branco eacute o caso (veritativo) (p 74-75)

Uma situaccedilatildeo teatral se encontra tambeacutem em Furth (1974) o qual imagina um diaacutelogo entre Parmecircnides e

Betathon um alieniacutegena cujos pressupostos ontoloacutegicos proacuteprios (a persons ontology p 250) satildeo totalmente

diferentes Furth conclui que Parmecircnides usa um meacutetodo eleacutenctico do qual a ontologia apresentada no poema eacute

um mero corolaacuterio 160De novo Kahn (2009) que diz ldquoTo take the philosophical objection first it is simply false to say that you cannot

think or talk about (point out in speech phrazein) what does not exist And the falseness of this would be obvious

to any Greek who reflected for a moment on the profusion of monsters and fantastic creatures in traditional poetry

and myth from Pegasus to the children of Gaia with a hundred arms and fifty heads apiece (Hesiod Theogony

150)rdquo (p172) Mais agrave frente mostramos que exatamente na questatildeo filosoacutefica Kahn estaacute errado e Parmecircnides estaacute

certo eacute impossiacutevel pensar e dizer o natildeo-ser

E na onda de Kahn muitos outros autores simplesmente esquecem o desafio filosoacutefico de Parmecircnides e

restringindo o texto agrave questatildeo gramatical afirmam que Parmecircnides escreveu disparates Veja-se esse exemplo de

dois autores um (Bredlow) citando o outro (Ketchum) (a respeito da rejeiccedilatildeo da via do natildeo eacute) ldquoOn the existential

interpretation this argument becomes utterly unsound of course we can talk of the nonexistentrdquo e na nota que

acompanha ele continua ldquoAs Ketchum (1990 186) rightly states ldquoMost of what Parmenides tells us about why

what-is-not is unthinkable etc is false and if I may say so fairly obviously false on the existence interpretationrdquo

(Bredlow 2011 284) Parmecircnides natildeo escreveu disparates os autores acima estatildeo equivocados

116

fatal para um historiador da filosofia161

Entatildeo de iniacutecio a traduccedilatildeo de μὴ εἶναι com lsquonatildeo serrsquo ateacute mesmo por ser equiacutevoca (para a

nossa sensibilidade) manteacutem a equivocidade proacutepria da eacutepoca e da liacutengua da eacutepoca162 Posta entatildeo

esta equivocidade precisamos saber se expressa um sentido filosoacutefico antes de tudo para a eacutepoca

e depois para noacutes A comparaccedilatildeo de 23 οὐκ ἔστι μὴ εἶναι com 71 Οὐ δαμῇ εἶναι μὴ ἐόντα que eacute

o testemunho de Platatildeo nos faz entender que nestas palavras natildeo soacute se encontra um sentido

filosoacutefico mas ateacute mesmo o sentido principal da filosofia de Parmecircnides Retomando entatildeo a

construccedilatildeo precisamos entender porque pensar o natildeo ser (μὴ εἶναι) eacute algo que natildeo eacute possiacutevel ou

que natildeo se deve ou que simplesmente natildeo eacute (natildeo acontece) segundo a expressatildeo usada por

Parmecircnides οὐκ ἔστι

Haveria outras possibilidades de traduccedilatildeo163 mas estas variaccedilotildees podem ser interessantes

para evidenciar nuances aqui e acolaacute mas tendo a possibilidade de utilizar o verbo lsquoserrsquo num uso

proacuteximo do grego natildeo precisamos recorrer agrave circumlocuccedilotildees e podemos traduzir οὐκ ἔστι com

161Veja-se este exemplo Falando a respeito de DK B2 Tugwell diz ldquoParmenides went wrong on two points first in

his belief that existence is an essential property of a thingrdquo (Tugwell 1964 p 36) Natildeo um soacute dos conceitos

envolvidos pertence agrave eacutepoca de Parmecircnides nem existecircncia nem propriedade essencial e nem mesmo coisa que

para Parmecircnides eacute algo receacutem inventado por ele mesmo (eon) e tem dimensatildeo coacutesmico-ontoloacutegica muito diferente

da noccedilatildeo aqui expressa que poderia muito bem ser substituiacuteda por uma variaacutevel x por exemplo Mas haacute tambeacutem

estudos que privilegiam o enfoque linguiacutestico mas natildeo fogem do questionamento ontoloacutegico como por exemplo

o de Sandywell que chega a interpretar o poema tratando-o estrategicamente como um poderoso trabalho de

retoacuterica (Sandywell 1996 p 319 mas se veja o inteiro capiacutetulo p 295-335) 162A ambiguidade semacircntica de einai eacute defendida tambeacutem por Trindade Santos (Santos 2007) poreacutem com outros

argumentos 163 Um outro caminho possiacutevel de traduccedilatildeo utilizado principalmente pelos autores de liacutengua inglesa por motivos

idiosincraacutesicos da liacutengua eacute utilizar uma expressatildeo cuja noccedilatildeo tambeacutem eacute ampliacutessima e equiacutevoca lsquocoisarsquo Mas esta

expressatildeo por ser um substantivo natildeo possui o aspecto dinacircmico que o verbo tem sendo assim necessaacuterio

acrescentar o verbo ser portanto eacute possiacutevel traduzir com lsquoas coisas que satildeorsquo Outra possibilidade eacute usar o pronome

lsquoquersquo em sentido predicativo em substituiccedilatildeo de coisa ou coisas Outra ainda eacute o pronome demonstrativo (aquilo

isto) ou o indefinido (algo) com a mesma funccedilatildeo substitutiva de coisa(s) no sentido mais indefinido possiacutevel

117

lsquonatildeo eacutersquo164 e μὴ εἶναι com lsquonatildeo serrsquo Diz o segundo hemistiacutequio

Os uacutenicos caminhos de inqueacuterito ao pensar satildeo

Por um lado [] e que natildeo eacute natildeo ser

Se tiveacutessemos seguido a ordem metodoloacutegica tradicional ao examinar 23 teriacuteamos analisado

primeiro ἔστιν e depois οὐκ ἔστι μὴ εἶναι E se agora depois de estudar o segundo hemistiacutequio

voltaacutessemos nossa atenccedilatildeo ao primeiro hemistiacutequio natildeo teriacuteamos ganho metodoloacutegico nehum pois

redundariacuteamos na leitura por pressupostos onde o sentido de ἔστιν eacute obtido pelo pressuposto de

que ἔστιν significa em grego lsquoeacutersquo mas dessa forma se chega aos resultados inconclusivos jaacute

tentados por vaacuterios ou ateacute mesmo por todos os estudiosos165 O dado concreto eacute que o poema natildeo

oferece nenhuma definiccedilatildeo direta de ἔστιν embora apresente muitos σήματα de ἐὸν 166 Em

164Laacute onde em inglecircs haacute obrigatoriedade de se explicitar o sujeito lsquowhat is notrsquo 165Haacute muitos estudos sobre o estin parmenidiano do verso 3 do fragmento DK 2 Principalmente depois dos primeiros

questionamentos a respeito do assim chamado sentido existencial ou melhor dizendo depois que alguns criacuteticos

ndash entre os que iniciaram o mais citado parece ser Calogero ndash comeccedilaram a sugerir que atraacutes do estin natildeo se escondia

uma questatildeo filosoacutefica mas uma questatildeo linguiacutestica Lendo trabalhos recentes se tem a impressatildeo que os estudiosos

natildeo querem explicar a filosofia de Parmecircnides mas o estin de Parmecircnides alguns acham que natildeo haacute outro jeito a

natildeo ser explicar o estin como na citaccedilatildeo a seguir ldquoAny interpretation of this crucial passage has to begin by

answering two related questions (1) what is the subject of is at B23 and 5 and (2) what is the sense of the word

isrdquo (Bredslow 2011 283) Por sorte alguns autores percebem que natildeo faz muito sentido (filosoacutefico) correr atraacutes

do estin isoladamente ldquo[] it seems to me that in order to unpack the true meaning of this floating and isolated

verb we must look not to its history and contemporary usagemdashas if the one word could stand by itselfmdashbut to the

negations in which the esti is cashed out right in the same line and then extensively in fragment 8 We will then it

is true be without an explanation in the verb itself for why these specific signposts or road-markers are chosen

But we will at least be able to monitor more closely how the esti actually behavesrdquo (Austin 2014 p 4) 166Trata-se de outra confusatildeo muito comum entre os estudiosos principalmente os mais atuais menos habituados agraves

insiacutedias do texto de Parmecircnides De fato sem poder justificar e compreender o estin no fragmento 2 recorrem aos

argumentos do fragmento 8 Mas os argumentos do fragmento 8 se referem ao eon algo totalmente diferente do

estin gerando todo tipo de gongorismo argumentativo Veja-se uma discussatildeo deste tipo em Stokes onde o autor

discute as vaacuterias noccedilotildees incluindo vaacuterios fragmentos chamando em causa alguns interlocutores (Owen Taraacuten

Sprague) num carroussel hermenecircutico impressionante (Stoke 1971 p 109-148)

118

compensaccedilatildeo o poema fala amplamente de μὴ εἶναι E natildeo precisa ir muito longe para encontrar

referἑncias para a noccedilatildeo de μὴ εἶναι pois encontramos muitos dados nos versos de 5 a 8 do nosso

fragmento Iremos portanto ao verso 25 e subsequentes

424 Os versos 5 a 8 ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι

425 τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν

426 οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

427 οὔτε φράσαις

Vamos relembrar a letra ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι Haacute uma construccedilatildeo

paralela ao verso 3 dois hemistiacutequios onde no segundo encontramos nosso μὴ εἶναι e o caminho eacute

chamado de παναπευθέα termo que muito fez e faz sofrer os filoacutelogos O sentido geral poreacutem eacute

claro quer se queira traduzir como lsquode todo incriacutevelrsquo167 ou como lsquocompletamente inconosciblersquo168

ou lsquowholly without reportrsquo169 ou como outro Em suma a noccedilatildeo geral eacute que haacute uma dificuldade

intransponiacutevel em seguir este caminho e o por que eacute explicado a seguir Aqui tambeacutem Parmenides

primeiro enuncia a tese (segundo a conveniecircncia da expressatildeo de uma deusa) e depois propootildee o

argumento explicando o porquecirc do enunciado Ora a novidade cultural eacute exatamente esse porquecirc

167Cavalcante de Souza (1978) 168Cordero (2005) p 219 169Coxon (2009) p 56

119

onde as afirmaccedilotildees natildeo satildeo mais apenas impostas por sua forccedila hieraacutetica mas precisam de

explicaccedilotildees170

O nosso primeiro problema eacute que os enunciados natildeo satildeo claros para noacutes Entatildeo podemos

pedir clareza aos argumentos Qual eacute o argumento Eis a resposta de Parmecircnides οὔτε γὰρ ἂν

γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)οὔτε φράσαις Aqui a traduccedilatildeo eacute mais clara e natildeo haacute muita

divergecircncia entre os criacuteticos pois nem poderiacuteas conhecer o que natildeo eacute (pois eacute impossiacutevel) nem o

dirias Haacute aqui um claro objeto do discurso τό μὴ ἐὸν que sem hesitaccedilatildeo desta vez podemos

traduzir lsquoo que natildeo eacutersquo Sem hesitaccedilatildeo porque τὸ ἐὸν egrave uma expressatildeo desconhecida antes de

Parmecircnides aparece com ele egrave estudada por seus disciacutepulos e pelos seus criacuteticos (de Melisso a

Aristoacuteteles) e eacute reportada pela doxografia como invenccedilatildeo parmenidiana

A noccedilatildeo exposta por Parmecircnides eacute sequencial o caminho de inquerito que pensa οὐκ ἔστιν

aqui chamado de ἀταρπόν natildeo pode ser percorrido porque egrave impossiacutevel lsquoconhecerrsquo (γνοίης ndash

segunda pessoa do optativo aoristo ativo de γιγνώσκω) o que natildeo eacute e vamos deixar para depois a

questatildeo do dizer (οὔτε φράσαις) Vamos concentrar nossa atenccedilatildeo sobre γνοίης Para noacutes eacute menos

importante a traduccedilatildeo estilisticamente precisa e mais importante a precisatildeo da noccedilatildeo filosoacutefica

exposta Em relaccedilatildeo a esta palavra houve (e ainda haacute) uma discussatildeo acirrada Discute-se se traduzir

como lsquoconhecerrsquo como fazem alguns171 ou lsquoreconhecerrsquo como fazem outros172 e principalmente

que sentido atribuir ao lsquoconhecerrsquo Eu penso que considerado o contexto natildeo se trata do conhecer

170Rossetti (2010) A necessidade de explicaccedilotildees natildeo mais soacute dos autores mas tambeacutem da audiecircncia que agora requer

argumentos 171Gallop (1984) p 55 Coxon (2009) p 56 Taran (1965) p 32 mas tambeacutem muitos outros 172Barnes (1982) p 124

120

epistecircmico mas do conhecer gnosioloacutegico ou seja da capacidade que a mente possui de estabelecer

um processo de cognitivo E que se trate de processo eacute claro pela terminologia variada que

Parmecircnides usa mas principalmente pela sua ὁδός que ficaraacute para sempre como metaacutefora perfeita

dos procedimentos a serem tomados para realizar tarefas de qualquer natureza e viraacute a receber o

nome de meacutetodo

Para o meacutetodo do pensar epistecircmico diz Parmecircnides natildeo eacute conveniente correr sobre um

certo percurso porque sobre ele haacute ao menos uma etapa onde se deveria lsquoconhecerrsquo o τό μὴ ἐὸν

mas isto eacute impossiacutevel Na verdade os termos usado ἀνυστόν (reportado por Simpliacutecio) ou sua

variante ἐφικτόν (reportada por Proclo) tecircm ambos um sentido processual quero dizer que a tarefa

de pensar o τό μὴ ἐὸν natildeo apresenta uma impossibilidade que se realiza imediatamente mas uma

que implica um processo o qual eacute impossiacutevel porque natildeo pode ser levado a termo De fato ἀνυστόν

significa lsquoser completadorsquo lsquopraticaacutevelrsquo enquanto ἐφικτόν significa lsquofaacutecil de alcanccedilarrsquo lsquoacessiacutevelrsquo

Ambos os termos tecircm sentido dinacircmico e processual e a negaccedilatildeo que Parmecircnides faz significa que

este processo natildeo pode ser levado a termo

De que processo se trata Em minha visatildeo lembrando o Parmecircnides psicoacutelogo que

encontramos no verso 129 e de toda a discussatildeo sobre noein (cap 1) se trata do processo concreto

de pensar a negaccedilatildeo do ser Como pude notar na minha precedente dissertaccedilatildeo173 Parmecircnides eacute de

aacuterea de formaccedilatildeo pitagoacuterica e os pitagoacutericos ndash como nos diz Aristoacuteteles na Metafiacutesica174 ndash naquela

eacutepoca estudavam as oposiccedilotildees as mais abstratas tendo passado da oposiccedilatildeo mais antiga entre par

173Galgano (2010) cap 1 passim 174Aristoteles Metaph 986a15-26

121

e iacutempar correspondentes a limitado e ilimitado (πέρας e ἄπειρον) a um conjunto de dez oposiccedilotildees

Nada desabona uma possiacutevel tentativa de Parmecircnides buscar uma oposiccedilatildeo (que era feita tambeacutem

por negaccedilatildeo como nos evidencia a expressatildeo verbal da oposiccedilatildeo entre πέρας e ἄπειρον com o lsquoαrsquo

privativo) para o lsquotodorsquo aquele πάντα que encontramos no verso 128 do poema e que em breve se

transformaria em φύσις no curso da evoluccedilatildeo histoacuterica dos conceitos filosoacuteficos da antiga Greacutecia

A meditaccedilatildeo do lsquonatildeo serrsquo eacute das mais interessantes a se fazer na filosofia Tentar lsquopensarrsquo o

lsquonatildeo serrsquo eacute uma experiecircncia profunda que leva a consideraccedilotildees radicais natildeo soacute sobre a existecircncia

humana mas sobre a existecircncia como um todo Que Parmecircnides tenha se dedicado a esta meditaccedilatildeo

eacute seguro pois ele o diz diretamente em 22 quando afirma que os uacutenicos caminhos ao pensar satildeo

aleacutem daquele que pensa ἔστιν aquele que pensa οὐκ ἔστιν ou seja Parmecircnides se pocircs a pensar o

natildeo ser O que natildeo sabemos e natildeo podemos afirmar com certeza eacute que tipo de meditaccedilatildeo ele

realizou Eis que os termos ἀνυστόν e ἐφικτόν vecircm nos socorrer e nos dizem que se trata de uma

meditaccedilatildeo processual que natildeo acaba Descrevi este processo detalhadamente na dissertaccedilatildeo e o

repetirei aqui brevemente Antes de tudo temos que lembrar que Parmecircnides estuda o natildeo ser que

hoje depois de Platatildeo chamamos de natildeo ser absoluto Como sabemos que se trata do natildeo ser

absoluto Sabemo-o pela caracteriacutesticas que ele atribui ao οὐκ ἔστιν o sabemos pela temaacutetica

generalizante e absolutizante posta no Poema (panta 128) e compartilhada pela comunidade de

estudiosos da eacutepoca e ainda a contraprova temos o diaacutelogo O Sofista que Platatildeo escreveu para

corrigir Parmecircnides introduzindo o natildeo ser relativo (o natildeo ser enquanto outro) se Parmecircnides

tivesse tratado do natildeo ser relativo natildeo haveria necessidade nem de ldquoparricidiordquo e nem de escrever

O Sofista Pensar o natildeo ser significa pensar concretamente a negaccedilatildeo do ser concreto (do mundo

sensiacutevel ou inteligiacutevel) e pensar o natildeo ser absoluto significa pensar o natildeo ser te todas as coisas

122

tanto de cada ser quanto de todos os seres como um todo175 Para tornar mais claro o processo se

pode comeccedilar pensando (imaginando) a negaccedilatildeo de um ente depois daquilo que o rodeia depois

do planeta depois do universo (sensiacutevel e inteligiacutevel atual e possiacutevel) e depois do mundo como

um todo enfim do todo

Quando poreacutem se chega na negaccedilatildeo do todo surge uma questatildeo O pensamento encontra-

se diante do oceano infinito do nada mas o nada absoluto ainda natildeo foi alcanccedilado De fato ainda

haacute a presenccedila do sujeito que pensa Quando se pensa a negaccedilatildeo do todo permanece ainda o sujeito

pensante que pensa o todo como se o olhasse de um ponto virtual externo a ele E quando se tenta

incluir o sujeito pensante acontece uma de duas coisas possiacuteveis 1) ou o sujeito da cogniccedilatildeo

acreditando pensar a si proacuteprio dentro do todo reaparece externamente 176 ou 2) o sujeito

desaparece e com ele qualquer noccedilatildeo cognitiva de lsquonatildeo serrsquo Estas duas possibilidades estatildeo

descritas no fragmento 2 mas teremos que proceder passo a passo Por enquanto podemos dizer

claramente que o processo de pensar o τό μὴ ἐὸν natildeo termina seja porque eacute impossiacutevel incluir o

sujeito no todo pois ele sempre reaparece a cada tentativa seja porque o processo quando inclui

o sujeito no todo se interrompe sendo assim impossiacutevel completar a negaccedilatildeo do todo Natildeo

podemos saber se o modelo meditativo de Parmecircnides foi exatamente este mas natildeo me parece

175Aqui pode-se incluir a negaccedilatildeo de qualquer tipo de ser existencial (isto natildeo existe) predicativo (isto natildeo eacute aquilo)

locativo (isto estaacute ausente) e as demais combinaccedilotildees possiacuteveis excogitadas pelos estudiosos (veritativo

predicamental especulativo whatness etc) Mesmo a respeito do estin predicativo negaacute-lo significa negar um

predicado de algo e ao se proceder para a negaccedilatildeo absoluta de qualquer predicado se chegaria agrave ideia virtual de

que poderiacuteamos alcanccedilar um ente sem predicados 176Se penso na aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo terei que pensar a mim mesmo aniquilado mas este

pensar a mim mesmo aniquilado gerando esse novo pensamento (de mim mesmo aniquilado) gera um novo mim

mesmo como sujeito cognitivo pensante se aniquilo este novo pensamento terei um novo sujeito cognitivo que

pensa esta nova aniquilaccedilatildeo e assim por diante ad infinitum

123

haver nada em desabono177

Mas qual eacute a importacircncia de natildeo se poder pensar a negaccedilatildeo de tudo Seguindo o argumento

parmenidiano o caminho (ἀταρπόν) cognitivo que pensa τό μὴ ἐὸν natildeo pode ser concluiacutedo Ora

ἀταρπόν eacute um sinocircnimo que Parmecircnides usa para o ὁδός do verso 22 (ὁδοὶ) isto quer dizer que o

segundo caminho de inqueacuterito pode ser iniciado mas natildeo pode ser levado a termo Mas se natildeo pode

ser levado a termo por que eacute identificado como caminho Por que natildeo eacute excluiacutedo jaacute de iniacutecio

quando a deusa ao inveacutes de anunciar os uacutenicos (μοῦναι) caminhos natildeo anuncia um uacutenico caminho

A resposta a esta pergunta torna clara a estranha afirmaccedilatildeo de que o caminho ao pensar do segundo

hemistiacutequio do verso 5 eacute necessaacuterio que permaneccedila natildeo ser (χρεών ἐστι μὴ εἶναι) Parmecircnides diz

que embora seja um caminho que jamais pode ser completado ele ao mesmo tempo natildeo pode ser

eliminado continua a pertencer aos (dois) uacutenicos caminhos de inqueacuterito ele eacute necessaacuterio

Vamos de novo reconstruir essa parte do argumento com este novo elemento os uacutenicos

caminhos de inqueacuteritos satildeo

1) por um lado o caminho ao pensar que [ (23-4)] e

2) por outro lado o caminho ao pensar que [ (25 primeiro hemistiacutequio)] e que eacute

necessaacuterio que seja natildeo ser de fato este segundo caminho (ἀταρπόν) eacute inviaacutevel porque lsquonatildeo

se consegue levar a cabo a reflexatildeorsquo (γνοίης) quando se pensa o τό μὴ ἐὸν

177Natildeo quero dizer que Parmecircnides estreie uma filosofia do sujeito embora isto natildeo possa ser excluiacutedo a priori jaacute que

aleacutem do ambiente propiacutecio dos jaacute citados Γνῶθι σαυτόν e ἐδιζησάμην ἐμεωυτόν (p 98 n 124 e 125) os embriotildees

de uma tal filosofia apareceratildeo em breve com Soacutecrates Penso que se deve pensar mais ao sujeito como o atleta

campeatildeo das Olimpiacuteadas ou seja aquele capaz de cumprir (ou natildeo) certas proezas como fica extraordinariamente

evidenciado no paradoxo de Zenatildeo cuja metaacutefora da filosofia (e do filoacutesofo) como tartaruga mostra que o pensar

filosoacutefico eacute capaz de proezas maiores do que as proezas do proacuteprio Aquiles tidas como insuperaacuteveis pela cultura

da eacutepoca

124

Ou seja fica muito clara a equaccedilatildeo entre o segundo caminho (25) e a reflexatildeo sobre o natildeo ser (τό

μὴ ἐὸν) Finalmente o segundo hemistiacutequio de 25 diz que este eacute o caminho ao pensar que eacute

necessaacuterio que seja μὴ εἶναι o qual agora sabemos eacute o caminho que tenta pensar o natildeo ser (τό μὴ

ἐὸν) Sabemos agora o que Parmecircnides chama de μὴ εἶναι Para Parmecircnides μὴ εἶναι eacute a estrutura

do pensamento quando tenta inexoraacutevel e malogradamente pensar o natildeo ser (τό μὴ ἐὸν)

Temos agora a semacircntica de μὴ εἶναι e sabemos que significa a impossibilidade de pensar o

natildeo ser Com este dado podemos reconstruir o resto do argumento mas primeiro vamos abordar a

questatildeo do οὔτε φράσαις A premissa principal eacute o pano de fundo da pesquisa parmenidiana a qual

devemos relembrar para melhor inteligecircncia desta passagem estaacute em busca do discurso confiaacutevel

como a deusa diz claramente no encerramento do discurso (talvez ecoando simetricamente alguma

parte perdida do poema)178 Pensar o τό μὴ ἐὸν natildeo eacute possiacutevel logo ele eacute indiziacutevel Ora isto

significa nem mais nem menos que dizer o que eacute impossiacutevel eacute contra o sentido do dizer Eacute indiziacutevel

natildeo porque natildeo se sabe do que se trata como querem muitos autores que fazem a leitura meramente

epistemoloacutegica179 Eacute indiziacutevel porque dizer o lsquonatildeo serrsquo significa fazer uma promessa que jamais se

cumpriraacute ao se dizer lsquonatildeo serrsquo parece que a expressatildeo aponta algo possiacutevel ou seja a negaccedilatildeo do

ser (em sentido geral amplo e absoluto) e de fato quem estaacute desavisado assim acredita Mas a

expressatildeo lsquonatildeo serrsquo quer se referir a uma virtualidade que jamais seraacute cumprida que o ser seja

negado Esta eacute exatamente a noccedilatildeo expressa pelas palavras de Platatildeo jamais prevaleceraacute que natildeo

178850-2 ldquoἐν τῶι σοι παύω πιστὸν λόγον ἠδὲ νόημα ἀμφὶς ἀληθείης δόξας δ ἀπὸ τοῦδε βροτείας μάνθανε κόσμον

ἐμῶν ἐπέων ἀπατηλὸν ἀκούωνrdquo Neste ponto encerro fidedigna palavra e pensamento sobre a verdade e opiniotildees

mortais a partir daqui aprende a ordem enganadora de minhas palavras ouvindo (trad Cavalcante de Souza 1978) 179Trata-se da leitura epistemoloacutegico-predicamental se natildeo sei a cor de um objeto (a cor natildeo eacute natildeo estaacute acessiacutevel ao

meu conhecimento) natildeo posso falar da cor do objeto

125

entes sejam180

A expressatildeo μὴ εἶναι representa esta impossibilidade de pensamento e portanto eacute um dizer

impossiacutevel e isto se opotildee radicalmente agrave proacutepria noccedilatildeo de dizer a qual quer significar enquanto

discurso confiavel o mundo e sua ordem Surge a pergunta mas se natildeo se pode dizer μὴ εἶναι se

isto eacute impossiacutevel natildeo haacute uma flagrante contradiccedilatildeo na deusa jaacute que ela proacutepria diz e constroacutei um

argumento sobre o dizer μὴ εἶναι181 A objeccedilatildeo seria vaacutelida se a deusa dissesse o que eacute impossiacutevel

de dizer ou seja se ela praticasse a impossibilidade Mas a deusa natildeo diz o impossiacutevel a deusa diz

que existem a lsquonoccedilatildeo de impossibilidade do pensarrsquo e a lsquonoccedilatildeo de impossibilidade do dizerrsquo Em

outras palavras a deusa diz qual eacute o limite do pensar e qual eacute o limite do dizer Aleacutem deste limite o

pensamento natildeo pode ir porque eacute impossiacutevel e tambeacutem o dizer natildeo pode ir porque eacute impossiacutevel

A impossiacutevel regiatildeo para aleacutem deste limite natildeo eacute admitida pelo dizer eacute contra o dizer eacute

contraditoacuteria

A expressatildeo de μὴ εἶναι em Parmecircnides eacute exatamente a palavra que expressa o processo

mental que noacutes chamamos contradiccedilatildeo e que ele primeiro assim chamou (οὔτε φράσαις) Eacute estranho

que nenhum criacutetico tenha percebido isto claramente Todos dizem que o princiacutepio de natildeo

contradiccedilatildeo estaacute implicado em Parmecircnides assim como os outros princiacutepios loacutegicos pois os

argumentos presentes no poema satildeo desenvolvidos segundo a natildeo contradiccedilatildeo mas o princiacutepio natildeo

eacute enunciado Alguns como Cordero veem explicitado o princiacutepio do terceiro excluiacutedo (816 ἔστιν

ἢ οὐκ ἔστιν) mas ningueacutem quis ver claramente que natildeo soacute a noccedilatildeo como tambeacutem a proacutepria palavra

180As duas expressotildees tem inversatildeo de predicado e negaccedilatildeo mas a noccedilatildeo permanece a mesma que os entes natildeo sejam

(perecimento no fr 8) e que os natildeo entes sejam (nascimento no fr 8) A noccedilatildeo eacute o tracircnsito entre ser e natildeo ser 181Esta eacute uma das objeccedilotildees daqueles que acham que o argumento de Parmecircnides eacute falso ou contraditoacuterio

126

contradiccedilatildeo (οὔτε φράσαις) estaacute no poema Penso que a razatildeo fundamental para que acontecesse

este lapsus tenha que ser procurada na grande atenccedilatildeo dada ao lsquoserrsquo e na pouca dada ao lsquonatildeo serrsquo

Como veremos mais adiante por causa deste lapsus natildeo se conseguiu entender claramente a

estrutura do fragmento 2 o qual simplesmente natildeo apresenta um silogismo disjuntivo nem

nenhuma contradiccedilatildeo entre o caminho do lsquoserrsquo e o caminho do lsquonatildeo serrsquo Parmecircnides diz

justamente que a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo eacute contraditoacuteria o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode ser dito porque lsquonatildeo serrsquo

eacute contraditoacuterio e a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo indica tatildeo somente uma impossibilidade concreta aquela de

que se realize o impossiacutevel

Vamos voltar ao nosso argumento e agrave questatildeo que deixamos em suspenso por que eacute

necessaacuterio que μὴ εἶναι seja Sabemos que os versos 7 e 8 relatam um processo malogrado de

pensar o natildeo ente (τό μὴ ἐὸν) Uso agora a palavra ente porque se justifica uma diferenciaccedilatildeo

embora tanto lsquoentersquo quanto lsquoserrsquo indiquem expressotildees gerais e natildeo individuais Ente entatildeo vem a

significar o ente concreto aquele que eacute Parmecircnides diz que natildeo se pode pensar e dizer τό μὴ ἐὸν

o lsquonatildeo entersquo Este processo recebe o nome de μὴ εἶναι lsquonatildeo serrsquo a este processo noacutes chamamos

contradiccedilatildeo 182 Entatildeo a indicaccedilatildeo eacute esta haacute um caminho ao pensar que pensa μὴ εἶναι (a

contradiccedilatildeo) e eacute necessaacuterio que assim seja porque (vou repetir trecircs vezes de forma diferente183 para

dizer a mesma coisa)

1) se natildeo houvesse a contradiccedilatildeo

182Mesmo para noacutes a contradiccedilatildeo eacute um processo porque indica a posiccedilatildeo de algo em contraposiccedilatildeo com mais algo

isto significa que estes dois algo tecircm que ser relacionados para que haja contradiccedilatildeo do contraacuterio algo e mais algo

podem conviver sem contraditoriedade Mas este assunto eacute fora de tema e requereria muitas outras providecircncias

para o bom discernimento 183Repito buscando clareza pois nossas construccedilotildees comuns de linguagem nesses assuntos costumam patinar

127

2) se natildeo se tem a noccedilatildeo de contradiccedilatildeo

3) se natildeo se sabe o que eacute contradiccedilatildeo

se cai no discurso contraditoacuterio o que impede o inqueacuterito confiaacutevel Eacute necessaacuterio saber que μὴ

εἶναι (o processo de contradiccedilatildeo) eacute um caminho a ser evitado porque cria pensamentos e discursos

contraditoacuterios

Vejamos de novo nosso fragmento com os elementos esclarecidos ateacute aqui os uacutenicos

caminhos de inqueacuterito a pensar satildeo por um lado que [ (23-4)] e por outro lado que οὐκ ἔστιν e

que eacute necessaacuterio que seja a contradiccedilatildeo (μὴ εἶναι) a qual eacute um caminho natildeo criacutevel pois eacute

impossiacutevel pensar e dizer o natildeo-ente (τό μὴ ἐὸν) Penso que o espaccedilo conceitual deixado por οὐκ

ἔστιν agora se preencha quase que por si haacute um caminho de inqueacuterito ao pensar que lsquonatildeo eacutersquo e que

eacute necessaacuterio que se considere contraditoacuterio porque eacute caminho que natildeo leva a lugar nenhum

οὐκ ἔστιν eacute a negaccedilatildeo da terceira pessoa do indicativo de εἰμί a expressatildeo em si natildeo tem

nada de especial significa tatildeo somente lsquonatildeo eacutersquo restando em aberto o problema da ausecircncia de

sujeito Mas agora sabemos o argumento complexo que estaacute na raiz da expressatildeo e a meu ver natildeo

faz muito sentido a questatildeo de se buscar um sujeito ou um objeto para definir se eacute usado de forma

transitiva ou intransitiva se expressa existecircncia ou predicaccedilatildeo e as muitas combinaccedilotildees que podem

ser montadas a partir da equivocidade do uso de εἰμί No entanto o acircmbito semacircntico foi

evidenciado e estaacute claro e aleacutem do mais tem o testemunho de Platatildeo a confirmar o campo

semacircntico da negaccedilatildeo de εἰμί nas vaacuterias formas estaacute relacionado a uma reflexatildeo sobre a

impossibilidade desta negaccedilatildeo Obviamente para dizer que algo eacute impossiacutevel de alguma forma

tenho que indicar esta impossibilidade com a expressatildeo Assim se digo lsquotriacircngulo quadradorsquo aponto

para uma impossibilidade jaacute que por definiccedilatildeo a essecircncia do triacircngulo exclui a essecircncia do

quadrado logo a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo significa aquilo que parece prometer ou seja

128

uma figura geomeacutetrica especial que eacute ao mesmo tempo triacircngulo e quadrado dizer triacircngulo

quadrado eacute dizer algo lsquoindiziacutevelrsquo lsquonatildeo diziacutevelrsquo (na medida em que o diziacutevel quer expressar sentido)

lsquoque nega o diziacutevelrsquo lsquoque eacute contra o diziacutevelrsquo que eacute contraditoacuterio

A semacircntica do lsquonatildeo serrsquo eacute fortiacutessima e estaacute muito aleacutem das sutilezas gramaticais

morfoloacutegicas e sintaacuteticas e estas simplesmente natildeo afetam aquela O assunto tratado eacute tatildeo forte

que ultrapassa qualquer forma linguiacutestica ao ponto de que este assunto a ordem do ser e do natildeo

ser no mundo eacute responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da lei da linguagem e natildeo vice-versa como bem

entendeu Platatildeo no Sofista onde a teoria da predicaccedilatildeo surge a partir de uma reflexatildeo sobre a ordem

das leis baacutesicas do mundo Entatildeo o approach linguiacutestico ao poema pode proceder ateacute certo ponto

dali em diante o poema eacute francamente filosoacutefico e a chave linguiacutestica natildeo eacute suficiente para o acesso

Isto quer dizer que com a chave linguiacutestica natildeo se abre a porta da questatildeo filosoacutefica do poema Se

a questatildeo eacute que lsquojamais o natildeo ser pode se tornar serrsquo como (aproximadamente com estas palavras)

nos diz Platatildeo citando Parmecircnides entatildeo diante da semacircntica que οὐκ ἔστιν apresenta discutir o

sujeito de οὐκ ἔστιν se torna tarefa menor Considerada a desproporccedilatildeo entre o conteuacutedo (a

semacircntica) e o recipiente (a palavra) entre o significado e o significante natildeo eacute impossiacutevel que οὐκ

ἔστιν seja tatildeo somente uma expressatildeo simplificada quem sabe ateacute mesmo uma simplificaccedilatildeo

didaacutetica pois o conteuacutedo do conceito estaacute expresso e justificado depois nos versos 7 e 8

O caminho de pensar que natildeo eacute e de pensar que eacute necessaacuterio natildeo ser eacute o caminho que afirma

a necessidade de que a noccedilatildeo de natildeo ser permaneccedila estaacutevel A contradiccedilatildeo tem que permanecer e

ser identificada como tal pois eacute a uacutenica maneira de evitar que ela entre no pensamento e no

discurso Se o lsquonatildeo serrsquo natildeo for considerado contraditoacuterio entatildeo a contradiccedilatildeo invade e domina o

caminho de inqueacuterito o qual deixa de possuir πίστις ἀληθής (130) Assim eacute necessaacuterio que este

caminho seja identificado como μὴ εἶναι por um lado o lsquonatildeo serrsquo eacute incognosciacutevel (οὔτε γὰρ ἂν

129

γνοίης) mas por outro lado eacute necessaacuterio que se saiba que ele eacute incognosciacutevel Saber do

incognosciacutevel garante o conhecimento184 pois de fato ao natildeo se identificar o lsquonatildeo serrsquo se cai no

risco de pensar que lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo satildeo o mesmo e natildeo o mesmo como Parmecircnides diz em 65-6

Necessariamente o caminho que pensa οὐκ ἔστιν leva ao processo de contradiccedilatildeo (μὴ εἶναι) e o

fato de que o caminho natildeo tenha conclusatildeo (ἀνυστόν) natildeo eacute evidente na expressatildeo pelo contraacuterio

τό μὴ ἐὸν parece uma negaccedilatildeo comum como qualquer outra mas natildeo o eacute por isto eacute um saber

destinado ao saacutebio e natildeo aos mortais pois eacute um saber fruto de uma reflexatildeo

428 De volta aos versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

429 Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

Penso que podemos agora voltar ao verso 23 ao nosso segundo hemistiacutequio onde aparece a

expressatildeo μὴ εἶναι da qual jaacute temos a semacircntica Podemos entatildeo reconstruir ldquoos uacutenicos caminhos

de inqueacuterito a pensar satildeo

1) por um lado a pensar que [] e a pensar que οὐκ ἔστι μὴ εἶναι este eacute caminho de

persuasatildeo que verdade acompanha e

2) por outro lado a pensar que lsquonatildeo eacutersquo e a pensar que eacute necessariamente um percurso

de pensamento contraditoacuterio porque eacute um caminho lsquoimpossiacutevelrsquo (παναπευθέα) pois o

pensamento do lsquonatildeo entersquo natildeo pode ser completado

184Estaacute aqui uma semente do socratismo

130

O οὐκ ἔστι do verso 23 parece ser diferente do οὐκ ἔστιν do verso 25 Enquanto em 25 ele eacute quase

que o nome do caminho (talvez uma simplificaccedilatildeo didaacutetica) aqui em 23 parece significar

simplesmente lsquonatildeo eacutersquo em sentido comum predicativo De fato este eacute o caminho da persuasatildeo e

portanto eacute o caminho do pensamento natildeo-contraditoacuterio Aliacute a persuasatildeo era impossiacutevel pela

contradiccedilatildeo aqui eacute possiacutevel pela natildeo-contradiccedilatildeo Sabemos que a expressatildeo μὴ εἶναι eacute a expressatildeo

da contradiccedilatildeo suprema entatildeo a natildeo-contradiccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo de μὴ εἶναι A traduccedilatildeo de οὐκ ἔστι

fica faacutecil embora para a nossa sensibilidade possa parecer algo improacuteprio usar duas vezes οὐκ ἔστι

de forma natildeo perfeitamente uniacutevoca a dois versos de distatildencia Mas devemos lembrar tambeacutem que

noacutes hoje estamos acostumados a niacuteveis de precisatildeo de linguagem tatildeo altos que falamos de

linguagens de segunda terceira e quarta ondem e mais ainda devemos lembrar que Parmecircnides eacute

o primeiro a estabelecer exatamente com os versos de que estamos tratando a necessidade de um

criteacuterio na linguagem correta Entatildeo para o segundo hemistiacutequio de 23 poderiacuteamos manter esta

traduccedilatildeo lsquonatildeo eacutersquo em parte ambiacutegua para nossas exigecircncias mas que soa perfeitamente harmocircnica

com o discurso parmenidiano [] ao pensar que natildeo eacute lsquocontradiccedilatildeorsquo (μὴ εἶναι)

Mas podemos aprimorar ainda mais a traduccedilatildeo tanto pelo lado gramatical quanto pelo lado

semacircntico e pelo lado estiliacutestico E eacute aliaacutes este uacuteltimo aspecto o estiliacutestico que pode nos chamar

atenccedilatildeo sobre uma possiacutevel simetria entre os versos 3 e 5 Os primeiros hemistiacutequios dos dois

versos (3a e 5a) seguem uma mesma construccedilatildeo gramatical e sintaacutetica nos segundos hemistiacutequios

(3b e 5b) haacute uma diferenccedila enquanto em 3b temos o verbo predicativo simples (οὐκ ἔστι) em 5b

temos um verbo impessoal (χρεών ἐστι) No entanto como se sabe a forma verbal ἐστι quando

131

estaacute junto de um infinitivo pode assumir papel de verbo quase-impessoal e significar eacute possiacutevel185

entatildeo a razatildeo estiliacutestica fica satisfeita se seguindo o modelo estiliacutestico de 5b traduzimos o οὐκ

ἔστι de 3b com natildeo eacute possiacutevel pois o infinitivo μὴ εἶναι passa a ser o sujeito gramatical ndash mas natildeo

o sujeito loacutegico ndash assim como natildeo o era em 5b Mantendo firme que os versos 3 e 5 constituem

uma anomalia gramatical e que a comunidade dos estudiosos estaacute mais do que em desacordo sobre

a correta sintaxe e relativa traduccedilatildeo desses versos pode-se aceitar a explicaccedilatildeo gramatical da

estrutura modal e aqui seguimos a proposta de Cordero embora esta explicaccedilatildeo seja obrigada a

colocar a funccedilatildeo de sujeito atribuiacuteda a μὴ εἶναι entre aspas ldquosujeitordquo pois de fato o sujeito loacutegico

do verso 3 natildeo estaacute expresso por claro desejo de Parmecircnides Este sujeito inexpresso eacute o mesmo

para 3a e 3b e mais adiante teceremos alguma consideraccedilotildees ulteriores a respeito O fato eacute que

com a simetria estiliacutestica oferecida naturalmente pelos versos e apesar do fundamento gramatical

anocircmalo que gera ambiguidade se consegue iluminar melhor a semacircntica ndash a respeito da qual as

divergecircncias interpretativas satildeo muito menores ndash e atender melhor ao nosso objetivo que eacute

salvaguardar a mensagem filosoacutefica E a mensagem filosoacutefica com a traduccedilatildeo modal de 3b fica

mais clara A tentativa de pensar o natildeo ser redunda numa impossibilidade a qual tem dois lados

por um lado o natildeo ser eacute um caminho impossiacutevel e por outro lado eacute impossiacutevel anular

completamente o que eacute este segundo lado fica expresso claramente pelo valor modal de 3b eacute

impossiacutevel natildeo ser ou na morfologia em portuguecircs eacute impossiacutevel que natildeo seja Embora o sujeito

de esti de 3a natildeo seja expresso ele eacute comprensiacutevel e recebe um nome diferente a cada opccedilatildeo de

traduccedilatildeo de cada autor mas todos concordam que se trata de uma positividade no sentido mais

185Smyth 1956 p 441 1984-1985

132

geral possiacutevel186 Esta positividade eacute tambeacutem o sujeito natildeo expresso de 3b e ela (a positividade) eacute

impossiacutevel que natildeo seja

Acredito por fim que podemos abordar o tatildeo famoso ἔστιν do verso 23 que tanto fez e faz penar

os estudiosos de Parmecircnides Aqui de novo a grandeza da questatildeo cosmoloacutegica envolvida ndash a

coerecircncia eou a contraditoriedade do real ndash simplesmente torna tatildeo minuacutescula a questatildeo do sujeito

gramatical que ela quase desaparece No entanto mesmo minuacutescula a questatildeo existe O problema

a meu ver se agiganta quando se procura encaixar a todo custo uma anomalia gramatical (natildeo

linguiacutestica) dentro de uma norma gramatical Ao menos no caso do ἔστιν de Parmecircnides a

discussatildeo acirrada lembra mais o problema do cobertor curto que cobrindo uma parte descobre a

outra e por mais que se aleguem argumentos linguiacutesticos desta ou daquela natureza natildeo se

consegue natildeo recair na questatildeo filosoacutefica Entatildeo digamos claramente ἔστιν eacute uma expressatildeo

filosoacutefica Proporei entatildeo uma gecircnese filosoacutefica e portanto a permanecircncia dessa marca de

nascenccedila na expressatildeo do ἔστιν nu O nosso ponto de partida eacute de novo a meditaccedilatildeo do natildeo ser

Como jaacute dissemos Parmecircnides com certeza realizou uma reflexatildeo sobre o natildeo ser e mais

especificamente sobre o natildeo ser absoluto total Esta meditaccedilatildeo eacute uma meditaccedilatildeo sombria porque

leva a alma do meditante agrave negaccedilatildeo extrema fato esse que repugna ao impulso vital e que natildeo eacute

simples de se levar adiante ainda mais se agrave reflexatildeo intelectual se associa a meditaccedilatildeo afetiva

Parmecircnides deve ter feito essa meditaccedilatildeo plenamente ou seja incluindo o lado afetivo

186Meijer lista doze casos ldquoIt might be useful to give a collection of proposed subjects of estin first based on what I

have found so far no subject impersonal usage it ti a thing truth way what can be talked and thought about

reality is Being to berdquo (Meijer 1997 p 114)

133

extremamente importante no pitagorismo187 escola na qual recebeu sua formaccedilatildeo Deve ter tentado

encaminhar seu pensamento pela negaccedilatildeo de tudo pois somente assim ele poderia dizer que o

caminho do natildeo eacute natildeo pode ser completado Depois de mergulhar nesse esforccedilo mental

procurando aniquilar todas as coisas quando se deu conta que tal era impossiacutevel e quando retornou

ao fluxo normal do pensamento devia estar com a sensaccedilatildeo de ter deixado para traacutes uma imensa

escuridatildeo da qual ele saiu com um grito188 eacute Natildeo eacute difiacutecil imaginar que Parmecircnides deve ter feito

essa meditaccedilatildeo dentro do cenaacuterio religioso de sua eacutepoca e que retirando a paacutetina mitoloacutegica das

visotildees alucinatoacuterias podemos dizer que devia estar simplesmente num estado semi-oniacuterico ou

inteiramente oniacuterico refletindo ou meditando ou sonhando com a aniquilaccedilatildeo de tudo Nesses

estados mentais como se sabe os laccedilos da sintaxe e da loacutegica se afrouxam e Parmecircnides deve ter

vivenciado aquilo que hoje noacutes chamamos de ser em toda sua oposiccedilatildeo agrave negaccedilatildeo de tudo Ora a

vivecircncia do ser natildeo eacute o ser pois a noccedilatildeo de o ser eacute uma generalizaccedilatildeo intelectual e sofisticada

de muitas vivecircncia e percepccedilotildees e reflexotildees A vivecircncia imediata daquilo que noacutes chamamos o ser

eacute pura e simplesmente o eacute o ser quando vivenciado eacute eacute Parmecircnides apenas trouxe para a

linguagem sintaticamente organizada a expressatildeo direta da vivecircncia imediata daquilo que eacute Um

exemplo pode ajudar a entender esta parte A expressatildeo sintaticamente organizada de um mal estar

pode ser expressa assim ldquoestou sentindo uma dor na panturrilhardquo Mas a expressatildeo vivencial preacute-

187 O aspecto afetivo do pitagorismo eacute evidente em muitas de suas manifestaccedilotildees Na enumeraccedilatildeo de algumas destas

manifestaccedilotildees em primeiro lugar podemos colocar a miacutestica a qual por si eacute um fenocircmeno estritamente afetivo

depois podemos colocar a muacutesica com seu forte apelo para o lado emocional humano depois ainda os laccedilos de

amizade exemplificados pela histoacuteria dos pitagoacutericos Fintias e Damon se encontra em JAcircMBLICO (Giangiulio

1991 234-236) por fim a proacutepria lenda que atribui a Pitaacutegoras a criaccedilatildeo do nome filosofia daacute a entender seu

amor ao saber uma dedicaccedilatildeo independente do imediatismo utilitaacuterio 188 Cordero diz que eacute um grito de alegria Como suele ocurrir con un descubrimiento es maacutes un grito de alegria que

una estructura conceptual (Cordero 2003 p 284)

134

sintaacutetica e imediata eacute tatildeo somente um ai

Foi muito difiacutecil ateacute agora pelos vaacuterios estudiosos espremer o ἔστιν numa categoria

gramatical que satisfizesse toda a pregnacircncia filosoacutefica que carrega mas ndash e esta eacute a parte mais

interessante ndash natildeo haacute ningueacutem que natildeo entenda claramente do que se trata pois a mensagem eacute

clariacutessima a quem quer que se disponha a entender189 eu penso ademais que nenhuma das

traduccedilotildees propostas pelo grandes estudiosos embora divergentes expressa um desentendimento

apenas tecircm expressotildees parciais proporcionais ao aspecto gramatical no qual se quer constranger a

palavra parmenidiana Mas no que diz respeito ao conteuacutedo filosoacutefico todos concordam eacute uma

generalizaccedilatildeo (ou linguiacutestica ou loacutegica ou ontoloacutegica) da noccedilatildeo de ser De minha parte penso que

o ἔστιν representa a maior generalizaccedilatildeo linguiacutestica possiacutevel perece-me que natildeo haacute nenhuma

expressatildeo mais geral e penso que eacute exatamente esta a intenccedilatildeo de Parmecircnides ao trazer para o

plano sintaacutetico uma expressatildeo preacute-sintaacutetica e preacute-loacutegica ou seja expressar a maior generalizaccedilatildeo

linguisticamente possiacutevel Se assim eacute o ἔστιν eacute anterior agrave noccedilatildeo de sujeito e portanto de predicado

seja ele nominal ou verbal Todas estas articulaccedilotildees sujeito predicado objeto e qualquer outra

189Estou de acordo com Santoro quando diz ldquoCome quando la sua Dea dice della via di ricerca che egrave (hopocircs eacutestin)

senza nessun predicato Non starebbe puntando il reale di fronte a seacute proiettando il verbo fuori di se stessa verso

ciograve che sta davanti sia spazialmente verso il mondo obiettivo sia temporalmente verso la presenza e il suo

avvenirerdquo (Santoro 2011a p 101) A imagem que Santoro suscita a partir do apontar do ldquodito durordquo (p 98) do

acusador ao acusado pode ser ampliada a uma matildeo aberta apontando o mundo com o movimento horizontal e

circular do braccedilo eacute Uma siacutentese premonitoacuteria dos dois gestos representados por Raffaello na ldquoEscola de Atenasrdquo

o dedo de Platatildeo apontando para cima e a matildeo aberta de Aristoacuteteles apontando para baixo Concordo com Santoro

quando sugere que a projeccedilatildeo do ldquoverbo para fora de sirdquo implica um apontar e acrescento que o que parece ser

impliacutecito em 23 se torna expliacutecito em 28 onde o φράζω significa exatamente indicar mostrando (inclusive com o

dedo) e οὔτε φράσαις significa que o natildeo ser natildeo pode ser indicado ( Penso tambeacutem que o ἔστιν tem a marca da

espontaneidade e que longe de ser um termo teacutecnico vem da linguagem mais comum ndash aproveitando (e aqui

tambeacutem estou com Santoro) o acento juriacutedico que devia ter a sua linguagem diaacuteria enquanto legislador ndash e

portanto acompanhado do gesto talvez universal de identificaccedilatildeo de um ldquoculpadordquo o dedo apontado Vejam-se

tambeacutem os comentaacuterios de Rossetti a respeito da leitura de Santoro em Rossetti 2011 Um ulterior aprofundamento

da influecircncia da linguagem juriacutedica nos sematas de DK B 8 encontra-se em Santoro 2011b

135

pertencem agrave esfera do ἔστιν Natildeo haacute nada dentro do qual o ἔστιν possa ser colocado e tudo eacute

colocado no ἔστιν inclusive o acircmbito temporal pois passado presente e futuro satildeo articulaccedilatildeo de

um ἔστιν anterior a toda noccedilatildeo de tempo Assim o ἔστιν eacute aquilo que inevitavelmente se

reapresenta a cada tentativa de negaccedilatildeo absoluta A pergunta ldquoqual eacute o sujeito do ἔστινrdquo eacute

linguisticamente e filosoficamente legiacutetima A resposta poreacutem escapa do acircmbito linguiacutestico190 e

permanece naquele filosoacutefico o ἔστιν eacute anterior agrave articulaccedilatildeo sintaacutetica logo ele eacute sujeito predicado

e objeto de si mesmo Eacute esta noccedilatildeo todo-permeadora que eacute incapaz de sofrer a negaccedilatildeo A via de

investigaccedilatildeo ao operar cognitivamente que eacute corresponde agrave via de investigaccedilatildeo ao operar

cognitivamente que natildeo pode ser natildeo ser O uacutenico dado que pode ser acrescentado ao eacute representa

uma confirmaccedilatildeo de que eacute pois soacute se pode acrescentar que eacute impossiacutevel ndash uma impossibilidade

verificada na reflexatildeo ndash que natildeo seja Mas afinal tomo partido191 e entro tambeacutem no quarto grupo

daqueles listados por Cordero o sujeito deve ser extraiacutedo do predicado isolado pois ἔστιν produz

o sujeito192

Recapitulando o sentido filosoacutefico eacute preciso haacute um caminho de inquerito ao pensar que eacute

190Penso por exemplo que as posiccedilotildees que querem ver no ἔστιν apenas uma forma sinteacutetica ainda natildeo articulada

segundo nossas atuais distinccedilotildees (ou ateacute mesmo segundo as distinccedilotildees da eacutepoca de Parmecircnides) embora sejam

linguisticamente mais satisfatoacuterias satildeo ainda parciais e natildeo tocam a questatildeo essencial que eacute o ἔστιν como princiacutepio

do mundo e natildeo como um ente (neste caso um ente linguiacutestico) entre outros a ser classificado numa funccedilatildeo sintaacutetica

especiacutefica 191Ver p 19 192Esta questatildeo natildeo aprofundada aqui natildeo possui relevacircncia filosoacutefica no argumento apresentado pode ter relevacircncia

se se considera o tipo de reflexatildeo ou seja se se discute a ldquoexperiecircnciardquo do natildeo-ser e principalmente a experiecircncia

concreta de Parmecircnides que talvez esteja ligada a praacuteticas de incubaccedilatildeo Neste caso a dimensatildeo reflexiva adentra

a dimensatildeo oniacuterica a qual possui outra sintaxe e onde um simples ἔστιν vale mais de mil articulaccedilotildees sintaacuteticas

Natildeo sabemos com certeza destas praacuteticas em Eleacuteia mas este sentido preacute-sintaacutetico natildeo estaacute descartado inclusive

alguns estudiosos entre os quais o proacuteprio Cordero atribuem ao ἔστιν o sentido de um grito como um Eureka

Sugestotildees nesse sentido se encontram na minha dissertaccedilatildeo sobre Melisso

136

aquele que pensa o lsquoeacutersquo este mesmo caminho eacute aquele ao pensar que natildeo eacute (e natildeo pode ser193)

lsquocontradiccedilatildeorsquo Depois haacute um outro caminho aquele ao pensar que lsquonatildeo eacutersquo que eacute o mesmo caminho

ao pensar que leva necessariamente agrave contradiccedilatildeo O primeiro eacute o caminho que estabelece o

discurso coerente (persuasivo) e o segundo natildeo leva a lugar nenhum e deve ser evitado Mas para

que se saiba o que deve ser evitado eacute necessaacuterio que se conheccedila a impossibilidade do segundo

caminho Para que se possa seguir o primeiro caminho eacute necessaacuterio saber que existe um outro

sempre agrave espreita que parece oferecer a verdade mas que natildeo oferece uma verdade confiaacutevel que

leva necessariamente agrave contradiccedilatildeo de pensamento e de expressatildeo linguiacutestica

4210 Conclusatildeo

Parmecircnides provavelmente a partir de sugestotildees pitagoacutericas medita sobre a oposiccedilatildeo ao que existe

e assim descobre o lsquonatildeo serrsquo Descobre que lsquonatildeo serrsquo ou seja negar o ser negar o que haacute eacute de todo

impossiacutevel (natildeo eacute possiacutevel completamente) Entende entatildeo que o lsquonatildeo serrsquo esta impossibilidade eacute

algo que a mente pensa julgando que este pensamento leva por um caminho mas que na verdade

ele descobre leva por outro caminho aquele que nunca chega a lugar nenhum Este caminho que

leva para lugar nenhum eacute o caminho dos mortais os quais confundem ser e natildeo ser Mas o saacutebio

deve saber distinguir por um lado o caminho do lsquoeacutersquo que eacute o caminho do discurso natildeo contraditoacuterio

e por outro lado o caminho do lsquonatildeo eacutersquo que eacute o caminho do discurso que eacute vanificado pela

193A interpretaccedilatildeo modal eacute tambeacutem perfeitamente coerente aqui

137

contradiccedilatildeo

Parmecircnides descobre a contradiccedilatildeo (pela meditaccedilatildeo sobre o natildeo ser) e percebe que ela eacute

motivo de descaminho no discurso sobre o mundo Assim finalmente ele anuncia que a contradiccedilatildeo

deve ser evitada A este enunciado noacutes chamamos de princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo A nossa versatildeo

mais comum do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo ainda hoje natildeo se afasta muito daquela de Aristoacuteteles

mas a versatildeo culta aquela em linha com as pesquisas mais avanccediladas se encontra em pleno

terremoto conceitual pelo qual eacute difiacutecil usar qualquer das palavras tradicionalmente usadas para

estabelecer acircmbitos e sentidos Em outras eacutepocas se podia dizer que a descoberta de Parmecircnides

natildeo eacute do acircmbito da loacutegica mas da ontologia Hoje estes termos satildeo tatildeo fortemente equiacutevocos que

natildeo se tem a possibilidade de uma expressatildeo direta e inteiramente compartilhada na comunidade

cientiacutefico-acadecircmica atual De forma que quero me limitar por enquanto agrave descriccedilatildeo da minha

leitura do fragmento 2 tentando evitar noccedilotildees equiacutevocas O fato eacute que Parmecircnides trabalha em

acircmbito cosmoloacutegico e sua preocupaccedilatildeo ndash como as de seus colegas na eacutepoca ndash eacute com o mundo com

a totalidades das coisas com os πάντα de seu proecircmio (128) Aqui neste acircmbito cosmoloacutegico

descobre que haacute um princiacutepio do mundo pelo qual se daacute uma impossibilidade a contradiccedilatildeo A

contradiccedilatildeo eacute um princiacutepio porque o que haacute (πάντα) enquanto todo escapa agrave negaccedilatildeo total Eis

que a contradiccedilatildeo eacute princiacutepio tanto quanto a natildeo-contradiccedilatildeo porque eacute a contradiccedilatildeo que permite

a natildeo-contradiccedilatildeo Sem a noccedilatildeo de contradiccedilatildeo se anda com sentidos incertos como os mortais

O valor desta afirmaccedilatildeo eacute historicamente inabalaacutevel porque Parmecircnides partindo de um

discurso sobre o mundo como que visto de fora por um observador (como Anaximandro via o

mundo olhando seu pinax) alcanccedila um discurso que inclui o observador enquanto observador

estreando assim antes de tudo um discurso sobre os entes (a ontologia) todos os entes incluindo

138

os entes de pensamento (veja-se o famoso fragmento 3 que diz que pensar e ser satildeo o mesmo)

Agora para ele o saacutebio natildeo eacute mais aquele que sabe soacute sobre as coisas externas ndash como o antigo

xamatilde cuja figura individual se dissolve na mera intermediaccedilatildeo com o divino ndash mas eacute tambeacutem

aquele que consegue pensar sobre as coisas externas ou seja aquele que tem um domiacutenio cognitivo

sobre os pensamentos de inqueacuterito e portanto sabe sobre si mesmo

Parmecircnides amplia o mundo acrescentando-lhe o mundo do pensamento e o mundo da

linguagem Eis porque as αρχάι de Parmecircnides sendo duas permanecem duas justamente

eliminado uma delas deixando alguns criacuteticos enloquecidos na discussatildeo sobre o monismo ou o

dualismo para Parmecircnides o mundo eacute um mas os sentidos nos enganam natildeo na pluralidade das

coisas mas no argumento a respeito da pluralidade das coisas e principalmente ndash aspecto que ele

discute explicitamente ndash a respeito do devir das coisas Haacute um princiacutepio que natildeo pode ser

eliminado a contradiccedilatildeo o qual eacute um princiacutepio de erro humano quando se elimina quando se

desconsidera quando se faz de conta que natildeo existe a contradiccedilatildeo se instaura quando o princiacutepio

eacute levado em conta a contradiccedilatildeo pode ser evitada

Eacute um conceito esdruacutexulo para noacutes tambeacutem pois temos que ter (a noccedilatildeo de) a contradiccedilatildeo

para eliminar a contradiccedilatildeo temos que saber o que eacute contradiccedilatildeo para que possamos perceber

quando o discurso eacute contraditoacuterio Estes conceitos satildeo misteriosos ateacute agora e satildeo estranhas

criaturas de nossas mentes Outro exemplo a noccedilatildeo de impossiacutevel obviamente (ou seja para a

nossa pragmaacutetica) natildeo se refere a nada de concreto no entanto temos essa noccedilatildeo e a usamos com

o maacuteximo proveito outro exemplo a noccedilatildeo de infinito noccedilatildeo que natildeo se refere a algo concreto

mas que tambeacutem usamos com maacuteximo proveito O mesmo deve ser dito da noccedilatildeo de contradiccedilatildeo

ou da noccedilatildeo de nada absoluto que usamos pragmaticamente com maior ou menor proveito Mas

um discurso rigoroso sobre estas noccedilotildees eacute algo realmente difiacutecil e digo difiacutecil porque se eu dissesse

139

impossiacutevel cairia em peticcedilatildeo de princiacutepio

Parmecircnides encontra este caminho e o expotildee Eacute um caminho assombroso anti-intuivo mas

incontestaacutevel De forma que natildeo eacute de se estranhar se a soluccedilatildeo platocircnica eacute a eliminaccedilatildeo fiacutesica da

noccedilatildeo de nada absoluto (o parriciacutedio) com sucessivo lsquoadeusrsquo194 achando de tecirc-lo ultrapassado Mas

o nada absoluto enquanto noccedilatildeo contraditoacuteria permanece Assim como permanece a explicaccedilatildeo

defeituosa do devir que assim como o conhecemos uma passagem do nada ao ser no nascimento

e do ser ao nada no perecimento estaacute mal explicado Daqui por diante os comentaacuterios filosoacuteficos

possiacuteveis satildeo inuacutemeros portanto paro esta parte da pesquisa neste ponto e proponho a versatildeo do

fragmento 2 segundo esta conceituaccedilatildeo alterando de pouco a excelente versatildeo baacutesica de

cavalcante de Souza

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute possiacutevel que seja (o caminho da) contradiccedilatildeo

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute necessariamente (o caminho da) contradiccedilatildeo

este entatildeo eu te digo eacute atalho de todo incriacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequumliacutevel)

nem o dirias

194Platatildeo Soph 258e7-259a1 ἡμεῖς γὰρ περὶ μὲν ἐναντίου τινὸς αὐτῷ χαίρειν πάλαι λέγομεν εἴτ ἔστιν εἴτε μή

λόγον ἔχον ἢ καὶ παντάπασιν ἄλογον

140

Estas uacuteltimas palavras ndash pois nem conhecerias o que natildeo eacute e nem o dirias ndash satildeo o enunciado

parmenidiano do princiacutepio cosmoloacutegico de natildeo contradiccedilatildeo Ele eacute diferente em relaccedilatildeo ao princiacutepio

aristoteacutelico porque Parmecircnides tem diante de si um mundo diferente daquele que Aristoacuteteles tem

diante de si Parmecircnides recorre a este princiacutepio em todo o seu argumento do fr 8 e o reapresenta

e volta a enunciaacute-lo

43 A discussatildeo do meacutetodo

A descoberta fundamental de Parmecircnides eacute de que eacute impossiacutevel negar completamente (οὐ

γὰρ ἀνυστόν) o que eacute de forma que a tentativa de levar a cabo este processo acaba falhando

inexoravelmente A esta falha ele daacute o nome de μὴ εἶναι afinal a via do natildeo eacute eacute uma via falha eacute

e eacute necessaacuterio que seja falha μὴ εἶναι enquanto que a via do eacute natildeo pode ser falha natildeo pode ser

μὴ εἶναι Estabelecidos estes criteacuterios se pode proceder com seguranccedila (com persuasatildeo) no

caminho de pesquisa Como veremos mais adiante Parmecircnides proporaacute sua proacutepria pesquisa

seguindo o meacutetodo que ele excogitou mas antes disso (pela ordenaccedilatildeo Diels-Kranz) ele parece

prestar conta agrave sua cultura contemporacircnea e discute o meacutetodo em relaccedilatildeo aos outros procedimentos

praticados ateacute entatildeo

Como tivemos oportunidade de salientar Parmecircnides parece natildeo estar preocupado em fazer

criacuteticas a um colega ou a alguma escola especiacutefica Sua preocupaccedilatildeo parece ser mais ampla e a

criacutetica quer se referir ao homem em geral eacute uma criacutetica cultural ao modo de ver o mundo agravequilo

que hoje costumamos chamar weltanschaung Vamos entatildeo retomar esta discussatildeo apresentada nos

fragmentos 6 e 7 e abordar as passagens que ainda natildeo foram tratadas

141

431 Fragmento 6

Vamos comeccedilar pelos versos 1 e 2 do fragmento 6

χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι ἔστι γὰρ εἶναι

μηδὲν δ οὐκ ἔστιν τά σ ἐγὼ φράζεσθαι ἄνωγα

Tendo em mente a reflexatildeo do natildeo ser e as noccedilotildees que dela resultam natildeo eacute tatildeo difiacutecil entender

estas palavras quanto as discussotildees entre os estudiosos nos fazem imaginar Eacute verdade que satildeo

palavras muito controversas inclusive nas liccedilotildees e nas variantes mas eacute verdade tambeacutem que se

recorre a alternativas menos provaacuteveis quando o sentido natildeo aparece claramente ou quando aquele

que aparece natildeo eacute satisfatoacuterio No entanto noacutes identificamos o vocabulaacuterio que expressa as noccedilotildees

resultantes da meditaccedilatildeo Lembrando que o natildeo ser absoluto era impossiacutevel de ser alcanccedilado pelo

pensar cognitivo e que portanto a expressatildeo natildeo ser (τό μὴ ἐὸν) por natildeo ter sentido algum natildeo

deve ser usada (οὔτε φράσαις) fica claro que χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι eacute necessaacuterio

dizer e pensar (cognitivamente) que o ente eacute No fragmento 2 o natildeo ente (τό μὴ ἐὸν) natildeo pode

nem ser conhecido e nem dito logo aqui no fragmento 6 Parmecircnides diz que dizer e pensar que

o ente eacute se torna necessaacuterio isto eacute natildeo pode ser de outra forma pois se natildeo fosse necessaacuterio entatildeo

poderia-se dizer que o ente natildeo eacute ou que o natildeo ente eacute Mas como ele dissera dizer que o ente

natildeo eacute significa percorrer o caminho do natildeo eacute o qual eacute de todo impercorriacutevel

Podemos ver que o meacutetodo exposto no fragmento 2 comeccedila a ser discutido concretamente e

natildeo se trata mais do ἔστιν mas do ἐὸν De fato a palavra ἐὸν aparece primeiramente no poema

como negativa τό μὴ ἐὸν fato pouco notado pelos estudiosos jaacute no fragmento 2 (ver a discussatildeo

a respeito do τό μὴ ἐὸν no capiacutetulo 5) Como jaacute tivemos oportunidade de observar Parmecircnides

primeiro enuncia sua tese e depois apresenta os argumentos a favor Neste caso as noccedilotildees de (23)

ἔστιν e (25) οὐκ ἔστιν satildeo o resultado de um processo reflexivo argumentativo que comeccedila com o

142

τό μὴ ἐὸν que nada mais eacute do que a tentativa malograda (segundo o que Parmecircnides afirma) de

negar o ἐὸν Entatildeo a estrutura argumentativa de Parmecircnides revela que sua preocupaccedilatildeo inicial era

o ἐὸν que ele tentou negar sem sucesso alcanccedilando noccedilotildees novas e radicais sobre o mundo

Assim finalmente apoacutes a apresentaccedilatildeo do meacutetodo obtido pelas suas reflexotildees volta ao seu

tema predileto o ἐὸν Agora ele pode seguir com seguranccedila epistecircmica e em 61 afirma eacute

necessaacuterio dizer e pensar cognitivamente que o ente eacute (ἐὸν ἔμμεναι) Aqui mais uma vez nos

encontramos na ordem argumentativa parmenidiana onde primeiro enuncia e depois argumenta

portanto ele diz em 61b e 62a com efeito (γὰρ) ndash enquanto a tentativa de operar cognitivamente

com o natildeo ser (operar cognitivamente com o natildeo ser = μὴ εἶναι) eacute impossiacutevel (23b οὐκ ἔστι) ndash o

que necessariamente acontece (61 ἔστι) eacute o operar cognitivamente com o ser (61 εἶναι) onde

operar cognitivamente com o ser corresponde ao εἶναι A confirmar esta correspondecircncia com o

fragmento 2 Parmecircnides continua e o nada (a realizaccedilatildeo de μὴ εἶναι) natildeo eacute (οὐκ ἔστιν)

Lembrando que o presente trabalho visa entender a noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides estamos

interessados antes de tudo na semacircntica apresentada Este eacute o motivo de traduzir com parcialidade

(a parcialidade que nos leva a focar a semacircntica do natildeo ser) e aparentemente a forccedilar as palavras

do eleata Especificamente nestes dois versos e no seguinte a polecircmica entre os inteacuterpretes eacute furiosa

e eacute bom expor logo a minha posiccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves disputas em campo Segundo a interpretaccedilatildeo

por mim proposta do fragmento 2 encontra-se ali a exposiccedilatildeo de uma reflexatildeo sobre o natildeo ser e o

resultado que dela segue O resultado eacute uma proposta metodoloacutegica a respeito do pensar

cognitivamente em busca de argumentos persuasivos O meacutetodo segue por dois caminhos possiacuteveis

somente um dos quais se revela confiaacutevel enquanto que o outro eacute uma virtualidade que tem que ser

levada em conta sob pena de confundir duas noccedilotildees que jamais devem ser confundidas (pelo pensar

cognitivo epistecircmico) ser e natildeo ser ou como ele diz 23a ἔστιν e 25a οὐκ ἔστιν Trata-se de um

143

meacutetodo cognitivo

Dado este meacutetodo cognitivo se consegue extrair dele que

61a χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι

Esta eacute a tese de Parmecircnides como justamente afirma Cordero o qual traduz com um

impressionante es necessaacuterio decir y pensar que siendo se eacutes Esta tese natildeo eacute a repeticcedilatildeo do

primeiro caminho aquele da persuasatildeo que acompanha a verdade mas eacute o primeiro resultado da

aplicaccedilatildeo do meacutetodo descrito no fragmento 2 Parmecircnides passa a aplicar o meacutetodo e o primeiro

resultado eacute exatamente que assim como τό γε μὴ ἐὸν natildeo podia ser dito nem conhecido da mesma

maneira e pela mesma razatildeo o que eacute literalmente o que estaacute sendo deve ser dito e pensado

(cognitivamente) O motivo dessa necessidade eacute o que resulta da aplicaccedilatildeo do meacutetodo 61b ἔστι

γὰρ εἶναι ser eacute possiacutevel (em 23b natildeo ser era impossiacutevel οὐκ ἔστι μὴ εἶναι) enquanto que 62a

μηδὲν δ οὐκ ἔστιν o nada natildeo eacute (e em 23a simplesmente eacute simplesmente ἔστιν) Haacute uma simetria

complementar entre o verso 23 e a sua reafirmaccedilatildeo em 61b-62a ali o ser era afirmado e o natildeo

ser impossiacutevel aqui o ser eacute dito possiacutevel e o natildeo ser (nada) eacute negado Vemos assim o primeiro

exemplo de como o meacutetodo persuade eacute necessaacuterio dizer e pensar (cognitivamente) que o que estaacute

sendo eacute porque ndash eis a persuasatildeo o argumento ndash por um lado ser eacute possiacutevel e por outro lado nada

natildeo eacute

Como dissemos esta eacute a tese de Parmecircnides e eacute esta tese geneacutetica das demais que apareceratildeo

no fragmento 8 que a deusa comanda afirmar 62b τά γ ἐγὼ φράζεσθαι ἄνωγα Muitas vezes

dissemos e aqui reaparece de forma literal a deusa comanda que seja proclamado que soacute se pode

fazer um discurso epistecircmico a respeito do que eacute Do jeito dele Parmecircnides potildee na boca da deusa

a proclamaccedilatildeo de um princiacutepio universal o ἐὸν eacute a ἀρχή do mundo Isto seraacute articulado amplamente

no fragmento 8 mas antes disso Parmecircnides discutiraacute esse primeiro ponto em comparaccedilatildeo com as

144

ideias correntes e explicaraacute quais satildeo os erros dos mortais e quais as providecircncias necessaacuterias para

natildeo repeti-los Entatildeo no verso seguinte a deusa retoma focirclego e sugere ao disciacutepulo de seguir o

curso de aprendizagem primeiro teraacute de aprender os uacutenicos caminhos de pesquisa ao pensar e

depois deveraacute aprender a reconhecer o caminho errado Mas para a criacutetica do comeccedilo do seacuteculo

XX surgiu um problema que passamos a tratar e espero a resolver

432 Os versos 64 πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltgt

433 αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς

Estes versos natildeo apresentariam nenhum problema de interpretaccedilatildeo se um acaso histoacuterico natildeo

os houvesse transformados numa fonte de muitos mal-entendidos 195 Recentemente a causa

195Na ediccedilatildeo DK dos fragmentos a palavra entre aspas ltεἴργωgt eacute uma conjectura de Diels a preencher uma lacuna em

todos os manuscritos conhecidos de Simpliacutecio de onde foi retirada essa citaccedilatildeo A traduccedilatildeo com a conjectura de

Diels resulta ser a seguinte primeiro desta via de pesquisa te afasto e depois da outra (na qual os mortais etc)

A deusa parece alertar o disciacutepulo de que ele deve se afastar de duas vias primeiro uma e depois a outra nas quais

os mortais etc Em resumo e evitando toda a explicaccedilatildeo filoloacutegica se a deusa pede para o disciacutepulo se afastar de

duas vias e se haacute uma via que eacute a certa fazendo as contas o total resulta em trecircs vias as quais na simplificaccedilatildeo

didaacutetico-mnemocircnica acabaram recebendo o nome respectivamente de via do ser do natildeo ser e do ser e natildeo ser A

polecircmica se esvazia se se retira a conjectura arbitraacuteria e errada de Diels e se se reestabelece o entendimento de que

as vias satildeo duas a via da persuasatildeo e a via natildeo percorriacutevel do natildeo eacute Mas essas duas vias geram trecircs

comportamentos a) o homem instruiacutedo segue a primeira b) o homem instruiacutedo leva em conta e por isso evita a

segunda c) os mortais seguem a segunda afinal confundindo ser e natildeo ser Com isto fica claro que haacute um equiacutevoco

entre nuacutemero de vias e nuacutemero de maneiras de usaacute-las Palmer afirma que jaacute Platatildeo tinha identificado trecircs vias

aludindo a Repuacuteblica 5 476e-477b ldquoIn this case the structure of the argument at Republic 5476e-477b strongly

suggest that Plato saw Parmenides as distinguishing three separate pathsrdquo (Palmer 1999 p 40-41) mas eu concordo

com Hermann (2011 p 149 n 51) que afirma que que estas trecircs possibilidades correspondem mais a uma visatildeo

de Platatildeo do que a uma intenccedilatildeo de Parmecircnides Os mortais seguem uma terceira maneira um terceiro

comportamento natildeo uma terceira via Natildeo haacute terceira via elas satildeo soacute duas que usadas corretamente geram a noccedilatildeo

de contradiccedilatildeo a ser usada com proveito no caminho de inqueacuterito no entanto a segunda via quando eacute percorrida

(quando os mortais acham que a estatildeo percorrendo) gera um outro comportamento que em relaccedilatildeo aos dois

comportamentos do homem instruiacutedo (seguir uma e abandonar a outra) pode ser contado como um terceiro

comportamento Penso que natildeo vale a pena se aprofundar nesta confusatildeo restando apenas a questatildeo da conjectura

que pode substituir aquela de Diels Foram propostas algumas a principal das quais me parece ser aquela de

Cordero o estudioso que descobriu e evidenciou a impropriedade da conjectura de Diels Cordero propotildee um

ltἄρξειgt iniciaraacutes Seja para noacutes suficiente esta conjectura jaacute que nosso foco estaacute em outros pontos de forma que

possamos seguir adiante

145

principal dos desentendimentos foi identificada e os versos deixaram de apresentar problemas

Considerando que estes versos satildeo uma mera passagem sem nenhum interesse especiacutefico podemos

aceitar os argumentos de Cordero e preencher a lacuna com ltἄρξειgt iniciaraacutes que oferece entatildeo

este sentido aos versos primeiro iniciaraacutes por este caminho de pesquisa e depois por aquelerdquo

Assim podemos agora completar o sentido do inteiro fragmento o qual agora se apresenta claro agrave

interpretaccedilatildeo

ldquo eacute necessaacuterio dizer e pensar cognitivamente que o ente eacute pois ser eacute possiacutevel

e o nada natildeo eacute Estas coisas te ordeno que proclames

Primeiro por esta via de inqueacuterito ltiniciaraacutesgt

e depois por aquela outra que os mortais que nada sabem

forjam duplas cabeccedilas pois a falta de recursos em suas

mentes conduz operaccedilotildees cognitivas errantes sendo levados

como surdos e cegos perplexos massas sem criteacuterio

que consideram ser e natildeo ser o mesmo

e natildeo o mesmo e que de tudo haacute contra-direccedilatildeo de caminhordquo

A conclusatildeo principial a partir da aplicaccedilatildeo principial do meacutetodo eacute que o que estaacute sendo eacute

(ἐὸν ἔμμεναι) Esta tese cosmoloacutegica eacute obtida pelo meacutetodo exposto no fragmento 2 segundo o

qual ser eacute possiacutevel e nada natildeo eacute esta eacute a primeira via O disciacutepulo tem que seguir esta via mas

ao mesmo tempo tem que conhecer o comportamento dos mortais que acreditando seguir a outra

ndash isto eacute acreditando que quando pensam e dizem natildeo eacute se referem a algo ndash acabam forjando uma

via que de fato eacute impercorriacutevel completamente e natildeo leva a nada pois o nada natildeo eacute (μηδὲν δ οὐκ

ἔστιν) ela eacute apenas uma virtualidade O que faz com que os mortais se aventurem pelo caminho

impossiacutevel eacute uma falta de recursos em suas mentes Qual eacute o recurso que falta aos mortais Penso

que natildeo outro candidato a natildeo ser o meacutetodo exposto no fragmento 2 Eacute ele que permite distinguir

entre ser e natildeo ser e perceber que eles natildeo satildeo simeacutetricos mas radicalmente opostos Embora a

palavra natildeo esteja presente diretamente no texto por oposiccedilatildeo podemos dizer que o meacutetodo de

146

Parmecircnides eacute uma μηχᾰνή um artifiacutecio que permite realizar algo Parmecircnides diz neste fragmento

que o artifiacutecio tem como propoacutesito realizar a distinccedilatildeo entre ser e natildeo ser pois as massas sem

criteacuterio confundem ser e natildeo ser e suas mentes acabam sendo levadas ao inveacutes de levar a pesquisa

pelo caminho (argumento) persuasivo que acompanha a verdade

434 O fragmento 7 Os versos 1 e 2

Passamos agora completar a leitura do fragmento 7 interpretando os restantes dois versos

que natildeo foram discutidos anteriormente Naquela ocasiatildeo embora estiveacutessemos fazendo uma

interpretaccedilatildeo seletiva do vocabulaacuterio psicoloacutegico no poema e embora no verso 72 temos uma

palavra estritamente psicoloacutegica νόημα a tarefa natildeo pudera ser completada porque como agora jaacute

sabemos as noccedilotildees implicadas natildeo satildeo auto-evidentes e tivemos que fazer um esforccedilo

hermenecircutico para fazecirc-las emergir Vamos entatildeo ao texto

ldquoοὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῆι εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημαrdquo

A traduccedilatildeo em si natildeo oferece complicaccedilotildees maiores muito mais complicado eacute enteder o sentido

destas palavras e sua mensagem filosoacutefica que a todos intrigou desde a antiguidade principalmente

a Platatildeo que a cita no Sofista e a considera como motivo suficiente para justificar um parriciacutedio

filosoacutefico Jaacute tivemos oportunidade de analisar o primeiro verso no primeiro capiacutetulo Vamos

retomar aquela discussatildeo e comeccedilar traduzindo literalmente

Natildeo prevaleccedila (οὐδαμῆι) jamais (μήποτε) isto (τοῦτο) ser os natildeo entes

Tu poreacutem desta via de inqueacuterito afasta o pensamento

O verso 2 indica que se trata de um dos caminhos de inqueacuterito aquele do qual eacute necessaacuterio

se manter afastados porque eacute impercorriacutevel trata-se do segundo caminho que no fragmento 2 ele

147

chamou de παναπευθέα e que aqui eacute referido no uacuteltimo trecho do verso que os natildeo entes sejam

Esta proposiccedilatildeo eacute absurda portanto jamais prevaleceraacute mas levando em conta que haacute a

possibilidade de confusatildeo (ἄκριτα φῦλα) o disciacutepulo teraacute que manter seu pensamento (operaccedilotildees

cognitivas da mente) afastado desse caminho196 Vamos reduzir o verso agrave sua semacircntica essencial

assim como o apresentamos no primeiro paraacutegrafo eacute impossiacutevel (natildeo prevaleccedila jamais) que os natildeo

entes sejam Alguns autores aproveitam essa passagem para afirmar que Parmecircnides usa como

sinocircnimos ἐὸν e ἐόντα indiferentemente no singular e no plural Eu penso que a expressatildeo aqui eacute

teacutecnica e quer se referir ao ἔλεγχον ἐξ ἐμέθεν ῥηθέντα a prova por mim exposta de 7-56 De fato

o mesmo seraacute encontrado mais adiante (87-8 οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν natildeo

permitirei dizer e pensar que seja dos natildeo entes) a respeito de uma discussatildeo especiacutefica que estava

no centro dos interesses dos pensadores dessa eacutepoca a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo O sentido geral eacute

que pela impossibilidade dos natildeo entes virem a ser a geraccedilatildeo natildeo pode se dar isto eacute por natildeo ser

possiacutevel uma passagem do nada ao ser a geraccedilatildeo eacute impossiacutevel Se assim for esse sentido teacutecnico

de μὴ ἐόντα vem de encontro agraves recentes tentativas de reordenar os fragmentos do poema a partir

de uma nova valutaccedilatildeo da doxa isto eacute da segunda parte do poema Nesse caso uma parte das

afirmaccedilotildees referentes ao mundo fiacutesico (astronomia e biologia) deveriam ser colocadas antes do

fragmento 7 e supostamente seria a estas afirmaccedilotildees que a deusa quer se referir quando diz ldquoas

provas por mim expostasrdquo

196 Nussbaum considera a questatildeo do ponto de vista da convenccedilatildeo cultural comparando o texto parmenidiano com

uma descriccedilatildeo retirada das Nuvens de Aristoacutefanes ldquoThe strong conventionalist by his claim that we can do

(believe) otherwise means that we can choose to adopt other conventions Parmenides means something stronger

still that we can choose to do without convention altogether we can become in thought wholly other than we are

The poems use of the language of religious initiation is not simply decorative but fundamental to its meaning By

the use of human reason we are to be converted away from our humanityrdquo (Nussbaum 1979 p 79)

148

Portanto seguindo para o verso 2 a deusa alerta que o disciacutepulo natildeo deve argumentar

(estruturar a reflexatildeo da pesquisa) seguindo essa linha de reflexatildeo onde ldquoos natildeo entes satildeordquo pois

significaria fazer uma equivalecircncia entre ser e natildeo ser fato rejeitado pela reflexatildeo do natildeo ser pelo

preceito da deusa pelo meacutetodo obtido pelo resultado alcanccedilado no princiacutepio coacutesmico que afirma

que ldquoeacute necessaacuterio pensar e dizer que o ser (o que estaacute sendo ἐόν) eacuterdquo Por esta razatildeo o disciacutepulo

deve cuidar de natildeo cair nas malhas do pensamento errocircneo que se forma pelo haacutebito o qual forccedila

(βιάσθω) uma maacute utilizaccedilatildeo dos sentidos e por outro lado o haacutebito tambeacutem acaba impelindo a

julgar pelo discurso (pela seduccedilatildeo da retoacuterica) Segundo essa recente interpretaccedilatildeo ndash com a qual eu

concordo ndash de κρῖναι δὲ λόγωι nos encontrariacuteamos finalmente diante de uma expressatildeo referida a

uma persuasatildeo que natildeo acompanha a verdade Assim como haacute o caminho de persuasatildeo que

acompanha a verdade isto eacute aquele caminho que gera discursos persuasivos segundo a persuasatildeo

verdadeira assim tambeacutem haacute o caminho (forjado pelos mortais) que produz discursos persuasivos

natildeo acompanhados de feacute verdadeira (πίστις ἀληθής) Por que estes discursos persuasivos sem feacute

verdadeira convencem Porque por um lado os mortais natildeo dispotildeem da mechane mas por outro

lado eles satildeo forccedilado por sua cultura tanto por percepccedilotildees natildeo isentas de distorccedilotildees culturais

quanto pelo discurso sedutor o qual dada a autoridade do orador pretende prescindir de criteacuterios

de verificaccedilatildeo externos ao discurso Parmecircnides sugere que o discurso natildeo seja julgado por criteacuterios

internos ao discurso mas por uma mechaneacute externa o meacutetodo que ele propotildee

Vemos assim de quantas maneiras Parmecircnides estaacute explicando seu meacutetodo pela meditaccedilatildeo

inicial pela estruturaccedilatildeo de uma maneira coerente (conexa) de pensar pela afirmaccedilatildeo de um

priciacutepio (archeacute) cosmoloacutegico pela criacutetica agrave gnoseologia do homem comum e pela criacutetica cultural agrave

cultura tradicional que prefere seguir a persuasatildeo de discursos tradicionais ao inveacutes de discutir as

afirmaccedilotildees pelo preceito que a deusa ofereceu Chegamos portanto ao momento em que cabe a

149

ele expor a cosmologia segundo o preceito da deusa ele o faz no fragmento 8 que noacutes analisaremos

a seguir

44 A aplicaccedilatildeo do meacutetodo

Parmecircnides aplica seu meacutetodo no longo fragmento 8 um texto riquiacutessimo cujo estudo daacute

espaccedilo para muitos enfoques e muitas discussotildees para cada enfoque A nossa premissa eacute que natildeo

faremos um estudo exaustivo do fragmento 8 mas tatildeo somente daquelas partes do fragmento

atinentes ao natildeo ser e somente nos aspectos pertinentes a este tema Reportaremos trecho a trecho

as partes a serem estudadas e indicaremos tambeacutem quais partes seratildeo deixadas de lado

Antes de entrar no meacuterito dos versos conveacutem fazer uma ilustraccedilatildeo panoracircmica do trecho

Tarefa em princiacutepio bastante difiacutecil porque por serem estes os versos onde Parmecircnides expotildee sua

concepccedilatildeo de ser eacute dos mais estudados o que implica ndash dado o estado do texto as condiccedilotildees de

transmissatildeo o assunto e a forma como eacute abordado ndash uma amplificaccedilatildeo maacutexima por parte dos

estudiosos das ambiguidades de todo tipo que o escrito apresenta Em suma uma apresentaccedilatildeo

panoracircmica implicaria uma interpretaccedilatildeo e esta deveria ser justificada agrave frente das vaacuterias e bem

fundamentadas interpretaccedilotildees dos estudiosos Este problema pode ser contornado recorrendo a um

trabalho precioso e original que realmente excele pela lucidez da anaacutelise Trata-se de ldquoLa structure

du poeme de Parmeacuteniderdquo de Livio Rossetti texto inteiramente dedicado a desvendar e tornar clara

a arquitetura de exposiccedilatildeo do poema A ele recorremos para identificar a particcedilatildeo dos assuntos neste

longo fragmento e principalmente porque ele evidencia a sua estrutura demonstrativa Diz Rossetti

(p 208)

ldquo[] chegou a hora para a deusa de Parmecircnides de expor a conclusatildeo doutrinal

(μόνος δ ἔτι μῦθος ὁδοῖο λείπεται) Noacutes podemos ver claramente que esta conclusatildeo ndash

150

autecircntico cliacutemax de todo o primeiro logos ndash se divide na afirmaccedilatildeo peremptoacuteria ldquoque eacuterdquo a

passagem em revista dos cinco (ou seis) semata relativos agrave caracteriacutesticas do eon e logo

em seguida o iniacutecio de um itineraacuterio soberbo de demonstraccedilatildeo Os semata tecircm o estatuto

de demonstranda (o ser eacute ageneton anolethron oulomeles atremes e ateleston) e a

exposiccedilatildeo segue um desenvolvimento que reflete a sucessatildeo dos demonstranda parando

com a ecircnfase apropriada sobre a alternativa fundamental apresentando um uso recorrente

e natildeo habitual da conjunccedilatildeo gar no duplo sentido de because (ldquop eacute dado que qrdquo) e de then

(ldquose tudo isto eacute verdade entatildeo eacute verdade tambeacutem que prdquo) e dando lugar a algumas

expressotildees que se aproximam de modo significativo do claacutessico quod erat demonstrandum

dos matemaacuteticosrdquo197

Esse aspecto do rigor da exposiccedilatildeo ateacute agora fora apenas timidamente apontado por parte

de alguns criacuteticos e pelo que eu sei cabe a Rossetti o meacuterito de evidenciar esse vocabulaacuterio Vamos

entatildeo com a ajuda dele ver mais de perto estas palavras e as subseccedilotildees do fragmento que elas

marcam198

197Rossetti 2010 p 208 ldquo[] le moment eacutetait venu pour la deacuteesse de Parmeacutenide drsquoen tirer la conclusion doctrinale

(μόνος δ ἔτι μῦθος ὁδοῖο λείπεται) Nous pouvons voir clairement que cette conclusion ndash authentique climax de

tout le premier logos ndashse divise en lrsquoaffirmation peacuteremptoire laquo que est raquo le passage en revue des cinq (ou six)

semata relatifs aux caracteacuteristiques de lrsquoeon et tout de suite apregraves le commencement drsquoun superbe itineacuteraire

deacutemonstratif Les semata ont le statut de demonstranda (lrsquoecirctre est ageneton anolethron oulomeles atremes et

ateleston) et lrsquoexposeacute se poursuit par un deacuteveloppement qui reflegravete la succession des demonstranda srsquoarrecirctant avec

lrsquoemphase convenable sur lrsquoalternative fondamentale preacutesentant un emploi reacutecurrent et inhabituel de la conjonction

gar au double sens de because (laquo p eacutetant donneacute que q raquo) et de then (laquo si tout cela est vrai alors il est vrai aussi que

praquo) et faisant mecircme place agrave des expressions qui se rapprochent de faccedilon significative du classique quod erat

demonstrandum des matheacutematiciensrdquo 198Ibidem ldquoLes expressions qui eacutequivalent au QED sont les suivantes

Alors (οὕτως) il est neacutecessaire qursquoil soit complegravetement ou qursquoil ne soit pas du tout helliphelliphelliphellip B811

Il est deacutecideacute donc (κέκριται δ οὖν) que lrsquoune des deux ltoptionsgthellip tandis que lrsquoautrehellip B816-18

Et ainsi (τὼς) la naissance est eacutelimineacutee agrave lrsquoeacutegal de la mort obscure B821

En vertu de quoi (τῶι) il est tout entier continu en effet lrsquoecirctre srsquoattache agrave lrsquoecirctre B825

En vertu de quoi (τῶι) seront des noms toutes ces choseshellip B838-39

Non moins significativement apregraves chacun de ces eacutenonceacutes formant la conclusion de chaque deacutemonstration

apparaissent des formules de transition indiscutablement paratactiques qui de toute eacutevidence servent agrave ouvrir la

voie agrave un nouvel itineacuteraire deacutemonstratif [Seguem as citaccedilotildees em grego]rdquo

151

ldquoAs expressotildees que equivalem ao QED satildeo as seguintes

Assim (οὕτως) eacute necessaacuterio que seja completamente ou que de todo naotilde seja B

811

Estaacute decidido portanto (κέκριται δ οὖν) que uma das duas ltopccedilotildeesgt

hellip enquanto a outra B

816-18

E assim (τὼς) o nascimento eacute eliminado igualmente agrave morte obscura B

821

Em virtude de que (τῶι) eacute todo inteiro continuo com efeito o ser adere ao ser B

825

Em virtude de que (τῶι) seratildeo nomes todas estas coisas B

838-39

Natildeo menos significativamente depois de cada um desses enunciados que formam a

conclusatildeo de alguma demonstraccedilatildeo aparecem umas foacutermulas de transiccedilatildeo indiscutivelmente

parataacuteticas que com toda evidecircncia servem a abrir o caminho a um novo itineraacuterio demonstrativo

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος κτλ (B812)

τοῦ εἵνεκεν (B813)

πῶς δ ἂν ἔπειτα πέλοι (B819)

οὐδὲ οὐδὲ οὐδὲ (B822-24)

αὐτὰρ ἀκίνητον μεγάλων κτλ (B826)

αὐτὰρ ἐπεὶ πεῖρας πύματον (B842)

Apoacutes essa breve panoracircmica focada a evidenciar a estrutura argumentativa podemos ir aos

primeiros versos do fragmento 8 na ediccedilatildeo de Diels-Kranz (81-6)

μόνος δ ἔτι μῦθος ὁδοῖο

λείπεται ὡς ἔστιν ταύτηι δ ἐπὶ σήματ ἔασι

πολλὰ μάλ ὡς ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν

152

ἐστι γὰρ οὐλομελές τε καὶ ἀτρεμὲς ἠδ ἀτέλεστον199

οὐδέ ποτ ἦν οὐδ ἔσται ἐπεὶ νῦν ἔστιν ὁμοῦ πᾶν

ἕν συνεχές

Depois de tudo que foi dito ateacute agora o primeiro verso ateacute a primeira metade do segundo

deveria ser claro ldquoresta ainda uma uacutenica palavra do caminho que eacuterdquo O caminho que deve ser

seguido eacute aquele apresentado em 23 mas aqui numa versatildeo reduzida talvez numa expressatildeo

meramente didaacutetica resta somente uma palavra do caminho (de pesquisa para operar

cognitivamente) ldquoque eacuterdquo Exceto o nosso acreacutescimo entre parecircnteses este eacute o sentido geral que

todo estudioso aceita mas haacute divergecircncias quanto agraves liccedilotildees transmitidas agrave sintaxe e tambeacutem quanto

ao sentido mais preciso das expressotildees principalmente em relaccedilatildeo a μῦθος que pode ser traduzido

de vaacuterias maneiras embora aqui chamando agrave memoacuteria o outro uso que Parmecircnides faz (B 21)

tem mais o sentido de discurso fala noticia

82b-6a Os proacuteximos versos satildeo muito problemaacuteticos jaacute pela transmissatildeo do texto satildeo os

versos mais corrompidos de todo o poema Fazer uma anaacutelise minimamente satisfatoacuteria requer um

trabalho minucioso de comparaccedilatildeo entre os (muitos) doxoacutegrafos entre as variantes de cada

doxoacutegrafo e entre as correccedilotildees dos editores Aqui este trabalho natildeo nos ajuda no nosso tema porque

estes versos satildeo o anuacutencio dos sinais do eon que seratildeo demonstrados no resto do fragmento esta

parte pode ser considerada uma apresentaccedilatildeo ou um iacutendice ou segundo Rossetti uma apresentaccedilatildeo

dos demonstranda e natildeo entram no meacuterito da aplicaccedilatildeo do meacutetodo de Parmecircnides Damos entatildeo o

sentido geral com algumas poucas consideraccedilotildees O sentido geral eacute este ldquosobre o caminho haacute

199Este eacute o termo reportado por Diels-Kranz

153

muitas provas200 de que sendo (ἐὸν) ingecircnito eacute tambeacutem impereciacutevel pois eacute inteiro inabalaacutevel e

completo nem era nem seraacute pois eacute todo homogecircneo uno contiacutenuo Sobre o caminho do ἔστιν haacute

muitas provas (σήματα) as quais provam os atributos de algo este algo dependendo da

interpretaccedilatildeo que se daacute agraves palavras ὡς ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν (1) pode estar presente

como sujeito expliacutecito e neste caso se traduziria ldquoo que eacuterdquo201 eacute ingecircnito e incorruptiacutevel etc ou

(2) pode se entender o sujeito como impliacutecito (sujeito que eacute o proacuteprio ἐὸν e que apareceraacute mais

adiante em 819) e traduzir sendo ingecircnito eacute tambeacutem incorruptiacutevel etc Noacutes preferimos a segunda

alternativa pois ressalta mais a estrutura rigorosa da argumentaccedilatildeo parmenidiana haacute muitas provas

de que sendo ingecircnito eacute tambeacutem incorruptiacutevel No entanto neste caso os σήματα natildeo satildeo mais os

atributos listados nos primeiros 5 versos do fragmento 8 como traduz a interpretaccedilatildeo tradicional202

200 σῆμα eacute propriamente o sinal dos oraacuteculos mas enquanto sinal pode significar muitas coisas aqui a meu ver

significa mais sinal de certificaccedilatildeo (LSJ ldquo5 token by which any onersquos identity or commission was certifiedrdquo) isto

eacute mais propriamente em Parmecircnides prova (LSJ σημεῖον = σῆμα II 2 in reasoning a sign of proof) De fato

embora este sentido esteja registrado somente depois de Parmecircnides (como reportado no LSJ) jaacute estaacute presente em

Melisso o qual usa sem duacutevida um vocabulaacuterio parmenidiano (Galgano 2010 p 91 e passim) de forma muito

clara no fr 81 onde diz ldquo(1) Eacute pois esse argumento a mais importante prova (σημεῖον) de que (o ser) eacute apenas

um mas tambeacutem (haacute) as seguintes provas (σημεῖα)rdquo (Trad Borges I L)

Segundo Imbraguglia o uso de vocabulaacuterio eacutepico para noccedilotildees certamente novas como aquela de

ldquodemonstraccedilatildeordquo pode ser assim explicado ldquoParmecircnides usa teacutecnicas [de escrita] que satildeo proacuteprias da cultura

sacerdotal e da nobreza [hellip] Original eacute o uso por parte de Parmecircnides a liacutengua do poieteacutes natildeo eacute mais usada para

transportar o ouvinte do ambiente linguiacutestico do cotidiano para atmosfera encantada do eacutepos mas para se expressar

de um modo o mais possiacutevel formalizado e a linguagem e as teacutecnicas linguiacutesticas do oraacuteculo servem para realizar

verdadeiros caacutelculos loacutegicosrdquo (Inbraguglia 1974 p 9-10 n 5)

Por esta razatildeo eu penso que esteja corretto McKiraham quando diz ldquo Eacute opiniatildeo geral que os sinais satildeo os

atributos listados nestas linhas Mas Parmecircnides natildeo diz que haacute muitos sinais incluindo ldquoingecircnitordquo ldquoimpereciacutevelrdquo

etc Ao inveacutes disso ele diz que haacute muitos sinais de que o-que-eacute eacute ingecircnito impereciacutevel etc A afirmaccedilatildeo faz mais

sentido se entendermos os ldquosinaisrdquo como os argumentos que indicam (eu diria provam) que o-que-eacute tem os

atributos em questatildeordquo (McKirahan 2008 p 221 n 9)

Para um aprofundamento da noccedilatildeo de prova (rigorosa) na linguagem preacute-euclideana veja-se a discussatildeo dos

termos em Szabo 1970 185 201Literalmente o que estaacute sendo que em portuguecircs pode ser traduzido com o ente do latim ens eacutentis forjado como

particiacutepio presente de sum (Houaiss verbete ente) desde que ente seja entendido no seu sentido mais geral isto

eacute absoluto diferentemente da noccedilatildeo corrente a qual costuma ser referida a um ente relativo 202O entendimento de que os σήματα satildeo os atributos eacute quase unanimidade entre os comentadores mais antigos Burnet

(tokens) Cornford Diels (1897) Gigon Guthrie Jaeger Zafiropulo mais recentemente Mourelatos Ruggiu

154

mas satildeo as demonstraccedilotildees que se seguem ao longo do fragmento 8

441 Ἐὸν eacute ingecircnito e impereciacutevel

O primeiro dos σήματα apresentado por Parmecircnides correspondente ao primeiro dos

atributos eacute a natildeo geraccedilatildeo Em sua eacutepoca saber da origem das coisas significava conhecer as

coisas 203 conhecer sua natureza iacutentima ou simplesmente sua natureza como se expressa

claramente no sentido da palavra φύω que originariamente significava simplesmente existir ser e

que soacute sucessivamente passou a significar crescer O fato de ser o primeiro dos atributos e de

receber proporcionalmente mais atenccedilatildeo do que os outros potildee em evidecircncia toda a importacircncia

deste assunto para Parmecircnides e como noacutes sabemos para os demais pesquisadores da eacutepoca

Tendo entatildeo em mente a discussatildeo da eacutepoca a respeito dos princiacutepios e das origens de todas

as coisas como contexto intelectual no qual inserir esta prova podemos entender sua importacircncia

histoacuterica repleta de consequecircncias para todo o pensamento sucessivo Vamos entatildeo ao texto

τίνα γὰρ γένναν διζήσεαι αὐτοῦ

πῆι πόθεν αὐξηθέν οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω

φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν οὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν

ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστι τί δ ἄν μιν καὶ χρέος ὦρσεν

ὕστερον ἢ πρόσθεν τοῦ μηδενὸς ἀρξάμενον φῦν

οὕτως ἢ πάμπαν πελέναι χρεών ἐστιν ἢ οὐχί

Taraacuten e outros Contra Cerri 1999 ldquoargomentazioni cogentirdquo p 214 Cordero 2005 ldquopruebas (para no decir

ldquodemonstracionesrdquo)rdquo p 193 203Eacute Aristoacuteteles que recolhe e formaliza (e em sua proacutepria filosofia desenvolve) esse autecircntico alicerce da cultura

grega quando afirma entre inuacutemeras outras passagens em sua obra ldquoὅτι μὲν οὖν ἡ σοφία περί τινας ἀρχὰς καὶ

αἰτίας ἐστὶν ἐπιστήμη δῆλονrdquo (Eacute evidente que a sabedoria eacute uma ciecircncia a respeito de certos princiacutepios e certas

causas) Metaph 982a

155

86b-7a O texto abre com duas perguntas que geraccedilatildeo pois procuraraacutes dele Como de

onde teria crescido Muitos dos inteacuterpretes entendem que satildeo perguntas retoacutericas que a deusa

refutaraacute por reductio ad absurdum204 Eu penso que a forma poeacutetica natildeo deve desviar nossa atenccedilatildeo

pois como vimos Parmecircnides usa a linguagem eacutepica para formalizar sua expressatildeo205 Penso

entatildeo que estas perguntas satildeo a formalizaccedilatildeo do problema da origem (archeacute) isto eacute satildeo o problema

inicial de onde parte a pesquisa parmenidiana Veremos em breve como reconstruir o argumento

mas por enquanto temos (1) a enunciaccedilatildeo da tese e (2) a formulaccedilatildeo do problema inicial a pergunta

que desencadeia a pesquisa

87b-8a Duas afirmaccedilotildees colocadas depois de duas perguntas parecem mesmo duas

respostas do natildeo ente (ἐκ μὴ ἐόντος) natildeo permitirei (οὐδ ἐάσσω) que digas e pense pois natildeo

diziacutevel nem pensaacutevel eacute o que natildeo eacute A deusa diz com voz imperativa que ela natildeo permitiraacute que se

diga e pense que se tenha geraccedilatildeo e crescimento desde o natildeo ente Haacute aqui o enunciado de uma lei

universal sob forma de uma lei proclamada por voz divina natildeo eacute permitido dizer e pensar que a

origem venha do natildeo ser Mas a deusa natildeo para no simples preceito ela continua e acrescenta uma

justificaccedilatildeo haacute um motivo para a sua proibiccedilatildeo e consiste no fato de que o natildeo eacute natildeo pode ser dito

e nem pensado Noacutes jaacute conhecemos o sentido de οὐκ ἔστι e tambeacutem de φάσθαι similar ao de

φράσαις de 28 e de νοεῖν similar ao de γνοίης de 27 pois os encontramos com as mesmas noccedilatildeo

e circunstacircncias no fr 2 Conveacutem poreacutem fazer uma pausa para refletir a respeito de um tema

204Cordero 2005 p 195 ldquoseudocuestionamentordquo Mourelatos 2008 p 98 ldquorethorical questionrdquo Robinson 1975 p

628 ldquoputative questionrdquo Ruggiu 1975 p 240 ldquointerrogativa retoricardquo 205Coxon relembra ldquoThese opening questions resemble and perhaps echo the conventional Homeric greeting τίς

πόθεν εἶς ἀνδρῶν πόθι τοι πόλις ἠδὲ τοκῆες [lsquoWho are you and from where Where is your city your parentsrsquo]rdquo

(Coxon p 317)

156

raramente abordado pelos estudiosos dedicados a Parmecircnides trata-se da questatildeo da posiccedilatildeo do

natildeo ser nas cosmovisotildees contemporacircneas e anteriores a Parmecircnides Faremos desta reflexatildeo um

intermezzo e voltaremos depois aos nossos versos

442 Intermezzo O natildeo ser na experiecircncia do devir

A expressatildeo da deusa eacute interessante Se de fato ela estaacute ensinando a respeito da gecircnese das

coisas agrave pergunta ldquoo que daria origem ao enterdquo ela responde ldquonatildeo permito que digas e pense que

seja o natildeo ser a dar origem ao enterdquo A singularidade da resposta consiste no fato de introduzir um

elemento culturalmente novo o natildeo ser Mas se esse elemento eacute novo por que o kouros deveria

possivelmente dizer e pensar o natildeo ser Ele faria isto se ele tivesse o natildeo ser como opccedilatildeo de

resposta Em outras palavras a proibiccedilatildeo da deusa implica que o disciacutepulo conheccedila ou use o ldquonatildeo

serrdquo Parmecircnides criticara antes (fr 6 e 7) a atitude dos mortais os quais misturam ser e natildeo ser

mas naquele caso se tratava claramente da operatividade das noccedilotildees dentro da coerecircncia do

discurso Aqui estaacute se falando da geraccedilatildeo do eon e culturalmente natildeo se justifica em princiacutepio a

hipoacutetese de um natildeo ser enquanto entidade cosmoloacutegica capaz de possivelmente dar geraccedilatildeo ao

ser Nas cosmogonias e cosmologias gregas natildeo se encontra uma noccedilatildeo de negatividade absoluta

geradora de algo aliaacutes natildeo se encontra nenhum conceito tatildeo abstrato nem negativo e nem positivo

os conceitos principiais satildeo sempre materializados e ou divinizados mais ou menos

monstruosamente ou antropomorficamente

Diante de tal estranheza buscou-se a noccedilatildeo de natildeo ser fora da Greacutecia Natildeo haacute nada similar

nas religiotildees e sabedorias mediterracircneas e meacutedio-orientais mas haacute uma passagem muito similar

em textos indianos Numa das Upanixades mais antigas a Chāndogya Upaniṣad se encontra um

157

texto muito similar ao texto parmenidiano (retraduzo de traduccedilatildeo italiana)

ldquo1 No iniacutecio meu caro natildeo havia nada mais que o ser [sat] uacutenico e sem segundo Na

verdade outros dizem No iniacutecio havia o natildeo ser [a-sat] uno e sem segundo deste natildeo ser

nasceu o ser 2 Poreacutem como poderia ser assim meu caro Como pode o ser nascer do natildeo

ser Na verdade eacute o ser o qual existia no iniacutecio das coisas o ser somente e sem segundordquo206

A semelhanccedila com o texto dos versos 86-8 de Parmecircnides eacute impressionante Tomou o eleata

suas ideias da sabedoria indiana Inspirou-se nela De prima facie somos tentados a responder que

sim Todavia com essa aceitaccedilatildeo os problemas historiograacuteficos aumentam ao inveacutes de diminuir

Antes de tudo a questatildeo especiacutefica da influecircncia indiana sobre Parmecircnides se coloca dentro da

questatildeo maior da influecircncia do oriente em geral sobre a cultura e portanto sobre a filosofia grega

tema espinhosiacutessimo e longe de estar resolvido apoacutes quase dois seacuteculos de debates Depois mesmo

nos limitando apenas a Parmecircnides os estudiosos divergem West acha que Parmecircnides eacute

supervalorizado pois ele tem menos originalidade de que se lhe atribui por pertencer a um

panorama cultural comum natildeo soacute na Greacutecia como na aacuterea mediterracircnea como um todo207 Alguns

artigos mais recentes embora mais criacuteticos do que West agrave influecircncia oriental parecem reconhecer

ao menos a semelhanccedila da problemaacutetica filosoacutefica Suto208 mais prudentemente afirma que um

intercacircmbio no VI sec aC era historicamente possiacutevel e ateacute provaacutevel e que haacute muitas

correspondecircncias temaacuteticas entre assuntos especiacuteficos de Parmecircnides (ser e natildeo ser e suas relaccedilotildees

206Chāndogya Upaniṣad 6II traduccedilatildeo italiana Filippani-Ronconi 1960 207Para ele a influecircncia indiana eacute um fato histoacuterico que aconteceu entre 550 e 480 aC Quando os Persas invadindo

as costas das colocircnias jocircnicas trouxeram consigo ldquoo presente dos reis magosrdquo isto eacute as influecircncias das culturas

meacutedio-orientais e orientais Por isso ele pensa que estas influecircncias natildeo devem ter alcanccedilado Parmecircnides via

pitagorismo mas deve ter sido mesmo heranccedila cultural vinda dos pais e dos foceanos em geral que a sofreram

antes de afinal emigrar fugindo da guerra (West 1971 p 287-269) 208Scuto 2010

158

com o mundo da natureza) e os texto religiosos e filosoacuteficos indianos anteriores ao VI seacuteculo aC

jaacute Ruzsa209 apoacutes uma anaacutelise bastante exaustiva chega a estimar as probabilidades matemaacuteticas

dos dois autores (Parmecircnides e o autor da Chāndogya Upaniṣad em questatildeo Uddālaka Āruṇi) ter

tratado temas similares independentemente 001 (1 chance em 1000) isto leva agrave conclusatildeo da

dependecircncia entre os textos restando definir se Parmecircnides tomou de Uddālaka Āruṇi ou vice-

versa o autor opta pela influecircncia indiana sobre o grego

Os problemas historiograacuteficos satildeo muitos antes de tudo os problemas de dataccedilatildeo

principalmente dos textos indianos em relaccedilatildeo aos quais haacute muito desacordo entre os estudiosos

Depois o problema de perspectiva pois natildeo basta afirmar que o Ser eacute um para configurar uma

afirmaccedilatildeo filosoacutefica ao inveacutes de uma religiosa ou ateacute mesmo de uma expressatildeo esteacutetica resultado

de alguma experiecircncia subjetiva Certamente e apesar da opiniatildeo de West o texto de Parmecircnides

eacute profundamente inovador natildeo soacute em relaccedilatildeo agrave cultura grega avanccedilada de sua eacutepoca como tambeacutem

em relaccedilatildeo agraves proacuteprias Upaniṣad em questatildeo210 de onde supostamente ele teria aprendido a

sabedoria de que fala em seu poema Por outro lado o estudo das influecircncias culturais em eacutepocas

arcaicas depende de disciplinas que escapam ao labor filosoacutefico principalmente dedicado aos

209Ruzsa 2002 210Ruzsa op Cit p 4 ldquoThere are also two really significant innovations in Parmenides logic and the number of

formsrdquo Gostaria de acrescentar para esclarecer que o fato de que Parmecircnides use a loacutegica natildeo significa que

enquadrou as ideias a respeito de ser e natildeo ser dentro de uma metodologia linguiacutestica que chamamos loacutegica mas

significa que Parmecircnides ndash mesmo que tenha tomado as ideias emprestadas das Upanixades ou de qualquer outro

mito grego (e natildeo podia ser diferente pois natildeo se consegue inventar uma cultura ex-novo) ndash reconsiderou refletiu

e visualizou-as numa nova ordem (weltanschaung) tarefa esta das mais radicais na atividade filosoacutefica Ou seja a

novidade natildeo eacute a loacutegica na qual Parmecircnides encaixa ser e natildeo ser mas a reflexatildeo filosoacutefica sobre ser e natildeo ser a

qual gerou a loacutegica (melhor seria dizer a ontologia) implicada filosoficamente naquelas noccedilotildees e exposta atraveacutes

de uma elaboraccedilatildeo (que viraacute a ser chamada de reflexatildeo filosoacutefica ou seja uma reflexatildeo especiacutefica com

caracteriacutesticas autocircnomas em relaccedilatildeo a outros tipos de reflexatildeo por exemplo a reflexatildeo artiacutestica) original que de

fato influenciou profundamente a histoacuteria humana primeiro do ocidente e depois tambeacutem do oriente

159

textos assim aqueles estudos avanccedilaratildeo na medida do avanccedilo de estudos arqueoloacutegicos em todas

as ramificaccedilotildees e das tecnologias capazes de resolver os problemas colocados pelo filtro do tempo

Infelizmente as aacutereas envolvidas nestes estudos arqueoloacutegicos ndash desde a Turquia ateacute a Iacutendia ndash

continuam devassadas por infindaacuteveis conflitos violentos de toda natureza deixando-nos ceacuteticos a

respeito da aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos em curto ou ateacute meacutedio prazos

Voltando agrave expressatildeo da deusa parece claro que o kouros inclui entre as possibilidades de

respostas aquela de que seja o natildeo ser um princiacutepio gerador Penso que este seja um ponto obscuro

uma aacuterea de sombra que emergiu ao longo da presente pesquisa e que natildeo foi possiacutevel esclarecer

Restam entatildeo as perguntas em quais contextos culturais (gregos ou natildeo) se aceitava a possibilidade

que o natildeo ser tivesse a capacidade de gerar Esta possibilidade era uma possibilidade teoacuterica

elaborada em acircmbito cientiacutefico ou se referia apenas agrave opiniatildeo comum naif de que no fluxo do

acontecer as coisas simplesmente aparecem (do nada) Se era uma noccedilatildeo teoacuterica poderia ter um

antecedente no ἄπειρον de Anaximandro noccedilatildeo inteiramente negativa embora de certa forma

menos abstrata que o οὐκ ἔστιν parmenidiano Se Parmecircnides se referia agrave noccedilatildeo comum agrave

experiecircncia corriqueira (mas justamente por isto muito menos visiacutevel) entatildeo ele foi um observador

mais do que extraordinaacuterio hipoacutetese de uma perspicaacutecia que natildeo pode ser descartada mas que se

apresenta realmente difiacutecil de lhe creditar Seja como for resta o fato de que Parmecircnides analisa os

princiacutepios possiacuteveis da geraccedilatildeo incluindo entre eles o natildeo ser como alternativa aparentemente jaacute

presente na cultura da eacutepoca Sem ter alcanccedilado resultados satisfatoacuterios sobre esse assunto

voltamos agora ao argumento do poema

87b-8a Retomada Das duas afirmaccedilotildees a proibiccedilatildeo da deusa e sua justificaccedilatildeo somente

uma eacute a resposta agraves duas perguntas julgadas a meu ver erradamente retoacutericas pelo criacuteticos A outra

eacute afirmaccedilatildeo do instrumento argumentativo que vai ser usado para responder A tese eacute (1) o eon eacute

160

ingecircnito e impereciacutevel o problema ao qual esta tese responde eacute (2) de onde nasce o eon o

instrumento para resolver o problema eacute (3) o preceito que foi descrito no fragmento 2 ldquonatildeo diziacutevel

nem pensaacutevel eacute o que natildeo eacuterdquo e finalmente a primeira das vaacuterias respostas ao problema ldquonatildeo

permitirei que digas e pense que seja o natildeo serrdquo (οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν)

Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo tem que ser desdobrada da seguinte forma por um lado o natildeo ser natildeo eacute de

onde nasce o eon e por outro lado o natildeo ser natildeo pode ser usado no argumento (pensamento

cognitivo e discurso) porque ele eacute uma noccedilatildeo sem sentido Portanto a sequecircncia deve ser entendida

assim

(1) tese o eon eacute ingecircnito e impereciacutevel (83 ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν)

(2) problema de onde eacute gerado o eon (86-7 τίνα γὰρ γένναν διζήσεαι αὐτοῦ πῆι

πόθεν αὐξηθέν)

(3) axioma da contradiccedilatildeo ldquonatildeo diziacutevel nem pensaacutevel eacute o que natildeo eacuterdquo (88-9 οὐ γὰρ

φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστι)

(4) axioma da natildeo contradiccedilatildeo ldquonatildeo eacute permitido dizer e pensar o natildeo serrdquo isto eacute usar o

natildeo ser no argumento (87-8 οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν) logo

(5) Conclusatildeo o eon natildeo nasce do natildeo ser (87 οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος) o que confirma a tese (1)

89-13 O crescimento

τί δ ἄν μιν καὶ χρέος ὦρσεν

ὕστερον ἢ πρόσθεν τοῦ μηδενὸς ἀρξάμενον φῦν

οὕτως ἢ πάμπαν πελέναι χρεών ἐστιν ἢ οὐχί

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος ἐφήσει πίστιος ἰσχύς

γίγνεσθαί τι παρ αὐτό

Encontramos agora mais uma pergunta e mais uma vez a maioria dos estudiosos pensa que

161

seja retoacuterica ldquoSe vem do nada (μηδενὸς) qual necessidade o incitaria a crescer antes ou depoisrdquo

Concordo com os criacuteticos quando dizem que haacute nessas palavras a implicaccedilatildeo daquilo que seraacute

conhecido como princiacutepio da razatildeo suficiente Mas discordo quando elas satildeo interpretadas apenas

como uma questatildeo de crescimento simples eu diria quantitativo do eon Penso ao contraacuterio que

estas palavras estatildeo analisando um aspecto que muitos julgam ausente a possibilidade da geraccedilatildeo

a partir do ser Antes Parmecircnides analisou a possibilidade do nascimento a partir do natildeo ser e agora

estaacute verificando a possibilidade do nascimento a partir do ser Os adveacuterbios antes e depois

significam que o eon natildeo pode ter um antes e depois entre entes natildeo tanto em sentido cronoloacutegico

quanto em sentido sequencial por exemplo o ser da planta natildeo pode nascer do ser da semente

porque mais uma vez uma suposta diferenccedila entre o ser da semente e o ser da planta faria com

que o ser da planta nascesse depois do ser da semente e nascesse de um natildeo ser da planta isto eacute

do nada Se haacute uma diferenccedila de ser entre o ser de um ente e o ser de outro ente esta diferenccedila

seria um natildeo ser Isto significa que se o ser de um ente desse origem a outro ser ele daria origem

ao ser que ele natildeo eacute o ser que ele natildeo eacute seria um natildeo ser mas isto eacute impossiacutevel Seguindo no

exemplo se o ser da semente desse origem ao ser da planta isto implicaria que o ser da semente

daria origem a um natildeo ser da semente pois pereceria enquanto ser da semente e tambeacutem que o

ser da planta teria origem em um natildeo ser da planta Mas como jaacute foi visto para Parmecircnides natildeo

faz sentido introduzir o natildeo ser nos argumentos de fato pelos preceitos da deusa o ser eacute

inteiramente ser e o nada eacute aquela alternativa considerada inicialmente possiacutevel mas afinal

impossiacutevel e contraditoacuteria Entatildeo se o ser viesse do ser teriacuteamos o ser que gera que pereceria para

dar geraccedilatildeo ao ser gerado o ser gerado de certa forma viria de novo do nada mas o nada eacute

impossiacutevel logo o ser natildeo vem do ser Voltando ao texto temos

(1) a tese o eon eacute ingecircnito e impereciacutevel (83 ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν)

162

(2) o problema qual razatildeo impeliria o ente comeccedilando do nada a crescer antes ou depois

(89-10 τί δ ἄν μιν καὶ χρέος ὦρσεν ὕστερον ἢ πρόσθεν τοῦ μηδενὸς ἀρξάμενον φῦν)

(3) axioma da contradiccedilatildeo pois o ser eacute inteiramente ou natildeo eacute (811 οὕτως ἢ πάμπαν πελέναι

χρεών ἐστιν ἢ οὐχί)

(4) axioma da natildeo contradiccedilatildeo a forccedila da convicccedilatildeo natildeo permitiraacute a partir do que natildeo eacute (812

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος ἐφήσει πίστιος ἰσχύς)

(5) Conclusatildeo que possa nascer algo ao seu lado (813 γίγνεσθαί τι παρ αὐτό) isto eacute natildeo eacute

do ser que nasce o ser

813-21 Recapitulaccedilatildeo e conclusatildeo do argumento

Com os versos seguintes ateacute o 21 Parmecircnides recapitula e reafirma a coerecircncia do

meacutetodo

τοῦ εἵνεκεν οὔτε γενέσθαι

οὔτ ὄλλυσθαι ἀνῆκε Δίκη χαλάσασα πέδηισιν

ἀλλ ἔχει ἡ δὲ κρίσις περὶ τούτων ἐν τῶιδ ἔστιν

ἔστιν ἢ οὐκ ἔστιν κέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη

τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής

ἔστιν ὁδός) τὴν δ ὥστε πέλειν καὶ ἐτήτυμον εἶναι

πῶς δ ἂν ἔπειτ ἀπόλοιτο ἐόν πῶς δ ἄν κε γένοιτο

εἰ γὰρ ἔγεντ οὐκ ἔστ(ι) οὐδ εἴ ποτε μέλλει ἔσεσθαι

τὼς γένεσις μὲν ἀπέσβεσται καὶ ἄπυστος ὄλεθρος

Antes de tudo nos versos 13-15 eacute reafirmada a feacuterrea ligaccedilatildeo (πέδηισιν) entre as supostas

partes do eon Haacute uma forccedila divina (universal) que manteacutem amarrados os grilhotildees entre as partes

e natildeo os solta mas os segura firmemente Assim como a deusa dizia em 87 ldquonatildeo permitireirdquo

(οὐδἐάσσω) que se diga e pense que o eon nasccedila do natildeo ser assim aqui eacute uma deusa desta vez

Dike que numa expressatildeo de necessidade universal impedindo nascimento e perecimento (οὔτε

γενέσθαιοὔτ ὄλλυσθαι ἀνῆκε Δίκη) manteacutem firme (ἀλλ ἔχει) a coerecircncia do ser

163

Depois nos versos 15 e 16a eacute reafirmado o preceito da contradiccedilatildeo desta vez em chave

enxutamente ontoloacutegica da qual podemos extrair por conseguinte os preceitos loacutegico e

epistemoloacutegico O molde ontoloacutegico eacute claro e eacute anterior aos loacutegico e epistemoloacutegico porque

Parmecircnides expressa essa nova formulaccedilatildeo do preceito da deusa a partir de uma reflexatildeo sobre o

ser real e natildeo sobre o ser loacutegico como vimos ao analisar o fragmento 2 Aqui depois da dupla

argumentaccedilatildeo a respeito do eon ndash que eacute o ser real (ou ao menos ele acredita que seja) e natildeo uma

entidade loacutegica ndash onde satildeo demostradas as impossibilidades do nascimento tanto do ser quanto do

natildeo ser e do perecimento (a respeito do qual direi algo daqui a pouco) resulta claro que se trata de

um ser que teria a possibilidade de ser visto como gerador e gerado assim como de fato eacute visto

pelos mortais Parmecircnides demonstra que este eon real natildeo possui as caracteriacutesticas que lhe satildeo

atribuiacutedas assim o eon parmenidiano natildeo eacute uma entidade loacutegica mas eacute o ser real e as afirmaccedilotildees

a seu respeito satildeo de ordem ontoloacutegica A decisatildeo (ἡ κρίσις) a respeito dessas coisas consiste nisso

ou eacute ou natildeo eacute Esta formulaccedilatildeo eacute como bem salienta Cordero211 o nosso atual princiacutepio do terceiro

excluiacutedo Entretanto Parmecircnides quer se referir ao eon e natildeo a um princiacutepio loacutegico Ele repropotildee

a meditaccedilatildeo inicial e diz haacute duas vias uma eacute ἔστιν e a outra eacute οὐκ ἔστιν as duas satildeo

irreconciliaacuteveis radicalmente opostas e natildeo podem ser assimiladas a nenhuma terceira

possibilidade Isto significa que elas natildeo se misturam natildeo se encontram natildeo comerciam e ademais

se rejeitam reciprocamente a presenccedila do ser eu ipso elimina o natildeo ser e se o natildeo ser se

apresentasse o ser natildeo seria (Parmecircnides diraacute mais adiante ldquode tudo careceriardquo) Aqui Parmecircnides

211Cordero 2005

164

apresenta natildeo apenas o princiacutepio do terceiro excluiacutedo mas o fundamento ontoloacutegico do princiacutepio

do terceiro excluiacutedo natildeo haacute uma terceira possibilidade entre o ser (real) e o nada

Logo dada a natildeo conciliabilidade das duas vias natildeo eacute possiacutevel seguir as duas se teraacute que

seguir uma ou outra mas a segunda eacute impensaacutevel e inominaacutevel (ἀνόητον ἀνώνυμον) pois natildeo eacute

verdadeira via (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν ὁδός) logo eacute decisatildeo necessaacuteria (κέκριται hellip ὥσπερ ἀνάγκη)

que seja abandonada O fato de que aqui em 817 eacute a via que eacute impensaacutevel o natildeo o τό μὴ ἐὸν sobre

a via como em 27 levou alguns autores a transpor a expressatildeo do fr 8 para o contexto do fr 2

chegando assim agrave conclusatildeo de que a via eacute pensaacutevel ou impensaacutevel fazendo da ὁδός o sujeito do

ἔστιν de 23 e do οὐκ ἔστιν de 25212 Eu penso que aqui em 817 estamos diante de uma

recapitulaccedilatildeo e ἔστιν e οὐκ ἔστιν jaacute se tornaram uma simplificaccedilatildeo didaacutetica de todo um

procedimento complexo explicado anteriormente neste sentido didaacutetico ndash mas somente neste

sentido didaacutetico ndash ἔστιν e οὐκ ἔστιν significam o processo de pensamento e portanto significam

tambeacutem as vias e toda a reflexatildeo anexa com os sentidos especiacuteficos para noein e para gignosko ali

utilizados Neste sentido didaacutetico a via impensaacutevel eacute abandonada afinal soacute resta a outra via que

existe (τὴν δ ὥστε πέλειν) e eacute verdadeira (καὶ ἐτήτυμον εἶναι)

Finalmente eacute recapitulado o problema como o eon pereceria depois Como nasceria E

pelas argumentaccedilotildees anteriores aqui recapituladas se relembra que se nasceu teria uma origem

impossiacutevel (no natildeo ser) e portanto natildeo seria por outro lado se natildeo eacute agora mas seraacute depois

aconteceria o mesmo Este uacuteltimo ponto gerou controveacutersias tratarei dele logo a seguir (p XX)

Chega-se assim agrave conclusatildeo do argumento a geraccedilatildeo eacute extinta e o perecimento eacute inaudito

212Casertano 1978 Untersteiner 1979

165

(ἄπυστος)

822-60 As caracteriacutesticas do eon a conclusatildeo dos discursos sobre a verdade e a

perspectiva dos mortais que de seu ponto de vista enxergam duas formas

Nos proacuteximos versos Parmecircnides argumenta a respeito de vaacuterias caracteriacutesticas do eon

Embora haja uma referecircncia agrave feacute verdadeira que afastou geraccedilatildeo e perecimento (827 ἀπῶσε δὲ

πίστις ἀληθής) isto eacute ao argumento apresentado nos versos anteriores a estrutura demonstrativa

se articula pouco apenas extraindo como corolaacuterios as caracteriacutesticas do eon das afirmaccedilotildees e

preceitos anteriormente apresentados Esta referecircncia se repete com palavras um pouco diferentes

no verso 850 (ἐν τῶι σοι παύω πιστὸν λόγον ἠδὲ νόημα ἀμφὶς ἀληθείης) Aleacutem da referecircncia agrave feacute

verdadeira haacute referecircncias agraves figuras divinas de Ananke (830) explicitamente associada a uma lei

universal (832 οὕνεκεν οὐκ ἀτελεύτητον τὸ ἐὸν θέμις εἶναι) e de Moira (837) como o mesmo

papel de manter a coesatildeo do eon

Mais adiante ainda Parmecircnides volta a contrapor as caracteriacutesticas do eon obtidas por seu

argumentar que ele considera confiaacutevel agraves caracteriacutesticas do mundo obtidas pelo argumentar dos

mortais que ele considera natildeo confiaacutevel De fato ele finaliza seu estudo com estas consideraccedilotildees

gerais a respeito dos resultados de sua pesquisa principalmente em contraposiccedilatildeo com os

resultados dos mortais Assim a partir do verso 850 a deusa declara concluiacutedo os discursos

fidedignos e o pensamento sobre a verdade e se dedica a expor as opiniotildees dos mortais segundo

uma ordem de palavras controversa

Como se sabe os problemas exegeacuteticos dessas passagens satildeo muitos e geram muacuteltiplas

soluccedilotildees amplamente divergentes entre os estudiosos por outro lado o nosso assunto eacute a

argumentaccedilatildeo parmenidiana e natildeo as caracteriacutesticas do eon e as demais partes do poema logo natildeo

166

precisamos entrar nem mesmo panoramicamente nas grandes polecircmicas que envolvem os

proacuteximos versos Encerramos entatildeo a nossa anaacutelise do fragmento 8 com um resumo e com algumas

consideraccedilotildees a respeito dos resultados obtidos

A ontologia parmenidiana

A proposta parmenidiana eacute francamente ontoloacutegica Parmecircnides estreia esse tipo de reflexatildeo

a ontologia exatamente com uma meditaccedilatildeo sobre a maacutexima dimensatildeo do existente Penso que

seja necessaacuterio levar isto em conta para se entender esses versos do fr 8 e para entender o tipo de

raciociacutenio que eacute utilizado Vejam-se por exemplo as consideraccedilotildees de um criacutetico que dedicou um

bom trabalho a este fragmento Richard McKirahan Diz ele ldquoTodos os argumentos contra geraccedilatildeo

e perecimento (86-20) explicam a geraccedilatildeo do que-eacute a partir do que-natildeo-eacute e o perecimento como

perecimento do que-eacute no que-natildeo-eacute natildeo haacute nada contra a geraccedilatildeo do que-eacute a partir do que-eacute ou o

perecimento do que-eacute no que-eacute ou seja nada contra uma coisa que-eacute se tornar outrardquo E na nota a

estas palavras complementa ldquoTambeacutem nada contra [o fato de] muitas coisas se tornarem uma

(como quando taacutebuas e pregos se tornam uma cama) ou contra uma coisa se tornar muitas (como

quando noacutes desmontamos uma cama) ou contra casos desse tipo ainda mais complicadosrdquo213 Natildeo

eacute difiacutecil se deixar levar pelo raciociacutenio loacutegico e com ele considerar impropriamente um raciociacutenio

ontoloacutegico Parmecircnides raciocina de forma ontoloacutegica e por alguma razatildeo sem receio algum

213McKirahan 2008 ldquoAll the arguments against generation and perishing (86-20) construe generation as generation

of what-is out of what-is-not andperishing as perishing of what-is into what-is-not there is nothing against the

generation of what-is out of what-is or the perishing of what-is into what-is that is nothing against one thing

becoming anotherrdquo (p 220) A nota diz ldquoAlso nothing against several things becoming one (as when boards and

nails become a bed) or against one thing becoming several (as when we disassemble a bed) or against other mor

complicated cases of this sortrdquo (p 229)

167

(expliacutecito) de enfrentar as aporias dessa maneira de argumentar214

Pelo raciociacutenio ontoloacutegico uma taacutebua para ficar no exemplo de McKirahan eacute um fato

existencial absoluto e jamais pode se tornar uma cama uma cama natildeo pode jamais se tornar uma

soma incoerente de componentes e quando ela eacute desmontada ela natildeo deixa de existir porque a

cama eacute um fato existencial absoluto assim como cada ente de nosso mundo Para dar um exemplo

com entes dos quais eacute mais faacutecil identificar o aspecto ontoloacutegico uma operaccedilatildeo de 2+3=5 embora

nos pareccedila uma transformaccedilatildeo (eacute a razatildeo pela qual usamos um vocaacutebulo de movimento operaccedilatildeo)

eacute uma associaccedilatildeo de 2 e de 3 segundo um tipo de associaccedilatildeo que chamamos soma que resulta num

5 Os entes do mundo sensiacutevel em seu status ontoloacutegico natildeo diferem enquanto entes (natildeo

enquanto sensiacuteveis) dos entes inteligiacuteveis e assim como depois operaccedilatildeo 2+3=5 se continua tendo

um 2 um 3 e um 5 assim tambeacutem numa operaccedilatildeo taacutebuas+pregos=cama uma vez concluiacuteda a

operaccedilatildeo se continuaraacute tendo taacutebuas pregos e cama tanto quanto se tinha antes embora ainda natildeo

se tinha a noccedilatildeo da existecircncia (o noema diria Parmecircnides) daquela cama especiacutefica

Por isso no argumento do crescimento este soacute seria (como hipoacutetese) possiacutevel a partir do natildeo

ser natildeo haacute do ponto de vista ontoloacutegico um crescimento de taacutebuas e pregos numa cama o que haacute

eacute um processo que noacutes chamamos devir e que desde Parmecircnides aguarda uma explicaccedilatildeo melhor

do que aquela comum de ldquotransformaccedilatildeordquo215 Parmecircnides evidencia que os entes cada um e o todo

deles atendem a um preceito que opotildee radicalmente o ser e o nada porque haacute uma impossibilidade

214 Como a histoacuteria seguinte mostrou as palavras de Parmecircnides satildeo motivo de angustia profunda que deixou

desnorteados ateacute os mais eminentes filoacutesofos do pensamento ocidental mas ele proacuteprio nada relata da anguacutestia

suscitada por estas aporias 215Eacute o termo geneacuterico e comum associado ao devir O que se aguarda eacute a descriccedilatildeo de um processo de devir que

preserve o status ontoloacutegico da imutabilidade de cada ente (Cf com o proacuteximo capiacutetulo)

168

de se negar o ser Esse preceito impede que ao lado de um ente no nosso exemplo a taacutebua nasccedila

(cresccedila) um outro ente a cama porque este viria do nada Assim se um ente (um o que-eacute na

expressatildeo de McKirahan) gerasse outro (um o que-eacute+algo novo que-eacute) o elemento novo por ter

autonomia ontoloacutegica absoluta teria que vir do nada

Discordo entatildeo de McKirahan e dos muitos que natildeo encontram o argumento contra o devir

do que-eacute para o que-eacute A argumentaccedilatildeo estaacute laacute sob o nome de crescimento aquela φύσις (810 φῦν)

que resultaraacute transfigurada para sempre apoacutes Parmecircnides O mesmo deve ser dito em relaccedilatildeo ao

perecimento Perecer significaria ontologicamente deixar um buraco de natildeo ser encastoado num

mar de ser mas o natildeo ser eacute impossiacutevel Se algo cresce algo que era antes de crescer perece ndash

como seria o caso de dizer seguindo a rigor o exemplo de McKirahan a respeito do prego da cama

o qual agora natildeo eacute mais um prego mas uma parte da cama ou num exemplo mais claro a semente

perece para dar espaccedilo agrave planta ou a crianccedila ao adulto216 O crescimento implica eu ipso o

perecimento logo eliminando o crescimento se elimina tambeacutem o perecimento pois o

crescimento de algo implica que algo mais pereceu Dito de outra forma se considerarmos o

processo nos termos colocados por McKirahan ou seja como ldquobecomingrdquo devir entatildeo sempre

que algo se transforma em outro algo sempre que algo deveacutem o processo de devir transforma o

que-eacute naquilo que-natildeo-eacute (mais) e ao mesmo tempo passa a ser outro que-eacute ou seja em outros

termos o transformando deixa de existir (perece) em favor do transformado o qual passa a existir

Vecirc-se portanto que Parmecircnides argumenta dentro de uma ordem ontoloacutegica de ideias aplicada aos

216Este tema jaacute se encontra enfrentado em Anaximandro o qual atribui ao tempo a justa distribuiccedilatildeo entre aparecer e

desaparecer

169

conceitos jocircnicos anteriores onde nascimento e morte se apresentam simultaneamente alternando

os entes segundo a ordem do tempo

Deixando para o proacuteximo capiacutetulo uma discussatildeo mais geral sobre o natildeo ser resta aqui

ressaltar o rigor da construccedilatildeo parmenidiana com a articulaccedilatildeo da argumentaccedilatildeo em dois

momentos ndash geraccedilatildeo e perecimento a partir do nada e para o nada e geraccedilatildeo e perecimento a partir

do ser e para o ser ndash configurando o primeiro exemplo historicamente documentado de uma

estrutura argumentativa soacutelida e coerente que apresenta o problema a tese da soluccedilatildeo o meacutetodo

de soluccedilatildeo e o resultado que coincidindo com a tese eacute acompanhado de uma expressatildeo muito

similar na forma e praticamente idecircntica no espiacuterito ao QED das demonstraccedilotildees rigorosas

sucessivas

No proacuteximo capiacutetulo seraacute possiacutevel concluir a investigaccedilatildeo a respeito do Parmecircnides

psicoacutelogos que deixamos em suspenso no primeiro capiacutetulo pela falta das noccedilotildees relativas ao

pensar expostas neste capiacutetulo Sucessivamente conduziremos uma discussatildeo geral sobre a noccedilatildeo

de natildeo ser que emergiu nas anaacutelises aqui realizadas para afinal concluir com algumas

consideraccedilotildees gerais

170

5 O PRECEITO DA DEUSA

51 O natildeo ser em Parmecircnides

Parmecircnides inventou217 a noccedilatildeo de natildeo ser218 O percurso que ele seguiu para alcanccedilar essa

noccedilatildeo eacute reportado em seu poema natildeo de forma totalmente expliacutecita mas com uma riqueza de

detalhes suficiente para reconstrui-lo Trata-se de uma meditaccedilatildeo trata-se de uma reflexatildeo sobre o

significado uacuteltimo da negaccedilatildeo do que eacute Para o realismo gnosioloacutegico tiacutepico dessas culturas negar

o ser de algo (sua existecircncia presenccedila local ou temporal) significa antes de tudo negar o ser fiacutesico

(e limitadamente a este acircmbito e natildeo aleacutem deve ser considerada a noccedilatildeo de natildeo ser presente nos

Vedas) Parmecircnides provavelmente partindo da noccedilatildeo de negaccedilatildeo fiacutesica deve ter levado agraves uacuteltimas

consequecircncias esse processo de negaccedilatildeo dos entes fiacutesicos mas certamente acrescentou a estes a

negaccedilatildeo dos entes de pensamento como se vecirc pelas vaacuterias expressotildees em seu poema equacionando

o pensamento com o ser e rejeitando a relaccedilatildeo do pensamento com o natildeo ser Levou o processo agraves

uacuteltimas consequecircncias porque este era o procedimento da cultura avanccedilada da eacutepoca ndash as filosofias

217Mesmo que ele tenha tomado esse conceito da cultura indiana a noccedilatildeo por ele elaborada estaacute muito aleacutem daquela

reportada pelos textos orientais como vimos no Intermezzo do cap 2 218Um panorama de interpretaccedilotildees sobre o natildeo ser de Parmecircnides pode ser encontrado em Hermann 2011 p 135-171

Este estudioso tambeacutem apresenta um estudo do natildeo ser de proporccedilotildees muito menores do que o nosso com o qual

poreacutem se pode concordar em linhas gerais Note-se por exemplo a mudanccedila proposta ao sujeito segundo ele impliacutecito

para DK B 23 e 25 e em todo caso o sentido geral das expressotildees enquanto em seu trabalho anterior (um excelente

estudo sobre pitagorismo e Parmecircnides Hermann 2004) ele traduzia ldquothe one that [states it as] IT IS and that it cannot

NOT BE [as it is]rdquo neste artigo de 2011 traduz the one that [reasons it] IS and that it cannot NOT BErdquo Esta segunda

traduccedilatildeo ligando as expressotildees ao argumentar o aproxima da nossa interpretaccedilatildeo no entanto como foi visto aqui

esta meditaccedilatildeo parmenidiana eacute de focirclego muito maior e o meacutetodo do argumento eacute apenas um dos resultados Ademais

aplicar esse verbo to reason eacute restritivo como se torna mais evidente em 25 onde ele fez a mesma substituiccedilatildeo pois

esti e ouk esti satildeo estruturas e natildeo funccedilotildees Elas podem ser usadas bem o mal em funccedilotildees de argumento mas elas

proacuteprias natildeo satildeo argumentos como vimos no primeiro paraacutegrafo do capiacutetulo 4 p 99 em diante

171

jocircnica e pitagoacuterica em ambas das quais ele foi instruiacutedo ndash que consistia na busca de uma noccedilatildeo

extrema e total da ordem do mundo extrema ao ponto de nela incluir os deuses De fato e embora

seja uma deusa a instruir o kouros parmenidiano estas suas pesquisas assim como aquelas de seus

colegas jocircnicos e pitagoacutericos se orientaram para explicaccedilotildees francamente naturalistas

prescindindo dos deuses e se sobrepondo agrave explicaccedilatildeo religiosa

Com extraordinaacuteria coragem (que hoje noacutes chamariacuteamos de) filosoacutefica aceitou o resultado

de suas reflexotildees e construiu uma doutrina metodoloacutegica extremamente coerente que ele natildeo

hesitou em sustentar mesmo quando ela o levou ao mais anti-intuitivo dos mundos um mundo

onde natildeo haacute mutaccedilatildeo Assim sem receio destes resultados que estavam em conflito com a

experiecircncia comum dos sentidos conseguiu consolidar uma noccedilatildeo rigorosa a noccedilatildeo de natildeo ser e

junto com a noccedilatildeo de ser iniciou um processo histoacuterico de pensamento a ontologia cuja vitalidade

se manteve ao longo de mais de dois milecircnios ateacute hoje e que representa uma das colunas portantes

naquele acircmbito cultural que chamamos de filosofia Curiosamente poreacutem a mensagem inicial de

Parmecircnides de certa forma se perdeu e se perdeu num detalhe importante A noccedilatildeo de natildeo ser foi

logo absorvida pela cultura a ele sucessiva e rendeu frutos tatildeo profundos quanto desnorteadores

que vatildeo desde os paradoxos zenonianos e gorgianos ateacute as discussotildees de Platatildeo sobre o devir e de

Aristoacuteteles sobre o principium firmissimum de natildeo contradiccedilatildeo passando pela filosofia

rigorosamente racionalista de Melisso provavelmente o filoacutesofo mais radical de toda a filosofia

ocidental Mas nessa absorccedilatildeo a noccedilatildeo de natildeo ser foi de certa forma entificada ndash comeccedilando pelo

proacuteprio Melisso219 ndash e se tornou a noccedilatildeo de um polo negativo ao qual opor o ser A oposiccedilatildeo se

219Ver Galgano 2010

172

tornou claacutessica e sobrevive tanto no imaginaacuterio cultural como por exemplo no famoso to be or not

to be de Shakespeare quanto nas foacutermulas e nas operaccedilotildees da logiacutestica com a oposiccedilatildeo hoje

contestada de vaacuterias maneiras de a e ~a

Parmecircnides poreacutem natildeo estabeleceu como fundamento uma oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser O

seu fundamento eacute outro de que a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser eacute apenas uma das consequecircncias

Neste ponto neste detalhe reside a passagem da histoacuteria do pensamento que escolheu evitar um

fosso saltando sobre ele ou construindo uma ponte isto eacute aquele abismo conceitual que leva agrave

negaccedilatildeo da mutaccedilatildeo e agrave rejeiccedilatildeo da experiecircncia dos sentidos Quem primeiro construiu essa ponte

sobre o abismo Talvez tenha sido Melisso involuntariamente talvez tenha sido Platatildeo

conscientemente poreacutem o que mais importa eacute que a histoacuteria do pensamento natildeo quis enfrentar esta

dificuldade (a famosa aporia eleaacutetica) e quando o fez obteve resultados filosoficamente pouco

consolidados e que se desfizeram sempre que o advento de novas instacircncias histoacutericas e culturais

pareciam ser mais atraentes do que o espinhoso contexto da aporia eleaacutetica220

Entretanto Parmecircnides natildeo teve receio de olhar para o abismo da aporia porque era para laacute

que suas pesquisas o levaram A forccedila daquela aporia vinha da posiccedilatildeo de uma necessidade um

imperativo irrenunciaacutevel o pocircr-se de uma impossibilidade incontornaacutevel Eacute este vigor que daacute

firmeza ao rigor do meacutetodo sucessivamente desenvolvido O iniacutecio do percurso parmenidiano

consiste numa impossibilidade feacuterrea eacute impossiacutevel que o ser seja negado Para Parmecircnides a

incompatibilidade primeira eacute entre natildeo e ser Este eacute o ponto que se perdeu ao longo do

220Tanto a filosofia cristatilde medieval quanto o umaneacutesimo e a filosofia moderna dos seacuteculos XVI a

XIX se apoiam sobre movimentos culturais que implicam a mutaccedilatildeo e rejeitam a natildeo mutaccedilatildeo

173

desdobramento da filosofia ocidental Com esta incompatibilidade ele construiu seu preceito

metodoloacutegico de natildeo contradiccedilatildeo mas o fundamento ndash a incompatibilidade entre natildeo e ser ndash eacute

muito mais principial do que o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo

O fundamento de Parmecircnides eacute a impossibilidade de negar o ente (ouk estin) Ao contraacuterio

de muitos estudiosos eu penso que esta impossibilidade natildeo estaacute baseada numa confusatildeo entre a

expressatildeo sintaacutetica negativa e a entificaccedilatildeo da proposiccedilatildeo sintaacutetica negativa (uma ontologizaccedilatildeo a

partir das potencialidades da liacutengua grega) tambeacutem discordo da interpretaccedilatildeo gnosioloacutegica de que

afinal Parmecircnides estaria dizendo que natildeo se pode ter um conhecimento daquilo que natildeo eacute

especificamente este ponto me parece bastante fraco porque de certa forma desqualifica o eleata

reduzindo-o a falar uma obviedade embora como dizem esses autores uma obviedade de certa

importacircncia

Ao afirmar a impossibilidade de negaccedilatildeo do ser Parmecircnides estaacute afirmando a dignidade

existencial de todo ser o que impotildee a impossibilidade de eliminar qualquer ser mesmo aquele que

se julga ndash de uma forma ou de outra ndash que deve ser eliminado Assim imediatamente impotildee uma

isonomia axioloacutegica existencial todo ser tem o mesmo valor existencial221 Se por um lado tal

isonomia pode eternizar o que julgamos merecedor de eternidade por outro lado eterniza tambeacutem

o que julgamos que eternidade natildeo mereccedila estilhaccedilando imediatamente toda nossa estrutura

221Este tema estaacute citado no Parmecircnides de Platatildeo e que eu saiba nunca foi reconduzido agrave filosofia

parmenidiana original Laacute onde Soacutecrates encontra dificuldade em atribuir eternidade agraves formas

mais umildes como a do barro o velho Parmecircnides responde que ele eacute ainda muito jovem e que

um dia se tornaraacute um grande filoacutesofo A personagem de Parmecircnides neste ponto eacute fiel agrave mensagem

filosoacutefica do poema Entretanto a isonomia axioloacutegica existencial do todo e de todas as coisas eacute

assunto ainda difiacutecil para a nossa cultura

174

ingecircnua de valores e obrigando a pensar o existente (o ser) numa ordem de mundo completamente

outra

Parmecircnides natildeo eacute totalmente expliacutecito sobre isto mas a sua admissatildeo da pluralidade das

coisas leva a pensar que pode estar sugerindo a natildeo mutaccedilatildeo de cada coisa Melisso rejeita esta

possibilidade porque diz que uma coisa se fosse eterna deveria ser tal qual a vimos da primeira

vez (um argumento similar seraacute usado mais tarde por Nietzsche para a mesma rejeiccedilatildeo) Mas

Melisso neste ponto de vista considera que uma coisa seja a mesma coisa quando submetida ao

fluxo da mutaccedilatildeo assim um ceacuteu claro que se torna nublado seria para Melisso o mesmo ceacuteu que

poreacutem aparentemente mudou mas a mutaccedilatildeo eacute impossiacutevel logo nossos sentidos nos enganam

Parmecircnides natildeo se expressa sobre isto mas sua capacidade de desafiar o senso comum natildeo pode

nos fazer excluir esta possibilidade isto eacute de que o que parece que seja a mutaccedilatildeo de um ente natildeo

eacute senatildeo a presenccedila de dois entes diversos no exemplo acima um ceacuteu claro eacute um ente e o ceacuteu

nublado eacute outro

Eu penso que Parmecircnides natildeo tenha alcanccedilado esta sofisticaccedilatildeo de anaacutelise que por exemplo

encontramos em Melisso O que o texto parmenidiano que sobreviveu parece indicar eacute um natildeo

aprofundamento analiacutetico deixando para a discussatildeo um territoacuterio imenso e virgem222 Talvez ele

222Num artigo dedicado ao fragmento 2 Berti consegue uma proeza aquela de juntar de uma soacute vez todas as criacuteticas a

Parmecircnides de Aristoacuteteles a Severino passando por Kant e Hegel Tudo comeccedila com uma leitura por assim dizer

analiacutetica as duas vias de Parmecircnides seriam disjuntivas Esta leitura infelizmente eacute comum e mesmo os maiores

estudiosos de Parmecircnides dizer que uma via elimina a outra Mas uma vez atribuiacutedo o pecado a Parmecircnides

surgem os vaacuterios salvadores Por exemplo seguindo a sugestatildeo de Lloyd Berti diz ldquoA proposiccedilatildeo contraditoacuteria em

relaccedilatildeo a lsquoeacute necessaacuterio que sejarsquo (primeira via) de fato natildeo eacute lsquoeacute necessaacuterio que natildeo sejarsquo (a segunda via de

Parmecircnides) mas lsquonatildeo eacute necessaacuterio que sejarsquordquo (Berti 2011 p 111) Assim as contraditoacuterias se tornam contraacuterias

e nesse caso natildeo podem ser as uacutenicas alternativas possiacuteveis incluindo entre elas a alternativa de que ambas as vias

podem ser falsas Obviamente esta uacuteltima conclusatildeo suscita as objeccedilotildees dos parmenidianos os quais apelam para

a concepccedilatildeo moniacutestica de Parmecircnides Berti entatildeo responde com uma passagem que quero reportar por inteiro

175

pudesse ter aceitado a elaboraccedilatildeo de Melisso talvez ateacute aquela de Goacutergias talvez tivesse aceitado

a interpretaccedilatildeo cinematograacutefica de Bergson223 mas natildeo aceitaria a versatildeo de Platatildeo e nem de

Aristoacuteteles porque certamente estin os te kai ouk estin me einai Entatildeo penso que natildeo conveacutem

espremer e constranger o texto parmenidiano dentro de noccedilotildees que o autor natildeo tinha e pela eacutepoca

nem podia ter Penso que ele tenha que permanecer em sua grandeza arcaica sem que lhe se negue

poreacutem a profundidade filosoacutefica de um discurso que embora pouco articulado para os nossos

padrotildees possui uma potencialidade culturalmente imensa e filosoficamente riquiacutessima reduzi-lo

a dizer trivialidades significa natildeo ter colhido a importacircncia seminal da conceituaccedilatildeo parmenidiana

origem de um percurso a ontologia que tem na relaccedilatildeo entre ser e natildeo ser o seu eixo portante

A impossibilidade eacute para Parmecircnides entre natildeo e ser O que mais precisamente significa

isto Significa que haacute uma estrutura cognitiva e discursiva a negaccedilatildeo que eacute expressatildeo da mente

e natildeo da realidade percebida eacute a mente que pelo uso incorreto da negaccedilatildeo produz interpretaccedilotildees

pois mostra claramente a confusatildeo que vem de usar categorias natildeo plausiacuteveis para o texto de Parmecircnides Diz Berti

ldquoMas dessa forma se acaba atribuindo a Parmecircnides a apresentaccedilatildeo de duas proposiccedilotildees contraacuterias como se fossem

contraditoacuterias isto eacute a confusatildeo entre contraacuterios e contraditoacuterios a qual eacute um erro de loacutegica natildeo somente do ponto

de vista aristoteacutelico Obviamente Parmecircnides natildeo lera o De interpretatione de Aristoacuteteles mas antes de lhe atribuir

simplesmente um erro de loacutegica seria necessaacuterio entender por qual motivo o cometeu o que o induziu a dizer o

que diz no fr 2 [hellip] O que enfim induz Parmecircnides a considerar as duas vias como contraditoacuterias isto eacute como

exclusivas de qualquer outra possibilidaderdquo (P 112) Haacute muitos pressupostos nestas palavras que levam a erros de

loacutegica 1) em nenhum lugar Parmecircnides diz que as vias satildeo exclusiva ele diz que soacute encontrou duas 2) em nenhum

lugar ele diz que as duas vias satildeo contraditoacuterias o que ele diz eacute que o natildeo ser eacute impensaacutevel e o uso desta

impossibilidade no discurso gera a contradiccedilatildeo 3) muito menos disse que satildeo contraacuterias 4) por conseguinte ele

natildeo cometeu nenhum erro de loacutegica Estas todas satildeo atribuiccedilotildees indevidas ao texto de Parmecircnides e procedendo

deste modo eacute fatal chegar agrave seguinte conclusatildeo ldquoSe esta eacute a razatildeo pela qual Parmecircnides opocircs entre elas as duas

vias entatildeo sinto muito mas natildeo eacute mais possiacutevel voltar a Parmecircnidesrdquo (115) Depois de ter passado por Kant e

Hegel ele chega a Severino com esta evocaccedilatildeo de um artigo importante ldquoVoltar a Parmecircnidesrdquo (Severino 1982)

como se Severino fosse um exegeta ou um estudioso de Parmecircnides natildeo o eacute ele apenas aproveita sugestotildees

parmenidianas para desenvolver sua proacutepria filosofia Em suma resulta difiacutecil penetrar o universo de ideias de

Parmecircnides se antes natildeo se depotildeem as defesas intelectuais que 2500 anos de aporia eleaacutetica foram capazes de

suscitar 223Bergson 2005 p 295

176

incoerentes do mundo Parmecircnides percebe que o que chamamos experiecircncia dos sentidos eacute o

resultado de um conjunto de impressotildees dos sentidos e tambeacutem de interpretaccedilotildees feitas pelo nosso

aparelho cognitivo A realidade enquanto considerada objeto de cogniccedilatildeo se potildee diante de nossos

oacutergatildeos de sensaccedilatildeo mas esta realidade posta eacute sempre positiva A negaccedilatildeo eacute uma interpretaccedilatildeo

cognitiva que parte de nosso aparelho de cogniccedilatildeo Se percebo a positividade de um ceacuteu claro e

depois a positividade de um ceacuteu nublado a nossa cogniccedilatildeo interpreta o primeiro e o segundo ceacuteu

como que em continuidade temporal e ao mesmo tempo o claro e o nublado como que em

descontinuidade temporal O segundo ceacuteu parece entatildeo o mesmo que o primeiro enquanto o claro

do ceacuteu primeiro ldquose tornardquo o nublado do segundo ceacuteu No entanto o ceacuteu enquanto claro eacute uma

positividade tanto quanto o ceacuteu enquanto nublado Ambos os ceacuteus satildeo positividades e enquanto

positividades natildeo aceitam a negaccedilatildeo Se se afirma que o ceacuteu nublado natildeo eacute claro entatildeo se afirma

uma impossibilidade ontoloacutegica isto eacute que um positivo seja negativo

Partindo de uma hipoteacutetica experiecircncia pura 224 natildeo desviada pelas impressotildees de

continuidade (e portanto de descontinuidade) temporal a realidade eacute sempre positiva

mergulhando esta experiecircncia dentro da interpretaccedilatildeo do nosso aparelho cognitivo com suas

funccedilotildees que a elaboram ndash em primeiro lugar a funccedilatildeo da memoacuteria ndash e a reconduzem a uma imagem

refletida entatildeo temos as experiecircncias de continuidade e ruptura temporais de passagem do natildeo ser

224Aqui natildeo haacute referecircncia a Kant embora tenha sido o proacuteprio Kant a denunciar o fato de que o princiacutepio de natildeo-

contradiccedilatildeo involve o tempo indevidamente ldquoHaacute poreacutem uma foacutermula deste princiacutepio famoso embora destituiacutedo

de qualquer conteuacutedo e apenas formal que conteacutem uma siacutentese que se misturou com ele por descuido e sem

necessidade alguma Diz assim eacute impossiacutevel que alguma coisa seja e natildeo seja ao mesmo tempo [hellip] Ora o princiacutepio

de contradiccedilatildeo enquanto simples princiacutepio loacutegico natildeo deve restringir as suas asserccedilotildees a relaccedilotildees de tempo tal

foacutermula portanto eacute inteiramente contraacuteria agrave intenccedilatildeo do princiacutepiordquo (Kant Criacutetica da razatildeo pura I Do princiacutepio

supremo de todos os juiacutezos analiacuteticos Versatildeo em portuguecircs 2001 p 217-218)

177

ao ser e do ser ao natildeo ser Eacute somente com a reflexatildeo (cogniccedilatildeo) que pode aparecer a experiecircncia

do natildeo onde ldquoalgo que natildeo eacuterdquo eacute sempre algo que estaacute no lugar de algo mais que esperaacutevamos que

fosse que ali estivesse presente

A impossibilidade da negaccedilatildeo do real surge de uma criacutetica agrave condiccedilatildeo gnosioloacutegica humana

a criacutetica que emerge na meditaccedilatildeo parmenidiana No entanto o problema que assim aparece se

prospecta incontornaacutevel Se a cogniccedilatildeo humana apresenta uma distorccedilatildeo tatildeo grande como seraacute a

verdadeira realidade E ademais se noacutes estamos encerrados nesta condiccedilatildeo cognitiva como se

pode ter acesso agrave verdadeira realidade Como eacute possiacutevel compensar e alterar essa condiccedilatildeo

cognitiva de forma a ter acesso agrave verdadeira realidade Eu penso que Parmecircnides tenha dado duas

respostas porque natildeo conseguiu dar uma uacutenica resposta satisfatoacuteria225 Nisto parece-me correta a

visatildeo de Aristoacuteteles quando diz que Parmecircnides primeiro tentou dar uma reposta pelo logos e

depois tendo que explicar o mundo pelos sentidos se viu obrigado a acrescentar uma parte ao seu

poema onde ele potildee duas causas manifestando assim sua perplexidade em relaccedilatildeo aos dois

conteuacutedos do poema226 De fato ainda que se consiga estabelecer a imutabilidade do ser ou dos

225Rossetti 2008 p 139 ldquoAfinal O que haacute de mal em pensar que a doutrina do ser tenha se firmado como perfeita e

recortado um oliacutempo proacuteprio salvo o fato de deixar subsistir aquele saber mundano que possivelmente nem o autor

soube conciliar perfeitamente com a doutrina do ser cuidando apenas de evitar toda contaminaccedilatildeo ou comistatildeordquo

(Dopotutto che cegrave di male nel pensare che la dottrina dellessere si sia affermata come perfetta e si sia ritagliata un

suo olimpo salvo poi a lasciar sussistere quel sapere mondano che nemmeno lautore probabilmente seppe

raccordare proprio bene com la dottrina dellessere preoccupandosi soltanto di evitare ogni contaminazione o

commistione) (Veja-se tambeacutem a nota seguinte 238) 226Consideraccedilotildees muito pertinentes a respeito desta questatildeo estatildeo em Rossetti 2008 A discussatildeo sobre a validade da

segunda parte do poema permanece ainda em aberto entre os estudiosos O testemunho de Aristoacuteteles diz apenas

que Parmecircnides acrescentou uma descriccedilatildeo segundo os sentidos e nada diz se esta descriccedilatildeo estava na parte

qualificada apatelon pela deusa ou na primeira parte pela ediccedilatildeo de Diels os fragmentos fiacutesicos se encontram na

segunda parte mas disto natildeo se tem certeza pois a parte anunciada como apatelon pode muito bem se restringir

agravequele tipo de noccedilatildeo confusa entre duas causas como explicado pela deusa no fragmento 9 enquanto os fragmentos

de 10 a18 poderiam constar na primeira parte Embora esta discussatildeo ainda esteja em ato e longe de tomar rumos

conclusivos parece cada vez mais se configurar entre os estudiosos (por exemplo vejam-se a respeito as pesquisas

178

seres (pelo preceito da deusa) resta ainda a explicar o devir Melisso que manteacutem o preceito

parmenidiano natildeo explica o devir simplesmente o rejeita Platatildeo Aristoacuteteles e todos os filoacutesofos

ateacute hoje (com raras exceccedilotildees) explicam o devir mas rejeitam o preceito parmenidiano Parmecircnides

assim me parece conseguiu argumentar rigorosamente a respeito da impossibilidade da negaccedilatildeo

mas natildeo conseguiu dar com o mesmo rigor uma explicaccedilatildeo da dinacircmica concreta do devir por

um lado com os preceitos da sua deusa ofereceu uma descriccedilatildeo do real enquanto real aquela parte

onde a natildeo mutaccedilatildeo podia ser compreendida e descrita por outro lado na segunda parte do poema

restando a consciecircncia de que aquelas descriccedilotildees natildeo estavam submetidas ao rigor das

metodologias que ele descobriu resolveu apresentaacute-las segundo a ordem tradicional que ele chama

opiniotildees dos mortais

Pelo preceito da deusa o real natildeo estaacute submetido ao devir (do senso comum) o que eacute natildeo

pode natildeo ser por conseguinte o que era natildeo deixou de ser ainda eacute de outra parte ainda por

conseguinte o que seraacute necessariamente jaacute eacute pois natildeo se pode admitir que o que seraacute ainda natildeo eacute

Este eacute o argumento do nun parmenidiano do natildeo era e natildeo seraacute porque eacute todo agora227 Este

argumento natildeo soluciona a questatildeo do devir e do tempo diz apenas que o que eacute pensado como natildeo

de Pulpito 2008 e mais ainda Pulpito 2011b) a tendecircncia de distinguir trecircs tipos de saberes no poema um

ontoloacutegico um fiacutesico e outro meramente opinativo o estudo apresentado nestas linhas no capiacutetulo 2 indica

claramente como alvo da criacutetica parmenidiana as doutrinas religiosas tradicionais e natildeo as cosmologias recentes

dos mestres jocircnicos o que de certa forma corrobora as teses atuais que diferenciam a doxa dos mortais de um saber

fiacutesico mais certo embora sem o status de persuasatildeo absoluta possuiacutedo pela doutrina do eon resta entretanto a

questatildeo de conciliar esta triacuteplice distinccedilatildeo com uma concreta correspondecircncia textual meta atualmente ainda

distante Sobre o mesmo tema vejam-se tambeacutem as consideraccedilotildees de Graham 1999 e Zucchello 2010 227 Um excelente estudo sobre o verso DK B 85 eacute de Massimo Pulpito (2005) mais recentemente retomando o

argumento ele afirma que Parmecircnides apenas pressupotildee a duraccedilatildeo do tempo pois retirando o ponto alto em 84

(Manchester 1979 e Cerri 1999) se obteacutem uma leitura seguida com a seguinte traduccedilatildeo ldquoeacute ingecircnito e imortal [hellip]

imoacutevel e incompleto (ἀτέλεστον) nunca foi e nem seraacute pois eacute agora todo juntordquo (egrave ingenerato e immortale [hellip]

immobile e incompiuto mais fu neacute saragrave perchegrave egrave ora tutto insieme) (Pulpito 2011a p 266)

179

ser porque era ou como natildeo ser porque seraacute eacute uma impossibilidade que deriva do preceito da

deusa Posto isto posto que tudo que era ainda eacute e tudo que seraacute jaacute eacute como explicar a nossa

percepccedilatildeo do era e do seraacute Embora teoricamente a questatildeo poderia ser resolvida simplesmente

como Melisso alegando um engano dos sentidos na praacutetica a questatildeo eacute de importacircncia radical

porque do sentido que damos ao era e ao seraacute depende a nossa visatildeo de mundo

Tomem-se os entes matemaacuteticos Estes poderiam ser considerados entes parmenidianos jaacute

que eles natildeo eram e natildeo seratildeo eles apenas satildeo Conseguimos imaginar o mundo sem mutaccedilatildeo dos

entes matemaacuteticos Penso que natildeo a menos de pensar uma espeacutecie de grande estaacutetico manancial

de onde extrai-los a vontade quando deles precisamos Um mundo fiacutesico sem devir feito de entes

sem ontem nem amanhatilde poderia ser assimilado ao mundo dos entes matemaacuteticos No entanto isto

parece impossiacutevel de ser acatado pela nossa experiecircncia desde aquela mais superficialmente

sensoacuteria ateacute aquela mais profundamente intelectual Eu penso que algo parecido aconteceu com

Parmecircnides o qual apoacutes a descriccedilatildeo do eon qual realidade uacuteltima das coisas natildeo conseguiu vir a

cabo de uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria e fecunda do mundo em sua concretude cotidiana Natildeo teve

portanto outra opccedilatildeo a natildeo ser recorrer ao melhor conhecimento disponiacutevel embora enganoso da

eacutepoca Natildeo foi o uacutenico a deixar o quadro incompleto de Zenatildeo tambeacutem soacute se conhece a pars

destruens dos seus paradoxos mas natildeo se tem notiacutecia de que tenha proposto uma cosmologia

positiva o mesmo vale para Melisso Os eleatas natildeo conseguiram propor cosmologias em

consonacircncia com seus preceitos228

Deve se acrescentar que partindo dos preceitos parmenidianos ningueacutem ateacute agora conseguiu

228Rossetti 2008

180

propor uma cosmologia positiva Contudo o preceito da deusa eacute incontrovertiacutevel e estaacute na base da

formulaccedilatildeo dos princiacutepios loacutegicos mais fundamentais (identidade natildeo contradiccedilatildeo e terceiro

excluiacutedo) Por este motivo para o uso da loacutegica comum Parmecircnides eacute reduzido a ser apenas o pai

arcaico da ontologia mas em sede de discussatildeo teoacuterica entre os filoacutesofos e tambeacutem entre os

cientistas na parte mais filosoacutefica de sua atividade o preceito da deusa continua despertando

perplexidade e Parmecircnides continua despertando a mesma sensaccedilatildeo venerando e terriacutevel que

despertou em Platatildeo229

511 O ser os seres

Um dos argumentos favoritos de certos criacuteticos eacute de que o ser e o natildeo ser de Parmecircnides se

referem ao ser universal e natildeo ao particular Isto natildeo corresponde ao que estaacute no poema Parmecircnides

fala desde o iniacutecio de todas as coisas (128) no plural e se repete assim nos versos seguintes do

fragmento 1 Ele fala de ente e natildeo ente no singular no fragmento 2 na parte metodoloacutegica Volta

a falar de eonta plural na parte da criacutetica agrave cogniccedilatildeo comum Finalmente no fragmento 8 fala do

eon singular com vaacuterias referecircncia agraves coisas no plural Haacute nisto vaacuterias questotildees antes de tudo a

questatildeo da unidade versus pluralidade tema que Platatildeo exploraraacute no seu diaacutelogo Parmecircnides Mas

haacute tambeacutem a questatildeo de se entender ao que ele se refere quando diz eon ou eonta Esta discussatildeo

sobre o ser natildeo eacute objeto da presente investigaccedilatildeo e o que ndash pelo contraacuterio ndash nos interessa de perto

eacute verificar se se pode falar do natildeo ser de um uacutenico ente ao lado do natildeo ser em sentido geral assim

229Um exemplo Graham Priest Towards non-being 2005

181

como aparece na expressatildeo me einai

Ao se estudar a negaccedilatildeo de um uacutenico ente aparece em noacutes de imediato a influecircncia do

platonismo o qual forjou profundamente nossa maneira de pensar Faccedilamos um exemplo se eu

digo natildeo livro imediatamente vem agrave mente uma outra coisa qualquer que natildeo seja um livro Este

eacute o sinal de que a visatildeo platocircnica de um natildeo ser enquanto relativo isto eacute enquanto outro eacute a noccedilatildeo

principal que surge agrave nossa mente diante da negaccedilatildeo de um uacutenico ente O discurso seria diferente

para a negaccedilatildeo de todos os entes ou do todo dos entes tema que Platatildeo cuidadosamente evitou no

Sofista de fato ao se negar todos os entes ou o todo dos entes eacute impossiacutevel referir a negaccedilatildeo deste

todo ao outro pois ao se negar o todo por definiccedilatildeo natildeo haacute outro Este desenvolvimento platocircnico

natildeo se aplica ao todo dos entes mas parece funcionar tatildeo bem com o ente particular que para a

nossa sensibilidade comum resulta muito difiacutecil pensar ainda que virtualmente o natildeo ser de um

uacutenico ente

Entretanto a negaccedilatildeo de um uacutenico ente fora do molde platocircnico do natildeo ser relativo eacute

possiacutevel e configura uma negaccedilatildeo absoluta do ente particular Para que esse assunto seja exposto

mais claramente iniciarei da noccedilatildeo que noacutes fazemos dos entes impossiacuteveis Tome-se por exemplo

a expressatildeo triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que virtualmente se referiria a um ente

geomeacutetrico o qual sendo um triacircngulo teria quatro acircngulos ou sendo um quadrado teria trecircs

acircngulos Para o nosso modo de ver pensar e conhecer o mundo tal ente geomeacutetrico natildeo existe e

natildeo pode existir o que lhe nega a existecircncia segundo nossa maneira de argumentar eacute o fato de que

a posiccedilatildeo da triangularidade exclui imediatamente a posiccedilatildeo da quadrangularidade e vice-versa

natildeo pode haver um triacircngulo quadrado Assim o triacircngulo quadrado por ser impossiacutevel eacute um ente

182

absolutamente negado230 o que significa que pelo preceito da deusa pensaacute-lo eacute uma operaccedilatildeo

cognitiva impossiacutevel isto eacute uma pretensatildeo da nossa mente que quer expressar um conteuacutedo real

quando de fato este conteuacutedo real natildeo existe Assim a negaccedilatildeo de tipo platocircnico do natildeo ser

enquanto outro expressa uma positividade real (este natildeo livro eacute o meu caderno) enquanto a

negaccedilatildeo absoluta expressa uma pretensatildeo impossiacutevel o triacircngulo quadrado (absolutamente) natildeo eacute

Este caso exemplifica bem o contexto indicado pela segunda via do fragmento 2 de fato o

triacircngulo quadrado natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo seja pois se fosse se produziria a contradiccedilatildeo

ontoloacutegica da existecircncia de um ente impossiacutevel

Agora que conseguimos delinear a noccedilatildeo de negaccedilatildeo absoluta de um ente particular natildeo eacute

difiacutecil entender a expressatildeo parmenidiana da pluralidade da negaccedilatildeo absoluta aplicada a uma

pluralidade de entes particulares Quando no fragmento 7 Parmecircnides diz ldquoque nunca prevaleccedila

que os natildeo entes (me eonta) sejamrdquo significa que ndash dentro do contexto da geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das

coisas o assunto predileto desses pesquisadores ndash dadas as coisas que satildeo estas natildeo podem vir a

ser de coisas que satildeo sua negaccedilatildeo absoluta Por exemplo este meu livro natildeo pode vir a ser de um

este meu natildeo livro absoluto porque o natildeo livro absoluto eacute uma impossibilidade do real O mesmo

pode ser dito da multiplicidade das coisas nenhuma delas pode vir a ser de uma multiplicidade de

natildeo coisas quando consideradas absolutamente porque cada natildeo coisa absoluta eacute uma

impossibilidade do real e afinal uma impossibilidade real

Definir as impossibilidades reais equivale a definir as impossibilidades do real onde as

230 Naotilde pode ser um natildeo ente relativo segundo a interpretaccedilatildeo de Platatildeo pois absolutamente natildeo existe e por natildeo

existir natildeo pode suportar a relaccedilatildeo a outro ente qualquer enquanto ente sem significado ontoloacutegico positivo

poderia ser assimilado ao natildeo ser absoluto que Platatildeo descarta completamente por carecer de sentido

183

primeiras se referem singularmente a cada impossibilidade particular e as segundas satildeo o conjunto

de impossibilidades que caracterizam o real como um todo Esse conjunto de impossibilidades

define os limites do real jaacute que descrevem irrealidades e o resultado eacute deste ponto de vista um

ser real delimitado em relaccedilatildeo agraves virtualidades que o pensamento cria Penso que aqui se daacute uma

confusatildeo entre os criacuteticos a respeito da relaccedilatildeo entre ser e pensar de que Parmecircnides fala em seu

poema Como vimos nas paacuteginas anteriores Parmecircnides critica um modo de pensar comum (as

opiniotildees dos mortais) e propotildee um novo modo de pensar enriquecido de uma mechane ou seja

ele fala de duas maneiras de pensar muito diferentes Quando entatildeo equaciona ser e pensar natildeo

me parece que equacione o ser agraves duas maneiras de pensar pelo contraacuterio ser e pensar satildeo o mesmo

apenas para o pensamento que corre sobre o caminho da persuasatildeo verdadeira Segundo as opiniotildees

dos mortais o mundo (a realidade os panta) se estende a entes impossiacuteveis enquanto satildeo tidos

como existentes pelos mortais Segundo o preceito da deusa o mundo se limita aos seres reais

Entatildeo o pensar o reto pensar eacute um pensar o real e converso o real (o que eacute o que haacute) impotildee

limites ao pensar laacute onde entes que natildeo satildeo de fato natildeo podem ser pensados logo natildeo devem ser

tidos como pensaacuteveis

O fiel da balanccedila da autecircntica correspondecircncia entre ser e pensar eacute exatamente o meacutetodo

seguir a primeira via e deixar de seguir a segunda o qual permite corrigir a distorccedilatildeo cognitiva e

permite reconduzir o mundo a um ser eon ele diz que eacute todo delimitado por impossibilidades E

melhor seria dizer ndash como ele diz com muita razatildeo ndash limitado intrinsecamente por uma estrutura

a qual se expressa pela necessidade e coesatildeo impedindo que se instaure o natildeo ser O natildeo ser que

natildeo se instaura que natildeo dilui o eon e natildeo abre frestas natildeo eacute um natildeo ser de fato mas tatildeo somente

uma virtualidade do pensar confuso ele se instaura apenas virtualmente na imagem distorcida que

as opiniotildees dos mortais fazem do mundo e por este motivo diferentemente do que elas afirmam o

184

mundo real descrito retamente pela opiniatildeo verdadeira eacute um mundo coeso onde a imagem que

retamente o representa simbolicamente eacute a imagem de uma esfera homogecircnea

A adesatildeo de ente a ente e o resultado desta continuidade numa visatildeo grandiosa de uma esfera

indicam que Parmecircnides se refere tanto agrave multiplicidade dos entes quanto agrave sua totalidade ambos

enganchados a suas respectivas impossibilidades a impossibilidade do natildeo ser particular de todo

ente particular e a impossibilidade do natildeo ser referido agrave totalidade dos entes Penso que a predileccedilatildeo

pelo assunto cosmoloacutegico proacuteprio de seu meio cultural seja o maior responsaacutevel pelo fato de

Parmecircnides ter tratado apenas do eon enquanto totalidade e natildeo como noacutes gostariacuteamos com

maiores detalhes do eon particular de cada ente Assim a descriccedilatildeo da realidade obtida partindo

da correccedilatildeo do processo cognitivo aponta para uma archeacute necessaacuteria que eacute a qual tem agregada

a coerccedilatildeo que impotildee uma necessidade isto eacute aquela coerccedilatildeo que impede qualquer desvio ao longo

da necessidade ou seja a impossibilidade que o que eacute natildeo seja Fica assim plenamente configurada

a primeira via a qual conduz pelo caminho de persuasatildeo verdadeira agrave correta imagem do mundo

um eon que eacute e que necessariamente afastando a negaccedilatildeo natildeo pode natildeo ser natildeo pode conter

frestas de natildeo ser natildeo pode conter descontinuidades nem heterogeneidades geradas pelo natildeo ser

512 Ouk esti

A incompatibilidade entre a negaccedilatildeo e o ente potildee um conjunto de questionamentos anteriores

ao proacuteprio princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo ou aos outros dois princiacutepios claacutessicos da loacutegica

(identidade e terceiro excluiacutedo) Os questionamentos comeccedilam a surgir exatamente em volta da

negaccedilatildeo como princiacutepio cognitivo ou seja numa regiatildeo de fronteira da proacutepria ontologia De fato

ser e natildeo ser satildeo os pressupostos da ontologia pois sem o ente particular (considerado enquanto

185

ente) ou o ente em geral (o ser) natildeo haacute ontologia mas sem o natildeo ser aquela noccedilatildeo que articula o

discurso sobre o ser tambeacutem natildeo haacute ontologia e isso natildeo porque as caracteriacutestica do ser satildeo

articuladas segundo uma ontologia negativa (o ser eacute um natildeo muacuteltiplo in-finito i-limitado etc)

mas porque o nosso proacuteprio discurso implica necessariamente a negaccedilatildeo e assim tambeacutem o logos

do on o discurso sobre o ente O negar eacute uma estrutura do nosso aparelho cognitivo somente

conhecemos ndash no sentido comum de conhecimento racional231 ndash pela negaccedilatildeo

O problema que surge junto com os questionamentos eacute exatamente aquele de como

conseguir pensar a negaccedilatildeo sem criar uma peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que a negaccedilatildeo estaraacute implicada

em qualquer discurso sobre ela Penso que este seja o principal motivo da singularidade que resulta

da meditaccedilatildeo do natildeo ser (assim como exposto anteriormente) De fato a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo que

naquela meditaccedilatildeo era a negaccedilatildeo do ato cognitivo negador revelava ali a aporia esta natildeo deixa de

estar presente mesmo na loacutegica mais comum Tome-se por exemplo a negaccedilatildeo de a dizemos que

a negaccedilatildeo de a eacute ~a e se diz comumente que a negaccedilatildeo de ~a eacute a mas a negaccedilatildeo de ~a eacute ao mesmo

tempo uma afirmaccedilatildeo pois eacute a e uma negaccedilatildeo pois eacute ~ (~a)232 O nosso aparelho cognitivo natildeo

231Como se sabe haacute outras formas de conhecimento principalmente as intuitivas e as de fusatildeo tais como as artiacutesticas

e miacutesticas mas que fogem ao objeto de nossa anaacutelise 232Como vimos a negaccedilatildeo (N) de um ente suponhamos ~a tem dois sentidos e por isso acaba gerando equiacutevocos e

ambiguidades Por um lado (N1) ~a tem o platocircnico sentido relativo assim ~a significa todo e qualquer ente do

mundo exceto a Por outro lado (N2) ~a significa a negaccedilatildeo absoluta de a sem nenhuma referecircncia a qualquer

outro ente como na negaccedilatildeo do triacircngulo quadrado Da mesma forma a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo (NN) tem dois sentidos

e dois acircmbitos diferentes No primeiro caso (NN1) na negaccedilatildeo como relativa negar ~a significa negar todos os

entes exceto a e por conseguinte por relaccedilatildeo a outro significa reafirmar a Mas no segundo caso (NN2) onde a

primeira negaccedilatildeo eacute absoluta noacutes temos ainda duas possibilidade (NN2a) a primeira com a negaccedilatildeo relativa de

uma negaccedilatildeo absoluta a segunda (NN2b) com a negaccedilatildeo absoluta de uma negaccedilatildeo absoluta A primeira

possibilidade (NN2a) nos diz que negando relativamente uma negaccedilatildeo absoluta se afirma tudo que natildeo eacute negaccedilatildeo

absoluta de a isto eacute a negaccedilatildeo relativa de a a afirmaccedilatildeo absoluta de a e a afirmaccedilatildeo relativa de a Jaacute a segunda

possibilidade (NN2b) eacute a negaccedilatildeo absoluta de uma negaccedilatildeo absoluta isto eacute a negaccedilatildeo de uma impossibilidade [no

186

acusa a aporia e assim tambeacutem a nossa loacutegica comum233

Em todo caso a contradiccedilatildeo ou aporia estabelecida pela negaccedilatildeo ndash e que fica evidente pela

negaccedilatildeo da negaccedilatildeo a qual aporeticamente eacute uma negaccedilatildeo que afirma ndash eacute um curto circuito

cognitivo do qual natildeo se consegue sair enquanto se permanecer dentro da estrutura cognitiva da

qual dispomos Todavia o fato eacute que natildeo dispomos de uma estrutura cognitiva alternativa e talvez

nossos esforccedilos de tentar pensar para aleacutem dela sejam tatildeo inuacuteteis quanto as tentativas feitas por um

cego de nascenccedila de entender visualmente o mundo Todas as atuais ampliaccedilotildees das capacidades

dos sentidos (telescoacutepios microscoacutepios etc) reconduzem o objeto percebido agrave escala de percepccedilatildeo

humana todas as teorias cientiacuteficas ndash que satildeo ampliadores de nossa capacidade de pensar o mundo

exemplo do triacircngulo quadrado ~a = natildeo possiacutevel ~ (~a) = natildeo (natildeo possiacutevel)] o que natildeo significa que como no

caso da negaccedilatildeo relativa da negaccedilatildeo absoluta a impossibilidade da impossibilidade eacute uma possibilidade mas

significa que dada uma impossibilidade eacute impossiacutevel que esta impossibilidade seja uma impossibilidade dito de

outra maneira negar absolutamente uma impossibilidade significa negar agrave impossibilidade seu status de

impossibilidade No entanto tornar impossiacutevel (negar) o status de impossibilidade significa imediatamente

reafirmar a impossibilidade voltando de novo agrave aporia eleaacutetica onde negar o status do ser enquanto ser significa

afirmar o status da negaccedilatildeo a qual eacute um ser (a negaccedilatildeo natildeo eacute um nada) e afinal significa ao mesmo tempo afirmar

e negar o ser

Vale lembrar que a dupla negaccedilatildeo do tipo que chamei NN2a isto eacute aquela onde uma negaccedilatildeo relativa nega uma

negaccedilatildeo absoluta eacute a dupla negaccedilatildeo que se encontra no verso 23 do poema e que natildeo eacute natildeo ser (τε καὶ ὡς οὐκ

ἔστι μὴ εἶναι) onde μὴ εἶναι eacute uma negaccedilatildeo absoluta enquanto οὐκ ἔστι eacute a negaccedilatildeo predicativa ordinaacuteria isto eacute de

tipo relativo platocircnico que nega a negaccedilatildeo absoluta Assim o caminho do ὅπως ἔστιν eacute o mesmo que o caminho

que nega (relativamente) a negaccedilatildeo absoluta cujo significado abrange vaacuterias possibilidades como especificado

acima afirmaccedilatildeo absoluta de a (correspondente ao ἔστιν parmenidiano) afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo relativas de a que

correspondem agrave predicaccedilatildeo da linguagem comum (natural isto eacute segundo a visatildeo de mundo do realismo cognitivo

comum)

Mas se pode ainda considerar a negaccedilatildeo em si em seu estatuto ontoloacutegico A negaccedilatildeo enquanto negaccedilatildeo natildeo

pode ser negada no sentido de que ao se negar a negaccedilatildeo imediatamente se afirma pois simultaneamente ao

negar a negaccedilatildeo se afirma (negar significa pocircr a negaccedilatildeo) o que se nega isto eacute a negaccedilatildeo (enquanto negada) Mais

uma vez se configura uma aporia de tipo eleaacutetico onde uma proposiccedilatildeo resulta em dois sentidos simultacircneos e

contraditoacuterios 233 Penso que esta aporia impliacutecita poderia ser o fundamento ontoloacutegico do desenvolvimento de loacutegicas

paraconsistentes e paracompletas as quais com todo seu impacto anti-intuitivo acabam descrevendo melhor

aquelas regiotildees do mundo ndash o mundo como percebido pela nossa cogniccedilatildeo que implica esta aporia ndash natildeo acessiacuteveis

agrave loacutegica comum no entanto esta hipoacutetese aguarda aprofundamentos

187

(por exemplo a teoria heliocecircntrica ou a relatividade geral nos fazem ver com os olhos da mente

um mundo diferente daquele que vemos com os olhos fiacutesicos) ndash reconduzem a realidade ao nosso

modo cognitivo o qual implica a distorccedilatildeo provocada pela negaccedilatildeo e evidenciada pela negaccedilatildeo da

negaccedilatildeo nem poderia ser diferente pois se elas natildeo reconduzissem ao nosso modo cognitivo elas

seriam incompreensiacuteveis Discutir o modelo cognitivo resulta entatildeo uma das empresas mais aacuterduas

mas eacute exatamente isso que Parmecircnides fez Ele natildeo discutiu apenas as maneiras de ver o mundo

(weltanschaung) como por exemplo fez Xenoacutefanes mas discutiu a nossa proacutepria estrutura

cognitiva a qual admite inuacutemeras weltanschaungen mas sempre dentro de uma mesma estrutura

onde a negaccedilatildeo tem papel fundamental

Eacute possiacutevel pensar o mundo a partir de outra estrutura cognitiva Eacute uma pergunta complicada

que precisaria ser desdobrada em muitas partes Sabemos por exemplo que um cachorro vecirc o

mundo em preto e branco e conseguimos fazer uma imagem de como poderia ser a estrutura

cognitiva de um cachorro Mas mais uma vez posto que este dado seja realmente relevante para a

cogniccedilatildeo do cachorro tal noccedilatildeo eacute uma reconduccedilatildeo da cogniccedilatildeo do cachorro agrave cogniccedilatildeo humana

entatildeo natildeo podemos dizer que conseguimos conhecer segundo a cogniccedilatildeo do cachorro Do mesmo

modo somos cientes de muitos modelos cognitivos e sabemos ateacute mesmo que uma linguagem mais

baacutesica eacute possiacutevel e permite a comunicaccedilatildeo entre muitos seres vivos como por exemplo a

linguagem emocional Mas quando nos propomos a ir aleacutem partindo das insatisfaccedilotildees das

cogniccedilotildees jaacute existentes o problema se complica de muito por vaacuterios motivos O primeiro deles eacute a

perda de uma referecircncia ldquonaturalrdquo pois natildeo haacute uma resposta dada isto eacute natural (pois o natural eacute

permanecer dentro do modo cognitivo dado) e eacute necessaacuterio ir aleacutem do natural O segundo eacute uma

perda do sobrenatural pois o sobrenatural eacute referido ao natural e sem este natildeo haacute aquele O terceiro

enfim eacute o risco concreto de uma excentricidade psiacutequica uma espeacutecie de caminho patoloacutegico sem

188

volta pelo qual todo tipo de estranheza se torna normal e vice-versa

Assim a reflexatildeo sobre o natildeo ser por ser uma investigaccedilatildeo nos limites do pensar eacute um

projeto aacuterduo e aparentemente pouco ou nada fecundo pois o terreno onde se desenvolve estaacute aleacutem

do natural e do sobrenatural e estaacute agrave beira da capacidade psiacutequica Natildeo eacute de surpreender que natildeo

seja assunto predileto pela maioria dos pensadores nem eacute de surpreender que seja quase que

reservado agravequeles que de uma forma ou de outra jaacute perambularam sem sucesso pelas vaacuterias aacutereas

do saber em busca de respostas Tudo isto deveria ser um sintoma claro da grandeza de Parmecircnides

uma grandeza certamente filosoacutefica embora ele provavelmente ateacute desconhecesse a palavra

filosofia Eacute por isto que embora certas linhas exegeacuteticas discordem o fato de Parmecircnides ter

deixado em aberto a sequecircncia de sua filosofia sustentando as suas afirmaccedilotildees apesar da aporia a

qual conduziam e de que ele certamente tinha consciecircncia natildeo eacute nenhum demeacuterito pelo contraacuterio

eacute uma grande meacuterito e ainda maior na medida em que os que o sucederam natildeo conseguiram ir

aleacutem do que ele propocircs e talvez a bem da verdade tiveram ateacute que retroceder das posiccedilotildees

alcanccediladas por Parmecircnides

Natildeo cabe a este trabalho desenvolver as meditaccedilotildees sobre o natildeo ser que as afirmaccedilotildees de

Parmecircnides implicariam234 Seja suficiente a noccedilatildeo de que Parmecircnides iniciou junto da discussatildeo

sobre o ser que hoje chamamos ontologia uma discussatildeo sobre o natildeo ser que algumas vezes hoje

eacute chamada de meontologia Agrave meontologia parmenidiana podemos acrescentar tranquilamente o

subtiacutetulo ldquoda relaccedilatildeo impossiacutevel entre natildeo e serrdquo com as vaacuterias consequecircncias que ele extraiu tanto

em acircmbito psicoloacutegico quanto em acircmbito metodoloacutegico antropoloacutegico e cosmoloacutegico

234 Cfr Colombo 1972 um dos raros trabalhos dedicados ao assunto

189

52 Parmenides psicoacutelogo (segunda parte)

Depois de ter estudado a noccedilatildeo de natildeo ser utilizada por Parmecircnides podemos voltar agravequelas

partes do poema que discutem a psicologia humana especificamente aquelas partes que implicam

a compreensatildeo do natildeo ser das quais postergamos o estudo por nos faltar ainda a compreensatildeo desta

noccedilatildeo

No fragmento 1 natildeo haacute referecircncia direta ou indireta ao natildeo ser e natildeo precisamos voltar a ele

Jaacute no fragmento 2 6 e 7 as passagens com referecircncias ao natildeo ser e com vocabulaacuterio psicoloacutegico jaacute

foram estudadas Podemos passar entatildeo ao fragmento DK 8

521 O fragmento DK 8

Considerando que natildeo eacute nossa intenccedilatildeo abordar a doutrina parmenidiana do ser apresentada

neste fragmento procederemos de modo seletivo selecionando apenas as passagens que nos

interessam Naturalmente esse meacutetodo sacrificaraacute a doutrina do ser mas poraacute em evidecircncia todo o

vocabulaacuterio psicoloacutegico subjacente geralmente deixado de lado para focar aquela doutrina235

Retomamos aqui nossa traduccedilatildeo anterior de operaccedilotildees cognitivas da mente para νοεῖν e seus

cognatos a justificaccedilatildeo se encontra na p XX e ss

235Para uma descriccedilatildeo geral do fragmento ver capiacutetulo 4 p 151 A Aplicaccedilatildeo do Meacutetodo

190

5211 DK B 86-9

Depois de enunciar os caminhos de inqueacuterito para as operaccedilotildees cognitivas depois de

enunciar a lei de oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo ser depois da criacutetica ao caminho seguido pelos

mortais agora a deusa explica a sua doutrina do ser Ela comeccedila dizendo que soacute uma palavra resta

no caminho (o caminho do esti) que eacute (ὡς ἔστιν) Mas este eacute natildeo eacute muito evidente por esta razatildeo

haacute muitos sinais ao longo do caminho Estes sinais satildeo caracteriacutesticas que ajudam a identificar o

ser Parmecircnides faz uma listagem de alguns e na sequecircncia do fragmento explica e justifica cada

um quase em perfeiccedilatildeo simeacutetrica Logo no primeiro argumento para o primeiro dos sinais (o ἐὸν

eacute ingecircnito e impereciacutevel) noacutes encontramos as seguintes palavras (DK B 86-9)

τίνα γὰρ γένναν διζήσεαι αὐτοῦ

πῆι πόθεν αὐξηθέν οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω

φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν οὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν

ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστι

Falando do ser (ἐὸν) a deusa enuncia que eacute ingecircnito e impereciacutevel depois disso como

costuma fazer ela apresenta seu argumento mas desta vez em forma de pergunta Ela pergunta que

geraccedilatildeo (γένναν) tu procurarias para ele Como de onde teria crescido (αὐξηθέν) Do natildeo ser natildeo

te permitirei (ἐάσσω) afirmar (φάσθαι) ou operar cognitivamente (νοεῖν) porque o natildeo ser (οὐκ

ἔστι) eacute indiziacutevel e cognitivamente natildeo operaacutevel (οὐδὲ νοητόν) A deusa diz algo muito especial ela

diz natildeo te permitirei dizer ou operar cognitivamente usando a forma futura do verbo para

expressar um preceito severo de forte tom imperativo natildeo diga e natildeo opere cognitivamente o natildeo

ser Esta eacute a expressatildeo de uma lei imperativa referida ao pensamento mas ainda antes eacute a expressatildeo

da impossibilidade psicoloacutegica sobre a qual aquela lei se baseia natildeo eacute permitido pensar (operar

cognitivamente) e dizer o que natildeo eacute porque eacute [psicologicamente] impossiacutevel operar

cognitivamente o natildeo ser e logo eacute tambeacutem impossiacutevel dizecirc-lo

191

Para a elucidaccedilatildeo do aspecto psicoloacutegico podemos dividir a passagem em duas etapas

1) uma asserccedilatildeo hipoteacutetica o ser eacute gerado

2) a rejeiccedilatildeo da asserccedilatildeo pelo Preceito da Deusa eacute impossiacutevel que os ser seja gerado

do natildeo ser

Esta segunda etapa pode ser dividida em trecircs momentos

2a) eacute impossiacutevel que o ser seja gerado do natildeo ser

2b) porque natildeo eacute permitido operar cognitivamente que ele poderia vir do natildeo ser

2c) porque eacute impossiacutevel operar cognitivamente o natildeo ser ou dizecirc-lo

Agora vamos inverter a sequecircncia i) eacute impossiacutevel operar cognitivamente e dizer o natildeo ser

ii) por conseguinte o natildeo ser natildeo pode ser operado cognitivamente como parte de qualquer

argumento real (como parte do caminho da Persuasatildeo) iii) por conseguinte natildeo se deve (pensar e)

afirmar que o natildeo ser pode ser gerador do ser (ἐὸν) O preceito da Deusa aqui dado explicitamente

eacute o natildeo ser natildeo pode ser usado como parte de um argumento Como se pode notar este eacute um

corolaacuterio do Preceito da Deusa enunciado no fragmento 7

Podemos dizer o mesmo com outras palavras Na primeira etapa 1) haacute uma meditaccedilatildeo que

estabelece a impossibilidade de operar cognitivamente com o natildeo ser com a asserccedilatildeo

complementar de que eacute impossiacutevel que o ser possa natildeo ser esta eacute uma observaccedilatildeo do

comportamento da mente Na segunda etapa 2) Parmecircnides observa que os homens fazem

confusatildeo pois acreditam que seja possiacutevel operar cognitivamente com o natildeo ser assim ele

considera dois tipos de homem aquele que conhece esta impossibilidade (o homem saacutebio instruiacutedo

pela deusa) e aquele que natildeo a conhece (os mortais) esta eacute uma observaccedilatildeo do comportamento do

sistema humano de conhecimento A terceira etapa 3) eacute a aplicaccedilatildeo da ferramenta certa na praacutetica

do conhecimento enunciando um preceito que conduz o inqueacuterito pelo caminho correto este eacute o

192

enunciado de um criteacuterio de verdade A primeira etapa eacute psicoloacutegica a segunda eacute gnosioloacutegica e

finalmente a terceira eacute epistemoloacutegica

Nestas poucas linhas podemos ver todo o pensamento bem estruturado de Parmecircnides o que

explica muito bem o porquecirc ele continua sendo um filoacutesofo vivo ateacute nosso debate contemporacircneo

De fato sua epistemologia estaacute fundada sobre uma gnosiologia a qual estaacute ela mesma fundada

sobre uma observaccedilatildeo psicoloacutegica E esta observaccedilatildeo psicoloacutegica eacute realizada tatildeo bem e

profundamente que o resultado eacute uma autecircntica lei ontoloacutegica natildeo ser eacute o nome que damos agravequilo

que natildeo pode ser pensado Portanto este insight vertical tem consequecircncias sobre muitos niacuteveis ao

mesmo tempo como funccedilatildeo psicoloacutegica natildeo podemos pensar (isto eacute natildeo podemos operar de

forma cognitiva com) o natildeo ser como funccedilatildeo gnosioloacutegica natildeo podemos conhecer o natildeo ser como

funccedilatildeo epistemoloacutegica natildeo podemos usar este conceito na descriccedilatildeo do mundo porque eacute fonte de

erro A estrutura feacuterrea das conexotildees entre esses muacuteltiplos niacuteveis expressa por sua filosofia

constituiraacute o desafio parmenidiano que intrigaraacute Platatildeo Aristoacuteteles e quase todos os grandes

filoacutesofos ateacute o presente

5212 DK B 812-18

Nos versos seguintes Parmecircnides reforccedila todos os niacuteveis de sua visatildeo

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος ἐφήσει πίστιος ἰσχύς

γίγνεσθαί τι παρ αὐτό τοῦ εἵνεκεν οὔτε γενέσθαι

οὔτ ὄλλυσθαι ἀνῆκε Δίκη χαλάσασα πέδηισιν

ἀλλ ἔχει ἡ δὲ κρίσις περὶ τούτων ἐν τῶιδ ἔστιν

ἔστιν ἢ οὐκ ἔστιν κέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη

τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής

ἔστιν ὁδός) τὴν δ ὥστε πέλειν καὶ ἐτήτυμον εἶναι

a) DK 812-13a Noacutes pulamos o verso DK 811 porque embora pareccedila relacionado agraves duas vias de

193

pensamento de fato se refere ao ἐὸν o estudo do qual natildeo nos interessa aqui Assim podemos

comeccedilar lendo o verso DK 812 ldquoa forccedila da persuasatildeo (πίστιος ἰσχύς) natildeo permitiraacute que nada venha

a ser ao seu lado (παρ αὐτό) vindo do natildeo serrdquo Parmecircnides diz que nada pode vir a ser do natildeo ser

nem mesmo um ser ao lado do que jaacute eacute Significa que aquilo que parece ser uma nova existecircncia

no mundo quando esse novo existente vem a ser eacute apenas a visatildeo que resulta de uma falta de

recurso da mente comum (dos mortais) na qual natildeo haacute persuasatildeo verdadeira Com efeito a

persuasatildeo verdadeira tem uma forccedila tatildeo grande que natildeo permite que nenhuma coisa venha a ser do

nada como a deusa dissera no verso 87-8 Essa imagem da forccedila da persuasatildeo reforccedila a

interpretaccedilatildeo do verso 129 onde Parmecircnides fala de mente firme (ἀτρεμὲς ἦτορ) isto eacute uma

mente onde as conexotildees entre as partes do caminho satildeo tatildeo fortes que o vacilar dos pensamentos

entre ser e natildeo ser entre afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo natildeo pode acontecer A forccedila da persuasatildeo manteacutem

firme o argumento na mente portanto esta forccedila natildeo permite o argumento duvidoso (oscilante) da

geraccedilatildeo a partir do natildeo ser porque o natildeo ser eacute impossiacutevel e natildeo pode ser usado no argumento

b) DK 813b-15a ldquoPois Dike natildeo permite nem geraccedilatildeo (ἀνῆκε) nem perecimento (γενέσθαι)

soltando as correntes (χαλάσασα πέδηισιν) mas as manteacutemrdquo Esta passagem eacute muito importante

porque faz uma equivalecircncia entre a forccedila da persuasatildeo e as correntes de Dike a qual

tradicionalmente eacute a deusa da justiccedila236 De um lado noacutes sabemos que naquele periacuteodo os nomes

dos deuses estavam sendo utilizados na forma linguiacutestica de gecircnero neutro indicando de maneira

impessoal alguns processos naturais representados por aqueles deuses237 Que a justiccedila possa ser

236No caminho oposto Cassin a qual acredita fazer uma equivalecircncia entre as amarras das deusas parmenidianas e as

amarras que manteacutem ao mastro Ulisses quando ouve o canto das sereias (Cassin 1987) 237Kahn 1960 Parmecircnides escolhe escrever de maneira tradicionalista em verso e usando a linguagem eacutepica por este

194

um processo natural do mundo pode soar algo improacuteprio para a nossa compreensatildeo mas era bem

aceitaacutevel para a mente antiga como vemos por exemplo em Anaximandro DK B 1 Isto significa

que a justiccedila era considerada um tipo de ordem de todas as coisas natildeo uma ordem a partir de algo

externo aplicada agraves coisas (como por exemplo no pensamento cristatildeo onde a justiccedila eacute uma ordem

divina externa ao mundo vinda de Deus por meio de suas leis e que o homem pode respeitar ou

natildeo) mas uma ordem interna das coisas Conhecer o comportamento de Dike a deusa da justiccedila

significa conhecer o comportamento do mundo (isto eacute uma norma de comportamento do mundo

algo proacuteximo do que noacutes chamamos de lei da natureza) Por outro lado Parmecircnides descobre esta

ordem com um processo de meditaccedilatildeo238 alcanccedilando o entendimento de que o natildeo ser absoluto

natildeo pode ser pensado e ao mesmo tempo eacute impossiacutevel que ele tenha alguma realidade Portanto

todo argumento que implica o natildeo ser como algo que eacute estaacute errado como eacute o caso do argumento

sobre a crenccedila da existecircncia da geraccedilatildeo e do perecimento Dike neste caso representa uma ordem

interna de tudo que eacute tanto o mundo fiacutesico quanto o mundo dos pensamentos Ambos os mundos

tecircm a mesma ordem a mesma lei de comportamento um tipo de ordem que Parmecircnides chama

Dike e que noacutes chamariacuteamos de lei ontoloacutegica pois Dike eacute ao mesmo tempo uma lei da physis e

uma lei que pode ser um recurso para a mente humana (o caminho para as operaccedilotildees cognitivas)

motivo seus deuses e deusas satildeo reportados ao estaacutegio eacutepico e descritos na forma antropomoacuterfica tradicional 238Esta reflexatildeo sem base direta na experiecircncia eacute algo que ainda acontece naqueles ramos da ciecircncia que natildeo tecircm outra

opccedilatildeo senatildeo prescindir do suporte empiacuterico e experimental Curiosamente um destes ramos ainda eacute uma reflexatildeo

cosmoloacutegica tendo quase o mesmo objeto dos preacute-socraacuteticos trata-se de um ramo da Fiacutesica a Cosmologia A

Cosmologia fiacutesica da atualidade tem uma escala tatildeo imensa que se encontra muito aleacutem das capacidades

experimentais e trabalha apenas com cenaacuterios imaginaacuterios com o uacutenico suporte de coerecircncias internas segundo o

instrumental proacuteprio da Fiacutesica isto eacute Matemaacutetica e ciecircncias afins Por este seu caraacuteter natildeo experimental eacute chamada

de Cosmologia Especulativa

195

Esta multifuncionalidade de Dike239 a lei que estabelece os limites do comportamento do mundo

seraacute importante mais adiante para entender a equivalecircncia entre pensado e pensar (operar

cognitivamente) nos versos 834-38

c) DK 815-18 ldquoA decisatildeo (κρίσις) a respeito dessas coisas estaacute nisto eacute ou natildeo eacute Estaacute decidido

como era necessaacuterio de um lado deixar o que eacute natildeo operaacutevel cognitivamente e sem nome (pois natildeo

eacute verdadeiro caminho) e de outro lado ser e ser verdadeirordquo Vamos por partes Parmecircnides potildee

em praacutetica o Preceito da Deusa relembrando que um dos dois caminhos eacute inoperaacutevel

cognitivamente (ἀνόητον) e sem nome (ἀνώνυμον) enquanto o outro eacute real e verdadeiro caminho

Aqui temos que lembrar que decidir eacute uma accedilatildeo possiacutevel somente ao homem que conhece o

caminho da persuasatildeo verdadeira pois os mortais satildeo ἄκριτα φῦλα gente sem capacidade de

decidir Agora este homem estaacute diante de um problema da realidade o que satildeo aquelas coisas que

noacutes chamamos de geraccedilatildeo e perecimento (incluindo nascimento e morte) Para os mortais a soluccedilatildeo

vem de uma confusatildeo entre ser e natildeo ser assim eles acreditam que eles decidem mas eles natildeo

decidem Por outro lado em face deste problema o homem que sabe e que tem os recursos precisa

pocircr estes uacuteltimos em praacutetica Pocircr os recursos em praacutetica significa exatamente aplicar o Preceito da

Deusa isto eacute introduzir a oposiccedilatildeo absoluta entre ser e natildeo ser Com este recurso a decisatildeo eacute

possiacutevel e ademais eacute uma decisatildeo de persuasatildeo verdadeira Temos aqui uma decisatildeo feita por uma

disjunccedilatildeo escolhendo eacute ou natildeo eacute Embora se trate dos mesmos termos dos dois caminhos do

fragmento DK 2 o argumento eacute muito diferente No fragmento DK 2 haacute um processo de meditaccedilatildeo

com uma reflexatildeo sobre o natildeo ser que permite apenas dois caminhos tendo ambos a mesma origem

239Unidade e multiplicidade de Dike eacute desenvolvida em Ruggiu 1975 p 85-101

196

a negaccedilatildeo do natildeo ser mas apenas um leva agrave meta enquanto outro leva para lugar nenhum Os dois

caminhos do fragmento DK 2 natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo loacutegica entre si (eles tecircm uma relaccedilatildeo

ontoloacutegica) mas expressam a realidade da reflexatildeo sobre o natildeo ser e satildeo o resultado de uma

experiecircncia aquele ponto de partida empiacuterico de qualquer metafiacutesica no fragmento DK 2 os dois

caminhos satildeo o resultado de um argumento que comeccedila com uma meditaccedilatildeo (sabemos isso pelas

palavras da deusa que diz que satildeo caminhos para as operaccedilotildees cognitivas νοῆσαι ou seja ela estaacute

refletindo sobre a reflexatildeo) e continua com as passagens intermediaacuterias (eacute eacute caminho de persuasatildeo

que acompanha a verdade enquanto natildeo eacute eacute cognitivamente natildeo operaacutevel e tambeacutem indiziacutevel) ateacute

a conclusatildeo enunciada no comeccedilo estes satildeo os uacutenicos caminhos para o pensar Muito diferente eacute

o caso dos versos em questatildeo (DK B 815-16) onde eacute e natildeo eacute natildeo satildeo conclusatildeo do argumento

mas o instrumento a ser usado para entender algo especiacutefico do mundo De fato Parmecircnides

considera que haacute os eacute e natildeo eacute vindos da percepccedilatildeo da realidade 1) como na geraccedilatildeo que apresenta

a passagem de algo vindo do natildeo ser algo que natildeo existia antes e vai para o ser aquele algo que

de fato existe agora 2) e como no perecimento que apresenta a passagem de algo indo do ser algo

que existia ao natildeo ser quando esse algo natildeo existe mais Agora estes ser e natildeo ser que surgem

da percepccedilatildeo da realidade precisam ser comparados com o Preceito da Deusa que diz que eacute e natildeo

eacute estatildeo em oposiccedilatildeo radical De forma que tendo ela dito que natildeo eacute eacute um caminho natildeo verdadeiro

na aplicaccedilatildeo ao estudo da geraccedilatildeo e do perecimento eacute preciso abandonaacute-lo isto eacute eacute preciso

eliminar o natildeo ser do entendimento que parece vir da percepccedilatildeo da realidade A diferenccedila entre o

homem saacutebio instruiacutedo pela deusa e os mortais natildeo eacute a percepccedilatildeo em si mas o uso ou natildeo do

recurso que corrige a percepccedilatildeo Para o homem saacutebio instruiacutedo pela deusa geraccedilatildeo e perecimento

satildeo eliminados porque eacute eliminada aquela parte do argumento o natildeo ser com a qual se daacute a

passagem e o tracircnsito entre ser e natildeo ser como a deusa diz nos versos seguintes (DK B 819-21)

197

Em conclusatildeo podemos ver neste trecho como pocircr em praacutetica o Preceito da Deusa

Parmecircnides faz algumas distinccedilotildees Todo homem tem uma noccedilatildeo da realidade e todo homem

percebe a realidade da mesma maneira Esta maneira poreacutem distorce a realidade porque a mente

pelo haacutebito multiexperiente erra Qual eacute o erro Eacute um erro que acontece na mente eacute a confusatildeo

entre ser e natildeo ser Isto significa que errar eacute estrutural ao homem (mergulhado em sua cultura)

porque o problema natildeo se daacute quando ele escolhe ou decide mas antes da decisatildeo O problema estaacute

na estrutura que toma decisotildees ou seja na mente Parmecircnides diz que a origem eacute cultural (o haacutebito

multiexperiente da mente) e que a estrutura da mente condicionada que percorre o caminho de

confusatildeo entre ser e natildeo ser levaraacute a uma concepccedilatildeo de mundo onde tudo vai aleacutem dos limites

daquilo que eacute atravessando o territoacuterio impossiacutevel do natildeo ser A maneira tradicional de ver o

mundo estaacute errada Parmecircnides diz porque confunde algo que natildeo deveria ser confuso De fato o

ser que penetra na regiatildeo do natildeo ser quer realizar algo impossiacutevel porque a lei do mundo (Dike)

considera isto injusto Eacute fora da lei e injusto o ir aleacutem gerando e perecendo em direccedilatildeo ao natildeo ser

e Dike natildeo permite esta invasatildeo no natildeo ser ela manteacutem com correntes o ser dentro do que eacute Dike

eacute uma lei do mundo imanente ao mundo assim a oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo ser pertence ao

mundo e por isto eacute tambeacutem uma estrutura do pensamento verdadeiro aquele pensamento que anda

no caminho da verdadeira persuasatildeo Os homens podem entender esta lei e conhecendo-a podem

corrigir a maneira de pensar naquela parte do processo mental entre a percepccedilatildeo e o pensamento

Em outras palavras Parmecircnides sugere o uso do instrumento da natildeo contradiccedilatildeo (entre ser e

natildeo ser) natildeo depois mas antes do resultado do pensamento isto eacute antes do enunciado como a

deusa diz em DK B 87-8 (οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν) ou seja durante o

processo de pensar (operar cognitivamente) Para entender ao que Parmecircnides se refere com

processo de pensar (o caminho para as operaccedilotildees cognitivas) eacute preciso relembrar duas coisas

198

primeiro ele estaacute falando de um caminho especiacutefico do pensar segundo estaacute falando do caminho

de pesquisa deixando de lado os outros processos de pensamento No caso do inqueacuterito o caminho

(feito passo a passo) natildeo permite nenhum passo que use o natildeo ser porque a impossibilidade do natildeo

ser torna inuacutetil o inteiro encadeamento no qual possa ser encontrado um uacutenico elo que contenha o

natildeo ser No caso dos versos DK 87-8 quando a deusa diz ldquoEu natildeo permitirei etcrdquo ela quer dizer

ldquoEu natildeo te permitirei operar cognitivamente e dizer esta conclusatildeo o ser tem geraccedilatildeo porque os

passos deste caminho (os elos do encadeamento) do pensar e do dizer (argumento) incluem o natildeo

serrdquo Em outras palavras cada passo do inqueacuterito pode ser usado para o proacuteximo passo somente se

eacute filtrado pelo Preceito da Deusa (veremos isto melhor na anaacutelise nos proacuteximos versos DK 834 e

ss) O processo de pensar eacute entatildeo o percurso que leva ao enunciado o processo de pensar eacute o

argumento eacute no argumento que eacute preciso aplicar o Preceito da Deusa (e natildeo no enunciado que dele

resulta) Parmecircnides demanda uma mudanccedila na articulaccedilatildeo do pensar algo que como sabemos

realmente aconteceu depois dele o desenvolvimento de um novo modo de organizaccedilatildeo da cultura

humana aquele modo que chamamos pensamento racional em oposiccedilatildeo ao pensamento miacutetico

5213 DK B 826-8

ldquoMas imoacutevel (ἀκίνητον) jaz dentro de limites (ἐν πείρασι) de fortes correntes sem iniacutecio

(ἄναρχον) e sem fim (ἄπαυστον) pois geraccedilatildeo e perecimento foram afastados a persuasatildeo

verdadeira (πίστις ἀληθής) os empurrou para traacutesrdquo Mais uma vez temos primeiro o enunciado ou

seja o resultado do argumento assim o ser eacute imoacutevel sem comeccedilo nem fim Depois do enunciado

temos o argumento geraccedilatildeo e perecimento foram repelidos pela persuasatildeo verdadeira obtida

podemos acrescentar pela aplicaccedilatildeo do Preceito da Deusa Mais uma vez temos a clara sequecircncia

199

do argumento parmenidiano

5214 DK B 834-8

ldquoO mesmo satildeo operar cognitivamente (νοεῖν) e o fato pelo qual se daacute a operaccedilatildeo cognitiva

(νόημα) Com efeito natildeo sem o ser (οὐ ἄνευ τοῦ ἐόντος) no qual (ou pelo qual) eacute declarado tu

encontraraacutes a operaccedilatildeo cognitiva pois natildeo haacute nem haveraacute nada aleacutem do ser pois Moira acorrentou-

o para ser inteiro e imutaacutevelrdquo Estes versos apresentam muitos problemas tanto filoloacutegicos quanto

filosoacuteficos Tentaremos escapar da necessidade de atravessar este difiacutecil territoacuterio concentrando

nosso foco sobre o primeiro verso O sentido geral da inteira passagem embora com algumas

discordacircncias entre os estudiosos pode ser considerado este pensar (ou conhecer) e o

sujeitoobjeto do pensar (ou do conhecer) satildeo o mesmo porque sem o ser eacute impossiacutevel pensar ou

conhecer algo isto eacute eacute impossiacutevel pensar ou conhecer o que natildeo eacute porque sem o ser natildeo haacute nada

Creio que o acento sobre o aspecto psicoloacutegico do pensamento parmenidiano pode ajudar a

esclarecer estas palavras Antes de tudo a expressatildeo o mesmo (ταὐτὸν) natildeo pode ser traduzida

como idecircntico Trata-se do mesmo na semacircntica arcaica que significa pertencer ao mesmo ramo

genealogia povo tribo Por exemplo todas as pessoas de Roma satildeo o mesmo isto eacute satildeo Romanos

No caso de Parmecircnides ele estaacute tentando descrever dois fatos que parecem ser diferentes mas ele

diz ele pertencem ao mesmo fato o mesmo acontecimento Numa linguagem muito moderna e

levando em conta que Parmecircnides estaacute falando do mundo fiacutesico (ἐόν) podemos traduzir com eles

pertencem ao mesmo evento O evento naturalmente eacute o ἐόν para o qual o fragmento 8 eacute dedicado

Como em outras partes da filosofia parmenidiana a descriccedilatildeo do mundo fiacutesico inclui a lei que

governa aquele fato fiacutesico Assim o mesmo significa que os fatos que ele estaacute descrevendo satildeo

200

submetidos agrave mesma lei de comportamento fiacutesico

Operar (na parte cognitiva da mente) e aquilo pelo qual se daacute a operaccedilatildeo cognitiva pertencem

ao mesmo evento De fato se algo eacute declarado este algo possui realidade porque a declaraccedilatildeo aqui

natildeo eacute uma declaraccedilatildeo qualquer Natildeo podemos esquecer que Parmecircnides aqui estaacute aplicando seu

meacutetodo agrave physis isto eacute ao mundo Quando fala sobre declaraccedilatildeo de algo nesse contexto ele quer

dizer a verdadeira declaraccedilatildeo o enunciado verdadeiro e o discurso verdadeiro de fato a fala

verdadeira segue a persuasatildeo verdadeira Assim no discurso verdadeiro quando ele fala sobre algo

faz afirmaccedilotildees verdadeiras porque 1) o pensamento verdadeiro sobre algo e 2) a operaccedilatildeo cognitiva

operada com o recurso (o Preceito da Deusa) pertencem ao mesmo evento isto eacute agrave mesma

realidade verdadeira a realidade do ἐόν Mais uma vez o recurso eacute mostrado pela imagem da

Moira (o Fado) acorrentando todas as coisas num inteiro de uma forma que sem passado e futuro

(que introduziriam o natildeo ser pois as coisas que devecircm viriam do natildeo ser e iriam para o natildeo ser)

natildeo haacute ser que venha e vaacute e natildeo haacute outra coisa exceto o ser que jaacute existe

Aqui Parmecircnides cumpre um grande passo no desenvolvimento do conhecimento humano

porque ele afirma a identidade de funccedilatildeo entre o pensar humano verdadeiro e o pensamento

verdadeiro a respeito de algo Ele diz que o sujeito e o objeto pertencem agrave mesma ordem da physis

e eacute esta pertinecircncia que permite a possibilidade do conhecimento240 Esta mesma ordem natildeo eacute

aquela adquirida pelo haacutebito multiexperiente mas eacute a ordem do percurso cognitivo do eacute Atender

240Nota epistemoloacutegica Vale lembrar que anteriormente a Parmecircnides o conhecimento verdadeiro era reservado soacute

aos deuses (Xenoacutefanes DK 21 B 18 e 24 Alcmeon DK 24 B 1) Ao estabelecer uma mesma lei entre o pensar e o

ente que eacute pensado Parmecircnides estabelece um princiacutepio pelo qual o mundo (que naquela eacutepoca incluiacutea os deuses

diferentemente do pensamento cristatildeo que potildee o deus fora do mundo) e o pensar o mundo obedecem agrave mesma lei

autorizando epistemologicamente desta forma o pensamento humano a alcanccedilar e incluir o mundo inteiro no seu

objeto de conhecimento verdadeiro

201

a esta ordem permite o conhecimento verdadeiro porque atender ao Preceito da Deusa permite a

relaccedilatildeo entre o pensar isto eacute aquele pensador que pensa com as operaccedilotildees cognitivas verdadeiras

com o pensamento do objeto expresso em declaraccedilotildees verdadeiras o sujeito pensador (o homem

saacutebio que segue o Preceito da Deusa) pode conhecer a verdade do objeto porque o mundo (que

inclui sujeito e objeto) eacute ordenado pelo mesmo preceito que Dike e Moira potildeem em accedilatildeo

acorrentando o ἐόν num todo

522 O fragmento DK 4

O fragmento DK 4 eacute um dos mais misteriosos do poema Natildeo estaacute clara a sua posiccedilatildeo na

ordenaccedilatildeo dos fragmentos Diels o colocou entre o 3 e o 5 mas hoje isto eacute contestado por muitos

estudiosos Na minha opiniatildeo que natildeo pode ser justificada aqui241 ele pertence agrave primeira parte do

poema mas talvez na seccedilatildeo da discussatildeo do ἐὸν ou seja no fragmento DK 8 eacute impossiacutevel poreacutem

decidir mais precisamente em que parte do fragmento deve ser colocado de forma que eu o deixo

no uacuteltimo lugar antes do fim da fala da deusa a respeito da verdade (DK 850) O fragmento foi

transmitido por Clemente de Alexandria

λεῦσσε δ ὅμως ἀπεόντα νόωι παρεόντα βεβαίως

οὐ γὰρ ἀποτμήξει τὸ ἐὸν τοῦ ἐόντος ἔχεσθαι

οὔτε σκιδνάμενον πάντηι πάντως κατὰ κόσμον

οὔτε συνιστάμενον

A grande problemaacutetica da traduccedilatildeo eacute bem conhecida pelos estudiosos e se reflete na

241A discussatildeo da posiccedilatildeo do fragmento DK 4 requereria a discussatildeo da exegese do poema como um todo Por outro

lado o assunto do fragmento DK 4 eacute perifeacuterico em relaccedilatildeo ao tema da presente tese e reportar ainda que

parcialmente aquela discussatildeo sobrecarregaria (dada a grande e intensa discordacircncia dos estudiosos)

desnecessariamente o texto retirando o foco do tema principal o natildeo ser

202

insatisfaccedilatildeo geral com os resultados que satildeo muito diferentes para cada interprete242 Nesse caso

nem o sentido geral recebe um acordo dos estudiosos assim podemos ir diretamente para a

interpretaccedilatildeo do ponto de vista psicoloacutegico ldquoObserve com a operaccedilatildeo cognitiva (νόωι) as coisas

ausentes como sendo (ὅμως) presentes firmemente pois [subentendido a operaccedilatildeo cognitiva

νόος] natildeo dividiraacute (οὐ γὰρ ἀποτμήξει) o ente de aderir (ἔχεσθαι) do ente (τοῦ ἐόντος) nem pelo

espalhamento em todas as direccedilotildees em todo lugar nem pela uniatildeordquo

Do nosso ponto de vista psicoloacutegico a interpretaccedilatildeo deste fragmento resulta simples e clara

se fizermos algumas consideraccedilotildees Antes de tudo noacutes temos os nossos instrumentos o Preceito

da Deusa e as correntes de Dike e Moira depois sabemos que estas correntes precisam estar

tambeacutem no pensar (as operaccedilotildees cognitivas verdadeiras) e no mundo Mas se o mundo natildeo parece

acorrentado eacute porque noacutes estamos olhando para ele sem o recurso (ἀμηχανίη) como o olham os

mortais A primeira palavra que encontramos eacute λεῦσσε que eacute a forma imperativa do verbo λεύσσω

observar fitar A deusa diz ao disciacutepulo olhe atentamente Natildeo eacute um convite eacute uma ordem

imperativa como muitas outras ao longo do poema para que o disciacutepulo obedeccedila e faccedila aquilo O

que ele tem que fitar A deusa diz que ele tem que olhar atentamente as coisas ausentes (ou as

coisas afastadas) como firmemente presentes (ou proacuteximas) E a deusa acrescenta que o kouros

precisa fazer isto com a mente (νόωι dativo instrumental) Noacutes jaacute sabemos que nesse caso νόωι

significa pelas operaccedilotildees cognitivas da mente e tambeacutem sabemos que este olhar eacute o recurso da

mente que os mortais natildeo tecircm (por esta razatildeo eles perambulam como surdos e cegos) Portanto ateacute

242 Este fragmento raramente eacute estudado em si mas quase sempre em relaccedilatildeo agrave doutrina geral do ser no poema Uma

exposiccedilatildeo de algumas interpretaccedilotildees se encontra em Marques 2007

203

agora os instrumentos satildeo claros e conhecidos porque foram apresentados nas partes anteriores do

poema sumariamente olhe com a mente usando o recurso isto eacute com o Preceito da Deusa

O proacuteximo passo consiste em entender o que poderia significar o fato que coisas ausentes

devem ser vistas como presentes Como sempre a razatildeo para o preceito eacute dada depois do

enunciado portanto poderiacuteamos encontrar vestiacutegios nos versos seguintes No segundo verso natildeo

haacute um sujeito claro para a oraccedilatildeo e o verbo ἀποτμήξει pode ser da 2a pessoa em voz meacutedia ou da

3a pessoa em voz ativa do futuro de ἀποτμήγω se noacutes aceitamos como 2a pessoa o sujeito eacute a

mesma pessoa para a qual o imperativo eacute direto isto eacute o kouros se noacutes aceitarmos como 3a pessoa

o sujeito eacute o mesmo da primeira oraccedilatildeo isto eacute o νόος isto eacute as operaccedilotildees cognitivas Levando em

conta que as operaccedilotildees cognitivas satildeo referidas ao kouros do nosso ponto de vista esta

ambiguidade gramatical natildeo eacute importante e o sentido geral permanece o mesmo o sujeito eacute um

operador cognitivo isto eacute as operaccedilotildees cognitivas do kouros Vamos entatildeo escolher a 3a pessoa

apenas para permitir que o tom imperativo da deusa seja mais universal

As operaccedilotildees cognitivas natildeo separaratildeo o ente de aderir ao ente Isto significa que as

operaccedilotildees cognitivas verdadeiras natildeo cortaratildeo as correntes que tornam todas as coisas um todo As

coisas natildeo podem ser separadas e o olhar (o recurso) das operaccedilotildees cognitivas verdadeiras natildeo

separaraacute o ente do ente ou tambeacutem o ente do todo ao qual pertence Parmecircnides diz que eacute o olho

com recurso (o Preceito da Deusa) que vecirc todas as coisas num todo Pela mesma razatildeo as coisas

natildeo podem ser vistas como espalhadas ou concentradas Ateacute agora eacute muito claro e estaacute dentro de

nossa interpretaccedilatildeo anterior Resta o problema de entender ἀπεόντα e παρεόντα

Para poder entender como as coisas ausentes devem estar presentes para o olho da mente

com recurso precisamos nos perguntar em quais circunstacircncias as coisas presentes parecem estar

ausentes para a mente comum Esta me parece uma observaccedilatildeo psicoloacutegica surpreendente de

204

Parmecircnides No nosso comportamento psicoloacutegico comum noacutes observamos as coisas como se

fossem isoladas umas das outras Se eu observo um livro eu considero este livro como uma coisa

isolada do resto do mundo e por isso eu digo o livro estaacute sobre a mesa Considero o objeto isolado

livro sobre o objeto isolado mesa Este isolamento dos objetos eacute o resultado de um processo

normal de nossa cogniccedilatildeo que noacutes chamamos atenccedilatildeo A atenccedilatildeo eacute uma maneira dos nossos

processos perceptivos e cognitivos pela qual uma coisa que eacute o objeto de nossas atenccedilotildees eacute

separada do resto do mundo este permanece em segundo plano em relaccedilatildeo ao objeto de nossa

atenccedilatildeo Assim pelo comportamento psicoloacutegico eu seleciono objetos para a minha atenccedilatildeo um

livro uma mesa uma xiacutecara e os considero um de cada vez para as minhas finalidades Quando

esta atenccedilatildeo eacute organizada numa consideraccedilatildeo consciente de um uacutenico objeto eu digo ldquoum livrordquo

Assim a minha ideia de livro eacute extraiacuteda da realidade e o livro real revive em minha mente natildeo

como aquele livro concreto relacionado naquele momento com aquela mesa naquele ambiente

etc mas como uma ideia A ideia de livro eacute algo extraiacutedo da realidade e noacutes chamamos esta

extraccedilatildeo de abstraccedilatildeo (do latim ab traho levo embora)

A realidade eacute um conjunto de coisas sempre juntas todas elas Mas a mente comum vecirc as

coisas como separadas umas das outras Quando penso livro eu faccedilo uma ideia como se o livro

fosse algo rodeado pelo nada isto eacute o que a mente comum faz quando pensa de forma abstrata

Mas o livro concreto estaacute sempre mergulhado no todo da realidade e eu natildeo posso nunca encontrar

um livro isolado rodeado por uma espeacutecie de coisa real que poderia ser o nada De fato diz

Parmecircnides natildeo haacute dispersatildeo nem concentraccedilatildeo no mundo ordenado243 (κατὰ κόσμον) e quando

243 Embora esta seja uma expressatildeo eacutepica que significa em ordem ou ordenadamente (Taraacuten 1965 p 47-48 Coxon

205

noacutes vemos um mundo com dispersatildeo e concentraccedilatildeo noacutes estamos olhando como surdos e cegos

como as pessoas sem recurso Mas as operaccedilotildees cognitivas verdadeiras da mente natildeo cortaratildeo as

correntes que ligam todas as coisas no ser no todo no ἐὸν Portanto as operaccedilotildees cognitivas da

mente devem olhar junto com o livro que a mente comum vecirc como presente tambeacutem a mesa e a

xiacutecara e as outras coisas as quais embora pareccedilam estar ausentes de fato na realidade estatildeo

presentes Esta fatal (divina) inteira presenccedila deve ser vista (eacute necessaacuterio que seja vista λεῦσσε

imperativo) pelo homem com recurso

Se esta interpretaccedilatildeo estaacute correta estamos diante da primeira descriccedilatildeo do processo de

abstraccedilatildeo da cultura ocidental Isto tornaria Parmecircnides um observador realmente extraordinaacuterio

do comportamento da mente desde o comportamento psicoloacutegico ateacute as implicaccedilotildees cognitivas

epistemoloacutegicas e filosoacuteficas

523 O fragmento 16

Este fragmento tambeacutem eacute extremamente controverso chega ateacute noacutes pela Metafiacutesica de

Aristoacuteteles e pelo de Sensu de Teofrasto eis o texto oferecido por Diels-Kranz244

ὡς γὰρ ἕκαστος ἔχει κρᾶσιν μελέων πολυπλάγκτων

τὼς νόος ἀνθρώποισι παρίσταται τὸ γὰρ αὐτό

ἔστιν ὅπερ φρονέει μελέων φύσις ἀνθρώποισιν

καὶ πᾶσιν καὶ παντί τὸ γὰρ πλέον ἐστὶ νόημα

2009 308) haacute alguns autores que traduzem atraveacutes do mundo (por exemplo OBrien 1987 p 21 across the

world) o sentido de mundo era um sentido novo que vinha se configurando desde Anaximandro no entanto o

puacuteblico de Parmecircnides ainda natildeo podia natildeo associar a este termo o sentido tradicional de ordem Para um status

questionis do termo κόσμος veja-se Finkelberg 1998 244A exegese eacute extremamente problemaacutetica e em geral a criacutetica mais recente prefere a versatildeo de Teofrasto

206

Cavalcante de Souza traduz245

Pois como cada um tem mistura de membros errantes

assim a mente nos homens se apresenta pois o mesmo

eacute o que pensa nos homens eclosatildeo de membros

em todos e em cada um pois o mais eacute pensamento

Mais uma vez estamos diante de um texto que natildeo soacute natildeo apresenta unanimidade de

traduccedilatildeo como tambeacutem natildeo apresenta sequer um acordo sobre o seu sentido geral 246 Tanto

Aristoacuteteles quanto Teofrasto citam a passagem em relaccedilatildeo agrave discussatildeo da relaccedilatildeo entre sensaccedilatildeo e

pensamento A citaccedilatildeo de Aristoacuteteles aparece descontextualizada enquanto aquela de Teofrasto

conteacutem algum comentaacuterio entretanto ambas satildeo insuficientes para um claro entendimento da

mensagem parmenidiana O resultado eacute ateacute mesmo uma dificuldade de colocaccedilatildeo do fragmento na

primeira parte ou na segunda do poema ao se acentuar o aspecto da discussatildeo sobre a mente se

reconduz a citaccedilatildeo a ser fragmento da primeira parte ao se enfatizar o aspecto bioloacutegico se manteacutem

a citaccedilatildeo como fragmento da segunda parte Diels opta pela segunda e o numera como fr 16 Apesar

da grande autoridade do helenista alematildeo vozes discordantes apareceram e jaacute nos anos 50 Loenen

propotildee uma colocaccedilatildeo na primeira parte 247 no mesmo sentido tambeacutem Mourelatos 248 e

Robinson 249 que reconhecem no fragmento ecos da linguagem da primeira parte mais

recentemente alguns estudiosos mantecircm esta colocaccedilatildeo e alguns o fazem jaacute em outros contextos

245Cavalcante de Souza 1978 p 125 246 Como exemplo de discordacircncia radical vejam-se esses dois artigos do mesmo nome Parmenides theory of

knowledge (Vlastos 1946) e Parmenides theory of knowledge (Philip 1958) 247Loenen ldquo[] to be quite precise it probably came immediatly after fr 3rdquo (1959 p 50 e ss) 248Mourelatos 2008 p 253 e ss 249 Robinson (1975 p 631-632) inclui este fragmento no seu estudo sobre o grupo de fragmentos a respeito da

determinaccedilatildeo da realidade (ascertainment of the real)

207

criacuteticos do poema250 Ao lado destes continuam havendo importantes criacuteticos que satildeo defensores

da colocaccedilatildeo na segunda parte Esse breve apanhado aqui relatado quer ser uma razatildeo evidente

da cripticidade do texto parmenidiano Se natildeo haacute acordo nem sequer sobre que parte do poema

colocar o fragmento se pode imaginar o grau de desacordo sobre a interpretaccedilatildeo Aparentemente

haacute no fragmento a explicitaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo entre a mente e o corpo (os membros μελέων) no

entanto ateacute isto estaacute sendo posto em questatildeo251

Devido a toda esta problematicidade de interpretaccedilatildeo este fragmento embora possua um

evidente vocabulaacuterio psicoloacutegico (τὼς νόος ἀνθρώποισι παρίσταται τὸ γὰρ αὐτό ἔστιν ὅπερ

φρονέει τὸ γὰρ πλέον ἐστὶ νόημα) natildeo apresenta duas condiccedilotildees importantes para a nossa

pesquisa A primeira consiste em ter um bom grau de inteligibilidade este fragmento assim como

tambeacutem o fragmento DK B 3 natildeo o tem A segunda eacute apresentar um comportamento da mente

este fragmento apresenta uma teoria meacutedica do pensamento (para os que o colocam na segunda

parte do poema) ou associaccedilatildeo das sensaccedilotildees agrave mente interferindo no processo de conhecimento

da verdade (para quem o coloca na primeira parte do poema) e natildeo um comportamento da mente

Assim apesar de representar um material psicoloacutegico precioso252 para outros enfoques se revela

250Um exemplo notaacutevel eacute a interpretaccedilatildeo de Cordero o qual coloca o fr 16 logo apoacutes o fr 6 atendendo natildeo somente a

uma interpretaccedilatildeo diferente mas tambeacutem a uma nova ordenaccedilatildeo dos fragmentos que garante ele (o trabalho estaacute

escrito mas eacute ineacutedito) supera a divisatildeo tradicional do poema em aletheia e doxa (Cordero 2008 p 72-74) 251 Kurfess (2014) com razotildees interessantes propotildee traduzir μέλεα por uacutetero colocando assim o fragmento entre

aqueles de embriologia 252Por exemplo a interpretaccedilatildeo de Frankel seria do ponto de vista psicoloacutegico extremamente interessante ldquoThe first

sentence of the fragment says the ratio of the two elements of which a person consists (Light and Dark Being and

Not-being) is subject to great fluctuations and these changes are accompained by corresponding fluctuations in his

powers of insight and his whole way of looking at thingsrdquo (Frankel 1975 p 17) Lamentavelmente essa

interpretaccedilatildeo assim como as demais possui uma instabilidade que depende do proacuteprio texto e portanto natildeo eacute

aproveitaacutevel

208

insuficiente para o aproveitamento para a nossa anaacutelise

524 Conclusatildeo

Com esta segunda parte do estudo concluiacutemos nossa busca pelo vocabulaacuterio psicoloacutegico do

poema parmenidiano e pela averiguaccedilatildeo da existecircncia de um Parmecircnides observador do

comportamento da mente humana isto eacute de um Parmecircnides psicoacutelogo A nossa analise revelou um

Parmecircnides excelente psicoacutelogo Depois da primeira seccedilatildeo vimos no capiacutetulo 2 a extraordinaacuteria

observaccedilatildeo da impossibilidade de se pensar o natildeo ser vimos tambeacutem a reflexatildeo a respeito desta

impossibilidade e as consequecircncias que ele extraiu tanto no plano da possibilidade de

conhecimento quanto no plano filosoacutefico elaborando um meacutetodo corretivo do desvio cognitivo da

mente E nesta segunda seccedilatildeo vimos a aplicaccedilatildeo desse meacutetodo (do ponto de vista psicoloacutegico) e

talvez a primeira descriccedilatildeo do processo mental de abstraccedilatildeo Principalmente vimos a organicidade

e forccedila estrutural do pensamento de Parmecircnides que apoia passo a passo todas as suas afirmaccedilotildees

umas nas outras partindo da impossibilidade de se pensar o natildeo ser e chegando na descriccedilatildeo

coerente de um mundo sem mutaccedilatildeo passando pelas etapas intermediaacuterias da compreensatildeo do erro

nos argumentos devido a um desvio cognitivo do meacutetodo para corrigir o erro da criacutetica ao

pensamento comum e da apresentaccedilatildeo argumentada das caracteriacutesticas verdadeiras do eon o

mundo

53 O preceito da deusa

Apoacutes nosso percurso pelo fragmento 2 e pela discussatildeo do meacutetodo parmenidiano podemos

agora voltar ao tantas vezes jaacute nomeado Preceito da Deusa Na verdade a deusa parmenidiana

209

oferece muitos preceitos desde o nem conhecerias o que natildeo eacute [hellip] e nem o dirias de 27-8 ateacute o

eacute ou natildeo eacute do 816 e aleacutem No entanto o preceito siacutentese de todos os outros e em sua versatildeo

operativa ou seja numa foacutermula que pode ser aplicada eacute aquele reportado (e tornado famoso) por

Platatildeo e enumerado por Diels no fragmento 7 e versos 71-2 Jaacute encontramos essa citaccedilatildeo no

primeiro capiacutetulo ao falar do testemunho de Platatildeo (p XX) e ali fizemos uma distinccedilatildeo entre a

semacircntica parmenidiana e a semacircntica platocircnica por natildeo conhecermos ainda a semacircntica

parmenidiana renunciamos temporariamente a traduzir os versos e com a ajuda da semacircntica

platocircnica apenas salvamos a sintaxe de forma a manter uma referecircncia para a sucessiva anaacutelise do

texto do poema Depois jaacute conhecendo a semacircntica do natildeo ser em Parmecircnides reapresentamos

esses dois versos no 2ordm paraacutegrafo do capiacutetulo 2 oferecendo a traduccedilatildeo e sentidos dentro da

sequecircncia apresentada pelo poema quanto agrave discussatildeo do meacutetodo que Parmecircnides propotildee no

fragmento 2 Agora podemos nos dedicar a uma discussatildeo mais geral desses dois versos pois

como indica a citaccedilatildeo de Platatildeo representam a essecircncia da mensagem da filosofia parmenidiana

Vamos relembrar a letra dos versos

Natildeo prevaleccedila (οὐδαμῆι) jamais (μήποτε) isto (τοῦτο) ser os natildeo entes

Tu poreacutem desta via de inqueacuterito afasta o pensamento

Estabelecido o sentido metodoloacutegico dentro do poema podemos verificar uma sua

generalizaccedilatildeo O texto nos diz que (1) haacute uma via de inqueacuterito da qual eacute necessaacuterio se manter

afastados isto significa que este preceito se aplica agrave via de inqueacuterito agrave busca pelo saber isto eacute agrave

filosofia no sentido mais geral do termo (2) No inqueacuterito diante das duas vias possiacuteveis uma tem

que ser evitada a saber aquela que pretende que os natildeo entes sejam (3) Que os natildeo entes sejam

nunca prevaleceraacute

O preceito da deusa se baseia numa distinccedilatildeo que se revela no (1) por um lado haacute uma

210

estrutura do mundo por assim dizer objetiva e por outro lado haacute uma compreensatildeo subjetiva

desta estrutura O mundo considerado enquanto objeto apresenta a estrutura que se revela na

oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo ser (3) O pensamento de inqueacuterito um ato do sujeito pode ou natildeo

refletir esta estrutura por isto se oferecem ao sujeito duas vias (2) Esta distinccedilatildeo parmenidiana

representa por um lado a ruptura do realismo ingecircnuo cognitivo e por outro lado a consciecircncia

de que a esta ruptura eacute necessaacuterio oferecer um reparo Posto que o mundo estaacute estritamente ligado

pelas correntes na necessidade (3) o pensamento que queira investigar o mundo ndash e que

inexoravelmente se encontra diante de duas possibilidades (2) a de seguir o caminhos com os

nexos soltos ou o caminho com os nexos estreitos ndash precisa seguir o caminho de nexos estreitos

(1) definido pelo preceito mantenha-se afastado da via onde prevalece que os natildeo entes sejam

Reaproximando estas palavras a uma linguagem mais familiar para noacutes podemos dizer natildeo

argumente (mantenha-se afastado da via) com a identidade entre natildeo ente e ente (onde prevalece

que os natildeo entes sejam) O preceito pode entatildeo ser generalizado desta forma no caminho de

inqueacuterito que acompanha a verdade o ente natildeo pode ser idecircntico ao natildeo ente Generalizando mais

ainda temos o Preceito da Deusa

em relaccedilatildeo ao argumento algo natildeo pode ser e natildeo ser

Note-se que este eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo parmenidiano no campo do pensamento

e portanto eacute um princiacutepio do pensar eacute um princiacutepio loacutegico Jaacute como vimos no primeiro paraacutegrafo

do capiacutetulo 2 o princiacutepio ontoloacutegico eacute o seguinte

natildeo ser eacute impossiacutevel

A estrutura cristalina do pensamento de Parmecircnides pode ser colhida somente se livrando das

camadas culturais poacutes-platocircnicas de forma que a tarefa de evidenciar esse nuacutecleo filosoacutefico se

torna muitas vezes difiacutecil e ateacute mesmo ingloacuteria Tome-se por exemplo o magniacutefico e virtuosiacutestico

211

trabalho de Scott Austin Being bounds and logic de 1986 O autor aceita que Parmecircnides introduz

o princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo mas sua anaacutelise se reversa inteiramente sobre a sintaxe e ele conclui

que Parmecircnides realizou a generalizaccedilatildeo deixando cair (dropping) os predicados253 assim seria

um caminho de contradiccedilatildeo sintaacutetica que gerou em Parmecircnides a reatividade agrave contradiccedilatildeo

fazendo-o afinal rejeitar as afirmaccedilotildees contraditoacuterias eacute e natildeo eacute Penso que a contradiccedilatildeo em

Parmecircnides natildeo seja uma questatildeo de ouvido pois a contradiccedilatildeo para o ouvido eacute a contradiccedilatildeo

comumente percebida bem antes de Parmecircnides na linguagem comum Penso que Parmecircnides eacute

bem consciente da questatildeo filosoacutefica da contradiccedilatildeo como aliaacutes vimos abundantemente neste

trabalho pelos seguintes temas apresentados no poema a psicologia da convicccedilatildeo o criteacuterio para

a verdade o conflito entre explicaccedilotildees diversas em relaccedilatildeo aos mesmos fenocircmenos em escala

ampla (desde ao menos seu mestre Xenoacutefanes) a reflexatildeo sobre o natildeo ser nitidamente e

253Um exemplo eacute reportado na paacutegina 33 ldquoIf a division is or generates a hole in being then there will be a place where

what-is is not continuous and soacute the sentence what-is here divided and is there not divided would have to be true

Similarly if what-is is bigger somewhere then it is smaller somewhere eles (as Parmenides clearly realizes in 46-

48) and so it is here bigger there not bigger would have to be true [hellip] I suggeste that Parmenides saw this as an

instance of something like contradiction and would claim that saying of what-is that it is bigger and not bigger

makes being be both Parmenides ears do not (for philosophical purposes at least) register here there contrast

He allows himself to be deaf because his logic focuses on the terms directly introduced by the copula to the

exclusion of the qualifiers somewhat in the manner of the logic of Platos Phaedo in which what is ontologically

suspect about entities like Simmias and Cebes (or what clues us into their ontological derivativeness) is that they

can be both taller and shorter never mind than whomrdquo

Uma criacutetica que eacute feita a este tipo de argumento eacute que esta reduccedilatildeo ndash onde aqui e ali satildeo abandonados restando

somente o ser como sendo maior e menor ndash eacute que para que a reduccedilatildeo aconteccedila eacute necessaacuterio que os adveacuterbios sejam

levados em conta para depois serem abandonados (Thom 1999 p 155) o que exclui que Parmecircnides seja surdo

a eles Mas o argumento principal a meu ver eacute a inversatildeo da linha de raciociacutenio isto eacute natildeo eacute pelo fato de que o

eon sendo maior aqui e menor ali seria maior e menor (excluindo os adveacuterbios que supostamente Parmecircnides natildeo

ouve) e portanto apresentaria uma contradiccedilatildeo ser e natildeo ser inaceitaacutevel mas eacute pelo fato de que o natildeo ser eacute

inaceitaacutevel que o eon natildeo pode ser maior e menor ou maior aqui e menor ali Estaacute mais do que claro no poema que

Parmecircnides exclui a induccedilatildeo (ou seja uma suposta observaccedilatildeo do eon como sendo maior e menor em cima da qual

ele elabora uma teoria particular para aquele fenocircmeno) e expotildee sua visatildeo do eon a partir do pressuposto da

exclusatildeo do natildeo ser exclusatildeo que explica a homogeneidade e portanto a impossibilidade do eon ser maior aqui ou

ali Esta inversatildeo eacute tanto mais notaacutevel quanto o fato de Austin atribuir a Parmecircnides uma surdez que o proacuteprio

Parmecircnides atribui aos mortais

212

magistralmente exposta no fragmento 2 e a elaboraccedilatildeo de um meacutetodo de pesquisa natildeo somente

utilizado por ele mas ateacute mesmo ensinado pela boca de uma deusa num poema didaacutetico Todo

este aparato natildeo se apoia apenas no ouvido mais ou menos deficiente de Parmecircnides mas num

autecircntico esforccedilo filosoacutefico aquele eterno esforccedilo humano de entender a si proacuteprio sua vida seu

mundo e o mundo de todos noacutes

Assim como Austin acusa Parmecircnides de ser surdo assim tambeacutem Jonathan Barnes o acusa

de ser cego254 Para o quecirc Parmecircnides seria cego Seria cego para a ambiguidade loacutegica de suas

foacutermulas linguiacutesticas De fato Barnes reconstroacutei os argumentos de Parmecircnides e depois de ter

montado passo a passo os vaacuterios argumentos se dedica a aprofundar o ldquocaminho da ignoracircnciardquo (o

caminho do natildeo ser que ele reconstroacutei utilizando os fragmentos 2 e o 6) Primeiro expotildee o caminho

em 15 passos e depois afirma que o 11ordm eacute falso eis suas palavras no The presocratic philosophers

ldquo(11) (ⱯX) (if X does not exist X cannot exist) [hellip] premiss (11) is false and obviously false Not

all nonentities are impossibilia many things might but do not existrdquo (p 157) Esta a interpretaccedilatildeo

de que algumas coisas embora natildeo existam poderiam existir natildeo estaacute dentro do horizonte

especulativo de Parmecircnides porque ele natildeo pensa em termos de essecircncia e existecircncia255 e ademais

recusa exatamente a possibilidade de que os natildeo entes venham a ser como reza o Preceito da Deusa

Se se interpreta a impossibilidade da existecircncia dos natildeo entes agrave luz do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo

254Diz Barnes ldquoParmenides I suggest was blind to the ambiguity of the sentence he used he supposed that he could

as it were take advantage in one and the same proposition both of the truth of (16) and of the logical implications

of (17) Parmenidesrsquo philosophy rests if I am right on an untruism it is some slight consolation that his was by no

means the last system to be built on such a sandy foundationrdquo (Barnes 1982 p 167) 255O tema da essecircncia e existecircncia em Parmecircnides eacute raramente tratado um dos raros artigos a respeito eacute de Austin

(2011) que mostra com pouca palavras que a questatildeo natildeo eacute tatildeo simples como pode parecer e que afinal o que

estaacute em jogo eacute a dinacircmica entre apresentaccedilatildeo e representaccedilatildeo do Ser (pace Heidegger diz Austin) assunto no qual

os preacute-socraacuteticos tecircm muito a contribuir

213

segundo a formulaccedilatildeo de Aristoacuteteles (ou ateacute mesmo de Platatildeo) entatildeo estariacuteamos diante de uma

falsidade Mas Parmecircnides adverte especificamente para se afastar do caminho onde prevalece que

os natildeo entes sejam Dizer que a proposiccedilatildeo (11) eacute uma falsidade significa trair o nuacutecleo da filosofia

parmenidiana significa desconsiderar o Preceito da Deusa e julgar o texto com os olhos platocircnicos

aristoteacutelicos ou ateacute mesmo contemporacircneos ou melhor ironia dos textos significa ver o mundo

como os mortais que Parmecircnides considera como cegos justamente ali onde Barnes restitui a

acusaccedilatildeo a Parmecircnides

Essa mesma situaccedilatildeo de natildeo aceitar ou desconsiderar os preceitos explicitados por

Parmecircnides levou muitos criacuteticos renomados e influentes a cometer imprecisotildees agraves vezes graves

na interpretaccedilatildeo do texto parmenidiano Tome-se em mais um exemplo Owen256 afora a inversatildeo

arbitraacuteria entre os modais de 23 e 25 (must no lugar de cannot em 23 e cannot no lugar de must

em 25 p 91 n 1) de ldquoconsequecircncias desastrosasrdquo257 haacute uma recusa de se aceitar as regras do

jogo definidas por Parmecircnides A recusa se expressa atribuindo a Parmecircnides um erro aquele de

afirmar que natildeo se pode falar do que natildeo existe Mas que o natildeo ser seja indiziacutevel eacute uma afirmaccedilatildeo

que quando analisada atentamente nem que seja apenas uma anaacutelise no plano etimoloacutegico levaria

agrave conclusatildeo que indiziacutevel e contraditoacuterio pertencem natildeo soacute ao mesmo campo semacircntico mas ateacute

mesmo ao mesmo campo etimoloacutegico para Parmecircnides natildeo ser (o que natildeo existe na versatildeo de

Owen) eacute contraditoacuterio Mas ao inveacutes de concluir que o natildeo ser eacute contraditoacuterio Owen conclui que

Parmecircnides estaacute errado ldquowhat is mistaken is his claim that we cannot talk of the non-existent We

256Owen (1960) 257Eacute a expressatildeo de OBrien em sua anaacutelise detalhada do artigo de Owen (OBrien 1987 p 187)

214

can of course mermaids for instancerdquo (p 94 n 1) Mais uma vez o Preceito da Deusa eacute

desconsiderado para aplicar a Parmecircnides a nossa visatildeo de possiacutevelimpossiacutevel contraditoacuterionatildeo-

contraditoacuterio

No comeccedilo do seacuteculo XX Burnet em oposiccedilatildeo a uma linha interpretativa anterior258 jaacute

falava de um meacutetodo rigoroso de argumentar presente no poema259 embora natildeo explicitava em que

consistia o meacutetodo e em que consistia o rigor sucessivamente Zafiropulo em 1950 fala de duas

principais contribuiccedilotildees uma das quais foi aquela de evidenciar as antinomias260 e Jameson em

1958 afirma que o poema potildee certos axiomas e traccedila suas implicaccedilotildees261 Todavia outras vozes

comeccedilaram a se levantar tentando reduzir a discussatildeo loacutegica e ontoloacutegica parmenidiana a uma

mera conscientizaccedilatildeo das regras da gramaacutetica grega Por exemplo Stannard em 1960 reclamando

da imprecisatildeo e obscuridade da linguagem dos criacuteticos afirma ldquoMy own feeling is that he

[Parmenides] was simply and intuitively following the syntactical structure of the only language

known to himrdquo262 Surgem nesta eacutepoca aquelas interpretaccedilotildees na linha da linguiacutestica agraves quais

258Por exemplo Gomperz em 1910 diz que o pensador desejoso de conhecimento (isto eacute Parmecircnides) se rebelava

contra a afirmaccedilatildeo de que as coisas satildeo e natildeo satildeo reduzindo uma eventual questatildeo de problematizaccedilatildeo loacutegica a

uma suposta ldquorazatildeo sadiardquo do pesquisador (ed italiana de 1963 p 259 ldquoContro una tale proposizione [as coisas

satildeo e natildeo satildeo nda] la sana ragione si rivoltograverdquo) 259Burnet 1920 sect 87 ldquoThe great novelty in the poem is the method of argument [hellip] This method Parmenides

carries out with utmost rigourrdquo 260Zafiropulo 1950 p 48 ldquoMais ce sont meacuterites intriacutensegraveques [hellip] qui rendent leacutecole dEacuteleacutee immortelle [hellip] quelle

avait la premiegravere mis em lumiegravere les antinomiesrdquo 261Jameson 1958 p 15 [O poema traz em uma das quatro sessotildees] ldquoA discussion of principles which lays down

certain axioms and traces their implications (B 23 6 7) rdquo 262Stannard 1960 p 530 Um exemplo da insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos criacuteticos estaacute nestas palavras (dirigidas a Vastos)

ldquoThus Vlastos assertion that Parmenides most important single contribution to the history of thought was his

projection of the logic of Being upon the alien world of Becoming would be hard to deny in the absence of

knowing what Vlastos considers the nature of logic to berdquo (p 527) O texto ao qual Stannard se refere estaacute em

Vlastos (1946 p 76)

215

segundo o testemunho de Charles Kahn263 se teve necessariamente que responder Uma obra

importante e influente desse ponto de vista foi a de Guido Calogero o qual na sua anaacutelise da

loacutegica parmenidiana depois de ter feito derivar as concepccedilotildees de Parmecircnides mais uma vez da

liacutengua grega (concepccedilotildees que natildeo poderiam surgir se ele falasse outro tipo de liacutengua) afirma ateacute

mesmo que ldquoA histoacuteria da loacutegica ocidental eacute neste sentido a histoacuteria dos esforccedilos com os quais o

pensamento lentamente de liberta da servidatildeo parmenidianardquo264 A criacutetica a este tipo de postura do

ponto de vista filosoacutefico eacute faacutecil antes de tudo explicar uma concepccedilatildeo filosoacutefica com uma

concepccedilatildeo linguiacutestica natildeo explica apenas desloca o problema da filosofia agrave linguiacutestica depois

obviamente uma explicaccedilatildeo linguiacutestica de tipo teacutecnico natildeo explica a questatildeo filosoacutefica evidenciada

pelo problema linguiacutestico e para entendecirc-la teriacuteamos que recair na filosofia de novo desta vez na

filosofia da linguiacutestica ou da linguagem com o resultado de ver voltar pela porta de traacutes o que

expulsamos pela porta da frente e o proacuteximo passo seria a explicaccedilatildeo da linguagem pelas estruturas

cognitivas e depois psicoloacutegicas e bioloacutegicas etc numa sequecircncia de reducionismo que vai

repropor inexoravelmente o mesmo problema filosoacutefico cada vez com uma roupagem diferente

Embora estudos como esses de Kahn e Calogero natildeo tenham ajudado muito na minha

opiniatildeo na compreensatildeo filosoacutefica de Parmecircnides ajudaram consideravelmente no

aprofundamento dos estudos filoloacutegicos e na melhor articulaccedilatildeo do texto do poema

Simultaneamente uma melhor compreensatildeo filosoacutefica veio mais propriamente da produccedilatildeo

263Kahn 2003 p Viii ldquoThus my original project was philological and hermeneutical However this project was altered

by my concern with the attacks on this concept from relativists and positivists who claimed that the metaphysics

of Being resulted simply from linguistic confusion or from the reification of local peculiarities of vocabularyrdquo 264Calogero 1967 p 153 ldquoLa storia della logica occidental egrave in questo senso la storia degli sforzi con cui il pensiero

lentamente si affranca dalla servitugrave parmenideardquo

216

filosoacutefica da primeira metade do seacuteculo XX refiro-me a pensadores como Nietzsche Bergson

Heidegger Sartre e outros numa onda de propostas que estimularam a busca de antigas referecircncias

para novas concepccedilotildees Os resultados foram os endereccedilos heideggerianos e mais genericamente

contemporacircneos no estudo da filosofia antiga mas tambeacutem os endereccedilos parmenidianos no

desenvolvimento da filosofia contemporacircnea como por exemplo um movimento chamado de neo-

parmenidismo italiano cujo primeiro representante Severino propotildee uma reflexatildeo sobre o devir

a partir de um artigo dos anos 60 Ritornare a Parmenide E ainda por outro lado os estudos de

Loacutegica encontraram um vigor jamais visto antes antes de tudo com os claacutessicos como Frege mas

depois na primeira metade do seacuteculo XX com grandes loacutegicos como Russell e Goumldel Todas estas

premissas redundaram num extraordinaacuterio desenvolvimento dos estudos preacute-socraacuteticos e mais

especificamente parmenidianos com grandes estudiosos muitos dos quais citados aqui neste

trabalho

Especificamente em relaccedilatildeo agrave loacutegica de Parmecircnides o desenvolvimento das assim chamadas

loacutegicas natildeo claacutessicas fez com que natildeo soacute a aporia eleaacutetica natildeo fosse mais desprezada descartada

ou desconsiderada como acontecia antes mas se tornasse emblema de uma maneira de ver o

mundo que se compraz ateacute mesmo em criar novos mundos265 Assim as loacutegicas atuais criam

mundos impossiacuteveis escherianos e aporeacuteticos e tecircm em Parmecircnides o seu xodoacute uma referecircncia

certa e certeira justamente naquela ambiguidade entre ser e devir entre mutaacutevel e imutaacutevel outrora

265Um panorama das muitas vertentes das loacutegicas natildeo claacutessicas (e de alguns dos debates entre elas) pode ser visto em

Teorie dellassurdo (Berto 2006) Nesse livro eacute possiacutevel constatar a importacircncia do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo

na loacutegica atual e sobretudo a importacircncia da noccedilatildeo de natildeo ser implicada em cada vertente Soacute para dar um exemplo

o livro mostra uma parte da discussatildeo a respeito da negaccedilatildeo dacostiana (aquela utilizada por Newton da Costa na

sua elaboraccedilatildeo de certos sistemas paraconsistentes) a qual natildeo eacute considerada por muitos como uma autecircntica

negaccedilatildeo (Veja-se o artigo nas pp 132-5)

217

causa de indignaccedilatildeo natildeo soacute entre os filoacutesofos mas entre os proacuteprios loacutegicos A esta criatividade da

loacutegica contemporacircnea deve se acrescentar que os estudos de histoacuteria da loacutegica tendem a

redimensionar a visatildeo aritotelico-cecircntrica da loacutegica antiga e claacutessica266 De fato os novos estudos

se propotildeem a elucidar as necessaacuterias premissas culturais a partir das quais Aristoacuteteles trabalhou

com ampla importacircncia dada a Parmecircnides e ao eleatismo como um todo267 Assim de um tempo

para caacute os estudos sobre Parmecircnides se multiplicam ao ponto de que natildeo bastam mais artigos para

tratar de aspectos especiacuteficos mas se recorre a textos mais longos livros porque o aprofundamento

e a articulaccedilatildeo continua requerendo cada vez mais espaccedilo principalmente quando se trata de textos

de inesgotaacutevel riqueza como o de Parmecircnides Assim ldquoParmenide e la negazione del tempordquo268

ldquoParmenide scienziato269rdquo ldquoDie Konzeption des noein bei Parmenides von Eleardquo270 e muitos

outros incluindo o presente trabalho que tambeacutem estuda um aspecto especiacutefico do poema

Na literatura atual parmenidiana mais geral jaacute se aceita (mas jaacute se aceitava antes como

vimos e ateacute mesmo Simpliacutecio jaacute aceitava271) que Parmecircnides fazia uso mais ou menos consciente

do princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo272 Na literatura atual ligada agrave loacutegica ou agrave histoacuteria da loacutegica poreacutem

266Bochenski 1961 Kneale 1962 267Para um panorama da problemaacutetica cfr Sardo (1985) e para algum desenvolvimento cfr Mason (2000) 268Pulpito (2005) 269Cordero et al (2008) 270Marcinkowska-Rosol (2010) 271Simpliacutecio In Physica 117 2-3 ldquoQue as proposiccedilotildees em contradiccedilatildeo natildeo sejam verdadeiras ao mesmo tempo ele o

diz com aquelas palavras com as quais censura aqueles que unem os opostosrdquo (ὅτι δὲ ἡ ἀντίφασις οὐ συναληθεύει

δι ἐκείνων λέγει τῶν ἐπῶν δι ὧν μέμφεται τοῖς εἰς ταὐτὸ συνάγουσι τὰ ἀντικείμενα) 272Num trabalho singular Imbraguglia acredita encontrar no poema dois inteiros sistema axiomaacuteticos No entanto ele

acha que a noccedilatildeo de contraditoriedade ainda natildeo estava inteiramente clara falando de certa sua suposiccedilatildeo a respeito

de algumas passagens do poema ele diz ldquoo fato que Parmecircnides pudera acreditar nisto [uma suposta contradiccedilatildeo

explicada anteriormente] demontra que a noccedilatildeo de contraditoriedade ainda natildeo era de todo clarardquo (ldquoil fatto che

Parmenide lo abbia potuto credere dimostra che la nozione di contraddittorietagrave non era stata ancora del tutto

chiaritardquo Imbraguglia 1974 p 151 n 73) Por estas palavras parece que a noccedilatildeo de contraditoriedade eacute uma uacutenica

e absoluta uma noccedilatildeo simplesmente a ser alcanccedilada coisa que Parmecircnides natildeo teria feito e que noacutes modernos

218

se aceita mais explicitamente e quase sem rodeios Veja-se esse exemplo o autor Paul Thom sem

maiores explicaccedilotildees afirma

The parmenidean formulations are

Never will this prevail that what is not is (B71 Barnes translation)

For neither is there anything which is not (B846 Barnes translation)273

Depois de uma raacutepida comparaccedilatildeo com as formulaccedilotildees de Platatildeo e de Aristoacuteteles afirma que

a foacutermula do princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo de Parmecircnides eacute esta (NC) Not (what-is-not is)274 Eu

natildeo acho que os loacutegicos tenham que ser menos concisos do que satildeo no entanto tenho fortes

duacutevidas de que um leitor natildeo versado no poema de Parmecircnides e na literatura que tenta interpretaacute-

lo a partir das ldquoexplicaccedilotildeesrdquo loacutegicas desse tipo tenha alguma chance de entender o que eacute para

Parmecircnides what-is-not e o que significa (what-is-not is) e porque tenha que ser negado Not (what-

is-not is) Simplificaccedilotildees similares acontecem na maioria dos estudos que compulsei e o hiato estaacute

afinal configurado de um lado temos os estudos de histoacuteria da filosofia antiga que se dedicam

principalmente agrave ontologia ou agrave epistemologia parmenidiana do ponto de vista do ser e de outro

lado temos os estudos de tipo mais analiacutetico ou os estudos dos loacutegicos que pecam no

aprofundamento da mensagem filosoacutefica do eleata

O trabalho aqui presente tentou se colocar nesse hiato mostrando com o instrumental da

histoacuteria da filosofia (e natildeo com o instrumental da loacutegica) que haacute uma clara consciecircncia em

fizemos Penso que a realidade histoacuterica e a filosoacutefica sejam diferentes As noccedilotildees satildeo histoacutericas e portanto

relativas a sua eacutepoca ademais do ponto de vista filosoacutefico a noccedilatildeo de contraditoriedade utilizada por Imbraguglia

eacute muito mais limitada do que aquela proposta por Parmecircnides 273Thom 1999 p 153 274ib p 154

219

Parmecircnides antes de tudo do problema inicial a distinccedilatildeo do discurso confiaacutevel do natildeo confiaacutevel

e depois do estabelecimento de um autecircntico meacutetodo filosoacutefico apoiado na rocha dura da ontologia

incontrovertiacutevel Da reflexatildeo cosmoloacutegica agrave elaboraccedilatildeo discussatildeo e aplicaccedilatildeo do meacutetodo tudo eacute

consciente em Parmecircnides incluindo-se aiacute a proacutepria palavra contradiccedilatildeo utilizada pela primeira

vez por ele e destinada a permanecer e que somente uma visatildeo aritstoteacutelico-cecircntrica impediu de

enxergar antes embora esteja claramente no poema em vaacuterias passagens por exemplo em οὔτε

φράσαις (DK B 28 natildeo diraacutes) ou entatildeo mais proacuteximo agrave nossa expressatildeo que eacute impessoal οὐ

φατὸν (DK B 88 natildeo diziacutevel)275

Assim o Preceito da Deusa desde o poema de Parmecircnides passando pelas primeiras

modificaccedilotildees platocircnicas e aristoteacutelicas chega ateacute nossos dias pelo lado loacutegico como objeto de

atenccedilatildeo das loacutegicas natildeo claacutessicas e pelo lado da ontologia como objeto da atual discussatildeo

filosoacutefica ateacute mesmo poacutes-moderna276

275Veja-se esta elaboraccedilatildeo de Berti ldquoPode-se dizer que a primeira apariccedilatildeo oficial da contradiccedilatildeo ndash embora ainda natildeo

chamada com seu nome ndash na histoacuteria da filosofia acontece entre o VI e o V seacuteculo ordf C no poema de Parmecircnides

O sentido mais oacutebvio da contraposiccedilatildeo entre as duas famosas vias [] eacute de fato aquele de uma oposiccedilatildeo entre

afirmaccedilatildeo (kataphasis) e negaccedilatildeo (apoacutephasis) isto eacute aquilo que depois seraacute chamada por Aristoacuteteles de

contradiccedilatildeo (antiacutephasis)rdquo Berti (1987 p 13) A linguagem aristoteacutelica eacute atribuiacuteda diretamente a Parmecircnides sem

que sequer Parmecircnides tenha oposto ou colocado em contradiccedilatildeo as duas vias 276Veja-se um panorama em Priest et alii 2004

220

6 CONCLUSAtildeO

Este estudo procurou evidenciar a noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides Embora a historiografia

poacutes-hegeliana tenha preferido se dedicar ao tema do ser Parmecircnides fala amplamente do natildeo ser

e utiliza amplamente a forma gramatical negativa e a argumentaccedilatildeo pela negaccedilatildeo No entanto a

noccedilatildeo de natildeo ser que pelos documentos que possuiacutemos resulta ser historicamente uma novidade

introduzida pelo eleata no pensamento ocidental uma autecircntica estreia natildeo podia ser fruto se natildeo

de uma reflexatildeo criativa dada a sua natureza semacircntica de natildeo se referir a nenhuma positividade

da realidade

A natureza reflexiva do saber preacute-parmenidiano natildeo estaacute documentada e apesar da cultura

difusa do ldquoΓνῶθι σαυτόνrdquo e do testemunho de Heraacuteclito do ldquoἐδιζησάμην ἐμεωυτόνrdquo (este

provavelmente posterior a Parmecircnides) o saber atribuiacutedo tanto aos mileacutesios quanto aos pitagoacutericos

eacute mais um saber voltado agrave compreensatildeo da realidade externa do que ao conhecimento do sujeito

O poema parmenidiano eacute o primeiro a apresentar uma preocupaccedilatildeo com o pensamento e com seu

papel no conhecimento da realidade mas os criacuteticos pouco se dedicaram a estudar natildeo o que

Parmecircnides diz do pensamento mas o que ele diz do pensar Para estabelecer uma geneacutetica miacutenima

da noccedilatildeo de natildeo ser era necessaacuterio verificar a preocupaccedilatildeo de Parmecircnides com o pensar de forma

a justificar ndash se os resultados o permitissem ndash um interesse pela atividade cognitiva concreta e pelo

seu funcionamento

Foi assim que como certos artesatildeos que inventam e constroem suas proacuteprias ferramentas

especiacuteficas para certas manufaturas especiacuteficas tivemos que investigar se e em que medida

Parmecircnides se dedicou ao estudo do pensar de forma a definir algumas noccedilotildees que pudessem

ajudar a entender natildeo soacute o natildeo ser dentro da ontologia parmenidiana mas principalmente o natildeo ser

221

como objeto especiacutefico das atenccedilotildees do eleata Empreendemos assim a verificaccedilatildeo ao longo da

letra do poema da presenccedila de noccedilotildees relacionadas ao comportamento da mente humana ou seja

a verificaccedilatildeo de noccedilotildees que revelassem o Parmecircnides psicoacutelogo Esclarecido o fato de que

buscaacutevamos o Parmecircnides psicoacutelogo no sentido moderno da palavra ndash possivelmente um psicoacutelogo

que chamariacuteamos de cognitivista e natildeo psicoacutelogo cliacutenico como o clichecirc cultural atual tende a

pensar ndash diferenciando-o do sentido tradicional de estudioso da alma (conceito ambiacuteguo

atualmente) passamos a estudar o poema exaustivamente Tambeacutem para este estudo tivemos que

construir uma nossa ferramenta especiacutefica que consistiu numa traduccedilatildeo especiacutefica do verbo noein

e de seus cognatos a traduccedilatildeo utilizada foi tomada da caracterizaccedilatildeo oferecida por Parmecircnides

uma dinacircmica da mente em sua atividade de conhecimento (DK B 22) que nos permitiu chegar a

uma terminologia esteticamente improacutepria para um poema de 25 seacuteculos de idade mas com um

potencial de esclarecimento muito grande para a nossa sensibilidade atual operaccedilotildees cognitivas

da mente Os resultados natildeo demoraram a aparecer e aleacutem da constataccedilatildeo de que Parmecircnides foi

um autecircntico e bom observador do comportamento da mente humana tanto individual quanto em

grupos sociais chegamos a um conceito essencial para o estudo do natildeo ser presente virtualmente

no poema pela presenccedila da recusa de seu oposto Parmecircnides diz que os mortais que nada sabem

natildeo tecircm os recursos (DK B 65 ἀμηχανίη singular no grego) afirmando virtualmente que o homem

saacutebio tem esses recursos ἡ μηχανή Graccedilas a esta noccedilatildeo foi possiacutevel estabelecer que a diferenccedila

entre os mortais que nada sabem e o homem saacutebio instruiacutedo pela deusa eacute um recurso do pensar

(natildeo do pensamento posto que o pensamento eacute o resultado do pensar) isto eacute de sua atividade

cognitiva O processo de varredura do poema em busca de noccedilotildees psicoloacutegicas foi interrompido

diante daquelas partes que requeriam a noccedilatildeo de natildeo ser uma noccedilatildeo ainda natildeo clara no capiacutetulo 1

e somente retomado e concluiacutedo no capiacutetulo 3 depois da posse daquela noccedilatildeo

222

A ausecircncia da μηχανή nos mortais e sua presenccedila no homem saacutebio geraram dois

correspondentes problemas 1) em que consiste esta deficiecircncia e 2) em que consiste o recurso A

deficiecircncia Parmecircnides nos diz consiste na confusatildeo entre ser e natildeo ser o recurso entatildeo

necessariamente tem que ser um instrumento que diferencie ser de natildeo ser Tratava-se portanto de

buscar uma definiccedilatildeo autocircnoma do natildeo ser que o distinguisse completamente da noccedilatildeo de ser Foi

o que fizemos na primeira parte do segundo capiacutetulo

A anaacutelise do fragmento 2 teve como referecircncia o modelo sintaacutetico (mas natildeo semacircntico) da

citaccedilatildeo feita por Platatildeo (Sofista) daquela que eacute por razotildees intrinsecamente filosoacuteficas e por razotildees

circunstanciais reveladas por Platatildeo a essecircncia da filosofia parmenidiana a oposiccedilatildeo radical entre

ser e natildeo ser Desta forma foi possiacutevel evitar a discussatildeo desde o iniacutecio da complicada e

problemaacutetica interpretaccedilatildeo do ἔστιν sem sujeito de DK B 23 pois o seu natildeo esclarecimento natildeo

comprometia a metodologia que seguimos posto que a referecircncia platocircnica relacionando ser e natildeo

ser garantia a possibilidade se obter a noccedilatildeo do ser (e portanto do ἔστι) a partir daquela de natildeo ser

O primeiro dado a emergir foi a discussatildeo feita por Parmecircnides a respeito da persuasatildeo Esta

persuasatildeo eacute um momento do ato cognitivo que se potildee entre o objeto e a sua apreensatildeo correta por

parte do sujeito em outras palavras Parmecircnides tinha consciecircncia de que eacute possiacutevel se convencer

e julgar verdadeiros tanto os discursos verdadeiros quanto os enganosos Assim a busca

parmenidiana devia verter sobre um tipo de recurso que fosse extra-mental um mecanismo de

controle dissociado da espontaneidade reflexiva do homem comum que pudesse escapar da

armadilha da persuasatildeo que faz considerar verdadeiro ateacute mesmo o que verdadeiro natildeo eacute Isto

comporta a recusa de algum comportamento mental espontacircneo em favor de um comportamento

mental corrigido artificialmente

A anaacutelise do fragmento 2 revelou que o comportamento mental a ser recusado eacute a noccedilatildeo de

223

natildeo ser como de algo de alguma forma existente O pensamento espontacircneo (o dos mortais)

considera o natildeo ser como algo que embora natildeo sendo o mesmo eacute o mesmo que o ser Parmecircnides

recusa que o natildeo ser tenha algum valor cognitivo e com surpreendente lucidez filosoacutefica afirma

que o natildeo ser eacute uma noccedilatildeo impossiacutevel (para as operaccedilotildees cognitivas) pois natildeo pode ser indicado

(οὔτε φράσαις) e natildeo pode ser pensado (οὔτε ἂν γνοίης) Com esta noccedilatildeo de impossibilidade do

natildeo ser se estabeleceu o princiacutepio ontoloacutegico de Parmecircnides o natildeo ser eacute impossiacutevel a partir da

reflexatildeo concreta da impossibilidade de negar o que existe A passagem da negaccedilatildeo da existecircncia

do ente individual para a negaccedilatildeo de todos os entes e afinal do ser enquanto todo interrompe a

discussatildeo sobre as funccedilotildees gramaticais (e linguiacutesticas) de einai e seus cognatos (como por

exemplo a diferenciaccedilatildeo entre sentido existencial predicativo veritativo e outros) posto que a

(tentativa da) negaccedilatildeo do todo anula as referecircncias linguiacutesticas e se coloca em territoacuterio

francamente filosoacutefico procurando refletir os pressupostos cognitivos (e portanto tambeacutem os

pressupostos da linguagem) que satildeo origem e natildeo consequecircncia das funccedilotildees linguiacutesticas Foi

assim identificada uma reflexatildeo genuinamente metafiacutesica a respeito dos limites e do aleacutem-limites

do pensar Parmecircnides estabelece o que eacute impossiacutevel de ser pensado (e dito) a esta impossibilidade

daacute o nome de natildeo ser

Estabelecida a noccedilatildeo de natildeo ser como uma virtualidade imaginada pelo pensar mas ao

mesmo tempo uma impossibilidade concreta do pensar chegamos antes de tudo agrave definiccedilatildeo da

noccedilatildeo de natildeo ser o natildeo ser eacute a impossibilidade de pensar e dizer logo eacute o que se opotildee agrave

possibilidade de dizer (e pensar) o natildeo ser eacute contra o dizer (e pensar) o natildeo ser eacute contra-dictoacuterio

(do latim dico) eacute contraditoacuterio Por este motivo por ser contraditoacuterio o segundo caminho (DK B

25) deve ser evitado O outro uacutenico caminho eacute aquele que recusa a contradiccedilatildeo do natildeo ser e que

deve ser seguido eacute aquele que Parmecircnides chama de caminho da persuasatildeo que acompanha a

224

verdade assim formulado eacute e eacute impossiacutevel que seja contradiccedilatildeo este caminho que se afasta do

outro do caminho do natildeo eacute e que eacute necessaacuterio que seja natildeo ser uma necessidade que identifica

aquela virtualidade da qual se manter afastados

Com as duas noccedilotildees de natildeo ser e ser jaacute esclarecidas no paraacutegrafo seguinte passamos a

examinar a discussatildeo que Parmecircnides faz a respeito dessas noccedilotildees Enquanto no fragmento 2 a

deusa explica questotildees relativas agrave formas impossiacuteveis e natildeo impossiacuteveis de pensar nos fragmentos

6 e 7 ela discute a posiccedilatildeo comum e sua origem numa confusatildeo cognitiva perpetrada pelos haacutebitos

culturais Por isso para que o disciacutepulo natildeo seja levado a pensar como os mortais ela oferece seu

preceito que chamamos de Preceito da Deusa onde afirma que eacute preciso se manter afastados da

concepccedilatildeo que faz com que os natildeo entes sejam O disciacutepulo deve negar que o natildeo ser eacute pois

somente o ser eacute e afinal como sintetizamos no paraacutegrafo anterior em relaccedilatildeo ao argumento algo

natildeo pode ser e natildeo ser Este princiacutepio eacute o primeiro modelo historicamente identificaacutevel daquele

que viraacute a ser conhecido como princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo Para diferenciaacute-lo dos princiacutepios

platocircnicos e aristoteacutelico e os demais que a moderna loacutegica nos traz o chamamos de Preceito da

Deusa tentando manter assim algo de sua caracteriacutestica originaacuteria a mitologia terreno sobre o

qual nasceu o assim chamado pensamento racional

No terceiro paraacutegrafo vimos o Preceito da Deusa em accedilatildeo e nos limitamos exatamente agrave sua

accedilatildeo sem entrar na discussatildeo ontoloacutegica e cosmoloacutegica que a proposta parmenidiana traz

Descobrimos assim que o Preceito da Deusa eacute a ferramenta principal a partir da qual Parmecircnides

forma uma imagem de mundo uacutenica na histoacuteria do pensamento ocidental aparentemente defendida

por Zenatildeo mas pelo que se sabe seguida apenas por Melisso Do ponto de vista loacutegico o Preceito

da Deusa a μηχανή capaz de garantir a persuasatildeo verdadeira natildeo conseguiu explicar as opiniotildees

dos mortais como o proacuteprio Parmecircnides admite e alerta Mas forte em seu meacutetodo Parmecircnides

225

natildeo abre matildeo do Preceito e prefere manter separados os dois discursos o verdadeiro presidido

pelo Preceito da Deusa e o discurso de ordem enganadora natildeo presidido pelo Preceito da Deusa

deixando em aberto com admiraacutevel honestidade intelectual uma eventual unificaccedilatildeo destes dois

mundos

Jaacute no terceiro capiacutetulo revimos os resultados obtidos tanto na noccedilatildeo de natildeo ser quanto a

respeito do preceito da Deusa Constatamos que a aporia eleaacutetica reportada como exemplo

negativo pelos doxoacutegrafos que comentavam Aristoacuteteles readquiriu focirclego modernamente

exatamente na medida em que a filosofia aristoteacutelica vai perdendo sua centralidade na filosofia jaacute

com Hegel que considera Parmecircnides o primeiro e verdadeiro filoacutesofo e mais recentemente na

ontologia colocando novamente em discussatildeo a possibilidade de um tracircnsito entre o ser e o nada

tracircnsito negado por Parmecircnides mas resgatado primeiro por Platatildeo e depois por Aristoacuteteles e na

loacutegica onde o Preceito da Deusa readquiriu forccedila exatamente com aquelas loacutegicas natildeo-claacutessicas

que passaram a trabalhar sem o predomiacutenio da loacutegica aristoteacutelica e de seu princiacutepio de natildeo-

contradiccedilatildeo

Dentro deste debate atual se situa o presente trabalho que procurou esclarecer ou ao menos

esclarecer um pouco mais as noccedilotildees de natildeo ser e sua hipoacutestase virtual o nada a partir dos quais

pode se entender um pouco mais claramente o Preceito da Deusa referecircncia do pensar no eleatismo

Assim o autor espera ter contribuiacutedo por um lado a este debate atual e por outro lado no campo

mais propriamente da histoacuteria da filosofia antiga ao esclarecimento da para noacutes singular maneira

de pensar dos preacute-socraacuteticos

226

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  • O preceito da Deusa 13O natildeo ser como contradiccedilatildeoem Parmecircnides de Eleacuteia
    • AGRADECIMENTOS
    • RESUMO
    • ABSTRACT
    • SUMAacuteRIO
    • 1 APRESENTACcedilAtildeO
    • 2 INTRODUCcedilAtildeO Agrave NOCcedilAtildeO DE NAtildeO SER
      • 21 Introduccedilatildeo geral agrave temaacutetica
      • 23 Apresentaccedilatildeo da temaacutetica e justificaccedilatildeo da metodologia
      • 24 O testemunho de Platatildeo
        • 3 PARMEcircNIDES PSICOacuteLOGO ndash PRIMEIRA PARTE
          • 31 Introduccedilatildeo geral
          • 32 Parmecircnides psicoacutelogo (primeira parte)
            • 321 O fragmento 1
            • 322 O fragmento 2
            • 323 O fragmento 3
            • 324 O fragmento 4
            • 325 O fragmento 6
            • 326 O fragmento 7
              • 3261 Generalidades
                  • 33 Resumo e conclusatildeo da primeira parte
                    • 4 O MEacuteTODO
                      • 41 Introduccedilatildeo
                      • 42 A exposiccedilatildeo do meacutetodo o natildeo ser em parmecircnides
                        • 421 Anaacutelise do fragmento DK 2
                        • 422 O anuacutencio da deusa versos 1-2 εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι
                        • 423 O primeiro caminho versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)
                        • 424 Os versos 5 a 8 ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι
                        • 425 τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν
                        • 426 οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)
                        • 427 οὔτε φράσαις
                        • 428 De volta aos versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι
                        • 429 Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)
                        • 4210 Conclusatildeo
                          • 43 A discussatildeo do meacutetodo
                            • 431 Fragmento 6
                            • 432 Os versos 64 πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltgt
                            • 433 αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς
                            • 434 O fragmento 7 Os versos 1 e 2
                              • 44 A aplicaccedilatildeo do meacutetodo
                                • 441 Ἐὸν eacute ingecircnito e impereciacutevel
                                • 442 Intermezzo O natildeo ser na experiecircncia do devir
                                    • 5 O PRECEITO DA DEUSA
                                      • 51 O natildeo ser em Parmecircnides
                                        • 511 O ser os seres
                                        • 512 Ouk esti
                                          • 52 Parmenides psicoacutelogo (segunda parte)
                                            • 521 O fragmento DK 8
                                            • 522 O fragmento DK 4
                                            • 523 O fragmento 16
                                            • 524 Conclusatildeo
                                              • 53 O preceito da deusa
                                                • 6 CONCLUSAtildeO
                                                • 7 REFEREcircNCIAS
Page 2: O preceito da Deusa · Mário Ferreira dos Santos "A sabedoria do ser e do nada" 8 RESUMO GALGANO, N. S. O preceito da Deusa: O não ser como contradição em Parmnides de Eléia

2

Nicola Stefano Galgano

O preceito da Deusa O natildeo ser como contradiccedilatildeo

em Parmecircnides de Eleacuteia

Tese a ser apresentada ao programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Filosofia do Departamento de

Filosofia da Faculdade de Filosofia Letras e

Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo

para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Filosofia sob

a orientaccedilatildeo do Prof Dr Roberto Bolzani Filho

Satildeo Paulo 2015

3

Ao Tomaz Toledo

4

AGRADECIMENTOS

Este trabalho eacute o resultado de um longo percurso que seguiu por todo tipo de configuraccedilatildeo

houve partes retas e tortuosas em descida e em subida planas e cheias de obstaacuteculos ele foi

possiacutevel graccedilas a mas tambeacutem apesar de A maioria dos obstaacuteculos natildeo poderia ter sido superada

sem a colaboraccedilatildeo de muitas pessoas que aqui quero agradecer

Agradeccedilo antes de tudo ao meu orientador o prof Roberto Bolzani Filho por ter acreditado

neste projeto e ter proporcionado as condiccedilotildees institucionais para que se realizasse

Agradeccedilo agraves instituiccedilotildees que me abrigaram materialmente agradeccedilo agrave USP e agrave FFLCH

cujas estruturas foram amigaacuteveis e cujos funcionaacuterios foram amigos e colaboraram com simpatia

principalmente a equipe da secretaria da FFLCH Geni Ferreira Lima Luciana Bezerra Noacutebrega

Maria Helena Barboza e Marie Maacutercia Pedrozo

Agradeccedilo agrave CAPES que com suas bolsas aquela propriamente de doutorado e aquela de

pesquisa no exterior me proporcionou as condiccedilotildees financeiras para o meu sustento no Brasil e no

Canadaacute quando ali passei um ano na Universidade de Toronto (UofT) Gostaria de registrar

tambeacutem a extrema simpatia e gentileza de seus funcionaacuterios que sempre me trataram bem e

cuidaram de que tudo ocorresse bem assim como de fato ocorreu

Os agradecimentos acadecircmicos satildeo inumeraacuteveis Antes de tudo aos meus orientadores

oficiais o prof Roberto Bolzani Filho e o prof Thomas M Robinson que me acompanharam

intelectualmente cada um a seu modo Eacute difiacutecil descrever o que representaram para mim associo

o prof Bolzani mais agrave liberdade de jorrar salvo depois passar pelo crivo criacutetico e o prof Robinson

mais a passar pelo crivo criacutetico salvo depois se permitir a liberdade das afirmaccedilotildees ousadas Com

ambos senti a felicidade da pesquisa

5

Depois ainda em acircmbito acadecircmico agradeccedilo agraves muitas pessoas que ofereceram sugestotildees

e me aconselharam tanto pessoalmente quanto por correspondecircncia Em primeiro lugar ao prof

Livio Rossetti da Universidade de Perugia que sempre me estimulou com sua amizade singeleza

e criatividade e mais do que isto sempre me contagiou com seu entusiasmo para com os preacute-

socraacuteticos grazie Livio Agradeccedilo tambeacutem ao prof Neacutestor Luis Cordero da Universidade de

Rennes estudioso pertinaz e insubstituiacutevel provavelmente o atual maior conhecedor de

Parmecircnides no mundo que sempre atendeu agrave minhas duacutevidas com clareza e generosidade

admiraacuteveis

Agradeccedilo agrave professora Eliane Christina de Souza pelas sugestotildees e pelo primeiro seminaacuterio

brasileiro sobre o natildeo ser realizado na UFSCar de proporccedilotildees ainda limitadas mas que espero

possa crescer Agradeccedilo aos professores Alberto Bernabeacute Beatriz Bossi e Graciela Marcos que

tambeacutem atenderam a certas minhas questotildees parmenidianas

Na esfera afetiva haacute muitas pessoas agraves quais eu agradeccedilo

Agradeccedilo antes de tudo agrave professora Maria Carolina Alves dos Santos amiga querida que

acompanhou todo este meu percurso os altos e os baixos apesar de morarmos em cidades

diferentes e eacute testemunha da difiacutecil alquimia pessoal pela qual eu passei que subjaz agrave conduccedilatildeo

da pesquisa filosoacutefica posto que o laboratoacuterio do pesquisador estaacute instalado em sua proacutepria mente

A ela agradeccedilo as conversas as aulas compartilhadas e o excelente seminaacuterio que foi realizado na

Universidade Federal de Mariacutelia onde o seu Platatildeo e o meu Parmecircnides se encontraram e

disputaram entre ser e natildeo ser

Agradeccedilo aos colegas Henrique de Paula Marcello Fontes e Sheila Paulino com os quais

compartilhei os momentos de alegria e de tensatildeo das festas e das discussotildees das perspectivas

acadecircmicas e de vida das duacutevidas decepccedilotildees esperanccedilas e satisfaccedilotildees e toda a paleta intelectual

6

afetiva e emocional que se vivencia com os amigos

Agradeccedilo agrave Patriacutecia que me abrigou e me abriga e gosta de compartilhar comigo o

espairecer necessaacuterio agraves nossas cansativas tarefas

Agradeccedilo aos meus filhos Giovanni que esteve trabalhando longe com o qual discutimos

muitas coisas do mundo e do universo Paula e Aureacutelia que estiveram sempre perto e presentes e

mais do que ningueacutem me ajudaram neste percurso em todos os sentidos todos Para elas natildeo haacute

palavras suficientes

Agradeccedilo por fim as ondas inspiradoras das praias solitaacuterias de Ilha Comprida o mar de

verde da minha moradia em Itu e o frio severo do Canadaacute fascinante ao menos para mim

7

Quando pensamos no nada absoluto natildeo realizamos

o nada nem tampouco a ideacuteia do nada porque a uacutenica

que podemos construir eacute por exclusatildeo das coisas

conhecidas e positivas eacute pela exclusatildeo total de toda

positividade por recusa sem a positividade natildeo

poderiacuteamos conceber o nada Soacute o concebemos por

oposiccedilatildeo ou seja por negaccedilatildeo do positivo pela

negaccedilatildeo da presenccedila pela recusa da presenccedila

Maacuterio Ferreira dos Santos

A sabedoria do ser e do nada

8

RESUMO

GALGANO N S O preceito da Deusa O natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleacuteia

2015 239 p Tese (Doutorado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Departamento

de Filosofia Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2015

O presente trabalho eacute um estudo da noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides Este estudo se propotildee a

preencher uma falta que ao longo do seacuteculo XX e agora no XXI foi se tornando cada vez maior

na medida em que crescia o interesse por essa noccedilatildeo extraordinaacuteria que pertence ao universo da

loacutegica e da ontologia antigas e da nossa atualidade Para evidenciar essa noccedilatildeo o trabalho deixou

de lado os demais aspectos do poema principalmente o estatuto do ser e se restringiu agrave anaacutelise da

noccedilatildeo de natildeo ser Para tanto foi desenvolvida uma metodologia que pudesse tornar claros tanto o

problema inicial parmenidiano quanto a soluccedilatildeo que ele propotildee Descobriu-se entatildeo uma

habilidade especiacutefica de Parmecircnides em observar o comportamento da mente humana com isto o

estudo esclareceu o papel do meacutetodo de Parmecircnides para compensar a amechanie (falta de

recursos) do homem comum na compreensatildeo do mundo Ele identifica o natildeo ser como objeto

virtual que enganosamente confunde aquele que se potildee no caminho da pesquisa pois para

Parmecircnides o natildeo ser eacute impossiacutevel Com a noccedilatildeo desta impossibilidade ele determina discute e

aplica o meacutetodo que garante a persuasatildeo verdadeira um autecircntico princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo

mas diferente daquele de Aristoacuteteles A este princiacutepio enunciado pela thea para distingui-lo daquele

do Estagirita o autor daacute o nome de Preceito da Deusa

Palavras-chave Parmenides natildeo-ser eleatismo natildeo-contradiccedilatildeo ontologia loacutegica

9

ABSTRACT

GALGANO N S The precept of the Goddess non-being as contradiction in Parmenides of

Elea 2015 239 p Thesis (Doctoral) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Departamento de Filosofia Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2015

The present work is an inquiry into the notion of non-being in Parmenides The study has the

purpose of filling a lack that increased along the XX century and now in the XXI according to the

growth of concern about this extraordinary notion which belongs to the universe of ancient and

modern logic and ontology With the aim of making this notion evident the work put aside the

other aspects of the poem mainly the statute of being and was restricted to the analysis of the

notion of non-being For this reason a methodology was developed that could make clear both the

initial parmenidian problem and the solution that he offers A specific ability was discovered that

of Parmenides as observer of the human mind with this the study made clear the role of

Parmenidesrsquo method to compensate the amechanie (lack of resource) of the common man in

understanding the world He identifies the non-being as a virtual object that deceptively confounds

that who takes the way of inquiry because to Parmenides non-being is impossible With the notion

of this impossibility he determines discusses and applies the method that certifies the true

persuasion an authentic principle of non-contradiction albeit different of that of Aristotle To this

principle enunciated by the thea to distinguish it from that of Stagirite the author gives the name

of Precept of the Goddess

Keywords Parmenides non-being eleaticism non-contradiction ontology logic

10

SUMAacuteRIO

1 APRESENTACcedilAtildeO 13

2 INTRODUCcedilAtildeO Agrave NOCcedilAtildeO DE NAtildeO SER 19

21 Introduccedilatildeo geral agrave temaacutetica 19

22 Justificaccedilatildeo da pesquisa dentro do panorama dos estudos de histoacuteria da filosofia na

atualidade 22

23 Apresentaccedilatildeo da temaacutetica e justificaccedilatildeo da metodologia 27

24 O testemunho de Platatildeo 30

3 PARMEcircNIDES PSICOacuteLOGO ndash PRIMEIRA PARTE 37

31 Introduccedilatildeo geral 37

32 Parmecircnides psicoacutelogo (primeira parte) 40

321 O fragmento 1 41

322 O fragmento 2 51

323 O fragmento 3 61

324 O fragmento 4 66

325 O fragmento 6 66

326 O fragmento 7 81

33 Resumo e conclusatildeo da primeira parte 92

11

4 O MEacuteTODO 95

41 Introduccedilatildeo 95

42 A exposiccedilatildeo do meacutetodo o natildeo ser em parmecircnides 97

421 Anaacutelise do fragmento DK 2 97

422 O anuacutencio da deusa versos 1-2 εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον

ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι 98

423 O primeiro caminho versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ

εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) 101

424 Os versos 5 a 8 ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι 118

425 τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν 118

426 οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν) 118

427 οὔτε φράσαις 118

428 De volta aos versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι 129

429 Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) 129

4210 Conclusatildeo 136

43 A discussatildeo do meacutetodo 140

431 Fragmento 6 141

432 Os versos 64 πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltgt 144

433 αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς 144

12

434 O fragmento 7 Os versos 1 e 2 146

44 A aplicaccedilatildeo do meacutetodo 149

441 Ἐὸν eacute ingecircnito e impereciacutevel 154

442 Intermezzo O natildeo ser na experiecircncia do devir 156

5 O PRECEITO DA DEUSA 170

51 O natildeo ser em Parmecircnides 170

511 O ser os seres 180

512 Ouk esti 184

52 Parmenides psicoacutelogo (segunda parte) 189

521 O fragmento DK 8 189

522 O fragmento DK 4 201

523 O fragmento 16 205

524 Conclusatildeo 208

53 O preceito da deusa 208

6 CONCLUSAtildeO 220

7 REFEREcircNCIAS 226

13

1 APRESENTACcedilAtildeO

O estudo apresentado nas paacuteginas a seguir trata de um tema especiacutefico entre os muitos

presentes no poema de Parmecircnides o natildeo ser Os motivos para este recorte satildeo dois o primeiro eacute

a necessidade atual no debate contemporacircneo de uma revisatildeo dos mais variados pressupostos que

sustentam e compotildeem a nossa visatildeo de mundo ndash que podemos chamar genericamente de

newtoniana ndash onde imergida em espaccedilo e tempo homogecircneos se encontra uma realidade em

constante devir esta visatildeo parece natildeo ser mais suficiente e ademais eacute questionada desde o seacuteculo

XIX pela filosofia e ao menos desde o seacuteculo XX pela ciecircncia mais avanccedilada Hoje espaccedilo e tempo

natildeo satildeo mais tidos como um receptaacuteculo neutro do mundo alguns tradicionais instrumentos

cognitivos humanos como a relaccedilatildeo causa-efeito e o princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo parecem natildeo

atuar de forma absoluta como se acreditava e finalmente a projeccedilatildeo para o futuro das dinacircmicas

do mundo segundo nossos atuais conhecimentos ndash e portanto uma ideia de rumo para a

humanidade ndash natildeo tem cenaacuterios confortaacuteveis principalmente porque a equivocidade a

instabilidade e ateacute mesmo a confusatildeo das noccedilotildees que utilizamos para ver o mundo natildeo permitem

um foco mais preciso

Em busca de novos caminhos de compreensatildeo jaacute na primeira metade do seacuteculo XX tanto

a ciecircncia como a filosofia se voltaram ao passado na esperanccedila de encontrar no patrimocircnio cultural

ocidental alguma ideia ou algum gancho que pudesse ajudar nessa busca Assim pensadores tatildeo

diferentes como Heidegger e Popper se dedicaram agrave interpretaccedilatildeo de Parmecircnides e o trataram como

par entre pares como colega como atualmente presente no debate contemporacircneo como filoacutesofo

14

vivo1 Parmecircnides natildeo eacute o uacutenico que recebeu tratamento similar outros preacute-socraacuteticos foram

chamados em causa e a razatildeo parece ser uma soacute suas ideias natildeo passaram pelos filtros platocircnico e

aristoteacutelico sendo menos comprometidas com a visatildeo cultural ocidental predominante e por isto

sugestivas de outras visotildees e outras posturas de compreensatildeo Mas Parmecircnides recebeu um

tratamento especial principalmente porque foi autor de um problema ainda hoje insoluacutevel a assim

chamada aporia eleaacutetica Ele e alguns de seus seguidores principalmente Melisso que radicalizou

as ideias parmenidianas satildeo responsaacuteveis por uma visatildeo de mundo anti-intuitiva que rejeita o devir

assim como geralmente o entendemos abrindo um abismo na noccedilatildeo de realidade seja aquela

cotidiana do homem simples seja aquela cientiacutefica do homem saacutebio Todavia a aporia eleaacutetica eacute

aporeacutetica nas conclusotildees mas natildeo nas premissas as quais restam firmes e coerentes para qualquer

um que se disponha a analisaacute-las isto eacute Parmecircnides tinha laacute suas razotildees assim agraves vezes tratado

como gecircnio e outras como banalmente iloacutegico o eleata continua representando um desafio seacuterio

aos pesquisadores de ciecircncia e de filosofia

A aporia eleaacutetica se revela imediatamente na oposiccedilatildeo absoluta entre o que eacute absolutamente

afirmado e o que eacute absolutamente negado Na foacutermula mais conhecida a oposiccedilatildeo eacute estabelecida

entre ser e natildeo ser mas tal oposiccedilatildeo possui esta caracteriacutestica se o natildeo ser eacute nada o ser natildeo tem

nada a que se opor e a oposiccedilatildeo cai para que subsista o natildeo ser deve ser algo mas se o natildeo ser eacute

algo o ser se oporia a algo isto eacute ao ser e neste caso tambeacutem a oposiccedilatildeo cai enfim se a oposiccedilatildeo

entre ser e natildeo ser eacute eliminada nos vemos obrigados a dizer que ser e natildeo ser satildeo a mesma coisa

1 Heidegger 1998 Popper 2014

15

com consequecircncias ainda mais absurdas O principal responsaacutevel da articulaccedilatildeo da aporia aquele

que natildeo se deixa capturar e que escapule de nossas garras racionais eacute o natildeo ser Desde Goacutergias e

Platatildeo o natildeo ser eacute uma noccedilatildeo das mais aporeacuteticas e como um Midas negativo tudo que ele toca se

torna difiacutecil mas dele o pensamento contemporacircneo natildeo consegue mais prescindir e como outras

noccedilotildees que sofreram outrora o mesmo destino de rejeiccedilatildeo estaacute sendo mais uma vez acolhido

estudado e repensado Por um lado a fiacutesica atual pretende que pares de partiacuteculas subatocircmicas

tenham origem no nada e por outro lado o natildeo ser passa a ser menos absoluto em loacutegicas

paraconsistentes e paracompletas Tanto no mundo sensiacutevel da fiacutesica quanto no mundo inteligiacutevel

da loacutegica o natildeo ser tambeacutem chamado de nada se alberga silenciosamente exigindo meditaccedilotildees

sobre seu papel e sua ldquoexistecircnciardquo isto eacute sobre seu status

O peso da filosofia parmenidiana foi sentido como jaacute dissemos pela cultura

contemporacircnea mas justamente os dois pensadores dos quais falamos Heidegger e Popper embora

tenham captado a dimensatildeo do recado de Parmecircnides ateacute mesmo mais do que muitos historiadores

da filosofia antiga satildeo conhecidos entre os estudiosos por ter produzido interpretaccedilotildees entre as

mais arbitraacuterias tanto do texto do poema quanto mais propriamente de sua filosofia A aparente

contradiccedilatildeo se resolve facilmente Popper e Heiddeger captaram a dimensatildeo filosoacutefica de

Parmecircnides e a aproveitaram para suas proacuteprias meditaccedilotildees mas a dimensatildeo filosoacutefica eacute apenas

um sinal da filosofia a qual para ser reconstruiacuteda e esclarecida sobre a base segura da exegese do

fragmentaacuterio texto parmenidiano requer tantas providecircncias metodoloacutegicas e uma atenccedilatildeo tatildeo

grande que o poema ainda eacute considerado um quebra-cabeccedilas pois apesar dos esforccedilos dos

estudiosos ao longo de mais de 150 anos ainda natildeo se conseguiu chegar a uma unanimidade de

interpretaccedilatildeo O problema dos fragmentos que sobreviveram os problemas paleograacuteficos de

16

traduccedilatildeo de coerecircncia interna e de compreensatildeo filosoacutefica fazem com que o poema seja estudado

hoje palavra por palavra com obstinaccedilatildeo surpreendente causando polecircmicas interpretativas a cada

passo a cada conjunccedilatildeo e a cada interpunccedilatildeo

No aspecto filosoacutefico um dos misteacuterios do poema estaacute na noccedilatildeo de natildeo ser Este aspecto

poreacutem natildeo depende precipuamente do estado do texto ou da exegese das palavras e de suas noccedilotildees

implicadas o natildeo ser foi problemaacutetico desde os exoacuterdios de divulgaccedilatildeo do poema quando estes

problemas textuais natildeo estavam presentes Vecirc-se isto claramente em Melisso que acaba rejeitando

qualquer devir em Goacutergias2 que escreve um texto tatildeo absurdo e ao mesmo tempo rigoroso que

ateacute hoje natildeo se sabe se ele estava falando seriamente ou apenas fazendo uma paroacutedia de

Parmecircnides e em Platatildeo que discute o natildeo ser no diaacutelogo O sofista A proposta de Parmecircnides eacute

escandalosa aparentemente implica o mundo imoacutevel de Melisso a equaccedilatildeo entre ser e natildeo ser de

Goacutergias e afinal o nonsense detectado por Platatildeo o qual natildeo acha soluccedilatildeo melhor de que eliminaacute-

lo atribuindo-lhe outra identidade um natildeo ser relativo no lugar daquele absoluto

A tradiccedilatildeo da histoacuteria da filosofia moderna de Hegel em diante privilegiou a noccedilatildeo de ser

e eacute para esta noccedilatildeo que se dirigiram os estudiosos ateacute aproximadamente a primeira metade do

seacuteculo XX De laacute para caacute do conteuacutedo do poema foram acentuados os aspectos metodoloacutegicos

epistemoloacutegicos e cada vez mais os cientiacuteficos Timidamente o natildeo ser comeccedilou a ganhar espaccedilo

e a representar uma etapa importante da meditaccedilatildeo filosoacutefica parmenidiana Nos anos 60 uma

preconizada volta a Parmecircnides foi surgindo a partir da questatildeo da impossibilidade de uma

2 Goacutergias Do natildeo ser ou da natureza (Περὶ τοῦ μὴ ὄντος ἢ περὶ φύσεως)

17

intermediaccedilatildeo entre ser e natildeo ser intermediaccedilatildeo rejeitada por Parmecircnides e reestabelecida

principalmente por Aristoacuteteles com sua teoria de mateacuteria e forma ato e potecircncia Nos anos 70 eacute

publicado o primeiro texto dedicado ao natildeo ser de Parmecircnides Il primato del nulla e le origini

della metafiacutesica de Alberto Colombo (1972) fortemente comprometido com uma liguagem

metafiacutesica tradicional onde o tratamento do natildeo ser eacute desenvolvido dentro de um discurso

filosoacutefico amplo e com anaacutelises eu penso de grande qualidade dentro daquela linguagem De outro

lado o natildeo ser foi bastante estudado principalmente pela assim chamada escola analiacutetica de

filosofia Entretanto os vaacuterios estudiosos pertencentes a esta corrente quase sempre se

movimentaram dentro de uma moldura conceitual pre-estabelecida normalmente de loacutegica onde

o natildeo ser e suas noccedilotildees correlatas ndash negaccedilatildeo dupla negaccedilatildeo nada etc ndash tinham um lugar cativo

entre os axiomas grosso modo procurava-se afinal entender o natildeo ser numa funccedilatildeo linguiacutestica

ou meta-linguiacutestica basicamente como operador loacutegico de negaccedilatildeo Por isso o natildeo ser como noccedilatildeo

filosoacutefica acabou sendo tido em consideraccedilatildeo menor e os estudos analiacuteticos de filosofia antiga natildeo

conseguiram penetrar no mundo anti-intuitivo do natildeo ser O mesmo natildeo pode ser dito dos estudos

de loacutegica os quais sem temor se aventuraram e continuam se aventurando por mundos estranhos

e aterradores no entanto o natildeo ser elaborado pela loacutegica natildeo pode natildeo passar pelo crivo do

aprofundamento filosoacutefico sob pena de permanecer apenas um operador loacutegico sem maiores

consequecircncias Chegando no terreno da filosofia mesmo o natildeo ser elaborado pela loacutegica natildeo pode

natildeo passar pelo crivo parmenidiano

O presente trabalho procura suprir a este anseio de uma pesquisa detida e pormenorizada

do tema do natildeo ser em Parmecircnides para aleacutem da moldura linguiacutestica abordando francamente a

questatildeo filosoacutefica mas sempre dentro do contexto do poema e de suas circunstacircncias histoacutericas

18

Ademais esse estudo eacute realizado sem a necessidade de entrar no restante da problemaacutetica

parmenidiana principalmente a questatildeo do ser e o seu status (suas caracteriacutesticas) no mundo

parmenidiano Para tanto foram tomadas algumas providecircncias metodoloacutegicas que permitissem

por quanto possiacutevel isolar a noccedilatildeo de natildeo ser sem contudo privaacute-la da vitalidade que percorre todo

o poema A primeira delas foi a identificaccedilatildeo das possiacuteveis observaccedilotildees que levaram Parmecircnides a

se interessar pelo assunto Foi assim identificado um Parmecircnides observador do comportamento

da mente humana que refletiu ateacute as uacuteltimas consequecircncias quais as implicaccedilotildees da negaccedilatildeo da

totalidade das coisas A segunda providecircncia foi identificar qual o pressuposto filosoacutefico que

Parmecircnides excogitou para a compreensatildeo da noccedilatildeo de natildeo ser Por fim foi identificado o meacutetodo

que permitiu a Parmecircnides distinguir os discursos persuasivos segundo a verdade daqueles que

persuadem de forma natildeo confiaacutevel Esse meacutetodo ao qual dei o nome de Preceito da Deusa foi

aquele que ele aplicou para a descoberta das caracteriacutesticas do seu ente cosmoloacutegico o eon

Especificamente em relaccedilatildeo ao natildeo ser o resultado da pesquisa eacute impressionante e mostra

como Parmecircnides tocou uma profundidade jamais vista antes e talvez nem depois dele A tese

tenta mostrar que para Parmecircnides a oposiccedilatildeo eacute entre a negaccedilatildeo e o ser realizando um passo ainda

aqueacutem do nosso princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo ou seja a oposiccedilatildeo proposta por Parmecircnides eacute

princiacutepio do princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo A meditaccedilatildeo filosoacutefica a respeito desta oposiccedilatildeo resulta

num caminho fortemente anti-intuitivo do qual aqui foi dada apenas uma breviacutessima nota

sugestiva Com isso espero ter contribuiacutedo agrave histoacuteria da filosofia eleaacutetica mas tambeacutem ao

enriquecimento do acervo conceitual proposto por aqueles pensadores e deixado de heranccedila

espiritual a todos noacutes

19

2 INTRODUCcedilAtildeO Agrave NOCcedilAtildeO DE NAtildeO SER

21 Introduccedilatildeo geral agrave temaacutetica

Natildeo ser eacute uma noccedilatildeo genuinamente transcendente porquanto por definiccedilatildeo natildeo se refere a

nenhum objeto nem da experiecircncia sensiacutevel nem ideal nem existente e nem potencial Essa sua

natureza sugere que em sua origem natildeo pode ter surgido como ressonacircncia na mente de algum

fato externo mas que seja uma criaccedilatildeo da proacutepria mente humana O natildeo ser aparece primeiramente

e abruptamente com Parmecircnides num ambiente e num momento histoacutericos de grande fecundidade

criativa do pensamento humano como resultado do interesse reflexivo dos saacutebios daquela eacutepoca

Na aurora da filosofia na Greacutecia do VI e V seacuteculos aC alguns saacutebios comeccedilaram a se

dedicar a certas reflexotildees e agraves noccedilotildees resultantes Antes de tudo a noccedilatildeo de lsquotodorsquo que em pouco

tempo geraria tambeacutem a questatildeo singular de se estabelecer se a lei do todo eacute interna ao todo como

pensavam os preacute-socraacuteticos ou externa ao todo como comeccedilaram a pensar aqueles que comeccedilaram

a separar o todo coacutesmico (fiacutesico) dos princiacutepios regentes Estes uacuteltimos ora pensaram um outro

todo separado (como o mundo das ideias de Platatildeo) ora uma estrutura hierarquizada entre o mundo

sensiacutevel e deus (como em Aristoacuteteles) ora complexas cosmologias como as dos gnoacutesticos e dos

neoplatocircnicos finalmente essa profusatildeo de interpretaccedilotildees alcanccedilou a noccedilatildeo de um universo

criado completamente dissociado de um ser transcendente criador junto com a postulaccedilatildeo de um

ser capaz de transitar nos e entre os dois mundos (Cristo homem divino) segundo o pensamento

cristatildeo que se afirmou no ocidente

E eacute justamente com a afirmaccedilatildeo da teologia cristatilde que se toca o primeiro auge de um

progressivo processo de hipoacutestase da noccedilatildeo de natildeo ser Depois de Parmecircnides jaacute em Melisso o

natildeo ser adquire uma versatildeo mais operativa no pensamento e no discurso (contra os preceitos da

20

deusa de Parmecircnides) a qual se configura como o fundamento do futuro desenvolvimento do

conceito do natildeo ser quantitativo ou seja de zero matemaacutetico Com Platatildeo o natildeo ser eacute despojado

de sua dimensatildeo absoluta e reportado a um contexto relativo a justificar o complexo tema da

diversidade dos seres no mundo Com Aristoacuteteles o natildeo ser pocircde conviver com o ser desde que na

dilaccedilatildeo do tempo como ele afirma no princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo Finalmente com Agostinho o

natildeo ser perde sua essecircncia original de negaccedilatildeo absoluta e passa por um lado a ter a potencialidade

de criaccedilatildeo ndash pois o Deus de Agostinho cria o mundo ex-nihilo invertendo assim o axioma

melissiano ndash e por outro lado passa a poder se compor com o lsquoserrsquo dando origem a uma escala

hieraacuterquica de seres na ordem cosmoloacutegica da teologia cristatilde A partir de Agostinho o tema do natildeo

ser desaparece das principais preocupaccedilotildees da filosofia3 e tambeacutem desaparece explicitamente da

cultura ocidental por mais de mil anos4 Apoacutes este periacuteodo reapareceraacute primeiro na filosofia em

forma majestosa na dialeacutetica hegeliana e depois na cultura dando origem aos movimentos niilistas

poacutes-nietzschianos que redundaratildeo no grande vigor do niilismo como opccedilatildeo de vida na cultura

atual De fato atualmente ecoa natildeo soacute nos livros especializados mas tambeacutem nos livros populares

e em outras miacutedias populares (jornais raacutedios internet) a assim chamada pergunta filosoacutefica

fundamental de Heidegger por que o ser e natildeo o nada Esta pergunta eacute um segundo auge da

hipoacutestase do natildeo ser pois de fato considera o natildeo ser uma alternativa concreta ao ser invertendo

assim o axioma parmenidiano

Este longo percurso comeccedila com Parmecircnides o primeiro a falar do natildeo ser no ocidente e

3No ldquoDe magistrordquo Agostinho esboccedila a questatildeo mas a abandona logo em seguida (De Magistro II 3) 4Uma rara e isolada exceccedilatildeo eacute aquela de Fredegiso de Tours que no ano 800 escreve uma ldquoEpistula de substantia nihili

et tenebrarumrdquo tambeacutem conhecida como ldquoDe nihilo et tenebrisrdquo veja-se o estudo de DAgostini (1998)

21

com sentido filosoacutefico ao menos pelo que se sabe ateacute agora o primeiro na histoacuteria do pensamento

humano Imergido no ambiente de reflexatildeo da Greacutecia jocircnica dos seacuteculos VI e V ndash dentro daquele

movimento de pensamento definido ateacute de lsquoilustraccedilatildeo jocircnicarsquo ndash sua descriccedilatildeo do natildeo ser apresenta

uma pureza de concepccedilatildeo que se rompe jaacute com seu disciacutepulo Melisso e progressivamente cada vez

mais ateacute nossos dias Isto significa que a noccedilatildeo parmenidiana natildeo foi absorvida pela cultura mas

foi abandonada ndash talvez recalcada ndash preferindo-se a ela outras noccedilotildees de natildeo ser progressivamente

mais distantes daquela absoluta Por este motivo ao se retomar a noccedilatildeo parmenidiana nos

deparamos com uma intuiccedilatildeo filosoacutefica intacta porque abandonada e portanto ilesa ao atrito do

tempo Quando solicitada e provocada ela responde com uma vitalidade desafiadora das melhores

reflexotildees justificando o grande interesse que Parmecircnides continua tendo depois de 2500 anos um

interesse diferente daquele despertado por peccedilas num museu que nos falam de outras eacutepocas essa

intuiccedilatildeo continua alimentando um interesse filosoacutefico vivo e poderoso fato raro entre as ideias da

antiguidade e reservado a pouca exceccedilotildees

Em nossos tempos coube a Friedrich Nietzsche inaugurar uma reflexatildeo radical sobre o

tema do natildeo ser elevando o nada a noccedilatildeo filosoacutefica poderosa e atuante Provavelmente ningueacutem

melhor do que ele soube interpretar profundamente os anseios do homem contemporacircneo quando

disse que o niilismo ldquoeacute o estado dos espiacuteritos fortes e das vontades fortes do qual natildeo eacute possiacutevel

atribuir um juiacutezo negativo a negaccedilatildeo ativa corresponde mais agrave sua natureza profundardquo5 entificando

o nada onde depois muitos iratildeo se apoiar para desenvolver suas proacuteprias doutrinas E ao lado desse

marco zero da origem o nada de onde tudo comeccedila (ldquoa vida se daacute desde nada e para nada aleacutem

5Nietzsche Wille zur Macht ed Kroner XV 24

22

dela mesma ldquoToma-se diz Nietzsche em Ecce homo natildeo se pergunta quem daacuterdquo6) se potildee o marco

zero da chegada o nada onde tudo termina o vazio deixado por deus ldquoDeus morreu Deus

permanece morto E noacutes o matamosrdquo7 Do seacuteculo XIX passando pelos Bergson Heidegger e Sartre

do seacuteculo XX e chegando agraves loacutegicas para consistentes do seacuteculo XXI a noccedilatildeo de natildeo ser (ou nada)

impotildee uma discussatildeo sem a possibilidade de atenuar o potencial devastador do problema a

consistecircncia do fundamento seja este entendido como visatildeo de mundo ou como verdade (absoluta

ou relativa) ou como afirmaccedilatildeo incontrovertiacutevel E em nossos tempos de Nietzsche a Priest natildeo

se consegue excluir Parmecircnides dessa discussatildeo todos tecircm que levar em conta o eleatismo e os

que natildeo o fazem acabam por perder o essencial da posta em jogo ou seja a possibilidade ou

impossibilidade de um conhecimento epistecircmico a possibilidade ou impossibilidade de se alcanccedilar

uma certeza para aleacutem das convicccedilotildees transitoacuterias

Posto que a filosofia antiga soacute eacute antiga quando comparada agrave filosofia de nosso tempo nas

proacuteximas paacuteginas seraacute estudado o tema do natildeo ser em Parmecircnides e se constataraacute que natildeo se trata

de um momento de um percurso histoacuterico jaacute superado mas de uma parcela atuante do discurso

filosoacutefico atual embora tenha sido desenvolvida na antiguidade da cultura grega

22 Justificaccedilatildeo da pesquisa dentro do panorama dos estudos de histoacuteria da filosofia na

atualidade

A expressatildeo natildeo ser enquanto noccedilatildeo filosoacutefica comparece pela primeira vez com

6 Nietzsche Ecce homo seccedilatildeo 3 7 Nietzsche Die froumlhliche Wissenschaft seccedilatildeo 125

23

Parmecircnides Como noccedilatildeo comum natildeo ser enquanto negaccedilatildeo de um ente qualquer a partir da

negaccedilatildeo do verbo ser eacute presente nas antigas liacutenguas histoacutericas e nas preacute-histoacutericas tambeacutem8 Nas

liacutenguas modernas natildeo ser eacute uma noccedilatildeo corrente e pertence agrave estrutura das nossas atuais linguagens

(com algumas exceccedilotildees natildeo relevantes aqui) a partir do uso pragmaacutetico principalmente das noccedilotildees

de presenccedilaausecircncia existecircncianatildeo existecircncia e em maneira preponderante na nossa estrutura

linguiacutestica predicativa onde qualificaccedilotildees satildeo consideradas pertencentes ou natildeo pertencentes a um

ente

A histoacuteria da filosofia mostra que natildeo ser natildeo eacute uma noccedilatildeo trivial como o uso pragmaacutetico

que dela fazemos poderia sugerir Desde seu aparecimento no texto parmenidiano o natildeo ser

apresentou uma aporia fortiacutessima talvez a maior das aporias e apesar das tentativas dos maiores

filoacutesofos parece se reapresentar de tempo em tempo como uma ferida que se reabre denunciando

que de fato nunca cicatrizou Da pragmaacutetica agrave noccedilatildeo criacutetica o salto eacute tatildeo grande que se se aplicasse

agrave pragmaacutetica a noccedilatildeo criacutetica o mundo assim como noacutes pragmaticamente o vemos e interpretamos

cairia abaixo O primeiro a perceber isto foi Parmecircnides e com ele os eleatas a aporia do natildeo ser

recebeu assim o nome de aporia eleaacutetica A mais radical expressatildeo da aporia eleaacutetica se encontra

em Melisso mas mesmo em Parmecircnides onde ela eacute atenuada a aporia eacute desnorteadora Com

nossas palavras atuais e com nossas noccedilotildees podemos dizer que se de um lado natildeo ser eacute a negaccedilatildeo

absoluta do ser entatildeo fica impossiacutevel sustentar a explicaccedilatildeo comum do fenocircmeno que noacutes

chamamos devir que consiste em asserir que as coisas nascem e morrem que tudo se transforma

que tudo passa a ser o que natildeo era e deixa de ser o que era

8A partiacutecula negativa μή estaacute bem documentada para o Indo-Europeu mē (Chantraine 1977 verbete μή)

24

Como se sabe esta aporia foi enfrentada por Platatildeo o qual se viu obrigado a deixar de lado

a noccedilatildeo de natildeo ser absoluto e a introduzir aquela de natildeo ser relativo exatamente para salvaguardar

a nossa percepccedilatildeo comum do devir Algo similar fez Aristoacuteteles pois de fato ambos ressaltam a

grande dificuldade representada pelo natildeo ser absoluto De laacute para caacute a aporia eleaacutetica natildeo foi

resolvida e a discussatildeo permanece em aberto basta consultar um dicionaacuterio de filosofia para se

perceber a equivocidade da noccedilatildeo de nada nos autores contemporacircneos ou um dicionaacuterio de loacutegica

a evidenciar por um lado a aporia e por outro a dificuldade de se estabelecer exatamente o status

questionis do natildeo ser Vejamos esse exemplo do verbete nada extraiacutedo de um dicionaacuterio de loacutegica

ldquoSegundo PL Heath da University of Virginia nada eacute um conceito ldquoindigestordquo e poucos

saberiam como lidar com ele Desde Parmecircnides (nasceu em 515 aC) que asseverou ser

impossiacutevel falar do que natildeo eacute mas violou sua proacutepria regra no ato de fazer tal asseveraccedilatildeo

ndash mergulhando em um mundo no qual o ocorrido se reduzia a nada ndash tornou-se difiacutecil

atravessar a estreita passagem que nesse tema separa sentido e sem-sentido Assim

limitamo-nos a lembrar que em notaccedilatildeo loacutegica a palavra nada costuma ser representada

pela negaccedilatildeo do quantificador existencialrdquo9

Desde Parmecircnides diz o autor do dicionaacuterio natildeo se conseguiu vir a cabo da questatildeo do natildeo

ser ou nada como se prefere dizer atualmente Mas o autor esqueceu de dizer que embora

Parmecircnides tenha violado a proacutepria regra aquela da impossibilidade de falar do natildeo ser natildeo foi o

uacutenico e natildeo foi exceccedilatildeo se se admite que a expressatildeo natildeo ser (ou nada) se refere ao que natildeo eacute do

qual eacute impossiacutevel falar entatildeo todos noacutes violamos a regra de Parmecircnides inclusive o autor o qual

viola a sua proacutepria regra (negaccedilatildeo do quantificador existencial) permanecendo plenamente

imergido na aporia eleaacutetica Esta passagem num verbete de um dicionaacuterio de loacutegica resume

claramente o problema aparentemente Parmecircnides no exato momento em que afirma o preceito

9Hegenberg L (2005) p 231

25

o viola ou seja a violaccedilatildeo estaacute contida na proacutepria manifestaccedilatildeo do preceito como aquelas famosas

frases paradoxais eu natildeo estou falando eu natildeo estou aqui natildeo leia esta placa e assim por diante

No entanto a suspeita de que talvez Parmecircnides natildeo tenha sido tatildeo ingecircnuo eacute mais que legiacutetima

Antes de tudo porque eacute muito difiacutecil construir uma cosmologia rigorosa como ele fez sobre um

conceito paradoxal E depois o paradoxo da aporia eleaacutetica se ele fosse um apenas paradoxo um

constructo sem consistecircncia epistecircmica teria sido relegado em plano secundaacuterio na histoacuteria da

filosofia e Parmecircnides teria seguido talvez a mesma sorte de seu concidadatildeo Zenatildeo o qual teve

que aguardar as pesquisas de loacutegica do seacuteculo XX para ver resgatado ao menos em parte o seu

valor

O fato de que a aporia eleaacutetica esteja ainda em aberto e sem soluccedilatildeo agrave vista levou a um

incremento dos estudos parmenidianos ao longo do seacuteculo XX com uma acentuaccedilatildeo na segunda

parte do seacuteculo As monografias e ateacute mesmo as ediccedilotildees criacuteticas se multiplicaram sem falar de

uma quantidade imensa de estudos e artigos em muitas aacutereas nas quais a obra parmenidiana incidiu

direta ou indiretamente filosofia literatura e poesia epistemologia filosofia da ciecircncia ontologia

loacutegica linguiacutestica e muitos outros campos mais especiacuteficos dos quais muitas vezes o estudioso de

histoacuteria da filosofia natildeo eacute notificado O assunto de longe mais tratado do poema de Parmecircnides eacute

o ser Isso deve-se principalmente ao proacuteprio DNA da histoacuteria moderna da filosofia na praacutetica

iniciada com Hegel A influecircncia do hegelianismo e do idealismo alematildeo como um todo redundou

nesta predileccedilatildeo para a noccedilatildeo absoluta do ser parente proacutexima do proacuteprio Absoluto hegeliano

Nesse contexto o natildeo ser eacute tatildeo somente um momento dialeacutetico embora estrutural o qual natildeo

possui uma autonomia e que afinal se desfaz na medida em que o Absoluto se realiza A

consequecircncia desta influecircncia limitou os estudos propriamente histoacutericos a respeito do natildeo ser de

Parmecircnides Surpreendentemente poreacutem a noccedilatildeo filosoacutefica de nada cresceu por proacutepria conta

26

entre os filoacutesofos contemporacircneos os quais acabaram por se interessar em Parmecircnides e estimular

novos estudos histoacutericos10

Neste percurso ainda eacute o ser o protagonista nos estudos histoacutericos de filosofia Jaacute nos outros

campos na reflexatildeo filosoacutefica contemporacircnea e nos estudos loacutegicos a noccedilatildeo de natildeo ser preme

para novos aprofundamentos Surgem assim novos estudos especialmente em aacuterea de filosofia

analiacutetica (penso aqui no moderado Jonathan Barnes mas haacute outros mais analiticamente radicais)

que voltam a evidenciar a aporia eleaacutetica Apesar de todos estes movimentos e com exceccedilatildeo de

poucos artigos dedicados a esclarecer o natildeo ser mais para esclarecer a noccedilatildeo de ser natildeo ouve

que eu saiba ateacute o presente trabalho um estudo especiacutefico sobre o natildeo ser em Parmecircnides Eu

proacuteprio quando senti a necessidade de enfrentar esse argumento fui colhido por uma sensaccedilatildeo de

assombro pelo tamanho do empreendimento sensaccedilatildeo que consegui superar somente com uma

estrateacutegia de pesquisa que articula o tema em partes separadas e de certa forma distintas embora

pertencentes ao mesmo fenocircmeno filosoacutefico da antiguidade grega a aporia eleaacutetica de Parmecircnides

a Platatildeo Assim o presente trabalho constitui a primeira etapa embora desenvolvida em segundo

lugar de uma tetralogia do natildeo ser que se desenvolve e evolui na sequecircncia histoacuterica de

Parmecircnides Melisso Goacutergias e Platatildeo O estudo sobre o natildeo ser em Melisso foi realizado no

mestrado aqui estaacute o estudo sobre Parmecircnides e no futuro minhas forccedilas o permitindo estatildeo os

10Aqui dois exemplos bem distintos mas tendo em Heidegger uma matriz comum o italiano Severino estudioso de

Heidegger na juventude publicou um importante artigo nos anos 60 ldquoRitornare a Parmeniderdquo (hoje em Severino

1982) onde recupera a oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo-ser de (segundo ele) Parmecircnides e desencadeia um grande

movimento na Itaacutelia chamado ateacute de neo-parmenidismo o argentino Cordero francecircs de adoccedilatildeo tambeacutem

estudioso de Heidegger na juventude se orientou para o aprofundamento das questotildees exegeacuteticas do poema de

Parmecircnides produzindo ateacute mesmo nos anos 80 uma ediccedilatildeo criacutetica a partir dos originais e resgatando um

Parmecircnides menos idealista alematildeo e menos platocircnico do que aquele defendido pela maioria das escolas histoacutericas

ateacute entatildeo e por muitas ateacute agora (Cordero 1984)

27

estudos sobre o natildeo ser em Goacutergias e sobre o natildeo ser no Sofista de Platatildeo Justificada a necessidade

histoacuterica da presente pesquisa podemos agora nos dedicar agrave apresentaccedilatildeo da mesma e da

metodologia escolhida para a realizaccedilatildeo

23 Apresentaccedilatildeo da temaacutetica e justificaccedilatildeo da metodologia

O poema de Parmecircnides pela sua importacircncia histoacuterica e filosoacutefica recebeu muitas atenccedilotildees

desde a antiguidade Graccedilas a essas atenccedilotildees algumas partes do poema sobreviveram devido agrave

citaccedilotildees dos vaacuterios doxoacutegrafos A reconstruccedilatildeo a partir das citaccedilotildees comeccedilou na aurora da

modernidade com a publicaccedilatildeo de uma coletacircnea de poetas gregos Ποίησις Φιλόσοφος em 1573

de autoria de Henri Estienne Nas paacuteginas dedicadas a Parmecircnides (41-46) natildeo satildeo reportadas as

citaccedilotildees de Simpliacutecio autor que Estienne segundo Cordero natildeo podia natildeo conhecer11 Esse livro

conteacutem tambeacutem um apecircndice com correccedilotildees aportadas por Joseph J Scaliger num trabalho de

filologia12 notaacutevel e inovador para a eacutepoca A versatildeo completa de Scaliger ficou ineacutedita e esquecida

ateacute ser reencontrada em 1980 acusando o excelente trabalho do filoacutelogo o qual reconstruiu o

poema em 148 versos faltando uns 12 para completar a versatildeo atualmente utilizada13 Esta simples

nota histoacuterica jaacute potildee toda a problemaacutetica que ainda perduraraacute por seacuteculos ateacute nossos dias a

reconstruccedilatildeo filoloacutegica do poema O texto de Parmecircnides passou de seu original dialeto jocircnico

(numa colocircnia itaacutelica) para a Atenas de Soacutecrates e Platatildeo e sucessivamente foi recopiado

provavelmente na escola de Aristoacuteteles onde jaacute se supotildee haver dois textos diferentes dadas as

11Cordero (1987) p 8 12ldquoProto-filologiardquo diz Cordero ibidem p 8 13Todas estas notiacutecias estatildeo em Cordero (1987)

28

citaccedilotildees diferentes do mesmo trecho em Aristoacuteteles e Teofrasto14 A filologia sucessiva se complica

mais ainda ao se considerar as citaccedilotildees de eacutepoca muito sucessivas com as mais diversas variaccedilotildees

de evoluccedilatildeo da liacutengua Ao todo as citaccedilotildees podem ser subdivididas em trecircs grupos cronoloacutegicos15

(1) Platatildeo Aristoacuteteles Teofrasto e Eudemo no seacuteculo IV aC

(2) Plutarco (sec I dC) Galeno (sec II dC) Clemente de Alexandria e Sexto Empiacuterico (sec II

e III dC) Dioacutegenes Laeacutercio (sec III dC)

(3) Plotino (sec III dC) Jacircmblico (sec III-IV dC) Proclo (sec IV-V dC) Damascio e Amocircnio

(sec V-VI dC) e Simpliacutecio (sec VI dC)

Platatildeo o primeiro a citar Parmecircnides parece iniciar uma das duas tradiccedilotildees doxograacuteficas

mais fortes aquela que jaacute inclui uma ldquointerpretaccedilatildeordquo de Parmecircnides no texto enquanto que uma

segunda que corre ateacute Proclo parece ser baseada num texto jaacute fortemente aticizado cujo maior

representante eacute Teofrasto16 Aleacutem disso parece haver uma terceira alternativa encontrada em Sexto

Empiacuterico que se baseia em textos peripateacuteticos diferentes dos de Teofrasto (como dissemos acima)

compondo um quadro bastante complicado os textos de Siacutempliacutecio Proclo Plutarco e Sexto

Empiacuterico os que citam a maioria dos versos de Parmecircnides apresentam cada um por motivos

diversos vantagens e desvantagens do ponto de vista da qualidade filoloacutegica Alguns destes

problemas seratildeo tratados mais adiante e aqui queremos apontar apenas o estado fragmentaacuterio do

texto e os seus intransponiacuteveis obstaacuteculos exegeacuteticos Por conta dessas dificuldades os estudos

parmenidianos estatildeo em aberto as tentativas dos estudiosos de novas soluccedilotildees a cada problema

14ib p 5 15Passa (2009) p 21 16Ibidem p 26-7

29

particular natildeo param e haacute muito trabalho ainda pela frente

A presente pesquisa tem um assunto delimitado o natildeo ser em Parmecircnides que delimita

tambeacutem reduzindo-as as dificuldades filoloacutegicas Por outro lado como veremos em breve a maior

dificuldade em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de natildeo ser no poema eacute de natureza filosoacutefica e portanto a

metodologia aqui usada alia o suporte filoloacutegico a um forte contexto interpretativo filosoacutefico Natildeo

satildeo poucos os autores em acircmbito de histoacuteria da filosofia que afirmam que a interpretaccedilatildeo do texto

de Parmecircnides depende da interpretaccedilatildeo filosoacutefica que a ele se daacute Um parecer similar se encontra

tambeacutem entre os filoacutelogos17 deixando a problemaacutetica agrave beira de um ciacuterculo vicioso de petitio

principii por um lado eacute necessaacuterio entender a letra do texto para entender as noccedilotildees e ideias

veiculadas e por outro lado eacute necessaacuterio conhecer as noccedilotildees e ideias veiculadas para entender a

letra do texto

Parece impossiacutevel escapar desta situaccedilatildeo por muitas razotildees Aleacutem das jaacute citadas questotildees

de transmissatildeo do texto eacute preciso acrescentar (1) o format escolhido por Parmecircnides ou seja a

poesia em linguagem eacutepica ao inveacutes da recente prosa jocircnica mais clara para expressar conteuacutedos

mais precisos (2) a funccedilatildeo didaacutetica do poema que o torna segundo o costume da eacutepoca um proacute-

memoacuteria para o ensinamento oral ou seja sem toda a preciosiacutessima parte da articulaccedilatildeo e

exemplificaccedilatildeo dos argumentos o que contribuiria ao esclarecimento (3) as novidades linguiacutesticas

de noccedilatildeo filosoacutefica e a descriccedilatildeo de uma cosmologia proacutepria que natildeo teve disciacutepulos verdadeiros18

aos quais recorrer para esclarecimento das noccedilotildees do mestre (4) a extraordinaacuteria complexidade e

17Passa (2009) p 11 18Uma discussatildeo mais adiante

30

profundidade da filosofia de Parmecircnides muito difiacutecil para a eacutepoca e a bem da verdade para a

atualidade tambeacutem

O presente estudo voltado a uma questatildeo filosoacutefica especiacutefica dispensa muitos dos

problemas implicados pelo estudo do poema como um todo e ao mesmo tempo consegue escapulir

do ciacuterculo vicioso acima chamando a depor em favor da nitidez da argumentaccedilatildeo proposta um

testemunha que eacute especial por vaacuterias razotildees Platatildeo como em breve veremos Por outro lado

proponho aqui um ponto de vista natildeo tentado ainda em relaccedilatildeo a Parmecircnides o ponto de vista de

um estudioso da mente humana aquele que hoje chamariacuteamos de psicoacutelogo de fato como

veremos o poema apresenta um vocabulaacuterio psicoloacutegico expliacutecito e tambeacutem como seraacute

evidenciado um vocabulaacuterio psicoloacutegico mimetizado na linguagem arcaica de Parmecircnides Todos

os termos psicoloacutegicos que estudaremos foram mais do que meticulosamente estudados pelos

criacuteticos e aqui se trata nada mais de que unir esse vocabulaacuterio ateacute agora disperso num todo mais

coerente e que mostraraacute um Parmecircnides ateacute agora ineacutedito o Parmecircnides psicoacutelogo Esses dois

instrumentos metodoloacutegicos o Parmecircnides psicoacutelogo e o testemunho de Platatildeo ajudaratildeo o primeiro

a interpretar palavras do texto claras na filologia mas misteriosas na noccedilatildeo e o segundo a confrontar

o resultado obtido com a cristalina discussatildeo filosoacutefica proposta por Platatildeo quando ele enfrenta

diretamente o eleata

24 O testemunho de Platatildeo

Sobre a relaccedilatildeo entre Parmecircnides e Platatildeo ou melhor de Platatildeo com Parmecircnides escreveu-

se muitiacutessimo e certamente natildeo eacute este o lugar para aprofundar tal tema Mas Platatildeo reveste uma

importacircncia especial como testemunha da obra parmenidiana e mais do que as suas ideias a respeito

de Parmecircnides nos interessam as suas palavras De fato Platatildeo eacute o mais antigo filoacutesofo a citar o

31

nome de Parmecircnides e tambeacutem a citar textualmente algumas de suas afirmaccedilotildees o faz em vaacuterias

oportunidades duas vezes no Banquete (em 178b9-11 que constitui o fr DK 28 B 13 e em 195c2

onde eacute apenas nomeado) duas no Teeteto (em 180e1 que constitui o fr DK 28 B 838 e em 183e3-

184a3 onde apresenta a pessoa de Parmecircnides) em vaacuterias passagens do Sofista (a ediccedilatildeo de Coxon

reporta cinco trechos entre os testimonia19) das quais trecircs contecircm citaccedilotildees de versos do poema (em

237a8-9 que constituem os versos DK 28 B 71-2 em 244e6 que constitui o fragmento DK 28 B

843-45 e em 258d3-4 que repetem os versos 71-2) Jaacute o diaacutelogo a ele titulado o Parmecircnides

embora seja impregnado de filosofia eleaacutetica natildeo possui citaccedilotildees que seguramente e literalmente

possam ser atribuiacutedas ao poema de Parmecircnides

O testemunho de Platatildeo apresenta algumas vantagens exegeacuteticas em relaccedilatildeo aos demais

doxoacutegrafos eacute o mais antigo e cronologicamente mais proacuteximo a Parmecircnides eacute confiaacutevel do ponto

de vista da compreensatildeo da letra do texto pois Platatildeo tem consciecircncia das dificuldades de

compreensatildeo daquele dialeto jocircnico transplantado no sul da Itaacutelia e comprimido num moacutedulo

didaacutetico (poema) imitando uma linguagem eacutepica ainda mais antiga ou seja percebe que eacute uma

linguagem artificiosa que pode conduzir a enganos20 por fim Platatildeo eacute um dos maiores filoacutesofos

da humanidade e ademais estudou detidamente a filosofia do eleata e a discutiu em obras

filosoacuteficas imortais portanto dificilmente pode ser acusado de incompreensatildeo da mensagem

parmenidiana21 tornando-se assim do ponto de vista filosoacutefico totalmente confiaacutevel

19Coxon (2009) p 104-113 20Platatildeo Theet 184a 21Na mesma passagem do Teeteto (184a) Platatildeo afirma de natildeo ter certeza de ter entendido o que disse e o que quis

dizer (φοβοῦμαι οὖν μὴ οὔτε τὰ λεγόμενα συνιῶμεν τί τε διανοούμενος εἶπε) palavras que indicam a preocupaccedilatildeo

rigorosa de Platatildeo quanto ao pensamento que ele achava profundo (βάθος) de Parmecircnides

32

A citaccedilatildeo que nos interessa diretamente eacute aquela do Sofista Platatildeo escreve jaacute em idade

avanccedilada um livro de grande importacircncia filosoacutefica um dos maiores livros de filosofia de todos

os tempos O Sofista Ali ele discute alguns temas essenciais da vida do pensamento humano

principalmente como eacute que o mundo pode se apresentar muacuteltiplo e mutaacutevel se as ideias parecem

tender agrave unidade e parecem ser imutaacuteveis O extraordinaacuterio aparato filosoacutefico que Platatildeo potildee em

jogo tem um ponto de partida singular uma discussatildeo sobre o natildeo ser Apoacutes o estabelecimento do

meacutetodo de caccedila ao sofista e apoacutes as vaacuterias articulaccedilotildees da diairesis platocircnica o natildeo ser eacute o primeiro

verdadeiro obstaacuteculo no percurso platocircnico mas eacute um obstaacuteculo tatildeo grande que assim como

configurado segundo a noccedilatildeo de natildeo ser que se conhecia ateacute entatildeo ndash o natildeo ser parmenidiano ndash natildeo

podia ser absorvido a serviccedilo de uma causa quem sabe maior para uma nova visatildeo de mundo a

causa e visatildeo platocircnicas natildeo podendo ser aproveitada a noccedilatildeo parmenidiana eacute descartada Na

sequecircncia do texto platocircnico outras noccedilotildees e outros filoacutesofos satildeo descartados mas somente

Parmecircnides sofre uma dinacircmica criacutetica especial que viraacute a ser conhecida como parriciacutedio A

respeito da questatildeo de se utilizar (e inutilizar) a noccedilatildeo parmenidiana de natildeo ser absoluto diz a

personagem o estrangeiro de Eleia que ele natildeo quer ser tido como parricida porque o pai

Parmecircnides natildeo cansava de repetir do comeccedilo ao fim (de sua atuaccedilatildeo filosoacutefica) em verso e em

prosa que

ldquoNatildeo impossiacutevel que isto prevaleccedila ser (o) natildeo ente

Tu poreacutem desta via de inqueacuterito afasta o pensamento22

22Parmecircnides (DK B 71-2) em Platatildeo Soph 237a8-9 Οὐ γὰρ μή ποτε τοῦτο δαμῇ φησίν εἶναι μὴ ἐόντα ἀλλὰ σὺ

τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήμενος εἶργε νόημα Trad Cavalcante de Souza (1978)

33

Aqui eacute preciso notar duas coisas a primeira eacute que natildeo aceitando a noccedilatildeo expressa na

citaccedilatildeo se mataria Parmecircnides o que quer dizer que esta noccedilatildeo eacute essencial na sua filosofia e sem

ela a filosofia parmenidiana natildeo sobrevive a segunda eacute a descriccedilatildeo contextual da citaccedilatildeo pois

Parmecircnides natildeo se cansava de repetir ao longo de sua vida e de todas as maneiras como um bordatildeo

o que confirma que a citaccedilatildeo pertence ao nuacutecleo soacutelido e persistente do pensamento do eleata As

duas descriccedilotildees satildeo sineacutergicas e apontam assim me parece para aquilo que eacute o essencial da

filosofia parmenidiana Ademais acrescente-se que a evidenciar este nuacutecleo essencial natildeo eacute um

pensador menor mas eacute Platatildeo na sua fase filosoacutefica mais profunda Penso que natildeo haacute mais duacutevidas

eacute possiacutevel fazer uma reconstruccedilatildeo do puzzle do poema limitadamente agrave sua parte filosoacutefica a partir

da imagem de referecircncia oferecida por Platatildeo que eacute tambeacutem aquela que mais interessou aos antigos

e que mais interessa tambeacutem aos filoacutesofos atuais

O poema foi muito estudado nos primeiros 150 anos apoacutes Parmecircnides ateacute basicamente

Aristoacuteteles e pouco depois e foi responsaacutevel direto por algumas das grandes intuiccedilotildees da antiga

filosofia grega Do que chegou ateacute noacutes aleacutem das obras dos eleaacuteticos Zenatildeo e Melisso ndash obras

altamente anti-intuitivas e paradoxais mas que nem sempre ajudam a entender o proacuteprio

Parmecircnides23 ndash o fruto mais desconcertante do eleatismo eacute sem duacutevida o Περὶ τοῦ μὴ ὄντος ἢ Περὶ

φύσεως de Goacutergias Este livro eacute seguramente referido ao eleatismo mas expotildee a mateacuteria de forma

paroxiacutestica deixando os estudiosos perplexos e indecisos entre levar as flagrantes contradiccedilotildees ali

expostas a seacuterio ou considerar o todo um exerciacutecio luacutedico de sarcasmo sofiacutestico As demais

23Em meu trabalho sobre Melisso tive a ocasiatildeo de pocircr em evidecircncia o quanto eacute bastante comum em muitos autores

interpretar Parmecircnides a partir de Melisso atribuindo ao mestre pecados que afinal satildeo soacute do disciacutepulo Por terem

noccedilotildees muito similares nem sempre eacute faacutecil discernir as de um das de outro (Galgano 2010)

34

referecircncias ao eleata podem ser inferidas em muitos autores de Empeacutedocles a Demoacutecrito mas natildeo

satildeo expliacutecitas ateacute Platatildeo o qual muitas vezes faz referecircncias aos antigos pensadores e no Sofista

traceja ateacute mesmo o primeiro esboccedilo de histoacuteria da filosofia da qual se tem registro onde

Parmecircnides eacute de novo nomeado junto com Xenoacutefanes e a estirpe eleaacutetica24

Platatildeo acolhe a heranccedila dos antigos embora natildeo se saiba muito bem em qual medida ele

seja franco quanto aos seus autores de referecircncia25 e discute suas propostas ora aceitando-as ora

criticando-as sempre com grande respeito e ateacute com veneraccedilatildeo como eacute o caso do proacuteprio

Parmecircnides natildeo soacute pela citaccedilatildeo no Teeteto mas tambeacutem pela impressionante apresentaccedilatildeo do

eleata no diaacutelogo Parmecircnides Diferentemente de Aristoacuteteles que muitas vezes como foi

evidenciado por alguns autores26 chega a distorcer o pensamento dos antigos para justificar suas

proacuteprias noccedilotildees Platatildeo eacute mais cauteloso e faz citaccedilotildees pontuais das quais natildeo se tem porque pocircr

em duacutevida a autenticidade Em relaccedilatildeo ao nosso tema das trecircs citaccedilotildees de versos no Sofista duas

repetem a mesma passagem aquela que nos interessa diretamente aqui As duas citaccedilotildees satildeo

ligeiramente diferentes

Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ φησίν εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήμενος εἶργε νόημα27

Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα28

24Platatildeo Soph 242b et passim 25Por exemplo em sua obra haacute uma uacutenica referecircncia a Pitaacutegoras embora ele discuta temas pitagoacutericos em muitas

passagens inclusive apresentando personagens pitagoacutericas 26Por exemplo a obra de Cherniss (1935) Aristotlersquos criticism of presocratic philosophy 27Platatildeo Soph 237 a 8-9 28Ibidem 258 d 2-3

35

Resta a tarefa de entender estas palavras que agora jaacute sabemos se referem ao cerne da

filosofia parmenidiana e de construir uma imagem de referecircncia que possa ser um guia confiaacutevel

na reconstruccedilatildeo do poema

A primeira expressatildeo Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ eacute uma expressatildeo imperativa embora

apresentada com um subjuntivo Haacute divergecircncias gramaticais que discutiremos detalhadamente

em sede oportuna mas o sentido geral eacute de uma noccedilatildeo reforccedilada com outra natildeo prevaleccedila (em

sentido ativo ou passivo por enquanto natildeo importa) eacute a noccedilatildeo jamais eacute o reforccedilo Esta expressatildeo

eacute tiacutepica de toda a fala imperativa da deusa que daacute um caraacuteter hieraacutetico e de universalidade agrave

afirmaccedilatildeo em suma diz a deusa eacute uma lei Qual eacute a lei que natildeo pode ser prevaricada Que sejam

os natildeo seres εἶναι μὴ ἐόντα No entanto o que venham a ser os ἐόντα e qual seja o sentido de εἶναι

eacute exatamente o problema mais criacutetico da filologia da semacircntica e da filosofia de Parmecircnides como

um todo Eacute portanto totalmente desaconselhaacutevel tomar estas noccedilotildees como imagem de referecircncia

E o mesmo deve ser dito em relaccedilatildeo ao verso seguinte ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε

νόημα onde os vaacuterios conceitos envolvidos lsquocaminhorsquo lsquopesquisarsquo lsquopensamentorsquo satildeo todos

problemaacuteticos em Parmecircnides e uma clara noccedilatildeo para todos eles talvez seja possiacutevel no fim do

estudo mas natildeo no iniacutecio e muito menos como pressuposto (externo) ao poema como imagem de

referecircncia

Apesar disso embora natildeo possam ser descartadas as noccedilotildees dos conceitos envolvidos tem

algo muito claro que permanece e que eacute a estrutura sintaacutetica onde as noccedilotildees estatildeo implantadas

μήποτε e μὴ A negaccedilatildeo μὴ se daacute como uma negaccedilatildeo a respeito de duas noccedilotildees de mesma origem

semacircntica εἶναι e ἐόντα E o μήποτε jamais indica claramente o imperativo negativo a respeito

da negaccedilatildeo μὴ Em suma a estrutura diz jamais seja negado algo onde esse algo se refere a εἶναι

e ἐόντα dos quais noacutes ainda natildeo temos uma clara semacircntica Ora estariacuteamos diante de algo

36

incompreensiacutevel se natildeo fosse Platatildeo a nos esclarecer A citaccedilatildeo ocorre no meio da discussatildeo sobre

o natildeo ser e o tema eacute exatamente se eacute possiacutevel que o natildeo ser seja29 Agora seja qual for o sentido

de εἶναι e ἐόντα em Parmecircnides coisa que analisaremos a seu tempo eles tecircm um sentido claro em

Platatildeo que o natildeo ser seja algo Para que possamos deixar espaccedilo agrave semacircntica parmenidiana sem

constrangecirc-la dentro da semacircntica platocircnica a imagem de referecircncia pode ser firmada em volta da

oposiccedilatildeo radical (jamais) entre duas instacircncias ser e natildeo ser cuja noccedilatildeo deve ser esclarecida

Temos assim nossa imagem de referecircncia O tema filosoacutefico principal em volta do qual gira

o poema eacute a oposiccedilatildeo radical de duas instacircncias cosmoloacutegicas (ἀρχάι) a saber ser e natildeo ser cujas

noccedilotildees devem ser esclarecidas Resta ainda a acrescentar que esta imagem natildeo eacute incongruente com

os textos de Melisso e de Goacutergias natildeo eacute incongruente com a temaacutetica apresentada por Platatildeo como

eleaacutetica e tambeacutem com aquela apresentada por Aristoacuteteles ademais natildeo eacute incongruente com as

demais imagens legadas pela doxografia ou ao menos natildeo eacute desabonada por elas

29Eacute a discussatildeo para tentar caccedilar o sofista que se escondeu no natildeo ser

37

3 PARMEcircNIDES PSICOacuteLOGO ndash PRIMEIRA PARTE

31 Introduccedilatildeo geral

A finalidade desse capiacutetulo eacute mostrar pela identificaccedilatildeo de um vocabulaacuterio psicoloacutegico em

seu poema a capacidade de Parmecircnides de observaccedilatildeo do comportamento mental humano esta

habilidade de autecircntico psicoacutelogo (talvez cognitivista segundo as atuais categorias em uso) em

ato no poema eacute capaz de explicar um resultado extraordinaacuterio a descoberta de uma estrutura do

pensamento a partir da descoberta de uma estrutura do pensar onde por pensar quero me referir ao

processo fisioloacutegico e por pensamento ao resultado desse processo Enquanto no proacuteximo capiacutetulo

examinaremos de perto as estruturas do pensar e do pensamento propostas por Parmecircnides aqui

nos limitaremos agrave averiguaccedilatildeo geral de uma investigaccedilatildeo psicoloacutegica ndash em breve veremos em que

moldes ndash capaz de sugerir o enfoque psicoloacutegico na pesquisa realizada pelo eleata Por outro lado

o estudo de psicologia como ciecircncia do comportamento mental e natildeo como ciecircncia da alma eacute um

ramo do saber relativamente recente e se se considera Wundt o fundador da psicologia cientiacutefica

no seacuteculo XIX ainda teremos de esperar o seacuteculo XX para a consolidaccedilatildeo de uma ciecircncia autocircnoma

em relaccedilatildeo ao atualmente ambiacuteguo impreciso e equiacutevoco conceito de alma A psicologia cientiacutefica

do seacuteculo XXI estuda a mente e natildeo a alma estribando-se sobre o comportamento mental concreto

e deixando de lado se haacute ou natildeo uma instacircncia ndash a alma ndash externa ao corpo material ou espiritual

que possa explicar os fenocircmenos psiacutequicos

Ao se aplicar essa noccedilatildeo atual de psicologia agraves culturas antigas nos deparamos com a

dificuldade da ausecircncia naquelas eacutepocas de uma tal visatildeo psicoloacutegica autocircnoma e por conseguinte

com a ausecircncia das noccedilotildees correspondentes e de uma terminologia especiacutefica a definir essa

autonomia Isso deu espaccedilo a um fenocircmeno singular quando se estuda a psicologia na antiguidade

38

em geral se estudam campos semacircnticos ligados agrave palavra psyche com o seguinte resultado haacute

vaacuterios estudos sobre a psicologia em Homero ou na poesia eacutepica ou na poesia liacuterica ou na trageacutedia

haacute ateacute alguns estudos sobre a psicologia nos preacute-socraacuteticos principalmente Heraacuteclito e ateacute mesmo

Demoacutecrito por fim haacute estudos de psicologia na obra de Platatildeo e principalmente como era de se

esperar na obra de Aristoacuteteles o primeiro a escrever um livro autocircnomo sobre psicologia Mas natildeo

haacute estudos sobre a psicologia na obra de Parmecircnides O motivo principal assim me parece deve

ser buscado no fato de que no poema de Parmecircnides a palavra psyche natildeo aparece

Num livro famoso 30 A descoberta do espiacuterito Bruno Snell estreia afirmando que ldquoO

pensamento europeu comeccedila com os gregose desde entatildeo surge como a uacutenica forma do

pensamento em geralrdquo (p 11) O lsquoespiacuteritorsquo do tiacutetulo natildeo eacute a mente da psicologia e nem de outras

disciplinas especiacuteficas eacute a mente em sentido cultural amplo mesmo assim para poder chegar a

consideraccedilotildees mais amplas Snell eacute obrigado a analisar mais detidamente noccedilotildees e termos como

psyche thymos nous de Homero em diante chegando a resultados importantes e a consideraccedilotildees

luacutecidas Infelizmente quando trata de Parmecircnides ele se limita agravequeles que lhe pareceram os

pontos altos da mensagens parmenidiana a revelaccedilatildeo divina a recusa da experiecircncia dos sentidos31

e o puro ser32 sem nenhum aprofundamento nem mesmo da questatildeo do nous ndash como se esperaria

de um livro que trata da descoberta da mente ndash que em Parmecircnides natildeo eacute pequena

30Snell (1975) 31Ib ldquo a influecircncia de Parmecircnides o qual deixou de lado o saber lsquohumanorsquo a experiecircncia sensiacutevel e buscou um

acesso directo a lsquodivinorsquordquo (p 190) 32Ib ldquoA divindade leva Parmecircnides ao pensamento lsquopurorsquo com o quale le apreende o puro ser Enquanto Alcmeon

partindo da percpccedilatildeo sensiacutevel proacutepria do saber humano avanccedila ndash diriacuteamos indutivamente ndash ateacute ao invisiacutevel a

deusa de Parmecircnides ensina-o a deixar de lado como coisa enganadora toda a percepccedilatildeo sensiacutevel e o dever por

ela captadordquo (p 191)

39

Com o livro de Snell se perdeu uma grande oportunidade de dar iniacutecio a estudos mais

aprofundados da psicologia em Parmecircnides Como veremos os historiadores da filosofia antiga do

seacuteculo XIX para a primeira metade do seacuteculo XX natildeo deixaram muito espaccedilo para um

desenvolvimento nesta direccedilatildeo por outro lado os historiadores da psicologia que na verdade

comeccedilaram a trabalhar mais intensamente na segunda metade do seacuteculo XX apenas se apoiaram

nos textos dos historiadores da filosofia em geral os mais renomados e utilizaram as obras mais

gerais de histoacuteria da filosofia antiga descuidando da imensa literatura secundaacuteria que foi produzida

sobre Parmecircnides O resultado foi uma verdadeira escassez de pesquisa e uma repeticcedilatildeo do seguinte

fenocircmeno laacute onde os textos se propotildeem a falar da psicologia de Parmecircnides se limitam a expor

sumariamente em geral de forma desajeitada a sua filosofia33

Assim falando de sua filosofia esses estudiosos abordam inexoravelmente a epistemologia

parmenidiana o tema da possibilidade do conhecimento verdadeiro No entanto uma pergunta

seria legiacutetima eacute possiacutevel se falar de epistemologia como Parmecircnides o fez sem fazer nenhuma

33Vejam-se alguns exemplos Os livros gerais de histoacuteria da psicologia deixam muito a desejar acute[Por exemplo Malone

(2009) onde nas p 34-36 dedicadas aos eleaacuteticos natildeo uma soacute palavra eacute referida agrave pesquisas parmenidianas sobre

o funcionamento da mente dedicando o pouco espaccedilo a um resumo muito impreciso das ideias filosoacuteficas do

eleatismo] mas mesmo livros especializados sobre o assunto satildeo surpreendentemente parcos quanto a Parmecircnides

ou ateacute mesmo omissos [Como exemplo de omissatildeo veja-se o Everson (1991) ldquoCompanion to Ancient Thought 2 ndash

Psychologyrdquo livro especificamente dedicado agrave Psicologia no pensamento antigo onde apesar da presenccedila dos

maiores nomes entre os scholars de filosofia antiga (Schofield Irwin Annas AA Long e outros) natildeo haacute nenhuma

referecircncia agrave psicologia de Parmecircnides] Um texto dedicado ao assunto Early psychological thought [Green C D

e Groff P R (2003)] destinado a psicoacutelogos e filoacutesofos (p ix) embora se proponha a ser um ancient account

accounts of mind and soul quando aborda Parmecircnides (e os eleaacuteticos) escreve assim ldquoNeverthless his inclusion

in a history of early psychological thought is a little tricky to justify since he had little or nothing to say on the

issue of the psychecirc (hellip) His major contributions were in epistemology tyhe theory of knowledge itself and in

ontology the theory of what at the most basic level can be said to existrdquo [Ibidem p 28] Natildeo me parece que os

diretos responsaacuteveis por tais afirmaccedilotildees sejam os seus autores pois eles tomaram essas descriccedilotildees dos estudiosos

de histoacuteria da filosofia antiga ndash em particular a respeito de Parmecircnides os autores citados satildeo Barnes e Gallop os

quais natildeo fazer nenhuma referecircncia aos estudos psicoloacutegicos de Parmecircnides ndash e o argumento principal eacute que no

texto parmenidiano natildeo haacute referecircncia agrave psyche

40

referecircncia ao sistema psicoloacutegico de conhecimento Acho que natildeo porque um aparelho cognitivo

tem que estar pressuposto expliacutecita ou implicitamente e tenho a impressatildeo de que se repete um

erro metodoloacutegico jaacute evidenciado em outros casos onde se confunde a palavra como a noccedilatildeo Por

exemplo se nos baseaacutessemos na palavra loacutegica nos livros de histoacuteria da loacutegica natildeo constaria

Aristoacuteteles porque embora a noccedilatildeo de loacutegica assim como hoje a entendemos estivesse jaacute perfeita

e claramente presente ele natildeo usava esta palavra e se fizeacutessemos o mesmo com a palavra nuacutemero

na histoacuteria da matemaacutetica natildeo constariam os primeiros pitagoacutericos embora as noccedilotildees matemaacuteticas

estivessem claramente presentes entre eles O mesmo parece acontecer com a psicologia em relaccedilatildeo

a Parmecircnides pois o fato de que natildeo compareccedila a palavra psique em seu poema natildeo quer dizer

que natildeo tenha tratado de temas psicoloacutegicos e como mostraremos ali estatildeo claramente presentes

muitas noccedilotildees que hoje chamariacuteamos de noccedilotildees de psicologia

32 Parmecircnides psicoacutelogo (primeira parte)

Passamos a estudar agora os elementos psicoloacutegicos com os quais e sobre os quais

Parmecircnides constroacutei a sua filosofia Embora o poema fale claramente a respeito de atos da mente

isto eacute a respeito da possibilidade de pensar a verdade e tambeacutem a respeito do caminho errado que

os mortais seguem quando pensam suas opiniotildees um aprofundamento desse ponto de vista pelo

que eu sei como eu jaacute disse ainda natildeo foi tentado Por isso antes de aprofundar o tema eu gostaria

de deixar claro mais uma vez em que sentido estou usando aqui o termo psicologia e seus

cognatos Uso aqui o termo no sentido utilizado pela ciecircncia moderna ou seja como mente e

tomando distacircncia do sentido de alma uma das possiacuteveis traduccedilotildees de ψῡχή Assim uso

psicologia como aquela ciecircncia que trata dos estados e processos mentais exatamente como a

41

primeira definiccedilatildeo do Dicionaacuterio Huaiss da Liacutengua Portuguesa34

A psicologia cientiacutefica surge no seacuteculo XIX mas se consolida somente no seacuteculo XX Assim

eacute razoaacutevel que o aspecto psicoacutelogo possa aparecer somente depois do surgimento da nova ciecircncia

da psicologia Na verdade esperariacuteamos um exame do ponto de vista psicoloacutegico no comeccedilo35 ou

ao longo do seacuteculo XX quando assistimos agrave multiplicaccedilatildeo de muitas disciplinas no campo da mente

humana desde as neurociecircncias ateacute a psicologia social e a comparativa Na aacuterea da filosofia

assistimos ao nascimento da filosofia da mente mas uma revisatildeo dos conhecimentos psicoloacutegicos

no pensamento antigo natildeo vai aleacutem de poucas notas nos livros gerais de histoacuteria da psicologia

Desta forma nestas paacuteginas o propoacutesito eacute pocircr em evidecircncia o Parmecircnides observador da natureza

funccedilotildees e fenocircmenos da mente humana e naturalmente algumas discussotildees sobre como e quanto

essas observaccedilotildees influenciaram a sua filosofia

321 O fragmento 1

O poema se abre com uma imagem poderosa e espetacular que jaacute desde o primeiro verso

carrega um vocabulaacuterio psicoloacutegico

ἵπποι ταί με φέρουσιν ὅσον τ ἐπὶ θυμὸς ἱκάνοι

Umas eacuteguas conduzem o jovem disciacutepulo tatildeo longe quanto o espiacuterito pode alcanccedilar e levam o carro

34Houaiss (2001) verbete psicologia 35 Uma notaacutevel exceccedilatildeo eacute o livro de Beare de 1906 ldquoGreek theories of elementary cognition From Alcmaeon to

Aristotlerdquo Na introduccedilatildeo ele diz ldquoThe aim of the following pages is to give a close historical account of the various

theories partly phisiological and partly psychological by which the greek philosophers from Alcamaeon to

Aristotle endeavourede to explain the elementary phenomena of cognition The pre-Aristotelean writers who

applied themselves to this subject and whose writings we possess any considerable information are Alcmaeon of

Crotona Empadocles Democritus Anaxagoras Diogenes of Apollonia and Platordquo Parmecircnides natildeo eacute tratado

42

sobre um caminho especial que o levaraacute agrave presenccedila da deusa A palavra θυμὸς parece ser a chave

para seguir o curso didaacutetico que Parmecircnides atraveacutes da voz da deusa oferece ao seu leitor O verso

eacute reportado por Sexto Empiacuterico o qual na sua paraacutefrase traduz θυμὸς exatamente por ψῡχή36

Naturalmente com esta palavra o ceacutetico Sexto quer dizer alma atendendo a uma noccedilatildeo de seu

tempo que eacute inuacutetil reportar aqui Mas certamente θυμὸς eacute uma palavra que se refere agrave estrutura

humana que atualmente chamamos mente

Θυμὸς tem um grande campo semacircntico jaacute em Homero onde significa alma ou espiacuterito como

princiacutepio de vida do sentir37 e do pensamento38 Mas aqui no proemio Parmecircnides faz uma

introduccedilatildeo ao caraacuteter do seu escrito com muitas imagens coloridas ressonantes e dinacircmicas39 para

colocar seu leitor na disposiccedilatildeo mental de atenccedilatildeo para as liccedilotildees da deusa40 Por esta razatildeo a

palavra θυμὸς aqui eacute fortemente poeacutetica e indeterminada de modo que o puacuteblico a intenda de uma

forma mais subjetiva que objetiva Portanto ela apresenta pouco interesse para a nossa busca de

um sentido claro e uniacutevoco Entretanto a sua posiccedilatildeo no primeiro verso nos deveria alertar de que

o sujeito do poema eacute a mente Eacute a mente (no sentido amplo de aquela capacidade humana de

imaginaccedilatildeo compreensatildeo e conhecimento) que estaacute se preparando para a grande aventura pelo

mundo inteiro ateacute seus limites (e mais) para descobrir os segredos mais ocultos privileacutegio do

36Sextus Empiricus 71121 ἐν τούτοις γὰρ ὁ Παρμενίδης ἵππους μέν φησιν αὐτὸν φέρειν τὰς ἀλόγους τῆς ψυχῆς

ὁρμάς τε καὶ ὀρέξεις 37Bremmer (1983) p 54 ldquoThymos is above all the source of emotionsrdquo 38Bremmer (1983) p 55 ldquoWhen Odysseus is left alone by the Greeks in a battle ldquohe spoke to his proud thymosrdquo (XI

403) Having realized the two possibilities left to him he ends his deliberations by asking ldquobut why does my

Thymos consider thatrdquo (XI 407)rdquo 39ldquoMultimidiardquo segundo a feliz expressatildeo de Cornelli (Cornelli 2007 p 50) 40Uma ampla discussatildeo sobre as teacutecnicas usadas por Parmecircnides em relaccedilatildeo ao seu auditoacuterio estaacute em Robbiano (2006)

Apesar da grande discussatildeo sobre o papel do proemio natildeo se encontra nenhum nexo de conteuacutedo entre este e o

resto do poema

43

homem saacutebio principalmente quando eacute conduzido por uma deusa

A descriccedilatildeo parece mostrar a mente bem disposta ao conhecimento e com uma grande carga

de vontade pronta para se lanccedilar na jornada difiacutecil do conhecimento E de fato depois da

cuidadosa descriccedilatildeo da viagem em direccedilatildeo agrave deusa que o receberaacute a viagem fiacutesica do disciacutepulo

termina diante da presenccedila divina enquanto a viagem da mente continua anunciada pela proacutepria

deusa primeiro atraveacutes do mundo dos pensamentos (como veremos) um mundo onde eacute possiacutevel

encontrar aquele tipo de Persuasatildeo que procede ao lado da verdade e segundo atraveacutes do mundo

da opiniatildeo feito de estrelas divinas ceacuteus eteacutereos Eros homens e mulheres Eacute notaacutevel como essa

segunda parte da viagem natildeo acontece com uma passagem fiacutesica do jovem aprendiz atraveacutes dos

lugares fiacutesicos dos quais o poeta poderia ter nos dado uma descriccedilatildeo mas eacute exatamente uma

viagem da mente examinando teorias sobre o mundo cosmoloacutegico o mundo bioloacutegico e tambeacutem

sobre o mundo psicoloacutegico Assim o poema de Parmecircnides eacute um poema da mente pela mente e

sobre a mente

3211 A deusa DK B 12-27

Nos 26 versos seguintes do fragmento 1 Parmecircnides conta da viagem de um jovem disciacutepulo

o kouros41 ao encontro da anocircnima deusa A linguagem que ele escolhe para esta parte eacute miacutetica de

forma que o cenaacuterio os atores e a proacutepria accedilatildeo satildeo miacuteticos Natildeo haacute nenhuma referecircncia a nenhum

41Entre as vaacuterias interpretaccedilotildees do kouros (em grego jovem) em geral polarizadas entre identificaacute-lo como o proacuteprio

Parmecircnides ou como um disciacutepulo de Parmecircnides se destaca a interpretaccedilatildeo de Cousgrove (1974) que diz que

kouros significa jovem mas no sentido de sem experiecircncia ldquoYouth on the other hand implies inexperiencerdquo (p

93) podendo afinal ser um homem adulto e maduro e mesmo assim ser kouros

44

vieacutes psicoloacutegico em toda a passagem exceto se quisermos entendecirc-la como o proacuteprio Sexto

Empiacuterico faz como uma alegoria de um tipo de processo mental42 A interpretaccedilatildeo correta ou ateacute

mesmo a interpretaccedilatildeo provaacutevel desta primeira parte do proemio eacute um assunto realmente

controverso entre os estudiosos43 e por outro lado para nossos fins entrar nesta discussatildeo natildeo eacute

42Para Sexto (Adv Math 7112-114) os cavalos satildeo os desejos da alma (τὰς τῆς ψυχῆς ὁρμάς) o caminho do daimon

eacute a argumentaccedilatildeo filosoacutefica (τὸν φιλόσοφον λόγον θεωρίαν) e assim por diante

43Zeller desconsidera o proemio enquanto Diels (1987) o revaloriza inclusive analisando os detalhes das descriccedilotildees

dos eixos ferrolhos e outros mecanismos presentes no proemio Bowra retoma de certa forma a interpretaccedilatildeo de

Sexto afirmando que o proemio eacute essencialmente alegoacuterico Simultaneamente uma retomada da interpretaccedilatildeo

misteacuterica que iniciara de certa forma com Diels acontece com a anaacutelise de Burkert (1969) e prossegue com

Kingsley (1999) e Kingsley (2003) ateacute chegar nas interpretaccedilotildees sensoacuterias de Gemelli-Marciano (2008) Esta uacuteltima

afirma antes de tudo seguindo Kingsley (2003) que o poema de Parmecircnides eacute esoteacuterico e depois que os meios

necessaacuterios a transmitir essa sensaccedilatildeo de entrar num outro mundo satildeo utilizados no poema que era declamado e

natildeo lido atraveacutes das imagens propostas e dos sons dos versos os quais proporcionariam ldquoAlienation and binding

are the most powerful means to remove listeners from the ordinary everyday dimension and way of thinking and

put them into a different state of consciousness Images repetitions sequences of words and sounds supposedly

logical arguments all contribute to this end and have a particular meaning and function that surpass conventional

human language and ordinary syntactical and semantic relationshipsrdquo (2008 p 26-7) Todavia a maioria dos

estudiosos tende para uma interpretaccedilatildeo literaacuteria principalmente como artifiacutecio retoacuterico introdutivo

No seu comentaacuterio ao estudo de Gemelli-Marciano (2013) apresentado a Eleatica em 2007 Cornelli afirma que

haacute um Parmecircnides que natildeo queriacuteamos ver (p 145-148) Eu concordo com algumas ressalvas Dada uma

normalidade de consciecircncia haacute muitas coisas que podem alteraacute-la Em primeiro lugar haacute as alteraccedilotildees atraveacutes de

certas substacircncias psicoacutegenas e possivelmente Parmecircnides se de fato praticava a katabasis quase certamente

usava as papaveris lacrimae (a resina que escorre do receptaacuteculo da flor de papoula quando sofre uma incisatildeo) que

era de largo uso religioso (natildeo necessariamente iniciaacutetico) e meacutedico em toda a aacuterea mediterracircnea (Nencini 2004

2009) uma praacutetica similar se manteacutem ainda no rito catoacutelico pelo uso religioso (natildeo necessariamente iniciaacutetico) do

vinho substacircncia que tambeacutem altera a consciecircncia Depois haacute as alteraccedilotildees de consciecircncia por paroxismo

emocional (stress e similares) como se em certos ritos principalmente aqueles acompanhados pelos sons

obsessivos de instrumentos de percussatildeo Depois haacute as alteraccedilotildees de consciecircncia pela arte poesia muacutesica e outras

onde a experiecircncia artiacutestica leva para ldquooutro mundordquo Mas o mesmo se sente diante que uma elegante demonstraccedilatildeo

matemaacutetica o da loacutegica extraordinaacuteria (assim nos parece) de um feito cientiacutefico qualquer Em suma natildeo haacute grande

novidade em dizer que sons e imagens do poema levam a um estado de consciecircncia alterado O problema estaacute na

explicaccedilatildeo que se quer dar agravequele estado alterado Em geral na ocorrecircncia de um estado alterado provocado

voluntariamente haacute um mestre que pretende saber o que aquele estado alterado significa Infelizmente a histoacuteria

mostra que esse tal mestre possuidor de uma pretensa sabedoria que vem de outro mundo nada mais eacute que um

charlatatildeo da supersticcedilatildeo e da crendice Ora supersticcedilatildeo e crendice tambeacutem se alimentam destes estados alterados

de consciecircncia (como jaacute dizia Heraacuteclito DK 22 B 5 14) A proposta de Parmecircnides eacute exatamente poder distinguir

os discursos verdadeiros daqueles que natildeo tecircm fundamento e que satildeo fruto de supersticcedilatildeo e crendice (ele diz

haacutebitos culturais) Apesar da grande empolgaccedilatildeo de Kingsley em defender a formaccedilatildeo iniciaacutetica de Parmecircnides o

fato histoacuterico eacute muito simples a religiatildeo misteacuterica era o padratildeo na antiguidade e natildeo a exceccedilatildeo Entatildeo ao histoacuterico

da filosofia natildeo interessa o Parmecircnides xamacircnico ou que faz katabasis isto era comum e estaacute registrado na cultura

anterior a Parmecircnides O que interessa ao historiador da filosofia eacute esta novidade chamada filosofia que em

Parmecircnides se manifesta de forma embrional E pouco importa se a matriz eacute religiosa ou iniciaacutetica o fato eacute que a

45

proveitoso porque neste trecho natildeo se encontra nenhuma palavra expliacutecita ou situaccedilatildeo ou imagem

que fale da mente Assim podemos pular esta parte e ir diretamente agrave fala da deusa com a qual

Parmecircnides muda completamente o tom da linguagem a partir do ponto do poema onde ela inicia

sua fala a linguagem perde o seu imaginaacuterio miacutetico e a indeterminaccedilatildeo poeacutetica para se tornar uma

linguagem teacutecnica e precisa apesar das grandes dificuldades com as quais Parmecircnides se depara

para expressar novas noccedilotildees como em breve veremos

3212 O programa DK B 128-30

Entatildeo a deusa recebe o kouros e depois de algumas palavras de conforto ela diz

hellipχρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι

ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ

ἠδὲ βροτῶν δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής

Ela diz que ele precisa aprender (πυθέσθαι)44 tudo de um lado o ἦτορ firme da verdade

filosofia representa uma mutaccedilatildeo geneacutetica para usar metaforicamente uma linguagem moderna que define una

autonomia em relaccedilatildeo agrave matriz Ora tal mutaccedilatildeo geneacutetica se revelou interessante e eacute por isto que cresceu

autonomamente e sobreviveu ateacute hoje eacute a esta criatura geneticamente modificada que se interessa o historiador

da filosofia e para a histoacuteria da filosofia sons e imagens satildeo interessantes na medida em que ampliam ou

aprofundam a compreensatildeo da filosofia e natildeo quando evocam esoterismos misteacutericos pois estes interessam agrave

antropologia e ciecircncias afins (ateacute mesmo agrave linguiacutestica na sua parte antropoloacutegica como a etno-linguiacutestica veja-se

por exemplo as referecircncias a Parmecircnides em Costa 2008) Entatildeo eu concordo que haacute um Parmecircnides que natildeo

queriacuteamos ver mas com a ressalva de que este querer eacute eventualmente consciente pois este outro lado (que natildeo

queriacuteamos conhecer) natildeo eacute necessariamente interessante Por exemplo o livro In the dark places of wisdom do jaacute

citado Kingsley (1999) faz uma hipoacutetese a respeito da biografia de Parmecircnides aquela de ele ser um iniciado

hipoacutetese vaacutelida mas natildeo nova como Cornelli sabe perfeitamente por ser um estudioso do pitagorismo (veja-se o

seu excelente In search of Pythagoreanism de 2013 e a criacutetica a Kingsley nas paacuteginas 46-49) Mas esta hipoacutetese

ao qual o inteiro livro eacute dedicado natildeo acrescenta um iota agrave compreensatildeo de sua filosofia pois esta natildeo estaacute nos

lugares obscuros da sabedoria mas na luz meridiana de sua ontologia sua loacutegica e na sua problemaacutetica cosmologia

suscitando ateacute hoje debates estes sim extraordinaacuterios entre os filoacutesofos e cientistas contemporacircneos no mundo

inteiro 44Muitas satildeo as traduccedilotildees dos estudiosos Albertelli (1939 p 119) che tu impari Pasquinelli (1958 p 227) imparare

Guthrie (1965 p 9) to learn Capizzi (1975 p 8) esplorare Barnes (1982 p 122) ascertain OBrien (1987 p 7)

hear Marques (1990 p 114) Santoro (2011 p 85) que te instruas Reale (1991 p 89) che tu apprenda Conche

(2004 p 43) que tu sois instruit Robbiano (2006 p 213) to find out Coxon (2009 p52) be informed

46

εὐκυκλέος e de outro lado as opiniotildees dos mortais nas quais natildeo haacute feacute verdadeira Deixei duas

palavras em grego porque precisamos olhar para elas mais de perto Mas antes de tudo precisamos

esclarecer o sentido geral da passagem Parmecircnides expotildee aqui o programa do assunto que ele

desenvolveraacute nos proacuteximos versos algo que podemos considerar como um iacutendice um dos vaacuterios

elementos meta-discursivos do poema45 Ele diz que seu poema trataraacute de duas coisas uma

relacionada com a verdade (vamos aceitar assim por enquanto) e outra com as opiniotildees dos

mortais Ademais o kouros precisa aprender como todas as coisas deveriam ser quando seguem as

aparecircncias (DK 131-2)46 O programa anunciado seraacute cumprido em duas partes chamadas parte

da verdade fragmentos DK 2 a 8 e a da opiniatildeo fragmentos DK 9 a 19

Agora podemos voltar para o verso 129 ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ Todos os

estudiosos entendem este verso metaforicamente e o traduzem segundo o sentido mais comum de

cada palavra deixando que a imaginaccedilatildeo do leitor se ponha em accedilatildeo o coraccedilatildeo imoacutevel da verdade

bem redonda Todas as traduccedilotildees vatildeo nesta direccedilatildeo embora com diferenccedilas de estilo e de opccedilatildeo

das variantes trazidas pelos doxoacutegrafos47 e natildeo se afastam do sentido metafoacuterico Apesar da

imagem muito forte de um ldquocoraccedilatildeo da verdade bem redondardquo que capturou a sensibilidade de

muitos estudiosos haacute muitas razotildees para tomar estas palavras natildeo como metaacutefora mas como uma

45Veja-se a respeito o excelente artigo de Livio Rossetti La structure du poegraveme de Parmeacutenide (2010) 46Estes versos controversos desde sua traduccedilatildeo ateacute a interpretaccedilatildeo natildeo satildeo assunto desta investigaccedilatildeo 47O termo εὐκυκλέος transmitido por Simplicius eacute escolhido por Diels mas muitos autores preferem uma das duas

outras variantes que temos εὐπειθέος de Sexto Empiacuterico e εὐφεγγέος trazido por Proclo O termo ἀτρεμὲς tem

uma variante ἀτρεκὲς em Plutarco Recentemente Kurfess leva adiante uma interessante questatildeo interpretativa

haacute na poesia arcaica uma tendecircncia agrave repeticcedilatildeo que no caso de Parmecircnides foi subestimada de forma que os trecircs

adjetivos natildeo satildeo alternativos (variantes) de um mesmo verso mas devem pertencer a trecircs versos diferentes

implicando a introduccedilatildeo de mais dois fragmentos ldquoWhat are commonly regarded as conflicting variant readings

of the opening of the poem are actually so I claim quotations from different passages of the poem and all three

adjectives εὐκυκλέος εὐπειθέος and even εὐφεγγέος preserve Parmenidesrsquo original wordingrdquo (Kurfess 2014a)

47

linguagem teacutecnica precisa Estudei esses versos em detalhes em trabalho precedente 48 e aqui

somente reporto algumas conclusotildees A primeira razatildeo a levar em conta eacute como jaacute dissemos a

mudanccedila do tom poeacutetico sugestivo e miacutetico na primeira parte do proemio agrave linguagem precisa da

deusa no resto do poema49 de forma que o coraccedilatildeo imoacutevel da verdade bem redonda eacute uma

linguagem teacutecnica e natildeo uma metaacutefora pois faz parte da fala da deusa e natildeo da descriccedilatildeo previa da

viagem do kouros Naturalmente neste caso surge o problema de entender estas palavras em

sentido teacutecnico pois de fato o que poderia significar um verso tatildeo colorido

Vamos comeccedilar rejeitando as razotildees da interpretaccedilatildeo padratildeo Um coraccedilatildeo imoacutevel natildeo eacute uma

boa metaacutefora porque o coraccedilatildeo de fato natildeo pode parar nunca pois um coraccedilatildeo imoacutevel eacute um coraccedilatildeo

morto A palavra para coraccedilatildeo eacute ἦτορ que tem uma longa histoacuteria desde Homero ateacute os poetas

liacutericos nunca foi usado como metaacutefora 50 A palavra para verdade ἀλήθεια (na forma genitiva

ἀληθείης) natildeo pode ser entendida como uma noccedilatildeo abstrata e ideal porque essa acepccedilatildeo comeccedilaraacute

somente com Platatildeo e se completaraacute provavelmente somente com Agostinho51 no tempo de

Parmecircnides ela deve ser entendida no sentido arcaico concreto de coisa verdadeira52 A bela

48Galgano 2012 49 Rossetti (2010 p 202) ldquoEn annonccedilant les deux types de savoir la deacuteesse entre dans le rocircle du sophos et du

didaskalos cependant que le poegravete Parmeacutenide abandonne celui du chanteur qui cherche agrave enchanter et

suggestionner son auditoire pour celui de lrsquointellectuel qui a appris et sait des choses retentissantes et qui est capable

drsquoen rendre compterdquo 50Sullivan 1996 Numa passagem desse artigo (p 17) a autora sugere ndash citando Il X 93 onde Agamemnon muito

preocupado diz ldquomeu ἦτορ natildeo estaacute firme (ἔμπεδον)rdquo ndash que o natildeo firme poderia fazer referecircncia agrave batida do

coraccedilatildeo talvez irregular caracterizando um sentido mais fiacutesico Eu penso que eacute muito mais simples aceitar o sentido

psicoloacutegico por vaacuterios motivos 1) uma noccedilatildeo de variaccedilatildeo da regularidade da batida do coraccedilatildeo em associaccedilatildeo com

as preocupaccedilotildees de Agamemnon me parece um conceito sofisticado demais para essas eacutepoca 2) o natildeo firme faz

referecircncia claramente a uma indecisatildeo de Agamemnon que vai procurar a ajuda de Nestor o mais saacutebio dos

Aqueus 3) Homero usa ἔμπεδον em outras ocasiotildees como adjetivo para φρένες e νόος (Il 6532 e 11813)

expressotildees com clara referecircncia psicoloacutegica 51No De libero arbiacutetrio Agostinho equipara a Verdade a Deus 52Bernabeacute associa o termo ἀλήθεια em Parmecircnides agraves foacutermulas iniciaacuteticas de matriz oacuterficas utilizadas no sul da Itaacutelia

48

expressatildeo bem redonda εὐκυκλέος tem o sentido homeacuterico de proteccedilatildeo bem feita como no

escudo de Agamemnon (Il XI 33)53 Ateacute mesmo ἀτρεμὲς adjetivo para imoacutevel que natildeo treme

poderia ser entendido como calma numa referecircncia ao mar que natildeo treme54 mas o sentido de natildeo

tremer ἀ (privativo) + τρεμὲς treacutepido eacute uma sugestatildeo muito clara de natildeo oscilaccedilatildeo de um lado a

outro e veremos a importacircncia disso55 Todos estes elementos remetem a uma rejeiccedilatildeo do sentido

metafoacuterico e nos obriga a procurar novas maneiras de entendimento

A deusa fala de duas coisas correlacionadas marcadas pelos correlativos ἠμὲν e ἠδὲ sendo

que o segundo verso tem sentido mais claro e natildeo eacute metafoacuterico as opiniotildees dos mortais nos quais

natildeo haacute feacute verdadeira Assim podemos ver que a deusa estaacute falando do conhecimento do mundo

(πάντα) de um lado as opiniotildees nas quais natildeo haacute uma verdade confiaacutevel e de outro lado afirmaccedilotildees

que satildeo confiaacuteveis O que estaacute em jogo eacute o fato de que alguns conhecimentos satildeo confiaacuteveis e

outros natildeo Ao conhecimento natildeo confiaacutevel a deusa chama de opiniotildees dos mortais enquanto que

ao confiaacutevel ela chama de verdade bem redonda Mas verdade bem redonda estaacute em caso genitivo

aqui um genitivo de origem e indica a instacircncia de onde o sujeito se origina isto eacute de uma verdade

bem redonda Agora se voltarmos para o sentido comum e natildeo metafoacuterico de ἦτορ o sentido de

naquela eacutepoca Para essas foacutermulas ἀλήθεια significa algo que natildeo deve ser esquecido (conforme a noccedilatildeo

etimoloacutegica da palavra) que deve ser mantido em mente ldquoNo universo das lacircminas a verdade natildeo eacute outra coisa

senatildeo aquilo que natildeo se deve esquecer o que foi aprendido na iniciaccedilatildeordquo (Bernabeacute 2013 p 51) Ou seja ἀλήθεια

apresenta a noccedilatildeo de um processo mental do sujeito e natildeo de um algo objetivado fora da mente do sujeito 53O termo κύκλος tem sentido substantivo de aro de proteccedilatildeo que manteacutem firmemente juntas todas as peccedilas do

escudo de Agamecircmnon (ἣν πέρι μὲν κύκλοι δέκα χάλκεοι ἦσαν cercado por dez aros de bronze) 54 LSJ verbete ἀτρεμὴς Semonides 737 ldquoθάλασσα ἀτρεμὴςrdquo 55Se eacute verdade que τρέμω e seus cognatos podem ser referidos ao tremor de medo eacute verdade tambeacutem que podem ser

referidos ao mero movimento fiacutesico sem implicaccedilatildeo emocional como em terremoto (Il 1318) ou no tremor dos

soluccedilos (Il 21507) jaacute ausecircncia de movimento portanto o natildeo tremor natildeo se refere soacute agrave calma (da coragem) mas

tambeacutem agrave imobilidade como os cumes de um monte (Il 5524) ou a uma estela ou uma grande aacutervore (Il 13438)

ou ateacute mesmo ao natildeo repouso de uma lanccedila em constante atividade (Il 13557)

49

sede da faculdade de raciociacutenio tudo se acomoda no lugar certo e se encaixa da melhor maneira

De fato como sede da faculdade de raciociacutenio56 isto eacute como mente na linguagem atual natildeo

temos nenhuma contradiccedilatildeo com ἀτρεμὲς natildeo tremente uma mente que treme (oscila) estaacute em

duacutevida enquanto uma mente imoacutevel (firme que natildeo oscila) eacute uma mente firmemente convencida

que ultrapassou a duacutevida alternante entre afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo do mesmo enunciado Qual eacute a causa

(origem gecircnese) de um tal estado mental de firmeza Eacute a verdade bem redonda onde bem redondo

se refere agrave soacutelida proteccedilatildeo que manteacutem juntas as peccedilas (como no escudo de Agamemnon57) algo

que liga todos os elementos para fazer uma peccedila uacutenica soacutelida e protegida

Agora a traduccedilatildeo estaacute completa a mente firme que vem de uma verdade bem amarrada (bem

conexa) Se fazemos uma paraacutefrase dos versos noacutes podemos dizer

Tu aprenderaacutes tudo

tanto a mente firme gerada de uma verdade bem conexa (convincente)

quanto as opiniotildees dos mortais nas quais natildeo haacute verdade convincente

Podemos ver aqui natildeo somente um vocabulaacuterio psicoloacutegico mas tambeacutem uma genuiacutena observaccedilatildeo

psicoloacutegica De fato a convicccedilatildeo eacute descrita como fenocircmeno psicoloacutegico da mente que natildeo treme

56Mesmo em Homero onde ἦτορ eacute raramente envolvido com o pensamento haacute uma passagem crucial logo na abertura

da Iliacuteada (1188) onde Aquiles enfurecido o coraccedilatildeo a flutuar indeciso em seu peito veloso (ἐν δέ οἱ ἦτορ

στήθεσσιν λασίοισι διάνδιχα μερμήριξεν ndash trad Nunes) estaacute indeciso entre agir (matar Agameacutemnon ou natildeo) eacute

notaacutevel como na expressatildeo homeacuterica ἦτορ preside uma duacutevida enquanto na expressatildeo parmenidiana ἦτορ consegue

sair da duacutevida e permanecer firme mais uma indicaccedilatildeo do valor natildeo metafoacuterico deste verso de Parmecircnides 57εὐκυκλέος foi escolhido por Diels por ser lectio difficilior Bem persuasivo a versatildeo dada por Sexto Empiacuterico expotildee

mais claramente o conteuacutedo psicoloacutegico da expressatildeo ἀτρεμὲς ἦτορ o que reforccedila a interpretaccedilatildeo aqui apresentada

Aqui dentro do contexto da interpretaccedilatildeo filosoacutefica ambos εὐκυκλέος e εὐπειθέος apresentam um sentido

convergente e a nossa tarefa pode se considerar cumprida Jaacute em contexto filoloacutegico os estudos continuam e se

aprofundam Passa por exemplo acredita que εὐκυκλέος seja um ajuste secundaacuterio que tende a transferir no verso

programaacutetico do proemio conteuacutedos fundamentais da tradiccedilatildeo neoplatocircnica (Passa 2009 p 52) jaacute Kurfess eacute ainda

mais ousado e defende a possibilidade de que as trecircs variantes εὐκυκλέος εὐπειθέος εὐφεγγέος pertenccedilam a trecircs

diferentes versos do poema (Kurfess 2012 p 18-54)

50

que natildeo oscila de um lado a outro mas permanece firme ligada por conexotildees e protegida da duacutevida

No outro lado a deusa coloca as opiniotildees dos mortais nas quais a convicccedilatildeo (πίστις) natildeo eacute

verdadeira porque as opiniotildees (a respeito de um mesmo fato) mudam enquanto a verdade bem

ligada daacute origem agrave mente firme isto eacute agrave mente que natildeo muda de ideia Parmecircnides nota que em

ambos os casos opiniotildees ou mente firme o homem se convence (ou persuade como diraacute alguns

versos agrave frente) mas o convencimento natildeo verdadeiro gera opiniotildees enquanto o conhecimento

verdadeiro gera a mente firme Ele faz uma distinccedilatildeo sutil mas importante e que eacute o ponto de partida

de uma discussatildeo a respeito do raciociacutenio ele diz que todo homem pode estar convencido de suas

crenccedilas mas isto natildeo significa que estas sejam verdadeiras Algueacutem pode estar persuadido de um

certo conhecimento mas a sua persuasatildeo natildeo torna verdadeiro aquele conhecimento Parmecircnides

diraacute depois que eacute necessaacuterio algo a mais para alcanccedilar a certeza eacute necessaacuterio um meacutetodo para ligar

com conexotildees estreitas os elementos daquele conhecimento que soacute assim se torna verdadeiro O

meacutetodo seraacute exposto nos versos seguintes

A problemaacutetica psicoloacutegica que Parmecircnides abriu eacute uma enorme descoberta que desde entatildeo

nunca mais iraacute abandonar o homem porque se nossas convicccedilotildees natildeo satildeo o bastante para certificar

a verdade isto significa ao menos duas coisas 1) natildeo temos certeza da verdade que temos logo a

posse da verdade fica em suspenso o que equivale pragmaticamente em natildeo ter a verdade 2)

temos que procurar uma maneira de certificar a verdade e isto significa que precisamos encontrar

a verdade isto eacute uma certificaccedilatildeo verdadeira que decirc verdade ao que ela certifica Com a introduccedilatildeo

desta problemaacutetica ele comeccedila aquele processo histoacuterico onde o homem sabe que ele natildeo eacute saacutebio

porque natildeo conhece a verdade em outras palavras ele inicia a questatildeo do homem em busca da

verdade o homem em busca da sabedoria Enquanto seus mestres buscavam apenas novos

conhecimentos em algum campo da vida humana Parmecircnides percebeu que haacute um problema

51

anterior comum a todos os saberes algo relacionado com as funccedilotildees da mente humana pelo qual

nenhum conhecimento poderia ser considerado verdadeiro ateacute que fosse corretamente certificado

Os sentidos natildeo satildeo suficientes os relatos natildeo satildeo suficientes as tradiccedilotildees natildeo satildeo suficientes

todas estas formas de conhecimento satildeo criticadas exatamente com esta distinccedilatildeo estar convencido

de algo natildeo torna este algo verdadeiro Ao mesmo tempo ele inicia a busca pela sabedoria partindo

da consciecircncia de que noacutes natildeo podemos ter a verdade imediatamente e a busca pela verdade do

conhecimento ambas as buscas implicam na nossa linguagem atual o iniacutecio da gnosiologia o

estudo das possibilidades de conhecimento58 e do estudo do conhecimento verdadeiro59 Nos

proacuteximos versos veremos como essa enorme descoberta eacute articulada ao longo de seu poema

sempre partindo de observaccedilotildees psicoloacutegicas

322 O fragmento 2

O fragmento DK 2 eacute uma obra prima em muitos sentidos e eacute uma das partes mais estudadas

do poema Aqui diremos apenas algo em referecircncia ao nosso enfoque psicoloacutegico geral

evidenciando um vocabulaacuterio psicoloacutegico principalmente nos primeiros dois versos mas o inteiro

fragmento estaacute construiacutedo a partir de uma observaccedilatildeo psicoloacutegica fundamental que acaba

comportando implicaccedilotildees filosoacuteficas profundas Por este motivo o fragmento 2 seraacute estudado

detidamente na primeira parte do segundo capiacutetulo Aqui analisaremos principalmente o verso 2

58 Agraves vezes referida agrave gnosiologia ou teoria do conhecimento embora tecnicamente essas expressotildees tenham uma

conotaccedilatildeo bem restrita (veja-se Abbagnano 1971 verbete conhecimento teoria do) 59Agraves vezes referido como epistemologia ou teoria do conhecimento embora tecnicamente essas expressotildees tambeacutem

tenham conotaccedilatildeo bem restrita (veja-se Abbagnano 1971 verbete conhecimento teoria do)

52

com uma atenccedilatildeo especial ao νοεῖν parmenidiano que constituiraacute a chave para a compreensatildeo da

reflexatildeo psicoloacutegica de Parmecircnides e permitiraacute evidenciar como uma grande problemaacutetica jaacute era

clara a ele Vamos relembrar os versos na ediccedilatildeo DK 28 B 2

εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας

αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι

τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν

οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

οὔτε φράσαις

A deusa diz ldquoagora presta atenccedilatildeo agraves minhas palavras eu te direi quais satildeo os caminhos de

inqueacuterito a pensar um que eacute e que eacute impossiacutevel que natildeo seja eacute caminho de Persuasatildeo (pois

acompanha a Verdade) outro que natildeo eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja este digo que eacute caminho

totalmente inescrutaacutevel porque vocecirc natildeo pode conhecer o natildeo ser (pois natildeo pode ser levado a cabo)

nem vocecirc poderia expressaacute-lordquo Dado o grande nuacutemero de interpretaccedilotildees diferentes esse sentido

geral pode ser contestado quase a cada palavra por muitos estudiosos Poreacutem vamos evitar o

sentido filosoacutefico (que seraacute estudado detidamente mais adiante) e nos restringir agrave parte psicoloacutegica

3221 O uacutenicos caminhos de inqueacuterito DK B 22

No verso 2 ndash αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι ndash a deusa fala de 1) νοῆσαι um verbo do

qual discutiremos em breve 2) ὁδοὶ caminhos para a accedilatildeo de νοῆσαι 3) ὁδοὶ διζήσιός εἰσι νοῆσαι

caminhos parta a accedilatildeo de νοῆσαι de um modo especiacutefico aquele que inquere 4) o fato de que os

caminhos a serem expostos satildeo os uacutenicos (μοῦναι) caminhos possiacuteveis para o modo que inquere

Cada palavra desse verso se refere a alguma distinccedilatildeo psicoloacutegica Vamos examinar

53

1) νοῆσαι Haacute uma controveacutersia aqui a respeito do sentido preciso de νοεῖν (de onde νοῆσαι) em

Parmecircnides Eacute uma grande discussatildeo porque de um lado Parmecircnides usa a estrutura poeacutetica eacutepica

isto eacute usa a linguagem e a forma mais tradicionais para expressar seu pensamento mas de outro

lado ele usa novos sentidos para palavras antigas e usa palavras antigas para descrever novas

descobertas reflexotildees e propostas assim a tensatildeo entre o antigo e o novo daacute espaccedilo a muitas

ambiguidades que satildeo um verdadeiro quebra-cabeccedila para os estudiosos60 Poreacutem enquanto estes

60Taraacuten (1965) traduz ldquowhich are the only ways of inquiry that you can be conceivedrdquo (p 32)

Ramnoux (1979) traduz ldquoquelle sont les seules voies de recherche agrave concevoirrdquo (p 110)

Untersteiner (1979) traduz ldquoquali sole vie di ricerca siano logicamente pensabilirdquo (p129)

Barnes (1982) traduz ldquowhat are the only roads of inquiry for thinking ofrdquo (p 124) e comenta ldquoThe phrase

lsquoarehellipfor thinking of (line 2) renders lsquoesti noecircsairsquo The verb lsquonoeinrsquo of which lsquonoecircsairsquo is the aorist infinitive plays

a central role in Parmenidesrsquo subsequent argument where it is standardly translated as lsquothink of or lsquoconceiversquo Some

scholars however prefer the very different translation lsquoknowrsquo and thereby change the whole character of

Parmenidean thought I think that the standard translation makes better sense of Parmenidesrsquo argument and I doubt

if the heterodox translation is linguistically correct It is true that in certain celebrated Platonic and Aristotelian

passages the noun lsquonousrsquo is used to denote the highest of cognitive faculties and there are passages in those

philosophers and in earlier writers where lsquointuitrsquo lsquograsprsquo or even lsquoknowrsquo is a plausible translation of lsquonoeinrsquo But

against those occurrences (which are fairly uncommon and usually highflown) we can set a host of passages where

lsquonoeinrsquo simply means lsquothink (of)rsquo lsquonoeinrsquo is the ordinary Greek verb for rsquothink (of)rsquo and lsquothink (of)rsquo is usually its

proper English equivalent Moreover the linguistic context in which the verb occurs in Parmenides favours (indeed

to my mind requires) the translation lsquothink (of)rsquo For lsquonoeinrsquo is thrice conjoined with a verb of saying with lsquolegeinrsquo

at B 61 and with lsquophasthairsquo twice in B 88 (cf lsquoanocircnumonrsquoat B 817) lsquoLegeinrsquo and lsquophasthairsquo mean lsquosayrsquo not lsquosay

trulyrsquo or lsquosay successfullyrsquo (the Greek for which is lsquoalecirctheueinrsquo) and the contexts of their occurrence imply that

lsquosayrsquo and lsquonoeinrsquo share at least one important logical feature they both stand in the same relation to lsquobeingrsquo In this

respect it is lsquothink that Prsquo and lsquothink of Xrsquo rather than lsquoknow that Prsquo and lsquoknow Xrsquo which parallel lsquosay that Prsquo and

lsquomention Xrsquo and that fact I think establishes the traditional translation of lsquonoeinrsquo

So much for the meaning of lsquonoecircsairsquo All however is not yet plain for the syntax of lsquoesti noecircsairsquo is disputed

Phrases of the form esti+infinitive recur later in the poem and their presence is indicated in my translation by

phrases of the rebarbative form lsquois (are) for φingrsquo The usage which is not uncommon in Greek has connexions

with the lsquopotentialrsquo use of lsquoestirsquo (Esti with infinitive often means lsquoit is possible tohelliprsquo In that case lsquoestirsquo is

lsquoimpersonalrsquo whereas in our locution it always has a subject explicit or implicit) Indeed it seems to me reasonable

to gloss lsquoa is for φingrsquo either by lsquoa can φrsquoor by lsquoa can be φedrsquomdashthe context will determine whether active or passive

is appropriate Thus in 1482 lsquoare for thinking of means lsquocan be thought of Observe that the gloss differs from its

original in one important feature The grammatical form of the phrase lsquoa is for φingrsquo may seduce us into making a

fallacious deduction from lsquoa is for φing it is easy to infer lsquoa isrsquo The grammatical form of the gloss does not

provide the same temptation The point may assume significance laterrdquo

OBrian (1987) traduz ldquojust what ways of enquiry there are the only ones that can be thought ofrdquo (p 16) e

comenta ldquoLinfinitif deacutepend agrave mon sense de ladjectif μοῦναι ou si lon veut de luniteacute syntaxique adjectif + verbe

(μοῦναι + εἰσι) [hellip] Ainsi sexpliquerait lemploi de lactive chez Parmeacutenide le voies de recherche sont ldquoles seules

ltquon aitgt agrave concevoirrdquo ldquoles soules agrave ecirctre conccediluesrdquo ou bien un peu plus librement ldquoles seules ltque lon puissegt

54

se preocupam com o sentido geral do νοεῖν no poema inteiro nossa preocupaccedilatildeo aqui eacute por

enquanto somente com esse verso A partir do artigo de von Fritz61 surgiu uma tendecircncia de tentar

explicar o termo tendo por referecircncia seu uso anterior principalmente obviamente em Homero

talvez esta tendecircncia tentava contrabalanccedilar um uso talvez desenvolto demais da hermenecircutica da

palavra por parte de alguns criacuteticos e ateacute mesmo filoacutesofos como em Heidegger62 por exemplo

Mesmo levando em conta por um lado as interpretaccedilotildees mais ousadas dos partidaacuterios do

historicismo hegeliano63 e por outro lado as sofisticadas estrateacutegias filoloacutegicas como a de von

Fritz noacutes seremos cautelosos e procederemos cautelosamente e por enquanto partiremos de um

sentido geneacuterico mas seguro da palavra νοῆσαι somente neste verso que eacute aquele que se refere a

concevoirrdquo ldquoles seules concevablesrdquordquo (p154) Na nota 10 mesma paacutegina OBrien expressa toda a dificuldade

quase o desespero de natildeo poder usar a palavra que encaixe perfeitamente pois as disponiacuteveis (conhecer saber

pensar comprender entender perceber aperceber apreender discernir contemplar considerar) apresentam todas

vantagens e desvantagens

Cerri (1999) traduz ldquoquelle che sono le sole due vie di ricerca pensabilirdquo (p 149) e comenta ldquoAqui νοεῖν eacute

usado no sentido corrente e geneacuterico de pensar natildeo naquele parmenidiano tecnicizado de entender (capire)

racionalmente neste segundo sentido natildeo poderia se dizer que o caminho do natildeo eacute que consiste num erro de

perspectiva pode ser objeto de νοεῖν isto eacute de intelecccedilatildeo como o caminho do eacute O meacuterito desta observaccedilatildeo eacute de

Gentili De fato o proacuteprio Parmecircnides diraacute mais adiante que o caminho natildeo verdadeiro eacute anoetos inconcebiacutevel

(fr 78 vv 22-23) (p 188)

Cordero (2005) traduz ldquocuales son los uacutenicos caminos de investigacion que hay para pensarrdquo (p 219) e

comenta ldquoEl verbo pensar () es evidentemente un infinitivo final o consecutivo pero haacute sido siempre tomado

comop si su valor fuese passivo sea directamente sea se si se interpreta ldquoeisiacuterdquo com valor potencial En

consequecircncia se lo haacute traducido em general como un participio pasivo [hellip] Nosotros preferimos dejar em la

indeterminacioacuten tanto el sujeto como el objeto del infinitivo pues no se trata de un verbo inserto em una frase sino

de un infinitivo aislado y rechazamos todo matiz ldquopasivordquo que como vimos seriacutea incompatible com uno de los

caminos (p 57-58)

Coxon (2009) traduzrdquo about those ways of enquiry which are alone conceivablerdquo (p 56) e comenta ldquolsquowhich

are for conceivingrsquo ie which may be conceived One of the two ways so described is in fact to be left lsquounconceived

[hellip] lsquowhich are for conceivingrsquo ie which may be conceived One of the two ways so described is in fact to be left

lsquounconceivedrsquordquo (p 290) 61Fritz K Von (1945) ldquoNous noein and its derivatives in Presocratic philosophy [excluding Anaxagoras] I From the

beginning to Parmenidesrdquo 62Heidegger ldquo[Parmecircnides jaacute usava] noein - the simple apprehension of something objectively present in its pure

objective presence [Vorhandenheit]rdquo (1996 p 22) 63Veja-se por exemplo Hosle 1984

55

um comportamento da mente portanto podemos dizer que o verbo νοεῖν quer expressar um ato da

mente Posto que os atos da mente satildeo de diversos tipos o problema consiste em saber a que tipo

ele quer se referir para tanto teremos que recorrer agraves descriccedilotildees apresentadas no texto

2) ὁδοὶ Temos aqui a primeira descriccedilatildeo Parmecircnides fala de um comportamento da mente quando

vai ao longo de um caminho seguindo um percurso como uma sequecircncia de momentos do ato ou

entatildeo como uma sequecircncia de atos Essa consideraccedilatildeo nos daacute a entender que ele natildeo estaacute falando

de um ato isolado como uma imagem ou uma percepccedilatildeo isolada ou um insight mas de um

processo

3) διζήσιός Com esta palavra64 temos mais uma especificaccedilatildeo do ato Ele quer falar a respeito de

algum tipo especiacutefico de caminho exatamente a respeito daquele usado para investigar inquirir

fazer perguntas e entender as respostas Parmecircnides depois de considerar que certo comportamento

mental eacute um processo diz que haacute muitos tipos de processos e ele iraacute falar apenas de um dentre eles

aquele de inqueacuterito Vai se tornando claro que o processo mental implicado por essas palavras eacute

um processo de pensamento voluntaacuterio de modo que os produtos sejam pensamentos natildeo

quaisquer pensamentos mas aqueles ao longo de um certo caminho natildeo qualquer caminho mas

aqueles pensamentos que compotildeem um caminho de investigaccedilatildeo em direccedilatildeo a algum

conhecimento

4) μοῦναι Essa palavra tem uma importacircncia muito grande e merece nossa especial atenccedilatildeo Ela

significa uacutenicas (feminino plural referido a ὁδοὶ palavra feminina) Saberemos depois que os

64Δίζησις que vem de δίζημαι procurar entre muitos (LSJ) e natildeo consta antes de Parmecircnides provavelmente eacute uma

invenccedilatildeo dele Untersteiner nota a nuance da indecisatildeo e trazendo como exemplo Heroacutedoto VII 1421 diz ldquoδίζησις

pode ser a busca diante de um problema que admite soluccedilotildees opostasrdquo (1979 p LXXXI n 119)

56

uacutenicos caminhos satildeo dois Mas o que eacute realmente importante eacute o fato como esse adjetivo indica

de que Parmecircnides examinou muitos caminhos e concluiu que soacute haacute dois para o inqueacuterito Esse

adjetivo eacute o resultado de uma observaccedilatildeo do comportamento da mente ele diz haacute muitos caminhos

para a atividade mental (aqui uma atividade de inqueacuterito) e depois de examinaacute-los todos encontrei

soacute dois adequados (para a atividade de inqueacuterito) Esta eacute uma genuiacutena observaccedilatildeo do

comportamento da mente com um projeto geral (como veremos mais adiante) com uma finalidade

especiacutefica uma pesquisa e o resultado

5) νοῆσαι de novo Agora depois das elucidaccedilotildees dos termos envolvidos podemos definir νοῆσαι

Essa forma vem de νοέω que significa a) perceber pela mente apreender tomar nota ter

conhecimento de perceber b) pensar considerar refletir c) considerar julgar presumir d) outros

sentidos especiacuteficos em construccedilotildees especiacuteficas Todas estas acepccedilotildees encontram-se no LSJ no

qual ademais encontramos tambeacutem a citaccedilatildeo do verso DK 834 de Parmecircnides no sentido de

percebido pela mente Mas percepccedilatildeo em nossa linguagem eacute um ato da mente sinoacutetico eacute um

momento isolado mesmo quando referido a muitos fatos da mente de fato percepccedilatildeo quando eacute

referida a muitos fatos da mente significa aquele resultado obtido por uma visatildeo sinoacutetica o mesmo

pode ser dito de pensamento que eacute um fato soacute mesmo quando implica uma sequecircncia de

raciociacutenio porque se refere ao resultado do raciociacutenio Alguns estudiosos traduzem νοεῖν com

pensar que eacute o mais comum no caso de Parmecircnides seguindo a traduccedilatildeo famosa de Diels

lsquodenkenrsquo65 Mas pensar tem um problema eacute muito geneacuterico e pode ser usado para qualquer

atividade mental desde percepccedilatildeo ateacute o trazer agrave memoacuteria relembrar desde buscar na memoacuteria

65Por exemplo Wilkinson (2009 p 77)

57

ateacute ter um insight e pensar solto como num brainstorm assim essa traduccedilatildeo natildeo seria errada

mas seria menos precisa daquilo que precisamos para o nosso estudo especiacutefico O sentido geneacuterico

e ambiacuteguo desta traduccedilatildeo acaba gerando conflitos e contradiccedilotildees com outras partes do poema onde

comparecem outros cognatos do verbo νοεῖν (tornaremos a isto mais adiante) Haacute um outro grupo

de traduccedilotildees com o sentido geral de conhecimento vamos examinar66 Von Fritz conclui que em

Parmecircnides embora mantendo uma natureza intuitiva (intuitive nature p 241) como em Heraacuteclito

e nos poemas homeacutericos νοεῖν ganha um novo aspecto ldquoporque foi o primeiro que incluiu

conscientemente o raciociacutenio loacutegico na funccedilatildeo do νόοςrdquo (p 242) Se noacutes podemos genericamente

concordar com von Fritz natildeo podemos fazer o mesmo com aqueles estudiosos que traduzem

νοῆσαι com for knowing como Kahn67 o qual tambeacutem confirma que ldquoA traduccedilatildeo proacutepria para o

verbo em Parmecircnides eacute um termo como cogniccedilatildeo ou conhecimentordquo68 Natildeo podemos concordar

porque conhecimento eacute uma funccedilatildeo da mente que pode ser o resultado de um raciociacutenio loacutegico

mas conhecimento pode ser tambeacutem aquele vindo de uma familiaridade empiacuterica com o conhecido

ou aquele que vem de uma intuiccedilatildeo ou de um sexto sentido (uma percepccedilatildeo natildeo claramente

identificada e classificada que muitas vezes acaba operando exatamente diante de escolhas onde

os criteacuterios racionais se esgotam por exemplo no conhecimento afetivo) mas o conhecimento

intuitivo eacute exatamente o sentido oposto agravequele usado por Parmecircnides pois a intuiccedilatildeo como fato

66Haacute ateacute quem natildeo traduz νοῆσαι como Colli o qual propotildee ldquoSuvvia io ti dirograve [hellip] quali sono le uniche vie di ricerca

la prima etcrdquo (2003 p 137) 67Kahn (2009 p 146 n 4) ldquoI take νοῆσαι as loosely epexegetical or final with ὁδοί lsquowhat ways of search there are

for knowingrsquo ie I do not construe the infnitive as potential with εἰσί which gives the usual translation lsquothe only

ways of search that can be thought ofrsquo This usual construction provides us with a gratuitous contradiction since

Parmenides goes on to show that the second way is after all ἀνόητος (8 17 cf 2 7)rdquo 68Ibidem The proper translation for the verb in Parmenides is a term like lsquocognitionrsquo or lsquoknowledgersquo it is paraphrased

by γνῶναι lsquoto recognize be acquainted withrsquo at 2 7

58

mental eacute uma sensaccedilatildeo imediata assim como o sexto sentido e natildeo segue caminhos (e muito

menos segue caminhos de inqueacuterito) aleacutem disso conhecer mesmo referido ao conhecimento

loacutegico eacute o resultado do processo isto eacute subentende um conhecedor um ato de conhecer e um

conhecido mesmo quando dizemos conhecendo no geruacutendio noacutes entendemos usar a mente tendo

o conhecimento como alvo e afinal o que a expressatildeo acentua eacute todo o processo principalmente

o resultado o conhecido Natildeo eacute disso que Parmecircnides estaacute falando Naturalmente o poema eacute

exatamente sobre como a mente pode alcanccedilar seu alvo que eacute o conhecimento verdadeiro Mas o

conhecimento verdadeiro ndash como veremos em detalhes ndash eacute um pressuposto de qualquer

conhecimento principalmente de um ponto de vista subjetivo porque qualquer que seja a coisa da

qual eu estou persuadido eu acredito que tal coisa para mim eacute verdadeira Assim o conhecimento

verdadeiro natildeo eacute suficiente para explicar a obra de Parmecircnides mesmo o xamatilde reivindica um

conhecimento verdadeiro mesmo o governante (o qual sabe isto eacute acredita saber a verdade acerca

do governo) mesmo o curandeiro ou o sacerdote O problema eacute que todos estes conhecimentos

verdadeiros natildeo satildeo mais suficientes nos tempos de Parmecircnides desde que as novas exigecircncias

culturais passam a exigir novas concepccedilotildees Que aqui Parmecircnides natildeo esteja falando do

conhecido mas do ato cognoscente eacute claro pela expressatildeo ὁδοὶ διζήσιός que se aplica agrave accedilatildeo do

conhecer e natildeo ao cognoscente ou ao conhecido entatildeo natildeo se pode usar o verbo conhecer a menos

de incorrer numa completa falsificaccedilatildeo do sentido do resto do poema69

Haacute ainda mais uma razatildeo para evitar conhecimentoconhecer para traduzir νοεῖν e seus

69Eacute o que acontece com Kahn o qual afinal forma um quadro distorcido da mensagem filosoacutefica do poema (ver mais

adiante n 153 p 114)

59

cognatos e eacute a razatildeo dada (involuntariamente) por von Fritz De fato se Parmecircnides eacute o primeiro a

usar o termo com a inclusatildeo de conotaccedilotildees relativas ao raciociacutenio loacutegico eacute exatamente esta nova

nuance de sentido que ele quer apresentar isto eacute a nuance de como conhecer algo com o uso do

raciociacutenio loacutegico neste caso o verbo νοεῖν e seus cognatos natildeo podem ser usados no novo

sentido com a nova contribuiccedilatildeo parmenidiana assentada e absorvida na semacircntica daquela

palavra porque seria historicamente incorreto exceto se Parmecircnides tivesse apresentado

explicitamente uma mudanccedila de sentido para aquela palavra A semacircntica de uma palavra natildeo pode

apresentar um novo sentido antes da proposta de uma nova variaccedilatildeo no sentido assim conhecer

pelo raciociacutenio pode ser uma consequecircncia da filosofia parmenidiana e natildeo uma premissa para um

novo uso da palavra feito pelo proacuteprio Parmecircnides pois isto redundaria em incompreensatildeo pela

audiecircncia Em outras palavras Parmecircnides natildeo utiliza a palavra num novo sentido mas apenas a

toma no sentido comum embora numa parte especiacutefica do sentido comum (a parte da accedilatildeo) isto eacute

numa de suas acepccedilotildees comuns e procura apresentar uma nova operaccedilatildeo um novo meacutetodo que

esta parte operativa pode seguir

Depois de todas estas distinccedilotildees e para evitar qualquer ambiguidade que poderia surgir destas

traduccedilotildees mais tradicionais70 eu prefiro usar aqui uma terminologia muito teacutecnica pela qual noacutes

70Haacute ainda um outro conjunto de interpretaccedilotildees que buscam relacionar noein e to eon procurando extrair as semacircnticas

de um a partir de outro e vice-versa Esta linha interpretativa natildeo eacute abordada aqui por dois motivos o primeiro eacute

que nos obrigaria a uma investigaccedilatildeo do eon parmenidiano investigaccedilatildeo metodologicamente excluiacuteda aqui o

segundo eacute que este tipo de approach resultou em muita equivocidade na medida em que se procura tratar o poema

como um todo orgacircnico coisa que o seu estado fragmentaacuterio natildeo permite Veja-se um exemplo entre os recentes

em Sedley com as muitas ambiguidades por exemplo entre pensar e pensamento (thinking and thought) que ele

usa como sinocircnimos (2000 p 120) Quando essa linha interpretativa se propotildee alvos menores consegue bons

resultados por exemplo Crystal (2002) cujo objetivo eacute mostrar que o noein que se identifica com o to eon aparece

soacute no fragmento 8 e natildeo antes ou Lesher (1994 especialmente p 24-34) o qual mostra um aspecto do noein de

Parmecircnides quando inserido dentro de um quadro maior de inqueacuterito (realizado por elenchos por tentativas e por

60

perdemos algo da poesia (e da beleza) mas ganhamos algo mais em clareza especialmente tendo

em vista nosso objetivo que eacute uma busca dos aspectos psicoloacutegicos do poema Assim usarei

exatamente o termo que segue a descriccedilatildeo de Parmecircnides um caminho de inqueacuterito colocando o

acento 1) na operaccedilatildeo 2) no caminho e 3) no inqueacuterito (na inquisitividade) e natildeo no conhecimento

(o qual eacute o resultado de todos esses elementos) nem sob o grande guarda-chuva de pensar no

qual quase qualquer accedilatildeo da mente pode ser incluiacuteda podemos simplesmente traduzir com

operaccedilotildees cognitivas da mente isto eacute aquela atividade da mente que tende ao conhecimento mas

natildeo eacute ela mesma o conhecer enquanto ato completo de cognoscente-conhecer-conhecido Este

termo poraacute no foco exatamente o nosso assunto as operaccedilotildees da mente e ao mesmo tempo

reduziraacute todas as discussotildees de ordem filosoacutefica e epistemoloacutegica que estatildeo aqui fora de tema

Podemos agora inserir a traduccedilatildeo de νοεῖν na nossa paraacutefrase anterior ldquoAgora preste atenccedilatildeo

agraves minhas palavras eu te direi quais satildeo os caminhos de inqueacuterito para as operaccedilotildees cognitivas da

mente (νοῆσαι) um que eacute e que eacute impossiacutevel que natildeo seja eacute caminho de Persuasatildeo (e acompanha

a Verdade) o outro que natildeo eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja e este eu te digo eacute caminho

inescrutaacutevel totalmente porque vocecirc natildeo pode conhecer o que natildeo eacute (pois natildeo pode ser cumprido)

nem dizecirc-lordquo

3222 DK B 24-8

Nos restantes versos do fragmento Parmecircnides expotildee os dois caminhos de inqueacuterito com

uma argumentaccedilatildeo sofisticada que mostra natildeo soacute o Parmecircnides psicoacutelogo mas mostra ao mesmo

testes) que ele chama peirastic paradigm of knowledge

61

tempo o Parmecircnides autenticamente filoacutesofo escrevendo uma das mais profundas paacuteginas de toda

a histoacuteria da filosofia ocidental Estes versos seratildeo estudados detidamente no proacuteximo capiacutetulo

323 O fragmento 3

Infelizmente o fragmento 3 eacute muito curto isolado e afinal de fato natildeo compreensiacutevel

Vamos olhaacute-lo

τὸ γὰρ αὐτὸ νοεῖν ἐστίν τε καὶ εἶναι

pois o mesmo eacute pensar e portanto ser71

O verso eacute uma citaccedilatildeo tirada de Clemente72 Plotino73 e numa versatildeo um pouco diferente de

Proclo74 Seu lugar no poema parece ser depois do fragmento 2 pois apresenta a mesma temaacutetica75

e parece ser a continuaccedilatildeo do mesmo argumento jaacute a traduccedilatildeo apresenta muitas dificuldades e

muitas diferentes soluccedilotildees entre os estudiosos

A citaccedilatildeo reportada por Clemente eacute lanccedilada de forma desordenada entre outras citaccedilotildees A

desordem do inteiro texto dos Stromateis parece ser voluntaria e atenderia a um meacutetodo especiacutefico

de escrita (associada inclusive agraves ideias expostas no Fedro de Platatildeo a respeito da relaccedilatildeo entre

ensinamento escrito e oral) que procura ocultar parte dos ensinamentos e tambeacutem procura escrever

71Trad Cavalcante de Souza 72Clemente Stromata VI II 233 73Plotino Enneades V 1 [10] 817 V 9 [5] 529-30 74Proclo in Parmenidem 115233 Theologia platonica I 14 75A colocaccedilatildeo de Diels na sequecircncia do fragmento 2 eacute seguida por muitos (Untersteiner Coxon e outros) Calogero

(1977 22-23) chega a integrar com um ὅσσα νοεῖς φάσθαι mas infelizmente natildeo se encontra fundamento nessa

integraccedilatildeo a natildeo ser a interpretaccedilatildeo do proacuteprio Calogero sobre a gecircnese da loacutegica parmenidiana

62

segundo um meacutetodo natildeo linear76 poreacutem coordenado com o ensinamento oral Voluntaacuteria ou natildeo

esta escrita desordenada impede uma clara contextualizaccedilatildeo das passagens citadas Em relaccedilatildeo agrave

citaccedilatildeo de Parmecircnides o assunto em discussatildeo era que os gregos roubavam de si proacuteprios isto eacute

plagiavam a si proacuteprios uns aos outros como exemplo Clemente faz muitas conexotildees entre

citaccedilotildees de dois autores supostamente um plagiando outro e agraves vezes junta mais de dois No caso

de Parmecircnides ele comeccedila com Heroacutedoto que reporta Phytia no caso da Divindade dizer e fazer

satildeo o mesmo continua com Aristoacutefanes pois pensar e fazer satildeo o mesmo e finalmente cita

Parmecircnides ldquopois pensar e ser satildeo o mesmo77 Pelo que se consegue entender se trata do plagio

da assimilaccedilatildeo de um conceito a outro dizer e fazer pensar e fazer pensar e ser Nenhuma

referecircncia eacute dada para se entender mais claramente o que significariam pensar e ser e mais ainda

o que significaria a assimilaccedilatildeo de um a outro78

No caso de Plotino a citaccedilatildeo eacute muito precisa como ele costumava fazer mas as noccedilotildees das

palavras satildeo revestidas de um forte neoplatonismo atribuindo a νοεῖν e a εἶναι sentidos de fato

muito distantes do pensamento preacute-socraacutetico79 Plotino natildeo tem uma preocupaccedilatildeo histoacuterica e natildeo

76A forma desordenada de escrita usada no texto dos Stromateis eacute um evento isolado natildeo soacute entre os escritos de

Clemente ndash cujas outras obras possuem uma redaccedilatildeo mais tradicional ndash com em geral na literatura sua

contemporacircnea gerando perplexidade entre os estudiosos Um panorama das vaacuterias hipoacuteteses pode ser vista em

Osborn 2005 O estudioso considera que se trata de uma teacutecnica de disseminaccedilatildeo de sementes de conhecimento

com a finalidade de despertar interesses a serem sucessivamente complementados pelo ensinamento oral numa

passagem diz ldquoThe Stromateis fulfil this role by transmitting the teaching which Clement received connecting

oral and written teaching The hidden element in them is a guard against their misuse by the mediocre or the bad

In his oral teaching Clement imparted the seeds of truth and his writing recalls themrdquo (Osborn 2005 p 14) 77Eis a passagem VI 2231-3 ldquo Ἡροδότου τε αὖ ἐν τῷ περὶ Γλαύκου τοῦ Σπαρτιάτου λόγῳ φήσαντος τὴν Πυθίαν

εἰπεῖν τὸ πειρηθῆναι τοῦ θεοῦ καὶ τὸ ποιῆσαι ἴσον γενέσθαι Ἀριστοφάνης ἔφη δύναται γὰρ ἴσον τῷ δρᾶν τὸ νοεῖν

καὶ πρὸ τούτου ὁ Ἐλεάτης Παρμενίδης τὸ γὰρ αὐτὸ νοεῖν ἐστίltνgt τε καὶ εἶναιrdquo 78Uma interpretaccedilatildeo do significado da citaccedilatildeo parmenidiana dentro do pensamento de Clemente ndash embora natildeo me

pareccedila justificada pelo texto pois parece associada indevidamente a outra citaccedilatildeo aquela do fragmento IV ndash eacute dada

em Itter 2009 especialmente cap VI 79Embora a influecircncia de Parmecircnides sobre Plotino seja importante e embora o estudo dos neoplatocircnicos em geral seja

63

distingue sequer o Parmecircnides histoacuterico da personagem do diaacutelogo Parmecircnides de Platatildeo (Guerard

1987 p 297) por causa desta falta de distinccedilatildeo dirige seu interesse mais para o Parmecircnides de

Platatildeo pois julga que no diaacutelogo platocircnico se daacute o cumprimento perfeito daqueles elementos jaacute

presentes no poema parmenidiano mas de forma imperfeita Desta maneira e na sequecircncia da

interpretaccedilatildeo platocircnica do Sofista para Plotino e para os neoplatocircnicos em geral por um lado

Parmecircnides apresenta as noccedilotildees que depois seratildeo superadas (segundo a interpretaccedilatildeo platocircnica do

parriciacutedio) pelo platonismo e pelo neoplatonismo e por outro lado a aporia eleaacutetica eacute rejeitada

com o desenvolvimento de uma outra cosmologia que desfaz o monismo parmenidiano80 Por causa

destas interpretaccedilotildees que miram mais a defender o platonismo do que a estabelecer uma semacircntica

historicamente plausiacutevel do texto parmenidiano a utilizaccedilatildeo de Plotino natildeo consegue dar pistas do

real significado dos dois conceitos νοεῖν e εἶναι em Parmecircnides Como em Clemente em Plotino

tambeacutem nos deparamos com uma metodologia especiacutefica onde o rigor exegeacutetico cede o passo agrave

intenccedilatildeo pedagoacutegica como aliaacutes se torna expliacutecito na proacutepria passagem que reporta a citaccedilatildeo de

Parmecircnides

ldquoAssim estes discursos natildeo satildeo novos nem satildeo de agora mas sem estarem

desenvolvidos jaacute foram enunciados haacute muito tempo Os discursos de agora [os de Plotino]

satildeo exegeses daqueles confiando nos escritos do proacuteprio Platatildeo que testemunham a

antiguidade destas doutrinasrdquo81

importante para se compreender Parmecircnides (jaacute que grande parte das citaccedilotildees do poema provecircm deles) os estudos

especiacuteficos sobre a relaccedilatildeo entre eleatismo e neoplatonismo satildeo escassos Assinalo aqui alguns trabalhos Guerard

(1987) Stamatellos (2007) Abbate (2010) 80Abbate chega a falar da constituiccedilatildeo de um neo-parmenidismo simultaneamente a um anti-parmenidismo por parte

dos neoplatocircnicos em geral (Abbate 2010 p 258) 81Enneades V18 ldquoΚαὶ εἶναι τοὺς λόγους τούσδε μὴ καινοὺς μηδὲ νῦν ἀλλὰ πάλαι μὲν εἰρῆσθαι μὴ ἀναπεπταμένως

τοὺς δὲ νῦν λόγους ἐξηγητὰς ἐκείνων γεγονέναι μαρτυρίοις πιστωσαμένους τὰς δόξας ταύτας παλαιὰς εἶναι τοῖς

αὐτοῦ τοῦ Πλάτωνος γράμμασινrdquo A traduccedilatildeo eacute de Marcus Reis Pinheiros que comenta ldquoPlotino afirma que seus

64

Plotino pensa que seus ensinamentos satildeo apenas um desdobramento daqueles de Platatildeo os

quais por sua vez se refazem a ensinamentos ainda mais antigos (como os de Parmecircnides) dos

quais satildeo desdobramentos Assim eacute o proacuteprio Plotino que nos indica que o sentido em que usa

νοεῖν εἶναι e sua assimilaccedilatildeo natildeo eacute o sentido original de Parmecircnides mas eacute um seu desdobramento

(ἐξηγητὰς no sentido que ele expocircs) O caso de Proclo natildeo eacute muito diferente e embora ele seja

muito importante por ter trazido muitos trechos do poema parmenidiano a sua confiabilidade

exegeacutetica eacute duvidosa 82 especialmente para noccedilotildees como pensar e ser que satildeo centrais no

neoplatonismo

Por outro lado o desenvolvimento dos estudos parmenidianos desde Hegel preferiu o

aprofundamento da noccedilatildeo de ser num vieacutes antes de tudo ontoloacutegico mas depois tambeacutem teoloacutegico

Neste tipo de terreno filosoacutefico os termos ser e pensar e sua assimilaccedilatildeo segundo a expressatildeo

parmenidiana aguccedilaram os esforccedilos interpretativos de muitos estudiosos tanto na parte mais

propriamente da histoacuteria da filosofia quanto tambeacutem na parte mais propriamente filosoacutefica

(Heidegger por exemplo) A discussatildeo ontoloacutegica e teoloacutegica a respeito deste fragmento 3 eacute

infindaacutevel e por isto vou apresentar apenas um exemplo de um estudioso importante Pierre

Aubenque Em seu artigo de 1987 Syntaxe et seacutemantique de lecirctre dedicado inteiramente ao estudo

do ser no poema de Parmecircnides apoacutes a introduccedilatildeo agrave problemaacutetica e apoacutes uma primeira anaacutelise do

fragmento 2 se volta agraves palavras de Parmecircnides do fragmento 3 A prosoacutedia e o sentido diz ele

proacuteprios discursos satildeo exegetas de discursos muito antigos e que os textos de Platatildeo satildeo testemunhas desta

antiguidade [hellip] fazer exegese dos textos antigos natildeo eacute interpretar objetivamente os textos mas caminhar rumo

aos niacuteveis superiores junto com os antigosrdquo (Pinheiros 2007 p 79-80) 82Guerard conclui ldquoAinsi la lecture neacuteoplatonicienne du dialogue platonicien revient agrave faire de Parmeacutenide un porte-

parole privileacutegieacute de Platonrdquo (Guerard 1987 p 300)

65

convidam a emendar esse fragmento no fragmento 2 pois depois da afirmaccedilatildeo do ser na primeira

via e da impossibilidade de conhecer o natildeo ser na segunda a citaccedilatildeo do fragmento 3 explicaria a

imbricaccedilatildeo do ser com o conhecer (p 114-115) Resta ainda explicar melhor o que significariam

estas palavras ldquode fato eacute o mesmo conhecer e serrdquo (Cest em effet la mecircme chose de connaitre et

decirctre) Apoacutes um percurso que comeccedila com o cogito cartesiano e passando por Homero e pelas

vaacuterias possibilidades de interpretaccedilatildeo sintaacutetica da frase chega numa duacutevida sem possibilidade de

soluccedilatildeo certa Aubenque resolve recorrer aos antigos isto eacute Plotino e Proclo Eacute entatildeo introduzida

a noccedilatildeo de inteligiacutevel extraiacuteda de Aristoacuteteles e se discute sobre a correlaccedilatildeo das identidades entre

inteligiacutevel intelecto e ser A discussatildeo se alarga ao fragmento 16 e aos poucos aos demais 6 8

7 etc tentando configurar uma noccedilatildeo de ser (do ponto de vista ontoloacutegico) que de fato nem o

fragmento 2 isoladamente e nem o 3 conseguem oferecer Este tipo de estudo eacute bastante comum

entre os interpretes e configura talvez o maior desafio dos estudos parmenidianos No entanto ndash e

a historiografia parmenidiana mostra isto ndash aos poucos esse tipo de estudo tende a ser afastar tanto

do contexto histoacuterico83 quanto do contexto literaacuterio do proacuteprio poema pois o tema daacute asas agrave vis

speculativa que todo estudioso de filosofia naturalmente possui a prova mais cabal disto eacute que satildeo

83Num artigo de 2007 Kahn trata de ldquoQuestotildees controversas de sintaxerdquo (Kahn 2007) e o primeiro assunto eacute o verso

do fragmento DK B 3 Por um lado ele pretende se restringir agrave sintaxe mas depois por outro lado natildeo achando

explicaccedilatildeo satisfatoacuteria recorre a DK B 8-34-36 dizendo que neste estaacute explicitado o sentido daquele e por fim

atribui a natildeo compreensatildeo a uma leitura distorcida pelo olhar da modernidade recorre entatildeo ateacute mesmo a

Aristoacuteteles para justificar a identidade entre ser e pensar Que Aristoacuteteles tenha afirmado a identidade entre nous e

noeton e que Parmecircnides o tenha feito entre einai e noein estaacute muito bem resta ainda a tarefa de dar um sentido

filosoacutefico a estas afirmaccedilotildees Numa linha inicialmente similar Casertano tambeacutem acha claro o sentido de DK B 3

mas acrescenta justamente ldquoTudo isto eacute bastante claro O problema nasce quando o ser e o pensar se ligam

precisamente agrave verdaderdquo (Casertano 2007 p 50) Isto eacute quando se quer dar a esta identidade um sentido filosoacutefico

propriamente parmenidiano onde a ligaccedilatildeo entre conhecimento verdadeiro e eon eacute um dos objetivos primeiros da

doutrina do eleata

66

exatamente os maiores filoacutesofos que acabam fazendo as interpretaccedilotildees historicamente mais

arbitraacuterias do poema e aqui penso em Nietzsche Heidegger e ateacute mesmo em Popper

No nosso estudo na busca de um vocabulaacuterio psicoloacutegico a presenccedila do verbo νοεῖν natildeo

parece ser suficiente no caso do fragmento 3 para determinar um sentido minimamente plausiacutevel

para um comportamento mental que de alguma forma assimilaria pensar e ser A amplitude da

noccedilatildeo de ser aqui um εἶναι sem nenhuma outra qualificaccedilatildeo pela proacutepria assimilaccedilatildeo aumenta

proporcionalmente a amplitude da noccedilatildeo de pensar tambeacutem um νοεῖν sem nenhuma qualificaccedilatildeo

de forma que nos encontramos diante de duas noccedilotildees maximamente amplas e sem nenhuma

possibilidade de reconduzi-las a qualquer comportamento mental concreto pela total falta de

referecircncias precisas no proacuteprio texto do poema ou referecircncias confiaacuteveis na doxografia

comeccedilando pelo proacuteprio Platatildeo e terminando pelos doxoacutegrafos autores da citaccedilatildeo Diante destas

circunstacircncias natildeo me parece aconselhaacutevel aprofundar as tentativas de atribuir qualquer sentido

psicoloacutegico a este fragmento para os nossos fins ele parece natildeo oferecer nenhuma contribuiccedilatildeo e

seraacute aqui desconsiderado

324 O fragmento 4

Ver p 204

325 O fragmento 6

O fragmento 6 reportado por Simpliacutecio84 mostra muitas passagens importantes da filosofia

84Simpliacutecio Physica 8627-28 11745-6 8-13 783-4

67

parmenidiana Ele eacute fundamental para noacutes porque mostra tambeacutem muitas passagens das visotildees

psicoloacutegicas de Parmecircnides estes satildeo os versos

χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι ἔστι γὰρ εἶναι

μηδὲν δ οὐκ ἔστιν τά σ ἐγὼ φράζεσθαι ἄνωγα

πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltεἴργωgt

αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς ἣν δὴ βροτοὶ εἰδότες οὐδὲν

πλάττονται δίκρανοι ἀμηχανίη γὰρ ἐν αὐτῶν

στήθεσιν ἰθύνει πλακτὸν νόον οἱ δὲ φοροῦνται

κωφοὶ ὁμῶς τυφλοί τε τεθηπότες ἄκριτα φῦλα

οἷς τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται

κοὐ ταὐτόν πάντων δὲ παλίντροπός ἐστι κέλευθος

Como todos os outros versos do poema estes tambeacutem receberam muitas e controversas

interpretaccedilotildees O ponto mais polecircmico eacute a passagem que pode sugerir a existecircncia de um terceiro

caminho aleacutem dos dois anunciados no fragmento DK B 2 Eu penso que o engano de um terceiro

caminho foi definitivamente rejeitado pelos estudos especiacuteficos de Cordero85 principalmente com

referecircncia agrave conjectura improacutepria no verso 3 proposta por Diels e que recebeu todo o peso da

autoridade do nome do grande filoacutelogo alematildeo Mas mesmo deixando de lado a questatildeo do terceiro

caminho o fragmento eacute motivo de muitas discussotildees Enquanto as discussotildees filosoacuteficas estatildeo aqui

fora de nossa esfera de interesses o ponto de vista psicoloacutegico nesse fragmento eacute muito

interessante Para o verbo νοεῖν e seus cognatos usaremos a nossa traduccedilatildeo teacutecnica de operar

cognitivamente obtida das qualificaccedilotildees que Parmecircnides oferece no fragmento DK B 2

3251 Os versos 61-4

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute pois eacute ser

e nada natildeo eacute isto eu te mando considerar

85Cordero 1984 2005 p 145-164 2007

68

Pois primeiro desta via de inqueacuterito eu ltte afastogt86

Mas depois daquela outra em que mortais que nada sabem87

No primeiro verso encontramos de novo o enunciado de um processo necessaacuterio como no

fragmento 2 eacute necessaacuterio dizer e operar cognitivamente (νοεῖν) que sendo se eacute88 Eacute notaacutevel a

repeticcedilatildeo parmenidiana de afirmaccedilotildees do fragmento DK B 2 em novas bases e com palavras quase

sinocircnimas No fragmento DK B 2 no verso 3 ele tinha dito que o caminho do eacute (seja o que for o

eacute) eacute impossiacutevel que natildeo seja mas em relaccedilatildeo a este caminho natildeo fizera referecircncia ao pensar e ao

dizer Jaacute no verso 5 e nos seguintes do mesmo fragmento falando do caminho do natildeo eacute (seja o

que for natildeo eacute) faz referecircncia ao conhecer (da esfera semacircntica do pensar) e ao dizer Agora aqui

no fragmento 6 formalmente daacute o mesmo argumento do caminho do natildeo eacute mas invertido e

atribuiacutedo ao eacute Enquanto ali era impossiacutevel conhecer (γνοίης) e dizer (φράσαις) o que natildeo eacute aqui

eacute necessaacuterio operar cognitivamente (νοεῖν) e dizer (λέγειν) que eacute Aqui tambeacutem podemos notar

que falando do que natildeo eacute (τό μὴ ἐὸν) Parmecircnides estaacute falando natildeo de certa foacutermula linguiacutestica

(predicativa ou outra) ou da verdade da foacutermula linguiacutestica (veritativa) ele estaacute falando da noccedilatildeo

evidenciada pelo processo de negaccedilatildeo (veja capiacutetulo 4 p 97) aquele processo que quer reduzir

todas as coisas a nenhuma coisa nada em portuguecircs e μηδὲν (nem um) em grego Parmecircnides

estaacute falando do nada absoluto e a maneira dele falar parece revelar uma reflexatildeo profunda com uma

notaacutevel consciecircncia da enorme problemaacutetica sujeitoobjeto89 no ato do conhecimento

86Reporto aqui a nota de Cordero (2005 p 213 n 6) ldquoConjectura Todos os manuscritos de Simpliacutecio uacutenica fonte

desta passagem apresentam uma lacunardquo 87Trad Cavalcante de Souza (1978) 88Cito aqui a traduccedilatildeo de Cordero que dedicou a esta tese de Parmecircnides um excelente livro cujo tiacutetulo Siendo se eacutes

(2005) ndash agora tambeacutem em portuguecircs Sendo se eacute pela editora Odysseus ndash eacute tomado exatamente das palavras que

estamos estudando aqui 89Estas afirmaccedilotildees seratildeo justificadas no capiacutetulo 4 p 97 em diante

69

Ainda no primeiro verso e avanccedilando para o segundo ele retoma as razotildees de suas teses

anteriores Assim ele diz pois eacute ser e nada natildeo eacute Como jaacute repetimos muitas vezes estas palavras

tambeacutem mereceriam muitas explicaccedilotildees e distinccedilotildees se estiveacutessemos procurando o seu sentido

filosoacutefico Natildeo eacute aqui o caso e para os nossos fins notamos apenas que a palavra nada (μηδὲν)

aqui significa exatamente nem uma coisa e natildeo eacute significa que eacute impossiacutevel que seja como ele

dissera no fragmento 2 Eacute muito importante ter agrave mente que por detraacutes destas palavras estaacute um

processo de reflexatildeo como dissemos acima e como explanaremos amplamente mais agrave frente

Nos versos seguintes Parmecircnides continua explicando seu meacutetodo e dando mais detalhes a

respeito Os versos 3 e 4 satildeo objeto de controveacutersias aacutesperas principalmente por uma lacuna nos

manuscritos A deusa pede ao kouros para fazer algo com o primeiro caminho (natildeo sabemos o que

por causa da lacuna pela conjectura de Diels ndash a mais aceita justamente aquela refutada por

Cordero ndash ela pediria para o kouros se afastar) e tambeacutem de fazer algo com o caminho que os

mortais seguem Esta passagem era e ainda eacute objeto de uma discussatildeo muito grande nos campos

paleograacutefico filoloacutegico e filosoacutefico o assunto em disputa eacute se haacute ou natildeo um terceiro caminho

indicado nessas palavras Na verdade noacutes natildeo precisamos enfrentar esta discussatildeo e podemos pulaacute-

la Para nossos fins noacutes seguiremos o que Parmecircnides indica como caminho (ou caminhos) e seus

caracteres e qualidades sem nos preocuparmos se eacute o primeiro caminho ou o segundo ou

eventualmente o terceiro ou mais

3252 Os versos 64-9

Mas depois daquela outra em que mortais que nada sabem

Erram duplas cabeccedilas pois o imediato em seus

Peitos dirige errante pensamento e satildeo levados

Como surdos e cegos perplexas indecisas massas

Para os quais ser e natildeo ser eacute reputado o mesmo

70

E natildeo o mesmo e de tudo eacute reversiacutevel o caminho90

Aqui comeccedila a parte mais interessante para o ponto de vista psicoloacutegico De fato desde o

verso 4 ateacute o final do fragmento haacute uma descriccedilatildeo do comportamento mental dos mortais

Parmecircnides diz que os mortais (βροτοὶ) natildeo sabem nada (εἰδότες οὐδὲν) andam por caminhos

forjados (πλάττονται) e tecircm duas cabeccedilas (δίκρανοι)91 porque a falta de recursos (ἀμηχανίη) em

sua mente (literalmente no peito στήθεσιν) guia um pensamento vagante Ao mesmo tempo eles

satildeo levados como surdo e cegos e confusos pessoas sem capacidade de julgamento para as quais

ser e natildeo ser satildeo considerados o mesmo e natildeo o mesmo O caminho deles eacute um caminho que tem

dois sentidos

1) βροτοὶ Temos nestes versos uma reprimenda contra os mortais os quais apresentam

alguns comportamentos que passamos a estudar Mas nossa primeira questatildeo eacute quem satildeo os

mortais Haacute muitas opiniotildees diferentes entre os estudiosos92 mas parece claro que embora o

90Trad Cavalcante de Souza (1978) 91Capizzi (1975 37) traduz ldquodoppiezzardquo duplicidade aqui no sentido de falsidade dissimulaccedilatildeo 92Uma resenha completa para os autores mais antigos se encontra em Zeller (1967 p 173-183 n 3 de Giovanni Reale)

A ampla discussatildeo verteu principalmente a respeito da identificaccedilatildeo dos βροτοὶ com os heraclitianos com posiccedilotildees

favoraacuteveis desde as mais radicais (por exemplo Patin 1899 o qual considerava o inteiro poema como uma

polecircmica anti-heraclitiana) ateacute as mais cautelosas (Guthrie) e com posiccedilotildees contraacuterias como aquela do proacuteprio

Zeller A discussatildeo vertia em volta do vocabulaacuterio aparentemente heraclitiano (com destaque para Calogero 1967

p 49 que na expressatildeo δίκρανοι via esculpida a imagem do involuntaacuterio fundador da dialeacutetica antiga Heraacuteclito)

mas tambeacutem sobre questotildees de cronologia A polecircmica foi amplamente superada a partir de Mansfeld (1960) o

qual evidencia como o vocabulaacuterio usado por Parmecircnides jaacute pertencia agrave tradiccedilatildeo da poesia liacuterica

Recentemente inesperadamente surgiu uma defesa da interpretaccedilatildeo do termo βροτοὶ como referido aos

heraclitianos principalmente mas tambeacutem aos pitagoacutericos e a Hesiacuteodo Trata-se da posiccedilatildeo de Jean Fregravere

defendida em seu livro sobre Parmecircnides (Fregravere 2012) num capiacutetulo cujo texto fora anteriormente apresentado em

Buenos Aires (Fregravere 2011) A tese mestra de Fregravere eacute que o homem comum natildeo se importa com caminhos de

pesquisa e que entatildeo a criacutetica de Parmecircnides tinha endereccedilo certo segundo ele heraclitianos pitagoacutericos e Hesiacuteodo

Afora as questotildees que tradicionalmente giram em volta desta disputa ndash a cronologia o vocabulaacuterio as intenccedilotildees

filosoacuteficas gerais de um e de outro autor ndash e deixando de lado o fato que Fregravere natildeo cuida de justificar seus

argumentos e nem de enfrentar as objeccedilotildees que satildeo muitas jaacute que este debate durou mais de 50 anos ainda resta

a questatildeo principal que eacute a seguinte como um pensador eacute capaz de influenciar uma cultura inteira e uma cultura

inteira se dispotildee a aceitar um pensador O exemplo de nossa cultura ocidental satildeo Jesus Cristo e o cristianismo Se

71

poema seja endereccedilado a homens saacutebios e cultos de seu tempo neste caso Parmecircnides quer

significar pessoas que usam uma certa maneira de pensar sem distinccedilatildeo entre pessoas comuns e

saacutebios Com efeito a primeira descriccedilatildeo dos mortais eacute mortais que nada sabem (εἰδότες οὐδὲν)

essa descriccedilatildeo assim como as demais qualificaccedilotildees dos mortais satildeo tradicionais na literatura

anterior a Parmecircnides93 a noccedilatildeo central gira em volta da contraposiccedilatildeo entre a divindade poderosa

algueacutem se potildee a criticar a maneira de pensar dos cristatildeos natildeo faz muito sentido alegar que o cristatildeo comum natildeo se

interessa por teologia e portanto se trata de criticar o autor e natildeo quem acolhe aquelas ideias Ao se criticar o

cristianismo se critica indiretamente o autor em suas teorias e diretamente e propriamente o fenocircmeno cultural o

qual nem sequer eacute de responsabilidade do autor Eacute verdade que Parmecircnides faz um discurso culto em oposiccedilatildeo a

outro discurso que soacute pode ser culto Mas o discurso culto contra o qual Parmecircnides se opotildee natildeo eacute uma simples

teoria como pode ser qualquer teoria em discussatildeo teoacuterica num espaccedilo acadecircmico reservado o discurso contra o

qual ele se potildee eacute uma teoria (uma interpretaccedilatildeo de mundo uma cosmovisatildeo) que penetrou profundamente na cultura

de massa Entatildeo a maneira de pensar de Hesiacuteodo natildeo eacute algo circunscrito a Hesiacuteodo mas eacute algo que formava a

proacutepria estrutura cultural da Greacutecia Especificamente Parmecircnides critica uma maneira de pensar a qual eacute uma

estrutura sociocultural de formaccedilatildeo extremamente complexa por isso natildeo se consegue atribuir isto a um soacute

pensador ou a uma escola isolada uma reaccedilatildeo cultural complexa e de massa a um conjunto de afirmaccedilotildees teoacutericas

Parmecircnides critica o pensamento que natildeo se preocupa com uma coerecircncia interna (podemos chamar de pensamento

miacutetico realismo ingecircnuo ou simplesmente crendice ou supersticcedilatildeo como se queira) e propotildee um instrumento para

alcanccedilar esta coerecircncia Isto vai muito aleacutem de um uacutenico pensador ou de um grupo pequeno de pensadores como

podem ter sido os jocircnicos ou os pitagoacutericos porque inclusive o pensador antes de ser criador de cultura eacute fruto de

uma cultura e expressa aquela cultura tambeacutem em suas inovaccedilotildees tanto por aderir a ela quanto por se opor a ela

Em suma a criacutetica de Parmecircnides se dirige a uma estrutura cultural e natildeo a uma teoria logo natildeo se dirige aos

grandes pensadores que o antecederam embora estes possam estar entre aqueles que criaram ou consolidaram a

cultura criticada pelo eleata Por exemplo Hesiacuteodo eacute um inovador e um consolidador da cultura anterior a ele e natildeo

se consegue separaacute-lo de sua proacutepria cultura ao se criticar aquela maneira de pensar proacutepria daquela cultura estaacute

se criticando Hesiacuteodo tambeacutem mas natildeo principalmente e nem majoritariamente Por todas estas razotildees aleacutem

daquelas mais teacutecnicas jaacute oferecidas pelos estudiosos natildeo faz muito sentido restringir o fragmento 6 e os demais

onde se encontra o termo βροτοὶ a esta ou agravequela escola a este ou agravequele pensador os βροτοὶ de Parmecircnides satildeo

todos aqueles que pensam sem ter um certo recurso em sua mente (ἀμηχανίη ἐν αὐτῶν στήθεσιν) 93Num estudo de Devoto (1964 p 62) se faz uma comparaccedilatildeo entre denominaccedilotildees antigas para homem no latim da

Europa ocidental e central a palavra usada era homo e similares com referecircncia agrave terra (Erneut-Meillet 1951 p

530 neacute de la terre) em contraposiccedilatildeo agrave divindade a qual pertence ao ceacuteu divinizado jaacute os termos germacircnicos men

e mensch fazem referecircncia ao homem que pensa distinto dos animais (Oxford English Dictionary 2009 verbete

man ldquo[it] have been usually referred to the Indogermanic men- mon- to think (see mind n) so that the

primary meaning of the name would refer to intelligence as the distinctive characteristic of human beings as

contrasted with brutesrdquo) pertencendo ao mundo dos caccediladores Em grego se encontram ambas as caracterizaccedilotildees

indicando a Greacutecia como lugar de encontro de vaacuterias concepccedilotildees da divindade assim βροτοὶ se contrapotildee aos

imortais enquanto ἄνθρωπος embora a etimologia seja obscura deve fazer referecircncia agrave cultura da caccedila

Em Homero a noccedilatildeo eacute expressa claramente por exemplo em Il 5440 ldquoφράζεο Τυδεΐδη καὶ χάζεο μηδὲ θεοῖσιν

ἶσ ἔθελε φρονέειν ἐπεὶ οὔ ποτε φῦλον ὁμοῖον ἀθανάτων τε θεῶν χαμαὶ ἐρχομένων τ ἀνθρώπωνrdquo [hellip] pois nunca

seraacute a mesma estirpe a dos deuses imortais e a dos homens que caminham sobre terra Note-se que Parmecircnides

usa ambas as denominaccedilotildees ἄνθρωπος em DK B 127 162 163 193 e βροτοὶ em 130 64 839 851 861

72

e onisciente e o homem limitado e ignorante aleacutem da noccedilatildeo expressa na poesia liacuterica94 haacute tambeacutem

a retomada desta contraposiccedilatildeo jaacute em acircmbito jocircnico e cientiacutefico o que nos conduz a uma noccedilatildeo

mais proacutexima do texto parmenidiano Em Xenoacutefanes 95 um dos mestres de Parmecircnides

encontramos por exemplo o fragmento DK B 23 ldquoUm uacutenico deus entre deuses e homens o maior

em nada no corpo semelhante aos mortais nem no pensamentordquo96 DK B 34 ldquoE o que eacute claro

portanto nenhum homem viu nem haveraacute algueacutem que conheccedila sobre os deuses e acerca de tudo

que digo pois ainda que no maacuteximo acontecesse dizer o que eacute perfeito ele proacuteprio natildeo saberia a

respeito de tudo existe uma opiniatildeordquo e em Alcmeon DK B 1 ldquoOs deuses tem conhecimento claro

das coisas invisiacuteveis e das coisas mortais aos homens ltcabegt conjecturarrdquo97 Enquanto no

pensamento anterior as estirpes de deuses e homens satildeo inconciliaacuteveis e incomparaacuteveis no

pensamento do VI para o V seacuteculo se processa uma comparaccedilatildeo o conhecimento divino eacute perfeito

aquele humano imperfeito Enquanto a religiatildeo oliacutempica estaacute fundada sobre a separaccedilatildeo entre o

humano e o divino e enquanto a religiatildeo misteacuterica tende a associar os dois o novo naturalismo

jocircnico e depois itaacutelico tende a superar esta separaccedilatildeo natildeo porque os homens se tornam deuses

mas porque como veremos nas proacuteximas linhas os homens podem preencher ao menos em parte

94Um bom resumo das noccedilotildees estaacute nestas palavras de Reale (1967 182) reportando Mansfeld ldquo [estes versos] satildeo

atinentes a uma concepccedilatildeo geral grega da natureza do conhecimento humano o qual 1) eacute um nada quando

comparada com aquele divino e 2) da forma como eacute eacute insuficiente para a proacutepria vidardquo Por outro lado embora a

anaacutelise literaria esteja correta a interpretaccedilatildeo de Mansfeld dessas passagens em minha opiniatildeo eacute incorreta 95Para a ligaccedilatildeo entre Xenoacutefanes e Parmecircnides veja-se Finkelberg 1990 96Trad Prado (1978 p 65-66) Xenoacutephanes DK 21 B 23 ldquoεἷς θεὸς ἔν τε θεοῖσι καὶ ἀνθρώποισι μέγιστος οὔ τι δέμας

θνητοῖσιν ὁμοίιος οὐδὲ νόημαrdquo B 34 καὶ τὸ μὲν οὖν σαφὲς οὔ τις ἀνὴρ ἴδεν οὐδέ τις ἔσται ἰδὼς ἀμφὶ θεῶν τε

καὶ ἅσσα λέγω περὶ πάντων εἰ γὰρ καὶ τὰ μάλιστα τύχοι τετελεσμένον εἰπών αὐτὸς ὅμως οὐκ οἶδε δόκος δ ἐπὶ

πᾶσι τέτυκταιrdquo 97Alcmeon DK 24 B 1 ldquoπερὶ τῶν ἀφανέων περὶ τῶν θνητῶν σαφήνειαν μὲν θεοὶ ἔχοντι ὡς δὲ ἀνθρώποις

τεκμαίρεσθαιrdquo

73

a ἀμηχανίη da condiccedilatildeo humana atraveacutes do conhecimento o qual embora ainda conjectural em

Xenoacutefanes e Alcmeon se torna um conhecimento de certeza verdadeira (πίστις ἀληθής) em

Parmecircnides Para a realizaccedilatildeo deste programa de conhecimento verdadeiro Parmecircnides expotildee o

ponto de partida a limitada condiccedilatildeo humana com a linguagem tradicional de sua cultura assim

a condiccedilatildeo humana tradicional recebe o nome tradicional de βροτοὶ os mortais98

2) πλάττονται Os mortais satildeo descritos por Parmecircnides natildeo em sua condiccedilatildeo fatal de

inferioridade em relaccedilatildeo aos deuses nem em sua miseacuteria existencial nem em qualquer outro sentido

moralista A descriccedilatildeo de Parmecircnides natildeo estaacute associada a qualquer contexto humano especiacutefico a

qualquer situaccedilatildeo precisa ou a qualquer outro evento ela eacute limitada aos comportamentos mentais

dos βροτοὶ e eacute feita de forma neutra e universal Haacute um problema inicial a partir do qual se datildeo os

comportamentos como consequecircncia desta causa uacutenica Os βροτοὶ cuja condiccedilatildeo humana eacute aquela

de nada saber (εἰδότες οὐδὲν) seguem por caminhos por eles forjados (πλάττονται)99 inventados

98Haacute um caso de sinoniacutemia entre 838-39 ὄνομ(α) βροτοὶ κατέθεντο e 193 ὄνομ ἄνθρωποι κατέθεντο como

justamente faz notar Cordero (1984 p 149 n 157) Mas que Parmecircnides os use como sinocircnimos uma vez natildeo

quer dizer que sejam sinocircnimos nos outros casos De fato Parmecircnides usa βροτοὶ quatro vezes (130 64 839

861) e uma vez o adjetivo βροτείας somente associados ao desvio do pensamento em relaccedilatildeo agrave verdade (130

ldquoβροτῶν δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθήςrdquo 64 ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲνrdquo 839 ldquoπάντ ὄνομ(α) ἔσται ὅσσα βροτοὶ

κατέθεντο πεποιθότες εἶναι ἀληθῆrdquo 851 ldquoδόξας δ ἀπὸ τοῦδε βροτείας μάνθανε κόσμον ἐμῶν ἐπέων ἀπατηλὸν

ἀκούωνrdquo 861 ldquoὡς οὐ μή ποτέ τίς σε βροτῶν γνώμη παρελάσσηιrdquo Jaacute ἄνθρωποι eacute usado em sentido muito mais

geral em 127 ldquoτήνδ ὁδόν (ἦ γὰρ ἀπ ἀνθρώπων ἐκτὸς πάτου ἐστίν)rdquo onde caminho dos homens apesar das muitas

imaginativas explicaccedilotildees de vaacuterios estudiosos significa provavelmente tatildeo somente caminho dos humanos

(diferenciado de caminhos de animais ou de coisas ndash vento aacutegua e outros) isto eacute estrada em 162 e 16 3 ldquoτὼς

νόος ἀνθρώποισι παρίσταταιrdquo e ldquoτὸ γὰρ αὐτό ἔστιν ὅπερ φρονέει μελέων φύσις ἀνθρώποισινrdquo os quais por serem

descriccedilotildees anatocircmico-fisioloacutegicas se referem necessariamente ao homem em geral (seja ele saacutebio ou natildeo) em 193

onde como vimos acima tem sentido sinocircnimo com βροτοὶ O que se pode concluir limitando-nos somente ao uso

feito por Parmecircnides nos fragmentos que sobreviveram eacute que o termo ἄνθρωποι inclui o sentido de βροτοὶ mas

natildeo vice-versa 99A interpretaccedilatildeo de πλάττονται como caminhos forjados pelos homens eacute mais coerente Desde Diels que retoma a

ediccedilatildeo aldina de 1526 muitos autores aceitam um πλάττονται que viria de πλάζω (LSJ desviar-se confundir vagar

o LSJ inclui o πλάττονται parmenidiano no verbete πλάζω) ao inveacutes de πλάσσω (LSJ moldar formar uma imagem

na mente forjar) Enquanto πλάζω significaria um errar dos humanos πλάσσω significaria um fantasiar isto eacute um

inventar explicaccedilotildees A discussatildeo filoloacutegica completa se encontra em Cordero (1984 p 147-8 e 2005 p 146-7)

74

improacuteprios A maioria dos estudiosos interpreta πλάττονται como erram mas desta forma se perde

por inteiro o conteuacutedo psicoloacutegico da expressatildeo parmenidiana os mortais forjam inventam

fantasiam explicaccedilotildees Este eacute o comportamento natural de quem quer explicar o mundo numa

formulaccedilatildeo subjetiva laacute onde a autocriacutetica ainda natildeo estaacute desenvolvida em outras palavras eacute o

procedimento normal da formulaccedilatildeo de explicaccedilotildees mais ou menos coerentes que afinal

redundaratildeo na formaccedilatildeo dos mitos Eacute muito feliz Cordero (1984 p 148) a lembrar-nos o uso de

πλάσσω em Platatildeo no Timeu quando Critias diz ldquoNatildeo mito inventado mas discurso verdadeirordquo

(μὴ πλασθέντα μῦθον ἀλλ ἀληθινὸν λόγον) Como jaacute vimos a consciecircncia de que a explicaccedilatildeo

miacutetica eacute mera fantasia jaacute estaacute desenvolvida nos mestres de Parmecircnides100 e o tema recorrente no

poema natildeo eacute tanto a afirmaccedilatildeo do ser (como prefere a historigrafia de tipo idealiacutestico que tem

origem em Hegel) mas a diferenciaccedilatildeo entre uma persuasatildeo verdadeira e uma persuasatildeo natildeo

verdadeira como estaacute especificado no programa em 129-30 Ora a persuasatildeo falsa tem sua origem

nos mortais ou seja a invenccedilatildeo dos falsos mitos eacute obra dos mortais posto que os deuses com as

devidas exceccedilotildees soacute falam a verdade Entatildeo a atribuiccedilatildeo da invenccedilatildeo dos falsos mitos aos homens

por parte de Parmecircnides eacute perfeitamente coerente com a sua proposta Ademais a criacutetica ao

pensamento miacutetico embora natildeo prosaicamente literal como em Xenoacutefanes natildeo estaacute nem tatildeo

Aceitam πλάζω Diels Barnes Burnet Coxon Ruggiu Taraacuten Untersteiner Verdenius Zafiropulo Entre os poucos

favoraacuteveis agrave interpretaccedilatildeo de πλάττονται como forjam estatildeo Cordero Cerri OBrien Santoro e Ferrari Este uacuteltimo

(Ferrari 2010 p 47) contesta uma anaacutelise de Passa (2009 p 104-111) feita com extrema acribia defendendo a

opccedilatildeo de Diels no entanto Passa valente filoacutelogo de Parmecircnides para defender Diels traz um enorme aparato

filoloacutegico mas para descartar a interpretaccedilatildeo de πλάττονται como πλάσσω curiosamente utiliza argumentos

somente interpretativos (segundo sua proacutepria interpretaccedilatildeo do poema) e nenhum argumento filoloacutegico 100Tanto os jocircnicos que descartaram as explicaccedilotildees miacuteticas e aceitaram apenas explicaccedilotildees naturalistas quanto os

itaacutelicos isto eacute os pitagoacutericos os quais mesmo mantendo um aparato religioso se dedicaram agraves pesquisas

naturalistas neste quadro o destaque eacute para a criacutetica severa de Xenoacutefanes agraves religiotildees)

75

escondida nos versos do sugestivo poema parmenidiano Mas voltaremos sobre isto mais adiante

Aqui vale salientar que Parmecircnides observa um comportamento mental os mortais por natildeo saber

nada fantasiam e inventam para dar sentido a algum fenocircmeno do mundo fica clariacutessima a noccedilatildeo

parmenidiana do comportamento psicoloacutegico do homem comum pois Parmecircnides percebe

claramente que os homens fantasiam inventam explicam criativamente assim como um psicoacutelogo

atual percebe o comportamento mental fantasioso a partir de explicaccedilotildees forjadas mais ou menos

verossiacutemeis de algueacutem que precisa explicar algo mesmo sem ter noccedilatildeo de como nem competecircncia

para tanto

3) Ἀμηχανίη Esse termo eacute dos mais interessantes e ademais pode ser tomado como a noccedilatildeo

que sintetiza a anaacutelise psicoloacutegica que Parmecircnides faz do comportamento mental do homem

comum como ainda veremos Embora retomado com perfeiccedilatildeo literaacuteria da tradiccedilatildeo eacutepica e liacuterica

para definir os mortais101 o termo ἀμηχανίη em Parmecircnides apresenta uma ampliaccedilatildeo de sentido

O termo significa falta de recursos e assim eacute traduzido por muitos estudiosos102 outros preferem

traduzir com perplexidade103 O sentido geral eacute que os limites humanos necessariamente levam a

uma conduta errante do noos (ἰθύνει πλακτὸν νόον) No entanto enquanto em relaccedilatildeo a βροτοὶ

todos ou quase todos os estudiosos notam a oposiccedilatildeo que Parmecircnides faz com o εἰδότα φῶτα de

101Presente em muitas formas (como verbo substantivo simples e composto adjetivo e com alfa privativo) na eacutepica e

na liacuterica recebe de todos os estudiosos a interpretaccedilatildeo de uma incapacidade dos mortais uma impotecircncia humana

em contraposiccedilatildeo agrave potecircncia divina 102 Por exemplo Beaufret (1955 p 81) ldquolabsence de moyensrdquo Rietzler-Gadamer (1970 p 29) ldquoHilflosigkeitrdquo

Somville (1976 p 42) ldquolimpuissancerdquo (p 17) 103Por exemplo Coxon (2009 p 58) ldquoperplexityrdquo Casertano (1978 p 17) ldquoincertezzardquo Untersteiner (1979 p 135)

ldquoperplessitagraverdquo

76

DK B 13 (o homem saacutebio) em relaccedilatildeo a ἀμηχανίη a falta de recursos ningueacutem lembra que deve

ser uma antiacutetese de uma noccedilatildeo que natildeo estaacute nomeada diretamente mas que estaacute presente

virtualmente a posse de recursos Vamos entender esta presenccedila virtual pela descriccedilatildeo que

Parmecircnides faz de sua antiacutetese ἀμηχανίη Ele diz que essa falta de recursos no peito (ἐν στήθεσιν)

que aqui significa mais uma vez mente eacute causa de um pensar vagante Isto significa que

Parmecircnides natildeo se refere a uma falta de recursos geneacuterica agrave limitaccedilatildeo geneacuterica dos βροτοὶ em

relaccedilatildeo aos deuses mas agrave falta de recursos na mente pois ele especifica claramente a falta em seus

peitos (ἀμηχανίη ἐν αὐτῶν στήθεσιν) Natildeo se trata da incapacidade do homem mas da

incapacidade da mente humana Mais uma vez a deusa antes expotildee seu pensamento com uma

afirmaccedilatildeo e depois explica o porquecirc daquela afirmaccedilatildeo Ela afirma que os mortais inventam

caminhos e explica porque (γὰρ) a incapacidade de suas mentes guia (ἰθύνει) um pensamento

errante Entatildeo a ἀμηχανίη eacute a causa do comportamento mental dos humanos quando afirmam e se

desmentem (δίκρανοι) e quando exercem um intelecto errante (πλακτὸν νόον) Mais uma vez a

mente estaacute descrita em sua operaccedilatildeo e por causa da qualificaccedilatildeo (πλακτὸν) eacute faacutecil entender que se

trata da mente operante entretanto a noccedilatildeo permaneceraacute ambiacutegua se se utilizarem os termos mais

comuns de traduccedilatildeo a saber pensamento intelecto e similares como eacute faacutecil constatar em muitos

estudos104 Por isso a traduccedilatildeo aqui proposta para o νοῆσαι de 22 (e seus cognatos) operaccedilotildees

104 A seguir um exemplo de como a descriccedilatildeo parmenidiana arcaicamente concreta e limitada ao seu contexto

histoacuterico-epistemoloacutegico se torna uma discussatildeo gnosioloacutegica geral a respeito do objeto da mente lanccedilando

Parmecircnides numa dimensatildeo filosoacutefica que apareceraacute muito mais tarde talvez somente na Idade Meacutedia Ademais

como veremos no proacuteximo capiacutetulo Parmecircnides mostra que eacute impossiacutevel mesmo para os mortais que a mente

fique sem objeto razatildeo pela qual a interpretaccedilatildeo abaixo pertencente agrave visatildeo intelectualizada de Parmecircnides natildeo

consegue colher a profundidade de sua filosofia Diz Curd (1991 247) ldquoAt B65-6 the Goddess says that

helplessness (amechanie) guides their wandering noos (ithunei plakton noon) and the implication is that mortals

having failed to keep their thought from the forbidden route are guided by a mistaken deceived and altogether

77

cognitivas torna clara a expressatildeo parmenidiana principalmente nos proacuteximos versos motivos de

inuacutemeras discussotildees De fato os efeitos da ἀμηχανίη satildeo articulados mais ainda nos versos

seguintes

4) οἱ δὲ φοροῦνται κωφοὶ ὁμῶς τυφλοί Este grupo de palavras faz referecircncia a uma mesma

noccedilatildeo onde o termo mais importante e que ilumina o sentido eacute ὁμῶς lsquosemelhante arsquo105 O sujeito

gramatical οἱ se refere ainda a βροτοὶ e estes satildeo levados (φοροῦνται) de forma semelhante a

helpless noos Mortals fail in controlling noos not understanding its proper object they fail to steer it properly So

their noos wanders having no object on which to fix In such a state and on such a route (see B71-2) they can

never hope to reach persuasive truth which is itself connected with what isrdquo [sublinhado meu]

Um outro exemplo pode ser visto em Palmer (2009 p 114-118) que depois de uma meticulosa anaacutelise filoloacutegica

bastante interessante acaba concluindo ndash mais uma vez em chave gnosioloacutegica e fazendo do poema um todo

inarticulado argumentando simultaneamente com o fr 2 o 6 o 8 e os demais ndash que ldquoTheir error [dos mortais]

consists in supposing that a proper object of understanding may be subject to the variableness of being bound up

in their conception of it as being and not being the same and not the samerdquo e mais adiante ldquoHowever since their

being is merely contingent Parmenides thinks there can be no stable apprehension of them no thoughts about them

that remain steadfast and do not wander and thus no knowledge no true or reliable conviction According to

Parmenides genuine conviction cannot be found by focusing onersquos attention on things that are subject to change

It comes only from focusing on what is not subject to changerdquo Mais uma vez o percurso parmenidiano eacute

desvirtuado De fato a preocupaccedilatildeo de Parmecircnides eacute o caminho de investigaccedilatildeo que permita distinguir a convicccedilatildeo

verdadeira da falsa mas o que transparece dessas palavras (se eu bem as entendi) eacute que a convicccedilatildeo verdadeira estaacute

associada agraves coisas natildeo sujeitas agrave mudanccedila

Verdenius chega mais perto da proposta metodoloacutegica de Parmecircnides ldquoDo ponto de vista humano eles proacuteprios

satildeo responsaacuteveis por sua fraqueza pois satildeo agentes livres para formar suas opiniotildees Do ponto de vista coacutesmico

significa que suas κρᾶσις μελέων satildeo destituiacutedas de princiacutepio condutor Eles erram para sempre (πλάττονται) ao

longo de caminhos humanos (fr 127 πάτος ἀνθρώπων) e natildeo tecircm parte nenhuma na Verdade divina porque tecircm

um πλαγκτὸς νόος no sentido metodoloacutegico isto eacute in malam partemrdquo ldquoFrom the human point of view they

themselves are responsible for this weakness as they are free agents in forming their opinion From the cosmic

point of view it means that their κρᾶσις μελέων is devoid of a leading principle They are forever wandering

(πλάττονται) along human roads (fr 127 πάτος ἀνθρώπων) and have no part in the divine Truth because they

possess a πλαγκτὸς νόος in the methodical sense i e in malam partemrdquo (Verdenius 1964 p 14) 105A maioria dos estudiosos talvez pressupondo um sentido retoacuterico-metafoacuterico traduz seguindo Diels (1989 p233)

ldquozugleichrdquo por exemplo ldquoat oncerdquo (Palmer p 114) ldquoad un tempordquo (Reale 1991 p 95) ldquotatildeo surdos como cegosrdquo

(Santoro 2011 p 91) ldquoat the same timerdquo (Taraacuten 1965 p 54) Alguns traduzem de forma diferente por exemplo

ldquociegos y sordosrdquo (Cordero 2005 p 219 que simplesmente natildeo traduz ὁμῶς) ldquodeaf and blind alike in

bewildermentrdquo (Coxon p 58 que ligando ὁμῶς a τεθηπότες entende como se estivessem atordoados) Alguns

traduzem eu penso de forma mais correta semelhante a como alguns exemplos ldquodeaf alike and blindrdquo (Barnes

1982 p 124) ldquodeaf and blind alikerdquo (Long 1975 p 85) e ldquocomo surdos e cegosrdquo (Cavalcante de Souza 1978 p

142)

78

surdos e cegos (κωφοὶ ὁμῶς τυφλοί) Natildeo satildeo surdos e cegos mas eacute como se o fossem106 O verbo

φοροῦνται aqui um passivo de φορέω aponta mais uma vez para a ἀμηχανίη da mente como

condutora dos βροτοὶ e logo como causa deles serem levados Por que a mente sem recursos

conduz os homens como se fossem surdos e cegos A mente dos mortais opera com operaccedilotildees

cognitivas errantes (πλακτὸν νόον) porque lhes falta um instrumento (ἀμηχανίη) que possa ser

usado para realizar um artifiacutecio A falta deste instrumento faz agir os mortais como surdos e cegos

isto eacute como se fossem insensiacuteveis sem os sentidos como se houvesse uma falta de percepccedilatildeo Nas

palavras de Parmecircnides eacute muito clara a individuaccedilatildeo do papel da mente na percepccedilatildeo da realidade

Os mortais tecircm olhos e ouvidos mas sem um certo instrumento na mente eacute como se natildeo os

tivessem Assim a censura aqui eacute contra algum tipo de comportamento mental que eacute como uma

falta de sensibilidade o que significa que eacute como uma falta de dados que venham da realidade para

a construccedilatildeo do caminho correto na mente A ligaccedilatildeo entre a sensorialidade e a correccedilatildeo do

argumentar eacute testemunhada ainda em nossas liacutenguas atuais e palavras como evidecircncia clareza e

outras mostram como a descriccedilatildeo da sensaccedilatildeo de estar argumentando corretamente estaacute ligada agrave

descriccedilatildeo da nitidez da percepccedilatildeo sensorial mesmo natildeo sendo uma descriccedilatildeo sensorial mas tatildeo

106Eacute interessante notar que mesmo traduzindo ὁμῶς como semelhante a muitos criacuteticos carregam o sentido metafoacuterico

em direccedilatildeo do alvo errado Tecnicamente surdos e cegos define uma metaacutefora mas mais uma vez se trata da

tentativa de Parmecircnides de descrever sensaccedilotildees dinacircmicas e fatos mentais concretos para os quais ele natildeo dispunha

de vocabulaacuterio pronto Os criacuteticos parecem esquecer que Parmecircnides estaacute falando de caminhos do pensar e natildeo de

uma teoria geral do conhecimento humano Ao estender o campo para uma teoria geral eles abrem espaccedilo para a

discussatildeo do papel dos sentidos na funccedilatildeo cognitiva geral do homem Vejam-se essas palavras de Long (1975 p

87) ldquoNow the deafness and blindness might be a part of the rhetorical description which culminate in τεθηπότες

ἄκριτα φῦλα [hellip] and largely metaphorical Or it may if only indirectly be connected with the condemnation of

sense perception in B 73-5rdquo Ora natildeo haacute metaacutefora retoacuterica na fala da deusa mas uma descriccedilatildeo sofrida por falta

de vocabulaacuterio culturalmente assentado de comportamentos mentais e o ὁμῶς deveria servir de alerta Nem haacute

uma condenaccedilatildeo dos sentidos porque simplesmente Parmecircnides natildeo estaacute falando dos sentidos mas dos caminhos

do pensar das operaccedilotildees cognitivas estaacute falando da mente dizendo que nos caso dos βροτοὶ ela se comporta

como se fosse surda e cega

79

somente a descriccedilatildeo de estados mentais usando metaforicamente expressotildees referidas aos sentidos

5) τεθηπότες ἄκριτα φῦλα Mais duas noccedilotildees estritamente psicoloacutegicas τεθηπότες

atordoados uma condiccedilatildeo psicoloacutegica que pode ser interpretada de muitas maneiras mas todas

acabam fazendo referecircncia a uma natildeo nitidez mental107 E eacute o atordoamento resultado da condiccedilatildeo

similar agrave surdez e cegueira que faz dos βροτοὶ um tipo humano especiacutefico ἄκριτα φῦλα um povo

sem capacidade de operar a κρίσις isto eacute a distinccedilatildeo entre ser e natildeo ser pois para eles ser e natildeo ser

satildeo o mesmo e natildeo o mesmo (οἷς τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόν) As

operaccedilotildees cognitivas erram porque haacute uma falta na mente de um recurso um instrumento mental

que torne possiacutevel a distinccedilatildeo de ser e natildeo ser Sem esse recurso as operaccedilotildees cognitivas natildeo tem

direccedilatildeo certa De fato

6) πάντων δὲ παλίντροπός ἐστι κέλευθος O fragmento fecha com esta afirmaccedilatildeo muito

discutida108 sobre a reversibilidade do caminho Mais do que reversibilidade penso que seria

oportuno falar de contra-direccedilatildeo109 que mesmo sendo uma traduccedilatildeo muito literal rende bem a ideia

do conflito entre ser e natildeo ser que Parmecircnides quer ressaltar Mais uma vez temos a descriccedilatildeo de

107 Ruggiu (1975 p 143) ldquoO paralelo do conceito parmenidiano com Odisseia XXIII105 eacute instrutivo no trecho

homeacuterico a grande surpresa impede Peneacutelope de falar οὐδέ τι προσφάσθαι δύναμαι ἔπος οὐδ ἐρέεσθαι οὐδ εἰς

ὦπα ἰδέσθαι ἐναντίον Isto eacute trata-se de uma forma de atordoamento que impede ao mesmo tempo de ver e de

expressar com palavrasrdquo 108Muito discutida porque muitos estudiosos gostam de discutir os caminhos sua quantidade e caracteriacutesticas Se se

utilizassem as palavras modernas menos sugestivas e mais prosaicas processo ou procedimento talvez natildeo

ocorressem tantas discussotildees Eacute verdade que eacute o proacuteprio Parmecircnides que ao colocar sua exposiccedilatildeo dentro de uma

moldura miacutestico-religiosa propicia esses entendimentos simboliacutesticos (por exemplo caminho como siacutembolo do

rumo certo em direccedilatildeo a um estaacutegio superior de vida) mas eacute verdade tambeacutem que o leitor moderno natildeo deveria ser

o mesmo da audiecircncia de Parmecircnides nos seus tempos O κέλευθος aqui eacute um processo mental uma dinacircmica

portanto um fenocircmeno da natureza (humana) e natildeo um caminho a seguir ou a natildeo seguir segundo sugestotildees miacutestico-

esoteacutericas para alcanccedilar algum segredo de natureza superior 109Um exemplo jaacute em Homero (reportado por LSJ) mostra este sentido na Iliacuteada (956) depois da fala de Diomedes

Nestor diz ldquohellip Natildeo poderaacute dos Acasos presentes nenhum censurar-te por teu discurso nem mesmo objetar-te

(οὐδὲ πάλιν ἐρέει)rdquo (trad Nunes 2001)

80

um comportamento mental ndash aqui caracteristicamente cognitivo pois se trata do caminho de

inqueacuterito ndash definido confusional onde afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo satildeo o mesmo e natildeo o mesmo porque

haacute uma falta de discernimento

3253 Conclusatildeo do fragmento 6

O fragmento 6 a partir do verso 4 eacute uma descriccedilatildeo do comportamento mental dos mortais

os quais por natildeo possuiacuterem certo recurso uma certa capacidade de discernimento se comportam

mentalmente como surdos e cegos isto eacute se comportam de maneira intelectualmente confusa

(τεθηπότες) logo natildeo sabem discernir (satildeo ἄκριτα φῦλα) e afinal quando tecircm que explicar o

mundo desmentindo a si mesmos (δίκρανοι) acabam produzindo falsos caminhos (πλάττονται) de

inqueacuterito A maioria dos estudiosos enfatiza aqui a parte negativa o caminho a natildeo ser seguido a

confusatildeo dos mortais em oposiccedilatildeo ao ser coraccedilatildeo da verdade cujos sinais seratildeo mostrados no

fragmento 8 Eu penso que Parmecircnides estaacute descrevendo os limites dos mortais tendo em vista um

processo mais concreto e mais limitado Natildeo se trata de comparar os limitados mortais com a

potecircncia divina mas de acusar uma falha na estrutura psicoloacutegica que opera a argumentaccedilatildeo Agrave

falha Parmecircnides daacute o nome de ἀμηχανίη realizando assim um perfeito diagnoacutestico psicoloacutegico

pois as demais descriccedilotildees que redundam em falta de discernimento satildeo os resultados de uma falta

(seria improacuteprio falar em disfunccedilatildeo) psiacutequica falta aos mortais um instrumento que os conduza

pelo caminho da persuasatildeo verdadeira Claramente a deusa tem este instrumento e eacute tarefa dela

ensinaacute-lo ao disciacutepulo de forma que Parmecircnides pela voz de sua deusa em seu programa didaacutetico

se propotildee a ensinar essa autecircntica μηχανή um instrumento artificial que permita preencher a lacuna

dos mortais (entre os quais eacute necessaacuterio incluir o kouros embora ele tenha recebido um destino

diferente dos βροτοὶ um destino que natildeo eacute de infelicidade μοῖρα κακὴ) Ou seja existe e eacute

81

possiacutevel ensinaacute-lo um certo instrumento com o qual os mortais podem sair de seu estado de ἄκριτα

φῦλα e finalmente distinguir a persuasatildeo verdadeira da persuasatildeo natildeo verdadeira No fragmento 7

esta temaacutetica seraacute aprofundada

326 O fragmento 7

3261 Generalidades

O fragmento 7 comeccedila com as palavras de Platatildeo e continua com citaccedilotildees de Sexto Simpliacutecio

e Dioacutegenes Laercio mas natildeo entraremos em questotildees exegeacuteticas pois estamos interessados

principalmente no vocabulaacuterio psicoloacutegico e a disposiccedilatildeo dos fragmentos no poema nos interessa

menos110 Vejamos o texto aqui na ediccedilatildeo Diels-Kranz (DK B 7)

110Como se sabe a disposiccedilatildeo dos fragmentos colhidos nas citaccedilotildees dos doxoacutegrafos eacute um quebra-cabeccedila autocircnomo

para o estudioso A versatildeo que estamos utilizando aqui eacute a de Diels-Kranz porque eacute a mais utilizada embora muitos

editores proponham outras sequecircncias No caso do fragmento 7 ele eacute um collage realizado por Diels que natildeo eacute

unanimidade e eacute utilizado desta forma principalmente por comodidade didaacutetica Os primeiros dois versos satildeo

tomados de Platatildeo enquanto os restantes satildeo tomados de Sexto Empiacuterico O fato notaacutevel principal eacute que Sexto cita

estes versos numa sequecircncia uacutenica com os versos conhecidos como fragmento1 ou seja segundo ele estes versos

pertencem agrave parte inicial do poema Embora outras citaccedilotildees de Sexto sejam consideradas pelos estudiosos como

feitas de memoacuteria ou sem cuidado literaacuterio ndash razatildeo pela qual ele eacute tido como doxoacutegrafo natildeo muito confiaacutevel e pela

qual tambeacutem Diels aceitou considerar estes versos uma emenda improacutepria feita por Sexto ao fragmento 1 ndash a citaccedilatildeo

eacute precisa demais para autorizar dissociar a uacuteltima parte (os versos em questatildeo) e colocaacute-la depois do fragmento 6

O que pesou a favor desta decisatildeo natildeo soacute de Diels mas de muitos outros eacute que esses versos parecem reapresentar

e aprofundar a descriccedilatildeo de um terceiro caminho logo soacute podiam estar depois do fragmento 2 que apresenta os

primeiros dois e depois do fragmento 6 que parece apresentar pela primeira vez no poema o terceiro caminho Ora

um dos dogmas exegeacuteticos que veio a cair entre os estudiosos ao longo do seacuteculo passado foi exatamente a

existecircncia de um terceiro caminho tanto pelos que passaram a defender somente dois caminhos (Cordero e outros)

quanto pelos que passaram a defender a ideia de uma multiplicidade de caminhos (por exemplo Couloubaritsis

fala ateacute mesmo em dez caminhos) razatildeo pela qual natildeo haacute mais nenhuma razatildeo exegeacutetica que impotildee a colocaccedilatildeo

desses versos depois do fr 6 e a discussatildeo permanece em aberto Na minha leitura do poema esses versos podem

muito bem permanecer no fragmento 1 sem gerar nenhum conflito exegeacutetico no entanto a questatildeo levantada no

fragmento 7 natildeo eacute relevante para os fins do esclarecimento da noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides nosso propoacutesito

primeiro logo esta questatildeo natildeo nos interessa de perto Por outro lado com referecircncia ao Parmecircnides psicoacutelogo em

pauta agora a colocaccedilatildeo do fragmento tambeacutem natildeo tem muita relevacircncia porque nos interessa apenas fazer um

levantamento do vocabulaacuterio psicoloacutegico do poema tal levantamento natildeo precisa do esforccedilo da compreensatildeo do

82

οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῆι εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα

μηδέ σ ἔθος πολύπειρον ὁδὸν κατὰ τήνδε βιάσθω

νωμᾶν ἄσκοπον ὄμμα καὶ ἠχήεσσαν ἀκουήν

καὶ γλῶσσαν κρῖναι δὲ λόγωι πολύδηριν ἔλεγχον

ἐξ ἐμέθεν ῥηθέντα

O valor filosoacutefico destas palavras eacute inestimaacutevel De fato encontramos aqui a primeira

formulaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo que se tornaraacute famoso com Aristoacuteteles mas numa

versatildeo muito diferente Aqui estamos interessados apenas no vocabulaacuterio psicoloacutegico de

Parmecircnides portanto pularemos os primeiros dois versos os quais seratildeo tratados no proacuteximo

capiacutetulo (e para o qual enviamos o leitor) notando apenas a reapresentaccedilatildeo da questatildeo baacutesica de

Parmecircnides a individuaccedilatildeo diferenciaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de caminhos de pesquisa para as operaccedilotildees

cognitivas Mais uma vez ele apresenta uma ὁδός διζήσιος (caminho de pesquisa portanto

processos mentais cognitivos) da qual poreacutem desta vez pede que o kouros mantenha afastado o

seu pensar indagador (εἶργε νόημα) ou seja as operaccedilotildees cognitivas da mente Jaacute os versos

sucessivos iratildeo requerer nossa atenccedilatildeo especial porque estatildeo repletos de muacuteltiplos sentidos A

interpretaccedilatildeo geral eacute que dada a radical oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser eacute necessaacuterio se manter afastado

do caminho que afirma que ser e natildeo ser satildeo o mesmo e natildeo o mesmo especificamente eacute preciso

tomar cuidado com a cultura herdada a qual forccedila a percepccedilatildeo para um desentendimento Assim

poema como um todo tarefa para a qual seria muito importante esclarecer a ordenaccedilatildeo ao menos provaacutevel dos

fragmentos Para o aprofundamento dessa questatildeo do terceiro caminho a literatura secundaacuteria eacute fecunda e generosa

Pode se ver um resumo dos estudos da primeira metade do seacuteculo passado em Untersteiner (1979 p CCXXVI n

52) pode se ver um estudo obsessivo da questatildeo em OBrien (1987 p 135 et passim) e pode se observar ao se

correr a literatura mais recente como certas escolas datildeo por certo o terceiro caminho principalmente as anglocircfonas

(exemplos recentes Crystal 2002 p 26 Wedin 2011) enquanto as escolas mais francoacutefonas tendem a uma

discussatildeo menos riacutegida

83

por causa dos haacutebitos culturais olhos natildeo vecircem ouvidos e liacutengua se confundem e a veemecircncia dos

discursos leva a um julgamento ruim isto eacute herdado das noccedilotildees argumentadas naqueles discursos

Mas esta interpretaccedilatildeo eacute controversa ademais principalmente a parte referente ao uacuteltimo verso (fr

75) estaacute longe das preferecircncias dos estudiosos de fato este verso recebeu recentemente uma nova

interpretaccedilatildeo que eu acho eacute muito pertinente e que aceito como a melhor disponiacutevel atualmente

embora radicalmente diferente daquela da grande maioria dos estudiosos Falando genericamente

em relaccedilatildeo a este fragmento as posiccedilotildees dos estudiosos se dividem em dois grupos haacute um grupo

que simplesmente esquece que o assunto principal satildeo os comportamentos mentais (v 2 ὁδός

διζήσιος) e afirma que Parmecircnides estaacute falando contra a veracidade do testemunho dos sentidos111

jaacute outros estudiosos percebem que a discussatildeo verte sobre questotildees de meacutetodo de pesquisa112

A deusa continua dando suas instruccedilotildees imperativas e diz nem o haacutebito que foi

experimentado muitas vezes te force sobre aquele caminho Eacute realmente interessante a capacidade

de Parmecircnides de sintetizar em poucas palavras um conteuacutedo tatildeo grande A deusa estaacute falando de

caminhos de operaccedilotildees cognitivas ao longo dos quais os pensamentos podem seguir uma

sequecircncia que noacutes chamamos de argumento Ela dissera que haacute bons e maus argumentos (os de

persuasatildeo verdadeira e os de persuasatildeo natildeo confiaacutevel fr 129-30) e tambeacutem explicara (fr 2 veja-

se o capiacutetulo 4 p 97) que os bons argumentos satildeo o resultado de um recurso especial da mente na

falta do qual os mortais satildeo capazes apenas de produzir maus argumentos pois eles acreditam que

111Reporto aqui somente os editores Coxon (2009 p 308) ldquoParmenides repeats the warning given in fr 5 (DK B 6)

against believing in the reality o f sensible objectsrdquo Taraacuten (1965 p 78) ldquoWhat Parmenides says in this passage

(vv 3-5) is that senses are responsible for the acceptance of the way of non-Beingrdquo 112Por exemplo Untersteiner (1979 p) ldquoexatamente ἀμηχανίη corresponde a ἔθος πολύπειρον que eacute propriamente

a causa da ἀμηχανίη porque corresponde agrave atitude mesquinha determinada pelo haacutebitordquo

84

ser e natildeo ser satildeo o mesmo e natildeo o mesmo mas diz a deusa ser e natildeo ser natildeo satildeo o mesmo pois

nunca os natildeo entes se tornam ser (essas uacuteltimas palavras satildeo a noccedilatildeo expressa nos dois primeiros

versos do nosso fragmento 7) Por esta razatildeo diz ela fique longe daquele caminho e natildeo deixe que

o repetido haacutebito te obrigue a permanecer nele

3262 Haacutebitos culturais o verso 73 ἔθος πολύπειρον

A deusa sugere ao kouros de ficar afastado daquele caminho e ao mesmo tempo de evitar

ser forccedilado sobre ele (cuidando de olhos ouvidos e liacutengua veja adiante) pelo haacutebito

multiexperiente Que haacutebito eacute este Eacute um haacutebito de comportamento da mente ou nas palavras de

Parmecircnides um haacutebito de maneira de pensar A palavra πολύπειρον significa experimentado

muitas vezes113 Esta experiecircncia do pensar seguindo um certo caminho eacute repetido muitas vezes

ateacute que se torna um haacutebito isto eacute um automatismo da mente114 Podemos ver nestas palavras uma

113Calogero ao inveacutes de muacuteltipla experiecircncia traduz de forma incorreta experiecircncia da multiplicidade (ldquoabitudine

allesperienza del molteplicerdquo 1977 p38) Verdenius traduz corretamente (ldquocustom that comes of much

experiencerdquo) mas interpreta a expressatildeo como uma percepccedilatildeo da inconstacircncia ldquoThe method underlying this third

way has the same character of inconstancyrdquo (1964 p 55) 114Mesmo entre aqueles que aceitam que o fragmento se refere ao caminho de pesquisa (da mente) e natildeo agrave capacidade

dos sentidos de descrever corretamente a realidade se datildeo incongruecircncias por exemplo Cerri (1999 p 62) afirma

que ἔθος πολύπειρον eacute um ldquovezzo di molto sapere labitudine inveterata a collezionare notizie in effetti polypeiriacutea

(sostantivo) polyacutepeiros (aggettivo) eacute in greco strettamente sinonimo di historiacutea e di polymathiacuteardquo e traz dois

exemplos um de Plutarco falando de Solon que em juventude viajara para o Oriente natildeo para comeacutercio ou para se

enriquecer mas para ldquomultiplicar a experiecircncia e a investigaccedilatildeo de conhecimento (polypeiriacuteas heacuteneka kaigrave

historiacuteas) A outra em Platatildeo (Leg 7 811 a-b) onde ele criticando a praxe escolar de memorizar

indiscriminadamente define esta falsa cultura de polypeiriacutea e polymatia Cerri afinal interpreta que a exortaccedilatildeo a

se manter afastados desse caminho coincide com uma criacutetica (de sabor muito heraclitiano) contra aqueles ldquosapientirdquo

que foram desviados pela polymatiacutea Mais adiante (p 217) comentando o verso 4 ele diz ldquoA metaacutefora do olhar

cego e do ouvido surdo eacute retomada aqui como imagem da impotecircncia intelectual dos saberes tradicionais

imiscuidos nas aparecircncias da multiplicidade errantes no caminho do natildeo eacuterdquo Por um lado Cerri afirma que

Parmecircnides se refere aos ldquosaacutebiosrdquo que usavam de polimathiacutea (E quem seriam esses saacutebios Talvez aqueles que

Heraacuteclito criticava pelos mesmos motivos Estaria Cerri confundindo Parmecircnides com Heraacuteclito) e por outro lado

afirma que se trata de uma criacutetica aos saberes tradicionais Ora a natildeo ser que se considerem ldquosaberes tradicionaisrdquo

85

observaccedilatildeo a respeito da formaccedilatildeo da maneira de pensar algo que noacutes chamamos forma mentis115

A maneira de pensar costumeira dos mortais eacute aprendida Esta aprendizagem eacute obtida pela

repeticcedilatildeo os mortais repetem muitas vezes aquele tipo de maneira de pensar ateacute que se torne

haacutebito Parmecircnides descreve o processo cultural de configuraccedilatildeo da forma mentis dos povos (φῦλα

fr 67) Que a maneira de pensar fosse algo relativo a cada cultura era fato conhecido Temos um

exemplo muito claro em Xenoacutefanes quando diz

ldquoMas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados

que como eles se vestem e tecircm voz e corpordquo

e

ldquoOs egiacutepcios dizem que os deuses tecircm nariz chato e satildeo negros

os traacutecios que eles tecircm olhos verdes e cabelos ruivosrdquo

Aqui Xenoacutefanes diz que os mortais tecircm sua proacutepria maneira de pensar (neste caso a respeito dos

deuses) e que cada povo tem suas crenccedilas Assim o processo cultural de aprendizagem com

diferenccedilas em cada cultura era conhecido e Xenoacutefanes mostra quais eram essas diferenccedilas

as noviacutessimas pesquisas dos jocircnicos e dos itaacutelicos o alvo recai sobre as antigas histoacuterias natildeo soacute as homeacutericas mas

como se percebe pelas criacuteticas de Xenoacutefanes tambeacutem sobre as mitologias locais em geral No entanto Parmecircnides

faz uma criacutetica mais radical porque o ἔθος πολύπειρον natildeo se refere ao comportamento de uma pessoa mas de

uma maneira de pensar isto eacute haacute uma generalizaccedilatildeo que vai muito aleacutem da criacutetica de Heraacuteclito agrave polymathiacutea

Nas citaccedilotildees platocircnicas (Leg 811a-b e 819a) polymathiacutea e polypeiriacutea natildeo tecircm uma conotaccedilatildeo negativa pelo

sentido comum das duas palavras eacute Platatildeo que critica esse tipo de aprendizagem quando ela estaacute unida a uma maacute

conduccedilatildeo (κακῆς ἀγωγῆς) Por outro lado Parmecircnides estaacute se referindo ao ἔθος πολύπειρον (e natildeo agrave πολυπειρία)

daqueles que trilham a ὁδός διζήσιος da qual a deusa recomenda afastamento ou seja se refere aos βροτοὶ Ademais

Cerri natildeo cita Tuciacutedides numa eacutepoca muito mais proacutexima de Parmecircnides para o qual πολυπειρία significa tatildeo

somente muito experiente (δι ὅπερ καὶ τὰ τῶν Ἀθηναίων 17141 ἀπὸ τῆς πολυπειρίας ἐπὶ πλέον ὑμῶν

κεκαίνωται) tambeacutem em Aristoacutefanes Lis 1109 significa tatildeo somente muito experiente (Χαῖρ ὦ πασῶν

ἀνδρειοτάτη δεῖ δὴ νυνί σε γενέσθαι δεινὴν ltμαλακήνgt ἀγαθὴν φαύλην σεμνὴν ἀγανήν πολύπειρον) 115Barnes capta a questatildeo da forma mentis mas aparentemente de forma curiosa e involuntaacuteria pois a aplica de um

jeito singular Ele acha que os versos 3-6 longe de constituirem um argumento ceacutetico contra os sentidos satildeo um

alerta ao puacuteblico para natildeo recorrer aos sentidos para julgar as suas teses ldquoParmenides diz nada mais que isto Se

vocecirc pensa que meu argumento estaacute errado entatildeo prove [com a razatildeo ndt] que estaacute errado natildeo recaia na preguiccedila

do senso comumrdquo (1982 p 298) Na opiniatildeo de Barnes Parmecircnides pede que a razatildeo seja aplicada somente

contra o argumento dele e natildeo em todo o caminho de pesquisa

86

descrevendo-as e criticando-as Mas seu disciacutepulo Parmecircnides vai aleacutem pois ele diz como uma

maneira de pensar pode configurar uma cultura e como uma cultura pode configurar uma maneira

de pensar De fato o haacutebito multiexperiente de pensar eacute uma configuraccedilatildeo cultural do pensar eacute a

maneira de pensar aprendida pela repeticcedilatildeo numa certa imersatildeo cultural Ao mesmo tempo esta

maneira de pensar originada por uma certa cultura pode forccedilar todos os pensamentos naquele rumo

do pensar constrangendo aqueles pensamentos dentro da maneira de pensar daquela cultura afinal

reproduzindo aquela cultura Assim Parmecircnides explicando como funciona o processo de

aprendizagem faz uma criacutetica severa contra a maneira tradicional de pensar aquela que se reproduz

pela repeticcedilatildeo forccedilando os pensamentos (as operaccedilotildees cognitivas) a permanecer sobre seu proacuteprio

caminho (a cultura tradicional) do pensar Isto significa que aleacutem da criacutetica cultural agrave maneira de

pensar tradicional haacute tambeacutem uma criacutetica agrave educaccedilatildeo e afinal agrave maneira especiacutefica (aquela da

investigaccedilatildeo) de pensar da tradiccedilatildeo

Muitos estudiosos querem ver essas criacuteticas como dirigidas a uma ou outra escola de

pensamento a algum pensador ou outro Mas os outros pensadores e suas escolas (Jocircnicos e

Pitagoacutericos) eram recentes e proacuteximos no tempo a Parmecircnides de forma que natildeo podem justificar

a expressatildeo ἔθος πολύπειρον o haacutebito multiexperiente Natildeo haacute outra opccedilatildeo em nenhum outro lugar

o alvo de Parmecircnides eacute o pensamento tradicional aquele pensamento que noacutes chamamos de

pensamento miacutetico116 Apesar do fato de ser uma deusa que diz isto a criacutetica de Parmecircnides se

116Uma criacutetica similar eacute feita por Heraacuteclito no fragmento DK 21 B 40 ldquoMuita instruccedilatildeo natildeo ensina a ter inteligecircncia

pois teria ensinado Hesiacuteodo e Pitaacutegoras Xenoacutefanes e Hecateu (πολυμαθίη νόον ἔχειν οὐ διδάσκει Ἡσίοδον γὰρ ἂν

ἐδίδαξε καὶ Πυθαγόρην αὖτίς τε Ξενοφάνεά τε καὶ Ἑκαταῖον)rdquo (Trad Cavalcante de Souza p 79) Mas a criacutetica

de Heraacuteclito natildeo eacute contra uma maneira de pensar tanto eacute verdade que junta poetas tradicionais e natildeo tradicionais

(Hesiacuteodo e Xenoacutefanes) e personalidades tatildeo diferentes quanto Pitaacutegoras um pesquisador de ambiente miacutestico e

Hecateu um pesquisador de ambiente pragmaacutetico como o eacute aquele de um geoacutegrafo De forma que Heraacuteclito estaacute

87

dirige agrave maneira tradicional de pensar ndash e natildeo haacute outro candidato a natildeo ser o pensamento miacutetico

na verdade o pensamento religioso pois noacutes chamamos mito o que para eles era religiatildeo ndash a qual

constrange os pensamentos (as operaccedilotildees cognitivas) por caminhos errantes (πλακτὸν νόον fr

66)

3263 Visatildeo audiccedilatildeo e liacutengua os versos 4 e 5

νωμᾶν ἄσκοπον ὄμμα καὶ ἠχήεσσαν ἀκουήν καὶ γλῶσσαν ldquoO haacutebito multiexperiente por esta

via natildeo te force exercer (νωμᾶν) sem visatildeo um olho (ἄσκοπον ὄμμα) e ressoante um ouvido

(ἠχήεσσαν ἀκουήν) e a liacutengua (γλῶσσαν)117 Mais uma vez Parmecircnides usa periacutefrases para explicar

sua visatildeo Se noacutes nos restringimos ao ponto de vista epistemoloacutegico aqui podemos ver apenas uma

metaacutefora de uma cogniccedilatildeo confusa e imprecisa Mas jaacute vimos a sensibilidade do eleata para a

observaccedilatildeo psicoloacutegica logo numa tal descriccedilatildeo das funccedilotildees psiacutequicas como haacutebito

multiexperiente eacute menos provaacutevel a introduccedilatildeo de uma metaacutefora e mais provaacutevel uma articulaccedilatildeo

com maiores detalhes da preacutevia descriccedilatildeo psicoloacutegica Como vimos no fragmento 6 os sentidos

imprecisos se referem a processos mentais e satildeo aqueles que natildeo possuem um certo recurso Assim

mesmo criticando a polymathiacutea isto eacute a erudiccedilatildeo seja ela tradicional ou natildeo Mas quando Heraacuteclito critica a

tradiccedilatildeo o faz a seu modo como por exemplo no fragmento DK 21 B 5 14 e 15 criticando genericamente uma

atitude cultural e natildeo atitudes de indiviacuteduos especiacuteficos Isto depotildee a favor da interpretaccedilatildeo cultural da passagem

em pauta de Parmecircnides o qual tem em comum com seus colegas (Heraacuteclito Xenoacutefanes e os demais naturalistas)

essa criacutetica ao pensamento miacutetico (religiatildeo tradicional) que ele desenvolve de maneira especiacutefica com uma criacutetica

ao comportamento mental 117Mais genericamente a criacutetica da segunda metade do seacuteculo passado em diante abandonou a interpretaccedilatildeo de uma

prevenccedilatildeo parmenidiana contra os sentidos e abraccedilou a ideia de uma advertecircncia contra mau uso dos sentidos A

grande maioria da criacutetica mais recente interpreta dessa segunda maneira embora tendo de escapar da sugestatildeo errada

do proacuteprio LSJ o qual no verbete νόημα traduz ldquoin Philos thought concept opp sensation sense-presentation

Parm 834 etcrdquo Com essa definiccedilatildeo para νόημα como tendo uma acepccedilatildeo de pensamento em oposiccedilatildeo a

sensaccedilatildeo a sugestatildeo de uma oposiccedilatildeo entre o νόημα de 72 e a descriccedilatildeo do papel sentidos nos versos 73-5 eacute ainda

mais forte

88

por exemplo um olho que natildeo vecirc eacute um olho que natildeo faz conexotildees mentais (operaccedilotildees cognitivas)

entre imagens que vecircm dos olhos fiacutesicos De novo as palavras de Xenoacutefanes podem nos ajudar

Ele diz ldquoMas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados que como eles se vestem e tecircm voz

e corpordquo onde isto significa eles natildeo percebem (natildeo veem) que se eles fossem gerados vestissem

roupas humanas e tivessem voz e corpo eles natildeo seriam deuses eles seriam humanos com todas

as consequecircncias aporeacuteticas que esta visatildeo implica O mesmo pode ser dito a respeito de outros

fragmentos de Xenoacutefanes pois Xenoacutefanes vecirc que cada povo cria seus deuses segundo sua proacutepria

imagem Em outras palavras um olho que natildeo vecirc eacute uma visatildeo que natildeo entende (natildeo conexiona) as

imagens que vecircm da realidade O mesmo pode ser dito do ouvido quando discursos ou histoacuterias

ou simples contos mesmo cheios de contradiccedilotildees satildeo capazes de persuadir quem tem um ouvido

ressoante (confuso) Assim o sentido aqui natildeo eacute metafoacuterico mas a descriccedilatildeo de um

comportamento mental neste caso especial a descriccedilatildeo de operaccedilotildees cognitivas

3264 Julgar pela fala os versos 5 e 6

κρῖναι δὲ λόγωι πολύδηριν ἔλεγχον ἐξ ἐμέθεν ῥηθέντα Todos os criacuteticos 118 traduzem

aproximadamente nesse teor ldquojulgue pela razatildeo a controversa tese por mim expostardquo Eacute

considerado um dos pontos altos do poema ao menos desde Plotino apesar das muitas dificuldades

histoacutericas de vir a acontecer uma estreia tatildeo eacuteclatant de uma palavra λόγος que teraacute uma fortuna

118Quase todos os criacuteticos traduzem ldquojulgue pela razatildeordquo ou com o equivalente ldquopelo argumentordquo A exceccedilatildeo se deve

aos pouquiacutessimos autores que consideram Parmecircnides uma figura de tipo xamacircnico e portanto para eles a razatildeo

natildeo eacute metro de juiacutezo da verdade No entanto ateacute mesmo Kingsley que defende exatamente essa interpretaccedilatildeo de

Parmecircnides mesmo traduzindo pela fala natildeo escapa de interpretar pela construccedilatildeo comum propondo afinal umas

alteraccedilotildees (ilegiacutetimas ele propotildee λόγου genitivo por λόγωι dativo) no texto grego segundo ele corrupto e

chegando ao seguinte resultado ldquobut judge in favor of the highly contentious demonstration of the truth contained

in the words as spoken by merdquo (Kingsley 2003 p 136-140)

89

sem iguais na histoacuteria futura da filosofia Eu proacuteprio aceitei essa traduccedilatildeo ao longo dos anos de

estudo do eleatismo pois como poderia enfrentar uma unanimidade entre os criacuteticos tatildeo coesa

Entretanto a linha das pesquisas dos uacuteltimos 50 anos tende a retirar do poema aquela paacutetina de

incrustaccedilatildeo platoniacutestica que recobre o poema e que foi depositada ao longo de mais de dois

milecircnios Esse trabalho de restauraccedilatildeo do poema vem sendo desenvolvido lentamente e quem se

propotildee a isto sabe da dificuldade de julgar se certa nuance eacute uma incrustaccedilatildeo do tempo ou pertence

agrave paleta parmenidiana Eu tambeacutem trabalhando nesse time me vi cerceado de duacutevidas ao

reinterpretar o emblemaacutetico ldquocoraccedilatildeo intreacutepido da verdade bem redondardquo com um muito mais

prosaico ldquoa mente firme da verdade bem conexardquo (Galgano 2012) Entatildeo natildeo eacute sem temor que

aceito e levo adiante uma interpretaccedilatildeo deveras mais prosaica de um colega estado-unidense

Christopher Kurfess que propotildee uma leitura ndash a meu ver ndash muito mais parmenidiana muito mais

pre-socraacutetica (aderente agrave eacutepoca) muito mais razoaacutevel dessa passagem A traduccedilatildeo de Kurfess eacute

assim ldquo

ldquoEssa leitura difusa que toma as palavras κρῖναι δὲ λόγῳ como um repuacutedio dos sentidos e

um comando para julgar pela razatildeo ou pelo argumento (racional) geralmente sem que se perceba

parece estar seguindo a direccedilatildeo da fonte estoacuteica (para a qual logos significava razatildeo [] Natildeo

somente a traduccedilatildeo de logos com razatildeo ou argumento eacute suspeita como tambeacutem a construccedilatildeo de

κρῖναι como um imperativo eacute tambeacutem problemaacutetico quando eacute lido no contexto da passagem como

um todo (como a citaccedilatildeo completa de Sexto nos permite fazer) [] Numa frase que comeccedila ἀλλὰ

σὺ τῆσδrsquo ἀφrsquo ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα ldquoMas tu afasta (teu) pensamento dessa via de pesquisardquo o

forte adversativo ἀλλὰ exerceria uma influecircncia sobre o resto da frase de forma que a partiacutecula mais

fraca δέ na frase κρῖναι δὲ λόγῳ dificilmente seria percebida como adversativa especialmente pela

ausecircncia de um μέν anterior Assim os dois infinitivos satildeo complementares com βιάσθω Isto altera

consideravelmente o sentido do todo

Mas tu afasta o pensamento desse caminho de pesquisa

e natildeo deixe que o haacutebito multiexperiente te force sobre este caminho

a exercer um olho sem alvo e um ouvido que ecoa

e a liacutengua e a julgar pela fala controverso o elenchos

90

por mim exposto

Nessa construccedilatildeo alternativa δὲ eacute conectivo κρῖναι um infinitivo complementar e com o

dativo λόγῳ ldquopela falardquo Parmecircnides natildeo estaacute fazendo uma afirmaccedilatildeo monumental marcando o

advento do discurso racional na histoacuteria humana mas a mais modesta (embora curiosa)

reivindicaccedilatildeo de que ao longo desse caminho assim como se deveria ser cauteloso em relaccedilatildeo

agravequilo que os sentidos podem apresentar (embora noacutes normalmente dependemos deles) assim

tambeacutem a fala (como eacute usada normalmente) natildeo seraacute instrumento totalmente confiaacutevel para a

compreensatildeo do ensinamento que a deusa iraacute oferecer Uma troca adicional nessa leitura eacute que

πολύδηριν agora eacute entendido como predicado acusativo A deusa natildeo estaacute dizendo que seu elenchos

eacute ldquocontroversordquo mas alertando o jovem contra julgaacute-lo assim devido agrave aplicaccedilatildeo errada do haacutebito

linguiacutestico Isto eacute o elenchos pode parecer controverso agravequeles muito preocupados com a maneira

de expressatildeo mas pela perspectiva que a deusa estaacute revelando isto seria um erro Lidas assim

estas linhas se tornam a primeira de vaacuterias passagens no poema onde a deusa aponta a natureza

potencialmente enganadora da fala dos mortais e da sua atitude a dar nomes119

119 Eis a passagem original por inteiro (Kurfess 2012 p 76-77) ldquoThis widespread reading which takes the words

κρῖναι δὲ λόγῳ as a repudiation of the senses and a command to judge by reason or (rational) argument appears to

be generally without appreciating the fact following the lead of the Stoic source (for whom logos did mean

ldquoreasonrdquo and much else besides) While the anachronistic understanding of logos is a major component of that

reading the influence of the Stoic source on how these lines have been read extends further Not only is translating

logos as ldquoreasonrdquo or ldquoargumentrdquo suspect but the construal of κρῖναι as an imperative is also problematic once it is

read (as Sextusrsquo fuller quotation allows us to do) in the context of the passage as a whole The Stoic source intends

for us of course to understand κρῖναι as an imperative (and such a construal led presumably to the form κρίνε

preserved in Sextus) but it seems as though he manages this by carefully selective quotation

Because the two portions of text cited by the source have generally in the scholarship of the last century or so

been thought to come from different places in the poem it has gone unnoticed or else been thought unremarkable

that compared to the proem as Sextus quotes it in full the Stoic source omits line 31 I think that the omission is

indeed remarkable and that the line was intentionally omitted because it was inconvenient for the Stoic reading of

the lines that follow In a sentence that has begun ἀλλὰ σὺ τῆσδrsquo ἀφrsquo ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα ldquoBut do you bar

(your) thought from this way of seekingrdquo the strong adversative ἀλλά is going to exercise an influence over the

remainder of the sentence such that the weaker particle δέ in the phrase κρῖναι δὲ λόγῳ is unlikely to be felt as

adversative especially in the absence of any preceding μέν It reads instead as a connective particle making the

infinitive κρῖναι parallel with νωμᾶν in the preceding line Both infinitives are thus complementary with βιάσθω

This alters the sense of the whole considerably We now understand the lines as follows

But do you bar thought from this way of seeking

And let not habit of much experience force you along this way

To ply an aimless eye and echoing hearing

And tongue and to judge by means of speech the elenchos

Spoken by me (to be) much-contending

On this alternative construal δὲ is connective κρῖναι a complementary infinitive and with the dative λόγῳ ldquoby

speechrdquo Parmenides is not making a monumental statement marking the advent of rational discourse into human

91

Essa traduccedilatildeo ldquonatildeo deixe que o haacutebito multiexperiente te force [] a julgar pela fala

controverso o elenchos120 por mim expostordquo me parece muito mais natural e fiel ao espiacuterito natildeo soacute

da eacutepoca e da mentalidade desses pensadores mas tambeacutem ao proacuteprio espiacuterito do texto Eu penso

embora Kurfess considere curioso o alerta de Parmecircnides que a deusa apresente um poderoso

argumento contra a retoacuterica dos discursos e natildeo soacute da retoacuterica culta ndash isto eacute agravequela referida ao

direito e agrave poliacutetica (Parmecircnides foi um poliacutetico bem-sucedido de uma polis eunocircmica121) ndash mas

tambeacutem da retoacuterica dos discursos sobre as estruturas e funccedilotildees do mundo (os mitos) aquela retoacuterica

consagrada pela tradiccedilatildeo de cadenciar e por que natildeo utilizar modelos formulares para ver o

mundo (weltanschaung) Diante da antiga cosmovisatildeo as novas tendecircncias culturais

principalmente as teoacutericas satildeo apenas teses controversas A deusa convida a natildeo considerar os

novos discursos como controversos de antematildeo exorta a deixar de lado os preconceitos e afinal

a examinar os argumentos (as falas) com cuidado

Esta interpretaccedilatildeo da letra do fragmento 7 natildeo altera o sentido geral da criacutetica de Parmecircnides

history but the more modest (though curious) claim that just as one should be wary along this way of what the

senses may present (though we regularly do depend upon them) so too speech (as regularly employed) is not going

to be a fully reliable instrument for comprehending the teaching which the goddess has to impart An additional

grammatical shift in this reading is that πολύδηριν is now understood as a predicate accusative The goddess is thus

not claiming that her elenchos is ldquomuch-contestingrdquo but warning the youth against judging it to be so due to a

mistaken application of linguistic habit That is while the elenchos might appear contentious to those too

preoccupied with the way it is expressed from the perspective that the goddess is revealing that would be an error

Read thus these lines become the first of a number of places in the poem where the goddess points out the

potentially deceptive nature of mortal speech and naming 120 Esta palavra eacute objeto de muitas e diferentes interpretaccedilotildees Aqui na busca de um vocabulaacuterio psicoloacutegico natildeo eacute

necessaacuterio se aprofundar mas resta o fato de que o sentido homeacuterico originaacuterio (reproche desgracie dissonou

LSJ) jaacute resulta alterado na eacutepoca de Parmecircnides O proacuteprio LSJ oferece esta passagem de Parmecircnides como

exemplo para o sentido de ldquoargumente off disporatildeo o refutativordquo No entanto este eacute o sentido utilizado em Platatildeo

em referecircncia agrave metodologia de Soacutecrates muitas deacutecadas depois Na literatura contemporacircnea a Parmecircnides com

raras exceccedilotildees o sentido principal eacute de teste ou prova Veja-se a respeito o oacutetimo estudo de Lester (1984) e com

metodologia similar mas com resultados diferentes Hurley (1989) 121Sobre a encomia de Eleacuteia e a nomothetia de Parmecircnides ver Mele 2005 e Mele 2006

92

ao saber tradicional mas ao mesmo tempo natildeo precisa recorrer ao anacronismo de uma invenccedilatildeo

ex novo e estrepitoso da razatildeo como criteacuterio epistecircmico absoluto Voltaremos a este assunto no

proacuteximo capiacutetulo quando esses temas seratildeo revistos agrave luz da proposta parmenidiana da oposiccedilatildeo

radical entre ser e natildeo ser e laacute veremos algo das novas problemaacuteticas que podem surgir desta

traduccedilatildeo

33 Resumo e conclusatildeo da primeira parte

Nesta parte de nossa investigaccedilatildeo escolhemos restringir o foco sobre aspectos psicoloacutegicos

do poema de Parmecircnides tentando evidenciar a habilidade do autor enquanto observador do

comportamento da mente humana Como instrumento primaacuterio de nossa averiguaccedilatildeo utilizamos

um sentido muito especial do verbo νοεῖν e dos seus cognatos extraiacutedo das proacuteprias qualificaccedilotildees

atribuiacutedas por Parmecircnides numa noccedilatildeo entre pensar que julgamos um conceito de abrangecircncia

grande demais e conhecer que julgamos um conceito ao mesmo tempo restrito demais na

medida em que se refere apenas a certo tipo de pensar aquele pensar direcionado ao conhecimento

especiacutefico de um objeto (mas como vimos para Parmecircnides o caminho do pensamento implica

tambeacutem saber ouvir ver se livrar de preconceitos isto eacute analisar com cuidado os argumentos)

e ao mesmo tempo excessivo por incluir todos os aspectos do conhecimento (um sujeito que

conhece um meio cognitivo e o resultado deste processo o conhecido) Ambos satildeo os mais usados

pelos estudiosos no caso do poema de Parmecircnides O termo escolhido foi operar cognitivamente

porque embora seja fortemente teacutecnico pode representar muito bem um filtro tanto para as

ambiguidades de pensar e conhecer quanto para a tentaccedilatildeo de ampliar a discussatildeo para os campos

epistemoloacutegicos ou filosoacutefico fora de tema nesta anaacutelise

Como resultados provisoacuterios nesta primeira parte da anaacutelise do poema do ponto de vista

93

psicoloacutegico podemos resumir o que segue

No fragmento 1 Parmecircnides descreve com linguagem que vem das sensaccedilotildees corporais a

experiecircncia da certeza e da duacutevida introduzindo o conceito de persuasatildeo como estagio

intermediaacuterio entre quem conhece e o que eacute conhecido a esta parte intermediaacuteria podemos chamar

de mente que tem seu proacuteprio modo de funcionar e pode ser persuadida tanto pela persuasatildeo

verdadeira quanto pela persuasatildeo natildeo verdadeira

No fragmento 2 Parmecircnides expotildee sua reflexatildeo sobre os caminhos do pensar A discussatildeo

completa desta reflexatildeo seraacute proposta no proacuteximo capiacutetulo e portanto aqui aproveitamos esse

fragmento apenas para a definiccedilatildeo da noccedilatildeo de voein aquela operaccedilatildeo da mente destinada agrave

cogniccedilatildeo que Parmecircnides iraacute utilizar ao longo do poema

No fragmento 6 Parmecircnides examina os dois caminhos de investigaccedilatildeo assim como satildeo

aplicados no mundo comum e faz uma distinccedilatildeo entre a psicologia comum e a maneira de operar

do homem saacutebio instruiacutedo pela deusa A diferenccedila consiste no uso de um recurso que os mortais

natildeo possuem Por esta razatildeo os mortais acreditam que ser e natildeo ser satildeo o mesmo e natildeo o mesmo

enquanto o homem com o recurso sabe (pelo recurso) que eles satildeo radicalmente opostos Assim o

homem com o recurso segue o caminho verdadeiro enquanto os mortais cuja mente se comporta

como se fosse surda e cega inventam caminhos de direccedilotildees reversiacuteveis

No fragmento 7 Parmecircnides aprofunda a anaacutelise antes de tudo faz a primeira enunciaccedilatildeo do

Preceito da Deusa a oposiccedilatildeo absoluta entre ser e natildeo ser Depois explica que haacute um haacutebito

experimentado muitas vezes que configura a mente comum e o homem com o recurso natildeo deveria

ser forccedilado a esta configuraccedilatildeo mental Enquanto observa o comportamento da mente social

Parmecircnides percebe que o recurso (o Preceito da Deusa) eacute algo que sai do entendimento comum

numa criacutetica clara ao pensamento religioso Por isso a deusa alerta o disciacutepulo a tomar cuidado com

94

o exerciacutecio dos sentidos (visatildeo audiccedilatildeo e liacutengua) e tambeacutem tomar cuidado com a retoacuterica dos

discursos comuns pois o haacutebito mental tende a aprovar e reprovar discursos por preconceitos o

kouros deve evitar ser forccedilado a pensar (operar cognitivamente) pelo preconceito122

Tanto o fragmento 4 quanto os restantes fragmentos do poema que apresentam um

vocabulaacuterio psicoloacutegico seratildeo abordados depois da anaacutelise completa do fragmento 2 De fato o

esclarecimento da reflexatildeo exposta no fragmento 2 poderaacute elucidar noccedilotildees principalmente do

fragmento 8 que sem aquele esclarecimento preacutevio permaneceria criacutepticas e obscuras Assim a

anaacutelise do vocabulaacuterio psicoloacutegico seraacute prosseguida e completada numa segunda parte apoacutes a

exposiccedilatildeo do meacutetodo parmenidiano para distinguir a persuasatildeo verdadeira da falsa

122 Em estudos muito recentes se tende a rearranjar os fragmentos do poema de forma radical Uma das tentativas estaacute

sendo levada adiante por Cordero e implica que alguns fragmentos que pela ordenaccedilatildeo Diels-Kranz pertencem agrave

segunda parte do poema sejam deslocados para a primeira parte Em artigo de 2013 Cordero afirma que esta

separaccedilatildeo do poema em duas partes eacute prejuiacutezo interpretativo traacutegico Em resumo embora Parmecircnides fale de dois

assuntos o discurso verdadeiro e as opiniotildees dos mortais isto natildeo quer dizer que a estes dois assuntos

correspondam duas partes no poema Principalmente dos fragmentos de 9 a 19 somente o 9 o 12 e o 19

pertenceriam agrave doxa de forma que os outros (os fragmentos 10 11 13 14 15 16 17 18) teriam que ser deslocados

para antes do fragmento 8 ldquoNo dudo em colocar esse conjunto em la via de la verdad antes del fragmento 7 como

explicacion del poleacutemico conjunto de pruebas (πολύδηριν ἔλεγχον) que la diosa dice haber ya expuesto (ῥηθέντα)rdquo

(2013 p 25)

A nossa interpretaccedilatildeo do fragmento 7 junto com a releitura oferecida por Kurfess parecem caminhar em favor

da hipoacutetese de Cordero onde a exposiccedilatildeo de saberes cosmoloacutegicos novos ndash por exemplo o fato de que a luz da lua

seja um reflexo da luz do sol ndash tecircm que superar o obstaacuteculo dos prejuiacutezos do conhecimento (religioso) tradicional

95

4 O MEacuteTODO

41 Introduccedilatildeo

Parmecircnides foi um observador do comportamento da mente e haacute em suas palavras

distinccedilotildees entre dois tipos de comportamento mental Nitidamente ele distingue entre um

comportamento mental insuficiente para os fins da pesquisa atribuiacutedo aos mortais e um

comportamento mental que inclui uma μηχανή a qual permite um percurso persuasivo de

pensamentos natildeo segundo a persuasatildeo natildeo confiaacutevel mas segundo aquela que deixa a mente firme

(129) ou seja sem as oscilaccedilotildees da duacutevida entre o sim e o natildeo Onde ele observou este segundo

tipo de comportamento E de que maneira o observou A resposta agrave primeira pergunta natildeo eacute difiacutecil

Parmecircnides observou este comportamento da mente nele mesmo123 A suporte dessa afirmaccedilatildeo

podemos alegar duas evidecircncias a primeira eacute que Parmecircnides fala claramente de ldquocaminhos de

pesquisa ao pensarrdquo isto eacute fala do pensamento em accedilatildeo e em princiacutepio soacute eacute possiacutevel observar

diretamente o pensar em accedilatildeo apenas na proacutepria mente jaacute que do pensar em accedilatildeo de outros se pode

conhecer soacute o relato a segunda eacute que na cultura grega anterior a Parmecircnides jaacute existia um terreno

propiacutecio para a auto-observaccedilatildeo fundado na ideia do ldquoconheccedila-te a ti mesmordquo 124 e que se

123 Haacute uma longa discussatildeo a respeito da presenccedila do individualismo na cultura e na primeira filosofia grega

Especialmente em referecircncia ao nosso assunto a possibilidade do conhecer epistecircmico os criacuteticos anteriores ao

seacuteculo XX sentiram a influecircncia de John Locke o qual afirma que o conhecimento de si proacuteprio surgiu muito depois

do conhecimento do mundo Tal afirmaccedilatildeo foi contestada duramente por Joeumll em 1903 (Der Ursprung der

Naturphilosophie aus dem Geiste der Mystik) mas antes dele jaacute existiam as vigorosas visotildees de Nietzsche no Die

Philosophie im tragischen Zeitalter der Grieschen (1873-80) Veja-se a respeito a excelente nota de Mondolfo em

Zeller (1950 p 27-98) sobre esse debate na primeira metade do seacuteculo XX Jaacute na segunda metade do seacuteculo XX e

depois a discussatildeo parece ter perdido focirclego 124 Platatildeo no Protaacutegoras (343a) ressalta que todos conheciam estas sentenccedilas (γράψαντες ταῦτα ἃ δὴ πάντες ὑμνοῦσιν

96

explicitaria em seu aspecto psicoloacutegico na exuberacircncia do ἐδιζησάμην ἐμεωυτόν (fr DK 101) de

Heraacuteclito125

A observaccedilatildeo do comportamento da proacutepria mente eacute um fato oacutebvio para quem estuda

psicologia e eacute notoacuterio que os grandes psicoacutelogos pesquisaram inexoravelmente suas proacuteprias

mentes e aqui cito apenas a auto-anaacutelise que Freud realizou rumo agrave descoberta do inconsciente126

como emblema dos esforccedilos da pesquisa psicoloacutegica desde o seacuteculo XIX ateacute hoje Eacute quase natural

que quem observa o comportamento da mente alheia seja levado a observar o comportamento da

sua proacutepria e eacute razoaacutevel aceitar que tambeacutem Parmecircnides que observou o comportamento da mente

em outros (como se vecirc nos fragmentos 6 e 7) o observou tambeacutem em si proacuteprio o que eacute mais

difiacutecil de determinar eacute de que maneira ele o observou em relaccedilatildeo aos caminhos de pesquisas e

como procedeu agrave compreensatildeo da observaccedilatildeo

A proposta deste primeiro paraacutegrafo do capiacutetulo eacute tentar evidenciar que tipo de observaccedilatildeo e

auto-observaccedilatildeo levou Parmecircnides a encontrar e expor um meacutetodo do pensar para o caminho de

pesquisa que afinal se mostraraacute uma das colunas de sustentaccedilatildeo da nossa cultura ocidental de sua

eacutepoca em diante ateacute hoje Como jaacute foi especificado nosso foco principal eacute o natildeo ser e eacute visando

ltΓνῶθι σαυτόνgt καὶ ltΜηδὲν ἄγανgt) Embora o ldquoconheccedila-te a ti mesmordquo se referisse ao conhecimento das proacuteprias

tendecircncias comportamentais (de forma a temperaacute-las como nos diz Platatildeo em Charmides 164d) a sugestatildeo natildeo

podia natildeo excitar em sentido introspectivo as mentes investigativas desses primeiros filoacutesofos (ver nota 3) 125 Heraacuteclito em sua investigaccedilatildeo alcanccedila dimensotildees abismais exatamente no acircmbito psicoloacutegico da introspecccedilatildeo pois

no fr DK 45 diz ldquoψυχῆς πείρατα ἰὼν οὐκ ἂν ἐξεύροιο πᾶσαν ἐπιπορευόμενος ὁδόν οὕτω βαθὺν λόγον ἔχειrdquo

(ldquoLimites de alma natildeo encontrarias todo caminho percorrendo tatildeo profundo logos ela temrdquo trad Cavalcante de

Souza 1978) Sassi remarca ldquoEnquanto a maacutexima deacutelfica (Γνῶθι σαυτόν nda) convidava o homem a reconhecer

os proacuteprios limites Heraacuteclito extrai de sua investigaccedilatildeo uma consequecircncia muito diferente o reconhecimento de

uma profundidade ateacute mesmo insondaacutevel da dimensatildeo interiorrdquo (Sassi 2009 p 171) 126 Freud fala de sua auto-anaacutelise em muitas passagens de suas obras veja-se por exemplo ldquoA interpretaccedilatildeo dos

sonhosrdquo de 1900

97

essa noccedilatildeo que levaremos adiante nossa leitura logo a pergunta se propotildee quase que por si que

comportamento da mente Parmecircnides observou que o levou agrave noccedilatildeo ineacutedita ateacute entatildeo de natildeo ser

Esse tema estaacute tratado no fragmento 2 e eacute a ele que nos dedicaremos cuidadosamente nas proacuteximas

paacuteginas

42 A exposiccedilatildeo do meacutetodo o natildeo ser em parmecircnides

421 Anaacutelise do fragmento DK 2

A primeira menccedilatildeo ao lsquonatildeo serrsquo no poema segundo a ordenccedilatildeo de Diels-Kranz eacute no

fragmento 2127 Eis o fragmento na ediccedilatildeo de Diels-Kranz com a traduccedilatildeo de Cavalcante de

Souza128

εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας

αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι

τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν

οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

οὔτε φράσαις

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

127Esta posiccedilatildeo no poema eacute aquela estabelecida por Diels e eacute seguida pela maioria dos criacuteticos Embora em relaccedilatildeo a

sua anterioridade sobre os fr 3 4 5 6 7 natildeo haja razotildees claras mas somente conjecturas mais ou menos provaacuteveis

certamente eacute anterior ao fr 8 porque neste a deusa declara que a diferenciaccedilatildeo das duas vias e o abandono de uma

jaacute fora feito antes Para a tese defendida aqui esta posiccedilatildeo eacute aceitaacutevel Entre os que ordenam de forma diferente

Coxon (2009) Couloubaritsis (2008) Santoro (2011) Recentemente a ordenaccedilatildeo dos fragmentos estaacute sendo

discutida radicalmente a partir da grande importacircncia dada agrave segunda parte do poema nos estudos da segunda

metade do seacuteculo XX 128Cavalcante de Souza (1978) p 142

98

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute natildeo ser

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute preciso natildeo ser

este entatildeo eu te digo eacute atalho de todo incriacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequumliacutevel)

nem o dirias

Esse fragmento apresenta um texto importante e por isto foi muito estudado pelos criacuteticos

Podemos dividi-lo em duas partes

a) a deusa anuncia palavras importantes e prepara o disciacutepulo agrave recepccedilatildeo

b) a deusa expotildee sua lei

Esta parte b) tambeacutem pode ser divididas em duas partes dois versos referentes ao ser e quatro

versos referentes ao natildeo ser

a) O anuacutencio da deusa

b) a deusa expotildee sua lei b1) dois versos referentes ao ser

b2) quatro versos referentes ao natildeo ser

422 O anuacutencio da deusa versos 1-2 εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας

αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

Estes primeiros dois versos foram tratados no capiacutetulo anterior e dele noacutes extraiacutemos uma

noccedilatildeo importante para a nossa anaacutelise a noccedilatildeo de que Parmecircnides utiliza para νοεῖν Para ele o

νοεῖν em jogo aqui eacute aquele que segue caminhos portanto se trata do pensar em operaccedilatildeo e natildeo em

sua noccedilatildeo estaacutetica ademais eacute o pensar que caminha pelos caminhos de pesquisa logo eacute um pensar

investigativo que quer saber que quer conhecer Atendendo a essas qualificaccedilotildees traduzimos νοεῖν

com o operar cognitivo da mente fazendo referecircncia agrave operaccedilatildeo do pensar mas restringindo o

sentido agravequelas cognitivas Evitamos desta forma tanto as ambiguidades da traduccedilatildeo de νοεῖν com

99

o termo amplo demais pensar quanto as ambiguidades e contra-sensos da traduccedilatildeo que usa o

termo conhecer complexo e sinteacutetico demais pois conhecer implica um agente cognitivo uma

operaccedilatildeo cognitiva e um objeto da cogniccedilatildeo Parmecircnides como vimos naquelas paacuteginas natildeo se

refere ao fato completo do conhecer mas apenas agraves operaccedilotildees cognitivas da mente

Devemos agora acrescentar algumas noccedilotildees que seratildeo uacuteteis a melhor enquadrar o fragmento

em questatildeo Vamos voltar ao termo νοῆσαι e completar a anaacutelise proposta no capiacutetulo anterior

Dissemos laacute que em controveacutersia alguns estudiosos o consideram passivo enquanto outros ativo

e esta uacuteltima eacute a nossa posiccedilatildeo A traduccedilatildeo de νοῆσαι como passivo eacute comum a muitos estudiosos

ndash comeccedilando por Diels-Kranz que traduz ldquowelche Wege der Forschung allein zu denken sindrdquo129

ndash mas torna pouco compreensiacutevel o resto do fragmento Entre as oacutetimas razotildees trazidas por

Mourelatos (2009 p 55 n 26) e Cordero (2005 pp 56-9) gostaria de ressaltar a dificuldade

exposta por Cordero o qual justamente afirma que a interpretaccedilatildeo passiva de νοῆσαι obriga a

pressupor um outro verbo para explicar as conjunccedilotildees declarativas do fragmento (uma vez ὅπως e

trecircs vezes ὡς) chegando a foacutermulas estranhas ao texto tais como ldquothe one ltsaysgtrdquo (Taraacuten 1965

p 32) ou ldquolun (dit)rdquo (Couloubaritsis 1990 p 370)130 Acrescento que com a forma passiva se

introduz uma questatildeo improacutepria pois se afirmaria que Parmecircnides estaria refletindo sobre o

129 Enquanto anteriormente Diels traduzia ldquowelche Wege der Forschung allein denkbar sindrdquo (Diels 1987) Traduzem

em passivo muitos importantes estudiosos ldquothe only two ways of search that can be thought ofrdquo (Burnet 1920)

ldquothat are to be thought ofrdquo (Cornford1939) ldquoconcebiblesrdquo (Jaeger 1947 em traduccedilatildeo espanhola) ldquologicamente

pensabilirdquo (Untersteiner 1979) ldquothat can be conceivedrdquo (Taraacuten 1965) e assim por diante Mais recentemente com

as devidas exceccedilotildees (exemplo ldquoque lon puisse concevoirrdquo Frere 2012) a maioria dos criacuteticos se orienta para uma

interpretaccedilatildeo ativa de νοῆσαι 130 Cordero conclui que ldquoComo respuesta a este tipo de lectura debe sentildealarse algo obvio el camino no hablardquo

(Cordero 2005 p 58)

100

pensar131 fato do qual natildeo se tem nenhum vestiacutegio no poema Parmecircnides estaacute refletindo pelo

pensar sobre o mundo (panta de 128) seguindo a temaacutetica proacutepria de sua eacutepoca de sua cultura e

de seu grupo intelectual de pertinecircncia Ele natildeo faz um discurso objetivo sobre o pensar mas

analisando o pensar faz um discurso objetivo ndash como veremos em breve ndash sobre a coerecircncia interna

dos pensamentos percebendo isto sim que a mente (o pensar) consegue aceitar ou realizar

discursos de feacute verdadeira e de feacute natildeo verdadeira sem diferenciaacute-los Ele se propotildee a distinguir

esses dois discursos e pocircr em evidecircncia como se consegue reconhecer uns e outros o que eacute um fato

que pertence agrave esfera do pensar e eacute ao pensar que se deve recorrer para realizar a distinccedilatildeo mas

isto natildeo significa que Parmecircnides tenha como objetivo estudar o pensar como alguns autores direta

ou indiretamente sugerem A metaacutefora do caminho eacute clara a este respeito ele natildeo se importa em

estudar os caminhos em si mas estuda a que lugares levam este ou aquele caminho ou dito de

outra forma que caminho tomar para se alcaccedilar o fim do discurso de feacute verdadeira O caminho eacute

apenas um meio um percurso e como tal tem que se saber aonde leva (ele estudaraacute inclusive os

sinais que estatildeo ao longo dele DK 82) mas posto que se devam conhecer as rotas seu objetivo

no estudo eacute antes de tudo natildeo se perder pelo caminho errado e sucessivamente depois de trilhado

o caminho de feacute verdadeira descrever e compreender o lugar onde chegou

131 Eacute a opiniatildeo de Couloubaritsis ldquola quecircte vise agrave penser lEon pour fonder le penser Cest pourqui dans la traduction

pour penser nous entendons [hellip] penser ce qui permet de penserrdquo (Couloubaritsis 2008 p 249-250) O eon

funda sim o pensar mas natildeo nos termos de pensar o pensar como se o pensar fosse para esses pensadores arcaicos

um objeto definido e separado a respeito do qual se devesse meditar a origem e funccedilatildeo Longe disso pensar eacute um

fenocircmeno que natildeo tem a nitidez que lhe atribuiacutemos hoje e expressotildees como ldquopenser ce qui permet de penserrdquo natildeo

fazem muito sentido para aquela eacutepoca

101

423 O primeiro caminho versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

O verso 4 O verso 3 eacute provavelmente o mais estudado de Parmecircnides merece Poreacutem

seguindo nosso percurso pelo aspecto psicoloacutegico notamos logo a presenccedila de uma palavra

marcadamente psicoloacutegica no verso 4 πειθοῦς persuasatildeo132 Diels grafa com maiuacutesculo indicando

a deusa tradicional Πειθώ Natildeo se tem esta certeza e por enquanto vamos considerar apenas o lado

natildeo sagrado ou seja os aspectos meramente estruturais e funcionais da persuasatildeo133 Embora se

haja bastante literatura sobre persuasatildeo e verdade nem sempre a ligaccedilatildeo entre as duas no contexto

parmenidiano eacute evidenciada com suficiecircncia O fato mais notaacutevel ndash e que pelo que sei natildeo foi

ressaltado ndash eacute que a aletheia de Parmecircnides aleacutem de natildeo ser a Aletheia absoluta tambeacutem natildeo eacute

uma aletheia qualquer Antes de tudo aletheia estaacute tradicionalmente associada quase que somente

132Veja-se o excelente estudo de peithein e seus cognatos em Mourelatos 2008 p 136-163 Mourelatos chega a

firmar que eacute Peitho a deusa anocircnima de Parmecircnides 133Blank numa tese fortemente maniqueiacutesta insoacutelita entre os estudiosos de Parmecircnides insiste sobre o papel dessas

figuras divinas dentro de um contexto essencialmente religioso e natildeo hesita a traduzir pistis por feacute fazendo

referecircncia a supostas disputas religiosas na eacutepoca de Parmecircnides entatildeo peitho natildeo eacute propriamente a persuasatildeo mas

a seduccedilatildeo ldquoEsti says Parmenides is the Way of true faith and although he argues for this logically he begins by

using the seductive power of persuasion and implies that those who hold the true faith will be happy while those

who do not are doomed to ignorance by their apistia rdquo (Blank 1982 p 177)

Jaacute Morgan num estudo sobre o mito nos preacute-socraacuteticos (e Platatildeo) de forma mais coerente afirma ldquoThe motifs

of conviction and persuasion pistis and peitho are to be understood primarily in epistemological rather than

religious terms although the imagery of the proem and the deployment of the above-mentioned motifs do carry

some religious resonancerdquo (Morgan 2004 p 71)

Uma outra partidaacuteria da interpretaccedilatildeo miacutestica eacute Gemelli-Marciano e algumas ideia a respeito de Peitho podem

ser encontradas em Gemelli-Marciano (2008) especialmente agraves paacuteginas 36-37

102

ao relato verdadeiro de uma testemunha ocular dos fatos134 ou agraves falas verdadeiras dos deuses135

ou dos preceitos dos poetas 136 e muito raramente associada a fatos verdadeiros Depois a

associaccedilatildeo de peitho (persuasatildeo) com aletheia respeita exatamente esse campo semacircntico de

aletheia como verdade de uma fala Mas Parmecircnides associa aletheia agrave pesquisa e ndash continua

Cherubin ndash isto sugere que ldquomesmo sem podermos ser noacutes mesmos testemunhas de algo ou onde

natildeo tivermos a possibilidade de achar uma testemunha confiaacutevel [hellip] podemos ainda assim ter

acesso ao caminho [] e este caminho eacute um caminho de inqueacuteritordquo137 com razatildeo diz Cherubin

que esta novidade eacute revolucionaacuteria138 Pelo lado da linguagem mitoloacutegica podemos ver que a deusa

134Levet (1976 p57) ldquoDe toute eacutevidence chez Homegravere le vrai se manifeste essentiellement quand il y a dialogue

[hellip] Les emplois de la plupart des motes exprimant le vrai ndash ils sont presque constamment associeacutes agrave un verbe de

deacuteclaration ndash portent agrave ce sujet un teacutemoignage irreacutefutablerdquo Cherubin acrescenta ldquoTo be able to tell aletheia requires

an awareness of the whole of what is relevant and awareness of the context of ones subjectrdquo (Cherubin 2009 p

58) 135Antes de tudo as invocaccedilotildees agraves Musas as quais na medida que inspiram o canto satildeo a garantia da verdade dos

relatos dos poemas Para Cherubin esse relato da origem eacute garantia da narraccedilatildeo do presente ldquoIn Pindar and in

Hesiods account of the Muses awareness of the origins of things (of the cosmos of a city of a family) is a requisite

for presenting currente events properly in ones poem (Cherubin 2009 p 58) 136Hesiodo Obras e dias 765-8 818 824 Citado por Detienne que diz ldquoDessa vez se trata de uma ldquoVerdaderdquo que se

define expressamente como ldquonatildeo esquecimentordquo dos preceitos do poetardquo (Detienne 1983 p 14 original ldquoQuesta

volta si tratta di una ldquoVeritagraverdquo che si definisce espressamente come ldquonon obliordquo dei precetti del poetardquo p 14) 137A passagem inteira eacute esta ldquoHe is suggesting that sometimes even where we cannot witness something ourselves

where we may have overlooked or forgotten something about a situation where we cannot find a reliable witness

and where the gods or their agents have not chosen to reveal things to us even when these traditional means are

not available we may still have access to a road whose orientation is governed by aletheia and the road is a road

of inquiryrdquo (Cherubin 2009 p 59) 138Dizer que Parmecircnides associa o caminho de inqueacuterito agrave aletheia estaacute correto O que eacute menos correto a meu ver eacute a

afirmaccedilatildeo (que estaacute no texto acima citado de Cherubin e que eu natildeo reportei) de que a via de inqueacuterito eacute governada

por aletheia (ldquoa road whose orientation is governed by aletheiardquo veja nota 137 acima) Ora Parmecircnides diz

claramente que esta via de inqueacuterito eacute a via de peitho portanto eacute governada por peitho O fato de que peitho atenda

agrave aletheia natildeo autoriza a pular esta etapa sob pena de total desentendimento da proposta de Parmecircnides Uma

criacutetica semelhante deve ser feita a Mourelatos o qual apoacutes uma excelente e profunda anaacutelise de dizesios conclui

afirmando que a busca de Parmecircnides eacute pela aletheia (ldquoFor Parmecircnides it is a quest for aletheiardquo Mourelatos 2008

p 68) Parece-me que eacute o caso de repetir para Parmecircnides eacute um caminho de busca governado por um discurso

persuasivo (argumento bem conexo peitho) que garante a verdade O alvo de Parmecircnides natildeo eacute a verdade mas um

instrumento que garanta a verdade

Todos os estudiosos tecircm consciecircncia desta divisatildeo feita por Parmecircnides que redunda no bordatildeo aletheia-doxa

mas lentamente acabam se esquecendo que o alvo eacute a diferenciaccedilatildeo das proposiccedilotildees Entre os poucos que potildeem

isto em relevo estaacute Patriacutecia Curd ldquoIn promising to teach the kouros all things the goddess undertakes to impart

103

Πειθώ tradicionalmente associada a Afrodite representando assim a persuasatildeo da fala sedutora139

em Parmecircnides eacute associada a aletheia configurando uma persuasatildeo que leva agrave verdade Mas

podemos acrescentar mais a aletheia de que fala Parmecircnides natildeo eacute qualquer aletheia mas a

aletheia proacutepria da persuasatildeo como estaacute claramente caracterizado pelo verso 4 Portanto estou

convencido de que eacute totalmente inuacutetil ampliar o horizonte semacircntico da aletheia parmenidiana agraves

ideias mais abstratas que consideram a noccedilatildeo de verdade isoladamente e em si mesma Penso que

Parmecircnides restringia o sentido apenas agrave verdade do discurso ou melhor tratando-se de persuasatildeo

devemos dizer agrave verdade do argumento embora sejam discurso e argumento no sentido arcaico140

Infelizmente deste ponto de vista ficam enfraquecidas todas aquelas interpretaccedilotildees que tendem a

fazer de Parmecircnides o profeta da Verdade idealizada A proacutepria costumeira divisatildeo do poema em

duas partes a parte da verdade ou aletheia e a parte da opiniatildeo ou doxa natildeo se justifica sendo

apenas um bordatildeo didaacutetico muito distante da letra do texto parmenidiano141

to him what he must know to avoid the errors of mortals Thus he must learn what it is for something to be reliably

and he must learn both the criteria for reliability and the tests that will allow him to investigate and to evaluate

various claims for trustworthy and reliable being or what-isrdquo (Curd 2004 P 22) 139Mourelatos 2008 p 139 140 Num artigo extremamente esclarecedor a respeito da aletheia em Parmecircnides Germani mostra que o sentido arcaico

de discurso (legein) eacute muito diferente da noccedilatildeo de discurso apresentada por Platatildeo e Aristoacuteteles Citando

Aristoacuteteles (ldquoeacute falso dizer que o ser natildeo eacute ou o natildeo ser eacuterdquo ldquoτὸ μὲν γὰρ λέγειν τὸ ὂν μὴ εἶναι ἢ τὸ μὴ ὂν εἶναι

ψεῦδοςrdquo Metaph IV 1011 27b) ela nota que natildeo estaacute presente em Parmecircnides a noccedilatildeo de dizer a verdade como

algo restrito somente ao discurso e aproveitando as palavras de Lloyd (Lloyd 1966 p 422) ela diz ldquoO proacuteprio

Lloyd analisando o emprego arcaico de termos como χρέ e ἀνάγχη nota que noacutes podemos interpretar Parmecircnides

como se ele acreditasse que eacute logicamente necessaacuterio que o que eacute eacute e logicamente impossiacutevel que natildeo seja mas

parece provaacutevel que ele tambeacutem tenha concebido esta necessidade como condiccedilatildeo fiacutesica real do Ser e quando ele

descreve Ἀνάγχη como ltmantendogt o que eacute ltem liamesgt (830) isto pode natildeo ser uma mera metaacutefora poeacutetica

Portanto me parece que a proacutepria noccedilatildeo de falso natildeo encontre nenhum lugar na concepccedilatildeo parmenidiana Aquilo

que corresponde na passagem aristoteacutelica agrave falsidade ndash ldquodizer que o ser natildeo eacute ou que o natildeo ser eacuterdquo ndash eacute concebido

por Parmecircnides como uma impossibilidade que natildeo se refere apenas ao dizer mas que eacute inerente antes de tudo ao

proacuteprio serrdquo (Germani 1988 p 194) 141 Reporto exemplarmente um trecho de Solana Dueso exemplo que se multiplica ad libitum em muitos outros

estudiosos ldquoIn the presentation of the program we have the first terminological clue of the theoretical content It

would be about truth (aletheia) and opinions (doxai) both terms being of epistemic and not ontological contentrdquo

104

O Parmecircnides psicologo percebe que a persuasatildeo eacute um fato da lsquomentersquo ndash conceito este uacuteltimo

que assim como noacutes o entendemos lhe eacute estranho ndash fenocircmeno que ele consegue identificar

descrevendo as ocorrecircncias mentais como dissemos no nosso estudo de 129 E eacute o Parmecircnides

psicoacutelogo que identifica duas persuasotildees uma acompanhada da verdade e outra onde a crenccedila natildeo

eacute acompanhada da verdade Agrave primeira ele chama de πειθός que gera a sensaccedilatildeo de firmeza na

mente (ἀτρεμὲς ἦτορ) e acompanha a verdade a qual eacute por isto εὐκυκλέος bem conexa na variante

trazida por Simpliacutecio ou εὐπειθέος bem persuasiva naquela trazida por Sexto Empiacuterico142 Agrave

segunda ele chama de lsquoopiniatildeo dos mortaisrsquo na qual natildeo haacute uma πίστις ἀληθής um convencimento

acompanhado de verdade143

Esta distinccedilatildeo nos mostra a agudeza da observaccedilatildeo psicoloacutegica A certeza pode ser de dois

tipos ou eacute uma certeza que deixa espaccedilo a duacutevidas ou eacute uma certeza indubitaacutevel Isto expotildee um

problema gnosioloacutegico que pode ser assim formulado posto que se tem uma convicccedilatildeo (e todos

temos convicccedilotildees) como posso saber se esta convicccedilatildeo corresponde agrave verdade ou eacute uma convicccedilatildeo

sem fundamento e sem correspondecircncia com a realidade Resposta natildeo posso sabecirc-lo A minha

mente mostra apenas convicccedilatildeo e para saber se tal convicccedilatildeo eacute acompanhada de verdade ou se natildeo

(Solana Dueso 2007 p 275) No entanto exatamente do ponto de vista terminoloacutegico como o autor pretende na

apresentaccedilatildeo do programa a deusa natildeo diz que o kouros aprenderaacute ldquoabout truthrdquo mas diz que aprenderaacute o ldquoatremeacutes

etorrdquo o qual mesmo do ponto de vista teoreacutetico (aleacutem de terminoloacutegico) constitui um assunto muito diferente

daquele que o autor imagina (a verdade) Se se quiser dividir o poema em dois assuntos estes satildeo a persuasatildeo

verdadeira e a persuasatildeo natildeo verdadeira natildeo a verdade e a opiniatildeo 142A minha discussatildeo destes termos estaacute em Galgano (2012) 143Num trabalho interessante Buontempi evidencia mais claramente a diferenccedila entre pistis e peitho em Parmecircnides

Diz ela ldquo[Peitho] estaacute ligada agraves palavras eacute o estado a partir do qual se toma a palavra ou o estado produzido pela

escuta de palavrasrdquo (Bontempi p 50) Esse estado possui a ambivaecircncia de pertencer ao caminho do ldquoeacuterdquo ou agraves

opiniotildees dos mortais Jaacute ldquopistis eacute aquela relaccedilatildeo que se estabelece entre termos de um para o outro transparentes

e disponiacuteveis e cujo viacutenculo consiste na disponibilidade e capacidade de cada um de se exibir ao outro

completamenterdquo (p 53) Entretanto Buontempi utiliza uma metodologia arriscada pois pretende extrair o sentido

de peithos e pistis a partir da interpretaccedilatildeo do poema de Parmecircnides nada mais controverso

105

tem feacute verdadeira eacute necessaacuterio recorrer a algo extra-mental eacute necessaacuteria uma prova externa porque

a mente por si soacute natildeo consegue identificar uma sua convicccedilatildeo propria como verdadeira ou falsa

A diferenciaccedilatildeo de dois tipos de persuasatildeo no poema eacute clara e a discussatildeo desta diferenciaccedilatildeo

pertence agrave parte propedeutica pois natildeo se fala dela na parte do eon no fr 8 quando a ordem do

mundo eacute explicada com exceccedilatildeo do final do discurso da deusa onde ela anuncia o encerramento

de seu discurso confiaacutevel (πιστὸν λόγον) Isto significa que este tema faz parte do instrumental

argumentativo preacutevio que conduziraacute agrave sucessiva anaacutelise cosmoloacutegica Em outras palavras depois

de exposto o programa haacute uma parte propedecircutica que discute a diferenciaccedilatildeo entre as duas

persuasotildees e sucessivamente as duas persuasotildees satildeo apresentadas certamente a persuasatildeo

verdadeira constituiacuteda pelo fragmento 8 e talvez ndash mas em volta desta questatildeo haacute muita

controveacutersia ndash a persuasatildeo natildeo verdadeira que Diels reuniu nos fragmentos de 9 a 19144

A esse respeito eacute necessaacuterio acrescentar que haacute duas formas (entre outras) muito comuns nos

argumentos em uma uma sequecircncia argumentativa leva agrave conclusatildeo (como por exemplo no

silogismo claacutessico) enquanto em outra haacute primeiro o enunciado da conclusatildeo e depois a exposiccedilatildeo

dos argumentos que provam o enunciado Parmecircnides parece preferir este segundo caminho o qual

conveacutem mais ao estilo hieraacutetico de uma fala divina primeiro o enunciado eacute feito seria melhor

144Cabe a Rossetti o meacuterito de evidenciar uma forte estrutura metatextual no poema de Parmecircnides A excelente anaacutelise

de Rossetti por exemplo mostra que ldquo[] les consideacuterations exposeacutees das les fragments 2-7 sont preacuteliminaires et

propeacutedeutiques non seulement elles servent agrave chasser tant de preacutejugeacutes mais elles preacutesentent aussi les fruits drsquoune

recherche et drsquoune reacuteflexion qui a deacutejagrave eu lieu auparavant Une telle reacutefeacuterence au processus de deacutecantation qui a

rendu possible lrsquoeacutelaboration et la fixation drsquoun enseignement deacutetermineacute est extrecircmement rare Qursquoune telle donneacutee

teacutemoigne en faveur drsquoune tregraves nette ceacutesure entre le proegraveme et les contenus doctrinaux nrsquoest pas moins digne de

remarquerdquo (Rossetti 2010 p 205) Gostaria de acrescentar que as consideraccedilotildees natildeo satildeo apenas consideraccedilotildees

contecircm a exposiccedilatildeo de um meacutetodo (Rossetti na n 20 remete a Cerri o qual fala de premissas metodoloacutegicas) que

poreacutem natildeo eacute tambeacutem apenas um meacutetodo porque embora se trate de um caminho a seguir eacute o caminho principal

do mundo eacute sua lei intriacutenseca o seu princiacutepio (arche ou archai) Esta discussatildeo seraacute feita mais adiante

106

dizer proclamado e depois satildeo dadas algumas explicaccedilotildees do porque daquele enunciado Os

versos 23-4 atendem a esta forma uma proclamaccedilatildeo eacute anunciada (vv 1-2) e depois enunciada

(vv3-4) A proclamaccedilatildeo enunciada consiste em estabelecer qual eacute o caminho que pensa o inqueacuterito

com persuasatildeo natildeo a persuasatildeo falsa mas a verdadeira um caminho enfim que anda com a

verdade Explicado o verso 4 temos que esclarecer o verso 3

O verso 3 Natildeo se pode isolar gramaticalmente o verso 3 do anterior verso 2 (e nem do seu

correlativo verso 5) e portanto natildeo se pode esquecer que se trata de um caminho No entanto as

noccedilotildees envolvidas satildeo estaacuteticas e natildeo haacute nenhum elemento dinacircmico ou sequencial ou de qualquer

natureza minimamente motora que remeta agrave ideia de caminho

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Eacute ndash natildeo eacute ndash natildeo ser expressam noccedilotildees estaacuteticas o que a primeira vista parece natildeo

combinar com a ideia dinacircmica de caminho Pois o sentido deste ponto de vista eacute que o caminho

de pesquisa a pensar por ser um pensar que procede por um caminho natildeo eacute o pensar de um

momento mas um pensar que constroacutei (que segue por) um caminho A estaticidade das formas

verbais sugere entatildeo que no percurso seguido pelo pensar para que o inqueacuterito seja de verdadeira

persuasatildeo o ἔστιν o οὐκ ἔστι e o μὴ εἶναι por serem estaacuteticos devem ser constantes Esta noccedilatildeo

eacute estrutural o caminho de inquerito a pensar deve conter uma constante vaacutelida em qualquer

momento e qualquer passagem do caminho O fato de ser a afirmaccedilatildeo de uma constante estaacutetica

numa dimensatildeo de caminho (dinacircmica) reforccedila a ideia de algo externo ao processo de natureza

fixa a ser aplicado a algo de natureza processual ou seja eacute uma lei pois a noccedilatildeo de lei expressa

tambeacutem as relaccedilotildees fixas entre as dinacircmicas de elementos de um ou mais processos

Vamos observar a estrutura sintaacutetica do verso mais de perto ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ

ἔστι μὴ εἶναι Depois da conjunccedilatildeo correlativa ἡ μὲν ndash que se coadunaraacute com o ἡ δὲ de 25 (ἡ δ

107

ὡς) ndash o verso eacute constituiacutedo de duas unidades sintaacuteticas autocircnomas mas subordinadas ao verso 2

pelos adverbios ὅπως e ὡς ademais as duas unidades estatildeo ligadas pela conjunccedilatildeo τε καὶ Vejamos

entatildeo a construccedilatildeo sintaacutetica sem entrar ainda na semacircntica ou seja sem traduzir os termos ἔστιν

οὐκ ἔστι e μὴ εἶναι

por um lado (ἡ μὲν) que ἔστιν e tambeacutem que οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

A conjunccedilatildeo τε καὶ (e tambeacutem que) nos diz que temos duas oraccedilotildees que pela estrutura de todo o

fragmento devem ser completas embora possa parecer que natildeo o sejam pois vejamo-as

separadamante e sem os adverbios

1) ἔστιν

2) οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

A primeira oraccedilatildeo eacute sem sujeito e sem objeto sendo constituiacuteda somente pelo verbo a segunda

dependendo da interpretaccedilatildeo pode ser (21) sem sujeito tambeacutem e com objeto direto ou (22) com

ldquosujeitordquo de verbo impessoal e sem objeto A primeira eacute afirmativa enquanto a segunda eacute negativa

entretanto a segunda nega uma segunda negaccedilatildeo contida no objeto (ou ldquosujeitordquo do verbo

impessoal) eacute negaccedilatildeo de negaccedilatildeo

Conjunccedilatildeo

correlativa

Adverbio

relativo

sujeito verbo objeto

Verso 23 ἡ μὲν

Oraccedilatildeo 1 ὅπως --- ἔστιν ---

Oraccedilatildeo 21

Oraccedilatildeo 22

ὡς

ὡς

---

μὴ εἶναι

οὐκ ἔστι

οὐκ ἔστι

μὴ εἶναι

---

O grande misteacuterio destas palavras eacute exatamente que o sujeito sintaticamente explicito ou

subentendido mas necessariamente claro na primeira oraccedilatildeo natildeo aparece e talvez na segunda

108

tambeacutem natildeo Natildeo conveacutem nestas paacuteginas reconstruir a discussatildeo dos vaacuterios estudiosos em relaccedilatildeo

a esta falta145 de nosso lado enfrentaremos a questatildeo por outras providecircncias que em breve seratildeo

apresentadas Por enquanto vamos aproveitar o resumo das possibilidades de soluccedilatildeo reportadas

por Cordero (2005) Para o estudioso haacute quatro possibilidades a saber ldquoa) trata-se de um erro de

transmissatildeo de texto Se assim for este deve ser corrigido introduzindo o sujeito ausente b) haacute um

sujeito conceitual impliacutecito que deve ser buscado no resto do Poema c) natildeo haacute nenhum sujeito

possiacutevel e d) o sujeito deve ser extraiacutedo do predicado isolado pois o eacutestin ldquoproduzrdquo o sujeito As

quatro possibilidades encontraram defensoresrdquo 146

Natildeo penso que seja o caso de tomar partido agora faremos isto somente no fim de a nossa

anaacutelise por enquanto vamos prosseguir com as nossas consideraccedilotildees A primeira delas eacute que as

duas oraccedilotildees natildeo satildeo simplesmente conjuntas elas satildeo mais do que conjuntas porque apresentam

145O problema principal eacute a interpretaccedilatildeo do estin da primeira oraccedilatildeo Em grego esta sintaxe representa uma anomalia

e por causa disso a leitura natildeo encontra nenhuma regra interpretativa direta restando apenas a possibilidade de

interpretaccedilotildees indiretas e portanto fortemente controversas Reporto aqui como exemplo aleacutem das quatro linhas

interpretativas agrupadas por Cordero e apresentadas acima dois exemplos radicalmente opostos e inconciliaacuteveis

mas cada um com seu fundamento (indireto) impossiacutevel de ser contestado cabalmente O primeiro eacute de Robinson

o qual deixa em aberto as vaacuterias interpretaccedilotildees possiacuteveis do sujeito de estin e as vaacuterias interpretaccedilotildees possiacuteveis do

proacuteprio estin (se existencial locativo ou outros) com uma uacutenica exceccedilatildeo a saber o estin natildeo pode ser impessoal

ldquoThings are a little more problematic when the verb is used absolutely since one has to decide between the

existential the locative and the veridical interpretation or should one hesitate to back one or other exclusively to

leave open the possibility of multiple interpretations in any particular instance What seems out of the question

however is an interpretation of the absolute use of the verb to be as an impersonal use no-one to my knowledge

has ever yet been able to produce an instance of meaning it is in a way linguistically analogous to meaning it rains

or meaning it snows Whatever we know about the verb to be in Greek indicates that it always has a subject Since

none is specified here I take it that the only fair thing to do is to say so and leave the matter in abeyance until such

time as Parmenides himself decides to let us in on his secretrdquo (Robinson 1975 p 625)

Mas exatamente do lado oposto Cordero defende o sujeito impessoal (para o qual ele daacute uma interpretaccedilatildeo

especiacutefica dos verbos impessoais) e diz ldquoSi tenemos em cuenta esta interpretaccedilatildeo de los verbos impersonales no

dudamos em afirmar que em 23a y 25a los dos eacutestin em tanto elementos autoacutenomos hasta entonces estaacuten

utilizados de forma impersonal Entonces del mismo modo em que ldquollueverdquo significa ldquose da ahora el hecho de

lloverrdquo ldquoel llover estaacute presente ahorardquo ldquoesrdquo significa ldquose da ahora el hecho de serrdquo ldquoel hecho de ser estaacute presente

ahorardquo (Cordero 2005 p 70) 146Cordero 2005 p 63

109

uma uacutenica noccedilatildeo em trecircs variaccedilotildees ἔστιν οὐκ ἔστι e μὴ εἶναι satildeo variaccedilotildees do campo semacircntico

de εἰμί o verbo ser Seriam simplesmente conjuntas se apresentassem verbos e objetos diferentes

Naturalmente uma construccedilatildeo deste tipo com verbos e objetos diretos diferentes seria possiacutevel147

e apresentaria duas oraccedilotildees sintaticamente independentes e conjuntas Mas no nosso caso a

construccedilatildeo eacute feita com trecircs formas do mesmo verbo que muito dificilmente tecircm uma conexatildeo

apenas conjuntiva

Ademais a segunda afirmaccedilatildeo duplamente negativa faz pensar agrave estrutura da citaccedilatildeo

platocircnica a qual natildeo eacute sintaticamente igual mas muito semelhante que nunca os natildeo entes sejam

onde tambeacutem uma negaccedilatildeo duplamente reforccedilada (Οὐ δαμῇ ndash μήποτε) recusa existecircncia aos natildeo

entes implicando apenas variaccedilotildees formais de εἶναι desta vez com o particiacutepio no neutro plural

τὰ ἐοντα que natildeo estaacute presente no fr 2

Estes elementos a mais precisam ser investigados Vamos comeccedilar pela conjunccedilatildeo148 τε καὶ

em geral traduzido por simples conjunccedilatildeo pelos criacuteticos assume aqui um valor mais forte O fato

que seja uma conjunccedilatildeo elimina de iniacutecio a interpretaccedilatildeo do verso 3 como uma disjunccedilatildeo149 Mais

que uma conjunccedilatildeo as duas subordinadas satildeo ligadas por uma conexatildeo vital onde o τε καὶ no

sentido de lsquotambeacutemrsquo ou ateacute mesmo lsquoambosrsquo representa a conjunccedilatildeo de uma segunda parte

reforccedilando a primeira natildeo porque explica mas simplesmente porque as duas fazem parte de um

147Por exemplo ldquoos uacutenicos caminhos de inqueacuteritos a pensar por um lado que examina e que natildeo eacute natildeo avaliarrdquo 148 Humbert (1954) ldquoDrsquoailleurs drsquoune faccedilon geacuteneacuterale une certaine indetermination inseparable de la poesie qui

exprime moins qursquoelle ne suggegravere est peu favorable agrave un employ rigoreux et preacutecis des particulesrdquo (p 370) 149Mansfeld (1960) reportado por Meijer (1997 p 100 and passim) O argumento de Mansfeld parte da consideraccedilatildeo

de que o silogismo disjuntivo natildeo precisa de sujeito (aqui o argumento de Parmecircnides natildeo precisaria de um sujeito

para o esti) A (ἔστιν) ou B (οὐκ ἔστι μὴ εἶναι)

110

todo150

Este reforccedilo da conjunccedilatildeo diria ateacute mesmo esse entranhamento pode ser melhor notado se

fazemos a comparaccedilatildeo do segundo emistiacutequio (ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι) com a citaccedilatildeo platocircnica do

bordatildeo parmenidiano (71 Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ φησίν εἶναι μὴ ἐόντα)

Expressatildeo da negaccedilatildeo Verbo ldquosujeitordquo da

completiva

negado

Citaccedilatildeo platocircnica Τοῦτο Οὐ δαμῇ εἶναι μὴ ἐόντα

Segundo emistiacutequio οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

O paralelismo segundo esta construccedilatildeo embora de iniacutecio possa parecer improacuteprio natildeo soacute

natildeo eacute impossiacutevel como tambeacutem me parece respeita mais fielmente o texto de Parmecircnides Ou seja

a dinacircmica principal da expressatildeo a injunccedilatildeo da deusa eacute dada pelo verbo οὐ δαμῇ o qual

independentemente de toda a discussatildeo filoloacutegica possiacutevel151 apresenta um sentido claro natildeo deve

prevalecer o pensamento de que os natildeo-entes sejam

Natildeo prevaleccedila isto natildeo prevaleccedila que os natildeo-entes sejam A equivalecircncia entre isto (τοῦτο)

e que os natildeo-entes sejam (εἶναι μὴ ἐόντα) fica clara Neste caso fica claro tambeacutem o sentido e o

150Aparentemente (pelo que pude descobrir) natildeo haacute estudos atuais completos sobra as partiacuteculas em grego antigo e

parece que o uacuteltimo foi de Denniston (1954) De laacute para caacute as partiacuteculas foram estudadas por trabalhos especiacuteficos

e separadamente por aacutereas literaacuterias (eacutepica trageacutedia etc) deixando uma lacuna na poesia onde o uso eacute muito menos

rigoroso (ver n 17) e oferece maiores dificuldades de interpretaccedilatildeo Um status questionis da problemaacutetica de te kai

possivelmente encontra-se em um artigo de proacutexima publicaccedilatildeo do qual por enquanto soacute consegui o abstract

Bonifazi (2012)rdquo 151Discussatildeo natildeo pequena posto que δαμάζω pode ser ativo ou passivo e δαμῇ eacute melhor entendido em sentido ativo

mas eacute exclusivamente atestado em passivo gerando inseguranccedila sobre as funccedilotildees de τοῦτο e μὴ ἐόντα e ateacute mesmo

obrigando LSJ a postular um uso novo em Parmecircnides e traduzir ad sensum ldquoit shall never be proved thatrdquo (LSJ

δαμάζω V)

111

paralelismo com 23 De fato lsquonatildeo prevaleccedilarsquo (natildeo venccedila nunca seraacute provado ou todas as variaccedilotildees

que os vaacuterios estudiosos excogitaram) significa de fato lsquoque natildeo aconteccedilarsquo lsquoque natildeo sejarsquo e afinal

lsquoοὐκ ἔστιrsquo Esta eacute a tese de Parmecircnides assim como apresentada por Platatildeo Este eacute o sentido mais

seguro confortado pelo mais antigo testemunho e pela mais alta autoridade filosoacutefica da

antiguidade Platatildeo que se dedicou com afinco ao estudo de Parmecircnides ao ponto natildeo soacute de lhe

dedicar dois diaacutelogos e muitas passagens mas ateacute mesmo de afirmar muito modestamente de natildeo

ter certeza de ter entendido o veneraacutevel e terriacutevel eleata

Muitos autores se referem a Parmecircnides como o filoacutesofo do ser152 isto estaacute certo Mas muitos

se esquecem de lembrar que ele eacute o filoacutesofo do natildeo ser e isto natildeo faz justiccedila ao eleata Vamos entatildeo

esclarecer essa noccedilatildeo posto que vem exatamente de Platatildeo e que certa orientaccedilatildeo da antiga escola

alematilde de histoacuteria da filosofia colocou na sombra em favor da noccedilatildeo de ser O segundo hemistiacutequio

de 23 soa assim (os uacutenicos caminhos de inqueacuterito a pensar satildeo por um lado) [] que natildeo eacute natildeo

ser O fato singular eacute que aleacutem da repeticcedilatildeo da negaccedilatildeo tem tambeacutem a repeticcedilatildeo do verbo εἰμί

Obviamente natildeo se trata de uma ditografia e portanto teremos que diferenciar o primeiro negar

(οὐκ ἔστι) do segundo negar (μὴ εἶναι) O primeiro negar eacute feito pela partiacutecula negativa οὐκ e o

presente do indicativo ἔστι A traduccedilatildeo simples e direta soa natildeo eacute De iniacutecio ndash apenas de iniacutecio

pois a seguir se veraacute que οὐκ ἔστι eacute modal ndash natildeo parece haver dificuldade quanto agrave traduccedilatildeo em si

restando apenas o problema da falta de sujeito Se lsquonatildeo eacutersquo estaacute certo resta descobrir ao que se refere

152Atualmente haacute autores que evitam ateacute a questatildeo do ser e que se limitam apenas ao verbo ser isto eacute a questotildees

linguiacutesticas Para estes criacuteticos Henn estreia uma nova categoria a ontofobia ldquoConteporary critics avoid talk of

fundamental existence because the concept of Being-as-such makes them feel unconfotable and remains for them

a nebulous indeterminate cipher an empty notion this ontophobia however has no grounding in factrdquo (Henn

2003 p 120)

112

e natildeo haacute outro candidato a ser alvo dessa negaccedilatildeo que o seguinte μὴ εἶναι

Natildeo parece haver atestaccedilatildeo de μὴ εἶναι na poesia eacutepica Pela pesquisa no TLG as primeiras

atestaccedilotildees parecem ser da eacutepoca de Parmecircnides se natildeo sucessivas sendo que neste uacuteltimo caso

ele deve estar entre os primeiros a usar esta expressatildeo Mas aguardando resultados filoloacutegicos mais

precisos podemos dizer que a noccedilatildeo de εἶναι contida no segundo negar natildeo deve ser a mesma do

primeiro sob pena de gerar uma contradiccedilatildeo de termos incompreensiacutevel mas que justamente neste

sentido aticcedilou a fantasia de muitos criacuteticos Penso por exemplo agravequeles que quiseram ver as duas

negaccedilotildees apenas no sentido gramatical153 e acabam achando o argumento de Parmecircnides fraco ou

tautoloacutegico quando natildeo inconsistente Mas o primeiro negar (οὐκ ἔστι) quer negar um outro negar

(μὴ) especiacutefico aquele que nega εἶναι154

153Por exemplo C Kahn cuja uacutenica conclusatildeo segundo sua leitura seria que ldquoIf we restate Parmenidesrsquo claim in the

modern formal mode it might run lsquom knows that prsquo entails lsquoprsquo In Kahn (2009) pp 153-4

Kahn eacute um interprete famoso e importante do texto parmenidiano Segundo ele proacuteprio relata ao se dedicar ao

estudo de Parmecircnides se deparou com a dificuldade de entender o uso que o eleata faz do verbo ser e aleacutem disso

se deparou com uma carecircncia de estudos a respeito Mergulhou assim no estudo de einai e produziu um dos mais

importantes trabalhos sobre o assunto que jaacute foram escritos The verb be in ancient Greek que recebeu uma segunda

ediccedilatildeo ampliada em 2003 depois de mais de 30 anos Resumidamente Kahn identifica seis grupos de uso do verbo

ser o uacuteltimo dos quais eacute um uso que segundo ele comeccedila com Parmecircnides Os primeiros cinco usos satildeo

encontrados em Homero o sexto eacute poacutes-homeacuterico tipo I uso vital tipo II (que se divide em IIA e IIB) afirmaccedilotildees

mistas de objetos singulares tipo III locativo existencial tipo IV o operador da frase existencial tipo V eimi como

predicado superficial ou verbo de ocorrecircncia jaacute o sexto natildeo recebe uma definiccedilatildeo uacutenica porque apresenta variaccedilotildees

complexas as quais tornam ldquothe Type VI the most problematic of all uses of eimirdquo (p 300) Chega ele entatildeo a mais

um tipo de uso que ele chama veridic que talvez em portuguecircs seja melhor rendido por veritativo O uso

veritativo seria afinal uma nuance do uso existencial Em relaccedilatildeo a Parmecircnides o grande aparato colocado em

jogo por Kahn esconde todavia alguns problemas os quais natildeo aparecem no estudo em questatildeo mas nos artigos

especiacuteficos sobre o eleata Aqui reporto aquele que me parece o seu erro fundamental alguns outros satildeo abordados

em minha recensatildeo a Essays on being (Galgano 2012) No seu famoso ldquoThe thesis of Parmenidesrdquo (originalmente

em Review of Metaphysics 1969 e aqui retomado de Essays on being 2009) Kahn potildee a questatildeo desta forma

ldquoQual era a pergunta que Parmecircnides fez a si proacuteprio e para a qual ele pensava que sua tese fosse a respostardquo (p

144) Kahn assim responde

ldquoThe problem which Parmenides raises from the beginning of his poem is not the problem of cosmology but

the problem of knowledge more exactly the problem of the search for knowledge the choice between

alternative ways for thought and cognition to travel on in pursuit of Truthrdquo (p 147) 154Um bom estudo sobre a diferenccedila entre estas duas negaccedilotildees encontra-se em Cassin 1998 p 200-211

113

Vou repetir a sequecircncia porque por um lado a accedilatildeo do primeiro negar eacute predicativa por outro

lado a noccedilatildeo predicada eacute maacutexima e acaba por gerar um pequeno desconforto argumentativo O

primeiro negar nega um segundo negar este segundo negar nega εἶναι Ou seja o segundo negar eacute

um lsquonegar algo especiacutefico (εἶναι)rsquo O conceito se torna claro se se manteacutem presente o sentido

psicoloacutegico muito mais que o gnosioloacutegico da expressatildeo parmenidiana Negar algo eacute o que fazem

ambas as expressotildees tanto do primeiro quanto do segundo negar Mas o segundo negar eacute a accedilatildeo

especiacutefica de negaccedilatildeo de εἶναι a qual eacute uma accedilatildeo da mente eacute um comportamento concreto o

comportamento mental de negar εἶναι Parmecircnides diz que o caminho persuasivo eacute aquele que nega

que se possa ter o comportamento mental especiacutefico de negar εἶναι natildeo eacute possiacutevel (ter o

comportamento mental de) negar εἶναι

Este eacute um ponto que gerou muita confusatildeo Parmecircnides natildeo nega que se tenha que negar

como se ele proacuteprio ao dizer que o natildeo ser natildeo eacute estivesse cometendo o maior dos disparates auto-

contraditoacuterios Satildeo muitiacutessimos os que interpretam Parmecircnides desta forma e depois cansados de

natildeo achar o fio da meada acabam dizendo que Parmecircnides eacute o filosofo do ser (apenas) Parmecircnides

usa gramaticalmente a negaccedilatildeo e tambeacutem a usa gnosiologicamente e epistemicamente Daacute para se

dizer mais daacute para dizer que ele usa a negaccedilatildeo de forma magistral como poucos souberam usar na

histoacuteria da filosofia De fato o segundo hemistiacutequio assevera que haacute um percurso mental que eacute

persuasivo (v 4) quando natildeo segue μὴ εἶναι Mais uma vez o percurso mental de inqueacuterito eacute

persuasivo quando natildeo se comporta mentalmente negando εἶναι quando natildeo tem a atitude de negar

εἶναι Resta descobrir o que eacute εἶναι

εἶναι eacute um infinitivo Como se sabe o infinitivo eacute a expressatildeo verbal depauperada de todo

sentido acessoacuterio ao ponto que ldquoCrsquoest de cette faccedilon neacutegative que lrsquoinfinitif a eacuteteacute deacutefini comme

114

repreacutesentant lrsquoideacutee verbale nuerdquo155 Os mais variados estudos natildeo conseguiram explicar de forma

convincente um sentido especiacutefico para o uso feito por Parmecircnides Por exemplo ldquoThe verb lsquobersquo

in ancient Greekrdquo156 um dos estudos mais completo sobre o tema se vecirc obrigado a atribuir a

Parmecircnides um uso supostamente novo mas de forma improacutepria e desnecessaacuteria157 Eu penso que

quando Parmecircnides quis utilizar um novo sentido inventou um novo termo to eon (invenccedilatildeo na

linha jaacute consolidada de substantivar verbos no gecircnero neutro) Natildeo fez o mesmo com εἶναι e suas

demais formas verbais razatildeo pela qual o sentido deve ser buscado nas acepccedilotildees tradicionais que

satildeo muacuteltiplas e equiacutevocas como diraacute mais tarde Aristoacuteteles

No infinitivo εἶναι expressa a ideia geral do verbo num campo semacircntico que vai desde

lsquopresenccedilarsquo e ateacute a funccedilatildeo predicativa comum a muitas liacutenguas indo-europeias Eacute inuacutetil buscar um

sentido preciso como lsquoexistirrsquo ou lsquoestar presente localmentersquo ou outro εἶναι significa tudo isto

principalmente porque usado na forma negativa se propotildee a negar qualquer positividade logo se

trata da negaccedilatildeo da presenccedila (sentido locativo) do atributo (sentido predicativo) da vardade

(sentido veritativo) da existecircncia (sentido existencial) e todos os demais sentidos e as demais

nuances que εἶναι pode ter genericamente podemos nos limitar ao sentido existencial porque eacute

mais cocircmodo para a nossa liacutengua exatamente na medida em que para a nossa compreensatildeo atual

155Humbert (1954) p 125 156Kahn (2003) passim 157Kahn extrai o sentido de εἶναι em Parmecircnides natildeo do uso que o eleata faz mas do contexto geral da mensagem

parmenidiana Teoricamente seria um meacutetodo viaacutevel posto que se consiga entender corretamente a mensagem do

filoacutesofo Na praacutetica no caso do poema de Parmecircnides que verte exatamente sobre εἶναι e seus derivados haacute um

risco enorme ndash ao qual em minha visatildeo Kahn sucumbiu ndash de cair num petitio principii onde o sentido de εἶναι eacute

extraiacutedo da mensagem filosoacutefica geral (Kahn o extrai de 129 que eacute o lsquoiacutendice parmenidianorsquo e portanto poderia

oferecer a ideia geral do poema) e por sua vez a mensagem filosoacutefica eacute obtida a partir do sentido de εἶναι Kahn

acredita ter encontrado no sentido lsquoveritativorsquo o novo uso que Parmecircnides faz de εἶναι

115

qualquer um dos outros sentidos estaacute incluiacutedo necessariamente no sentido existencial Em

portuguecircs a palavra que expressa εἶναι com a mesma equivocidade ou pluralidade de sentido numa

riqueza proacutexima ao grego eacute o verbo lsquoserrsquo158 Parece-me perfeitamente inuacutetil cercear o sentido de

forma francamente artificial para dar espaccedilo a polecircmicas fictiacutecias159 Ateacute mesmo para a acepccedilatildeo de

lsquoexistirrsquo se construiacuteram criacuteticas factoacuteides onde se chega a discutir se Parmecircnides pensasse ou natildeo

que seres natildeo existentes como quimeras e outros seres mitoloacutegicos pudessem ser incluiacutedos na

leitura predicamental160 Principalmente eacute necessario manter a equivocidade do termo porque

corresponde agrave forma mentis do autor e natildeo se deve exigir distinccedilotildees que natildeo eram processadas por

aquela cultura sob pena mais uma vez de atribuir aos antigos a nossa proacutepria forma mentis pecado

158Para εἰμί o dicionaacuterio LSJ apresenta sete campos (de A a G) com 16 acepccedilotildees e mais vaacuterias subacepccedilotildees Para o

verbo lsquoserrsquo o dicionaacuterio Houaiss apresenta 19 acepccedilotildees das quais 14 verbais e 5 como substantivo as subacepccedilotildees

satildeo exemplificadas mas natildeo classificadas 159 Um interessante resumo dessas polecircmicas pode ser visto em Gallop (1979) embora eu natildeo compartilhe a sua

interpretaccedilatildeo do fragmento 2 Apoacutes fazer criacuteticas detalhadas a Kirk amp Raven Mourelatos Kahn Furth e ateacute mesmo

Owen do qual compartilha a interpretaccedilatildeo existencial ele faz uma paroacutedia do Hamlet de Shakespeare e imagina o

famoso monoacutelogo sem o resto da peccedila faltando pedaccedilos e o verso seguinte ao to be or not to be na paroacutedia ele

imagina os criacuteticos se perguntando a respeito do sentido veritativo ou predicativo e se to be or not to be that is the

question onde a questatildeo seria se haacute de ser ou natildeo ser branco (predicativo) ou haacute ou natildeo haacute um hipopoacutetamo no

zooloacutegico (existencial) ou se ser branco ou natildeo ser branco eacute o caso (veritativo) (p 74-75)

Uma situaccedilatildeo teatral se encontra tambeacutem em Furth (1974) o qual imagina um diaacutelogo entre Parmecircnides e

Betathon um alieniacutegena cujos pressupostos ontoloacutegicos proacuteprios (a persons ontology p 250) satildeo totalmente

diferentes Furth conclui que Parmecircnides usa um meacutetodo eleacutenctico do qual a ontologia apresentada no poema eacute

um mero corolaacuterio 160De novo Kahn (2009) que diz ldquoTo take the philosophical objection first it is simply false to say that you cannot

think or talk about (point out in speech phrazein) what does not exist And the falseness of this would be obvious

to any Greek who reflected for a moment on the profusion of monsters and fantastic creatures in traditional poetry

and myth from Pegasus to the children of Gaia with a hundred arms and fifty heads apiece (Hesiod Theogony

150)rdquo (p172) Mais agrave frente mostramos que exatamente na questatildeo filosoacutefica Kahn estaacute errado e Parmecircnides estaacute

certo eacute impossiacutevel pensar e dizer o natildeo-ser

E na onda de Kahn muitos outros autores simplesmente esquecem o desafio filosoacutefico de Parmecircnides e

restringindo o texto agrave questatildeo gramatical afirmam que Parmecircnides escreveu disparates Veja-se esse exemplo de

dois autores um (Bredlow) citando o outro (Ketchum) (a respeito da rejeiccedilatildeo da via do natildeo eacute) ldquoOn the existential

interpretation this argument becomes utterly unsound of course we can talk of the nonexistentrdquo e na nota que

acompanha ele continua ldquoAs Ketchum (1990 186) rightly states ldquoMost of what Parmenides tells us about why

what-is-not is unthinkable etc is false and if I may say so fairly obviously false on the existence interpretationrdquo

(Bredlow 2011 284) Parmecircnides natildeo escreveu disparates os autores acima estatildeo equivocados

116

fatal para um historiador da filosofia161

Entatildeo de iniacutecio a traduccedilatildeo de μὴ εἶναι com lsquonatildeo serrsquo ateacute mesmo por ser equiacutevoca (para a

nossa sensibilidade) manteacutem a equivocidade proacutepria da eacutepoca e da liacutengua da eacutepoca162 Posta entatildeo

esta equivocidade precisamos saber se expressa um sentido filosoacutefico antes de tudo para a eacutepoca

e depois para noacutes A comparaccedilatildeo de 23 οὐκ ἔστι μὴ εἶναι com 71 Οὐ δαμῇ εἶναι μὴ ἐόντα que eacute

o testemunho de Platatildeo nos faz entender que nestas palavras natildeo soacute se encontra um sentido

filosoacutefico mas ateacute mesmo o sentido principal da filosofia de Parmecircnides Retomando entatildeo a

construccedilatildeo precisamos entender porque pensar o natildeo ser (μὴ εἶναι) eacute algo que natildeo eacute possiacutevel ou

que natildeo se deve ou que simplesmente natildeo eacute (natildeo acontece) segundo a expressatildeo usada por

Parmecircnides οὐκ ἔστι

Haveria outras possibilidades de traduccedilatildeo163 mas estas variaccedilotildees podem ser interessantes

para evidenciar nuances aqui e acolaacute mas tendo a possibilidade de utilizar o verbo lsquoserrsquo num uso

proacuteximo do grego natildeo precisamos recorrer agrave circumlocuccedilotildees e podemos traduzir οὐκ ἔστι com

161Veja-se este exemplo Falando a respeito de DK B2 Tugwell diz ldquoParmenides went wrong on two points first in

his belief that existence is an essential property of a thingrdquo (Tugwell 1964 p 36) Natildeo um soacute dos conceitos

envolvidos pertence agrave eacutepoca de Parmecircnides nem existecircncia nem propriedade essencial e nem mesmo coisa que

para Parmecircnides eacute algo receacutem inventado por ele mesmo (eon) e tem dimensatildeo coacutesmico-ontoloacutegica muito diferente

da noccedilatildeo aqui expressa que poderia muito bem ser substituiacuteda por uma variaacutevel x por exemplo Mas haacute tambeacutem

estudos que privilegiam o enfoque linguiacutestico mas natildeo fogem do questionamento ontoloacutegico como por exemplo

o de Sandywell que chega a interpretar o poema tratando-o estrategicamente como um poderoso trabalho de

retoacuterica (Sandywell 1996 p 319 mas se veja o inteiro capiacutetulo p 295-335) 162A ambiguidade semacircntica de einai eacute defendida tambeacutem por Trindade Santos (Santos 2007) poreacutem com outros

argumentos 163 Um outro caminho possiacutevel de traduccedilatildeo utilizado principalmente pelos autores de liacutengua inglesa por motivos

idiosincraacutesicos da liacutengua eacute utilizar uma expressatildeo cuja noccedilatildeo tambeacutem eacute ampliacutessima e equiacutevoca lsquocoisarsquo Mas esta

expressatildeo por ser um substantivo natildeo possui o aspecto dinacircmico que o verbo tem sendo assim necessaacuterio

acrescentar o verbo ser portanto eacute possiacutevel traduzir com lsquoas coisas que satildeorsquo Outra possibilidade eacute usar o pronome

lsquoquersquo em sentido predicativo em substituiccedilatildeo de coisa ou coisas Outra ainda eacute o pronome demonstrativo (aquilo

isto) ou o indefinido (algo) com a mesma funccedilatildeo substitutiva de coisa(s) no sentido mais indefinido possiacutevel

117

lsquonatildeo eacutersquo164 e μὴ εἶναι com lsquonatildeo serrsquo Diz o segundo hemistiacutequio

Os uacutenicos caminhos de inqueacuterito ao pensar satildeo

Por um lado [] e que natildeo eacute natildeo ser

Se tiveacutessemos seguido a ordem metodoloacutegica tradicional ao examinar 23 teriacuteamos analisado

primeiro ἔστιν e depois οὐκ ἔστι μὴ εἶναι E se agora depois de estudar o segundo hemistiacutequio

voltaacutessemos nossa atenccedilatildeo ao primeiro hemistiacutequio natildeo teriacuteamos ganho metodoloacutegico nehum pois

redundariacuteamos na leitura por pressupostos onde o sentido de ἔστιν eacute obtido pelo pressuposto de

que ἔστιν significa em grego lsquoeacutersquo mas dessa forma se chega aos resultados inconclusivos jaacute

tentados por vaacuterios ou ateacute mesmo por todos os estudiosos165 O dado concreto eacute que o poema natildeo

oferece nenhuma definiccedilatildeo direta de ἔστιν embora apresente muitos σήματα de ἐὸν 166 Em

164Laacute onde em inglecircs haacute obrigatoriedade de se explicitar o sujeito lsquowhat is notrsquo 165Haacute muitos estudos sobre o estin parmenidiano do verso 3 do fragmento DK 2 Principalmente depois dos primeiros

questionamentos a respeito do assim chamado sentido existencial ou melhor dizendo depois que alguns criacuteticos

ndash entre os que iniciaram o mais citado parece ser Calogero ndash comeccedilaram a sugerir que atraacutes do estin natildeo se escondia

uma questatildeo filosoacutefica mas uma questatildeo linguiacutestica Lendo trabalhos recentes se tem a impressatildeo que os estudiosos

natildeo querem explicar a filosofia de Parmecircnides mas o estin de Parmecircnides alguns acham que natildeo haacute outro jeito a

natildeo ser explicar o estin como na citaccedilatildeo a seguir ldquoAny interpretation of this crucial passage has to begin by

answering two related questions (1) what is the subject of is at B23 and 5 and (2) what is the sense of the word

isrdquo (Bredslow 2011 283) Por sorte alguns autores percebem que natildeo faz muito sentido (filosoacutefico) correr atraacutes

do estin isoladamente ldquo[] it seems to me that in order to unpack the true meaning of this floating and isolated

verb we must look not to its history and contemporary usagemdashas if the one word could stand by itselfmdashbut to the

negations in which the esti is cashed out right in the same line and then extensively in fragment 8 We will then it

is true be without an explanation in the verb itself for why these specific signposts or road-markers are chosen

But we will at least be able to monitor more closely how the esti actually behavesrdquo (Austin 2014 p 4) 166Trata-se de outra confusatildeo muito comum entre os estudiosos principalmente os mais atuais menos habituados agraves

insiacutedias do texto de Parmecircnides De fato sem poder justificar e compreender o estin no fragmento 2 recorrem aos

argumentos do fragmento 8 Mas os argumentos do fragmento 8 se referem ao eon algo totalmente diferente do

estin gerando todo tipo de gongorismo argumentativo Veja-se uma discussatildeo deste tipo em Stokes onde o autor

discute as vaacuterias noccedilotildees incluindo vaacuterios fragmentos chamando em causa alguns interlocutores (Owen Taraacuten

Sprague) num carroussel hermenecircutico impressionante (Stoke 1971 p 109-148)

118

compensaccedilatildeo o poema fala amplamente de μὴ εἶναι E natildeo precisa ir muito longe para encontrar

referἑncias para a noccedilatildeo de μὴ εἶναι pois encontramos muitos dados nos versos de 5 a 8 do nosso

fragmento Iremos portanto ao verso 25 e subsequentes

424 Os versos 5 a 8 ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι

425 τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν

426 οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

427 οὔτε φράσαις

Vamos relembrar a letra ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι Haacute uma construccedilatildeo

paralela ao verso 3 dois hemistiacutequios onde no segundo encontramos nosso μὴ εἶναι e o caminho eacute

chamado de παναπευθέα termo que muito fez e faz sofrer os filoacutelogos O sentido geral poreacutem eacute

claro quer se queira traduzir como lsquode todo incriacutevelrsquo167 ou como lsquocompletamente inconosciblersquo168

ou lsquowholly without reportrsquo169 ou como outro Em suma a noccedilatildeo geral eacute que haacute uma dificuldade

intransponiacutevel em seguir este caminho e o por que eacute explicado a seguir Aqui tambeacutem Parmenides

primeiro enuncia a tese (segundo a conveniecircncia da expressatildeo de uma deusa) e depois propootildee o

argumento explicando o porquecirc do enunciado Ora a novidade cultural eacute exatamente esse porquecirc

167Cavalcante de Souza (1978) 168Cordero (2005) p 219 169Coxon (2009) p 56

119

onde as afirmaccedilotildees natildeo satildeo mais apenas impostas por sua forccedila hieraacutetica mas precisam de

explicaccedilotildees170

O nosso primeiro problema eacute que os enunciados natildeo satildeo claros para noacutes Entatildeo podemos

pedir clareza aos argumentos Qual eacute o argumento Eis a resposta de Parmecircnides οὔτε γὰρ ἂν

γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)οὔτε φράσαις Aqui a traduccedilatildeo eacute mais clara e natildeo haacute muita

divergecircncia entre os criacuteticos pois nem poderiacuteas conhecer o que natildeo eacute (pois eacute impossiacutevel) nem o

dirias Haacute aqui um claro objeto do discurso τό μὴ ἐὸν que sem hesitaccedilatildeo desta vez podemos

traduzir lsquoo que natildeo eacutersquo Sem hesitaccedilatildeo porque τὸ ἐὸν egrave uma expressatildeo desconhecida antes de

Parmecircnides aparece com ele egrave estudada por seus disciacutepulos e pelos seus criacuteticos (de Melisso a

Aristoacuteteles) e eacute reportada pela doxografia como invenccedilatildeo parmenidiana

A noccedilatildeo exposta por Parmecircnides eacute sequencial o caminho de inquerito que pensa οὐκ ἔστιν

aqui chamado de ἀταρπόν natildeo pode ser percorrido porque egrave impossiacutevel lsquoconhecerrsquo (γνοίης ndash

segunda pessoa do optativo aoristo ativo de γιγνώσκω) o que natildeo eacute e vamos deixar para depois a

questatildeo do dizer (οὔτε φράσαις) Vamos concentrar nossa atenccedilatildeo sobre γνοίης Para noacutes eacute menos

importante a traduccedilatildeo estilisticamente precisa e mais importante a precisatildeo da noccedilatildeo filosoacutefica

exposta Em relaccedilatildeo a esta palavra houve (e ainda haacute) uma discussatildeo acirrada Discute-se se traduzir

como lsquoconhecerrsquo como fazem alguns171 ou lsquoreconhecerrsquo como fazem outros172 e principalmente

que sentido atribuir ao lsquoconhecerrsquo Eu penso que considerado o contexto natildeo se trata do conhecer

170Rossetti (2010) A necessidade de explicaccedilotildees natildeo mais soacute dos autores mas tambeacutem da audiecircncia que agora requer

argumentos 171Gallop (1984) p 55 Coxon (2009) p 56 Taran (1965) p 32 mas tambeacutem muitos outros 172Barnes (1982) p 124

120

epistecircmico mas do conhecer gnosioloacutegico ou seja da capacidade que a mente possui de estabelecer

um processo de cognitivo E que se trate de processo eacute claro pela terminologia variada que

Parmecircnides usa mas principalmente pela sua ὁδός que ficaraacute para sempre como metaacutefora perfeita

dos procedimentos a serem tomados para realizar tarefas de qualquer natureza e viraacute a receber o

nome de meacutetodo

Para o meacutetodo do pensar epistecircmico diz Parmecircnides natildeo eacute conveniente correr sobre um

certo percurso porque sobre ele haacute ao menos uma etapa onde se deveria lsquoconhecerrsquo o τό μὴ ἐὸν

mas isto eacute impossiacutevel Na verdade os termos usado ἀνυστόν (reportado por Simpliacutecio) ou sua

variante ἐφικτόν (reportada por Proclo) tecircm ambos um sentido processual quero dizer que a tarefa

de pensar o τό μὴ ἐὸν natildeo apresenta uma impossibilidade que se realiza imediatamente mas uma

que implica um processo o qual eacute impossiacutevel porque natildeo pode ser levado a termo De fato ἀνυστόν

significa lsquoser completadorsquo lsquopraticaacutevelrsquo enquanto ἐφικτόν significa lsquofaacutecil de alcanccedilarrsquo lsquoacessiacutevelrsquo

Ambos os termos tecircm sentido dinacircmico e processual e a negaccedilatildeo que Parmecircnides faz significa que

este processo natildeo pode ser levado a termo

De que processo se trata Em minha visatildeo lembrando o Parmecircnides psicoacutelogo que

encontramos no verso 129 e de toda a discussatildeo sobre noein (cap 1) se trata do processo concreto

de pensar a negaccedilatildeo do ser Como pude notar na minha precedente dissertaccedilatildeo173 Parmecircnides eacute de

aacuterea de formaccedilatildeo pitagoacuterica e os pitagoacutericos ndash como nos diz Aristoacuteteles na Metafiacutesica174 ndash naquela

eacutepoca estudavam as oposiccedilotildees as mais abstratas tendo passado da oposiccedilatildeo mais antiga entre par

173Galgano (2010) cap 1 passim 174Aristoteles Metaph 986a15-26

121

e iacutempar correspondentes a limitado e ilimitado (πέρας e ἄπειρον) a um conjunto de dez oposiccedilotildees

Nada desabona uma possiacutevel tentativa de Parmecircnides buscar uma oposiccedilatildeo (que era feita tambeacutem

por negaccedilatildeo como nos evidencia a expressatildeo verbal da oposiccedilatildeo entre πέρας e ἄπειρον com o lsquoαrsquo

privativo) para o lsquotodorsquo aquele πάντα que encontramos no verso 128 do poema e que em breve se

transformaria em φύσις no curso da evoluccedilatildeo histoacuterica dos conceitos filosoacuteficos da antiga Greacutecia

A meditaccedilatildeo do lsquonatildeo serrsquo eacute das mais interessantes a se fazer na filosofia Tentar lsquopensarrsquo o

lsquonatildeo serrsquo eacute uma experiecircncia profunda que leva a consideraccedilotildees radicais natildeo soacute sobre a existecircncia

humana mas sobre a existecircncia como um todo Que Parmecircnides tenha se dedicado a esta meditaccedilatildeo

eacute seguro pois ele o diz diretamente em 22 quando afirma que os uacutenicos caminhos ao pensar satildeo

aleacutem daquele que pensa ἔστιν aquele que pensa οὐκ ἔστιν ou seja Parmecircnides se pocircs a pensar o

natildeo ser O que natildeo sabemos e natildeo podemos afirmar com certeza eacute que tipo de meditaccedilatildeo ele

realizou Eis que os termos ἀνυστόν e ἐφικτόν vecircm nos socorrer e nos dizem que se trata de uma

meditaccedilatildeo processual que natildeo acaba Descrevi este processo detalhadamente na dissertaccedilatildeo e o

repetirei aqui brevemente Antes de tudo temos que lembrar que Parmecircnides estuda o natildeo ser que

hoje depois de Platatildeo chamamos de natildeo ser absoluto Como sabemos que se trata do natildeo ser

absoluto Sabemo-o pela caracteriacutesticas que ele atribui ao οὐκ ἔστιν o sabemos pela temaacutetica

generalizante e absolutizante posta no Poema (panta 128) e compartilhada pela comunidade de

estudiosos da eacutepoca e ainda a contraprova temos o diaacutelogo O Sofista que Platatildeo escreveu para

corrigir Parmecircnides introduzindo o natildeo ser relativo (o natildeo ser enquanto outro) se Parmecircnides

tivesse tratado do natildeo ser relativo natildeo haveria necessidade nem de ldquoparricidiordquo e nem de escrever

O Sofista Pensar o natildeo ser significa pensar concretamente a negaccedilatildeo do ser concreto (do mundo

sensiacutevel ou inteligiacutevel) e pensar o natildeo ser absoluto significa pensar o natildeo ser te todas as coisas

122

tanto de cada ser quanto de todos os seres como um todo175 Para tornar mais claro o processo se

pode comeccedilar pensando (imaginando) a negaccedilatildeo de um ente depois daquilo que o rodeia depois

do planeta depois do universo (sensiacutevel e inteligiacutevel atual e possiacutevel) e depois do mundo como

um todo enfim do todo

Quando poreacutem se chega na negaccedilatildeo do todo surge uma questatildeo O pensamento encontra-

se diante do oceano infinito do nada mas o nada absoluto ainda natildeo foi alcanccedilado De fato ainda

haacute a presenccedila do sujeito que pensa Quando se pensa a negaccedilatildeo do todo permanece ainda o sujeito

pensante que pensa o todo como se o olhasse de um ponto virtual externo a ele E quando se tenta

incluir o sujeito pensante acontece uma de duas coisas possiacuteveis 1) ou o sujeito da cogniccedilatildeo

acreditando pensar a si proacuteprio dentro do todo reaparece externamente 176 ou 2) o sujeito

desaparece e com ele qualquer noccedilatildeo cognitiva de lsquonatildeo serrsquo Estas duas possibilidades estatildeo

descritas no fragmento 2 mas teremos que proceder passo a passo Por enquanto podemos dizer

claramente que o processo de pensar o τό μὴ ἐὸν natildeo termina seja porque eacute impossiacutevel incluir o

sujeito no todo pois ele sempre reaparece a cada tentativa seja porque o processo quando inclui

o sujeito no todo se interrompe sendo assim impossiacutevel completar a negaccedilatildeo do todo Natildeo

podemos saber se o modelo meditativo de Parmecircnides foi exatamente este mas natildeo me parece

175Aqui pode-se incluir a negaccedilatildeo de qualquer tipo de ser existencial (isto natildeo existe) predicativo (isto natildeo eacute aquilo)

locativo (isto estaacute ausente) e as demais combinaccedilotildees possiacuteveis excogitadas pelos estudiosos (veritativo

predicamental especulativo whatness etc) Mesmo a respeito do estin predicativo negaacute-lo significa negar um

predicado de algo e ao se proceder para a negaccedilatildeo absoluta de qualquer predicado se chegaria agrave ideia virtual de

que poderiacuteamos alcanccedilar um ente sem predicados 176Se penso na aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo terei que pensar a mim mesmo aniquilado mas este

pensar a mim mesmo aniquilado gerando esse novo pensamento (de mim mesmo aniquilado) gera um novo mim

mesmo como sujeito cognitivo pensante se aniquilo este novo pensamento terei um novo sujeito cognitivo que

pensa esta nova aniquilaccedilatildeo e assim por diante ad infinitum

123

haver nada em desabono177

Mas qual eacute a importacircncia de natildeo se poder pensar a negaccedilatildeo de tudo Seguindo o argumento

parmenidiano o caminho (ἀταρπόν) cognitivo que pensa τό μὴ ἐὸν natildeo pode ser concluiacutedo Ora

ἀταρπόν eacute um sinocircnimo que Parmecircnides usa para o ὁδός do verso 22 (ὁδοὶ) isto quer dizer que o

segundo caminho de inqueacuterito pode ser iniciado mas natildeo pode ser levado a termo Mas se natildeo pode

ser levado a termo por que eacute identificado como caminho Por que natildeo eacute excluiacutedo jaacute de iniacutecio

quando a deusa ao inveacutes de anunciar os uacutenicos (μοῦναι) caminhos natildeo anuncia um uacutenico caminho

A resposta a esta pergunta torna clara a estranha afirmaccedilatildeo de que o caminho ao pensar do segundo

hemistiacutequio do verso 5 eacute necessaacuterio que permaneccedila natildeo ser (χρεών ἐστι μὴ εἶναι) Parmecircnides diz

que embora seja um caminho que jamais pode ser completado ele ao mesmo tempo natildeo pode ser

eliminado continua a pertencer aos (dois) uacutenicos caminhos de inqueacuterito ele eacute necessaacuterio

Vamos de novo reconstruir essa parte do argumento com este novo elemento os uacutenicos

caminhos de inqueacuteritos satildeo

1) por um lado o caminho ao pensar que [ (23-4)] e

2) por outro lado o caminho ao pensar que [ (25 primeiro hemistiacutequio)] e que eacute

necessaacuterio que seja natildeo ser de fato este segundo caminho (ἀταρπόν) eacute inviaacutevel porque lsquonatildeo

se consegue levar a cabo a reflexatildeorsquo (γνοίης) quando se pensa o τό μὴ ἐὸν

177Natildeo quero dizer que Parmecircnides estreie uma filosofia do sujeito embora isto natildeo possa ser excluiacutedo a priori jaacute que

aleacutem do ambiente propiacutecio dos jaacute citados Γνῶθι σαυτόν e ἐδιζησάμην ἐμεωυτόν (p 98 n 124 e 125) os embriotildees

de uma tal filosofia apareceratildeo em breve com Soacutecrates Penso que se deve pensar mais ao sujeito como o atleta

campeatildeo das Olimpiacuteadas ou seja aquele capaz de cumprir (ou natildeo) certas proezas como fica extraordinariamente

evidenciado no paradoxo de Zenatildeo cuja metaacutefora da filosofia (e do filoacutesofo) como tartaruga mostra que o pensar

filosoacutefico eacute capaz de proezas maiores do que as proezas do proacuteprio Aquiles tidas como insuperaacuteveis pela cultura

da eacutepoca

124

Ou seja fica muito clara a equaccedilatildeo entre o segundo caminho (25) e a reflexatildeo sobre o natildeo ser (τό

μὴ ἐὸν) Finalmente o segundo hemistiacutequio de 25 diz que este eacute o caminho ao pensar que eacute

necessaacuterio que seja μὴ εἶναι o qual agora sabemos eacute o caminho que tenta pensar o natildeo ser (τό μὴ

ἐὸν) Sabemos agora o que Parmecircnides chama de μὴ εἶναι Para Parmecircnides μὴ εἶναι eacute a estrutura

do pensamento quando tenta inexoraacutevel e malogradamente pensar o natildeo ser (τό μὴ ἐὸν)

Temos agora a semacircntica de μὴ εἶναι e sabemos que significa a impossibilidade de pensar o

natildeo ser Com este dado podemos reconstruir o resto do argumento mas primeiro vamos abordar a

questatildeo do οὔτε φράσαις A premissa principal eacute o pano de fundo da pesquisa parmenidiana a qual

devemos relembrar para melhor inteligecircncia desta passagem estaacute em busca do discurso confiaacutevel

como a deusa diz claramente no encerramento do discurso (talvez ecoando simetricamente alguma

parte perdida do poema)178 Pensar o τό μὴ ἐὸν natildeo eacute possiacutevel logo ele eacute indiziacutevel Ora isto

significa nem mais nem menos que dizer o que eacute impossiacutevel eacute contra o sentido do dizer Eacute indiziacutevel

natildeo porque natildeo se sabe do que se trata como querem muitos autores que fazem a leitura meramente

epistemoloacutegica179 Eacute indiziacutevel porque dizer o lsquonatildeo serrsquo significa fazer uma promessa que jamais se

cumpriraacute ao se dizer lsquonatildeo serrsquo parece que a expressatildeo aponta algo possiacutevel ou seja a negaccedilatildeo do

ser (em sentido geral amplo e absoluto) e de fato quem estaacute desavisado assim acredita Mas a

expressatildeo lsquonatildeo serrsquo quer se referir a uma virtualidade que jamais seraacute cumprida que o ser seja

negado Esta eacute exatamente a noccedilatildeo expressa pelas palavras de Platatildeo jamais prevaleceraacute que natildeo

178850-2 ldquoἐν τῶι σοι παύω πιστὸν λόγον ἠδὲ νόημα ἀμφὶς ἀληθείης δόξας δ ἀπὸ τοῦδε βροτείας μάνθανε κόσμον

ἐμῶν ἐπέων ἀπατηλὸν ἀκούωνrdquo Neste ponto encerro fidedigna palavra e pensamento sobre a verdade e opiniotildees

mortais a partir daqui aprende a ordem enganadora de minhas palavras ouvindo (trad Cavalcante de Souza 1978) 179Trata-se da leitura epistemoloacutegico-predicamental se natildeo sei a cor de um objeto (a cor natildeo eacute natildeo estaacute acessiacutevel ao

meu conhecimento) natildeo posso falar da cor do objeto

125

entes sejam180

A expressatildeo μὴ εἶναι representa esta impossibilidade de pensamento e portanto eacute um dizer

impossiacutevel e isto se opotildee radicalmente agrave proacutepria noccedilatildeo de dizer a qual quer significar enquanto

discurso confiavel o mundo e sua ordem Surge a pergunta mas se natildeo se pode dizer μὴ εἶναι se

isto eacute impossiacutevel natildeo haacute uma flagrante contradiccedilatildeo na deusa jaacute que ela proacutepria diz e constroacutei um

argumento sobre o dizer μὴ εἶναι181 A objeccedilatildeo seria vaacutelida se a deusa dissesse o que eacute impossiacutevel

de dizer ou seja se ela praticasse a impossibilidade Mas a deusa natildeo diz o impossiacutevel a deusa diz

que existem a lsquonoccedilatildeo de impossibilidade do pensarrsquo e a lsquonoccedilatildeo de impossibilidade do dizerrsquo Em

outras palavras a deusa diz qual eacute o limite do pensar e qual eacute o limite do dizer Aleacutem deste limite o

pensamento natildeo pode ir porque eacute impossiacutevel e tambeacutem o dizer natildeo pode ir porque eacute impossiacutevel

A impossiacutevel regiatildeo para aleacutem deste limite natildeo eacute admitida pelo dizer eacute contra o dizer eacute

contraditoacuteria

A expressatildeo de μὴ εἶναι em Parmecircnides eacute exatamente a palavra que expressa o processo

mental que noacutes chamamos contradiccedilatildeo e que ele primeiro assim chamou (οὔτε φράσαις) Eacute estranho

que nenhum criacutetico tenha percebido isto claramente Todos dizem que o princiacutepio de natildeo

contradiccedilatildeo estaacute implicado em Parmecircnides assim como os outros princiacutepios loacutegicos pois os

argumentos presentes no poema satildeo desenvolvidos segundo a natildeo contradiccedilatildeo mas o princiacutepio natildeo

eacute enunciado Alguns como Cordero veem explicitado o princiacutepio do terceiro excluiacutedo (816 ἔστιν

ἢ οὐκ ἔστιν) mas ningueacutem quis ver claramente que natildeo soacute a noccedilatildeo como tambeacutem a proacutepria palavra

180As duas expressotildees tem inversatildeo de predicado e negaccedilatildeo mas a noccedilatildeo permanece a mesma que os entes natildeo sejam

(perecimento no fr 8) e que os natildeo entes sejam (nascimento no fr 8) A noccedilatildeo eacute o tracircnsito entre ser e natildeo ser 181Esta eacute uma das objeccedilotildees daqueles que acham que o argumento de Parmecircnides eacute falso ou contraditoacuterio

126

contradiccedilatildeo (οὔτε φράσαις) estaacute no poema Penso que a razatildeo fundamental para que acontecesse

este lapsus tenha que ser procurada na grande atenccedilatildeo dada ao lsquoserrsquo e na pouca dada ao lsquonatildeo serrsquo

Como veremos mais adiante por causa deste lapsus natildeo se conseguiu entender claramente a

estrutura do fragmento 2 o qual simplesmente natildeo apresenta um silogismo disjuntivo nem

nenhuma contradiccedilatildeo entre o caminho do lsquoserrsquo e o caminho do lsquonatildeo serrsquo Parmecircnides diz

justamente que a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo eacute contraditoacuteria o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode ser dito porque lsquonatildeo serrsquo

eacute contraditoacuterio e a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo indica tatildeo somente uma impossibilidade concreta aquela de

que se realize o impossiacutevel

Vamos voltar ao nosso argumento e agrave questatildeo que deixamos em suspenso por que eacute

necessaacuterio que μὴ εἶναι seja Sabemos que os versos 7 e 8 relatam um processo malogrado de

pensar o natildeo ente (τό μὴ ἐὸν) Uso agora a palavra ente porque se justifica uma diferenciaccedilatildeo

embora tanto lsquoentersquo quanto lsquoserrsquo indiquem expressotildees gerais e natildeo individuais Ente entatildeo vem a

significar o ente concreto aquele que eacute Parmecircnides diz que natildeo se pode pensar e dizer τό μὴ ἐὸν

o lsquonatildeo entersquo Este processo recebe o nome de μὴ εἶναι lsquonatildeo serrsquo a este processo noacutes chamamos

contradiccedilatildeo 182 Entatildeo a indicaccedilatildeo eacute esta haacute um caminho ao pensar que pensa μὴ εἶναι (a

contradiccedilatildeo) e eacute necessaacuterio que assim seja porque (vou repetir trecircs vezes de forma diferente183 para

dizer a mesma coisa)

1) se natildeo houvesse a contradiccedilatildeo

182Mesmo para noacutes a contradiccedilatildeo eacute um processo porque indica a posiccedilatildeo de algo em contraposiccedilatildeo com mais algo

isto significa que estes dois algo tecircm que ser relacionados para que haja contradiccedilatildeo do contraacuterio algo e mais algo

podem conviver sem contraditoriedade Mas este assunto eacute fora de tema e requereria muitas outras providecircncias

para o bom discernimento 183Repito buscando clareza pois nossas construccedilotildees comuns de linguagem nesses assuntos costumam patinar

127

2) se natildeo se tem a noccedilatildeo de contradiccedilatildeo

3) se natildeo se sabe o que eacute contradiccedilatildeo

se cai no discurso contraditoacuterio o que impede o inqueacuterito confiaacutevel Eacute necessaacuterio saber que μὴ

εἶναι (o processo de contradiccedilatildeo) eacute um caminho a ser evitado porque cria pensamentos e discursos

contraditoacuterios

Vejamos de novo nosso fragmento com os elementos esclarecidos ateacute aqui os uacutenicos

caminhos de inqueacuterito a pensar satildeo por um lado que [ (23-4)] e por outro lado que οὐκ ἔστιν e

que eacute necessaacuterio que seja a contradiccedilatildeo (μὴ εἶναι) a qual eacute um caminho natildeo criacutevel pois eacute

impossiacutevel pensar e dizer o natildeo-ente (τό μὴ ἐὸν) Penso que o espaccedilo conceitual deixado por οὐκ

ἔστιν agora se preencha quase que por si haacute um caminho de inqueacuterito ao pensar que lsquonatildeo eacutersquo e que

eacute necessaacuterio que se considere contraditoacuterio porque eacute caminho que natildeo leva a lugar nenhum

οὐκ ἔστιν eacute a negaccedilatildeo da terceira pessoa do indicativo de εἰμί a expressatildeo em si natildeo tem

nada de especial significa tatildeo somente lsquonatildeo eacutersquo restando em aberto o problema da ausecircncia de

sujeito Mas agora sabemos o argumento complexo que estaacute na raiz da expressatildeo e a meu ver natildeo

faz muito sentido a questatildeo de se buscar um sujeito ou um objeto para definir se eacute usado de forma

transitiva ou intransitiva se expressa existecircncia ou predicaccedilatildeo e as muitas combinaccedilotildees que podem

ser montadas a partir da equivocidade do uso de εἰμί No entanto o acircmbito semacircntico foi

evidenciado e estaacute claro e aleacutem do mais tem o testemunho de Platatildeo a confirmar o campo

semacircntico da negaccedilatildeo de εἰμί nas vaacuterias formas estaacute relacionado a uma reflexatildeo sobre a

impossibilidade desta negaccedilatildeo Obviamente para dizer que algo eacute impossiacutevel de alguma forma

tenho que indicar esta impossibilidade com a expressatildeo Assim se digo lsquotriacircngulo quadradorsquo aponto

para uma impossibilidade jaacute que por definiccedilatildeo a essecircncia do triacircngulo exclui a essecircncia do

quadrado logo a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo significa aquilo que parece prometer ou seja

128

uma figura geomeacutetrica especial que eacute ao mesmo tempo triacircngulo e quadrado dizer triacircngulo

quadrado eacute dizer algo lsquoindiziacutevelrsquo lsquonatildeo diziacutevelrsquo (na medida em que o diziacutevel quer expressar sentido)

lsquoque nega o diziacutevelrsquo lsquoque eacute contra o diziacutevelrsquo que eacute contraditoacuterio

A semacircntica do lsquonatildeo serrsquo eacute fortiacutessima e estaacute muito aleacutem das sutilezas gramaticais

morfoloacutegicas e sintaacuteticas e estas simplesmente natildeo afetam aquela O assunto tratado eacute tatildeo forte

que ultrapassa qualquer forma linguiacutestica ao ponto de que este assunto a ordem do ser e do natildeo

ser no mundo eacute responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da lei da linguagem e natildeo vice-versa como bem

entendeu Platatildeo no Sofista onde a teoria da predicaccedilatildeo surge a partir de uma reflexatildeo sobre a ordem

das leis baacutesicas do mundo Entatildeo o approach linguiacutestico ao poema pode proceder ateacute certo ponto

dali em diante o poema eacute francamente filosoacutefico e a chave linguiacutestica natildeo eacute suficiente para o acesso

Isto quer dizer que com a chave linguiacutestica natildeo se abre a porta da questatildeo filosoacutefica do poema Se

a questatildeo eacute que lsquojamais o natildeo ser pode se tornar serrsquo como (aproximadamente com estas palavras)

nos diz Platatildeo citando Parmecircnides entatildeo diante da semacircntica que οὐκ ἔστιν apresenta discutir o

sujeito de οὐκ ἔστιν se torna tarefa menor Considerada a desproporccedilatildeo entre o conteuacutedo (a

semacircntica) e o recipiente (a palavra) entre o significado e o significante natildeo eacute impossiacutevel que οὐκ

ἔστιν seja tatildeo somente uma expressatildeo simplificada quem sabe ateacute mesmo uma simplificaccedilatildeo

didaacutetica pois o conteuacutedo do conceito estaacute expresso e justificado depois nos versos 7 e 8

O caminho de pensar que natildeo eacute e de pensar que eacute necessaacuterio natildeo ser eacute o caminho que afirma

a necessidade de que a noccedilatildeo de natildeo ser permaneccedila estaacutevel A contradiccedilatildeo tem que permanecer e

ser identificada como tal pois eacute a uacutenica maneira de evitar que ela entre no pensamento e no

discurso Se o lsquonatildeo serrsquo natildeo for considerado contraditoacuterio entatildeo a contradiccedilatildeo invade e domina o

caminho de inqueacuterito o qual deixa de possuir πίστις ἀληθής (130) Assim eacute necessaacuterio que este

caminho seja identificado como μὴ εἶναι por um lado o lsquonatildeo serrsquo eacute incognosciacutevel (οὔτε γὰρ ἂν

129

γνοίης) mas por outro lado eacute necessaacuterio que se saiba que ele eacute incognosciacutevel Saber do

incognosciacutevel garante o conhecimento184 pois de fato ao natildeo se identificar o lsquonatildeo serrsquo se cai no

risco de pensar que lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo satildeo o mesmo e natildeo o mesmo como Parmecircnides diz em 65-6

Necessariamente o caminho que pensa οὐκ ἔστιν leva ao processo de contradiccedilatildeo (μὴ εἶναι) e o

fato de que o caminho natildeo tenha conclusatildeo (ἀνυστόν) natildeo eacute evidente na expressatildeo pelo contraacuterio

τό μὴ ἐὸν parece uma negaccedilatildeo comum como qualquer outra mas natildeo o eacute por isto eacute um saber

destinado ao saacutebio e natildeo aos mortais pois eacute um saber fruto de uma reflexatildeo

428 De volta aos versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

429 Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

Penso que podemos agora voltar ao verso 23 ao nosso segundo hemistiacutequio onde aparece a

expressatildeo μὴ εἶναι da qual jaacute temos a semacircntica Podemos entatildeo reconstruir ldquoos uacutenicos caminhos

de inqueacuterito a pensar satildeo

1) por um lado a pensar que [] e a pensar que οὐκ ἔστι μὴ εἶναι este eacute caminho de

persuasatildeo que verdade acompanha e

2) por outro lado a pensar que lsquonatildeo eacutersquo e a pensar que eacute necessariamente um percurso

de pensamento contraditoacuterio porque eacute um caminho lsquoimpossiacutevelrsquo (παναπευθέα) pois o

pensamento do lsquonatildeo entersquo natildeo pode ser completado

184Estaacute aqui uma semente do socratismo

130

O οὐκ ἔστι do verso 23 parece ser diferente do οὐκ ἔστιν do verso 25 Enquanto em 25 ele eacute quase

que o nome do caminho (talvez uma simplificaccedilatildeo didaacutetica) aqui em 23 parece significar

simplesmente lsquonatildeo eacutersquo em sentido comum predicativo De fato este eacute o caminho da persuasatildeo e

portanto eacute o caminho do pensamento natildeo-contraditoacuterio Aliacute a persuasatildeo era impossiacutevel pela

contradiccedilatildeo aqui eacute possiacutevel pela natildeo-contradiccedilatildeo Sabemos que a expressatildeo μὴ εἶναι eacute a expressatildeo

da contradiccedilatildeo suprema entatildeo a natildeo-contradiccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo de μὴ εἶναι A traduccedilatildeo de οὐκ ἔστι

fica faacutecil embora para a nossa sensibilidade possa parecer algo improacuteprio usar duas vezes οὐκ ἔστι

de forma natildeo perfeitamente uniacutevoca a dois versos de distatildencia Mas devemos lembrar tambeacutem que

noacutes hoje estamos acostumados a niacuteveis de precisatildeo de linguagem tatildeo altos que falamos de

linguagens de segunda terceira e quarta ondem e mais ainda devemos lembrar que Parmecircnides eacute

o primeiro a estabelecer exatamente com os versos de que estamos tratando a necessidade de um

criteacuterio na linguagem correta Entatildeo para o segundo hemistiacutequio de 23 poderiacuteamos manter esta

traduccedilatildeo lsquonatildeo eacutersquo em parte ambiacutegua para nossas exigecircncias mas que soa perfeitamente harmocircnica

com o discurso parmenidiano [] ao pensar que natildeo eacute lsquocontradiccedilatildeorsquo (μὴ εἶναι)

Mas podemos aprimorar ainda mais a traduccedilatildeo tanto pelo lado gramatical quanto pelo lado

semacircntico e pelo lado estiliacutestico E eacute aliaacutes este uacuteltimo aspecto o estiliacutestico que pode nos chamar

atenccedilatildeo sobre uma possiacutevel simetria entre os versos 3 e 5 Os primeiros hemistiacutequios dos dois

versos (3a e 5a) seguem uma mesma construccedilatildeo gramatical e sintaacutetica nos segundos hemistiacutequios

(3b e 5b) haacute uma diferenccedila enquanto em 3b temos o verbo predicativo simples (οὐκ ἔστι) em 5b

temos um verbo impessoal (χρεών ἐστι) No entanto como se sabe a forma verbal ἐστι quando

131

estaacute junto de um infinitivo pode assumir papel de verbo quase-impessoal e significar eacute possiacutevel185

entatildeo a razatildeo estiliacutestica fica satisfeita se seguindo o modelo estiliacutestico de 5b traduzimos o οὐκ

ἔστι de 3b com natildeo eacute possiacutevel pois o infinitivo μὴ εἶναι passa a ser o sujeito gramatical ndash mas natildeo

o sujeito loacutegico ndash assim como natildeo o era em 5b Mantendo firme que os versos 3 e 5 constituem

uma anomalia gramatical e que a comunidade dos estudiosos estaacute mais do que em desacordo sobre

a correta sintaxe e relativa traduccedilatildeo desses versos pode-se aceitar a explicaccedilatildeo gramatical da

estrutura modal e aqui seguimos a proposta de Cordero embora esta explicaccedilatildeo seja obrigada a

colocar a funccedilatildeo de sujeito atribuiacuteda a μὴ εἶναι entre aspas ldquosujeitordquo pois de fato o sujeito loacutegico

do verso 3 natildeo estaacute expresso por claro desejo de Parmecircnides Este sujeito inexpresso eacute o mesmo

para 3a e 3b e mais adiante teceremos alguma consideraccedilotildees ulteriores a respeito O fato eacute que

com a simetria estiliacutestica oferecida naturalmente pelos versos e apesar do fundamento gramatical

anocircmalo que gera ambiguidade se consegue iluminar melhor a semacircntica ndash a respeito da qual as

divergecircncias interpretativas satildeo muito menores ndash e atender melhor ao nosso objetivo que eacute

salvaguardar a mensagem filosoacutefica E a mensagem filosoacutefica com a traduccedilatildeo modal de 3b fica

mais clara A tentativa de pensar o natildeo ser redunda numa impossibilidade a qual tem dois lados

por um lado o natildeo ser eacute um caminho impossiacutevel e por outro lado eacute impossiacutevel anular

completamente o que eacute este segundo lado fica expresso claramente pelo valor modal de 3b eacute

impossiacutevel natildeo ser ou na morfologia em portuguecircs eacute impossiacutevel que natildeo seja Embora o sujeito

de esti de 3a natildeo seja expresso ele eacute comprensiacutevel e recebe um nome diferente a cada opccedilatildeo de

traduccedilatildeo de cada autor mas todos concordam que se trata de uma positividade no sentido mais

185Smyth 1956 p 441 1984-1985

132

geral possiacutevel186 Esta positividade eacute tambeacutem o sujeito natildeo expresso de 3b e ela (a positividade) eacute

impossiacutevel que natildeo seja

Acredito por fim que podemos abordar o tatildeo famoso ἔστιν do verso 23 que tanto fez e faz penar

os estudiosos de Parmecircnides Aqui de novo a grandeza da questatildeo cosmoloacutegica envolvida ndash a

coerecircncia eou a contraditoriedade do real ndash simplesmente torna tatildeo minuacutescula a questatildeo do sujeito

gramatical que ela quase desaparece No entanto mesmo minuacutescula a questatildeo existe O problema

a meu ver se agiganta quando se procura encaixar a todo custo uma anomalia gramatical (natildeo

linguiacutestica) dentro de uma norma gramatical Ao menos no caso do ἔστιν de Parmecircnides a

discussatildeo acirrada lembra mais o problema do cobertor curto que cobrindo uma parte descobre a

outra e por mais que se aleguem argumentos linguiacutesticos desta ou daquela natureza natildeo se

consegue natildeo recair na questatildeo filosoacutefica Entatildeo digamos claramente ἔστιν eacute uma expressatildeo

filosoacutefica Proporei entatildeo uma gecircnese filosoacutefica e portanto a permanecircncia dessa marca de

nascenccedila na expressatildeo do ἔστιν nu O nosso ponto de partida eacute de novo a meditaccedilatildeo do natildeo ser

Como jaacute dissemos Parmecircnides com certeza realizou uma reflexatildeo sobre o natildeo ser e mais

especificamente sobre o natildeo ser absoluto total Esta meditaccedilatildeo eacute uma meditaccedilatildeo sombria porque

leva a alma do meditante agrave negaccedilatildeo extrema fato esse que repugna ao impulso vital e que natildeo eacute

simples de se levar adiante ainda mais se agrave reflexatildeo intelectual se associa a meditaccedilatildeo afetiva

Parmecircnides deve ter feito essa meditaccedilatildeo plenamente ou seja incluindo o lado afetivo

186Meijer lista doze casos ldquoIt might be useful to give a collection of proposed subjects of estin first based on what I

have found so far no subject impersonal usage it ti a thing truth way what can be talked and thought about

reality is Being to berdquo (Meijer 1997 p 114)

133

extremamente importante no pitagorismo187 escola na qual recebeu sua formaccedilatildeo Deve ter tentado

encaminhar seu pensamento pela negaccedilatildeo de tudo pois somente assim ele poderia dizer que o

caminho do natildeo eacute natildeo pode ser completado Depois de mergulhar nesse esforccedilo mental

procurando aniquilar todas as coisas quando se deu conta que tal era impossiacutevel e quando retornou

ao fluxo normal do pensamento devia estar com a sensaccedilatildeo de ter deixado para traacutes uma imensa

escuridatildeo da qual ele saiu com um grito188 eacute Natildeo eacute difiacutecil imaginar que Parmecircnides deve ter feito

essa meditaccedilatildeo dentro do cenaacuterio religioso de sua eacutepoca e que retirando a paacutetina mitoloacutegica das

visotildees alucinatoacuterias podemos dizer que devia estar simplesmente num estado semi-oniacuterico ou

inteiramente oniacuterico refletindo ou meditando ou sonhando com a aniquilaccedilatildeo de tudo Nesses

estados mentais como se sabe os laccedilos da sintaxe e da loacutegica se afrouxam e Parmecircnides deve ter

vivenciado aquilo que hoje noacutes chamamos de ser em toda sua oposiccedilatildeo agrave negaccedilatildeo de tudo Ora a

vivecircncia do ser natildeo eacute o ser pois a noccedilatildeo de o ser eacute uma generalizaccedilatildeo intelectual e sofisticada

de muitas vivecircncia e percepccedilotildees e reflexotildees A vivecircncia imediata daquilo que noacutes chamamos o ser

eacute pura e simplesmente o eacute o ser quando vivenciado eacute eacute Parmecircnides apenas trouxe para a

linguagem sintaticamente organizada a expressatildeo direta da vivecircncia imediata daquilo que eacute Um

exemplo pode ajudar a entender esta parte A expressatildeo sintaticamente organizada de um mal estar

pode ser expressa assim ldquoestou sentindo uma dor na panturrilhardquo Mas a expressatildeo vivencial preacute-

187 O aspecto afetivo do pitagorismo eacute evidente em muitas de suas manifestaccedilotildees Na enumeraccedilatildeo de algumas destas

manifestaccedilotildees em primeiro lugar podemos colocar a miacutestica a qual por si eacute um fenocircmeno estritamente afetivo

depois podemos colocar a muacutesica com seu forte apelo para o lado emocional humano depois ainda os laccedilos de

amizade exemplificados pela histoacuteria dos pitagoacutericos Fintias e Damon se encontra em JAcircMBLICO (Giangiulio

1991 234-236) por fim a proacutepria lenda que atribui a Pitaacutegoras a criaccedilatildeo do nome filosofia daacute a entender seu

amor ao saber uma dedicaccedilatildeo independente do imediatismo utilitaacuterio 188 Cordero diz que eacute um grito de alegria Como suele ocurrir con un descubrimiento es maacutes un grito de alegria que

una estructura conceptual (Cordero 2003 p 284)

134

sintaacutetica e imediata eacute tatildeo somente um ai

Foi muito difiacutecil ateacute agora pelos vaacuterios estudiosos espremer o ἔστιν numa categoria

gramatical que satisfizesse toda a pregnacircncia filosoacutefica que carrega mas ndash e esta eacute a parte mais

interessante ndash natildeo haacute ningueacutem que natildeo entenda claramente do que se trata pois a mensagem eacute

clariacutessima a quem quer que se disponha a entender189 eu penso ademais que nenhuma das

traduccedilotildees propostas pelo grandes estudiosos embora divergentes expressa um desentendimento

apenas tecircm expressotildees parciais proporcionais ao aspecto gramatical no qual se quer constranger a

palavra parmenidiana Mas no que diz respeito ao conteuacutedo filosoacutefico todos concordam eacute uma

generalizaccedilatildeo (ou linguiacutestica ou loacutegica ou ontoloacutegica) da noccedilatildeo de ser De minha parte penso que

o ἔστιν representa a maior generalizaccedilatildeo linguiacutestica possiacutevel perece-me que natildeo haacute nenhuma

expressatildeo mais geral e penso que eacute exatamente esta a intenccedilatildeo de Parmecircnides ao trazer para o

plano sintaacutetico uma expressatildeo preacute-sintaacutetica e preacute-loacutegica ou seja expressar a maior generalizaccedilatildeo

linguisticamente possiacutevel Se assim eacute o ἔστιν eacute anterior agrave noccedilatildeo de sujeito e portanto de predicado

seja ele nominal ou verbal Todas estas articulaccedilotildees sujeito predicado objeto e qualquer outra

189Estou de acordo com Santoro quando diz ldquoCome quando la sua Dea dice della via di ricerca che egrave (hopocircs eacutestin)

senza nessun predicato Non starebbe puntando il reale di fronte a seacute proiettando il verbo fuori di se stessa verso

ciograve che sta davanti sia spazialmente verso il mondo obiettivo sia temporalmente verso la presenza e il suo

avvenirerdquo (Santoro 2011a p 101) A imagem que Santoro suscita a partir do apontar do ldquodito durordquo (p 98) do

acusador ao acusado pode ser ampliada a uma matildeo aberta apontando o mundo com o movimento horizontal e

circular do braccedilo eacute Uma siacutentese premonitoacuteria dos dois gestos representados por Raffaello na ldquoEscola de Atenasrdquo

o dedo de Platatildeo apontando para cima e a matildeo aberta de Aristoacuteteles apontando para baixo Concordo com Santoro

quando sugere que a projeccedilatildeo do ldquoverbo para fora de sirdquo implica um apontar e acrescento que o que parece ser

impliacutecito em 23 se torna expliacutecito em 28 onde o φράζω significa exatamente indicar mostrando (inclusive com o

dedo) e οὔτε φράσαις significa que o natildeo ser natildeo pode ser indicado ( Penso tambeacutem que o ἔστιν tem a marca da

espontaneidade e que longe de ser um termo teacutecnico vem da linguagem mais comum ndash aproveitando (e aqui

tambeacutem estou com Santoro) o acento juriacutedico que devia ter a sua linguagem diaacuteria enquanto legislador ndash e

portanto acompanhado do gesto talvez universal de identificaccedilatildeo de um ldquoculpadordquo o dedo apontado Vejam-se

tambeacutem os comentaacuterios de Rossetti a respeito da leitura de Santoro em Rossetti 2011 Um ulterior aprofundamento

da influecircncia da linguagem juriacutedica nos sematas de DK B 8 encontra-se em Santoro 2011b

135

pertencem agrave esfera do ἔστιν Natildeo haacute nada dentro do qual o ἔστιν possa ser colocado e tudo eacute

colocado no ἔστιν inclusive o acircmbito temporal pois passado presente e futuro satildeo articulaccedilatildeo de

um ἔστιν anterior a toda noccedilatildeo de tempo Assim o ἔστιν eacute aquilo que inevitavelmente se

reapresenta a cada tentativa de negaccedilatildeo absoluta A pergunta ldquoqual eacute o sujeito do ἔστινrdquo eacute

linguisticamente e filosoficamente legiacutetima A resposta poreacutem escapa do acircmbito linguiacutestico190 e

permanece naquele filosoacutefico o ἔστιν eacute anterior agrave articulaccedilatildeo sintaacutetica logo ele eacute sujeito predicado

e objeto de si mesmo Eacute esta noccedilatildeo todo-permeadora que eacute incapaz de sofrer a negaccedilatildeo A via de

investigaccedilatildeo ao operar cognitivamente que eacute corresponde agrave via de investigaccedilatildeo ao operar

cognitivamente que natildeo pode ser natildeo ser O uacutenico dado que pode ser acrescentado ao eacute representa

uma confirmaccedilatildeo de que eacute pois soacute se pode acrescentar que eacute impossiacutevel ndash uma impossibilidade

verificada na reflexatildeo ndash que natildeo seja Mas afinal tomo partido191 e entro tambeacutem no quarto grupo

daqueles listados por Cordero o sujeito deve ser extraiacutedo do predicado isolado pois ἔστιν produz

o sujeito192

Recapitulando o sentido filosoacutefico eacute preciso haacute um caminho de inquerito ao pensar que eacute

190Penso por exemplo que as posiccedilotildees que querem ver no ἔστιν apenas uma forma sinteacutetica ainda natildeo articulada

segundo nossas atuais distinccedilotildees (ou ateacute mesmo segundo as distinccedilotildees da eacutepoca de Parmecircnides) embora sejam

linguisticamente mais satisfatoacuterias satildeo ainda parciais e natildeo tocam a questatildeo essencial que eacute o ἔστιν como princiacutepio

do mundo e natildeo como um ente (neste caso um ente linguiacutestico) entre outros a ser classificado numa funccedilatildeo sintaacutetica

especiacutefica 191Ver p 19 192Esta questatildeo natildeo aprofundada aqui natildeo possui relevacircncia filosoacutefica no argumento apresentado pode ter relevacircncia

se se considera o tipo de reflexatildeo ou seja se se discute a ldquoexperiecircnciardquo do natildeo-ser e principalmente a experiecircncia

concreta de Parmecircnides que talvez esteja ligada a praacuteticas de incubaccedilatildeo Neste caso a dimensatildeo reflexiva adentra

a dimensatildeo oniacuterica a qual possui outra sintaxe e onde um simples ἔστιν vale mais de mil articulaccedilotildees sintaacuteticas

Natildeo sabemos com certeza destas praacuteticas em Eleacuteia mas este sentido preacute-sintaacutetico natildeo estaacute descartado inclusive

alguns estudiosos entre os quais o proacuteprio Cordero atribuem ao ἔστιν o sentido de um grito como um Eureka

Sugestotildees nesse sentido se encontram na minha dissertaccedilatildeo sobre Melisso

136

aquele que pensa o lsquoeacutersquo este mesmo caminho eacute aquele ao pensar que natildeo eacute (e natildeo pode ser193)

lsquocontradiccedilatildeorsquo Depois haacute um outro caminho aquele ao pensar que lsquonatildeo eacutersquo que eacute o mesmo caminho

ao pensar que leva necessariamente agrave contradiccedilatildeo O primeiro eacute o caminho que estabelece o

discurso coerente (persuasivo) e o segundo natildeo leva a lugar nenhum e deve ser evitado Mas para

que se saiba o que deve ser evitado eacute necessaacuterio que se conheccedila a impossibilidade do segundo

caminho Para que se possa seguir o primeiro caminho eacute necessaacuterio saber que existe um outro

sempre agrave espreita que parece oferecer a verdade mas que natildeo oferece uma verdade confiaacutevel que

leva necessariamente agrave contradiccedilatildeo de pensamento e de expressatildeo linguiacutestica

4210 Conclusatildeo

Parmecircnides provavelmente a partir de sugestotildees pitagoacutericas medita sobre a oposiccedilatildeo ao que existe

e assim descobre o lsquonatildeo serrsquo Descobre que lsquonatildeo serrsquo ou seja negar o ser negar o que haacute eacute de todo

impossiacutevel (natildeo eacute possiacutevel completamente) Entende entatildeo que o lsquonatildeo serrsquo esta impossibilidade eacute

algo que a mente pensa julgando que este pensamento leva por um caminho mas que na verdade

ele descobre leva por outro caminho aquele que nunca chega a lugar nenhum Este caminho que

leva para lugar nenhum eacute o caminho dos mortais os quais confundem ser e natildeo ser Mas o saacutebio

deve saber distinguir por um lado o caminho do lsquoeacutersquo que eacute o caminho do discurso natildeo contraditoacuterio

e por outro lado o caminho do lsquonatildeo eacutersquo que eacute o caminho do discurso que eacute vanificado pela

193A interpretaccedilatildeo modal eacute tambeacutem perfeitamente coerente aqui

137

contradiccedilatildeo

Parmecircnides descobre a contradiccedilatildeo (pela meditaccedilatildeo sobre o natildeo ser) e percebe que ela eacute

motivo de descaminho no discurso sobre o mundo Assim finalmente ele anuncia que a contradiccedilatildeo

deve ser evitada A este enunciado noacutes chamamos de princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo A nossa versatildeo

mais comum do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo ainda hoje natildeo se afasta muito daquela de Aristoacuteteles

mas a versatildeo culta aquela em linha com as pesquisas mais avanccediladas se encontra em pleno

terremoto conceitual pelo qual eacute difiacutecil usar qualquer das palavras tradicionalmente usadas para

estabelecer acircmbitos e sentidos Em outras eacutepocas se podia dizer que a descoberta de Parmecircnides

natildeo eacute do acircmbito da loacutegica mas da ontologia Hoje estes termos satildeo tatildeo fortemente equiacutevocos que

natildeo se tem a possibilidade de uma expressatildeo direta e inteiramente compartilhada na comunidade

cientiacutefico-acadecircmica atual De forma que quero me limitar por enquanto agrave descriccedilatildeo da minha

leitura do fragmento 2 tentando evitar noccedilotildees equiacutevocas O fato eacute que Parmecircnides trabalha em

acircmbito cosmoloacutegico e sua preocupaccedilatildeo ndash como as de seus colegas na eacutepoca ndash eacute com o mundo com

a totalidades das coisas com os πάντα de seu proecircmio (128) Aqui neste acircmbito cosmoloacutegico

descobre que haacute um princiacutepio do mundo pelo qual se daacute uma impossibilidade a contradiccedilatildeo A

contradiccedilatildeo eacute um princiacutepio porque o que haacute (πάντα) enquanto todo escapa agrave negaccedilatildeo total Eis

que a contradiccedilatildeo eacute princiacutepio tanto quanto a natildeo-contradiccedilatildeo porque eacute a contradiccedilatildeo que permite

a natildeo-contradiccedilatildeo Sem a noccedilatildeo de contradiccedilatildeo se anda com sentidos incertos como os mortais

O valor desta afirmaccedilatildeo eacute historicamente inabalaacutevel porque Parmecircnides partindo de um

discurso sobre o mundo como que visto de fora por um observador (como Anaximandro via o

mundo olhando seu pinax) alcanccedila um discurso que inclui o observador enquanto observador

estreando assim antes de tudo um discurso sobre os entes (a ontologia) todos os entes incluindo

138

os entes de pensamento (veja-se o famoso fragmento 3 que diz que pensar e ser satildeo o mesmo)

Agora para ele o saacutebio natildeo eacute mais aquele que sabe soacute sobre as coisas externas ndash como o antigo

xamatilde cuja figura individual se dissolve na mera intermediaccedilatildeo com o divino ndash mas eacute tambeacutem

aquele que consegue pensar sobre as coisas externas ou seja aquele que tem um domiacutenio cognitivo

sobre os pensamentos de inqueacuterito e portanto sabe sobre si mesmo

Parmecircnides amplia o mundo acrescentando-lhe o mundo do pensamento e o mundo da

linguagem Eis porque as αρχάι de Parmecircnides sendo duas permanecem duas justamente

eliminado uma delas deixando alguns criacuteticos enloquecidos na discussatildeo sobre o monismo ou o

dualismo para Parmecircnides o mundo eacute um mas os sentidos nos enganam natildeo na pluralidade das

coisas mas no argumento a respeito da pluralidade das coisas e principalmente ndash aspecto que ele

discute explicitamente ndash a respeito do devir das coisas Haacute um princiacutepio que natildeo pode ser

eliminado a contradiccedilatildeo o qual eacute um princiacutepio de erro humano quando se elimina quando se

desconsidera quando se faz de conta que natildeo existe a contradiccedilatildeo se instaura quando o princiacutepio

eacute levado em conta a contradiccedilatildeo pode ser evitada

Eacute um conceito esdruacutexulo para noacutes tambeacutem pois temos que ter (a noccedilatildeo de) a contradiccedilatildeo

para eliminar a contradiccedilatildeo temos que saber o que eacute contradiccedilatildeo para que possamos perceber

quando o discurso eacute contraditoacuterio Estes conceitos satildeo misteriosos ateacute agora e satildeo estranhas

criaturas de nossas mentes Outro exemplo a noccedilatildeo de impossiacutevel obviamente (ou seja para a

nossa pragmaacutetica) natildeo se refere a nada de concreto no entanto temos essa noccedilatildeo e a usamos com

o maacuteximo proveito outro exemplo a noccedilatildeo de infinito noccedilatildeo que natildeo se refere a algo concreto

mas que tambeacutem usamos com maacuteximo proveito O mesmo deve ser dito da noccedilatildeo de contradiccedilatildeo

ou da noccedilatildeo de nada absoluto que usamos pragmaticamente com maior ou menor proveito Mas

um discurso rigoroso sobre estas noccedilotildees eacute algo realmente difiacutecil e digo difiacutecil porque se eu dissesse

139

impossiacutevel cairia em peticcedilatildeo de princiacutepio

Parmecircnides encontra este caminho e o expotildee Eacute um caminho assombroso anti-intuivo mas

incontestaacutevel De forma que natildeo eacute de se estranhar se a soluccedilatildeo platocircnica eacute a eliminaccedilatildeo fiacutesica da

noccedilatildeo de nada absoluto (o parriciacutedio) com sucessivo lsquoadeusrsquo194 achando de tecirc-lo ultrapassado Mas

o nada absoluto enquanto noccedilatildeo contraditoacuteria permanece Assim como permanece a explicaccedilatildeo

defeituosa do devir que assim como o conhecemos uma passagem do nada ao ser no nascimento

e do ser ao nada no perecimento estaacute mal explicado Daqui por diante os comentaacuterios filosoacuteficos

possiacuteveis satildeo inuacutemeros portanto paro esta parte da pesquisa neste ponto e proponho a versatildeo do

fragmento 2 segundo esta conceituaccedilatildeo alterando de pouco a excelente versatildeo baacutesica de

cavalcante de Souza

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute possiacutevel que seja (o caminho da) contradiccedilatildeo

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute necessariamente (o caminho da) contradiccedilatildeo

este entatildeo eu te digo eacute atalho de todo incriacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequumliacutevel)

nem o dirias

194Platatildeo Soph 258e7-259a1 ἡμεῖς γὰρ περὶ μὲν ἐναντίου τινὸς αὐτῷ χαίρειν πάλαι λέγομεν εἴτ ἔστιν εἴτε μή

λόγον ἔχον ἢ καὶ παντάπασιν ἄλογον

140

Estas uacuteltimas palavras ndash pois nem conhecerias o que natildeo eacute e nem o dirias ndash satildeo o enunciado

parmenidiano do princiacutepio cosmoloacutegico de natildeo contradiccedilatildeo Ele eacute diferente em relaccedilatildeo ao princiacutepio

aristoteacutelico porque Parmecircnides tem diante de si um mundo diferente daquele que Aristoacuteteles tem

diante de si Parmecircnides recorre a este princiacutepio em todo o seu argumento do fr 8 e o reapresenta

e volta a enunciaacute-lo

43 A discussatildeo do meacutetodo

A descoberta fundamental de Parmecircnides eacute de que eacute impossiacutevel negar completamente (οὐ

γὰρ ἀνυστόν) o que eacute de forma que a tentativa de levar a cabo este processo acaba falhando

inexoravelmente A esta falha ele daacute o nome de μὴ εἶναι afinal a via do natildeo eacute eacute uma via falha eacute

e eacute necessaacuterio que seja falha μὴ εἶναι enquanto que a via do eacute natildeo pode ser falha natildeo pode ser

μὴ εἶναι Estabelecidos estes criteacuterios se pode proceder com seguranccedila (com persuasatildeo) no

caminho de pesquisa Como veremos mais adiante Parmecircnides proporaacute sua proacutepria pesquisa

seguindo o meacutetodo que ele excogitou mas antes disso (pela ordenaccedilatildeo Diels-Kranz) ele parece

prestar conta agrave sua cultura contemporacircnea e discute o meacutetodo em relaccedilatildeo aos outros procedimentos

praticados ateacute entatildeo

Como tivemos oportunidade de salientar Parmecircnides parece natildeo estar preocupado em fazer

criacuteticas a um colega ou a alguma escola especiacutefica Sua preocupaccedilatildeo parece ser mais ampla e a

criacutetica quer se referir ao homem em geral eacute uma criacutetica cultural ao modo de ver o mundo agravequilo

que hoje costumamos chamar weltanschaung Vamos entatildeo retomar esta discussatildeo apresentada nos

fragmentos 6 e 7 e abordar as passagens que ainda natildeo foram tratadas

141

431 Fragmento 6

Vamos comeccedilar pelos versos 1 e 2 do fragmento 6

χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι ἔστι γὰρ εἶναι

μηδὲν δ οὐκ ἔστιν τά σ ἐγὼ φράζεσθαι ἄνωγα

Tendo em mente a reflexatildeo do natildeo ser e as noccedilotildees que dela resultam natildeo eacute tatildeo difiacutecil entender

estas palavras quanto as discussotildees entre os estudiosos nos fazem imaginar Eacute verdade que satildeo

palavras muito controversas inclusive nas liccedilotildees e nas variantes mas eacute verdade tambeacutem que se

recorre a alternativas menos provaacuteveis quando o sentido natildeo aparece claramente ou quando aquele

que aparece natildeo eacute satisfatoacuterio No entanto noacutes identificamos o vocabulaacuterio que expressa as noccedilotildees

resultantes da meditaccedilatildeo Lembrando que o natildeo ser absoluto era impossiacutevel de ser alcanccedilado pelo

pensar cognitivo e que portanto a expressatildeo natildeo ser (τό μὴ ἐὸν) por natildeo ter sentido algum natildeo

deve ser usada (οὔτε φράσαις) fica claro que χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι eacute necessaacuterio

dizer e pensar (cognitivamente) que o ente eacute No fragmento 2 o natildeo ente (τό μὴ ἐὸν) natildeo pode

nem ser conhecido e nem dito logo aqui no fragmento 6 Parmecircnides diz que dizer e pensar que

o ente eacute se torna necessaacuterio isto eacute natildeo pode ser de outra forma pois se natildeo fosse necessaacuterio entatildeo

poderia-se dizer que o ente natildeo eacute ou que o natildeo ente eacute Mas como ele dissera dizer que o ente

natildeo eacute significa percorrer o caminho do natildeo eacute o qual eacute de todo impercorriacutevel

Podemos ver que o meacutetodo exposto no fragmento 2 comeccedila a ser discutido concretamente e

natildeo se trata mais do ἔστιν mas do ἐὸν De fato a palavra ἐὸν aparece primeiramente no poema

como negativa τό μὴ ἐὸν fato pouco notado pelos estudiosos jaacute no fragmento 2 (ver a discussatildeo

a respeito do τό μὴ ἐὸν no capiacutetulo 5) Como jaacute tivemos oportunidade de observar Parmecircnides

primeiro enuncia sua tese e depois apresenta os argumentos a favor Neste caso as noccedilotildees de (23)

ἔστιν e (25) οὐκ ἔστιν satildeo o resultado de um processo reflexivo argumentativo que comeccedila com o

142

τό μὴ ἐὸν que nada mais eacute do que a tentativa malograda (segundo o que Parmecircnides afirma) de

negar o ἐὸν Entatildeo a estrutura argumentativa de Parmecircnides revela que sua preocupaccedilatildeo inicial era

o ἐὸν que ele tentou negar sem sucesso alcanccedilando noccedilotildees novas e radicais sobre o mundo

Assim finalmente apoacutes a apresentaccedilatildeo do meacutetodo obtido pelas suas reflexotildees volta ao seu

tema predileto o ἐὸν Agora ele pode seguir com seguranccedila epistecircmica e em 61 afirma eacute

necessaacuterio dizer e pensar cognitivamente que o ente eacute (ἐὸν ἔμμεναι) Aqui mais uma vez nos

encontramos na ordem argumentativa parmenidiana onde primeiro enuncia e depois argumenta

portanto ele diz em 61b e 62a com efeito (γὰρ) ndash enquanto a tentativa de operar cognitivamente

com o natildeo ser (operar cognitivamente com o natildeo ser = μὴ εἶναι) eacute impossiacutevel (23b οὐκ ἔστι) ndash o

que necessariamente acontece (61 ἔστι) eacute o operar cognitivamente com o ser (61 εἶναι) onde

operar cognitivamente com o ser corresponde ao εἶναι A confirmar esta correspondecircncia com o

fragmento 2 Parmecircnides continua e o nada (a realizaccedilatildeo de μὴ εἶναι) natildeo eacute (οὐκ ἔστιν)

Lembrando que o presente trabalho visa entender a noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides estamos

interessados antes de tudo na semacircntica apresentada Este eacute o motivo de traduzir com parcialidade

(a parcialidade que nos leva a focar a semacircntica do natildeo ser) e aparentemente a forccedilar as palavras

do eleata Especificamente nestes dois versos e no seguinte a polecircmica entre os inteacuterpretes eacute furiosa

e eacute bom expor logo a minha posiccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves disputas em campo Segundo a interpretaccedilatildeo

por mim proposta do fragmento 2 encontra-se ali a exposiccedilatildeo de uma reflexatildeo sobre o natildeo ser e o

resultado que dela segue O resultado eacute uma proposta metodoloacutegica a respeito do pensar

cognitivamente em busca de argumentos persuasivos O meacutetodo segue por dois caminhos possiacuteveis

somente um dos quais se revela confiaacutevel enquanto que o outro eacute uma virtualidade que tem que ser

levada em conta sob pena de confundir duas noccedilotildees que jamais devem ser confundidas (pelo pensar

cognitivo epistecircmico) ser e natildeo ser ou como ele diz 23a ἔστιν e 25a οὐκ ἔστιν Trata-se de um

143

meacutetodo cognitivo

Dado este meacutetodo cognitivo se consegue extrair dele que

61a χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι

Esta eacute a tese de Parmecircnides como justamente afirma Cordero o qual traduz com um

impressionante es necessaacuterio decir y pensar que siendo se eacutes Esta tese natildeo eacute a repeticcedilatildeo do

primeiro caminho aquele da persuasatildeo que acompanha a verdade mas eacute o primeiro resultado da

aplicaccedilatildeo do meacutetodo descrito no fragmento 2 Parmecircnides passa a aplicar o meacutetodo e o primeiro

resultado eacute exatamente que assim como τό γε μὴ ἐὸν natildeo podia ser dito nem conhecido da mesma

maneira e pela mesma razatildeo o que eacute literalmente o que estaacute sendo deve ser dito e pensado

(cognitivamente) O motivo dessa necessidade eacute o que resulta da aplicaccedilatildeo do meacutetodo 61b ἔστι

γὰρ εἶναι ser eacute possiacutevel (em 23b natildeo ser era impossiacutevel οὐκ ἔστι μὴ εἶναι) enquanto que 62a

μηδὲν δ οὐκ ἔστιν o nada natildeo eacute (e em 23a simplesmente eacute simplesmente ἔστιν) Haacute uma simetria

complementar entre o verso 23 e a sua reafirmaccedilatildeo em 61b-62a ali o ser era afirmado e o natildeo

ser impossiacutevel aqui o ser eacute dito possiacutevel e o natildeo ser (nada) eacute negado Vemos assim o primeiro

exemplo de como o meacutetodo persuade eacute necessaacuterio dizer e pensar (cognitivamente) que o que estaacute

sendo eacute porque ndash eis a persuasatildeo o argumento ndash por um lado ser eacute possiacutevel e por outro lado nada

natildeo eacute

Como dissemos esta eacute a tese de Parmecircnides e eacute esta tese geneacutetica das demais que apareceratildeo

no fragmento 8 que a deusa comanda afirmar 62b τά γ ἐγὼ φράζεσθαι ἄνωγα Muitas vezes

dissemos e aqui reaparece de forma literal a deusa comanda que seja proclamado que soacute se pode

fazer um discurso epistecircmico a respeito do que eacute Do jeito dele Parmecircnides potildee na boca da deusa

a proclamaccedilatildeo de um princiacutepio universal o ἐὸν eacute a ἀρχή do mundo Isto seraacute articulado amplamente

no fragmento 8 mas antes disso Parmecircnides discutiraacute esse primeiro ponto em comparaccedilatildeo com as

144

ideias correntes e explicaraacute quais satildeo os erros dos mortais e quais as providecircncias necessaacuterias para

natildeo repeti-los Entatildeo no verso seguinte a deusa retoma focirclego e sugere ao disciacutepulo de seguir o

curso de aprendizagem primeiro teraacute de aprender os uacutenicos caminhos de pesquisa ao pensar e

depois deveraacute aprender a reconhecer o caminho errado Mas para a criacutetica do comeccedilo do seacuteculo

XX surgiu um problema que passamos a tratar e espero a resolver

432 Os versos 64 πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltgt

433 αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς

Estes versos natildeo apresentariam nenhum problema de interpretaccedilatildeo se um acaso histoacuterico natildeo

os houvesse transformados numa fonte de muitos mal-entendidos 195 Recentemente a causa

195Na ediccedilatildeo DK dos fragmentos a palavra entre aspas ltεἴργωgt eacute uma conjectura de Diels a preencher uma lacuna em

todos os manuscritos conhecidos de Simpliacutecio de onde foi retirada essa citaccedilatildeo A traduccedilatildeo com a conjectura de

Diels resulta ser a seguinte primeiro desta via de pesquisa te afasto e depois da outra (na qual os mortais etc)

A deusa parece alertar o disciacutepulo de que ele deve se afastar de duas vias primeiro uma e depois a outra nas quais

os mortais etc Em resumo e evitando toda a explicaccedilatildeo filoloacutegica se a deusa pede para o disciacutepulo se afastar de

duas vias e se haacute uma via que eacute a certa fazendo as contas o total resulta em trecircs vias as quais na simplificaccedilatildeo

didaacutetico-mnemocircnica acabaram recebendo o nome respectivamente de via do ser do natildeo ser e do ser e natildeo ser A

polecircmica se esvazia se se retira a conjectura arbitraacuteria e errada de Diels e se se reestabelece o entendimento de que

as vias satildeo duas a via da persuasatildeo e a via natildeo percorriacutevel do natildeo eacute Mas essas duas vias geram trecircs

comportamentos a) o homem instruiacutedo segue a primeira b) o homem instruiacutedo leva em conta e por isso evita a

segunda c) os mortais seguem a segunda afinal confundindo ser e natildeo ser Com isto fica claro que haacute um equiacutevoco

entre nuacutemero de vias e nuacutemero de maneiras de usaacute-las Palmer afirma que jaacute Platatildeo tinha identificado trecircs vias

aludindo a Repuacuteblica 5 476e-477b ldquoIn this case the structure of the argument at Republic 5476e-477b strongly

suggest that Plato saw Parmenides as distinguishing three separate pathsrdquo (Palmer 1999 p 40-41) mas eu concordo

com Hermann (2011 p 149 n 51) que afirma que que estas trecircs possibilidades correspondem mais a uma visatildeo

de Platatildeo do que a uma intenccedilatildeo de Parmecircnides Os mortais seguem uma terceira maneira um terceiro

comportamento natildeo uma terceira via Natildeo haacute terceira via elas satildeo soacute duas que usadas corretamente geram a noccedilatildeo

de contradiccedilatildeo a ser usada com proveito no caminho de inqueacuterito no entanto a segunda via quando eacute percorrida

(quando os mortais acham que a estatildeo percorrendo) gera um outro comportamento que em relaccedilatildeo aos dois

comportamentos do homem instruiacutedo (seguir uma e abandonar a outra) pode ser contado como um terceiro

comportamento Penso que natildeo vale a pena se aprofundar nesta confusatildeo restando apenas a questatildeo da conjectura

que pode substituir aquela de Diels Foram propostas algumas a principal das quais me parece ser aquela de

Cordero o estudioso que descobriu e evidenciou a impropriedade da conjectura de Diels Cordero propotildee um

ltἄρξειgt iniciaraacutes Seja para noacutes suficiente esta conjectura jaacute que nosso foco estaacute em outros pontos de forma que

possamos seguir adiante

145

principal dos desentendimentos foi identificada e os versos deixaram de apresentar problemas

Considerando que estes versos satildeo uma mera passagem sem nenhum interesse especiacutefico podemos

aceitar os argumentos de Cordero e preencher a lacuna com ltἄρξειgt iniciaraacutes que oferece entatildeo

este sentido aos versos primeiro iniciaraacutes por este caminho de pesquisa e depois por aquelerdquo

Assim podemos agora completar o sentido do inteiro fragmento o qual agora se apresenta claro agrave

interpretaccedilatildeo

ldquo eacute necessaacuterio dizer e pensar cognitivamente que o ente eacute pois ser eacute possiacutevel

e o nada natildeo eacute Estas coisas te ordeno que proclames

Primeiro por esta via de inqueacuterito ltiniciaraacutesgt

e depois por aquela outra que os mortais que nada sabem

forjam duplas cabeccedilas pois a falta de recursos em suas

mentes conduz operaccedilotildees cognitivas errantes sendo levados

como surdos e cegos perplexos massas sem criteacuterio

que consideram ser e natildeo ser o mesmo

e natildeo o mesmo e que de tudo haacute contra-direccedilatildeo de caminhordquo

A conclusatildeo principial a partir da aplicaccedilatildeo principial do meacutetodo eacute que o que estaacute sendo eacute

(ἐὸν ἔμμεναι) Esta tese cosmoloacutegica eacute obtida pelo meacutetodo exposto no fragmento 2 segundo o

qual ser eacute possiacutevel e nada natildeo eacute esta eacute a primeira via O disciacutepulo tem que seguir esta via mas

ao mesmo tempo tem que conhecer o comportamento dos mortais que acreditando seguir a outra

ndash isto eacute acreditando que quando pensam e dizem natildeo eacute se referem a algo ndash acabam forjando uma

via que de fato eacute impercorriacutevel completamente e natildeo leva a nada pois o nada natildeo eacute (μηδὲν δ οὐκ

ἔστιν) ela eacute apenas uma virtualidade O que faz com que os mortais se aventurem pelo caminho

impossiacutevel eacute uma falta de recursos em suas mentes Qual eacute o recurso que falta aos mortais Penso

que natildeo outro candidato a natildeo ser o meacutetodo exposto no fragmento 2 Eacute ele que permite distinguir

entre ser e natildeo ser e perceber que eles natildeo satildeo simeacutetricos mas radicalmente opostos Embora a

palavra natildeo esteja presente diretamente no texto por oposiccedilatildeo podemos dizer que o meacutetodo de

146

Parmecircnides eacute uma μηχᾰνή um artifiacutecio que permite realizar algo Parmecircnides diz neste fragmento

que o artifiacutecio tem como propoacutesito realizar a distinccedilatildeo entre ser e natildeo ser pois as massas sem

criteacuterio confundem ser e natildeo ser e suas mentes acabam sendo levadas ao inveacutes de levar a pesquisa

pelo caminho (argumento) persuasivo que acompanha a verdade

434 O fragmento 7 Os versos 1 e 2

Passamos agora completar a leitura do fragmento 7 interpretando os restantes dois versos

que natildeo foram discutidos anteriormente Naquela ocasiatildeo embora estiveacutessemos fazendo uma

interpretaccedilatildeo seletiva do vocabulaacuterio psicoloacutegico no poema e embora no verso 72 temos uma

palavra estritamente psicoloacutegica νόημα a tarefa natildeo pudera ser completada porque como agora jaacute

sabemos as noccedilotildees implicadas natildeo satildeo auto-evidentes e tivemos que fazer um esforccedilo

hermenecircutico para fazecirc-las emergir Vamos entatildeo ao texto

ldquoοὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῆι εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημαrdquo

A traduccedilatildeo em si natildeo oferece complicaccedilotildees maiores muito mais complicado eacute enteder o sentido

destas palavras e sua mensagem filosoacutefica que a todos intrigou desde a antiguidade principalmente

a Platatildeo que a cita no Sofista e a considera como motivo suficiente para justificar um parriciacutedio

filosoacutefico Jaacute tivemos oportunidade de analisar o primeiro verso no primeiro capiacutetulo Vamos

retomar aquela discussatildeo e comeccedilar traduzindo literalmente

Natildeo prevaleccedila (οὐδαμῆι) jamais (μήποτε) isto (τοῦτο) ser os natildeo entes

Tu poreacutem desta via de inqueacuterito afasta o pensamento

O verso 2 indica que se trata de um dos caminhos de inqueacuterito aquele do qual eacute necessaacuterio

se manter afastados porque eacute impercorriacutevel trata-se do segundo caminho que no fragmento 2 ele

147

chamou de παναπευθέα e que aqui eacute referido no uacuteltimo trecho do verso que os natildeo entes sejam

Esta proposiccedilatildeo eacute absurda portanto jamais prevaleceraacute mas levando em conta que haacute a

possibilidade de confusatildeo (ἄκριτα φῦλα) o disciacutepulo teraacute que manter seu pensamento (operaccedilotildees

cognitivas da mente) afastado desse caminho196 Vamos reduzir o verso agrave sua semacircntica essencial

assim como o apresentamos no primeiro paraacutegrafo eacute impossiacutevel (natildeo prevaleccedila jamais) que os natildeo

entes sejam Alguns autores aproveitam essa passagem para afirmar que Parmecircnides usa como

sinocircnimos ἐὸν e ἐόντα indiferentemente no singular e no plural Eu penso que a expressatildeo aqui eacute

teacutecnica e quer se referir ao ἔλεγχον ἐξ ἐμέθεν ῥηθέντα a prova por mim exposta de 7-56 De fato

o mesmo seraacute encontrado mais adiante (87-8 οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν natildeo

permitirei dizer e pensar que seja dos natildeo entes) a respeito de uma discussatildeo especiacutefica que estava

no centro dos interesses dos pensadores dessa eacutepoca a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo O sentido geral eacute

que pela impossibilidade dos natildeo entes virem a ser a geraccedilatildeo natildeo pode se dar isto eacute por natildeo ser

possiacutevel uma passagem do nada ao ser a geraccedilatildeo eacute impossiacutevel Se assim for esse sentido teacutecnico

de μὴ ἐόντα vem de encontro agraves recentes tentativas de reordenar os fragmentos do poema a partir

de uma nova valutaccedilatildeo da doxa isto eacute da segunda parte do poema Nesse caso uma parte das

afirmaccedilotildees referentes ao mundo fiacutesico (astronomia e biologia) deveriam ser colocadas antes do

fragmento 7 e supostamente seria a estas afirmaccedilotildees que a deusa quer se referir quando diz ldquoas

provas por mim expostasrdquo

196 Nussbaum considera a questatildeo do ponto de vista da convenccedilatildeo cultural comparando o texto parmenidiano com

uma descriccedilatildeo retirada das Nuvens de Aristoacutefanes ldquoThe strong conventionalist by his claim that we can do

(believe) otherwise means that we can choose to adopt other conventions Parmenides means something stronger

still that we can choose to do without convention altogether we can become in thought wholly other than we are

The poems use of the language of religious initiation is not simply decorative but fundamental to its meaning By

the use of human reason we are to be converted away from our humanityrdquo (Nussbaum 1979 p 79)

148

Portanto seguindo para o verso 2 a deusa alerta que o disciacutepulo natildeo deve argumentar

(estruturar a reflexatildeo da pesquisa) seguindo essa linha de reflexatildeo onde ldquoos natildeo entes satildeordquo pois

significaria fazer uma equivalecircncia entre ser e natildeo ser fato rejeitado pela reflexatildeo do natildeo ser pelo

preceito da deusa pelo meacutetodo obtido pelo resultado alcanccedilado no princiacutepio coacutesmico que afirma

que ldquoeacute necessaacuterio pensar e dizer que o ser (o que estaacute sendo ἐόν) eacuterdquo Por esta razatildeo o disciacutepulo

deve cuidar de natildeo cair nas malhas do pensamento errocircneo que se forma pelo haacutebito o qual forccedila

(βιάσθω) uma maacute utilizaccedilatildeo dos sentidos e por outro lado o haacutebito tambeacutem acaba impelindo a

julgar pelo discurso (pela seduccedilatildeo da retoacuterica) Segundo essa recente interpretaccedilatildeo ndash com a qual eu

concordo ndash de κρῖναι δὲ λόγωι nos encontrariacuteamos finalmente diante de uma expressatildeo referida a

uma persuasatildeo que natildeo acompanha a verdade Assim como haacute o caminho de persuasatildeo que

acompanha a verdade isto eacute aquele caminho que gera discursos persuasivos segundo a persuasatildeo

verdadeira assim tambeacutem haacute o caminho (forjado pelos mortais) que produz discursos persuasivos

natildeo acompanhados de feacute verdadeira (πίστις ἀληθής) Por que estes discursos persuasivos sem feacute

verdadeira convencem Porque por um lado os mortais natildeo dispotildeem da mechane mas por outro

lado eles satildeo forccedilado por sua cultura tanto por percepccedilotildees natildeo isentas de distorccedilotildees culturais

quanto pelo discurso sedutor o qual dada a autoridade do orador pretende prescindir de criteacuterios

de verificaccedilatildeo externos ao discurso Parmecircnides sugere que o discurso natildeo seja julgado por criteacuterios

internos ao discurso mas por uma mechaneacute externa o meacutetodo que ele propotildee

Vemos assim de quantas maneiras Parmecircnides estaacute explicando seu meacutetodo pela meditaccedilatildeo

inicial pela estruturaccedilatildeo de uma maneira coerente (conexa) de pensar pela afirmaccedilatildeo de um

priciacutepio (archeacute) cosmoloacutegico pela criacutetica agrave gnoseologia do homem comum e pela criacutetica cultural agrave

cultura tradicional que prefere seguir a persuasatildeo de discursos tradicionais ao inveacutes de discutir as

afirmaccedilotildees pelo preceito que a deusa ofereceu Chegamos portanto ao momento em que cabe a

149

ele expor a cosmologia segundo o preceito da deusa ele o faz no fragmento 8 que noacutes analisaremos

a seguir

44 A aplicaccedilatildeo do meacutetodo

Parmecircnides aplica seu meacutetodo no longo fragmento 8 um texto riquiacutessimo cujo estudo daacute

espaccedilo para muitos enfoques e muitas discussotildees para cada enfoque A nossa premissa eacute que natildeo

faremos um estudo exaustivo do fragmento 8 mas tatildeo somente daquelas partes do fragmento

atinentes ao natildeo ser e somente nos aspectos pertinentes a este tema Reportaremos trecho a trecho

as partes a serem estudadas e indicaremos tambeacutem quais partes seratildeo deixadas de lado

Antes de entrar no meacuterito dos versos conveacutem fazer uma ilustraccedilatildeo panoracircmica do trecho

Tarefa em princiacutepio bastante difiacutecil porque por serem estes os versos onde Parmecircnides expotildee sua

concepccedilatildeo de ser eacute dos mais estudados o que implica ndash dado o estado do texto as condiccedilotildees de

transmissatildeo o assunto e a forma como eacute abordado ndash uma amplificaccedilatildeo maacutexima por parte dos

estudiosos das ambiguidades de todo tipo que o escrito apresenta Em suma uma apresentaccedilatildeo

panoracircmica implicaria uma interpretaccedilatildeo e esta deveria ser justificada agrave frente das vaacuterias e bem

fundamentadas interpretaccedilotildees dos estudiosos Este problema pode ser contornado recorrendo a um

trabalho precioso e original que realmente excele pela lucidez da anaacutelise Trata-se de ldquoLa structure

du poeme de Parmeacuteniderdquo de Livio Rossetti texto inteiramente dedicado a desvendar e tornar clara

a arquitetura de exposiccedilatildeo do poema A ele recorremos para identificar a particcedilatildeo dos assuntos neste

longo fragmento e principalmente porque ele evidencia a sua estrutura demonstrativa Diz Rossetti

(p 208)

ldquo[] chegou a hora para a deusa de Parmecircnides de expor a conclusatildeo doutrinal

(μόνος δ ἔτι μῦθος ὁδοῖο λείπεται) Noacutes podemos ver claramente que esta conclusatildeo ndash

150

autecircntico cliacutemax de todo o primeiro logos ndash se divide na afirmaccedilatildeo peremptoacuteria ldquoque eacuterdquo a

passagem em revista dos cinco (ou seis) semata relativos agrave caracteriacutesticas do eon e logo

em seguida o iniacutecio de um itineraacuterio soberbo de demonstraccedilatildeo Os semata tecircm o estatuto

de demonstranda (o ser eacute ageneton anolethron oulomeles atremes e ateleston) e a

exposiccedilatildeo segue um desenvolvimento que reflete a sucessatildeo dos demonstranda parando

com a ecircnfase apropriada sobre a alternativa fundamental apresentando um uso recorrente

e natildeo habitual da conjunccedilatildeo gar no duplo sentido de because (ldquop eacute dado que qrdquo) e de then

(ldquose tudo isto eacute verdade entatildeo eacute verdade tambeacutem que prdquo) e dando lugar a algumas

expressotildees que se aproximam de modo significativo do claacutessico quod erat demonstrandum

dos matemaacuteticosrdquo197

Esse aspecto do rigor da exposiccedilatildeo ateacute agora fora apenas timidamente apontado por parte

de alguns criacuteticos e pelo que eu sei cabe a Rossetti o meacuterito de evidenciar esse vocabulaacuterio Vamos

entatildeo com a ajuda dele ver mais de perto estas palavras e as subseccedilotildees do fragmento que elas

marcam198

197Rossetti 2010 p 208 ldquo[] le moment eacutetait venu pour la deacuteesse de Parmeacutenide drsquoen tirer la conclusion doctrinale

(μόνος δ ἔτι μῦθος ὁδοῖο λείπεται) Nous pouvons voir clairement que cette conclusion ndash authentique climax de

tout le premier logos ndashse divise en lrsquoaffirmation peacuteremptoire laquo que est raquo le passage en revue des cinq (ou six)

semata relatifs aux caracteacuteristiques de lrsquoeon et tout de suite apregraves le commencement drsquoun superbe itineacuteraire

deacutemonstratif Les semata ont le statut de demonstranda (lrsquoecirctre est ageneton anolethron oulomeles atremes et

ateleston) et lrsquoexposeacute se poursuit par un deacuteveloppement qui reflegravete la succession des demonstranda srsquoarrecirctant avec

lrsquoemphase convenable sur lrsquoalternative fondamentale preacutesentant un emploi reacutecurrent et inhabituel de la conjonction

gar au double sens de because (laquo p eacutetant donneacute que q raquo) et de then (laquo si tout cela est vrai alors il est vrai aussi que

praquo) et faisant mecircme place agrave des expressions qui se rapprochent de faccedilon significative du classique quod erat

demonstrandum des matheacutematiciensrdquo 198Ibidem ldquoLes expressions qui eacutequivalent au QED sont les suivantes

Alors (οὕτως) il est neacutecessaire qursquoil soit complegravetement ou qursquoil ne soit pas du tout helliphelliphelliphellip B811

Il est deacutecideacute donc (κέκριται δ οὖν) que lrsquoune des deux ltoptionsgthellip tandis que lrsquoautrehellip B816-18

Et ainsi (τὼς) la naissance est eacutelimineacutee agrave lrsquoeacutegal de la mort obscure B821

En vertu de quoi (τῶι) il est tout entier continu en effet lrsquoecirctre srsquoattache agrave lrsquoecirctre B825

En vertu de quoi (τῶι) seront des noms toutes ces choseshellip B838-39

Non moins significativement apregraves chacun de ces eacutenonceacutes formant la conclusion de chaque deacutemonstration

apparaissent des formules de transition indiscutablement paratactiques qui de toute eacutevidence servent agrave ouvrir la

voie agrave un nouvel itineacuteraire deacutemonstratif [Seguem as citaccedilotildees em grego]rdquo

151

ldquoAs expressotildees que equivalem ao QED satildeo as seguintes

Assim (οὕτως) eacute necessaacuterio que seja completamente ou que de todo naotilde seja B

811

Estaacute decidido portanto (κέκριται δ οὖν) que uma das duas ltopccedilotildeesgt

hellip enquanto a outra B

816-18

E assim (τὼς) o nascimento eacute eliminado igualmente agrave morte obscura B

821

Em virtude de que (τῶι) eacute todo inteiro continuo com efeito o ser adere ao ser B

825

Em virtude de que (τῶι) seratildeo nomes todas estas coisas B

838-39

Natildeo menos significativamente depois de cada um desses enunciados que formam a

conclusatildeo de alguma demonstraccedilatildeo aparecem umas foacutermulas de transiccedilatildeo indiscutivelmente

parataacuteticas que com toda evidecircncia servem a abrir o caminho a um novo itineraacuterio demonstrativo

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος κτλ (B812)

τοῦ εἵνεκεν (B813)

πῶς δ ἂν ἔπειτα πέλοι (B819)

οὐδὲ οὐδὲ οὐδὲ (B822-24)

αὐτὰρ ἀκίνητον μεγάλων κτλ (B826)

αὐτὰρ ἐπεὶ πεῖρας πύματον (B842)

Apoacutes essa breve panoracircmica focada a evidenciar a estrutura argumentativa podemos ir aos

primeiros versos do fragmento 8 na ediccedilatildeo de Diels-Kranz (81-6)

μόνος δ ἔτι μῦθος ὁδοῖο

λείπεται ὡς ἔστιν ταύτηι δ ἐπὶ σήματ ἔασι

πολλὰ μάλ ὡς ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν

152

ἐστι γὰρ οὐλομελές τε καὶ ἀτρεμὲς ἠδ ἀτέλεστον199

οὐδέ ποτ ἦν οὐδ ἔσται ἐπεὶ νῦν ἔστιν ὁμοῦ πᾶν

ἕν συνεχές

Depois de tudo que foi dito ateacute agora o primeiro verso ateacute a primeira metade do segundo

deveria ser claro ldquoresta ainda uma uacutenica palavra do caminho que eacuterdquo O caminho que deve ser

seguido eacute aquele apresentado em 23 mas aqui numa versatildeo reduzida talvez numa expressatildeo

meramente didaacutetica resta somente uma palavra do caminho (de pesquisa para operar

cognitivamente) ldquoque eacuterdquo Exceto o nosso acreacutescimo entre parecircnteses este eacute o sentido geral que

todo estudioso aceita mas haacute divergecircncias quanto agraves liccedilotildees transmitidas agrave sintaxe e tambeacutem quanto

ao sentido mais preciso das expressotildees principalmente em relaccedilatildeo a μῦθος que pode ser traduzido

de vaacuterias maneiras embora aqui chamando agrave memoacuteria o outro uso que Parmecircnides faz (B 21)

tem mais o sentido de discurso fala noticia

82b-6a Os proacuteximos versos satildeo muito problemaacuteticos jaacute pela transmissatildeo do texto satildeo os

versos mais corrompidos de todo o poema Fazer uma anaacutelise minimamente satisfatoacuteria requer um

trabalho minucioso de comparaccedilatildeo entre os (muitos) doxoacutegrafos entre as variantes de cada

doxoacutegrafo e entre as correccedilotildees dos editores Aqui este trabalho natildeo nos ajuda no nosso tema porque

estes versos satildeo o anuacutencio dos sinais do eon que seratildeo demonstrados no resto do fragmento esta

parte pode ser considerada uma apresentaccedilatildeo ou um iacutendice ou segundo Rossetti uma apresentaccedilatildeo

dos demonstranda e natildeo entram no meacuterito da aplicaccedilatildeo do meacutetodo de Parmecircnides Damos entatildeo o

sentido geral com algumas poucas consideraccedilotildees O sentido geral eacute este ldquosobre o caminho haacute

199Este eacute o termo reportado por Diels-Kranz

153

muitas provas200 de que sendo (ἐὸν) ingecircnito eacute tambeacutem impereciacutevel pois eacute inteiro inabalaacutevel e

completo nem era nem seraacute pois eacute todo homogecircneo uno contiacutenuo Sobre o caminho do ἔστιν haacute

muitas provas (σήματα) as quais provam os atributos de algo este algo dependendo da

interpretaccedilatildeo que se daacute agraves palavras ὡς ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν (1) pode estar presente

como sujeito expliacutecito e neste caso se traduziria ldquoo que eacuterdquo201 eacute ingecircnito e incorruptiacutevel etc ou

(2) pode se entender o sujeito como impliacutecito (sujeito que eacute o proacuteprio ἐὸν e que apareceraacute mais

adiante em 819) e traduzir sendo ingecircnito eacute tambeacutem incorruptiacutevel etc Noacutes preferimos a segunda

alternativa pois ressalta mais a estrutura rigorosa da argumentaccedilatildeo parmenidiana haacute muitas provas

de que sendo ingecircnito eacute tambeacutem incorruptiacutevel No entanto neste caso os σήματα natildeo satildeo mais os

atributos listados nos primeiros 5 versos do fragmento 8 como traduz a interpretaccedilatildeo tradicional202

200 σῆμα eacute propriamente o sinal dos oraacuteculos mas enquanto sinal pode significar muitas coisas aqui a meu ver

significa mais sinal de certificaccedilatildeo (LSJ ldquo5 token by which any onersquos identity or commission was certifiedrdquo) isto

eacute mais propriamente em Parmecircnides prova (LSJ σημεῖον = σῆμα II 2 in reasoning a sign of proof) De fato

embora este sentido esteja registrado somente depois de Parmecircnides (como reportado no LSJ) jaacute estaacute presente em

Melisso o qual usa sem duacutevida um vocabulaacuterio parmenidiano (Galgano 2010 p 91 e passim) de forma muito

clara no fr 81 onde diz ldquo(1) Eacute pois esse argumento a mais importante prova (σημεῖον) de que (o ser) eacute apenas

um mas tambeacutem (haacute) as seguintes provas (σημεῖα)rdquo (Trad Borges I L)

Segundo Imbraguglia o uso de vocabulaacuterio eacutepico para noccedilotildees certamente novas como aquela de

ldquodemonstraccedilatildeordquo pode ser assim explicado ldquoParmecircnides usa teacutecnicas [de escrita] que satildeo proacuteprias da cultura

sacerdotal e da nobreza [hellip] Original eacute o uso por parte de Parmecircnides a liacutengua do poieteacutes natildeo eacute mais usada para

transportar o ouvinte do ambiente linguiacutestico do cotidiano para atmosfera encantada do eacutepos mas para se expressar

de um modo o mais possiacutevel formalizado e a linguagem e as teacutecnicas linguiacutesticas do oraacuteculo servem para realizar

verdadeiros caacutelculos loacutegicosrdquo (Inbraguglia 1974 p 9-10 n 5)

Por esta razatildeo eu penso que esteja corretto McKiraham quando diz ldquo Eacute opiniatildeo geral que os sinais satildeo os

atributos listados nestas linhas Mas Parmecircnides natildeo diz que haacute muitos sinais incluindo ldquoingecircnitordquo ldquoimpereciacutevelrdquo

etc Ao inveacutes disso ele diz que haacute muitos sinais de que o-que-eacute eacute ingecircnito impereciacutevel etc A afirmaccedilatildeo faz mais

sentido se entendermos os ldquosinaisrdquo como os argumentos que indicam (eu diria provam) que o-que-eacute tem os

atributos em questatildeordquo (McKirahan 2008 p 221 n 9)

Para um aprofundamento da noccedilatildeo de prova (rigorosa) na linguagem preacute-euclideana veja-se a discussatildeo dos

termos em Szabo 1970 185 201Literalmente o que estaacute sendo que em portuguecircs pode ser traduzido com o ente do latim ens eacutentis forjado como

particiacutepio presente de sum (Houaiss verbete ente) desde que ente seja entendido no seu sentido mais geral isto

eacute absoluto diferentemente da noccedilatildeo corrente a qual costuma ser referida a um ente relativo 202O entendimento de que os σήματα satildeo os atributos eacute quase unanimidade entre os comentadores mais antigos Burnet

(tokens) Cornford Diels (1897) Gigon Guthrie Jaeger Zafiropulo mais recentemente Mourelatos Ruggiu

154

mas satildeo as demonstraccedilotildees que se seguem ao longo do fragmento 8

441 Ἐὸν eacute ingecircnito e impereciacutevel

O primeiro dos σήματα apresentado por Parmecircnides correspondente ao primeiro dos

atributos eacute a natildeo geraccedilatildeo Em sua eacutepoca saber da origem das coisas significava conhecer as

coisas 203 conhecer sua natureza iacutentima ou simplesmente sua natureza como se expressa

claramente no sentido da palavra φύω que originariamente significava simplesmente existir ser e

que soacute sucessivamente passou a significar crescer O fato de ser o primeiro dos atributos e de

receber proporcionalmente mais atenccedilatildeo do que os outros potildee em evidecircncia toda a importacircncia

deste assunto para Parmecircnides e como noacutes sabemos para os demais pesquisadores da eacutepoca

Tendo entatildeo em mente a discussatildeo da eacutepoca a respeito dos princiacutepios e das origens de todas

as coisas como contexto intelectual no qual inserir esta prova podemos entender sua importacircncia

histoacuterica repleta de consequecircncias para todo o pensamento sucessivo Vamos entatildeo ao texto

τίνα γὰρ γένναν διζήσεαι αὐτοῦ

πῆι πόθεν αὐξηθέν οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω

φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν οὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν

ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστι τί δ ἄν μιν καὶ χρέος ὦρσεν

ὕστερον ἢ πρόσθεν τοῦ μηδενὸς ἀρξάμενον φῦν

οὕτως ἢ πάμπαν πελέναι χρεών ἐστιν ἢ οὐχί

Taraacuten e outros Contra Cerri 1999 ldquoargomentazioni cogentirdquo p 214 Cordero 2005 ldquopruebas (para no decir

ldquodemonstracionesrdquo)rdquo p 193 203Eacute Aristoacuteteles que recolhe e formaliza (e em sua proacutepria filosofia desenvolve) esse autecircntico alicerce da cultura

grega quando afirma entre inuacutemeras outras passagens em sua obra ldquoὅτι μὲν οὖν ἡ σοφία περί τινας ἀρχὰς καὶ

αἰτίας ἐστὶν ἐπιστήμη δῆλονrdquo (Eacute evidente que a sabedoria eacute uma ciecircncia a respeito de certos princiacutepios e certas

causas) Metaph 982a

155

86b-7a O texto abre com duas perguntas que geraccedilatildeo pois procuraraacutes dele Como de

onde teria crescido Muitos dos inteacuterpretes entendem que satildeo perguntas retoacutericas que a deusa

refutaraacute por reductio ad absurdum204 Eu penso que a forma poeacutetica natildeo deve desviar nossa atenccedilatildeo

pois como vimos Parmecircnides usa a linguagem eacutepica para formalizar sua expressatildeo205 Penso

entatildeo que estas perguntas satildeo a formalizaccedilatildeo do problema da origem (archeacute) isto eacute satildeo o problema

inicial de onde parte a pesquisa parmenidiana Veremos em breve como reconstruir o argumento

mas por enquanto temos (1) a enunciaccedilatildeo da tese e (2) a formulaccedilatildeo do problema inicial a pergunta

que desencadeia a pesquisa

87b-8a Duas afirmaccedilotildees colocadas depois de duas perguntas parecem mesmo duas

respostas do natildeo ente (ἐκ μὴ ἐόντος) natildeo permitirei (οὐδ ἐάσσω) que digas e pense pois natildeo

diziacutevel nem pensaacutevel eacute o que natildeo eacute A deusa diz com voz imperativa que ela natildeo permitiraacute que se

diga e pense que se tenha geraccedilatildeo e crescimento desde o natildeo ente Haacute aqui o enunciado de uma lei

universal sob forma de uma lei proclamada por voz divina natildeo eacute permitido dizer e pensar que a

origem venha do natildeo ser Mas a deusa natildeo para no simples preceito ela continua e acrescenta uma

justificaccedilatildeo haacute um motivo para a sua proibiccedilatildeo e consiste no fato de que o natildeo eacute natildeo pode ser dito

e nem pensado Noacutes jaacute conhecemos o sentido de οὐκ ἔστι e tambeacutem de φάσθαι similar ao de

φράσαις de 28 e de νοεῖν similar ao de γνοίης de 27 pois os encontramos com as mesmas noccedilatildeo

e circunstacircncias no fr 2 Conveacutem poreacutem fazer uma pausa para refletir a respeito de um tema

204Cordero 2005 p 195 ldquoseudocuestionamentordquo Mourelatos 2008 p 98 ldquorethorical questionrdquo Robinson 1975 p

628 ldquoputative questionrdquo Ruggiu 1975 p 240 ldquointerrogativa retoricardquo 205Coxon relembra ldquoThese opening questions resemble and perhaps echo the conventional Homeric greeting τίς

πόθεν εἶς ἀνδρῶν πόθι τοι πόλις ἠδὲ τοκῆες [lsquoWho are you and from where Where is your city your parentsrsquo]rdquo

(Coxon p 317)

156

raramente abordado pelos estudiosos dedicados a Parmecircnides trata-se da questatildeo da posiccedilatildeo do

natildeo ser nas cosmovisotildees contemporacircneas e anteriores a Parmecircnides Faremos desta reflexatildeo um

intermezzo e voltaremos depois aos nossos versos

442 Intermezzo O natildeo ser na experiecircncia do devir

A expressatildeo da deusa eacute interessante Se de fato ela estaacute ensinando a respeito da gecircnese das

coisas agrave pergunta ldquoo que daria origem ao enterdquo ela responde ldquonatildeo permito que digas e pense que

seja o natildeo ser a dar origem ao enterdquo A singularidade da resposta consiste no fato de introduzir um

elemento culturalmente novo o natildeo ser Mas se esse elemento eacute novo por que o kouros deveria

possivelmente dizer e pensar o natildeo ser Ele faria isto se ele tivesse o natildeo ser como opccedilatildeo de

resposta Em outras palavras a proibiccedilatildeo da deusa implica que o disciacutepulo conheccedila ou use o ldquonatildeo

serrdquo Parmecircnides criticara antes (fr 6 e 7) a atitude dos mortais os quais misturam ser e natildeo ser

mas naquele caso se tratava claramente da operatividade das noccedilotildees dentro da coerecircncia do

discurso Aqui estaacute se falando da geraccedilatildeo do eon e culturalmente natildeo se justifica em princiacutepio a

hipoacutetese de um natildeo ser enquanto entidade cosmoloacutegica capaz de possivelmente dar geraccedilatildeo ao

ser Nas cosmogonias e cosmologias gregas natildeo se encontra uma noccedilatildeo de negatividade absoluta

geradora de algo aliaacutes natildeo se encontra nenhum conceito tatildeo abstrato nem negativo e nem positivo

os conceitos principiais satildeo sempre materializados e ou divinizados mais ou menos

monstruosamente ou antropomorficamente

Diante de tal estranheza buscou-se a noccedilatildeo de natildeo ser fora da Greacutecia Natildeo haacute nada similar

nas religiotildees e sabedorias mediterracircneas e meacutedio-orientais mas haacute uma passagem muito similar

em textos indianos Numa das Upanixades mais antigas a Chāndogya Upaniṣad se encontra um

157

texto muito similar ao texto parmenidiano (retraduzo de traduccedilatildeo italiana)

ldquo1 No iniacutecio meu caro natildeo havia nada mais que o ser [sat] uacutenico e sem segundo Na

verdade outros dizem No iniacutecio havia o natildeo ser [a-sat] uno e sem segundo deste natildeo ser

nasceu o ser 2 Poreacutem como poderia ser assim meu caro Como pode o ser nascer do natildeo

ser Na verdade eacute o ser o qual existia no iniacutecio das coisas o ser somente e sem segundordquo206

A semelhanccedila com o texto dos versos 86-8 de Parmecircnides eacute impressionante Tomou o eleata

suas ideias da sabedoria indiana Inspirou-se nela De prima facie somos tentados a responder que

sim Todavia com essa aceitaccedilatildeo os problemas historiograacuteficos aumentam ao inveacutes de diminuir

Antes de tudo a questatildeo especiacutefica da influecircncia indiana sobre Parmecircnides se coloca dentro da

questatildeo maior da influecircncia do oriente em geral sobre a cultura e portanto sobre a filosofia grega

tema espinhosiacutessimo e longe de estar resolvido apoacutes quase dois seacuteculos de debates Depois mesmo

nos limitando apenas a Parmecircnides os estudiosos divergem West acha que Parmecircnides eacute

supervalorizado pois ele tem menos originalidade de que se lhe atribui por pertencer a um

panorama cultural comum natildeo soacute na Greacutecia como na aacuterea mediterracircnea como um todo207 Alguns

artigos mais recentes embora mais criacuteticos do que West agrave influecircncia oriental parecem reconhecer

ao menos a semelhanccedila da problemaacutetica filosoacutefica Suto208 mais prudentemente afirma que um

intercacircmbio no VI sec aC era historicamente possiacutevel e ateacute provaacutevel e que haacute muitas

correspondecircncias temaacuteticas entre assuntos especiacuteficos de Parmecircnides (ser e natildeo ser e suas relaccedilotildees

206Chāndogya Upaniṣad 6II traduccedilatildeo italiana Filippani-Ronconi 1960 207Para ele a influecircncia indiana eacute um fato histoacuterico que aconteceu entre 550 e 480 aC Quando os Persas invadindo

as costas das colocircnias jocircnicas trouxeram consigo ldquoo presente dos reis magosrdquo isto eacute as influecircncias das culturas

meacutedio-orientais e orientais Por isso ele pensa que estas influecircncias natildeo devem ter alcanccedilado Parmecircnides via

pitagorismo mas deve ter sido mesmo heranccedila cultural vinda dos pais e dos foceanos em geral que a sofreram

antes de afinal emigrar fugindo da guerra (West 1971 p 287-269) 208Scuto 2010

158

com o mundo da natureza) e os texto religiosos e filosoacuteficos indianos anteriores ao VI seacuteculo aC

jaacute Ruzsa209 apoacutes uma anaacutelise bastante exaustiva chega a estimar as probabilidades matemaacuteticas

dos dois autores (Parmecircnides e o autor da Chāndogya Upaniṣad em questatildeo Uddālaka Āruṇi) ter

tratado temas similares independentemente 001 (1 chance em 1000) isto leva agrave conclusatildeo da

dependecircncia entre os textos restando definir se Parmecircnides tomou de Uddālaka Āruṇi ou vice-

versa o autor opta pela influecircncia indiana sobre o grego

Os problemas historiograacuteficos satildeo muitos antes de tudo os problemas de dataccedilatildeo

principalmente dos textos indianos em relaccedilatildeo aos quais haacute muito desacordo entre os estudiosos

Depois o problema de perspectiva pois natildeo basta afirmar que o Ser eacute um para configurar uma

afirmaccedilatildeo filosoacutefica ao inveacutes de uma religiosa ou ateacute mesmo de uma expressatildeo esteacutetica resultado

de alguma experiecircncia subjetiva Certamente e apesar da opiniatildeo de West o texto de Parmecircnides

eacute profundamente inovador natildeo soacute em relaccedilatildeo agrave cultura grega avanccedilada de sua eacutepoca como tambeacutem

em relaccedilatildeo agraves proacuteprias Upaniṣad em questatildeo210 de onde supostamente ele teria aprendido a

sabedoria de que fala em seu poema Por outro lado o estudo das influecircncias culturais em eacutepocas

arcaicas depende de disciplinas que escapam ao labor filosoacutefico principalmente dedicado aos

209Ruzsa 2002 210Ruzsa op Cit p 4 ldquoThere are also two really significant innovations in Parmenides logic and the number of

formsrdquo Gostaria de acrescentar para esclarecer que o fato de que Parmecircnides use a loacutegica natildeo significa que

enquadrou as ideias a respeito de ser e natildeo ser dentro de uma metodologia linguiacutestica que chamamos loacutegica mas

significa que Parmecircnides ndash mesmo que tenha tomado as ideias emprestadas das Upanixades ou de qualquer outro

mito grego (e natildeo podia ser diferente pois natildeo se consegue inventar uma cultura ex-novo) ndash reconsiderou refletiu

e visualizou-as numa nova ordem (weltanschaung) tarefa esta das mais radicais na atividade filosoacutefica Ou seja a

novidade natildeo eacute a loacutegica na qual Parmecircnides encaixa ser e natildeo ser mas a reflexatildeo filosoacutefica sobre ser e natildeo ser a

qual gerou a loacutegica (melhor seria dizer a ontologia) implicada filosoficamente naquelas noccedilotildees e exposta atraveacutes

de uma elaboraccedilatildeo (que viraacute a ser chamada de reflexatildeo filosoacutefica ou seja uma reflexatildeo especiacutefica com

caracteriacutesticas autocircnomas em relaccedilatildeo a outros tipos de reflexatildeo por exemplo a reflexatildeo artiacutestica) original que de

fato influenciou profundamente a histoacuteria humana primeiro do ocidente e depois tambeacutem do oriente

159

textos assim aqueles estudos avanccedilaratildeo na medida do avanccedilo de estudos arqueoloacutegicos em todas

as ramificaccedilotildees e das tecnologias capazes de resolver os problemas colocados pelo filtro do tempo

Infelizmente as aacutereas envolvidas nestes estudos arqueoloacutegicos ndash desde a Turquia ateacute a Iacutendia ndash

continuam devassadas por infindaacuteveis conflitos violentos de toda natureza deixando-nos ceacuteticos a

respeito da aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos em curto ou ateacute meacutedio prazos

Voltando agrave expressatildeo da deusa parece claro que o kouros inclui entre as possibilidades de

respostas aquela de que seja o natildeo ser um princiacutepio gerador Penso que este seja um ponto obscuro

uma aacuterea de sombra que emergiu ao longo da presente pesquisa e que natildeo foi possiacutevel esclarecer

Restam entatildeo as perguntas em quais contextos culturais (gregos ou natildeo) se aceitava a possibilidade

que o natildeo ser tivesse a capacidade de gerar Esta possibilidade era uma possibilidade teoacuterica

elaborada em acircmbito cientiacutefico ou se referia apenas agrave opiniatildeo comum naif de que no fluxo do

acontecer as coisas simplesmente aparecem (do nada) Se era uma noccedilatildeo teoacuterica poderia ter um

antecedente no ἄπειρον de Anaximandro noccedilatildeo inteiramente negativa embora de certa forma

menos abstrata que o οὐκ ἔστιν parmenidiano Se Parmecircnides se referia agrave noccedilatildeo comum agrave

experiecircncia corriqueira (mas justamente por isto muito menos visiacutevel) entatildeo ele foi um observador

mais do que extraordinaacuterio hipoacutetese de uma perspicaacutecia que natildeo pode ser descartada mas que se

apresenta realmente difiacutecil de lhe creditar Seja como for resta o fato de que Parmecircnides analisa os

princiacutepios possiacuteveis da geraccedilatildeo incluindo entre eles o natildeo ser como alternativa aparentemente jaacute

presente na cultura da eacutepoca Sem ter alcanccedilado resultados satisfatoacuterios sobre esse assunto

voltamos agora ao argumento do poema

87b-8a Retomada Das duas afirmaccedilotildees a proibiccedilatildeo da deusa e sua justificaccedilatildeo somente

uma eacute a resposta agraves duas perguntas julgadas a meu ver erradamente retoacutericas pelo criacuteticos A outra

eacute afirmaccedilatildeo do instrumento argumentativo que vai ser usado para responder A tese eacute (1) o eon eacute

160

ingecircnito e impereciacutevel o problema ao qual esta tese responde eacute (2) de onde nasce o eon o

instrumento para resolver o problema eacute (3) o preceito que foi descrito no fragmento 2 ldquonatildeo diziacutevel

nem pensaacutevel eacute o que natildeo eacuterdquo e finalmente a primeira das vaacuterias respostas ao problema ldquonatildeo

permitirei que digas e pense que seja o natildeo serrdquo (οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν)

Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo tem que ser desdobrada da seguinte forma por um lado o natildeo ser natildeo eacute de

onde nasce o eon e por outro lado o natildeo ser natildeo pode ser usado no argumento (pensamento

cognitivo e discurso) porque ele eacute uma noccedilatildeo sem sentido Portanto a sequecircncia deve ser entendida

assim

(1) tese o eon eacute ingecircnito e impereciacutevel (83 ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν)

(2) problema de onde eacute gerado o eon (86-7 τίνα γὰρ γένναν διζήσεαι αὐτοῦ πῆι

πόθεν αὐξηθέν)

(3) axioma da contradiccedilatildeo ldquonatildeo diziacutevel nem pensaacutevel eacute o que natildeo eacuterdquo (88-9 οὐ γὰρ

φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστι)

(4) axioma da natildeo contradiccedilatildeo ldquonatildeo eacute permitido dizer e pensar o natildeo serrdquo isto eacute usar o

natildeo ser no argumento (87-8 οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν) logo

(5) Conclusatildeo o eon natildeo nasce do natildeo ser (87 οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος) o que confirma a tese (1)

89-13 O crescimento

τί δ ἄν μιν καὶ χρέος ὦρσεν

ὕστερον ἢ πρόσθεν τοῦ μηδενὸς ἀρξάμενον φῦν

οὕτως ἢ πάμπαν πελέναι χρεών ἐστιν ἢ οὐχί

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος ἐφήσει πίστιος ἰσχύς

γίγνεσθαί τι παρ αὐτό

Encontramos agora mais uma pergunta e mais uma vez a maioria dos estudiosos pensa que

161

seja retoacuterica ldquoSe vem do nada (μηδενὸς) qual necessidade o incitaria a crescer antes ou depoisrdquo

Concordo com os criacuteticos quando dizem que haacute nessas palavras a implicaccedilatildeo daquilo que seraacute

conhecido como princiacutepio da razatildeo suficiente Mas discordo quando elas satildeo interpretadas apenas

como uma questatildeo de crescimento simples eu diria quantitativo do eon Penso ao contraacuterio que

estas palavras estatildeo analisando um aspecto que muitos julgam ausente a possibilidade da geraccedilatildeo

a partir do ser Antes Parmecircnides analisou a possibilidade do nascimento a partir do natildeo ser e agora

estaacute verificando a possibilidade do nascimento a partir do ser Os adveacuterbios antes e depois

significam que o eon natildeo pode ter um antes e depois entre entes natildeo tanto em sentido cronoloacutegico

quanto em sentido sequencial por exemplo o ser da planta natildeo pode nascer do ser da semente

porque mais uma vez uma suposta diferenccedila entre o ser da semente e o ser da planta faria com

que o ser da planta nascesse depois do ser da semente e nascesse de um natildeo ser da planta isto eacute

do nada Se haacute uma diferenccedila de ser entre o ser de um ente e o ser de outro ente esta diferenccedila

seria um natildeo ser Isto significa que se o ser de um ente desse origem a outro ser ele daria origem

ao ser que ele natildeo eacute o ser que ele natildeo eacute seria um natildeo ser mas isto eacute impossiacutevel Seguindo no

exemplo se o ser da semente desse origem ao ser da planta isto implicaria que o ser da semente

daria origem a um natildeo ser da semente pois pereceria enquanto ser da semente e tambeacutem que o

ser da planta teria origem em um natildeo ser da planta Mas como jaacute foi visto para Parmecircnides natildeo

faz sentido introduzir o natildeo ser nos argumentos de fato pelos preceitos da deusa o ser eacute

inteiramente ser e o nada eacute aquela alternativa considerada inicialmente possiacutevel mas afinal

impossiacutevel e contraditoacuteria Entatildeo se o ser viesse do ser teriacuteamos o ser que gera que pereceria para

dar geraccedilatildeo ao ser gerado o ser gerado de certa forma viria de novo do nada mas o nada eacute

impossiacutevel logo o ser natildeo vem do ser Voltando ao texto temos

(1) a tese o eon eacute ingecircnito e impereciacutevel (83 ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν)

162

(2) o problema qual razatildeo impeliria o ente comeccedilando do nada a crescer antes ou depois

(89-10 τί δ ἄν μιν καὶ χρέος ὦρσεν ὕστερον ἢ πρόσθεν τοῦ μηδενὸς ἀρξάμενον φῦν)

(3) axioma da contradiccedilatildeo pois o ser eacute inteiramente ou natildeo eacute (811 οὕτως ἢ πάμπαν πελέναι

χρεών ἐστιν ἢ οὐχί)

(4) axioma da natildeo contradiccedilatildeo a forccedila da convicccedilatildeo natildeo permitiraacute a partir do que natildeo eacute (812

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος ἐφήσει πίστιος ἰσχύς)

(5) Conclusatildeo que possa nascer algo ao seu lado (813 γίγνεσθαί τι παρ αὐτό) isto eacute natildeo eacute

do ser que nasce o ser

813-21 Recapitulaccedilatildeo e conclusatildeo do argumento

Com os versos seguintes ateacute o 21 Parmecircnides recapitula e reafirma a coerecircncia do

meacutetodo

τοῦ εἵνεκεν οὔτε γενέσθαι

οὔτ ὄλλυσθαι ἀνῆκε Δίκη χαλάσασα πέδηισιν

ἀλλ ἔχει ἡ δὲ κρίσις περὶ τούτων ἐν τῶιδ ἔστιν

ἔστιν ἢ οὐκ ἔστιν κέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη

τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής

ἔστιν ὁδός) τὴν δ ὥστε πέλειν καὶ ἐτήτυμον εἶναι

πῶς δ ἂν ἔπειτ ἀπόλοιτο ἐόν πῶς δ ἄν κε γένοιτο

εἰ γὰρ ἔγεντ οὐκ ἔστ(ι) οὐδ εἴ ποτε μέλλει ἔσεσθαι

τὼς γένεσις μὲν ἀπέσβεσται καὶ ἄπυστος ὄλεθρος

Antes de tudo nos versos 13-15 eacute reafirmada a feacuterrea ligaccedilatildeo (πέδηισιν) entre as supostas

partes do eon Haacute uma forccedila divina (universal) que manteacutem amarrados os grilhotildees entre as partes

e natildeo os solta mas os segura firmemente Assim como a deusa dizia em 87 ldquonatildeo permitireirdquo

(οὐδἐάσσω) que se diga e pense que o eon nasccedila do natildeo ser assim aqui eacute uma deusa desta vez

Dike que numa expressatildeo de necessidade universal impedindo nascimento e perecimento (οὔτε

γενέσθαιοὔτ ὄλλυσθαι ἀνῆκε Δίκη) manteacutem firme (ἀλλ ἔχει) a coerecircncia do ser

163

Depois nos versos 15 e 16a eacute reafirmado o preceito da contradiccedilatildeo desta vez em chave

enxutamente ontoloacutegica da qual podemos extrair por conseguinte os preceitos loacutegico e

epistemoloacutegico O molde ontoloacutegico eacute claro e eacute anterior aos loacutegico e epistemoloacutegico porque

Parmecircnides expressa essa nova formulaccedilatildeo do preceito da deusa a partir de uma reflexatildeo sobre o

ser real e natildeo sobre o ser loacutegico como vimos ao analisar o fragmento 2 Aqui depois da dupla

argumentaccedilatildeo a respeito do eon ndash que eacute o ser real (ou ao menos ele acredita que seja) e natildeo uma

entidade loacutegica ndash onde satildeo demostradas as impossibilidades do nascimento tanto do ser quanto do

natildeo ser e do perecimento (a respeito do qual direi algo daqui a pouco) resulta claro que se trata de

um ser que teria a possibilidade de ser visto como gerador e gerado assim como de fato eacute visto

pelos mortais Parmecircnides demonstra que este eon real natildeo possui as caracteriacutesticas que lhe satildeo

atribuiacutedas assim o eon parmenidiano natildeo eacute uma entidade loacutegica mas eacute o ser real e as afirmaccedilotildees

a seu respeito satildeo de ordem ontoloacutegica A decisatildeo (ἡ κρίσις) a respeito dessas coisas consiste nisso

ou eacute ou natildeo eacute Esta formulaccedilatildeo eacute como bem salienta Cordero211 o nosso atual princiacutepio do terceiro

excluiacutedo Entretanto Parmecircnides quer se referir ao eon e natildeo a um princiacutepio loacutegico Ele repropotildee

a meditaccedilatildeo inicial e diz haacute duas vias uma eacute ἔστιν e a outra eacute οὐκ ἔστιν as duas satildeo

irreconciliaacuteveis radicalmente opostas e natildeo podem ser assimiladas a nenhuma terceira

possibilidade Isto significa que elas natildeo se misturam natildeo se encontram natildeo comerciam e ademais

se rejeitam reciprocamente a presenccedila do ser eu ipso elimina o natildeo ser e se o natildeo ser se

apresentasse o ser natildeo seria (Parmecircnides diraacute mais adiante ldquode tudo careceriardquo) Aqui Parmecircnides

211Cordero 2005

164

apresenta natildeo apenas o princiacutepio do terceiro excluiacutedo mas o fundamento ontoloacutegico do princiacutepio

do terceiro excluiacutedo natildeo haacute uma terceira possibilidade entre o ser (real) e o nada

Logo dada a natildeo conciliabilidade das duas vias natildeo eacute possiacutevel seguir as duas se teraacute que

seguir uma ou outra mas a segunda eacute impensaacutevel e inominaacutevel (ἀνόητον ἀνώνυμον) pois natildeo eacute

verdadeira via (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν ὁδός) logo eacute decisatildeo necessaacuteria (κέκριται hellip ὥσπερ ἀνάγκη)

que seja abandonada O fato de que aqui em 817 eacute a via que eacute impensaacutevel o natildeo o τό μὴ ἐὸν sobre

a via como em 27 levou alguns autores a transpor a expressatildeo do fr 8 para o contexto do fr 2

chegando assim agrave conclusatildeo de que a via eacute pensaacutevel ou impensaacutevel fazendo da ὁδός o sujeito do

ἔστιν de 23 e do οὐκ ἔστιν de 25212 Eu penso que aqui em 817 estamos diante de uma

recapitulaccedilatildeo e ἔστιν e οὐκ ἔστιν jaacute se tornaram uma simplificaccedilatildeo didaacutetica de todo um

procedimento complexo explicado anteriormente neste sentido didaacutetico ndash mas somente neste

sentido didaacutetico ndash ἔστιν e οὐκ ἔστιν significam o processo de pensamento e portanto significam

tambeacutem as vias e toda a reflexatildeo anexa com os sentidos especiacuteficos para noein e para gignosko ali

utilizados Neste sentido didaacutetico a via impensaacutevel eacute abandonada afinal soacute resta a outra via que

existe (τὴν δ ὥστε πέλειν) e eacute verdadeira (καὶ ἐτήτυμον εἶναι)

Finalmente eacute recapitulado o problema como o eon pereceria depois Como nasceria E

pelas argumentaccedilotildees anteriores aqui recapituladas se relembra que se nasceu teria uma origem

impossiacutevel (no natildeo ser) e portanto natildeo seria por outro lado se natildeo eacute agora mas seraacute depois

aconteceria o mesmo Este uacuteltimo ponto gerou controveacutersias tratarei dele logo a seguir (p XX)

Chega-se assim agrave conclusatildeo do argumento a geraccedilatildeo eacute extinta e o perecimento eacute inaudito

212Casertano 1978 Untersteiner 1979

165

(ἄπυστος)

822-60 As caracteriacutesticas do eon a conclusatildeo dos discursos sobre a verdade e a

perspectiva dos mortais que de seu ponto de vista enxergam duas formas

Nos proacuteximos versos Parmecircnides argumenta a respeito de vaacuterias caracteriacutesticas do eon

Embora haja uma referecircncia agrave feacute verdadeira que afastou geraccedilatildeo e perecimento (827 ἀπῶσε δὲ

πίστις ἀληθής) isto eacute ao argumento apresentado nos versos anteriores a estrutura demonstrativa

se articula pouco apenas extraindo como corolaacuterios as caracteriacutesticas do eon das afirmaccedilotildees e

preceitos anteriormente apresentados Esta referecircncia se repete com palavras um pouco diferentes

no verso 850 (ἐν τῶι σοι παύω πιστὸν λόγον ἠδὲ νόημα ἀμφὶς ἀληθείης) Aleacutem da referecircncia agrave feacute

verdadeira haacute referecircncias agraves figuras divinas de Ananke (830) explicitamente associada a uma lei

universal (832 οὕνεκεν οὐκ ἀτελεύτητον τὸ ἐὸν θέμις εἶναι) e de Moira (837) como o mesmo

papel de manter a coesatildeo do eon

Mais adiante ainda Parmecircnides volta a contrapor as caracteriacutesticas do eon obtidas por seu

argumentar que ele considera confiaacutevel agraves caracteriacutesticas do mundo obtidas pelo argumentar dos

mortais que ele considera natildeo confiaacutevel De fato ele finaliza seu estudo com estas consideraccedilotildees

gerais a respeito dos resultados de sua pesquisa principalmente em contraposiccedilatildeo com os

resultados dos mortais Assim a partir do verso 850 a deusa declara concluiacutedo os discursos

fidedignos e o pensamento sobre a verdade e se dedica a expor as opiniotildees dos mortais segundo

uma ordem de palavras controversa

Como se sabe os problemas exegeacuteticos dessas passagens satildeo muitos e geram muacuteltiplas

soluccedilotildees amplamente divergentes entre os estudiosos por outro lado o nosso assunto eacute a

argumentaccedilatildeo parmenidiana e natildeo as caracteriacutesticas do eon e as demais partes do poema logo natildeo

166

precisamos entrar nem mesmo panoramicamente nas grandes polecircmicas que envolvem os

proacuteximos versos Encerramos entatildeo a nossa anaacutelise do fragmento 8 com um resumo e com algumas

consideraccedilotildees a respeito dos resultados obtidos

A ontologia parmenidiana

A proposta parmenidiana eacute francamente ontoloacutegica Parmecircnides estreia esse tipo de reflexatildeo

a ontologia exatamente com uma meditaccedilatildeo sobre a maacutexima dimensatildeo do existente Penso que

seja necessaacuterio levar isto em conta para se entender esses versos do fr 8 e para entender o tipo de

raciociacutenio que eacute utilizado Vejam-se por exemplo as consideraccedilotildees de um criacutetico que dedicou um

bom trabalho a este fragmento Richard McKirahan Diz ele ldquoTodos os argumentos contra geraccedilatildeo

e perecimento (86-20) explicam a geraccedilatildeo do que-eacute a partir do que-natildeo-eacute e o perecimento como

perecimento do que-eacute no que-natildeo-eacute natildeo haacute nada contra a geraccedilatildeo do que-eacute a partir do que-eacute ou o

perecimento do que-eacute no que-eacute ou seja nada contra uma coisa que-eacute se tornar outrardquo E na nota a

estas palavras complementa ldquoTambeacutem nada contra [o fato de] muitas coisas se tornarem uma

(como quando taacutebuas e pregos se tornam uma cama) ou contra uma coisa se tornar muitas (como

quando noacutes desmontamos uma cama) ou contra casos desse tipo ainda mais complicadosrdquo213 Natildeo

eacute difiacutecil se deixar levar pelo raciociacutenio loacutegico e com ele considerar impropriamente um raciociacutenio

ontoloacutegico Parmecircnides raciocina de forma ontoloacutegica e por alguma razatildeo sem receio algum

213McKirahan 2008 ldquoAll the arguments against generation and perishing (86-20) construe generation as generation

of what-is out of what-is-not andperishing as perishing of what-is into what-is-not there is nothing against the

generation of what-is out of what-is or the perishing of what-is into what-is that is nothing against one thing

becoming anotherrdquo (p 220) A nota diz ldquoAlso nothing against several things becoming one (as when boards and

nails become a bed) or against one thing becoming several (as when we disassemble a bed) or against other mor

complicated cases of this sortrdquo (p 229)

167

(expliacutecito) de enfrentar as aporias dessa maneira de argumentar214

Pelo raciociacutenio ontoloacutegico uma taacutebua para ficar no exemplo de McKirahan eacute um fato

existencial absoluto e jamais pode se tornar uma cama uma cama natildeo pode jamais se tornar uma

soma incoerente de componentes e quando ela eacute desmontada ela natildeo deixa de existir porque a

cama eacute um fato existencial absoluto assim como cada ente de nosso mundo Para dar um exemplo

com entes dos quais eacute mais faacutecil identificar o aspecto ontoloacutegico uma operaccedilatildeo de 2+3=5 embora

nos pareccedila uma transformaccedilatildeo (eacute a razatildeo pela qual usamos um vocaacutebulo de movimento operaccedilatildeo)

eacute uma associaccedilatildeo de 2 e de 3 segundo um tipo de associaccedilatildeo que chamamos soma que resulta num

5 Os entes do mundo sensiacutevel em seu status ontoloacutegico natildeo diferem enquanto entes (natildeo

enquanto sensiacuteveis) dos entes inteligiacuteveis e assim como depois operaccedilatildeo 2+3=5 se continua tendo

um 2 um 3 e um 5 assim tambeacutem numa operaccedilatildeo taacutebuas+pregos=cama uma vez concluiacuteda a

operaccedilatildeo se continuaraacute tendo taacutebuas pregos e cama tanto quanto se tinha antes embora ainda natildeo

se tinha a noccedilatildeo da existecircncia (o noema diria Parmecircnides) daquela cama especiacutefica

Por isso no argumento do crescimento este soacute seria (como hipoacutetese) possiacutevel a partir do natildeo

ser natildeo haacute do ponto de vista ontoloacutegico um crescimento de taacutebuas e pregos numa cama o que haacute

eacute um processo que noacutes chamamos devir e que desde Parmecircnides aguarda uma explicaccedilatildeo melhor

do que aquela comum de ldquotransformaccedilatildeordquo215 Parmecircnides evidencia que os entes cada um e o todo

deles atendem a um preceito que opotildee radicalmente o ser e o nada porque haacute uma impossibilidade

214 Como a histoacuteria seguinte mostrou as palavras de Parmecircnides satildeo motivo de angustia profunda que deixou

desnorteados ateacute os mais eminentes filoacutesofos do pensamento ocidental mas ele proacuteprio nada relata da anguacutestia

suscitada por estas aporias 215Eacute o termo geneacuterico e comum associado ao devir O que se aguarda eacute a descriccedilatildeo de um processo de devir que

preserve o status ontoloacutegico da imutabilidade de cada ente (Cf com o proacuteximo capiacutetulo)

168

de se negar o ser Esse preceito impede que ao lado de um ente no nosso exemplo a taacutebua nasccedila

(cresccedila) um outro ente a cama porque este viria do nada Assim se um ente (um o que-eacute na

expressatildeo de McKirahan) gerasse outro (um o que-eacute+algo novo que-eacute) o elemento novo por ter

autonomia ontoloacutegica absoluta teria que vir do nada

Discordo entatildeo de McKirahan e dos muitos que natildeo encontram o argumento contra o devir

do que-eacute para o que-eacute A argumentaccedilatildeo estaacute laacute sob o nome de crescimento aquela φύσις (810 φῦν)

que resultaraacute transfigurada para sempre apoacutes Parmecircnides O mesmo deve ser dito em relaccedilatildeo ao

perecimento Perecer significaria ontologicamente deixar um buraco de natildeo ser encastoado num

mar de ser mas o natildeo ser eacute impossiacutevel Se algo cresce algo que era antes de crescer perece ndash

como seria o caso de dizer seguindo a rigor o exemplo de McKirahan a respeito do prego da cama

o qual agora natildeo eacute mais um prego mas uma parte da cama ou num exemplo mais claro a semente

perece para dar espaccedilo agrave planta ou a crianccedila ao adulto216 O crescimento implica eu ipso o

perecimento logo eliminando o crescimento se elimina tambeacutem o perecimento pois o

crescimento de algo implica que algo mais pereceu Dito de outra forma se considerarmos o

processo nos termos colocados por McKirahan ou seja como ldquobecomingrdquo devir entatildeo sempre

que algo se transforma em outro algo sempre que algo deveacutem o processo de devir transforma o

que-eacute naquilo que-natildeo-eacute (mais) e ao mesmo tempo passa a ser outro que-eacute ou seja em outros

termos o transformando deixa de existir (perece) em favor do transformado o qual passa a existir

Vecirc-se portanto que Parmecircnides argumenta dentro de uma ordem ontoloacutegica de ideias aplicada aos

216Este tema jaacute se encontra enfrentado em Anaximandro o qual atribui ao tempo a justa distribuiccedilatildeo entre aparecer e

desaparecer

169

conceitos jocircnicos anteriores onde nascimento e morte se apresentam simultaneamente alternando

os entes segundo a ordem do tempo

Deixando para o proacuteximo capiacutetulo uma discussatildeo mais geral sobre o natildeo ser resta aqui

ressaltar o rigor da construccedilatildeo parmenidiana com a articulaccedilatildeo da argumentaccedilatildeo em dois

momentos ndash geraccedilatildeo e perecimento a partir do nada e para o nada e geraccedilatildeo e perecimento a partir

do ser e para o ser ndash configurando o primeiro exemplo historicamente documentado de uma

estrutura argumentativa soacutelida e coerente que apresenta o problema a tese da soluccedilatildeo o meacutetodo

de soluccedilatildeo e o resultado que coincidindo com a tese eacute acompanhado de uma expressatildeo muito

similar na forma e praticamente idecircntica no espiacuterito ao QED das demonstraccedilotildees rigorosas

sucessivas

No proacuteximo capiacutetulo seraacute possiacutevel concluir a investigaccedilatildeo a respeito do Parmecircnides

psicoacutelogos que deixamos em suspenso no primeiro capiacutetulo pela falta das noccedilotildees relativas ao

pensar expostas neste capiacutetulo Sucessivamente conduziremos uma discussatildeo geral sobre a noccedilatildeo

de natildeo ser que emergiu nas anaacutelises aqui realizadas para afinal concluir com algumas

consideraccedilotildees gerais

170

5 O PRECEITO DA DEUSA

51 O natildeo ser em Parmecircnides

Parmecircnides inventou217 a noccedilatildeo de natildeo ser218 O percurso que ele seguiu para alcanccedilar essa

noccedilatildeo eacute reportado em seu poema natildeo de forma totalmente expliacutecita mas com uma riqueza de

detalhes suficiente para reconstrui-lo Trata-se de uma meditaccedilatildeo trata-se de uma reflexatildeo sobre o

significado uacuteltimo da negaccedilatildeo do que eacute Para o realismo gnosioloacutegico tiacutepico dessas culturas negar

o ser de algo (sua existecircncia presenccedila local ou temporal) significa antes de tudo negar o ser fiacutesico

(e limitadamente a este acircmbito e natildeo aleacutem deve ser considerada a noccedilatildeo de natildeo ser presente nos

Vedas) Parmecircnides provavelmente partindo da noccedilatildeo de negaccedilatildeo fiacutesica deve ter levado agraves uacuteltimas

consequecircncias esse processo de negaccedilatildeo dos entes fiacutesicos mas certamente acrescentou a estes a

negaccedilatildeo dos entes de pensamento como se vecirc pelas vaacuterias expressotildees em seu poema equacionando

o pensamento com o ser e rejeitando a relaccedilatildeo do pensamento com o natildeo ser Levou o processo agraves

uacuteltimas consequecircncias porque este era o procedimento da cultura avanccedilada da eacutepoca ndash as filosofias

217Mesmo que ele tenha tomado esse conceito da cultura indiana a noccedilatildeo por ele elaborada estaacute muito aleacutem daquela

reportada pelos textos orientais como vimos no Intermezzo do cap 2 218Um panorama de interpretaccedilotildees sobre o natildeo ser de Parmecircnides pode ser encontrado em Hermann 2011 p 135-171

Este estudioso tambeacutem apresenta um estudo do natildeo ser de proporccedilotildees muito menores do que o nosso com o qual

poreacutem se pode concordar em linhas gerais Note-se por exemplo a mudanccedila proposta ao sujeito segundo ele impliacutecito

para DK B 23 e 25 e em todo caso o sentido geral das expressotildees enquanto em seu trabalho anterior (um excelente

estudo sobre pitagorismo e Parmecircnides Hermann 2004) ele traduzia ldquothe one that [states it as] IT IS and that it cannot

NOT BE [as it is]rdquo neste artigo de 2011 traduz the one that [reasons it] IS and that it cannot NOT BErdquo Esta segunda

traduccedilatildeo ligando as expressotildees ao argumentar o aproxima da nossa interpretaccedilatildeo no entanto como foi visto aqui

esta meditaccedilatildeo parmenidiana eacute de focirclego muito maior e o meacutetodo do argumento eacute apenas um dos resultados Ademais

aplicar esse verbo to reason eacute restritivo como se torna mais evidente em 25 onde ele fez a mesma substituiccedilatildeo pois

esti e ouk esti satildeo estruturas e natildeo funccedilotildees Elas podem ser usadas bem o mal em funccedilotildees de argumento mas elas

proacuteprias natildeo satildeo argumentos como vimos no primeiro paraacutegrafo do capiacutetulo 4 p 99 em diante

171

jocircnica e pitagoacuterica em ambas das quais ele foi instruiacutedo ndash que consistia na busca de uma noccedilatildeo

extrema e total da ordem do mundo extrema ao ponto de nela incluir os deuses De fato e embora

seja uma deusa a instruir o kouros parmenidiano estas suas pesquisas assim como aquelas de seus

colegas jocircnicos e pitagoacutericos se orientaram para explicaccedilotildees francamente naturalistas

prescindindo dos deuses e se sobrepondo agrave explicaccedilatildeo religiosa

Com extraordinaacuteria coragem (que hoje noacutes chamariacuteamos de) filosoacutefica aceitou o resultado

de suas reflexotildees e construiu uma doutrina metodoloacutegica extremamente coerente que ele natildeo

hesitou em sustentar mesmo quando ela o levou ao mais anti-intuitivo dos mundos um mundo

onde natildeo haacute mutaccedilatildeo Assim sem receio destes resultados que estavam em conflito com a

experiecircncia comum dos sentidos conseguiu consolidar uma noccedilatildeo rigorosa a noccedilatildeo de natildeo ser e

junto com a noccedilatildeo de ser iniciou um processo histoacuterico de pensamento a ontologia cuja vitalidade

se manteve ao longo de mais de dois milecircnios ateacute hoje e que representa uma das colunas portantes

naquele acircmbito cultural que chamamos de filosofia Curiosamente poreacutem a mensagem inicial de

Parmecircnides de certa forma se perdeu e se perdeu num detalhe importante A noccedilatildeo de natildeo ser foi

logo absorvida pela cultura a ele sucessiva e rendeu frutos tatildeo profundos quanto desnorteadores

que vatildeo desde os paradoxos zenonianos e gorgianos ateacute as discussotildees de Platatildeo sobre o devir e de

Aristoacuteteles sobre o principium firmissimum de natildeo contradiccedilatildeo passando pela filosofia

rigorosamente racionalista de Melisso provavelmente o filoacutesofo mais radical de toda a filosofia

ocidental Mas nessa absorccedilatildeo a noccedilatildeo de natildeo ser foi de certa forma entificada ndash comeccedilando pelo

proacuteprio Melisso219 ndash e se tornou a noccedilatildeo de um polo negativo ao qual opor o ser A oposiccedilatildeo se

219Ver Galgano 2010

172

tornou claacutessica e sobrevive tanto no imaginaacuterio cultural como por exemplo no famoso to be or not

to be de Shakespeare quanto nas foacutermulas e nas operaccedilotildees da logiacutestica com a oposiccedilatildeo hoje

contestada de vaacuterias maneiras de a e ~a

Parmecircnides poreacutem natildeo estabeleceu como fundamento uma oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser O

seu fundamento eacute outro de que a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser eacute apenas uma das consequecircncias

Neste ponto neste detalhe reside a passagem da histoacuteria do pensamento que escolheu evitar um

fosso saltando sobre ele ou construindo uma ponte isto eacute aquele abismo conceitual que leva agrave

negaccedilatildeo da mutaccedilatildeo e agrave rejeiccedilatildeo da experiecircncia dos sentidos Quem primeiro construiu essa ponte

sobre o abismo Talvez tenha sido Melisso involuntariamente talvez tenha sido Platatildeo

conscientemente poreacutem o que mais importa eacute que a histoacuteria do pensamento natildeo quis enfrentar esta

dificuldade (a famosa aporia eleaacutetica) e quando o fez obteve resultados filosoficamente pouco

consolidados e que se desfizeram sempre que o advento de novas instacircncias histoacutericas e culturais

pareciam ser mais atraentes do que o espinhoso contexto da aporia eleaacutetica220

Entretanto Parmecircnides natildeo teve receio de olhar para o abismo da aporia porque era para laacute

que suas pesquisas o levaram A forccedila daquela aporia vinha da posiccedilatildeo de uma necessidade um

imperativo irrenunciaacutevel o pocircr-se de uma impossibilidade incontornaacutevel Eacute este vigor que daacute

firmeza ao rigor do meacutetodo sucessivamente desenvolvido O iniacutecio do percurso parmenidiano

consiste numa impossibilidade feacuterrea eacute impossiacutevel que o ser seja negado Para Parmecircnides a

incompatibilidade primeira eacute entre natildeo e ser Este eacute o ponto que se perdeu ao longo do

220Tanto a filosofia cristatilde medieval quanto o umaneacutesimo e a filosofia moderna dos seacuteculos XVI a

XIX se apoiam sobre movimentos culturais que implicam a mutaccedilatildeo e rejeitam a natildeo mutaccedilatildeo

173

desdobramento da filosofia ocidental Com esta incompatibilidade ele construiu seu preceito

metodoloacutegico de natildeo contradiccedilatildeo mas o fundamento ndash a incompatibilidade entre natildeo e ser ndash eacute

muito mais principial do que o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo

O fundamento de Parmecircnides eacute a impossibilidade de negar o ente (ouk estin) Ao contraacuterio

de muitos estudiosos eu penso que esta impossibilidade natildeo estaacute baseada numa confusatildeo entre a

expressatildeo sintaacutetica negativa e a entificaccedilatildeo da proposiccedilatildeo sintaacutetica negativa (uma ontologizaccedilatildeo a

partir das potencialidades da liacutengua grega) tambeacutem discordo da interpretaccedilatildeo gnosioloacutegica de que

afinal Parmecircnides estaria dizendo que natildeo se pode ter um conhecimento daquilo que natildeo eacute

especificamente este ponto me parece bastante fraco porque de certa forma desqualifica o eleata

reduzindo-o a falar uma obviedade embora como dizem esses autores uma obviedade de certa

importacircncia

Ao afirmar a impossibilidade de negaccedilatildeo do ser Parmecircnides estaacute afirmando a dignidade

existencial de todo ser o que impotildee a impossibilidade de eliminar qualquer ser mesmo aquele que

se julga ndash de uma forma ou de outra ndash que deve ser eliminado Assim imediatamente impotildee uma

isonomia axioloacutegica existencial todo ser tem o mesmo valor existencial221 Se por um lado tal

isonomia pode eternizar o que julgamos merecedor de eternidade por outro lado eterniza tambeacutem

o que julgamos que eternidade natildeo mereccedila estilhaccedilando imediatamente toda nossa estrutura

221Este tema estaacute citado no Parmecircnides de Platatildeo e que eu saiba nunca foi reconduzido agrave filosofia

parmenidiana original Laacute onde Soacutecrates encontra dificuldade em atribuir eternidade agraves formas

mais umildes como a do barro o velho Parmecircnides responde que ele eacute ainda muito jovem e que

um dia se tornaraacute um grande filoacutesofo A personagem de Parmecircnides neste ponto eacute fiel agrave mensagem

filosoacutefica do poema Entretanto a isonomia axioloacutegica existencial do todo e de todas as coisas eacute

assunto ainda difiacutecil para a nossa cultura

174

ingecircnua de valores e obrigando a pensar o existente (o ser) numa ordem de mundo completamente

outra

Parmecircnides natildeo eacute totalmente expliacutecito sobre isto mas a sua admissatildeo da pluralidade das

coisas leva a pensar que pode estar sugerindo a natildeo mutaccedilatildeo de cada coisa Melisso rejeita esta

possibilidade porque diz que uma coisa se fosse eterna deveria ser tal qual a vimos da primeira

vez (um argumento similar seraacute usado mais tarde por Nietzsche para a mesma rejeiccedilatildeo) Mas

Melisso neste ponto de vista considera que uma coisa seja a mesma coisa quando submetida ao

fluxo da mutaccedilatildeo assim um ceacuteu claro que se torna nublado seria para Melisso o mesmo ceacuteu que

poreacutem aparentemente mudou mas a mutaccedilatildeo eacute impossiacutevel logo nossos sentidos nos enganam

Parmecircnides natildeo se expressa sobre isto mas sua capacidade de desafiar o senso comum natildeo pode

nos fazer excluir esta possibilidade isto eacute de que o que parece que seja a mutaccedilatildeo de um ente natildeo

eacute senatildeo a presenccedila de dois entes diversos no exemplo acima um ceacuteu claro eacute um ente e o ceacuteu

nublado eacute outro

Eu penso que Parmecircnides natildeo tenha alcanccedilado esta sofisticaccedilatildeo de anaacutelise que por exemplo

encontramos em Melisso O que o texto parmenidiano que sobreviveu parece indicar eacute um natildeo

aprofundamento analiacutetico deixando para a discussatildeo um territoacuterio imenso e virgem222 Talvez ele

222Num artigo dedicado ao fragmento 2 Berti consegue uma proeza aquela de juntar de uma soacute vez todas as criacuteticas a

Parmecircnides de Aristoacuteteles a Severino passando por Kant e Hegel Tudo comeccedila com uma leitura por assim dizer

analiacutetica as duas vias de Parmecircnides seriam disjuntivas Esta leitura infelizmente eacute comum e mesmo os maiores

estudiosos de Parmecircnides dizer que uma via elimina a outra Mas uma vez atribuiacutedo o pecado a Parmecircnides

surgem os vaacuterios salvadores Por exemplo seguindo a sugestatildeo de Lloyd Berti diz ldquoA proposiccedilatildeo contraditoacuteria em

relaccedilatildeo a lsquoeacute necessaacuterio que sejarsquo (primeira via) de fato natildeo eacute lsquoeacute necessaacuterio que natildeo sejarsquo (a segunda via de

Parmecircnides) mas lsquonatildeo eacute necessaacuterio que sejarsquordquo (Berti 2011 p 111) Assim as contraditoacuterias se tornam contraacuterias

e nesse caso natildeo podem ser as uacutenicas alternativas possiacuteveis incluindo entre elas a alternativa de que ambas as vias

podem ser falsas Obviamente esta uacuteltima conclusatildeo suscita as objeccedilotildees dos parmenidianos os quais apelam para

a concepccedilatildeo moniacutestica de Parmecircnides Berti entatildeo responde com uma passagem que quero reportar por inteiro

175

pudesse ter aceitado a elaboraccedilatildeo de Melisso talvez ateacute aquela de Goacutergias talvez tivesse aceitado

a interpretaccedilatildeo cinematograacutefica de Bergson223 mas natildeo aceitaria a versatildeo de Platatildeo e nem de

Aristoacuteteles porque certamente estin os te kai ouk estin me einai Entatildeo penso que natildeo conveacutem

espremer e constranger o texto parmenidiano dentro de noccedilotildees que o autor natildeo tinha e pela eacutepoca

nem podia ter Penso que ele tenha que permanecer em sua grandeza arcaica sem que lhe se negue

poreacutem a profundidade filosoacutefica de um discurso que embora pouco articulado para os nossos

padrotildees possui uma potencialidade culturalmente imensa e filosoficamente riquiacutessima reduzi-lo

a dizer trivialidades significa natildeo ter colhido a importacircncia seminal da conceituaccedilatildeo parmenidiana

origem de um percurso a ontologia que tem na relaccedilatildeo entre ser e natildeo ser o seu eixo portante

A impossibilidade eacute para Parmecircnides entre natildeo e ser O que mais precisamente significa

isto Significa que haacute uma estrutura cognitiva e discursiva a negaccedilatildeo que eacute expressatildeo da mente

e natildeo da realidade percebida eacute a mente que pelo uso incorreto da negaccedilatildeo produz interpretaccedilotildees

pois mostra claramente a confusatildeo que vem de usar categorias natildeo plausiacuteveis para o texto de Parmecircnides Diz Berti

ldquoMas dessa forma se acaba atribuindo a Parmecircnides a apresentaccedilatildeo de duas proposiccedilotildees contraacuterias como se fossem

contraditoacuterias isto eacute a confusatildeo entre contraacuterios e contraditoacuterios a qual eacute um erro de loacutegica natildeo somente do ponto

de vista aristoteacutelico Obviamente Parmecircnides natildeo lera o De interpretatione de Aristoacuteteles mas antes de lhe atribuir

simplesmente um erro de loacutegica seria necessaacuterio entender por qual motivo o cometeu o que o induziu a dizer o

que diz no fr 2 [hellip] O que enfim induz Parmecircnides a considerar as duas vias como contraditoacuterias isto eacute como

exclusivas de qualquer outra possibilidaderdquo (P 112) Haacute muitos pressupostos nestas palavras que levam a erros de

loacutegica 1) em nenhum lugar Parmecircnides diz que as vias satildeo exclusiva ele diz que soacute encontrou duas 2) em nenhum

lugar ele diz que as duas vias satildeo contraditoacuterias o que ele diz eacute que o natildeo ser eacute impensaacutevel e o uso desta

impossibilidade no discurso gera a contradiccedilatildeo 3) muito menos disse que satildeo contraacuterias 4) por conseguinte ele

natildeo cometeu nenhum erro de loacutegica Estas todas satildeo atribuiccedilotildees indevidas ao texto de Parmecircnides e procedendo

deste modo eacute fatal chegar agrave seguinte conclusatildeo ldquoSe esta eacute a razatildeo pela qual Parmecircnides opocircs entre elas as duas

vias entatildeo sinto muito mas natildeo eacute mais possiacutevel voltar a Parmecircnidesrdquo (115) Depois de ter passado por Kant e

Hegel ele chega a Severino com esta evocaccedilatildeo de um artigo importante ldquoVoltar a Parmecircnidesrdquo (Severino 1982)

como se Severino fosse um exegeta ou um estudioso de Parmecircnides natildeo o eacute ele apenas aproveita sugestotildees

parmenidianas para desenvolver sua proacutepria filosofia Em suma resulta difiacutecil penetrar o universo de ideias de

Parmecircnides se antes natildeo se depotildeem as defesas intelectuais que 2500 anos de aporia eleaacutetica foram capazes de

suscitar 223Bergson 2005 p 295

176

incoerentes do mundo Parmecircnides percebe que o que chamamos experiecircncia dos sentidos eacute o

resultado de um conjunto de impressotildees dos sentidos e tambeacutem de interpretaccedilotildees feitas pelo nosso

aparelho cognitivo A realidade enquanto considerada objeto de cogniccedilatildeo se potildee diante de nossos

oacutergatildeos de sensaccedilatildeo mas esta realidade posta eacute sempre positiva A negaccedilatildeo eacute uma interpretaccedilatildeo

cognitiva que parte de nosso aparelho de cogniccedilatildeo Se percebo a positividade de um ceacuteu claro e

depois a positividade de um ceacuteu nublado a nossa cogniccedilatildeo interpreta o primeiro e o segundo ceacuteu

como que em continuidade temporal e ao mesmo tempo o claro e o nublado como que em

descontinuidade temporal O segundo ceacuteu parece entatildeo o mesmo que o primeiro enquanto o claro

do ceacuteu primeiro ldquose tornardquo o nublado do segundo ceacuteu No entanto o ceacuteu enquanto claro eacute uma

positividade tanto quanto o ceacuteu enquanto nublado Ambos os ceacuteus satildeo positividades e enquanto

positividades natildeo aceitam a negaccedilatildeo Se se afirma que o ceacuteu nublado natildeo eacute claro entatildeo se afirma

uma impossibilidade ontoloacutegica isto eacute que um positivo seja negativo

Partindo de uma hipoteacutetica experiecircncia pura 224 natildeo desviada pelas impressotildees de

continuidade (e portanto de descontinuidade) temporal a realidade eacute sempre positiva

mergulhando esta experiecircncia dentro da interpretaccedilatildeo do nosso aparelho cognitivo com suas

funccedilotildees que a elaboram ndash em primeiro lugar a funccedilatildeo da memoacuteria ndash e a reconduzem a uma imagem

refletida entatildeo temos as experiecircncias de continuidade e ruptura temporais de passagem do natildeo ser

224Aqui natildeo haacute referecircncia a Kant embora tenha sido o proacuteprio Kant a denunciar o fato de que o princiacutepio de natildeo-

contradiccedilatildeo involve o tempo indevidamente ldquoHaacute poreacutem uma foacutermula deste princiacutepio famoso embora destituiacutedo

de qualquer conteuacutedo e apenas formal que conteacutem uma siacutentese que se misturou com ele por descuido e sem

necessidade alguma Diz assim eacute impossiacutevel que alguma coisa seja e natildeo seja ao mesmo tempo [hellip] Ora o princiacutepio

de contradiccedilatildeo enquanto simples princiacutepio loacutegico natildeo deve restringir as suas asserccedilotildees a relaccedilotildees de tempo tal

foacutermula portanto eacute inteiramente contraacuteria agrave intenccedilatildeo do princiacutepiordquo (Kant Criacutetica da razatildeo pura I Do princiacutepio

supremo de todos os juiacutezos analiacuteticos Versatildeo em portuguecircs 2001 p 217-218)

177

ao ser e do ser ao natildeo ser Eacute somente com a reflexatildeo (cogniccedilatildeo) que pode aparecer a experiecircncia

do natildeo onde ldquoalgo que natildeo eacuterdquo eacute sempre algo que estaacute no lugar de algo mais que esperaacutevamos que

fosse que ali estivesse presente

A impossibilidade da negaccedilatildeo do real surge de uma criacutetica agrave condiccedilatildeo gnosioloacutegica humana

a criacutetica que emerge na meditaccedilatildeo parmenidiana No entanto o problema que assim aparece se

prospecta incontornaacutevel Se a cogniccedilatildeo humana apresenta uma distorccedilatildeo tatildeo grande como seraacute a

verdadeira realidade E ademais se noacutes estamos encerrados nesta condiccedilatildeo cognitiva como se

pode ter acesso agrave verdadeira realidade Como eacute possiacutevel compensar e alterar essa condiccedilatildeo

cognitiva de forma a ter acesso agrave verdadeira realidade Eu penso que Parmecircnides tenha dado duas

respostas porque natildeo conseguiu dar uma uacutenica resposta satisfatoacuteria225 Nisto parece-me correta a

visatildeo de Aristoacuteteles quando diz que Parmecircnides primeiro tentou dar uma reposta pelo logos e

depois tendo que explicar o mundo pelos sentidos se viu obrigado a acrescentar uma parte ao seu

poema onde ele potildee duas causas manifestando assim sua perplexidade em relaccedilatildeo aos dois

conteuacutedos do poema226 De fato ainda que se consiga estabelecer a imutabilidade do ser ou dos

225Rossetti 2008 p 139 ldquoAfinal O que haacute de mal em pensar que a doutrina do ser tenha se firmado como perfeita e

recortado um oliacutempo proacuteprio salvo o fato de deixar subsistir aquele saber mundano que possivelmente nem o autor

soube conciliar perfeitamente com a doutrina do ser cuidando apenas de evitar toda contaminaccedilatildeo ou comistatildeordquo

(Dopotutto che cegrave di male nel pensare che la dottrina dellessere si sia affermata come perfetta e si sia ritagliata un

suo olimpo salvo poi a lasciar sussistere quel sapere mondano che nemmeno lautore probabilmente seppe

raccordare proprio bene com la dottrina dellessere preoccupandosi soltanto di evitare ogni contaminazione o

commistione) (Veja-se tambeacutem a nota seguinte 238) 226Consideraccedilotildees muito pertinentes a respeito desta questatildeo estatildeo em Rossetti 2008 A discussatildeo sobre a validade da

segunda parte do poema permanece ainda em aberto entre os estudiosos O testemunho de Aristoacuteteles diz apenas

que Parmecircnides acrescentou uma descriccedilatildeo segundo os sentidos e nada diz se esta descriccedilatildeo estava na parte

qualificada apatelon pela deusa ou na primeira parte pela ediccedilatildeo de Diels os fragmentos fiacutesicos se encontram na

segunda parte mas disto natildeo se tem certeza pois a parte anunciada como apatelon pode muito bem se restringir

agravequele tipo de noccedilatildeo confusa entre duas causas como explicado pela deusa no fragmento 9 enquanto os fragmentos

de 10 a18 poderiam constar na primeira parte Embora esta discussatildeo ainda esteja em ato e longe de tomar rumos

conclusivos parece cada vez mais se configurar entre os estudiosos (por exemplo vejam-se a respeito as pesquisas

178

seres (pelo preceito da deusa) resta ainda a explicar o devir Melisso que manteacutem o preceito

parmenidiano natildeo explica o devir simplesmente o rejeita Platatildeo Aristoacuteteles e todos os filoacutesofos

ateacute hoje (com raras exceccedilotildees) explicam o devir mas rejeitam o preceito parmenidiano Parmecircnides

assim me parece conseguiu argumentar rigorosamente a respeito da impossibilidade da negaccedilatildeo

mas natildeo conseguiu dar com o mesmo rigor uma explicaccedilatildeo da dinacircmica concreta do devir por

um lado com os preceitos da sua deusa ofereceu uma descriccedilatildeo do real enquanto real aquela parte

onde a natildeo mutaccedilatildeo podia ser compreendida e descrita por outro lado na segunda parte do poema

restando a consciecircncia de que aquelas descriccedilotildees natildeo estavam submetidas ao rigor das

metodologias que ele descobriu resolveu apresentaacute-las segundo a ordem tradicional que ele chama

opiniotildees dos mortais

Pelo preceito da deusa o real natildeo estaacute submetido ao devir (do senso comum) o que eacute natildeo

pode natildeo ser por conseguinte o que era natildeo deixou de ser ainda eacute de outra parte ainda por

conseguinte o que seraacute necessariamente jaacute eacute pois natildeo se pode admitir que o que seraacute ainda natildeo eacute

Este eacute o argumento do nun parmenidiano do natildeo era e natildeo seraacute porque eacute todo agora227 Este

argumento natildeo soluciona a questatildeo do devir e do tempo diz apenas que o que eacute pensado como natildeo

de Pulpito 2008 e mais ainda Pulpito 2011b) a tendecircncia de distinguir trecircs tipos de saberes no poema um

ontoloacutegico um fiacutesico e outro meramente opinativo o estudo apresentado nestas linhas no capiacutetulo 2 indica

claramente como alvo da criacutetica parmenidiana as doutrinas religiosas tradicionais e natildeo as cosmologias recentes

dos mestres jocircnicos o que de certa forma corrobora as teses atuais que diferenciam a doxa dos mortais de um saber

fiacutesico mais certo embora sem o status de persuasatildeo absoluta possuiacutedo pela doutrina do eon resta entretanto a

questatildeo de conciliar esta triacuteplice distinccedilatildeo com uma concreta correspondecircncia textual meta atualmente ainda

distante Sobre o mesmo tema vejam-se tambeacutem as consideraccedilotildees de Graham 1999 e Zucchello 2010 227 Um excelente estudo sobre o verso DK B 85 eacute de Massimo Pulpito (2005) mais recentemente retomando o

argumento ele afirma que Parmecircnides apenas pressupotildee a duraccedilatildeo do tempo pois retirando o ponto alto em 84

(Manchester 1979 e Cerri 1999) se obteacutem uma leitura seguida com a seguinte traduccedilatildeo ldquoeacute ingecircnito e imortal [hellip]

imoacutevel e incompleto (ἀτέλεστον) nunca foi e nem seraacute pois eacute agora todo juntordquo (egrave ingenerato e immortale [hellip]

immobile e incompiuto mais fu neacute saragrave perchegrave egrave ora tutto insieme) (Pulpito 2011a p 266)

179

ser porque era ou como natildeo ser porque seraacute eacute uma impossibilidade que deriva do preceito da

deusa Posto isto posto que tudo que era ainda eacute e tudo que seraacute jaacute eacute como explicar a nossa

percepccedilatildeo do era e do seraacute Embora teoricamente a questatildeo poderia ser resolvida simplesmente

como Melisso alegando um engano dos sentidos na praacutetica a questatildeo eacute de importacircncia radical

porque do sentido que damos ao era e ao seraacute depende a nossa visatildeo de mundo

Tomem-se os entes matemaacuteticos Estes poderiam ser considerados entes parmenidianos jaacute

que eles natildeo eram e natildeo seratildeo eles apenas satildeo Conseguimos imaginar o mundo sem mutaccedilatildeo dos

entes matemaacuteticos Penso que natildeo a menos de pensar uma espeacutecie de grande estaacutetico manancial

de onde extrai-los a vontade quando deles precisamos Um mundo fiacutesico sem devir feito de entes

sem ontem nem amanhatilde poderia ser assimilado ao mundo dos entes matemaacuteticos No entanto isto

parece impossiacutevel de ser acatado pela nossa experiecircncia desde aquela mais superficialmente

sensoacuteria ateacute aquela mais profundamente intelectual Eu penso que algo parecido aconteceu com

Parmecircnides o qual apoacutes a descriccedilatildeo do eon qual realidade uacuteltima das coisas natildeo conseguiu vir a

cabo de uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria e fecunda do mundo em sua concretude cotidiana Natildeo teve

portanto outra opccedilatildeo a natildeo ser recorrer ao melhor conhecimento disponiacutevel embora enganoso da

eacutepoca Natildeo foi o uacutenico a deixar o quadro incompleto de Zenatildeo tambeacutem soacute se conhece a pars

destruens dos seus paradoxos mas natildeo se tem notiacutecia de que tenha proposto uma cosmologia

positiva o mesmo vale para Melisso Os eleatas natildeo conseguiram propor cosmologias em

consonacircncia com seus preceitos228

Deve se acrescentar que partindo dos preceitos parmenidianos ningueacutem ateacute agora conseguiu

228Rossetti 2008

180

propor uma cosmologia positiva Contudo o preceito da deusa eacute incontrovertiacutevel e estaacute na base da

formulaccedilatildeo dos princiacutepios loacutegicos mais fundamentais (identidade natildeo contradiccedilatildeo e terceiro

excluiacutedo) Por este motivo para o uso da loacutegica comum Parmecircnides eacute reduzido a ser apenas o pai

arcaico da ontologia mas em sede de discussatildeo teoacuterica entre os filoacutesofos e tambeacutem entre os

cientistas na parte mais filosoacutefica de sua atividade o preceito da deusa continua despertando

perplexidade e Parmecircnides continua despertando a mesma sensaccedilatildeo venerando e terriacutevel que

despertou em Platatildeo229

511 O ser os seres

Um dos argumentos favoritos de certos criacuteticos eacute de que o ser e o natildeo ser de Parmecircnides se

referem ao ser universal e natildeo ao particular Isto natildeo corresponde ao que estaacute no poema Parmecircnides

fala desde o iniacutecio de todas as coisas (128) no plural e se repete assim nos versos seguintes do

fragmento 1 Ele fala de ente e natildeo ente no singular no fragmento 2 na parte metodoloacutegica Volta

a falar de eonta plural na parte da criacutetica agrave cogniccedilatildeo comum Finalmente no fragmento 8 fala do

eon singular com vaacuterias referecircncia agraves coisas no plural Haacute nisto vaacuterias questotildees antes de tudo a

questatildeo da unidade versus pluralidade tema que Platatildeo exploraraacute no seu diaacutelogo Parmecircnides Mas

haacute tambeacutem a questatildeo de se entender ao que ele se refere quando diz eon ou eonta Esta discussatildeo

sobre o ser natildeo eacute objeto da presente investigaccedilatildeo e o que ndash pelo contraacuterio ndash nos interessa de perto

eacute verificar se se pode falar do natildeo ser de um uacutenico ente ao lado do natildeo ser em sentido geral assim

229Um exemplo Graham Priest Towards non-being 2005

181

como aparece na expressatildeo me einai

Ao se estudar a negaccedilatildeo de um uacutenico ente aparece em noacutes de imediato a influecircncia do

platonismo o qual forjou profundamente nossa maneira de pensar Faccedilamos um exemplo se eu

digo natildeo livro imediatamente vem agrave mente uma outra coisa qualquer que natildeo seja um livro Este

eacute o sinal de que a visatildeo platocircnica de um natildeo ser enquanto relativo isto eacute enquanto outro eacute a noccedilatildeo

principal que surge agrave nossa mente diante da negaccedilatildeo de um uacutenico ente O discurso seria diferente

para a negaccedilatildeo de todos os entes ou do todo dos entes tema que Platatildeo cuidadosamente evitou no

Sofista de fato ao se negar todos os entes ou o todo dos entes eacute impossiacutevel referir a negaccedilatildeo deste

todo ao outro pois ao se negar o todo por definiccedilatildeo natildeo haacute outro Este desenvolvimento platocircnico

natildeo se aplica ao todo dos entes mas parece funcionar tatildeo bem com o ente particular que para a

nossa sensibilidade comum resulta muito difiacutecil pensar ainda que virtualmente o natildeo ser de um

uacutenico ente

Entretanto a negaccedilatildeo de um uacutenico ente fora do molde platocircnico do natildeo ser relativo eacute

possiacutevel e configura uma negaccedilatildeo absoluta do ente particular Para que esse assunto seja exposto

mais claramente iniciarei da noccedilatildeo que noacutes fazemos dos entes impossiacuteveis Tome-se por exemplo

a expressatildeo triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que virtualmente se referiria a um ente

geomeacutetrico o qual sendo um triacircngulo teria quatro acircngulos ou sendo um quadrado teria trecircs

acircngulos Para o nosso modo de ver pensar e conhecer o mundo tal ente geomeacutetrico natildeo existe e

natildeo pode existir o que lhe nega a existecircncia segundo nossa maneira de argumentar eacute o fato de que

a posiccedilatildeo da triangularidade exclui imediatamente a posiccedilatildeo da quadrangularidade e vice-versa

natildeo pode haver um triacircngulo quadrado Assim o triacircngulo quadrado por ser impossiacutevel eacute um ente

182

absolutamente negado230 o que significa que pelo preceito da deusa pensaacute-lo eacute uma operaccedilatildeo

cognitiva impossiacutevel isto eacute uma pretensatildeo da nossa mente que quer expressar um conteuacutedo real

quando de fato este conteuacutedo real natildeo existe Assim a negaccedilatildeo de tipo platocircnico do natildeo ser

enquanto outro expressa uma positividade real (este natildeo livro eacute o meu caderno) enquanto a

negaccedilatildeo absoluta expressa uma pretensatildeo impossiacutevel o triacircngulo quadrado (absolutamente) natildeo eacute

Este caso exemplifica bem o contexto indicado pela segunda via do fragmento 2 de fato o

triacircngulo quadrado natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo seja pois se fosse se produziria a contradiccedilatildeo

ontoloacutegica da existecircncia de um ente impossiacutevel

Agora que conseguimos delinear a noccedilatildeo de negaccedilatildeo absoluta de um ente particular natildeo eacute

difiacutecil entender a expressatildeo parmenidiana da pluralidade da negaccedilatildeo absoluta aplicada a uma

pluralidade de entes particulares Quando no fragmento 7 Parmecircnides diz ldquoque nunca prevaleccedila

que os natildeo entes (me eonta) sejamrdquo significa que ndash dentro do contexto da geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das

coisas o assunto predileto desses pesquisadores ndash dadas as coisas que satildeo estas natildeo podem vir a

ser de coisas que satildeo sua negaccedilatildeo absoluta Por exemplo este meu livro natildeo pode vir a ser de um

este meu natildeo livro absoluto porque o natildeo livro absoluto eacute uma impossibilidade do real O mesmo

pode ser dito da multiplicidade das coisas nenhuma delas pode vir a ser de uma multiplicidade de

natildeo coisas quando consideradas absolutamente porque cada natildeo coisa absoluta eacute uma

impossibilidade do real e afinal uma impossibilidade real

Definir as impossibilidades reais equivale a definir as impossibilidades do real onde as

230 Naotilde pode ser um natildeo ente relativo segundo a interpretaccedilatildeo de Platatildeo pois absolutamente natildeo existe e por natildeo

existir natildeo pode suportar a relaccedilatildeo a outro ente qualquer enquanto ente sem significado ontoloacutegico positivo

poderia ser assimilado ao natildeo ser absoluto que Platatildeo descarta completamente por carecer de sentido

183

primeiras se referem singularmente a cada impossibilidade particular e as segundas satildeo o conjunto

de impossibilidades que caracterizam o real como um todo Esse conjunto de impossibilidades

define os limites do real jaacute que descrevem irrealidades e o resultado eacute deste ponto de vista um

ser real delimitado em relaccedilatildeo agraves virtualidades que o pensamento cria Penso que aqui se daacute uma

confusatildeo entre os criacuteticos a respeito da relaccedilatildeo entre ser e pensar de que Parmecircnides fala em seu

poema Como vimos nas paacuteginas anteriores Parmecircnides critica um modo de pensar comum (as

opiniotildees dos mortais) e propotildee um novo modo de pensar enriquecido de uma mechane ou seja

ele fala de duas maneiras de pensar muito diferentes Quando entatildeo equaciona ser e pensar natildeo

me parece que equacione o ser agraves duas maneiras de pensar pelo contraacuterio ser e pensar satildeo o mesmo

apenas para o pensamento que corre sobre o caminho da persuasatildeo verdadeira Segundo as opiniotildees

dos mortais o mundo (a realidade os panta) se estende a entes impossiacuteveis enquanto satildeo tidos

como existentes pelos mortais Segundo o preceito da deusa o mundo se limita aos seres reais

Entatildeo o pensar o reto pensar eacute um pensar o real e converso o real (o que eacute o que haacute) impotildee

limites ao pensar laacute onde entes que natildeo satildeo de fato natildeo podem ser pensados logo natildeo devem ser

tidos como pensaacuteveis

O fiel da balanccedila da autecircntica correspondecircncia entre ser e pensar eacute exatamente o meacutetodo

seguir a primeira via e deixar de seguir a segunda o qual permite corrigir a distorccedilatildeo cognitiva e

permite reconduzir o mundo a um ser eon ele diz que eacute todo delimitado por impossibilidades E

melhor seria dizer ndash como ele diz com muita razatildeo ndash limitado intrinsecamente por uma estrutura

a qual se expressa pela necessidade e coesatildeo impedindo que se instaure o natildeo ser O natildeo ser que

natildeo se instaura que natildeo dilui o eon e natildeo abre frestas natildeo eacute um natildeo ser de fato mas tatildeo somente

uma virtualidade do pensar confuso ele se instaura apenas virtualmente na imagem distorcida que

as opiniotildees dos mortais fazem do mundo e por este motivo diferentemente do que elas afirmam o

184

mundo real descrito retamente pela opiniatildeo verdadeira eacute um mundo coeso onde a imagem que

retamente o representa simbolicamente eacute a imagem de uma esfera homogecircnea

A adesatildeo de ente a ente e o resultado desta continuidade numa visatildeo grandiosa de uma esfera

indicam que Parmecircnides se refere tanto agrave multiplicidade dos entes quanto agrave sua totalidade ambos

enganchados a suas respectivas impossibilidades a impossibilidade do natildeo ser particular de todo

ente particular e a impossibilidade do natildeo ser referido agrave totalidade dos entes Penso que a predileccedilatildeo

pelo assunto cosmoloacutegico proacuteprio de seu meio cultural seja o maior responsaacutevel pelo fato de

Parmecircnides ter tratado apenas do eon enquanto totalidade e natildeo como noacutes gostariacuteamos com

maiores detalhes do eon particular de cada ente Assim a descriccedilatildeo da realidade obtida partindo

da correccedilatildeo do processo cognitivo aponta para uma archeacute necessaacuteria que eacute a qual tem agregada

a coerccedilatildeo que impotildee uma necessidade isto eacute aquela coerccedilatildeo que impede qualquer desvio ao longo

da necessidade ou seja a impossibilidade que o que eacute natildeo seja Fica assim plenamente configurada

a primeira via a qual conduz pelo caminho de persuasatildeo verdadeira agrave correta imagem do mundo

um eon que eacute e que necessariamente afastando a negaccedilatildeo natildeo pode natildeo ser natildeo pode conter

frestas de natildeo ser natildeo pode conter descontinuidades nem heterogeneidades geradas pelo natildeo ser

512 Ouk esti

A incompatibilidade entre a negaccedilatildeo e o ente potildee um conjunto de questionamentos anteriores

ao proacuteprio princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo ou aos outros dois princiacutepios claacutessicos da loacutegica

(identidade e terceiro excluiacutedo) Os questionamentos comeccedilam a surgir exatamente em volta da

negaccedilatildeo como princiacutepio cognitivo ou seja numa regiatildeo de fronteira da proacutepria ontologia De fato

ser e natildeo ser satildeo os pressupostos da ontologia pois sem o ente particular (considerado enquanto

185

ente) ou o ente em geral (o ser) natildeo haacute ontologia mas sem o natildeo ser aquela noccedilatildeo que articula o

discurso sobre o ser tambeacutem natildeo haacute ontologia e isso natildeo porque as caracteriacutestica do ser satildeo

articuladas segundo uma ontologia negativa (o ser eacute um natildeo muacuteltiplo in-finito i-limitado etc)

mas porque o nosso proacuteprio discurso implica necessariamente a negaccedilatildeo e assim tambeacutem o logos

do on o discurso sobre o ente O negar eacute uma estrutura do nosso aparelho cognitivo somente

conhecemos ndash no sentido comum de conhecimento racional231 ndash pela negaccedilatildeo

O problema que surge junto com os questionamentos eacute exatamente aquele de como

conseguir pensar a negaccedilatildeo sem criar uma peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que a negaccedilatildeo estaraacute implicada

em qualquer discurso sobre ela Penso que este seja o principal motivo da singularidade que resulta

da meditaccedilatildeo do natildeo ser (assim como exposto anteriormente) De fato a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo que

naquela meditaccedilatildeo era a negaccedilatildeo do ato cognitivo negador revelava ali a aporia esta natildeo deixa de

estar presente mesmo na loacutegica mais comum Tome-se por exemplo a negaccedilatildeo de a dizemos que

a negaccedilatildeo de a eacute ~a e se diz comumente que a negaccedilatildeo de ~a eacute a mas a negaccedilatildeo de ~a eacute ao mesmo

tempo uma afirmaccedilatildeo pois eacute a e uma negaccedilatildeo pois eacute ~ (~a)232 O nosso aparelho cognitivo natildeo

231Como se sabe haacute outras formas de conhecimento principalmente as intuitivas e as de fusatildeo tais como as artiacutesticas

e miacutesticas mas que fogem ao objeto de nossa anaacutelise 232Como vimos a negaccedilatildeo (N) de um ente suponhamos ~a tem dois sentidos e por isso acaba gerando equiacutevocos e

ambiguidades Por um lado (N1) ~a tem o platocircnico sentido relativo assim ~a significa todo e qualquer ente do

mundo exceto a Por outro lado (N2) ~a significa a negaccedilatildeo absoluta de a sem nenhuma referecircncia a qualquer

outro ente como na negaccedilatildeo do triacircngulo quadrado Da mesma forma a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo (NN) tem dois sentidos

e dois acircmbitos diferentes No primeiro caso (NN1) na negaccedilatildeo como relativa negar ~a significa negar todos os

entes exceto a e por conseguinte por relaccedilatildeo a outro significa reafirmar a Mas no segundo caso (NN2) onde a

primeira negaccedilatildeo eacute absoluta noacutes temos ainda duas possibilidade (NN2a) a primeira com a negaccedilatildeo relativa de

uma negaccedilatildeo absoluta a segunda (NN2b) com a negaccedilatildeo absoluta de uma negaccedilatildeo absoluta A primeira

possibilidade (NN2a) nos diz que negando relativamente uma negaccedilatildeo absoluta se afirma tudo que natildeo eacute negaccedilatildeo

absoluta de a isto eacute a negaccedilatildeo relativa de a a afirmaccedilatildeo absoluta de a e a afirmaccedilatildeo relativa de a Jaacute a segunda

possibilidade (NN2b) eacute a negaccedilatildeo absoluta de uma negaccedilatildeo absoluta isto eacute a negaccedilatildeo de uma impossibilidade [no

186

acusa a aporia e assim tambeacutem a nossa loacutegica comum233

Em todo caso a contradiccedilatildeo ou aporia estabelecida pela negaccedilatildeo ndash e que fica evidente pela

negaccedilatildeo da negaccedilatildeo a qual aporeticamente eacute uma negaccedilatildeo que afirma ndash eacute um curto circuito

cognitivo do qual natildeo se consegue sair enquanto se permanecer dentro da estrutura cognitiva da

qual dispomos Todavia o fato eacute que natildeo dispomos de uma estrutura cognitiva alternativa e talvez

nossos esforccedilos de tentar pensar para aleacutem dela sejam tatildeo inuacuteteis quanto as tentativas feitas por um

cego de nascenccedila de entender visualmente o mundo Todas as atuais ampliaccedilotildees das capacidades

dos sentidos (telescoacutepios microscoacutepios etc) reconduzem o objeto percebido agrave escala de percepccedilatildeo

humana todas as teorias cientiacuteficas ndash que satildeo ampliadores de nossa capacidade de pensar o mundo

exemplo do triacircngulo quadrado ~a = natildeo possiacutevel ~ (~a) = natildeo (natildeo possiacutevel)] o que natildeo significa que como no

caso da negaccedilatildeo relativa da negaccedilatildeo absoluta a impossibilidade da impossibilidade eacute uma possibilidade mas

significa que dada uma impossibilidade eacute impossiacutevel que esta impossibilidade seja uma impossibilidade dito de

outra maneira negar absolutamente uma impossibilidade significa negar agrave impossibilidade seu status de

impossibilidade No entanto tornar impossiacutevel (negar) o status de impossibilidade significa imediatamente

reafirmar a impossibilidade voltando de novo agrave aporia eleaacutetica onde negar o status do ser enquanto ser significa

afirmar o status da negaccedilatildeo a qual eacute um ser (a negaccedilatildeo natildeo eacute um nada) e afinal significa ao mesmo tempo afirmar

e negar o ser

Vale lembrar que a dupla negaccedilatildeo do tipo que chamei NN2a isto eacute aquela onde uma negaccedilatildeo relativa nega uma

negaccedilatildeo absoluta eacute a dupla negaccedilatildeo que se encontra no verso 23 do poema e que natildeo eacute natildeo ser (τε καὶ ὡς οὐκ

ἔστι μὴ εἶναι) onde μὴ εἶναι eacute uma negaccedilatildeo absoluta enquanto οὐκ ἔστι eacute a negaccedilatildeo predicativa ordinaacuteria isto eacute de

tipo relativo platocircnico que nega a negaccedilatildeo absoluta Assim o caminho do ὅπως ἔστιν eacute o mesmo que o caminho

que nega (relativamente) a negaccedilatildeo absoluta cujo significado abrange vaacuterias possibilidades como especificado

acima afirmaccedilatildeo absoluta de a (correspondente ao ἔστιν parmenidiano) afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo relativas de a que

correspondem agrave predicaccedilatildeo da linguagem comum (natural isto eacute segundo a visatildeo de mundo do realismo cognitivo

comum)

Mas se pode ainda considerar a negaccedilatildeo em si em seu estatuto ontoloacutegico A negaccedilatildeo enquanto negaccedilatildeo natildeo

pode ser negada no sentido de que ao se negar a negaccedilatildeo imediatamente se afirma pois simultaneamente ao

negar a negaccedilatildeo se afirma (negar significa pocircr a negaccedilatildeo) o que se nega isto eacute a negaccedilatildeo (enquanto negada) Mais

uma vez se configura uma aporia de tipo eleaacutetico onde uma proposiccedilatildeo resulta em dois sentidos simultacircneos e

contraditoacuterios 233 Penso que esta aporia impliacutecita poderia ser o fundamento ontoloacutegico do desenvolvimento de loacutegicas

paraconsistentes e paracompletas as quais com todo seu impacto anti-intuitivo acabam descrevendo melhor

aquelas regiotildees do mundo ndash o mundo como percebido pela nossa cogniccedilatildeo que implica esta aporia ndash natildeo acessiacuteveis

agrave loacutegica comum no entanto esta hipoacutetese aguarda aprofundamentos

187

(por exemplo a teoria heliocecircntrica ou a relatividade geral nos fazem ver com os olhos da mente

um mundo diferente daquele que vemos com os olhos fiacutesicos) ndash reconduzem a realidade ao nosso

modo cognitivo o qual implica a distorccedilatildeo provocada pela negaccedilatildeo e evidenciada pela negaccedilatildeo da

negaccedilatildeo nem poderia ser diferente pois se elas natildeo reconduzissem ao nosso modo cognitivo elas

seriam incompreensiacuteveis Discutir o modelo cognitivo resulta entatildeo uma das empresas mais aacuterduas

mas eacute exatamente isso que Parmecircnides fez Ele natildeo discutiu apenas as maneiras de ver o mundo

(weltanschaung) como por exemplo fez Xenoacutefanes mas discutiu a nossa proacutepria estrutura

cognitiva a qual admite inuacutemeras weltanschaungen mas sempre dentro de uma mesma estrutura

onde a negaccedilatildeo tem papel fundamental

Eacute possiacutevel pensar o mundo a partir de outra estrutura cognitiva Eacute uma pergunta complicada

que precisaria ser desdobrada em muitas partes Sabemos por exemplo que um cachorro vecirc o

mundo em preto e branco e conseguimos fazer uma imagem de como poderia ser a estrutura

cognitiva de um cachorro Mas mais uma vez posto que este dado seja realmente relevante para a

cogniccedilatildeo do cachorro tal noccedilatildeo eacute uma reconduccedilatildeo da cogniccedilatildeo do cachorro agrave cogniccedilatildeo humana

entatildeo natildeo podemos dizer que conseguimos conhecer segundo a cogniccedilatildeo do cachorro Do mesmo

modo somos cientes de muitos modelos cognitivos e sabemos ateacute mesmo que uma linguagem mais

baacutesica eacute possiacutevel e permite a comunicaccedilatildeo entre muitos seres vivos como por exemplo a

linguagem emocional Mas quando nos propomos a ir aleacutem partindo das insatisfaccedilotildees das

cogniccedilotildees jaacute existentes o problema se complica de muito por vaacuterios motivos O primeiro deles eacute a

perda de uma referecircncia ldquonaturalrdquo pois natildeo haacute uma resposta dada isto eacute natural (pois o natural eacute

permanecer dentro do modo cognitivo dado) e eacute necessaacuterio ir aleacutem do natural O segundo eacute uma

perda do sobrenatural pois o sobrenatural eacute referido ao natural e sem este natildeo haacute aquele O terceiro

enfim eacute o risco concreto de uma excentricidade psiacutequica uma espeacutecie de caminho patoloacutegico sem

188

volta pelo qual todo tipo de estranheza se torna normal e vice-versa

Assim a reflexatildeo sobre o natildeo ser por ser uma investigaccedilatildeo nos limites do pensar eacute um

projeto aacuterduo e aparentemente pouco ou nada fecundo pois o terreno onde se desenvolve estaacute aleacutem

do natural e do sobrenatural e estaacute agrave beira da capacidade psiacutequica Natildeo eacute de surpreender que natildeo

seja assunto predileto pela maioria dos pensadores nem eacute de surpreender que seja quase que

reservado agravequeles que de uma forma ou de outra jaacute perambularam sem sucesso pelas vaacuterias aacutereas

do saber em busca de respostas Tudo isto deveria ser um sintoma claro da grandeza de Parmecircnides

uma grandeza certamente filosoacutefica embora ele provavelmente ateacute desconhecesse a palavra

filosofia Eacute por isto que embora certas linhas exegeacuteticas discordem o fato de Parmecircnides ter

deixado em aberto a sequecircncia de sua filosofia sustentando as suas afirmaccedilotildees apesar da aporia a

qual conduziam e de que ele certamente tinha consciecircncia natildeo eacute nenhum demeacuterito pelo contraacuterio

eacute uma grande meacuterito e ainda maior na medida em que os que o sucederam natildeo conseguiram ir

aleacutem do que ele propocircs e talvez a bem da verdade tiveram ateacute que retroceder das posiccedilotildees

alcanccediladas por Parmecircnides

Natildeo cabe a este trabalho desenvolver as meditaccedilotildees sobre o natildeo ser que as afirmaccedilotildees de

Parmecircnides implicariam234 Seja suficiente a noccedilatildeo de que Parmecircnides iniciou junto da discussatildeo

sobre o ser que hoje chamamos ontologia uma discussatildeo sobre o natildeo ser que algumas vezes hoje

eacute chamada de meontologia Agrave meontologia parmenidiana podemos acrescentar tranquilamente o

subtiacutetulo ldquoda relaccedilatildeo impossiacutevel entre natildeo e serrdquo com as vaacuterias consequecircncias que ele extraiu tanto

em acircmbito psicoloacutegico quanto em acircmbito metodoloacutegico antropoloacutegico e cosmoloacutegico

234 Cfr Colombo 1972 um dos raros trabalhos dedicados ao assunto

189

52 Parmenides psicoacutelogo (segunda parte)

Depois de ter estudado a noccedilatildeo de natildeo ser utilizada por Parmecircnides podemos voltar agravequelas

partes do poema que discutem a psicologia humana especificamente aquelas partes que implicam

a compreensatildeo do natildeo ser das quais postergamos o estudo por nos faltar ainda a compreensatildeo desta

noccedilatildeo

No fragmento 1 natildeo haacute referecircncia direta ou indireta ao natildeo ser e natildeo precisamos voltar a ele

Jaacute no fragmento 2 6 e 7 as passagens com referecircncias ao natildeo ser e com vocabulaacuterio psicoloacutegico jaacute

foram estudadas Podemos passar entatildeo ao fragmento DK 8

521 O fragmento DK 8

Considerando que natildeo eacute nossa intenccedilatildeo abordar a doutrina parmenidiana do ser apresentada

neste fragmento procederemos de modo seletivo selecionando apenas as passagens que nos

interessam Naturalmente esse meacutetodo sacrificaraacute a doutrina do ser mas poraacute em evidecircncia todo o

vocabulaacuterio psicoloacutegico subjacente geralmente deixado de lado para focar aquela doutrina235

Retomamos aqui nossa traduccedilatildeo anterior de operaccedilotildees cognitivas da mente para νοεῖν e seus

cognatos a justificaccedilatildeo se encontra na p XX e ss

235Para uma descriccedilatildeo geral do fragmento ver capiacutetulo 4 p 151 A Aplicaccedilatildeo do Meacutetodo

190

5211 DK B 86-9

Depois de enunciar os caminhos de inqueacuterito para as operaccedilotildees cognitivas depois de

enunciar a lei de oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo ser depois da criacutetica ao caminho seguido pelos

mortais agora a deusa explica a sua doutrina do ser Ela comeccedila dizendo que soacute uma palavra resta

no caminho (o caminho do esti) que eacute (ὡς ἔστιν) Mas este eacute natildeo eacute muito evidente por esta razatildeo

haacute muitos sinais ao longo do caminho Estes sinais satildeo caracteriacutesticas que ajudam a identificar o

ser Parmecircnides faz uma listagem de alguns e na sequecircncia do fragmento explica e justifica cada

um quase em perfeiccedilatildeo simeacutetrica Logo no primeiro argumento para o primeiro dos sinais (o ἐὸν

eacute ingecircnito e impereciacutevel) noacutes encontramos as seguintes palavras (DK B 86-9)

τίνα γὰρ γένναν διζήσεαι αὐτοῦ

πῆι πόθεν αὐξηθέν οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω

φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν οὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν

ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστι

Falando do ser (ἐὸν) a deusa enuncia que eacute ingecircnito e impereciacutevel depois disso como

costuma fazer ela apresenta seu argumento mas desta vez em forma de pergunta Ela pergunta que

geraccedilatildeo (γένναν) tu procurarias para ele Como de onde teria crescido (αὐξηθέν) Do natildeo ser natildeo

te permitirei (ἐάσσω) afirmar (φάσθαι) ou operar cognitivamente (νοεῖν) porque o natildeo ser (οὐκ

ἔστι) eacute indiziacutevel e cognitivamente natildeo operaacutevel (οὐδὲ νοητόν) A deusa diz algo muito especial ela

diz natildeo te permitirei dizer ou operar cognitivamente usando a forma futura do verbo para

expressar um preceito severo de forte tom imperativo natildeo diga e natildeo opere cognitivamente o natildeo

ser Esta eacute a expressatildeo de uma lei imperativa referida ao pensamento mas ainda antes eacute a expressatildeo

da impossibilidade psicoloacutegica sobre a qual aquela lei se baseia natildeo eacute permitido pensar (operar

cognitivamente) e dizer o que natildeo eacute porque eacute [psicologicamente] impossiacutevel operar

cognitivamente o natildeo ser e logo eacute tambeacutem impossiacutevel dizecirc-lo

191

Para a elucidaccedilatildeo do aspecto psicoloacutegico podemos dividir a passagem em duas etapas

1) uma asserccedilatildeo hipoteacutetica o ser eacute gerado

2) a rejeiccedilatildeo da asserccedilatildeo pelo Preceito da Deusa eacute impossiacutevel que os ser seja gerado

do natildeo ser

Esta segunda etapa pode ser dividida em trecircs momentos

2a) eacute impossiacutevel que o ser seja gerado do natildeo ser

2b) porque natildeo eacute permitido operar cognitivamente que ele poderia vir do natildeo ser

2c) porque eacute impossiacutevel operar cognitivamente o natildeo ser ou dizecirc-lo

Agora vamos inverter a sequecircncia i) eacute impossiacutevel operar cognitivamente e dizer o natildeo ser

ii) por conseguinte o natildeo ser natildeo pode ser operado cognitivamente como parte de qualquer

argumento real (como parte do caminho da Persuasatildeo) iii) por conseguinte natildeo se deve (pensar e)

afirmar que o natildeo ser pode ser gerador do ser (ἐὸν) O preceito da Deusa aqui dado explicitamente

eacute o natildeo ser natildeo pode ser usado como parte de um argumento Como se pode notar este eacute um

corolaacuterio do Preceito da Deusa enunciado no fragmento 7

Podemos dizer o mesmo com outras palavras Na primeira etapa 1) haacute uma meditaccedilatildeo que

estabelece a impossibilidade de operar cognitivamente com o natildeo ser com a asserccedilatildeo

complementar de que eacute impossiacutevel que o ser possa natildeo ser esta eacute uma observaccedilatildeo do

comportamento da mente Na segunda etapa 2) Parmecircnides observa que os homens fazem

confusatildeo pois acreditam que seja possiacutevel operar cognitivamente com o natildeo ser assim ele

considera dois tipos de homem aquele que conhece esta impossibilidade (o homem saacutebio instruiacutedo

pela deusa) e aquele que natildeo a conhece (os mortais) esta eacute uma observaccedilatildeo do comportamento do

sistema humano de conhecimento A terceira etapa 3) eacute a aplicaccedilatildeo da ferramenta certa na praacutetica

do conhecimento enunciando um preceito que conduz o inqueacuterito pelo caminho correto este eacute o

192

enunciado de um criteacuterio de verdade A primeira etapa eacute psicoloacutegica a segunda eacute gnosioloacutegica e

finalmente a terceira eacute epistemoloacutegica

Nestas poucas linhas podemos ver todo o pensamento bem estruturado de Parmecircnides o que

explica muito bem o porquecirc ele continua sendo um filoacutesofo vivo ateacute nosso debate contemporacircneo

De fato sua epistemologia estaacute fundada sobre uma gnosiologia a qual estaacute ela mesma fundada

sobre uma observaccedilatildeo psicoloacutegica E esta observaccedilatildeo psicoloacutegica eacute realizada tatildeo bem e

profundamente que o resultado eacute uma autecircntica lei ontoloacutegica natildeo ser eacute o nome que damos agravequilo

que natildeo pode ser pensado Portanto este insight vertical tem consequecircncias sobre muitos niacuteveis ao

mesmo tempo como funccedilatildeo psicoloacutegica natildeo podemos pensar (isto eacute natildeo podemos operar de

forma cognitiva com) o natildeo ser como funccedilatildeo gnosioloacutegica natildeo podemos conhecer o natildeo ser como

funccedilatildeo epistemoloacutegica natildeo podemos usar este conceito na descriccedilatildeo do mundo porque eacute fonte de

erro A estrutura feacuterrea das conexotildees entre esses muacuteltiplos niacuteveis expressa por sua filosofia

constituiraacute o desafio parmenidiano que intrigaraacute Platatildeo Aristoacuteteles e quase todos os grandes

filoacutesofos ateacute o presente

5212 DK B 812-18

Nos versos seguintes Parmecircnides reforccedila todos os niacuteveis de sua visatildeo

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος ἐφήσει πίστιος ἰσχύς

γίγνεσθαί τι παρ αὐτό τοῦ εἵνεκεν οὔτε γενέσθαι

οὔτ ὄλλυσθαι ἀνῆκε Δίκη χαλάσασα πέδηισιν

ἀλλ ἔχει ἡ δὲ κρίσις περὶ τούτων ἐν τῶιδ ἔστιν

ἔστιν ἢ οὐκ ἔστιν κέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη

τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής

ἔστιν ὁδός) τὴν δ ὥστε πέλειν καὶ ἐτήτυμον εἶναι

a) DK 812-13a Noacutes pulamos o verso DK 811 porque embora pareccedila relacionado agraves duas vias de

193

pensamento de fato se refere ao ἐὸν o estudo do qual natildeo nos interessa aqui Assim podemos

comeccedilar lendo o verso DK 812 ldquoa forccedila da persuasatildeo (πίστιος ἰσχύς) natildeo permitiraacute que nada venha

a ser ao seu lado (παρ αὐτό) vindo do natildeo serrdquo Parmecircnides diz que nada pode vir a ser do natildeo ser

nem mesmo um ser ao lado do que jaacute eacute Significa que aquilo que parece ser uma nova existecircncia

no mundo quando esse novo existente vem a ser eacute apenas a visatildeo que resulta de uma falta de

recurso da mente comum (dos mortais) na qual natildeo haacute persuasatildeo verdadeira Com efeito a

persuasatildeo verdadeira tem uma forccedila tatildeo grande que natildeo permite que nenhuma coisa venha a ser do

nada como a deusa dissera no verso 87-8 Essa imagem da forccedila da persuasatildeo reforccedila a

interpretaccedilatildeo do verso 129 onde Parmecircnides fala de mente firme (ἀτρεμὲς ἦτορ) isto eacute uma

mente onde as conexotildees entre as partes do caminho satildeo tatildeo fortes que o vacilar dos pensamentos

entre ser e natildeo ser entre afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo natildeo pode acontecer A forccedila da persuasatildeo manteacutem

firme o argumento na mente portanto esta forccedila natildeo permite o argumento duvidoso (oscilante) da

geraccedilatildeo a partir do natildeo ser porque o natildeo ser eacute impossiacutevel e natildeo pode ser usado no argumento

b) DK 813b-15a ldquoPois Dike natildeo permite nem geraccedilatildeo (ἀνῆκε) nem perecimento (γενέσθαι)

soltando as correntes (χαλάσασα πέδηισιν) mas as manteacutemrdquo Esta passagem eacute muito importante

porque faz uma equivalecircncia entre a forccedila da persuasatildeo e as correntes de Dike a qual

tradicionalmente eacute a deusa da justiccedila236 De um lado noacutes sabemos que naquele periacuteodo os nomes

dos deuses estavam sendo utilizados na forma linguiacutestica de gecircnero neutro indicando de maneira

impessoal alguns processos naturais representados por aqueles deuses237 Que a justiccedila possa ser

236No caminho oposto Cassin a qual acredita fazer uma equivalecircncia entre as amarras das deusas parmenidianas e as

amarras que manteacutem ao mastro Ulisses quando ouve o canto das sereias (Cassin 1987) 237Kahn 1960 Parmecircnides escolhe escrever de maneira tradicionalista em verso e usando a linguagem eacutepica por este

194

um processo natural do mundo pode soar algo improacuteprio para a nossa compreensatildeo mas era bem

aceitaacutevel para a mente antiga como vemos por exemplo em Anaximandro DK B 1 Isto significa

que a justiccedila era considerada um tipo de ordem de todas as coisas natildeo uma ordem a partir de algo

externo aplicada agraves coisas (como por exemplo no pensamento cristatildeo onde a justiccedila eacute uma ordem

divina externa ao mundo vinda de Deus por meio de suas leis e que o homem pode respeitar ou

natildeo) mas uma ordem interna das coisas Conhecer o comportamento de Dike a deusa da justiccedila

significa conhecer o comportamento do mundo (isto eacute uma norma de comportamento do mundo

algo proacuteximo do que noacutes chamamos de lei da natureza) Por outro lado Parmecircnides descobre esta

ordem com um processo de meditaccedilatildeo238 alcanccedilando o entendimento de que o natildeo ser absoluto

natildeo pode ser pensado e ao mesmo tempo eacute impossiacutevel que ele tenha alguma realidade Portanto

todo argumento que implica o natildeo ser como algo que eacute estaacute errado como eacute o caso do argumento

sobre a crenccedila da existecircncia da geraccedilatildeo e do perecimento Dike neste caso representa uma ordem

interna de tudo que eacute tanto o mundo fiacutesico quanto o mundo dos pensamentos Ambos os mundos

tecircm a mesma ordem a mesma lei de comportamento um tipo de ordem que Parmecircnides chama

Dike e que noacutes chamariacuteamos de lei ontoloacutegica pois Dike eacute ao mesmo tempo uma lei da physis e

uma lei que pode ser um recurso para a mente humana (o caminho para as operaccedilotildees cognitivas)

motivo seus deuses e deusas satildeo reportados ao estaacutegio eacutepico e descritos na forma antropomoacuterfica tradicional 238Esta reflexatildeo sem base direta na experiecircncia eacute algo que ainda acontece naqueles ramos da ciecircncia que natildeo tecircm outra

opccedilatildeo senatildeo prescindir do suporte empiacuterico e experimental Curiosamente um destes ramos ainda eacute uma reflexatildeo

cosmoloacutegica tendo quase o mesmo objeto dos preacute-socraacuteticos trata-se de um ramo da Fiacutesica a Cosmologia A

Cosmologia fiacutesica da atualidade tem uma escala tatildeo imensa que se encontra muito aleacutem das capacidades

experimentais e trabalha apenas com cenaacuterios imaginaacuterios com o uacutenico suporte de coerecircncias internas segundo o

instrumental proacuteprio da Fiacutesica isto eacute Matemaacutetica e ciecircncias afins Por este seu caraacuteter natildeo experimental eacute chamada

de Cosmologia Especulativa

195

Esta multifuncionalidade de Dike239 a lei que estabelece os limites do comportamento do mundo

seraacute importante mais adiante para entender a equivalecircncia entre pensado e pensar (operar

cognitivamente) nos versos 834-38

c) DK 815-18 ldquoA decisatildeo (κρίσις) a respeito dessas coisas estaacute nisto eacute ou natildeo eacute Estaacute decidido

como era necessaacuterio de um lado deixar o que eacute natildeo operaacutevel cognitivamente e sem nome (pois natildeo

eacute verdadeiro caminho) e de outro lado ser e ser verdadeirordquo Vamos por partes Parmecircnides potildee

em praacutetica o Preceito da Deusa relembrando que um dos dois caminhos eacute inoperaacutevel

cognitivamente (ἀνόητον) e sem nome (ἀνώνυμον) enquanto o outro eacute real e verdadeiro caminho

Aqui temos que lembrar que decidir eacute uma accedilatildeo possiacutevel somente ao homem que conhece o

caminho da persuasatildeo verdadeira pois os mortais satildeo ἄκριτα φῦλα gente sem capacidade de

decidir Agora este homem estaacute diante de um problema da realidade o que satildeo aquelas coisas que

noacutes chamamos de geraccedilatildeo e perecimento (incluindo nascimento e morte) Para os mortais a soluccedilatildeo

vem de uma confusatildeo entre ser e natildeo ser assim eles acreditam que eles decidem mas eles natildeo

decidem Por outro lado em face deste problema o homem que sabe e que tem os recursos precisa

pocircr estes uacuteltimos em praacutetica Pocircr os recursos em praacutetica significa exatamente aplicar o Preceito da

Deusa isto eacute introduzir a oposiccedilatildeo absoluta entre ser e natildeo ser Com este recurso a decisatildeo eacute

possiacutevel e ademais eacute uma decisatildeo de persuasatildeo verdadeira Temos aqui uma decisatildeo feita por uma

disjunccedilatildeo escolhendo eacute ou natildeo eacute Embora se trate dos mesmos termos dos dois caminhos do

fragmento DK 2 o argumento eacute muito diferente No fragmento DK 2 haacute um processo de meditaccedilatildeo

com uma reflexatildeo sobre o natildeo ser que permite apenas dois caminhos tendo ambos a mesma origem

239Unidade e multiplicidade de Dike eacute desenvolvida em Ruggiu 1975 p 85-101

196

a negaccedilatildeo do natildeo ser mas apenas um leva agrave meta enquanto outro leva para lugar nenhum Os dois

caminhos do fragmento DK 2 natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo loacutegica entre si (eles tecircm uma relaccedilatildeo

ontoloacutegica) mas expressam a realidade da reflexatildeo sobre o natildeo ser e satildeo o resultado de uma

experiecircncia aquele ponto de partida empiacuterico de qualquer metafiacutesica no fragmento DK 2 os dois

caminhos satildeo o resultado de um argumento que comeccedila com uma meditaccedilatildeo (sabemos isso pelas

palavras da deusa que diz que satildeo caminhos para as operaccedilotildees cognitivas νοῆσαι ou seja ela estaacute

refletindo sobre a reflexatildeo) e continua com as passagens intermediaacuterias (eacute eacute caminho de persuasatildeo

que acompanha a verdade enquanto natildeo eacute eacute cognitivamente natildeo operaacutevel e tambeacutem indiziacutevel) ateacute

a conclusatildeo enunciada no comeccedilo estes satildeo os uacutenicos caminhos para o pensar Muito diferente eacute

o caso dos versos em questatildeo (DK B 815-16) onde eacute e natildeo eacute natildeo satildeo conclusatildeo do argumento

mas o instrumento a ser usado para entender algo especiacutefico do mundo De fato Parmecircnides

considera que haacute os eacute e natildeo eacute vindos da percepccedilatildeo da realidade 1) como na geraccedilatildeo que apresenta

a passagem de algo vindo do natildeo ser algo que natildeo existia antes e vai para o ser aquele algo que

de fato existe agora 2) e como no perecimento que apresenta a passagem de algo indo do ser algo

que existia ao natildeo ser quando esse algo natildeo existe mais Agora estes ser e natildeo ser que surgem

da percepccedilatildeo da realidade precisam ser comparados com o Preceito da Deusa que diz que eacute e natildeo

eacute estatildeo em oposiccedilatildeo radical De forma que tendo ela dito que natildeo eacute eacute um caminho natildeo verdadeiro

na aplicaccedilatildeo ao estudo da geraccedilatildeo e do perecimento eacute preciso abandonaacute-lo isto eacute eacute preciso

eliminar o natildeo ser do entendimento que parece vir da percepccedilatildeo da realidade A diferenccedila entre o

homem saacutebio instruiacutedo pela deusa e os mortais natildeo eacute a percepccedilatildeo em si mas o uso ou natildeo do

recurso que corrige a percepccedilatildeo Para o homem saacutebio instruiacutedo pela deusa geraccedilatildeo e perecimento

satildeo eliminados porque eacute eliminada aquela parte do argumento o natildeo ser com a qual se daacute a

passagem e o tracircnsito entre ser e natildeo ser como a deusa diz nos versos seguintes (DK B 819-21)

197

Em conclusatildeo podemos ver neste trecho como pocircr em praacutetica o Preceito da Deusa

Parmecircnides faz algumas distinccedilotildees Todo homem tem uma noccedilatildeo da realidade e todo homem

percebe a realidade da mesma maneira Esta maneira poreacutem distorce a realidade porque a mente

pelo haacutebito multiexperiente erra Qual eacute o erro Eacute um erro que acontece na mente eacute a confusatildeo

entre ser e natildeo ser Isto significa que errar eacute estrutural ao homem (mergulhado em sua cultura)

porque o problema natildeo se daacute quando ele escolhe ou decide mas antes da decisatildeo O problema estaacute

na estrutura que toma decisotildees ou seja na mente Parmecircnides diz que a origem eacute cultural (o haacutebito

multiexperiente da mente) e que a estrutura da mente condicionada que percorre o caminho de

confusatildeo entre ser e natildeo ser levaraacute a uma concepccedilatildeo de mundo onde tudo vai aleacutem dos limites

daquilo que eacute atravessando o territoacuterio impossiacutevel do natildeo ser A maneira tradicional de ver o

mundo estaacute errada Parmecircnides diz porque confunde algo que natildeo deveria ser confuso De fato o

ser que penetra na regiatildeo do natildeo ser quer realizar algo impossiacutevel porque a lei do mundo (Dike)

considera isto injusto Eacute fora da lei e injusto o ir aleacutem gerando e perecendo em direccedilatildeo ao natildeo ser

e Dike natildeo permite esta invasatildeo no natildeo ser ela manteacutem com correntes o ser dentro do que eacute Dike

eacute uma lei do mundo imanente ao mundo assim a oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo ser pertence ao

mundo e por isto eacute tambeacutem uma estrutura do pensamento verdadeiro aquele pensamento que anda

no caminho da verdadeira persuasatildeo Os homens podem entender esta lei e conhecendo-a podem

corrigir a maneira de pensar naquela parte do processo mental entre a percepccedilatildeo e o pensamento

Em outras palavras Parmecircnides sugere o uso do instrumento da natildeo contradiccedilatildeo (entre ser e

natildeo ser) natildeo depois mas antes do resultado do pensamento isto eacute antes do enunciado como a

deusa diz em DK B 87-8 (οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν) ou seja durante o

processo de pensar (operar cognitivamente) Para entender ao que Parmecircnides se refere com

processo de pensar (o caminho para as operaccedilotildees cognitivas) eacute preciso relembrar duas coisas

198

primeiro ele estaacute falando de um caminho especiacutefico do pensar segundo estaacute falando do caminho

de pesquisa deixando de lado os outros processos de pensamento No caso do inqueacuterito o caminho

(feito passo a passo) natildeo permite nenhum passo que use o natildeo ser porque a impossibilidade do natildeo

ser torna inuacutetil o inteiro encadeamento no qual possa ser encontrado um uacutenico elo que contenha o

natildeo ser No caso dos versos DK 87-8 quando a deusa diz ldquoEu natildeo permitirei etcrdquo ela quer dizer

ldquoEu natildeo te permitirei operar cognitivamente e dizer esta conclusatildeo o ser tem geraccedilatildeo porque os

passos deste caminho (os elos do encadeamento) do pensar e do dizer (argumento) incluem o natildeo

serrdquo Em outras palavras cada passo do inqueacuterito pode ser usado para o proacuteximo passo somente se

eacute filtrado pelo Preceito da Deusa (veremos isto melhor na anaacutelise nos proacuteximos versos DK 834 e

ss) O processo de pensar eacute entatildeo o percurso que leva ao enunciado o processo de pensar eacute o

argumento eacute no argumento que eacute preciso aplicar o Preceito da Deusa (e natildeo no enunciado que dele

resulta) Parmecircnides demanda uma mudanccedila na articulaccedilatildeo do pensar algo que como sabemos

realmente aconteceu depois dele o desenvolvimento de um novo modo de organizaccedilatildeo da cultura

humana aquele modo que chamamos pensamento racional em oposiccedilatildeo ao pensamento miacutetico

5213 DK B 826-8

ldquoMas imoacutevel (ἀκίνητον) jaz dentro de limites (ἐν πείρασι) de fortes correntes sem iniacutecio

(ἄναρχον) e sem fim (ἄπαυστον) pois geraccedilatildeo e perecimento foram afastados a persuasatildeo

verdadeira (πίστις ἀληθής) os empurrou para traacutesrdquo Mais uma vez temos primeiro o enunciado ou

seja o resultado do argumento assim o ser eacute imoacutevel sem comeccedilo nem fim Depois do enunciado

temos o argumento geraccedilatildeo e perecimento foram repelidos pela persuasatildeo verdadeira obtida

podemos acrescentar pela aplicaccedilatildeo do Preceito da Deusa Mais uma vez temos a clara sequecircncia

199

do argumento parmenidiano

5214 DK B 834-8

ldquoO mesmo satildeo operar cognitivamente (νοεῖν) e o fato pelo qual se daacute a operaccedilatildeo cognitiva

(νόημα) Com efeito natildeo sem o ser (οὐ ἄνευ τοῦ ἐόντος) no qual (ou pelo qual) eacute declarado tu

encontraraacutes a operaccedilatildeo cognitiva pois natildeo haacute nem haveraacute nada aleacutem do ser pois Moira acorrentou-

o para ser inteiro e imutaacutevelrdquo Estes versos apresentam muitos problemas tanto filoloacutegicos quanto

filosoacuteficos Tentaremos escapar da necessidade de atravessar este difiacutecil territoacuterio concentrando

nosso foco sobre o primeiro verso O sentido geral da inteira passagem embora com algumas

discordacircncias entre os estudiosos pode ser considerado este pensar (ou conhecer) e o

sujeitoobjeto do pensar (ou do conhecer) satildeo o mesmo porque sem o ser eacute impossiacutevel pensar ou

conhecer algo isto eacute eacute impossiacutevel pensar ou conhecer o que natildeo eacute porque sem o ser natildeo haacute nada

Creio que o acento sobre o aspecto psicoloacutegico do pensamento parmenidiano pode ajudar a

esclarecer estas palavras Antes de tudo a expressatildeo o mesmo (ταὐτὸν) natildeo pode ser traduzida

como idecircntico Trata-se do mesmo na semacircntica arcaica que significa pertencer ao mesmo ramo

genealogia povo tribo Por exemplo todas as pessoas de Roma satildeo o mesmo isto eacute satildeo Romanos

No caso de Parmecircnides ele estaacute tentando descrever dois fatos que parecem ser diferentes mas ele

diz ele pertencem ao mesmo fato o mesmo acontecimento Numa linguagem muito moderna e

levando em conta que Parmecircnides estaacute falando do mundo fiacutesico (ἐόν) podemos traduzir com eles

pertencem ao mesmo evento O evento naturalmente eacute o ἐόν para o qual o fragmento 8 eacute dedicado

Como em outras partes da filosofia parmenidiana a descriccedilatildeo do mundo fiacutesico inclui a lei que

governa aquele fato fiacutesico Assim o mesmo significa que os fatos que ele estaacute descrevendo satildeo

200

submetidos agrave mesma lei de comportamento fiacutesico

Operar (na parte cognitiva da mente) e aquilo pelo qual se daacute a operaccedilatildeo cognitiva pertencem

ao mesmo evento De fato se algo eacute declarado este algo possui realidade porque a declaraccedilatildeo aqui

natildeo eacute uma declaraccedilatildeo qualquer Natildeo podemos esquecer que Parmecircnides aqui estaacute aplicando seu

meacutetodo agrave physis isto eacute ao mundo Quando fala sobre declaraccedilatildeo de algo nesse contexto ele quer

dizer a verdadeira declaraccedilatildeo o enunciado verdadeiro e o discurso verdadeiro de fato a fala

verdadeira segue a persuasatildeo verdadeira Assim no discurso verdadeiro quando ele fala sobre algo

faz afirmaccedilotildees verdadeiras porque 1) o pensamento verdadeiro sobre algo e 2) a operaccedilatildeo cognitiva

operada com o recurso (o Preceito da Deusa) pertencem ao mesmo evento isto eacute agrave mesma

realidade verdadeira a realidade do ἐόν Mais uma vez o recurso eacute mostrado pela imagem da

Moira (o Fado) acorrentando todas as coisas num inteiro de uma forma que sem passado e futuro

(que introduziriam o natildeo ser pois as coisas que devecircm viriam do natildeo ser e iriam para o natildeo ser)

natildeo haacute ser que venha e vaacute e natildeo haacute outra coisa exceto o ser que jaacute existe

Aqui Parmecircnides cumpre um grande passo no desenvolvimento do conhecimento humano

porque ele afirma a identidade de funccedilatildeo entre o pensar humano verdadeiro e o pensamento

verdadeiro a respeito de algo Ele diz que o sujeito e o objeto pertencem agrave mesma ordem da physis

e eacute esta pertinecircncia que permite a possibilidade do conhecimento240 Esta mesma ordem natildeo eacute

aquela adquirida pelo haacutebito multiexperiente mas eacute a ordem do percurso cognitivo do eacute Atender

240Nota epistemoloacutegica Vale lembrar que anteriormente a Parmecircnides o conhecimento verdadeiro era reservado soacute

aos deuses (Xenoacutefanes DK 21 B 18 e 24 Alcmeon DK 24 B 1) Ao estabelecer uma mesma lei entre o pensar e o

ente que eacute pensado Parmecircnides estabelece um princiacutepio pelo qual o mundo (que naquela eacutepoca incluiacutea os deuses

diferentemente do pensamento cristatildeo que potildee o deus fora do mundo) e o pensar o mundo obedecem agrave mesma lei

autorizando epistemologicamente desta forma o pensamento humano a alcanccedilar e incluir o mundo inteiro no seu

objeto de conhecimento verdadeiro

201

a esta ordem permite o conhecimento verdadeiro porque atender ao Preceito da Deusa permite a

relaccedilatildeo entre o pensar isto eacute aquele pensador que pensa com as operaccedilotildees cognitivas verdadeiras

com o pensamento do objeto expresso em declaraccedilotildees verdadeiras o sujeito pensador (o homem

saacutebio que segue o Preceito da Deusa) pode conhecer a verdade do objeto porque o mundo (que

inclui sujeito e objeto) eacute ordenado pelo mesmo preceito que Dike e Moira potildeem em accedilatildeo

acorrentando o ἐόν num todo

522 O fragmento DK 4

O fragmento DK 4 eacute um dos mais misteriosos do poema Natildeo estaacute clara a sua posiccedilatildeo na

ordenaccedilatildeo dos fragmentos Diels o colocou entre o 3 e o 5 mas hoje isto eacute contestado por muitos

estudiosos Na minha opiniatildeo que natildeo pode ser justificada aqui241 ele pertence agrave primeira parte do

poema mas talvez na seccedilatildeo da discussatildeo do ἐὸν ou seja no fragmento DK 8 eacute impossiacutevel poreacutem

decidir mais precisamente em que parte do fragmento deve ser colocado de forma que eu o deixo

no uacuteltimo lugar antes do fim da fala da deusa a respeito da verdade (DK 850) O fragmento foi

transmitido por Clemente de Alexandria

λεῦσσε δ ὅμως ἀπεόντα νόωι παρεόντα βεβαίως

οὐ γὰρ ἀποτμήξει τὸ ἐὸν τοῦ ἐόντος ἔχεσθαι

οὔτε σκιδνάμενον πάντηι πάντως κατὰ κόσμον

οὔτε συνιστάμενον

A grande problemaacutetica da traduccedilatildeo eacute bem conhecida pelos estudiosos e se reflete na

241A discussatildeo da posiccedilatildeo do fragmento DK 4 requereria a discussatildeo da exegese do poema como um todo Por outro

lado o assunto do fragmento DK 4 eacute perifeacuterico em relaccedilatildeo ao tema da presente tese e reportar ainda que

parcialmente aquela discussatildeo sobrecarregaria (dada a grande e intensa discordacircncia dos estudiosos)

desnecessariamente o texto retirando o foco do tema principal o natildeo ser

202

insatisfaccedilatildeo geral com os resultados que satildeo muito diferentes para cada interprete242 Nesse caso

nem o sentido geral recebe um acordo dos estudiosos assim podemos ir diretamente para a

interpretaccedilatildeo do ponto de vista psicoloacutegico ldquoObserve com a operaccedilatildeo cognitiva (νόωι) as coisas

ausentes como sendo (ὅμως) presentes firmemente pois [subentendido a operaccedilatildeo cognitiva

νόος] natildeo dividiraacute (οὐ γὰρ ἀποτμήξει) o ente de aderir (ἔχεσθαι) do ente (τοῦ ἐόντος) nem pelo

espalhamento em todas as direccedilotildees em todo lugar nem pela uniatildeordquo

Do nosso ponto de vista psicoloacutegico a interpretaccedilatildeo deste fragmento resulta simples e clara

se fizermos algumas consideraccedilotildees Antes de tudo noacutes temos os nossos instrumentos o Preceito

da Deusa e as correntes de Dike e Moira depois sabemos que estas correntes precisam estar

tambeacutem no pensar (as operaccedilotildees cognitivas verdadeiras) e no mundo Mas se o mundo natildeo parece

acorrentado eacute porque noacutes estamos olhando para ele sem o recurso (ἀμηχανίη) como o olham os

mortais A primeira palavra que encontramos eacute λεῦσσε que eacute a forma imperativa do verbo λεύσσω

observar fitar A deusa diz ao disciacutepulo olhe atentamente Natildeo eacute um convite eacute uma ordem

imperativa como muitas outras ao longo do poema para que o disciacutepulo obedeccedila e faccedila aquilo O

que ele tem que fitar A deusa diz que ele tem que olhar atentamente as coisas ausentes (ou as

coisas afastadas) como firmemente presentes (ou proacuteximas) E a deusa acrescenta que o kouros

precisa fazer isto com a mente (νόωι dativo instrumental) Noacutes jaacute sabemos que nesse caso νόωι

significa pelas operaccedilotildees cognitivas da mente e tambeacutem sabemos que este olhar eacute o recurso da

mente que os mortais natildeo tecircm (por esta razatildeo eles perambulam como surdos e cegos) Portanto ateacute

242 Este fragmento raramente eacute estudado em si mas quase sempre em relaccedilatildeo agrave doutrina geral do ser no poema Uma

exposiccedilatildeo de algumas interpretaccedilotildees se encontra em Marques 2007

203

agora os instrumentos satildeo claros e conhecidos porque foram apresentados nas partes anteriores do

poema sumariamente olhe com a mente usando o recurso isto eacute com o Preceito da Deusa

O proacuteximo passo consiste em entender o que poderia significar o fato que coisas ausentes

devem ser vistas como presentes Como sempre a razatildeo para o preceito eacute dada depois do

enunciado portanto poderiacuteamos encontrar vestiacutegios nos versos seguintes No segundo verso natildeo

haacute um sujeito claro para a oraccedilatildeo e o verbo ἀποτμήξει pode ser da 2a pessoa em voz meacutedia ou da

3a pessoa em voz ativa do futuro de ἀποτμήγω se noacutes aceitamos como 2a pessoa o sujeito eacute a

mesma pessoa para a qual o imperativo eacute direto isto eacute o kouros se noacutes aceitarmos como 3a pessoa

o sujeito eacute o mesmo da primeira oraccedilatildeo isto eacute o νόος isto eacute as operaccedilotildees cognitivas Levando em

conta que as operaccedilotildees cognitivas satildeo referidas ao kouros do nosso ponto de vista esta

ambiguidade gramatical natildeo eacute importante e o sentido geral permanece o mesmo o sujeito eacute um

operador cognitivo isto eacute as operaccedilotildees cognitivas do kouros Vamos entatildeo escolher a 3a pessoa

apenas para permitir que o tom imperativo da deusa seja mais universal

As operaccedilotildees cognitivas natildeo separaratildeo o ente de aderir ao ente Isto significa que as

operaccedilotildees cognitivas verdadeiras natildeo cortaratildeo as correntes que tornam todas as coisas um todo As

coisas natildeo podem ser separadas e o olhar (o recurso) das operaccedilotildees cognitivas verdadeiras natildeo

separaraacute o ente do ente ou tambeacutem o ente do todo ao qual pertence Parmecircnides diz que eacute o olho

com recurso (o Preceito da Deusa) que vecirc todas as coisas num todo Pela mesma razatildeo as coisas

natildeo podem ser vistas como espalhadas ou concentradas Ateacute agora eacute muito claro e estaacute dentro de

nossa interpretaccedilatildeo anterior Resta o problema de entender ἀπεόντα e παρεόντα

Para poder entender como as coisas ausentes devem estar presentes para o olho da mente

com recurso precisamos nos perguntar em quais circunstacircncias as coisas presentes parecem estar

ausentes para a mente comum Esta me parece uma observaccedilatildeo psicoloacutegica surpreendente de

204

Parmecircnides No nosso comportamento psicoloacutegico comum noacutes observamos as coisas como se

fossem isoladas umas das outras Se eu observo um livro eu considero este livro como uma coisa

isolada do resto do mundo e por isso eu digo o livro estaacute sobre a mesa Considero o objeto isolado

livro sobre o objeto isolado mesa Este isolamento dos objetos eacute o resultado de um processo

normal de nossa cogniccedilatildeo que noacutes chamamos atenccedilatildeo A atenccedilatildeo eacute uma maneira dos nossos

processos perceptivos e cognitivos pela qual uma coisa que eacute o objeto de nossas atenccedilotildees eacute

separada do resto do mundo este permanece em segundo plano em relaccedilatildeo ao objeto de nossa

atenccedilatildeo Assim pelo comportamento psicoloacutegico eu seleciono objetos para a minha atenccedilatildeo um

livro uma mesa uma xiacutecara e os considero um de cada vez para as minhas finalidades Quando

esta atenccedilatildeo eacute organizada numa consideraccedilatildeo consciente de um uacutenico objeto eu digo ldquoum livrordquo

Assim a minha ideia de livro eacute extraiacuteda da realidade e o livro real revive em minha mente natildeo

como aquele livro concreto relacionado naquele momento com aquela mesa naquele ambiente

etc mas como uma ideia A ideia de livro eacute algo extraiacutedo da realidade e noacutes chamamos esta

extraccedilatildeo de abstraccedilatildeo (do latim ab traho levo embora)

A realidade eacute um conjunto de coisas sempre juntas todas elas Mas a mente comum vecirc as

coisas como separadas umas das outras Quando penso livro eu faccedilo uma ideia como se o livro

fosse algo rodeado pelo nada isto eacute o que a mente comum faz quando pensa de forma abstrata

Mas o livro concreto estaacute sempre mergulhado no todo da realidade e eu natildeo posso nunca encontrar

um livro isolado rodeado por uma espeacutecie de coisa real que poderia ser o nada De fato diz

Parmecircnides natildeo haacute dispersatildeo nem concentraccedilatildeo no mundo ordenado243 (κατὰ κόσμον) e quando

243 Embora esta seja uma expressatildeo eacutepica que significa em ordem ou ordenadamente (Taraacuten 1965 p 47-48 Coxon

205

noacutes vemos um mundo com dispersatildeo e concentraccedilatildeo noacutes estamos olhando como surdos e cegos

como as pessoas sem recurso Mas as operaccedilotildees cognitivas verdadeiras da mente natildeo cortaratildeo as

correntes que ligam todas as coisas no ser no todo no ἐὸν Portanto as operaccedilotildees cognitivas da

mente devem olhar junto com o livro que a mente comum vecirc como presente tambeacutem a mesa e a

xiacutecara e as outras coisas as quais embora pareccedilam estar ausentes de fato na realidade estatildeo

presentes Esta fatal (divina) inteira presenccedila deve ser vista (eacute necessaacuterio que seja vista λεῦσσε

imperativo) pelo homem com recurso

Se esta interpretaccedilatildeo estaacute correta estamos diante da primeira descriccedilatildeo do processo de

abstraccedilatildeo da cultura ocidental Isto tornaria Parmecircnides um observador realmente extraordinaacuterio

do comportamento da mente desde o comportamento psicoloacutegico ateacute as implicaccedilotildees cognitivas

epistemoloacutegicas e filosoacuteficas

523 O fragmento 16

Este fragmento tambeacutem eacute extremamente controverso chega ateacute noacutes pela Metafiacutesica de

Aristoacuteteles e pelo de Sensu de Teofrasto eis o texto oferecido por Diels-Kranz244

ὡς γὰρ ἕκαστος ἔχει κρᾶσιν μελέων πολυπλάγκτων

τὼς νόος ἀνθρώποισι παρίσταται τὸ γὰρ αὐτό

ἔστιν ὅπερ φρονέει μελέων φύσις ἀνθρώποισιν

καὶ πᾶσιν καὶ παντί τὸ γὰρ πλέον ἐστὶ νόημα

2009 308) haacute alguns autores que traduzem atraveacutes do mundo (por exemplo OBrien 1987 p 21 across the

world) o sentido de mundo era um sentido novo que vinha se configurando desde Anaximandro no entanto o

puacuteblico de Parmecircnides ainda natildeo podia natildeo associar a este termo o sentido tradicional de ordem Para um status

questionis do termo κόσμος veja-se Finkelberg 1998 244A exegese eacute extremamente problemaacutetica e em geral a criacutetica mais recente prefere a versatildeo de Teofrasto

206

Cavalcante de Souza traduz245

Pois como cada um tem mistura de membros errantes

assim a mente nos homens se apresenta pois o mesmo

eacute o que pensa nos homens eclosatildeo de membros

em todos e em cada um pois o mais eacute pensamento

Mais uma vez estamos diante de um texto que natildeo soacute natildeo apresenta unanimidade de

traduccedilatildeo como tambeacutem natildeo apresenta sequer um acordo sobre o seu sentido geral 246 Tanto

Aristoacuteteles quanto Teofrasto citam a passagem em relaccedilatildeo agrave discussatildeo da relaccedilatildeo entre sensaccedilatildeo e

pensamento A citaccedilatildeo de Aristoacuteteles aparece descontextualizada enquanto aquela de Teofrasto

conteacutem algum comentaacuterio entretanto ambas satildeo insuficientes para um claro entendimento da

mensagem parmenidiana O resultado eacute ateacute mesmo uma dificuldade de colocaccedilatildeo do fragmento na

primeira parte ou na segunda do poema ao se acentuar o aspecto da discussatildeo sobre a mente se

reconduz a citaccedilatildeo a ser fragmento da primeira parte ao se enfatizar o aspecto bioloacutegico se manteacutem

a citaccedilatildeo como fragmento da segunda parte Diels opta pela segunda e o numera como fr 16 Apesar

da grande autoridade do helenista alematildeo vozes discordantes apareceram e jaacute nos anos 50 Loenen

propotildee uma colocaccedilatildeo na primeira parte 247 no mesmo sentido tambeacutem Mourelatos 248 e

Robinson 249 que reconhecem no fragmento ecos da linguagem da primeira parte mais

recentemente alguns estudiosos mantecircm esta colocaccedilatildeo e alguns o fazem jaacute em outros contextos

245Cavalcante de Souza 1978 p 125 246 Como exemplo de discordacircncia radical vejam-se esses dois artigos do mesmo nome Parmenides theory of

knowledge (Vlastos 1946) e Parmenides theory of knowledge (Philip 1958) 247Loenen ldquo[] to be quite precise it probably came immediatly after fr 3rdquo (1959 p 50 e ss) 248Mourelatos 2008 p 253 e ss 249 Robinson (1975 p 631-632) inclui este fragmento no seu estudo sobre o grupo de fragmentos a respeito da

determinaccedilatildeo da realidade (ascertainment of the real)

207

criacuteticos do poema250 Ao lado destes continuam havendo importantes criacuteticos que satildeo defensores

da colocaccedilatildeo na segunda parte Esse breve apanhado aqui relatado quer ser uma razatildeo evidente

da cripticidade do texto parmenidiano Se natildeo haacute acordo nem sequer sobre que parte do poema

colocar o fragmento se pode imaginar o grau de desacordo sobre a interpretaccedilatildeo Aparentemente

haacute no fragmento a explicitaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo entre a mente e o corpo (os membros μελέων) no

entanto ateacute isto estaacute sendo posto em questatildeo251

Devido a toda esta problematicidade de interpretaccedilatildeo este fragmento embora possua um

evidente vocabulaacuterio psicoloacutegico (τὼς νόος ἀνθρώποισι παρίσταται τὸ γὰρ αὐτό ἔστιν ὅπερ

φρονέει τὸ γὰρ πλέον ἐστὶ νόημα) natildeo apresenta duas condiccedilotildees importantes para a nossa

pesquisa A primeira consiste em ter um bom grau de inteligibilidade este fragmento assim como

tambeacutem o fragmento DK B 3 natildeo o tem A segunda eacute apresentar um comportamento da mente

este fragmento apresenta uma teoria meacutedica do pensamento (para os que o colocam na segunda

parte do poema) ou associaccedilatildeo das sensaccedilotildees agrave mente interferindo no processo de conhecimento

da verdade (para quem o coloca na primeira parte do poema) e natildeo um comportamento da mente

Assim apesar de representar um material psicoloacutegico precioso252 para outros enfoques se revela

250Um exemplo notaacutevel eacute a interpretaccedilatildeo de Cordero o qual coloca o fr 16 logo apoacutes o fr 6 atendendo natildeo somente a

uma interpretaccedilatildeo diferente mas tambeacutem a uma nova ordenaccedilatildeo dos fragmentos que garante ele (o trabalho estaacute

escrito mas eacute ineacutedito) supera a divisatildeo tradicional do poema em aletheia e doxa (Cordero 2008 p 72-74) 251 Kurfess (2014) com razotildees interessantes propotildee traduzir μέλεα por uacutetero colocando assim o fragmento entre

aqueles de embriologia 252Por exemplo a interpretaccedilatildeo de Frankel seria do ponto de vista psicoloacutegico extremamente interessante ldquoThe first

sentence of the fragment says the ratio of the two elements of which a person consists (Light and Dark Being and

Not-being) is subject to great fluctuations and these changes are accompained by corresponding fluctuations in his

powers of insight and his whole way of looking at thingsrdquo (Frankel 1975 p 17) Lamentavelmente essa

interpretaccedilatildeo assim como as demais possui uma instabilidade que depende do proacuteprio texto e portanto natildeo eacute

aproveitaacutevel

208

insuficiente para o aproveitamento para a nossa anaacutelise

524 Conclusatildeo

Com esta segunda parte do estudo concluiacutemos nossa busca pelo vocabulaacuterio psicoloacutegico do

poema parmenidiano e pela averiguaccedilatildeo da existecircncia de um Parmecircnides observador do

comportamento da mente humana isto eacute de um Parmecircnides psicoacutelogo A nossa analise revelou um

Parmecircnides excelente psicoacutelogo Depois da primeira seccedilatildeo vimos no capiacutetulo 2 a extraordinaacuteria

observaccedilatildeo da impossibilidade de se pensar o natildeo ser vimos tambeacutem a reflexatildeo a respeito desta

impossibilidade e as consequecircncias que ele extraiu tanto no plano da possibilidade de

conhecimento quanto no plano filosoacutefico elaborando um meacutetodo corretivo do desvio cognitivo da

mente E nesta segunda seccedilatildeo vimos a aplicaccedilatildeo desse meacutetodo (do ponto de vista psicoloacutegico) e

talvez a primeira descriccedilatildeo do processo mental de abstraccedilatildeo Principalmente vimos a organicidade

e forccedila estrutural do pensamento de Parmecircnides que apoia passo a passo todas as suas afirmaccedilotildees

umas nas outras partindo da impossibilidade de se pensar o natildeo ser e chegando na descriccedilatildeo

coerente de um mundo sem mutaccedilatildeo passando pelas etapas intermediaacuterias da compreensatildeo do erro

nos argumentos devido a um desvio cognitivo do meacutetodo para corrigir o erro da criacutetica ao

pensamento comum e da apresentaccedilatildeo argumentada das caracteriacutesticas verdadeiras do eon o

mundo

53 O preceito da deusa

Apoacutes nosso percurso pelo fragmento 2 e pela discussatildeo do meacutetodo parmenidiano podemos

agora voltar ao tantas vezes jaacute nomeado Preceito da Deusa Na verdade a deusa parmenidiana

209

oferece muitos preceitos desde o nem conhecerias o que natildeo eacute [hellip] e nem o dirias de 27-8 ateacute o

eacute ou natildeo eacute do 816 e aleacutem No entanto o preceito siacutentese de todos os outros e em sua versatildeo

operativa ou seja numa foacutermula que pode ser aplicada eacute aquele reportado (e tornado famoso) por

Platatildeo e enumerado por Diels no fragmento 7 e versos 71-2 Jaacute encontramos essa citaccedilatildeo no

primeiro capiacutetulo ao falar do testemunho de Platatildeo (p XX) e ali fizemos uma distinccedilatildeo entre a

semacircntica parmenidiana e a semacircntica platocircnica por natildeo conhecermos ainda a semacircntica

parmenidiana renunciamos temporariamente a traduzir os versos e com a ajuda da semacircntica

platocircnica apenas salvamos a sintaxe de forma a manter uma referecircncia para a sucessiva anaacutelise do

texto do poema Depois jaacute conhecendo a semacircntica do natildeo ser em Parmecircnides reapresentamos

esses dois versos no 2ordm paraacutegrafo do capiacutetulo 2 oferecendo a traduccedilatildeo e sentidos dentro da

sequecircncia apresentada pelo poema quanto agrave discussatildeo do meacutetodo que Parmecircnides propotildee no

fragmento 2 Agora podemos nos dedicar a uma discussatildeo mais geral desses dois versos pois

como indica a citaccedilatildeo de Platatildeo representam a essecircncia da mensagem da filosofia parmenidiana

Vamos relembrar a letra dos versos

Natildeo prevaleccedila (οὐδαμῆι) jamais (μήποτε) isto (τοῦτο) ser os natildeo entes

Tu poreacutem desta via de inqueacuterito afasta o pensamento

Estabelecido o sentido metodoloacutegico dentro do poema podemos verificar uma sua

generalizaccedilatildeo O texto nos diz que (1) haacute uma via de inqueacuterito da qual eacute necessaacuterio se manter

afastados isto significa que este preceito se aplica agrave via de inqueacuterito agrave busca pelo saber isto eacute agrave

filosofia no sentido mais geral do termo (2) No inqueacuterito diante das duas vias possiacuteveis uma tem

que ser evitada a saber aquela que pretende que os natildeo entes sejam (3) Que os natildeo entes sejam

nunca prevaleceraacute

O preceito da deusa se baseia numa distinccedilatildeo que se revela no (1) por um lado haacute uma

210

estrutura do mundo por assim dizer objetiva e por outro lado haacute uma compreensatildeo subjetiva

desta estrutura O mundo considerado enquanto objeto apresenta a estrutura que se revela na

oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo ser (3) O pensamento de inqueacuterito um ato do sujeito pode ou natildeo

refletir esta estrutura por isto se oferecem ao sujeito duas vias (2) Esta distinccedilatildeo parmenidiana

representa por um lado a ruptura do realismo ingecircnuo cognitivo e por outro lado a consciecircncia

de que a esta ruptura eacute necessaacuterio oferecer um reparo Posto que o mundo estaacute estritamente ligado

pelas correntes na necessidade (3) o pensamento que queira investigar o mundo ndash e que

inexoravelmente se encontra diante de duas possibilidades (2) a de seguir o caminhos com os

nexos soltos ou o caminho com os nexos estreitos ndash precisa seguir o caminho de nexos estreitos

(1) definido pelo preceito mantenha-se afastado da via onde prevalece que os natildeo entes sejam

Reaproximando estas palavras a uma linguagem mais familiar para noacutes podemos dizer natildeo

argumente (mantenha-se afastado da via) com a identidade entre natildeo ente e ente (onde prevalece

que os natildeo entes sejam) O preceito pode entatildeo ser generalizado desta forma no caminho de

inqueacuterito que acompanha a verdade o ente natildeo pode ser idecircntico ao natildeo ente Generalizando mais

ainda temos o Preceito da Deusa

em relaccedilatildeo ao argumento algo natildeo pode ser e natildeo ser

Note-se que este eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo parmenidiano no campo do pensamento

e portanto eacute um princiacutepio do pensar eacute um princiacutepio loacutegico Jaacute como vimos no primeiro paraacutegrafo

do capiacutetulo 2 o princiacutepio ontoloacutegico eacute o seguinte

natildeo ser eacute impossiacutevel

A estrutura cristalina do pensamento de Parmecircnides pode ser colhida somente se livrando das

camadas culturais poacutes-platocircnicas de forma que a tarefa de evidenciar esse nuacutecleo filosoacutefico se

torna muitas vezes difiacutecil e ateacute mesmo ingloacuteria Tome-se por exemplo o magniacutefico e virtuosiacutestico

211

trabalho de Scott Austin Being bounds and logic de 1986 O autor aceita que Parmecircnides introduz

o princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo mas sua anaacutelise se reversa inteiramente sobre a sintaxe e ele conclui

que Parmecircnides realizou a generalizaccedilatildeo deixando cair (dropping) os predicados253 assim seria

um caminho de contradiccedilatildeo sintaacutetica que gerou em Parmecircnides a reatividade agrave contradiccedilatildeo

fazendo-o afinal rejeitar as afirmaccedilotildees contraditoacuterias eacute e natildeo eacute Penso que a contradiccedilatildeo em

Parmecircnides natildeo seja uma questatildeo de ouvido pois a contradiccedilatildeo para o ouvido eacute a contradiccedilatildeo

comumente percebida bem antes de Parmecircnides na linguagem comum Penso que Parmecircnides eacute

bem consciente da questatildeo filosoacutefica da contradiccedilatildeo como aliaacutes vimos abundantemente neste

trabalho pelos seguintes temas apresentados no poema a psicologia da convicccedilatildeo o criteacuterio para

a verdade o conflito entre explicaccedilotildees diversas em relaccedilatildeo aos mesmos fenocircmenos em escala

ampla (desde ao menos seu mestre Xenoacutefanes) a reflexatildeo sobre o natildeo ser nitidamente e

253Um exemplo eacute reportado na paacutegina 33 ldquoIf a division is or generates a hole in being then there will be a place where

what-is is not continuous and soacute the sentence what-is here divided and is there not divided would have to be true

Similarly if what-is is bigger somewhere then it is smaller somewhere eles (as Parmenides clearly realizes in 46-

48) and so it is here bigger there not bigger would have to be true [hellip] I suggeste that Parmenides saw this as an

instance of something like contradiction and would claim that saying of what-is that it is bigger and not bigger

makes being be both Parmenides ears do not (for philosophical purposes at least) register here there contrast

He allows himself to be deaf because his logic focuses on the terms directly introduced by the copula to the

exclusion of the qualifiers somewhat in the manner of the logic of Platos Phaedo in which what is ontologically

suspect about entities like Simmias and Cebes (or what clues us into their ontological derivativeness) is that they

can be both taller and shorter never mind than whomrdquo

Uma criacutetica que eacute feita a este tipo de argumento eacute que esta reduccedilatildeo ndash onde aqui e ali satildeo abandonados restando

somente o ser como sendo maior e menor ndash eacute que para que a reduccedilatildeo aconteccedila eacute necessaacuterio que os adveacuterbios sejam

levados em conta para depois serem abandonados (Thom 1999 p 155) o que exclui que Parmecircnides seja surdo

a eles Mas o argumento principal a meu ver eacute a inversatildeo da linha de raciociacutenio isto eacute natildeo eacute pelo fato de que o

eon sendo maior aqui e menor ali seria maior e menor (excluindo os adveacuterbios que supostamente Parmecircnides natildeo

ouve) e portanto apresentaria uma contradiccedilatildeo ser e natildeo ser inaceitaacutevel mas eacute pelo fato de que o natildeo ser eacute

inaceitaacutevel que o eon natildeo pode ser maior e menor ou maior aqui e menor ali Estaacute mais do que claro no poema que

Parmecircnides exclui a induccedilatildeo (ou seja uma suposta observaccedilatildeo do eon como sendo maior e menor em cima da qual

ele elabora uma teoria particular para aquele fenocircmeno) e expotildee sua visatildeo do eon a partir do pressuposto da

exclusatildeo do natildeo ser exclusatildeo que explica a homogeneidade e portanto a impossibilidade do eon ser maior aqui ou

ali Esta inversatildeo eacute tanto mais notaacutevel quanto o fato de Austin atribuir a Parmecircnides uma surdez que o proacuteprio

Parmecircnides atribui aos mortais

212

magistralmente exposta no fragmento 2 e a elaboraccedilatildeo de um meacutetodo de pesquisa natildeo somente

utilizado por ele mas ateacute mesmo ensinado pela boca de uma deusa num poema didaacutetico Todo

este aparato natildeo se apoia apenas no ouvido mais ou menos deficiente de Parmecircnides mas num

autecircntico esforccedilo filosoacutefico aquele eterno esforccedilo humano de entender a si proacuteprio sua vida seu

mundo e o mundo de todos noacutes

Assim como Austin acusa Parmecircnides de ser surdo assim tambeacutem Jonathan Barnes o acusa

de ser cego254 Para o quecirc Parmecircnides seria cego Seria cego para a ambiguidade loacutegica de suas

foacutermulas linguiacutesticas De fato Barnes reconstroacutei os argumentos de Parmecircnides e depois de ter

montado passo a passo os vaacuterios argumentos se dedica a aprofundar o ldquocaminho da ignoracircnciardquo (o

caminho do natildeo ser que ele reconstroacutei utilizando os fragmentos 2 e o 6) Primeiro expotildee o caminho

em 15 passos e depois afirma que o 11ordm eacute falso eis suas palavras no The presocratic philosophers

ldquo(11) (ⱯX) (if X does not exist X cannot exist) [hellip] premiss (11) is false and obviously false Not

all nonentities are impossibilia many things might but do not existrdquo (p 157) Esta a interpretaccedilatildeo

de que algumas coisas embora natildeo existam poderiam existir natildeo estaacute dentro do horizonte

especulativo de Parmecircnides porque ele natildeo pensa em termos de essecircncia e existecircncia255 e ademais

recusa exatamente a possibilidade de que os natildeo entes venham a ser como reza o Preceito da Deusa

Se se interpreta a impossibilidade da existecircncia dos natildeo entes agrave luz do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo

254Diz Barnes ldquoParmenides I suggest was blind to the ambiguity of the sentence he used he supposed that he could

as it were take advantage in one and the same proposition both of the truth of (16) and of the logical implications

of (17) Parmenidesrsquo philosophy rests if I am right on an untruism it is some slight consolation that his was by no

means the last system to be built on such a sandy foundationrdquo (Barnes 1982 p 167) 255O tema da essecircncia e existecircncia em Parmecircnides eacute raramente tratado um dos raros artigos a respeito eacute de Austin

(2011) que mostra com pouca palavras que a questatildeo natildeo eacute tatildeo simples como pode parecer e que afinal o que

estaacute em jogo eacute a dinacircmica entre apresentaccedilatildeo e representaccedilatildeo do Ser (pace Heidegger diz Austin) assunto no qual

os preacute-socraacuteticos tecircm muito a contribuir

213

segundo a formulaccedilatildeo de Aristoacuteteles (ou ateacute mesmo de Platatildeo) entatildeo estariacuteamos diante de uma

falsidade Mas Parmecircnides adverte especificamente para se afastar do caminho onde prevalece que

os natildeo entes sejam Dizer que a proposiccedilatildeo (11) eacute uma falsidade significa trair o nuacutecleo da filosofia

parmenidiana significa desconsiderar o Preceito da Deusa e julgar o texto com os olhos platocircnicos

aristoteacutelicos ou ateacute mesmo contemporacircneos ou melhor ironia dos textos significa ver o mundo

como os mortais que Parmecircnides considera como cegos justamente ali onde Barnes restitui a

acusaccedilatildeo a Parmecircnides

Essa mesma situaccedilatildeo de natildeo aceitar ou desconsiderar os preceitos explicitados por

Parmecircnides levou muitos criacuteticos renomados e influentes a cometer imprecisotildees agraves vezes graves

na interpretaccedilatildeo do texto parmenidiano Tome-se em mais um exemplo Owen256 afora a inversatildeo

arbitraacuteria entre os modais de 23 e 25 (must no lugar de cannot em 23 e cannot no lugar de must

em 25 p 91 n 1) de ldquoconsequecircncias desastrosasrdquo257 haacute uma recusa de se aceitar as regras do

jogo definidas por Parmecircnides A recusa se expressa atribuindo a Parmecircnides um erro aquele de

afirmar que natildeo se pode falar do que natildeo existe Mas que o natildeo ser seja indiziacutevel eacute uma afirmaccedilatildeo

que quando analisada atentamente nem que seja apenas uma anaacutelise no plano etimoloacutegico levaria

agrave conclusatildeo que indiziacutevel e contraditoacuterio pertencem natildeo soacute ao mesmo campo semacircntico mas ateacute

mesmo ao mesmo campo etimoloacutegico para Parmecircnides natildeo ser (o que natildeo existe na versatildeo de

Owen) eacute contraditoacuterio Mas ao inveacutes de concluir que o natildeo ser eacute contraditoacuterio Owen conclui que

Parmecircnides estaacute errado ldquowhat is mistaken is his claim that we cannot talk of the non-existent We

256Owen (1960) 257Eacute a expressatildeo de OBrien em sua anaacutelise detalhada do artigo de Owen (OBrien 1987 p 187)

214

can of course mermaids for instancerdquo (p 94 n 1) Mais uma vez o Preceito da Deusa eacute

desconsiderado para aplicar a Parmecircnides a nossa visatildeo de possiacutevelimpossiacutevel contraditoacuterionatildeo-

contraditoacuterio

No comeccedilo do seacuteculo XX Burnet em oposiccedilatildeo a uma linha interpretativa anterior258 jaacute

falava de um meacutetodo rigoroso de argumentar presente no poema259 embora natildeo explicitava em que

consistia o meacutetodo e em que consistia o rigor sucessivamente Zafiropulo em 1950 fala de duas

principais contribuiccedilotildees uma das quais foi aquela de evidenciar as antinomias260 e Jameson em

1958 afirma que o poema potildee certos axiomas e traccedila suas implicaccedilotildees261 Todavia outras vozes

comeccedilaram a se levantar tentando reduzir a discussatildeo loacutegica e ontoloacutegica parmenidiana a uma

mera conscientizaccedilatildeo das regras da gramaacutetica grega Por exemplo Stannard em 1960 reclamando

da imprecisatildeo e obscuridade da linguagem dos criacuteticos afirma ldquoMy own feeling is that he

[Parmenides] was simply and intuitively following the syntactical structure of the only language

known to himrdquo262 Surgem nesta eacutepoca aquelas interpretaccedilotildees na linha da linguiacutestica agraves quais

258Por exemplo Gomperz em 1910 diz que o pensador desejoso de conhecimento (isto eacute Parmecircnides) se rebelava

contra a afirmaccedilatildeo de que as coisas satildeo e natildeo satildeo reduzindo uma eventual questatildeo de problematizaccedilatildeo loacutegica a

uma suposta ldquorazatildeo sadiardquo do pesquisador (ed italiana de 1963 p 259 ldquoContro una tale proposizione [as coisas

satildeo e natildeo satildeo nda] la sana ragione si rivoltograverdquo) 259Burnet 1920 sect 87 ldquoThe great novelty in the poem is the method of argument [hellip] This method Parmenides

carries out with utmost rigourrdquo 260Zafiropulo 1950 p 48 ldquoMais ce sont meacuterites intriacutensegraveques [hellip] qui rendent leacutecole dEacuteleacutee immortelle [hellip] quelle

avait la premiegravere mis em lumiegravere les antinomiesrdquo 261Jameson 1958 p 15 [O poema traz em uma das quatro sessotildees] ldquoA discussion of principles which lays down

certain axioms and traces their implications (B 23 6 7) rdquo 262Stannard 1960 p 530 Um exemplo da insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos criacuteticos estaacute nestas palavras (dirigidas a Vastos)

ldquoThus Vlastos assertion that Parmenides most important single contribution to the history of thought was his

projection of the logic of Being upon the alien world of Becoming would be hard to deny in the absence of

knowing what Vlastos considers the nature of logic to berdquo (p 527) O texto ao qual Stannard se refere estaacute em

Vlastos (1946 p 76)

215

segundo o testemunho de Charles Kahn263 se teve necessariamente que responder Uma obra

importante e influente desse ponto de vista foi a de Guido Calogero o qual na sua anaacutelise da

loacutegica parmenidiana depois de ter feito derivar as concepccedilotildees de Parmecircnides mais uma vez da

liacutengua grega (concepccedilotildees que natildeo poderiam surgir se ele falasse outro tipo de liacutengua) afirma ateacute

mesmo que ldquoA histoacuteria da loacutegica ocidental eacute neste sentido a histoacuteria dos esforccedilos com os quais o

pensamento lentamente de liberta da servidatildeo parmenidianardquo264 A criacutetica a este tipo de postura do

ponto de vista filosoacutefico eacute faacutecil antes de tudo explicar uma concepccedilatildeo filosoacutefica com uma

concepccedilatildeo linguiacutestica natildeo explica apenas desloca o problema da filosofia agrave linguiacutestica depois

obviamente uma explicaccedilatildeo linguiacutestica de tipo teacutecnico natildeo explica a questatildeo filosoacutefica evidenciada

pelo problema linguiacutestico e para entendecirc-la teriacuteamos que recair na filosofia de novo desta vez na

filosofia da linguiacutestica ou da linguagem com o resultado de ver voltar pela porta de traacutes o que

expulsamos pela porta da frente e o proacuteximo passo seria a explicaccedilatildeo da linguagem pelas estruturas

cognitivas e depois psicoloacutegicas e bioloacutegicas etc numa sequecircncia de reducionismo que vai

repropor inexoravelmente o mesmo problema filosoacutefico cada vez com uma roupagem diferente

Embora estudos como esses de Kahn e Calogero natildeo tenham ajudado muito na minha

opiniatildeo na compreensatildeo filosoacutefica de Parmecircnides ajudaram consideravelmente no

aprofundamento dos estudos filoloacutegicos e na melhor articulaccedilatildeo do texto do poema

Simultaneamente uma melhor compreensatildeo filosoacutefica veio mais propriamente da produccedilatildeo

263Kahn 2003 p Viii ldquoThus my original project was philological and hermeneutical However this project was altered

by my concern with the attacks on this concept from relativists and positivists who claimed that the metaphysics

of Being resulted simply from linguistic confusion or from the reification of local peculiarities of vocabularyrdquo 264Calogero 1967 p 153 ldquoLa storia della logica occidental egrave in questo senso la storia degli sforzi con cui il pensiero

lentamente si affranca dalla servitugrave parmenideardquo

216

filosoacutefica da primeira metade do seacuteculo XX refiro-me a pensadores como Nietzsche Bergson

Heidegger Sartre e outros numa onda de propostas que estimularam a busca de antigas referecircncias

para novas concepccedilotildees Os resultados foram os endereccedilos heideggerianos e mais genericamente

contemporacircneos no estudo da filosofia antiga mas tambeacutem os endereccedilos parmenidianos no

desenvolvimento da filosofia contemporacircnea como por exemplo um movimento chamado de neo-

parmenidismo italiano cujo primeiro representante Severino propotildee uma reflexatildeo sobre o devir

a partir de um artigo dos anos 60 Ritornare a Parmenide E ainda por outro lado os estudos de

Loacutegica encontraram um vigor jamais visto antes antes de tudo com os claacutessicos como Frege mas

depois na primeira metade do seacuteculo XX com grandes loacutegicos como Russell e Goumldel Todas estas

premissas redundaram num extraordinaacuterio desenvolvimento dos estudos preacute-socraacuteticos e mais

especificamente parmenidianos com grandes estudiosos muitos dos quais citados aqui neste

trabalho

Especificamente em relaccedilatildeo agrave loacutegica de Parmecircnides o desenvolvimento das assim chamadas

loacutegicas natildeo claacutessicas fez com que natildeo soacute a aporia eleaacutetica natildeo fosse mais desprezada descartada

ou desconsiderada como acontecia antes mas se tornasse emblema de uma maneira de ver o

mundo que se compraz ateacute mesmo em criar novos mundos265 Assim as loacutegicas atuais criam

mundos impossiacuteveis escherianos e aporeacuteticos e tecircm em Parmecircnides o seu xodoacute uma referecircncia

certa e certeira justamente naquela ambiguidade entre ser e devir entre mutaacutevel e imutaacutevel outrora

265Um panorama das muitas vertentes das loacutegicas natildeo claacutessicas (e de alguns dos debates entre elas) pode ser visto em

Teorie dellassurdo (Berto 2006) Nesse livro eacute possiacutevel constatar a importacircncia do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo

na loacutegica atual e sobretudo a importacircncia da noccedilatildeo de natildeo ser implicada em cada vertente Soacute para dar um exemplo

o livro mostra uma parte da discussatildeo a respeito da negaccedilatildeo dacostiana (aquela utilizada por Newton da Costa na

sua elaboraccedilatildeo de certos sistemas paraconsistentes) a qual natildeo eacute considerada por muitos como uma autecircntica

negaccedilatildeo (Veja-se o artigo nas pp 132-5)

217

causa de indignaccedilatildeo natildeo soacute entre os filoacutesofos mas entre os proacuteprios loacutegicos A esta criatividade da

loacutegica contemporacircnea deve se acrescentar que os estudos de histoacuteria da loacutegica tendem a

redimensionar a visatildeo aritotelico-cecircntrica da loacutegica antiga e claacutessica266 De fato os novos estudos

se propotildeem a elucidar as necessaacuterias premissas culturais a partir das quais Aristoacuteteles trabalhou

com ampla importacircncia dada a Parmecircnides e ao eleatismo como um todo267 Assim de um tempo

para caacute os estudos sobre Parmecircnides se multiplicam ao ponto de que natildeo bastam mais artigos para

tratar de aspectos especiacuteficos mas se recorre a textos mais longos livros porque o aprofundamento

e a articulaccedilatildeo continua requerendo cada vez mais espaccedilo principalmente quando se trata de textos

de inesgotaacutevel riqueza como o de Parmecircnides Assim ldquoParmenide e la negazione del tempordquo268

ldquoParmenide scienziato269rdquo ldquoDie Konzeption des noein bei Parmenides von Eleardquo270 e muitos

outros incluindo o presente trabalho que tambeacutem estuda um aspecto especiacutefico do poema

Na literatura atual parmenidiana mais geral jaacute se aceita (mas jaacute se aceitava antes como

vimos e ateacute mesmo Simpliacutecio jaacute aceitava271) que Parmecircnides fazia uso mais ou menos consciente

do princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo272 Na literatura atual ligada agrave loacutegica ou agrave histoacuteria da loacutegica poreacutem

266Bochenski 1961 Kneale 1962 267Para um panorama da problemaacutetica cfr Sardo (1985) e para algum desenvolvimento cfr Mason (2000) 268Pulpito (2005) 269Cordero et al (2008) 270Marcinkowska-Rosol (2010) 271Simpliacutecio In Physica 117 2-3 ldquoQue as proposiccedilotildees em contradiccedilatildeo natildeo sejam verdadeiras ao mesmo tempo ele o

diz com aquelas palavras com as quais censura aqueles que unem os opostosrdquo (ὅτι δὲ ἡ ἀντίφασις οὐ συναληθεύει

δι ἐκείνων λέγει τῶν ἐπῶν δι ὧν μέμφεται τοῖς εἰς ταὐτὸ συνάγουσι τὰ ἀντικείμενα) 272Num trabalho singular Imbraguglia acredita encontrar no poema dois inteiros sistema axiomaacuteticos No entanto ele

acha que a noccedilatildeo de contraditoriedade ainda natildeo estava inteiramente clara falando de certa sua suposiccedilatildeo a respeito

de algumas passagens do poema ele diz ldquoo fato que Parmecircnides pudera acreditar nisto [uma suposta contradiccedilatildeo

explicada anteriormente] demontra que a noccedilatildeo de contraditoriedade ainda natildeo era de todo clarardquo (ldquoil fatto che

Parmenide lo abbia potuto credere dimostra che la nozione di contraddittorietagrave non era stata ancora del tutto

chiaritardquo Imbraguglia 1974 p 151 n 73) Por estas palavras parece que a noccedilatildeo de contraditoriedade eacute uma uacutenica

e absoluta uma noccedilatildeo simplesmente a ser alcanccedilada coisa que Parmecircnides natildeo teria feito e que noacutes modernos

218

se aceita mais explicitamente e quase sem rodeios Veja-se esse exemplo o autor Paul Thom sem

maiores explicaccedilotildees afirma

The parmenidean formulations are

Never will this prevail that what is not is (B71 Barnes translation)

For neither is there anything which is not (B846 Barnes translation)273

Depois de uma raacutepida comparaccedilatildeo com as formulaccedilotildees de Platatildeo e de Aristoacuteteles afirma que

a foacutermula do princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo de Parmecircnides eacute esta (NC) Not (what-is-not is)274 Eu

natildeo acho que os loacutegicos tenham que ser menos concisos do que satildeo no entanto tenho fortes

duacutevidas de que um leitor natildeo versado no poema de Parmecircnides e na literatura que tenta interpretaacute-

lo a partir das ldquoexplicaccedilotildeesrdquo loacutegicas desse tipo tenha alguma chance de entender o que eacute para

Parmecircnides what-is-not e o que significa (what-is-not is) e porque tenha que ser negado Not (what-

is-not is) Simplificaccedilotildees similares acontecem na maioria dos estudos que compulsei e o hiato estaacute

afinal configurado de um lado temos os estudos de histoacuteria da filosofia antiga que se dedicam

principalmente agrave ontologia ou agrave epistemologia parmenidiana do ponto de vista do ser e de outro

lado temos os estudos de tipo mais analiacutetico ou os estudos dos loacutegicos que pecam no

aprofundamento da mensagem filosoacutefica do eleata

O trabalho aqui presente tentou se colocar nesse hiato mostrando com o instrumental da

histoacuteria da filosofia (e natildeo com o instrumental da loacutegica) que haacute uma clara consciecircncia em

fizemos Penso que a realidade histoacuterica e a filosoacutefica sejam diferentes As noccedilotildees satildeo histoacutericas e portanto

relativas a sua eacutepoca ademais do ponto de vista filosoacutefico a noccedilatildeo de contraditoriedade utilizada por Imbraguglia

eacute muito mais limitada do que aquela proposta por Parmecircnides 273Thom 1999 p 153 274ib p 154

219

Parmecircnides antes de tudo do problema inicial a distinccedilatildeo do discurso confiaacutevel do natildeo confiaacutevel

e depois do estabelecimento de um autecircntico meacutetodo filosoacutefico apoiado na rocha dura da ontologia

incontrovertiacutevel Da reflexatildeo cosmoloacutegica agrave elaboraccedilatildeo discussatildeo e aplicaccedilatildeo do meacutetodo tudo eacute

consciente em Parmecircnides incluindo-se aiacute a proacutepria palavra contradiccedilatildeo utilizada pela primeira

vez por ele e destinada a permanecer e que somente uma visatildeo aritstoteacutelico-cecircntrica impediu de

enxergar antes embora esteja claramente no poema em vaacuterias passagens por exemplo em οὔτε

φράσαις (DK B 28 natildeo diraacutes) ou entatildeo mais proacuteximo agrave nossa expressatildeo que eacute impessoal οὐ

φατὸν (DK B 88 natildeo diziacutevel)275

Assim o Preceito da Deusa desde o poema de Parmecircnides passando pelas primeiras

modificaccedilotildees platocircnicas e aristoteacutelicas chega ateacute nossos dias pelo lado loacutegico como objeto de

atenccedilatildeo das loacutegicas natildeo claacutessicas e pelo lado da ontologia como objeto da atual discussatildeo

filosoacutefica ateacute mesmo poacutes-moderna276

275Veja-se esta elaboraccedilatildeo de Berti ldquoPode-se dizer que a primeira apariccedilatildeo oficial da contradiccedilatildeo ndash embora ainda natildeo

chamada com seu nome ndash na histoacuteria da filosofia acontece entre o VI e o V seacuteculo ordf C no poema de Parmecircnides

O sentido mais oacutebvio da contraposiccedilatildeo entre as duas famosas vias [] eacute de fato aquele de uma oposiccedilatildeo entre

afirmaccedilatildeo (kataphasis) e negaccedilatildeo (apoacutephasis) isto eacute aquilo que depois seraacute chamada por Aristoacuteteles de

contradiccedilatildeo (antiacutephasis)rdquo Berti (1987 p 13) A linguagem aristoteacutelica eacute atribuiacuteda diretamente a Parmecircnides sem

que sequer Parmecircnides tenha oposto ou colocado em contradiccedilatildeo as duas vias 276Veja-se um panorama em Priest et alii 2004

220

6 CONCLUSAtildeO

Este estudo procurou evidenciar a noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides Embora a historiografia

poacutes-hegeliana tenha preferido se dedicar ao tema do ser Parmecircnides fala amplamente do natildeo ser

e utiliza amplamente a forma gramatical negativa e a argumentaccedilatildeo pela negaccedilatildeo No entanto a

noccedilatildeo de natildeo ser que pelos documentos que possuiacutemos resulta ser historicamente uma novidade

introduzida pelo eleata no pensamento ocidental uma autecircntica estreia natildeo podia ser fruto se natildeo

de uma reflexatildeo criativa dada a sua natureza semacircntica de natildeo se referir a nenhuma positividade

da realidade

A natureza reflexiva do saber preacute-parmenidiano natildeo estaacute documentada e apesar da cultura

difusa do ldquoΓνῶθι σαυτόνrdquo e do testemunho de Heraacuteclito do ldquoἐδιζησάμην ἐμεωυτόνrdquo (este

provavelmente posterior a Parmecircnides) o saber atribuiacutedo tanto aos mileacutesios quanto aos pitagoacutericos

eacute mais um saber voltado agrave compreensatildeo da realidade externa do que ao conhecimento do sujeito

O poema parmenidiano eacute o primeiro a apresentar uma preocupaccedilatildeo com o pensamento e com seu

papel no conhecimento da realidade mas os criacuteticos pouco se dedicaram a estudar natildeo o que

Parmecircnides diz do pensamento mas o que ele diz do pensar Para estabelecer uma geneacutetica miacutenima

da noccedilatildeo de natildeo ser era necessaacuterio verificar a preocupaccedilatildeo de Parmecircnides com o pensar de forma

a justificar ndash se os resultados o permitissem ndash um interesse pela atividade cognitiva concreta e pelo

seu funcionamento

Foi assim que como certos artesatildeos que inventam e constroem suas proacuteprias ferramentas

especiacuteficas para certas manufaturas especiacuteficas tivemos que investigar se e em que medida

Parmecircnides se dedicou ao estudo do pensar de forma a definir algumas noccedilotildees que pudessem

ajudar a entender natildeo soacute o natildeo ser dentro da ontologia parmenidiana mas principalmente o natildeo ser

221

como objeto especiacutefico das atenccedilotildees do eleata Empreendemos assim a verificaccedilatildeo ao longo da

letra do poema da presenccedila de noccedilotildees relacionadas ao comportamento da mente humana ou seja

a verificaccedilatildeo de noccedilotildees que revelassem o Parmecircnides psicoacutelogo Esclarecido o fato de que

buscaacutevamos o Parmecircnides psicoacutelogo no sentido moderno da palavra ndash possivelmente um psicoacutelogo

que chamariacuteamos de cognitivista e natildeo psicoacutelogo cliacutenico como o clichecirc cultural atual tende a

pensar ndash diferenciando-o do sentido tradicional de estudioso da alma (conceito ambiacuteguo

atualmente) passamos a estudar o poema exaustivamente Tambeacutem para este estudo tivemos que

construir uma nossa ferramenta especiacutefica que consistiu numa traduccedilatildeo especiacutefica do verbo noein

e de seus cognatos a traduccedilatildeo utilizada foi tomada da caracterizaccedilatildeo oferecida por Parmecircnides

uma dinacircmica da mente em sua atividade de conhecimento (DK B 22) que nos permitiu chegar a

uma terminologia esteticamente improacutepria para um poema de 25 seacuteculos de idade mas com um

potencial de esclarecimento muito grande para a nossa sensibilidade atual operaccedilotildees cognitivas

da mente Os resultados natildeo demoraram a aparecer e aleacutem da constataccedilatildeo de que Parmecircnides foi

um autecircntico e bom observador do comportamento da mente humana tanto individual quanto em

grupos sociais chegamos a um conceito essencial para o estudo do natildeo ser presente virtualmente

no poema pela presenccedila da recusa de seu oposto Parmecircnides diz que os mortais que nada sabem

natildeo tecircm os recursos (DK B 65 ἀμηχανίη singular no grego) afirmando virtualmente que o homem

saacutebio tem esses recursos ἡ μηχανή Graccedilas a esta noccedilatildeo foi possiacutevel estabelecer que a diferenccedila

entre os mortais que nada sabem e o homem saacutebio instruiacutedo pela deusa eacute um recurso do pensar

(natildeo do pensamento posto que o pensamento eacute o resultado do pensar) isto eacute de sua atividade

cognitiva O processo de varredura do poema em busca de noccedilotildees psicoloacutegicas foi interrompido

diante daquelas partes que requeriam a noccedilatildeo de natildeo ser uma noccedilatildeo ainda natildeo clara no capiacutetulo 1

e somente retomado e concluiacutedo no capiacutetulo 3 depois da posse daquela noccedilatildeo

222

A ausecircncia da μηχανή nos mortais e sua presenccedila no homem saacutebio geraram dois

correspondentes problemas 1) em que consiste esta deficiecircncia e 2) em que consiste o recurso A

deficiecircncia Parmecircnides nos diz consiste na confusatildeo entre ser e natildeo ser o recurso entatildeo

necessariamente tem que ser um instrumento que diferencie ser de natildeo ser Tratava-se portanto de

buscar uma definiccedilatildeo autocircnoma do natildeo ser que o distinguisse completamente da noccedilatildeo de ser Foi

o que fizemos na primeira parte do segundo capiacutetulo

A anaacutelise do fragmento 2 teve como referecircncia o modelo sintaacutetico (mas natildeo semacircntico) da

citaccedilatildeo feita por Platatildeo (Sofista) daquela que eacute por razotildees intrinsecamente filosoacuteficas e por razotildees

circunstanciais reveladas por Platatildeo a essecircncia da filosofia parmenidiana a oposiccedilatildeo radical entre

ser e natildeo ser Desta forma foi possiacutevel evitar a discussatildeo desde o iniacutecio da complicada e

problemaacutetica interpretaccedilatildeo do ἔστιν sem sujeito de DK B 23 pois o seu natildeo esclarecimento natildeo

comprometia a metodologia que seguimos posto que a referecircncia platocircnica relacionando ser e natildeo

ser garantia a possibilidade se obter a noccedilatildeo do ser (e portanto do ἔστι) a partir daquela de natildeo ser

O primeiro dado a emergir foi a discussatildeo feita por Parmecircnides a respeito da persuasatildeo Esta

persuasatildeo eacute um momento do ato cognitivo que se potildee entre o objeto e a sua apreensatildeo correta por

parte do sujeito em outras palavras Parmecircnides tinha consciecircncia de que eacute possiacutevel se convencer

e julgar verdadeiros tanto os discursos verdadeiros quanto os enganosos Assim a busca

parmenidiana devia verter sobre um tipo de recurso que fosse extra-mental um mecanismo de

controle dissociado da espontaneidade reflexiva do homem comum que pudesse escapar da

armadilha da persuasatildeo que faz considerar verdadeiro ateacute mesmo o que verdadeiro natildeo eacute Isto

comporta a recusa de algum comportamento mental espontacircneo em favor de um comportamento

mental corrigido artificialmente

A anaacutelise do fragmento 2 revelou que o comportamento mental a ser recusado eacute a noccedilatildeo de

223

natildeo ser como de algo de alguma forma existente O pensamento espontacircneo (o dos mortais)

considera o natildeo ser como algo que embora natildeo sendo o mesmo eacute o mesmo que o ser Parmecircnides

recusa que o natildeo ser tenha algum valor cognitivo e com surpreendente lucidez filosoacutefica afirma

que o natildeo ser eacute uma noccedilatildeo impossiacutevel (para as operaccedilotildees cognitivas) pois natildeo pode ser indicado

(οὔτε φράσαις) e natildeo pode ser pensado (οὔτε ἂν γνοίης) Com esta noccedilatildeo de impossibilidade do

natildeo ser se estabeleceu o princiacutepio ontoloacutegico de Parmecircnides o natildeo ser eacute impossiacutevel a partir da

reflexatildeo concreta da impossibilidade de negar o que existe A passagem da negaccedilatildeo da existecircncia

do ente individual para a negaccedilatildeo de todos os entes e afinal do ser enquanto todo interrompe a

discussatildeo sobre as funccedilotildees gramaticais (e linguiacutesticas) de einai e seus cognatos (como por

exemplo a diferenciaccedilatildeo entre sentido existencial predicativo veritativo e outros) posto que a

(tentativa da) negaccedilatildeo do todo anula as referecircncias linguiacutesticas e se coloca em territoacuterio

francamente filosoacutefico procurando refletir os pressupostos cognitivos (e portanto tambeacutem os

pressupostos da linguagem) que satildeo origem e natildeo consequecircncia das funccedilotildees linguiacutesticas Foi

assim identificada uma reflexatildeo genuinamente metafiacutesica a respeito dos limites e do aleacutem-limites

do pensar Parmecircnides estabelece o que eacute impossiacutevel de ser pensado (e dito) a esta impossibilidade

daacute o nome de natildeo ser

Estabelecida a noccedilatildeo de natildeo ser como uma virtualidade imaginada pelo pensar mas ao

mesmo tempo uma impossibilidade concreta do pensar chegamos antes de tudo agrave definiccedilatildeo da

noccedilatildeo de natildeo ser o natildeo ser eacute a impossibilidade de pensar e dizer logo eacute o que se opotildee agrave

possibilidade de dizer (e pensar) o natildeo ser eacute contra o dizer (e pensar) o natildeo ser eacute contra-dictoacuterio

(do latim dico) eacute contraditoacuterio Por este motivo por ser contraditoacuterio o segundo caminho (DK B

25) deve ser evitado O outro uacutenico caminho eacute aquele que recusa a contradiccedilatildeo do natildeo ser e que

deve ser seguido eacute aquele que Parmecircnides chama de caminho da persuasatildeo que acompanha a

224

verdade assim formulado eacute e eacute impossiacutevel que seja contradiccedilatildeo este caminho que se afasta do

outro do caminho do natildeo eacute e que eacute necessaacuterio que seja natildeo ser uma necessidade que identifica

aquela virtualidade da qual se manter afastados

Com as duas noccedilotildees de natildeo ser e ser jaacute esclarecidas no paraacutegrafo seguinte passamos a

examinar a discussatildeo que Parmecircnides faz a respeito dessas noccedilotildees Enquanto no fragmento 2 a

deusa explica questotildees relativas agrave formas impossiacuteveis e natildeo impossiacuteveis de pensar nos fragmentos

6 e 7 ela discute a posiccedilatildeo comum e sua origem numa confusatildeo cognitiva perpetrada pelos haacutebitos

culturais Por isso para que o disciacutepulo natildeo seja levado a pensar como os mortais ela oferece seu

preceito que chamamos de Preceito da Deusa onde afirma que eacute preciso se manter afastados da

concepccedilatildeo que faz com que os natildeo entes sejam O disciacutepulo deve negar que o natildeo ser eacute pois

somente o ser eacute e afinal como sintetizamos no paraacutegrafo anterior em relaccedilatildeo ao argumento algo

natildeo pode ser e natildeo ser Este princiacutepio eacute o primeiro modelo historicamente identificaacutevel daquele

que viraacute a ser conhecido como princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo Para diferenciaacute-lo dos princiacutepios

platocircnicos e aristoteacutelico e os demais que a moderna loacutegica nos traz o chamamos de Preceito da

Deusa tentando manter assim algo de sua caracteriacutestica originaacuteria a mitologia terreno sobre o

qual nasceu o assim chamado pensamento racional

No terceiro paraacutegrafo vimos o Preceito da Deusa em accedilatildeo e nos limitamos exatamente agrave sua

accedilatildeo sem entrar na discussatildeo ontoloacutegica e cosmoloacutegica que a proposta parmenidiana traz

Descobrimos assim que o Preceito da Deusa eacute a ferramenta principal a partir da qual Parmecircnides

forma uma imagem de mundo uacutenica na histoacuteria do pensamento ocidental aparentemente defendida

por Zenatildeo mas pelo que se sabe seguida apenas por Melisso Do ponto de vista loacutegico o Preceito

da Deusa a μηχανή capaz de garantir a persuasatildeo verdadeira natildeo conseguiu explicar as opiniotildees

dos mortais como o proacuteprio Parmecircnides admite e alerta Mas forte em seu meacutetodo Parmecircnides

225

natildeo abre matildeo do Preceito e prefere manter separados os dois discursos o verdadeiro presidido

pelo Preceito da Deusa e o discurso de ordem enganadora natildeo presidido pelo Preceito da Deusa

deixando em aberto com admiraacutevel honestidade intelectual uma eventual unificaccedilatildeo destes dois

mundos

Jaacute no terceiro capiacutetulo revimos os resultados obtidos tanto na noccedilatildeo de natildeo ser quanto a

respeito do preceito da Deusa Constatamos que a aporia eleaacutetica reportada como exemplo

negativo pelos doxoacutegrafos que comentavam Aristoacuteteles readquiriu focirclego modernamente

exatamente na medida em que a filosofia aristoteacutelica vai perdendo sua centralidade na filosofia jaacute

com Hegel que considera Parmecircnides o primeiro e verdadeiro filoacutesofo e mais recentemente na

ontologia colocando novamente em discussatildeo a possibilidade de um tracircnsito entre o ser e o nada

tracircnsito negado por Parmecircnides mas resgatado primeiro por Platatildeo e depois por Aristoacuteteles e na

loacutegica onde o Preceito da Deusa readquiriu forccedila exatamente com aquelas loacutegicas natildeo-claacutessicas

que passaram a trabalhar sem o predomiacutenio da loacutegica aristoteacutelica e de seu princiacutepio de natildeo-

contradiccedilatildeo

Dentro deste debate atual se situa o presente trabalho que procurou esclarecer ou ao menos

esclarecer um pouco mais as noccedilotildees de natildeo ser e sua hipoacutestase virtual o nada a partir dos quais

pode se entender um pouco mais claramente o Preceito da Deusa referecircncia do pensar no eleatismo

Assim o autor espera ter contribuiacutedo por um lado a este debate atual e por outro lado no campo

mais propriamente da histoacuteria da filosofia antiga ao esclarecimento da para noacutes singular maneira

de pensar dos preacute-socraacuteticos

226

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  • O preceito da Deusa 13O natildeo ser como contradiccedilatildeoem Parmecircnides de Eleacuteia
    • AGRADECIMENTOS
    • RESUMO
    • ABSTRACT
    • SUMAacuteRIO
    • 1 APRESENTACcedilAtildeO
    • 2 INTRODUCcedilAtildeO Agrave NOCcedilAtildeO DE NAtildeO SER
      • 21 Introduccedilatildeo geral agrave temaacutetica
      • 23 Apresentaccedilatildeo da temaacutetica e justificaccedilatildeo da metodologia
      • 24 O testemunho de Platatildeo
        • 3 PARMEcircNIDES PSICOacuteLOGO ndash PRIMEIRA PARTE
          • 31 Introduccedilatildeo geral
          • 32 Parmecircnides psicoacutelogo (primeira parte)
            • 321 O fragmento 1
            • 322 O fragmento 2
            • 323 O fragmento 3
            • 324 O fragmento 4
            • 325 O fragmento 6
            • 326 O fragmento 7
              • 3261 Generalidades
                  • 33 Resumo e conclusatildeo da primeira parte
                    • 4 O MEacuteTODO
                      • 41 Introduccedilatildeo
                      • 42 A exposiccedilatildeo do meacutetodo o natildeo ser em parmecircnides
                        • 421 Anaacutelise do fragmento DK 2
                        • 422 O anuacutencio da deusa versos 1-2 εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι
                        • 423 O primeiro caminho versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)
                        • 424 Os versos 5 a 8 ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι
                        • 425 τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν
                        • 426 οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)
                        • 427 οὔτε φράσαις
                        • 428 De volta aos versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι
                        • 429 Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)
                        • 4210 Conclusatildeo
                          • 43 A discussatildeo do meacutetodo
                            • 431 Fragmento 6
                            • 432 Os versos 64 πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltgt
                            • 433 αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς
                            • 434 O fragmento 7 Os versos 1 e 2
                              • 44 A aplicaccedilatildeo do meacutetodo
                                • 441 Ἐὸν eacute ingecircnito e impereciacutevel
                                • 442 Intermezzo O natildeo ser na experiecircncia do devir
                                    • 5 O PRECEITO DA DEUSA
                                      • 51 O natildeo ser em Parmecircnides
                                        • 511 O ser os seres
                                        • 512 Ouk esti
                                          • 52 Parmenides psicoacutelogo (segunda parte)
                                            • 521 O fragmento DK 8
                                            • 522 O fragmento DK 4
                                            • 523 O fragmento 16
                                            • 524 Conclusatildeo
                                              • 53 O preceito da deusa
                                                • 6 CONCLUSAtildeO
                                                • 7 REFEREcircNCIAS
Page 3: O preceito da Deusa · Mário Ferreira dos Santos "A sabedoria do ser e do nada" 8 RESUMO GALGANO, N. S. O preceito da Deusa: O não ser como contradição em Parmnides de Eléia

3

Ao Tomaz Toledo

4

AGRADECIMENTOS

Este trabalho eacute o resultado de um longo percurso que seguiu por todo tipo de configuraccedilatildeo

houve partes retas e tortuosas em descida e em subida planas e cheias de obstaacuteculos ele foi

possiacutevel graccedilas a mas tambeacutem apesar de A maioria dos obstaacuteculos natildeo poderia ter sido superada

sem a colaboraccedilatildeo de muitas pessoas que aqui quero agradecer

Agradeccedilo antes de tudo ao meu orientador o prof Roberto Bolzani Filho por ter acreditado

neste projeto e ter proporcionado as condiccedilotildees institucionais para que se realizasse

Agradeccedilo agraves instituiccedilotildees que me abrigaram materialmente agradeccedilo agrave USP e agrave FFLCH

cujas estruturas foram amigaacuteveis e cujos funcionaacuterios foram amigos e colaboraram com simpatia

principalmente a equipe da secretaria da FFLCH Geni Ferreira Lima Luciana Bezerra Noacutebrega

Maria Helena Barboza e Marie Maacutercia Pedrozo

Agradeccedilo agrave CAPES que com suas bolsas aquela propriamente de doutorado e aquela de

pesquisa no exterior me proporcionou as condiccedilotildees financeiras para o meu sustento no Brasil e no

Canadaacute quando ali passei um ano na Universidade de Toronto (UofT) Gostaria de registrar

tambeacutem a extrema simpatia e gentileza de seus funcionaacuterios que sempre me trataram bem e

cuidaram de que tudo ocorresse bem assim como de fato ocorreu

Os agradecimentos acadecircmicos satildeo inumeraacuteveis Antes de tudo aos meus orientadores

oficiais o prof Roberto Bolzani Filho e o prof Thomas M Robinson que me acompanharam

intelectualmente cada um a seu modo Eacute difiacutecil descrever o que representaram para mim associo

o prof Bolzani mais agrave liberdade de jorrar salvo depois passar pelo crivo criacutetico e o prof Robinson

mais a passar pelo crivo criacutetico salvo depois se permitir a liberdade das afirmaccedilotildees ousadas Com

ambos senti a felicidade da pesquisa

5

Depois ainda em acircmbito acadecircmico agradeccedilo agraves muitas pessoas que ofereceram sugestotildees

e me aconselharam tanto pessoalmente quanto por correspondecircncia Em primeiro lugar ao prof

Livio Rossetti da Universidade de Perugia que sempre me estimulou com sua amizade singeleza

e criatividade e mais do que isto sempre me contagiou com seu entusiasmo para com os preacute-

socraacuteticos grazie Livio Agradeccedilo tambeacutem ao prof Neacutestor Luis Cordero da Universidade de

Rennes estudioso pertinaz e insubstituiacutevel provavelmente o atual maior conhecedor de

Parmecircnides no mundo que sempre atendeu agrave minhas duacutevidas com clareza e generosidade

admiraacuteveis

Agradeccedilo agrave professora Eliane Christina de Souza pelas sugestotildees e pelo primeiro seminaacuterio

brasileiro sobre o natildeo ser realizado na UFSCar de proporccedilotildees ainda limitadas mas que espero

possa crescer Agradeccedilo aos professores Alberto Bernabeacute Beatriz Bossi e Graciela Marcos que

tambeacutem atenderam a certas minhas questotildees parmenidianas

Na esfera afetiva haacute muitas pessoas agraves quais eu agradeccedilo

Agradeccedilo antes de tudo agrave professora Maria Carolina Alves dos Santos amiga querida que

acompanhou todo este meu percurso os altos e os baixos apesar de morarmos em cidades

diferentes e eacute testemunha da difiacutecil alquimia pessoal pela qual eu passei que subjaz agrave conduccedilatildeo

da pesquisa filosoacutefica posto que o laboratoacuterio do pesquisador estaacute instalado em sua proacutepria mente

A ela agradeccedilo as conversas as aulas compartilhadas e o excelente seminaacuterio que foi realizado na

Universidade Federal de Mariacutelia onde o seu Platatildeo e o meu Parmecircnides se encontraram e

disputaram entre ser e natildeo ser

Agradeccedilo aos colegas Henrique de Paula Marcello Fontes e Sheila Paulino com os quais

compartilhei os momentos de alegria e de tensatildeo das festas e das discussotildees das perspectivas

acadecircmicas e de vida das duacutevidas decepccedilotildees esperanccedilas e satisfaccedilotildees e toda a paleta intelectual

6

afetiva e emocional que se vivencia com os amigos

Agradeccedilo agrave Patriacutecia que me abrigou e me abriga e gosta de compartilhar comigo o

espairecer necessaacuterio agraves nossas cansativas tarefas

Agradeccedilo aos meus filhos Giovanni que esteve trabalhando longe com o qual discutimos

muitas coisas do mundo e do universo Paula e Aureacutelia que estiveram sempre perto e presentes e

mais do que ningueacutem me ajudaram neste percurso em todos os sentidos todos Para elas natildeo haacute

palavras suficientes

Agradeccedilo por fim as ondas inspiradoras das praias solitaacuterias de Ilha Comprida o mar de

verde da minha moradia em Itu e o frio severo do Canadaacute fascinante ao menos para mim

7

Quando pensamos no nada absoluto natildeo realizamos

o nada nem tampouco a ideacuteia do nada porque a uacutenica

que podemos construir eacute por exclusatildeo das coisas

conhecidas e positivas eacute pela exclusatildeo total de toda

positividade por recusa sem a positividade natildeo

poderiacuteamos conceber o nada Soacute o concebemos por

oposiccedilatildeo ou seja por negaccedilatildeo do positivo pela

negaccedilatildeo da presenccedila pela recusa da presenccedila

Maacuterio Ferreira dos Santos

A sabedoria do ser e do nada

8

RESUMO

GALGANO N S O preceito da Deusa O natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleacuteia

2015 239 p Tese (Doutorado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Departamento

de Filosofia Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2015

O presente trabalho eacute um estudo da noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides Este estudo se propotildee a

preencher uma falta que ao longo do seacuteculo XX e agora no XXI foi se tornando cada vez maior

na medida em que crescia o interesse por essa noccedilatildeo extraordinaacuteria que pertence ao universo da

loacutegica e da ontologia antigas e da nossa atualidade Para evidenciar essa noccedilatildeo o trabalho deixou

de lado os demais aspectos do poema principalmente o estatuto do ser e se restringiu agrave anaacutelise da

noccedilatildeo de natildeo ser Para tanto foi desenvolvida uma metodologia que pudesse tornar claros tanto o

problema inicial parmenidiano quanto a soluccedilatildeo que ele propotildee Descobriu-se entatildeo uma

habilidade especiacutefica de Parmecircnides em observar o comportamento da mente humana com isto o

estudo esclareceu o papel do meacutetodo de Parmecircnides para compensar a amechanie (falta de

recursos) do homem comum na compreensatildeo do mundo Ele identifica o natildeo ser como objeto

virtual que enganosamente confunde aquele que se potildee no caminho da pesquisa pois para

Parmecircnides o natildeo ser eacute impossiacutevel Com a noccedilatildeo desta impossibilidade ele determina discute e

aplica o meacutetodo que garante a persuasatildeo verdadeira um autecircntico princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo

mas diferente daquele de Aristoacuteteles A este princiacutepio enunciado pela thea para distingui-lo daquele

do Estagirita o autor daacute o nome de Preceito da Deusa

Palavras-chave Parmenides natildeo-ser eleatismo natildeo-contradiccedilatildeo ontologia loacutegica

9

ABSTRACT

GALGANO N S The precept of the Goddess non-being as contradiction in Parmenides of

Elea 2015 239 p Thesis (Doctoral) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Departamento de Filosofia Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2015

The present work is an inquiry into the notion of non-being in Parmenides The study has the

purpose of filling a lack that increased along the XX century and now in the XXI according to the

growth of concern about this extraordinary notion which belongs to the universe of ancient and

modern logic and ontology With the aim of making this notion evident the work put aside the

other aspects of the poem mainly the statute of being and was restricted to the analysis of the

notion of non-being For this reason a methodology was developed that could make clear both the

initial parmenidian problem and the solution that he offers A specific ability was discovered that

of Parmenides as observer of the human mind with this the study made clear the role of

Parmenidesrsquo method to compensate the amechanie (lack of resource) of the common man in

understanding the world He identifies the non-being as a virtual object that deceptively confounds

that who takes the way of inquiry because to Parmenides non-being is impossible With the notion

of this impossibility he determines discusses and applies the method that certifies the true

persuasion an authentic principle of non-contradiction albeit different of that of Aristotle To this

principle enunciated by the thea to distinguish it from that of Stagirite the author gives the name

of Precept of the Goddess

Keywords Parmenides non-being eleaticism non-contradiction ontology logic

10

SUMAacuteRIO

1 APRESENTACcedilAtildeO 13

2 INTRODUCcedilAtildeO Agrave NOCcedilAtildeO DE NAtildeO SER 19

21 Introduccedilatildeo geral agrave temaacutetica 19

22 Justificaccedilatildeo da pesquisa dentro do panorama dos estudos de histoacuteria da filosofia na

atualidade 22

23 Apresentaccedilatildeo da temaacutetica e justificaccedilatildeo da metodologia 27

24 O testemunho de Platatildeo 30

3 PARMEcircNIDES PSICOacuteLOGO ndash PRIMEIRA PARTE 37

31 Introduccedilatildeo geral 37

32 Parmecircnides psicoacutelogo (primeira parte) 40

321 O fragmento 1 41

322 O fragmento 2 51

323 O fragmento 3 61

324 O fragmento 4 66

325 O fragmento 6 66

326 O fragmento 7 81

33 Resumo e conclusatildeo da primeira parte 92

11

4 O MEacuteTODO 95

41 Introduccedilatildeo 95

42 A exposiccedilatildeo do meacutetodo o natildeo ser em parmecircnides 97

421 Anaacutelise do fragmento DK 2 97

422 O anuacutencio da deusa versos 1-2 εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον

ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι 98

423 O primeiro caminho versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ

εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) 101

424 Os versos 5 a 8 ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι 118

425 τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν 118

426 οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν) 118

427 οὔτε φράσαις 118

428 De volta aos versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι 129

429 Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) 129

4210 Conclusatildeo 136

43 A discussatildeo do meacutetodo 140

431 Fragmento 6 141

432 Os versos 64 πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltgt 144

433 αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς 144

12

434 O fragmento 7 Os versos 1 e 2 146

44 A aplicaccedilatildeo do meacutetodo 149

441 Ἐὸν eacute ingecircnito e impereciacutevel 154

442 Intermezzo O natildeo ser na experiecircncia do devir 156

5 O PRECEITO DA DEUSA 170

51 O natildeo ser em Parmecircnides 170

511 O ser os seres 180

512 Ouk esti 184

52 Parmenides psicoacutelogo (segunda parte) 189

521 O fragmento DK 8 189

522 O fragmento DK 4 201

523 O fragmento 16 205

524 Conclusatildeo 208

53 O preceito da deusa 208

6 CONCLUSAtildeO 220

7 REFEREcircNCIAS 226

13

1 APRESENTACcedilAtildeO

O estudo apresentado nas paacuteginas a seguir trata de um tema especiacutefico entre os muitos

presentes no poema de Parmecircnides o natildeo ser Os motivos para este recorte satildeo dois o primeiro eacute

a necessidade atual no debate contemporacircneo de uma revisatildeo dos mais variados pressupostos que

sustentam e compotildeem a nossa visatildeo de mundo ndash que podemos chamar genericamente de

newtoniana ndash onde imergida em espaccedilo e tempo homogecircneos se encontra uma realidade em

constante devir esta visatildeo parece natildeo ser mais suficiente e ademais eacute questionada desde o seacuteculo

XIX pela filosofia e ao menos desde o seacuteculo XX pela ciecircncia mais avanccedilada Hoje espaccedilo e tempo

natildeo satildeo mais tidos como um receptaacuteculo neutro do mundo alguns tradicionais instrumentos

cognitivos humanos como a relaccedilatildeo causa-efeito e o princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo parecem natildeo

atuar de forma absoluta como se acreditava e finalmente a projeccedilatildeo para o futuro das dinacircmicas

do mundo segundo nossos atuais conhecimentos ndash e portanto uma ideia de rumo para a

humanidade ndash natildeo tem cenaacuterios confortaacuteveis principalmente porque a equivocidade a

instabilidade e ateacute mesmo a confusatildeo das noccedilotildees que utilizamos para ver o mundo natildeo permitem

um foco mais preciso

Em busca de novos caminhos de compreensatildeo jaacute na primeira metade do seacuteculo XX tanto

a ciecircncia como a filosofia se voltaram ao passado na esperanccedila de encontrar no patrimocircnio cultural

ocidental alguma ideia ou algum gancho que pudesse ajudar nessa busca Assim pensadores tatildeo

diferentes como Heidegger e Popper se dedicaram agrave interpretaccedilatildeo de Parmecircnides e o trataram como

par entre pares como colega como atualmente presente no debate contemporacircneo como filoacutesofo

14

vivo1 Parmecircnides natildeo eacute o uacutenico que recebeu tratamento similar outros preacute-socraacuteticos foram

chamados em causa e a razatildeo parece ser uma soacute suas ideias natildeo passaram pelos filtros platocircnico e

aristoteacutelico sendo menos comprometidas com a visatildeo cultural ocidental predominante e por isto

sugestivas de outras visotildees e outras posturas de compreensatildeo Mas Parmecircnides recebeu um

tratamento especial principalmente porque foi autor de um problema ainda hoje insoluacutevel a assim

chamada aporia eleaacutetica Ele e alguns de seus seguidores principalmente Melisso que radicalizou

as ideias parmenidianas satildeo responsaacuteveis por uma visatildeo de mundo anti-intuitiva que rejeita o devir

assim como geralmente o entendemos abrindo um abismo na noccedilatildeo de realidade seja aquela

cotidiana do homem simples seja aquela cientiacutefica do homem saacutebio Todavia a aporia eleaacutetica eacute

aporeacutetica nas conclusotildees mas natildeo nas premissas as quais restam firmes e coerentes para qualquer

um que se disponha a analisaacute-las isto eacute Parmecircnides tinha laacute suas razotildees assim agraves vezes tratado

como gecircnio e outras como banalmente iloacutegico o eleata continua representando um desafio seacuterio

aos pesquisadores de ciecircncia e de filosofia

A aporia eleaacutetica se revela imediatamente na oposiccedilatildeo absoluta entre o que eacute absolutamente

afirmado e o que eacute absolutamente negado Na foacutermula mais conhecida a oposiccedilatildeo eacute estabelecida

entre ser e natildeo ser mas tal oposiccedilatildeo possui esta caracteriacutestica se o natildeo ser eacute nada o ser natildeo tem

nada a que se opor e a oposiccedilatildeo cai para que subsista o natildeo ser deve ser algo mas se o natildeo ser eacute

algo o ser se oporia a algo isto eacute ao ser e neste caso tambeacutem a oposiccedilatildeo cai enfim se a oposiccedilatildeo

entre ser e natildeo ser eacute eliminada nos vemos obrigados a dizer que ser e natildeo ser satildeo a mesma coisa

1 Heidegger 1998 Popper 2014

15

com consequecircncias ainda mais absurdas O principal responsaacutevel da articulaccedilatildeo da aporia aquele

que natildeo se deixa capturar e que escapule de nossas garras racionais eacute o natildeo ser Desde Goacutergias e

Platatildeo o natildeo ser eacute uma noccedilatildeo das mais aporeacuteticas e como um Midas negativo tudo que ele toca se

torna difiacutecil mas dele o pensamento contemporacircneo natildeo consegue mais prescindir e como outras

noccedilotildees que sofreram outrora o mesmo destino de rejeiccedilatildeo estaacute sendo mais uma vez acolhido

estudado e repensado Por um lado a fiacutesica atual pretende que pares de partiacuteculas subatocircmicas

tenham origem no nada e por outro lado o natildeo ser passa a ser menos absoluto em loacutegicas

paraconsistentes e paracompletas Tanto no mundo sensiacutevel da fiacutesica quanto no mundo inteligiacutevel

da loacutegica o natildeo ser tambeacutem chamado de nada se alberga silenciosamente exigindo meditaccedilotildees

sobre seu papel e sua ldquoexistecircnciardquo isto eacute sobre seu status

O peso da filosofia parmenidiana foi sentido como jaacute dissemos pela cultura

contemporacircnea mas justamente os dois pensadores dos quais falamos Heidegger e Popper embora

tenham captado a dimensatildeo do recado de Parmecircnides ateacute mesmo mais do que muitos historiadores

da filosofia antiga satildeo conhecidos entre os estudiosos por ter produzido interpretaccedilotildees entre as

mais arbitraacuterias tanto do texto do poema quanto mais propriamente de sua filosofia A aparente

contradiccedilatildeo se resolve facilmente Popper e Heiddeger captaram a dimensatildeo filosoacutefica de

Parmecircnides e a aproveitaram para suas proacuteprias meditaccedilotildees mas a dimensatildeo filosoacutefica eacute apenas

um sinal da filosofia a qual para ser reconstruiacuteda e esclarecida sobre a base segura da exegese do

fragmentaacuterio texto parmenidiano requer tantas providecircncias metodoloacutegicas e uma atenccedilatildeo tatildeo

grande que o poema ainda eacute considerado um quebra-cabeccedilas pois apesar dos esforccedilos dos

estudiosos ao longo de mais de 150 anos ainda natildeo se conseguiu chegar a uma unanimidade de

interpretaccedilatildeo O problema dos fragmentos que sobreviveram os problemas paleograacuteficos de

16

traduccedilatildeo de coerecircncia interna e de compreensatildeo filosoacutefica fazem com que o poema seja estudado

hoje palavra por palavra com obstinaccedilatildeo surpreendente causando polecircmicas interpretativas a cada

passo a cada conjunccedilatildeo e a cada interpunccedilatildeo

No aspecto filosoacutefico um dos misteacuterios do poema estaacute na noccedilatildeo de natildeo ser Este aspecto

poreacutem natildeo depende precipuamente do estado do texto ou da exegese das palavras e de suas noccedilotildees

implicadas o natildeo ser foi problemaacutetico desde os exoacuterdios de divulgaccedilatildeo do poema quando estes

problemas textuais natildeo estavam presentes Vecirc-se isto claramente em Melisso que acaba rejeitando

qualquer devir em Goacutergias2 que escreve um texto tatildeo absurdo e ao mesmo tempo rigoroso que

ateacute hoje natildeo se sabe se ele estava falando seriamente ou apenas fazendo uma paroacutedia de

Parmecircnides e em Platatildeo que discute o natildeo ser no diaacutelogo O sofista A proposta de Parmecircnides eacute

escandalosa aparentemente implica o mundo imoacutevel de Melisso a equaccedilatildeo entre ser e natildeo ser de

Goacutergias e afinal o nonsense detectado por Platatildeo o qual natildeo acha soluccedilatildeo melhor de que eliminaacute-

lo atribuindo-lhe outra identidade um natildeo ser relativo no lugar daquele absoluto

A tradiccedilatildeo da histoacuteria da filosofia moderna de Hegel em diante privilegiou a noccedilatildeo de ser

e eacute para esta noccedilatildeo que se dirigiram os estudiosos ateacute aproximadamente a primeira metade do

seacuteculo XX De laacute para caacute do conteuacutedo do poema foram acentuados os aspectos metodoloacutegicos

epistemoloacutegicos e cada vez mais os cientiacuteficos Timidamente o natildeo ser comeccedilou a ganhar espaccedilo

e a representar uma etapa importante da meditaccedilatildeo filosoacutefica parmenidiana Nos anos 60 uma

preconizada volta a Parmecircnides foi surgindo a partir da questatildeo da impossibilidade de uma

2 Goacutergias Do natildeo ser ou da natureza (Περὶ τοῦ μὴ ὄντος ἢ περὶ φύσεως)

17

intermediaccedilatildeo entre ser e natildeo ser intermediaccedilatildeo rejeitada por Parmecircnides e reestabelecida

principalmente por Aristoacuteteles com sua teoria de mateacuteria e forma ato e potecircncia Nos anos 70 eacute

publicado o primeiro texto dedicado ao natildeo ser de Parmecircnides Il primato del nulla e le origini

della metafiacutesica de Alberto Colombo (1972) fortemente comprometido com uma liguagem

metafiacutesica tradicional onde o tratamento do natildeo ser eacute desenvolvido dentro de um discurso

filosoacutefico amplo e com anaacutelises eu penso de grande qualidade dentro daquela linguagem De outro

lado o natildeo ser foi bastante estudado principalmente pela assim chamada escola analiacutetica de

filosofia Entretanto os vaacuterios estudiosos pertencentes a esta corrente quase sempre se

movimentaram dentro de uma moldura conceitual pre-estabelecida normalmente de loacutegica onde

o natildeo ser e suas noccedilotildees correlatas ndash negaccedilatildeo dupla negaccedilatildeo nada etc ndash tinham um lugar cativo

entre os axiomas grosso modo procurava-se afinal entender o natildeo ser numa funccedilatildeo linguiacutestica

ou meta-linguiacutestica basicamente como operador loacutegico de negaccedilatildeo Por isso o natildeo ser como noccedilatildeo

filosoacutefica acabou sendo tido em consideraccedilatildeo menor e os estudos analiacuteticos de filosofia antiga natildeo

conseguiram penetrar no mundo anti-intuitivo do natildeo ser O mesmo natildeo pode ser dito dos estudos

de loacutegica os quais sem temor se aventuraram e continuam se aventurando por mundos estranhos

e aterradores no entanto o natildeo ser elaborado pela loacutegica natildeo pode natildeo passar pelo crivo do

aprofundamento filosoacutefico sob pena de permanecer apenas um operador loacutegico sem maiores

consequecircncias Chegando no terreno da filosofia mesmo o natildeo ser elaborado pela loacutegica natildeo pode

natildeo passar pelo crivo parmenidiano

O presente trabalho procura suprir a este anseio de uma pesquisa detida e pormenorizada

do tema do natildeo ser em Parmecircnides para aleacutem da moldura linguiacutestica abordando francamente a

questatildeo filosoacutefica mas sempre dentro do contexto do poema e de suas circunstacircncias histoacutericas

18

Ademais esse estudo eacute realizado sem a necessidade de entrar no restante da problemaacutetica

parmenidiana principalmente a questatildeo do ser e o seu status (suas caracteriacutesticas) no mundo

parmenidiano Para tanto foram tomadas algumas providecircncias metodoloacutegicas que permitissem

por quanto possiacutevel isolar a noccedilatildeo de natildeo ser sem contudo privaacute-la da vitalidade que percorre todo

o poema A primeira delas foi a identificaccedilatildeo das possiacuteveis observaccedilotildees que levaram Parmecircnides a

se interessar pelo assunto Foi assim identificado um Parmecircnides observador do comportamento

da mente humana que refletiu ateacute as uacuteltimas consequecircncias quais as implicaccedilotildees da negaccedilatildeo da

totalidade das coisas A segunda providecircncia foi identificar qual o pressuposto filosoacutefico que

Parmecircnides excogitou para a compreensatildeo da noccedilatildeo de natildeo ser Por fim foi identificado o meacutetodo

que permitiu a Parmecircnides distinguir os discursos persuasivos segundo a verdade daqueles que

persuadem de forma natildeo confiaacutevel Esse meacutetodo ao qual dei o nome de Preceito da Deusa foi

aquele que ele aplicou para a descoberta das caracteriacutesticas do seu ente cosmoloacutegico o eon

Especificamente em relaccedilatildeo ao natildeo ser o resultado da pesquisa eacute impressionante e mostra

como Parmecircnides tocou uma profundidade jamais vista antes e talvez nem depois dele A tese

tenta mostrar que para Parmecircnides a oposiccedilatildeo eacute entre a negaccedilatildeo e o ser realizando um passo ainda

aqueacutem do nosso princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo ou seja a oposiccedilatildeo proposta por Parmecircnides eacute

princiacutepio do princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo A meditaccedilatildeo filosoacutefica a respeito desta oposiccedilatildeo resulta

num caminho fortemente anti-intuitivo do qual aqui foi dada apenas uma breviacutessima nota

sugestiva Com isso espero ter contribuiacutedo agrave histoacuteria da filosofia eleaacutetica mas tambeacutem ao

enriquecimento do acervo conceitual proposto por aqueles pensadores e deixado de heranccedila

espiritual a todos noacutes

19

2 INTRODUCcedilAtildeO Agrave NOCcedilAtildeO DE NAtildeO SER

21 Introduccedilatildeo geral agrave temaacutetica

Natildeo ser eacute uma noccedilatildeo genuinamente transcendente porquanto por definiccedilatildeo natildeo se refere a

nenhum objeto nem da experiecircncia sensiacutevel nem ideal nem existente e nem potencial Essa sua

natureza sugere que em sua origem natildeo pode ter surgido como ressonacircncia na mente de algum

fato externo mas que seja uma criaccedilatildeo da proacutepria mente humana O natildeo ser aparece primeiramente

e abruptamente com Parmecircnides num ambiente e num momento histoacutericos de grande fecundidade

criativa do pensamento humano como resultado do interesse reflexivo dos saacutebios daquela eacutepoca

Na aurora da filosofia na Greacutecia do VI e V seacuteculos aC alguns saacutebios comeccedilaram a se

dedicar a certas reflexotildees e agraves noccedilotildees resultantes Antes de tudo a noccedilatildeo de lsquotodorsquo que em pouco

tempo geraria tambeacutem a questatildeo singular de se estabelecer se a lei do todo eacute interna ao todo como

pensavam os preacute-socraacuteticos ou externa ao todo como comeccedilaram a pensar aqueles que comeccedilaram

a separar o todo coacutesmico (fiacutesico) dos princiacutepios regentes Estes uacuteltimos ora pensaram um outro

todo separado (como o mundo das ideias de Platatildeo) ora uma estrutura hierarquizada entre o mundo

sensiacutevel e deus (como em Aristoacuteteles) ora complexas cosmologias como as dos gnoacutesticos e dos

neoplatocircnicos finalmente essa profusatildeo de interpretaccedilotildees alcanccedilou a noccedilatildeo de um universo

criado completamente dissociado de um ser transcendente criador junto com a postulaccedilatildeo de um

ser capaz de transitar nos e entre os dois mundos (Cristo homem divino) segundo o pensamento

cristatildeo que se afirmou no ocidente

E eacute justamente com a afirmaccedilatildeo da teologia cristatilde que se toca o primeiro auge de um

progressivo processo de hipoacutestase da noccedilatildeo de natildeo ser Depois de Parmecircnides jaacute em Melisso o

natildeo ser adquire uma versatildeo mais operativa no pensamento e no discurso (contra os preceitos da

20

deusa de Parmecircnides) a qual se configura como o fundamento do futuro desenvolvimento do

conceito do natildeo ser quantitativo ou seja de zero matemaacutetico Com Platatildeo o natildeo ser eacute despojado

de sua dimensatildeo absoluta e reportado a um contexto relativo a justificar o complexo tema da

diversidade dos seres no mundo Com Aristoacuteteles o natildeo ser pocircde conviver com o ser desde que na

dilaccedilatildeo do tempo como ele afirma no princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo Finalmente com Agostinho o

natildeo ser perde sua essecircncia original de negaccedilatildeo absoluta e passa por um lado a ter a potencialidade

de criaccedilatildeo ndash pois o Deus de Agostinho cria o mundo ex-nihilo invertendo assim o axioma

melissiano ndash e por outro lado passa a poder se compor com o lsquoserrsquo dando origem a uma escala

hieraacuterquica de seres na ordem cosmoloacutegica da teologia cristatilde A partir de Agostinho o tema do natildeo

ser desaparece das principais preocupaccedilotildees da filosofia3 e tambeacutem desaparece explicitamente da

cultura ocidental por mais de mil anos4 Apoacutes este periacuteodo reapareceraacute primeiro na filosofia em

forma majestosa na dialeacutetica hegeliana e depois na cultura dando origem aos movimentos niilistas

poacutes-nietzschianos que redundaratildeo no grande vigor do niilismo como opccedilatildeo de vida na cultura

atual De fato atualmente ecoa natildeo soacute nos livros especializados mas tambeacutem nos livros populares

e em outras miacutedias populares (jornais raacutedios internet) a assim chamada pergunta filosoacutefica

fundamental de Heidegger por que o ser e natildeo o nada Esta pergunta eacute um segundo auge da

hipoacutestase do natildeo ser pois de fato considera o natildeo ser uma alternativa concreta ao ser invertendo

assim o axioma parmenidiano

Este longo percurso comeccedila com Parmecircnides o primeiro a falar do natildeo ser no ocidente e

3No ldquoDe magistrordquo Agostinho esboccedila a questatildeo mas a abandona logo em seguida (De Magistro II 3) 4Uma rara e isolada exceccedilatildeo eacute aquela de Fredegiso de Tours que no ano 800 escreve uma ldquoEpistula de substantia nihili

et tenebrarumrdquo tambeacutem conhecida como ldquoDe nihilo et tenebrisrdquo veja-se o estudo de DAgostini (1998)

21

com sentido filosoacutefico ao menos pelo que se sabe ateacute agora o primeiro na histoacuteria do pensamento

humano Imergido no ambiente de reflexatildeo da Greacutecia jocircnica dos seacuteculos VI e V ndash dentro daquele

movimento de pensamento definido ateacute de lsquoilustraccedilatildeo jocircnicarsquo ndash sua descriccedilatildeo do natildeo ser apresenta

uma pureza de concepccedilatildeo que se rompe jaacute com seu disciacutepulo Melisso e progressivamente cada vez

mais ateacute nossos dias Isto significa que a noccedilatildeo parmenidiana natildeo foi absorvida pela cultura mas

foi abandonada ndash talvez recalcada ndash preferindo-se a ela outras noccedilotildees de natildeo ser progressivamente

mais distantes daquela absoluta Por este motivo ao se retomar a noccedilatildeo parmenidiana nos

deparamos com uma intuiccedilatildeo filosoacutefica intacta porque abandonada e portanto ilesa ao atrito do

tempo Quando solicitada e provocada ela responde com uma vitalidade desafiadora das melhores

reflexotildees justificando o grande interesse que Parmecircnides continua tendo depois de 2500 anos um

interesse diferente daquele despertado por peccedilas num museu que nos falam de outras eacutepocas essa

intuiccedilatildeo continua alimentando um interesse filosoacutefico vivo e poderoso fato raro entre as ideias da

antiguidade e reservado a pouca exceccedilotildees

Em nossos tempos coube a Friedrich Nietzsche inaugurar uma reflexatildeo radical sobre o

tema do natildeo ser elevando o nada a noccedilatildeo filosoacutefica poderosa e atuante Provavelmente ningueacutem

melhor do que ele soube interpretar profundamente os anseios do homem contemporacircneo quando

disse que o niilismo ldquoeacute o estado dos espiacuteritos fortes e das vontades fortes do qual natildeo eacute possiacutevel

atribuir um juiacutezo negativo a negaccedilatildeo ativa corresponde mais agrave sua natureza profundardquo5 entificando

o nada onde depois muitos iratildeo se apoiar para desenvolver suas proacuteprias doutrinas E ao lado desse

marco zero da origem o nada de onde tudo comeccedila (ldquoa vida se daacute desde nada e para nada aleacutem

5Nietzsche Wille zur Macht ed Kroner XV 24

22

dela mesma ldquoToma-se diz Nietzsche em Ecce homo natildeo se pergunta quem daacuterdquo6) se potildee o marco

zero da chegada o nada onde tudo termina o vazio deixado por deus ldquoDeus morreu Deus

permanece morto E noacutes o matamosrdquo7 Do seacuteculo XIX passando pelos Bergson Heidegger e Sartre

do seacuteculo XX e chegando agraves loacutegicas para consistentes do seacuteculo XXI a noccedilatildeo de natildeo ser (ou nada)

impotildee uma discussatildeo sem a possibilidade de atenuar o potencial devastador do problema a

consistecircncia do fundamento seja este entendido como visatildeo de mundo ou como verdade (absoluta

ou relativa) ou como afirmaccedilatildeo incontrovertiacutevel E em nossos tempos de Nietzsche a Priest natildeo

se consegue excluir Parmecircnides dessa discussatildeo todos tecircm que levar em conta o eleatismo e os

que natildeo o fazem acabam por perder o essencial da posta em jogo ou seja a possibilidade ou

impossibilidade de um conhecimento epistecircmico a possibilidade ou impossibilidade de se alcanccedilar

uma certeza para aleacutem das convicccedilotildees transitoacuterias

Posto que a filosofia antiga soacute eacute antiga quando comparada agrave filosofia de nosso tempo nas

proacuteximas paacuteginas seraacute estudado o tema do natildeo ser em Parmecircnides e se constataraacute que natildeo se trata

de um momento de um percurso histoacuterico jaacute superado mas de uma parcela atuante do discurso

filosoacutefico atual embora tenha sido desenvolvida na antiguidade da cultura grega

22 Justificaccedilatildeo da pesquisa dentro do panorama dos estudos de histoacuteria da filosofia na

atualidade

A expressatildeo natildeo ser enquanto noccedilatildeo filosoacutefica comparece pela primeira vez com

6 Nietzsche Ecce homo seccedilatildeo 3 7 Nietzsche Die froumlhliche Wissenschaft seccedilatildeo 125

23

Parmecircnides Como noccedilatildeo comum natildeo ser enquanto negaccedilatildeo de um ente qualquer a partir da

negaccedilatildeo do verbo ser eacute presente nas antigas liacutenguas histoacutericas e nas preacute-histoacutericas tambeacutem8 Nas

liacutenguas modernas natildeo ser eacute uma noccedilatildeo corrente e pertence agrave estrutura das nossas atuais linguagens

(com algumas exceccedilotildees natildeo relevantes aqui) a partir do uso pragmaacutetico principalmente das noccedilotildees

de presenccedilaausecircncia existecircncianatildeo existecircncia e em maneira preponderante na nossa estrutura

linguiacutestica predicativa onde qualificaccedilotildees satildeo consideradas pertencentes ou natildeo pertencentes a um

ente

A histoacuteria da filosofia mostra que natildeo ser natildeo eacute uma noccedilatildeo trivial como o uso pragmaacutetico

que dela fazemos poderia sugerir Desde seu aparecimento no texto parmenidiano o natildeo ser

apresentou uma aporia fortiacutessima talvez a maior das aporias e apesar das tentativas dos maiores

filoacutesofos parece se reapresentar de tempo em tempo como uma ferida que se reabre denunciando

que de fato nunca cicatrizou Da pragmaacutetica agrave noccedilatildeo criacutetica o salto eacute tatildeo grande que se se aplicasse

agrave pragmaacutetica a noccedilatildeo criacutetica o mundo assim como noacutes pragmaticamente o vemos e interpretamos

cairia abaixo O primeiro a perceber isto foi Parmecircnides e com ele os eleatas a aporia do natildeo ser

recebeu assim o nome de aporia eleaacutetica A mais radical expressatildeo da aporia eleaacutetica se encontra

em Melisso mas mesmo em Parmecircnides onde ela eacute atenuada a aporia eacute desnorteadora Com

nossas palavras atuais e com nossas noccedilotildees podemos dizer que se de um lado natildeo ser eacute a negaccedilatildeo

absoluta do ser entatildeo fica impossiacutevel sustentar a explicaccedilatildeo comum do fenocircmeno que noacutes

chamamos devir que consiste em asserir que as coisas nascem e morrem que tudo se transforma

que tudo passa a ser o que natildeo era e deixa de ser o que era

8A partiacutecula negativa μή estaacute bem documentada para o Indo-Europeu mē (Chantraine 1977 verbete μή)

24

Como se sabe esta aporia foi enfrentada por Platatildeo o qual se viu obrigado a deixar de lado

a noccedilatildeo de natildeo ser absoluto e a introduzir aquela de natildeo ser relativo exatamente para salvaguardar

a nossa percepccedilatildeo comum do devir Algo similar fez Aristoacuteteles pois de fato ambos ressaltam a

grande dificuldade representada pelo natildeo ser absoluto De laacute para caacute a aporia eleaacutetica natildeo foi

resolvida e a discussatildeo permanece em aberto basta consultar um dicionaacuterio de filosofia para se

perceber a equivocidade da noccedilatildeo de nada nos autores contemporacircneos ou um dicionaacuterio de loacutegica

a evidenciar por um lado a aporia e por outro a dificuldade de se estabelecer exatamente o status

questionis do natildeo ser Vejamos esse exemplo do verbete nada extraiacutedo de um dicionaacuterio de loacutegica

ldquoSegundo PL Heath da University of Virginia nada eacute um conceito ldquoindigestordquo e poucos

saberiam como lidar com ele Desde Parmecircnides (nasceu em 515 aC) que asseverou ser

impossiacutevel falar do que natildeo eacute mas violou sua proacutepria regra no ato de fazer tal asseveraccedilatildeo

ndash mergulhando em um mundo no qual o ocorrido se reduzia a nada ndash tornou-se difiacutecil

atravessar a estreita passagem que nesse tema separa sentido e sem-sentido Assim

limitamo-nos a lembrar que em notaccedilatildeo loacutegica a palavra nada costuma ser representada

pela negaccedilatildeo do quantificador existencialrdquo9

Desde Parmecircnides diz o autor do dicionaacuterio natildeo se conseguiu vir a cabo da questatildeo do natildeo

ser ou nada como se prefere dizer atualmente Mas o autor esqueceu de dizer que embora

Parmecircnides tenha violado a proacutepria regra aquela da impossibilidade de falar do natildeo ser natildeo foi o

uacutenico e natildeo foi exceccedilatildeo se se admite que a expressatildeo natildeo ser (ou nada) se refere ao que natildeo eacute do

qual eacute impossiacutevel falar entatildeo todos noacutes violamos a regra de Parmecircnides inclusive o autor o qual

viola a sua proacutepria regra (negaccedilatildeo do quantificador existencial) permanecendo plenamente

imergido na aporia eleaacutetica Esta passagem num verbete de um dicionaacuterio de loacutegica resume

claramente o problema aparentemente Parmecircnides no exato momento em que afirma o preceito

9Hegenberg L (2005) p 231

25

o viola ou seja a violaccedilatildeo estaacute contida na proacutepria manifestaccedilatildeo do preceito como aquelas famosas

frases paradoxais eu natildeo estou falando eu natildeo estou aqui natildeo leia esta placa e assim por diante

No entanto a suspeita de que talvez Parmecircnides natildeo tenha sido tatildeo ingecircnuo eacute mais que legiacutetima

Antes de tudo porque eacute muito difiacutecil construir uma cosmologia rigorosa como ele fez sobre um

conceito paradoxal E depois o paradoxo da aporia eleaacutetica se ele fosse um apenas paradoxo um

constructo sem consistecircncia epistecircmica teria sido relegado em plano secundaacuterio na histoacuteria da

filosofia e Parmecircnides teria seguido talvez a mesma sorte de seu concidadatildeo Zenatildeo o qual teve

que aguardar as pesquisas de loacutegica do seacuteculo XX para ver resgatado ao menos em parte o seu

valor

O fato de que a aporia eleaacutetica esteja ainda em aberto e sem soluccedilatildeo agrave vista levou a um

incremento dos estudos parmenidianos ao longo do seacuteculo XX com uma acentuaccedilatildeo na segunda

parte do seacuteculo As monografias e ateacute mesmo as ediccedilotildees criacuteticas se multiplicaram sem falar de

uma quantidade imensa de estudos e artigos em muitas aacutereas nas quais a obra parmenidiana incidiu

direta ou indiretamente filosofia literatura e poesia epistemologia filosofia da ciecircncia ontologia

loacutegica linguiacutestica e muitos outros campos mais especiacuteficos dos quais muitas vezes o estudioso de

histoacuteria da filosofia natildeo eacute notificado O assunto de longe mais tratado do poema de Parmecircnides eacute

o ser Isso deve-se principalmente ao proacuteprio DNA da histoacuteria moderna da filosofia na praacutetica

iniciada com Hegel A influecircncia do hegelianismo e do idealismo alematildeo como um todo redundou

nesta predileccedilatildeo para a noccedilatildeo absoluta do ser parente proacutexima do proacuteprio Absoluto hegeliano

Nesse contexto o natildeo ser eacute tatildeo somente um momento dialeacutetico embora estrutural o qual natildeo

possui uma autonomia e que afinal se desfaz na medida em que o Absoluto se realiza A

consequecircncia desta influecircncia limitou os estudos propriamente histoacutericos a respeito do natildeo ser de

Parmecircnides Surpreendentemente poreacutem a noccedilatildeo filosoacutefica de nada cresceu por proacutepria conta

26

entre os filoacutesofos contemporacircneos os quais acabaram por se interessar em Parmecircnides e estimular

novos estudos histoacutericos10

Neste percurso ainda eacute o ser o protagonista nos estudos histoacutericos de filosofia Jaacute nos outros

campos na reflexatildeo filosoacutefica contemporacircnea e nos estudos loacutegicos a noccedilatildeo de natildeo ser preme

para novos aprofundamentos Surgem assim novos estudos especialmente em aacuterea de filosofia

analiacutetica (penso aqui no moderado Jonathan Barnes mas haacute outros mais analiticamente radicais)

que voltam a evidenciar a aporia eleaacutetica Apesar de todos estes movimentos e com exceccedilatildeo de

poucos artigos dedicados a esclarecer o natildeo ser mais para esclarecer a noccedilatildeo de ser natildeo ouve

que eu saiba ateacute o presente trabalho um estudo especiacutefico sobre o natildeo ser em Parmecircnides Eu

proacuteprio quando senti a necessidade de enfrentar esse argumento fui colhido por uma sensaccedilatildeo de

assombro pelo tamanho do empreendimento sensaccedilatildeo que consegui superar somente com uma

estrateacutegia de pesquisa que articula o tema em partes separadas e de certa forma distintas embora

pertencentes ao mesmo fenocircmeno filosoacutefico da antiguidade grega a aporia eleaacutetica de Parmecircnides

a Platatildeo Assim o presente trabalho constitui a primeira etapa embora desenvolvida em segundo

lugar de uma tetralogia do natildeo ser que se desenvolve e evolui na sequecircncia histoacuterica de

Parmecircnides Melisso Goacutergias e Platatildeo O estudo sobre o natildeo ser em Melisso foi realizado no

mestrado aqui estaacute o estudo sobre Parmecircnides e no futuro minhas forccedilas o permitindo estatildeo os

10Aqui dois exemplos bem distintos mas tendo em Heidegger uma matriz comum o italiano Severino estudioso de

Heidegger na juventude publicou um importante artigo nos anos 60 ldquoRitornare a Parmeniderdquo (hoje em Severino

1982) onde recupera a oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo-ser de (segundo ele) Parmecircnides e desencadeia um grande

movimento na Itaacutelia chamado ateacute de neo-parmenidismo o argentino Cordero francecircs de adoccedilatildeo tambeacutem

estudioso de Heidegger na juventude se orientou para o aprofundamento das questotildees exegeacuteticas do poema de

Parmecircnides produzindo ateacute mesmo nos anos 80 uma ediccedilatildeo criacutetica a partir dos originais e resgatando um

Parmecircnides menos idealista alematildeo e menos platocircnico do que aquele defendido pela maioria das escolas histoacutericas

ateacute entatildeo e por muitas ateacute agora (Cordero 1984)

27

estudos sobre o natildeo ser em Goacutergias e sobre o natildeo ser no Sofista de Platatildeo Justificada a necessidade

histoacuterica da presente pesquisa podemos agora nos dedicar agrave apresentaccedilatildeo da mesma e da

metodologia escolhida para a realizaccedilatildeo

23 Apresentaccedilatildeo da temaacutetica e justificaccedilatildeo da metodologia

O poema de Parmecircnides pela sua importacircncia histoacuterica e filosoacutefica recebeu muitas atenccedilotildees

desde a antiguidade Graccedilas a essas atenccedilotildees algumas partes do poema sobreviveram devido agrave

citaccedilotildees dos vaacuterios doxoacutegrafos A reconstruccedilatildeo a partir das citaccedilotildees comeccedilou na aurora da

modernidade com a publicaccedilatildeo de uma coletacircnea de poetas gregos Ποίησις Φιλόσοφος em 1573

de autoria de Henri Estienne Nas paacuteginas dedicadas a Parmecircnides (41-46) natildeo satildeo reportadas as

citaccedilotildees de Simpliacutecio autor que Estienne segundo Cordero natildeo podia natildeo conhecer11 Esse livro

conteacutem tambeacutem um apecircndice com correccedilotildees aportadas por Joseph J Scaliger num trabalho de

filologia12 notaacutevel e inovador para a eacutepoca A versatildeo completa de Scaliger ficou ineacutedita e esquecida

ateacute ser reencontrada em 1980 acusando o excelente trabalho do filoacutelogo o qual reconstruiu o

poema em 148 versos faltando uns 12 para completar a versatildeo atualmente utilizada13 Esta simples

nota histoacuterica jaacute potildee toda a problemaacutetica que ainda perduraraacute por seacuteculos ateacute nossos dias a

reconstruccedilatildeo filoloacutegica do poema O texto de Parmecircnides passou de seu original dialeto jocircnico

(numa colocircnia itaacutelica) para a Atenas de Soacutecrates e Platatildeo e sucessivamente foi recopiado

provavelmente na escola de Aristoacuteteles onde jaacute se supotildee haver dois textos diferentes dadas as

11Cordero (1987) p 8 12ldquoProto-filologiardquo diz Cordero ibidem p 8 13Todas estas notiacutecias estatildeo em Cordero (1987)

28

citaccedilotildees diferentes do mesmo trecho em Aristoacuteteles e Teofrasto14 A filologia sucessiva se complica

mais ainda ao se considerar as citaccedilotildees de eacutepoca muito sucessivas com as mais diversas variaccedilotildees

de evoluccedilatildeo da liacutengua Ao todo as citaccedilotildees podem ser subdivididas em trecircs grupos cronoloacutegicos15

(1) Platatildeo Aristoacuteteles Teofrasto e Eudemo no seacuteculo IV aC

(2) Plutarco (sec I dC) Galeno (sec II dC) Clemente de Alexandria e Sexto Empiacuterico (sec II

e III dC) Dioacutegenes Laeacutercio (sec III dC)

(3) Plotino (sec III dC) Jacircmblico (sec III-IV dC) Proclo (sec IV-V dC) Damascio e Amocircnio

(sec V-VI dC) e Simpliacutecio (sec VI dC)

Platatildeo o primeiro a citar Parmecircnides parece iniciar uma das duas tradiccedilotildees doxograacuteficas

mais fortes aquela que jaacute inclui uma ldquointerpretaccedilatildeordquo de Parmecircnides no texto enquanto que uma

segunda que corre ateacute Proclo parece ser baseada num texto jaacute fortemente aticizado cujo maior

representante eacute Teofrasto16 Aleacutem disso parece haver uma terceira alternativa encontrada em Sexto

Empiacuterico que se baseia em textos peripateacuteticos diferentes dos de Teofrasto (como dissemos acima)

compondo um quadro bastante complicado os textos de Siacutempliacutecio Proclo Plutarco e Sexto

Empiacuterico os que citam a maioria dos versos de Parmecircnides apresentam cada um por motivos

diversos vantagens e desvantagens do ponto de vista da qualidade filoloacutegica Alguns destes

problemas seratildeo tratados mais adiante e aqui queremos apontar apenas o estado fragmentaacuterio do

texto e os seus intransponiacuteveis obstaacuteculos exegeacuteticos Por conta dessas dificuldades os estudos

parmenidianos estatildeo em aberto as tentativas dos estudiosos de novas soluccedilotildees a cada problema

14ib p 5 15Passa (2009) p 21 16Ibidem p 26-7

29

particular natildeo param e haacute muito trabalho ainda pela frente

A presente pesquisa tem um assunto delimitado o natildeo ser em Parmecircnides que delimita

tambeacutem reduzindo-as as dificuldades filoloacutegicas Por outro lado como veremos em breve a maior

dificuldade em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de natildeo ser no poema eacute de natureza filosoacutefica e portanto a

metodologia aqui usada alia o suporte filoloacutegico a um forte contexto interpretativo filosoacutefico Natildeo

satildeo poucos os autores em acircmbito de histoacuteria da filosofia que afirmam que a interpretaccedilatildeo do texto

de Parmecircnides depende da interpretaccedilatildeo filosoacutefica que a ele se daacute Um parecer similar se encontra

tambeacutem entre os filoacutelogos17 deixando a problemaacutetica agrave beira de um ciacuterculo vicioso de petitio

principii por um lado eacute necessaacuterio entender a letra do texto para entender as noccedilotildees e ideias

veiculadas e por outro lado eacute necessaacuterio conhecer as noccedilotildees e ideias veiculadas para entender a

letra do texto

Parece impossiacutevel escapar desta situaccedilatildeo por muitas razotildees Aleacutem das jaacute citadas questotildees

de transmissatildeo do texto eacute preciso acrescentar (1) o format escolhido por Parmecircnides ou seja a

poesia em linguagem eacutepica ao inveacutes da recente prosa jocircnica mais clara para expressar conteuacutedos

mais precisos (2) a funccedilatildeo didaacutetica do poema que o torna segundo o costume da eacutepoca um proacute-

memoacuteria para o ensinamento oral ou seja sem toda a preciosiacutessima parte da articulaccedilatildeo e

exemplificaccedilatildeo dos argumentos o que contribuiria ao esclarecimento (3) as novidades linguiacutesticas

de noccedilatildeo filosoacutefica e a descriccedilatildeo de uma cosmologia proacutepria que natildeo teve disciacutepulos verdadeiros18

aos quais recorrer para esclarecimento das noccedilotildees do mestre (4) a extraordinaacuteria complexidade e

17Passa (2009) p 11 18Uma discussatildeo mais adiante

30

profundidade da filosofia de Parmecircnides muito difiacutecil para a eacutepoca e a bem da verdade para a

atualidade tambeacutem

O presente estudo voltado a uma questatildeo filosoacutefica especiacutefica dispensa muitos dos

problemas implicados pelo estudo do poema como um todo e ao mesmo tempo consegue escapulir

do ciacuterculo vicioso acima chamando a depor em favor da nitidez da argumentaccedilatildeo proposta um

testemunha que eacute especial por vaacuterias razotildees Platatildeo como em breve veremos Por outro lado

proponho aqui um ponto de vista natildeo tentado ainda em relaccedilatildeo a Parmecircnides o ponto de vista de

um estudioso da mente humana aquele que hoje chamariacuteamos de psicoacutelogo de fato como

veremos o poema apresenta um vocabulaacuterio psicoloacutegico expliacutecito e tambeacutem como seraacute

evidenciado um vocabulaacuterio psicoloacutegico mimetizado na linguagem arcaica de Parmecircnides Todos

os termos psicoloacutegicos que estudaremos foram mais do que meticulosamente estudados pelos

criacuteticos e aqui se trata nada mais de que unir esse vocabulaacuterio ateacute agora disperso num todo mais

coerente e que mostraraacute um Parmecircnides ateacute agora ineacutedito o Parmecircnides psicoacutelogo Esses dois

instrumentos metodoloacutegicos o Parmecircnides psicoacutelogo e o testemunho de Platatildeo ajudaratildeo o primeiro

a interpretar palavras do texto claras na filologia mas misteriosas na noccedilatildeo e o segundo a confrontar

o resultado obtido com a cristalina discussatildeo filosoacutefica proposta por Platatildeo quando ele enfrenta

diretamente o eleata

24 O testemunho de Platatildeo

Sobre a relaccedilatildeo entre Parmecircnides e Platatildeo ou melhor de Platatildeo com Parmecircnides escreveu-

se muitiacutessimo e certamente natildeo eacute este o lugar para aprofundar tal tema Mas Platatildeo reveste uma

importacircncia especial como testemunha da obra parmenidiana e mais do que as suas ideias a respeito

de Parmecircnides nos interessam as suas palavras De fato Platatildeo eacute o mais antigo filoacutesofo a citar o

31

nome de Parmecircnides e tambeacutem a citar textualmente algumas de suas afirmaccedilotildees o faz em vaacuterias

oportunidades duas vezes no Banquete (em 178b9-11 que constitui o fr DK 28 B 13 e em 195c2

onde eacute apenas nomeado) duas no Teeteto (em 180e1 que constitui o fr DK 28 B 838 e em 183e3-

184a3 onde apresenta a pessoa de Parmecircnides) em vaacuterias passagens do Sofista (a ediccedilatildeo de Coxon

reporta cinco trechos entre os testimonia19) das quais trecircs contecircm citaccedilotildees de versos do poema (em

237a8-9 que constituem os versos DK 28 B 71-2 em 244e6 que constitui o fragmento DK 28 B

843-45 e em 258d3-4 que repetem os versos 71-2) Jaacute o diaacutelogo a ele titulado o Parmecircnides

embora seja impregnado de filosofia eleaacutetica natildeo possui citaccedilotildees que seguramente e literalmente

possam ser atribuiacutedas ao poema de Parmecircnides

O testemunho de Platatildeo apresenta algumas vantagens exegeacuteticas em relaccedilatildeo aos demais

doxoacutegrafos eacute o mais antigo e cronologicamente mais proacuteximo a Parmecircnides eacute confiaacutevel do ponto

de vista da compreensatildeo da letra do texto pois Platatildeo tem consciecircncia das dificuldades de

compreensatildeo daquele dialeto jocircnico transplantado no sul da Itaacutelia e comprimido num moacutedulo

didaacutetico (poema) imitando uma linguagem eacutepica ainda mais antiga ou seja percebe que eacute uma

linguagem artificiosa que pode conduzir a enganos20 por fim Platatildeo eacute um dos maiores filoacutesofos

da humanidade e ademais estudou detidamente a filosofia do eleata e a discutiu em obras

filosoacuteficas imortais portanto dificilmente pode ser acusado de incompreensatildeo da mensagem

parmenidiana21 tornando-se assim do ponto de vista filosoacutefico totalmente confiaacutevel

19Coxon (2009) p 104-113 20Platatildeo Theet 184a 21Na mesma passagem do Teeteto (184a) Platatildeo afirma de natildeo ter certeza de ter entendido o que disse e o que quis

dizer (φοβοῦμαι οὖν μὴ οὔτε τὰ λεγόμενα συνιῶμεν τί τε διανοούμενος εἶπε) palavras que indicam a preocupaccedilatildeo

rigorosa de Platatildeo quanto ao pensamento que ele achava profundo (βάθος) de Parmecircnides

32

A citaccedilatildeo que nos interessa diretamente eacute aquela do Sofista Platatildeo escreve jaacute em idade

avanccedilada um livro de grande importacircncia filosoacutefica um dos maiores livros de filosofia de todos

os tempos O Sofista Ali ele discute alguns temas essenciais da vida do pensamento humano

principalmente como eacute que o mundo pode se apresentar muacuteltiplo e mutaacutevel se as ideias parecem

tender agrave unidade e parecem ser imutaacuteveis O extraordinaacuterio aparato filosoacutefico que Platatildeo potildee em

jogo tem um ponto de partida singular uma discussatildeo sobre o natildeo ser Apoacutes o estabelecimento do

meacutetodo de caccedila ao sofista e apoacutes as vaacuterias articulaccedilotildees da diairesis platocircnica o natildeo ser eacute o primeiro

verdadeiro obstaacuteculo no percurso platocircnico mas eacute um obstaacuteculo tatildeo grande que assim como

configurado segundo a noccedilatildeo de natildeo ser que se conhecia ateacute entatildeo ndash o natildeo ser parmenidiano ndash natildeo

podia ser absorvido a serviccedilo de uma causa quem sabe maior para uma nova visatildeo de mundo a

causa e visatildeo platocircnicas natildeo podendo ser aproveitada a noccedilatildeo parmenidiana eacute descartada Na

sequecircncia do texto platocircnico outras noccedilotildees e outros filoacutesofos satildeo descartados mas somente

Parmecircnides sofre uma dinacircmica criacutetica especial que viraacute a ser conhecida como parriciacutedio A

respeito da questatildeo de se utilizar (e inutilizar) a noccedilatildeo parmenidiana de natildeo ser absoluto diz a

personagem o estrangeiro de Eleia que ele natildeo quer ser tido como parricida porque o pai

Parmecircnides natildeo cansava de repetir do comeccedilo ao fim (de sua atuaccedilatildeo filosoacutefica) em verso e em

prosa que

ldquoNatildeo impossiacutevel que isto prevaleccedila ser (o) natildeo ente

Tu poreacutem desta via de inqueacuterito afasta o pensamento22

22Parmecircnides (DK B 71-2) em Platatildeo Soph 237a8-9 Οὐ γὰρ μή ποτε τοῦτο δαμῇ φησίν εἶναι μὴ ἐόντα ἀλλὰ σὺ

τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήμενος εἶργε νόημα Trad Cavalcante de Souza (1978)

33

Aqui eacute preciso notar duas coisas a primeira eacute que natildeo aceitando a noccedilatildeo expressa na

citaccedilatildeo se mataria Parmecircnides o que quer dizer que esta noccedilatildeo eacute essencial na sua filosofia e sem

ela a filosofia parmenidiana natildeo sobrevive a segunda eacute a descriccedilatildeo contextual da citaccedilatildeo pois

Parmecircnides natildeo se cansava de repetir ao longo de sua vida e de todas as maneiras como um bordatildeo

o que confirma que a citaccedilatildeo pertence ao nuacutecleo soacutelido e persistente do pensamento do eleata As

duas descriccedilotildees satildeo sineacutergicas e apontam assim me parece para aquilo que eacute o essencial da

filosofia parmenidiana Ademais acrescente-se que a evidenciar este nuacutecleo essencial natildeo eacute um

pensador menor mas eacute Platatildeo na sua fase filosoacutefica mais profunda Penso que natildeo haacute mais duacutevidas

eacute possiacutevel fazer uma reconstruccedilatildeo do puzzle do poema limitadamente agrave sua parte filosoacutefica a partir

da imagem de referecircncia oferecida por Platatildeo que eacute tambeacutem aquela que mais interessou aos antigos

e que mais interessa tambeacutem aos filoacutesofos atuais

O poema foi muito estudado nos primeiros 150 anos apoacutes Parmecircnides ateacute basicamente

Aristoacuteteles e pouco depois e foi responsaacutevel direto por algumas das grandes intuiccedilotildees da antiga

filosofia grega Do que chegou ateacute noacutes aleacutem das obras dos eleaacuteticos Zenatildeo e Melisso ndash obras

altamente anti-intuitivas e paradoxais mas que nem sempre ajudam a entender o proacuteprio

Parmecircnides23 ndash o fruto mais desconcertante do eleatismo eacute sem duacutevida o Περὶ τοῦ μὴ ὄντος ἢ Περὶ

φύσεως de Goacutergias Este livro eacute seguramente referido ao eleatismo mas expotildee a mateacuteria de forma

paroxiacutestica deixando os estudiosos perplexos e indecisos entre levar as flagrantes contradiccedilotildees ali

expostas a seacuterio ou considerar o todo um exerciacutecio luacutedico de sarcasmo sofiacutestico As demais

23Em meu trabalho sobre Melisso tive a ocasiatildeo de pocircr em evidecircncia o quanto eacute bastante comum em muitos autores

interpretar Parmecircnides a partir de Melisso atribuindo ao mestre pecados que afinal satildeo soacute do disciacutepulo Por terem

noccedilotildees muito similares nem sempre eacute faacutecil discernir as de um das de outro (Galgano 2010)

34

referecircncias ao eleata podem ser inferidas em muitos autores de Empeacutedocles a Demoacutecrito mas natildeo

satildeo expliacutecitas ateacute Platatildeo o qual muitas vezes faz referecircncias aos antigos pensadores e no Sofista

traceja ateacute mesmo o primeiro esboccedilo de histoacuteria da filosofia da qual se tem registro onde

Parmecircnides eacute de novo nomeado junto com Xenoacutefanes e a estirpe eleaacutetica24

Platatildeo acolhe a heranccedila dos antigos embora natildeo se saiba muito bem em qual medida ele

seja franco quanto aos seus autores de referecircncia25 e discute suas propostas ora aceitando-as ora

criticando-as sempre com grande respeito e ateacute com veneraccedilatildeo como eacute o caso do proacuteprio

Parmecircnides natildeo soacute pela citaccedilatildeo no Teeteto mas tambeacutem pela impressionante apresentaccedilatildeo do

eleata no diaacutelogo Parmecircnides Diferentemente de Aristoacuteteles que muitas vezes como foi

evidenciado por alguns autores26 chega a distorcer o pensamento dos antigos para justificar suas

proacuteprias noccedilotildees Platatildeo eacute mais cauteloso e faz citaccedilotildees pontuais das quais natildeo se tem porque pocircr

em duacutevida a autenticidade Em relaccedilatildeo ao nosso tema das trecircs citaccedilotildees de versos no Sofista duas

repetem a mesma passagem aquela que nos interessa diretamente aqui As duas citaccedilotildees satildeo

ligeiramente diferentes

Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ φησίν εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήμενος εἶργε νόημα27

Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα28

24Platatildeo Soph 242b et passim 25Por exemplo em sua obra haacute uma uacutenica referecircncia a Pitaacutegoras embora ele discuta temas pitagoacutericos em muitas

passagens inclusive apresentando personagens pitagoacutericas 26Por exemplo a obra de Cherniss (1935) Aristotlersquos criticism of presocratic philosophy 27Platatildeo Soph 237 a 8-9 28Ibidem 258 d 2-3

35

Resta a tarefa de entender estas palavras que agora jaacute sabemos se referem ao cerne da

filosofia parmenidiana e de construir uma imagem de referecircncia que possa ser um guia confiaacutevel

na reconstruccedilatildeo do poema

A primeira expressatildeo Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ eacute uma expressatildeo imperativa embora

apresentada com um subjuntivo Haacute divergecircncias gramaticais que discutiremos detalhadamente

em sede oportuna mas o sentido geral eacute de uma noccedilatildeo reforccedilada com outra natildeo prevaleccedila (em

sentido ativo ou passivo por enquanto natildeo importa) eacute a noccedilatildeo jamais eacute o reforccedilo Esta expressatildeo

eacute tiacutepica de toda a fala imperativa da deusa que daacute um caraacuteter hieraacutetico e de universalidade agrave

afirmaccedilatildeo em suma diz a deusa eacute uma lei Qual eacute a lei que natildeo pode ser prevaricada Que sejam

os natildeo seres εἶναι μὴ ἐόντα No entanto o que venham a ser os ἐόντα e qual seja o sentido de εἶναι

eacute exatamente o problema mais criacutetico da filologia da semacircntica e da filosofia de Parmecircnides como

um todo Eacute portanto totalmente desaconselhaacutevel tomar estas noccedilotildees como imagem de referecircncia

E o mesmo deve ser dito em relaccedilatildeo ao verso seguinte ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε

νόημα onde os vaacuterios conceitos envolvidos lsquocaminhorsquo lsquopesquisarsquo lsquopensamentorsquo satildeo todos

problemaacuteticos em Parmecircnides e uma clara noccedilatildeo para todos eles talvez seja possiacutevel no fim do

estudo mas natildeo no iniacutecio e muito menos como pressuposto (externo) ao poema como imagem de

referecircncia

Apesar disso embora natildeo possam ser descartadas as noccedilotildees dos conceitos envolvidos tem

algo muito claro que permanece e que eacute a estrutura sintaacutetica onde as noccedilotildees estatildeo implantadas

μήποτε e μὴ A negaccedilatildeo μὴ se daacute como uma negaccedilatildeo a respeito de duas noccedilotildees de mesma origem

semacircntica εἶναι e ἐόντα E o μήποτε jamais indica claramente o imperativo negativo a respeito

da negaccedilatildeo μὴ Em suma a estrutura diz jamais seja negado algo onde esse algo se refere a εἶναι

e ἐόντα dos quais noacutes ainda natildeo temos uma clara semacircntica Ora estariacuteamos diante de algo

36

incompreensiacutevel se natildeo fosse Platatildeo a nos esclarecer A citaccedilatildeo ocorre no meio da discussatildeo sobre

o natildeo ser e o tema eacute exatamente se eacute possiacutevel que o natildeo ser seja29 Agora seja qual for o sentido

de εἶναι e ἐόντα em Parmecircnides coisa que analisaremos a seu tempo eles tecircm um sentido claro em

Platatildeo que o natildeo ser seja algo Para que possamos deixar espaccedilo agrave semacircntica parmenidiana sem

constrangecirc-la dentro da semacircntica platocircnica a imagem de referecircncia pode ser firmada em volta da

oposiccedilatildeo radical (jamais) entre duas instacircncias ser e natildeo ser cuja noccedilatildeo deve ser esclarecida

Temos assim nossa imagem de referecircncia O tema filosoacutefico principal em volta do qual gira

o poema eacute a oposiccedilatildeo radical de duas instacircncias cosmoloacutegicas (ἀρχάι) a saber ser e natildeo ser cujas

noccedilotildees devem ser esclarecidas Resta ainda a acrescentar que esta imagem natildeo eacute incongruente com

os textos de Melisso e de Goacutergias natildeo eacute incongruente com a temaacutetica apresentada por Platatildeo como

eleaacutetica e tambeacutem com aquela apresentada por Aristoacuteteles ademais natildeo eacute incongruente com as

demais imagens legadas pela doxografia ou ao menos natildeo eacute desabonada por elas

29Eacute a discussatildeo para tentar caccedilar o sofista que se escondeu no natildeo ser

37

3 PARMEcircNIDES PSICOacuteLOGO ndash PRIMEIRA PARTE

31 Introduccedilatildeo geral

A finalidade desse capiacutetulo eacute mostrar pela identificaccedilatildeo de um vocabulaacuterio psicoloacutegico em

seu poema a capacidade de Parmecircnides de observaccedilatildeo do comportamento mental humano esta

habilidade de autecircntico psicoacutelogo (talvez cognitivista segundo as atuais categorias em uso) em

ato no poema eacute capaz de explicar um resultado extraordinaacuterio a descoberta de uma estrutura do

pensamento a partir da descoberta de uma estrutura do pensar onde por pensar quero me referir ao

processo fisioloacutegico e por pensamento ao resultado desse processo Enquanto no proacuteximo capiacutetulo

examinaremos de perto as estruturas do pensar e do pensamento propostas por Parmecircnides aqui

nos limitaremos agrave averiguaccedilatildeo geral de uma investigaccedilatildeo psicoloacutegica ndash em breve veremos em que

moldes ndash capaz de sugerir o enfoque psicoloacutegico na pesquisa realizada pelo eleata Por outro lado

o estudo de psicologia como ciecircncia do comportamento mental e natildeo como ciecircncia da alma eacute um

ramo do saber relativamente recente e se se considera Wundt o fundador da psicologia cientiacutefica

no seacuteculo XIX ainda teremos de esperar o seacuteculo XX para a consolidaccedilatildeo de uma ciecircncia autocircnoma

em relaccedilatildeo ao atualmente ambiacuteguo impreciso e equiacutevoco conceito de alma A psicologia cientiacutefica

do seacuteculo XXI estuda a mente e natildeo a alma estribando-se sobre o comportamento mental concreto

e deixando de lado se haacute ou natildeo uma instacircncia ndash a alma ndash externa ao corpo material ou espiritual

que possa explicar os fenocircmenos psiacutequicos

Ao se aplicar essa noccedilatildeo atual de psicologia agraves culturas antigas nos deparamos com a

dificuldade da ausecircncia naquelas eacutepocas de uma tal visatildeo psicoloacutegica autocircnoma e por conseguinte

com a ausecircncia das noccedilotildees correspondentes e de uma terminologia especiacutefica a definir essa

autonomia Isso deu espaccedilo a um fenocircmeno singular quando se estuda a psicologia na antiguidade

38

em geral se estudam campos semacircnticos ligados agrave palavra psyche com o seguinte resultado haacute

vaacuterios estudos sobre a psicologia em Homero ou na poesia eacutepica ou na poesia liacuterica ou na trageacutedia

haacute ateacute alguns estudos sobre a psicologia nos preacute-socraacuteticos principalmente Heraacuteclito e ateacute mesmo

Demoacutecrito por fim haacute estudos de psicologia na obra de Platatildeo e principalmente como era de se

esperar na obra de Aristoacuteteles o primeiro a escrever um livro autocircnomo sobre psicologia Mas natildeo

haacute estudos sobre a psicologia na obra de Parmecircnides O motivo principal assim me parece deve

ser buscado no fato de que no poema de Parmecircnides a palavra psyche natildeo aparece

Num livro famoso 30 A descoberta do espiacuterito Bruno Snell estreia afirmando que ldquoO

pensamento europeu comeccedila com os gregose desde entatildeo surge como a uacutenica forma do

pensamento em geralrdquo (p 11) O lsquoespiacuteritorsquo do tiacutetulo natildeo eacute a mente da psicologia e nem de outras

disciplinas especiacuteficas eacute a mente em sentido cultural amplo mesmo assim para poder chegar a

consideraccedilotildees mais amplas Snell eacute obrigado a analisar mais detidamente noccedilotildees e termos como

psyche thymos nous de Homero em diante chegando a resultados importantes e a consideraccedilotildees

luacutecidas Infelizmente quando trata de Parmecircnides ele se limita agravequeles que lhe pareceram os

pontos altos da mensagens parmenidiana a revelaccedilatildeo divina a recusa da experiecircncia dos sentidos31

e o puro ser32 sem nenhum aprofundamento nem mesmo da questatildeo do nous ndash como se esperaria

de um livro que trata da descoberta da mente ndash que em Parmecircnides natildeo eacute pequena

30Snell (1975) 31Ib ldquo a influecircncia de Parmecircnides o qual deixou de lado o saber lsquohumanorsquo a experiecircncia sensiacutevel e buscou um

acesso directo a lsquodivinorsquordquo (p 190) 32Ib ldquoA divindade leva Parmecircnides ao pensamento lsquopurorsquo com o quale le apreende o puro ser Enquanto Alcmeon

partindo da percpccedilatildeo sensiacutevel proacutepria do saber humano avanccedila ndash diriacuteamos indutivamente ndash ateacute ao invisiacutevel a

deusa de Parmecircnides ensina-o a deixar de lado como coisa enganadora toda a percepccedilatildeo sensiacutevel e o dever por

ela captadordquo (p 191)

39

Com o livro de Snell se perdeu uma grande oportunidade de dar iniacutecio a estudos mais

aprofundados da psicologia em Parmecircnides Como veremos os historiadores da filosofia antiga do

seacuteculo XIX para a primeira metade do seacuteculo XX natildeo deixaram muito espaccedilo para um

desenvolvimento nesta direccedilatildeo por outro lado os historiadores da psicologia que na verdade

comeccedilaram a trabalhar mais intensamente na segunda metade do seacuteculo XX apenas se apoiaram

nos textos dos historiadores da filosofia em geral os mais renomados e utilizaram as obras mais

gerais de histoacuteria da filosofia antiga descuidando da imensa literatura secundaacuteria que foi produzida

sobre Parmecircnides O resultado foi uma verdadeira escassez de pesquisa e uma repeticcedilatildeo do seguinte

fenocircmeno laacute onde os textos se propotildeem a falar da psicologia de Parmecircnides se limitam a expor

sumariamente em geral de forma desajeitada a sua filosofia33

Assim falando de sua filosofia esses estudiosos abordam inexoravelmente a epistemologia

parmenidiana o tema da possibilidade do conhecimento verdadeiro No entanto uma pergunta

seria legiacutetima eacute possiacutevel se falar de epistemologia como Parmecircnides o fez sem fazer nenhuma

33Vejam-se alguns exemplos Os livros gerais de histoacuteria da psicologia deixam muito a desejar acute[Por exemplo Malone

(2009) onde nas p 34-36 dedicadas aos eleaacuteticos natildeo uma soacute palavra eacute referida agrave pesquisas parmenidianas sobre

o funcionamento da mente dedicando o pouco espaccedilo a um resumo muito impreciso das ideias filosoacuteficas do

eleatismo] mas mesmo livros especializados sobre o assunto satildeo surpreendentemente parcos quanto a Parmecircnides

ou ateacute mesmo omissos [Como exemplo de omissatildeo veja-se o Everson (1991) ldquoCompanion to Ancient Thought 2 ndash

Psychologyrdquo livro especificamente dedicado agrave Psicologia no pensamento antigo onde apesar da presenccedila dos

maiores nomes entre os scholars de filosofia antiga (Schofield Irwin Annas AA Long e outros) natildeo haacute nenhuma

referecircncia agrave psicologia de Parmecircnides] Um texto dedicado ao assunto Early psychological thought [Green C D

e Groff P R (2003)] destinado a psicoacutelogos e filoacutesofos (p ix) embora se proponha a ser um ancient account

accounts of mind and soul quando aborda Parmecircnides (e os eleaacuteticos) escreve assim ldquoNeverthless his inclusion

in a history of early psychological thought is a little tricky to justify since he had little or nothing to say on the

issue of the psychecirc (hellip) His major contributions were in epistemology tyhe theory of knowledge itself and in

ontology the theory of what at the most basic level can be said to existrdquo [Ibidem p 28] Natildeo me parece que os

diretos responsaacuteveis por tais afirmaccedilotildees sejam os seus autores pois eles tomaram essas descriccedilotildees dos estudiosos

de histoacuteria da filosofia antiga ndash em particular a respeito de Parmecircnides os autores citados satildeo Barnes e Gallop os

quais natildeo fazer nenhuma referecircncia aos estudos psicoloacutegicos de Parmecircnides ndash e o argumento principal eacute que no

texto parmenidiano natildeo haacute referecircncia agrave psyche

40

referecircncia ao sistema psicoloacutegico de conhecimento Acho que natildeo porque um aparelho cognitivo

tem que estar pressuposto expliacutecita ou implicitamente e tenho a impressatildeo de que se repete um

erro metodoloacutegico jaacute evidenciado em outros casos onde se confunde a palavra como a noccedilatildeo Por

exemplo se nos baseaacutessemos na palavra loacutegica nos livros de histoacuteria da loacutegica natildeo constaria

Aristoacuteteles porque embora a noccedilatildeo de loacutegica assim como hoje a entendemos estivesse jaacute perfeita

e claramente presente ele natildeo usava esta palavra e se fizeacutessemos o mesmo com a palavra nuacutemero

na histoacuteria da matemaacutetica natildeo constariam os primeiros pitagoacutericos embora as noccedilotildees matemaacuteticas

estivessem claramente presentes entre eles O mesmo parece acontecer com a psicologia em relaccedilatildeo

a Parmecircnides pois o fato de que natildeo compareccedila a palavra psique em seu poema natildeo quer dizer

que natildeo tenha tratado de temas psicoloacutegicos e como mostraremos ali estatildeo claramente presentes

muitas noccedilotildees que hoje chamariacuteamos de noccedilotildees de psicologia

32 Parmecircnides psicoacutelogo (primeira parte)

Passamos a estudar agora os elementos psicoloacutegicos com os quais e sobre os quais

Parmecircnides constroacutei a sua filosofia Embora o poema fale claramente a respeito de atos da mente

isto eacute a respeito da possibilidade de pensar a verdade e tambeacutem a respeito do caminho errado que

os mortais seguem quando pensam suas opiniotildees um aprofundamento desse ponto de vista pelo

que eu sei como eu jaacute disse ainda natildeo foi tentado Por isso antes de aprofundar o tema eu gostaria

de deixar claro mais uma vez em que sentido estou usando aqui o termo psicologia e seus

cognatos Uso aqui o termo no sentido utilizado pela ciecircncia moderna ou seja como mente e

tomando distacircncia do sentido de alma uma das possiacuteveis traduccedilotildees de ψῡχή Assim uso

psicologia como aquela ciecircncia que trata dos estados e processos mentais exatamente como a

41

primeira definiccedilatildeo do Dicionaacuterio Huaiss da Liacutengua Portuguesa34

A psicologia cientiacutefica surge no seacuteculo XIX mas se consolida somente no seacuteculo XX Assim

eacute razoaacutevel que o aspecto psicoacutelogo possa aparecer somente depois do surgimento da nova ciecircncia

da psicologia Na verdade esperariacuteamos um exame do ponto de vista psicoloacutegico no comeccedilo35 ou

ao longo do seacuteculo XX quando assistimos agrave multiplicaccedilatildeo de muitas disciplinas no campo da mente

humana desde as neurociecircncias ateacute a psicologia social e a comparativa Na aacuterea da filosofia

assistimos ao nascimento da filosofia da mente mas uma revisatildeo dos conhecimentos psicoloacutegicos

no pensamento antigo natildeo vai aleacutem de poucas notas nos livros gerais de histoacuteria da psicologia

Desta forma nestas paacuteginas o propoacutesito eacute pocircr em evidecircncia o Parmecircnides observador da natureza

funccedilotildees e fenocircmenos da mente humana e naturalmente algumas discussotildees sobre como e quanto

essas observaccedilotildees influenciaram a sua filosofia

321 O fragmento 1

O poema se abre com uma imagem poderosa e espetacular que jaacute desde o primeiro verso

carrega um vocabulaacuterio psicoloacutegico

ἵπποι ταί με φέρουσιν ὅσον τ ἐπὶ θυμὸς ἱκάνοι

Umas eacuteguas conduzem o jovem disciacutepulo tatildeo longe quanto o espiacuterito pode alcanccedilar e levam o carro

34Houaiss (2001) verbete psicologia 35 Uma notaacutevel exceccedilatildeo eacute o livro de Beare de 1906 ldquoGreek theories of elementary cognition From Alcmaeon to

Aristotlerdquo Na introduccedilatildeo ele diz ldquoThe aim of the following pages is to give a close historical account of the various

theories partly phisiological and partly psychological by which the greek philosophers from Alcamaeon to

Aristotle endeavourede to explain the elementary phenomena of cognition The pre-Aristotelean writers who

applied themselves to this subject and whose writings we possess any considerable information are Alcmaeon of

Crotona Empadocles Democritus Anaxagoras Diogenes of Apollonia and Platordquo Parmecircnides natildeo eacute tratado

42

sobre um caminho especial que o levaraacute agrave presenccedila da deusa A palavra θυμὸς parece ser a chave

para seguir o curso didaacutetico que Parmecircnides atraveacutes da voz da deusa oferece ao seu leitor O verso

eacute reportado por Sexto Empiacuterico o qual na sua paraacutefrase traduz θυμὸς exatamente por ψῡχή36

Naturalmente com esta palavra o ceacutetico Sexto quer dizer alma atendendo a uma noccedilatildeo de seu

tempo que eacute inuacutetil reportar aqui Mas certamente θυμὸς eacute uma palavra que se refere agrave estrutura

humana que atualmente chamamos mente

Θυμὸς tem um grande campo semacircntico jaacute em Homero onde significa alma ou espiacuterito como

princiacutepio de vida do sentir37 e do pensamento38 Mas aqui no proemio Parmecircnides faz uma

introduccedilatildeo ao caraacuteter do seu escrito com muitas imagens coloridas ressonantes e dinacircmicas39 para

colocar seu leitor na disposiccedilatildeo mental de atenccedilatildeo para as liccedilotildees da deusa40 Por esta razatildeo a

palavra θυμὸς aqui eacute fortemente poeacutetica e indeterminada de modo que o puacuteblico a intenda de uma

forma mais subjetiva que objetiva Portanto ela apresenta pouco interesse para a nossa busca de

um sentido claro e uniacutevoco Entretanto a sua posiccedilatildeo no primeiro verso nos deveria alertar de que

o sujeito do poema eacute a mente Eacute a mente (no sentido amplo de aquela capacidade humana de

imaginaccedilatildeo compreensatildeo e conhecimento) que estaacute se preparando para a grande aventura pelo

mundo inteiro ateacute seus limites (e mais) para descobrir os segredos mais ocultos privileacutegio do

36Sextus Empiricus 71121 ἐν τούτοις γὰρ ὁ Παρμενίδης ἵππους μέν φησιν αὐτὸν φέρειν τὰς ἀλόγους τῆς ψυχῆς

ὁρμάς τε καὶ ὀρέξεις 37Bremmer (1983) p 54 ldquoThymos is above all the source of emotionsrdquo 38Bremmer (1983) p 55 ldquoWhen Odysseus is left alone by the Greeks in a battle ldquohe spoke to his proud thymosrdquo (XI

403) Having realized the two possibilities left to him he ends his deliberations by asking ldquobut why does my

Thymos consider thatrdquo (XI 407)rdquo 39ldquoMultimidiardquo segundo a feliz expressatildeo de Cornelli (Cornelli 2007 p 50) 40Uma ampla discussatildeo sobre as teacutecnicas usadas por Parmecircnides em relaccedilatildeo ao seu auditoacuterio estaacute em Robbiano (2006)

Apesar da grande discussatildeo sobre o papel do proemio natildeo se encontra nenhum nexo de conteuacutedo entre este e o

resto do poema

43

homem saacutebio principalmente quando eacute conduzido por uma deusa

A descriccedilatildeo parece mostrar a mente bem disposta ao conhecimento e com uma grande carga

de vontade pronta para se lanccedilar na jornada difiacutecil do conhecimento E de fato depois da

cuidadosa descriccedilatildeo da viagem em direccedilatildeo agrave deusa que o receberaacute a viagem fiacutesica do disciacutepulo

termina diante da presenccedila divina enquanto a viagem da mente continua anunciada pela proacutepria

deusa primeiro atraveacutes do mundo dos pensamentos (como veremos) um mundo onde eacute possiacutevel

encontrar aquele tipo de Persuasatildeo que procede ao lado da verdade e segundo atraveacutes do mundo

da opiniatildeo feito de estrelas divinas ceacuteus eteacutereos Eros homens e mulheres Eacute notaacutevel como essa

segunda parte da viagem natildeo acontece com uma passagem fiacutesica do jovem aprendiz atraveacutes dos

lugares fiacutesicos dos quais o poeta poderia ter nos dado uma descriccedilatildeo mas eacute exatamente uma

viagem da mente examinando teorias sobre o mundo cosmoloacutegico o mundo bioloacutegico e tambeacutem

sobre o mundo psicoloacutegico Assim o poema de Parmecircnides eacute um poema da mente pela mente e

sobre a mente

3211 A deusa DK B 12-27

Nos 26 versos seguintes do fragmento 1 Parmecircnides conta da viagem de um jovem disciacutepulo

o kouros41 ao encontro da anocircnima deusa A linguagem que ele escolhe para esta parte eacute miacutetica de

forma que o cenaacuterio os atores e a proacutepria accedilatildeo satildeo miacuteticos Natildeo haacute nenhuma referecircncia a nenhum

41Entre as vaacuterias interpretaccedilotildees do kouros (em grego jovem) em geral polarizadas entre identificaacute-lo como o proacuteprio

Parmecircnides ou como um disciacutepulo de Parmecircnides se destaca a interpretaccedilatildeo de Cousgrove (1974) que diz que

kouros significa jovem mas no sentido de sem experiecircncia ldquoYouth on the other hand implies inexperiencerdquo (p

93) podendo afinal ser um homem adulto e maduro e mesmo assim ser kouros

44

vieacutes psicoloacutegico em toda a passagem exceto se quisermos entendecirc-la como o proacuteprio Sexto

Empiacuterico faz como uma alegoria de um tipo de processo mental42 A interpretaccedilatildeo correta ou ateacute

mesmo a interpretaccedilatildeo provaacutevel desta primeira parte do proemio eacute um assunto realmente

controverso entre os estudiosos43 e por outro lado para nossos fins entrar nesta discussatildeo natildeo eacute

42Para Sexto (Adv Math 7112-114) os cavalos satildeo os desejos da alma (τὰς τῆς ψυχῆς ὁρμάς) o caminho do daimon

eacute a argumentaccedilatildeo filosoacutefica (τὸν φιλόσοφον λόγον θεωρίαν) e assim por diante

43Zeller desconsidera o proemio enquanto Diels (1987) o revaloriza inclusive analisando os detalhes das descriccedilotildees

dos eixos ferrolhos e outros mecanismos presentes no proemio Bowra retoma de certa forma a interpretaccedilatildeo de

Sexto afirmando que o proemio eacute essencialmente alegoacuterico Simultaneamente uma retomada da interpretaccedilatildeo

misteacuterica que iniciara de certa forma com Diels acontece com a anaacutelise de Burkert (1969) e prossegue com

Kingsley (1999) e Kingsley (2003) ateacute chegar nas interpretaccedilotildees sensoacuterias de Gemelli-Marciano (2008) Esta uacuteltima

afirma antes de tudo seguindo Kingsley (2003) que o poema de Parmecircnides eacute esoteacuterico e depois que os meios

necessaacuterios a transmitir essa sensaccedilatildeo de entrar num outro mundo satildeo utilizados no poema que era declamado e

natildeo lido atraveacutes das imagens propostas e dos sons dos versos os quais proporcionariam ldquoAlienation and binding

are the most powerful means to remove listeners from the ordinary everyday dimension and way of thinking and

put them into a different state of consciousness Images repetitions sequences of words and sounds supposedly

logical arguments all contribute to this end and have a particular meaning and function that surpass conventional

human language and ordinary syntactical and semantic relationshipsrdquo (2008 p 26-7) Todavia a maioria dos

estudiosos tende para uma interpretaccedilatildeo literaacuteria principalmente como artifiacutecio retoacuterico introdutivo

No seu comentaacuterio ao estudo de Gemelli-Marciano (2013) apresentado a Eleatica em 2007 Cornelli afirma que

haacute um Parmecircnides que natildeo queriacuteamos ver (p 145-148) Eu concordo com algumas ressalvas Dada uma

normalidade de consciecircncia haacute muitas coisas que podem alteraacute-la Em primeiro lugar haacute as alteraccedilotildees atraveacutes de

certas substacircncias psicoacutegenas e possivelmente Parmecircnides se de fato praticava a katabasis quase certamente

usava as papaveris lacrimae (a resina que escorre do receptaacuteculo da flor de papoula quando sofre uma incisatildeo) que

era de largo uso religioso (natildeo necessariamente iniciaacutetico) e meacutedico em toda a aacuterea mediterracircnea (Nencini 2004

2009) uma praacutetica similar se manteacutem ainda no rito catoacutelico pelo uso religioso (natildeo necessariamente iniciaacutetico) do

vinho substacircncia que tambeacutem altera a consciecircncia Depois haacute as alteraccedilotildees de consciecircncia por paroxismo

emocional (stress e similares) como se em certos ritos principalmente aqueles acompanhados pelos sons

obsessivos de instrumentos de percussatildeo Depois haacute as alteraccedilotildees de consciecircncia pela arte poesia muacutesica e outras

onde a experiecircncia artiacutestica leva para ldquooutro mundordquo Mas o mesmo se sente diante que uma elegante demonstraccedilatildeo

matemaacutetica o da loacutegica extraordinaacuteria (assim nos parece) de um feito cientiacutefico qualquer Em suma natildeo haacute grande

novidade em dizer que sons e imagens do poema levam a um estado de consciecircncia alterado O problema estaacute na

explicaccedilatildeo que se quer dar agravequele estado alterado Em geral na ocorrecircncia de um estado alterado provocado

voluntariamente haacute um mestre que pretende saber o que aquele estado alterado significa Infelizmente a histoacuteria

mostra que esse tal mestre possuidor de uma pretensa sabedoria que vem de outro mundo nada mais eacute que um

charlatatildeo da supersticcedilatildeo e da crendice Ora supersticcedilatildeo e crendice tambeacutem se alimentam destes estados alterados

de consciecircncia (como jaacute dizia Heraacuteclito DK 22 B 5 14) A proposta de Parmecircnides eacute exatamente poder distinguir

os discursos verdadeiros daqueles que natildeo tecircm fundamento e que satildeo fruto de supersticcedilatildeo e crendice (ele diz

haacutebitos culturais) Apesar da grande empolgaccedilatildeo de Kingsley em defender a formaccedilatildeo iniciaacutetica de Parmecircnides o

fato histoacuterico eacute muito simples a religiatildeo misteacuterica era o padratildeo na antiguidade e natildeo a exceccedilatildeo Entatildeo ao histoacuterico

da filosofia natildeo interessa o Parmecircnides xamacircnico ou que faz katabasis isto era comum e estaacute registrado na cultura

anterior a Parmecircnides O que interessa ao historiador da filosofia eacute esta novidade chamada filosofia que em

Parmecircnides se manifesta de forma embrional E pouco importa se a matriz eacute religiosa ou iniciaacutetica o fato eacute que a

45

proveitoso porque neste trecho natildeo se encontra nenhuma palavra expliacutecita ou situaccedilatildeo ou imagem

que fale da mente Assim podemos pular esta parte e ir diretamente agrave fala da deusa com a qual

Parmecircnides muda completamente o tom da linguagem a partir do ponto do poema onde ela inicia

sua fala a linguagem perde o seu imaginaacuterio miacutetico e a indeterminaccedilatildeo poeacutetica para se tornar uma

linguagem teacutecnica e precisa apesar das grandes dificuldades com as quais Parmecircnides se depara

para expressar novas noccedilotildees como em breve veremos

3212 O programa DK B 128-30

Entatildeo a deusa recebe o kouros e depois de algumas palavras de conforto ela diz

hellipχρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι

ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ

ἠδὲ βροτῶν δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής

Ela diz que ele precisa aprender (πυθέσθαι)44 tudo de um lado o ἦτορ firme da verdade

filosofia representa uma mutaccedilatildeo geneacutetica para usar metaforicamente uma linguagem moderna que define una

autonomia em relaccedilatildeo agrave matriz Ora tal mutaccedilatildeo geneacutetica se revelou interessante e eacute por isto que cresceu

autonomamente e sobreviveu ateacute hoje eacute a esta criatura geneticamente modificada que se interessa o historiador

da filosofia e para a histoacuteria da filosofia sons e imagens satildeo interessantes na medida em que ampliam ou

aprofundam a compreensatildeo da filosofia e natildeo quando evocam esoterismos misteacutericos pois estes interessam agrave

antropologia e ciecircncias afins (ateacute mesmo agrave linguiacutestica na sua parte antropoloacutegica como a etno-linguiacutestica veja-se

por exemplo as referecircncias a Parmecircnides em Costa 2008) Entatildeo eu concordo que haacute um Parmecircnides que natildeo

queriacuteamos ver mas com a ressalva de que este querer eacute eventualmente consciente pois este outro lado (que natildeo

queriacuteamos conhecer) natildeo eacute necessariamente interessante Por exemplo o livro In the dark places of wisdom do jaacute

citado Kingsley (1999) faz uma hipoacutetese a respeito da biografia de Parmecircnides aquela de ele ser um iniciado

hipoacutetese vaacutelida mas natildeo nova como Cornelli sabe perfeitamente por ser um estudioso do pitagorismo (veja-se o

seu excelente In search of Pythagoreanism de 2013 e a criacutetica a Kingsley nas paacuteginas 46-49) Mas esta hipoacutetese

ao qual o inteiro livro eacute dedicado natildeo acrescenta um iota agrave compreensatildeo de sua filosofia pois esta natildeo estaacute nos

lugares obscuros da sabedoria mas na luz meridiana de sua ontologia sua loacutegica e na sua problemaacutetica cosmologia

suscitando ateacute hoje debates estes sim extraordinaacuterios entre os filoacutesofos e cientistas contemporacircneos no mundo

inteiro 44Muitas satildeo as traduccedilotildees dos estudiosos Albertelli (1939 p 119) che tu impari Pasquinelli (1958 p 227) imparare

Guthrie (1965 p 9) to learn Capizzi (1975 p 8) esplorare Barnes (1982 p 122) ascertain OBrien (1987 p 7)

hear Marques (1990 p 114) Santoro (2011 p 85) que te instruas Reale (1991 p 89) che tu apprenda Conche

(2004 p 43) que tu sois instruit Robbiano (2006 p 213) to find out Coxon (2009 p52) be informed

46

εὐκυκλέος e de outro lado as opiniotildees dos mortais nas quais natildeo haacute feacute verdadeira Deixei duas

palavras em grego porque precisamos olhar para elas mais de perto Mas antes de tudo precisamos

esclarecer o sentido geral da passagem Parmecircnides expotildee aqui o programa do assunto que ele

desenvolveraacute nos proacuteximos versos algo que podemos considerar como um iacutendice um dos vaacuterios

elementos meta-discursivos do poema45 Ele diz que seu poema trataraacute de duas coisas uma

relacionada com a verdade (vamos aceitar assim por enquanto) e outra com as opiniotildees dos

mortais Ademais o kouros precisa aprender como todas as coisas deveriam ser quando seguem as

aparecircncias (DK 131-2)46 O programa anunciado seraacute cumprido em duas partes chamadas parte

da verdade fragmentos DK 2 a 8 e a da opiniatildeo fragmentos DK 9 a 19

Agora podemos voltar para o verso 129 ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ Todos os

estudiosos entendem este verso metaforicamente e o traduzem segundo o sentido mais comum de

cada palavra deixando que a imaginaccedilatildeo do leitor se ponha em accedilatildeo o coraccedilatildeo imoacutevel da verdade

bem redonda Todas as traduccedilotildees vatildeo nesta direccedilatildeo embora com diferenccedilas de estilo e de opccedilatildeo

das variantes trazidas pelos doxoacutegrafos47 e natildeo se afastam do sentido metafoacuterico Apesar da

imagem muito forte de um ldquocoraccedilatildeo da verdade bem redondardquo que capturou a sensibilidade de

muitos estudiosos haacute muitas razotildees para tomar estas palavras natildeo como metaacutefora mas como uma

45Veja-se a respeito o excelente artigo de Livio Rossetti La structure du poegraveme de Parmeacutenide (2010) 46Estes versos controversos desde sua traduccedilatildeo ateacute a interpretaccedilatildeo natildeo satildeo assunto desta investigaccedilatildeo 47O termo εὐκυκλέος transmitido por Simplicius eacute escolhido por Diels mas muitos autores preferem uma das duas

outras variantes que temos εὐπειθέος de Sexto Empiacuterico e εὐφεγγέος trazido por Proclo O termo ἀτρεμὲς tem

uma variante ἀτρεκὲς em Plutarco Recentemente Kurfess leva adiante uma interessante questatildeo interpretativa

haacute na poesia arcaica uma tendecircncia agrave repeticcedilatildeo que no caso de Parmecircnides foi subestimada de forma que os trecircs

adjetivos natildeo satildeo alternativos (variantes) de um mesmo verso mas devem pertencer a trecircs versos diferentes

implicando a introduccedilatildeo de mais dois fragmentos ldquoWhat are commonly regarded as conflicting variant readings

of the opening of the poem are actually so I claim quotations from different passages of the poem and all three

adjectives εὐκυκλέος εὐπειθέος and even εὐφεγγέος preserve Parmenidesrsquo original wordingrdquo (Kurfess 2014a)

47

linguagem teacutecnica precisa Estudei esses versos em detalhes em trabalho precedente 48 e aqui

somente reporto algumas conclusotildees A primeira razatildeo a levar em conta eacute como jaacute dissemos a

mudanccedila do tom poeacutetico sugestivo e miacutetico na primeira parte do proemio agrave linguagem precisa da

deusa no resto do poema49 de forma que o coraccedilatildeo imoacutevel da verdade bem redonda eacute uma

linguagem teacutecnica e natildeo uma metaacutefora pois faz parte da fala da deusa e natildeo da descriccedilatildeo previa da

viagem do kouros Naturalmente neste caso surge o problema de entender estas palavras em

sentido teacutecnico pois de fato o que poderia significar um verso tatildeo colorido

Vamos comeccedilar rejeitando as razotildees da interpretaccedilatildeo padratildeo Um coraccedilatildeo imoacutevel natildeo eacute uma

boa metaacutefora porque o coraccedilatildeo de fato natildeo pode parar nunca pois um coraccedilatildeo imoacutevel eacute um coraccedilatildeo

morto A palavra para coraccedilatildeo eacute ἦτορ que tem uma longa histoacuteria desde Homero ateacute os poetas

liacutericos nunca foi usado como metaacutefora 50 A palavra para verdade ἀλήθεια (na forma genitiva

ἀληθείης) natildeo pode ser entendida como uma noccedilatildeo abstrata e ideal porque essa acepccedilatildeo comeccedilaraacute

somente com Platatildeo e se completaraacute provavelmente somente com Agostinho51 no tempo de

Parmecircnides ela deve ser entendida no sentido arcaico concreto de coisa verdadeira52 A bela

48Galgano 2012 49 Rossetti (2010 p 202) ldquoEn annonccedilant les deux types de savoir la deacuteesse entre dans le rocircle du sophos et du

didaskalos cependant que le poegravete Parmeacutenide abandonne celui du chanteur qui cherche agrave enchanter et

suggestionner son auditoire pour celui de lrsquointellectuel qui a appris et sait des choses retentissantes et qui est capable

drsquoen rendre compterdquo 50Sullivan 1996 Numa passagem desse artigo (p 17) a autora sugere ndash citando Il X 93 onde Agamemnon muito

preocupado diz ldquomeu ἦτορ natildeo estaacute firme (ἔμπεδον)rdquo ndash que o natildeo firme poderia fazer referecircncia agrave batida do

coraccedilatildeo talvez irregular caracterizando um sentido mais fiacutesico Eu penso que eacute muito mais simples aceitar o sentido

psicoloacutegico por vaacuterios motivos 1) uma noccedilatildeo de variaccedilatildeo da regularidade da batida do coraccedilatildeo em associaccedilatildeo com

as preocupaccedilotildees de Agamemnon me parece um conceito sofisticado demais para essas eacutepoca 2) o natildeo firme faz

referecircncia claramente a uma indecisatildeo de Agamemnon que vai procurar a ajuda de Nestor o mais saacutebio dos

Aqueus 3) Homero usa ἔμπεδον em outras ocasiotildees como adjetivo para φρένες e νόος (Il 6532 e 11813)

expressotildees com clara referecircncia psicoloacutegica 51No De libero arbiacutetrio Agostinho equipara a Verdade a Deus 52Bernabeacute associa o termo ἀλήθεια em Parmecircnides agraves foacutermulas iniciaacuteticas de matriz oacuterficas utilizadas no sul da Itaacutelia

48

expressatildeo bem redonda εὐκυκλέος tem o sentido homeacuterico de proteccedilatildeo bem feita como no

escudo de Agamemnon (Il XI 33)53 Ateacute mesmo ἀτρεμὲς adjetivo para imoacutevel que natildeo treme

poderia ser entendido como calma numa referecircncia ao mar que natildeo treme54 mas o sentido de natildeo

tremer ἀ (privativo) + τρεμὲς treacutepido eacute uma sugestatildeo muito clara de natildeo oscilaccedilatildeo de um lado a

outro e veremos a importacircncia disso55 Todos estes elementos remetem a uma rejeiccedilatildeo do sentido

metafoacuterico e nos obriga a procurar novas maneiras de entendimento

A deusa fala de duas coisas correlacionadas marcadas pelos correlativos ἠμὲν e ἠδὲ sendo

que o segundo verso tem sentido mais claro e natildeo eacute metafoacuterico as opiniotildees dos mortais nos quais

natildeo haacute feacute verdadeira Assim podemos ver que a deusa estaacute falando do conhecimento do mundo

(πάντα) de um lado as opiniotildees nas quais natildeo haacute uma verdade confiaacutevel e de outro lado afirmaccedilotildees

que satildeo confiaacuteveis O que estaacute em jogo eacute o fato de que alguns conhecimentos satildeo confiaacuteveis e

outros natildeo Ao conhecimento natildeo confiaacutevel a deusa chama de opiniotildees dos mortais enquanto que

ao confiaacutevel ela chama de verdade bem redonda Mas verdade bem redonda estaacute em caso genitivo

aqui um genitivo de origem e indica a instacircncia de onde o sujeito se origina isto eacute de uma verdade

bem redonda Agora se voltarmos para o sentido comum e natildeo metafoacuterico de ἦτορ o sentido de

naquela eacutepoca Para essas foacutermulas ἀλήθεια significa algo que natildeo deve ser esquecido (conforme a noccedilatildeo

etimoloacutegica da palavra) que deve ser mantido em mente ldquoNo universo das lacircminas a verdade natildeo eacute outra coisa

senatildeo aquilo que natildeo se deve esquecer o que foi aprendido na iniciaccedilatildeordquo (Bernabeacute 2013 p 51) Ou seja ἀλήθεια

apresenta a noccedilatildeo de um processo mental do sujeito e natildeo de um algo objetivado fora da mente do sujeito 53O termo κύκλος tem sentido substantivo de aro de proteccedilatildeo que manteacutem firmemente juntas todas as peccedilas do

escudo de Agamecircmnon (ἣν πέρι μὲν κύκλοι δέκα χάλκεοι ἦσαν cercado por dez aros de bronze) 54 LSJ verbete ἀτρεμὴς Semonides 737 ldquoθάλασσα ἀτρεμὴςrdquo 55Se eacute verdade que τρέμω e seus cognatos podem ser referidos ao tremor de medo eacute verdade tambeacutem que podem ser

referidos ao mero movimento fiacutesico sem implicaccedilatildeo emocional como em terremoto (Il 1318) ou no tremor dos

soluccedilos (Il 21507) jaacute ausecircncia de movimento portanto o natildeo tremor natildeo se refere soacute agrave calma (da coragem) mas

tambeacutem agrave imobilidade como os cumes de um monte (Il 5524) ou a uma estela ou uma grande aacutervore (Il 13438)

ou ateacute mesmo ao natildeo repouso de uma lanccedila em constante atividade (Il 13557)

49

sede da faculdade de raciociacutenio tudo se acomoda no lugar certo e se encaixa da melhor maneira

De fato como sede da faculdade de raciociacutenio56 isto eacute como mente na linguagem atual natildeo

temos nenhuma contradiccedilatildeo com ἀτρεμὲς natildeo tremente uma mente que treme (oscila) estaacute em

duacutevida enquanto uma mente imoacutevel (firme que natildeo oscila) eacute uma mente firmemente convencida

que ultrapassou a duacutevida alternante entre afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo do mesmo enunciado Qual eacute a causa

(origem gecircnese) de um tal estado mental de firmeza Eacute a verdade bem redonda onde bem redondo

se refere agrave soacutelida proteccedilatildeo que manteacutem juntas as peccedilas (como no escudo de Agamemnon57) algo

que liga todos os elementos para fazer uma peccedila uacutenica soacutelida e protegida

Agora a traduccedilatildeo estaacute completa a mente firme que vem de uma verdade bem amarrada (bem

conexa) Se fazemos uma paraacutefrase dos versos noacutes podemos dizer

Tu aprenderaacutes tudo

tanto a mente firme gerada de uma verdade bem conexa (convincente)

quanto as opiniotildees dos mortais nas quais natildeo haacute verdade convincente

Podemos ver aqui natildeo somente um vocabulaacuterio psicoloacutegico mas tambeacutem uma genuiacutena observaccedilatildeo

psicoloacutegica De fato a convicccedilatildeo eacute descrita como fenocircmeno psicoloacutegico da mente que natildeo treme

56Mesmo em Homero onde ἦτορ eacute raramente envolvido com o pensamento haacute uma passagem crucial logo na abertura

da Iliacuteada (1188) onde Aquiles enfurecido o coraccedilatildeo a flutuar indeciso em seu peito veloso (ἐν δέ οἱ ἦτορ

στήθεσσιν λασίοισι διάνδιχα μερμήριξεν ndash trad Nunes) estaacute indeciso entre agir (matar Agameacutemnon ou natildeo) eacute

notaacutevel como na expressatildeo homeacuterica ἦτορ preside uma duacutevida enquanto na expressatildeo parmenidiana ἦτορ consegue

sair da duacutevida e permanecer firme mais uma indicaccedilatildeo do valor natildeo metafoacuterico deste verso de Parmecircnides 57εὐκυκλέος foi escolhido por Diels por ser lectio difficilior Bem persuasivo a versatildeo dada por Sexto Empiacuterico expotildee

mais claramente o conteuacutedo psicoloacutegico da expressatildeo ἀτρεμὲς ἦτορ o que reforccedila a interpretaccedilatildeo aqui apresentada

Aqui dentro do contexto da interpretaccedilatildeo filosoacutefica ambos εὐκυκλέος e εὐπειθέος apresentam um sentido

convergente e a nossa tarefa pode se considerar cumprida Jaacute em contexto filoloacutegico os estudos continuam e se

aprofundam Passa por exemplo acredita que εὐκυκλέος seja um ajuste secundaacuterio que tende a transferir no verso

programaacutetico do proemio conteuacutedos fundamentais da tradiccedilatildeo neoplatocircnica (Passa 2009 p 52) jaacute Kurfess eacute ainda

mais ousado e defende a possibilidade de que as trecircs variantes εὐκυκλέος εὐπειθέος εὐφεγγέος pertenccedilam a trecircs

diferentes versos do poema (Kurfess 2012 p 18-54)

50

que natildeo oscila de um lado a outro mas permanece firme ligada por conexotildees e protegida da duacutevida

No outro lado a deusa coloca as opiniotildees dos mortais nas quais a convicccedilatildeo (πίστις) natildeo eacute

verdadeira porque as opiniotildees (a respeito de um mesmo fato) mudam enquanto a verdade bem

ligada daacute origem agrave mente firme isto eacute agrave mente que natildeo muda de ideia Parmecircnides nota que em

ambos os casos opiniotildees ou mente firme o homem se convence (ou persuade como diraacute alguns

versos agrave frente) mas o convencimento natildeo verdadeiro gera opiniotildees enquanto o conhecimento

verdadeiro gera a mente firme Ele faz uma distinccedilatildeo sutil mas importante e que eacute o ponto de partida

de uma discussatildeo a respeito do raciociacutenio ele diz que todo homem pode estar convencido de suas

crenccedilas mas isto natildeo significa que estas sejam verdadeiras Algueacutem pode estar persuadido de um

certo conhecimento mas a sua persuasatildeo natildeo torna verdadeiro aquele conhecimento Parmecircnides

diraacute depois que eacute necessaacuterio algo a mais para alcanccedilar a certeza eacute necessaacuterio um meacutetodo para ligar

com conexotildees estreitas os elementos daquele conhecimento que soacute assim se torna verdadeiro O

meacutetodo seraacute exposto nos versos seguintes

A problemaacutetica psicoloacutegica que Parmecircnides abriu eacute uma enorme descoberta que desde entatildeo

nunca mais iraacute abandonar o homem porque se nossas convicccedilotildees natildeo satildeo o bastante para certificar

a verdade isto significa ao menos duas coisas 1) natildeo temos certeza da verdade que temos logo a

posse da verdade fica em suspenso o que equivale pragmaticamente em natildeo ter a verdade 2)

temos que procurar uma maneira de certificar a verdade e isto significa que precisamos encontrar

a verdade isto eacute uma certificaccedilatildeo verdadeira que decirc verdade ao que ela certifica Com a introduccedilatildeo

desta problemaacutetica ele comeccedila aquele processo histoacuterico onde o homem sabe que ele natildeo eacute saacutebio

porque natildeo conhece a verdade em outras palavras ele inicia a questatildeo do homem em busca da

verdade o homem em busca da sabedoria Enquanto seus mestres buscavam apenas novos

conhecimentos em algum campo da vida humana Parmecircnides percebeu que haacute um problema

51

anterior comum a todos os saberes algo relacionado com as funccedilotildees da mente humana pelo qual

nenhum conhecimento poderia ser considerado verdadeiro ateacute que fosse corretamente certificado

Os sentidos natildeo satildeo suficientes os relatos natildeo satildeo suficientes as tradiccedilotildees natildeo satildeo suficientes

todas estas formas de conhecimento satildeo criticadas exatamente com esta distinccedilatildeo estar convencido

de algo natildeo torna este algo verdadeiro Ao mesmo tempo ele inicia a busca pela sabedoria partindo

da consciecircncia de que noacutes natildeo podemos ter a verdade imediatamente e a busca pela verdade do

conhecimento ambas as buscas implicam na nossa linguagem atual o iniacutecio da gnosiologia o

estudo das possibilidades de conhecimento58 e do estudo do conhecimento verdadeiro59 Nos

proacuteximos versos veremos como essa enorme descoberta eacute articulada ao longo de seu poema

sempre partindo de observaccedilotildees psicoloacutegicas

322 O fragmento 2

O fragmento DK 2 eacute uma obra prima em muitos sentidos e eacute uma das partes mais estudadas

do poema Aqui diremos apenas algo em referecircncia ao nosso enfoque psicoloacutegico geral

evidenciando um vocabulaacuterio psicoloacutegico principalmente nos primeiros dois versos mas o inteiro

fragmento estaacute construiacutedo a partir de uma observaccedilatildeo psicoloacutegica fundamental que acaba

comportando implicaccedilotildees filosoacuteficas profundas Por este motivo o fragmento 2 seraacute estudado

detidamente na primeira parte do segundo capiacutetulo Aqui analisaremos principalmente o verso 2

58 Agraves vezes referida agrave gnosiologia ou teoria do conhecimento embora tecnicamente essas expressotildees tenham uma

conotaccedilatildeo bem restrita (veja-se Abbagnano 1971 verbete conhecimento teoria do) 59Agraves vezes referido como epistemologia ou teoria do conhecimento embora tecnicamente essas expressotildees tambeacutem

tenham conotaccedilatildeo bem restrita (veja-se Abbagnano 1971 verbete conhecimento teoria do)

52

com uma atenccedilatildeo especial ao νοεῖν parmenidiano que constituiraacute a chave para a compreensatildeo da

reflexatildeo psicoloacutegica de Parmecircnides e permitiraacute evidenciar como uma grande problemaacutetica jaacute era

clara a ele Vamos relembrar os versos na ediccedilatildeo DK 28 B 2

εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας

αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι

τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν

οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

οὔτε φράσαις

A deusa diz ldquoagora presta atenccedilatildeo agraves minhas palavras eu te direi quais satildeo os caminhos de

inqueacuterito a pensar um que eacute e que eacute impossiacutevel que natildeo seja eacute caminho de Persuasatildeo (pois

acompanha a Verdade) outro que natildeo eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja este digo que eacute caminho

totalmente inescrutaacutevel porque vocecirc natildeo pode conhecer o natildeo ser (pois natildeo pode ser levado a cabo)

nem vocecirc poderia expressaacute-lordquo Dado o grande nuacutemero de interpretaccedilotildees diferentes esse sentido

geral pode ser contestado quase a cada palavra por muitos estudiosos Poreacutem vamos evitar o

sentido filosoacutefico (que seraacute estudado detidamente mais adiante) e nos restringir agrave parte psicoloacutegica

3221 O uacutenicos caminhos de inqueacuterito DK B 22

No verso 2 ndash αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι ndash a deusa fala de 1) νοῆσαι um verbo do

qual discutiremos em breve 2) ὁδοὶ caminhos para a accedilatildeo de νοῆσαι 3) ὁδοὶ διζήσιός εἰσι νοῆσαι

caminhos parta a accedilatildeo de νοῆσαι de um modo especiacutefico aquele que inquere 4) o fato de que os

caminhos a serem expostos satildeo os uacutenicos (μοῦναι) caminhos possiacuteveis para o modo que inquere

Cada palavra desse verso se refere a alguma distinccedilatildeo psicoloacutegica Vamos examinar

53

1) νοῆσαι Haacute uma controveacutersia aqui a respeito do sentido preciso de νοεῖν (de onde νοῆσαι) em

Parmecircnides Eacute uma grande discussatildeo porque de um lado Parmecircnides usa a estrutura poeacutetica eacutepica

isto eacute usa a linguagem e a forma mais tradicionais para expressar seu pensamento mas de outro

lado ele usa novos sentidos para palavras antigas e usa palavras antigas para descrever novas

descobertas reflexotildees e propostas assim a tensatildeo entre o antigo e o novo daacute espaccedilo a muitas

ambiguidades que satildeo um verdadeiro quebra-cabeccedila para os estudiosos60 Poreacutem enquanto estes

60Taraacuten (1965) traduz ldquowhich are the only ways of inquiry that you can be conceivedrdquo (p 32)

Ramnoux (1979) traduz ldquoquelle sont les seules voies de recherche agrave concevoirrdquo (p 110)

Untersteiner (1979) traduz ldquoquali sole vie di ricerca siano logicamente pensabilirdquo (p129)

Barnes (1982) traduz ldquowhat are the only roads of inquiry for thinking ofrdquo (p 124) e comenta ldquoThe phrase

lsquoarehellipfor thinking of (line 2) renders lsquoesti noecircsairsquo The verb lsquonoeinrsquo of which lsquonoecircsairsquo is the aorist infinitive plays

a central role in Parmenidesrsquo subsequent argument where it is standardly translated as lsquothink of or lsquoconceiversquo Some

scholars however prefer the very different translation lsquoknowrsquo and thereby change the whole character of

Parmenidean thought I think that the standard translation makes better sense of Parmenidesrsquo argument and I doubt

if the heterodox translation is linguistically correct It is true that in certain celebrated Platonic and Aristotelian

passages the noun lsquonousrsquo is used to denote the highest of cognitive faculties and there are passages in those

philosophers and in earlier writers where lsquointuitrsquo lsquograsprsquo or even lsquoknowrsquo is a plausible translation of lsquonoeinrsquo But

against those occurrences (which are fairly uncommon and usually highflown) we can set a host of passages where

lsquonoeinrsquo simply means lsquothink (of)rsquo lsquonoeinrsquo is the ordinary Greek verb for rsquothink (of)rsquo and lsquothink (of)rsquo is usually its

proper English equivalent Moreover the linguistic context in which the verb occurs in Parmenides favours (indeed

to my mind requires) the translation lsquothink (of)rsquo For lsquonoeinrsquo is thrice conjoined with a verb of saying with lsquolegeinrsquo

at B 61 and with lsquophasthairsquo twice in B 88 (cf lsquoanocircnumonrsquoat B 817) lsquoLegeinrsquo and lsquophasthairsquo mean lsquosayrsquo not lsquosay

trulyrsquo or lsquosay successfullyrsquo (the Greek for which is lsquoalecirctheueinrsquo) and the contexts of their occurrence imply that

lsquosayrsquo and lsquonoeinrsquo share at least one important logical feature they both stand in the same relation to lsquobeingrsquo In this

respect it is lsquothink that Prsquo and lsquothink of Xrsquo rather than lsquoknow that Prsquo and lsquoknow Xrsquo which parallel lsquosay that Prsquo and

lsquomention Xrsquo and that fact I think establishes the traditional translation of lsquonoeinrsquo

So much for the meaning of lsquonoecircsairsquo All however is not yet plain for the syntax of lsquoesti noecircsairsquo is disputed

Phrases of the form esti+infinitive recur later in the poem and their presence is indicated in my translation by

phrases of the rebarbative form lsquois (are) for φingrsquo The usage which is not uncommon in Greek has connexions

with the lsquopotentialrsquo use of lsquoestirsquo (Esti with infinitive often means lsquoit is possible tohelliprsquo In that case lsquoestirsquo is

lsquoimpersonalrsquo whereas in our locution it always has a subject explicit or implicit) Indeed it seems to me reasonable

to gloss lsquoa is for φingrsquo either by lsquoa can φrsquoor by lsquoa can be φedrsquomdashthe context will determine whether active or passive

is appropriate Thus in 1482 lsquoare for thinking of means lsquocan be thought of Observe that the gloss differs from its

original in one important feature The grammatical form of the phrase lsquoa is for φingrsquo may seduce us into making a

fallacious deduction from lsquoa is for φing it is easy to infer lsquoa isrsquo The grammatical form of the gloss does not

provide the same temptation The point may assume significance laterrdquo

OBrian (1987) traduz ldquojust what ways of enquiry there are the only ones that can be thought ofrdquo (p 16) e

comenta ldquoLinfinitif deacutepend agrave mon sense de ladjectif μοῦναι ou si lon veut de luniteacute syntaxique adjectif + verbe

(μοῦναι + εἰσι) [hellip] Ainsi sexpliquerait lemploi de lactive chez Parmeacutenide le voies de recherche sont ldquoles seules

ltquon aitgt agrave concevoirrdquo ldquoles soules agrave ecirctre conccediluesrdquo ou bien un peu plus librement ldquoles seules ltque lon puissegt

54

se preocupam com o sentido geral do νοεῖν no poema inteiro nossa preocupaccedilatildeo aqui eacute por

enquanto somente com esse verso A partir do artigo de von Fritz61 surgiu uma tendecircncia de tentar

explicar o termo tendo por referecircncia seu uso anterior principalmente obviamente em Homero

talvez esta tendecircncia tentava contrabalanccedilar um uso talvez desenvolto demais da hermenecircutica da

palavra por parte de alguns criacuteticos e ateacute mesmo filoacutesofos como em Heidegger62 por exemplo

Mesmo levando em conta por um lado as interpretaccedilotildees mais ousadas dos partidaacuterios do

historicismo hegeliano63 e por outro lado as sofisticadas estrateacutegias filoloacutegicas como a de von

Fritz noacutes seremos cautelosos e procederemos cautelosamente e por enquanto partiremos de um

sentido geneacuterico mas seguro da palavra νοῆσαι somente neste verso que eacute aquele que se refere a

concevoirrdquo ldquoles seules concevablesrdquordquo (p154) Na nota 10 mesma paacutegina OBrien expressa toda a dificuldade

quase o desespero de natildeo poder usar a palavra que encaixe perfeitamente pois as disponiacuteveis (conhecer saber

pensar comprender entender perceber aperceber apreender discernir contemplar considerar) apresentam todas

vantagens e desvantagens

Cerri (1999) traduz ldquoquelle che sono le sole due vie di ricerca pensabilirdquo (p 149) e comenta ldquoAqui νοεῖν eacute

usado no sentido corrente e geneacuterico de pensar natildeo naquele parmenidiano tecnicizado de entender (capire)

racionalmente neste segundo sentido natildeo poderia se dizer que o caminho do natildeo eacute que consiste num erro de

perspectiva pode ser objeto de νοεῖν isto eacute de intelecccedilatildeo como o caminho do eacute O meacuterito desta observaccedilatildeo eacute de

Gentili De fato o proacuteprio Parmecircnides diraacute mais adiante que o caminho natildeo verdadeiro eacute anoetos inconcebiacutevel

(fr 78 vv 22-23) (p 188)

Cordero (2005) traduz ldquocuales son los uacutenicos caminos de investigacion que hay para pensarrdquo (p 219) e

comenta ldquoEl verbo pensar () es evidentemente un infinitivo final o consecutivo pero haacute sido siempre tomado

comop si su valor fuese passivo sea directamente sea se si se interpreta ldquoeisiacuterdquo com valor potencial En

consequecircncia se lo haacute traducido em general como un participio pasivo [hellip] Nosotros preferimos dejar em la

indeterminacioacuten tanto el sujeto como el objeto del infinitivo pues no se trata de un verbo inserto em una frase sino

de un infinitivo aislado y rechazamos todo matiz ldquopasivordquo que como vimos seriacutea incompatible com uno de los

caminos (p 57-58)

Coxon (2009) traduzrdquo about those ways of enquiry which are alone conceivablerdquo (p 56) e comenta ldquolsquowhich

are for conceivingrsquo ie which may be conceived One of the two ways so described is in fact to be left lsquounconceived

[hellip] lsquowhich are for conceivingrsquo ie which may be conceived One of the two ways so described is in fact to be left

lsquounconceivedrsquordquo (p 290) 61Fritz K Von (1945) ldquoNous noein and its derivatives in Presocratic philosophy [excluding Anaxagoras] I From the

beginning to Parmenidesrdquo 62Heidegger ldquo[Parmecircnides jaacute usava] noein - the simple apprehension of something objectively present in its pure

objective presence [Vorhandenheit]rdquo (1996 p 22) 63Veja-se por exemplo Hosle 1984

55

um comportamento da mente portanto podemos dizer que o verbo νοεῖν quer expressar um ato da

mente Posto que os atos da mente satildeo de diversos tipos o problema consiste em saber a que tipo

ele quer se referir para tanto teremos que recorrer agraves descriccedilotildees apresentadas no texto

2) ὁδοὶ Temos aqui a primeira descriccedilatildeo Parmecircnides fala de um comportamento da mente quando

vai ao longo de um caminho seguindo um percurso como uma sequecircncia de momentos do ato ou

entatildeo como uma sequecircncia de atos Essa consideraccedilatildeo nos daacute a entender que ele natildeo estaacute falando

de um ato isolado como uma imagem ou uma percepccedilatildeo isolada ou um insight mas de um

processo

3) διζήσιός Com esta palavra64 temos mais uma especificaccedilatildeo do ato Ele quer falar a respeito de

algum tipo especiacutefico de caminho exatamente a respeito daquele usado para investigar inquirir

fazer perguntas e entender as respostas Parmecircnides depois de considerar que certo comportamento

mental eacute um processo diz que haacute muitos tipos de processos e ele iraacute falar apenas de um dentre eles

aquele de inqueacuterito Vai se tornando claro que o processo mental implicado por essas palavras eacute

um processo de pensamento voluntaacuterio de modo que os produtos sejam pensamentos natildeo

quaisquer pensamentos mas aqueles ao longo de um certo caminho natildeo qualquer caminho mas

aqueles pensamentos que compotildeem um caminho de investigaccedilatildeo em direccedilatildeo a algum

conhecimento

4) μοῦναι Essa palavra tem uma importacircncia muito grande e merece nossa especial atenccedilatildeo Ela

significa uacutenicas (feminino plural referido a ὁδοὶ palavra feminina) Saberemos depois que os

64Δίζησις que vem de δίζημαι procurar entre muitos (LSJ) e natildeo consta antes de Parmecircnides provavelmente eacute uma

invenccedilatildeo dele Untersteiner nota a nuance da indecisatildeo e trazendo como exemplo Heroacutedoto VII 1421 diz ldquoδίζησις

pode ser a busca diante de um problema que admite soluccedilotildees opostasrdquo (1979 p LXXXI n 119)

56

uacutenicos caminhos satildeo dois Mas o que eacute realmente importante eacute o fato como esse adjetivo indica

de que Parmecircnides examinou muitos caminhos e concluiu que soacute haacute dois para o inqueacuterito Esse

adjetivo eacute o resultado de uma observaccedilatildeo do comportamento da mente ele diz haacute muitos caminhos

para a atividade mental (aqui uma atividade de inqueacuterito) e depois de examinaacute-los todos encontrei

soacute dois adequados (para a atividade de inqueacuterito) Esta eacute uma genuiacutena observaccedilatildeo do

comportamento da mente com um projeto geral (como veremos mais adiante) com uma finalidade

especiacutefica uma pesquisa e o resultado

5) νοῆσαι de novo Agora depois das elucidaccedilotildees dos termos envolvidos podemos definir νοῆσαι

Essa forma vem de νοέω que significa a) perceber pela mente apreender tomar nota ter

conhecimento de perceber b) pensar considerar refletir c) considerar julgar presumir d) outros

sentidos especiacuteficos em construccedilotildees especiacuteficas Todas estas acepccedilotildees encontram-se no LSJ no

qual ademais encontramos tambeacutem a citaccedilatildeo do verso DK 834 de Parmecircnides no sentido de

percebido pela mente Mas percepccedilatildeo em nossa linguagem eacute um ato da mente sinoacutetico eacute um

momento isolado mesmo quando referido a muitos fatos da mente de fato percepccedilatildeo quando eacute

referida a muitos fatos da mente significa aquele resultado obtido por uma visatildeo sinoacutetica o mesmo

pode ser dito de pensamento que eacute um fato soacute mesmo quando implica uma sequecircncia de

raciociacutenio porque se refere ao resultado do raciociacutenio Alguns estudiosos traduzem νοεῖν com

pensar que eacute o mais comum no caso de Parmecircnides seguindo a traduccedilatildeo famosa de Diels

lsquodenkenrsquo65 Mas pensar tem um problema eacute muito geneacuterico e pode ser usado para qualquer

atividade mental desde percepccedilatildeo ateacute o trazer agrave memoacuteria relembrar desde buscar na memoacuteria

65Por exemplo Wilkinson (2009 p 77)

57

ateacute ter um insight e pensar solto como num brainstorm assim essa traduccedilatildeo natildeo seria errada

mas seria menos precisa daquilo que precisamos para o nosso estudo especiacutefico O sentido geneacuterico

e ambiacuteguo desta traduccedilatildeo acaba gerando conflitos e contradiccedilotildees com outras partes do poema onde

comparecem outros cognatos do verbo νοεῖν (tornaremos a isto mais adiante) Haacute um outro grupo

de traduccedilotildees com o sentido geral de conhecimento vamos examinar66 Von Fritz conclui que em

Parmecircnides embora mantendo uma natureza intuitiva (intuitive nature p 241) como em Heraacuteclito

e nos poemas homeacutericos νοεῖν ganha um novo aspecto ldquoporque foi o primeiro que incluiu

conscientemente o raciociacutenio loacutegico na funccedilatildeo do νόοςrdquo (p 242) Se noacutes podemos genericamente

concordar com von Fritz natildeo podemos fazer o mesmo com aqueles estudiosos que traduzem

νοῆσαι com for knowing como Kahn67 o qual tambeacutem confirma que ldquoA traduccedilatildeo proacutepria para o

verbo em Parmecircnides eacute um termo como cogniccedilatildeo ou conhecimentordquo68 Natildeo podemos concordar

porque conhecimento eacute uma funccedilatildeo da mente que pode ser o resultado de um raciociacutenio loacutegico

mas conhecimento pode ser tambeacutem aquele vindo de uma familiaridade empiacuterica com o conhecido

ou aquele que vem de uma intuiccedilatildeo ou de um sexto sentido (uma percepccedilatildeo natildeo claramente

identificada e classificada que muitas vezes acaba operando exatamente diante de escolhas onde

os criteacuterios racionais se esgotam por exemplo no conhecimento afetivo) mas o conhecimento

intuitivo eacute exatamente o sentido oposto agravequele usado por Parmecircnides pois a intuiccedilatildeo como fato

66Haacute ateacute quem natildeo traduz νοῆσαι como Colli o qual propotildee ldquoSuvvia io ti dirograve [hellip] quali sono le uniche vie di ricerca

la prima etcrdquo (2003 p 137) 67Kahn (2009 p 146 n 4) ldquoI take νοῆσαι as loosely epexegetical or final with ὁδοί lsquowhat ways of search there are

for knowingrsquo ie I do not construe the infnitive as potential with εἰσί which gives the usual translation lsquothe only

ways of search that can be thought ofrsquo This usual construction provides us with a gratuitous contradiction since

Parmenides goes on to show that the second way is after all ἀνόητος (8 17 cf 2 7)rdquo 68Ibidem The proper translation for the verb in Parmenides is a term like lsquocognitionrsquo or lsquoknowledgersquo it is paraphrased

by γνῶναι lsquoto recognize be acquainted withrsquo at 2 7

58

mental eacute uma sensaccedilatildeo imediata assim como o sexto sentido e natildeo segue caminhos (e muito

menos segue caminhos de inqueacuterito) aleacutem disso conhecer mesmo referido ao conhecimento

loacutegico eacute o resultado do processo isto eacute subentende um conhecedor um ato de conhecer e um

conhecido mesmo quando dizemos conhecendo no geruacutendio noacutes entendemos usar a mente tendo

o conhecimento como alvo e afinal o que a expressatildeo acentua eacute todo o processo principalmente

o resultado o conhecido Natildeo eacute disso que Parmecircnides estaacute falando Naturalmente o poema eacute

exatamente sobre como a mente pode alcanccedilar seu alvo que eacute o conhecimento verdadeiro Mas o

conhecimento verdadeiro ndash como veremos em detalhes ndash eacute um pressuposto de qualquer

conhecimento principalmente de um ponto de vista subjetivo porque qualquer que seja a coisa da

qual eu estou persuadido eu acredito que tal coisa para mim eacute verdadeira Assim o conhecimento

verdadeiro natildeo eacute suficiente para explicar a obra de Parmecircnides mesmo o xamatilde reivindica um

conhecimento verdadeiro mesmo o governante (o qual sabe isto eacute acredita saber a verdade acerca

do governo) mesmo o curandeiro ou o sacerdote O problema eacute que todos estes conhecimentos

verdadeiros natildeo satildeo mais suficientes nos tempos de Parmecircnides desde que as novas exigecircncias

culturais passam a exigir novas concepccedilotildees Que aqui Parmecircnides natildeo esteja falando do

conhecido mas do ato cognoscente eacute claro pela expressatildeo ὁδοὶ διζήσιός que se aplica agrave accedilatildeo do

conhecer e natildeo ao cognoscente ou ao conhecido entatildeo natildeo se pode usar o verbo conhecer a menos

de incorrer numa completa falsificaccedilatildeo do sentido do resto do poema69

Haacute ainda mais uma razatildeo para evitar conhecimentoconhecer para traduzir νοεῖν e seus

69Eacute o que acontece com Kahn o qual afinal forma um quadro distorcido da mensagem filosoacutefica do poema (ver mais

adiante n 153 p 114)

59

cognatos e eacute a razatildeo dada (involuntariamente) por von Fritz De fato se Parmecircnides eacute o primeiro a

usar o termo com a inclusatildeo de conotaccedilotildees relativas ao raciociacutenio loacutegico eacute exatamente esta nova

nuance de sentido que ele quer apresentar isto eacute a nuance de como conhecer algo com o uso do

raciociacutenio loacutegico neste caso o verbo νοεῖν e seus cognatos natildeo podem ser usados no novo

sentido com a nova contribuiccedilatildeo parmenidiana assentada e absorvida na semacircntica daquela

palavra porque seria historicamente incorreto exceto se Parmecircnides tivesse apresentado

explicitamente uma mudanccedila de sentido para aquela palavra A semacircntica de uma palavra natildeo pode

apresentar um novo sentido antes da proposta de uma nova variaccedilatildeo no sentido assim conhecer

pelo raciociacutenio pode ser uma consequecircncia da filosofia parmenidiana e natildeo uma premissa para um

novo uso da palavra feito pelo proacuteprio Parmecircnides pois isto redundaria em incompreensatildeo pela

audiecircncia Em outras palavras Parmecircnides natildeo utiliza a palavra num novo sentido mas apenas a

toma no sentido comum embora numa parte especiacutefica do sentido comum (a parte da accedilatildeo) isto eacute

numa de suas acepccedilotildees comuns e procura apresentar uma nova operaccedilatildeo um novo meacutetodo que

esta parte operativa pode seguir

Depois de todas estas distinccedilotildees e para evitar qualquer ambiguidade que poderia surgir destas

traduccedilotildees mais tradicionais70 eu prefiro usar aqui uma terminologia muito teacutecnica pela qual noacutes

70Haacute ainda um outro conjunto de interpretaccedilotildees que buscam relacionar noein e to eon procurando extrair as semacircnticas

de um a partir de outro e vice-versa Esta linha interpretativa natildeo eacute abordada aqui por dois motivos o primeiro eacute

que nos obrigaria a uma investigaccedilatildeo do eon parmenidiano investigaccedilatildeo metodologicamente excluiacuteda aqui o

segundo eacute que este tipo de approach resultou em muita equivocidade na medida em que se procura tratar o poema

como um todo orgacircnico coisa que o seu estado fragmentaacuterio natildeo permite Veja-se um exemplo entre os recentes

em Sedley com as muitas ambiguidades por exemplo entre pensar e pensamento (thinking and thought) que ele

usa como sinocircnimos (2000 p 120) Quando essa linha interpretativa se propotildee alvos menores consegue bons

resultados por exemplo Crystal (2002) cujo objetivo eacute mostrar que o noein que se identifica com o to eon aparece

soacute no fragmento 8 e natildeo antes ou Lesher (1994 especialmente p 24-34) o qual mostra um aspecto do noein de

Parmecircnides quando inserido dentro de um quadro maior de inqueacuterito (realizado por elenchos por tentativas e por

60

perdemos algo da poesia (e da beleza) mas ganhamos algo mais em clareza especialmente tendo

em vista nosso objetivo que eacute uma busca dos aspectos psicoloacutegicos do poema Assim usarei

exatamente o termo que segue a descriccedilatildeo de Parmecircnides um caminho de inqueacuterito colocando o

acento 1) na operaccedilatildeo 2) no caminho e 3) no inqueacuterito (na inquisitividade) e natildeo no conhecimento

(o qual eacute o resultado de todos esses elementos) nem sob o grande guarda-chuva de pensar no

qual quase qualquer accedilatildeo da mente pode ser incluiacuteda podemos simplesmente traduzir com

operaccedilotildees cognitivas da mente isto eacute aquela atividade da mente que tende ao conhecimento mas

natildeo eacute ela mesma o conhecer enquanto ato completo de cognoscente-conhecer-conhecido Este

termo poraacute no foco exatamente o nosso assunto as operaccedilotildees da mente e ao mesmo tempo

reduziraacute todas as discussotildees de ordem filosoacutefica e epistemoloacutegica que estatildeo aqui fora de tema

Podemos agora inserir a traduccedilatildeo de νοεῖν na nossa paraacutefrase anterior ldquoAgora preste atenccedilatildeo

agraves minhas palavras eu te direi quais satildeo os caminhos de inqueacuterito para as operaccedilotildees cognitivas da

mente (νοῆσαι) um que eacute e que eacute impossiacutevel que natildeo seja eacute caminho de Persuasatildeo (e acompanha

a Verdade) o outro que natildeo eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja e este eu te digo eacute caminho

inescrutaacutevel totalmente porque vocecirc natildeo pode conhecer o que natildeo eacute (pois natildeo pode ser cumprido)

nem dizecirc-lordquo

3222 DK B 24-8

Nos restantes versos do fragmento Parmecircnides expotildee os dois caminhos de inqueacuterito com

uma argumentaccedilatildeo sofisticada que mostra natildeo soacute o Parmecircnides psicoacutelogo mas mostra ao mesmo

testes) que ele chama peirastic paradigm of knowledge

61

tempo o Parmecircnides autenticamente filoacutesofo escrevendo uma das mais profundas paacuteginas de toda

a histoacuteria da filosofia ocidental Estes versos seratildeo estudados detidamente no proacuteximo capiacutetulo

323 O fragmento 3

Infelizmente o fragmento 3 eacute muito curto isolado e afinal de fato natildeo compreensiacutevel

Vamos olhaacute-lo

τὸ γὰρ αὐτὸ νοεῖν ἐστίν τε καὶ εἶναι

pois o mesmo eacute pensar e portanto ser71

O verso eacute uma citaccedilatildeo tirada de Clemente72 Plotino73 e numa versatildeo um pouco diferente de

Proclo74 Seu lugar no poema parece ser depois do fragmento 2 pois apresenta a mesma temaacutetica75

e parece ser a continuaccedilatildeo do mesmo argumento jaacute a traduccedilatildeo apresenta muitas dificuldades e

muitas diferentes soluccedilotildees entre os estudiosos

A citaccedilatildeo reportada por Clemente eacute lanccedilada de forma desordenada entre outras citaccedilotildees A

desordem do inteiro texto dos Stromateis parece ser voluntaria e atenderia a um meacutetodo especiacutefico

de escrita (associada inclusive agraves ideias expostas no Fedro de Platatildeo a respeito da relaccedilatildeo entre

ensinamento escrito e oral) que procura ocultar parte dos ensinamentos e tambeacutem procura escrever

71Trad Cavalcante de Souza 72Clemente Stromata VI II 233 73Plotino Enneades V 1 [10] 817 V 9 [5] 529-30 74Proclo in Parmenidem 115233 Theologia platonica I 14 75A colocaccedilatildeo de Diels na sequecircncia do fragmento 2 eacute seguida por muitos (Untersteiner Coxon e outros) Calogero

(1977 22-23) chega a integrar com um ὅσσα νοεῖς φάσθαι mas infelizmente natildeo se encontra fundamento nessa

integraccedilatildeo a natildeo ser a interpretaccedilatildeo do proacuteprio Calogero sobre a gecircnese da loacutegica parmenidiana

62

segundo um meacutetodo natildeo linear76 poreacutem coordenado com o ensinamento oral Voluntaacuteria ou natildeo

esta escrita desordenada impede uma clara contextualizaccedilatildeo das passagens citadas Em relaccedilatildeo agrave

citaccedilatildeo de Parmecircnides o assunto em discussatildeo era que os gregos roubavam de si proacuteprios isto eacute

plagiavam a si proacuteprios uns aos outros como exemplo Clemente faz muitas conexotildees entre

citaccedilotildees de dois autores supostamente um plagiando outro e agraves vezes junta mais de dois No caso

de Parmecircnides ele comeccedila com Heroacutedoto que reporta Phytia no caso da Divindade dizer e fazer

satildeo o mesmo continua com Aristoacutefanes pois pensar e fazer satildeo o mesmo e finalmente cita

Parmecircnides ldquopois pensar e ser satildeo o mesmo77 Pelo que se consegue entender se trata do plagio

da assimilaccedilatildeo de um conceito a outro dizer e fazer pensar e fazer pensar e ser Nenhuma

referecircncia eacute dada para se entender mais claramente o que significariam pensar e ser e mais ainda

o que significaria a assimilaccedilatildeo de um a outro78

No caso de Plotino a citaccedilatildeo eacute muito precisa como ele costumava fazer mas as noccedilotildees das

palavras satildeo revestidas de um forte neoplatonismo atribuindo a νοεῖν e a εἶναι sentidos de fato

muito distantes do pensamento preacute-socraacutetico79 Plotino natildeo tem uma preocupaccedilatildeo histoacuterica e natildeo

76A forma desordenada de escrita usada no texto dos Stromateis eacute um evento isolado natildeo soacute entre os escritos de

Clemente ndash cujas outras obras possuem uma redaccedilatildeo mais tradicional ndash com em geral na literatura sua

contemporacircnea gerando perplexidade entre os estudiosos Um panorama das vaacuterias hipoacuteteses pode ser vista em

Osborn 2005 O estudioso considera que se trata de uma teacutecnica de disseminaccedilatildeo de sementes de conhecimento

com a finalidade de despertar interesses a serem sucessivamente complementados pelo ensinamento oral numa

passagem diz ldquoThe Stromateis fulfil this role by transmitting the teaching which Clement received connecting

oral and written teaching The hidden element in them is a guard against their misuse by the mediocre or the bad

In his oral teaching Clement imparted the seeds of truth and his writing recalls themrdquo (Osborn 2005 p 14) 77Eis a passagem VI 2231-3 ldquo Ἡροδότου τε αὖ ἐν τῷ περὶ Γλαύκου τοῦ Σπαρτιάτου λόγῳ φήσαντος τὴν Πυθίαν

εἰπεῖν τὸ πειρηθῆναι τοῦ θεοῦ καὶ τὸ ποιῆσαι ἴσον γενέσθαι Ἀριστοφάνης ἔφη δύναται γὰρ ἴσον τῷ δρᾶν τὸ νοεῖν

καὶ πρὸ τούτου ὁ Ἐλεάτης Παρμενίδης τὸ γὰρ αὐτὸ νοεῖν ἐστίltνgt τε καὶ εἶναιrdquo 78Uma interpretaccedilatildeo do significado da citaccedilatildeo parmenidiana dentro do pensamento de Clemente ndash embora natildeo me

pareccedila justificada pelo texto pois parece associada indevidamente a outra citaccedilatildeo aquela do fragmento IV ndash eacute dada

em Itter 2009 especialmente cap VI 79Embora a influecircncia de Parmecircnides sobre Plotino seja importante e embora o estudo dos neoplatocircnicos em geral seja

63

distingue sequer o Parmecircnides histoacuterico da personagem do diaacutelogo Parmecircnides de Platatildeo (Guerard

1987 p 297) por causa desta falta de distinccedilatildeo dirige seu interesse mais para o Parmecircnides de

Platatildeo pois julga que no diaacutelogo platocircnico se daacute o cumprimento perfeito daqueles elementos jaacute

presentes no poema parmenidiano mas de forma imperfeita Desta maneira e na sequecircncia da

interpretaccedilatildeo platocircnica do Sofista para Plotino e para os neoplatocircnicos em geral por um lado

Parmecircnides apresenta as noccedilotildees que depois seratildeo superadas (segundo a interpretaccedilatildeo platocircnica do

parriciacutedio) pelo platonismo e pelo neoplatonismo e por outro lado a aporia eleaacutetica eacute rejeitada

com o desenvolvimento de uma outra cosmologia que desfaz o monismo parmenidiano80 Por causa

destas interpretaccedilotildees que miram mais a defender o platonismo do que a estabelecer uma semacircntica

historicamente plausiacutevel do texto parmenidiano a utilizaccedilatildeo de Plotino natildeo consegue dar pistas do

real significado dos dois conceitos νοεῖν e εἶναι em Parmecircnides Como em Clemente em Plotino

tambeacutem nos deparamos com uma metodologia especiacutefica onde o rigor exegeacutetico cede o passo agrave

intenccedilatildeo pedagoacutegica como aliaacutes se torna expliacutecito na proacutepria passagem que reporta a citaccedilatildeo de

Parmecircnides

ldquoAssim estes discursos natildeo satildeo novos nem satildeo de agora mas sem estarem

desenvolvidos jaacute foram enunciados haacute muito tempo Os discursos de agora [os de Plotino]

satildeo exegeses daqueles confiando nos escritos do proacuteprio Platatildeo que testemunham a

antiguidade destas doutrinasrdquo81

importante para se compreender Parmecircnides (jaacute que grande parte das citaccedilotildees do poema provecircm deles) os estudos

especiacuteficos sobre a relaccedilatildeo entre eleatismo e neoplatonismo satildeo escassos Assinalo aqui alguns trabalhos Guerard

(1987) Stamatellos (2007) Abbate (2010) 80Abbate chega a falar da constituiccedilatildeo de um neo-parmenidismo simultaneamente a um anti-parmenidismo por parte

dos neoplatocircnicos em geral (Abbate 2010 p 258) 81Enneades V18 ldquoΚαὶ εἶναι τοὺς λόγους τούσδε μὴ καινοὺς μηδὲ νῦν ἀλλὰ πάλαι μὲν εἰρῆσθαι μὴ ἀναπεπταμένως

τοὺς δὲ νῦν λόγους ἐξηγητὰς ἐκείνων γεγονέναι μαρτυρίοις πιστωσαμένους τὰς δόξας ταύτας παλαιὰς εἶναι τοῖς

αὐτοῦ τοῦ Πλάτωνος γράμμασινrdquo A traduccedilatildeo eacute de Marcus Reis Pinheiros que comenta ldquoPlotino afirma que seus

64

Plotino pensa que seus ensinamentos satildeo apenas um desdobramento daqueles de Platatildeo os

quais por sua vez se refazem a ensinamentos ainda mais antigos (como os de Parmecircnides) dos

quais satildeo desdobramentos Assim eacute o proacuteprio Plotino que nos indica que o sentido em que usa

νοεῖν εἶναι e sua assimilaccedilatildeo natildeo eacute o sentido original de Parmecircnides mas eacute um seu desdobramento

(ἐξηγητὰς no sentido que ele expocircs) O caso de Proclo natildeo eacute muito diferente e embora ele seja

muito importante por ter trazido muitos trechos do poema parmenidiano a sua confiabilidade

exegeacutetica eacute duvidosa 82 especialmente para noccedilotildees como pensar e ser que satildeo centrais no

neoplatonismo

Por outro lado o desenvolvimento dos estudos parmenidianos desde Hegel preferiu o

aprofundamento da noccedilatildeo de ser num vieacutes antes de tudo ontoloacutegico mas depois tambeacutem teoloacutegico

Neste tipo de terreno filosoacutefico os termos ser e pensar e sua assimilaccedilatildeo segundo a expressatildeo

parmenidiana aguccedilaram os esforccedilos interpretativos de muitos estudiosos tanto na parte mais

propriamente da histoacuteria da filosofia quanto tambeacutem na parte mais propriamente filosoacutefica

(Heidegger por exemplo) A discussatildeo ontoloacutegica e teoloacutegica a respeito deste fragmento 3 eacute

infindaacutevel e por isto vou apresentar apenas um exemplo de um estudioso importante Pierre

Aubenque Em seu artigo de 1987 Syntaxe et seacutemantique de lecirctre dedicado inteiramente ao estudo

do ser no poema de Parmecircnides apoacutes a introduccedilatildeo agrave problemaacutetica e apoacutes uma primeira anaacutelise do

fragmento 2 se volta agraves palavras de Parmecircnides do fragmento 3 A prosoacutedia e o sentido diz ele

proacuteprios discursos satildeo exegetas de discursos muito antigos e que os textos de Platatildeo satildeo testemunhas desta

antiguidade [hellip] fazer exegese dos textos antigos natildeo eacute interpretar objetivamente os textos mas caminhar rumo

aos niacuteveis superiores junto com os antigosrdquo (Pinheiros 2007 p 79-80) 82Guerard conclui ldquoAinsi la lecture neacuteoplatonicienne du dialogue platonicien revient agrave faire de Parmeacutenide un porte-

parole privileacutegieacute de Platonrdquo (Guerard 1987 p 300)

65

convidam a emendar esse fragmento no fragmento 2 pois depois da afirmaccedilatildeo do ser na primeira

via e da impossibilidade de conhecer o natildeo ser na segunda a citaccedilatildeo do fragmento 3 explicaria a

imbricaccedilatildeo do ser com o conhecer (p 114-115) Resta ainda explicar melhor o que significariam

estas palavras ldquode fato eacute o mesmo conhecer e serrdquo (Cest em effet la mecircme chose de connaitre et

decirctre) Apoacutes um percurso que comeccedila com o cogito cartesiano e passando por Homero e pelas

vaacuterias possibilidades de interpretaccedilatildeo sintaacutetica da frase chega numa duacutevida sem possibilidade de

soluccedilatildeo certa Aubenque resolve recorrer aos antigos isto eacute Plotino e Proclo Eacute entatildeo introduzida

a noccedilatildeo de inteligiacutevel extraiacuteda de Aristoacuteteles e se discute sobre a correlaccedilatildeo das identidades entre

inteligiacutevel intelecto e ser A discussatildeo se alarga ao fragmento 16 e aos poucos aos demais 6 8

7 etc tentando configurar uma noccedilatildeo de ser (do ponto de vista ontoloacutegico) que de fato nem o

fragmento 2 isoladamente e nem o 3 conseguem oferecer Este tipo de estudo eacute bastante comum

entre os interpretes e configura talvez o maior desafio dos estudos parmenidianos No entanto ndash e

a historiografia parmenidiana mostra isto ndash aos poucos esse tipo de estudo tende a ser afastar tanto

do contexto histoacuterico83 quanto do contexto literaacuterio do proacuteprio poema pois o tema daacute asas agrave vis

speculativa que todo estudioso de filosofia naturalmente possui a prova mais cabal disto eacute que satildeo

83Num artigo de 2007 Kahn trata de ldquoQuestotildees controversas de sintaxerdquo (Kahn 2007) e o primeiro assunto eacute o verso

do fragmento DK B 3 Por um lado ele pretende se restringir agrave sintaxe mas depois por outro lado natildeo achando

explicaccedilatildeo satisfatoacuteria recorre a DK B 8-34-36 dizendo que neste estaacute explicitado o sentido daquele e por fim

atribui a natildeo compreensatildeo a uma leitura distorcida pelo olhar da modernidade recorre entatildeo ateacute mesmo a

Aristoacuteteles para justificar a identidade entre ser e pensar Que Aristoacuteteles tenha afirmado a identidade entre nous e

noeton e que Parmecircnides o tenha feito entre einai e noein estaacute muito bem resta ainda a tarefa de dar um sentido

filosoacutefico a estas afirmaccedilotildees Numa linha inicialmente similar Casertano tambeacutem acha claro o sentido de DK B 3

mas acrescenta justamente ldquoTudo isto eacute bastante claro O problema nasce quando o ser e o pensar se ligam

precisamente agrave verdaderdquo (Casertano 2007 p 50) Isto eacute quando se quer dar a esta identidade um sentido filosoacutefico

propriamente parmenidiano onde a ligaccedilatildeo entre conhecimento verdadeiro e eon eacute um dos objetivos primeiros da

doutrina do eleata

66

exatamente os maiores filoacutesofos que acabam fazendo as interpretaccedilotildees historicamente mais

arbitraacuterias do poema e aqui penso em Nietzsche Heidegger e ateacute mesmo em Popper

No nosso estudo na busca de um vocabulaacuterio psicoloacutegico a presenccedila do verbo νοεῖν natildeo

parece ser suficiente no caso do fragmento 3 para determinar um sentido minimamente plausiacutevel

para um comportamento mental que de alguma forma assimilaria pensar e ser A amplitude da

noccedilatildeo de ser aqui um εἶναι sem nenhuma outra qualificaccedilatildeo pela proacutepria assimilaccedilatildeo aumenta

proporcionalmente a amplitude da noccedilatildeo de pensar tambeacutem um νοεῖν sem nenhuma qualificaccedilatildeo

de forma que nos encontramos diante de duas noccedilotildees maximamente amplas e sem nenhuma

possibilidade de reconduzi-las a qualquer comportamento mental concreto pela total falta de

referecircncias precisas no proacuteprio texto do poema ou referecircncias confiaacuteveis na doxografia

comeccedilando pelo proacuteprio Platatildeo e terminando pelos doxoacutegrafos autores da citaccedilatildeo Diante destas

circunstacircncias natildeo me parece aconselhaacutevel aprofundar as tentativas de atribuir qualquer sentido

psicoloacutegico a este fragmento para os nossos fins ele parece natildeo oferecer nenhuma contribuiccedilatildeo e

seraacute aqui desconsiderado

324 O fragmento 4

Ver p 204

325 O fragmento 6

O fragmento 6 reportado por Simpliacutecio84 mostra muitas passagens importantes da filosofia

84Simpliacutecio Physica 8627-28 11745-6 8-13 783-4

67

parmenidiana Ele eacute fundamental para noacutes porque mostra tambeacutem muitas passagens das visotildees

psicoloacutegicas de Parmecircnides estes satildeo os versos

χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι ἔστι γὰρ εἶναι

μηδὲν δ οὐκ ἔστιν τά σ ἐγὼ φράζεσθαι ἄνωγα

πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltεἴργωgt

αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς ἣν δὴ βροτοὶ εἰδότες οὐδὲν

πλάττονται δίκρανοι ἀμηχανίη γὰρ ἐν αὐτῶν

στήθεσιν ἰθύνει πλακτὸν νόον οἱ δὲ φοροῦνται

κωφοὶ ὁμῶς τυφλοί τε τεθηπότες ἄκριτα φῦλα

οἷς τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται

κοὐ ταὐτόν πάντων δὲ παλίντροπός ἐστι κέλευθος

Como todos os outros versos do poema estes tambeacutem receberam muitas e controversas

interpretaccedilotildees O ponto mais polecircmico eacute a passagem que pode sugerir a existecircncia de um terceiro

caminho aleacutem dos dois anunciados no fragmento DK B 2 Eu penso que o engano de um terceiro

caminho foi definitivamente rejeitado pelos estudos especiacuteficos de Cordero85 principalmente com

referecircncia agrave conjectura improacutepria no verso 3 proposta por Diels e que recebeu todo o peso da

autoridade do nome do grande filoacutelogo alematildeo Mas mesmo deixando de lado a questatildeo do terceiro

caminho o fragmento eacute motivo de muitas discussotildees Enquanto as discussotildees filosoacuteficas estatildeo aqui

fora de nossa esfera de interesses o ponto de vista psicoloacutegico nesse fragmento eacute muito

interessante Para o verbo νοεῖν e seus cognatos usaremos a nossa traduccedilatildeo teacutecnica de operar

cognitivamente obtida das qualificaccedilotildees que Parmecircnides oferece no fragmento DK B 2

3251 Os versos 61-4

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute pois eacute ser

e nada natildeo eacute isto eu te mando considerar

85Cordero 1984 2005 p 145-164 2007

68

Pois primeiro desta via de inqueacuterito eu ltte afastogt86

Mas depois daquela outra em que mortais que nada sabem87

No primeiro verso encontramos de novo o enunciado de um processo necessaacuterio como no

fragmento 2 eacute necessaacuterio dizer e operar cognitivamente (νοεῖν) que sendo se eacute88 Eacute notaacutevel a

repeticcedilatildeo parmenidiana de afirmaccedilotildees do fragmento DK B 2 em novas bases e com palavras quase

sinocircnimas No fragmento DK B 2 no verso 3 ele tinha dito que o caminho do eacute (seja o que for o

eacute) eacute impossiacutevel que natildeo seja mas em relaccedilatildeo a este caminho natildeo fizera referecircncia ao pensar e ao

dizer Jaacute no verso 5 e nos seguintes do mesmo fragmento falando do caminho do natildeo eacute (seja o

que for natildeo eacute) faz referecircncia ao conhecer (da esfera semacircntica do pensar) e ao dizer Agora aqui

no fragmento 6 formalmente daacute o mesmo argumento do caminho do natildeo eacute mas invertido e

atribuiacutedo ao eacute Enquanto ali era impossiacutevel conhecer (γνοίης) e dizer (φράσαις) o que natildeo eacute aqui

eacute necessaacuterio operar cognitivamente (νοεῖν) e dizer (λέγειν) que eacute Aqui tambeacutem podemos notar

que falando do que natildeo eacute (τό μὴ ἐὸν) Parmecircnides estaacute falando natildeo de certa foacutermula linguiacutestica

(predicativa ou outra) ou da verdade da foacutermula linguiacutestica (veritativa) ele estaacute falando da noccedilatildeo

evidenciada pelo processo de negaccedilatildeo (veja capiacutetulo 4 p 97) aquele processo que quer reduzir

todas as coisas a nenhuma coisa nada em portuguecircs e μηδὲν (nem um) em grego Parmecircnides

estaacute falando do nada absoluto e a maneira dele falar parece revelar uma reflexatildeo profunda com uma

notaacutevel consciecircncia da enorme problemaacutetica sujeitoobjeto89 no ato do conhecimento

86Reporto aqui a nota de Cordero (2005 p 213 n 6) ldquoConjectura Todos os manuscritos de Simpliacutecio uacutenica fonte

desta passagem apresentam uma lacunardquo 87Trad Cavalcante de Souza (1978) 88Cito aqui a traduccedilatildeo de Cordero que dedicou a esta tese de Parmecircnides um excelente livro cujo tiacutetulo Siendo se eacutes

(2005) ndash agora tambeacutem em portuguecircs Sendo se eacute pela editora Odysseus ndash eacute tomado exatamente das palavras que

estamos estudando aqui 89Estas afirmaccedilotildees seratildeo justificadas no capiacutetulo 4 p 97 em diante

69

Ainda no primeiro verso e avanccedilando para o segundo ele retoma as razotildees de suas teses

anteriores Assim ele diz pois eacute ser e nada natildeo eacute Como jaacute repetimos muitas vezes estas palavras

tambeacutem mereceriam muitas explicaccedilotildees e distinccedilotildees se estiveacutessemos procurando o seu sentido

filosoacutefico Natildeo eacute aqui o caso e para os nossos fins notamos apenas que a palavra nada (μηδὲν)

aqui significa exatamente nem uma coisa e natildeo eacute significa que eacute impossiacutevel que seja como ele

dissera no fragmento 2 Eacute muito importante ter agrave mente que por detraacutes destas palavras estaacute um

processo de reflexatildeo como dissemos acima e como explanaremos amplamente mais agrave frente

Nos versos seguintes Parmecircnides continua explicando seu meacutetodo e dando mais detalhes a

respeito Os versos 3 e 4 satildeo objeto de controveacutersias aacutesperas principalmente por uma lacuna nos

manuscritos A deusa pede ao kouros para fazer algo com o primeiro caminho (natildeo sabemos o que

por causa da lacuna pela conjectura de Diels ndash a mais aceita justamente aquela refutada por

Cordero ndash ela pediria para o kouros se afastar) e tambeacutem de fazer algo com o caminho que os

mortais seguem Esta passagem era e ainda eacute objeto de uma discussatildeo muito grande nos campos

paleograacutefico filoloacutegico e filosoacutefico o assunto em disputa eacute se haacute ou natildeo um terceiro caminho

indicado nessas palavras Na verdade noacutes natildeo precisamos enfrentar esta discussatildeo e podemos pulaacute-

la Para nossos fins noacutes seguiremos o que Parmecircnides indica como caminho (ou caminhos) e seus

caracteres e qualidades sem nos preocuparmos se eacute o primeiro caminho ou o segundo ou

eventualmente o terceiro ou mais

3252 Os versos 64-9

Mas depois daquela outra em que mortais que nada sabem

Erram duplas cabeccedilas pois o imediato em seus

Peitos dirige errante pensamento e satildeo levados

Como surdos e cegos perplexas indecisas massas

Para os quais ser e natildeo ser eacute reputado o mesmo

70

E natildeo o mesmo e de tudo eacute reversiacutevel o caminho90

Aqui comeccedila a parte mais interessante para o ponto de vista psicoloacutegico De fato desde o

verso 4 ateacute o final do fragmento haacute uma descriccedilatildeo do comportamento mental dos mortais

Parmecircnides diz que os mortais (βροτοὶ) natildeo sabem nada (εἰδότες οὐδὲν) andam por caminhos

forjados (πλάττονται) e tecircm duas cabeccedilas (δίκρανοι)91 porque a falta de recursos (ἀμηχανίη) em

sua mente (literalmente no peito στήθεσιν) guia um pensamento vagante Ao mesmo tempo eles

satildeo levados como surdo e cegos e confusos pessoas sem capacidade de julgamento para as quais

ser e natildeo ser satildeo considerados o mesmo e natildeo o mesmo O caminho deles eacute um caminho que tem

dois sentidos

1) βροτοὶ Temos nestes versos uma reprimenda contra os mortais os quais apresentam

alguns comportamentos que passamos a estudar Mas nossa primeira questatildeo eacute quem satildeo os

mortais Haacute muitas opiniotildees diferentes entre os estudiosos92 mas parece claro que embora o

90Trad Cavalcante de Souza (1978) 91Capizzi (1975 37) traduz ldquodoppiezzardquo duplicidade aqui no sentido de falsidade dissimulaccedilatildeo 92Uma resenha completa para os autores mais antigos se encontra em Zeller (1967 p 173-183 n 3 de Giovanni Reale)

A ampla discussatildeo verteu principalmente a respeito da identificaccedilatildeo dos βροτοὶ com os heraclitianos com posiccedilotildees

favoraacuteveis desde as mais radicais (por exemplo Patin 1899 o qual considerava o inteiro poema como uma

polecircmica anti-heraclitiana) ateacute as mais cautelosas (Guthrie) e com posiccedilotildees contraacuterias como aquela do proacuteprio

Zeller A discussatildeo vertia em volta do vocabulaacuterio aparentemente heraclitiano (com destaque para Calogero 1967

p 49 que na expressatildeo δίκρανοι via esculpida a imagem do involuntaacuterio fundador da dialeacutetica antiga Heraacuteclito)

mas tambeacutem sobre questotildees de cronologia A polecircmica foi amplamente superada a partir de Mansfeld (1960) o

qual evidencia como o vocabulaacuterio usado por Parmecircnides jaacute pertencia agrave tradiccedilatildeo da poesia liacuterica

Recentemente inesperadamente surgiu uma defesa da interpretaccedilatildeo do termo βροτοὶ como referido aos

heraclitianos principalmente mas tambeacutem aos pitagoacutericos e a Hesiacuteodo Trata-se da posiccedilatildeo de Jean Fregravere

defendida em seu livro sobre Parmecircnides (Fregravere 2012) num capiacutetulo cujo texto fora anteriormente apresentado em

Buenos Aires (Fregravere 2011) A tese mestra de Fregravere eacute que o homem comum natildeo se importa com caminhos de

pesquisa e que entatildeo a criacutetica de Parmecircnides tinha endereccedilo certo segundo ele heraclitianos pitagoacutericos e Hesiacuteodo

Afora as questotildees que tradicionalmente giram em volta desta disputa ndash a cronologia o vocabulaacuterio as intenccedilotildees

filosoacuteficas gerais de um e de outro autor ndash e deixando de lado o fato que Fregravere natildeo cuida de justificar seus

argumentos e nem de enfrentar as objeccedilotildees que satildeo muitas jaacute que este debate durou mais de 50 anos ainda resta

a questatildeo principal que eacute a seguinte como um pensador eacute capaz de influenciar uma cultura inteira e uma cultura

inteira se dispotildee a aceitar um pensador O exemplo de nossa cultura ocidental satildeo Jesus Cristo e o cristianismo Se

71

poema seja endereccedilado a homens saacutebios e cultos de seu tempo neste caso Parmecircnides quer

significar pessoas que usam uma certa maneira de pensar sem distinccedilatildeo entre pessoas comuns e

saacutebios Com efeito a primeira descriccedilatildeo dos mortais eacute mortais que nada sabem (εἰδότες οὐδὲν)

essa descriccedilatildeo assim como as demais qualificaccedilotildees dos mortais satildeo tradicionais na literatura

anterior a Parmecircnides93 a noccedilatildeo central gira em volta da contraposiccedilatildeo entre a divindade poderosa

algueacutem se potildee a criticar a maneira de pensar dos cristatildeos natildeo faz muito sentido alegar que o cristatildeo comum natildeo se

interessa por teologia e portanto se trata de criticar o autor e natildeo quem acolhe aquelas ideias Ao se criticar o

cristianismo se critica indiretamente o autor em suas teorias e diretamente e propriamente o fenocircmeno cultural o

qual nem sequer eacute de responsabilidade do autor Eacute verdade que Parmecircnides faz um discurso culto em oposiccedilatildeo a

outro discurso que soacute pode ser culto Mas o discurso culto contra o qual Parmecircnides se opotildee natildeo eacute uma simples

teoria como pode ser qualquer teoria em discussatildeo teoacuterica num espaccedilo acadecircmico reservado o discurso contra o

qual ele se potildee eacute uma teoria (uma interpretaccedilatildeo de mundo uma cosmovisatildeo) que penetrou profundamente na cultura

de massa Entatildeo a maneira de pensar de Hesiacuteodo natildeo eacute algo circunscrito a Hesiacuteodo mas eacute algo que formava a

proacutepria estrutura cultural da Greacutecia Especificamente Parmecircnides critica uma maneira de pensar a qual eacute uma

estrutura sociocultural de formaccedilatildeo extremamente complexa por isso natildeo se consegue atribuir isto a um soacute

pensador ou a uma escola isolada uma reaccedilatildeo cultural complexa e de massa a um conjunto de afirmaccedilotildees teoacutericas

Parmecircnides critica o pensamento que natildeo se preocupa com uma coerecircncia interna (podemos chamar de pensamento

miacutetico realismo ingecircnuo ou simplesmente crendice ou supersticcedilatildeo como se queira) e propotildee um instrumento para

alcanccedilar esta coerecircncia Isto vai muito aleacutem de um uacutenico pensador ou de um grupo pequeno de pensadores como

podem ter sido os jocircnicos ou os pitagoacutericos porque inclusive o pensador antes de ser criador de cultura eacute fruto de

uma cultura e expressa aquela cultura tambeacutem em suas inovaccedilotildees tanto por aderir a ela quanto por se opor a ela

Em suma a criacutetica de Parmecircnides se dirige a uma estrutura cultural e natildeo a uma teoria logo natildeo se dirige aos

grandes pensadores que o antecederam embora estes possam estar entre aqueles que criaram ou consolidaram a

cultura criticada pelo eleata Por exemplo Hesiacuteodo eacute um inovador e um consolidador da cultura anterior a ele e natildeo

se consegue separaacute-lo de sua proacutepria cultura ao se criticar aquela maneira de pensar proacutepria daquela cultura estaacute

se criticando Hesiacuteodo tambeacutem mas natildeo principalmente e nem majoritariamente Por todas estas razotildees aleacutem

daquelas mais teacutecnicas jaacute oferecidas pelos estudiosos natildeo faz muito sentido restringir o fragmento 6 e os demais

onde se encontra o termo βροτοὶ a esta ou agravequela escola a este ou agravequele pensador os βροτοὶ de Parmecircnides satildeo

todos aqueles que pensam sem ter um certo recurso em sua mente (ἀμηχανίη ἐν αὐτῶν στήθεσιν) 93Num estudo de Devoto (1964 p 62) se faz uma comparaccedilatildeo entre denominaccedilotildees antigas para homem no latim da

Europa ocidental e central a palavra usada era homo e similares com referecircncia agrave terra (Erneut-Meillet 1951 p

530 neacute de la terre) em contraposiccedilatildeo agrave divindade a qual pertence ao ceacuteu divinizado jaacute os termos germacircnicos men

e mensch fazem referecircncia ao homem que pensa distinto dos animais (Oxford English Dictionary 2009 verbete

man ldquo[it] have been usually referred to the Indogermanic men- mon- to think (see mind n) so that the

primary meaning of the name would refer to intelligence as the distinctive characteristic of human beings as

contrasted with brutesrdquo) pertencendo ao mundo dos caccediladores Em grego se encontram ambas as caracterizaccedilotildees

indicando a Greacutecia como lugar de encontro de vaacuterias concepccedilotildees da divindade assim βροτοὶ se contrapotildee aos

imortais enquanto ἄνθρωπος embora a etimologia seja obscura deve fazer referecircncia agrave cultura da caccedila

Em Homero a noccedilatildeo eacute expressa claramente por exemplo em Il 5440 ldquoφράζεο Τυδεΐδη καὶ χάζεο μηδὲ θεοῖσιν

ἶσ ἔθελε φρονέειν ἐπεὶ οὔ ποτε φῦλον ὁμοῖον ἀθανάτων τε θεῶν χαμαὶ ἐρχομένων τ ἀνθρώπωνrdquo [hellip] pois nunca

seraacute a mesma estirpe a dos deuses imortais e a dos homens que caminham sobre terra Note-se que Parmecircnides

usa ambas as denominaccedilotildees ἄνθρωπος em DK B 127 162 163 193 e βροτοὶ em 130 64 839 851 861

72

e onisciente e o homem limitado e ignorante aleacutem da noccedilatildeo expressa na poesia liacuterica94 haacute tambeacutem

a retomada desta contraposiccedilatildeo jaacute em acircmbito jocircnico e cientiacutefico o que nos conduz a uma noccedilatildeo

mais proacutexima do texto parmenidiano Em Xenoacutefanes 95 um dos mestres de Parmecircnides

encontramos por exemplo o fragmento DK B 23 ldquoUm uacutenico deus entre deuses e homens o maior

em nada no corpo semelhante aos mortais nem no pensamentordquo96 DK B 34 ldquoE o que eacute claro

portanto nenhum homem viu nem haveraacute algueacutem que conheccedila sobre os deuses e acerca de tudo

que digo pois ainda que no maacuteximo acontecesse dizer o que eacute perfeito ele proacuteprio natildeo saberia a

respeito de tudo existe uma opiniatildeordquo e em Alcmeon DK B 1 ldquoOs deuses tem conhecimento claro

das coisas invisiacuteveis e das coisas mortais aos homens ltcabegt conjecturarrdquo97 Enquanto no

pensamento anterior as estirpes de deuses e homens satildeo inconciliaacuteveis e incomparaacuteveis no

pensamento do VI para o V seacuteculo se processa uma comparaccedilatildeo o conhecimento divino eacute perfeito

aquele humano imperfeito Enquanto a religiatildeo oliacutempica estaacute fundada sobre a separaccedilatildeo entre o

humano e o divino e enquanto a religiatildeo misteacuterica tende a associar os dois o novo naturalismo

jocircnico e depois itaacutelico tende a superar esta separaccedilatildeo natildeo porque os homens se tornam deuses

mas porque como veremos nas proacuteximas linhas os homens podem preencher ao menos em parte

94Um bom resumo das noccedilotildees estaacute nestas palavras de Reale (1967 182) reportando Mansfeld ldquo [estes versos] satildeo

atinentes a uma concepccedilatildeo geral grega da natureza do conhecimento humano o qual 1) eacute um nada quando

comparada com aquele divino e 2) da forma como eacute eacute insuficiente para a proacutepria vidardquo Por outro lado embora a

anaacutelise literaria esteja correta a interpretaccedilatildeo de Mansfeld dessas passagens em minha opiniatildeo eacute incorreta 95Para a ligaccedilatildeo entre Xenoacutefanes e Parmecircnides veja-se Finkelberg 1990 96Trad Prado (1978 p 65-66) Xenoacutephanes DK 21 B 23 ldquoεἷς θεὸς ἔν τε θεοῖσι καὶ ἀνθρώποισι μέγιστος οὔ τι δέμας

θνητοῖσιν ὁμοίιος οὐδὲ νόημαrdquo B 34 καὶ τὸ μὲν οὖν σαφὲς οὔ τις ἀνὴρ ἴδεν οὐδέ τις ἔσται ἰδὼς ἀμφὶ θεῶν τε

καὶ ἅσσα λέγω περὶ πάντων εἰ γὰρ καὶ τὰ μάλιστα τύχοι τετελεσμένον εἰπών αὐτὸς ὅμως οὐκ οἶδε δόκος δ ἐπὶ

πᾶσι τέτυκταιrdquo 97Alcmeon DK 24 B 1 ldquoπερὶ τῶν ἀφανέων περὶ τῶν θνητῶν σαφήνειαν μὲν θεοὶ ἔχοντι ὡς δὲ ἀνθρώποις

τεκμαίρεσθαιrdquo

73

a ἀμηχανίη da condiccedilatildeo humana atraveacutes do conhecimento o qual embora ainda conjectural em

Xenoacutefanes e Alcmeon se torna um conhecimento de certeza verdadeira (πίστις ἀληθής) em

Parmecircnides Para a realizaccedilatildeo deste programa de conhecimento verdadeiro Parmecircnides expotildee o

ponto de partida a limitada condiccedilatildeo humana com a linguagem tradicional de sua cultura assim

a condiccedilatildeo humana tradicional recebe o nome tradicional de βροτοὶ os mortais98

2) πλάττονται Os mortais satildeo descritos por Parmecircnides natildeo em sua condiccedilatildeo fatal de

inferioridade em relaccedilatildeo aos deuses nem em sua miseacuteria existencial nem em qualquer outro sentido

moralista A descriccedilatildeo de Parmecircnides natildeo estaacute associada a qualquer contexto humano especiacutefico a

qualquer situaccedilatildeo precisa ou a qualquer outro evento ela eacute limitada aos comportamentos mentais

dos βροτοὶ e eacute feita de forma neutra e universal Haacute um problema inicial a partir do qual se datildeo os

comportamentos como consequecircncia desta causa uacutenica Os βροτοὶ cuja condiccedilatildeo humana eacute aquela

de nada saber (εἰδότες οὐδὲν) seguem por caminhos por eles forjados (πλάττονται)99 inventados

98Haacute um caso de sinoniacutemia entre 838-39 ὄνομ(α) βροτοὶ κατέθεντο e 193 ὄνομ ἄνθρωποι κατέθεντο como

justamente faz notar Cordero (1984 p 149 n 157) Mas que Parmecircnides os use como sinocircnimos uma vez natildeo

quer dizer que sejam sinocircnimos nos outros casos De fato Parmecircnides usa βροτοὶ quatro vezes (130 64 839

861) e uma vez o adjetivo βροτείας somente associados ao desvio do pensamento em relaccedilatildeo agrave verdade (130

ldquoβροτῶν δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθήςrdquo 64 ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲνrdquo 839 ldquoπάντ ὄνομ(α) ἔσται ὅσσα βροτοὶ

κατέθεντο πεποιθότες εἶναι ἀληθῆrdquo 851 ldquoδόξας δ ἀπὸ τοῦδε βροτείας μάνθανε κόσμον ἐμῶν ἐπέων ἀπατηλὸν

ἀκούωνrdquo 861 ldquoὡς οὐ μή ποτέ τίς σε βροτῶν γνώμη παρελάσσηιrdquo Jaacute ἄνθρωποι eacute usado em sentido muito mais

geral em 127 ldquoτήνδ ὁδόν (ἦ γὰρ ἀπ ἀνθρώπων ἐκτὸς πάτου ἐστίν)rdquo onde caminho dos homens apesar das muitas

imaginativas explicaccedilotildees de vaacuterios estudiosos significa provavelmente tatildeo somente caminho dos humanos

(diferenciado de caminhos de animais ou de coisas ndash vento aacutegua e outros) isto eacute estrada em 162 e 16 3 ldquoτὼς

νόος ἀνθρώποισι παρίσταταιrdquo e ldquoτὸ γὰρ αὐτό ἔστιν ὅπερ φρονέει μελέων φύσις ἀνθρώποισινrdquo os quais por serem

descriccedilotildees anatocircmico-fisioloacutegicas se referem necessariamente ao homem em geral (seja ele saacutebio ou natildeo) em 193

onde como vimos acima tem sentido sinocircnimo com βροτοὶ O que se pode concluir limitando-nos somente ao uso

feito por Parmecircnides nos fragmentos que sobreviveram eacute que o termo ἄνθρωποι inclui o sentido de βροτοὶ mas

natildeo vice-versa 99A interpretaccedilatildeo de πλάττονται como caminhos forjados pelos homens eacute mais coerente Desde Diels que retoma a

ediccedilatildeo aldina de 1526 muitos autores aceitam um πλάττονται que viria de πλάζω (LSJ desviar-se confundir vagar

o LSJ inclui o πλάττονται parmenidiano no verbete πλάζω) ao inveacutes de πλάσσω (LSJ moldar formar uma imagem

na mente forjar) Enquanto πλάζω significaria um errar dos humanos πλάσσω significaria um fantasiar isto eacute um

inventar explicaccedilotildees A discussatildeo filoloacutegica completa se encontra em Cordero (1984 p 147-8 e 2005 p 146-7)

74

improacuteprios A maioria dos estudiosos interpreta πλάττονται como erram mas desta forma se perde

por inteiro o conteuacutedo psicoloacutegico da expressatildeo parmenidiana os mortais forjam inventam

fantasiam explicaccedilotildees Este eacute o comportamento natural de quem quer explicar o mundo numa

formulaccedilatildeo subjetiva laacute onde a autocriacutetica ainda natildeo estaacute desenvolvida em outras palavras eacute o

procedimento normal da formulaccedilatildeo de explicaccedilotildees mais ou menos coerentes que afinal

redundaratildeo na formaccedilatildeo dos mitos Eacute muito feliz Cordero (1984 p 148) a lembrar-nos o uso de

πλάσσω em Platatildeo no Timeu quando Critias diz ldquoNatildeo mito inventado mas discurso verdadeirordquo

(μὴ πλασθέντα μῦθον ἀλλ ἀληθινὸν λόγον) Como jaacute vimos a consciecircncia de que a explicaccedilatildeo

miacutetica eacute mera fantasia jaacute estaacute desenvolvida nos mestres de Parmecircnides100 e o tema recorrente no

poema natildeo eacute tanto a afirmaccedilatildeo do ser (como prefere a historigrafia de tipo idealiacutestico que tem

origem em Hegel) mas a diferenciaccedilatildeo entre uma persuasatildeo verdadeira e uma persuasatildeo natildeo

verdadeira como estaacute especificado no programa em 129-30 Ora a persuasatildeo falsa tem sua origem

nos mortais ou seja a invenccedilatildeo dos falsos mitos eacute obra dos mortais posto que os deuses com as

devidas exceccedilotildees soacute falam a verdade Entatildeo a atribuiccedilatildeo da invenccedilatildeo dos falsos mitos aos homens

por parte de Parmecircnides eacute perfeitamente coerente com a sua proposta Ademais a criacutetica ao

pensamento miacutetico embora natildeo prosaicamente literal como em Xenoacutefanes natildeo estaacute nem tatildeo

Aceitam πλάζω Diels Barnes Burnet Coxon Ruggiu Taraacuten Untersteiner Verdenius Zafiropulo Entre os poucos

favoraacuteveis agrave interpretaccedilatildeo de πλάττονται como forjam estatildeo Cordero Cerri OBrien Santoro e Ferrari Este uacuteltimo

(Ferrari 2010 p 47) contesta uma anaacutelise de Passa (2009 p 104-111) feita com extrema acribia defendendo a

opccedilatildeo de Diels no entanto Passa valente filoacutelogo de Parmecircnides para defender Diels traz um enorme aparato

filoloacutegico mas para descartar a interpretaccedilatildeo de πλάττονται como πλάσσω curiosamente utiliza argumentos

somente interpretativos (segundo sua proacutepria interpretaccedilatildeo do poema) e nenhum argumento filoloacutegico 100Tanto os jocircnicos que descartaram as explicaccedilotildees miacuteticas e aceitaram apenas explicaccedilotildees naturalistas quanto os

itaacutelicos isto eacute os pitagoacutericos os quais mesmo mantendo um aparato religioso se dedicaram agraves pesquisas

naturalistas neste quadro o destaque eacute para a criacutetica severa de Xenoacutefanes agraves religiotildees)

75

escondida nos versos do sugestivo poema parmenidiano Mas voltaremos sobre isto mais adiante

Aqui vale salientar que Parmecircnides observa um comportamento mental os mortais por natildeo saber

nada fantasiam e inventam para dar sentido a algum fenocircmeno do mundo fica clariacutessima a noccedilatildeo

parmenidiana do comportamento psicoloacutegico do homem comum pois Parmecircnides percebe

claramente que os homens fantasiam inventam explicam criativamente assim como um psicoacutelogo

atual percebe o comportamento mental fantasioso a partir de explicaccedilotildees forjadas mais ou menos

verossiacutemeis de algueacutem que precisa explicar algo mesmo sem ter noccedilatildeo de como nem competecircncia

para tanto

3) Ἀμηχανίη Esse termo eacute dos mais interessantes e ademais pode ser tomado como a noccedilatildeo

que sintetiza a anaacutelise psicoloacutegica que Parmecircnides faz do comportamento mental do homem

comum como ainda veremos Embora retomado com perfeiccedilatildeo literaacuteria da tradiccedilatildeo eacutepica e liacuterica

para definir os mortais101 o termo ἀμηχανίη em Parmecircnides apresenta uma ampliaccedilatildeo de sentido

O termo significa falta de recursos e assim eacute traduzido por muitos estudiosos102 outros preferem

traduzir com perplexidade103 O sentido geral eacute que os limites humanos necessariamente levam a

uma conduta errante do noos (ἰθύνει πλακτὸν νόον) No entanto enquanto em relaccedilatildeo a βροτοὶ

todos ou quase todos os estudiosos notam a oposiccedilatildeo que Parmecircnides faz com o εἰδότα φῶτα de

101Presente em muitas formas (como verbo substantivo simples e composto adjetivo e com alfa privativo) na eacutepica e

na liacuterica recebe de todos os estudiosos a interpretaccedilatildeo de uma incapacidade dos mortais uma impotecircncia humana

em contraposiccedilatildeo agrave potecircncia divina 102 Por exemplo Beaufret (1955 p 81) ldquolabsence de moyensrdquo Rietzler-Gadamer (1970 p 29) ldquoHilflosigkeitrdquo

Somville (1976 p 42) ldquolimpuissancerdquo (p 17) 103Por exemplo Coxon (2009 p 58) ldquoperplexityrdquo Casertano (1978 p 17) ldquoincertezzardquo Untersteiner (1979 p 135)

ldquoperplessitagraverdquo

76

DK B 13 (o homem saacutebio) em relaccedilatildeo a ἀμηχανίη a falta de recursos ningueacutem lembra que deve

ser uma antiacutetese de uma noccedilatildeo que natildeo estaacute nomeada diretamente mas que estaacute presente

virtualmente a posse de recursos Vamos entender esta presenccedila virtual pela descriccedilatildeo que

Parmecircnides faz de sua antiacutetese ἀμηχανίη Ele diz que essa falta de recursos no peito (ἐν στήθεσιν)

que aqui significa mais uma vez mente eacute causa de um pensar vagante Isto significa que

Parmecircnides natildeo se refere a uma falta de recursos geneacuterica agrave limitaccedilatildeo geneacuterica dos βροτοὶ em

relaccedilatildeo aos deuses mas agrave falta de recursos na mente pois ele especifica claramente a falta em seus

peitos (ἀμηχανίη ἐν αὐτῶν στήθεσιν) Natildeo se trata da incapacidade do homem mas da

incapacidade da mente humana Mais uma vez a deusa antes expotildee seu pensamento com uma

afirmaccedilatildeo e depois explica o porquecirc daquela afirmaccedilatildeo Ela afirma que os mortais inventam

caminhos e explica porque (γὰρ) a incapacidade de suas mentes guia (ἰθύνει) um pensamento

errante Entatildeo a ἀμηχανίη eacute a causa do comportamento mental dos humanos quando afirmam e se

desmentem (δίκρανοι) e quando exercem um intelecto errante (πλακτὸν νόον) Mais uma vez a

mente estaacute descrita em sua operaccedilatildeo e por causa da qualificaccedilatildeo (πλακτὸν) eacute faacutecil entender que se

trata da mente operante entretanto a noccedilatildeo permaneceraacute ambiacutegua se se utilizarem os termos mais

comuns de traduccedilatildeo a saber pensamento intelecto e similares como eacute faacutecil constatar em muitos

estudos104 Por isso a traduccedilatildeo aqui proposta para o νοῆσαι de 22 (e seus cognatos) operaccedilotildees

104 A seguir um exemplo de como a descriccedilatildeo parmenidiana arcaicamente concreta e limitada ao seu contexto

histoacuterico-epistemoloacutegico se torna uma discussatildeo gnosioloacutegica geral a respeito do objeto da mente lanccedilando

Parmecircnides numa dimensatildeo filosoacutefica que apareceraacute muito mais tarde talvez somente na Idade Meacutedia Ademais

como veremos no proacuteximo capiacutetulo Parmecircnides mostra que eacute impossiacutevel mesmo para os mortais que a mente

fique sem objeto razatildeo pela qual a interpretaccedilatildeo abaixo pertencente agrave visatildeo intelectualizada de Parmecircnides natildeo

consegue colher a profundidade de sua filosofia Diz Curd (1991 247) ldquoAt B65-6 the Goddess says that

helplessness (amechanie) guides their wandering noos (ithunei plakton noon) and the implication is that mortals

having failed to keep their thought from the forbidden route are guided by a mistaken deceived and altogether

77

cognitivas torna clara a expressatildeo parmenidiana principalmente nos proacuteximos versos motivos de

inuacutemeras discussotildees De fato os efeitos da ἀμηχανίη satildeo articulados mais ainda nos versos

seguintes

4) οἱ δὲ φοροῦνται κωφοὶ ὁμῶς τυφλοί Este grupo de palavras faz referecircncia a uma mesma

noccedilatildeo onde o termo mais importante e que ilumina o sentido eacute ὁμῶς lsquosemelhante arsquo105 O sujeito

gramatical οἱ se refere ainda a βροτοὶ e estes satildeo levados (φοροῦνται) de forma semelhante a

helpless noos Mortals fail in controlling noos not understanding its proper object they fail to steer it properly So

their noos wanders having no object on which to fix In such a state and on such a route (see B71-2) they can

never hope to reach persuasive truth which is itself connected with what isrdquo [sublinhado meu]

Um outro exemplo pode ser visto em Palmer (2009 p 114-118) que depois de uma meticulosa anaacutelise filoloacutegica

bastante interessante acaba concluindo ndash mais uma vez em chave gnosioloacutegica e fazendo do poema um todo

inarticulado argumentando simultaneamente com o fr 2 o 6 o 8 e os demais ndash que ldquoTheir error [dos mortais]

consists in supposing that a proper object of understanding may be subject to the variableness of being bound up

in their conception of it as being and not being the same and not the samerdquo e mais adiante ldquoHowever since their

being is merely contingent Parmenides thinks there can be no stable apprehension of them no thoughts about them

that remain steadfast and do not wander and thus no knowledge no true or reliable conviction According to

Parmenides genuine conviction cannot be found by focusing onersquos attention on things that are subject to change

It comes only from focusing on what is not subject to changerdquo Mais uma vez o percurso parmenidiano eacute

desvirtuado De fato a preocupaccedilatildeo de Parmecircnides eacute o caminho de investigaccedilatildeo que permita distinguir a convicccedilatildeo

verdadeira da falsa mas o que transparece dessas palavras (se eu bem as entendi) eacute que a convicccedilatildeo verdadeira estaacute

associada agraves coisas natildeo sujeitas agrave mudanccedila

Verdenius chega mais perto da proposta metodoloacutegica de Parmecircnides ldquoDo ponto de vista humano eles proacuteprios

satildeo responsaacuteveis por sua fraqueza pois satildeo agentes livres para formar suas opiniotildees Do ponto de vista coacutesmico

significa que suas κρᾶσις μελέων satildeo destituiacutedas de princiacutepio condutor Eles erram para sempre (πλάττονται) ao

longo de caminhos humanos (fr 127 πάτος ἀνθρώπων) e natildeo tecircm parte nenhuma na Verdade divina porque tecircm

um πλαγκτὸς νόος no sentido metodoloacutegico isto eacute in malam partemrdquo ldquoFrom the human point of view they

themselves are responsible for this weakness as they are free agents in forming their opinion From the cosmic

point of view it means that their κρᾶσις μελέων is devoid of a leading principle They are forever wandering

(πλάττονται) along human roads (fr 127 πάτος ἀνθρώπων) and have no part in the divine Truth because they

possess a πλαγκτὸς νόος in the methodical sense i e in malam partemrdquo (Verdenius 1964 p 14) 105A maioria dos estudiosos talvez pressupondo um sentido retoacuterico-metafoacuterico traduz seguindo Diels (1989 p233)

ldquozugleichrdquo por exemplo ldquoat oncerdquo (Palmer p 114) ldquoad un tempordquo (Reale 1991 p 95) ldquotatildeo surdos como cegosrdquo

(Santoro 2011 p 91) ldquoat the same timerdquo (Taraacuten 1965 p 54) Alguns traduzem de forma diferente por exemplo

ldquociegos y sordosrdquo (Cordero 2005 p 219 que simplesmente natildeo traduz ὁμῶς) ldquodeaf and blind alike in

bewildermentrdquo (Coxon p 58 que ligando ὁμῶς a τεθηπότες entende como se estivessem atordoados) Alguns

traduzem eu penso de forma mais correta semelhante a como alguns exemplos ldquodeaf alike and blindrdquo (Barnes

1982 p 124) ldquodeaf and blind alikerdquo (Long 1975 p 85) e ldquocomo surdos e cegosrdquo (Cavalcante de Souza 1978 p

142)

78

surdos e cegos (κωφοὶ ὁμῶς τυφλοί) Natildeo satildeo surdos e cegos mas eacute como se o fossem106 O verbo

φοροῦνται aqui um passivo de φορέω aponta mais uma vez para a ἀμηχανίη da mente como

condutora dos βροτοὶ e logo como causa deles serem levados Por que a mente sem recursos

conduz os homens como se fossem surdos e cegos A mente dos mortais opera com operaccedilotildees

cognitivas errantes (πλακτὸν νόον) porque lhes falta um instrumento (ἀμηχανίη) que possa ser

usado para realizar um artifiacutecio A falta deste instrumento faz agir os mortais como surdos e cegos

isto eacute como se fossem insensiacuteveis sem os sentidos como se houvesse uma falta de percepccedilatildeo Nas

palavras de Parmecircnides eacute muito clara a individuaccedilatildeo do papel da mente na percepccedilatildeo da realidade

Os mortais tecircm olhos e ouvidos mas sem um certo instrumento na mente eacute como se natildeo os

tivessem Assim a censura aqui eacute contra algum tipo de comportamento mental que eacute como uma

falta de sensibilidade o que significa que eacute como uma falta de dados que venham da realidade para

a construccedilatildeo do caminho correto na mente A ligaccedilatildeo entre a sensorialidade e a correccedilatildeo do

argumentar eacute testemunhada ainda em nossas liacutenguas atuais e palavras como evidecircncia clareza e

outras mostram como a descriccedilatildeo da sensaccedilatildeo de estar argumentando corretamente estaacute ligada agrave

descriccedilatildeo da nitidez da percepccedilatildeo sensorial mesmo natildeo sendo uma descriccedilatildeo sensorial mas tatildeo

106Eacute interessante notar que mesmo traduzindo ὁμῶς como semelhante a muitos criacuteticos carregam o sentido metafoacuterico

em direccedilatildeo do alvo errado Tecnicamente surdos e cegos define uma metaacutefora mas mais uma vez se trata da

tentativa de Parmecircnides de descrever sensaccedilotildees dinacircmicas e fatos mentais concretos para os quais ele natildeo dispunha

de vocabulaacuterio pronto Os criacuteticos parecem esquecer que Parmecircnides estaacute falando de caminhos do pensar e natildeo de

uma teoria geral do conhecimento humano Ao estender o campo para uma teoria geral eles abrem espaccedilo para a

discussatildeo do papel dos sentidos na funccedilatildeo cognitiva geral do homem Vejam-se essas palavras de Long (1975 p

87) ldquoNow the deafness and blindness might be a part of the rhetorical description which culminate in τεθηπότες

ἄκριτα φῦλα [hellip] and largely metaphorical Or it may if only indirectly be connected with the condemnation of

sense perception in B 73-5rdquo Ora natildeo haacute metaacutefora retoacuterica na fala da deusa mas uma descriccedilatildeo sofrida por falta

de vocabulaacuterio culturalmente assentado de comportamentos mentais e o ὁμῶς deveria servir de alerta Nem haacute

uma condenaccedilatildeo dos sentidos porque simplesmente Parmecircnides natildeo estaacute falando dos sentidos mas dos caminhos

do pensar das operaccedilotildees cognitivas estaacute falando da mente dizendo que nos caso dos βροτοὶ ela se comporta

como se fosse surda e cega

79

somente a descriccedilatildeo de estados mentais usando metaforicamente expressotildees referidas aos sentidos

5) τεθηπότες ἄκριτα φῦλα Mais duas noccedilotildees estritamente psicoloacutegicas τεθηπότες

atordoados uma condiccedilatildeo psicoloacutegica que pode ser interpretada de muitas maneiras mas todas

acabam fazendo referecircncia a uma natildeo nitidez mental107 E eacute o atordoamento resultado da condiccedilatildeo

similar agrave surdez e cegueira que faz dos βροτοὶ um tipo humano especiacutefico ἄκριτα φῦλα um povo

sem capacidade de operar a κρίσις isto eacute a distinccedilatildeo entre ser e natildeo ser pois para eles ser e natildeo ser

satildeo o mesmo e natildeo o mesmo (οἷς τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόν) As

operaccedilotildees cognitivas erram porque haacute uma falta na mente de um recurso um instrumento mental

que torne possiacutevel a distinccedilatildeo de ser e natildeo ser Sem esse recurso as operaccedilotildees cognitivas natildeo tem

direccedilatildeo certa De fato

6) πάντων δὲ παλίντροπός ἐστι κέλευθος O fragmento fecha com esta afirmaccedilatildeo muito

discutida108 sobre a reversibilidade do caminho Mais do que reversibilidade penso que seria

oportuno falar de contra-direccedilatildeo109 que mesmo sendo uma traduccedilatildeo muito literal rende bem a ideia

do conflito entre ser e natildeo ser que Parmecircnides quer ressaltar Mais uma vez temos a descriccedilatildeo de

107 Ruggiu (1975 p 143) ldquoO paralelo do conceito parmenidiano com Odisseia XXIII105 eacute instrutivo no trecho

homeacuterico a grande surpresa impede Peneacutelope de falar οὐδέ τι προσφάσθαι δύναμαι ἔπος οὐδ ἐρέεσθαι οὐδ εἰς

ὦπα ἰδέσθαι ἐναντίον Isto eacute trata-se de uma forma de atordoamento que impede ao mesmo tempo de ver e de

expressar com palavrasrdquo 108Muito discutida porque muitos estudiosos gostam de discutir os caminhos sua quantidade e caracteriacutesticas Se se

utilizassem as palavras modernas menos sugestivas e mais prosaicas processo ou procedimento talvez natildeo

ocorressem tantas discussotildees Eacute verdade que eacute o proacuteprio Parmecircnides que ao colocar sua exposiccedilatildeo dentro de uma

moldura miacutestico-religiosa propicia esses entendimentos simboliacutesticos (por exemplo caminho como siacutembolo do

rumo certo em direccedilatildeo a um estaacutegio superior de vida) mas eacute verdade tambeacutem que o leitor moderno natildeo deveria ser

o mesmo da audiecircncia de Parmecircnides nos seus tempos O κέλευθος aqui eacute um processo mental uma dinacircmica

portanto um fenocircmeno da natureza (humana) e natildeo um caminho a seguir ou a natildeo seguir segundo sugestotildees miacutestico-

esoteacutericas para alcanccedilar algum segredo de natureza superior 109Um exemplo jaacute em Homero (reportado por LSJ) mostra este sentido na Iliacuteada (956) depois da fala de Diomedes

Nestor diz ldquohellip Natildeo poderaacute dos Acasos presentes nenhum censurar-te por teu discurso nem mesmo objetar-te

(οὐδὲ πάλιν ἐρέει)rdquo (trad Nunes 2001)

80

um comportamento mental ndash aqui caracteristicamente cognitivo pois se trata do caminho de

inqueacuterito ndash definido confusional onde afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo satildeo o mesmo e natildeo o mesmo porque

haacute uma falta de discernimento

3253 Conclusatildeo do fragmento 6

O fragmento 6 a partir do verso 4 eacute uma descriccedilatildeo do comportamento mental dos mortais

os quais por natildeo possuiacuterem certo recurso uma certa capacidade de discernimento se comportam

mentalmente como surdos e cegos isto eacute se comportam de maneira intelectualmente confusa

(τεθηπότες) logo natildeo sabem discernir (satildeo ἄκριτα φῦλα) e afinal quando tecircm que explicar o

mundo desmentindo a si mesmos (δίκρανοι) acabam produzindo falsos caminhos (πλάττονται) de

inqueacuterito A maioria dos estudiosos enfatiza aqui a parte negativa o caminho a natildeo ser seguido a

confusatildeo dos mortais em oposiccedilatildeo ao ser coraccedilatildeo da verdade cujos sinais seratildeo mostrados no

fragmento 8 Eu penso que Parmecircnides estaacute descrevendo os limites dos mortais tendo em vista um

processo mais concreto e mais limitado Natildeo se trata de comparar os limitados mortais com a

potecircncia divina mas de acusar uma falha na estrutura psicoloacutegica que opera a argumentaccedilatildeo Agrave

falha Parmecircnides daacute o nome de ἀμηχανίη realizando assim um perfeito diagnoacutestico psicoloacutegico

pois as demais descriccedilotildees que redundam em falta de discernimento satildeo os resultados de uma falta

(seria improacuteprio falar em disfunccedilatildeo) psiacutequica falta aos mortais um instrumento que os conduza

pelo caminho da persuasatildeo verdadeira Claramente a deusa tem este instrumento e eacute tarefa dela

ensinaacute-lo ao disciacutepulo de forma que Parmecircnides pela voz de sua deusa em seu programa didaacutetico

se propotildee a ensinar essa autecircntica μηχανή um instrumento artificial que permita preencher a lacuna

dos mortais (entre os quais eacute necessaacuterio incluir o kouros embora ele tenha recebido um destino

diferente dos βροτοὶ um destino que natildeo eacute de infelicidade μοῖρα κακὴ) Ou seja existe e eacute

81

possiacutevel ensinaacute-lo um certo instrumento com o qual os mortais podem sair de seu estado de ἄκριτα

φῦλα e finalmente distinguir a persuasatildeo verdadeira da persuasatildeo natildeo verdadeira No fragmento 7

esta temaacutetica seraacute aprofundada

326 O fragmento 7

3261 Generalidades

O fragmento 7 comeccedila com as palavras de Platatildeo e continua com citaccedilotildees de Sexto Simpliacutecio

e Dioacutegenes Laercio mas natildeo entraremos em questotildees exegeacuteticas pois estamos interessados

principalmente no vocabulaacuterio psicoloacutegico e a disposiccedilatildeo dos fragmentos no poema nos interessa

menos110 Vejamos o texto aqui na ediccedilatildeo Diels-Kranz (DK B 7)

110Como se sabe a disposiccedilatildeo dos fragmentos colhidos nas citaccedilotildees dos doxoacutegrafos eacute um quebra-cabeccedila autocircnomo

para o estudioso A versatildeo que estamos utilizando aqui eacute a de Diels-Kranz porque eacute a mais utilizada embora muitos

editores proponham outras sequecircncias No caso do fragmento 7 ele eacute um collage realizado por Diels que natildeo eacute

unanimidade e eacute utilizado desta forma principalmente por comodidade didaacutetica Os primeiros dois versos satildeo

tomados de Platatildeo enquanto os restantes satildeo tomados de Sexto Empiacuterico O fato notaacutevel principal eacute que Sexto cita

estes versos numa sequecircncia uacutenica com os versos conhecidos como fragmento1 ou seja segundo ele estes versos

pertencem agrave parte inicial do poema Embora outras citaccedilotildees de Sexto sejam consideradas pelos estudiosos como

feitas de memoacuteria ou sem cuidado literaacuterio ndash razatildeo pela qual ele eacute tido como doxoacutegrafo natildeo muito confiaacutevel e pela

qual tambeacutem Diels aceitou considerar estes versos uma emenda improacutepria feita por Sexto ao fragmento 1 ndash a citaccedilatildeo

eacute precisa demais para autorizar dissociar a uacuteltima parte (os versos em questatildeo) e colocaacute-la depois do fragmento 6

O que pesou a favor desta decisatildeo natildeo soacute de Diels mas de muitos outros eacute que esses versos parecem reapresentar

e aprofundar a descriccedilatildeo de um terceiro caminho logo soacute podiam estar depois do fragmento 2 que apresenta os

primeiros dois e depois do fragmento 6 que parece apresentar pela primeira vez no poema o terceiro caminho Ora

um dos dogmas exegeacuteticos que veio a cair entre os estudiosos ao longo do seacuteculo passado foi exatamente a

existecircncia de um terceiro caminho tanto pelos que passaram a defender somente dois caminhos (Cordero e outros)

quanto pelos que passaram a defender a ideia de uma multiplicidade de caminhos (por exemplo Couloubaritsis

fala ateacute mesmo em dez caminhos) razatildeo pela qual natildeo haacute mais nenhuma razatildeo exegeacutetica que impotildee a colocaccedilatildeo

desses versos depois do fr 6 e a discussatildeo permanece em aberto Na minha leitura do poema esses versos podem

muito bem permanecer no fragmento 1 sem gerar nenhum conflito exegeacutetico no entanto a questatildeo levantada no

fragmento 7 natildeo eacute relevante para os fins do esclarecimento da noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides nosso propoacutesito

primeiro logo esta questatildeo natildeo nos interessa de perto Por outro lado com referecircncia ao Parmecircnides psicoacutelogo em

pauta agora a colocaccedilatildeo do fragmento tambeacutem natildeo tem muita relevacircncia porque nos interessa apenas fazer um

levantamento do vocabulaacuterio psicoloacutegico do poema tal levantamento natildeo precisa do esforccedilo da compreensatildeo do

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οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῆι εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα

μηδέ σ ἔθος πολύπειρον ὁδὸν κατὰ τήνδε βιάσθω

νωμᾶν ἄσκοπον ὄμμα καὶ ἠχήεσσαν ἀκουήν

καὶ γλῶσσαν κρῖναι δὲ λόγωι πολύδηριν ἔλεγχον

ἐξ ἐμέθεν ῥηθέντα

O valor filosoacutefico destas palavras eacute inestimaacutevel De fato encontramos aqui a primeira

formulaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo que se tornaraacute famoso com Aristoacuteteles mas numa

versatildeo muito diferente Aqui estamos interessados apenas no vocabulaacuterio psicoloacutegico de

Parmecircnides portanto pularemos os primeiros dois versos os quais seratildeo tratados no proacuteximo

capiacutetulo (e para o qual enviamos o leitor) notando apenas a reapresentaccedilatildeo da questatildeo baacutesica de

Parmecircnides a individuaccedilatildeo diferenciaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de caminhos de pesquisa para as operaccedilotildees

cognitivas Mais uma vez ele apresenta uma ὁδός διζήσιος (caminho de pesquisa portanto

processos mentais cognitivos) da qual poreacutem desta vez pede que o kouros mantenha afastado o

seu pensar indagador (εἶργε νόημα) ou seja as operaccedilotildees cognitivas da mente Jaacute os versos

sucessivos iratildeo requerer nossa atenccedilatildeo especial porque estatildeo repletos de muacuteltiplos sentidos A

interpretaccedilatildeo geral eacute que dada a radical oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser eacute necessaacuterio se manter afastado

do caminho que afirma que ser e natildeo ser satildeo o mesmo e natildeo o mesmo especificamente eacute preciso

tomar cuidado com a cultura herdada a qual forccedila a percepccedilatildeo para um desentendimento Assim

poema como um todo tarefa para a qual seria muito importante esclarecer a ordenaccedilatildeo ao menos provaacutevel dos

fragmentos Para o aprofundamento dessa questatildeo do terceiro caminho a literatura secundaacuteria eacute fecunda e generosa

Pode se ver um resumo dos estudos da primeira metade do seacuteculo passado em Untersteiner (1979 p CCXXVI n

52) pode se ver um estudo obsessivo da questatildeo em OBrien (1987 p 135 et passim) e pode se observar ao se

correr a literatura mais recente como certas escolas datildeo por certo o terceiro caminho principalmente as anglocircfonas

(exemplos recentes Crystal 2002 p 26 Wedin 2011) enquanto as escolas mais francoacutefonas tendem a uma

discussatildeo menos riacutegida

83

por causa dos haacutebitos culturais olhos natildeo vecircem ouvidos e liacutengua se confundem e a veemecircncia dos

discursos leva a um julgamento ruim isto eacute herdado das noccedilotildees argumentadas naqueles discursos

Mas esta interpretaccedilatildeo eacute controversa ademais principalmente a parte referente ao uacuteltimo verso (fr

75) estaacute longe das preferecircncias dos estudiosos de fato este verso recebeu recentemente uma nova

interpretaccedilatildeo que eu acho eacute muito pertinente e que aceito como a melhor disponiacutevel atualmente

embora radicalmente diferente daquela da grande maioria dos estudiosos Falando genericamente

em relaccedilatildeo a este fragmento as posiccedilotildees dos estudiosos se dividem em dois grupos haacute um grupo

que simplesmente esquece que o assunto principal satildeo os comportamentos mentais (v 2 ὁδός

διζήσιος) e afirma que Parmecircnides estaacute falando contra a veracidade do testemunho dos sentidos111

jaacute outros estudiosos percebem que a discussatildeo verte sobre questotildees de meacutetodo de pesquisa112

A deusa continua dando suas instruccedilotildees imperativas e diz nem o haacutebito que foi

experimentado muitas vezes te force sobre aquele caminho Eacute realmente interessante a capacidade

de Parmecircnides de sintetizar em poucas palavras um conteuacutedo tatildeo grande A deusa estaacute falando de

caminhos de operaccedilotildees cognitivas ao longo dos quais os pensamentos podem seguir uma

sequecircncia que noacutes chamamos de argumento Ela dissera que haacute bons e maus argumentos (os de

persuasatildeo verdadeira e os de persuasatildeo natildeo confiaacutevel fr 129-30) e tambeacutem explicara (fr 2 veja-

se o capiacutetulo 4 p 97) que os bons argumentos satildeo o resultado de um recurso especial da mente na

falta do qual os mortais satildeo capazes apenas de produzir maus argumentos pois eles acreditam que

111Reporto aqui somente os editores Coxon (2009 p 308) ldquoParmenides repeats the warning given in fr 5 (DK B 6)

against believing in the reality o f sensible objectsrdquo Taraacuten (1965 p 78) ldquoWhat Parmenides says in this passage

(vv 3-5) is that senses are responsible for the acceptance of the way of non-Beingrdquo 112Por exemplo Untersteiner (1979 p) ldquoexatamente ἀμηχανίη corresponde a ἔθος πολύπειρον que eacute propriamente

a causa da ἀμηχανίη porque corresponde agrave atitude mesquinha determinada pelo haacutebitordquo

84

ser e natildeo ser satildeo o mesmo e natildeo o mesmo mas diz a deusa ser e natildeo ser natildeo satildeo o mesmo pois

nunca os natildeo entes se tornam ser (essas uacuteltimas palavras satildeo a noccedilatildeo expressa nos dois primeiros

versos do nosso fragmento 7) Por esta razatildeo diz ela fique longe daquele caminho e natildeo deixe que

o repetido haacutebito te obrigue a permanecer nele

3262 Haacutebitos culturais o verso 73 ἔθος πολύπειρον

A deusa sugere ao kouros de ficar afastado daquele caminho e ao mesmo tempo de evitar

ser forccedilado sobre ele (cuidando de olhos ouvidos e liacutengua veja adiante) pelo haacutebito

multiexperiente Que haacutebito eacute este Eacute um haacutebito de comportamento da mente ou nas palavras de

Parmecircnides um haacutebito de maneira de pensar A palavra πολύπειρον significa experimentado

muitas vezes113 Esta experiecircncia do pensar seguindo um certo caminho eacute repetido muitas vezes

ateacute que se torna um haacutebito isto eacute um automatismo da mente114 Podemos ver nestas palavras uma

113Calogero ao inveacutes de muacuteltipla experiecircncia traduz de forma incorreta experiecircncia da multiplicidade (ldquoabitudine

allesperienza del molteplicerdquo 1977 p38) Verdenius traduz corretamente (ldquocustom that comes of much

experiencerdquo) mas interpreta a expressatildeo como uma percepccedilatildeo da inconstacircncia ldquoThe method underlying this third

way has the same character of inconstancyrdquo (1964 p 55) 114Mesmo entre aqueles que aceitam que o fragmento se refere ao caminho de pesquisa (da mente) e natildeo agrave capacidade

dos sentidos de descrever corretamente a realidade se datildeo incongruecircncias por exemplo Cerri (1999 p 62) afirma

que ἔθος πολύπειρον eacute um ldquovezzo di molto sapere labitudine inveterata a collezionare notizie in effetti polypeiriacutea

(sostantivo) polyacutepeiros (aggettivo) eacute in greco strettamente sinonimo di historiacutea e di polymathiacuteardquo e traz dois

exemplos um de Plutarco falando de Solon que em juventude viajara para o Oriente natildeo para comeacutercio ou para se

enriquecer mas para ldquomultiplicar a experiecircncia e a investigaccedilatildeo de conhecimento (polypeiriacuteas heacuteneka kaigrave

historiacuteas) A outra em Platatildeo (Leg 7 811 a-b) onde ele criticando a praxe escolar de memorizar

indiscriminadamente define esta falsa cultura de polypeiriacutea e polymatia Cerri afinal interpreta que a exortaccedilatildeo a

se manter afastados desse caminho coincide com uma criacutetica (de sabor muito heraclitiano) contra aqueles ldquosapientirdquo

que foram desviados pela polymatiacutea Mais adiante (p 217) comentando o verso 4 ele diz ldquoA metaacutefora do olhar

cego e do ouvido surdo eacute retomada aqui como imagem da impotecircncia intelectual dos saberes tradicionais

imiscuidos nas aparecircncias da multiplicidade errantes no caminho do natildeo eacuterdquo Por um lado Cerri afirma que

Parmecircnides se refere aos ldquosaacutebiosrdquo que usavam de polimathiacutea (E quem seriam esses saacutebios Talvez aqueles que

Heraacuteclito criticava pelos mesmos motivos Estaria Cerri confundindo Parmecircnides com Heraacuteclito) e por outro lado

afirma que se trata de uma criacutetica aos saberes tradicionais Ora a natildeo ser que se considerem ldquosaberes tradicionaisrdquo

85

observaccedilatildeo a respeito da formaccedilatildeo da maneira de pensar algo que noacutes chamamos forma mentis115

A maneira de pensar costumeira dos mortais eacute aprendida Esta aprendizagem eacute obtida pela

repeticcedilatildeo os mortais repetem muitas vezes aquele tipo de maneira de pensar ateacute que se torne

haacutebito Parmecircnides descreve o processo cultural de configuraccedilatildeo da forma mentis dos povos (φῦλα

fr 67) Que a maneira de pensar fosse algo relativo a cada cultura era fato conhecido Temos um

exemplo muito claro em Xenoacutefanes quando diz

ldquoMas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados

que como eles se vestem e tecircm voz e corpordquo

e

ldquoOs egiacutepcios dizem que os deuses tecircm nariz chato e satildeo negros

os traacutecios que eles tecircm olhos verdes e cabelos ruivosrdquo

Aqui Xenoacutefanes diz que os mortais tecircm sua proacutepria maneira de pensar (neste caso a respeito dos

deuses) e que cada povo tem suas crenccedilas Assim o processo cultural de aprendizagem com

diferenccedilas em cada cultura era conhecido e Xenoacutefanes mostra quais eram essas diferenccedilas

as noviacutessimas pesquisas dos jocircnicos e dos itaacutelicos o alvo recai sobre as antigas histoacuterias natildeo soacute as homeacutericas mas

como se percebe pelas criacuteticas de Xenoacutefanes tambeacutem sobre as mitologias locais em geral No entanto Parmecircnides

faz uma criacutetica mais radical porque o ἔθος πολύπειρον natildeo se refere ao comportamento de uma pessoa mas de

uma maneira de pensar isto eacute haacute uma generalizaccedilatildeo que vai muito aleacutem da criacutetica de Heraacuteclito agrave polymathiacutea

Nas citaccedilotildees platocircnicas (Leg 811a-b e 819a) polymathiacutea e polypeiriacutea natildeo tecircm uma conotaccedilatildeo negativa pelo

sentido comum das duas palavras eacute Platatildeo que critica esse tipo de aprendizagem quando ela estaacute unida a uma maacute

conduccedilatildeo (κακῆς ἀγωγῆς) Por outro lado Parmecircnides estaacute se referindo ao ἔθος πολύπειρον (e natildeo agrave πολυπειρία)

daqueles que trilham a ὁδός διζήσιος da qual a deusa recomenda afastamento ou seja se refere aos βροτοὶ Ademais

Cerri natildeo cita Tuciacutedides numa eacutepoca muito mais proacutexima de Parmecircnides para o qual πολυπειρία significa tatildeo

somente muito experiente (δι ὅπερ καὶ τὰ τῶν Ἀθηναίων 17141 ἀπὸ τῆς πολυπειρίας ἐπὶ πλέον ὑμῶν

κεκαίνωται) tambeacutem em Aristoacutefanes Lis 1109 significa tatildeo somente muito experiente (Χαῖρ ὦ πασῶν

ἀνδρειοτάτη δεῖ δὴ νυνί σε γενέσθαι δεινὴν ltμαλακήνgt ἀγαθὴν φαύλην σεμνὴν ἀγανήν πολύπειρον) 115Barnes capta a questatildeo da forma mentis mas aparentemente de forma curiosa e involuntaacuteria pois a aplica de um

jeito singular Ele acha que os versos 3-6 longe de constituirem um argumento ceacutetico contra os sentidos satildeo um

alerta ao puacuteblico para natildeo recorrer aos sentidos para julgar as suas teses ldquoParmenides diz nada mais que isto Se

vocecirc pensa que meu argumento estaacute errado entatildeo prove [com a razatildeo ndt] que estaacute errado natildeo recaia na preguiccedila

do senso comumrdquo (1982 p 298) Na opiniatildeo de Barnes Parmecircnides pede que a razatildeo seja aplicada somente

contra o argumento dele e natildeo em todo o caminho de pesquisa

86

descrevendo-as e criticando-as Mas seu disciacutepulo Parmecircnides vai aleacutem pois ele diz como uma

maneira de pensar pode configurar uma cultura e como uma cultura pode configurar uma maneira

de pensar De fato o haacutebito multiexperiente de pensar eacute uma configuraccedilatildeo cultural do pensar eacute a

maneira de pensar aprendida pela repeticcedilatildeo numa certa imersatildeo cultural Ao mesmo tempo esta

maneira de pensar originada por uma certa cultura pode forccedilar todos os pensamentos naquele rumo

do pensar constrangendo aqueles pensamentos dentro da maneira de pensar daquela cultura afinal

reproduzindo aquela cultura Assim Parmecircnides explicando como funciona o processo de

aprendizagem faz uma criacutetica severa contra a maneira tradicional de pensar aquela que se reproduz

pela repeticcedilatildeo forccedilando os pensamentos (as operaccedilotildees cognitivas) a permanecer sobre seu proacuteprio

caminho (a cultura tradicional) do pensar Isto significa que aleacutem da criacutetica cultural agrave maneira de

pensar tradicional haacute tambeacutem uma criacutetica agrave educaccedilatildeo e afinal agrave maneira especiacutefica (aquela da

investigaccedilatildeo) de pensar da tradiccedilatildeo

Muitos estudiosos querem ver essas criacuteticas como dirigidas a uma ou outra escola de

pensamento a algum pensador ou outro Mas os outros pensadores e suas escolas (Jocircnicos e

Pitagoacutericos) eram recentes e proacuteximos no tempo a Parmecircnides de forma que natildeo podem justificar

a expressatildeo ἔθος πολύπειρον o haacutebito multiexperiente Natildeo haacute outra opccedilatildeo em nenhum outro lugar

o alvo de Parmecircnides eacute o pensamento tradicional aquele pensamento que noacutes chamamos de

pensamento miacutetico116 Apesar do fato de ser uma deusa que diz isto a criacutetica de Parmecircnides se

116Uma criacutetica similar eacute feita por Heraacuteclito no fragmento DK 21 B 40 ldquoMuita instruccedilatildeo natildeo ensina a ter inteligecircncia

pois teria ensinado Hesiacuteodo e Pitaacutegoras Xenoacutefanes e Hecateu (πολυμαθίη νόον ἔχειν οὐ διδάσκει Ἡσίοδον γὰρ ἂν

ἐδίδαξε καὶ Πυθαγόρην αὖτίς τε Ξενοφάνεά τε καὶ Ἑκαταῖον)rdquo (Trad Cavalcante de Souza p 79) Mas a criacutetica

de Heraacuteclito natildeo eacute contra uma maneira de pensar tanto eacute verdade que junta poetas tradicionais e natildeo tradicionais

(Hesiacuteodo e Xenoacutefanes) e personalidades tatildeo diferentes quanto Pitaacutegoras um pesquisador de ambiente miacutestico e

Hecateu um pesquisador de ambiente pragmaacutetico como o eacute aquele de um geoacutegrafo De forma que Heraacuteclito estaacute

87

dirige agrave maneira tradicional de pensar ndash e natildeo haacute outro candidato a natildeo ser o pensamento miacutetico

na verdade o pensamento religioso pois noacutes chamamos mito o que para eles era religiatildeo ndash a qual

constrange os pensamentos (as operaccedilotildees cognitivas) por caminhos errantes (πλακτὸν νόον fr

66)

3263 Visatildeo audiccedilatildeo e liacutengua os versos 4 e 5

νωμᾶν ἄσκοπον ὄμμα καὶ ἠχήεσσαν ἀκουήν καὶ γλῶσσαν ldquoO haacutebito multiexperiente por esta

via natildeo te force exercer (νωμᾶν) sem visatildeo um olho (ἄσκοπον ὄμμα) e ressoante um ouvido

(ἠχήεσσαν ἀκουήν) e a liacutengua (γλῶσσαν)117 Mais uma vez Parmecircnides usa periacutefrases para explicar

sua visatildeo Se noacutes nos restringimos ao ponto de vista epistemoloacutegico aqui podemos ver apenas uma

metaacutefora de uma cogniccedilatildeo confusa e imprecisa Mas jaacute vimos a sensibilidade do eleata para a

observaccedilatildeo psicoloacutegica logo numa tal descriccedilatildeo das funccedilotildees psiacutequicas como haacutebito

multiexperiente eacute menos provaacutevel a introduccedilatildeo de uma metaacutefora e mais provaacutevel uma articulaccedilatildeo

com maiores detalhes da preacutevia descriccedilatildeo psicoloacutegica Como vimos no fragmento 6 os sentidos

imprecisos se referem a processos mentais e satildeo aqueles que natildeo possuem um certo recurso Assim

mesmo criticando a polymathiacutea isto eacute a erudiccedilatildeo seja ela tradicional ou natildeo Mas quando Heraacuteclito critica a

tradiccedilatildeo o faz a seu modo como por exemplo no fragmento DK 21 B 5 14 e 15 criticando genericamente uma

atitude cultural e natildeo atitudes de indiviacuteduos especiacuteficos Isto depotildee a favor da interpretaccedilatildeo cultural da passagem

em pauta de Parmecircnides o qual tem em comum com seus colegas (Heraacuteclito Xenoacutefanes e os demais naturalistas)

essa criacutetica ao pensamento miacutetico (religiatildeo tradicional) que ele desenvolve de maneira especiacutefica com uma criacutetica

ao comportamento mental 117Mais genericamente a criacutetica da segunda metade do seacuteculo passado em diante abandonou a interpretaccedilatildeo de uma

prevenccedilatildeo parmenidiana contra os sentidos e abraccedilou a ideia de uma advertecircncia contra mau uso dos sentidos A

grande maioria da criacutetica mais recente interpreta dessa segunda maneira embora tendo de escapar da sugestatildeo errada

do proacuteprio LSJ o qual no verbete νόημα traduz ldquoin Philos thought concept opp sensation sense-presentation

Parm 834 etcrdquo Com essa definiccedilatildeo para νόημα como tendo uma acepccedilatildeo de pensamento em oposiccedilatildeo a

sensaccedilatildeo a sugestatildeo de uma oposiccedilatildeo entre o νόημα de 72 e a descriccedilatildeo do papel sentidos nos versos 73-5 eacute ainda

mais forte

88

por exemplo um olho que natildeo vecirc eacute um olho que natildeo faz conexotildees mentais (operaccedilotildees cognitivas)

entre imagens que vecircm dos olhos fiacutesicos De novo as palavras de Xenoacutefanes podem nos ajudar

Ele diz ldquoMas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados que como eles se vestem e tecircm voz

e corpordquo onde isto significa eles natildeo percebem (natildeo veem) que se eles fossem gerados vestissem

roupas humanas e tivessem voz e corpo eles natildeo seriam deuses eles seriam humanos com todas

as consequecircncias aporeacuteticas que esta visatildeo implica O mesmo pode ser dito a respeito de outros

fragmentos de Xenoacutefanes pois Xenoacutefanes vecirc que cada povo cria seus deuses segundo sua proacutepria

imagem Em outras palavras um olho que natildeo vecirc eacute uma visatildeo que natildeo entende (natildeo conexiona) as

imagens que vecircm da realidade O mesmo pode ser dito do ouvido quando discursos ou histoacuterias

ou simples contos mesmo cheios de contradiccedilotildees satildeo capazes de persuadir quem tem um ouvido

ressoante (confuso) Assim o sentido aqui natildeo eacute metafoacuterico mas a descriccedilatildeo de um

comportamento mental neste caso especial a descriccedilatildeo de operaccedilotildees cognitivas

3264 Julgar pela fala os versos 5 e 6

κρῖναι δὲ λόγωι πολύδηριν ἔλεγχον ἐξ ἐμέθεν ῥηθέντα Todos os criacuteticos 118 traduzem

aproximadamente nesse teor ldquojulgue pela razatildeo a controversa tese por mim expostardquo Eacute

considerado um dos pontos altos do poema ao menos desde Plotino apesar das muitas dificuldades

histoacutericas de vir a acontecer uma estreia tatildeo eacuteclatant de uma palavra λόγος que teraacute uma fortuna

118Quase todos os criacuteticos traduzem ldquojulgue pela razatildeordquo ou com o equivalente ldquopelo argumentordquo A exceccedilatildeo se deve

aos pouquiacutessimos autores que consideram Parmecircnides uma figura de tipo xamacircnico e portanto para eles a razatildeo

natildeo eacute metro de juiacutezo da verdade No entanto ateacute mesmo Kingsley que defende exatamente essa interpretaccedilatildeo de

Parmecircnides mesmo traduzindo pela fala natildeo escapa de interpretar pela construccedilatildeo comum propondo afinal umas

alteraccedilotildees (ilegiacutetimas ele propotildee λόγου genitivo por λόγωι dativo) no texto grego segundo ele corrupto e

chegando ao seguinte resultado ldquobut judge in favor of the highly contentious demonstration of the truth contained

in the words as spoken by merdquo (Kingsley 2003 p 136-140)

89

sem iguais na histoacuteria futura da filosofia Eu proacuteprio aceitei essa traduccedilatildeo ao longo dos anos de

estudo do eleatismo pois como poderia enfrentar uma unanimidade entre os criacuteticos tatildeo coesa

Entretanto a linha das pesquisas dos uacuteltimos 50 anos tende a retirar do poema aquela paacutetina de

incrustaccedilatildeo platoniacutestica que recobre o poema e que foi depositada ao longo de mais de dois

milecircnios Esse trabalho de restauraccedilatildeo do poema vem sendo desenvolvido lentamente e quem se

propotildee a isto sabe da dificuldade de julgar se certa nuance eacute uma incrustaccedilatildeo do tempo ou pertence

agrave paleta parmenidiana Eu tambeacutem trabalhando nesse time me vi cerceado de duacutevidas ao

reinterpretar o emblemaacutetico ldquocoraccedilatildeo intreacutepido da verdade bem redondardquo com um muito mais

prosaico ldquoa mente firme da verdade bem conexardquo (Galgano 2012) Entatildeo natildeo eacute sem temor que

aceito e levo adiante uma interpretaccedilatildeo deveras mais prosaica de um colega estado-unidense

Christopher Kurfess que propotildee uma leitura ndash a meu ver ndash muito mais parmenidiana muito mais

pre-socraacutetica (aderente agrave eacutepoca) muito mais razoaacutevel dessa passagem A traduccedilatildeo de Kurfess eacute

assim ldquo

ldquoEssa leitura difusa que toma as palavras κρῖναι δὲ λόγῳ como um repuacutedio dos sentidos e

um comando para julgar pela razatildeo ou pelo argumento (racional) geralmente sem que se perceba

parece estar seguindo a direccedilatildeo da fonte estoacuteica (para a qual logos significava razatildeo [] Natildeo

somente a traduccedilatildeo de logos com razatildeo ou argumento eacute suspeita como tambeacutem a construccedilatildeo de

κρῖναι como um imperativo eacute tambeacutem problemaacutetico quando eacute lido no contexto da passagem como

um todo (como a citaccedilatildeo completa de Sexto nos permite fazer) [] Numa frase que comeccedila ἀλλὰ

σὺ τῆσδrsquo ἀφrsquo ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα ldquoMas tu afasta (teu) pensamento dessa via de pesquisardquo o

forte adversativo ἀλλὰ exerceria uma influecircncia sobre o resto da frase de forma que a partiacutecula mais

fraca δέ na frase κρῖναι δὲ λόγῳ dificilmente seria percebida como adversativa especialmente pela

ausecircncia de um μέν anterior Assim os dois infinitivos satildeo complementares com βιάσθω Isto altera

consideravelmente o sentido do todo

Mas tu afasta o pensamento desse caminho de pesquisa

e natildeo deixe que o haacutebito multiexperiente te force sobre este caminho

a exercer um olho sem alvo e um ouvido que ecoa

e a liacutengua e a julgar pela fala controverso o elenchos

90

por mim exposto

Nessa construccedilatildeo alternativa δὲ eacute conectivo κρῖναι um infinitivo complementar e com o

dativo λόγῳ ldquopela falardquo Parmecircnides natildeo estaacute fazendo uma afirmaccedilatildeo monumental marcando o

advento do discurso racional na histoacuteria humana mas a mais modesta (embora curiosa)

reivindicaccedilatildeo de que ao longo desse caminho assim como se deveria ser cauteloso em relaccedilatildeo

agravequilo que os sentidos podem apresentar (embora noacutes normalmente dependemos deles) assim

tambeacutem a fala (como eacute usada normalmente) natildeo seraacute instrumento totalmente confiaacutevel para a

compreensatildeo do ensinamento que a deusa iraacute oferecer Uma troca adicional nessa leitura eacute que

πολύδηριν agora eacute entendido como predicado acusativo A deusa natildeo estaacute dizendo que seu elenchos

eacute ldquocontroversordquo mas alertando o jovem contra julgaacute-lo assim devido agrave aplicaccedilatildeo errada do haacutebito

linguiacutestico Isto eacute o elenchos pode parecer controverso agravequeles muito preocupados com a maneira

de expressatildeo mas pela perspectiva que a deusa estaacute revelando isto seria um erro Lidas assim

estas linhas se tornam a primeira de vaacuterias passagens no poema onde a deusa aponta a natureza

potencialmente enganadora da fala dos mortais e da sua atitude a dar nomes119

119 Eis a passagem original por inteiro (Kurfess 2012 p 76-77) ldquoThis widespread reading which takes the words

κρῖναι δὲ λόγῳ as a repudiation of the senses and a command to judge by reason or (rational) argument appears to

be generally without appreciating the fact following the lead of the Stoic source (for whom logos did mean

ldquoreasonrdquo and much else besides) While the anachronistic understanding of logos is a major component of that

reading the influence of the Stoic source on how these lines have been read extends further Not only is translating

logos as ldquoreasonrdquo or ldquoargumentrdquo suspect but the construal of κρῖναι as an imperative is also problematic once it is

read (as Sextusrsquo fuller quotation allows us to do) in the context of the passage as a whole The Stoic source intends

for us of course to understand κρῖναι as an imperative (and such a construal led presumably to the form κρίνε

preserved in Sextus) but it seems as though he manages this by carefully selective quotation

Because the two portions of text cited by the source have generally in the scholarship of the last century or so

been thought to come from different places in the poem it has gone unnoticed or else been thought unremarkable

that compared to the proem as Sextus quotes it in full the Stoic source omits line 31 I think that the omission is

indeed remarkable and that the line was intentionally omitted because it was inconvenient for the Stoic reading of

the lines that follow In a sentence that has begun ἀλλὰ σὺ τῆσδrsquo ἀφrsquo ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα ldquoBut do you bar

(your) thought from this way of seekingrdquo the strong adversative ἀλλά is going to exercise an influence over the

remainder of the sentence such that the weaker particle δέ in the phrase κρῖναι δὲ λόγῳ is unlikely to be felt as

adversative especially in the absence of any preceding μέν It reads instead as a connective particle making the

infinitive κρῖναι parallel with νωμᾶν in the preceding line Both infinitives are thus complementary with βιάσθω

This alters the sense of the whole considerably We now understand the lines as follows

But do you bar thought from this way of seeking

And let not habit of much experience force you along this way

To ply an aimless eye and echoing hearing

And tongue and to judge by means of speech the elenchos

Spoken by me (to be) much-contending

On this alternative construal δὲ is connective κρῖναι a complementary infinitive and with the dative λόγῳ ldquoby

speechrdquo Parmenides is not making a monumental statement marking the advent of rational discourse into human

91

Essa traduccedilatildeo ldquonatildeo deixe que o haacutebito multiexperiente te force [] a julgar pela fala

controverso o elenchos120 por mim expostordquo me parece muito mais natural e fiel ao espiacuterito natildeo soacute

da eacutepoca e da mentalidade desses pensadores mas tambeacutem ao proacuteprio espiacuterito do texto Eu penso

embora Kurfess considere curioso o alerta de Parmecircnides que a deusa apresente um poderoso

argumento contra a retoacuterica dos discursos e natildeo soacute da retoacuterica culta ndash isto eacute agravequela referida ao

direito e agrave poliacutetica (Parmecircnides foi um poliacutetico bem-sucedido de uma polis eunocircmica121) ndash mas

tambeacutem da retoacuterica dos discursos sobre as estruturas e funccedilotildees do mundo (os mitos) aquela retoacuterica

consagrada pela tradiccedilatildeo de cadenciar e por que natildeo utilizar modelos formulares para ver o

mundo (weltanschaung) Diante da antiga cosmovisatildeo as novas tendecircncias culturais

principalmente as teoacutericas satildeo apenas teses controversas A deusa convida a natildeo considerar os

novos discursos como controversos de antematildeo exorta a deixar de lado os preconceitos e afinal

a examinar os argumentos (as falas) com cuidado

Esta interpretaccedilatildeo da letra do fragmento 7 natildeo altera o sentido geral da criacutetica de Parmecircnides

history but the more modest (though curious) claim that just as one should be wary along this way of what the

senses may present (though we regularly do depend upon them) so too speech (as regularly employed) is not going

to be a fully reliable instrument for comprehending the teaching which the goddess has to impart An additional

grammatical shift in this reading is that πολύδηριν is now understood as a predicate accusative The goddess is thus

not claiming that her elenchos is ldquomuch-contestingrdquo but warning the youth against judging it to be so due to a

mistaken application of linguistic habit That is while the elenchos might appear contentious to those too

preoccupied with the way it is expressed from the perspective that the goddess is revealing that would be an error

Read thus these lines become the first of a number of places in the poem where the goddess points out the

potentially deceptive nature of mortal speech and naming 120 Esta palavra eacute objeto de muitas e diferentes interpretaccedilotildees Aqui na busca de um vocabulaacuterio psicoloacutegico natildeo eacute

necessaacuterio se aprofundar mas resta o fato de que o sentido homeacuterico originaacuterio (reproche desgracie dissonou

LSJ) jaacute resulta alterado na eacutepoca de Parmecircnides O proacuteprio LSJ oferece esta passagem de Parmecircnides como

exemplo para o sentido de ldquoargumente off disporatildeo o refutativordquo No entanto este eacute o sentido utilizado em Platatildeo

em referecircncia agrave metodologia de Soacutecrates muitas deacutecadas depois Na literatura contemporacircnea a Parmecircnides com

raras exceccedilotildees o sentido principal eacute de teste ou prova Veja-se a respeito o oacutetimo estudo de Lester (1984) e com

metodologia similar mas com resultados diferentes Hurley (1989) 121Sobre a encomia de Eleacuteia e a nomothetia de Parmecircnides ver Mele 2005 e Mele 2006

92

ao saber tradicional mas ao mesmo tempo natildeo precisa recorrer ao anacronismo de uma invenccedilatildeo

ex novo e estrepitoso da razatildeo como criteacuterio epistecircmico absoluto Voltaremos a este assunto no

proacuteximo capiacutetulo quando esses temas seratildeo revistos agrave luz da proposta parmenidiana da oposiccedilatildeo

radical entre ser e natildeo ser e laacute veremos algo das novas problemaacuteticas que podem surgir desta

traduccedilatildeo

33 Resumo e conclusatildeo da primeira parte

Nesta parte de nossa investigaccedilatildeo escolhemos restringir o foco sobre aspectos psicoloacutegicos

do poema de Parmecircnides tentando evidenciar a habilidade do autor enquanto observador do

comportamento da mente humana Como instrumento primaacuterio de nossa averiguaccedilatildeo utilizamos

um sentido muito especial do verbo νοεῖν e dos seus cognatos extraiacutedo das proacuteprias qualificaccedilotildees

atribuiacutedas por Parmecircnides numa noccedilatildeo entre pensar que julgamos um conceito de abrangecircncia

grande demais e conhecer que julgamos um conceito ao mesmo tempo restrito demais na

medida em que se refere apenas a certo tipo de pensar aquele pensar direcionado ao conhecimento

especiacutefico de um objeto (mas como vimos para Parmecircnides o caminho do pensamento implica

tambeacutem saber ouvir ver se livrar de preconceitos isto eacute analisar com cuidado os argumentos)

e ao mesmo tempo excessivo por incluir todos os aspectos do conhecimento (um sujeito que

conhece um meio cognitivo e o resultado deste processo o conhecido) Ambos satildeo os mais usados

pelos estudiosos no caso do poema de Parmecircnides O termo escolhido foi operar cognitivamente

porque embora seja fortemente teacutecnico pode representar muito bem um filtro tanto para as

ambiguidades de pensar e conhecer quanto para a tentaccedilatildeo de ampliar a discussatildeo para os campos

epistemoloacutegicos ou filosoacutefico fora de tema nesta anaacutelise

Como resultados provisoacuterios nesta primeira parte da anaacutelise do poema do ponto de vista

93

psicoloacutegico podemos resumir o que segue

No fragmento 1 Parmecircnides descreve com linguagem que vem das sensaccedilotildees corporais a

experiecircncia da certeza e da duacutevida introduzindo o conceito de persuasatildeo como estagio

intermediaacuterio entre quem conhece e o que eacute conhecido a esta parte intermediaacuteria podemos chamar

de mente que tem seu proacuteprio modo de funcionar e pode ser persuadida tanto pela persuasatildeo

verdadeira quanto pela persuasatildeo natildeo verdadeira

No fragmento 2 Parmecircnides expotildee sua reflexatildeo sobre os caminhos do pensar A discussatildeo

completa desta reflexatildeo seraacute proposta no proacuteximo capiacutetulo e portanto aqui aproveitamos esse

fragmento apenas para a definiccedilatildeo da noccedilatildeo de voein aquela operaccedilatildeo da mente destinada agrave

cogniccedilatildeo que Parmecircnides iraacute utilizar ao longo do poema

No fragmento 6 Parmecircnides examina os dois caminhos de investigaccedilatildeo assim como satildeo

aplicados no mundo comum e faz uma distinccedilatildeo entre a psicologia comum e a maneira de operar

do homem saacutebio instruiacutedo pela deusa A diferenccedila consiste no uso de um recurso que os mortais

natildeo possuem Por esta razatildeo os mortais acreditam que ser e natildeo ser satildeo o mesmo e natildeo o mesmo

enquanto o homem com o recurso sabe (pelo recurso) que eles satildeo radicalmente opostos Assim o

homem com o recurso segue o caminho verdadeiro enquanto os mortais cuja mente se comporta

como se fosse surda e cega inventam caminhos de direccedilotildees reversiacuteveis

No fragmento 7 Parmecircnides aprofunda a anaacutelise antes de tudo faz a primeira enunciaccedilatildeo do

Preceito da Deusa a oposiccedilatildeo absoluta entre ser e natildeo ser Depois explica que haacute um haacutebito

experimentado muitas vezes que configura a mente comum e o homem com o recurso natildeo deveria

ser forccedilado a esta configuraccedilatildeo mental Enquanto observa o comportamento da mente social

Parmecircnides percebe que o recurso (o Preceito da Deusa) eacute algo que sai do entendimento comum

numa criacutetica clara ao pensamento religioso Por isso a deusa alerta o disciacutepulo a tomar cuidado com

94

o exerciacutecio dos sentidos (visatildeo audiccedilatildeo e liacutengua) e tambeacutem tomar cuidado com a retoacuterica dos

discursos comuns pois o haacutebito mental tende a aprovar e reprovar discursos por preconceitos o

kouros deve evitar ser forccedilado a pensar (operar cognitivamente) pelo preconceito122

Tanto o fragmento 4 quanto os restantes fragmentos do poema que apresentam um

vocabulaacuterio psicoloacutegico seratildeo abordados depois da anaacutelise completa do fragmento 2 De fato o

esclarecimento da reflexatildeo exposta no fragmento 2 poderaacute elucidar noccedilotildees principalmente do

fragmento 8 que sem aquele esclarecimento preacutevio permaneceria criacutepticas e obscuras Assim a

anaacutelise do vocabulaacuterio psicoloacutegico seraacute prosseguida e completada numa segunda parte apoacutes a

exposiccedilatildeo do meacutetodo parmenidiano para distinguir a persuasatildeo verdadeira da falsa

122 Em estudos muito recentes se tende a rearranjar os fragmentos do poema de forma radical Uma das tentativas estaacute

sendo levada adiante por Cordero e implica que alguns fragmentos que pela ordenaccedilatildeo Diels-Kranz pertencem agrave

segunda parte do poema sejam deslocados para a primeira parte Em artigo de 2013 Cordero afirma que esta

separaccedilatildeo do poema em duas partes eacute prejuiacutezo interpretativo traacutegico Em resumo embora Parmecircnides fale de dois

assuntos o discurso verdadeiro e as opiniotildees dos mortais isto natildeo quer dizer que a estes dois assuntos

correspondam duas partes no poema Principalmente dos fragmentos de 9 a 19 somente o 9 o 12 e o 19

pertenceriam agrave doxa de forma que os outros (os fragmentos 10 11 13 14 15 16 17 18) teriam que ser deslocados

para antes do fragmento 8 ldquoNo dudo em colocar esse conjunto em la via de la verdad antes del fragmento 7 como

explicacion del poleacutemico conjunto de pruebas (πολύδηριν ἔλεγχον) que la diosa dice haber ya expuesto (ῥηθέντα)rdquo

(2013 p 25)

A nossa interpretaccedilatildeo do fragmento 7 junto com a releitura oferecida por Kurfess parecem caminhar em favor

da hipoacutetese de Cordero onde a exposiccedilatildeo de saberes cosmoloacutegicos novos ndash por exemplo o fato de que a luz da lua

seja um reflexo da luz do sol ndash tecircm que superar o obstaacuteculo dos prejuiacutezos do conhecimento (religioso) tradicional

95

4 O MEacuteTODO

41 Introduccedilatildeo

Parmecircnides foi um observador do comportamento da mente e haacute em suas palavras

distinccedilotildees entre dois tipos de comportamento mental Nitidamente ele distingue entre um

comportamento mental insuficiente para os fins da pesquisa atribuiacutedo aos mortais e um

comportamento mental que inclui uma μηχανή a qual permite um percurso persuasivo de

pensamentos natildeo segundo a persuasatildeo natildeo confiaacutevel mas segundo aquela que deixa a mente firme

(129) ou seja sem as oscilaccedilotildees da duacutevida entre o sim e o natildeo Onde ele observou este segundo

tipo de comportamento E de que maneira o observou A resposta agrave primeira pergunta natildeo eacute difiacutecil

Parmecircnides observou este comportamento da mente nele mesmo123 A suporte dessa afirmaccedilatildeo

podemos alegar duas evidecircncias a primeira eacute que Parmecircnides fala claramente de ldquocaminhos de

pesquisa ao pensarrdquo isto eacute fala do pensamento em accedilatildeo e em princiacutepio soacute eacute possiacutevel observar

diretamente o pensar em accedilatildeo apenas na proacutepria mente jaacute que do pensar em accedilatildeo de outros se pode

conhecer soacute o relato a segunda eacute que na cultura grega anterior a Parmecircnides jaacute existia um terreno

propiacutecio para a auto-observaccedilatildeo fundado na ideia do ldquoconheccedila-te a ti mesmordquo 124 e que se

123 Haacute uma longa discussatildeo a respeito da presenccedila do individualismo na cultura e na primeira filosofia grega

Especialmente em referecircncia ao nosso assunto a possibilidade do conhecer epistecircmico os criacuteticos anteriores ao

seacuteculo XX sentiram a influecircncia de John Locke o qual afirma que o conhecimento de si proacuteprio surgiu muito depois

do conhecimento do mundo Tal afirmaccedilatildeo foi contestada duramente por Joeumll em 1903 (Der Ursprung der

Naturphilosophie aus dem Geiste der Mystik) mas antes dele jaacute existiam as vigorosas visotildees de Nietzsche no Die

Philosophie im tragischen Zeitalter der Grieschen (1873-80) Veja-se a respeito a excelente nota de Mondolfo em

Zeller (1950 p 27-98) sobre esse debate na primeira metade do seacuteculo XX Jaacute na segunda metade do seacuteculo XX e

depois a discussatildeo parece ter perdido focirclego 124 Platatildeo no Protaacutegoras (343a) ressalta que todos conheciam estas sentenccedilas (γράψαντες ταῦτα ἃ δὴ πάντες ὑμνοῦσιν

96

explicitaria em seu aspecto psicoloacutegico na exuberacircncia do ἐδιζησάμην ἐμεωυτόν (fr DK 101) de

Heraacuteclito125

A observaccedilatildeo do comportamento da proacutepria mente eacute um fato oacutebvio para quem estuda

psicologia e eacute notoacuterio que os grandes psicoacutelogos pesquisaram inexoravelmente suas proacuteprias

mentes e aqui cito apenas a auto-anaacutelise que Freud realizou rumo agrave descoberta do inconsciente126

como emblema dos esforccedilos da pesquisa psicoloacutegica desde o seacuteculo XIX ateacute hoje Eacute quase natural

que quem observa o comportamento da mente alheia seja levado a observar o comportamento da

sua proacutepria e eacute razoaacutevel aceitar que tambeacutem Parmecircnides que observou o comportamento da mente

em outros (como se vecirc nos fragmentos 6 e 7) o observou tambeacutem em si proacuteprio o que eacute mais

difiacutecil de determinar eacute de que maneira ele o observou em relaccedilatildeo aos caminhos de pesquisas e

como procedeu agrave compreensatildeo da observaccedilatildeo

A proposta deste primeiro paraacutegrafo do capiacutetulo eacute tentar evidenciar que tipo de observaccedilatildeo e

auto-observaccedilatildeo levou Parmecircnides a encontrar e expor um meacutetodo do pensar para o caminho de

pesquisa que afinal se mostraraacute uma das colunas de sustentaccedilatildeo da nossa cultura ocidental de sua

eacutepoca em diante ateacute hoje Como jaacute foi especificado nosso foco principal eacute o natildeo ser e eacute visando

ltΓνῶθι σαυτόνgt καὶ ltΜηδὲν ἄγανgt) Embora o ldquoconheccedila-te a ti mesmordquo se referisse ao conhecimento das proacuteprias

tendecircncias comportamentais (de forma a temperaacute-las como nos diz Platatildeo em Charmides 164d) a sugestatildeo natildeo

podia natildeo excitar em sentido introspectivo as mentes investigativas desses primeiros filoacutesofos (ver nota 3) 125 Heraacuteclito em sua investigaccedilatildeo alcanccedila dimensotildees abismais exatamente no acircmbito psicoloacutegico da introspecccedilatildeo pois

no fr DK 45 diz ldquoψυχῆς πείρατα ἰὼν οὐκ ἂν ἐξεύροιο πᾶσαν ἐπιπορευόμενος ὁδόν οὕτω βαθὺν λόγον ἔχειrdquo

(ldquoLimites de alma natildeo encontrarias todo caminho percorrendo tatildeo profundo logos ela temrdquo trad Cavalcante de

Souza 1978) Sassi remarca ldquoEnquanto a maacutexima deacutelfica (Γνῶθι σαυτόν nda) convidava o homem a reconhecer

os proacuteprios limites Heraacuteclito extrai de sua investigaccedilatildeo uma consequecircncia muito diferente o reconhecimento de

uma profundidade ateacute mesmo insondaacutevel da dimensatildeo interiorrdquo (Sassi 2009 p 171) 126 Freud fala de sua auto-anaacutelise em muitas passagens de suas obras veja-se por exemplo ldquoA interpretaccedilatildeo dos

sonhosrdquo de 1900

97

essa noccedilatildeo que levaremos adiante nossa leitura logo a pergunta se propotildee quase que por si que

comportamento da mente Parmecircnides observou que o levou agrave noccedilatildeo ineacutedita ateacute entatildeo de natildeo ser

Esse tema estaacute tratado no fragmento 2 e eacute a ele que nos dedicaremos cuidadosamente nas proacuteximas

paacuteginas

42 A exposiccedilatildeo do meacutetodo o natildeo ser em parmecircnides

421 Anaacutelise do fragmento DK 2

A primeira menccedilatildeo ao lsquonatildeo serrsquo no poema segundo a ordenccedilatildeo de Diels-Kranz eacute no

fragmento 2127 Eis o fragmento na ediccedilatildeo de Diels-Kranz com a traduccedilatildeo de Cavalcante de

Souza128

εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας

αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι

τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν

οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

οὔτε φράσαις

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

127Esta posiccedilatildeo no poema eacute aquela estabelecida por Diels e eacute seguida pela maioria dos criacuteticos Embora em relaccedilatildeo a

sua anterioridade sobre os fr 3 4 5 6 7 natildeo haja razotildees claras mas somente conjecturas mais ou menos provaacuteveis

certamente eacute anterior ao fr 8 porque neste a deusa declara que a diferenciaccedilatildeo das duas vias e o abandono de uma

jaacute fora feito antes Para a tese defendida aqui esta posiccedilatildeo eacute aceitaacutevel Entre os que ordenam de forma diferente

Coxon (2009) Couloubaritsis (2008) Santoro (2011) Recentemente a ordenaccedilatildeo dos fragmentos estaacute sendo

discutida radicalmente a partir da grande importacircncia dada agrave segunda parte do poema nos estudos da segunda

metade do seacuteculo XX 128Cavalcante de Souza (1978) p 142

98

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute natildeo ser

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute preciso natildeo ser

este entatildeo eu te digo eacute atalho de todo incriacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequumliacutevel)

nem o dirias

Esse fragmento apresenta um texto importante e por isto foi muito estudado pelos criacuteticos

Podemos dividi-lo em duas partes

a) a deusa anuncia palavras importantes e prepara o disciacutepulo agrave recepccedilatildeo

b) a deusa expotildee sua lei

Esta parte b) tambeacutem pode ser divididas em duas partes dois versos referentes ao ser e quatro

versos referentes ao natildeo ser

a) O anuacutencio da deusa

b) a deusa expotildee sua lei b1) dois versos referentes ao ser

b2) quatro versos referentes ao natildeo ser

422 O anuacutencio da deusa versos 1-2 εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας

αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

Estes primeiros dois versos foram tratados no capiacutetulo anterior e dele noacutes extraiacutemos uma

noccedilatildeo importante para a nossa anaacutelise a noccedilatildeo de que Parmecircnides utiliza para νοεῖν Para ele o

νοεῖν em jogo aqui eacute aquele que segue caminhos portanto se trata do pensar em operaccedilatildeo e natildeo em

sua noccedilatildeo estaacutetica ademais eacute o pensar que caminha pelos caminhos de pesquisa logo eacute um pensar

investigativo que quer saber que quer conhecer Atendendo a essas qualificaccedilotildees traduzimos νοεῖν

com o operar cognitivo da mente fazendo referecircncia agrave operaccedilatildeo do pensar mas restringindo o

sentido agravequelas cognitivas Evitamos desta forma tanto as ambiguidades da traduccedilatildeo de νοεῖν com

99

o termo amplo demais pensar quanto as ambiguidades e contra-sensos da traduccedilatildeo que usa o

termo conhecer complexo e sinteacutetico demais pois conhecer implica um agente cognitivo uma

operaccedilatildeo cognitiva e um objeto da cogniccedilatildeo Parmecircnides como vimos naquelas paacuteginas natildeo se

refere ao fato completo do conhecer mas apenas agraves operaccedilotildees cognitivas da mente

Devemos agora acrescentar algumas noccedilotildees que seratildeo uacuteteis a melhor enquadrar o fragmento

em questatildeo Vamos voltar ao termo νοῆσαι e completar a anaacutelise proposta no capiacutetulo anterior

Dissemos laacute que em controveacutersia alguns estudiosos o consideram passivo enquanto outros ativo

e esta uacuteltima eacute a nossa posiccedilatildeo A traduccedilatildeo de νοῆσαι como passivo eacute comum a muitos estudiosos

ndash comeccedilando por Diels-Kranz que traduz ldquowelche Wege der Forschung allein zu denken sindrdquo129

ndash mas torna pouco compreensiacutevel o resto do fragmento Entre as oacutetimas razotildees trazidas por

Mourelatos (2009 p 55 n 26) e Cordero (2005 pp 56-9) gostaria de ressaltar a dificuldade

exposta por Cordero o qual justamente afirma que a interpretaccedilatildeo passiva de νοῆσαι obriga a

pressupor um outro verbo para explicar as conjunccedilotildees declarativas do fragmento (uma vez ὅπως e

trecircs vezes ὡς) chegando a foacutermulas estranhas ao texto tais como ldquothe one ltsaysgtrdquo (Taraacuten 1965

p 32) ou ldquolun (dit)rdquo (Couloubaritsis 1990 p 370)130 Acrescento que com a forma passiva se

introduz uma questatildeo improacutepria pois se afirmaria que Parmecircnides estaria refletindo sobre o

129 Enquanto anteriormente Diels traduzia ldquowelche Wege der Forschung allein denkbar sindrdquo (Diels 1987) Traduzem

em passivo muitos importantes estudiosos ldquothe only two ways of search that can be thought ofrdquo (Burnet 1920)

ldquothat are to be thought ofrdquo (Cornford1939) ldquoconcebiblesrdquo (Jaeger 1947 em traduccedilatildeo espanhola) ldquologicamente

pensabilirdquo (Untersteiner 1979) ldquothat can be conceivedrdquo (Taraacuten 1965) e assim por diante Mais recentemente com

as devidas exceccedilotildees (exemplo ldquoque lon puisse concevoirrdquo Frere 2012) a maioria dos criacuteticos se orienta para uma

interpretaccedilatildeo ativa de νοῆσαι 130 Cordero conclui que ldquoComo respuesta a este tipo de lectura debe sentildealarse algo obvio el camino no hablardquo

(Cordero 2005 p 58)

100

pensar131 fato do qual natildeo se tem nenhum vestiacutegio no poema Parmecircnides estaacute refletindo pelo

pensar sobre o mundo (panta de 128) seguindo a temaacutetica proacutepria de sua eacutepoca de sua cultura e

de seu grupo intelectual de pertinecircncia Ele natildeo faz um discurso objetivo sobre o pensar mas

analisando o pensar faz um discurso objetivo ndash como veremos em breve ndash sobre a coerecircncia interna

dos pensamentos percebendo isto sim que a mente (o pensar) consegue aceitar ou realizar

discursos de feacute verdadeira e de feacute natildeo verdadeira sem diferenciaacute-los Ele se propotildee a distinguir

esses dois discursos e pocircr em evidecircncia como se consegue reconhecer uns e outros o que eacute um fato

que pertence agrave esfera do pensar e eacute ao pensar que se deve recorrer para realizar a distinccedilatildeo mas

isto natildeo significa que Parmecircnides tenha como objetivo estudar o pensar como alguns autores direta

ou indiretamente sugerem A metaacutefora do caminho eacute clara a este respeito ele natildeo se importa em

estudar os caminhos em si mas estuda a que lugares levam este ou aquele caminho ou dito de

outra forma que caminho tomar para se alcaccedilar o fim do discurso de feacute verdadeira O caminho eacute

apenas um meio um percurso e como tal tem que se saber aonde leva (ele estudaraacute inclusive os

sinais que estatildeo ao longo dele DK 82) mas posto que se devam conhecer as rotas seu objetivo

no estudo eacute antes de tudo natildeo se perder pelo caminho errado e sucessivamente depois de trilhado

o caminho de feacute verdadeira descrever e compreender o lugar onde chegou

131 Eacute a opiniatildeo de Couloubaritsis ldquola quecircte vise agrave penser lEon pour fonder le penser Cest pourqui dans la traduction

pour penser nous entendons [hellip] penser ce qui permet de penserrdquo (Couloubaritsis 2008 p 249-250) O eon

funda sim o pensar mas natildeo nos termos de pensar o pensar como se o pensar fosse para esses pensadores arcaicos

um objeto definido e separado a respeito do qual se devesse meditar a origem e funccedilatildeo Longe disso pensar eacute um

fenocircmeno que natildeo tem a nitidez que lhe atribuiacutemos hoje e expressotildees como ldquopenser ce qui permet de penserrdquo natildeo

fazem muito sentido para aquela eacutepoca

101

423 O primeiro caminho versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

O verso 4 O verso 3 eacute provavelmente o mais estudado de Parmecircnides merece Poreacutem

seguindo nosso percurso pelo aspecto psicoloacutegico notamos logo a presenccedila de uma palavra

marcadamente psicoloacutegica no verso 4 πειθοῦς persuasatildeo132 Diels grafa com maiuacutesculo indicando

a deusa tradicional Πειθώ Natildeo se tem esta certeza e por enquanto vamos considerar apenas o lado

natildeo sagrado ou seja os aspectos meramente estruturais e funcionais da persuasatildeo133 Embora se

haja bastante literatura sobre persuasatildeo e verdade nem sempre a ligaccedilatildeo entre as duas no contexto

parmenidiano eacute evidenciada com suficiecircncia O fato mais notaacutevel ndash e que pelo que sei natildeo foi

ressaltado ndash eacute que a aletheia de Parmecircnides aleacutem de natildeo ser a Aletheia absoluta tambeacutem natildeo eacute

uma aletheia qualquer Antes de tudo aletheia estaacute tradicionalmente associada quase que somente

132Veja-se o excelente estudo de peithein e seus cognatos em Mourelatos 2008 p 136-163 Mourelatos chega a

firmar que eacute Peitho a deusa anocircnima de Parmecircnides 133Blank numa tese fortemente maniqueiacutesta insoacutelita entre os estudiosos de Parmecircnides insiste sobre o papel dessas

figuras divinas dentro de um contexto essencialmente religioso e natildeo hesita a traduzir pistis por feacute fazendo

referecircncia a supostas disputas religiosas na eacutepoca de Parmecircnides entatildeo peitho natildeo eacute propriamente a persuasatildeo mas

a seduccedilatildeo ldquoEsti says Parmenides is the Way of true faith and although he argues for this logically he begins by

using the seductive power of persuasion and implies that those who hold the true faith will be happy while those

who do not are doomed to ignorance by their apistia rdquo (Blank 1982 p 177)

Jaacute Morgan num estudo sobre o mito nos preacute-socraacuteticos (e Platatildeo) de forma mais coerente afirma ldquoThe motifs

of conviction and persuasion pistis and peitho are to be understood primarily in epistemological rather than

religious terms although the imagery of the proem and the deployment of the above-mentioned motifs do carry

some religious resonancerdquo (Morgan 2004 p 71)

Uma outra partidaacuteria da interpretaccedilatildeo miacutestica eacute Gemelli-Marciano e algumas ideia a respeito de Peitho podem

ser encontradas em Gemelli-Marciano (2008) especialmente agraves paacuteginas 36-37

102

ao relato verdadeiro de uma testemunha ocular dos fatos134 ou agraves falas verdadeiras dos deuses135

ou dos preceitos dos poetas 136 e muito raramente associada a fatos verdadeiros Depois a

associaccedilatildeo de peitho (persuasatildeo) com aletheia respeita exatamente esse campo semacircntico de

aletheia como verdade de uma fala Mas Parmecircnides associa aletheia agrave pesquisa e ndash continua

Cherubin ndash isto sugere que ldquomesmo sem podermos ser noacutes mesmos testemunhas de algo ou onde

natildeo tivermos a possibilidade de achar uma testemunha confiaacutevel [hellip] podemos ainda assim ter

acesso ao caminho [] e este caminho eacute um caminho de inqueacuteritordquo137 com razatildeo diz Cherubin

que esta novidade eacute revolucionaacuteria138 Pelo lado da linguagem mitoloacutegica podemos ver que a deusa

134Levet (1976 p57) ldquoDe toute eacutevidence chez Homegravere le vrai se manifeste essentiellement quand il y a dialogue

[hellip] Les emplois de la plupart des motes exprimant le vrai ndash ils sont presque constamment associeacutes agrave un verbe de

deacuteclaration ndash portent agrave ce sujet un teacutemoignage irreacutefutablerdquo Cherubin acrescenta ldquoTo be able to tell aletheia requires

an awareness of the whole of what is relevant and awareness of the context of ones subjectrdquo (Cherubin 2009 p

58) 135Antes de tudo as invocaccedilotildees agraves Musas as quais na medida que inspiram o canto satildeo a garantia da verdade dos

relatos dos poemas Para Cherubin esse relato da origem eacute garantia da narraccedilatildeo do presente ldquoIn Pindar and in

Hesiods account of the Muses awareness of the origins of things (of the cosmos of a city of a family) is a requisite

for presenting currente events properly in ones poem (Cherubin 2009 p 58) 136Hesiodo Obras e dias 765-8 818 824 Citado por Detienne que diz ldquoDessa vez se trata de uma ldquoVerdaderdquo que se

define expressamente como ldquonatildeo esquecimentordquo dos preceitos do poetardquo (Detienne 1983 p 14 original ldquoQuesta

volta si tratta di una ldquoVeritagraverdquo che si definisce espressamente come ldquonon obliordquo dei precetti del poetardquo p 14) 137A passagem inteira eacute esta ldquoHe is suggesting that sometimes even where we cannot witness something ourselves

where we may have overlooked or forgotten something about a situation where we cannot find a reliable witness

and where the gods or their agents have not chosen to reveal things to us even when these traditional means are

not available we may still have access to a road whose orientation is governed by aletheia and the road is a road

of inquiryrdquo (Cherubin 2009 p 59) 138Dizer que Parmecircnides associa o caminho de inqueacuterito agrave aletheia estaacute correto O que eacute menos correto a meu ver eacute a

afirmaccedilatildeo (que estaacute no texto acima citado de Cherubin e que eu natildeo reportei) de que a via de inqueacuterito eacute governada

por aletheia (ldquoa road whose orientation is governed by aletheiardquo veja nota 137 acima) Ora Parmecircnides diz

claramente que esta via de inqueacuterito eacute a via de peitho portanto eacute governada por peitho O fato de que peitho atenda

agrave aletheia natildeo autoriza a pular esta etapa sob pena de total desentendimento da proposta de Parmecircnides Uma

criacutetica semelhante deve ser feita a Mourelatos o qual apoacutes uma excelente e profunda anaacutelise de dizesios conclui

afirmando que a busca de Parmecircnides eacute pela aletheia (ldquoFor Parmecircnides it is a quest for aletheiardquo Mourelatos 2008

p 68) Parece-me que eacute o caso de repetir para Parmecircnides eacute um caminho de busca governado por um discurso

persuasivo (argumento bem conexo peitho) que garante a verdade O alvo de Parmecircnides natildeo eacute a verdade mas um

instrumento que garanta a verdade

Todos os estudiosos tecircm consciecircncia desta divisatildeo feita por Parmecircnides que redunda no bordatildeo aletheia-doxa

mas lentamente acabam se esquecendo que o alvo eacute a diferenciaccedilatildeo das proposiccedilotildees Entre os poucos que potildeem

isto em relevo estaacute Patriacutecia Curd ldquoIn promising to teach the kouros all things the goddess undertakes to impart

103

Πειθώ tradicionalmente associada a Afrodite representando assim a persuasatildeo da fala sedutora139

em Parmecircnides eacute associada a aletheia configurando uma persuasatildeo que leva agrave verdade Mas

podemos acrescentar mais a aletheia de que fala Parmecircnides natildeo eacute qualquer aletheia mas a

aletheia proacutepria da persuasatildeo como estaacute claramente caracterizado pelo verso 4 Portanto estou

convencido de que eacute totalmente inuacutetil ampliar o horizonte semacircntico da aletheia parmenidiana agraves

ideias mais abstratas que consideram a noccedilatildeo de verdade isoladamente e em si mesma Penso que

Parmecircnides restringia o sentido apenas agrave verdade do discurso ou melhor tratando-se de persuasatildeo

devemos dizer agrave verdade do argumento embora sejam discurso e argumento no sentido arcaico140

Infelizmente deste ponto de vista ficam enfraquecidas todas aquelas interpretaccedilotildees que tendem a

fazer de Parmecircnides o profeta da Verdade idealizada A proacutepria costumeira divisatildeo do poema em

duas partes a parte da verdade ou aletheia e a parte da opiniatildeo ou doxa natildeo se justifica sendo

apenas um bordatildeo didaacutetico muito distante da letra do texto parmenidiano141

to him what he must know to avoid the errors of mortals Thus he must learn what it is for something to be reliably

and he must learn both the criteria for reliability and the tests that will allow him to investigate and to evaluate

various claims for trustworthy and reliable being or what-isrdquo (Curd 2004 P 22) 139Mourelatos 2008 p 139 140 Num artigo extremamente esclarecedor a respeito da aletheia em Parmecircnides Germani mostra que o sentido arcaico

de discurso (legein) eacute muito diferente da noccedilatildeo de discurso apresentada por Platatildeo e Aristoacuteteles Citando

Aristoacuteteles (ldquoeacute falso dizer que o ser natildeo eacute ou o natildeo ser eacuterdquo ldquoτὸ μὲν γὰρ λέγειν τὸ ὂν μὴ εἶναι ἢ τὸ μὴ ὂν εἶναι

ψεῦδοςrdquo Metaph IV 1011 27b) ela nota que natildeo estaacute presente em Parmecircnides a noccedilatildeo de dizer a verdade como

algo restrito somente ao discurso e aproveitando as palavras de Lloyd (Lloyd 1966 p 422) ela diz ldquoO proacuteprio

Lloyd analisando o emprego arcaico de termos como χρέ e ἀνάγχη nota que noacutes podemos interpretar Parmecircnides

como se ele acreditasse que eacute logicamente necessaacuterio que o que eacute eacute e logicamente impossiacutevel que natildeo seja mas

parece provaacutevel que ele tambeacutem tenha concebido esta necessidade como condiccedilatildeo fiacutesica real do Ser e quando ele

descreve Ἀνάγχη como ltmantendogt o que eacute ltem liamesgt (830) isto pode natildeo ser uma mera metaacutefora poeacutetica

Portanto me parece que a proacutepria noccedilatildeo de falso natildeo encontre nenhum lugar na concepccedilatildeo parmenidiana Aquilo

que corresponde na passagem aristoteacutelica agrave falsidade ndash ldquodizer que o ser natildeo eacute ou que o natildeo ser eacuterdquo ndash eacute concebido

por Parmecircnides como uma impossibilidade que natildeo se refere apenas ao dizer mas que eacute inerente antes de tudo ao

proacuteprio serrdquo (Germani 1988 p 194) 141 Reporto exemplarmente um trecho de Solana Dueso exemplo que se multiplica ad libitum em muitos outros

estudiosos ldquoIn the presentation of the program we have the first terminological clue of the theoretical content It

would be about truth (aletheia) and opinions (doxai) both terms being of epistemic and not ontological contentrdquo

104

O Parmecircnides psicologo percebe que a persuasatildeo eacute um fato da lsquomentersquo ndash conceito este uacuteltimo

que assim como noacutes o entendemos lhe eacute estranho ndash fenocircmeno que ele consegue identificar

descrevendo as ocorrecircncias mentais como dissemos no nosso estudo de 129 E eacute o Parmecircnides

psicoacutelogo que identifica duas persuasotildees uma acompanhada da verdade e outra onde a crenccedila natildeo

eacute acompanhada da verdade Agrave primeira ele chama de πειθός que gera a sensaccedilatildeo de firmeza na

mente (ἀτρεμὲς ἦτορ) e acompanha a verdade a qual eacute por isto εὐκυκλέος bem conexa na variante

trazida por Simpliacutecio ou εὐπειθέος bem persuasiva naquela trazida por Sexto Empiacuterico142 Agrave

segunda ele chama de lsquoopiniatildeo dos mortaisrsquo na qual natildeo haacute uma πίστις ἀληθής um convencimento

acompanhado de verdade143

Esta distinccedilatildeo nos mostra a agudeza da observaccedilatildeo psicoloacutegica A certeza pode ser de dois

tipos ou eacute uma certeza que deixa espaccedilo a duacutevidas ou eacute uma certeza indubitaacutevel Isto expotildee um

problema gnosioloacutegico que pode ser assim formulado posto que se tem uma convicccedilatildeo (e todos

temos convicccedilotildees) como posso saber se esta convicccedilatildeo corresponde agrave verdade ou eacute uma convicccedilatildeo

sem fundamento e sem correspondecircncia com a realidade Resposta natildeo posso sabecirc-lo A minha

mente mostra apenas convicccedilatildeo e para saber se tal convicccedilatildeo eacute acompanhada de verdade ou se natildeo

(Solana Dueso 2007 p 275) No entanto exatamente do ponto de vista terminoloacutegico como o autor pretende na

apresentaccedilatildeo do programa a deusa natildeo diz que o kouros aprenderaacute ldquoabout truthrdquo mas diz que aprenderaacute o ldquoatremeacutes

etorrdquo o qual mesmo do ponto de vista teoreacutetico (aleacutem de terminoloacutegico) constitui um assunto muito diferente

daquele que o autor imagina (a verdade) Se se quiser dividir o poema em dois assuntos estes satildeo a persuasatildeo

verdadeira e a persuasatildeo natildeo verdadeira natildeo a verdade e a opiniatildeo 142A minha discussatildeo destes termos estaacute em Galgano (2012) 143Num trabalho interessante Buontempi evidencia mais claramente a diferenccedila entre pistis e peitho em Parmecircnides

Diz ela ldquo[Peitho] estaacute ligada agraves palavras eacute o estado a partir do qual se toma a palavra ou o estado produzido pela

escuta de palavrasrdquo (Bontempi p 50) Esse estado possui a ambivaecircncia de pertencer ao caminho do ldquoeacuterdquo ou agraves

opiniotildees dos mortais Jaacute ldquopistis eacute aquela relaccedilatildeo que se estabelece entre termos de um para o outro transparentes

e disponiacuteveis e cujo viacutenculo consiste na disponibilidade e capacidade de cada um de se exibir ao outro

completamenterdquo (p 53) Entretanto Buontempi utiliza uma metodologia arriscada pois pretende extrair o sentido

de peithos e pistis a partir da interpretaccedilatildeo do poema de Parmecircnides nada mais controverso

105

tem feacute verdadeira eacute necessaacuterio recorrer a algo extra-mental eacute necessaacuteria uma prova externa porque

a mente por si soacute natildeo consegue identificar uma sua convicccedilatildeo propria como verdadeira ou falsa

A diferenciaccedilatildeo de dois tipos de persuasatildeo no poema eacute clara e a discussatildeo desta diferenciaccedilatildeo

pertence agrave parte propedeutica pois natildeo se fala dela na parte do eon no fr 8 quando a ordem do

mundo eacute explicada com exceccedilatildeo do final do discurso da deusa onde ela anuncia o encerramento

de seu discurso confiaacutevel (πιστὸν λόγον) Isto significa que este tema faz parte do instrumental

argumentativo preacutevio que conduziraacute agrave sucessiva anaacutelise cosmoloacutegica Em outras palavras depois

de exposto o programa haacute uma parte propedecircutica que discute a diferenciaccedilatildeo entre as duas

persuasotildees e sucessivamente as duas persuasotildees satildeo apresentadas certamente a persuasatildeo

verdadeira constituiacuteda pelo fragmento 8 e talvez ndash mas em volta desta questatildeo haacute muita

controveacutersia ndash a persuasatildeo natildeo verdadeira que Diels reuniu nos fragmentos de 9 a 19144

A esse respeito eacute necessaacuterio acrescentar que haacute duas formas (entre outras) muito comuns nos

argumentos em uma uma sequecircncia argumentativa leva agrave conclusatildeo (como por exemplo no

silogismo claacutessico) enquanto em outra haacute primeiro o enunciado da conclusatildeo e depois a exposiccedilatildeo

dos argumentos que provam o enunciado Parmecircnides parece preferir este segundo caminho o qual

conveacutem mais ao estilo hieraacutetico de uma fala divina primeiro o enunciado eacute feito seria melhor

144Cabe a Rossetti o meacuterito de evidenciar uma forte estrutura metatextual no poema de Parmecircnides A excelente anaacutelise

de Rossetti por exemplo mostra que ldquo[] les consideacuterations exposeacutees das les fragments 2-7 sont preacuteliminaires et

propeacutedeutiques non seulement elles servent agrave chasser tant de preacutejugeacutes mais elles preacutesentent aussi les fruits drsquoune

recherche et drsquoune reacuteflexion qui a deacutejagrave eu lieu auparavant Une telle reacutefeacuterence au processus de deacutecantation qui a

rendu possible lrsquoeacutelaboration et la fixation drsquoun enseignement deacutetermineacute est extrecircmement rare Qursquoune telle donneacutee

teacutemoigne en faveur drsquoune tregraves nette ceacutesure entre le proegraveme et les contenus doctrinaux nrsquoest pas moins digne de

remarquerdquo (Rossetti 2010 p 205) Gostaria de acrescentar que as consideraccedilotildees natildeo satildeo apenas consideraccedilotildees

contecircm a exposiccedilatildeo de um meacutetodo (Rossetti na n 20 remete a Cerri o qual fala de premissas metodoloacutegicas) que

poreacutem natildeo eacute tambeacutem apenas um meacutetodo porque embora se trate de um caminho a seguir eacute o caminho principal

do mundo eacute sua lei intriacutenseca o seu princiacutepio (arche ou archai) Esta discussatildeo seraacute feita mais adiante

106

dizer proclamado e depois satildeo dadas algumas explicaccedilotildees do porque daquele enunciado Os

versos 23-4 atendem a esta forma uma proclamaccedilatildeo eacute anunciada (vv 1-2) e depois enunciada

(vv3-4) A proclamaccedilatildeo enunciada consiste em estabelecer qual eacute o caminho que pensa o inqueacuterito

com persuasatildeo natildeo a persuasatildeo falsa mas a verdadeira um caminho enfim que anda com a

verdade Explicado o verso 4 temos que esclarecer o verso 3

O verso 3 Natildeo se pode isolar gramaticalmente o verso 3 do anterior verso 2 (e nem do seu

correlativo verso 5) e portanto natildeo se pode esquecer que se trata de um caminho No entanto as

noccedilotildees envolvidas satildeo estaacuteticas e natildeo haacute nenhum elemento dinacircmico ou sequencial ou de qualquer

natureza minimamente motora que remeta agrave ideia de caminho

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Eacute ndash natildeo eacute ndash natildeo ser expressam noccedilotildees estaacuteticas o que a primeira vista parece natildeo

combinar com a ideia dinacircmica de caminho Pois o sentido deste ponto de vista eacute que o caminho

de pesquisa a pensar por ser um pensar que procede por um caminho natildeo eacute o pensar de um

momento mas um pensar que constroacutei (que segue por) um caminho A estaticidade das formas

verbais sugere entatildeo que no percurso seguido pelo pensar para que o inqueacuterito seja de verdadeira

persuasatildeo o ἔστιν o οὐκ ἔστι e o μὴ εἶναι por serem estaacuteticos devem ser constantes Esta noccedilatildeo

eacute estrutural o caminho de inquerito a pensar deve conter uma constante vaacutelida em qualquer

momento e qualquer passagem do caminho O fato de ser a afirmaccedilatildeo de uma constante estaacutetica

numa dimensatildeo de caminho (dinacircmica) reforccedila a ideia de algo externo ao processo de natureza

fixa a ser aplicado a algo de natureza processual ou seja eacute uma lei pois a noccedilatildeo de lei expressa

tambeacutem as relaccedilotildees fixas entre as dinacircmicas de elementos de um ou mais processos

Vamos observar a estrutura sintaacutetica do verso mais de perto ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ

ἔστι μὴ εἶναι Depois da conjunccedilatildeo correlativa ἡ μὲν ndash que se coadunaraacute com o ἡ δὲ de 25 (ἡ δ

107

ὡς) ndash o verso eacute constituiacutedo de duas unidades sintaacuteticas autocircnomas mas subordinadas ao verso 2

pelos adverbios ὅπως e ὡς ademais as duas unidades estatildeo ligadas pela conjunccedilatildeo τε καὶ Vejamos

entatildeo a construccedilatildeo sintaacutetica sem entrar ainda na semacircntica ou seja sem traduzir os termos ἔστιν

οὐκ ἔστι e μὴ εἶναι

por um lado (ἡ μὲν) que ἔστιν e tambeacutem que οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

A conjunccedilatildeo τε καὶ (e tambeacutem que) nos diz que temos duas oraccedilotildees que pela estrutura de todo o

fragmento devem ser completas embora possa parecer que natildeo o sejam pois vejamo-as

separadamante e sem os adverbios

1) ἔστιν

2) οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

A primeira oraccedilatildeo eacute sem sujeito e sem objeto sendo constituiacuteda somente pelo verbo a segunda

dependendo da interpretaccedilatildeo pode ser (21) sem sujeito tambeacutem e com objeto direto ou (22) com

ldquosujeitordquo de verbo impessoal e sem objeto A primeira eacute afirmativa enquanto a segunda eacute negativa

entretanto a segunda nega uma segunda negaccedilatildeo contida no objeto (ou ldquosujeitordquo do verbo

impessoal) eacute negaccedilatildeo de negaccedilatildeo

Conjunccedilatildeo

correlativa

Adverbio

relativo

sujeito verbo objeto

Verso 23 ἡ μὲν

Oraccedilatildeo 1 ὅπως --- ἔστιν ---

Oraccedilatildeo 21

Oraccedilatildeo 22

ὡς

ὡς

---

μὴ εἶναι

οὐκ ἔστι

οὐκ ἔστι

μὴ εἶναι

---

O grande misteacuterio destas palavras eacute exatamente que o sujeito sintaticamente explicito ou

subentendido mas necessariamente claro na primeira oraccedilatildeo natildeo aparece e talvez na segunda

108

tambeacutem natildeo Natildeo conveacutem nestas paacuteginas reconstruir a discussatildeo dos vaacuterios estudiosos em relaccedilatildeo

a esta falta145 de nosso lado enfrentaremos a questatildeo por outras providecircncias que em breve seratildeo

apresentadas Por enquanto vamos aproveitar o resumo das possibilidades de soluccedilatildeo reportadas

por Cordero (2005) Para o estudioso haacute quatro possibilidades a saber ldquoa) trata-se de um erro de

transmissatildeo de texto Se assim for este deve ser corrigido introduzindo o sujeito ausente b) haacute um

sujeito conceitual impliacutecito que deve ser buscado no resto do Poema c) natildeo haacute nenhum sujeito

possiacutevel e d) o sujeito deve ser extraiacutedo do predicado isolado pois o eacutestin ldquoproduzrdquo o sujeito As

quatro possibilidades encontraram defensoresrdquo 146

Natildeo penso que seja o caso de tomar partido agora faremos isto somente no fim de a nossa

anaacutelise por enquanto vamos prosseguir com as nossas consideraccedilotildees A primeira delas eacute que as

duas oraccedilotildees natildeo satildeo simplesmente conjuntas elas satildeo mais do que conjuntas porque apresentam

145O problema principal eacute a interpretaccedilatildeo do estin da primeira oraccedilatildeo Em grego esta sintaxe representa uma anomalia

e por causa disso a leitura natildeo encontra nenhuma regra interpretativa direta restando apenas a possibilidade de

interpretaccedilotildees indiretas e portanto fortemente controversas Reporto aqui como exemplo aleacutem das quatro linhas

interpretativas agrupadas por Cordero e apresentadas acima dois exemplos radicalmente opostos e inconciliaacuteveis

mas cada um com seu fundamento (indireto) impossiacutevel de ser contestado cabalmente O primeiro eacute de Robinson

o qual deixa em aberto as vaacuterias interpretaccedilotildees possiacuteveis do sujeito de estin e as vaacuterias interpretaccedilotildees possiacuteveis do

proacuteprio estin (se existencial locativo ou outros) com uma uacutenica exceccedilatildeo a saber o estin natildeo pode ser impessoal

ldquoThings are a little more problematic when the verb is used absolutely since one has to decide between the

existential the locative and the veridical interpretation or should one hesitate to back one or other exclusively to

leave open the possibility of multiple interpretations in any particular instance What seems out of the question

however is an interpretation of the absolute use of the verb to be as an impersonal use no-one to my knowledge

has ever yet been able to produce an instance of meaning it is in a way linguistically analogous to meaning it rains

or meaning it snows Whatever we know about the verb to be in Greek indicates that it always has a subject Since

none is specified here I take it that the only fair thing to do is to say so and leave the matter in abeyance until such

time as Parmenides himself decides to let us in on his secretrdquo (Robinson 1975 p 625)

Mas exatamente do lado oposto Cordero defende o sujeito impessoal (para o qual ele daacute uma interpretaccedilatildeo

especiacutefica dos verbos impessoais) e diz ldquoSi tenemos em cuenta esta interpretaccedilatildeo de los verbos impersonales no

dudamos em afirmar que em 23a y 25a los dos eacutestin em tanto elementos autoacutenomos hasta entonces estaacuten

utilizados de forma impersonal Entonces del mismo modo em que ldquollueverdquo significa ldquose da ahora el hecho de

lloverrdquo ldquoel llover estaacute presente ahorardquo ldquoesrdquo significa ldquose da ahora el hecho de serrdquo ldquoel hecho de ser estaacute presente

ahorardquo (Cordero 2005 p 70) 146Cordero 2005 p 63

109

uma uacutenica noccedilatildeo em trecircs variaccedilotildees ἔστιν οὐκ ἔστι e μὴ εἶναι satildeo variaccedilotildees do campo semacircntico

de εἰμί o verbo ser Seriam simplesmente conjuntas se apresentassem verbos e objetos diferentes

Naturalmente uma construccedilatildeo deste tipo com verbos e objetos diretos diferentes seria possiacutevel147

e apresentaria duas oraccedilotildees sintaticamente independentes e conjuntas Mas no nosso caso a

construccedilatildeo eacute feita com trecircs formas do mesmo verbo que muito dificilmente tecircm uma conexatildeo

apenas conjuntiva

Ademais a segunda afirmaccedilatildeo duplamente negativa faz pensar agrave estrutura da citaccedilatildeo

platocircnica a qual natildeo eacute sintaticamente igual mas muito semelhante que nunca os natildeo entes sejam

onde tambeacutem uma negaccedilatildeo duplamente reforccedilada (Οὐ δαμῇ ndash μήποτε) recusa existecircncia aos natildeo

entes implicando apenas variaccedilotildees formais de εἶναι desta vez com o particiacutepio no neutro plural

τὰ ἐοντα que natildeo estaacute presente no fr 2

Estes elementos a mais precisam ser investigados Vamos comeccedilar pela conjunccedilatildeo148 τε καὶ

em geral traduzido por simples conjunccedilatildeo pelos criacuteticos assume aqui um valor mais forte O fato

que seja uma conjunccedilatildeo elimina de iniacutecio a interpretaccedilatildeo do verso 3 como uma disjunccedilatildeo149 Mais

que uma conjunccedilatildeo as duas subordinadas satildeo ligadas por uma conexatildeo vital onde o τε καὶ no

sentido de lsquotambeacutemrsquo ou ateacute mesmo lsquoambosrsquo representa a conjunccedilatildeo de uma segunda parte

reforccedilando a primeira natildeo porque explica mas simplesmente porque as duas fazem parte de um

147Por exemplo ldquoos uacutenicos caminhos de inqueacuteritos a pensar por um lado que examina e que natildeo eacute natildeo avaliarrdquo 148 Humbert (1954) ldquoDrsquoailleurs drsquoune faccedilon geacuteneacuterale une certaine indetermination inseparable de la poesie qui

exprime moins qursquoelle ne suggegravere est peu favorable agrave un employ rigoreux et preacutecis des particulesrdquo (p 370) 149Mansfeld (1960) reportado por Meijer (1997 p 100 and passim) O argumento de Mansfeld parte da consideraccedilatildeo

de que o silogismo disjuntivo natildeo precisa de sujeito (aqui o argumento de Parmecircnides natildeo precisaria de um sujeito

para o esti) A (ἔστιν) ou B (οὐκ ἔστι μὴ εἶναι)

110

todo150

Este reforccedilo da conjunccedilatildeo diria ateacute mesmo esse entranhamento pode ser melhor notado se

fazemos a comparaccedilatildeo do segundo emistiacutequio (ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι) com a citaccedilatildeo platocircnica do

bordatildeo parmenidiano (71 Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ φησίν εἶναι μὴ ἐόντα)

Expressatildeo da negaccedilatildeo Verbo ldquosujeitordquo da

completiva

negado

Citaccedilatildeo platocircnica Τοῦτο Οὐ δαμῇ εἶναι μὴ ἐόντα

Segundo emistiacutequio οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

O paralelismo segundo esta construccedilatildeo embora de iniacutecio possa parecer improacuteprio natildeo soacute

natildeo eacute impossiacutevel como tambeacutem me parece respeita mais fielmente o texto de Parmecircnides Ou seja

a dinacircmica principal da expressatildeo a injunccedilatildeo da deusa eacute dada pelo verbo οὐ δαμῇ o qual

independentemente de toda a discussatildeo filoloacutegica possiacutevel151 apresenta um sentido claro natildeo deve

prevalecer o pensamento de que os natildeo-entes sejam

Natildeo prevaleccedila isto natildeo prevaleccedila que os natildeo-entes sejam A equivalecircncia entre isto (τοῦτο)

e que os natildeo-entes sejam (εἶναι μὴ ἐόντα) fica clara Neste caso fica claro tambeacutem o sentido e o

150Aparentemente (pelo que pude descobrir) natildeo haacute estudos atuais completos sobra as partiacuteculas em grego antigo e

parece que o uacuteltimo foi de Denniston (1954) De laacute para caacute as partiacuteculas foram estudadas por trabalhos especiacuteficos

e separadamente por aacutereas literaacuterias (eacutepica trageacutedia etc) deixando uma lacuna na poesia onde o uso eacute muito menos

rigoroso (ver n 17) e oferece maiores dificuldades de interpretaccedilatildeo Um status questionis da problemaacutetica de te kai

possivelmente encontra-se em um artigo de proacutexima publicaccedilatildeo do qual por enquanto soacute consegui o abstract

Bonifazi (2012)rdquo 151Discussatildeo natildeo pequena posto que δαμάζω pode ser ativo ou passivo e δαμῇ eacute melhor entendido em sentido ativo

mas eacute exclusivamente atestado em passivo gerando inseguranccedila sobre as funccedilotildees de τοῦτο e μὴ ἐόντα e ateacute mesmo

obrigando LSJ a postular um uso novo em Parmecircnides e traduzir ad sensum ldquoit shall never be proved thatrdquo (LSJ

δαμάζω V)

111

paralelismo com 23 De fato lsquonatildeo prevaleccedilarsquo (natildeo venccedila nunca seraacute provado ou todas as variaccedilotildees

que os vaacuterios estudiosos excogitaram) significa de fato lsquoque natildeo aconteccedilarsquo lsquoque natildeo sejarsquo e afinal

lsquoοὐκ ἔστιrsquo Esta eacute a tese de Parmecircnides assim como apresentada por Platatildeo Este eacute o sentido mais

seguro confortado pelo mais antigo testemunho e pela mais alta autoridade filosoacutefica da

antiguidade Platatildeo que se dedicou com afinco ao estudo de Parmecircnides ao ponto natildeo soacute de lhe

dedicar dois diaacutelogos e muitas passagens mas ateacute mesmo de afirmar muito modestamente de natildeo

ter certeza de ter entendido o veneraacutevel e terriacutevel eleata

Muitos autores se referem a Parmecircnides como o filoacutesofo do ser152 isto estaacute certo Mas muitos

se esquecem de lembrar que ele eacute o filoacutesofo do natildeo ser e isto natildeo faz justiccedila ao eleata Vamos entatildeo

esclarecer essa noccedilatildeo posto que vem exatamente de Platatildeo e que certa orientaccedilatildeo da antiga escola

alematilde de histoacuteria da filosofia colocou na sombra em favor da noccedilatildeo de ser O segundo hemistiacutequio

de 23 soa assim (os uacutenicos caminhos de inqueacuterito a pensar satildeo por um lado) [] que natildeo eacute natildeo

ser O fato singular eacute que aleacutem da repeticcedilatildeo da negaccedilatildeo tem tambeacutem a repeticcedilatildeo do verbo εἰμί

Obviamente natildeo se trata de uma ditografia e portanto teremos que diferenciar o primeiro negar

(οὐκ ἔστι) do segundo negar (μὴ εἶναι) O primeiro negar eacute feito pela partiacutecula negativa οὐκ e o

presente do indicativo ἔστι A traduccedilatildeo simples e direta soa natildeo eacute De iniacutecio ndash apenas de iniacutecio

pois a seguir se veraacute que οὐκ ἔστι eacute modal ndash natildeo parece haver dificuldade quanto agrave traduccedilatildeo em si

restando apenas o problema da falta de sujeito Se lsquonatildeo eacutersquo estaacute certo resta descobrir ao que se refere

152Atualmente haacute autores que evitam ateacute a questatildeo do ser e que se limitam apenas ao verbo ser isto eacute a questotildees

linguiacutesticas Para estes criacuteticos Henn estreia uma nova categoria a ontofobia ldquoConteporary critics avoid talk of

fundamental existence because the concept of Being-as-such makes them feel unconfotable and remains for them

a nebulous indeterminate cipher an empty notion this ontophobia however has no grounding in factrdquo (Henn

2003 p 120)

112

e natildeo haacute outro candidato a ser alvo dessa negaccedilatildeo que o seguinte μὴ εἶναι

Natildeo parece haver atestaccedilatildeo de μὴ εἶναι na poesia eacutepica Pela pesquisa no TLG as primeiras

atestaccedilotildees parecem ser da eacutepoca de Parmecircnides se natildeo sucessivas sendo que neste uacuteltimo caso

ele deve estar entre os primeiros a usar esta expressatildeo Mas aguardando resultados filoloacutegicos mais

precisos podemos dizer que a noccedilatildeo de εἶναι contida no segundo negar natildeo deve ser a mesma do

primeiro sob pena de gerar uma contradiccedilatildeo de termos incompreensiacutevel mas que justamente neste

sentido aticcedilou a fantasia de muitos criacuteticos Penso por exemplo agravequeles que quiseram ver as duas

negaccedilotildees apenas no sentido gramatical153 e acabam achando o argumento de Parmecircnides fraco ou

tautoloacutegico quando natildeo inconsistente Mas o primeiro negar (οὐκ ἔστι) quer negar um outro negar

(μὴ) especiacutefico aquele que nega εἶναι154

153Por exemplo C Kahn cuja uacutenica conclusatildeo segundo sua leitura seria que ldquoIf we restate Parmenidesrsquo claim in the

modern formal mode it might run lsquom knows that prsquo entails lsquoprsquo In Kahn (2009) pp 153-4

Kahn eacute um interprete famoso e importante do texto parmenidiano Segundo ele proacuteprio relata ao se dedicar ao

estudo de Parmecircnides se deparou com a dificuldade de entender o uso que o eleata faz do verbo ser e aleacutem disso

se deparou com uma carecircncia de estudos a respeito Mergulhou assim no estudo de einai e produziu um dos mais

importantes trabalhos sobre o assunto que jaacute foram escritos The verb be in ancient Greek que recebeu uma segunda

ediccedilatildeo ampliada em 2003 depois de mais de 30 anos Resumidamente Kahn identifica seis grupos de uso do verbo

ser o uacuteltimo dos quais eacute um uso que segundo ele comeccedila com Parmecircnides Os primeiros cinco usos satildeo

encontrados em Homero o sexto eacute poacutes-homeacuterico tipo I uso vital tipo II (que se divide em IIA e IIB) afirmaccedilotildees

mistas de objetos singulares tipo III locativo existencial tipo IV o operador da frase existencial tipo V eimi como

predicado superficial ou verbo de ocorrecircncia jaacute o sexto natildeo recebe uma definiccedilatildeo uacutenica porque apresenta variaccedilotildees

complexas as quais tornam ldquothe Type VI the most problematic of all uses of eimirdquo (p 300) Chega ele entatildeo a mais

um tipo de uso que ele chama veridic que talvez em portuguecircs seja melhor rendido por veritativo O uso

veritativo seria afinal uma nuance do uso existencial Em relaccedilatildeo a Parmecircnides o grande aparato colocado em

jogo por Kahn esconde todavia alguns problemas os quais natildeo aparecem no estudo em questatildeo mas nos artigos

especiacuteficos sobre o eleata Aqui reporto aquele que me parece o seu erro fundamental alguns outros satildeo abordados

em minha recensatildeo a Essays on being (Galgano 2012) No seu famoso ldquoThe thesis of Parmenidesrdquo (originalmente

em Review of Metaphysics 1969 e aqui retomado de Essays on being 2009) Kahn potildee a questatildeo desta forma

ldquoQual era a pergunta que Parmecircnides fez a si proacuteprio e para a qual ele pensava que sua tese fosse a respostardquo (p

144) Kahn assim responde

ldquoThe problem which Parmenides raises from the beginning of his poem is not the problem of cosmology but

the problem of knowledge more exactly the problem of the search for knowledge the choice between

alternative ways for thought and cognition to travel on in pursuit of Truthrdquo (p 147) 154Um bom estudo sobre a diferenccedila entre estas duas negaccedilotildees encontra-se em Cassin 1998 p 200-211

113

Vou repetir a sequecircncia porque por um lado a accedilatildeo do primeiro negar eacute predicativa por outro

lado a noccedilatildeo predicada eacute maacutexima e acaba por gerar um pequeno desconforto argumentativo O

primeiro negar nega um segundo negar este segundo negar nega εἶναι Ou seja o segundo negar eacute

um lsquonegar algo especiacutefico (εἶναι)rsquo O conceito se torna claro se se manteacutem presente o sentido

psicoloacutegico muito mais que o gnosioloacutegico da expressatildeo parmenidiana Negar algo eacute o que fazem

ambas as expressotildees tanto do primeiro quanto do segundo negar Mas o segundo negar eacute a accedilatildeo

especiacutefica de negaccedilatildeo de εἶναι a qual eacute uma accedilatildeo da mente eacute um comportamento concreto o

comportamento mental de negar εἶναι Parmecircnides diz que o caminho persuasivo eacute aquele que nega

que se possa ter o comportamento mental especiacutefico de negar εἶναι natildeo eacute possiacutevel (ter o

comportamento mental de) negar εἶναι

Este eacute um ponto que gerou muita confusatildeo Parmecircnides natildeo nega que se tenha que negar

como se ele proacuteprio ao dizer que o natildeo ser natildeo eacute estivesse cometendo o maior dos disparates auto-

contraditoacuterios Satildeo muitiacutessimos os que interpretam Parmecircnides desta forma e depois cansados de

natildeo achar o fio da meada acabam dizendo que Parmecircnides eacute o filosofo do ser (apenas) Parmecircnides

usa gramaticalmente a negaccedilatildeo e tambeacutem a usa gnosiologicamente e epistemicamente Daacute para se

dizer mais daacute para dizer que ele usa a negaccedilatildeo de forma magistral como poucos souberam usar na

histoacuteria da filosofia De fato o segundo hemistiacutequio assevera que haacute um percurso mental que eacute

persuasivo (v 4) quando natildeo segue μὴ εἶναι Mais uma vez o percurso mental de inqueacuterito eacute

persuasivo quando natildeo se comporta mentalmente negando εἶναι quando natildeo tem a atitude de negar

εἶναι Resta descobrir o que eacute εἶναι

εἶναι eacute um infinitivo Como se sabe o infinitivo eacute a expressatildeo verbal depauperada de todo

sentido acessoacuterio ao ponto que ldquoCrsquoest de cette faccedilon neacutegative que lrsquoinfinitif a eacuteteacute deacutefini comme

114

repreacutesentant lrsquoideacutee verbale nuerdquo155 Os mais variados estudos natildeo conseguiram explicar de forma

convincente um sentido especiacutefico para o uso feito por Parmecircnides Por exemplo ldquoThe verb lsquobersquo

in ancient Greekrdquo156 um dos estudos mais completo sobre o tema se vecirc obrigado a atribuir a

Parmecircnides um uso supostamente novo mas de forma improacutepria e desnecessaacuteria157 Eu penso que

quando Parmecircnides quis utilizar um novo sentido inventou um novo termo to eon (invenccedilatildeo na

linha jaacute consolidada de substantivar verbos no gecircnero neutro) Natildeo fez o mesmo com εἶναι e suas

demais formas verbais razatildeo pela qual o sentido deve ser buscado nas acepccedilotildees tradicionais que

satildeo muacuteltiplas e equiacutevocas como diraacute mais tarde Aristoacuteteles

No infinitivo εἶναι expressa a ideia geral do verbo num campo semacircntico que vai desde

lsquopresenccedilarsquo e ateacute a funccedilatildeo predicativa comum a muitas liacutenguas indo-europeias Eacute inuacutetil buscar um

sentido preciso como lsquoexistirrsquo ou lsquoestar presente localmentersquo ou outro εἶναι significa tudo isto

principalmente porque usado na forma negativa se propotildee a negar qualquer positividade logo se

trata da negaccedilatildeo da presenccedila (sentido locativo) do atributo (sentido predicativo) da vardade

(sentido veritativo) da existecircncia (sentido existencial) e todos os demais sentidos e as demais

nuances que εἶναι pode ter genericamente podemos nos limitar ao sentido existencial porque eacute

mais cocircmodo para a nossa liacutengua exatamente na medida em que para a nossa compreensatildeo atual

155Humbert (1954) p 125 156Kahn (2003) passim 157Kahn extrai o sentido de εἶναι em Parmecircnides natildeo do uso que o eleata faz mas do contexto geral da mensagem

parmenidiana Teoricamente seria um meacutetodo viaacutevel posto que se consiga entender corretamente a mensagem do

filoacutesofo Na praacutetica no caso do poema de Parmecircnides que verte exatamente sobre εἶναι e seus derivados haacute um

risco enorme ndash ao qual em minha visatildeo Kahn sucumbiu ndash de cair num petitio principii onde o sentido de εἶναι eacute

extraiacutedo da mensagem filosoacutefica geral (Kahn o extrai de 129 que eacute o lsquoiacutendice parmenidianorsquo e portanto poderia

oferecer a ideia geral do poema) e por sua vez a mensagem filosoacutefica eacute obtida a partir do sentido de εἶναι Kahn

acredita ter encontrado no sentido lsquoveritativorsquo o novo uso que Parmecircnides faz de εἶναι

115

qualquer um dos outros sentidos estaacute incluiacutedo necessariamente no sentido existencial Em

portuguecircs a palavra que expressa εἶναι com a mesma equivocidade ou pluralidade de sentido numa

riqueza proacutexima ao grego eacute o verbo lsquoserrsquo158 Parece-me perfeitamente inuacutetil cercear o sentido de

forma francamente artificial para dar espaccedilo a polecircmicas fictiacutecias159 Ateacute mesmo para a acepccedilatildeo de

lsquoexistirrsquo se construiacuteram criacuteticas factoacuteides onde se chega a discutir se Parmecircnides pensasse ou natildeo

que seres natildeo existentes como quimeras e outros seres mitoloacutegicos pudessem ser incluiacutedos na

leitura predicamental160 Principalmente eacute necessario manter a equivocidade do termo porque

corresponde agrave forma mentis do autor e natildeo se deve exigir distinccedilotildees que natildeo eram processadas por

aquela cultura sob pena mais uma vez de atribuir aos antigos a nossa proacutepria forma mentis pecado

158Para εἰμί o dicionaacuterio LSJ apresenta sete campos (de A a G) com 16 acepccedilotildees e mais vaacuterias subacepccedilotildees Para o

verbo lsquoserrsquo o dicionaacuterio Houaiss apresenta 19 acepccedilotildees das quais 14 verbais e 5 como substantivo as subacepccedilotildees

satildeo exemplificadas mas natildeo classificadas 159 Um interessante resumo dessas polecircmicas pode ser visto em Gallop (1979) embora eu natildeo compartilhe a sua

interpretaccedilatildeo do fragmento 2 Apoacutes fazer criacuteticas detalhadas a Kirk amp Raven Mourelatos Kahn Furth e ateacute mesmo

Owen do qual compartilha a interpretaccedilatildeo existencial ele faz uma paroacutedia do Hamlet de Shakespeare e imagina o

famoso monoacutelogo sem o resto da peccedila faltando pedaccedilos e o verso seguinte ao to be or not to be na paroacutedia ele

imagina os criacuteticos se perguntando a respeito do sentido veritativo ou predicativo e se to be or not to be that is the

question onde a questatildeo seria se haacute de ser ou natildeo ser branco (predicativo) ou haacute ou natildeo haacute um hipopoacutetamo no

zooloacutegico (existencial) ou se ser branco ou natildeo ser branco eacute o caso (veritativo) (p 74-75)

Uma situaccedilatildeo teatral se encontra tambeacutem em Furth (1974) o qual imagina um diaacutelogo entre Parmecircnides e

Betathon um alieniacutegena cujos pressupostos ontoloacutegicos proacuteprios (a persons ontology p 250) satildeo totalmente

diferentes Furth conclui que Parmecircnides usa um meacutetodo eleacutenctico do qual a ontologia apresentada no poema eacute

um mero corolaacuterio 160De novo Kahn (2009) que diz ldquoTo take the philosophical objection first it is simply false to say that you cannot

think or talk about (point out in speech phrazein) what does not exist And the falseness of this would be obvious

to any Greek who reflected for a moment on the profusion of monsters and fantastic creatures in traditional poetry

and myth from Pegasus to the children of Gaia with a hundred arms and fifty heads apiece (Hesiod Theogony

150)rdquo (p172) Mais agrave frente mostramos que exatamente na questatildeo filosoacutefica Kahn estaacute errado e Parmecircnides estaacute

certo eacute impossiacutevel pensar e dizer o natildeo-ser

E na onda de Kahn muitos outros autores simplesmente esquecem o desafio filosoacutefico de Parmecircnides e

restringindo o texto agrave questatildeo gramatical afirmam que Parmecircnides escreveu disparates Veja-se esse exemplo de

dois autores um (Bredlow) citando o outro (Ketchum) (a respeito da rejeiccedilatildeo da via do natildeo eacute) ldquoOn the existential

interpretation this argument becomes utterly unsound of course we can talk of the nonexistentrdquo e na nota que

acompanha ele continua ldquoAs Ketchum (1990 186) rightly states ldquoMost of what Parmenides tells us about why

what-is-not is unthinkable etc is false and if I may say so fairly obviously false on the existence interpretationrdquo

(Bredlow 2011 284) Parmecircnides natildeo escreveu disparates os autores acima estatildeo equivocados

116

fatal para um historiador da filosofia161

Entatildeo de iniacutecio a traduccedilatildeo de μὴ εἶναι com lsquonatildeo serrsquo ateacute mesmo por ser equiacutevoca (para a

nossa sensibilidade) manteacutem a equivocidade proacutepria da eacutepoca e da liacutengua da eacutepoca162 Posta entatildeo

esta equivocidade precisamos saber se expressa um sentido filosoacutefico antes de tudo para a eacutepoca

e depois para noacutes A comparaccedilatildeo de 23 οὐκ ἔστι μὴ εἶναι com 71 Οὐ δαμῇ εἶναι μὴ ἐόντα que eacute

o testemunho de Platatildeo nos faz entender que nestas palavras natildeo soacute se encontra um sentido

filosoacutefico mas ateacute mesmo o sentido principal da filosofia de Parmecircnides Retomando entatildeo a

construccedilatildeo precisamos entender porque pensar o natildeo ser (μὴ εἶναι) eacute algo que natildeo eacute possiacutevel ou

que natildeo se deve ou que simplesmente natildeo eacute (natildeo acontece) segundo a expressatildeo usada por

Parmecircnides οὐκ ἔστι

Haveria outras possibilidades de traduccedilatildeo163 mas estas variaccedilotildees podem ser interessantes

para evidenciar nuances aqui e acolaacute mas tendo a possibilidade de utilizar o verbo lsquoserrsquo num uso

proacuteximo do grego natildeo precisamos recorrer agrave circumlocuccedilotildees e podemos traduzir οὐκ ἔστι com

161Veja-se este exemplo Falando a respeito de DK B2 Tugwell diz ldquoParmenides went wrong on two points first in

his belief that existence is an essential property of a thingrdquo (Tugwell 1964 p 36) Natildeo um soacute dos conceitos

envolvidos pertence agrave eacutepoca de Parmecircnides nem existecircncia nem propriedade essencial e nem mesmo coisa que

para Parmecircnides eacute algo receacutem inventado por ele mesmo (eon) e tem dimensatildeo coacutesmico-ontoloacutegica muito diferente

da noccedilatildeo aqui expressa que poderia muito bem ser substituiacuteda por uma variaacutevel x por exemplo Mas haacute tambeacutem

estudos que privilegiam o enfoque linguiacutestico mas natildeo fogem do questionamento ontoloacutegico como por exemplo

o de Sandywell que chega a interpretar o poema tratando-o estrategicamente como um poderoso trabalho de

retoacuterica (Sandywell 1996 p 319 mas se veja o inteiro capiacutetulo p 295-335) 162A ambiguidade semacircntica de einai eacute defendida tambeacutem por Trindade Santos (Santos 2007) poreacutem com outros

argumentos 163 Um outro caminho possiacutevel de traduccedilatildeo utilizado principalmente pelos autores de liacutengua inglesa por motivos

idiosincraacutesicos da liacutengua eacute utilizar uma expressatildeo cuja noccedilatildeo tambeacutem eacute ampliacutessima e equiacutevoca lsquocoisarsquo Mas esta

expressatildeo por ser um substantivo natildeo possui o aspecto dinacircmico que o verbo tem sendo assim necessaacuterio

acrescentar o verbo ser portanto eacute possiacutevel traduzir com lsquoas coisas que satildeorsquo Outra possibilidade eacute usar o pronome

lsquoquersquo em sentido predicativo em substituiccedilatildeo de coisa ou coisas Outra ainda eacute o pronome demonstrativo (aquilo

isto) ou o indefinido (algo) com a mesma funccedilatildeo substitutiva de coisa(s) no sentido mais indefinido possiacutevel

117

lsquonatildeo eacutersquo164 e μὴ εἶναι com lsquonatildeo serrsquo Diz o segundo hemistiacutequio

Os uacutenicos caminhos de inqueacuterito ao pensar satildeo

Por um lado [] e que natildeo eacute natildeo ser

Se tiveacutessemos seguido a ordem metodoloacutegica tradicional ao examinar 23 teriacuteamos analisado

primeiro ἔστιν e depois οὐκ ἔστι μὴ εἶναι E se agora depois de estudar o segundo hemistiacutequio

voltaacutessemos nossa atenccedilatildeo ao primeiro hemistiacutequio natildeo teriacuteamos ganho metodoloacutegico nehum pois

redundariacuteamos na leitura por pressupostos onde o sentido de ἔστιν eacute obtido pelo pressuposto de

que ἔστιν significa em grego lsquoeacutersquo mas dessa forma se chega aos resultados inconclusivos jaacute

tentados por vaacuterios ou ateacute mesmo por todos os estudiosos165 O dado concreto eacute que o poema natildeo

oferece nenhuma definiccedilatildeo direta de ἔστιν embora apresente muitos σήματα de ἐὸν 166 Em

164Laacute onde em inglecircs haacute obrigatoriedade de se explicitar o sujeito lsquowhat is notrsquo 165Haacute muitos estudos sobre o estin parmenidiano do verso 3 do fragmento DK 2 Principalmente depois dos primeiros

questionamentos a respeito do assim chamado sentido existencial ou melhor dizendo depois que alguns criacuteticos

ndash entre os que iniciaram o mais citado parece ser Calogero ndash comeccedilaram a sugerir que atraacutes do estin natildeo se escondia

uma questatildeo filosoacutefica mas uma questatildeo linguiacutestica Lendo trabalhos recentes se tem a impressatildeo que os estudiosos

natildeo querem explicar a filosofia de Parmecircnides mas o estin de Parmecircnides alguns acham que natildeo haacute outro jeito a

natildeo ser explicar o estin como na citaccedilatildeo a seguir ldquoAny interpretation of this crucial passage has to begin by

answering two related questions (1) what is the subject of is at B23 and 5 and (2) what is the sense of the word

isrdquo (Bredslow 2011 283) Por sorte alguns autores percebem que natildeo faz muito sentido (filosoacutefico) correr atraacutes

do estin isoladamente ldquo[] it seems to me that in order to unpack the true meaning of this floating and isolated

verb we must look not to its history and contemporary usagemdashas if the one word could stand by itselfmdashbut to the

negations in which the esti is cashed out right in the same line and then extensively in fragment 8 We will then it

is true be without an explanation in the verb itself for why these specific signposts or road-markers are chosen

But we will at least be able to monitor more closely how the esti actually behavesrdquo (Austin 2014 p 4) 166Trata-se de outra confusatildeo muito comum entre os estudiosos principalmente os mais atuais menos habituados agraves

insiacutedias do texto de Parmecircnides De fato sem poder justificar e compreender o estin no fragmento 2 recorrem aos

argumentos do fragmento 8 Mas os argumentos do fragmento 8 se referem ao eon algo totalmente diferente do

estin gerando todo tipo de gongorismo argumentativo Veja-se uma discussatildeo deste tipo em Stokes onde o autor

discute as vaacuterias noccedilotildees incluindo vaacuterios fragmentos chamando em causa alguns interlocutores (Owen Taraacuten

Sprague) num carroussel hermenecircutico impressionante (Stoke 1971 p 109-148)

118

compensaccedilatildeo o poema fala amplamente de μὴ εἶναι E natildeo precisa ir muito longe para encontrar

referἑncias para a noccedilatildeo de μὴ εἶναι pois encontramos muitos dados nos versos de 5 a 8 do nosso

fragmento Iremos portanto ao verso 25 e subsequentes

424 Os versos 5 a 8 ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι

425 τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν

426 οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

427 οὔτε φράσαις

Vamos relembrar a letra ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι Haacute uma construccedilatildeo

paralela ao verso 3 dois hemistiacutequios onde no segundo encontramos nosso μὴ εἶναι e o caminho eacute

chamado de παναπευθέα termo que muito fez e faz sofrer os filoacutelogos O sentido geral poreacutem eacute

claro quer se queira traduzir como lsquode todo incriacutevelrsquo167 ou como lsquocompletamente inconosciblersquo168

ou lsquowholly without reportrsquo169 ou como outro Em suma a noccedilatildeo geral eacute que haacute uma dificuldade

intransponiacutevel em seguir este caminho e o por que eacute explicado a seguir Aqui tambeacutem Parmenides

primeiro enuncia a tese (segundo a conveniecircncia da expressatildeo de uma deusa) e depois propootildee o

argumento explicando o porquecirc do enunciado Ora a novidade cultural eacute exatamente esse porquecirc

167Cavalcante de Souza (1978) 168Cordero (2005) p 219 169Coxon (2009) p 56

119

onde as afirmaccedilotildees natildeo satildeo mais apenas impostas por sua forccedila hieraacutetica mas precisam de

explicaccedilotildees170

O nosso primeiro problema eacute que os enunciados natildeo satildeo claros para noacutes Entatildeo podemos

pedir clareza aos argumentos Qual eacute o argumento Eis a resposta de Parmecircnides οὔτε γὰρ ἂν

γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)οὔτε φράσαις Aqui a traduccedilatildeo eacute mais clara e natildeo haacute muita

divergecircncia entre os criacuteticos pois nem poderiacuteas conhecer o que natildeo eacute (pois eacute impossiacutevel) nem o

dirias Haacute aqui um claro objeto do discurso τό μὴ ἐὸν que sem hesitaccedilatildeo desta vez podemos

traduzir lsquoo que natildeo eacutersquo Sem hesitaccedilatildeo porque τὸ ἐὸν egrave uma expressatildeo desconhecida antes de

Parmecircnides aparece com ele egrave estudada por seus disciacutepulos e pelos seus criacuteticos (de Melisso a

Aristoacuteteles) e eacute reportada pela doxografia como invenccedilatildeo parmenidiana

A noccedilatildeo exposta por Parmecircnides eacute sequencial o caminho de inquerito que pensa οὐκ ἔστιν

aqui chamado de ἀταρπόν natildeo pode ser percorrido porque egrave impossiacutevel lsquoconhecerrsquo (γνοίης ndash

segunda pessoa do optativo aoristo ativo de γιγνώσκω) o que natildeo eacute e vamos deixar para depois a

questatildeo do dizer (οὔτε φράσαις) Vamos concentrar nossa atenccedilatildeo sobre γνοίης Para noacutes eacute menos

importante a traduccedilatildeo estilisticamente precisa e mais importante a precisatildeo da noccedilatildeo filosoacutefica

exposta Em relaccedilatildeo a esta palavra houve (e ainda haacute) uma discussatildeo acirrada Discute-se se traduzir

como lsquoconhecerrsquo como fazem alguns171 ou lsquoreconhecerrsquo como fazem outros172 e principalmente

que sentido atribuir ao lsquoconhecerrsquo Eu penso que considerado o contexto natildeo se trata do conhecer

170Rossetti (2010) A necessidade de explicaccedilotildees natildeo mais soacute dos autores mas tambeacutem da audiecircncia que agora requer

argumentos 171Gallop (1984) p 55 Coxon (2009) p 56 Taran (1965) p 32 mas tambeacutem muitos outros 172Barnes (1982) p 124

120

epistecircmico mas do conhecer gnosioloacutegico ou seja da capacidade que a mente possui de estabelecer

um processo de cognitivo E que se trate de processo eacute claro pela terminologia variada que

Parmecircnides usa mas principalmente pela sua ὁδός que ficaraacute para sempre como metaacutefora perfeita

dos procedimentos a serem tomados para realizar tarefas de qualquer natureza e viraacute a receber o

nome de meacutetodo

Para o meacutetodo do pensar epistecircmico diz Parmecircnides natildeo eacute conveniente correr sobre um

certo percurso porque sobre ele haacute ao menos uma etapa onde se deveria lsquoconhecerrsquo o τό μὴ ἐὸν

mas isto eacute impossiacutevel Na verdade os termos usado ἀνυστόν (reportado por Simpliacutecio) ou sua

variante ἐφικτόν (reportada por Proclo) tecircm ambos um sentido processual quero dizer que a tarefa

de pensar o τό μὴ ἐὸν natildeo apresenta uma impossibilidade que se realiza imediatamente mas uma

que implica um processo o qual eacute impossiacutevel porque natildeo pode ser levado a termo De fato ἀνυστόν

significa lsquoser completadorsquo lsquopraticaacutevelrsquo enquanto ἐφικτόν significa lsquofaacutecil de alcanccedilarrsquo lsquoacessiacutevelrsquo

Ambos os termos tecircm sentido dinacircmico e processual e a negaccedilatildeo que Parmecircnides faz significa que

este processo natildeo pode ser levado a termo

De que processo se trata Em minha visatildeo lembrando o Parmecircnides psicoacutelogo que

encontramos no verso 129 e de toda a discussatildeo sobre noein (cap 1) se trata do processo concreto

de pensar a negaccedilatildeo do ser Como pude notar na minha precedente dissertaccedilatildeo173 Parmecircnides eacute de

aacuterea de formaccedilatildeo pitagoacuterica e os pitagoacutericos ndash como nos diz Aristoacuteteles na Metafiacutesica174 ndash naquela

eacutepoca estudavam as oposiccedilotildees as mais abstratas tendo passado da oposiccedilatildeo mais antiga entre par

173Galgano (2010) cap 1 passim 174Aristoteles Metaph 986a15-26

121

e iacutempar correspondentes a limitado e ilimitado (πέρας e ἄπειρον) a um conjunto de dez oposiccedilotildees

Nada desabona uma possiacutevel tentativa de Parmecircnides buscar uma oposiccedilatildeo (que era feita tambeacutem

por negaccedilatildeo como nos evidencia a expressatildeo verbal da oposiccedilatildeo entre πέρας e ἄπειρον com o lsquoαrsquo

privativo) para o lsquotodorsquo aquele πάντα que encontramos no verso 128 do poema e que em breve se

transformaria em φύσις no curso da evoluccedilatildeo histoacuterica dos conceitos filosoacuteficos da antiga Greacutecia

A meditaccedilatildeo do lsquonatildeo serrsquo eacute das mais interessantes a se fazer na filosofia Tentar lsquopensarrsquo o

lsquonatildeo serrsquo eacute uma experiecircncia profunda que leva a consideraccedilotildees radicais natildeo soacute sobre a existecircncia

humana mas sobre a existecircncia como um todo Que Parmecircnides tenha se dedicado a esta meditaccedilatildeo

eacute seguro pois ele o diz diretamente em 22 quando afirma que os uacutenicos caminhos ao pensar satildeo

aleacutem daquele que pensa ἔστιν aquele que pensa οὐκ ἔστιν ou seja Parmecircnides se pocircs a pensar o

natildeo ser O que natildeo sabemos e natildeo podemos afirmar com certeza eacute que tipo de meditaccedilatildeo ele

realizou Eis que os termos ἀνυστόν e ἐφικτόν vecircm nos socorrer e nos dizem que se trata de uma

meditaccedilatildeo processual que natildeo acaba Descrevi este processo detalhadamente na dissertaccedilatildeo e o

repetirei aqui brevemente Antes de tudo temos que lembrar que Parmecircnides estuda o natildeo ser que

hoje depois de Platatildeo chamamos de natildeo ser absoluto Como sabemos que se trata do natildeo ser

absoluto Sabemo-o pela caracteriacutesticas que ele atribui ao οὐκ ἔστιν o sabemos pela temaacutetica

generalizante e absolutizante posta no Poema (panta 128) e compartilhada pela comunidade de

estudiosos da eacutepoca e ainda a contraprova temos o diaacutelogo O Sofista que Platatildeo escreveu para

corrigir Parmecircnides introduzindo o natildeo ser relativo (o natildeo ser enquanto outro) se Parmecircnides

tivesse tratado do natildeo ser relativo natildeo haveria necessidade nem de ldquoparricidiordquo e nem de escrever

O Sofista Pensar o natildeo ser significa pensar concretamente a negaccedilatildeo do ser concreto (do mundo

sensiacutevel ou inteligiacutevel) e pensar o natildeo ser absoluto significa pensar o natildeo ser te todas as coisas

122

tanto de cada ser quanto de todos os seres como um todo175 Para tornar mais claro o processo se

pode comeccedilar pensando (imaginando) a negaccedilatildeo de um ente depois daquilo que o rodeia depois

do planeta depois do universo (sensiacutevel e inteligiacutevel atual e possiacutevel) e depois do mundo como

um todo enfim do todo

Quando poreacutem se chega na negaccedilatildeo do todo surge uma questatildeo O pensamento encontra-

se diante do oceano infinito do nada mas o nada absoluto ainda natildeo foi alcanccedilado De fato ainda

haacute a presenccedila do sujeito que pensa Quando se pensa a negaccedilatildeo do todo permanece ainda o sujeito

pensante que pensa o todo como se o olhasse de um ponto virtual externo a ele E quando se tenta

incluir o sujeito pensante acontece uma de duas coisas possiacuteveis 1) ou o sujeito da cogniccedilatildeo

acreditando pensar a si proacuteprio dentro do todo reaparece externamente 176 ou 2) o sujeito

desaparece e com ele qualquer noccedilatildeo cognitiva de lsquonatildeo serrsquo Estas duas possibilidades estatildeo

descritas no fragmento 2 mas teremos que proceder passo a passo Por enquanto podemos dizer

claramente que o processo de pensar o τό μὴ ἐὸν natildeo termina seja porque eacute impossiacutevel incluir o

sujeito no todo pois ele sempre reaparece a cada tentativa seja porque o processo quando inclui

o sujeito no todo se interrompe sendo assim impossiacutevel completar a negaccedilatildeo do todo Natildeo

podemos saber se o modelo meditativo de Parmecircnides foi exatamente este mas natildeo me parece

175Aqui pode-se incluir a negaccedilatildeo de qualquer tipo de ser existencial (isto natildeo existe) predicativo (isto natildeo eacute aquilo)

locativo (isto estaacute ausente) e as demais combinaccedilotildees possiacuteveis excogitadas pelos estudiosos (veritativo

predicamental especulativo whatness etc) Mesmo a respeito do estin predicativo negaacute-lo significa negar um

predicado de algo e ao se proceder para a negaccedilatildeo absoluta de qualquer predicado se chegaria agrave ideia virtual de

que poderiacuteamos alcanccedilar um ente sem predicados 176Se penso na aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo terei que pensar a mim mesmo aniquilado mas este

pensar a mim mesmo aniquilado gerando esse novo pensamento (de mim mesmo aniquilado) gera um novo mim

mesmo como sujeito cognitivo pensante se aniquilo este novo pensamento terei um novo sujeito cognitivo que

pensa esta nova aniquilaccedilatildeo e assim por diante ad infinitum

123

haver nada em desabono177

Mas qual eacute a importacircncia de natildeo se poder pensar a negaccedilatildeo de tudo Seguindo o argumento

parmenidiano o caminho (ἀταρπόν) cognitivo que pensa τό μὴ ἐὸν natildeo pode ser concluiacutedo Ora

ἀταρπόν eacute um sinocircnimo que Parmecircnides usa para o ὁδός do verso 22 (ὁδοὶ) isto quer dizer que o

segundo caminho de inqueacuterito pode ser iniciado mas natildeo pode ser levado a termo Mas se natildeo pode

ser levado a termo por que eacute identificado como caminho Por que natildeo eacute excluiacutedo jaacute de iniacutecio

quando a deusa ao inveacutes de anunciar os uacutenicos (μοῦναι) caminhos natildeo anuncia um uacutenico caminho

A resposta a esta pergunta torna clara a estranha afirmaccedilatildeo de que o caminho ao pensar do segundo

hemistiacutequio do verso 5 eacute necessaacuterio que permaneccedila natildeo ser (χρεών ἐστι μὴ εἶναι) Parmecircnides diz

que embora seja um caminho que jamais pode ser completado ele ao mesmo tempo natildeo pode ser

eliminado continua a pertencer aos (dois) uacutenicos caminhos de inqueacuterito ele eacute necessaacuterio

Vamos de novo reconstruir essa parte do argumento com este novo elemento os uacutenicos

caminhos de inqueacuteritos satildeo

1) por um lado o caminho ao pensar que [ (23-4)] e

2) por outro lado o caminho ao pensar que [ (25 primeiro hemistiacutequio)] e que eacute

necessaacuterio que seja natildeo ser de fato este segundo caminho (ἀταρπόν) eacute inviaacutevel porque lsquonatildeo

se consegue levar a cabo a reflexatildeorsquo (γνοίης) quando se pensa o τό μὴ ἐὸν

177Natildeo quero dizer que Parmecircnides estreie uma filosofia do sujeito embora isto natildeo possa ser excluiacutedo a priori jaacute que

aleacutem do ambiente propiacutecio dos jaacute citados Γνῶθι σαυτόν e ἐδιζησάμην ἐμεωυτόν (p 98 n 124 e 125) os embriotildees

de uma tal filosofia apareceratildeo em breve com Soacutecrates Penso que se deve pensar mais ao sujeito como o atleta

campeatildeo das Olimpiacuteadas ou seja aquele capaz de cumprir (ou natildeo) certas proezas como fica extraordinariamente

evidenciado no paradoxo de Zenatildeo cuja metaacutefora da filosofia (e do filoacutesofo) como tartaruga mostra que o pensar

filosoacutefico eacute capaz de proezas maiores do que as proezas do proacuteprio Aquiles tidas como insuperaacuteveis pela cultura

da eacutepoca

124

Ou seja fica muito clara a equaccedilatildeo entre o segundo caminho (25) e a reflexatildeo sobre o natildeo ser (τό

μὴ ἐὸν) Finalmente o segundo hemistiacutequio de 25 diz que este eacute o caminho ao pensar que eacute

necessaacuterio que seja μὴ εἶναι o qual agora sabemos eacute o caminho que tenta pensar o natildeo ser (τό μὴ

ἐὸν) Sabemos agora o que Parmecircnides chama de μὴ εἶναι Para Parmecircnides μὴ εἶναι eacute a estrutura

do pensamento quando tenta inexoraacutevel e malogradamente pensar o natildeo ser (τό μὴ ἐὸν)

Temos agora a semacircntica de μὴ εἶναι e sabemos que significa a impossibilidade de pensar o

natildeo ser Com este dado podemos reconstruir o resto do argumento mas primeiro vamos abordar a

questatildeo do οὔτε φράσαις A premissa principal eacute o pano de fundo da pesquisa parmenidiana a qual

devemos relembrar para melhor inteligecircncia desta passagem estaacute em busca do discurso confiaacutevel

como a deusa diz claramente no encerramento do discurso (talvez ecoando simetricamente alguma

parte perdida do poema)178 Pensar o τό μὴ ἐὸν natildeo eacute possiacutevel logo ele eacute indiziacutevel Ora isto

significa nem mais nem menos que dizer o que eacute impossiacutevel eacute contra o sentido do dizer Eacute indiziacutevel

natildeo porque natildeo se sabe do que se trata como querem muitos autores que fazem a leitura meramente

epistemoloacutegica179 Eacute indiziacutevel porque dizer o lsquonatildeo serrsquo significa fazer uma promessa que jamais se

cumpriraacute ao se dizer lsquonatildeo serrsquo parece que a expressatildeo aponta algo possiacutevel ou seja a negaccedilatildeo do

ser (em sentido geral amplo e absoluto) e de fato quem estaacute desavisado assim acredita Mas a

expressatildeo lsquonatildeo serrsquo quer se referir a uma virtualidade que jamais seraacute cumprida que o ser seja

negado Esta eacute exatamente a noccedilatildeo expressa pelas palavras de Platatildeo jamais prevaleceraacute que natildeo

178850-2 ldquoἐν τῶι σοι παύω πιστὸν λόγον ἠδὲ νόημα ἀμφὶς ἀληθείης δόξας δ ἀπὸ τοῦδε βροτείας μάνθανε κόσμον

ἐμῶν ἐπέων ἀπατηλὸν ἀκούωνrdquo Neste ponto encerro fidedigna palavra e pensamento sobre a verdade e opiniotildees

mortais a partir daqui aprende a ordem enganadora de minhas palavras ouvindo (trad Cavalcante de Souza 1978) 179Trata-se da leitura epistemoloacutegico-predicamental se natildeo sei a cor de um objeto (a cor natildeo eacute natildeo estaacute acessiacutevel ao

meu conhecimento) natildeo posso falar da cor do objeto

125

entes sejam180

A expressatildeo μὴ εἶναι representa esta impossibilidade de pensamento e portanto eacute um dizer

impossiacutevel e isto se opotildee radicalmente agrave proacutepria noccedilatildeo de dizer a qual quer significar enquanto

discurso confiavel o mundo e sua ordem Surge a pergunta mas se natildeo se pode dizer μὴ εἶναι se

isto eacute impossiacutevel natildeo haacute uma flagrante contradiccedilatildeo na deusa jaacute que ela proacutepria diz e constroacutei um

argumento sobre o dizer μὴ εἶναι181 A objeccedilatildeo seria vaacutelida se a deusa dissesse o que eacute impossiacutevel

de dizer ou seja se ela praticasse a impossibilidade Mas a deusa natildeo diz o impossiacutevel a deusa diz

que existem a lsquonoccedilatildeo de impossibilidade do pensarrsquo e a lsquonoccedilatildeo de impossibilidade do dizerrsquo Em

outras palavras a deusa diz qual eacute o limite do pensar e qual eacute o limite do dizer Aleacutem deste limite o

pensamento natildeo pode ir porque eacute impossiacutevel e tambeacutem o dizer natildeo pode ir porque eacute impossiacutevel

A impossiacutevel regiatildeo para aleacutem deste limite natildeo eacute admitida pelo dizer eacute contra o dizer eacute

contraditoacuteria

A expressatildeo de μὴ εἶναι em Parmecircnides eacute exatamente a palavra que expressa o processo

mental que noacutes chamamos contradiccedilatildeo e que ele primeiro assim chamou (οὔτε φράσαις) Eacute estranho

que nenhum criacutetico tenha percebido isto claramente Todos dizem que o princiacutepio de natildeo

contradiccedilatildeo estaacute implicado em Parmecircnides assim como os outros princiacutepios loacutegicos pois os

argumentos presentes no poema satildeo desenvolvidos segundo a natildeo contradiccedilatildeo mas o princiacutepio natildeo

eacute enunciado Alguns como Cordero veem explicitado o princiacutepio do terceiro excluiacutedo (816 ἔστιν

ἢ οὐκ ἔστιν) mas ningueacutem quis ver claramente que natildeo soacute a noccedilatildeo como tambeacutem a proacutepria palavra

180As duas expressotildees tem inversatildeo de predicado e negaccedilatildeo mas a noccedilatildeo permanece a mesma que os entes natildeo sejam

(perecimento no fr 8) e que os natildeo entes sejam (nascimento no fr 8) A noccedilatildeo eacute o tracircnsito entre ser e natildeo ser 181Esta eacute uma das objeccedilotildees daqueles que acham que o argumento de Parmecircnides eacute falso ou contraditoacuterio

126

contradiccedilatildeo (οὔτε φράσαις) estaacute no poema Penso que a razatildeo fundamental para que acontecesse

este lapsus tenha que ser procurada na grande atenccedilatildeo dada ao lsquoserrsquo e na pouca dada ao lsquonatildeo serrsquo

Como veremos mais adiante por causa deste lapsus natildeo se conseguiu entender claramente a

estrutura do fragmento 2 o qual simplesmente natildeo apresenta um silogismo disjuntivo nem

nenhuma contradiccedilatildeo entre o caminho do lsquoserrsquo e o caminho do lsquonatildeo serrsquo Parmecircnides diz

justamente que a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo eacute contraditoacuteria o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode ser dito porque lsquonatildeo serrsquo

eacute contraditoacuterio e a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo indica tatildeo somente uma impossibilidade concreta aquela de

que se realize o impossiacutevel

Vamos voltar ao nosso argumento e agrave questatildeo que deixamos em suspenso por que eacute

necessaacuterio que μὴ εἶναι seja Sabemos que os versos 7 e 8 relatam um processo malogrado de

pensar o natildeo ente (τό μὴ ἐὸν) Uso agora a palavra ente porque se justifica uma diferenciaccedilatildeo

embora tanto lsquoentersquo quanto lsquoserrsquo indiquem expressotildees gerais e natildeo individuais Ente entatildeo vem a

significar o ente concreto aquele que eacute Parmecircnides diz que natildeo se pode pensar e dizer τό μὴ ἐὸν

o lsquonatildeo entersquo Este processo recebe o nome de μὴ εἶναι lsquonatildeo serrsquo a este processo noacutes chamamos

contradiccedilatildeo 182 Entatildeo a indicaccedilatildeo eacute esta haacute um caminho ao pensar que pensa μὴ εἶναι (a

contradiccedilatildeo) e eacute necessaacuterio que assim seja porque (vou repetir trecircs vezes de forma diferente183 para

dizer a mesma coisa)

1) se natildeo houvesse a contradiccedilatildeo

182Mesmo para noacutes a contradiccedilatildeo eacute um processo porque indica a posiccedilatildeo de algo em contraposiccedilatildeo com mais algo

isto significa que estes dois algo tecircm que ser relacionados para que haja contradiccedilatildeo do contraacuterio algo e mais algo

podem conviver sem contraditoriedade Mas este assunto eacute fora de tema e requereria muitas outras providecircncias

para o bom discernimento 183Repito buscando clareza pois nossas construccedilotildees comuns de linguagem nesses assuntos costumam patinar

127

2) se natildeo se tem a noccedilatildeo de contradiccedilatildeo

3) se natildeo se sabe o que eacute contradiccedilatildeo

se cai no discurso contraditoacuterio o que impede o inqueacuterito confiaacutevel Eacute necessaacuterio saber que μὴ

εἶναι (o processo de contradiccedilatildeo) eacute um caminho a ser evitado porque cria pensamentos e discursos

contraditoacuterios

Vejamos de novo nosso fragmento com os elementos esclarecidos ateacute aqui os uacutenicos

caminhos de inqueacuterito a pensar satildeo por um lado que [ (23-4)] e por outro lado que οὐκ ἔστιν e

que eacute necessaacuterio que seja a contradiccedilatildeo (μὴ εἶναι) a qual eacute um caminho natildeo criacutevel pois eacute

impossiacutevel pensar e dizer o natildeo-ente (τό μὴ ἐὸν) Penso que o espaccedilo conceitual deixado por οὐκ

ἔστιν agora se preencha quase que por si haacute um caminho de inqueacuterito ao pensar que lsquonatildeo eacutersquo e que

eacute necessaacuterio que se considere contraditoacuterio porque eacute caminho que natildeo leva a lugar nenhum

οὐκ ἔστιν eacute a negaccedilatildeo da terceira pessoa do indicativo de εἰμί a expressatildeo em si natildeo tem

nada de especial significa tatildeo somente lsquonatildeo eacutersquo restando em aberto o problema da ausecircncia de

sujeito Mas agora sabemos o argumento complexo que estaacute na raiz da expressatildeo e a meu ver natildeo

faz muito sentido a questatildeo de se buscar um sujeito ou um objeto para definir se eacute usado de forma

transitiva ou intransitiva se expressa existecircncia ou predicaccedilatildeo e as muitas combinaccedilotildees que podem

ser montadas a partir da equivocidade do uso de εἰμί No entanto o acircmbito semacircntico foi

evidenciado e estaacute claro e aleacutem do mais tem o testemunho de Platatildeo a confirmar o campo

semacircntico da negaccedilatildeo de εἰμί nas vaacuterias formas estaacute relacionado a uma reflexatildeo sobre a

impossibilidade desta negaccedilatildeo Obviamente para dizer que algo eacute impossiacutevel de alguma forma

tenho que indicar esta impossibilidade com a expressatildeo Assim se digo lsquotriacircngulo quadradorsquo aponto

para uma impossibilidade jaacute que por definiccedilatildeo a essecircncia do triacircngulo exclui a essecircncia do

quadrado logo a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo significa aquilo que parece prometer ou seja

128

uma figura geomeacutetrica especial que eacute ao mesmo tempo triacircngulo e quadrado dizer triacircngulo

quadrado eacute dizer algo lsquoindiziacutevelrsquo lsquonatildeo diziacutevelrsquo (na medida em que o diziacutevel quer expressar sentido)

lsquoque nega o diziacutevelrsquo lsquoque eacute contra o diziacutevelrsquo que eacute contraditoacuterio

A semacircntica do lsquonatildeo serrsquo eacute fortiacutessima e estaacute muito aleacutem das sutilezas gramaticais

morfoloacutegicas e sintaacuteticas e estas simplesmente natildeo afetam aquela O assunto tratado eacute tatildeo forte

que ultrapassa qualquer forma linguiacutestica ao ponto de que este assunto a ordem do ser e do natildeo

ser no mundo eacute responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da lei da linguagem e natildeo vice-versa como bem

entendeu Platatildeo no Sofista onde a teoria da predicaccedilatildeo surge a partir de uma reflexatildeo sobre a ordem

das leis baacutesicas do mundo Entatildeo o approach linguiacutestico ao poema pode proceder ateacute certo ponto

dali em diante o poema eacute francamente filosoacutefico e a chave linguiacutestica natildeo eacute suficiente para o acesso

Isto quer dizer que com a chave linguiacutestica natildeo se abre a porta da questatildeo filosoacutefica do poema Se

a questatildeo eacute que lsquojamais o natildeo ser pode se tornar serrsquo como (aproximadamente com estas palavras)

nos diz Platatildeo citando Parmecircnides entatildeo diante da semacircntica que οὐκ ἔστιν apresenta discutir o

sujeito de οὐκ ἔστιν se torna tarefa menor Considerada a desproporccedilatildeo entre o conteuacutedo (a

semacircntica) e o recipiente (a palavra) entre o significado e o significante natildeo eacute impossiacutevel que οὐκ

ἔστιν seja tatildeo somente uma expressatildeo simplificada quem sabe ateacute mesmo uma simplificaccedilatildeo

didaacutetica pois o conteuacutedo do conceito estaacute expresso e justificado depois nos versos 7 e 8

O caminho de pensar que natildeo eacute e de pensar que eacute necessaacuterio natildeo ser eacute o caminho que afirma

a necessidade de que a noccedilatildeo de natildeo ser permaneccedila estaacutevel A contradiccedilatildeo tem que permanecer e

ser identificada como tal pois eacute a uacutenica maneira de evitar que ela entre no pensamento e no

discurso Se o lsquonatildeo serrsquo natildeo for considerado contraditoacuterio entatildeo a contradiccedilatildeo invade e domina o

caminho de inqueacuterito o qual deixa de possuir πίστις ἀληθής (130) Assim eacute necessaacuterio que este

caminho seja identificado como μὴ εἶναι por um lado o lsquonatildeo serrsquo eacute incognosciacutevel (οὔτε γὰρ ἂν

129

γνοίης) mas por outro lado eacute necessaacuterio que se saiba que ele eacute incognosciacutevel Saber do

incognosciacutevel garante o conhecimento184 pois de fato ao natildeo se identificar o lsquonatildeo serrsquo se cai no

risco de pensar que lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo satildeo o mesmo e natildeo o mesmo como Parmecircnides diz em 65-6

Necessariamente o caminho que pensa οὐκ ἔστιν leva ao processo de contradiccedilatildeo (μὴ εἶναι) e o

fato de que o caminho natildeo tenha conclusatildeo (ἀνυστόν) natildeo eacute evidente na expressatildeo pelo contraacuterio

τό μὴ ἐὸν parece uma negaccedilatildeo comum como qualquer outra mas natildeo o eacute por isto eacute um saber

destinado ao saacutebio e natildeo aos mortais pois eacute um saber fruto de uma reflexatildeo

428 De volta aos versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

429 Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

Penso que podemos agora voltar ao verso 23 ao nosso segundo hemistiacutequio onde aparece a

expressatildeo μὴ εἶναι da qual jaacute temos a semacircntica Podemos entatildeo reconstruir ldquoos uacutenicos caminhos

de inqueacuterito a pensar satildeo

1) por um lado a pensar que [] e a pensar que οὐκ ἔστι μὴ εἶναι este eacute caminho de

persuasatildeo que verdade acompanha e

2) por outro lado a pensar que lsquonatildeo eacutersquo e a pensar que eacute necessariamente um percurso

de pensamento contraditoacuterio porque eacute um caminho lsquoimpossiacutevelrsquo (παναπευθέα) pois o

pensamento do lsquonatildeo entersquo natildeo pode ser completado

184Estaacute aqui uma semente do socratismo

130

O οὐκ ἔστι do verso 23 parece ser diferente do οὐκ ἔστιν do verso 25 Enquanto em 25 ele eacute quase

que o nome do caminho (talvez uma simplificaccedilatildeo didaacutetica) aqui em 23 parece significar

simplesmente lsquonatildeo eacutersquo em sentido comum predicativo De fato este eacute o caminho da persuasatildeo e

portanto eacute o caminho do pensamento natildeo-contraditoacuterio Aliacute a persuasatildeo era impossiacutevel pela

contradiccedilatildeo aqui eacute possiacutevel pela natildeo-contradiccedilatildeo Sabemos que a expressatildeo μὴ εἶναι eacute a expressatildeo

da contradiccedilatildeo suprema entatildeo a natildeo-contradiccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo de μὴ εἶναι A traduccedilatildeo de οὐκ ἔστι

fica faacutecil embora para a nossa sensibilidade possa parecer algo improacuteprio usar duas vezes οὐκ ἔστι

de forma natildeo perfeitamente uniacutevoca a dois versos de distatildencia Mas devemos lembrar tambeacutem que

noacutes hoje estamos acostumados a niacuteveis de precisatildeo de linguagem tatildeo altos que falamos de

linguagens de segunda terceira e quarta ondem e mais ainda devemos lembrar que Parmecircnides eacute

o primeiro a estabelecer exatamente com os versos de que estamos tratando a necessidade de um

criteacuterio na linguagem correta Entatildeo para o segundo hemistiacutequio de 23 poderiacuteamos manter esta

traduccedilatildeo lsquonatildeo eacutersquo em parte ambiacutegua para nossas exigecircncias mas que soa perfeitamente harmocircnica

com o discurso parmenidiano [] ao pensar que natildeo eacute lsquocontradiccedilatildeorsquo (μὴ εἶναι)

Mas podemos aprimorar ainda mais a traduccedilatildeo tanto pelo lado gramatical quanto pelo lado

semacircntico e pelo lado estiliacutestico E eacute aliaacutes este uacuteltimo aspecto o estiliacutestico que pode nos chamar

atenccedilatildeo sobre uma possiacutevel simetria entre os versos 3 e 5 Os primeiros hemistiacutequios dos dois

versos (3a e 5a) seguem uma mesma construccedilatildeo gramatical e sintaacutetica nos segundos hemistiacutequios

(3b e 5b) haacute uma diferenccedila enquanto em 3b temos o verbo predicativo simples (οὐκ ἔστι) em 5b

temos um verbo impessoal (χρεών ἐστι) No entanto como se sabe a forma verbal ἐστι quando

131

estaacute junto de um infinitivo pode assumir papel de verbo quase-impessoal e significar eacute possiacutevel185

entatildeo a razatildeo estiliacutestica fica satisfeita se seguindo o modelo estiliacutestico de 5b traduzimos o οὐκ

ἔστι de 3b com natildeo eacute possiacutevel pois o infinitivo μὴ εἶναι passa a ser o sujeito gramatical ndash mas natildeo

o sujeito loacutegico ndash assim como natildeo o era em 5b Mantendo firme que os versos 3 e 5 constituem

uma anomalia gramatical e que a comunidade dos estudiosos estaacute mais do que em desacordo sobre

a correta sintaxe e relativa traduccedilatildeo desses versos pode-se aceitar a explicaccedilatildeo gramatical da

estrutura modal e aqui seguimos a proposta de Cordero embora esta explicaccedilatildeo seja obrigada a

colocar a funccedilatildeo de sujeito atribuiacuteda a μὴ εἶναι entre aspas ldquosujeitordquo pois de fato o sujeito loacutegico

do verso 3 natildeo estaacute expresso por claro desejo de Parmecircnides Este sujeito inexpresso eacute o mesmo

para 3a e 3b e mais adiante teceremos alguma consideraccedilotildees ulteriores a respeito O fato eacute que

com a simetria estiliacutestica oferecida naturalmente pelos versos e apesar do fundamento gramatical

anocircmalo que gera ambiguidade se consegue iluminar melhor a semacircntica ndash a respeito da qual as

divergecircncias interpretativas satildeo muito menores ndash e atender melhor ao nosso objetivo que eacute

salvaguardar a mensagem filosoacutefica E a mensagem filosoacutefica com a traduccedilatildeo modal de 3b fica

mais clara A tentativa de pensar o natildeo ser redunda numa impossibilidade a qual tem dois lados

por um lado o natildeo ser eacute um caminho impossiacutevel e por outro lado eacute impossiacutevel anular

completamente o que eacute este segundo lado fica expresso claramente pelo valor modal de 3b eacute

impossiacutevel natildeo ser ou na morfologia em portuguecircs eacute impossiacutevel que natildeo seja Embora o sujeito

de esti de 3a natildeo seja expresso ele eacute comprensiacutevel e recebe um nome diferente a cada opccedilatildeo de

traduccedilatildeo de cada autor mas todos concordam que se trata de uma positividade no sentido mais

185Smyth 1956 p 441 1984-1985

132

geral possiacutevel186 Esta positividade eacute tambeacutem o sujeito natildeo expresso de 3b e ela (a positividade) eacute

impossiacutevel que natildeo seja

Acredito por fim que podemos abordar o tatildeo famoso ἔστιν do verso 23 que tanto fez e faz penar

os estudiosos de Parmecircnides Aqui de novo a grandeza da questatildeo cosmoloacutegica envolvida ndash a

coerecircncia eou a contraditoriedade do real ndash simplesmente torna tatildeo minuacutescula a questatildeo do sujeito

gramatical que ela quase desaparece No entanto mesmo minuacutescula a questatildeo existe O problema

a meu ver se agiganta quando se procura encaixar a todo custo uma anomalia gramatical (natildeo

linguiacutestica) dentro de uma norma gramatical Ao menos no caso do ἔστιν de Parmecircnides a

discussatildeo acirrada lembra mais o problema do cobertor curto que cobrindo uma parte descobre a

outra e por mais que se aleguem argumentos linguiacutesticos desta ou daquela natureza natildeo se

consegue natildeo recair na questatildeo filosoacutefica Entatildeo digamos claramente ἔστιν eacute uma expressatildeo

filosoacutefica Proporei entatildeo uma gecircnese filosoacutefica e portanto a permanecircncia dessa marca de

nascenccedila na expressatildeo do ἔστιν nu O nosso ponto de partida eacute de novo a meditaccedilatildeo do natildeo ser

Como jaacute dissemos Parmecircnides com certeza realizou uma reflexatildeo sobre o natildeo ser e mais

especificamente sobre o natildeo ser absoluto total Esta meditaccedilatildeo eacute uma meditaccedilatildeo sombria porque

leva a alma do meditante agrave negaccedilatildeo extrema fato esse que repugna ao impulso vital e que natildeo eacute

simples de se levar adiante ainda mais se agrave reflexatildeo intelectual se associa a meditaccedilatildeo afetiva

Parmecircnides deve ter feito essa meditaccedilatildeo plenamente ou seja incluindo o lado afetivo

186Meijer lista doze casos ldquoIt might be useful to give a collection of proposed subjects of estin first based on what I

have found so far no subject impersonal usage it ti a thing truth way what can be talked and thought about

reality is Being to berdquo (Meijer 1997 p 114)

133

extremamente importante no pitagorismo187 escola na qual recebeu sua formaccedilatildeo Deve ter tentado

encaminhar seu pensamento pela negaccedilatildeo de tudo pois somente assim ele poderia dizer que o

caminho do natildeo eacute natildeo pode ser completado Depois de mergulhar nesse esforccedilo mental

procurando aniquilar todas as coisas quando se deu conta que tal era impossiacutevel e quando retornou

ao fluxo normal do pensamento devia estar com a sensaccedilatildeo de ter deixado para traacutes uma imensa

escuridatildeo da qual ele saiu com um grito188 eacute Natildeo eacute difiacutecil imaginar que Parmecircnides deve ter feito

essa meditaccedilatildeo dentro do cenaacuterio religioso de sua eacutepoca e que retirando a paacutetina mitoloacutegica das

visotildees alucinatoacuterias podemos dizer que devia estar simplesmente num estado semi-oniacuterico ou

inteiramente oniacuterico refletindo ou meditando ou sonhando com a aniquilaccedilatildeo de tudo Nesses

estados mentais como se sabe os laccedilos da sintaxe e da loacutegica se afrouxam e Parmecircnides deve ter

vivenciado aquilo que hoje noacutes chamamos de ser em toda sua oposiccedilatildeo agrave negaccedilatildeo de tudo Ora a

vivecircncia do ser natildeo eacute o ser pois a noccedilatildeo de o ser eacute uma generalizaccedilatildeo intelectual e sofisticada

de muitas vivecircncia e percepccedilotildees e reflexotildees A vivecircncia imediata daquilo que noacutes chamamos o ser

eacute pura e simplesmente o eacute o ser quando vivenciado eacute eacute Parmecircnides apenas trouxe para a

linguagem sintaticamente organizada a expressatildeo direta da vivecircncia imediata daquilo que eacute Um

exemplo pode ajudar a entender esta parte A expressatildeo sintaticamente organizada de um mal estar

pode ser expressa assim ldquoestou sentindo uma dor na panturrilhardquo Mas a expressatildeo vivencial preacute-

187 O aspecto afetivo do pitagorismo eacute evidente em muitas de suas manifestaccedilotildees Na enumeraccedilatildeo de algumas destas

manifestaccedilotildees em primeiro lugar podemos colocar a miacutestica a qual por si eacute um fenocircmeno estritamente afetivo

depois podemos colocar a muacutesica com seu forte apelo para o lado emocional humano depois ainda os laccedilos de

amizade exemplificados pela histoacuteria dos pitagoacutericos Fintias e Damon se encontra em JAcircMBLICO (Giangiulio

1991 234-236) por fim a proacutepria lenda que atribui a Pitaacutegoras a criaccedilatildeo do nome filosofia daacute a entender seu

amor ao saber uma dedicaccedilatildeo independente do imediatismo utilitaacuterio 188 Cordero diz que eacute um grito de alegria Como suele ocurrir con un descubrimiento es maacutes un grito de alegria que

una estructura conceptual (Cordero 2003 p 284)

134

sintaacutetica e imediata eacute tatildeo somente um ai

Foi muito difiacutecil ateacute agora pelos vaacuterios estudiosos espremer o ἔστιν numa categoria

gramatical que satisfizesse toda a pregnacircncia filosoacutefica que carrega mas ndash e esta eacute a parte mais

interessante ndash natildeo haacute ningueacutem que natildeo entenda claramente do que se trata pois a mensagem eacute

clariacutessima a quem quer que se disponha a entender189 eu penso ademais que nenhuma das

traduccedilotildees propostas pelo grandes estudiosos embora divergentes expressa um desentendimento

apenas tecircm expressotildees parciais proporcionais ao aspecto gramatical no qual se quer constranger a

palavra parmenidiana Mas no que diz respeito ao conteuacutedo filosoacutefico todos concordam eacute uma

generalizaccedilatildeo (ou linguiacutestica ou loacutegica ou ontoloacutegica) da noccedilatildeo de ser De minha parte penso que

o ἔστιν representa a maior generalizaccedilatildeo linguiacutestica possiacutevel perece-me que natildeo haacute nenhuma

expressatildeo mais geral e penso que eacute exatamente esta a intenccedilatildeo de Parmecircnides ao trazer para o

plano sintaacutetico uma expressatildeo preacute-sintaacutetica e preacute-loacutegica ou seja expressar a maior generalizaccedilatildeo

linguisticamente possiacutevel Se assim eacute o ἔστιν eacute anterior agrave noccedilatildeo de sujeito e portanto de predicado

seja ele nominal ou verbal Todas estas articulaccedilotildees sujeito predicado objeto e qualquer outra

189Estou de acordo com Santoro quando diz ldquoCome quando la sua Dea dice della via di ricerca che egrave (hopocircs eacutestin)

senza nessun predicato Non starebbe puntando il reale di fronte a seacute proiettando il verbo fuori di se stessa verso

ciograve che sta davanti sia spazialmente verso il mondo obiettivo sia temporalmente verso la presenza e il suo

avvenirerdquo (Santoro 2011a p 101) A imagem que Santoro suscita a partir do apontar do ldquodito durordquo (p 98) do

acusador ao acusado pode ser ampliada a uma matildeo aberta apontando o mundo com o movimento horizontal e

circular do braccedilo eacute Uma siacutentese premonitoacuteria dos dois gestos representados por Raffaello na ldquoEscola de Atenasrdquo

o dedo de Platatildeo apontando para cima e a matildeo aberta de Aristoacuteteles apontando para baixo Concordo com Santoro

quando sugere que a projeccedilatildeo do ldquoverbo para fora de sirdquo implica um apontar e acrescento que o que parece ser

impliacutecito em 23 se torna expliacutecito em 28 onde o φράζω significa exatamente indicar mostrando (inclusive com o

dedo) e οὔτε φράσαις significa que o natildeo ser natildeo pode ser indicado ( Penso tambeacutem que o ἔστιν tem a marca da

espontaneidade e que longe de ser um termo teacutecnico vem da linguagem mais comum ndash aproveitando (e aqui

tambeacutem estou com Santoro) o acento juriacutedico que devia ter a sua linguagem diaacuteria enquanto legislador ndash e

portanto acompanhado do gesto talvez universal de identificaccedilatildeo de um ldquoculpadordquo o dedo apontado Vejam-se

tambeacutem os comentaacuterios de Rossetti a respeito da leitura de Santoro em Rossetti 2011 Um ulterior aprofundamento

da influecircncia da linguagem juriacutedica nos sematas de DK B 8 encontra-se em Santoro 2011b

135

pertencem agrave esfera do ἔστιν Natildeo haacute nada dentro do qual o ἔστιν possa ser colocado e tudo eacute

colocado no ἔστιν inclusive o acircmbito temporal pois passado presente e futuro satildeo articulaccedilatildeo de

um ἔστιν anterior a toda noccedilatildeo de tempo Assim o ἔστιν eacute aquilo que inevitavelmente se

reapresenta a cada tentativa de negaccedilatildeo absoluta A pergunta ldquoqual eacute o sujeito do ἔστινrdquo eacute

linguisticamente e filosoficamente legiacutetima A resposta poreacutem escapa do acircmbito linguiacutestico190 e

permanece naquele filosoacutefico o ἔστιν eacute anterior agrave articulaccedilatildeo sintaacutetica logo ele eacute sujeito predicado

e objeto de si mesmo Eacute esta noccedilatildeo todo-permeadora que eacute incapaz de sofrer a negaccedilatildeo A via de

investigaccedilatildeo ao operar cognitivamente que eacute corresponde agrave via de investigaccedilatildeo ao operar

cognitivamente que natildeo pode ser natildeo ser O uacutenico dado que pode ser acrescentado ao eacute representa

uma confirmaccedilatildeo de que eacute pois soacute se pode acrescentar que eacute impossiacutevel ndash uma impossibilidade

verificada na reflexatildeo ndash que natildeo seja Mas afinal tomo partido191 e entro tambeacutem no quarto grupo

daqueles listados por Cordero o sujeito deve ser extraiacutedo do predicado isolado pois ἔστιν produz

o sujeito192

Recapitulando o sentido filosoacutefico eacute preciso haacute um caminho de inquerito ao pensar que eacute

190Penso por exemplo que as posiccedilotildees que querem ver no ἔστιν apenas uma forma sinteacutetica ainda natildeo articulada

segundo nossas atuais distinccedilotildees (ou ateacute mesmo segundo as distinccedilotildees da eacutepoca de Parmecircnides) embora sejam

linguisticamente mais satisfatoacuterias satildeo ainda parciais e natildeo tocam a questatildeo essencial que eacute o ἔστιν como princiacutepio

do mundo e natildeo como um ente (neste caso um ente linguiacutestico) entre outros a ser classificado numa funccedilatildeo sintaacutetica

especiacutefica 191Ver p 19 192Esta questatildeo natildeo aprofundada aqui natildeo possui relevacircncia filosoacutefica no argumento apresentado pode ter relevacircncia

se se considera o tipo de reflexatildeo ou seja se se discute a ldquoexperiecircnciardquo do natildeo-ser e principalmente a experiecircncia

concreta de Parmecircnides que talvez esteja ligada a praacuteticas de incubaccedilatildeo Neste caso a dimensatildeo reflexiva adentra

a dimensatildeo oniacuterica a qual possui outra sintaxe e onde um simples ἔστιν vale mais de mil articulaccedilotildees sintaacuteticas

Natildeo sabemos com certeza destas praacuteticas em Eleacuteia mas este sentido preacute-sintaacutetico natildeo estaacute descartado inclusive

alguns estudiosos entre os quais o proacuteprio Cordero atribuem ao ἔστιν o sentido de um grito como um Eureka

Sugestotildees nesse sentido se encontram na minha dissertaccedilatildeo sobre Melisso

136

aquele que pensa o lsquoeacutersquo este mesmo caminho eacute aquele ao pensar que natildeo eacute (e natildeo pode ser193)

lsquocontradiccedilatildeorsquo Depois haacute um outro caminho aquele ao pensar que lsquonatildeo eacutersquo que eacute o mesmo caminho

ao pensar que leva necessariamente agrave contradiccedilatildeo O primeiro eacute o caminho que estabelece o

discurso coerente (persuasivo) e o segundo natildeo leva a lugar nenhum e deve ser evitado Mas para

que se saiba o que deve ser evitado eacute necessaacuterio que se conheccedila a impossibilidade do segundo

caminho Para que se possa seguir o primeiro caminho eacute necessaacuterio saber que existe um outro

sempre agrave espreita que parece oferecer a verdade mas que natildeo oferece uma verdade confiaacutevel que

leva necessariamente agrave contradiccedilatildeo de pensamento e de expressatildeo linguiacutestica

4210 Conclusatildeo

Parmecircnides provavelmente a partir de sugestotildees pitagoacutericas medita sobre a oposiccedilatildeo ao que existe

e assim descobre o lsquonatildeo serrsquo Descobre que lsquonatildeo serrsquo ou seja negar o ser negar o que haacute eacute de todo

impossiacutevel (natildeo eacute possiacutevel completamente) Entende entatildeo que o lsquonatildeo serrsquo esta impossibilidade eacute

algo que a mente pensa julgando que este pensamento leva por um caminho mas que na verdade

ele descobre leva por outro caminho aquele que nunca chega a lugar nenhum Este caminho que

leva para lugar nenhum eacute o caminho dos mortais os quais confundem ser e natildeo ser Mas o saacutebio

deve saber distinguir por um lado o caminho do lsquoeacutersquo que eacute o caminho do discurso natildeo contraditoacuterio

e por outro lado o caminho do lsquonatildeo eacutersquo que eacute o caminho do discurso que eacute vanificado pela

193A interpretaccedilatildeo modal eacute tambeacutem perfeitamente coerente aqui

137

contradiccedilatildeo

Parmecircnides descobre a contradiccedilatildeo (pela meditaccedilatildeo sobre o natildeo ser) e percebe que ela eacute

motivo de descaminho no discurso sobre o mundo Assim finalmente ele anuncia que a contradiccedilatildeo

deve ser evitada A este enunciado noacutes chamamos de princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo A nossa versatildeo

mais comum do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo ainda hoje natildeo se afasta muito daquela de Aristoacuteteles

mas a versatildeo culta aquela em linha com as pesquisas mais avanccediladas se encontra em pleno

terremoto conceitual pelo qual eacute difiacutecil usar qualquer das palavras tradicionalmente usadas para

estabelecer acircmbitos e sentidos Em outras eacutepocas se podia dizer que a descoberta de Parmecircnides

natildeo eacute do acircmbito da loacutegica mas da ontologia Hoje estes termos satildeo tatildeo fortemente equiacutevocos que

natildeo se tem a possibilidade de uma expressatildeo direta e inteiramente compartilhada na comunidade

cientiacutefico-acadecircmica atual De forma que quero me limitar por enquanto agrave descriccedilatildeo da minha

leitura do fragmento 2 tentando evitar noccedilotildees equiacutevocas O fato eacute que Parmecircnides trabalha em

acircmbito cosmoloacutegico e sua preocupaccedilatildeo ndash como as de seus colegas na eacutepoca ndash eacute com o mundo com

a totalidades das coisas com os πάντα de seu proecircmio (128) Aqui neste acircmbito cosmoloacutegico

descobre que haacute um princiacutepio do mundo pelo qual se daacute uma impossibilidade a contradiccedilatildeo A

contradiccedilatildeo eacute um princiacutepio porque o que haacute (πάντα) enquanto todo escapa agrave negaccedilatildeo total Eis

que a contradiccedilatildeo eacute princiacutepio tanto quanto a natildeo-contradiccedilatildeo porque eacute a contradiccedilatildeo que permite

a natildeo-contradiccedilatildeo Sem a noccedilatildeo de contradiccedilatildeo se anda com sentidos incertos como os mortais

O valor desta afirmaccedilatildeo eacute historicamente inabalaacutevel porque Parmecircnides partindo de um

discurso sobre o mundo como que visto de fora por um observador (como Anaximandro via o

mundo olhando seu pinax) alcanccedila um discurso que inclui o observador enquanto observador

estreando assim antes de tudo um discurso sobre os entes (a ontologia) todos os entes incluindo

138

os entes de pensamento (veja-se o famoso fragmento 3 que diz que pensar e ser satildeo o mesmo)

Agora para ele o saacutebio natildeo eacute mais aquele que sabe soacute sobre as coisas externas ndash como o antigo

xamatilde cuja figura individual se dissolve na mera intermediaccedilatildeo com o divino ndash mas eacute tambeacutem

aquele que consegue pensar sobre as coisas externas ou seja aquele que tem um domiacutenio cognitivo

sobre os pensamentos de inqueacuterito e portanto sabe sobre si mesmo

Parmecircnides amplia o mundo acrescentando-lhe o mundo do pensamento e o mundo da

linguagem Eis porque as αρχάι de Parmecircnides sendo duas permanecem duas justamente

eliminado uma delas deixando alguns criacuteticos enloquecidos na discussatildeo sobre o monismo ou o

dualismo para Parmecircnides o mundo eacute um mas os sentidos nos enganam natildeo na pluralidade das

coisas mas no argumento a respeito da pluralidade das coisas e principalmente ndash aspecto que ele

discute explicitamente ndash a respeito do devir das coisas Haacute um princiacutepio que natildeo pode ser

eliminado a contradiccedilatildeo o qual eacute um princiacutepio de erro humano quando se elimina quando se

desconsidera quando se faz de conta que natildeo existe a contradiccedilatildeo se instaura quando o princiacutepio

eacute levado em conta a contradiccedilatildeo pode ser evitada

Eacute um conceito esdruacutexulo para noacutes tambeacutem pois temos que ter (a noccedilatildeo de) a contradiccedilatildeo

para eliminar a contradiccedilatildeo temos que saber o que eacute contradiccedilatildeo para que possamos perceber

quando o discurso eacute contraditoacuterio Estes conceitos satildeo misteriosos ateacute agora e satildeo estranhas

criaturas de nossas mentes Outro exemplo a noccedilatildeo de impossiacutevel obviamente (ou seja para a

nossa pragmaacutetica) natildeo se refere a nada de concreto no entanto temos essa noccedilatildeo e a usamos com

o maacuteximo proveito outro exemplo a noccedilatildeo de infinito noccedilatildeo que natildeo se refere a algo concreto

mas que tambeacutem usamos com maacuteximo proveito O mesmo deve ser dito da noccedilatildeo de contradiccedilatildeo

ou da noccedilatildeo de nada absoluto que usamos pragmaticamente com maior ou menor proveito Mas

um discurso rigoroso sobre estas noccedilotildees eacute algo realmente difiacutecil e digo difiacutecil porque se eu dissesse

139

impossiacutevel cairia em peticcedilatildeo de princiacutepio

Parmecircnides encontra este caminho e o expotildee Eacute um caminho assombroso anti-intuivo mas

incontestaacutevel De forma que natildeo eacute de se estranhar se a soluccedilatildeo platocircnica eacute a eliminaccedilatildeo fiacutesica da

noccedilatildeo de nada absoluto (o parriciacutedio) com sucessivo lsquoadeusrsquo194 achando de tecirc-lo ultrapassado Mas

o nada absoluto enquanto noccedilatildeo contraditoacuteria permanece Assim como permanece a explicaccedilatildeo

defeituosa do devir que assim como o conhecemos uma passagem do nada ao ser no nascimento

e do ser ao nada no perecimento estaacute mal explicado Daqui por diante os comentaacuterios filosoacuteficos

possiacuteveis satildeo inuacutemeros portanto paro esta parte da pesquisa neste ponto e proponho a versatildeo do

fragmento 2 segundo esta conceituaccedilatildeo alterando de pouco a excelente versatildeo baacutesica de

cavalcante de Souza

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute possiacutevel que seja (o caminho da) contradiccedilatildeo

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute necessariamente (o caminho da) contradiccedilatildeo

este entatildeo eu te digo eacute atalho de todo incriacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequumliacutevel)

nem o dirias

194Platatildeo Soph 258e7-259a1 ἡμεῖς γὰρ περὶ μὲν ἐναντίου τινὸς αὐτῷ χαίρειν πάλαι λέγομεν εἴτ ἔστιν εἴτε μή

λόγον ἔχον ἢ καὶ παντάπασιν ἄλογον

140

Estas uacuteltimas palavras ndash pois nem conhecerias o que natildeo eacute e nem o dirias ndash satildeo o enunciado

parmenidiano do princiacutepio cosmoloacutegico de natildeo contradiccedilatildeo Ele eacute diferente em relaccedilatildeo ao princiacutepio

aristoteacutelico porque Parmecircnides tem diante de si um mundo diferente daquele que Aristoacuteteles tem

diante de si Parmecircnides recorre a este princiacutepio em todo o seu argumento do fr 8 e o reapresenta

e volta a enunciaacute-lo

43 A discussatildeo do meacutetodo

A descoberta fundamental de Parmecircnides eacute de que eacute impossiacutevel negar completamente (οὐ

γὰρ ἀνυστόν) o que eacute de forma que a tentativa de levar a cabo este processo acaba falhando

inexoravelmente A esta falha ele daacute o nome de μὴ εἶναι afinal a via do natildeo eacute eacute uma via falha eacute

e eacute necessaacuterio que seja falha μὴ εἶναι enquanto que a via do eacute natildeo pode ser falha natildeo pode ser

μὴ εἶναι Estabelecidos estes criteacuterios se pode proceder com seguranccedila (com persuasatildeo) no

caminho de pesquisa Como veremos mais adiante Parmecircnides proporaacute sua proacutepria pesquisa

seguindo o meacutetodo que ele excogitou mas antes disso (pela ordenaccedilatildeo Diels-Kranz) ele parece

prestar conta agrave sua cultura contemporacircnea e discute o meacutetodo em relaccedilatildeo aos outros procedimentos

praticados ateacute entatildeo

Como tivemos oportunidade de salientar Parmecircnides parece natildeo estar preocupado em fazer

criacuteticas a um colega ou a alguma escola especiacutefica Sua preocupaccedilatildeo parece ser mais ampla e a

criacutetica quer se referir ao homem em geral eacute uma criacutetica cultural ao modo de ver o mundo agravequilo

que hoje costumamos chamar weltanschaung Vamos entatildeo retomar esta discussatildeo apresentada nos

fragmentos 6 e 7 e abordar as passagens que ainda natildeo foram tratadas

141

431 Fragmento 6

Vamos comeccedilar pelos versos 1 e 2 do fragmento 6

χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι ἔστι γὰρ εἶναι

μηδὲν δ οὐκ ἔστιν τά σ ἐγὼ φράζεσθαι ἄνωγα

Tendo em mente a reflexatildeo do natildeo ser e as noccedilotildees que dela resultam natildeo eacute tatildeo difiacutecil entender

estas palavras quanto as discussotildees entre os estudiosos nos fazem imaginar Eacute verdade que satildeo

palavras muito controversas inclusive nas liccedilotildees e nas variantes mas eacute verdade tambeacutem que se

recorre a alternativas menos provaacuteveis quando o sentido natildeo aparece claramente ou quando aquele

que aparece natildeo eacute satisfatoacuterio No entanto noacutes identificamos o vocabulaacuterio que expressa as noccedilotildees

resultantes da meditaccedilatildeo Lembrando que o natildeo ser absoluto era impossiacutevel de ser alcanccedilado pelo

pensar cognitivo e que portanto a expressatildeo natildeo ser (τό μὴ ἐὸν) por natildeo ter sentido algum natildeo

deve ser usada (οὔτε φράσαις) fica claro que χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι eacute necessaacuterio

dizer e pensar (cognitivamente) que o ente eacute No fragmento 2 o natildeo ente (τό μὴ ἐὸν) natildeo pode

nem ser conhecido e nem dito logo aqui no fragmento 6 Parmecircnides diz que dizer e pensar que

o ente eacute se torna necessaacuterio isto eacute natildeo pode ser de outra forma pois se natildeo fosse necessaacuterio entatildeo

poderia-se dizer que o ente natildeo eacute ou que o natildeo ente eacute Mas como ele dissera dizer que o ente

natildeo eacute significa percorrer o caminho do natildeo eacute o qual eacute de todo impercorriacutevel

Podemos ver que o meacutetodo exposto no fragmento 2 comeccedila a ser discutido concretamente e

natildeo se trata mais do ἔστιν mas do ἐὸν De fato a palavra ἐὸν aparece primeiramente no poema

como negativa τό μὴ ἐὸν fato pouco notado pelos estudiosos jaacute no fragmento 2 (ver a discussatildeo

a respeito do τό μὴ ἐὸν no capiacutetulo 5) Como jaacute tivemos oportunidade de observar Parmecircnides

primeiro enuncia sua tese e depois apresenta os argumentos a favor Neste caso as noccedilotildees de (23)

ἔστιν e (25) οὐκ ἔστιν satildeo o resultado de um processo reflexivo argumentativo que comeccedila com o

142

τό μὴ ἐὸν que nada mais eacute do que a tentativa malograda (segundo o que Parmecircnides afirma) de

negar o ἐὸν Entatildeo a estrutura argumentativa de Parmecircnides revela que sua preocupaccedilatildeo inicial era

o ἐὸν que ele tentou negar sem sucesso alcanccedilando noccedilotildees novas e radicais sobre o mundo

Assim finalmente apoacutes a apresentaccedilatildeo do meacutetodo obtido pelas suas reflexotildees volta ao seu

tema predileto o ἐὸν Agora ele pode seguir com seguranccedila epistecircmica e em 61 afirma eacute

necessaacuterio dizer e pensar cognitivamente que o ente eacute (ἐὸν ἔμμεναι) Aqui mais uma vez nos

encontramos na ordem argumentativa parmenidiana onde primeiro enuncia e depois argumenta

portanto ele diz em 61b e 62a com efeito (γὰρ) ndash enquanto a tentativa de operar cognitivamente

com o natildeo ser (operar cognitivamente com o natildeo ser = μὴ εἶναι) eacute impossiacutevel (23b οὐκ ἔστι) ndash o

que necessariamente acontece (61 ἔστι) eacute o operar cognitivamente com o ser (61 εἶναι) onde

operar cognitivamente com o ser corresponde ao εἶναι A confirmar esta correspondecircncia com o

fragmento 2 Parmecircnides continua e o nada (a realizaccedilatildeo de μὴ εἶναι) natildeo eacute (οὐκ ἔστιν)

Lembrando que o presente trabalho visa entender a noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides estamos

interessados antes de tudo na semacircntica apresentada Este eacute o motivo de traduzir com parcialidade

(a parcialidade que nos leva a focar a semacircntica do natildeo ser) e aparentemente a forccedilar as palavras

do eleata Especificamente nestes dois versos e no seguinte a polecircmica entre os inteacuterpretes eacute furiosa

e eacute bom expor logo a minha posiccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves disputas em campo Segundo a interpretaccedilatildeo

por mim proposta do fragmento 2 encontra-se ali a exposiccedilatildeo de uma reflexatildeo sobre o natildeo ser e o

resultado que dela segue O resultado eacute uma proposta metodoloacutegica a respeito do pensar

cognitivamente em busca de argumentos persuasivos O meacutetodo segue por dois caminhos possiacuteveis

somente um dos quais se revela confiaacutevel enquanto que o outro eacute uma virtualidade que tem que ser

levada em conta sob pena de confundir duas noccedilotildees que jamais devem ser confundidas (pelo pensar

cognitivo epistecircmico) ser e natildeo ser ou como ele diz 23a ἔστιν e 25a οὐκ ἔστιν Trata-se de um

143

meacutetodo cognitivo

Dado este meacutetodo cognitivo se consegue extrair dele que

61a χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι

Esta eacute a tese de Parmecircnides como justamente afirma Cordero o qual traduz com um

impressionante es necessaacuterio decir y pensar que siendo se eacutes Esta tese natildeo eacute a repeticcedilatildeo do

primeiro caminho aquele da persuasatildeo que acompanha a verdade mas eacute o primeiro resultado da

aplicaccedilatildeo do meacutetodo descrito no fragmento 2 Parmecircnides passa a aplicar o meacutetodo e o primeiro

resultado eacute exatamente que assim como τό γε μὴ ἐὸν natildeo podia ser dito nem conhecido da mesma

maneira e pela mesma razatildeo o que eacute literalmente o que estaacute sendo deve ser dito e pensado

(cognitivamente) O motivo dessa necessidade eacute o que resulta da aplicaccedilatildeo do meacutetodo 61b ἔστι

γὰρ εἶναι ser eacute possiacutevel (em 23b natildeo ser era impossiacutevel οὐκ ἔστι μὴ εἶναι) enquanto que 62a

μηδὲν δ οὐκ ἔστιν o nada natildeo eacute (e em 23a simplesmente eacute simplesmente ἔστιν) Haacute uma simetria

complementar entre o verso 23 e a sua reafirmaccedilatildeo em 61b-62a ali o ser era afirmado e o natildeo

ser impossiacutevel aqui o ser eacute dito possiacutevel e o natildeo ser (nada) eacute negado Vemos assim o primeiro

exemplo de como o meacutetodo persuade eacute necessaacuterio dizer e pensar (cognitivamente) que o que estaacute

sendo eacute porque ndash eis a persuasatildeo o argumento ndash por um lado ser eacute possiacutevel e por outro lado nada

natildeo eacute

Como dissemos esta eacute a tese de Parmecircnides e eacute esta tese geneacutetica das demais que apareceratildeo

no fragmento 8 que a deusa comanda afirmar 62b τά γ ἐγὼ φράζεσθαι ἄνωγα Muitas vezes

dissemos e aqui reaparece de forma literal a deusa comanda que seja proclamado que soacute se pode

fazer um discurso epistecircmico a respeito do que eacute Do jeito dele Parmecircnides potildee na boca da deusa

a proclamaccedilatildeo de um princiacutepio universal o ἐὸν eacute a ἀρχή do mundo Isto seraacute articulado amplamente

no fragmento 8 mas antes disso Parmecircnides discutiraacute esse primeiro ponto em comparaccedilatildeo com as

144

ideias correntes e explicaraacute quais satildeo os erros dos mortais e quais as providecircncias necessaacuterias para

natildeo repeti-los Entatildeo no verso seguinte a deusa retoma focirclego e sugere ao disciacutepulo de seguir o

curso de aprendizagem primeiro teraacute de aprender os uacutenicos caminhos de pesquisa ao pensar e

depois deveraacute aprender a reconhecer o caminho errado Mas para a criacutetica do comeccedilo do seacuteculo

XX surgiu um problema que passamos a tratar e espero a resolver

432 Os versos 64 πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltgt

433 αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς

Estes versos natildeo apresentariam nenhum problema de interpretaccedilatildeo se um acaso histoacuterico natildeo

os houvesse transformados numa fonte de muitos mal-entendidos 195 Recentemente a causa

195Na ediccedilatildeo DK dos fragmentos a palavra entre aspas ltεἴργωgt eacute uma conjectura de Diels a preencher uma lacuna em

todos os manuscritos conhecidos de Simpliacutecio de onde foi retirada essa citaccedilatildeo A traduccedilatildeo com a conjectura de

Diels resulta ser a seguinte primeiro desta via de pesquisa te afasto e depois da outra (na qual os mortais etc)

A deusa parece alertar o disciacutepulo de que ele deve se afastar de duas vias primeiro uma e depois a outra nas quais

os mortais etc Em resumo e evitando toda a explicaccedilatildeo filoloacutegica se a deusa pede para o disciacutepulo se afastar de

duas vias e se haacute uma via que eacute a certa fazendo as contas o total resulta em trecircs vias as quais na simplificaccedilatildeo

didaacutetico-mnemocircnica acabaram recebendo o nome respectivamente de via do ser do natildeo ser e do ser e natildeo ser A

polecircmica se esvazia se se retira a conjectura arbitraacuteria e errada de Diels e se se reestabelece o entendimento de que

as vias satildeo duas a via da persuasatildeo e a via natildeo percorriacutevel do natildeo eacute Mas essas duas vias geram trecircs

comportamentos a) o homem instruiacutedo segue a primeira b) o homem instruiacutedo leva em conta e por isso evita a

segunda c) os mortais seguem a segunda afinal confundindo ser e natildeo ser Com isto fica claro que haacute um equiacutevoco

entre nuacutemero de vias e nuacutemero de maneiras de usaacute-las Palmer afirma que jaacute Platatildeo tinha identificado trecircs vias

aludindo a Repuacuteblica 5 476e-477b ldquoIn this case the structure of the argument at Republic 5476e-477b strongly

suggest that Plato saw Parmenides as distinguishing three separate pathsrdquo (Palmer 1999 p 40-41) mas eu concordo

com Hermann (2011 p 149 n 51) que afirma que que estas trecircs possibilidades correspondem mais a uma visatildeo

de Platatildeo do que a uma intenccedilatildeo de Parmecircnides Os mortais seguem uma terceira maneira um terceiro

comportamento natildeo uma terceira via Natildeo haacute terceira via elas satildeo soacute duas que usadas corretamente geram a noccedilatildeo

de contradiccedilatildeo a ser usada com proveito no caminho de inqueacuterito no entanto a segunda via quando eacute percorrida

(quando os mortais acham que a estatildeo percorrendo) gera um outro comportamento que em relaccedilatildeo aos dois

comportamentos do homem instruiacutedo (seguir uma e abandonar a outra) pode ser contado como um terceiro

comportamento Penso que natildeo vale a pena se aprofundar nesta confusatildeo restando apenas a questatildeo da conjectura

que pode substituir aquela de Diels Foram propostas algumas a principal das quais me parece ser aquela de

Cordero o estudioso que descobriu e evidenciou a impropriedade da conjectura de Diels Cordero propotildee um

ltἄρξειgt iniciaraacutes Seja para noacutes suficiente esta conjectura jaacute que nosso foco estaacute em outros pontos de forma que

possamos seguir adiante

145

principal dos desentendimentos foi identificada e os versos deixaram de apresentar problemas

Considerando que estes versos satildeo uma mera passagem sem nenhum interesse especiacutefico podemos

aceitar os argumentos de Cordero e preencher a lacuna com ltἄρξειgt iniciaraacutes que oferece entatildeo

este sentido aos versos primeiro iniciaraacutes por este caminho de pesquisa e depois por aquelerdquo

Assim podemos agora completar o sentido do inteiro fragmento o qual agora se apresenta claro agrave

interpretaccedilatildeo

ldquo eacute necessaacuterio dizer e pensar cognitivamente que o ente eacute pois ser eacute possiacutevel

e o nada natildeo eacute Estas coisas te ordeno que proclames

Primeiro por esta via de inqueacuterito ltiniciaraacutesgt

e depois por aquela outra que os mortais que nada sabem

forjam duplas cabeccedilas pois a falta de recursos em suas

mentes conduz operaccedilotildees cognitivas errantes sendo levados

como surdos e cegos perplexos massas sem criteacuterio

que consideram ser e natildeo ser o mesmo

e natildeo o mesmo e que de tudo haacute contra-direccedilatildeo de caminhordquo

A conclusatildeo principial a partir da aplicaccedilatildeo principial do meacutetodo eacute que o que estaacute sendo eacute

(ἐὸν ἔμμεναι) Esta tese cosmoloacutegica eacute obtida pelo meacutetodo exposto no fragmento 2 segundo o

qual ser eacute possiacutevel e nada natildeo eacute esta eacute a primeira via O disciacutepulo tem que seguir esta via mas

ao mesmo tempo tem que conhecer o comportamento dos mortais que acreditando seguir a outra

ndash isto eacute acreditando que quando pensam e dizem natildeo eacute se referem a algo ndash acabam forjando uma

via que de fato eacute impercorriacutevel completamente e natildeo leva a nada pois o nada natildeo eacute (μηδὲν δ οὐκ

ἔστιν) ela eacute apenas uma virtualidade O que faz com que os mortais se aventurem pelo caminho

impossiacutevel eacute uma falta de recursos em suas mentes Qual eacute o recurso que falta aos mortais Penso

que natildeo outro candidato a natildeo ser o meacutetodo exposto no fragmento 2 Eacute ele que permite distinguir

entre ser e natildeo ser e perceber que eles natildeo satildeo simeacutetricos mas radicalmente opostos Embora a

palavra natildeo esteja presente diretamente no texto por oposiccedilatildeo podemos dizer que o meacutetodo de

146

Parmecircnides eacute uma μηχᾰνή um artifiacutecio que permite realizar algo Parmecircnides diz neste fragmento

que o artifiacutecio tem como propoacutesito realizar a distinccedilatildeo entre ser e natildeo ser pois as massas sem

criteacuterio confundem ser e natildeo ser e suas mentes acabam sendo levadas ao inveacutes de levar a pesquisa

pelo caminho (argumento) persuasivo que acompanha a verdade

434 O fragmento 7 Os versos 1 e 2

Passamos agora completar a leitura do fragmento 7 interpretando os restantes dois versos

que natildeo foram discutidos anteriormente Naquela ocasiatildeo embora estiveacutessemos fazendo uma

interpretaccedilatildeo seletiva do vocabulaacuterio psicoloacutegico no poema e embora no verso 72 temos uma

palavra estritamente psicoloacutegica νόημα a tarefa natildeo pudera ser completada porque como agora jaacute

sabemos as noccedilotildees implicadas natildeo satildeo auto-evidentes e tivemos que fazer um esforccedilo

hermenecircutico para fazecirc-las emergir Vamos entatildeo ao texto

ldquoοὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῆι εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημαrdquo

A traduccedilatildeo em si natildeo oferece complicaccedilotildees maiores muito mais complicado eacute enteder o sentido

destas palavras e sua mensagem filosoacutefica que a todos intrigou desde a antiguidade principalmente

a Platatildeo que a cita no Sofista e a considera como motivo suficiente para justificar um parriciacutedio

filosoacutefico Jaacute tivemos oportunidade de analisar o primeiro verso no primeiro capiacutetulo Vamos

retomar aquela discussatildeo e comeccedilar traduzindo literalmente

Natildeo prevaleccedila (οὐδαμῆι) jamais (μήποτε) isto (τοῦτο) ser os natildeo entes

Tu poreacutem desta via de inqueacuterito afasta o pensamento

O verso 2 indica que se trata de um dos caminhos de inqueacuterito aquele do qual eacute necessaacuterio

se manter afastados porque eacute impercorriacutevel trata-se do segundo caminho que no fragmento 2 ele

147

chamou de παναπευθέα e que aqui eacute referido no uacuteltimo trecho do verso que os natildeo entes sejam

Esta proposiccedilatildeo eacute absurda portanto jamais prevaleceraacute mas levando em conta que haacute a

possibilidade de confusatildeo (ἄκριτα φῦλα) o disciacutepulo teraacute que manter seu pensamento (operaccedilotildees

cognitivas da mente) afastado desse caminho196 Vamos reduzir o verso agrave sua semacircntica essencial

assim como o apresentamos no primeiro paraacutegrafo eacute impossiacutevel (natildeo prevaleccedila jamais) que os natildeo

entes sejam Alguns autores aproveitam essa passagem para afirmar que Parmecircnides usa como

sinocircnimos ἐὸν e ἐόντα indiferentemente no singular e no plural Eu penso que a expressatildeo aqui eacute

teacutecnica e quer se referir ao ἔλεγχον ἐξ ἐμέθεν ῥηθέντα a prova por mim exposta de 7-56 De fato

o mesmo seraacute encontrado mais adiante (87-8 οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν natildeo

permitirei dizer e pensar que seja dos natildeo entes) a respeito de uma discussatildeo especiacutefica que estava

no centro dos interesses dos pensadores dessa eacutepoca a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo O sentido geral eacute

que pela impossibilidade dos natildeo entes virem a ser a geraccedilatildeo natildeo pode se dar isto eacute por natildeo ser

possiacutevel uma passagem do nada ao ser a geraccedilatildeo eacute impossiacutevel Se assim for esse sentido teacutecnico

de μὴ ἐόντα vem de encontro agraves recentes tentativas de reordenar os fragmentos do poema a partir

de uma nova valutaccedilatildeo da doxa isto eacute da segunda parte do poema Nesse caso uma parte das

afirmaccedilotildees referentes ao mundo fiacutesico (astronomia e biologia) deveriam ser colocadas antes do

fragmento 7 e supostamente seria a estas afirmaccedilotildees que a deusa quer se referir quando diz ldquoas

provas por mim expostasrdquo

196 Nussbaum considera a questatildeo do ponto de vista da convenccedilatildeo cultural comparando o texto parmenidiano com

uma descriccedilatildeo retirada das Nuvens de Aristoacutefanes ldquoThe strong conventionalist by his claim that we can do

(believe) otherwise means that we can choose to adopt other conventions Parmenides means something stronger

still that we can choose to do without convention altogether we can become in thought wholly other than we are

The poems use of the language of religious initiation is not simply decorative but fundamental to its meaning By

the use of human reason we are to be converted away from our humanityrdquo (Nussbaum 1979 p 79)

148

Portanto seguindo para o verso 2 a deusa alerta que o disciacutepulo natildeo deve argumentar

(estruturar a reflexatildeo da pesquisa) seguindo essa linha de reflexatildeo onde ldquoos natildeo entes satildeordquo pois

significaria fazer uma equivalecircncia entre ser e natildeo ser fato rejeitado pela reflexatildeo do natildeo ser pelo

preceito da deusa pelo meacutetodo obtido pelo resultado alcanccedilado no princiacutepio coacutesmico que afirma

que ldquoeacute necessaacuterio pensar e dizer que o ser (o que estaacute sendo ἐόν) eacuterdquo Por esta razatildeo o disciacutepulo

deve cuidar de natildeo cair nas malhas do pensamento errocircneo que se forma pelo haacutebito o qual forccedila

(βιάσθω) uma maacute utilizaccedilatildeo dos sentidos e por outro lado o haacutebito tambeacutem acaba impelindo a

julgar pelo discurso (pela seduccedilatildeo da retoacuterica) Segundo essa recente interpretaccedilatildeo ndash com a qual eu

concordo ndash de κρῖναι δὲ λόγωι nos encontrariacuteamos finalmente diante de uma expressatildeo referida a

uma persuasatildeo que natildeo acompanha a verdade Assim como haacute o caminho de persuasatildeo que

acompanha a verdade isto eacute aquele caminho que gera discursos persuasivos segundo a persuasatildeo

verdadeira assim tambeacutem haacute o caminho (forjado pelos mortais) que produz discursos persuasivos

natildeo acompanhados de feacute verdadeira (πίστις ἀληθής) Por que estes discursos persuasivos sem feacute

verdadeira convencem Porque por um lado os mortais natildeo dispotildeem da mechane mas por outro

lado eles satildeo forccedilado por sua cultura tanto por percepccedilotildees natildeo isentas de distorccedilotildees culturais

quanto pelo discurso sedutor o qual dada a autoridade do orador pretende prescindir de criteacuterios

de verificaccedilatildeo externos ao discurso Parmecircnides sugere que o discurso natildeo seja julgado por criteacuterios

internos ao discurso mas por uma mechaneacute externa o meacutetodo que ele propotildee

Vemos assim de quantas maneiras Parmecircnides estaacute explicando seu meacutetodo pela meditaccedilatildeo

inicial pela estruturaccedilatildeo de uma maneira coerente (conexa) de pensar pela afirmaccedilatildeo de um

priciacutepio (archeacute) cosmoloacutegico pela criacutetica agrave gnoseologia do homem comum e pela criacutetica cultural agrave

cultura tradicional que prefere seguir a persuasatildeo de discursos tradicionais ao inveacutes de discutir as

afirmaccedilotildees pelo preceito que a deusa ofereceu Chegamos portanto ao momento em que cabe a

149

ele expor a cosmologia segundo o preceito da deusa ele o faz no fragmento 8 que noacutes analisaremos

a seguir

44 A aplicaccedilatildeo do meacutetodo

Parmecircnides aplica seu meacutetodo no longo fragmento 8 um texto riquiacutessimo cujo estudo daacute

espaccedilo para muitos enfoques e muitas discussotildees para cada enfoque A nossa premissa eacute que natildeo

faremos um estudo exaustivo do fragmento 8 mas tatildeo somente daquelas partes do fragmento

atinentes ao natildeo ser e somente nos aspectos pertinentes a este tema Reportaremos trecho a trecho

as partes a serem estudadas e indicaremos tambeacutem quais partes seratildeo deixadas de lado

Antes de entrar no meacuterito dos versos conveacutem fazer uma ilustraccedilatildeo panoracircmica do trecho

Tarefa em princiacutepio bastante difiacutecil porque por serem estes os versos onde Parmecircnides expotildee sua

concepccedilatildeo de ser eacute dos mais estudados o que implica ndash dado o estado do texto as condiccedilotildees de

transmissatildeo o assunto e a forma como eacute abordado ndash uma amplificaccedilatildeo maacutexima por parte dos

estudiosos das ambiguidades de todo tipo que o escrito apresenta Em suma uma apresentaccedilatildeo

panoracircmica implicaria uma interpretaccedilatildeo e esta deveria ser justificada agrave frente das vaacuterias e bem

fundamentadas interpretaccedilotildees dos estudiosos Este problema pode ser contornado recorrendo a um

trabalho precioso e original que realmente excele pela lucidez da anaacutelise Trata-se de ldquoLa structure

du poeme de Parmeacuteniderdquo de Livio Rossetti texto inteiramente dedicado a desvendar e tornar clara

a arquitetura de exposiccedilatildeo do poema A ele recorremos para identificar a particcedilatildeo dos assuntos neste

longo fragmento e principalmente porque ele evidencia a sua estrutura demonstrativa Diz Rossetti

(p 208)

ldquo[] chegou a hora para a deusa de Parmecircnides de expor a conclusatildeo doutrinal

(μόνος δ ἔτι μῦθος ὁδοῖο λείπεται) Noacutes podemos ver claramente que esta conclusatildeo ndash

150

autecircntico cliacutemax de todo o primeiro logos ndash se divide na afirmaccedilatildeo peremptoacuteria ldquoque eacuterdquo a

passagem em revista dos cinco (ou seis) semata relativos agrave caracteriacutesticas do eon e logo

em seguida o iniacutecio de um itineraacuterio soberbo de demonstraccedilatildeo Os semata tecircm o estatuto

de demonstranda (o ser eacute ageneton anolethron oulomeles atremes e ateleston) e a

exposiccedilatildeo segue um desenvolvimento que reflete a sucessatildeo dos demonstranda parando

com a ecircnfase apropriada sobre a alternativa fundamental apresentando um uso recorrente

e natildeo habitual da conjunccedilatildeo gar no duplo sentido de because (ldquop eacute dado que qrdquo) e de then

(ldquose tudo isto eacute verdade entatildeo eacute verdade tambeacutem que prdquo) e dando lugar a algumas

expressotildees que se aproximam de modo significativo do claacutessico quod erat demonstrandum

dos matemaacuteticosrdquo197

Esse aspecto do rigor da exposiccedilatildeo ateacute agora fora apenas timidamente apontado por parte

de alguns criacuteticos e pelo que eu sei cabe a Rossetti o meacuterito de evidenciar esse vocabulaacuterio Vamos

entatildeo com a ajuda dele ver mais de perto estas palavras e as subseccedilotildees do fragmento que elas

marcam198

197Rossetti 2010 p 208 ldquo[] le moment eacutetait venu pour la deacuteesse de Parmeacutenide drsquoen tirer la conclusion doctrinale

(μόνος δ ἔτι μῦθος ὁδοῖο λείπεται) Nous pouvons voir clairement que cette conclusion ndash authentique climax de

tout le premier logos ndashse divise en lrsquoaffirmation peacuteremptoire laquo que est raquo le passage en revue des cinq (ou six)

semata relatifs aux caracteacuteristiques de lrsquoeon et tout de suite apregraves le commencement drsquoun superbe itineacuteraire

deacutemonstratif Les semata ont le statut de demonstranda (lrsquoecirctre est ageneton anolethron oulomeles atremes et

ateleston) et lrsquoexposeacute se poursuit par un deacuteveloppement qui reflegravete la succession des demonstranda srsquoarrecirctant avec

lrsquoemphase convenable sur lrsquoalternative fondamentale preacutesentant un emploi reacutecurrent et inhabituel de la conjonction

gar au double sens de because (laquo p eacutetant donneacute que q raquo) et de then (laquo si tout cela est vrai alors il est vrai aussi que

praquo) et faisant mecircme place agrave des expressions qui se rapprochent de faccedilon significative du classique quod erat

demonstrandum des matheacutematiciensrdquo 198Ibidem ldquoLes expressions qui eacutequivalent au QED sont les suivantes

Alors (οὕτως) il est neacutecessaire qursquoil soit complegravetement ou qursquoil ne soit pas du tout helliphelliphelliphellip B811

Il est deacutecideacute donc (κέκριται δ οὖν) que lrsquoune des deux ltoptionsgthellip tandis que lrsquoautrehellip B816-18

Et ainsi (τὼς) la naissance est eacutelimineacutee agrave lrsquoeacutegal de la mort obscure B821

En vertu de quoi (τῶι) il est tout entier continu en effet lrsquoecirctre srsquoattache agrave lrsquoecirctre B825

En vertu de quoi (τῶι) seront des noms toutes ces choseshellip B838-39

Non moins significativement apregraves chacun de ces eacutenonceacutes formant la conclusion de chaque deacutemonstration

apparaissent des formules de transition indiscutablement paratactiques qui de toute eacutevidence servent agrave ouvrir la

voie agrave un nouvel itineacuteraire deacutemonstratif [Seguem as citaccedilotildees em grego]rdquo

151

ldquoAs expressotildees que equivalem ao QED satildeo as seguintes

Assim (οὕτως) eacute necessaacuterio que seja completamente ou que de todo naotilde seja B

811

Estaacute decidido portanto (κέκριται δ οὖν) que uma das duas ltopccedilotildeesgt

hellip enquanto a outra B

816-18

E assim (τὼς) o nascimento eacute eliminado igualmente agrave morte obscura B

821

Em virtude de que (τῶι) eacute todo inteiro continuo com efeito o ser adere ao ser B

825

Em virtude de que (τῶι) seratildeo nomes todas estas coisas B

838-39

Natildeo menos significativamente depois de cada um desses enunciados que formam a

conclusatildeo de alguma demonstraccedilatildeo aparecem umas foacutermulas de transiccedilatildeo indiscutivelmente

parataacuteticas que com toda evidecircncia servem a abrir o caminho a um novo itineraacuterio demonstrativo

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος κτλ (B812)

τοῦ εἵνεκεν (B813)

πῶς δ ἂν ἔπειτα πέλοι (B819)

οὐδὲ οὐδὲ οὐδὲ (B822-24)

αὐτὰρ ἀκίνητον μεγάλων κτλ (B826)

αὐτὰρ ἐπεὶ πεῖρας πύματον (B842)

Apoacutes essa breve panoracircmica focada a evidenciar a estrutura argumentativa podemos ir aos

primeiros versos do fragmento 8 na ediccedilatildeo de Diels-Kranz (81-6)

μόνος δ ἔτι μῦθος ὁδοῖο

λείπεται ὡς ἔστιν ταύτηι δ ἐπὶ σήματ ἔασι

πολλὰ μάλ ὡς ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν

152

ἐστι γὰρ οὐλομελές τε καὶ ἀτρεμὲς ἠδ ἀτέλεστον199

οὐδέ ποτ ἦν οὐδ ἔσται ἐπεὶ νῦν ἔστιν ὁμοῦ πᾶν

ἕν συνεχές

Depois de tudo que foi dito ateacute agora o primeiro verso ateacute a primeira metade do segundo

deveria ser claro ldquoresta ainda uma uacutenica palavra do caminho que eacuterdquo O caminho que deve ser

seguido eacute aquele apresentado em 23 mas aqui numa versatildeo reduzida talvez numa expressatildeo

meramente didaacutetica resta somente uma palavra do caminho (de pesquisa para operar

cognitivamente) ldquoque eacuterdquo Exceto o nosso acreacutescimo entre parecircnteses este eacute o sentido geral que

todo estudioso aceita mas haacute divergecircncias quanto agraves liccedilotildees transmitidas agrave sintaxe e tambeacutem quanto

ao sentido mais preciso das expressotildees principalmente em relaccedilatildeo a μῦθος que pode ser traduzido

de vaacuterias maneiras embora aqui chamando agrave memoacuteria o outro uso que Parmecircnides faz (B 21)

tem mais o sentido de discurso fala noticia

82b-6a Os proacuteximos versos satildeo muito problemaacuteticos jaacute pela transmissatildeo do texto satildeo os

versos mais corrompidos de todo o poema Fazer uma anaacutelise minimamente satisfatoacuteria requer um

trabalho minucioso de comparaccedilatildeo entre os (muitos) doxoacutegrafos entre as variantes de cada

doxoacutegrafo e entre as correccedilotildees dos editores Aqui este trabalho natildeo nos ajuda no nosso tema porque

estes versos satildeo o anuacutencio dos sinais do eon que seratildeo demonstrados no resto do fragmento esta

parte pode ser considerada uma apresentaccedilatildeo ou um iacutendice ou segundo Rossetti uma apresentaccedilatildeo

dos demonstranda e natildeo entram no meacuterito da aplicaccedilatildeo do meacutetodo de Parmecircnides Damos entatildeo o

sentido geral com algumas poucas consideraccedilotildees O sentido geral eacute este ldquosobre o caminho haacute

199Este eacute o termo reportado por Diels-Kranz

153

muitas provas200 de que sendo (ἐὸν) ingecircnito eacute tambeacutem impereciacutevel pois eacute inteiro inabalaacutevel e

completo nem era nem seraacute pois eacute todo homogecircneo uno contiacutenuo Sobre o caminho do ἔστιν haacute

muitas provas (σήματα) as quais provam os atributos de algo este algo dependendo da

interpretaccedilatildeo que se daacute agraves palavras ὡς ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν (1) pode estar presente

como sujeito expliacutecito e neste caso se traduziria ldquoo que eacuterdquo201 eacute ingecircnito e incorruptiacutevel etc ou

(2) pode se entender o sujeito como impliacutecito (sujeito que eacute o proacuteprio ἐὸν e que apareceraacute mais

adiante em 819) e traduzir sendo ingecircnito eacute tambeacutem incorruptiacutevel etc Noacutes preferimos a segunda

alternativa pois ressalta mais a estrutura rigorosa da argumentaccedilatildeo parmenidiana haacute muitas provas

de que sendo ingecircnito eacute tambeacutem incorruptiacutevel No entanto neste caso os σήματα natildeo satildeo mais os

atributos listados nos primeiros 5 versos do fragmento 8 como traduz a interpretaccedilatildeo tradicional202

200 σῆμα eacute propriamente o sinal dos oraacuteculos mas enquanto sinal pode significar muitas coisas aqui a meu ver

significa mais sinal de certificaccedilatildeo (LSJ ldquo5 token by which any onersquos identity or commission was certifiedrdquo) isto

eacute mais propriamente em Parmecircnides prova (LSJ σημεῖον = σῆμα II 2 in reasoning a sign of proof) De fato

embora este sentido esteja registrado somente depois de Parmecircnides (como reportado no LSJ) jaacute estaacute presente em

Melisso o qual usa sem duacutevida um vocabulaacuterio parmenidiano (Galgano 2010 p 91 e passim) de forma muito

clara no fr 81 onde diz ldquo(1) Eacute pois esse argumento a mais importante prova (σημεῖον) de que (o ser) eacute apenas

um mas tambeacutem (haacute) as seguintes provas (σημεῖα)rdquo (Trad Borges I L)

Segundo Imbraguglia o uso de vocabulaacuterio eacutepico para noccedilotildees certamente novas como aquela de

ldquodemonstraccedilatildeordquo pode ser assim explicado ldquoParmecircnides usa teacutecnicas [de escrita] que satildeo proacuteprias da cultura

sacerdotal e da nobreza [hellip] Original eacute o uso por parte de Parmecircnides a liacutengua do poieteacutes natildeo eacute mais usada para

transportar o ouvinte do ambiente linguiacutestico do cotidiano para atmosfera encantada do eacutepos mas para se expressar

de um modo o mais possiacutevel formalizado e a linguagem e as teacutecnicas linguiacutesticas do oraacuteculo servem para realizar

verdadeiros caacutelculos loacutegicosrdquo (Inbraguglia 1974 p 9-10 n 5)

Por esta razatildeo eu penso que esteja corretto McKiraham quando diz ldquo Eacute opiniatildeo geral que os sinais satildeo os

atributos listados nestas linhas Mas Parmecircnides natildeo diz que haacute muitos sinais incluindo ldquoingecircnitordquo ldquoimpereciacutevelrdquo

etc Ao inveacutes disso ele diz que haacute muitos sinais de que o-que-eacute eacute ingecircnito impereciacutevel etc A afirmaccedilatildeo faz mais

sentido se entendermos os ldquosinaisrdquo como os argumentos que indicam (eu diria provam) que o-que-eacute tem os

atributos em questatildeordquo (McKirahan 2008 p 221 n 9)

Para um aprofundamento da noccedilatildeo de prova (rigorosa) na linguagem preacute-euclideana veja-se a discussatildeo dos

termos em Szabo 1970 185 201Literalmente o que estaacute sendo que em portuguecircs pode ser traduzido com o ente do latim ens eacutentis forjado como

particiacutepio presente de sum (Houaiss verbete ente) desde que ente seja entendido no seu sentido mais geral isto

eacute absoluto diferentemente da noccedilatildeo corrente a qual costuma ser referida a um ente relativo 202O entendimento de que os σήματα satildeo os atributos eacute quase unanimidade entre os comentadores mais antigos Burnet

(tokens) Cornford Diels (1897) Gigon Guthrie Jaeger Zafiropulo mais recentemente Mourelatos Ruggiu

154

mas satildeo as demonstraccedilotildees que se seguem ao longo do fragmento 8

441 Ἐὸν eacute ingecircnito e impereciacutevel

O primeiro dos σήματα apresentado por Parmecircnides correspondente ao primeiro dos

atributos eacute a natildeo geraccedilatildeo Em sua eacutepoca saber da origem das coisas significava conhecer as

coisas 203 conhecer sua natureza iacutentima ou simplesmente sua natureza como se expressa

claramente no sentido da palavra φύω que originariamente significava simplesmente existir ser e

que soacute sucessivamente passou a significar crescer O fato de ser o primeiro dos atributos e de

receber proporcionalmente mais atenccedilatildeo do que os outros potildee em evidecircncia toda a importacircncia

deste assunto para Parmecircnides e como noacutes sabemos para os demais pesquisadores da eacutepoca

Tendo entatildeo em mente a discussatildeo da eacutepoca a respeito dos princiacutepios e das origens de todas

as coisas como contexto intelectual no qual inserir esta prova podemos entender sua importacircncia

histoacuterica repleta de consequecircncias para todo o pensamento sucessivo Vamos entatildeo ao texto

τίνα γὰρ γένναν διζήσεαι αὐτοῦ

πῆι πόθεν αὐξηθέν οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω

φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν οὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν

ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστι τί δ ἄν μιν καὶ χρέος ὦρσεν

ὕστερον ἢ πρόσθεν τοῦ μηδενὸς ἀρξάμενον φῦν

οὕτως ἢ πάμπαν πελέναι χρεών ἐστιν ἢ οὐχί

Taraacuten e outros Contra Cerri 1999 ldquoargomentazioni cogentirdquo p 214 Cordero 2005 ldquopruebas (para no decir

ldquodemonstracionesrdquo)rdquo p 193 203Eacute Aristoacuteteles que recolhe e formaliza (e em sua proacutepria filosofia desenvolve) esse autecircntico alicerce da cultura

grega quando afirma entre inuacutemeras outras passagens em sua obra ldquoὅτι μὲν οὖν ἡ σοφία περί τινας ἀρχὰς καὶ

αἰτίας ἐστὶν ἐπιστήμη δῆλονrdquo (Eacute evidente que a sabedoria eacute uma ciecircncia a respeito de certos princiacutepios e certas

causas) Metaph 982a

155

86b-7a O texto abre com duas perguntas que geraccedilatildeo pois procuraraacutes dele Como de

onde teria crescido Muitos dos inteacuterpretes entendem que satildeo perguntas retoacutericas que a deusa

refutaraacute por reductio ad absurdum204 Eu penso que a forma poeacutetica natildeo deve desviar nossa atenccedilatildeo

pois como vimos Parmecircnides usa a linguagem eacutepica para formalizar sua expressatildeo205 Penso

entatildeo que estas perguntas satildeo a formalizaccedilatildeo do problema da origem (archeacute) isto eacute satildeo o problema

inicial de onde parte a pesquisa parmenidiana Veremos em breve como reconstruir o argumento

mas por enquanto temos (1) a enunciaccedilatildeo da tese e (2) a formulaccedilatildeo do problema inicial a pergunta

que desencadeia a pesquisa

87b-8a Duas afirmaccedilotildees colocadas depois de duas perguntas parecem mesmo duas

respostas do natildeo ente (ἐκ μὴ ἐόντος) natildeo permitirei (οὐδ ἐάσσω) que digas e pense pois natildeo

diziacutevel nem pensaacutevel eacute o que natildeo eacute A deusa diz com voz imperativa que ela natildeo permitiraacute que se

diga e pense que se tenha geraccedilatildeo e crescimento desde o natildeo ente Haacute aqui o enunciado de uma lei

universal sob forma de uma lei proclamada por voz divina natildeo eacute permitido dizer e pensar que a

origem venha do natildeo ser Mas a deusa natildeo para no simples preceito ela continua e acrescenta uma

justificaccedilatildeo haacute um motivo para a sua proibiccedilatildeo e consiste no fato de que o natildeo eacute natildeo pode ser dito

e nem pensado Noacutes jaacute conhecemos o sentido de οὐκ ἔστι e tambeacutem de φάσθαι similar ao de

φράσαις de 28 e de νοεῖν similar ao de γνοίης de 27 pois os encontramos com as mesmas noccedilatildeo

e circunstacircncias no fr 2 Conveacutem poreacutem fazer uma pausa para refletir a respeito de um tema

204Cordero 2005 p 195 ldquoseudocuestionamentordquo Mourelatos 2008 p 98 ldquorethorical questionrdquo Robinson 1975 p

628 ldquoputative questionrdquo Ruggiu 1975 p 240 ldquointerrogativa retoricardquo 205Coxon relembra ldquoThese opening questions resemble and perhaps echo the conventional Homeric greeting τίς

πόθεν εἶς ἀνδρῶν πόθι τοι πόλις ἠδὲ τοκῆες [lsquoWho are you and from where Where is your city your parentsrsquo]rdquo

(Coxon p 317)

156

raramente abordado pelos estudiosos dedicados a Parmecircnides trata-se da questatildeo da posiccedilatildeo do

natildeo ser nas cosmovisotildees contemporacircneas e anteriores a Parmecircnides Faremos desta reflexatildeo um

intermezzo e voltaremos depois aos nossos versos

442 Intermezzo O natildeo ser na experiecircncia do devir

A expressatildeo da deusa eacute interessante Se de fato ela estaacute ensinando a respeito da gecircnese das

coisas agrave pergunta ldquoo que daria origem ao enterdquo ela responde ldquonatildeo permito que digas e pense que

seja o natildeo ser a dar origem ao enterdquo A singularidade da resposta consiste no fato de introduzir um

elemento culturalmente novo o natildeo ser Mas se esse elemento eacute novo por que o kouros deveria

possivelmente dizer e pensar o natildeo ser Ele faria isto se ele tivesse o natildeo ser como opccedilatildeo de

resposta Em outras palavras a proibiccedilatildeo da deusa implica que o disciacutepulo conheccedila ou use o ldquonatildeo

serrdquo Parmecircnides criticara antes (fr 6 e 7) a atitude dos mortais os quais misturam ser e natildeo ser

mas naquele caso se tratava claramente da operatividade das noccedilotildees dentro da coerecircncia do

discurso Aqui estaacute se falando da geraccedilatildeo do eon e culturalmente natildeo se justifica em princiacutepio a

hipoacutetese de um natildeo ser enquanto entidade cosmoloacutegica capaz de possivelmente dar geraccedilatildeo ao

ser Nas cosmogonias e cosmologias gregas natildeo se encontra uma noccedilatildeo de negatividade absoluta

geradora de algo aliaacutes natildeo se encontra nenhum conceito tatildeo abstrato nem negativo e nem positivo

os conceitos principiais satildeo sempre materializados e ou divinizados mais ou menos

monstruosamente ou antropomorficamente

Diante de tal estranheza buscou-se a noccedilatildeo de natildeo ser fora da Greacutecia Natildeo haacute nada similar

nas religiotildees e sabedorias mediterracircneas e meacutedio-orientais mas haacute uma passagem muito similar

em textos indianos Numa das Upanixades mais antigas a Chāndogya Upaniṣad se encontra um

157

texto muito similar ao texto parmenidiano (retraduzo de traduccedilatildeo italiana)

ldquo1 No iniacutecio meu caro natildeo havia nada mais que o ser [sat] uacutenico e sem segundo Na

verdade outros dizem No iniacutecio havia o natildeo ser [a-sat] uno e sem segundo deste natildeo ser

nasceu o ser 2 Poreacutem como poderia ser assim meu caro Como pode o ser nascer do natildeo

ser Na verdade eacute o ser o qual existia no iniacutecio das coisas o ser somente e sem segundordquo206

A semelhanccedila com o texto dos versos 86-8 de Parmecircnides eacute impressionante Tomou o eleata

suas ideias da sabedoria indiana Inspirou-se nela De prima facie somos tentados a responder que

sim Todavia com essa aceitaccedilatildeo os problemas historiograacuteficos aumentam ao inveacutes de diminuir

Antes de tudo a questatildeo especiacutefica da influecircncia indiana sobre Parmecircnides se coloca dentro da

questatildeo maior da influecircncia do oriente em geral sobre a cultura e portanto sobre a filosofia grega

tema espinhosiacutessimo e longe de estar resolvido apoacutes quase dois seacuteculos de debates Depois mesmo

nos limitando apenas a Parmecircnides os estudiosos divergem West acha que Parmecircnides eacute

supervalorizado pois ele tem menos originalidade de que se lhe atribui por pertencer a um

panorama cultural comum natildeo soacute na Greacutecia como na aacuterea mediterracircnea como um todo207 Alguns

artigos mais recentes embora mais criacuteticos do que West agrave influecircncia oriental parecem reconhecer

ao menos a semelhanccedila da problemaacutetica filosoacutefica Suto208 mais prudentemente afirma que um

intercacircmbio no VI sec aC era historicamente possiacutevel e ateacute provaacutevel e que haacute muitas

correspondecircncias temaacuteticas entre assuntos especiacuteficos de Parmecircnides (ser e natildeo ser e suas relaccedilotildees

206Chāndogya Upaniṣad 6II traduccedilatildeo italiana Filippani-Ronconi 1960 207Para ele a influecircncia indiana eacute um fato histoacuterico que aconteceu entre 550 e 480 aC Quando os Persas invadindo

as costas das colocircnias jocircnicas trouxeram consigo ldquoo presente dos reis magosrdquo isto eacute as influecircncias das culturas

meacutedio-orientais e orientais Por isso ele pensa que estas influecircncias natildeo devem ter alcanccedilado Parmecircnides via

pitagorismo mas deve ter sido mesmo heranccedila cultural vinda dos pais e dos foceanos em geral que a sofreram

antes de afinal emigrar fugindo da guerra (West 1971 p 287-269) 208Scuto 2010

158

com o mundo da natureza) e os texto religiosos e filosoacuteficos indianos anteriores ao VI seacuteculo aC

jaacute Ruzsa209 apoacutes uma anaacutelise bastante exaustiva chega a estimar as probabilidades matemaacuteticas

dos dois autores (Parmecircnides e o autor da Chāndogya Upaniṣad em questatildeo Uddālaka Āruṇi) ter

tratado temas similares independentemente 001 (1 chance em 1000) isto leva agrave conclusatildeo da

dependecircncia entre os textos restando definir se Parmecircnides tomou de Uddālaka Āruṇi ou vice-

versa o autor opta pela influecircncia indiana sobre o grego

Os problemas historiograacuteficos satildeo muitos antes de tudo os problemas de dataccedilatildeo

principalmente dos textos indianos em relaccedilatildeo aos quais haacute muito desacordo entre os estudiosos

Depois o problema de perspectiva pois natildeo basta afirmar que o Ser eacute um para configurar uma

afirmaccedilatildeo filosoacutefica ao inveacutes de uma religiosa ou ateacute mesmo de uma expressatildeo esteacutetica resultado

de alguma experiecircncia subjetiva Certamente e apesar da opiniatildeo de West o texto de Parmecircnides

eacute profundamente inovador natildeo soacute em relaccedilatildeo agrave cultura grega avanccedilada de sua eacutepoca como tambeacutem

em relaccedilatildeo agraves proacuteprias Upaniṣad em questatildeo210 de onde supostamente ele teria aprendido a

sabedoria de que fala em seu poema Por outro lado o estudo das influecircncias culturais em eacutepocas

arcaicas depende de disciplinas que escapam ao labor filosoacutefico principalmente dedicado aos

209Ruzsa 2002 210Ruzsa op Cit p 4 ldquoThere are also two really significant innovations in Parmenides logic and the number of

formsrdquo Gostaria de acrescentar para esclarecer que o fato de que Parmecircnides use a loacutegica natildeo significa que

enquadrou as ideias a respeito de ser e natildeo ser dentro de uma metodologia linguiacutestica que chamamos loacutegica mas

significa que Parmecircnides ndash mesmo que tenha tomado as ideias emprestadas das Upanixades ou de qualquer outro

mito grego (e natildeo podia ser diferente pois natildeo se consegue inventar uma cultura ex-novo) ndash reconsiderou refletiu

e visualizou-as numa nova ordem (weltanschaung) tarefa esta das mais radicais na atividade filosoacutefica Ou seja a

novidade natildeo eacute a loacutegica na qual Parmecircnides encaixa ser e natildeo ser mas a reflexatildeo filosoacutefica sobre ser e natildeo ser a

qual gerou a loacutegica (melhor seria dizer a ontologia) implicada filosoficamente naquelas noccedilotildees e exposta atraveacutes

de uma elaboraccedilatildeo (que viraacute a ser chamada de reflexatildeo filosoacutefica ou seja uma reflexatildeo especiacutefica com

caracteriacutesticas autocircnomas em relaccedilatildeo a outros tipos de reflexatildeo por exemplo a reflexatildeo artiacutestica) original que de

fato influenciou profundamente a histoacuteria humana primeiro do ocidente e depois tambeacutem do oriente

159

textos assim aqueles estudos avanccedilaratildeo na medida do avanccedilo de estudos arqueoloacutegicos em todas

as ramificaccedilotildees e das tecnologias capazes de resolver os problemas colocados pelo filtro do tempo

Infelizmente as aacutereas envolvidas nestes estudos arqueoloacutegicos ndash desde a Turquia ateacute a Iacutendia ndash

continuam devassadas por infindaacuteveis conflitos violentos de toda natureza deixando-nos ceacuteticos a

respeito da aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos em curto ou ateacute meacutedio prazos

Voltando agrave expressatildeo da deusa parece claro que o kouros inclui entre as possibilidades de

respostas aquela de que seja o natildeo ser um princiacutepio gerador Penso que este seja um ponto obscuro

uma aacuterea de sombra que emergiu ao longo da presente pesquisa e que natildeo foi possiacutevel esclarecer

Restam entatildeo as perguntas em quais contextos culturais (gregos ou natildeo) se aceitava a possibilidade

que o natildeo ser tivesse a capacidade de gerar Esta possibilidade era uma possibilidade teoacuterica

elaborada em acircmbito cientiacutefico ou se referia apenas agrave opiniatildeo comum naif de que no fluxo do

acontecer as coisas simplesmente aparecem (do nada) Se era uma noccedilatildeo teoacuterica poderia ter um

antecedente no ἄπειρον de Anaximandro noccedilatildeo inteiramente negativa embora de certa forma

menos abstrata que o οὐκ ἔστιν parmenidiano Se Parmecircnides se referia agrave noccedilatildeo comum agrave

experiecircncia corriqueira (mas justamente por isto muito menos visiacutevel) entatildeo ele foi um observador

mais do que extraordinaacuterio hipoacutetese de uma perspicaacutecia que natildeo pode ser descartada mas que se

apresenta realmente difiacutecil de lhe creditar Seja como for resta o fato de que Parmecircnides analisa os

princiacutepios possiacuteveis da geraccedilatildeo incluindo entre eles o natildeo ser como alternativa aparentemente jaacute

presente na cultura da eacutepoca Sem ter alcanccedilado resultados satisfatoacuterios sobre esse assunto

voltamos agora ao argumento do poema

87b-8a Retomada Das duas afirmaccedilotildees a proibiccedilatildeo da deusa e sua justificaccedilatildeo somente

uma eacute a resposta agraves duas perguntas julgadas a meu ver erradamente retoacutericas pelo criacuteticos A outra

eacute afirmaccedilatildeo do instrumento argumentativo que vai ser usado para responder A tese eacute (1) o eon eacute

160

ingecircnito e impereciacutevel o problema ao qual esta tese responde eacute (2) de onde nasce o eon o

instrumento para resolver o problema eacute (3) o preceito que foi descrito no fragmento 2 ldquonatildeo diziacutevel

nem pensaacutevel eacute o que natildeo eacuterdquo e finalmente a primeira das vaacuterias respostas ao problema ldquonatildeo

permitirei que digas e pense que seja o natildeo serrdquo (οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν)

Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo tem que ser desdobrada da seguinte forma por um lado o natildeo ser natildeo eacute de

onde nasce o eon e por outro lado o natildeo ser natildeo pode ser usado no argumento (pensamento

cognitivo e discurso) porque ele eacute uma noccedilatildeo sem sentido Portanto a sequecircncia deve ser entendida

assim

(1) tese o eon eacute ingecircnito e impereciacutevel (83 ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν)

(2) problema de onde eacute gerado o eon (86-7 τίνα γὰρ γένναν διζήσεαι αὐτοῦ πῆι

πόθεν αὐξηθέν)

(3) axioma da contradiccedilatildeo ldquonatildeo diziacutevel nem pensaacutevel eacute o que natildeo eacuterdquo (88-9 οὐ γὰρ

φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστι)

(4) axioma da natildeo contradiccedilatildeo ldquonatildeo eacute permitido dizer e pensar o natildeo serrdquo isto eacute usar o

natildeo ser no argumento (87-8 οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν) logo

(5) Conclusatildeo o eon natildeo nasce do natildeo ser (87 οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος) o que confirma a tese (1)

89-13 O crescimento

τί δ ἄν μιν καὶ χρέος ὦρσεν

ὕστερον ἢ πρόσθεν τοῦ μηδενὸς ἀρξάμενον φῦν

οὕτως ἢ πάμπαν πελέναι χρεών ἐστιν ἢ οὐχί

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος ἐφήσει πίστιος ἰσχύς

γίγνεσθαί τι παρ αὐτό

Encontramos agora mais uma pergunta e mais uma vez a maioria dos estudiosos pensa que

161

seja retoacuterica ldquoSe vem do nada (μηδενὸς) qual necessidade o incitaria a crescer antes ou depoisrdquo

Concordo com os criacuteticos quando dizem que haacute nessas palavras a implicaccedilatildeo daquilo que seraacute

conhecido como princiacutepio da razatildeo suficiente Mas discordo quando elas satildeo interpretadas apenas

como uma questatildeo de crescimento simples eu diria quantitativo do eon Penso ao contraacuterio que

estas palavras estatildeo analisando um aspecto que muitos julgam ausente a possibilidade da geraccedilatildeo

a partir do ser Antes Parmecircnides analisou a possibilidade do nascimento a partir do natildeo ser e agora

estaacute verificando a possibilidade do nascimento a partir do ser Os adveacuterbios antes e depois

significam que o eon natildeo pode ter um antes e depois entre entes natildeo tanto em sentido cronoloacutegico

quanto em sentido sequencial por exemplo o ser da planta natildeo pode nascer do ser da semente

porque mais uma vez uma suposta diferenccedila entre o ser da semente e o ser da planta faria com

que o ser da planta nascesse depois do ser da semente e nascesse de um natildeo ser da planta isto eacute

do nada Se haacute uma diferenccedila de ser entre o ser de um ente e o ser de outro ente esta diferenccedila

seria um natildeo ser Isto significa que se o ser de um ente desse origem a outro ser ele daria origem

ao ser que ele natildeo eacute o ser que ele natildeo eacute seria um natildeo ser mas isto eacute impossiacutevel Seguindo no

exemplo se o ser da semente desse origem ao ser da planta isto implicaria que o ser da semente

daria origem a um natildeo ser da semente pois pereceria enquanto ser da semente e tambeacutem que o

ser da planta teria origem em um natildeo ser da planta Mas como jaacute foi visto para Parmecircnides natildeo

faz sentido introduzir o natildeo ser nos argumentos de fato pelos preceitos da deusa o ser eacute

inteiramente ser e o nada eacute aquela alternativa considerada inicialmente possiacutevel mas afinal

impossiacutevel e contraditoacuteria Entatildeo se o ser viesse do ser teriacuteamos o ser que gera que pereceria para

dar geraccedilatildeo ao ser gerado o ser gerado de certa forma viria de novo do nada mas o nada eacute

impossiacutevel logo o ser natildeo vem do ser Voltando ao texto temos

(1) a tese o eon eacute ingecircnito e impereciacutevel (83 ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν)

162

(2) o problema qual razatildeo impeliria o ente comeccedilando do nada a crescer antes ou depois

(89-10 τί δ ἄν μιν καὶ χρέος ὦρσεν ὕστερον ἢ πρόσθεν τοῦ μηδενὸς ἀρξάμενον φῦν)

(3) axioma da contradiccedilatildeo pois o ser eacute inteiramente ou natildeo eacute (811 οὕτως ἢ πάμπαν πελέναι

χρεών ἐστιν ἢ οὐχί)

(4) axioma da natildeo contradiccedilatildeo a forccedila da convicccedilatildeo natildeo permitiraacute a partir do que natildeo eacute (812

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος ἐφήσει πίστιος ἰσχύς)

(5) Conclusatildeo que possa nascer algo ao seu lado (813 γίγνεσθαί τι παρ αὐτό) isto eacute natildeo eacute

do ser que nasce o ser

813-21 Recapitulaccedilatildeo e conclusatildeo do argumento

Com os versos seguintes ateacute o 21 Parmecircnides recapitula e reafirma a coerecircncia do

meacutetodo

τοῦ εἵνεκεν οὔτε γενέσθαι

οὔτ ὄλλυσθαι ἀνῆκε Δίκη χαλάσασα πέδηισιν

ἀλλ ἔχει ἡ δὲ κρίσις περὶ τούτων ἐν τῶιδ ἔστιν

ἔστιν ἢ οὐκ ἔστιν κέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη

τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής

ἔστιν ὁδός) τὴν δ ὥστε πέλειν καὶ ἐτήτυμον εἶναι

πῶς δ ἂν ἔπειτ ἀπόλοιτο ἐόν πῶς δ ἄν κε γένοιτο

εἰ γὰρ ἔγεντ οὐκ ἔστ(ι) οὐδ εἴ ποτε μέλλει ἔσεσθαι

τὼς γένεσις μὲν ἀπέσβεσται καὶ ἄπυστος ὄλεθρος

Antes de tudo nos versos 13-15 eacute reafirmada a feacuterrea ligaccedilatildeo (πέδηισιν) entre as supostas

partes do eon Haacute uma forccedila divina (universal) que manteacutem amarrados os grilhotildees entre as partes

e natildeo os solta mas os segura firmemente Assim como a deusa dizia em 87 ldquonatildeo permitireirdquo

(οὐδἐάσσω) que se diga e pense que o eon nasccedila do natildeo ser assim aqui eacute uma deusa desta vez

Dike que numa expressatildeo de necessidade universal impedindo nascimento e perecimento (οὔτε

γενέσθαιοὔτ ὄλλυσθαι ἀνῆκε Δίκη) manteacutem firme (ἀλλ ἔχει) a coerecircncia do ser

163

Depois nos versos 15 e 16a eacute reafirmado o preceito da contradiccedilatildeo desta vez em chave

enxutamente ontoloacutegica da qual podemos extrair por conseguinte os preceitos loacutegico e

epistemoloacutegico O molde ontoloacutegico eacute claro e eacute anterior aos loacutegico e epistemoloacutegico porque

Parmecircnides expressa essa nova formulaccedilatildeo do preceito da deusa a partir de uma reflexatildeo sobre o

ser real e natildeo sobre o ser loacutegico como vimos ao analisar o fragmento 2 Aqui depois da dupla

argumentaccedilatildeo a respeito do eon ndash que eacute o ser real (ou ao menos ele acredita que seja) e natildeo uma

entidade loacutegica ndash onde satildeo demostradas as impossibilidades do nascimento tanto do ser quanto do

natildeo ser e do perecimento (a respeito do qual direi algo daqui a pouco) resulta claro que se trata de

um ser que teria a possibilidade de ser visto como gerador e gerado assim como de fato eacute visto

pelos mortais Parmecircnides demonstra que este eon real natildeo possui as caracteriacutesticas que lhe satildeo

atribuiacutedas assim o eon parmenidiano natildeo eacute uma entidade loacutegica mas eacute o ser real e as afirmaccedilotildees

a seu respeito satildeo de ordem ontoloacutegica A decisatildeo (ἡ κρίσις) a respeito dessas coisas consiste nisso

ou eacute ou natildeo eacute Esta formulaccedilatildeo eacute como bem salienta Cordero211 o nosso atual princiacutepio do terceiro

excluiacutedo Entretanto Parmecircnides quer se referir ao eon e natildeo a um princiacutepio loacutegico Ele repropotildee

a meditaccedilatildeo inicial e diz haacute duas vias uma eacute ἔστιν e a outra eacute οὐκ ἔστιν as duas satildeo

irreconciliaacuteveis radicalmente opostas e natildeo podem ser assimiladas a nenhuma terceira

possibilidade Isto significa que elas natildeo se misturam natildeo se encontram natildeo comerciam e ademais

se rejeitam reciprocamente a presenccedila do ser eu ipso elimina o natildeo ser e se o natildeo ser se

apresentasse o ser natildeo seria (Parmecircnides diraacute mais adiante ldquode tudo careceriardquo) Aqui Parmecircnides

211Cordero 2005

164

apresenta natildeo apenas o princiacutepio do terceiro excluiacutedo mas o fundamento ontoloacutegico do princiacutepio

do terceiro excluiacutedo natildeo haacute uma terceira possibilidade entre o ser (real) e o nada

Logo dada a natildeo conciliabilidade das duas vias natildeo eacute possiacutevel seguir as duas se teraacute que

seguir uma ou outra mas a segunda eacute impensaacutevel e inominaacutevel (ἀνόητον ἀνώνυμον) pois natildeo eacute

verdadeira via (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν ὁδός) logo eacute decisatildeo necessaacuteria (κέκριται hellip ὥσπερ ἀνάγκη)

que seja abandonada O fato de que aqui em 817 eacute a via que eacute impensaacutevel o natildeo o τό μὴ ἐὸν sobre

a via como em 27 levou alguns autores a transpor a expressatildeo do fr 8 para o contexto do fr 2

chegando assim agrave conclusatildeo de que a via eacute pensaacutevel ou impensaacutevel fazendo da ὁδός o sujeito do

ἔστιν de 23 e do οὐκ ἔστιν de 25212 Eu penso que aqui em 817 estamos diante de uma

recapitulaccedilatildeo e ἔστιν e οὐκ ἔστιν jaacute se tornaram uma simplificaccedilatildeo didaacutetica de todo um

procedimento complexo explicado anteriormente neste sentido didaacutetico ndash mas somente neste

sentido didaacutetico ndash ἔστιν e οὐκ ἔστιν significam o processo de pensamento e portanto significam

tambeacutem as vias e toda a reflexatildeo anexa com os sentidos especiacuteficos para noein e para gignosko ali

utilizados Neste sentido didaacutetico a via impensaacutevel eacute abandonada afinal soacute resta a outra via que

existe (τὴν δ ὥστε πέλειν) e eacute verdadeira (καὶ ἐτήτυμον εἶναι)

Finalmente eacute recapitulado o problema como o eon pereceria depois Como nasceria E

pelas argumentaccedilotildees anteriores aqui recapituladas se relembra que se nasceu teria uma origem

impossiacutevel (no natildeo ser) e portanto natildeo seria por outro lado se natildeo eacute agora mas seraacute depois

aconteceria o mesmo Este uacuteltimo ponto gerou controveacutersias tratarei dele logo a seguir (p XX)

Chega-se assim agrave conclusatildeo do argumento a geraccedilatildeo eacute extinta e o perecimento eacute inaudito

212Casertano 1978 Untersteiner 1979

165

(ἄπυστος)

822-60 As caracteriacutesticas do eon a conclusatildeo dos discursos sobre a verdade e a

perspectiva dos mortais que de seu ponto de vista enxergam duas formas

Nos proacuteximos versos Parmecircnides argumenta a respeito de vaacuterias caracteriacutesticas do eon

Embora haja uma referecircncia agrave feacute verdadeira que afastou geraccedilatildeo e perecimento (827 ἀπῶσε δὲ

πίστις ἀληθής) isto eacute ao argumento apresentado nos versos anteriores a estrutura demonstrativa

se articula pouco apenas extraindo como corolaacuterios as caracteriacutesticas do eon das afirmaccedilotildees e

preceitos anteriormente apresentados Esta referecircncia se repete com palavras um pouco diferentes

no verso 850 (ἐν τῶι σοι παύω πιστὸν λόγον ἠδὲ νόημα ἀμφὶς ἀληθείης) Aleacutem da referecircncia agrave feacute

verdadeira haacute referecircncias agraves figuras divinas de Ananke (830) explicitamente associada a uma lei

universal (832 οὕνεκεν οὐκ ἀτελεύτητον τὸ ἐὸν θέμις εἶναι) e de Moira (837) como o mesmo

papel de manter a coesatildeo do eon

Mais adiante ainda Parmecircnides volta a contrapor as caracteriacutesticas do eon obtidas por seu

argumentar que ele considera confiaacutevel agraves caracteriacutesticas do mundo obtidas pelo argumentar dos

mortais que ele considera natildeo confiaacutevel De fato ele finaliza seu estudo com estas consideraccedilotildees

gerais a respeito dos resultados de sua pesquisa principalmente em contraposiccedilatildeo com os

resultados dos mortais Assim a partir do verso 850 a deusa declara concluiacutedo os discursos

fidedignos e o pensamento sobre a verdade e se dedica a expor as opiniotildees dos mortais segundo

uma ordem de palavras controversa

Como se sabe os problemas exegeacuteticos dessas passagens satildeo muitos e geram muacuteltiplas

soluccedilotildees amplamente divergentes entre os estudiosos por outro lado o nosso assunto eacute a

argumentaccedilatildeo parmenidiana e natildeo as caracteriacutesticas do eon e as demais partes do poema logo natildeo

166

precisamos entrar nem mesmo panoramicamente nas grandes polecircmicas que envolvem os

proacuteximos versos Encerramos entatildeo a nossa anaacutelise do fragmento 8 com um resumo e com algumas

consideraccedilotildees a respeito dos resultados obtidos

A ontologia parmenidiana

A proposta parmenidiana eacute francamente ontoloacutegica Parmecircnides estreia esse tipo de reflexatildeo

a ontologia exatamente com uma meditaccedilatildeo sobre a maacutexima dimensatildeo do existente Penso que

seja necessaacuterio levar isto em conta para se entender esses versos do fr 8 e para entender o tipo de

raciociacutenio que eacute utilizado Vejam-se por exemplo as consideraccedilotildees de um criacutetico que dedicou um

bom trabalho a este fragmento Richard McKirahan Diz ele ldquoTodos os argumentos contra geraccedilatildeo

e perecimento (86-20) explicam a geraccedilatildeo do que-eacute a partir do que-natildeo-eacute e o perecimento como

perecimento do que-eacute no que-natildeo-eacute natildeo haacute nada contra a geraccedilatildeo do que-eacute a partir do que-eacute ou o

perecimento do que-eacute no que-eacute ou seja nada contra uma coisa que-eacute se tornar outrardquo E na nota a

estas palavras complementa ldquoTambeacutem nada contra [o fato de] muitas coisas se tornarem uma

(como quando taacutebuas e pregos se tornam uma cama) ou contra uma coisa se tornar muitas (como

quando noacutes desmontamos uma cama) ou contra casos desse tipo ainda mais complicadosrdquo213 Natildeo

eacute difiacutecil se deixar levar pelo raciociacutenio loacutegico e com ele considerar impropriamente um raciociacutenio

ontoloacutegico Parmecircnides raciocina de forma ontoloacutegica e por alguma razatildeo sem receio algum

213McKirahan 2008 ldquoAll the arguments against generation and perishing (86-20) construe generation as generation

of what-is out of what-is-not andperishing as perishing of what-is into what-is-not there is nothing against the

generation of what-is out of what-is or the perishing of what-is into what-is that is nothing against one thing

becoming anotherrdquo (p 220) A nota diz ldquoAlso nothing against several things becoming one (as when boards and

nails become a bed) or against one thing becoming several (as when we disassemble a bed) or against other mor

complicated cases of this sortrdquo (p 229)

167

(expliacutecito) de enfrentar as aporias dessa maneira de argumentar214

Pelo raciociacutenio ontoloacutegico uma taacutebua para ficar no exemplo de McKirahan eacute um fato

existencial absoluto e jamais pode se tornar uma cama uma cama natildeo pode jamais se tornar uma

soma incoerente de componentes e quando ela eacute desmontada ela natildeo deixa de existir porque a

cama eacute um fato existencial absoluto assim como cada ente de nosso mundo Para dar um exemplo

com entes dos quais eacute mais faacutecil identificar o aspecto ontoloacutegico uma operaccedilatildeo de 2+3=5 embora

nos pareccedila uma transformaccedilatildeo (eacute a razatildeo pela qual usamos um vocaacutebulo de movimento operaccedilatildeo)

eacute uma associaccedilatildeo de 2 e de 3 segundo um tipo de associaccedilatildeo que chamamos soma que resulta num

5 Os entes do mundo sensiacutevel em seu status ontoloacutegico natildeo diferem enquanto entes (natildeo

enquanto sensiacuteveis) dos entes inteligiacuteveis e assim como depois operaccedilatildeo 2+3=5 se continua tendo

um 2 um 3 e um 5 assim tambeacutem numa operaccedilatildeo taacutebuas+pregos=cama uma vez concluiacuteda a

operaccedilatildeo se continuaraacute tendo taacutebuas pregos e cama tanto quanto se tinha antes embora ainda natildeo

se tinha a noccedilatildeo da existecircncia (o noema diria Parmecircnides) daquela cama especiacutefica

Por isso no argumento do crescimento este soacute seria (como hipoacutetese) possiacutevel a partir do natildeo

ser natildeo haacute do ponto de vista ontoloacutegico um crescimento de taacutebuas e pregos numa cama o que haacute

eacute um processo que noacutes chamamos devir e que desde Parmecircnides aguarda uma explicaccedilatildeo melhor

do que aquela comum de ldquotransformaccedilatildeordquo215 Parmecircnides evidencia que os entes cada um e o todo

deles atendem a um preceito que opotildee radicalmente o ser e o nada porque haacute uma impossibilidade

214 Como a histoacuteria seguinte mostrou as palavras de Parmecircnides satildeo motivo de angustia profunda que deixou

desnorteados ateacute os mais eminentes filoacutesofos do pensamento ocidental mas ele proacuteprio nada relata da anguacutestia

suscitada por estas aporias 215Eacute o termo geneacuterico e comum associado ao devir O que se aguarda eacute a descriccedilatildeo de um processo de devir que

preserve o status ontoloacutegico da imutabilidade de cada ente (Cf com o proacuteximo capiacutetulo)

168

de se negar o ser Esse preceito impede que ao lado de um ente no nosso exemplo a taacutebua nasccedila

(cresccedila) um outro ente a cama porque este viria do nada Assim se um ente (um o que-eacute na

expressatildeo de McKirahan) gerasse outro (um o que-eacute+algo novo que-eacute) o elemento novo por ter

autonomia ontoloacutegica absoluta teria que vir do nada

Discordo entatildeo de McKirahan e dos muitos que natildeo encontram o argumento contra o devir

do que-eacute para o que-eacute A argumentaccedilatildeo estaacute laacute sob o nome de crescimento aquela φύσις (810 φῦν)

que resultaraacute transfigurada para sempre apoacutes Parmecircnides O mesmo deve ser dito em relaccedilatildeo ao

perecimento Perecer significaria ontologicamente deixar um buraco de natildeo ser encastoado num

mar de ser mas o natildeo ser eacute impossiacutevel Se algo cresce algo que era antes de crescer perece ndash

como seria o caso de dizer seguindo a rigor o exemplo de McKirahan a respeito do prego da cama

o qual agora natildeo eacute mais um prego mas uma parte da cama ou num exemplo mais claro a semente

perece para dar espaccedilo agrave planta ou a crianccedila ao adulto216 O crescimento implica eu ipso o

perecimento logo eliminando o crescimento se elimina tambeacutem o perecimento pois o

crescimento de algo implica que algo mais pereceu Dito de outra forma se considerarmos o

processo nos termos colocados por McKirahan ou seja como ldquobecomingrdquo devir entatildeo sempre

que algo se transforma em outro algo sempre que algo deveacutem o processo de devir transforma o

que-eacute naquilo que-natildeo-eacute (mais) e ao mesmo tempo passa a ser outro que-eacute ou seja em outros

termos o transformando deixa de existir (perece) em favor do transformado o qual passa a existir

Vecirc-se portanto que Parmecircnides argumenta dentro de uma ordem ontoloacutegica de ideias aplicada aos

216Este tema jaacute se encontra enfrentado em Anaximandro o qual atribui ao tempo a justa distribuiccedilatildeo entre aparecer e

desaparecer

169

conceitos jocircnicos anteriores onde nascimento e morte se apresentam simultaneamente alternando

os entes segundo a ordem do tempo

Deixando para o proacuteximo capiacutetulo uma discussatildeo mais geral sobre o natildeo ser resta aqui

ressaltar o rigor da construccedilatildeo parmenidiana com a articulaccedilatildeo da argumentaccedilatildeo em dois

momentos ndash geraccedilatildeo e perecimento a partir do nada e para o nada e geraccedilatildeo e perecimento a partir

do ser e para o ser ndash configurando o primeiro exemplo historicamente documentado de uma

estrutura argumentativa soacutelida e coerente que apresenta o problema a tese da soluccedilatildeo o meacutetodo

de soluccedilatildeo e o resultado que coincidindo com a tese eacute acompanhado de uma expressatildeo muito

similar na forma e praticamente idecircntica no espiacuterito ao QED das demonstraccedilotildees rigorosas

sucessivas

No proacuteximo capiacutetulo seraacute possiacutevel concluir a investigaccedilatildeo a respeito do Parmecircnides

psicoacutelogos que deixamos em suspenso no primeiro capiacutetulo pela falta das noccedilotildees relativas ao

pensar expostas neste capiacutetulo Sucessivamente conduziremos uma discussatildeo geral sobre a noccedilatildeo

de natildeo ser que emergiu nas anaacutelises aqui realizadas para afinal concluir com algumas

consideraccedilotildees gerais

170

5 O PRECEITO DA DEUSA

51 O natildeo ser em Parmecircnides

Parmecircnides inventou217 a noccedilatildeo de natildeo ser218 O percurso que ele seguiu para alcanccedilar essa

noccedilatildeo eacute reportado em seu poema natildeo de forma totalmente expliacutecita mas com uma riqueza de

detalhes suficiente para reconstrui-lo Trata-se de uma meditaccedilatildeo trata-se de uma reflexatildeo sobre o

significado uacuteltimo da negaccedilatildeo do que eacute Para o realismo gnosioloacutegico tiacutepico dessas culturas negar

o ser de algo (sua existecircncia presenccedila local ou temporal) significa antes de tudo negar o ser fiacutesico

(e limitadamente a este acircmbito e natildeo aleacutem deve ser considerada a noccedilatildeo de natildeo ser presente nos

Vedas) Parmecircnides provavelmente partindo da noccedilatildeo de negaccedilatildeo fiacutesica deve ter levado agraves uacuteltimas

consequecircncias esse processo de negaccedilatildeo dos entes fiacutesicos mas certamente acrescentou a estes a

negaccedilatildeo dos entes de pensamento como se vecirc pelas vaacuterias expressotildees em seu poema equacionando

o pensamento com o ser e rejeitando a relaccedilatildeo do pensamento com o natildeo ser Levou o processo agraves

uacuteltimas consequecircncias porque este era o procedimento da cultura avanccedilada da eacutepoca ndash as filosofias

217Mesmo que ele tenha tomado esse conceito da cultura indiana a noccedilatildeo por ele elaborada estaacute muito aleacutem daquela

reportada pelos textos orientais como vimos no Intermezzo do cap 2 218Um panorama de interpretaccedilotildees sobre o natildeo ser de Parmecircnides pode ser encontrado em Hermann 2011 p 135-171

Este estudioso tambeacutem apresenta um estudo do natildeo ser de proporccedilotildees muito menores do que o nosso com o qual

poreacutem se pode concordar em linhas gerais Note-se por exemplo a mudanccedila proposta ao sujeito segundo ele impliacutecito

para DK B 23 e 25 e em todo caso o sentido geral das expressotildees enquanto em seu trabalho anterior (um excelente

estudo sobre pitagorismo e Parmecircnides Hermann 2004) ele traduzia ldquothe one that [states it as] IT IS and that it cannot

NOT BE [as it is]rdquo neste artigo de 2011 traduz the one that [reasons it] IS and that it cannot NOT BErdquo Esta segunda

traduccedilatildeo ligando as expressotildees ao argumentar o aproxima da nossa interpretaccedilatildeo no entanto como foi visto aqui

esta meditaccedilatildeo parmenidiana eacute de focirclego muito maior e o meacutetodo do argumento eacute apenas um dos resultados Ademais

aplicar esse verbo to reason eacute restritivo como se torna mais evidente em 25 onde ele fez a mesma substituiccedilatildeo pois

esti e ouk esti satildeo estruturas e natildeo funccedilotildees Elas podem ser usadas bem o mal em funccedilotildees de argumento mas elas

proacuteprias natildeo satildeo argumentos como vimos no primeiro paraacutegrafo do capiacutetulo 4 p 99 em diante

171

jocircnica e pitagoacuterica em ambas das quais ele foi instruiacutedo ndash que consistia na busca de uma noccedilatildeo

extrema e total da ordem do mundo extrema ao ponto de nela incluir os deuses De fato e embora

seja uma deusa a instruir o kouros parmenidiano estas suas pesquisas assim como aquelas de seus

colegas jocircnicos e pitagoacutericos se orientaram para explicaccedilotildees francamente naturalistas

prescindindo dos deuses e se sobrepondo agrave explicaccedilatildeo religiosa

Com extraordinaacuteria coragem (que hoje noacutes chamariacuteamos de) filosoacutefica aceitou o resultado

de suas reflexotildees e construiu uma doutrina metodoloacutegica extremamente coerente que ele natildeo

hesitou em sustentar mesmo quando ela o levou ao mais anti-intuitivo dos mundos um mundo

onde natildeo haacute mutaccedilatildeo Assim sem receio destes resultados que estavam em conflito com a

experiecircncia comum dos sentidos conseguiu consolidar uma noccedilatildeo rigorosa a noccedilatildeo de natildeo ser e

junto com a noccedilatildeo de ser iniciou um processo histoacuterico de pensamento a ontologia cuja vitalidade

se manteve ao longo de mais de dois milecircnios ateacute hoje e que representa uma das colunas portantes

naquele acircmbito cultural que chamamos de filosofia Curiosamente poreacutem a mensagem inicial de

Parmecircnides de certa forma se perdeu e se perdeu num detalhe importante A noccedilatildeo de natildeo ser foi

logo absorvida pela cultura a ele sucessiva e rendeu frutos tatildeo profundos quanto desnorteadores

que vatildeo desde os paradoxos zenonianos e gorgianos ateacute as discussotildees de Platatildeo sobre o devir e de

Aristoacuteteles sobre o principium firmissimum de natildeo contradiccedilatildeo passando pela filosofia

rigorosamente racionalista de Melisso provavelmente o filoacutesofo mais radical de toda a filosofia

ocidental Mas nessa absorccedilatildeo a noccedilatildeo de natildeo ser foi de certa forma entificada ndash comeccedilando pelo

proacuteprio Melisso219 ndash e se tornou a noccedilatildeo de um polo negativo ao qual opor o ser A oposiccedilatildeo se

219Ver Galgano 2010

172

tornou claacutessica e sobrevive tanto no imaginaacuterio cultural como por exemplo no famoso to be or not

to be de Shakespeare quanto nas foacutermulas e nas operaccedilotildees da logiacutestica com a oposiccedilatildeo hoje

contestada de vaacuterias maneiras de a e ~a

Parmecircnides poreacutem natildeo estabeleceu como fundamento uma oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser O

seu fundamento eacute outro de que a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser eacute apenas uma das consequecircncias

Neste ponto neste detalhe reside a passagem da histoacuteria do pensamento que escolheu evitar um

fosso saltando sobre ele ou construindo uma ponte isto eacute aquele abismo conceitual que leva agrave

negaccedilatildeo da mutaccedilatildeo e agrave rejeiccedilatildeo da experiecircncia dos sentidos Quem primeiro construiu essa ponte

sobre o abismo Talvez tenha sido Melisso involuntariamente talvez tenha sido Platatildeo

conscientemente poreacutem o que mais importa eacute que a histoacuteria do pensamento natildeo quis enfrentar esta

dificuldade (a famosa aporia eleaacutetica) e quando o fez obteve resultados filosoficamente pouco

consolidados e que se desfizeram sempre que o advento de novas instacircncias histoacutericas e culturais

pareciam ser mais atraentes do que o espinhoso contexto da aporia eleaacutetica220

Entretanto Parmecircnides natildeo teve receio de olhar para o abismo da aporia porque era para laacute

que suas pesquisas o levaram A forccedila daquela aporia vinha da posiccedilatildeo de uma necessidade um

imperativo irrenunciaacutevel o pocircr-se de uma impossibilidade incontornaacutevel Eacute este vigor que daacute

firmeza ao rigor do meacutetodo sucessivamente desenvolvido O iniacutecio do percurso parmenidiano

consiste numa impossibilidade feacuterrea eacute impossiacutevel que o ser seja negado Para Parmecircnides a

incompatibilidade primeira eacute entre natildeo e ser Este eacute o ponto que se perdeu ao longo do

220Tanto a filosofia cristatilde medieval quanto o umaneacutesimo e a filosofia moderna dos seacuteculos XVI a

XIX se apoiam sobre movimentos culturais que implicam a mutaccedilatildeo e rejeitam a natildeo mutaccedilatildeo

173

desdobramento da filosofia ocidental Com esta incompatibilidade ele construiu seu preceito

metodoloacutegico de natildeo contradiccedilatildeo mas o fundamento ndash a incompatibilidade entre natildeo e ser ndash eacute

muito mais principial do que o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo

O fundamento de Parmecircnides eacute a impossibilidade de negar o ente (ouk estin) Ao contraacuterio

de muitos estudiosos eu penso que esta impossibilidade natildeo estaacute baseada numa confusatildeo entre a

expressatildeo sintaacutetica negativa e a entificaccedilatildeo da proposiccedilatildeo sintaacutetica negativa (uma ontologizaccedilatildeo a

partir das potencialidades da liacutengua grega) tambeacutem discordo da interpretaccedilatildeo gnosioloacutegica de que

afinal Parmecircnides estaria dizendo que natildeo se pode ter um conhecimento daquilo que natildeo eacute

especificamente este ponto me parece bastante fraco porque de certa forma desqualifica o eleata

reduzindo-o a falar uma obviedade embora como dizem esses autores uma obviedade de certa

importacircncia

Ao afirmar a impossibilidade de negaccedilatildeo do ser Parmecircnides estaacute afirmando a dignidade

existencial de todo ser o que impotildee a impossibilidade de eliminar qualquer ser mesmo aquele que

se julga ndash de uma forma ou de outra ndash que deve ser eliminado Assim imediatamente impotildee uma

isonomia axioloacutegica existencial todo ser tem o mesmo valor existencial221 Se por um lado tal

isonomia pode eternizar o que julgamos merecedor de eternidade por outro lado eterniza tambeacutem

o que julgamos que eternidade natildeo mereccedila estilhaccedilando imediatamente toda nossa estrutura

221Este tema estaacute citado no Parmecircnides de Platatildeo e que eu saiba nunca foi reconduzido agrave filosofia

parmenidiana original Laacute onde Soacutecrates encontra dificuldade em atribuir eternidade agraves formas

mais umildes como a do barro o velho Parmecircnides responde que ele eacute ainda muito jovem e que

um dia se tornaraacute um grande filoacutesofo A personagem de Parmecircnides neste ponto eacute fiel agrave mensagem

filosoacutefica do poema Entretanto a isonomia axioloacutegica existencial do todo e de todas as coisas eacute

assunto ainda difiacutecil para a nossa cultura

174

ingecircnua de valores e obrigando a pensar o existente (o ser) numa ordem de mundo completamente

outra

Parmecircnides natildeo eacute totalmente expliacutecito sobre isto mas a sua admissatildeo da pluralidade das

coisas leva a pensar que pode estar sugerindo a natildeo mutaccedilatildeo de cada coisa Melisso rejeita esta

possibilidade porque diz que uma coisa se fosse eterna deveria ser tal qual a vimos da primeira

vez (um argumento similar seraacute usado mais tarde por Nietzsche para a mesma rejeiccedilatildeo) Mas

Melisso neste ponto de vista considera que uma coisa seja a mesma coisa quando submetida ao

fluxo da mutaccedilatildeo assim um ceacuteu claro que se torna nublado seria para Melisso o mesmo ceacuteu que

poreacutem aparentemente mudou mas a mutaccedilatildeo eacute impossiacutevel logo nossos sentidos nos enganam

Parmecircnides natildeo se expressa sobre isto mas sua capacidade de desafiar o senso comum natildeo pode

nos fazer excluir esta possibilidade isto eacute de que o que parece que seja a mutaccedilatildeo de um ente natildeo

eacute senatildeo a presenccedila de dois entes diversos no exemplo acima um ceacuteu claro eacute um ente e o ceacuteu

nublado eacute outro

Eu penso que Parmecircnides natildeo tenha alcanccedilado esta sofisticaccedilatildeo de anaacutelise que por exemplo

encontramos em Melisso O que o texto parmenidiano que sobreviveu parece indicar eacute um natildeo

aprofundamento analiacutetico deixando para a discussatildeo um territoacuterio imenso e virgem222 Talvez ele

222Num artigo dedicado ao fragmento 2 Berti consegue uma proeza aquela de juntar de uma soacute vez todas as criacuteticas a

Parmecircnides de Aristoacuteteles a Severino passando por Kant e Hegel Tudo comeccedila com uma leitura por assim dizer

analiacutetica as duas vias de Parmecircnides seriam disjuntivas Esta leitura infelizmente eacute comum e mesmo os maiores

estudiosos de Parmecircnides dizer que uma via elimina a outra Mas uma vez atribuiacutedo o pecado a Parmecircnides

surgem os vaacuterios salvadores Por exemplo seguindo a sugestatildeo de Lloyd Berti diz ldquoA proposiccedilatildeo contraditoacuteria em

relaccedilatildeo a lsquoeacute necessaacuterio que sejarsquo (primeira via) de fato natildeo eacute lsquoeacute necessaacuterio que natildeo sejarsquo (a segunda via de

Parmecircnides) mas lsquonatildeo eacute necessaacuterio que sejarsquordquo (Berti 2011 p 111) Assim as contraditoacuterias se tornam contraacuterias

e nesse caso natildeo podem ser as uacutenicas alternativas possiacuteveis incluindo entre elas a alternativa de que ambas as vias

podem ser falsas Obviamente esta uacuteltima conclusatildeo suscita as objeccedilotildees dos parmenidianos os quais apelam para

a concepccedilatildeo moniacutestica de Parmecircnides Berti entatildeo responde com uma passagem que quero reportar por inteiro

175

pudesse ter aceitado a elaboraccedilatildeo de Melisso talvez ateacute aquela de Goacutergias talvez tivesse aceitado

a interpretaccedilatildeo cinematograacutefica de Bergson223 mas natildeo aceitaria a versatildeo de Platatildeo e nem de

Aristoacuteteles porque certamente estin os te kai ouk estin me einai Entatildeo penso que natildeo conveacutem

espremer e constranger o texto parmenidiano dentro de noccedilotildees que o autor natildeo tinha e pela eacutepoca

nem podia ter Penso que ele tenha que permanecer em sua grandeza arcaica sem que lhe se negue

poreacutem a profundidade filosoacutefica de um discurso que embora pouco articulado para os nossos

padrotildees possui uma potencialidade culturalmente imensa e filosoficamente riquiacutessima reduzi-lo

a dizer trivialidades significa natildeo ter colhido a importacircncia seminal da conceituaccedilatildeo parmenidiana

origem de um percurso a ontologia que tem na relaccedilatildeo entre ser e natildeo ser o seu eixo portante

A impossibilidade eacute para Parmecircnides entre natildeo e ser O que mais precisamente significa

isto Significa que haacute uma estrutura cognitiva e discursiva a negaccedilatildeo que eacute expressatildeo da mente

e natildeo da realidade percebida eacute a mente que pelo uso incorreto da negaccedilatildeo produz interpretaccedilotildees

pois mostra claramente a confusatildeo que vem de usar categorias natildeo plausiacuteveis para o texto de Parmecircnides Diz Berti

ldquoMas dessa forma se acaba atribuindo a Parmecircnides a apresentaccedilatildeo de duas proposiccedilotildees contraacuterias como se fossem

contraditoacuterias isto eacute a confusatildeo entre contraacuterios e contraditoacuterios a qual eacute um erro de loacutegica natildeo somente do ponto

de vista aristoteacutelico Obviamente Parmecircnides natildeo lera o De interpretatione de Aristoacuteteles mas antes de lhe atribuir

simplesmente um erro de loacutegica seria necessaacuterio entender por qual motivo o cometeu o que o induziu a dizer o

que diz no fr 2 [hellip] O que enfim induz Parmecircnides a considerar as duas vias como contraditoacuterias isto eacute como

exclusivas de qualquer outra possibilidaderdquo (P 112) Haacute muitos pressupostos nestas palavras que levam a erros de

loacutegica 1) em nenhum lugar Parmecircnides diz que as vias satildeo exclusiva ele diz que soacute encontrou duas 2) em nenhum

lugar ele diz que as duas vias satildeo contraditoacuterias o que ele diz eacute que o natildeo ser eacute impensaacutevel e o uso desta

impossibilidade no discurso gera a contradiccedilatildeo 3) muito menos disse que satildeo contraacuterias 4) por conseguinte ele

natildeo cometeu nenhum erro de loacutegica Estas todas satildeo atribuiccedilotildees indevidas ao texto de Parmecircnides e procedendo

deste modo eacute fatal chegar agrave seguinte conclusatildeo ldquoSe esta eacute a razatildeo pela qual Parmecircnides opocircs entre elas as duas

vias entatildeo sinto muito mas natildeo eacute mais possiacutevel voltar a Parmecircnidesrdquo (115) Depois de ter passado por Kant e

Hegel ele chega a Severino com esta evocaccedilatildeo de um artigo importante ldquoVoltar a Parmecircnidesrdquo (Severino 1982)

como se Severino fosse um exegeta ou um estudioso de Parmecircnides natildeo o eacute ele apenas aproveita sugestotildees

parmenidianas para desenvolver sua proacutepria filosofia Em suma resulta difiacutecil penetrar o universo de ideias de

Parmecircnides se antes natildeo se depotildeem as defesas intelectuais que 2500 anos de aporia eleaacutetica foram capazes de

suscitar 223Bergson 2005 p 295

176

incoerentes do mundo Parmecircnides percebe que o que chamamos experiecircncia dos sentidos eacute o

resultado de um conjunto de impressotildees dos sentidos e tambeacutem de interpretaccedilotildees feitas pelo nosso

aparelho cognitivo A realidade enquanto considerada objeto de cogniccedilatildeo se potildee diante de nossos

oacutergatildeos de sensaccedilatildeo mas esta realidade posta eacute sempre positiva A negaccedilatildeo eacute uma interpretaccedilatildeo

cognitiva que parte de nosso aparelho de cogniccedilatildeo Se percebo a positividade de um ceacuteu claro e

depois a positividade de um ceacuteu nublado a nossa cogniccedilatildeo interpreta o primeiro e o segundo ceacuteu

como que em continuidade temporal e ao mesmo tempo o claro e o nublado como que em

descontinuidade temporal O segundo ceacuteu parece entatildeo o mesmo que o primeiro enquanto o claro

do ceacuteu primeiro ldquose tornardquo o nublado do segundo ceacuteu No entanto o ceacuteu enquanto claro eacute uma

positividade tanto quanto o ceacuteu enquanto nublado Ambos os ceacuteus satildeo positividades e enquanto

positividades natildeo aceitam a negaccedilatildeo Se se afirma que o ceacuteu nublado natildeo eacute claro entatildeo se afirma

uma impossibilidade ontoloacutegica isto eacute que um positivo seja negativo

Partindo de uma hipoteacutetica experiecircncia pura 224 natildeo desviada pelas impressotildees de

continuidade (e portanto de descontinuidade) temporal a realidade eacute sempre positiva

mergulhando esta experiecircncia dentro da interpretaccedilatildeo do nosso aparelho cognitivo com suas

funccedilotildees que a elaboram ndash em primeiro lugar a funccedilatildeo da memoacuteria ndash e a reconduzem a uma imagem

refletida entatildeo temos as experiecircncias de continuidade e ruptura temporais de passagem do natildeo ser

224Aqui natildeo haacute referecircncia a Kant embora tenha sido o proacuteprio Kant a denunciar o fato de que o princiacutepio de natildeo-

contradiccedilatildeo involve o tempo indevidamente ldquoHaacute poreacutem uma foacutermula deste princiacutepio famoso embora destituiacutedo

de qualquer conteuacutedo e apenas formal que conteacutem uma siacutentese que se misturou com ele por descuido e sem

necessidade alguma Diz assim eacute impossiacutevel que alguma coisa seja e natildeo seja ao mesmo tempo [hellip] Ora o princiacutepio

de contradiccedilatildeo enquanto simples princiacutepio loacutegico natildeo deve restringir as suas asserccedilotildees a relaccedilotildees de tempo tal

foacutermula portanto eacute inteiramente contraacuteria agrave intenccedilatildeo do princiacutepiordquo (Kant Criacutetica da razatildeo pura I Do princiacutepio

supremo de todos os juiacutezos analiacuteticos Versatildeo em portuguecircs 2001 p 217-218)

177

ao ser e do ser ao natildeo ser Eacute somente com a reflexatildeo (cogniccedilatildeo) que pode aparecer a experiecircncia

do natildeo onde ldquoalgo que natildeo eacuterdquo eacute sempre algo que estaacute no lugar de algo mais que esperaacutevamos que

fosse que ali estivesse presente

A impossibilidade da negaccedilatildeo do real surge de uma criacutetica agrave condiccedilatildeo gnosioloacutegica humana

a criacutetica que emerge na meditaccedilatildeo parmenidiana No entanto o problema que assim aparece se

prospecta incontornaacutevel Se a cogniccedilatildeo humana apresenta uma distorccedilatildeo tatildeo grande como seraacute a

verdadeira realidade E ademais se noacutes estamos encerrados nesta condiccedilatildeo cognitiva como se

pode ter acesso agrave verdadeira realidade Como eacute possiacutevel compensar e alterar essa condiccedilatildeo

cognitiva de forma a ter acesso agrave verdadeira realidade Eu penso que Parmecircnides tenha dado duas

respostas porque natildeo conseguiu dar uma uacutenica resposta satisfatoacuteria225 Nisto parece-me correta a

visatildeo de Aristoacuteteles quando diz que Parmecircnides primeiro tentou dar uma reposta pelo logos e

depois tendo que explicar o mundo pelos sentidos se viu obrigado a acrescentar uma parte ao seu

poema onde ele potildee duas causas manifestando assim sua perplexidade em relaccedilatildeo aos dois

conteuacutedos do poema226 De fato ainda que se consiga estabelecer a imutabilidade do ser ou dos

225Rossetti 2008 p 139 ldquoAfinal O que haacute de mal em pensar que a doutrina do ser tenha se firmado como perfeita e

recortado um oliacutempo proacuteprio salvo o fato de deixar subsistir aquele saber mundano que possivelmente nem o autor

soube conciliar perfeitamente com a doutrina do ser cuidando apenas de evitar toda contaminaccedilatildeo ou comistatildeordquo

(Dopotutto che cegrave di male nel pensare che la dottrina dellessere si sia affermata come perfetta e si sia ritagliata un

suo olimpo salvo poi a lasciar sussistere quel sapere mondano che nemmeno lautore probabilmente seppe

raccordare proprio bene com la dottrina dellessere preoccupandosi soltanto di evitare ogni contaminazione o

commistione) (Veja-se tambeacutem a nota seguinte 238) 226Consideraccedilotildees muito pertinentes a respeito desta questatildeo estatildeo em Rossetti 2008 A discussatildeo sobre a validade da

segunda parte do poema permanece ainda em aberto entre os estudiosos O testemunho de Aristoacuteteles diz apenas

que Parmecircnides acrescentou uma descriccedilatildeo segundo os sentidos e nada diz se esta descriccedilatildeo estava na parte

qualificada apatelon pela deusa ou na primeira parte pela ediccedilatildeo de Diels os fragmentos fiacutesicos se encontram na

segunda parte mas disto natildeo se tem certeza pois a parte anunciada como apatelon pode muito bem se restringir

agravequele tipo de noccedilatildeo confusa entre duas causas como explicado pela deusa no fragmento 9 enquanto os fragmentos

de 10 a18 poderiam constar na primeira parte Embora esta discussatildeo ainda esteja em ato e longe de tomar rumos

conclusivos parece cada vez mais se configurar entre os estudiosos (por exemplo vejam-se a respeito as pesquisas

178

seres (pelo preceito da deusa) resta ainda a explicar o devir Melisso que manteacutem o preceito

parmenidiano natildeo explica o devir simplesmente o rejeita Platatildeo Aristoacuteteles e todos os filoacutesofos

ateacute hoje (com raras exceccedilotildees) explicam o devir mas rejeitam o preceito parmenidiano Parmecircnides

assim me parece conseguiu argumentar rigorosamente a respeito da impossibilidade da negaccedilatildeo

mas natildeo conseguiu dar com o mesmo rigor uma explicaccedilatildeo da dinacircmica concreta do devir por

um lado com os preceitos da sua deusa ofereceu uma descriccedilatildeo do real enquanto real aquela parte

onde a natildeo mutaccedilatildeo podia ser compreendida e descrita por outro lado na segunda parte do poema

restando a consciecircncia de que aquelas descriccedilotildees natildeo estavam submetidas ao rigor das

metodologias que ele descobriu resolveu apresentaacute-las segundo a ordem tradicional que ele chama

opiniotildees dos mortais

Pelo preceito da deusa o real natildeo estaacute submetido ao devir (do senso comum) o que eacute natildeo

pode natildeo ser por conseguinte o que era natildeo deixou de ser ainda eacute de outra parte ainda por

conseguinte o que seraacute necessariamente jaacute eacute pois natildeo se pode admitir que o que seraacute ainda natildeo eacute

Este eacute o argumento do nun parmenidiano do natildeo era e natildeo seraacute porque eacute todo agora227 Este

argumento natildeo soluciona a questatildeo do devir e do tempo diz apenas que o que eacute pensado como natildeo

de Pulpito 2008 e mais ainda Pulpito 2011b) a tendecircncia de distinguir trecircs tipos de saberes no poema um

ontoloacutegico um fiacutesico e outro meramente opinativo o estudo apresentado nestas linhas no capiacutetulo 2 indica

claramente como alvo da criacutetica parmenidiana as doutrinas religiosas tradicionais e natildeo as cosmologias recentes

dos mestres jocircnicos o que de certa forma corrobora as teses atuais que diferenciam a doxa dos mortais de um saber

fiacutesico mais certo embora sem o status de persuasatildeo absoluta possuiacutedo pela doutrina do eon resta entretanto a

questatildeo de conciliar esta triacuteplice distinccedilatildeo com uma concreta correspondecircncia textual meta atualmente ainda

distante Sobre o mesmo tema vejam-se tambeacutem as consideraccedilotildees de Graham 1999 e Zucchello 2010 227 Um excelente estudo sobre o verso DK B 85 eacute de Massimo Pulpito (2005) mais recentemente retomando o

argumento ele afirma que Parmecircnides apenas pressupotildee a duraccedilatildeo do tempo pois retirando o ponto alto em 84

(Manchester 1979 e Cerri 1999) se obteacutem uma leitura seguida com a seguinte traduccedilatildeo ldquoeacute ingecircnito e imortal [hellip]

imoacutevel e incompleto (ἀτέλεστον) nunca foi e nem seraacute pois eacute agora todo juntordquo (egrave ingenerato e immortale [hellip]

immobile e incompiuto mais fu neacute saragrave perchegrave egrave ora tutto insieme) (Pulpito 2011a p 266)

179

ser porque era ou como natildeo ser porque seraacute eacute uma impossibilidade que deriva do preceito da

deusa Posto isto posto que tudo que era ainda eacute e tudo que seraacute jaacute eacute como explicar a nossa

percepccedilatildeo do era e do seraacute Embora teoricamente a questatildeo poderia ser resolvida simplesmente

como Melisso alegando um engano dos sentidos na praacutetica a questatildeo eacute de importacircncia radical

porque do sentido que damos ao era e ao seraacute depende a nossa visatildeo de mundo

Tomem-se os entes matemaacuteticos Estes poderiam ser considerados entes parmenidianos jaacute

que eles natildeo eram e natildeo seratildeo eles apenas satildeo Conseguimos imaginar o mundo sem mutaccedilatildeo dos

entes matemaacuteticos Penso que natildeo a menos de pensar uma espeacutecie de grande estaacutetico manancial

de onde extrai-los a vontade quando deles precisamos Um mundo fiacutesico sem devir feito de entes

sem ontem nem amanhatilde poderia ser assimilado ao mundo dos entes matemaacuteticos No entanto isto

parece impossiacutevel de ser acatado pela nossa experiecircncia desde aquela mais superficialmente

sensoacuteria ateacute aquela mais profundamente intelectual Eu penso que algo parecido aconteceu com

Parmecircnides o qual apoacutes a descriccedilatildeo do eon qual realidade uacuteltima das coisas natildeo conseguiu vir a

cabo de uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria e fecunda do mundo em sua concretude cotidiana Natildeo teve

portanto outra opccedilatildeo a natildeo ser recorrer ao melhor conhecimento disponiacutevel embora enganoso da

eacutepoca Natildeo foi o uacutenico a deixar o quadro incompleto de Zenatildeo tambeacutem soacute se conhece a pars

destruens dos seus paradoxos mas natildeo se tem notiacutecia de que tenha proposto uma cosmologia

positiva o mesmo vale para Melisso Os eleatas natildeo conseguiram propor cosmologias em

consonacircncia com seus preceitos228

Deve se acrescentar que partindo dos preceitos parmenidianos ningueacutem ateacute agora conseguiu

228Rossetti 2008

180

propor uma cosmologia positiva Contudo o preceito da deusa eacute incontrovertiacutevel e estaacute na base da

formulaccedilatildeo dos princiacutepios loacutegicos mais fundamentais (identidade natildeo contradiccedilatildeo e terceiro

excluiacutedo) Por este motivo para o uso da loacutegica comum Parmecircnides eacute reduzido a ser apenas o pai

arcaico da ontologia mas em sede de discussatildeo teoacuterica entre os filoacutesofos e tambeacutem entre os

cientistas na parte mais filosoacutefica de sua atividade o preceito da deusa continua despertando

perplexidade e Parmecircnides continua despertando a mesma sensaccedilatildeo venerando e terriacutevel que

despertou em Platatildeo229

511 O ser os seres

Um dos argumentos favoritos de certos criacuteticos eacute de que o ser e o natildeo ser de Parmecircnides se

referem ao ser universal e natildeo ao particular Isto natildeo corresponde ao que estaacute no poema Parmecircnides

fala desde o iniacutecio de todas as coisas (128) no plural e se repete assim nos versos seguintes do

fragmento 1 Ele fala de ente e natildeo ente no singular no fragmento 2 na parte metodoloacutegica Volta

a falar de eonta plural na parte da criacutetica agrave cogniccedilatildeo comum Finalmente no fragmento 8 fala do

eon singular com vaacuterias referecircncia agraves coisas no plural Haacute nisto vaacuterias questotildees antes de tudo a

questatildeo da unidade versus pluralidade tema que Platatildeo exploraraacute no seu diaacutelogo Parmecircnides Mas

haacute tambeacutem a questatildeo de se entender ao que ele se refere quando diz eon ou eonta Esta discussatildeo

sobre o ser natildeo eacute objeto da presente investigaccedilatildeo e o que ndash pelo contraacuterio ndash nos interessa de perto

eacute verificar se se pode falar do natildeo ser de um uacutenico ente ao lado do natildeo ser em sentido geral assim

229Um exemplo Graham Priest Towards non-being 2005

181

como aparece na expressatildeo me einai

Ao se estudar a negaccedilatildeo de um uacutenico ente aparece em noacutes de imediato a influecircncia do

platonismo o qual forjou profundamente nossa maneira de pensar Faccedilamos um exemplo se eu

digo natildeo livro imediatamente vem agrave mente uma outra coisa qualquer que natildeo seja um livro Este

eacute o sinal de que a visatildeo platocircnica de um natildeo ser enquanto relativo isto eacute enquanto outro eacute a noccedilatildeo

principal que surge agrave nossa mente diante da negaccedilatildeo de um uacutenico ente O discurso seria diferente

para a negaccedilatildeo de todos os entes ou do todo dos entes tema que Platatildeo cuidadosamente evitou no

Sofista de fato ao se negar todos os entes ou o todo dos entes eacute impossiacutevel referir a negaccedilatildeo deste

todo ao outro pois ao se negar o todo por definiccedilatildeo natildeo haacute outro Este desenvolvimento platocircnico

natildeo se aplica ao todo dos entes mas parece funcionar tatildeo bem com o ente particular que para a

nossa sensibilidade comum resulta muito difiacutecil pensar ainda que virtualmente o natildeo ser de um

uacutenico ente

Entretanto a negaccedilatildeo de um uacutenico ente fora do molde platocircnico do natildeo ser relativo eacute

possiacutevel e configura uma negaccedilatildeo absoluta do ente particular Para que esse assunto seja exposto

mais claramente iniciarei da noccedilatildeo que noacutes fazemos dos entes impossiacuteveis Tome-se por exemplo

a expressatildeo triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que virtualmente se referiria a um ente

geomeacutetrico o qual sendo um triacircngulo teria quatro acircngulos ou sendo um quadrado teria trecircs

acircngulos Para o nosso modo de ver pensar e conhecer o mundo tal ente geomeacutetrico natildeo existe e

natildeo pode existir o que lhe nega a existecircncia segundo nossa maneira de argumentar eacute o fato de que

a posiccedilatildeo da triangularidade exclui imediatamente a posiccedilatildeo da quadrangularidade e vice-versa

natildeo pode haver um triacircngulo quadrado Assim o triacircngulo quadrado por ser impossiacutevel eacute um ente

182

absolutamente negado230 o que significa que pelo preceito da deusa pensaacute-lo eacute uma operaccedilatildeo

cognitiva impossiacutevel isto eacute uma pretensatildeo da nossa mente que quer expressar um conteuacutedo real

quando de fato este conteuacutedo real natildeo existe Assim a negaccedilatildeo de tipo platocircnico do natildeo ser

enquanto outro expressa uma positividade real (este natildeo livro eacute o meu caderno) enquanto a

negaccedilatildeo absoluta expressa uma pretensatildeo impossiacutevel o triacircngulo quadrado (absolutamente) natildeo eacute

Este caso exemplifica bem o contexto indicado pela segunda via do fragmento 2 de fato o

triacircngulo quadrado natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo seja pois se fosse se produziria a contradiccedilatildeo

ontoloacutegica da existecircncia de um ente impossiacutevel

Agora que conseguimos delinear a noccedilatildeo de negaccedilatildeo absoluta de um ente particular natildeo eacute

difiacutecil entender a expressatildeo parmenidiana da pluralidade da negaccedilatildeo absoluta aplicada a uma

pluralidade de entes particulares Quando no fragmento 7 Parmecircnides diz ldquoque nunca prevaleccedila

que os natildeo entes (me eonta) sejamrdquo significa que ndash dentro do contexto da geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das

coisas o assunto predileto desses pesquisadores ndash dadas as coisas que satildeo estas natildeo podem vir a

ser de coisas que satildeo sua negaccedilatildeo absoluta Por exemplo este meu livro natildeo pode vir a ser de um

este meu natildeo livro absoluto porque o natildeo livro absoluto eacute uma impossibilidade do real O mesmo

pode ser dito da multiplicidade das coisas nenhuma delas pode vir a ser de uma multiplicidade de

natildeo coisas quando consideradas absolutamente porque cada natildeo coisa absoluta eacute uma

impossibilidade do real e afinal uma impossibilidade real

Definir as impossibilidades reais equivale a definir as impossibilidades do real onde as

230 Naotilde pode ser um natildeo ente relativo segundo a interpretaccedilatildeo de Platatildeo pois absolutamente natildeo existe e por natildeo

existir natildeo pode suportar a relaccedilatildeo a outro ente qualquer enquanto ente sem significado ontoloacutegico positivo

poderia ser assimilado ao natildeo ser absoluto que Platatildeo descarta completamente por carecer de sentido

183

primeiras se referem singularmente a cada impossibilidade particular e as segundas satildeo o conjunto

de impossibilidades que caracterizam o real como um todo Esse conjunto de impossibilidades

define os limites do real jaacute que descrevem irrealidades e o resultado eacute deste ponto de vista um

ser real delimitado em relaccedilatildeo agraves virtualidades que o pensamento cria Penso que aqui se daacute uma

confusatildeo entre os criacuteticos a respeito da relaccedilatildeo entre ser e pensar de que Parmecircnides fala em seu

poema Como vimos nas paacuteginas anteriores Parmecircnides critica um modo de pensar comum (as

opiniotildees dos mortais) e propotildee um novo modo de pensar enriquecido de uma mechane ou seja

ele fala de duas maneiras de pensar muito diferentes Quando entatildeo equaciona ser e pensar natildeo

me parece que equacione o ser agraves duas maneiras de pensar pelo contraacuterio ser e pensar satildeo o mesmo

apenas para o pensamento que corre sobre o caminho da persuasatildeo verdadeira Segundo as opiniotildees

dos mortais o mundo (a realidade os panta) se estende a entes impossiacuteveis enquanto satildeo tidos

como existentes pelos mortais Segundo o preceito da deusa o mundo se limita aos seres reais

Entatildeo o pensar o reto pensar eacute um pensar o real e converso o real (o que eacute o que haacute) impotildee

limites ao pensar laacute onde entes que natildeo satildeo de fato natildeo podem ser pensados logo natildeo devem ser

tidos como pensaacuteveis

O fiel da balanccedila da autecircntica correspondecircncia entre ser e pensar eacute exatamente o meacutetodo

seguir a primeira via e deixar de seguir a segunda o qual permite corrigir a distorccedilatildeo cognitiva e

permite reconduzir o mundo a um ser eon ele diz que eacute todo delimitado por impossibilidades E

melhor seria dizer ndash como ele diz com muita razatildeo ndash limitado intrinsecamente por uma estrutura

a qual se expressa pela necessidade e coesatildeo impedindo que se instaure o natildeo ser O natildeo ser que

natildeo se instaura que natildeo dilui o eon e natildeo abre frestas natildeo eacute um natildeo ser de fato mas tatildeo somente

uma virtualidade do pensar confuso ele se instaura apenas virtualmente na imagem distorcida que

as opiniotildees dos mortais fazem do mundo e por este motivo diferentemente do que elas afirmam o

184

mundo real descrito retamente pela opiniatildeo verdadeira eacute um mundo coeso onde a imagem que

retamente o representa simbolicamente eacute a imagem de uma esfera homogecircnea

A adesatildeo de ente a ente e o resultado desta continuidade numa visatildeo grandiosa de uma esfera

indicam que Parmecircnides se refere tanto agrave multiplicidade dos entes quanto agrave sua totalidade ambos

enganchados a suas respectivas impossibilidades a impossibilidade do natildeo ser particular de todo

ente particular e a impossibilidade do natildeo ser referido agrave totalidade dos entes Penso que a predileccedilatildeo

pelo assunto cosmoloacutegico proacuteprio de seu meio cultural seja o maior responsaacutevel pelo fato de

Parmecircnides ter tratado apenas do eon enquanto totalidade e natildeo como noacutes gostariacuteamos com

maiores detalhes do eon particular de cada ente Assim a descriccedilatildeo da realidade obtida partindo

da correccedilatildeo do processo cognitivo aponta para uma archeacute necessaacuteria que eacute a qual tem agregada

a coerccedilatildeo que impotildee uma necessidade isto eacute aquela coerccedilatildeo que impede qualquer desvio ao longo

da necessidade ou seja a impossibilidade que o que eacute natildeo seja Fica assim plenamente configurada

a primeira via a qual conduz pelo caminho de persuasatildeo verdadeira agrave correta imagem do mundo

um eon que eacute e que necessariamente afastando a negaccedilatildeo natildeo pode natildeo ser natildeo pode conter

frestas de natildeo ser natildeo pode conter descontinuidades nem heterogeneidades geradas pelo natildeo ser

512 Ouk esti

A incompatibilidade entre a negaccedilatildeo e o ente potildee um conjunto de questionamentos anteriores

ao proacuteprio princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo ou aos outros dois princiacutepios claacutessicos da loacutegica

(identidade e terceiro excluiacutedo) Os questionamentos comeccedilam a surgir exatamente em volta da

negaccedilatildeo como princiacutepio cognitivo ou seja numa regiatildeo de fronteira da proacutepria ontologia De fato

ser e natildeo ser satildeo os pressupostos da ontologia pois sem o ente particular (considerado enquanto

185

ente) ou o ente em geral (o ser) natildeo haacute ontologia mas sem o natildeo ser aquela noccedilatildeo que articula o

discurso sobre o ser tambeacutem natildeo haacute ontologia e isso natildeo porque as caracteriacutestica do ser satildeo

articuladas segundo uma ontologia negativa (o ser eacute um natildeo muacuteltiplo in-finito i-limitado etc)

mas porque o nosso proacuteprio discurso implica necessariamente a negaccedilatildeo e assim tambeacutem o logos

do on o discurso sobre o ente O negar eacute uma estrutura do nosso aparelho cognitivo somente

conhecemos ndash no sentido comum de conhecimento racional231 ndash pela negaccedilatildeo

O problema que surge junto com os questionamentos eacute exatamente aquele de como

conseguir pensar a negaccedilatildeo sem criar uma peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que a negaccedilatildeo estaraacute implicada

em qualquer discurso sobre ela Penso que este seja o principal motivo da singularidade que resulta

da meditaccedilatildeo do natildeo ser (assim como exposto anteriormente) De fato a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo que

naquela meditaccedilatildeo era a negaccedilatildeo do ato cognitivo negador revelava ali a aporia esta natildeo deixa de

estar presente mesmo na loacutegica mais comum Tome-se por exemplo a negaccedilatildeo de a dizemos que

a negaccedilatildeo de a eacute ~a e se diz comumente que a negaccedilatildeo de ~a eacute a mas a negaccedilatildeo de ~a eacute ao mesmo

tempo uma afirmaccedilatildeo pois eacute a e uma negaccedilatildeo pois eacute ~ (~a)232 O nosso aparelho cognitivo natildeo

231Como se sabe haacute outras formas de conhecimento principalmente as intuitivas e as de fusatildeo tais como as artiacutesticas

e miacutesticas mas que fogem ao objeto de nossa anaacutelise 232Como vimos a negaccedilatildeo (N) de um ente suponhamos ~a tem dois sentidos e por isso acaba gerando equiacutevocos e

ambiguidades Por um lado (N1) ~a tem o platocircnico sentido relativo assim ~a significa todo e qualquer ente do

mundo exceto a Por outro lado (N2) ~a significa a negaccedilatildeo absoluta de a sem nenhuma referecircncia a qualquer

outro ente como na negaccedilatildeo do triacircngulo quadrado Da mesma forma a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo (NN) tem dois sentidos

e dois acircmbitos diferentes No primeiro caso (NN1) na negaccedilatildeo como relativa negar ~a significa negar todos os

entes exceto a e por conseguinte por relaccedilatildeo a outro significa reafirmar a Mas no segundo caso (NN2) onde a

primeira negaccedilatildeo eacute absoluta noacutes temos ainda duas possibilidade (NN2a) a primeira com a negaccedilatildeo relativa de

uma negaccedilatildeo absoluta a segunda (NN2b) com a negaccedilatildeo absoluta de uma negaccedilatildeo absoluta A primeira

possibilidade (NN2a) nos diz que negando relativamente uma negaccedilatildeo absoluta se afirma tudo que natildeo eacute negaccedilatildeo

absoluta de a isto eacute a negaccedilatildeo relativa de a a afirmaccedilatildeo absoluta de a e a afirmaccedilatildeo relativa de a Jaacute a segunda

possibilidade (NN2b) eacute a negaccedilatildeo absoluta de uma negaccedilatildeo absoluta isto eacute a negaccedilatildeo de uma impossibilidade [no

186

acusa a aporia e assim tambeacutem a nossa loacutegica comum233

Em todo caso a contradiccedilatildeo ou aporia estabelecida pela negaccedilatildeo ndash e que fica evidente pela

negaccedilatildeo da negaccedilatildeo a qual aporeticamente eacute uma negaccedilatildeo que afirma ndash eacute um curto circuito

cognitivo do qual natildeo se consegue sair enquanto se permanecer dentro da estrutura cognitiva da

qual dispomos Todavia o fato eacute que natildeo dispomos de uma estrutura cognitiva alternativa e talvez

nossos esforccedilos de tentar pensar para aleacutem dela sejam tatildeo inuacuteteis quanto as tentativas feitas por um

cego de nascenccedila de entender visualmente o mundo Todas as atuais ampliaccedilotildees das capacidades

dos sentidos (telescoacutepios microscoacutepios etc) reconduzem o objeto percebido agrave escala de percepccedilatildeo

humana todas as teorias cientiacuteficas ndash que satildeo ampliadores de nossa capacidade de pensar o mundo

exemplo do triacircngulo quadrado ~a = natildeo possiacutevel ~ (~a) = natildeo (natildeo possiacutevel)] o que natildeo significa que como no

caso da negaccedilatildeo relativa da negaccedilatildeo absoluta a impossibilidade da impossibilidade eacute uma possibilidade mas

significa que dada uma impossibilidade eacute impossiacutevel que esta impossibilidade seja uma impossibilidade dito de

outra maneira negar absolutamente uma impossibilidade significa negar agrave impossibilidade seu status de

impossibilidade No entanto tornar impossiacutevel (negar) o status de impossibilidade significa imediatamente

reafirmar a impossibilidade voltando de novo agrave aporia eleaacutetica onde negar o status do ser enquanto ser significa

afirmar o status da negaccedilatildeo a qual eacute um ser (a negaccedilatildeo natildeo eacute um nada) e afinal significa ao mesmo tempo afirmar

e negar o ser

Vale lembrar que a dupla negaccedilatildeo do tipo que chamei NN2a isto eacute aquela onde uma negaccedilatildeo relativa nega uma

negaccedilatildeo absoluta eacute a dupla negaccedilatildeo que se encontra no verso 23 do poema e que natildeo eacute natildeo ser (τε καὶ ὡς οὐκ

ἔστι μὴ εἶναι) onde μὴ εἶναι eacute uma negaccedilatildeo absoluta enquanto οὐκ ἔστι eacute a negaccedilatildeo predicativa ordinaacuteria isto eacute de

tipo relativo platocircnico que nega a negaccedilatildeo absoluta Assim o caminho do ὅπως ἔστιν eacute o mesmo que o caminho

que nega (relativamente) a negaccedilatildeo absoluta cujo significado abrange vaacuterias possibilidades como especificado

acima afirmaccedilatildeo absoluta de a (correspondente ao ἔστιν parmenidiano) afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo relativas de a que

correspondem agrave predicaccedilatildeo da linguagem comum (natural isto eacute segundo a visatildeo de mundo do realismo cognitivo

comum)

Mas se pode ainda considerar a negaccedilatildeo em si em seu estatuto ontoloacutegico A negaccedilatildeo enquanto negaccedilatildeo natildeo

pode ser negada no sentido de que ao se negar a negaccedilatildeo imediatamente se afirma pois simultaneamente ao

negar a negaccedilatildeo se afirma (negar significa pocircr a negaccedilatildeo) o que se nega isto eacute a negaccedilatildeo (enquanto negada) Mais

uma vez se configura uma aporia de tipo eleaacutetico onde uma proposiccedilatildeo resulta em dois sentidos simultacircneos e

contraditoacuterios 233 Penso que esta aporia impliacutecita poderia ser o fundamento ontoloacutegico do desenvolvimento de loacutegicas

paraconsistentes e paracompletas as quais com todo seu impacto anti-intuitivo acabam descrevendo melhor

aquelas regiotildees do mundo ndash o mundo como percebido pela nossa cogniccedilatildeo que implica esta aporia ndash natildeo acessiacuteveis

agrave loacutegica comum no entanto esta hipoacutetese aguarda aprofundamentos

187

(por exemplo a teoria heliocecircntrica ou a relatividade geral nos fazem ver com os olhos da mente

um mundo diferente daquele que vemos com os olhos fiacutesicos) ndash reconduzem a realidade ao nosso

modo cognitivo o qual implica a distorccedilatildeo provocada pela negaccedilatildeo e evidenciada pela negaccedilatildeo da

negaccedilatildeo nem poderia ser diferente pois se elas natildeo reconduzissem ao nosso modo cognitivo elas

seriam incompreensiacuteveis Discutir o modelo cognitivo resulta entatildeo uma das empresas mais aacuterduas

mas eacute exatamente isso que Parmecircnides fez Ele natildeo discutiu apenas as maneiras de ver o mundo

(weltanschaung) como por exemplo fez Xenoacutefanes mas discutiu a nossa proacutepria estrutura

cognitiva a qual admite inuacutemeras weltanschaungen mas sempre dentro de uma mesma estrutura

onde a negaccedilatildeo tem papel fundamental

Eacute possiacutevel pensar o mundo a partir de outra estrutura cognitiva Eacute uma pergunta complicada

que precisaria ser desdobrada em muitas partes Sabemos por exemplo que um cachorro vecirc o

mundo em preto e branco e conseguimos fazer uma imagem de como poderia ser a estrutura

cognitiva de um cachorro Mas mais uma vez posto que este dado seja realmente relevante para a

cogniccedilatildeo do cachorro tal noccedilatildeo eacute uma reconduccedilatildeo da cogniccedilatildeo do cachorro agrave cogniccedilatildeo humana

entatildeo natildeo podemos dizer que conseguimos conhecer segundo a cogniccedilatildeo do cachorro Do mesmo

modo somos cientes de muitos modelos cognitivos e sabemos ateacute mesmo que uma linguagem mais

baacutesica eacute possiacutevel e permite a comunicaccedilatildeo entre muitos seres vivos como por exemplo a

linguagem emocional Mas quando nos propomos a ir aleacutem partindo das insatisfaccedilotildees das

cogniccedilotildees jaacute existentes o problema se complica de muito por vaacuterios motivos O primeiro deles eacute a

perda de uma referecircncia ldquonaturalrdquo pois natildeo haacute uma resposta dada isto eacute natural (pois o natural eacute

permanecer dentro do modo cognitivo dado) e eacute necessaacuterio ir aleacutem do natural O segundo eacute uma

perda do sobrenatural pois o sobrenatural eacute referido ao natural e sem este natildeo haacute aquele O terceiro

enfim eacute o risco concreto de uma excentricidade psiacutequica uma espeacutecie de caminho patoloacutegico sem

188

volta pelo qual todo tipo de estranheza se torna normal e vice-versa

Assim a reflexatildeo sobre o natildeo ser por ser uma investigaccedilatildeo nos limites do pensar eacute um

projeto aacuterduo e aparentemente pouco ou nada fecundo pois o terreno onde se desenvolve estaacute aleacutem

do natural e do sobrenatural e estaacute agrave beira da capacidade psiacutequica Natildeo eacute de surpreender que natildeo

seja assunto predileto pela maioria dos pensadores nem eacute de surpreender que seja quase que

reservado agravequeles que de uma forma ou de outra jaacute perambularam sem sucesso pelas vaacuterias aacutereas

do saber em busca de respostas Tudo isto deveria ser um sintoma claro da grandeza de Parmecircnides

uma grandeza certamente filosoacutefica embora ele provavelmente ateacute desconhecesse a palavra

filosofia Eacute por isto que embora certas linhas exegeacuteticas discordem o fato de Parmecircnides ter

deixado em aberto a sequecircncia de sua filosofia sustentando as suas afirmaccedilotildees apesar da aporia a

qual conduziam e de que ele certamente tinha consciecircncia natildeo eacute nenhum demeacuterito pelo contraacuterio

eacute uma grande meacuterito e ainda maior na medida em que os que o sucederam natildeo conseguiram ir

aleacutem do que ele propocircs e talvez a bem da verdade tiveram ateacute que retroceder das posiccedilotildees

alcanccediladas por Parmecircnides

Natildeo cabe a este trabalho desenvolver as meditaccedilotildees sobre o natildeo ser que as afirmaccedilotildees de

Parmecircnides implicariam234 Seja suficiente a noccedilatildeo de que Parmecircnides iniciou junto da discussatildeo

sobre o ser que hoje chamamos ontologia uma discussatildeo sobre o natildeo ser que algumas vezes hoje

eacute chamada de meontologia Agrave meontologia parmenidiana podemos acrescentar tranquilamente o

subtiacutetulo ldquoda relaccedilatildeo impossiacutevel entre natildeo e serrdquo com as vaacuterias consequecircncias que ele extraiu tanto

em acircmbito psicoloacutegico quanto em acircmbito metodoloacutegico antropoloacutegico e cosmoloacutegico

234 Cfr Colombo 1972 um dos raros trabalhos dedicados ao assunto

189

52 Parmenides psicoacutelogo (segunda parte)

Depois de ter estudado a noccedilatildeo de natildeo ser utilizada por Parmecircnides podemos voltar agravequelas

partes do poema que discutem a psicologia humana especificamente aquelas partes que implicam

a compreensatildeo do natildeo ser das quais postergamos o estudo por nos faltar ainda a compreensatildeo desta

noccedilatildeo

No fragmento 1 natildeo haacute referecircncia direta ou indireta ao natildeo ser e natildeo precisamos voltar a ele

Jaacute no fragmento 2 6 e 7 as passagens com referecircncias ao natildeo ser e com vocabulaacuterio psicoloacutegico jaacute

foram estudadas Podemos passar entatildeo ao fragmento DK 8

521 O fragmento DK 8

Considerando que natildeo eacute nossa intenccedilatildeo abordar a doutrina parmenidiana do ser apresentada

neste fragmento procederemos de modo seletivo selecionando apenas as passagens que nos

interessam Naturalmente esse meacutetodo sacrificaraacute a doutrina do ser mas poraacute em evidecircncia todo o

vocabulaacuterio psicoloacutegico subjacente geralmente deixado de lado para focar aquela doutrina235

Retomamos aqui nossa traduccedilatildeo anterior de operaccedilotildees cognitivas da mente para νοεῖν e seus

cognatos a justificaccedilatildeo se encontra na p XX e ss

235Para uma descriccedilatildeo geral do fragmento ver capiacutetulo 4 p 151 A Aplicaccedilatildeo do Meacutetodo

190

5211 DK B 86-9

Depois de enunciar os caminhos de inqueacuterito para as operaccedilotildees cognitivas depois de

enunciar a lei de oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo ser depois da criacutetica ao caminho seguido pelos

mortais agora a deusa explica a sua doutrina do ser Ela comeccedila dizendo que soacute uma palavra resta

no caminho (o caminho do esti) que eacute (ὡς ἔστιν) Mas este eacute natildeo eacute muito evidente por esta razatildeo

haacute muitos sinais ao longo do caminho Estes sinais satildeo caracteriacutesticas que ajudam a identificar o

ser Parmecircnides faz uma listagem de alguns e na sequecircncia do fragmento explica e justifica cada

um quase em perfeiccedilatildeo simeacutetrica Logo no primeiro argumento para o primeiro dos sinais (o ἐὸν

eacute ingecircnito e impereciacutevel) noacutes encontramos as seguintes palavras (DK B 86-9)

τίνα γὰρ γένναν διζήσεαι αὐτοῦ

πῆι πόθεν αὐξηθέν οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω

φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν οὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν

ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστι

Falando do ser (ἐὸν) a deusa enuncia que eacute ingecircnito e impereciacutevel depois disso como

costuma fazer ela apresenta seu argumento mas desta vez em forma de pergunta Ela pergunta que

geraccedilatildeo (γένναν) tu procurarias para ele Como de onde teria crescido (αὐξηθέν) Do natildeo ser natildeo

te permitirei (ἐάσσω) afirmar (φάσθαι) ou operar cognitivamente (νοεῖν) porque o natildeo ser (οὐκ

ἔστι) eacute indiziacutevel e cognitivamente natildeo operaacutevel (οὐδὲ νοητόν) A deusa diz algo muito especial ela

diz natildeo te permitirei dizer ou operar cognitivamente usando a forma futura do verbo para

expressar um preceito severo de forte tom imperativo natildeo diga e natildeo opere cognitivamente o natildeo

ser Esta eacute a expressatildeo de uma lei imperativa referida ao pensamento mas ainda antes eacute a expressatildeo

da impossibilidade psicoloacutegica sobre a qual aquela lei se baseia natildeo eacute permitido pensar (operar

cognitivamente) e dizer o que natildeo eacute porque eacute [psicologicamente] impossiacutevel operar

cognitivamente o natildeo ser e logo eacute tambeacutem impossiacutevel dizecirc-lo

191

Para a elucidaccedilatildeo do aspecto psicoloacutegico podemos dividir a passagem em duas etapas

1) uma asserccedilatildeo hipoteacutetica o ser eacute gerado

2) a rejeiccedilatildeo da asserccedilatildeo pelo Preceito da Deusa eacute impossiacutevel que os ser seja gerado

do natildeo ser

Esta segunda etapa pode ser dividida em trecircs momentos

2a) eacute impossiacutevel que o ser seja gerado do natildeo ser

2b) porque natildeo eacute permitido operar cognitivamente que ele poderia vir do natildeo ser

2c) porque eacute impossiacutevel operar cognitivamente o natildeo ser ou dizecirc-lo

Agora vamos inverter a sequecircncia i) eacute impossiacutevel operar cognitivamente e dizer o natildeo ser

ii) por conseguinte o natildeo ser natildeo pode ser operado cognitivamente como parte de qualquer

argumento real (como parte do caminho da Persuasatildeo) iii) por conseguinte natildeo se deve (pensar e)

afirmar que o natildeo ser pode ser gerador do ser (ἐὸν) O preceito da Deusa aqui dado explicitamente

eacute o natildeo ser natildeo pode ser usado como parte de um argumento Como se pode notar este eacute um

corolaacuterio do Preceito da Deusa enunciado no fragmento 7

Podemos dizer o mesmo com outras palavras Na primeira etapa 1) haacute uma meditaccedilatildeo que

estabelece a impossibilidade de operar cognitivamente com o natildeo ser com a asserccedilatildeo

complementar de que eacute impossiacutevel que o ser possa natildeo ser esta eacute uma observaccedilatildeo do

comportamento da mente Na segunda etapa 2) Parmecircnides observa que os homens fazem

confusatildeo pois acreditam que seja possiacutevel operar cognitivamente com o natildeo ser assim ele

considera dois tipos de homem aquele que conhece esta impossibilidade (o homem saacutebio instruiacutedo

pela deusa) e aquele que natildeo a conhece (os mortais) esta eacute uma observaccedilatildeo do comportamento do

sistema humano de conhecimento A terceira etapa 3) eacute a aplicaccedilatildeo da ferramenta certa na praacutetica

do conhecimento enunciando um preceito que conduz o inqueacuterito pelo caminho correto este eacute o

192

enunciado de um criteacuterio de verdade A primeira etapa eacute psicoloacutegica a segunda eacute gnosioloacutegica e

finalmente a terceira eacute epistemoloacutegica

Nestas poucas linhas podemos ver todo o pensamento bem estruturado de Parmecircnides o que

explica muito bem o porquecirc ele continua sendo um filoacutesofo vivo ateacute nosso debate contemporacircneo

De fato sua epistemologia estaacute fundada sobre uma gnosiologia a qual estaacute ela mesma fundada

sobre uma observaccedilatildeo psicoloacutegica E esta observaccedilatildeo psicoloacutegica eacute realizada tatildeo bem e

profundamente que o resultado eacute uma autecircntica lei ontoloacutegica natildeo ser eacute o nome que damos agravequilo

que natildeo pode ser pensado Portanto este insight vertical tem consequecircncias sobre muitos niacuteveis ao

mesmo tempo como funccedilatildeo psicoloacutegica natildeo podemos pensar (isto eacute natildeo podemos operar de

forma cognitiva com) o natildeo ser como funccedilatildeo gnosioloacutegica natildeo podemos conhecer o natildeo ser como

funccedilatildeo epistemoloacutegica natildeo podemos usar este conceito na descriccedilatildeo do mundo porque eacute fonte de

erro A estrutura feacuterrea das conexotildees entre esses muacuteltiplos niacuteveis expressa por sua filosofia

constituiraacute o desafio parmenidiano que intrigaraacute Platatildeo Aristoacuteteles e quase todos os grandes

filoacutesofos ateacute o presente

5212 DK B 812-18

Nos versos seguintes Parmecircnides reforccedila todos os niacuteveis de sua visatildeo

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος ἐφήσει πίστιος ἰσχύς

γίγνεσθαί τι παρ αὐτό τοῦ εἵνεκεν οὔτε γενέσθαι

οὔτ ὄλλυσθαι ἀνῆκε Δίκη χαλάσασα πέδηισιν

ἀλλ ἔχει ἡ δὲ κρίσις περὶ τούτων ἐν τῶιδ ἔστιν

ἔστιν ἢ οὐκ ἔστιν κέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη

τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής

ἔστιν ὁδός) τὴν δ ὥστε πέλειν καὶ ἐτήτυμον εἶναι

a) DK 812-13a Noacutes pulamos o verso DK 811 porque embora pareccedila relacionado agraves duas vias de

193

pensamento de fato se refere ao ἐὸν o estudo do qual natildeo nos interessa aqui Assim podemos

comeccedilar lendo o verso DK 812 ldquoa forccedila da persuasatildeo (πίστιος ἰσχύς) natildeo permitiraacute que nada venha

a ser ao seu lado (παρ αὐτό) vindo do natildeo serrdquo Parmecircnides diz que nada pode vir a ser do natildeo ser

nem mesmo um ser ao lado do que jaacute eacute Significa que aquilo que parece ser uma nova existecircncia

no mundo quando esse novo existente vem a ser eacute apenas a visatildeo que resulta de uma falta de

recurso da mente comum (dos mortais) na qual natildeo haacute persuasatildeo verdadeira Com efeito a

persuasatildeo verdadeira tem uma forccedila tatildeo grande que natildeo permite que nenhuma coisa venha a ser do

nada como a deusa dissera no verso 87-8 Essa imagem da forccedila da persuasatildeo reforccedila a

interpretaccedilatildeo do verso 129 onde Parmecircnides fala de mente firme (ἀτρεμὲς ἦτορ) isto eacute uma

mente onde as conexotildees entre as partes do caminho satildeo tatildeo fortes que o vacilar dos pensamentos

entre ser e natildeo ser entre afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo natildeo pode acontecer A forccedila da persuasatildeo manteacutem

firme o argumento na mente portanto esta forccedila natildeo permite o argumento duvidoso (oscilante) da

geraccedilatildeo a partir do natildeo ser porque o natildeo ser eacute impossiacutevel e natildeo pode ser usado no argumento

b) DK 813b-15a ldquoPois Dike natildeo permite nem geraccedilatildeo (ἀνῆκε) nem perecimento (γενέσθαι)

soltando as correntes (χαλάσασα πέδηισιν) mas as manteacutemrdquo Esta passagem eacute muito importante

porque faz uma equivalecircncia entre a forccedila da persuasatildeo e as correntes de Dike a qual

tradicionalmente eacute a deusa da justiccedila236 De um lado noacutes sabemos que naquele periacuteodo os nomes

dos deuses estavam sendo utilizados na forma linguiacutestica de gecircnero neutro indicando de maneira

impessoal alguns processos naturais representados por aqueles deuses237 Que a justiccedila possa ser

236No caminho oposto Cassin a qual acredita fazer uma equivalecircncia entre as amarras das deusas parmenidianas e as

amarras que manteacutem ao mastro Ulisses quando ouve o canto das sereias (Cassin 1987) 237Kahn 1960 Parmecircnides escolhe escrever de maneira tradicionalista em verso e usando a linguagem eacutepica por este

194

um processo natural do mundo pode soar algo improacuteprio para a nossa compreensatildeo mas era bem

aceitaacutevel para a mente antiga como vemos por exemplo em Anaximandro DK B 1 Isto significa

que a justiccedila era considerada um tipo de ordem de todas as coisas natildeo uma ordem a partir de algo

externo aplicada agraves coisas (como por exemplo no pensamento cristatildeo onde a justiccedila eacute uma ordem

divina externa ao mundo vinda de Deus por meio de suas leis e que o homem pode respeitar ou

natildeo) mas uma ordem interna das coisas Conhecer o comportamento de Dike a deusa da justiccedila

significa conhecer o comportamento do mundo (isto eacute uma norma de comportamento do mundo

algo proacuteximo do que noacutes chamamos de lei da natureza) Por outro lado Parmecircnides descobre esta

ordem com um processo de meditaccedilatildeo238 alcanccedilando o entendimento de que o natildeo ser absoluto

natildeo pode ser pensado e ao mesmo tempo eacute impossiacutevel que ele tenha alguma realidade Portanto

todo argumento que implica o natildeo ser como algo que eacute estaacute errado como eacute o caso do argumento

sobre a crenccedila da existecircncia da geraccedilatildeo e do perecimento Dike neste caso representa uma ordem

interna de tudo que eacute tanto o mundo fiacutesico quanto o mundo dos pensamentos Ambos os mundos

tecircm a mesma ordem a mesma lei de comportamento um tipo de ordem que Parmecircnides chama

Dike e que noacutes chamariacuteamos de lei ontoloacutegica pois Dike eacute ao mesmo tempo uma lei da physis e

uma lei que pode ser um recurso para a mente humana (o caminho para as operaccedilotildees cognitivas)

motivo seus deuses e deusas satildeo reportados ao estaacutegio eacutepico e descritos na forma antropomoacuterfica tradicional 238Esta reflexatildeo sem base direta na experiecircncia eacute algo que ainda acontece naqueles ramos da ciecircncia que natildeo tecircm outra

opccedilatildeo senatildeo prescindir do suporte empiacuterico e experimental Curiosamente um destes ramos ainda eacute uma reflexatildeo

cosmoloacutegica tendo quase o mesmo objeto dos preacute-socraacuteticos trata-se de um ramo da Fiacutesica a Cosmologia A

Cosmologia fiacutesica da atualidade tem uma escala tatildeo imensa que se encontra muito aleacutem das capacidades

experimentais e trabalha apenas com cenaacuterios imaginaacuterios com o uacutenico suporte de coerecircncias internas segundo o

instrumental proacuteprio da Fiacutesica isto eacute Matemaacutetica e ciecircncias afins Por este seu caraacuteter natildeo experimental eacute chamada

de Cosmologia Especulativa

195

Esta multifuncionalidade de Dike239 a lei que estabelece os limites do comportamento do mundo

seraacute importante mais adiante para entender a equivalecircncia entre pensado e pensar (operar

cognitivamente) nos versos 834-38

c) DK 815-18 ldquoA decisatildeo (κρίσις) a respeito dessas coisas estaacute nisto eacute ou natildeo eacute Estaacute decidido

como era necessaacuterio de um lado deixar o que eacute natildeo operaacutevel cognitivamente e sem nome (pois natildeo

eacute verdadeiro caminho) e de outro lado ser e ser verdadeirordquo Vamos por partes Parmecircnides potildee

em praacutetica o Preceito da Deusa relembrando que um dos dois caminhos eacute inoperaacutevel

cognitivamente (ἀνόητον) e sem nome (ἀνώνυμον) enquanto o outro eacute real e verdadeiro caminho

Aqui temos que lembrar que decidir eacute uma accedilatildeo possiacutevel somente ao homem que conhece o

caminho da persuasatildeo verdadeira pois os mortais satildeo ἄκριτα φῦλα gente sem capacidade de

decidir Agora este homem estaacute diante de um problema da realidade o que satildeo aquelas coisas que

noacutes chamamos de geraccedilatildeo e perecimento (incluindo nascimento e morte) Para os mortais a soluccedilatildeo

vem de uma confusatildeo entre ser e natildeo ser assim eles acreditam que eles decidem mas eles natildeo

decidem Por outro lado em face deste problema o homem que sabe e que tem os recursos precisa

pocircr estes uacuteltimos em praacutetica Pocircr os recursos em praacutetica significa exatamente aplicar o Preceito da

Deusa isto eacute introduzir a oposiccedilatildeo absoluta entre ser e natildeo ser Com este recurso a decisatildeo eacute

possiacutevel e ademais eacute uma decisatildeo de persuasatildeo verdadeira Temos aqui uma decisatildeo feita por uma

disjunccedilatildeo escolhendo eacute ou natildeo eacute Embora se trate dos mesmos termos dos dois caminhos do

fragmento DK 2 o argumento eacute muito diferente No fragmento DK 2 haacute um processo de meditaccedilatildeo

com uma reflexatildeo sobre o natildeo ser que permite apenas dois caminhos tendo ambos a mesma origem

239Unidade e multiplicidade de Dike eacute desenvolvida em Ruggiu 1975 p 85-101

196

a negaccedilatildeo do natildeo ser mas apenas um leva agrave meta enquanto outro leva para lugar nenhum Os dois

caminhos do fragmento DK 2 natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo loacutegica entre si (eles tecircm uma relaccedilatildeo

ontoloacutegica) mas expressam a realidade da reflexatildeo sobre o natildeo ser e satildeo o resultado de uma

experiecircncia aquele ponto de partida empiacuterico de qualquer metafiacutesica no fragmento DK 2 os dois

caminhos satildeo o resultado de um argumento que comeccedila com uma meditaccedilatildeo (sabemos isso pelas

palavras da deusa que diz que satildeo caminhos para as operaccedilotildees cognitivas νοῆσαι ou seja ela estaacute

refletindo sobre a reflexatildeo) e continua com as passagens intermediaacuterias (eacute eacute caminho de persuasatildeo

que acompanha a verdade enquanto natildeo eacute eacute cognitivamente natildeo operaacutevel e tambeacutem indiziacutevel) ateacute

a conclusatildeo enunciada no comeccedilo estes satildeo os uacutenicos caminhos para o pensar Muito diferente eacute

o caso dos versos em questatildeo (DK B 815-16) onde eacute e natildeo eacute natildeo satildeo conclusatildeo do argumento

mas o instrumento a ser usado para entender algo especiacutefico do mundo De fato Parmecircnides

considera que haacute os eacute e natildeo eacute vindos da percepccedilatildeo da realidade 1) como na geraccedilatildeo que apresenta

a passagem de algo vindo do natildeo ser algo que natildeo existia antes e vai para o ser aquele algo que

de fato existe agora 2) e como no perecimento que apresenta a passagem de algo indo do ser algo

que existia ao natildeo ser quando esse algo natildeo existe mais Agora estes ser e natildeo ser que surgem

da percepccedilatildeo da realidade precisam ser comparados com o Preceito da Deusa que diz que eacute e natildeo

eacute estatildeo em oposiccedilatildeo radical De forma que tendo ela dito que natildeo eacute eacute um caminho natildeo verdadeiro

na aplicaccedilatildeo ao estudo da geraccedilatildeo e do perecimento eacute preciso abandonaacute-lo isto eacute eacute preciso

eliminar o natildeo ser do entendimento que parece vir da percepccedilatildeo da realidade A diferenccedila entre o

homem saacutebio instruiacutedo pela deusa e os mortais natildeo eacute a percepccedilatildeo em si mas o uso ou natildeo do

recurso que corrige a percepccedilatildeo Para o homem saacutebio instruiacutedo pela deusa geraccedilatildeo e perecimento

satildeo eliminados porque eacute eliminada aquela parte do argumento o natildeo ser com a qual se daacute a

passagem e o tracircnsito entre ser e natildeo ser como a deusa diz nos versos seguintes (DK B 819-21)

197

Em conclusatildeo podemos ver neste trecho como pocircr em praacutetica o Preceito da Deusa

Parmecircnides faz algumas distinccedilotildees Todo homem tem uma noccedilatildeo da realidade e todo homem

percebe a realidade da mesma maneira Esta maneira poreacutem distorce a realidade porque a mente

pelo haacutebito multiexperiente erra Qual eacute o erro Eacute um erro que acontece na mente eacute a confusatildeo

entre ser e natildeo ser Isto significa que errar eacute estrutural ao homem (mergulhado em sua cultura)

porque o problema natildeo se daacute quando ele escolhe ou decide mas antes da decisatildeo O problema estaacute

na estrutura que toma decisotildees ou seja na mente Parmecircnides diz que a origem eacute cultural (o haacutebito

multiexperiente da mente) e que a estrutura da mente condicionada que percorre o caminho de

confusatildeo entre ser e natildeo ser levaraacute a uma concepccedilatildeo de mundo onde tudo vai aleacutem dos limites

daquilo que eacute atravessando o territoacuterio impossiacutevel do natildeo ser A maneira tradicional de ver o

mundo estaacute errada Parmecircnides diz porque confunde algo que natildeo deveria ser confuso De fato o

ser que penetra na regiatildeo do natildeo ser quer realizar algo impossiacutevel porque a lei do mundo (Dike)

considera isto injusto Eacute fora da lei e injusto o ir aleacutem gerando e perecendo em direccedilatildeo ao natildeo ser

e Dike natildeo permite esta invasatildeo no natildeo ser ela manteacutem com correntes o ser dentro do que eacute Dike

eacute uma lei do mundo imanente ao mundo assim a oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo ser pertence ao

mundo e por isto eacute tambeacutem uma estrutura do pensamento verdadeiro aquele pensamento que anda

no caminho da verdadeira persuasatildeo Os homens podem entender esta lei e conhecendo-a podem

corrigir a maneira de pensar naquela parte do processo mental entre a percepccedilatildeo e o pensamento

Em outras palavras Parmecircnides sugere o uso do instrumento da natildeo contradiccedilatildeo (entre ser e

natildeo ser) natildeo depois mas antes do resultado do pensamento isto eacute antes do enunciado como a

deusa diz em DK B 87-8 (οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν) ou seja durante o

processo de pensar (operar cognitivamente) Para entender ao que Parmecircnides se refere com

processo de pensar (o caminho para as operaccedilotildees cognitivas) eacute preciso relembrar duas coisas

198

primeiro ele estaacute falando de um caminho especiacutefico do pensar segundo estaacute falando do caminho

de pesquisa deixando de lado os outros processos de pensamento No caso do inqueacuterito o caminho

(feito passo a passo) natildeo permite nenhum passo que use o natildeo ser porque a impossibilidade do natildeo

ser torna inuacutetil o inteiro encadeamento no qual possa ser encontrado um uacutenico elo que contenha o

natildeo ser No caso dos versos DK 87-8 quando a deusa diz ldquoEu natildeo permitirei etcrdquo ela quer dizer

ldquoEu natildeo te permitirei operar cognitivamente e dizer esta conclusatildeo o ser tem geraccedilatildeo porque os

passos deste caminho (os elos do encadeamento) do pensar e do dizer (argumento) incluem o natildeo

serrdquo Em outras palavras cada passo do inqueacuterito pode ser usado para o proacuteximo passo somente se

eacute filtrado pelo Preceito da Deusa (veremos isto melhor na anaacutelise nos proacuteximos versos DK 834 e

ss) O processo de pensar eacute entatildeo o percurso que leva ao enunciado o processo de pensar eacute o

argumento eacute no argumento que eacute preciso aplicar o Preceito da Deusa (e natildeo no enunciado que dele

resulta) Parmecircnides demanda uma mudanccedila na articulaccedilatildeo do pensar algo que como sabemos

realmente aconteceu depois dele o desenvolvimento de um novo modo de organizaccedilatildeo da cultura

humana aquele modo que chamamos pensamento racional em oposiccedilatildeo ao pensamento miacutetico

5213 DK B 826-8

ldquoMas imoacutevel (ἀκίνητον) jaz dentro de limites (ἐν πείρασι) de fortes correntes sem iniacutecio

(ἄναρχον) e sem fim (ἄπαυστον) pois geraccedilatildeo e perecimento foram afastados a persuasatildeo

verdadeira (πίστις ἀληθής) os empurrou para traacutesrdquo Mais uma vez temos primeiro o enunciado ou

seja o resultado do argumento assim o ser eacute imoacutevel sem comeccedilo nem fim Depois do enunciado

temos o argumento geraccedilatildeo e perecimento foram repelidos pela persuasatildeo verdadeira obtida

podemos acrescentar pela aplicaccedilatildeo do Preceito da Deusa Mais uma vez temos a clara sequecircncia

199

do argumento parmenidiano

5214 DK B 834-8

ldquoO mesmo satildeo operar cognitivamente (νοεῖν) e o fato pelo qual se daacute a operaccedilatildeo cognitiva

(νόημα) Com efeito natildeo sem o ser (οὐ ἄνευ τοῦ ἐόντος) no qual (ou pelo qual) eacute declarado tu

encontraraacutes a operaccedilatildeo cognitiva pois natildeo haacute nem haveraacute nada aleacutem do ser pois Moira acorrentou-

o para ser inteiro e imutaacutevelrdquo Estes versos apresentam muitos problemas tanto filoloacutegicos quanto

filosoacuteficos Tentaremos escapar da necessidade de atravessar este difiacutecil territoacuterio concentrando

nosso foco sobre o primeiro verso O sentido geral da inteira passagem embora com algumas

discordacircncias entre os estudiosos pode ser considerado este pensar (ou conhecer) e o

sujeitoobjeto do pensar (ou do conhecer) satildeo o mesmo porque sem o ser eacute impossiacutevel pensar ou

conhecer algo isto eacute eacute impossiacutevel pensar ou conhecer o que natildeo eacute porque sem o ser natildeo haacute nada

Creio que o acento sobre o aspecto psicoloacutegico do pensamento parmenidiano pode ajudar a

esclarecer estas palavras Antes de tudo a expressatildeo o mesmo (ταὐτὸν) natildeo pode ser traduzida

como idecircntico Trata-se do mesmo na semacircntica arcaica que significa pertencer ao mesmo ramo

genealogia povo tribo Por exemplo todas as pessoas de Roma satildeo o mesmo isto eacute satildeo Romanos

No caso de Parmecircnides ele estaacute tentando descrever dois fatos que parecem ser diferentes mas ele

diz ele pertencem ao mesmo fato o mesmo acontecimento Numa linguagem muito moderna e

levando em conta que Parmecircnides estaacute falando do mundo fiacutesico (ἐόν) podemos traduzir com eles

pertencem ao mesmo evento O evento naturalmente eacute o ἐόν para o qual o fragmento 8 eacute dedicado

Como em outras partes da filosofia parmenidiana a descriccedilatildeo do mundo fiacutesico inclui a lei que

governa aquele fato fiacutesico Assim o mesmo significa que os fatos que ele estaacute descrevendo satildeo

200

submetidos agrave mesma lei de comportamento fiacutesico

Operar (na parte cognitiva da mente) e aquilo pelo qual se daacute a operaccedilatildeo cognitiva pertencem

ao mesmo evento De fato se algo eacute declarado este algo possui realidade porque a declaraccedilatildeo aqui

natildeo eacute uma declaraccedilatildeo qualquer Natildeo podemos esquecer que Parmecircnides aqui estaacute aplicando seu

meacutetodo agrave physis isto eacute ao mundo Quando fala sobre declaraccedilatildeo de algo nesse contexto ele quer

dizer a verdadeira declaraccedilatildeo o enunciado verdadeiro e o discurso verdadeiro de fato a fala

verdadeira segue a persuasatildeo verdadeira Assim no discurso verdadeiro quando ele fala sobre algo

faz afirmaccedilotildees verdadeiras porque 1) o pensamento verdadeiro sobre algo e 2) a operaccedilatildeo cognitiva

operada com o recurso (o Preceito da Deusa) pertencem ao mesmo evento isto eacute agrave mesma

realidade verdadeira a realidade do ἐόν Mais uma vez o recurso eacute mostrado pela imagem da

Moira (o Fado) acorrentando todas as coisas num inteiro de uma forma que sem passado e futuro

(que introduziriam o natildeo ser pois as coisas que devecircm viriam do natildeo ser e iriam para o natildeo ser)

natildeo haacute ser que venha e vaacute e natildeo haacute outra coisa exceto o ser que jaacute existe

Aqui Parmecircnides cumpre um grande passo no desenvolvimento do conhecimento humano

porque ele afirma a identidade de funccedilatildeo entre o pensar humano verdadeiro e o pensamento

verdadeiro a respeito de algo Ele diz que o sujeito e o objeto pertencem agrave mesma ordem da physis

e eacute esta pertinecircncia que permite a possibilidade do conhecimento240 Esta mesma ordem natildeo eacute

aquela adquirida pelo haacutebito multiexperiente mas eacute a ordem do percurso cognitivo do eacute Atender

240Nota epistemoloacutegica Vale lembrar que anteriormente a Parmecircnides o conhecimento verdadeiro era reservado soacute

aos deuses (Xenoacutefanes DK 21 B 18 e 24 Alcmeon DK 24 B 1) Ao estabelecer uma mesma lei entre o pensar e o

ente que eacute pensado Parmecircnides estabelece um princiacutepio pelo qual o mundo (que naquela eacutepoca incluiacutea os deuses

diferentemente do pensamento cristatildeo que potildee o deus fora do mundo) e o pensar o mundo obedecem agrave mesma lei

autorizando epistemologicamente desta forma o pensamento humano a alcanccedilar e incluir o mundo inteiro no seu

objeto de conhecimento verdadeiro

201

a esta ordem permite o conhecimento verdadeiro porque atender ao Preceito da Deusa permite a

relaccedilatildeo entre o pensar isto eacute aquele pensador que pensa com as operaccedilotildees cognitivas verdadeiras

com o pensamento do objeto expresso em declaraccedilotildees verdadeiras o sujeito pensador (o homem

saacutebio que segue o Preceito da Deusa) pode conhecer a verdade do objeto porque o mundo (que

inclui sujeito e objeto) eacute ordenado pelo mesmo preceito que Dike e Moira potildeem em accedilatildeo

acorrentando o ἐόν num todo

522 O fragmento DK 4

O fragmento DK 4 eacute um dos mais misteriosos do poema Natildeo estaacute clara a sua posiccedilatildeo na

ordenaccedilatildeo dos fragmentos Diels o colocou entre o 3 e o 5 mas hoje isto eacute contestado por muitos

estudiosos Na minha opiniatildeo que natildeo pode ser justificada aqui241 ele pertence agrave primeira parte do

poema mas talvez na seccedilatildeo da discussatildeo do ἐὸν ou seja no fragmento DK 8 eacute impossiacutevel poreacutem

decidir mais precisamente em que parte do fragmento deve ser colocado de forma que eu o deixo

no uacuteltimo lugar antes do fim da fala da deusa a respeito da verdade (DK 850) O fragmento foi

transmitido por Clemente de Alexandria

λεῦσσε δ ὅμως ἀπεόντα νόωι παρεόντα βεβαίως

οὐ γὰρ ἀποτμήξει τὸ ἐὸν τοῦ ἐόντος ἔχεσθαι

οὔτε σκιδνάμενον πάντηι πάντως κατὰ κόσμον

οὔτε συνιστάμενον

A grande problemaacutetica da traduccedilatildeo eacute bem conhecida pelos estudiosos e se reflete na

241A discussatildeo da posiccedilatildeo do fragmento DK 4 requereria a discussatildeo da exegese do poema como um todo Por outro

lado o assunto do fragmento DK 4 eacute perifeacuterico em relaccedilatildeo ao tema da presente tese e reportar ainda que

parcialmente aquela discussatildeo sobrecarregaria (dada a grande e intensa discordacircncia dos estudiosos)

desnecessariamente o texto retirando o foco do tema principal o natildeo ser

202

insatisfaccedilatildeo geral com os resultados que satildeo muito diferentes para cada interprete242 Nesse caso

nem o sentido geral recebe um acordo dos estudiosos assim podemos ir diretamente para a

interpretaccedilatildeo do ponto de vista psicoloacutegico ldquoObserve com a operaccedilatildeo cognitiva (νόωι) as coisas

ausentes como sendo (ὅμως) presentes firmemente pois [subentendido a operaccedilatildeo cognitiva

νόος] natildeo dividiraacute (οὐ γὰρ ἀποτμήξει) o ente de aderir (ἔχεσθαι) do ente (τοῦ ἐόντος) nem pelo

espalhamento em todas as direccedilotildees em todo lugar nem pela uniatildeordquo

Do nosso ponto de vista psicoloacutegico a interpretaccedilatildeo deste fragmento resulta simples e clara

se fizermos algumas consideraccedilotildees Antes de tudo noacutes temos os nossos instrumentos o Preceito

da Deusa e as correntes de Dike e Moira depois sabemos que estas correntes precisam estar

tambeacutem no pensar (as operaccedilotildees cognitivas verdadeiras) e no mundo Mas se o mundo natildeo parece

acorrentado eacute porque noacutes estamos olhando para ele sem o recurso (ἀμηχανίη) como o olham os

mortais A primeira palavra que encontramos eacute λεῦσσε que eacute a forma imperativa do verbo λεύσσω

observar fitar A deusa diz ao disciacutepulo olhe atentamente Natildeo eacute um convite eacute uma ordem

imperativa como muitas outras ao longo do poema para que o disciacutepulo obedeccedila e faccedila aquilo O

que ele tem que fitar A deusa diz que ele tem que olhar atentamente as coisas ausentes (ou as

coisas afastadas) como firmemente presentes (ou proacuteximas) E a deusa acrescenta que o kouros

precisa fazer isto com a mente (νόωι dativo instrumental) Noacutes jaacute sabemos que nesse caso νόωι

significa pelas operaccedilotildees cognitivas da mente e tambeacutem sabemos que este olhar eacute o recurso da

mente que os mortais natildeo tecircm (por esta razatildeo eles perambulam como surdos e cegos) Portanto ateacute

242 Este fragmento raramente eacute estudado em si mas quase sempre em relaccedilatildeo agrave doutrina geral do ser no poema Uma

exposiccedilatildeo de algumas interpretaccedilotildees se encontra em Marques 2007

203

agora os instrumentos satildeo claros e conhecidos porque foram apresentados nas partes anteriores do

poema sumariamente olhe com a mente usando o recurso isto eacute com o Preceito da Deusa

O proacuteximo passo consiste em entender o que poderia significar o fato que coisas ausentes

devem ser vistas como presentes Como sempre a razatildeo para o preceito eacute dada depois do

enunciado portanto poderiacuteamos encontrar vestiacutegios nos versos seguintes No segundo verso natildeo

haacute um sujeito claro para a oraccedilatildeo e o verbo ἀποτμήξει pode ser da 2a pessoa em voz meacutedia ou da

3a pessoa em voz ativa do futuro de ἀποτμήγω se noacutes aceitamos como 2a pessoa o sujeito eacute a

mesma pessoa para a qual o imperativo eacute direto isto eacute o kouros se noacutes aceitarmos como 3a pessoa

o sujeito eacute o mesmo da primeira oraccedilatildeo isto eacute o νόος isto eacute as operaccedilotildees cognitivas Levando em

conta que as operaccedilotildees cognitivas satildeo referidas ao kouros do nosso ponto de vista esta

ambiguidade gramatical natildeo eacute importante e o sentido geral permanece o mesmo o sujeito eacute um

operador cognitivo isto eacute as operaccedilotildees cognitivas do kouros Vamos entatildeo escolher a 3a pessoa

apenas para permitir que o tom imperativo da deusa seja mais universal

As operaccedilotildees cognitivas natildeo separaratildeo o ente de aderir ao ente Isto significa que as

operaccedilotildees cognitivas verdadeiras natildeo cortaratildeo as correntes que tornam todas as coisas um todo As

coisas natildeo podem ser separadas e o olhar (o recurso) das operaccedilotildees cognitivas verdadeiras natildeo

separaraacute o ente do ente ou tambeacutem o ente do todo ao qual pertence Parmecircnides diz que eacute o olho

com recurso (o Preceito da Deusa) que vecirc todas as coisas num todo Pela mesma razatildeo as coisas

natildeo podem ser vistas como espalhadas ou concentradas Ateacute agora eacute muito claro e estaacute dentro de

nossa interpretaccedilatildeo anterior Resta o problema de entender ἀπεόντα e παρεόντα

Para poder entender como as coisas ausentes devem estar presentes para o olho da mente

com recurso precisamos nos perguntar em quais circunstacircncias as coisas presentes parecem estar

ausentes para a mente comum Esta me parece uma observaccedilatildeo psicoloacutegica surpreendente de

204

Parmecircnides No nosso comportamento psicoloacutegico comum noacutes observamos as coisas como se

fossem isoladas umas das outras Se eu observo um livro eu considero este livro como uma coisa

isolada do resto do mundo e por isso eu digo o livro estaacute sobre a mesa Considero o objeto isolado

livro sobre o objeto isolado mesa Este isolamento dos objetos eacute o resultado de um processo

normal de nossa cogniccedilatildeo que noacutes chamamos atenccedilatildeo A atenccedilatildeo eacute uma maneira dos nossos

processos perceptivos e cognitivos pela qual uma coisa que eacute o objeto de nossas atenccedilotildees eacute

separada do resto do mundo este permanece em segundo plano em relaccedilatildeo ao objeto de nossa

atenccedilatildeo Assim pelo comportamento psicoloacutegico eu seleciono objetos para a minha atenccedilatildeo um

livro uma mesa uma xiacutecara e os considero um de cada vez para as minhas finalidades Quando

esta atenccedilatildeo eacute organizada numa consideraccedilatildeo consciente de um uacutenico objeto eu digo ldquoum livrordquo

Assim a minha ideia de livro eacute extraiacuteda da realidade e o livro real revive em minha mente natildeo

como aquele livro concreto relacionado naquele momento com aquela mesa naquele ambiente

etc mas como uma ideia A ideia de livro eacute algo extraiacutedo da realidade e noacutes chamamos esta

extraccedilatildeo de abstraccedilatildeo (do latim ab traho levo embora)

A realidade eacute um conjunto de coisas sempre juntas todas elas Mas a mente comum vecirc as

coisas como separadas umas das outras Quando penso livro eu faccedilo uma ideia como se o livro

fosse algo rodeado pelo nada isto eacute o que a mente comum faz quando pensa de forma abstrata

Mas o livro concreto estaacute sempre mergulhado no todo da realidade e eu natildeo posso nunca encontrar

um livro isolado rodeado por uma espeacutecie de coisa real que poderia ser o nada De fato diz

Parmecircnides natildeo haacute dispersatildeo nem concentraccedilatildeo no mundo ordenado243 (κατὰ κόσμον) e quando

243 Embora esta seja uma expressatildeo eacutepica que significa em ordem ou ordenadamente (Taraacuten 1965 p 47-48 Coxon

205

noacutes vemos um mundo com dispersatildeo e concentraccedilatildeo noacutes estamos olhando como surdos e cegos

como as pessoas sem recurso Mas as operaccedilotildees cognitivas verdadeiras da mente natildeo cortaratildeo as

correntes que ligam todas as coisas no ser no todo no ἐὸν Portanto as operaccedilotildees cognitivas da

mente devem olhar junto com o livro que a mente comum vecirc como presente tambeacutem a mesa e a

xiacutecara e as outras coisas as quais embora pareccedilam estar ausentes de fato na realidade estatildeo

presentes Esta fatal (divina) inteira presenccedila deve ser vista (eacute necessaacuterio que seja vista λεῦσσε

imperativo) pelo homem com recurso

Se esta interpretaccedilatildeo estaacute correta estamos diante da primeira descriccedilatildeo do processo de

abstraccedilatildeo da cultura ocidental Isto tornaria Parmecircnides um observador realmente extraordinaacuterio

do comportamento da mente desde o comportamento psicoloacutegico ateacute as implicaccedilotildees cognitivas

epistemoloacutegicas e filosoacuteficas

523 O fragmento 16

Este fragmento tambeacutem eacute extremamente controverso chega ateacute noacutes pela Metafiacutesica de

Aristoacuteteles e pelo de Sensu de Teofrasto eis o texto oferecido por Diels-Kranz244

ὡς γὰρ ἕκαστος ἔχει κρᾶσιν μελέων πολυπλάγκτων

τὼς νόος ἀνθρώποισι παρίσταται τὸ γὰρ αὐτό

ἔστιν ὅπερ φρονέει μελέων φύσις ἀνθρώποισιν

καὶ πᾶσιν καὶ παντί τὸ γὰρ πλέον ἐστὶ νόημα

2009 308) haacute alguns autores que traduzem atraveacutes do mundo (por exemplo OBrien 1987 p 21 across the

world) o sentido de mundo era um sentido novo que vinha se configurando desde Anaximandro no entanto o

puacuteblico de Parmecircnides ainda natildeo podia natildeo associar a este termo o sentido tradicional de ordem Para um status

questionis do termo κόσμος veja-se Finkelberg 1998 244A exegese eacute extremamente problemaacutetica e em geral a criacutetica mais recente prefere a versatildeo de Teofrasto

206

Cavalcante de Souza traduz245

Pois como cada um tem mistura de membros errantes

assim a mente nos homens se apresenta pois o mesmo

eacute o que pensa nos homens eclosatildeo de membros

em todos e em cada um pois o mais eacute pensamento

Mais uma vez estamos diante de um texto que natildeo soacute natildeo apresenta unanimidade de

traduccedilatildeo como tambeacutem natildeo apresenta sequer um acordo sobre o seu sentido geral 246 Tanto

Aristoacuteteles quanto Teofrasto citam a passagem em relaccedilatildeo agrave discussatildeo da relaccedilatildeo entre sensaccedilatildeo e

pensamento A citaccedilatildeo de Aristoacuteteles aparece descontextualizada enquanto aquela de Teofrasto

conteacutem algum comentaacuterio entretanto ambas satildeo insuficientes para um claro entendimento da

mensagem parmenidiana O resultado eacute ateacute mesmo uma dificuldade de colocaccedilatildeo do fragmento na

primeira parte ou na segunda do poema ao se acentuar o aspecto da discussatildeo sobre a mente se

reconduz a citaccedilatildeo a ser fragmento da primeira parte ao se enfatizar o aspecto bioloacutegico se manteacutem

a citaccedilatildeo como fragmento da segunda parte Diels opta pela segunda e o numera como fr 16 Apesar

da grande autoridade do helenista alematildeo vozes discordantes apareceram e jaacute nos anos 50 Loenen

propotildee uma colocaccedilatildeo na primeira parte 247 no mesmo sentido tambeacutem Mourelatos 248 e

Robinson 249 que reconhecem no fragmento ecos da linguagem da primeira parte mais

recentemente alguns estudiosos mantecircm esta colocaccedilatildeo e alguns o fazem jaacute em outros contextos

245Cavalcante de Souza 1978 p 125 246 Como exemplo de discordacircncia radical vejam-se esses dois artigos do mesmo nome Parmenides theory of

knowledge (Vlastos 1946) e Parmenides theory of knowledge (Philip 1958) 247Loenen ldquo[] to be quite precise it probably came immediatly after fr 3rdquo (1959 p 50 e ss) 248Mourelatos 2008 p 253 e ss 249 Robinson (1975 p 631-632) inclui este fragmento no seu estudo sobre o grupo de fragmentos a respeito da

determinaccedilatildeo da realidade (ascertainment of the real)

207

criacuteticos do poema250 Ao lado destes continuam havendo importantes criacuteticos que satildeo defensores

da colocaccedilatildeo na segunda parte Esse breve apanhado aqui relatado quer ser uma razatildeo evidente

da cripticidade do texto parmenidiano Se natildeo haacute acordo nem sequer sobre que parte do poema

colocar o fragmento se pode imaginar o grau de desacordo sobre a interpretaccedilatildeo Aparentemente

haacute no fragmento a explicitaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo entre a mente e o corpo (os membros μελέων) no

entanto ateacute isto estaacute sendo posto em questatildeo251

Devido a toda esta problematicidade de interpretaccedilatildeo este fragmento embora possua um

evidente vocabulaacuterio psicoloacutegico (τὼς νόος ἀνθρώποισι παρίσταται τὸ γὰρ αὐτό ἔστιν ὅπερ

φρονέει τὸ γὰρ πλέον ἐστὶ νόημα) natildeo apresenta duas condiccedilotildees importantes para a nossa

pesquisa A primeira consiste em ter um bom grau de inteligibilidade este fragmento assim como

tambeacutem o fragmento DK B 3 natildeo o tem A segunda eacute apresentar um comportamento da mente

este fragmento apresenta uma teoria meacutedica do pensamento (para os que o colocam na segunda

parte do poema) ou associaccedilatildeo das sensaccedilotildees agrave mente interferindo no processo de conhecimento

da verdade (para quem o coloca na primeira parte do poema) e natildeo um comportamento da mente

Assim apesar de representar um material psicoloacutegico precioso252 para outros enfoques se revela

250Um exemplo notaacutevel eacute a interpretaccedilatildeo de Cordero o qual coloca o fr 16 logo apoacutes o fr 6 atendendo natildeo somente a

uma interpretaccedilatildeo diferente mas tambeacutem a uma nova ordenaccedilatildeo dos fragmentos que garante ele (o trabalho estaacute

escrito mas eacute ineacutedito) supera a divisatildeo tradicional do poema em aletheia e doxa (Cordero 2008 p 72-74) 251 Kurfess (2014) com razotildees interessantes propotildee traduzir μέλεα por uacutetero colocando assim o fragmento entre

aqueles de embriologia 252Por exemplo a interpretaccedilatildeo de Frankel seria do ponto de vista psicoloacutegico extremamente interessante ldquoThe first

sentence of the fragment says the ratio of the two elements of which a person consists (Light and Dark Being and

Not-being) is subject to great fluctuations and these changes are accompained by corresponding fluctuations in his

powers of insight and his whole way of looking at thingsrdquo (Frankel 1975 p 17) Lamentavelmente essa

interpretaccedilatildeo assim como as demais possui uma instabilidade que depende do proacuteprio texto e portanto natildeo eacute

aproveitaacutevel

208

insuficiente para o aproveitamento para a nossa anaacutelise

524 Conclusatildeo

Com esta segunda parte do estudo concluiacutemos nossa busca pelo vocabulaacuterio psicoloacutegico do

poema parmenidiano e pela averiguaccedilatildeo da existecircncia de um Parmecircnides observador do

comportamento da mente humana isto eacute de um Parmecircnides psicoacutelogo A nossa analise revelou um

Parmecircnides excelente psicoacutelogo Depois da primeira seccedilatildeo vimos no capiacutetulo 2 a extraordinaacuteria

observaccedilatildeo da impossibilidade de se pensar o natildeo ser vimos tambeacutem a reflexatildeo a respeito desta

impossibilidade e as consequecircncias que ele extraiu tanto no plano da possibilidade de

conhecimento quanto no plano filosoacutefico elaborando um meacutetodo corretivo do desvio cognitivo da

mente E nesta segunda seccedilatildeo vimos a aplicaccedilatildeo desse meacutetodo (do ponto de vista psicoloacutegico) e

talvez a primeira descriccedilatildeo do processo mental de abstraccedilatildeo Principalmente vimos a organicidade

e forccedila estrutural do pensamento de Parmecircnides que apoia passo a passo todas as suas afirmaccedilotildees

umas nas outras partindo da impossibilidade de se pensar o natildeo ser e chegando na descriccedilatildeo

coerente de um mundo sem mutaccedilatildeo passando pelas etapas intermediaacuterias da compreensatildeo do erro

nos argumentos devido a um desvio cognitivo do meacutetodo para corrigir o erro da criacutetica ao

pensamento comum e da apresentaccedilatildeo argumentada das caracteriacutesticas verdadeiras do eon o

mundo

53 O preceito da deusa

Apoacutes nosso percurso pelo fragmento 2 e pela discussatildeo do meacutetodo parmenidiano podemos

agora voltar ao tantas vezes jaacute nomeado Preceito da Deusa Na verdade a deusa parmenidiana

209

oferece muitos preceitos desde o nem conhecerias o que natildeo eacute [hellip] e nem o dirias de 27-8 ateacute o

eacute ou natildeo eacute do 816 e aleacutem No entanto o preceito siacutentese de todos os outros e em sua versatildeo

operativa ou seja numa foacutermula que pode ser aplicada eacute aquele reportado (e tornado famoso) por

Platatildeo e enumerado por Diels no fragmento 7 e versos 71-2 Jaacute encontramos essa citaccedilatildeo no

primeiro capiacutetulo ao falar do testemunho de Platatildeo (p XX) e ali fizemos uma distinccedilatildeo entre a

semacircntica parmenidiana e a semacircntica platocircnica por natildeo conhecermos ainda a semacircntica

parmenidiana renunciamos temporariamente a traduzir os versos e com a ajuda da semacircntica

platocircnica apenas salvamos a sintaxe de forma a manter uma referecircncia para a sucessiva anaacutelise do

texto do poema Depois jaacute conhecendo a semacircntica do natildeo ser em Parmecircnides reapresentamos

esses dois versos no 2ordm paraacutegrafo do capiacutetulo 2 oferecendo a traduccedilatildeo e sentidos dentro da

sequecircncia apresentada pelo poema quanto agrave discussatildeo do meacutetodo que Parmecircnides propotildee no

fragmento 2 Agora podemos nos dedicar a uma discussatildeo mais geral desses dois versos pois

como indica a citaccedilatildeo de Platatildeo representam a essecircncia da mensagem da filosofia parmenidiana

Vamos relembrar a letra dos versos

Natildeo prevaleccedila (οὐδαμῆι) jamais (μήποτε) isto (τοῦτο) ser os natildeo entes

Tu poreacutem desta via de inqueacuterito afasta o pensamento

Estabelecido o sentido metodoloacutegico dentro do poema podemos verificar uma sua

generalizaccedilatildeo O texto nos diz que (1) haacute uma via de inqueacuterito da qual eacute necessaacuterio se manter

afastados isto significa que este preceito se aplica agrave via de inqueacuterito agrave busca pelo saber isto eacute agrave

filosofia no sentido mais geral do termo (2) No inqueacuterito diante das duas vias possiacuteveis uma tem

que ser evitada a saber aquela que pretende que os natildeo entes sejam (3) Que os natildeo entes sejam

nunca prevaleceraacute

O preceito da deusa se baseia numa distinccedilatildeo que se revela no (1) por um lado haacute uma

210

estrutura do mundo por assim dizer objetiva e por outro lado haacute uma compreensatildeo subjetiva

desta estrutura O mundo considerado enquanto objeto apresenta a estrutura que se revela na

oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo ser (3) O pensamento de inqueacuterito um ato do sujeito pode ou natildeo

refletir esta estrutura por isto se oferecem ao sujeito duas vias (2) Esta distinccedilatildeo parmenidiana

representa por um lado a ruptura do realismo ingecircnuo cognitivo e por outro lado a consciecircncia

de que a esta ruptura eacute necessaacuterio oferecer um reparo Posto que o mundo estaacute estritamente ligado

pelas correntes na necessidade (3) o pensamento que queira investigar o mundo ndash e que

inexoravelmente se encontra diante de duas possibilidades (2) a de seguir o caminhos com os

nexos soltos ou o caminho com os nexos estreitos ndash precisa seguir o caminho de nexos estreitos

(1) definido pelo preceito mantenha-se afastado da via onde prevalece que os natildeo entes sejam

Reaproximando estas palavras a uma linguagem mais familiar para noacutes podemos dizer natildeo

argumente (mantenha-se afastado da via) com a identidade entre natildeo ente e ente (onde prevalece

que os natildeo entes sejam) O preceito pode entatildeo ser generalizado desta forma no caminho de

inqueacuterito que acompanha a verdade o ente natildeo pode ser idecircntico ao natildeo ente Generalizando mais

ainda temos o Preceito da Deusa

em relaccedilatildeo ao argumento algo natildeo pode ser e natildeo ser

Note-se que este eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo parmenidiano no campo do pensamento

e portanto eacute um princiacutepio do pensar eacute um princiacutepio loacutegico Jaacute como vimos no primeiro paraacutegrafo

do capiacutetulo 2 o princiacutepio ontoloacutegico eacute o seguinte

natildeo ser eacute impossiacutevel

A estrutura cristalina do pensamento de Parmecircnides pode ser colhida somente se livrando das

camadas culturais poacutes-platocircnicas de forma que a tarefa de evidenciar esse nuacutecleo filosoacutefico se

torna muitas vezes difiacutecil e ateacute mesmo ingloacuteria Tome-se por exemplo o magniacutefico e virtuosiacutestico

211

trabalho de Scott Austin Being bounds and logic de 1986 O autor aceita que Parmecircnides introduz

o princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo mas sua anaacutelise se reversa inteiramente sobre a sintaxe e ele conclui

que Parmecircnides realizou a generalizaccedilatildeo deixando cair (dropping) os predicados253 assim seria

um caminho de contradiccedilatildeo sintaacutetica que gerou em Parmecircnides a reatividade agrave contradiccedilatildeo

fazendo-o afinal rejeitar as afirmaccedilotildees contraditoacuterias eacute e natildeo eacute Penso que a contradiccedilatildeo em

Parmecircnides natildeo seja uma questatildeo de ouvido pois a contradiccedilatildeo para o ouvido eacute a contradiccedilatildeo

comumente percebida bem antes de Parmecircnides na linguagem comum Penso que Parmecircnides eacute

bem consciente da questatildeo filosoacutefica da contradiccedilatildeo como aliaacutes vimos abundantemente neste

trabalho pelos seguintes temas apresentados no poema a psicologia da convicccedilatildeo o criteacuterio para

a verdade o conflito entre explicaccedilotildees diversas em relaccedilatildeo aos mesmos fenocircmenos em escala

ampla (desde ao menos seu mestre Xenoacutefanes) a reflexatildeo sobre o natildeo ser nitidamente e

253Um exemplo eacute reportado na paacutegina 33 ldquoIf a division is or generates a hole in being then there will be a place where

what-is is not continuous and soacute the sentence what-is here divided and is there not divided would have to be true

Similarly if what-is is bigger somewhere then it is smaller somewhere eles (as Parmenides clearly realizes in 46-

48) and so it is here bigger there not bigger would have to be true [hellip] I suggeste that Parmenides saw this as an

instance of something like contradiction and would claim that saying of what-is that it is bigger and not bigger

makes being be both Parmenides ears do not (for philosophical purposes at least) register here there contrast

He allows himself to be deaf because his logic focuses on the terms directly introduced by the copula to the

exclusion of the qualifiers somewhat in the manner of the logic of Platos Phaedo in which what is ontologically

suspect about entities like Simmias and Cebes (or what clues us into their ontological derivativeness) is that they

can be both taller and shorter never mind than whomrdquo

Uma criacutetica que eacute feita a este tipo de argumento eacute que esta reduccedilatildeo ndash onde aqui e ali satildeo abandonados restando

somente o ser como sendo maior e menor ndash eacute que para que a reduccedilatildeo aconteccedila eacute necessaacuterio que os adveacuterbios sejam

levados em conta para depois serem abandonados (Thom 1999 p 155) o que exclui que Parmecircnides seja surdo

a eles Mas o argumento principal a meu ver eacute a inversatildeo da linha de raciociacutenio isto eacute natildeo eacute pelo fato de que o

eon sendo maior aqui e menor ali seria maior e menor (excluindo os adveacuterbios que supostamente Parmecircnides natildeo

ouve) e portanto apresentaria uma contradiccedilatildeo ser e natildeo ser inaceitaacutevel mas eacute pelo fato de que o natildeo ser eacute

inaceitaacutevel que o eon natildeo pode ser maior e menor ou maior aqui e menor ali Estaacute mais do que claro no poema que

Parmecircnides exclui a induccedilatildeo (ou seja uma suposta observaccedilatildeo do eon como sendo maior e menor em cima da qual

ele elabora uma teoria particular para aquele fenocircmeno) e expotildee sua visatildeo do eon a partir do pressuposto da

exclusatildeo do natildeo ser exclusatildeo que explica a homogeneidade e portanto a impossibilidade do eon ser maior aqui ou

ali Esta inversatildeo eacute tanto mais notaacutevel quanto o fato de Austin atribuir a Parmecircnides uma surdez que o proacuteprio

Parmecircnides atribui aos mortais

212

magistralmente exposta no fragmento 2 e a elaboraccedilatildeo de um meacutetodo de pesquisa natildeo somente

utilizado por ele mas ateacute mesmo ensinado pela boca de uma deusa num poema didaacutetico Todo

este aparato natildeo se apoia apenas no ouvido mais ou menos deficiente de Parmecircnides mas num

autecircntico esforccedilo filosoacutefico aquele eterno esforccedilo humano de entender a si proacuteprio sua vida seu

mundo e o mundo de todos noacutes

Assim como Austin acusa Parmecircnides de ser surdo assim tambeacutem Jonathan Barnes o acusa

de ser cego254 Para o quecirc Parmecircnides seria cego Seria cego para a ambiguidade loacutegica de suas

foacutermulas linguiacutesticas De fato Barnes reconstroacutei os argumentos de Parmecircnides e depois de ter

montado passo a passo os vaacuterios argumentos se dedica a aprofundar o ldquocaminho da ignoracircnciardquo (o

caminho do natildeo ser que ele reconstroacutei utilizando os fragmentos 2 e o 6) Primeiro expotildee o caminho

em 15 passos e depois afirma que o 11ordm eacute falso eis suas palavras no The presocratic philosophers

ldquo(11) (ⱯX) (if X does not exist X cannot exist) [hellip] premiss (11) is false and obviously false Not

all nonentities are impossibilia many things might but do not existrdquo (p 157) Esta a interpretaccedilatildeo

de que algumas coisas embora natildeo existam poderiam existir natildeo estaacute dentro do horizonte

especulativo de Parmecircnides porque ele natildeo pensa em termos de essecircncia e existecircncia255 e ademais

recusa exatamente a possibilidade de que os natildeo entes venham a ser como reza o Preceito da Deusa

Se se interpreta a impossibilidade da existecircncia dos natildeo entes agrave luz do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo

254Diz Barnes ldquoParmenides I suggest was blind to the ambiguity of the sentence he used he supposed that he could

as it were take advantage in one and the same proposition both of the truth of (16) and of the logical implications

of (17) Parmenidesrsquo philosophy rests if I am right on an untruism it is some slight consolation that his was by no

means the last system to be built on such a sandy foundationrdquo (Barnes 1982 p 167) 255O tema da essecircncia e existecircncia em Parmecircnides eacute raramente tratado um dos raros artigos a respeito eacute de Austin

(2011) que mostra com pouca palavras que a questatildeo natildeo eacute tatildeo simples como pode parecer e que afinal o que

estaacute em jogo eacute a dinacircmica entre apresentaccedilatildeo e representaccedilatildeo do Ser (pace Heidegger diz Austin) assunto no qual

os preacute-socraacuteticos tecircm muito a contribuir

213

segundo a formulaccedilatildeo de Aristoacuteteles (ou ateacute mesmo de Platatildeo) entatildeo estariacuteamos diante de uma

falsidade Mas Parmecircnides adverte especificamente para se afastar do caminho onde prevalece que

os natildeo entes sejam Dizer que a proposiccedilatildeo (11) eacute uma falsidade significa trair o nuacutecleo da filosofia

parmenidiana significa desconsiderar o Preceito da Deusa e julgar o texto com os olhos platocircnicos

aristoteacutelicos ou ateacute mesmo contemporacircneos ou melhor ironia dos textos significa ver o mundo

como os mortais que Parmecircnides considera como cegos justamente ali onde Barnes restitui a

acusaccedilatildeo a Parmecircnides

Essa mesma situaccedilatildeo de natildeo aceitar ou desconsiderar os preceitos explicitados por

Parmecircnides levou muitos criacuteticos renomados e influentes a cometer imprecisotildees agraves vezes graves

na interpretaccedilatildeo do texto parmenidiano Tome-se em mais um exemplo Owen256 afora a inversatildeo

arbitraacuteria entre os modais de 23 e 25 (must no lugar de cannot em 23 e cannot no lugar de must

em 25 p 91 n 1) de ldquoconsequecircncias desastrosasrdquo257 haacute uma recusa de se aceitar as regras do

jogo definidas por Parmecircnides A recusa se expressa atribuindo a Parmecircnides um erro aquele de

afirmar que natildeo se pode falar do que natildeo existe Mas que o natildeo ser seja indiziacutevel eacute uma afirmaccedilatildeo

que quando analisada atentamente nem que seja apenas uma anaacutelise no plano etimoloacutegico levaria

agrave conclusatildeo que indiziacutevel e contraditoacuterio pertencem natildeo soacute ao mesmo campo semacircntico mas ateacute

mesmo ao mesmo campo etimoloacutegico para Parmecircnides natildeo ser (o que natildeo existe na versatildeo de

Owen) eacute contraditoacuterio Mas ao inveacutes de concluir que o natildeo ser eacute contraditoacuterio Owen conclui que

Parmecircnides estaacute errado ldquowhat is mistaken is his claim that we cannot talk of the non-existent We

256Owen (1960) 257Eacute a expressatildeo de OBrien em sua anaacutelise detalhada do artigo de Owen (OBrien 1987 p 187)

214

can of course mermaids for instancerdquo (p 94 n 1) Mais uma vez o Preceito da Deusa eacute

desconsiderado para aplicar a Parmecircnides a nossa visatildeo de possiacutevelimpossiacutevel contraditoacuterionatildeo-

contraditoacuterio

No comeccedilo do seacuteculo XX Burnet em oposiccedilatildeo a uma linha interpretativa anterior258 jaacute

falava de um meacutetodo rigoroso de argumentar presente no poema259 embora natildeo explicitava em que

consistia o meacutetodo e em que consistia o rigor sucessivamente Zafiropulo em 1950 fala de duas

principais contribuiccedilotildees uma das quais foi aquela de evidenciar as antinomias260 e Jameson em

1958 afirma que o poema potildee certos axiomas e traccedila suas implicaccedilotildees261 Todavia outras vozes

comeccedilaram a se levantar tentando reduzir a discussatildeo loacutegica e ontoloacutegica parmenidiana a uma

mera conscientizaccedilatildeo das regras da gramaacutetica grega Por exemplo Stannard em 1960 reclamando

da imprecisatildeo e obscuridade da linguagem dos criacuteticos afirma ldquoMy own feeling is that he

[Parmenides] was simply and intuitively following the syntactical structure of the only language

known to himrdquo262 Surgem nesta eacutepoca aquelas interpretaccedilotildees na linha da linguiacutestica agraves quais

258Por exemplo Gomperz em 1910 diz que o pensador desejoso de conhecimento (isto eacute Parmecircnides) se rebelava

contra a afirmaccedilatildeo de que as coisas satildeo e natildeo satildeo reduzindo uma eventual questatildeo de problematizaccedilatildeo loacutegica a

uma suposta ldquorazatildeo sadiardquo do pesquisador (ed italiana de 1963 p 259 ldquoContro una tale proposizione [as coisas

satildeo e natildeo satildeo nda] la sana ragione si rivoltograverdquo) 259Burnet 1920 sect 87 ldquoThe great novelty in the poem is the method of argument [hellip] This method Parmenides

carries out with utmost rigourrdquo 260Zafiropulo 1950 p 48 ldquoMais ce sont meacuterites intriacutensegraveques [hellip] qui rendent leacutecole dEacuteleacutee immortelle [hellip] quelle

avait la premiegravere mis em lumiegravere les antinomiesrdquo 261Jameson 1958 p 15 [O poema traz em uma das quatro sessotildees] ldquoA discussion of principles which lays down

certain axioms and traces their implications (B 23 6 7) rdquo 262Stannard 1960 p 530 Um exemplo da insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos criacuteticos estaacute nestas palavras (dirigidas a Vastos)

ldquoThus Vlastos assertion that Parmenides most important single contribution to the history of thought was his

projection of the logic of Being upon the alien world of Becoming would be hard to deny in the absence of

knowing what Vlastos considers the nature of logic to berdquo (p 527) O texto ao qual Stannard se refere estaacute em

Vlastos (1946 p 76)

215

segundo o testemunho de Charles Kahn263 se teve necessariamente que responder Uma obra

importante e influente desse ponto de vista foi a de Guido Calogero o qual na sua anaacutelise da

loacutegica parmenidiana depois de ter feito derivar as concepccedilotildees de Parmecircnides mais uma vez da

liacutengua grega (concepccedilotildees que natildeo poderiam surgir se ele falasse outro tipo de liacutengua) afirma ateacute

mesmo que ldquoA histoacuteria da loacutegica ocidental eacute neste sentido a histoacuteria dos esforccedilos com os quais o

pensamento lentamente de liberta da servidatildeo parmenidianardquo264 A criacutetica a este tipo de postura do

ponto de vista filosoacutefico eacute faacutecil antes de tudo explicar uma concepccedilatildeo filosoacutefica com uma

concepccedilatildeo linguiacutestica natildeo explica apenas desloca o problema da filosofia agrave linguiacutestica depois

obviamente uma explicaccedilatildeo linguiacutestica de tipo teacutecnico natildeo explica a questatildeo filosoacutefica evidenciada

pelo problema linguiacutestico e para entendecirc-la teriacuteamos que recair na filosofia de novo desta vez na

filosofia da linguiacutestica ou da linguagem com o resultado de ver voltar pela porta de traacutes o que

expulsamos pela porta da frente e o proacuteximo passo seria a explicaccedilatildeo da linguagem pelas estruturas

cognitivas e depois psicoloacutegicas e bioloacutegicas etc numa sequecircncia de reducionismo que vai

repropor inexoravelmente o mesmo problema filosoacutefico cada vez com uma roupagem diferente

Embora estudos como esses de Kahn e Calogero natildeo tenham ajudado muito na minha

opiniatildeo na compreensatildeo filosoacutefica de Parmecircnides ajudaram consideravelmente no

aprofundamento dos estudos filoloacutegicos e na melhor articulaccedilatildeo do texto do poema

Simultaneamente uma melhor compreensatildeo filosoacutefica veio mais propriamente da produccedilatildeo

263Kahn 2003 p Viii ldquoThus my original project was philological and hermeneutical However this project was altered

by my concern with the attacks on this concept from relativists and positivists who claimed that the metaphysics

of Being resulted simply from linguistic confusion or from the reification of local peculiarities of vocabularyrdquo 264Calogero 1967 p 153 ldquoLa storia della logica occidental egrave in questo senso la storia degli sforzi con cui il pensiero

lentamente si affranca dalla servitugrave parmenideardquo

216

filosoacutefica da primeira metade do seacuteculo XX refiro-me a pensadores como Nietzsche Bergson

Heidegger Sartre e outros numa onda de propostas que estimularam a busca de antigas referecircncias

para novas concepccedilotildees Os resultados foram os endereccedilos heideggerianos e mais genericamente

contemporacircneos no estudo da filosofia antiga mas tambeacutem os endereccedilos parmenidianos no

desenvolvimento da filosofia contemporacircnea como por exemplo um movimento chamado de neo-

parmenidismo italiano cujo primeiro representante Severino propotildee uma reflexatildeo sobre o devir

a partir de um artigo dos anos 60 Ritornare a Parmenide E ainda por outro lado os estudos de

Loacutegica encontraram um vigor jamais visto antes antes de tudo com os claacutessicos como Frege mas

depois na primeira metade do seacuteculo XX com grandes loacutegicos como Russell e Goumldel Todas estas

premissas redundaram num extraordinaacuterio desenvolvimento dos estudos preacute-socraacuteticos e mais

especificamente parmenidianos com grandes estudiosos muitos dos quais citados aqui neste

trabalho

Especificamente em relaccedilatildeo agrave loacutegica de Parmecircnides o desenvolvimento das assim chamadas

loacutegicas natildeo claacutessicas fez com que natildeo soacute a aporia eleaacutetica natildeo fosse mais desprezada descartada

ou desconsiderada como acontecia antes mas se tornasse emblema de uma maneira de ver o

mundo que se compraz ateacute mesmo em criar novos mundos265 Assim as loacutegicas atuais criam

mundos impossiacuteveis escherianos e aporeacuteticos e tecircm em Parmecircnides o seu xodoacute uma referecircncia

certa e certeira justamente naquela ambiguidade entre ser e devir entre mutaacutevel e imutaacutevel outrora

265Um panorama das muitas vertentes das loacutegicas natildeo claacutessicas (e de alguns dos debates entre elas) pode ser visto em

Teorie dellassurdo (Berto 2006) Nesse livro eacute possiacutevel constatar a importacircncia do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo

na loacutegica atual e sobretudo a importacircncia da noccedilatildeo de natildeo ser implicada em cada vertente Soacute para dar um exemplo

o livro mostra uma parte da discussatildeo a respeito da negaccedilatildeo dacostiana (aquela utilizada por Newton da Costa na

sua elaboraccedilatildeo de certos sistemas paraconsistentes) a qual natildeo eacute considerada por muitos como uma autecircntica

negaccedilatildeo (Veja-se o artigo nas pp 132-5)

217

causa de indignaccedilatildeo natildeo soacute entre os filoacutesofos mas entre os proacuteprios loacutegicos A esta criatividade da

loacutegica contemporacircnea deve se acrescentar que os estudos de histoacuteria da loacutegica tendem a

redimensionar a visatildeo aritotelico-cecircntrica da loacutegica antiga e claacutessica266 De fato os novos estudos

se propotildeem a elucidar as necessaacuterias premissas culturais a partir das quais Aristoacuteteles trabalhou

com ampla importacircncia dada a Parmecircnides e ao eleatismo como um todo267 Assim de um tempo

para caacute os estudos sobre Parmecircnides se multiplicam ao ponto de que natildeo bastam mais artigos para

tratar de aspectos especiacuteficos mas se recorre a textos mais longos livros porque o aprofundamento

e a articulaccedilatildeo continua requerendo cada vez mais espaccedilo principalmente quando se trata de textos

de inesgotaacutevel riqueza como o de Parmecircnides Assim ldquoParmenide e la negazione del tempordquo268

ldquoParmenide scienziato269rdquo ldquoDie Konzeption des noein bei Parmenides von Eleardquo270 e muitos

outros incluindo o presente trabalho que tambeacutem estuda um aspecto especiacutefico do poema

Na literatura atual parmenidiana mais geral jaacute se aceita (mas jaacute se aceitava antes como

vimos e ateacute mesmo Simpliacutecio jaacute aceitava271) que Parmecircnides fazia uso mais ou menos consciente

do princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo272 Na literatura atual ligada agrave loacutegica ou agrave histoacuteria da loacutegica poreacutem

266Bochenski 1961 Kneale 1962 267Para um panorama da problemaacutetica cfr Sardo (1985) e para algum desenvolvimento cfr Mason (2000) 268Pulpito (2005) 269Cordero et al (2008) 270Marcinkowska-Rosol (2010) 271Simpliacutecio In Physica 117 2-3 ldquoQue as proposiccedilotildees em contradiccedilatildeo natildeo sejam verdadeiras ao mesmo tempo ele o

diz com aquelas palavras com as quais censura aqueles que unem os opostosrdquo (ὅτι δὲ ἡ ἀντίφασις οὐ συναληθεύει

δι ἐκείνων λέγει τῶν ἐπῶν δι ὧν μέμφεται τοῖς εἰς ταὐτὸ συνάγουσι τὰ ἀντικείμενα) 272Num trabalho singular Imbraguglia acredita encontrar no poema dois inteiros sistema axiomaacuteticos No entanto ele

acha que a noccedilatildeo de contraditoriedade ainda natildeo estava inteiramente clara falando de certa sua suposiccedilatildeo a respeito

de algumas passagens do poema ele diz ldquoo fato que Parmecircnides pudera acreditar nisto [uma suposta contradiccedilatildeo

explicada anteriormente] demontra que a noccedilatildeo de contraditoriedade ainda natildeo era de todo clarardquo (ldquoil fatto che

Parmenide lo abbia potuto credere dimostra che la nozione di contraddittorietagrave non era stata ancora del tutto

chiaritardquo Imbraguglia 1974 p 151 n 73) Por estas palavras parece que a noccedilatildeo de contraditoriedade eacute uma uacutenica

e absoluta uma noccedilatildeo simplesmente a ser alcanccedilada coisa que Parmecircnides natildeo teria feito e que noacutes modernos

218

se aceita mais explicitamente e quase sem rodeios Veja-se esse exemplo o autor Paul Thom sem

maiores explicaccedilotildees afirma

The parmenidean formulations are

Never will this prevail that what is not is (B71 Barnes translation)

For neither is there anything which is not (B846 Barnes translation)273

Depois de uma raacutepida comparaccedilatildeo com as formulaccedilotildees de Platatildeo e de Aristoacuteteles afirma que

a foacutermula do princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo de Parmecircnides eacute esta (NC) Not (what-is-not is)274 Eu

natildeo acho que os loacutegicos tenham que ser menos concisos do que satildeo no entanto tenho fortes

duacutevidas de que um leitor natildeo versado no poema de Parmecircnides e na literatura que tenta interpretaacute-

lo a partir das ldquoexplicaccedilotildeesrdquo loacutegicas desse tipo tenha alguma chance de entender o que eacute para

Parmecircnides what-is-not e o que significa (what-is-not is) e porque tenha que ser negado Not (what-

is-not is) Simplificaccedilotildees similares acontecem na maioria dos estudos que compulsei e o hiato estaacute

afinal configurado de um lado temos os estudos de histoacuteria da filosofia antiga que se dedicam

principalmente agrave ontologia ou agrave epistemologia parmenidiana do ponto de vista do ser e de outro

lado temos os estudos de tipo mais analiacutetico ou os estudos dos loacutegicos que pecam no

aprofundamento da mensagem filosoacutefica do eleata

O trabalho aqui presente tentou se colocar nesse hiato mostrando com o instrumental da

histoacuteria da filosofia (e natildeo com o instrumental da loacutegica) que haacute uma clara consciecircncia em

fizemos Penso que a realidade histoacuterica e a filosoacutefica sejam diferentes As noccedilotildees satildeo histoacutericas e portanto

relativas a sua eacutepoca ademais do ponto de vista filosoacutefico a noccedilatildeo de contraditoriedade utilizada por Imbraguglia

eacute muito mais limitada do que aquela proposta por Parmecircnides 273Thom 1999 p 153 274ib p 154

219

Parmecircnides antes de tudo do problema inicial a distinccedilatildeo do discurso confiaacutevel do natildeo confiaacutevel

e depois do estabelecimento de um autecircntico meacutetodo filosoacutefico apoiado na rocha dura da ontologia

incontrovertiacutevel Da reflexatildeo cosmoloacutegica agrave elaboraccedilatildeo discussatildeo e aplicaccedilatildeo do meacutetodo tudo eacute

consciente em Parmecircnides incluindo-se aiacute a proacutepria palavra contradiccedilatildeo utilizada pela primeira

vez por ele e destinada a permanecer e que somente uma visatildeo aritstoteacutelico-cecircntrica impediu de

enxergar antes embora esteja claramente no poema em vaacuterias passagens por exemplo em οὔτε

φράσαις (DK B 28 natildeo diraacutes) ou entatildeo mais proacuteximo agrave nossa expressatildeo que eacute impessoal οὐ

φατὸν (DK B 88 natildeo diziacutevel)275

Assim o Preceito da Deusa desde o poema de Parmecircnides passando pelas primeiras

modificaccedilotildees platocircnicas e aristoteacutelicas chega ateacute nossos dias pelo lado loacutegico como objeto de

atenccedilatildeo das loacutegicas natildeo claacutessicas e pelo lado da ontologia como objeto da atual discussatildeo

filosoacutefica ateacute mesmo poacutes-moderna276

275Veja-se esta elaboraccedilatildeo de Berti ldquoPode-se dizer que a primeira apariccedilatildeo oficial da contradiccedilatildeo ndash embora ainda natildeo

chamada com seu nome ndash na histoacuteria da filosofia acontece entre o VI e o V seacuteculo ordf C no poema de Parmecircnides

O sentido mais oacutebvio da contraposiccedilatildeo entre as duas famosas vias [] eacute de fato aquele de uma oposiccedilatildeo entre

afirmaccedilatildeo (kataphasis) e negaccedilatildeo (apoacutephasis) isto eacute aquilo que depois seraacute chamada por Aristoacuteteles de

contradiccedilatildeo (antiacutephasis)rdquo Berti (1987 p 13) A linguagem aristoteacutelica eacute atribuiacuteda diretamente a Parmecircnides sem

que sequer Parmecircnides tenha oposto ou colocado em contradiccedilatildeo as duas vias 276Veja-se um panorama em Priest et alii 2004

220

6 CONCLUSAtildeO

Este estudo procurou evidenciar a noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides Embora a historiografia

poacutes-hegeliana tenha preferido se dedicar ao tema do ser Parmecircnides fala amplamente do natildeo ser

e utiliza amplamente a forma gramatical negativa e a argumentaccedilatildeo pela negaccedilatildeo No entanto a

noccedilatildeo de natildeo ser que pelos documentos que possuiacutemos resulta ser historicamente uma novidade

introduzida pelo eleata no pensamento ocidental uma autecircntica estreia natildeo podia ser fruto se natildeo

de uma reflexatildeo criativa dada a sua natureza semacircntica de natildeo se referir a nenhuma positividade

da realidade

A natureza reflexiva do saber preacute-parmenidiano natildeo estaacute documentada e apesar da cultura

difusa do ldquoΓνῶθι σαυτόνrdquo e do testemunho de Heraacuteclito do ldquoἐδιζησάμην ἐμεωυτόνrdquo (este

provavelmente posterior a Parmecircnides) o saber atribuiacutedo tanto aos mileacutesios quanto aos pitagoacutericos

eacute mais um saber voltado agrave compreensatildeo da realidade externa do que ao conhecimento do sujeito

O poema parmenidiano eacute o primeiro a apresentar uma preocupaccedilatildeo com o pensamento e com seu

papel no conhecimento da realidade mas os criacuteticos pouco se dedicaram a estudar natildeo o que

Parmecircnides diz do pensamento mas o que ele diz do pensar Para estabelecer uma geneacutetica miacutenima

da noccedilatildeo de natildeo ser era necessaacuterio verificar a preocupaccedilatildeo de Parmecircnides com o pensar de forma

a justificar ndash se os resultados o permitissem ndash um interesse pela atividade cognitiva concreta e pelo

seu funcionamento

Foi assim que como certos artesatildeos que inventam e constroem suas proacuteprias ferramentas

especiacuteficas para certas manufaturas especiacuteficas tivemos que investigar se e em que medida

Parmecircnides se dedicou ao estudo do pensar de forma a definir algumas noccedilotildees que pudessem

ajudar a entender natildeo soacute o natildeo ser dentro da ontologia parmenidiana mas principalmente o natildeo ser

221

como objeto especiacutefico das atenccedilotildees do eleata Empreendemos assim a verificaccedilatildeo ao longo da

letra do poema da presenccedila de noccedilotildees relacionadas ao comportamento da mente humana ou seja

a verificaccedilatildeo de noccedilotildees que revelassem o Parmecircnides psicoacutelogo Esclarecido o fato de que

buscaacutevamos o Parmecircnides psicoacutelogo no sentido moderno da palavra ndash possivelmente um psicoacutelogo

que chamariacuteamos de cognitivista e natildeo psicoacutelogo cliacutenico como o clichecirc cultural atual tende a

pensar ndash diferenciando-o do sentido tradicional de estudioso da alma (conceito ambiacuteguo

atualmente) passamos a estudar o poema exaustivamente Tambeacutem para este estudo tivemos que

construir uma nossa ferramenta especiacutefica que consistiu numa traduccedilatildeo especiacutefica do verbo noein

e de seus cognatos a traduccedilatildeo utilizada foi tomada da caracterizaccedilatildeo oferecida por Parmecircnides

uma dinacircmica da mente em sua atividade de conhecimento (DK B 22) que nos permitiu chegar a

uma terminologia esteticamente improacutepria para um poema de 25 seacuteculos de idade mas com um

potencial de esclarecimento muito grande para a nossa sensibilidade atual operaccedilotildees cognitivas

da mente Os resultados natildeo demoraram a aparecer e aleacutem da constataccedilatildeo de que Parmecircnides foi

um autecircntico e bom observador do comportamento da mente humana tanto individual quanto em

grupos sociais chegamos a um conceito essencial para o estudo do natildeo ser presente virtualmente

no poema pela presenccedila da recusa de seu oposto Parmecircnides diz que os mortais que nada sabem

natildeo tecircm os recursos (DK B 65 ἀμηχανίη singular no grego) afirmando virtualmente que o homem

saacutebio tem esses recursos ἡ μηχανή Graccedilas a esta noccedilatildeo foi possiacutevel estabelecer que a diferenccedila

entre os mortais que nada sabem e o homem saacutebio instruiacutedo pela deusa eacute um recurso do pensar

(natildeo do pensamento posto que o pensamento eacute o resultado do pensar) isto eacute de sua atividade

cognitiva O processo de varredura do poema em busca de noccedilotildees psicoloacutegicas foi interrompido

diante daquelas partes que requeriam a noccedilatildeo de natildeo ser uma noccedilatildeo ainda natildeo clara no capiacutetulo 1

e somente retomado e concluiacutedo no capiacutetulo 3 depois da posse daquela noccedilatildeo

222

A ausecircncia da μηχανή nos mortais e sua presenccedila no homem saacutebio geraram dois

correspondentes problemas 1) em que consiste esta deficiecircncia e 2) em que consiste o recurso A

deficiecircncia Parmecircnides nos diz consiste na confusatildeo entre ser e natildeo ser o recurso entatildeo

necessariamente tem que ser um instrumento que diferencie ser de natildeo ser Tratava-se portanto de

buscar uma definiccedilatildeo autocircnoma do natildeo ser que o distinguisse completamente da noccedilatildeo de ser Foi

o que fizemos na primeira parte do segundo capiacutetulo

A anaacutelise do fragmento 2 teve como referecircncia o modelo sintaacutetico (mas natildeo semacircntico) da

citaccedilatildeo feita por Platatildeo (Sofista) daquela que eacute por razotildees intrinsecamente filosoacuteficas e por razotildees

circunstanciais reveladas por Platatildeo a essecircncia da filosofia parmenidiana a oposiccedilatildeo radical entre

ser e natildeo ser Desta forma foi possiacutevel evitar a discussatildeo desde o iniacutecio da complicada e

problemaacutetica interpretaccedilatildeo do ἔστιν sem sujeito de DK B 23 pois o seu natildeo esclarecimento natildeo

comprometia a metodologia que seguimos posto que a referecircncia platocircnica relacionando ser e natildeo

ser garantia a possibilidade se obter a noccedilatildeo do ser (e portanto do ἔστι) a partir daquela de natildeo ser

O primeiro dado a emergir foi a discussatildeo feita por Parmecircnides a respeito da persuasatildeo Esta

persuasatildeo eacute um momento do ato cognitivo que se potildee entre o objeto e a sua apreensatildeo correta por

parte do sujeito em outras palavras Parmecircnides tinha consciecircncia de que eacute possiacutevel se convencer

e julgar verdadeiros tanto os discursos verdadeiros quanto os enganosos Assim a busca

parmenidiana devia verter sobre um tipo de recurso que fosse extra-mental um mecanismo de

controle dissociado da espontaneidade reflexiva do homem comum que pudesse escapar da

armadilha da persuasatildeo que faz considerar verdadeiro ateacute mesmo o que verdadeiro natildeo eacute Isto

comporta a recusa de algum comportamento mental espontacircneo em favor de um comportamento

mental corrigido artificialmente

A anaacutelise do fragmento 2 revelou que o comportamento mental a ser recusado eacute a noccedilatildeo de

223

natildeo ser como de algo de alguma forma existente O pensamento espontacircneo (o dos mortais)

considera o natildeo ser como algo que embora natildeo sendo o mesmo eacute o mesmo que o ser Parmecircnides

recusa que o natildeo ser tenha algum valor cognitivo e com surpreendente lucidez filosoacutefica afirma

que o natildeo ser eacute uma noccedilatildeo impossiacutevel (para as operaccedilotildees cognitivas) pois natildeo pode ser indicado

(οὔτε φράσαις) e natildeo pode ser pensado (οὔτε ἂν γνοίης) Com esta noccedilatildeo de impossibilidade do

natildeo ser se estabeleceu o princiacutepio ontoloacutegico de Parmecircnides o natildeo ser eacute impossiacutevel a partir da

reflexatildeo concreta da impossibilidade de negar o que existe A passagem da negaccedilatildeo da existecircncia

do ente individual para a negaccedilatildeo de todos os entes e afinal do ser enquanto todo interrompe a

discussatildeo sobre as funccedilotildees gramaticais (e linguiacutesticas) de einai e seus cognatos (como por

exemplo a diferenciaccedilatildeo entre sentido existencial predicativo veritativo e outros) posto que a

(tentativa da) negaccedilatildeo do todo anula as referecircncias linguiacutesticas e se coloca em territoacuterio

francamente filosoacutefico procurando refletir os pressupostos cognitivos (e portanto tambeacutem os

pressupostos da linguagem) que satildeo origem e natildeo consequecircncia das funccedilotildees linguiacutesticas Foi

assim identificada uma reflexatildeo genuinamente metafiacutesica a respeito dos limites e do aleacutem-limites

do pensar Parmecircnides estabelece o que eacute impossiacutevel de ser pensado (e dito) a esta impossibilidade

daacute o nome de natildeo ser

Estabelecida a noccedilatildeo de natildeo ser como uma virtualidade imaginada pelo pensar mas ao

mesmo tempo uma impossibilidade concreta do pensar chegamos antes de tudo agrave definiccedilatildeo da

noccedilatildeo de natildeo ser o natildeo ser eacute a impossibilidade de pensar e dizer logo eacute o que se opotildee agrave

possibilidade de dizer (e pensar) o natildeo ser eacute contra o dizer (e pensar) o natildeo ser eacute contra-dictoacuterio

(do latim dico) eacute contraditoacuterio Por este motivo por ser contraditoacuterio o segundo caminho (DK B

25) deve ser evitado O outro uacutenico caminho eacute aquele que recusa a contradiccedilatildeo do natildeo ser e que

deve ser seguido eacute aquele que Parmecircnides chama de caminho da persuasatildeo que acompanha a

224

verdade assim formulado eacute e eacute impossiacutevel que seja contradiccedilatildeo este caminho que se afasta do

outro do caminho do natildeo eacute e que eacute necessaacuterio que seja natildeo ser uma necessidade que identifica

aquela virtualidade da qual se manter afastados

Com as duas noccedilotildees de natildeo ser e ser jaacute esclarecidas no paraacutegrafo seguinte passamos a

examinar a discussatildeo que Parmecircnides faz a respeito dessas noccedilotildees Enquanto no fragmento 2 a

deusa explica questotildees relativas agrave formas impossiacuteveis e natildeo impossiacuteveis de pensar nos fragmentos

6 e 7 ela discute a posiccedilatildeo comum e sua origem numa confusatildeo cognitiva perpetrada pelos haacutebitos

culturais Por isso para que o disciacutepulo natildeo seja levado a pensar como os mortais ela oferece seu

preceito que chamamos de Preceito da Deusa onde afirma que eacute preciso se manter afastados da

concepccedilatildeo que faz com que os natildeo entes sejam O disciacutepulo deve negar que o natildeo ser eacute pois

somente o ser eacute e afinal como sintetizamos no paraacutegrafo anterior em relaccedilatildeo ao argumento algo

natildeo pode ser e natildeo ser Este princiacutepio eacute o primeiro modelo historicamente identificaacutevel daquele

que viraacute a ser conhecido como princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo Para diferenciaacute-lo dos princiacutepios

platocircnicos e aristoteacutelico e os demais que a moderna loacutegica nos traz o chamamos de Preceito da

Deusa tentando manter assim algo de sua caracteriacutestica originaacuteria a mitologia terreno sobre o

qual nasceu o assim chamado pensamento racional

No terceiro paraacutegrafo vimos o Preceito da Deusa em accedilatildeo e nos limitamos exatamente agrave sua

accedilatildeo sem entrar na discussatildeo ontoloacutegica e cosmoloacutegica que a proposta parmenidiana traz

Descobrimos assim que o Preceito da Deusa eacute a ferramenta principal a partir da qual Parmecircnides

forma uma imagem de mundo uacutenica na histoacuteria do pensamento ocidental aparentemente defendida

por Zenatildeo mas pelo que se sabe seguida apenas por Melisso Do ponto de vista loacutegico o Preceito

da Deusa a μηχανή capaz de garantir a persuasatildeo verdadeira natildeo conseguiu explicar as opiniotildees

dos mortais como o proacuteprio Parmecircnides admite e alerta Mas forte em seu meacutetodo Parmecircnides

225

natildeo abre matildeo do Preceito e prefere manter separados os dois discursos o verdadeiro presidido

pelo Preceito da Deusa e o discurso de ordem enganadora natildeo presidido pelo Preceito da Deusa

deixando em aberto com admiraacutevel honestidade intelectual uma eventual unificaccedilatildeo destes dois

mundos

Jaacute no terceiro capiacutetulo revimos os resultados obtidos tanto na noccedilatildeo de natildeo ser quanto a

respeito do preceito da Deusa Constatamos que a aporia eleaacutetica reportada como exemplo

negativo pelos doxoacutegrafos que comentavam Aristoacuteteles readquiriu focirclego modernamente

exatamente na medida em que a filosofia aristoteacutelica vai perdendo sua centralidade na filosofia jaacute

com Hegel que considera Parmecircnides o primeiro e verdadeiro filoacutesofo e mais recentemente na

ontologia colocando novamente em discussatildeo a possibilidade de um tracircnsito entre o ser e o nada

tracircnsito negado por Parmecircnides mas resgatado primeiro por Platatildeo e depois por Aristoacuteteles e na

loacutegica onde o Preceito da Deusa readquiriu forccedila exatamente com aquelas loacutegicas natildeo-claacutessicas

que passaram a trabalhar sem o predomiacutenio da loacutegica aristoteacutelica e de seu princiacutepio de natildeo-

contradiccedilatildeo

Dentro deste debate atual se situa o presente trabalho que procurou esclarecer ou ao menos

esclarecer um pouco mais as noccedilotildees de natildeo ser e sua hipoacutestase virtual o nada a partir dos quais

pode se entender um pouco mais claramente o Preceito da Deusa referecircncia do pensar no eleatismo

Assim o autor espera ter contribuiacutedo por um lado a este debate atual e por outro lado no campo

mais propriamente da histoacuteria da filosofia antiga ao esclarecimento da para noacutes singular maneira

de pensar dos preacute-socraacuteticos

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  • O preceito da Deusa 13O natildeo ser como contradiccedilatildeoem Parmecircnides de Eleacuteia
    • AGRADECIMENTOS
    • RESUMO
    • ABSTRACT
    • SUMAacuteRIO
    • 1 APRESENTACcedilAtildeO
    • 2 INTRODUCcedilAtildeO Agrave NOCcedilAtildeO DE NAtildeO SER
      • 21 Introduccedilatildeo geral agrave temaacutetica
      • 23 Apresentaccedilatildeo da temaacutetica e justificaccedilatildeo da metodologia
      • 24 O testemunho de Platatildeo
        • 3 PARMEcircNIDES PSICOacuteLOGO ndash PRIMEIRA PARTE
          • 31 Introduccedilatildeo geral
          • 32 Parmecircnides psicoacutelogo (primeira parte)
            • 321 O fragmento 1
            • 322 O fragmento 2
            • 323 O fragmento 3
            • 324 O fragmento 4
            • 325 O fragmento 6
            • 326 O fragmento 7
              • 3261 Generalidades
                  • 33 Resumo e conclusatildeo da primeira parte
                    • 4 O MEacuteTODO
                      • 41 Introduccedilatildeo
                      • 42 A exposiccedilatildeo do meacutetodo o natildeo ser em parmecircnides
                        • 421 Anaacutelise do fragmento DK 2
                        • 422 O anuacutencio da deusa versos 1-2 εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι
                        • 423 O primeiro caminho versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)
                        • 424 Os versos 5 a 8 ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι
                        • 425 τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν
                        • 426 οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)
                        • 427 οὔτε φράσαις
                        • 428 De volta aos versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι
                        • 429 Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)
                        • 4210 Conclusatildeo
                          • 43 A discussatildeo do meacutetodo
                            • 431 Fragmento 6
                            • 432 Os versos 64 πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltgt
                            • 433 αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς
                            • 434 O fragmento 7 Os versos 1 e 2
                              • 44 A aplicaccedilatildeo do meacutetodo
                                • 441 Ἐὸν eacute ingecircnito e impereciacutevel
                                • 442 Intermezzo O natildeo ser na experiecircncia do devir
                                    • 5 O PRECEITO DA DEUSA
                                      • 51 O natildeo ser em Parmecircnides
                                        • 511 O ser os seres
                                        • 512 Ouk esti
                                          • 52 Parmenides psicoacutelogo (segunda parte)
                                            • 521 O fragmento DK 8
                                            • 522 O fragmento DK 4
                                            • 523 O fragmento 16
                                            • 524 Conclusatildeo
                                              • 53 O preceito da deusa
                                                • 6 CONCLUSAtildeO
                                                • 7 REFEREcircNCIAS
Page 4: O preceito da Deusa · Mário Ferreira dos Santos "A sabedoria do ser e do nada" 8 RESUMO GALGANO, N. S. O preceito da Deusa: O não ser como contradição em Parmnides de Eléia

4

AGRADECIMENTOS

Este trabalho eacute o resultado de um longo percurso que seguiu por todo tipo de configuraccedilatildeo

houve partes retas e tortuosas em descida e em subida planas e cheias de obstaacuteculos ele foi

possiacutevel graccedilas a mas tambeacutem apesar de A maioria dos obstaacuteculos natildeo poderia ter sido superada

sem a colaboraccedilatildeo de muitas pessoas que aqui quero agradecer

Agradeccedilo antes de tudo ao meu orientador o prof Roberto Bolzani Filho por ter acreditado

neste projeto e ter proporcionado as condiccedilotildees institucionais para que se realizasse

Agradeccedilo agraves instituiccedilotildees que me abrigaram materialmente agradeccedilo agrave USP e agrave FFLCH

cujas estruturas foram amigaacuteveis e cujos funcionaacuterios foram amigos e colaboraram com simpatia

principalmente a equipe da secretaria da FFLCH Geni Ferreira Lima Luciana Bezerra Noacutebrega

Maria Helena Barboza e Marie Maacutercia Pedrozo

Agradeccedilo agrave CAPES que com suas bolsas aquela propriamente de doutorado e aquela de

pesquisa no exterior me proporcionou as condiccedilotildees financeiras para o meu sustento no Brasil e no

Canadaacute quando ali passei um ano na Universidade de Toronto (UofT) Gostaria de registrar

tambeacutem a extrema simpatia e gentileza de seus funcionaacuterios que sempre me trataram bem e

cuidaram de que tudo ocorresse bem assim como de fato ocorreu

Os agradecimentos acadecircmicos satildeo inumeraacuteveis Antes de tudo aos meus orientadores

oficiais o prof Roberto Bolzani Filho e o prof Thomas M Robinson que me acompanharam

intelectualmente cada um a seu modo Eacute difiacutecil descrever o que representaram para mim associo

o prof Bolzani mais agrave liberdade de jorrar salvo depois passar pelo crivo criacutetico e o prof Robinson

mais a passar pelo crivo criacutetico salvo depois se permitir a liberdade das afirmaccedilotildees ousadas Com

ambos senti a felicidade da pesquisa

5

Depois ainda em acircmbito acadecircmico agradeccedilo agraves muitas pessoas que ofereceram sugestotildees

e me aconselharam tanto pessoalmente quanto por correspondecircncia Em primeiro lugar ao prof

Livio Rossetti da Universidade de Perugia que sempre me estimulou com sua amizade singeleza

e criatividade e mais do que isto sempre me contagiou com seu entusiasmo para com os preacute-

socraacuteticos grazie Livio Agradeccedilo tambeacutem ao prof Neacutestor Luis Cordero da Universidade de

Rennes estudioso pertinaz e insubstituiacutevel provavelmente o atual maior conhecedor de

Parmecircnides no mundo que sempre atendeu agrave minhas duacutevidas com clareza e generosidade

admiraacuteveis

Agradeccedilo agrave professora Eliane Christina de Souza pelas sugestotildees e pelo primeiro seminaacuterio

brasileiro sobre o natildeo ser realizado na UFSCar de proporccedilotildees ainda limitadas mas que espero

possa crescer Agradeccedilo aos professores Alberto Bernabeacute Beatriz Bossi e Graciela Marcos que

tambeacutem atenderam a certas minhas questotildees parmenidianas

Na esfera afetiva haacute muitas pessoas agraves quais eu agradeccedilo

Agradeccedilo antes de tudo agrave professora Maria Carolina Alves dos Santos amiga querida que

acompanhou todo este meu percurso os altos e os baixos apesar de morarmos em cidades

diferentes e eacute testemunha da difiacutecil alquimia pessoal pela qual eu passei que subjaz agrave conduccedilatildeo

da pesquisa filosoacutefica posto que o laboratoacuterio do pesquisador estaacute instalado em sua proacutepria mente

A ela agradeccedilo as conversas as aulas compartilhadas e o excelente seminaacuterio que foi realizado na

Universidade Federal de Mariacutelia onde o seu Platatildeo e o meu Parmecircnides se encontraram e

disputaram entre ser e natildeo ser

Agradeccedilo aos colegas Henrique de Paula Marcello Fontes e Sheila Paulino com os quais

compartilhei os momentos de alegria e de tensatildeo das festas e das discussotildees das perspectivas

acadecircmicas e de vida das duacutevidas decepccedilotildees esperanccedilas e satisfaccedilotildees e toda a paleta intelectual

6

afetiva e emocional que se vivencia com os amigos

Agradeccedilo agrave Patriacutecia que me abrigou e me abriga e gosta de compartilhar comigo o

espairecer necessaacuterio agraves nossas cansativas tarefas

Agradeccedilo aos meus filhos Giovanni que esteve trabalhando longe com o qual discutimos

muitas coisas do mundo e do universo Paula e Aureacutelia que estiveram sempre perto e presentes e

mais do que ningueacutem me ajudaram neste percurso em todos os sentidos todos Para elas natildeo haacute

palavras suficientes

Agradeccedilo por fim as ondas inspiradoras das praias solitaacuterias de Ilha Comprida o mar de

verde da minha moradia em Itu e o frio severo do Canadaacute fascinante ao menos para mim

7

Quando pensamos no nada absoluto natildeo realizamos

o nada nem tampouco a ideacuteia do nada porque a uacutenica

que podemos construir eacute por exclusatildeo das coisas

conhecidas e positivas eacute pela exclusatildeo total de toda

positividade por recusa sem a positividade natildeo

poderiacuteamos conceber o nada Soacute o concebemos por

oposiccedilatildeo ou seja por negaccedilatildeo do positivo pela

negaccedilatildeo da presenccedila pela recusa da presenccedila

Maacuterio Ferreira dos Santos

A sabedoria do ser e do nada

8

RESUMO

GALGANO N S O preceito da Deusa O natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleacuteia

2015 239 p Tese (Doutorado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Departamento

de Filosofia Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2015

O presente trabalho eacute um estudo da noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides Este estudo se propotildee a

preencher uma falta que ao longo do seacuteculo XX e agora no XXI foi se tornando cada vez maior

na medida em que crescia o interesse por essa noccedilatildeo extraordinaacuteria que pertence ao universo da

loacutegica e da ontologia antigas e da nossa atualidade Para evidenciar essa noccedilatildeo o trabalho deixou

de lado os demais aspectos do poema principalmente o estatuto do ser e se restringiu agrave anaacutelise da

noccedilatildeo de natildeo ser Para tanto foi desenvolvida uma metodologia que pudesse tornar claros tanto o

problema inicial parmenidiano quanto a soluccedilatildeo que ele propotildee Descobriu-se entatildeo uma

habilidade especiacutefica de Parmecircnides em observar o comportamento da mente humana com isto o

estudo esclareceu o papel do meacutetodo de Parmecircnides para compensar a amechanie (falta de

recursos) do homem comum na compreensatildeo do mundo Ele identifica o natildeo ser como objeto

virtual que enganosamente confunde aquele que se potildee no caminho da pesquisa pois para

Parmecircnides o natildeo ser eacute impossiacutevel Com a noccedilatildeo desta impossibilidade ele determina discute e

aplica o meacutetodo que garante a persuasatildeo verdadeira um autecircntico princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo

mas diferente daquele de Aristoacuteteles A este princiacutepio enunciado pela thea para distingui-lo daquele

do Estagirita o autor daacute o nome de Preceito da Deusa

Palavras-chave Parmenides natildeo-ser eleatismo natildeo-contradiccedilatildeo ontologia loacutegica

9

ABSTRACT

GALGANO N S The precept of the Goddess non-being as contradiction in Parmenides of

Elea 2015 239 p Thesis (Doctoral) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Departamento de Filosofia Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2015

The present work is an inquiry into the notion of non-being in Parmenides The study has the

purpose of filling a lack that increased along the XX century and now in the XXI according to the

growth of concern about this extraordinary notion which belongs to the universe of ancient and

modern logic and ontology With the aim of making this notion evident the work put aside the

other aspects of the poem mainly the statute of being and was restricted to the analysis of the

notion of non-being For this reason a methodology was developed that could make clear both the

initial parmenidian problem and the solution that he offers A specific ability was discovered that

of Parmenides as observer of the human mind with this the study made clear the role of

Parmenidesrsquo method to compensate the amechanie (lack of resource) of the common man in

understanding the world He identifies the non-being as a virtual object that deceptively confounds

that who takes the way of inquiry because to Parmenides non-being is impossible With the notion

of this impossibility he determines discusses and applies the method that certifies the true

persuasion an authentic principle of non-contradiction albeit different of that of Aristotle To this

principle enunciated by the thea to distinguish it from that of Stagirite the author gives the name

of Precept of the Goddess

Keywords Parmenides non-being eleaticism non-contradiction ontology logic

10

SUMAacuteRIO

1 APRESENTACcedilAtildeO 13

2 INTRODUCcedilAtildeO Agrave NOCcedilAtildeO DE NAtildeO SER 19

21 Introduccedilatildeo geral agrave temaacutetica 19

22 Justificaccedilatildeo da pesquisa dentro do panorama dos estudos de histoacuteria da filosofia na

atualidade 22

23 Apresentaccedilatildeo da temaacutetica e justificaccedilatildeo da metodologia 27

24 O testemunho de Platatildeo 30

3 PARMEcircNIDES PSICOacuteLOGO ndash PRIMEIRA PARTE 37

31 Introduccedilatildeo geral 37

32 Parmecircnides psicoacutelogo (primeira parte) 40

321 O fragmento 1 41

322 O fragmento 2 51

323 O fragmento 3 61

324 O fragmento 4 66

325 O fragmento 6 66

326 O fragmento 7 81

33 Resumo e conclusatildeo da primeira parte 92

11

4 O MEacuteTODO 95

41 Introduccedilatildeo 95

42 A exposiccedilatildeo do meacutetodo o natildeo ser em parmecircnides 97

421 Anaacutelise do fragmento DK 2 97

422 O anuacutencio da deusa versos 1-2 εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον

ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι 98

423 O primeiro caminho versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ

εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) 101

424 Os versos 5 a 8 ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι 118

425 τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν 118

426 οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν) 118

427 οὔτε φράσαις 118

428 De volta aos versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι 129

429 Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) 129

4210 Conclusatildeo 136

43 A discussatildeo do meacutetodo 140

431 Fragmento 6 141

432 Os versos 64 πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltgt 144

433 αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς 144

12

434 O fragmento 7 Os versos 1 e 2 146

44 A aplicaccedilatildeo do meacutetodo 149

441 Ἐὸν eacute ingecircnito e impereciacutevel 154

442 Intermezzo O natildeo ser na experiecircncia do devir 156

5 O PRECEITO DA DEUSA 170

51 O natildeo ser em Parmecircnides 170

511 O ser os seres 180

512 Ouk esti 184

52 Parmenides psicoacutelogo (segunda parte) 189

521 O fragmento DK 8 189

522 O fragmento DK 4 201

523 O fragmento 16 205

524 Conclusatildeo 208

53 O preceito da deusa 208

6 CONCLUSAtildeO 220

7 REFEREcircNCIAS 226

13

1 APRESENTACcedilAtildeO

O estudo apresentado nas paacuteginas a seguir trata de um tema especiacutefico entre os muitos

presentes no poema de Parmecircnides o natildeo ser Os motivos para este recorte satildeo dois o primeiro eacute

a necessidade atual no debate contemporacircneo de uma revisatildeo dos mais variados pressupostos que

sustentam e compotildeem a nossa visatildeo de mundo ndash que podemos chamar genericamente de

newtoniana ndash onde imergida em espaccedilo e tempo homogecircneos se encontra uma realidade em

constante devir esta visatildeo parece natildeo ser mais suficiente e ademais eacute questionada desde o seacuteculo

XIX pela filosofia e ao menos desde o seacuteculo XX pela ciecircncia mais avanccedilada Hoje espaccedilo e tempo

natildeo satildeo mais tidos como um receptaacuteculo neutro do mundo alguns tradicionais instrumentos

cognitivos humanos como a relaccedilatildeo causa-efeito e o princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo parecem natildeo

atuar de forma absoluta como se acreditava e finalmente a projeccedilatildeo para o futuro das dinacircmicas

do mundo segundo nossos atuais conhecimentos ndash e portanto uma ideia de rumo para a

humanidade ndash natildeo tem cenaacuterios confortaacuteveis principalmente porque a equivocidade a

instabilidade e ateacute mesmo a confusatildeo das noccedilotildees que utilizamos para ver o mundo natildeo permitem

um foco mais preciso

Em busca de novos caminhos de compreensatildeo jaacute na primeira metade do seacuteculo XX tanto

a ciecircncia como a filosofia se voltaram ao passado na esperanccedila de encontrar no patrimocircnio cultural

ocidental alguma ideia ou algum gancho que pudesse ajudar nessa busca Assim pensadores tatildeo

diferentes como Heidegger e Popper se dedicaram agrave interpretaccedilatildeo de Parmecircnides e o trataram como

par entre pares como colega como atualmente presente no debate contemporacircneo como filoacutesofo

14

vivo1 Parmecircnides natildeo eacute o uacutenico que recebeu tratamento similar outros preacute-socraacuteticos foram

chamados em causa e a razatildeo parece ser uma soacute suas ideias natildeo passaram pelos filtros platocircnico e

aristoteacutelico sendo menos comprometidas com a visatildeo cultural ocidental predominante e por isto

sugestivas de outras visotildees e outras posturas de compreensatildeo Mas Parmecircnides recebeu um

tratamento especial principalmente porque foi autor de um problema ainda hoje insoluacutevel a assim

chamada aporia eleaacutetica Ele e alguns de seus seguidores principalmente Melisso que radicalizou

as ideias parmenidianas satildeo responsaacuteveis por uma visatildeo de mundo anti-intuitiva que rejeita o devir

assim como geralmente o entendemos abrindo um abismo na noccedilatildeo de realidade seja aquela

cotidiana do homem simples seja aquela cientiacutefica do homem saacutebio Todavia a aporia eleaacutetica eacute

aporeacutetica nas conclusotildees mas natildeo nas premissas as quais restam firmes e coerentes para qualquer

um que se disponha a analisaacute-las isto eacute Parmecircnides tinha laacute suas razotildees assim agraves vezes tratado

como gecircnio e outras como banalmente iloacutegico o eleata continua representando um desafio seacuterio

aos pesquisadores de ciecircncia e de filosofia

A aporia eleaacutetica se revela imediatamente na oposiccedilatildeo absoluta entre o que eacute absolutamente

afirmado e o que eacute absolutamente negado Na foacutermula mais conhecida a oposiccedilatildeo eacute estabelecida

entre ser e natildeo ser mas tal oposiccedilatildeo possui esta caracteriacutestica se o natildeo ser eacute nada o ser natildeo tem

nada a que se opor e a oposiccedilatildeo cai para que subsista o natildeo ser deve ser algo mas se o natildeo ser eacute

algo o ser se oporia a algo isto eacute ao ser e neste caso tambeacutem a oposiccedilatildeo cai enfim se a oposiccedilatildeo

entre ser e natildeo ser eacute eliminada nos vemos obrigados a dizer que ser e natildeo ser satildeo a mesma coisa

1 Heidegger 1998 Popper 2014

15

com consequecircncias ainda mais absurdas O principal responsaacutevel da articulaccedilatildeo da aporia aquele

que natildeo se deixa capturar e que escapule de nossas garras racionais eacute o natildeo ser Desde Goacutergias e

Platatildeo o natildeo ser eacute uma noccedilatildeo das mais aporeacuteticas e como um Midas negativo tudo que ele toca se

torna difiacutecil mas dele o pensamento contemporacircneo natildeo consegue mais prescindir e como outras

noccedilotildees que sofreram outrora o mesmo destino de rejeiccedilatildeo estaacute sendo mais uma vez acolhido

estudado e repensado Por um lado a fiacutesica atual pretende que pares de partiacuteculas subatocircmicas

tenham origem no nada e por outro lado o natildeo ser passa a ser menos absoluto em loacutegicas

paraconsistentes e paracompletas Tanto no mundo sensiacutevel da fiacutesica quanto no mundo inteligiacutevel

da loacutegica o natildeo ser tambeacutem chamado de nada se alberga silenciosamente exigindo meditaccedilotildees

sobre seu papel e sua ldquoexistecircnciardquo isto eacute sobre seu status

O peso da filosofia parmenidiana foi sentido como jaacute dissemos pela cultura

contemporacircnea mas justamente os dois pensadores dos quais falamos Heidegger e Popper embora

tenham captado a dimensatildeo do recado de Parmecircnides ateacute mesmo mais do que muitos historiadores

da filosofia antiga satildeo conhecidos entre os estudiosos por ter produzido interpretaccedilotildees entre as

mais arbitraacuterias tanto do texto do poema quanto mais propriamente de sua filosofia A aparente

contradiccedilatildeo se resolve facilmente Popper e Heiddeger captaram a dimensatildeo filosoacutefica de

Parmecircnides e a aproveitaram para suas proacuteprias meditaccedilotildees mas a dimensatildeo filosoacutefica eacute apenas

um sinal da filosofia a qual para ser reconstruiacuteda e esclarecida sobre a base segura da exegese do

fragmentaacuterio texto parmenidiano requer tantas providecircncias metodoloacutegicas e uma atenccedilatildeo tatildeo

grande que o poema ainda eacute considerado um quebra-cabeccedilas pois apesar dos esforccedilos dos

estudiosos ao longo de mais de 150 anos ainda natildeo se conseguiu chegar a uma unanimidade de

interpretaccedilatildeo O problema dos fragmentos que sobreviveram os problemas paleograacuteficos de

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traduccedilatildeo de coerecircncia interna e de compreensatildeo filosoacutefica fazem com que o poema seja estudado

hoje palavra por palavra com obstinaccedilatildeo surpreendente causando polecircmicas interpretativas a cada

passo a cada conjunccedilatildeo e a cada interpunccedilatildeo

No aspecto filosoacutefico um dos misteacuterios do poema estaacute na noccedilatildeo de natildeo ser Este aspecto

poreacutem natildeo depende precipuamente do estado do texto ou da exegese das palavras e de suas noccedilotildees

implicadas o natildeo ser foi problemaacutetico desde os exoacuterdios de divulgaccedilatildeo do poema quando estes

problemas textuais natildeo estavam presentes Vecirc-se isto claramente em Melisso que acaba rejeitando

qualquer devir em Goacutergias2 que escreve um texto tatildeo absurdo e ao mesmo tempo rigoroso que

ateacute hoje natildeo se sabe se ele estava falando seriamente ou apenas fazendo uma paroacutedia de

Parmecircnides e em Platatildeo que discute o natildeo ser no diaacutelogo O sofista A proposta de Parmecircnides eacute

escandalosa aparentemente implica o mundo imoacutevel de Melisso a equaccedilatildeo entre ser e natildeo ser de

Goacutergias e afinal o nonsense detectado por Platatildeo o qual natildeo acha soluccedilatildeo melhor de que eliminaacute-

lo atribuindo-lhe outra identidade um natildeo ser relativo no lugar daquele absoluto

A tradiccedilatildeo da histoacuteria da filosofia moderna de Hegel em diante privilegiou a noccedilatildeo de ser

e eacute para esta noccedilatildeo que se dirigiram os estudiosos ateacute aproximadamente a primeira metade do

seacuteculo XX De laacute para caacute do conteuacutedo do poema foram acentuados os aspectos metodoloacutegicos

epistemoloacutegicos e cada vez mais os cientiacuteficos Timidamente o natildeo ser comeccedilou a ganhar espaccedilo

e a representar uma etapa importante da meditaccedilatildeo filosoacutefica parmenidiana Nos anos 60 uma

preconizada volta a Parmecircnides foi surgindo a partir da questatildeo da impossibilidade de uma

2 Goacutergias Do natildeo ser ou da natureza (Περὶ τοῦ μὴ ὄντος ἢ περὶ φύσεως)

17

intermediaccedilatildeo entre ser e natildeo ser intermediaccedilatildeo rejeitada por Parmecircnides e reestabelecida

principalmente por Aristoacuteteles com sua teoria de mateacuteria e forma ato e potecircncia Nos anos 70 eacute

publicado o primeiro texto dedicado ao natildeo ser de Parmecircnides Il primato del nulla e le origini

della metafiacutesica de Alberto Colombo (1972) fortemente comprometido com uma liguagem

metafiacutesica tradicional onde o tratamento do natildeo ser eacute desenvolvido dentro de um discurso

filosoacutefico amplo e com anaacutelises eu penso de grande qualidade dentro daquela linguagem De outro

lado o natildeo ser foi bastante estudado principalmente pela assim chamada escola analiacutetica de

filosofia Entretanto os vaacuterios estudiosos pertencentes a esta corrente quase sempre se

movimentaram dentro de uma moldura conceitual pre-estabelecida normalmente de loacutegica onde

o natildeo ser e suas noccedilotildees correlatas ndash negaccedilatildeo dupla negaccedilatildeo nada etc ndash tinham um lugar cativo

entre os axiomas grosso modo procurava-se afinal entender o natildeo ser numa funccedilatildeo linguiacutestica

ou meta-linguiacutestica basicamente como operador loacutegico de negaccedilatildeo Por isso o natildeo ser como noccedilatildeo

filosoacutefica acabou sendo tido em consideraccedilatildeo menor e os estudos analiacuteticos de filosofia antiga natildeo

conseguiram penetrar no mundo anti-intuitivo do natildeo ser O mesmo natildeo pode ser dito dos estudos

de loacutegica os quais sem temor se aventuraram e continuam se aventurando por mundos estranhos

e aterradores no entanto o natildeo ser elaborado pela loacutegica natildeo pode natildeo passar pelo crivo do

aprofundamento filosoacutefico sob pena de permanecer apenas um operador loacutegico sem maiores

consequecircncias Chegando no terreno da filosofia mesmo o natildeo ser elaborado pela loacutegica natildeo pode

natildeo passar pelo crivo parmenidiano

O presente trabalho procura suprir a este anseio de uma pesquisa detida e pormenorizada

do tema do natildeo ser em Parmecircnides para aleacutem da moldura linguiacutestica abordando francamente a

questatildeo filosoacutefica mas sempre dentro do contexto do poema e de suas circunstacircncias histoacutericas

18

Ademais esse estudo eacute realizado sem a necessidade de entrar no restante da problemaacutetica

parmenidiana principalmente a questatildeo do ser e o seu status (suas caracteriacutesticas) no mundo

parmenidiano Para tanto foram tomadas algumas providecircncias metodoloacutegicas que permitissem

por quanto possiacutevel isolar a noccedilatildeo de natildeo ser sem contudo privaacute-la da vitalidade que percorre todo

o poema A primeira delas foi a identificaccedilatildeo das possiacuteveis observaccedilotildees que levaram Parmecircnides a

se interessar pelo assunto Foi assim identificado um Parmecircnides observador do comportamento

da mente humana que refletiu ateacute as uacuteltimas consequecircncias quais as implicaccedilotildees da negaccedilatildeo da

totalidade das coisas A segunda providecircncia foi identificar qual o pressuposto filosoacutefico que

Parmecircnides excogitou para a compreensatildeo da noccedilatildeo de natildeo ser Por fim foi identificado o meacutetodo

que permitiu a Parmecircnides distinguir os discursos persuasivos segundo a verdade daqueles que

persuadem de forma natildeo confiaacutevel Esse meacutetodo ao qual dei o nome de Preceito da Deusa foi

aquele que ele aplicou para a descoberta das caracteriacutesticas do seu ente cosmoloacutegico o eon

Especificamente em relaccedilatildeo ao natildeo ser o resultado da pesquisa eacute impressionante e mostra

como Parmecircnides tocou uma profundidade jamais vista antes e talvez nem depois dele A tese

tenta mostrar que para Parmecircnides a oposiccedilatildeo eacute entre a negaccedilatildeo e o ser realizando um passo ainda

aqueacutem do nosso princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo ou seja a oposiccedilatildeo proposta por Parmecircnides eacute

princiacutepio do princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo A meditaccedilatildeo filosoacutefica a respeito desta oposiccedilatildeo resulta

num caminho fortemente anti-intuitivo do qual aqui foi dada apenas uma breviacutessima nota

sugestiva Com isso espero ter contribuiacutedo agrave histoacuteria da filosofia eleaacutetica mas tambeacutem ao

enriquecimento do acervo conceitual proposto por aqueles pensadores e deixado de heranccedila

espiritual a todos noacutes

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2 INTRODUCcedilAtildeO Agrave NOCcedilAtildeO DE NAtildeO SER

21 Introduccedilatildeo geral agrave temaacutetica

Natildeo ser eacute uma noccedilatildeo genuinamente transcendente porquanto por definiccedilatildeo natildeo se refere a

nenhum objeto nem da experiecircncia sensiacutevel nem ideal nem existente e nem potencial Essa sua

natureza sugere que em sua origem natildeo pode ter surgido como ressonacircncia na mente de algum

fato externo mas que seja uma criaccedilatildeo da proacutepria mente humana O natildeo ser aparece primeiramente

e abruptamente com Parmecircnides num ambiente e num momento histoacutericos de grande fecundidade

criativa do pensamento humano como resultado do interesse reflexivo dos saacutebios daquela eacutepoca

Na aurora da filosofia na Greacutecia do VI e V seacuteculos aC alguns saacutebios comeccedilaram a se

dedicar a certas reflexotildees e agraves noccedilotildees resultantes Antes de tudo a noccedilatildeo de lsquotodorsquo que em pouco

tempo geraria tambeacutem a questatildeo singular de se estabelecer se a lei do todo eacute interna ao todo como

pensavam os preacute-socraacuteticos ou externa ao todo como comeccedilaram a pensar aqueles que comeccedilaram

a separar o todo coacutesmico (fiacutesico) dos princiacutepios regentes Estes uacuteltimos ora pensaram um outro

todo separado (como o mundo das ideias de Platatildeo) ora uma estrutura hierarquizada entre o mundo

sensiacutevel e deus (como em Aristoacuteteles) ora complexas cosmologias como as dos gnoacutesticos e dos

neoplatocircnicos finalmente essa profusatildeo de interpretaccedilotildees alcanccedilou a noccedilatildeo de um universo

criado completamente dissociado de um ser transcendente criador junto com a postulaccedilatildeo de um

ser capaz de transitar nos e entre os dois mundos (Cristo homem divino) segundo o pensamento

cristatildeo que se afirmou no ocidente

E eacute justamente com a afirmaccedilatildeo da teologia cristatilde que se toca o primeiro auge de um

progressivo processo de hipoacutestase da noccedilatildeo de natildeo ser Depois de Parmecircnides jaacute em Melisso o

natildeo ser adquire uma versatildeo mais operativa no pensamento e no discurso (contra os preceitos da

20

deusa de Parmecircnides) a qual se configura como o fundamento do futuro desenvolvimento do

conceito do natildeo ser quantitativo ou seja de zero matemaacutetico Com Platatildeo o natildeo ser eacute despojado

de sua dimensatildeo absoluta e reportado a um contexto relativo a justificar o complexo tema da

diversidade dos seres no mundo Com Aristoacuteteles o natildeo ser pocircde conviver com o ser desde que na

dilaccedilatildeo do tempo como ele afirma no princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo Finalmente com Agostinho o

natildeo ser perde sua essecircncia original de negaccedilatildeo absoluta e passa por um lado a ter a potencialidade

de criaccedilatildeo ndash pois o Deus de Agostinho cria o mundo ex-nihilo invertendo assim o axioma

melissiano ndash e por outro lado passa a poder se compor com o lsquoserrsquo dando origem a uma escala

hieraacuterquica de seres na ordem cosmoloacutegica da teologia cristatilde A partir de Agostinho o tema do natildeo

ser desaparece das principais preocupaccedilotildees da filosofia3 e tambeacutem desaparece explicitamente da

cultura ocidental por mais de mil anos4 Apoacutes este periacuteodo reapareceraacute primeiro na filosofia em

forma majestosa na dialeacutetica hegeliana e depois na cultura dando origem aos movimentos niilistas

poacutes-nietzschianos que redundaratildeo no grande vigor do niilismo como opccedilatildeo de vida na cultura

atual De fato atualmente ecoa natildeo soacute nos livros especializados mas tambeacutem nos livros populares

e em outras miacutedias populares (jornais raacutedios internet) a assim chamada pergunta filosoacutefica

fundamental de Heidegger por que o ser e natildeo o nada Esta pergunta eacute um segundo auge da

hipoacutestase do natildeo ser pois de fato considera o natildeo ser uma alternativa concreta ao ser invertendo

assim o axioma parmenidiano

Este longo percurso comeccedila com Parmecircnides o primeiro a falar do natildeo ser no ocidente e

3No ldquoDe magistrordquo Agostinho esboccedila a questatildeo mas a abandona logo em seguida (De Magistro II 3) 4Uma rara e isolada exceccedilatildeo eacute aquela de Fredegiso de Tours que no ano 800 escreve uma ldquoEpistula de substantia nihili

et tenebrarumrdquo tambeacutem conhecida como ldquoDe nihilo et tenebrisrdquo veja-se o estudo de DAgostini (1998)

21

com sentido filosoacutefico ao menos pelo que se sabe ateacute agora o primeiro na histoacuteria do pensamento

humano Imergido no ambiente de reflexatildeo da Greacutecia jocircnica dos seacuteculos VI e V ndash dentro daquele

movimento de pensamento definido ateacute de lsquoilustraccedilatildeo jocircnicarsquo ndash sua descriccedilatildeo do natildeo ser apresenta

uma pureza de concepccedilatildeo que se rompe jaacute com seu disciacutepulo Melisso e progressivamente cada vez

mais ateacute nossos dias Isto significa que a noccedilatildeo parmenidiana natildeo foi absorvida pela cultura mas

foi abandonada ndash talvez recalcada ndash preferindo-se a ela outras noccedilotildees de natildeo ser progressivamente

mais distantes daquela absoluta Por este motivo ao se retomar a noccedilatildeo parmenidiana nos

deparamos com uma intuiccedilatildeo filosoacutefica intacta porque abandonada e portanto ilesa ao atrito do

tempo Quando solicitada e provocada ela responde com uma vitalidade desafiadora das melhores

reflexotildees justificando o grande interesse que Parmecircnides continua tendo depois de 2500 anos um

interesse diferente daquele despertado por peccedilas num museu que nos falam de outras eacutepocas essa

intuiccedilatildeo continua alimentando um interesse filosoacutefico vivo e poderoso fato raro entre as ideias da

antiguidade e reservado a pouca exceccedilotildees

Em nossos tempos coube a Friedrich Nietzsche inaugurar uma reflexatildeo radical sobre o

tema do natildeo ser elevando o nada a noccedilatildeo filosoacutefica poderosa e atuante Provavelmente ningueacutem

melhor do que ele soube interpretar profundamente os anseios do homem contemporacircneo quando

disse que o niilismo ldquoeacute o estado dos espiacuteritos fortes e das vontades fortes do qual natildeo eacute possiacutevel

atribuir um juiacutezo negativo a negaccedilatildeo ativa corresponde mais agrave sua natureza profundardquo5 entificando

o nada onde depois muitos iratildeo se apoiar para desenvolver suas proacuteprias doutrinas E ao lado desse

marco zero da origem o nada de onde tudo comeccedila (ldquoa vida se daacute desde nada e para nada aleacutem

5Nietzsche Wille zur Macht ed Kroner XV 24

22

dela mesma ldquoToma-se diz Nietzsche em Ecce homo natildeo se pergunta quem daacuterdquo6) se potildee o marco

zero da chegada o nada onde tudo termina o vazio deixado por deus ldquoDeus morreu Deus

permanece morto E noacutes o matamosrdquo7 Do seacuteculo XIX passando pelos Bergson Heidegger e Sartre

do seacuteculo XX e chegando agraves loacutegicas para consistentes do seacuteculo XXI a noccedilatildeo de natildeo ser (ou nada)

impotildee uma discussatildeo sem a possibilidade de atenuar o potencial devastador do problema a

consistecircncia do fundamento seja este entendido como visatildeo de mundo ou como verdade (absoluta

ou relativa) ou como afirmaccedilatildeo incontrovertiacutevel E em nossos tempos de Nietzsche a Priest natildeo

se consegue excluir Parmecircnides dessa discussatildeo todos tecircm que levar em conta o eleatismo e os

que natildeo o fazem acabam por perder o essencial da posta em jogo ou seja a possibilidade ou

impossibilidade de um conhecimento epistecircmico a possibilidade ou impossibilidade de se alcanccedilar

uma certeza para aleacutem das convicccedilotildees transitoacuterias

Posto que a filosofia antiga soacute eacute antiga quando comparada agrave filosofia de nosso tempo nas

proacuteximas paacuteginas seraacute estudado o tema do natildeo ser em Parmecircnides e se constataraacute que natildeo se trata

de um momento de um percurso histoacuterico jaacute superado mas de uma parcela atuante do discurso

filosoacutefico atual embora tenha sido desenvolvida na antiguidade da cultura grega

22 Justificaccedilatildeo da pesquisa dentro do panorama dos estudos de histoacuteria da filosofia na

atualidade

A expressatildeo natildeo ser enquanto noccedilatildeo filosoacutefica comparece pela primeira vez com

6 Nietzsche Ecce homo seccedilatildeo 3 7 Nietzsche Die froumlhliche Wissenschaft seccedilatildeo 125

23

Parmecircnides Como noccedilatildeo comum natildeo ser enquanto negaccedilatildeo de um ente qualquer a partir da

negaccedilatildeo do verbo ser eacute presente nas antigas liacutenguas histoacutericas e nas preacute-histoacutericas tambeacutem8 Nas

liacutenguas modernas natildeo ser eacute uma noccedilatildeo corrente e pertence agrave estrutura das nossas atuais linguagens

(com algumas exceccedilotildees natildeo relevantes aqui) a partir do uso pragmaacutetico principalmente das noccedilotildees

de presenccedilaausecircncia existecircncianatildeo existecircncia e em maneira preponderante na nossa estrutura

linguiacutestica predicativa onde qualificaccedilotildees satildeo consideradas pertencentes ou natildeo pertencentes a um

ente

A histoacuteria da filosofia mostra que natildeo ser natildeo eacute uma noccedilatildeo trivial como o uso pragmaacutetico

que dela fazemos poderia sugerir Desde seu aparecimento no texto parmenidiano o natildeo ser

apresentou uma aporia fortiacutessima talvez a maior das aporias e apesar das tentativas dos maiores

filoacutesofos parece se reapresentar de tempo em tempo como uma ferida que se reabre denunciando

que de fato nunca cicatrizou Da pragmaacutetica agrave noccedilatildeo criacutetica o salto eacute tatildeo grande que se se aplicasse

agrave pragmaacutetica a noccedilatildeo criacutetica o mundo assim como noacutes pragmaticamente o vemos e interpretamos

cairia abaixo O primeiro a perceber isto foi Parmecircnides e com ele os eleatas a aporia do natildeo ser

recebeu assim o nome de aporia eleaacutetica A mais radical expressatildeo da aporia eleaacutetica se encontra

em Melisso mas mesmo em Parmecircnides onde ela eacute atenuada a aporia eacute desnorteadora Com

nossas palavras atuais e com nossas noccedilotildees podemos dizer que se de um lado natildeo ser eacute a negaccedilatildeo

absoluta do ser entatildeo fica impossiacutevel sustentar a explicaccedilatildeo comum do fenocircmeno que noacutes

chamamos devir que consiste em asserir que as coisas nascem e morrem que tudo se transforma

que tudo passa a ser o que natildeo era e deixa de ser o que era

8A partiacutecula negativa μή estaacute bem documentada para o Indo-Europeu mē (Chantraine 1977 verbete μή)

24

Como se sabe esta aporia foi enfrentada por Platatildeo o qual se viu obrigado a deixar de lado

a noccedilatildeo de natildeo ser absoluto e a introduzir aquela de natildeo ser relativo exatamente para salvaguardar

a nossa percepccedilatildeo comum do devir Algo similar fez Aristoacuteteles pois de fato ambos ressaltam a

grande dificuldade representada pelo natildeo ser absoluto De laacute para caacute a aporia eleaacutetica natildeo foi

resolvida e a discussatildeo permanece em aberto basta consultar um dicionaacuterio de filosofia para se

perceber a equivocidade da noccedilatildeo de nada nos autores contemporacircneos ou um dicionaacuterio de loacutegica

a evidenciar por um lado a aporia e por outro a dificuldade de se estabelecer exatamente o status

questionis do natildeo ser Vejamos esse exemplo do verbete nada extraiacutedo de um dicionaacuterio de loacutegica

ldquoSegundo PL Heath da University of Virginia nada eacute um conceito ldquoindigestordquo e poucos

saberiam como lidar com ele Desde Parmecircnides (nasceu em 515 aC) que asseverou ser

impossiacutevel falar do que natildeo eacute mas violou sua proacutepria regra no ato de fazer tal asseveraccedilatildeo

ndash mergulhando em um mundo no qual o ocorrido se reduzia a nada ndash tornou-se difiacutecil

atravessar a estreita passagem que nesse tema separa sentido e sem-sentido Assim

limitamo-nos a lembrar que em notaccedilatildeo loacutegica a palavra nada costuma ser representada

pela negaccedilatildeo do quantificador existencialrdquo9

Desde Parmecircnides diz o autor do dicionaacuterio natildeo se conseguiu vir a cabo da questatildeo do natildeo

ser ou nada como se prefere dizer atualmente Mas o autor esqueceu de dizer que embora

Parmecircnides tenha violado a proacutepria regra aquela da impossibilidade de falar do natildeo ser natildeo foi o

uacutenico e natildeo foi exceccedilatildeo se se admite que a expressatildeo natildeo ser (ou nada) se refere ao que natildeo eacute do

qual eacute impossiacutevel falar entatildeo todos noacutes violamos a regra de Parmecircnides inclusive o autor o qual

viola a sua proacutepria regra (negaccedilatildeo do quantificador existencial) permanecendo plenamente

imergido na aporia eleaacutetica Esta passagem num verbete de um dicionaacuterio de loacutegica resume

claramente o problema aparentemente Parmecircnides no exato momento em que afirma o preceito

9Hegenberg L (2005) p 231

25

o viola ou seja a violaccedilatildeo estaacute contida na proacutepria manifestaccedilatildeo do preceito como aquelas famosas

frases paradoxais eu natildeo estou falando eu natildeo estou aqui natildeo leia esta placa e assim por diante

No entanto a suspeita de que talvez Parmecircnides natildeo tenha sido tatildeo ingecircnuo eacute mais que legiacutetima

Antes de tudo porque eacute muito difiacutecil construir uma cosmologia rigorosa como ele fez sobre um

conceito paradoxal E depois o paradoxo da aporia eleaacutetica se ele fosse um apenas paradoxo um

constructo sem consistecircncia epistecircmica teria sido relegado em plano secundaacuterio na histoacuteria da

filosofia e Parmecircnides teria seguido talvez a mesma sorte de seu concidadatildeo Zenatildeo o qual teve

que aguardar as pesquisas de loacutegica do seacuteculo XX para ver resgatado ao menos em parte o seu

valor

O fato de que a aporia eleaacutetica esteja ainda em aberto e sem soluccedilatildeo agrave vista levou a um

incremento dos estudos parmenidianos ao longo do seacuteculo XX com uma acentuaccedilatildeo na segunda

parte do seacuteculo As monografias e ateacute mesmo as ediccedilotildees criacuteticas se multiplicaram sem falar de

uma quantidade imensa de estudos e artigos em muitas aacutereas nas quais a obra parmenidiana incidiu

direta ou indiretamente filosofia literatura e poesia epistemologia filosofia da ciecircncia ontologia

loacutegica linguiacutestica e muitos outros campos mais especiacuteficos dos quais muitas vezes o estudioso de

histoacuteria da filosofia natildeo eacute notificado O assunto de longe mais tratado do poema de Parmecircnides eacute

o ser Isso deve-se principalmente ao proacuteprio DNA da histoacuteria moderna da filosofia na praacutetica

iniciada com Hegel A influecircncia do hegelianismo e do idealismo alematildeo como um todo redundou

nesta predileccedilatildeo para a noccedilatildeo absoluta do ser parente proacutexima do proacuteprio Absoluto hegeliano

Nesse contexto o natildeo ser eacute tatildeo somente um momento dialeacutetico embora estrutural o qual natildeo

possui uma autonomia e que afinal se desfaz na medida em que o Absoluto se realiza A

consequecircncia desta influecircncia limitou os estudos propriamente histoacutericos a respeito do natildeo ser de

Parmecircnides Surpreendentemente poreacutem a noccedilatildeo filosoacutefica de nada cresceu por proacutepria conta

26

entre os filoacutesofos contemporacircneos os quais acabaram por se interessar em Parmecircnides e estimular

novos estudos histoacutericos10

Neste percurso ainda eacute o ser o protagonista nos estudos histoacutericos de filosofia Jaacute nos outros

campos na reflexatildeo filosoacutefica contemporacircnea e nos estudos loacutegicos a noccedilatildeo de natildeo ser preme

para novos aprofundamentos Surgem assim novos estudos especialmente em aacuterea de filosofia

analiacutetica (penso aqui no moderado Jonathan Barnes mas haacute outros mais analiticamente radicais)

que voltam a evidenciar a aporia eleaacutetica Apesar de todos estes movimentos e com exceccedilatildeo de

poucos artigos dedicados a esclarecer o natildeo ser mais para esclarecer a noccedilatildeo de ser natildeo ouve

que eu saiba ateacute o presente trabalho um estudo especiacutefico sobre o natildeo ser em Parmecircnides Eu

proacuteprio quando senti a necessidade de enfrentar esse argumento fui colhido por uma sensaccedilatildeo de

assombro pelo tamanho do empreendimento sensaccedilatildeo que consegui superar somente com uma

estrateacutegia de pesquisa que articula o tema em partes separadas e de certa forma distintas embora

pertencentes ao mesmo fenocircmeno filosoacutefico da antiguidade grega a aporia eleaacutetica de Parmecircnides

a Platatildeo Assim o presente trabalho constitui a primeira etapa embora desenvolvida em segundo

lugar de uma tetralogia do natildeo ser que se desenvolve e evolui na sequecircncia histoacuterica de

Parmecircnides Melisso Goacutergias e Platatildeo O estudo sobre o natildeo ser em Melisso foi realizado no

mestrado aqui estaacute o estudo sobre Parmecircnides e no futuro minhas forccedilas o permitindo estatildeo os

10Aqui dois exemplos bem distintos mas tendo em Heidegger uma matriz comum o italiano Severino estudioso de

Heidegger na juventude publicou um importante artigo nos anos 60 ldquoRitornare a Parmeniderdquo (hoje em Severino

1982) onde recupera a oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo-ser de (segundo ele) Parmecircnides e desencadeia um grande

movimento na Itaacutelia chamado ateacute de neo-parmenidismo o argentino Cordero francecircs de adoccedilatildeo tambeacutem

estudioso de Heidegger na juventude se orientou para o aprofundamento das questotildees exegeacuteticas do poema de

Parmecircnides produzindo ateacute mesmo nos anos 80 uma ediccedilatildeo criacutetica a partir dos originais e resgatando um

Parmecircnides menos idealista alematildeo e menos platocircnico do que aquele defendido pela maioria das escolas histoacutericas

ateacute entatildeo e por muitas ateacute agora (Cordero 1984)

27

estudos sobre o natildeo ser em Goacutergias e sobre o natildeo ser no Sofista de Platatildeo Justificada a necessidade

histoacuterica da presente pesquisa podemos agora nos dedicar agrave apresentaccedilatildeo da mesma e da

metodologia escolhida para a realizaccedilatildeo

23 Apresentaccedilatildeo da temaacutetica e justificaccedilatildeo da metodologia

O poema de Parmecircnides pela sua importacircncia histoacuterica e filosoacutefica recebeu muitas atenccedilotildees

desde a antiguidade Graccedilas a essas atenccedilotildees algumas partes do poema sobreviveram devido agrave

citaccedilotildees dos vaacuterios doxoacutegrafos A reconstruccedilatildeo a partir das citaccedilotildees comeccedilou na aurora da

modernidade com a publicaccedilatildeo de uma coletacircnea de poetas gregos Ποίησις Φιλόσοφος em 1573

de autoria de Henri Estienne Nas paacuteginas dedicadas a Parmecircnides (41-46) natildeo satildeo reportadas as

citaccedilotildees de Simpliacutecio autor que Estienne segundo Cordero natildeo podia natildeo conhecer11 Esse livro

conteacutem tambeacutem um apecircndice com correccedilotildees aportadas por Joseph J Scaliger num trabalho de

filologia12 notaacutevel e inovador para a eacutepoca A versatildeo completa de Scaliger ficou ineacutedita e esquecida

ateacute ser reencontrada em 1980 acusando o excelente trabalho do filoacutelogo o qual reconstruiu o

poema em 148 versos faltando uns 12 para completar a versatildeo atualmente utilizada13 Esta simples

nota histoacuterica jaacute potildee toda a problemaacutetica que ainda perduraraacute por seacuteculos ateacute nossos dias a

reconstruccedilatildeo filoloacutegica do poema O texto de Parmecircnides passou de seu original dialeto jocircnico

(numa colocircnia itaacutelica) para a Atenas de Soacutecrates e Platatildeo e sucessivamente foi recopiado

provavelmente na escola de Aristoacuteteles onde jaacute se supotildee haver dois textos diferentes dadas as

11Cordero (1987) p 8 12ldquoProto-filologiardquo diz Cordero ibidem p 8 13Todas estas notiacutecias estatildeo em Cordero (1987)

28

citaccedilotildees diferentes do mesmo trecho em Aristoacuteteles e Teofrasto14 A filologia sucessiva se complica

mais ainda ao se considerar as citaccedilotildees de eacutepoca muito sucessivas com as mais diversas variaccedilotildees

de evoluccedilatildeo da liacutengua Ao todo as citaccedilotildees podem ser subdivididas em trecircs grupos cronoloacutegicos15

(1) Platatildeo Aristoacuteteles Teofrasto e Eudemo no seacuteculo IV aC

(2) Plutarco (sec I dC) Galeno (sec II dC) Clemente de Alexandria e Sexto Empiacuterico (sec II

e III dC) Dioacutegenes Laeacutercio (sec III dC)

(3) Plotino (sec III dC) Jacircmblico (sec III-IV dC) Proclo (sec IV-V dC) Damascio e Amocircnio

(sec V-VI dC) e Simpliacutecio (sec VI dC)

Platatildeo o primeiro a citar Parmecircnides parece iniciar uma das duas tradiccedilotildees doxograacuteficas

mais fortes aquela que jaacute inclui uma ldquointerpretaccedilatildeordquo de Parmecircnides no texto enquanto que uma

segunda que corre ateacute Proclo parece ser baseada num texto jaacute fortemente aticizado cujo maior

representante eacute Teofrasto16 Aleacutem disso parece haver uma terceira alternativa encontrada em Sexto

Empiacuterico que se baseia em textos peripateacuteticos diferentes dos de Teofrasto (como dissemos acima)

compondo um quadro bastante complicado os textos de Siacutempliacutecio Proclo Plutarco e Sexto

Empiacuterico os que citam a maioria dos versos de Parmecircnides apresentam cada um por motivos

diversos vantagens e desvantagens do ponto de vista da qualidade filoloacutegica Alguns destes

problemas seratildeo tratados mais adiante e aqui queremos apontar apenas o estado fragmentaacuterio do

texto e os seus intransponiacuteveis obstaacuteculos exegeacuteticos Por conta dessas dificuldades os estudos

parmenidianos estatildeo em aberto as tentativas dos estudiosos de novas soluccedilotildees a cada problema

14ib p 5 15Passa (2009) p 21 16Ibidem p 26-7

29

particular natildeo param e haacute muito trabalho ainda pela frente

A presente pesquisa tem um assunto delimitado o natildeo ser em Parmecircnides que delimita

tambeacutem reduzindo-as as dificuldades filoloacutegicas Por outro lado como veremos em breve a maior

dificuldade em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de natildeo ser no poema eacute de natureza filosoacutefica e portanto a

metodologia aqui usada alia o suporte filoloacutegico a um forte contexto interpretativo filosoacutefico Natildeo

satildeo poucos os autores em acircmbito de histoacuteria da filosofia que afirmam que a interpretaccedilatildeo do texto

de Parmecircnides depende da interpretaccedilatildeo filosoacutefica que a ele se daacute Um parecer similar se encontra

tambeacutem entre os filoacutelogos17 deixando a problemaacutetica agrave beira de um ciacuterculo vicioso de petitio

principii por um lado eacute necessaacuterio entender a letra do texto para entender as noccedilotildees e ideias

veiculadas e por outro lado eacute necessaacuterio conhecer as noccedilotildees e ideias veiculadas para entender a

letra do texto

Parece impossiacutevel escapar desta situaccedilatildeo por muitas razotildees Aleacutem das jaacute citadas questotildees

de transmissatildeo do texto eacute preciso acrescentar (1) o format escolhido por Parmecircnides ou seja a

poesia em linguagem eacutepica ao inveacutes da recente prosa jocircnica mais clara para expressar conteuacutedos

mais precisos (2) a funccedilatildeo didaacutetica do poema que o torna segundo o costume da eacutepoca um proacute-

memoacuteria para o ensinamento oral ou seja sem toda a preciosiacutessima parte da articulaccedilatildeo e

exemplificaccedilatildeo dos argumentos o que contribuiria ao esclarecimento (3) as novidades linguiacutesticas

de noccedilatildeo filosoacutefica e a descriccedilatildeo de uma cosmologia proacutepria que natildeo teve disciacutepulos verdadeiros18

aos quais recorrer para esclarecimento das noccedilotildees do mestre (4) a extraordinaacuteria complexidade e

17Passa (2009) p 11 18Uma discussatildeo mais adiante

30

profundidade da filosofia de Parmecircnides muito difiacutecil para a eacutepoca e a bem da verdade para a

atualidade tambeacutem

O presente estudo voltado a uma questatildeo filosoacutefica especiacutefica dispensa muitos dos

problemas implicados pelo estudo do poema como um todo e ao mesmo tempo consegue escapulir

do ciacuterculo vicioso acima chamando a depor em favor da nitidez da argumentaccedilatildeo proposta um

testemunha que eacute especial por vaacuterias razotildees Platatildeo como em breve veremos Por outro lado

proponho aqui um ponto de vista natildeo tentado ainda em relaccedilatildeo a Parmecircnides o ponto de vista de

um estudioso da mente humana aquele que hoje chamariacuteamos de psicoacutelogo de fato como

veremos o poema apresenta um vocabulaacuterio psicoloacutegico expliacutecito e tambeacutem como seraacute

evidenciado um vocabulaacuterio psicoloacutegico mimetizado na linguagem arcaica de Parmecircnides Todos

os termos psicoloacutegicos que estudaremos foram mais do que meticulosamente estudados pelos

criacuteticos e aqui se trata nada mais de que unir esse vocabulaacuterio ateacute agora disperso num todo mais

coerente e que mostraraacute um Parmecircnides ateacute agora ineacutedito o Parmecircnides psicoacutelogo Esses dois

instrumentos metodoloacutegicos o Parmecircnides psicoacutelogo e o testemunho de Platatildeo ajudaratildeo o primeiro

a interpretar palavras do texto claras na filologia mas misteriosas na noccedilatildeo e o segundo a confrontar

o resultado obtido com a cristalina discussatildeo filosoacutefica proposta por Platatildeo quando ele enfrenta

diretamente o eleata

24 O testemunho de Platatildeo

Sobre a relaccedilatildeo entre Parmecircnides e Platatildeo ou melhor de Platatildeo com Parmecircnides escreveu-

se muitiacutessimo e certamente natildeo eacute este o lugar para aprofundar tal tema Mas Platatildeo reveste uma

importacircncia especial como testemunha da obra parmenidiana e mais do que as suas ideias a respeito

de Parmecircnides nos interessam as suas palavras De fato Platatildeo eacute o mais antigo filoacutesofo a citar o

31

nome de Parmecircnides e tambeacutem a citar textualmente algumas de suas afirmaccedilotildees o faz em vaacuterias

oportunidades duas vezes no Banquete (em 178b9-11 que constitui o fr DK 28 B 13 e em 195c2

onde eacute apenas nomeado) duas no Teeteto (em 180e1 que constitui o fr DK 28 B 838 e em 183e3-

184a3 onde apresenta a pessoa de Parmecircnides) em vaacuterias passagens do Sofista (a ediccedilatildeo de Coxon

reporta cinco trechos entre os testimonia19) das quais trecircs contecircm citaccedilotildees de versos do poema (em

237a8-9 que constituem os versos DK 28 B 71-2 em 244e6 que constitui o fragmento DK 28 B

843-45 e em 258d3-4 que repetem os versos 71-2) Jaacute o diaacutelogo a ele titulado o Parmecircnides

embora seja impregnado de filosofia eleaacutetica natildeo possui citaccedilotildees que seguramente e literalmente

possam ser atribuiacutedas ao poema de Parmecircnides

O testemunho de Platatildeo apresenta algumas vantagens exegeacuteticas em relaccedilatildeo aos demais

doxoacutegrafos eacute o mais antigo e cronologicamente mais proacuteximo a Parmecircnides eacute confiaacutevel do ponto

de vista da compreensatildeo da letra do texto pois Platatildeo tem consciecircncia das dificuldades de

compreensatildeo daquele dialeto jocircnico transplantado no sul da Itaacutelia e comprimido num moacutedulo

didaacutetico (poema) imitando uma linguagem eacutepica ainda mais antiga ou seja percebe que eacute uma

linguagem artificiosa que pode conduzir a enganos20 por fim Platatildeo eacute um dos maiores filoacutesofos

da humanidade e ademais estudou detidamente a filosofia do eleata e a discutiu em obras

filosoacuteficas imortais portanto dificilmente pode ser acusado de incompreensatildeo da mensagem

parmenidiana21 tornando-se assim do ponto de vista filosoacutefico totalmente confiaacutevel

19Coxon (2009) p 104-113 20Platatildeo Theet 184a 21Na mesma passagem do Teeteto (184a) Platatildeo afirma de natildeo ter certeza de ter entendido o que disse e o que quis

dizer (φοβοῦμαι οὖν μὴ οὔτε τὰ λεγόμενα συνιῶμεν τί τε διανοούμενος εἶπε) palavras que indicam a preocupaccedilatildeo

rigorosa de Platatildeo quanto ao pensamento que ele achava profundo (βάθος) de Parmecircnides

32

A citaccedilatildeo que nos interessa diretamente eacute aquela do Sofista Platatildeo escreve jaacute em idade

avanccedilada um livro de grande importacircncia filosoacutefica um dos maiores livros de filosofia de todos

os tempos O Sofista Ali ele discute alguns temas essenciais da vida do pensamento humano

principalmente como eacute que o mundo pode se apresentar muacuteltiplo e mutaacutevel se as ideias parecem

tender agrave unidade e parecem ser imutaacuteveis O extraordinaacuterio aparato filosoacutefico que Platatildeo potildee em

jogo tem um ponto de partida singular uma discussatildeo sobre o natildeo ser Apoacutes o estabelecimento do

meacutetodo de caccedila ao sofista e apoacutes as vaacuterias articulaccedilotildees da diairesis platocircnica o natildeo ser eacute o primeiro

verdadeiro obstaacuteculo no percurso platocircnico mas eacute um obstaacuteculo tatildeo grande que assim como

configurado segundo a noccedilatildeo de natildeo ser que se conhecia ateacute entatildeo ndash o natildeo ser parmenidiano ndash natildeo

podia ser absorvido a serviccedilo de uma causa quem sabe maior para uma nova visatildeo de mundo a

causa e visatildeo platocircnicas natildeo podendo ser aproveitada a noccedilatildeo parmenidiana eacute descartada Na

sequecircncia do texto platocircnico outras noccedilotildees e outros filoacutesofos satildeo descartados mas somente

Parmecircnides sofre uma dinacircmica criacutetica especial que viraacute a ser conhecida como parriciacutedio A

respeito da questatildeo de se utilizar (e inutilizar) a noccedilatildeo parmenidiana de natildeo ser absoluto diz a

personagem o estrangeiro de Eleia que ele natildeo quer ser tido como parricida porque o pai

Parmecircnides natildeo cansava de repetir do comeccedilo ao fim (de sua atuaccedilatildeo filosoacutefica) em verso e em

prosa que

ldquoNatildeo impossiacutevel que isto prevaleccedila ser (o) natildeo ente

Tu poreacutem desta via de inqueacuterito afasta o pensamento22

22Parmecircnides (DK B 71-2) em Platatildeo Soph 237a8-9 Οὐ γὰρ μή ποτε τοῦτο δαμῇ φησίν εἶναι μὴ ἐόντα ἀλλὰ σὺ

τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήμενος εἶργε νόημα Trad Cavalcante de Souza (1978)

33

Aqui eacute preciso notar duas coisas a primeira eacute que natildeo aceitando a noccedilatildeo expressa na

citaccedilatildeo se mataria Parmecircnides o que quer dizer que esta noccedilatildeo eacute essencial na sua filosofia e sem

ela a filosofia parmenidiana natildeo sobrevive a segunda eacute a descriccedilatildeo contextual da citaccedilatildeo pois

Parmecircnides natildeo se cansava de repetir ao longo de sua vida e de todas as maneiras como um bordatildeo

o que confirma que a citaccedilatildeo pertence ao nuacutecleo soacutelido e persistente do pensamento do eleata As

duas descriccedilotildees satildeo sineacutergicas e apontam assim me parece para aquilo que eacute o essencial da

filosofia parmenidiana Ademais acrescente-se que a evidenciar este nuacutecleo essencial natildeo eacute um

pensador menor mas eacute Platatildeo na sua fase filosoacutefica mais profunda Penso que natildeo haacute mais duacutevidas

eacute possiacutevel fazer uma reconstruccedilatildeo do puzzle do poema limitadamente agrave sua parte filosoacutefica a partir

da imagem de referecircncia oferecida por Platatildeo que eacute tambeacutem aquela que mais interessou aos antigos

e que mais interessa tambeacutem aos filoacutesofos atuais

O poema foi muito estudado nos primeiros 150 anos apoacutes Parmecircnides ateacute basicamente

Aristoacuteteles e pouco depois e foi responsaacutevel direto por algumas das grandes intuiccedilotildees da antiga

filosofia grega Do que chegou ateacute noacutes aleacutem das obras dos eleaacuteticos Zenatildeo e Melisso ndash obras

altamente anti-intuitivas e paradoxais mas que nem sempre ajudam a entender o proacuteprio

Parmecircnides23 ndash o fruto mais desconcertante do eleatismo eacute sem duacutevida o Περὶ τοῦ μὴ ὄντος ἢ Περὶ

φύσεως de Goacutergias Este livro eacute seguramente referido ao eleatismo mas expotildee a mateacuteria de forma

paroxiacutestica deixando os estudiosos perplexos e indecisos entre levar as flagrantes contradiccedilotildees ali

expostas a seacuterio ou considerar o todo um exerciacutecio luacutedico de sarcasmo sofiacutestico As demais

23Em meu trabalho sobre Melisso tive a ocasiatildeo de pocircr em evidecircncia o quanto eacute bastante comum em muitos autores

interpretar Parmecircnides a partir de Melisso atribuindo ao mestre pecados que afinal satildeo soacute do disciacutepulo Por terem

noccedilotildees muito similares nem sempre eacute faacutecil discernir as de um das de outro (Galgano 2010)

34

referecircncias ao eleata podem ser inferidas em muitos autores de Empeacutedocles a Demoacutecrito mas natildeo

satildeo expliacutecitas ateacute Platatildeo o qual muitas vezes faz referecircncias aos antigos pensadores e no Sofista

traceja ateacute mesmo o primeiro esboccedilo de histoacuteria da filosofia da qual se tem registro onde

Parmecircnides eacute de novo nomeado junto com Xenoacutefanes e a estirpe eleaacutetica24

Platatildeo acolhe a heranccedila dos antigos embora natildeo se saiba muito bem em qual medida ele

seja franco quanto aos seus autores de referecircncia25 e discute suas propostas ora aceitando-as ora

criticando-as sempre com grande respeito e ateacute com veneraccedilatildeo como eacute o caso do proacuteprio

Parmecircnides natildeo soacute pela citaccedilatildeo no Teeteto mas tambeacutem pela impressionante apresentaccedilatildeo do

eleata no diaacutelogo Parmecircnides Diferentemente de Aristoacuteteles que muitas vezes como foi

evidenciado por alguns autores26 chega a distorcer o pensamento dos antigos para justificar suas

proacuteprias noccedilotildees Platatildeo eacute mais cauteloso e faz citaccedilotildees pontuais das quais natildeo se tem porque pocircr

em duacutevida a autenticidade Em relaccedilatildeo ao nosso tema das trecircs citaccedilotildees de versos no Sofista duas

repetem a mesma passagem aquela que nos interessa diretamente aqui As duas citaccedilotildees satildeo

ligeiramente diferentes

Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ φησίν εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήμενος εἶργε νόημα27

Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα28

24Platatildeo Soph 242b et passim 25Por exemplo em sua obra haacute uma uacutenica referecircncia a Pitaacutegoras embora ele discuta temas pitagoacutericos em muitas

passagens inclusive apresentando personagens pitagoacutericas 26Por exemplo a obra de Cherniss (1935) Aristotlersquos criticism of presocratic philosophy 27Platatildeo Soph 237 a 8-9 28Ibidem 258 d 2-3

35

Resta a tarefa de entender estas palavras que agora jaacute sabemos se referem ao cerne da

filosofia parmenidiana e de construir uma imagem de referecircncia que possa ser um guia confiaacutevel

na reconstruccedilatildeo do poema

A primeira expressatildeo Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ eacute uma expressatildeo imperativa embora

apresentada com um subjuntivo Haacute divergecircncias gramaticais que discutiremos detalhadamente

em sede oportuna mas o sentido geral eacute de uma noccedilatildeo reforccedilada com outra natildeo prevaleccedila (em

sentido ativo ou passivo por enquanto natildeo importa) eacute a noccedilatildeo jamais eacute o reforccedilo Esta expressatildeo

eacute tiacutepica de toda a fala imperativa da deusa que daacute um caraacuteter hieraacutetico e de universalidade agrave

afirmaccedilatildeo em suma diz a deusa eacute uma lei Qual eacute a lei que natildeo pode ser prevaricada Que sejam

os natildeo seres εἶναι μὴ ἐόντα No entanto o que venham a ser os ἐόντα e qual seja o sentido de εἶναι

eacute exatamente o problema mais criacutetico da filologia da semacircntica e da filosofia de Parmecircnides como

um todo Eacute portanto totalmente desaconselhaacutevel tomar estas noccedilotildees como imagem de referecircncia

E o mesmo deve ser dito em relaccedilatildeo ao verso seguinte ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε

νόημα onde os vaacuterios conceitos envolvidos lsquocaminhorsquo lsquopesquisarsquo lsquopensamentorsquo satildeo todos

problemaacuteticos em Parmecircnides e uma clara noccedilatildeo para todos eles talvez seja possiacutevel no fim do

estudo mas natildeo no iniacutecio e muito menos como pressuposto (externo) ao poema como imagem de

referecircncia

Apesar disso embora natildeo possam ser descartadas as noccedilotildees dos conceitos envolvidos tem

algo muito claro que permanece e que eacute a estrutura sintaacutetica onde as noccedilotildees estatildeo implantadas

μήποτε e μὴ A negaccedilatildeo μὴ se daacute como uma negaccedilatildeo a respeito de duas noccedilotildees de mesma origem

semacircntica εἶναι e ἐόντα E o μήποτε jamais indica claramente o imperativo negativo a respeito

da negaccedilatildeo μὴ Em suma a estrutura diz jamais seja negado algo onde esse algo se refere a εἶναι

e ἐόντα dos quais noacutes ainda natildeo temos uma clara semacircntica Ora estariacuteamos diante de algo

36

incompreensiacutevel se natildeo fosse Platatildeo a nos esclarecer A citaccedilatildeo ocorre no meio da discussatildeo sobre

o natildeo ser e o tema eacute exatamente se eacute possiacutevel que o natildeo ser seja29 Agora seja qual for o sentido

de εἶναι e ἐόντα em Parmecircnides coisa que analisaremos a seu tempo eles tecircm um sentido claro em

Platatildeo que o natildeo ser seja algo Para que possamos deixar espaccedilo agrave semacircntica parmenidiana sem

constrangecirc-la dentro da semacircntica platocircnica a imagem de referecircncia pode ser firmada em volta da

oposiccedilatildeo radical (jamais) entre duas instacircncias ser e natildeo ser cuja noccedilatildeo deve ser esclarecida

Temos assim nossa imagem de referecircncia O tema filosoacutefico principal em volta do qual gira

o poema eacute a oposiccedilatildeo radical de duas instacircncias cosmoloacutegicas (ἀρχάι) a saber ser e natildeo ser cujas

noccedilotildees devem ser esclarecidas Resta ainda a acrescentar que esta imagem natildeo eacute incongruente com

os textos de Melisso e de Goacutergias natildeo eacute incongruente com a temaacutetica apresentada por Platatildeo como

eleaacutetica e tambeacutem com aquela apresentada por Aristoacuteteles ademais natildeo eacute incongruente com as

demais imagens legadas pela doxografia ou ao menos natildeo eacute desabonada por elas

29Eacute a discussatildeo para tentar caccedilar o sofista que se escondeu no natildeo ser

37

3 PARMEcircNIDES PSICOacuteLOGO ndash PRIMEIRA PARTE

31 Introduccedilatildeo geral

A finalidade desse capiacutetulo eacute mostrar pela identificaccedilatildeo de um vocabulaacuterio psicoloacutegico em

seu poema a capacidade de Parmecircnides de observaccedilatildeo do comportamento mental humano esta

habilidade de autecircntico psicoacutelogo (talvez cognitivista segundo as atuais categorias em uso) em

ato no poema eacute capaz de explicar um resultado extraordinaacuterio a descoberta de uma estrutura do

pensamento a partir da descoberta de uma estrutura do pensar onde por pensar quero me referir ao

processo fisioloacutegico e por pensamento ao resultado desse processo Enquanto no proacuteximo capiacutetulo

examinaremos de perto as estruturas do pensar e do pensamento propostas por Parmecircnides aqui

nos limitaremos agrave averiguaccedilatildeo geral de uma investigaccedilatildeo psicoloacutegica ndash em breve veremos em que

moldes ndash capaz de sugerir o enfoque psicoloacutegico na pesquisa realizada pelo eleata Por outro lado

o estudo de psicologia como ciecircncia do comportamento mental e natildeo como ciecircncia da alma eacute um

ramo do saber relativamente recente e se se considera Wundt o fundador da psicologia cientiacutefica

no seacuteculo XIX ainda teremos de esperar o seacuteculo XX para a consolidaccedilatildeo de uma ciecircncia autocircnoma

em relaccedilatildeo ao atualmente ambiacuteguo impreciso e equiacutevoco conceito de alma A psicologia cientiacutefica

do seacuteculo XXI estuda a mente e natildeo a alma estribando-se sobre o comportamento mental concreto

e deixando de lado se haacute ou natildeo uma instacircncia ndash a alma ndash externa ao corpo material ou espiritual

que possa explicar os fenocircmenos psiacutequicos

Ao se aplicar essa noccedilatildeo atual de psicologia agraves culturas antigas nos deparamos com a

dificuldade da ausecircncia naquelas eacutepocas de uma tal visatildeo psicoloacutegica autocircnoma e por conseguinte

com a ausecircncia das noccedilotildees correspondentes e de uma terminologia especiacutefica a definir essa

autonomia Isso deu espaccedilo a um fenocircmeno singular quando se estuda a psicologia na antiguidade

38

em geral se estudam campos semacircnticos ligados agrave palavra psyche com o seguinte resultado haacute

vaacuterios estudos sobre a psicologia em Homero ou na poesia eacutepica ou na poesia liacuterica ou na trageacutedia

haacute ateacute alguns estudos sobre a psicologia nos preacute-socraacuteticos principalmente Heraacuteclito e ateacute mesmo

Demoacutecrito por fim haacute estudos de psicologia na obra de Platatildeo e principalmente como era de se

esperar na obra de Aristoacuteteles o primeiro a escrever um livro autocircnomo sobre psicologia Mas natildeo

haacute estudos sobre a psicologia na obra de Parmecircnides O motivo principal assim me parece deve

ser buscado no fato de que no poema de Parmecircnides a palavra psyche natildeo aparece

Num livro famoso 30 A descoberta do espiacuterito Bruno Snell estreia afirmando que ldquoO

pensamento europeu comeccedila com os gregose desde entatildeo surge como a uacutenica forma do

pensamento em geralrdquo (p 11) O lsquoespiacuteritorsquo do tiacutetulo natildeo eacute a mente da psicologia e nem de outras

disciplinas especiacuteficas eacute a mente em sentido cultural amplo mesmo assim para poder chegar a

consideraccedilotildees mais amplas Snell eacute obrigado a analisar mais detidamente noccedilotildees e termos como

psyche thymos nous de Homero em diante chegando a resultados importantes e a consideraccedilotildees

luacutecidas Infelizmente quando trata de Parmecircnides ele se limita agravequeles que lhe pareceram os

pontos altos da mensagens parmenidiana a revelaccedilatildeo divina a recusa da experiecircncia dos sentidos31

e o puro ser32 sem nenhum aprofundamento nem mesmo da questatildeo do nous ndash como se esperaria

de um livro que trata da descoberta da mente ndash que em Parmecircnides natildeo eacute pequena

30Snell (1975) 31Ib ldquo a influecircncia de Parmecircnides o qual deixou de lado o saber lsquohumanorsquo a experiecircncia sensiacutevel e buscou um

acesso directo a lsquodivinorsquordquo (p 190) 32Ib ldquoA divindade leva Parmecircnides ao pensamento lsquopurorsquo com o quale le apreende o puro ser Enquanto Alcmeon

partindo da percpccedilatildeo sensiacutevel proacutepria do saber humano avanccedila ndash diriacuteamos indutivamente ndash ateacute ao invisiacutevel a

deusa de Parmecircnides ensina-o a deixar de lado como coisa enganadora toda a percepccedilatildeo sensiacutevel e o dever por

ela captadordquo (p 191)

39

Com o livro de Snell se perdeu uma grande oportunidade de dar iniacutecio a estudos mais

aprofundados da psicologia em Parmecircnides Como veremos os historiadores da filosofia antiga do

seacuteculo XIX para a primeira metade do seacuteculo XX natildeo deixaram muito espaccedilo para um

desenvolvimento nesta direccedilatildeo por outro lado os historiadores da psicologia que na verdade

comeccedilaram a trabalhar mais intensamente na segunda metade do seacuteculo XX apenas se apoiaram

nos textos dos historiadores da filosofia em geral os mais renomados e utilizaram as obras mais

gerais de histoacuteria da filosofia antiga descuidando da imensa literatura secundaacuteria que foi produzida

sobre Parmecircnides O resultado foi uma verdadeira escassez de pesquisa e uma repeticcedilatildeo do seguinte

fenocircmeno laacute onde os textos se propotildeem a falar da psicologia de Parmecircnides se limitam a expor

sumariamente em geral de forma desajeitada a sua filosofia33

Assim falando de sua filosofia esses estudiosos abordam inexoravelmente a epistemologia

parmenidiana o tema da possibilidade do conhecimento verdadeiro No entanto uma pergunta

seria legiacutetima eacute possiacutevel se falar de epistemologia como Parmecircnides o fez sem fazer nenhuma

33Vejam-se alguns exemplos Os livros gerais de histoacuteria da psicologia deixam muito a desejar acute[Por exemplo Malone

(2009) onde nas p 34-36 dedicadas aos eleaacuteticos natildeo uma soacute palavra eacute referida agrave pesquisas parmenidianas sobre

o funcionamento da mente dedicando o pouco espaccedilo a um resumo muito impreciso das ideias filosoacuteficas do

eleatismo] mas mesmo livros especializados sobre o assunto satildeo surpreendentemente parcos quanto a Parmecircnides

ou ateacute mesmo omissos [Como exemplo de omissatildeo veja-se o Everson (1991) ldquoCompanion to Ancient Thought 2 ndash

Psychologyrdquo livro especificamente dedicado agrave Psicologia no pensamento antigo onde apesar da presenccedila dos

maiores nomes entre os scholars de filosofia antiga (Schofield Irwin Annas AA Long e outros) natildeo haacute nenhuma

referecircncia agrave psicologia de Parmecircnides] Um texto dedicado ao assunto Early psychological thought [Green C D

e Groff P R (2003)] destinado a psicoacutelogos e filoacutesofos (p ix) embora se proponha a ser um ancient account

accounts of mind and soul quando aborda Parmecircnides (e os eleaacuteticos) escreve assim ldquoNeverthless his inclusion

in a history of early psychological thought is a little tricky to justify since he had little or nothing to say on the

issue of the psychecirc (hellip) His major contributions were in epistemology tyhe theory of knowledge itself and in

ontology the theory of what at the most basic level can be said to existrdquo [Ibidem p 28] Natildeo me parece que os

diretos responsaacuteveis por tais afirmaccedilotildees sejam os seus autores pois eles tomaram essas descriccedilotildees dos estudiosos

de histoacuteria da filosofia antiga ndash em particular a respeito de Parmecircnides os autores citados satildeo Barnes e Gallop os

quais natildeo fazer nenhuma referecircncia aos estudos psicoloacutegicos de Parmecircnides ndash e o argumento principal eacute que no

texto parmenidiano natildeo haacute referecircncia agrave psyche

40

referecircncia ao sistema psicoloacutegico de conhecimento Acho que natildeo porque um aparelho cognitivo

tem que estar pressuposto expliacutecita ou implicitamente e tenho a impressatildeo de que se repete um

erro metodoloacutegico jaacute evidenciado em outros casos onde se confunde a palavra como a noccedilatildeo Por

exemplo se nos baseaacutessemos na palavra loacutegica nos livros de histoacuteria da loacutegica natildeo constaria

Aristoacuteteles porque embora a noccedilatildeo de loacutegica assim como hoje a entendemos estivesse jaacute perfeita

e claramente presente ele natildeo usava esta palavra e se fizeacutessemos o mesmo com a palavra nuacutemero

na histoacuteria da matemaacutetica natildeo constariam os primeiros pitagoacutericos embora as noccedilotildees matemaacuteticas

estivessem claramente presentes entre eles O mesmo parece acontecer com a psicologia em relaccedilatildeo

a Parmecircnides pois o fato de que natildeo compareccedila a palavra psique em seu poema natildeo quer dizer

que natildeo tenha tratado de temas psicoloacutegicos e como mostraremos ali estatildeo claramente presentes

muitas noccedilotildees que hoje chamariacuteamos de noccedilotildees de psicologia

32 Parmecircnides psicoacutelogo (primeira parte)

Passamos a estudar agora os elementos psicoloacutegicos com os quais e sobre os quais

Parmecircnides constroacutei a sua filosofia Embora o poema fale claramente a respeito de atos da mente

isto eacute a respeito da possibilidade de pensar a verdade e tambeacutem a respeito do caminho errado que

os mortais seguem quando pensam suas opiniotildees um aprofundamento desse ponto de vista pelo

que eu sei como eu jaacute disse ainda natildeo foi tentado Por isso antes de aprofundar o tema eu gostaria

de deixar claro mais uma vez em que sentido estou usando aqui o termo psicologia e seus

cognatos Uso aqui o termo no sentido utilizado pela ciecircncia moderna ou seja como mente e

tomando distacircncia do sentido de alma uma das possiacuteveis traduccedilotildees de ψῡχή Assim uso

psicologia como aquela ciecircncia que trata dos estados e processos mentais exatamente como a

41

primeira definiccedilatildeo do Dicionaacuterio Huaiss da Liacutengua Portuguesa34

A psicologia cientiacutefica surge no seacuteculo XIX mas se consolida somente no seacuteculo XX Assim

eacute razoaacutevel que o aspecto psicoacutelogo possa aparecer somente depois do surgimento da nova ciecircncia

da psicologia Na verdade esperariacuteamos um exame do ponto de vista psicoloacutegico no comeccedilo35 ou

ao longo do seacuteculo XX quando assistimos agrave multiplicaccedilatildeo de muitas disciplinas no campo da mente

humana desde as neurociecircncias ateacute a psicologia social e a comparativa Na aacuterea da filosofia

assistimos ao nascimento da filosofia da mente mas uma revisatildeo dos conhecimentos psicoloacutegicos

no pensamento antigo natildeo vai aleacutem de poucas notas nos livros gerais de histoacuteria da psicologia

Desta forma nestas paacuteginas o propoacutesito eacute pocircr em evidecircncia o Parmecircnides observador da natureza

funccedilotildees e fenocircmenos da mente humana e naturalmente algumas discussotildees sobre como e quanto

essas observaccedilotildees influenciaram a sua filosofia

321 O fragmento 1

O poema se abre com uma imagem poderosa e espetacular que jaacute desde o primeiro verso

carrega um vocabulaacuterio psicoloacutegico

ἵπποι ταί με φέρουσιν ὅσον τ ἐπὶ θυμὸς ἱκάνοι

Umas eacuteguas conduzem o jovem disciacutepulo tatildeo longe quanto o espiacuterito pode alcanccedilar e levam o carro

34Houaiss (2001) verbete psicologia 35 Uma notaacutevel exceccedilatildeo eacute o livro de Beare de 1906 ldquoGreek theories of elementary cognition From Alcmaeon to

Aristotlerdquo Na introduccedilatildeo ele diz ldquoThe aim of the following pages is to give a close historical account of the various

theories partly phisiological and partly psychological by which the greek philosophers from Alcamaeon to

Aristotle endeavourede to explain the elementary phenomena of cognition The pre-Aristotelean writers who

applied themselves to this subject and whose writings we possess any considerable information are Alcmaeon of

Crotona Empadocles Democritus Anaxagoras Diogenes of Apollonia and Platordquo Parmecircnides natildeo eacute tratado

42

sobre um caminho especial que o levaraacute agrave presenccedila da deusa A palavra θυμὸς parece ser a chave

para seguir o curso didaacutetico que Parmecircnides atraveacutes da voz da deusa oferece ao seu leitor O verso

eacute reportado por Sexto Empiacuterico o qual na sua paraacutefrase traduz θυμὸς exatamente por ψῡχή36

Naturalmente com esta palavra o ceacutetico Sexto quer dizer alma atendendo a uma noccedilatildeo de seu

tempo que eacute inuacutetil reportar aqui Mas certamente θυμὸς eacute uma palavra que se refere agrave estrutura

humana que atualmente chamamos mente

Θυμὸς tem um grande campo semacircntico jaacute em Homero onde significa alma ou espiacuterito como

princiacutepio de vida do sentir37 e do pensamento38 Mas aqui no proemio Parmecircnides faz uma

introduccedilatildeo ao caraacuteter do seu escrito com muitas imagens coloridas ressonantes e dinacircmicas39 para

colocar seu leitor na disposiccedilatildeo mental de atenccedilatildeo para as liccedilotildees da deusa40 Por esta razatildeo a

palavra θυμὸς aqui eacute fortemente poeacutetica e indeterminada de modo que o puacuteblico a intenda de uma

forma mais subjetiva que objetiva Portanto ela apresenta pouco interesse para a nossa busca de

um sentido claro e uniacutevoco Entretanto a sua posiccedilatildeo no primeiro verso nos deveria alertar de que

o sujeito do poema eacute a mente Eacute a mente (no sentido amplo de aquela capacidade humana de

imaginaccedilatildeo compreensatildeo e conhecimento) que estaacute se preparando para a grande aventura pelo

mundo inteiro ateacute seus limites (e mais) para descobrir os segredos mais ocultos privileacutegio do

36Sextus Empiricus 71121 ἐν τούτοις γὰρ ὁ Παρμενίδης ἵππους μέν φησιν αὐτὸν φέρειν τὰς ἀλόγους τῆς ψυχῆς

ὁρμάς τε καὶ ὀρέξεις 37Bremmer (1983) p 54 ldquoThymos is above all the source of emotionsrdquo 38Bremmer (1983) p 55 ldquoWhen Odysseus is left alone by the Greeks in a battle ldquohe spoke to his proud thymosrdquo (XI

403) Having realized the two possibilities left to him he ends his deliberations by asking ldquobut why does my

Thymos consider thatrdquo (XI 407)rdquo 39ldquoMultimidiardquo segundo a feliz expressatildeo de Cornelli (Cornelli 2007 p 50) 40Uma ampla discussatildeo sobre as teacutecnicas usadas por Parmecircnides em relaccedilatildeo ao seu auditoacuterio estaacute em Robbiano (2006)

Apesar da grande discussatildeo sobre o papel do proemio natildeo se encontra nenhum nexo de conteuacutedo entre este e o

resto do poema

43

homem saacutebio principalmente quando eacute conduzido por uma deusa

A descriccedilatildeo parece mostrar a mente bem disposta ao conhecimento e com uma grande carga

de vontade pronta para se lanccedilar na jornada difiacutecil do conhecimento E de fato depois da

cuidadosa descriccedilatildeo da viagem em direccedilatildeo agrave deusa que o receberaacute a viagem fiacutesica do disciacutepulo

termina diante da presenccedila divina enquanto a viagem da mente continua anunciada pela proacutepria

deusa primeiro atraveacutes do mundo dos pensamentos (como veremos) um mundo onde eacute possiacutevel

encontrar aquele tipo de Persuasatildeo que procede ao lado da verdade e segundo atraveacutes do mundo

da opiniatildeo feito de estrelas divinas ceacuteus eteacutereos Eros homens e mulheres Eacute notaacutevel como essa

segunda parte da viagem natildeo acontece com uma passagem fiacutesica do jovem aprendiz atraveacutes dos

lugares fiacutesicos dos quais o poeta poderia ter nos dado uma descriccedilatildeo mas eacute exatamente uma

viagem da mente examinando teorias sobre o mundo cosmoloacutegico o mundo bioloacutegico e tambeacutem

sobre o mundo psicoloacutegico Assim o poema de Parmecircnides eacute um poema da mente pela mente e

sobre a mente

3211 A deusa DK B 12-27

Nos 26 versos seguintes do fragmento 1 Parmecircnides conta da viagem de um jovem disciacutepulo

o kouros41 ao encontro da anocircnima deusa A linguagem que ele escolhe para esta parte eacute miacutetica de

forma que o cenaacuterio os atores e a proacutepria accedilatildeo satildeo miacuteticos Natildeo haacute nenhuma referecircncia a nenhum

41Entre as vaacuterias interpretaccedilotildees do kouros (em grego jovem) em geral polarizadas entre identificaacute-lo como o proacuteprio

Parmecircnides ou como um disciacutepulo de Parmecircnides se destaca a interpretaccedilatildeo de Cousgrove (1974) que diz que

kouros significa jovem mas no sentido de sem experiecircncia ldquoYouth on the other hand implies inexperiencerdquo (p

93) podendo afinal ser um homem adulto e maduro e mesmo assim ser kouros

44

vieacutes psicoloacutegico em toda a passagem exceto se quisermos entendecirc-la como o proacuteprio Sexto

Empiacuterico faz como uma alegoria de um tipo de processo mental42 A interpretaccedilatildeo correta ou ateacute

mesmo a interpretaccedilatildeo provaacutevel desta primeira parte do proemio eacute um assunto realmente

controverso entre os estudiosos43 e por outro lado para nossos fins entrar nesta discussatildeo natildeo eacute

42Para Sexto (Adv Math 7112-114) os cavalos satildeo os desejos da alma (τὰς τῆς ψυχῆς ὁρμάς) o caminho do daimon

eacute a argumentaccedilatildeo filosoacutefica (τὸν φιλόσοφον λόγον θεωρίαν) e assim por diante

43Zeller desconsidera o proemio enquanto Diels (1987) o revaloriza inclusive analisando os detalhes das descriccedilotildees

dos eixos ferrolhos e outros mecanismos presentes no proemio Bowra retoma de certa forma a interpretaccedilatildeo de

Sexto afirmando que o proemio eacute essencialmente alegoacuterico Simultaneamente uma retomada da interpretaccedilatildeo

misteacuterica que iniciara de certa forma com Diels acontece com a anaacutelise de Burkert (1969) e prossegue com

Kingsley (1999) e Kingsley (2003) ateacute chegar nas interpretaccedilotildees sensoacuterias de Gemelli-Marciano (2008) Esta uacuteltima

afirma antes de tudo seguindo Kingsley (2003) que o poema de Parmecircnides eacute esoteacuterico e depois que os meios

necessaacuterios a transmitir essa sensaccedilatildeo de entrar num outro mundo satildeo utilizados no poema que era declamado e

natildeo lido atraveacutes das imagens propostas e dos sons dos versos os quais proporcionariam ldquoAlienation and binding

are the most powerful means to remove listeners from the ordinary everyday dimension and way of thinking and

put them into a different state of consciousness Images repetitions sequences of words and sounds supposedly

logical arguments all contribute to this end and have a particular meaning and function that surpass conventional

human language and ordinary syntactical and semantic relationshipsrdquo (2008 p 26-7) Todavia a maioria dos

estudiosos tende para uma interpretaccedilatildeo literaacuteria principalmente como artifiacutecio retoacuterico introdutivo

No seu comentaacuterio ao estudo de Gemelli-Marciano (2013) apresentado a Eleatica em 2007 Cornelli afirma que

haacute um Parmecircnides que natildeo queriacuteamos ver (p 145-148) Eu concordo com algumas ressalvas Dada uma

normalidade de consciecircncia haacute muitas coisas que podem alteraacute-la Em primeiro lugar haacute as alteraccedilotildees atraveacutes de

certas substacircncias psicoacutegenas e possivelmente Parmecircnides se de fato praticava a katabasis quase certamente

usava as papaveris lacrimae (a resina que escorre do receptaacuteculo da flor de papoula quando sofre uma incisatildeo) que

era de largo uso religioso (natildeo necessariamente iniciaacutetico) e meacutedico em toda a aacuterea mediterracircnea (Nencini 2004

2009) uma praacutetica similar se manteacutem ainda no rito catoacutelico pelo uso religioso (natildeo necessariamente iniciaacutetico) do

vinho substacircncia que tambeacutem altera a consciecircncia Depois haacute as alteraccedilotildees de consciecircncia por paroxismo

emocional (stress e similares) como se em certos ritos principalmente aqueles acompanhados pelos sons

obsessivos de instrumentos de percussatildeo Depois haacute as alteraccedilotildees de consciecircncia pela arte poesia muacutesica e outras

onde a experiecircncia artiacutestica leva para ldquooutro mundordquo Mas o mesmo se sente diante que uma elegante demonstraccedilatildeo

matemaacutetica o da loacutegica extraordinaacuteria (assim nos parece) de um feito cientiacutefico qualquer Em suma natildeo haacute grande

novidade em dizer que sons e imagens do poema levam a um estado de consciecircncia alterado O problema estaacute na

explicaccedilatildeo que se quer dar agravequele estado alterado Em geral na ocorrecircncia de um estado alterado provocado

voluntariamente haacute um mestre que pretende saber o que aquele estado alterado significa Infelizmente a histoacuteria

mostra que esse tal mestre possuidor de uma pretensa sabedoria que vem de outro mundo nada mais eacute que um

charlatatildeo da supersticcedilatildeo e da crendice Ora supersticcedilatildeo e crendice tambeacutem se alimentam destes estados alterados

de consciecircncia (como jaacute dizia Heraacuteclito DK 22 B 5 14) A proposta de Parmecircnides eacute exatamente poder distinguir

os discursos verdadeiros daqueles que natildeo tecircm fundamento e que satildeo fruto de supersticcedilatildeo e crendice (ele diz

haacutebitos culturais) Apesar da grande empolgaccedilatildeo de Kingsley em defender a formaccedilatildeo iniciaacutetica de Parmecircnides o

fato histoacuterico eacute muito simples a religiatildeo misteacuterica era o padratildeo na antiguidade e natildeo a exceccedilatildeo Entatildeo ao histoacuterico

da filosofia natildeo interessa o Parmecircnides xamacircnico ou que faz katabasis isto era comum e estaacute registrado na cultura

anterior a Parmecircnides O que interessa ao historiador da filosofia eacute esta novidade chamada filosofia que em

Parmecircnides se manifesta de forma embrional E pouco importa se a matriz eacute religiosa ou iniciaacutetica o fato eacute que a

45

proveitoso porque neste trecho natildeo se encontra nenhuma palavra expliacutecita ou situaccedilatildeo ou imagem

que fale da mente Assim podemos pular esta parte e ir diretamente agrave fala da deusa com a qual

Parmecircnides muda completamente o tom da linguagem a partir do ponto do poema onde ela inicia

sua fala a linguagem perde o seu imaginaacuterio miacutetico e a indeterminaccedilatildeo poeacutetica para se tornar uma

linguagem teacutecnica e precisa apesar das grandes dificuldades com as quais Parmecircnides se depara

para expressar novas noccedilotildees como em breve veremos

3212 O programa DK B 128-30

Entatildeo a deusa recebe o kouros e depois de algumas palavras de conforto ela diz

hellipχρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι

ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ

ἠδὲ βροτῶν δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής

Ela diz que ele precisa aprender (πυθέσθαι)44 tudo de um lado o ἦτορ firme da verdade

filosofia representa uma mutaccedilatildeo geneacutetica para usar metaforicamente uma linguagem moderna que define una

autonomia em relaccedilatildeo agrave matriz Ora tal mutaccedilatildeo geneacutetica se revelou interessante e eacute por isto que cresceu

autonomamente e sobreviveu ateacute hoje eacute a esta criatura geneticamente modificada que se interessa o historiador

da filosofia e para a histoacuteria da filosofia sons e imagens satildeo interessantes na medida em que ampliam ou

aprofundam a compreensatildeo da filosofia e natildeo quando evocam esoterismos misteacutericos pois estes interessam agrave

antropologia e ciecircncias afins (ateacute mesmo agrave linguiacutestica na sua parte antropoloacutegica como a etno-linguiacutestica veja-se

por exemplo as referecircncias a Parmecircnides em Costa 2008) Entatildeo eu concordo que haacute um Parmecircnides que natildeo

queriacuteamos ver mas com a ressalva de que este querer eacute eventualmente consciente pois este outro lado (que natildeo

queriacuteamos conhecer) natildeo eacute necessariamente interessante Por exemplo o livro In the dark places of wisdom do jaacute

citado Kingsley (1999) faz uma hipoacutetese a respeito da biografia de Parmecircnides aquela de ele ser um iniciado

hipoacutetese vaacutelida mas natildeo nova como Cornelli sabe perfeitamente por ser um estudioso do pitagorismo (veja-se o

seu excelente In search of Pythagoreanism de 2013 e a criacutetica a Kingsley nas paacuteginas 46-49) Mas esta hipoacutetese

ao qual o inteiro livro eacute dedicado natildeo acrescenta um iota agrave compreensatildeo de sua filosofia pois esta natildeo estaacute nos

lugares obscuros da sabedoria mas na luz meridiana de sua ontologia sua loacutegica e na sua problemaacutetica cosmologia

suscitando ateacute hoje debates estes sim extraordinaacuterios entre os filoacutesofos e cientistas contemporacircneos no mundo

inteiro 44Muitas satildeo as traduccedilotildees dos estudiosos Albertelli (1939 p 119) che tu impari Pasquinelli (1958 p 227) imparare

Guthrie (1965 p 9) to learn Capizzi (1975 p 8) esplorare Barnes (1982 p 122) ascertain OBrien (1987 p 7)

hear Marques (1990 p 114) Santoro (2011 p 85) que te instruas Reale (1991 p 89) che tu apprenda Conche

(2004 p 43) que tu sois instruit Robbiano (2006 p 213) to find out Coxon (2009 p52) be informed

46

εὐκυκλέος e de outro lado as opiniotildees dos mortais nas quais natildeo haacute feacute verdadeira Deixei duas

palavras em grego porque precisamos olhar para elas mais de perto Mas antes de tudo precisamos

esclarecer o sentido geral da passagem Parmecircnides expotildee aqui o programa do assunto que ele

desenvolveraacute nos proacuteximos versos algo que podemos considerar como um iacutendice um dos vaacuterios

elementos meta-discursivos do poema45 Ele diz que seu poema trataraacute de duas coisas uma

relacionada com a verdade (vamos aceitar assim por enquanto) e outra com as opiniotildees dos

mortais Ademais o kouros precisa aprender como todas as coisas deveriam ser quando seguem as

aparecircncias (DK 131-2)46 O programa anunciado seraacute cumprido em duas partes chamadas parte

da verdade fragmentos DK 2 a 8 e a da opiniatildeo fragmentos DK 9 a 19

Agora podemos voltar para o verso 129 ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ Todos os

estudiosos entendem este verso metaforicamente e o traduzem segundo o sentido mais comum de

cada palavra deixando que a imaginaccedilatildeo do leitor se ponha em accedilatildeo o coraccedilatildeo imoacutevel da verdade

bem redonda Todas as traduccedilotildees vatildeo nesta direccedilatildeo embora com diferenccedilas de estilo e de opccedilatildeo

das variantes trazidas pelos doxoacutegrafos47 e natildeo se afastam do sentido metafoacuterico Apesar da

imagem muito forte de um ldquocoraccedilatildeo da verdade bem redondardquo que capturou a sensibilidade de

muitos estudiosos haacute muitas razotildees para tomar estas palavras natildeo como metaacutefora mas como uma

45Veja-se a respeito o excelente artigo de Livio Rossetti La structure du poegraveme de Parmeacutenide (2010) 46Estes versos controversos desde sua traduccedilatildeo ateacute a interpretaccedilatildeo natildeo satildeo assunto desta investigaccedilatildeo 47O termo εὐκυκλέος transmitido por Simplicius eacute escolhido por Diels mas muitos autores preferem uma das duas

outras variantes que temos εὐπειθέος de Sexto Empiacuterico e εὐφεγγέος trazido por Proclo O termo ἀτρεμὲς tem

uma variante ἀτρεκὲς em Plutarco Recentemente Kurfess leva adiante uma interessante questatildeo interpretativa

haacute na poesia arcaica uma tendecircncia agrave repeticcedilatildeo que no caso de Parmecircnides foi subestimada de forma que os trecircs

adjetivos natildeo satildeo alternativos (variantes) de um mesmo verso mas devem pertencer a trecircs versos diferentes

implicando a introduccedilatildeo de mais dois fragmentos ldquoWhat are commonly regarded as conflicting variant readings

of the opening of the poem are actually so I claim quotations from different passages of the poem and all three

adjectives εὐκυκλέος εὐπειθέος and even εὐφεγγέος preserve Parmenidesrsquo original wordingrdquo (Kurfess 2014a)

47

linguagem teacutecnica precisa Estudei esses versos em detalhes em trabalho precedente 48 e aqui

somente reporto algumas conclusotildees A primeira razatildeo a levar em conta eacute como jaacute dissemos a

mudanccedila do tom poeacutetico sugestivo e miacutetico na primeira parte do proemio agrave linguagem precisa da

deusa no resto do poema49 de forma que o coraccedilatildeo imoacutevel da verdade bem redonda eacute uma

linguagem teacutecnica e natildeo uma metaacutefora pois faz parte da fala da deusa e natildeo da descriccedilatildeo previa da

viagem do kouros Naturalmente neste caso surge o problema de entender estas palavras em

sentido teacutecnico pois de fato o que poderia significar um verso tatildeo colorido

Vamos comeccedilar rejeitando as razotildees da interpretaccedilatildeo padratildeo Um coraccedilatildeo imoacutevel natildeo eacute uma

boa metaacutefora porque o coraccedilatildeo de fato natildeo pode parar nunca pois um coraccedilatildeo imoacutevel eacute um coraccedilatildeo

morto A palavra para coraccedilatildeo eacute ἦτορ que tem uma longa histoacuteria desde Homero ateacute os poetas

liacutericos nunca foi usado como metaacutefora 50 A palavra para verdade ἀλήθεια (na forma genitiva

ἀληθείης) natildeo pode ser entendida como uma noccedilatildeo abstrata e ideal porque essa acepccedilatildeo comeccedilaraacute

somente com Platatildeo e se completaraacute provavelmente somente com Agostinho51 no tempo de

Parmecircnides ela deve ser entendida no sentido arcaico concreto de coisa verdadeira52 A bela

48Galgano 2012 49 Rossetti (2010 p 202) ldquoEn annonccedilant les deux types de savoir la deacuteesse entre dans le rocircle du sophos et du

didaskalos cependant que le poegravete Parmeacutenide abandonne celui du chanteur qui cherche agrave enchanter et

suggestionner son auditoire pour celui de lrsquointellectuel qui a appris et sait des choses retentissantes et qui est capable

drsquoen rendre compterdquo 50Sullivan 1996 Numa passagem desse artigo (p 17) a autora sugere ndash citando Il X 93 onde Agamemnon muito

preocupado diz ldquomeu ἦτορ natildeo estaacute firme (ἔμπεδον)rdquo ndash que o natildeo firme poderia fazer referecircncia agrave batida do

coraccedilatildeo talvez irregular caracterizando um sentido mais fiacutesico Eu penso que eacute muito mais simples aceitar o sentido

psicoloacutegico por vaacuterios motivos 1) uma noccedilatildeo de variaccedilatildeo da regularidade da batida do coraccedilatildeo em associaccedilatildeo com

as preocupaccedilotildees de Agamemnon me parece um conceito sofisticado demais para essas eacutepoca 2) o natildeo firme faz

referecircncia claramente a uma indecisatildeo de Agamemnon que vai procurar a ajuda de Nestor o mais saacutebio dos

Aqueus 3) Homero usa ἔμπεδον em outras ocasiotildees como adjetivo para φρένες e νόος (Il 6532 e 11813)

expressotildees com clara referecircncia psicoloacutegica 51No De libero arbiacutetrio Agostinho equipara a Verdade a Deus 52Bernabeacute associa o termo ἀλήθεια em Parmecircnides agraves foacutermulas iniciaacuteticas de matriz oacuterficas utilizadas no sul da Itaacutelia

48

expressatildeo bem redonda εὐκυκλέος tem o sentido homeacuterico de proteccedilatildeo bem feita como no

escudo de Agamemnon (Il XI 33)53 Ateacute mesmo ἀτρεμὲς adjetivo para imoacutevel que natildeo treme

poderia ser entendido como calma numa referecircncia ao mar que natildeo treme54 mas o sentido de natildeo

tremer ἀ (privativo) + τρεμὲς treacutepido eacute uma sugestatildeo muito clara de natildeo oscilaccedilatildeo de um lado a

outro e veremos a importacircncia disso55 Todos estes elementos remetem a uma rejeiccedilatildeo do sentido

metafoacuterico e nos obriga a procurar novas maneiras de entendimento

A deusa fala de duas coisas correlacionadas marcadas pelos correlativos ἠμὲν e ἠδὲ sendo

que o segundo verso tem sentido mais claro e natildeo eacute metafoacuterico as opiniotildees dos mortais nos quais

natildeo haacute feacute verdadeira Assim podemos ver que a deusa estaacute falando do conhecimento do mundo

(πάντα) de um lado as opiniotildees nas quais natildeo haacute uma verdade confiaacutevel e de outro lado afirmaccedilotildees

que satildeo confiaacuteveis O que estaacute em jogo eacute o fato de que alguns conhecimentos satildeo confiaacuteveis e

outros natildeo Ao conhecimento natildeo confiaacutevel a deusa chama de opiniotildees dos mortais enquanto que

ao confiaacutevel ela chama de verdade bem redonda Mas verdade bem redonda estaacute em caso genitivo

aqui um genitivo de origem e indica a instacircncia de onde o sujeito se origina isto eacute de uma verdade

bem redonda Agora se voltarmos para o sentido comum e natildeo metafoacuterico de ἦτορ o sentido de

naquela eacutepoca Para essas foacutermulas ἀλήθεια significa algo que natildeo deve ser esquecido (conforme a noccedilatildeo

etimoloacutegica da palavra) que deve ser mantido em mente ldquoNo universo das lacircminas a verdade natildeo eacute outra coisa

senatildeo aquilo que natildeo se deve esquecer o que foi aprendido na iniciaccedilatildeordquo (Bernabeacute 2013 p 51) Ou seja ἀλήθεια

apresenta a noccedilatildeo de um processo mental do sujeito e natildeo de um algo objetivado fora da mente do sujeito 53O termo κύκλος tem sentido substantivo de aro de proteccedilatildeo que manteacutem firmemente juntas todas as peccedilas do

escudo de Agamecircmnon (ἣν πέρι μὲν κύκλοι δέκα χάλκεοι ἦσαν cercado por dez aros de bronze) 54 LSJ verbete ἀτρεμὴς Semonides 737 ldquoθάλασσα ἀτρεμὴςrdquo 55Se eacute verdade que τρέμω e seus cognatos podem ser referidos ao tremor de medo eacute verdade tambeacutem que podem ser

referidos ao mero movimento fiacutesico sem implicaccedilatildeo emocional como em terremoto (Il 1318) ou no tremor dos

soluccedilos (Il 21507) jaacute ausecircncia de movimento portanto o natildeo tremor natildeo se refere soacute agrave calma (da coragem) mas

tambeacutem agrave imobilidade como os cumes de um monte (Il 5524) ou a uma estela ou uma grande aacutervore (Il 13438)

ou ateacute mesmo ao natildeo repouso de uma lanccedila em constante atividade (Il 13557)

49

sede da faculdade de raciociacutenio tudo se acomoda no lugar certo e se encaixa da melhor maneira

De fato como sede da faculdade de raciociacutenio56 isto eacute como mente na linguagem atual natildeo

temos nenhuma contradiccedilatildeo com ἀτρεμὲς natildeo tremente uma mente que treme (oscila) estaacute em

duacutevida enquanto uma mente imoacutevel (firme que natildeo oscila) eacute uma mente firmemente convencida

que ultrapassou a duacutevida alternante entre afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo do mesmo enunciado Qual eacute a causa

(origem gecircnese) de um tal estado mental de firmeza Eacute a verdade bem redonda onde bem redondo

se refere agrave soacutelida proteccedilatildeo que manteacutem juntas as peccedilas (como no escudo de Agamemnon57) algo

que liga todos os elementos para fazer uma peccedila uacutenica soacutelida e protegida

Agora a traduccedilatildeo estaacute completa a mente firme que vem de uma verdade bem amarrada (bem

conexa) Se fazemos uma paraacutefrase dos versos noacutes podemos dizer

Tu aprenderaacutes tudo

tanto a mente firme gerada de uma verdade bem conexa (convincente)

quanto as opiniotildees dos mortais nas quais natildeo haacute verdade convincente

Podemos ver aqui natildeo somente um vocabulaacuterio psicoloacutegico mas tambeacutem uma genuiacutena observaccedilatildeo

psicoloacutegica De fato a convicccedilatildeo eacute descrita como fenocircmeno psicoloacutegico da mente que natildeo treme

56Mesmo em Homero onde ἦτορ eacute raramente envolvido com o pensamento haacute uma passagem crucial logo na abertura

da Iliacuteada (1188) onde Aquiles enfurecido o coraccedilatildeo a flutuar indeciso em seu peito veloso (ἐν δέ οἱ ἦτορ

στήθεσσιν λασίοισι διάνδιχα μερμήριξεν ndash trad Nunes) estaacute indeciso entre agir (matar Agameacutemnon ou natildeo) eacute

notaacutevel como na expressatildeo homeacuterica ἦτορ preside uma duacutevida enquanto na expressatildeo parmenidiana ἦτορ consegue

sair da duacutevida e permanecer firme mais uma indicaccedilatildeo do valor natildeo metafoacuterico deste verso de Parmecircnides 57εὐκυκλέος foi escolhido por Diels por ser lectio difficilior Bem persuasivo a versatildeo dada por Sexto Empiacuterico expotildee

mais claramente o conteuacutedo psicoloacutegico da expressatildeo ἀτρεμὲς ἦτορ o que reforccedila a interpretaccedilatildeo aqui apresentada

Aqui dentro do contexto da interpretaccedilatildeo filosoacutefica ambos εὐκυκλέος e εὐπειθέος apresentam um sentido

convergente e a nossa tarefa pode se considerar cumprida Jaacute em contexto filoloacutegico os estudos continuam e se

aprofundam Passa por exemplo acredita que εὐκυκλέος seja um ajuste secundaacuterio que tende a transferir no verso

programaacutetico do proemio conteuacutedos fundamentais da tradiccedilatildeo neoplatocircnica (Passa 2009 p 52) jaacute Kurfess eacute ainda

mais ousado e defende a possibilidade de que as trecircs variantes εὐκυκλέος εὐπειθέος εὐφεγγέος pertenccedilam a trecircs

diferentes versos do poema (Kurfess 2012 p 18-54)

50

que natildeo oscila de um lado a outro mas permanece firme ligada por conexotildees e protegida da duacutevida

No outro lado a deusa coloca as opiniotildees dos mortais nas quais a convicccedilatildeo (πίστις) natildeo eacute

verdadeira porque as opiniotildees (a respeito de um mesmo fato) mudam enquanto a verdade bem

ligada daacute origem agrave mente firme isto eacute agrave mente que natildeo muda de ideia Parmecircnides nota que em

ambos os casos opiniotildees ou mente firme o homem se convence (ou persuade como diraacute alguns

versos agrave frente) mas o convencimento natildeo verdadeiro gera opiniotildees enquanto o conhecimento

verdadeiro gera a mente firme Ele faz uma distinccedilatildeo sutil mas importante e que eacute o ponto de partida

de uma discussatildeo a respeito do raciociacutenio ele diz que todo homem pode estar convencido de suas

crenccedilas mas isto natildeo significa que estas sejam verdadeiras Algueacutem pode estar persuadido de um

certo conhecimento mas a sua persuasatildeo natildeo torna verdadeiro aquele conhecimento Parmecircnides

diraacute depois que eacute necessaacuterio algo a mais para alcanccedilar a certeza eacute necessaacuterio um meacutetodo para ligar

com conexotildees estreitas os elementos daquele conhecimento que soacute assim se torna verdadeiro O

meacutetodo seraacute exposto nos versos seguintes

A problemaacutetica psicoloacutegica que Parmecircnides abriu eacute uma enorme descoberta que desde entatildeo

nunca mais iraacute abandonar o homem porque se nossas convicccedilotildees natildeo satildeo o bastante para certificar

a verdade isto significa ao menos duas coisas 1) natildeo temos certeza da verdade que temos logo a

posse da verdade fica em suspenso o que equivale pragmaticamente em natildeo ter a verdade 2)

temos que procurar uma maneira de certificar a verdade e isto significa que precisamos encontrar

a verdade isto eacute uma certificaccedilatildeo verdadeira que decirc verdade ao que ela certifica Com a introduccedilatildeo

desta problemaacutetica ele comeccedila aquele processo histoacuterico onde o homem sabe que ele natildeo eacute saacutebio

porque natildeo conhece a verdade em outras palavras ele inicia a questatildeo do homem em busca da

verdade o homem em busca da sabedoria Enquanto seus mestres buscavam apenas novos

conhecimentos em algum campo da vida humana Parmecircnides percebeu que haacute um problema

51

anterior comum a todos os saberes algo relacionado com as funccedilotildees da mente humana pelo qual

nenhum conhecimento poderia ser considerado verdadeiro ateacute que fosse corretamente certificado

Os sentidos natildeo satildeo suficientes os relatos natildeo satildeo suficientes as tradiccedilotildees natildeo satildeo suficientes

todas estas formas de conhecimento satildeo criticadas exatamente com esta distinccedilatildeo estar convencido

de algo natildeo torna este algo verdadeiro Ao mesmo tempo ele inicia a busca pela sabedoria partindo

da consciecircncia de que noacutes natildeo podemos ter a verdade imediatamente e a busca pela verdade do

conhecimento ambas as buscas implicam na nossa linguagem atual o iniacutecio da gnosiologia o

estudo das possibilidades de conhecimento58 e do estudo do conhecimento verdadeiro59 Nos

proacuteximos versos veremos como essa enorme descoberta eacute articulada ao longo de seu poema

sempre partindo de observaccedilotildees psicoloacutegicas

322 O fragmento 2

O fragmento DK 2 eacute uma obra prima em muitos sentidos e eacute uma das partes mais estudadas

do poema Aqui diremos apenas algo em referecircncia ao nosso enfoque psicoloacutegico geral

evidenciando um vocabulaacuterio psicoloacutegico principalmente nos primeiros dois versos mas o inteiro

fragmento estaacute construiacutedo a partir de uma observaccedilatildeo psicoloacutegica fundamental que acaba

comportando implicaccedilotildees filosoacuteficas profundas Por este motivo o fragmento 2 seraacute estudado

detidamente na primeira parte do segundo capiacutetulo Aqui analisaremos principalmente o verso 2

58 Agraves vezes referida agrave gnosiologia ou teoria do conhecimento embora tecnicamente essas expressotildees tenham uma

conotaccedilatildeo bem restrita (veja-se Abbagnano 1971 verbete conhecimento teoria do) 59Agraves vezes referido como epistemologia ou teoria do conhecimento embora tecnicamente essas expressotildees tambeacutem

tenham conotaccedilatildeo bem restrita (veja-se Abbagnano 1971 verbete conhecimento teoria do)

52

com uma atenccedilatildeo especial ao νοεῖν parmenidiano que constituiraacute a chave para a compreensatildeo da

reflexatildeo psicoloacutegica de Parmecircnides e permitiraacute evidenciar como uma grande problemaacutetica jaacute era

clara a ele Vamos relembrar os versos na ediccedilatildeo DK 28 B 2

εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας

αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι

τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν

οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

οὔτε φράσαις

A deusa diz ldquoagora presta atenccedilatildeo agraves minhas palavras eu te direi quais satildeo os caminhos de

inqueacuterito a pensar um que eacute e que eacute impossiacutevel que natildeo seja eacute caminho de Persuasatildeo (pois

acompanha a Verdade) outro que natildeo eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja este digo que eacute caminho

totalmente inescrutaacutevel porque vocecirc natildeo pode conhecer o natildeo ser (pois natildeo pode ser levado a cabo)

nem vocecirc poderia expressaacute-lordquo Dado o grande nuacutemero de interpretaccedilotildees diferentes esse sentido

geral pode ser contestado quase a cada palavra por muitos estudiosos Poreacutem vamos evitar o

sentido filosoacutefico (que seraacute estudado detidamente mais adiante) e nos restringir agrave parte psicoloacutegica

3221 O uacutenicos caminhos de inqueacuterito DK B 22

No verso 2 ndash αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι ndash a deusa fala de 1) νοῆσαι um verbo do

qual discutiremos em breve 2) ὁδοὶ caminhos para a accedilatildeo de νοῆσαι 3) ὁδοὶ διζήσιός εἰσι νοῆσαι

caminhos parta a accedilatildeo de νοῆσαι de um modo especiacutefico aquele que inquere 4) o fato de que os

caminhos a serem expostos satildeo os uacutenicos (μοῦναι) caminhos possiacuteveis para o modo que inquere

Cada palavra desse verso se refere a alguma distinccedilatildeo psicoloacutegica Vamos examinar

53

1) νοῆσαι Haacute uma controveacutersia aqui a respeito do sentido preciso de νοεῖν (de onde νοῆσαι) em

Parmecircnides Eacute uma grande discussatildeo porque de um lado Parmecircnides usa a estrutura poeacutetica eacutepica

isto eacute usa a linguagem e a forma mais tradicionais para expressar seu pensamento mas de outro

lado ele usa novos sentidos para palavras antigas e usa palavras antigas para descrever novas

descobertas reflexotildees e propostas assim a tensatildeo entre o antigo e o novo daacute espaccedilo a muitas

ambiguidades que satildeo um verdadeiro quebra-cabeccedila para os estudiosos60 Poreacutem enquanto estes

60Taraacuten (1965) traduz ldquowhich are the only ways of inquiry that you can be conceivedrdquo (p 32)

Ramnoux (1979) traduz ldquoquelle sont les seules voies de recherche agrave concevoirrdquo (p 110)

Untersteiner (1979) traduz ldquoquali sole vie di ricerca siano logicamente pensabilirdquo (p129)

Barnes (1982) traduz ldquowhat are the only roads of inquiry for thinking ofrdquo (p 124) e comenta ldquoThe phrase

lsquoarehellipfor thinking of (line 2) renders lsquoesti noecircsairsquo The verb lsquonoeinrsquo of which lsquonoecircsairsquo is the aorist infinitive plays

a central role in Parmenidesrsquo subsequent argument where it is standardly translated as lsquothink of or lsquoconceiversquo Some

scholars however prefer the very different translation lsquoknowrsquo and thereby change the whole character of

Parmenidean thought I think that the standard translation makes better sense of Parmenidesrsquo argument and I doubt

if the heterodox translation is linguistically correct It is true that in certain celebrated Platonic and Aristotelian

passages the noun lsquonousrsquo is used to denote the highest of cognitive faculties and there are passages in those

philosophers and in earlier writers where lsquointuitrsquo lsquograsprsquo or even lsquoknowrsquo is a plausible translation of lsquonoeinrsquo But

against those occurrences (which are fairly uncommon and usually highflown) we can set a host of passages where

lsquonoeinrsquo simply means lsquothink (of)rsquo lsquonoeinrsquo is the ordinary Greek verb for rsquothink (of)rsquo and lsquothink (of)rsquo is usually its

proper English equivalent Moreover the linguistic context in which the verb occurs in Parmenides favours (indeed

to my mind requires) the translation lsquothink (of)rsquo For lsquonoeinrsquo is thrice conjoined with a verb of saying with lsquolegeinrsquo

at B 61 and with lsquophasthairsquo twice in B 88 (cf lsquoanocircnumonrsquoat B 817) lsquoLegeinrsquo and lsquophasthairsquo mean lsquosayrsquo not lsquosay

trulyrsquo or lsquosay successfullyrsquo (the Greek for which is lsquoalecirctheueinrsquo) and the contexts of their occurrence imply that

lsquosayrsquo and lsquonoeinrsquo share at least one important logical feature they both stand in the same relation to lsquobeingrsquo In this

respect it is lsquothink that Prsquo and lsquothink of Xrsquo rather than lsquoknow that Prsquo and lsquoknow Xrsquo which parallel lsquosay that Prsquo and

lsquomention Xrsquo and that fact I think establishes the traditional translation of lsquonoeinrsquo

So much for the meaning of lsquonoecircsairsquo All however is not yet plain for the syntax of lsquoesti noecircsairsquo is disputed

Phrases of the form esti+infinitive recur later in the poem and their presence is indicated in my translation by

phrases of the rebarbative form lsquois (are) for φingrsquo The usage which is not uncommon in Greek has connexions

with the lsquopotentialrsquo use of lsquoestirsquo (Esti with infinitive often means lsquoit is possible tohelliprsquo In that case lsquoestirsquo is

lsquoimpersonalrsquo whereas in our locution it always has a subject explicit or implicit) Indeed it seems to me reasonable

to gloss lsquoa is for φingrsquo either by lsquoa can φrsquoor by lsquoa can be φedrsquomdashthe context will determine whether active or passive

is appropriate Thus in 1482 lsquoare for thinking of means lsquocan be thought of Observe that the gloss differs from its

original in one important feature The grammatical form of the phrase lsquoa is for φingrsquo may seduce us into making a

fallacious deduction from lsquoa is for φing it is easy to infer lsquoa isrsquo The grammatical form of the gloss does not

provide the same temptation The point may assume significance laterrdquo

OBrian (1987) traduz ldquojust what ways of enquiry there are the only ones that can be thought ofrdquo (p 16) e

comenta ldquoLinfinitif deacutepend agrave mon sense de ladjectif μοῦναι ou si lon veut de luniteacute syntaxique adjectif + verbe

(μοῦναι + εἰσι) [hellip] Ainsi sexpliquerait lemploi de lactive chez Parmeacutenide le voies de recherche sont ldquoles seules

ltquon aitgt agrave concevoirrdquo ldquoles soules agrave ecirctre conccediluesrdquo ou bien un peu plus librement ldquoles seules ltque lon puissegt

54

se preocupam com o sentido geral do νοεῖν no poema inteiro nossa preocupaccedilatildeo aqui eacute por

enquanto somente com esse verso A partir do artigo de von Fritz61 surgiu uma tendecircncia de tentar

explicar o termo tendo por referecircncia seu uso anterior principalmente obviamente em Homero

talvez esta tendecircncia tentava contrabalanccedilar um uso talvez desenvolto demais da hermenecircutica da

palavra por parte de alguns criacuteticos e ateacute mesmo filoacutesofos como em Heidegger62 por exemplo

Mesmo levando em conta por um lado as interpretaccedilotildees mais ousadas dos partidaacuterios do

historicismo hegeliano63 e por outro lado as sofisticadas estrateacutegias filoloacutegicas como a de von

Fritz noacutes seremos cautelosos e procederemos cautelosamente e por enquanto partiremos de um

sentido geneacuterico mas seguro da palavra νοῆσαι somente neste verso que eacute aquele que se refere a

concevoirrdquo ldquoles seules concevablesrdquordquo (p154) Na nota 10 mesma paacutegina OBrien expressa toda a dificuldade

quase o desespero de natildeo poder usar a palavra que encaixe perfeitamente pois as disponiacuteveis (conhecer saber

pensar comprender entender perceber aperceber apreender discernir contemplar considerar) apresentam todas

vantagens e desvantagens

Cerri (1999) traduz ldquoquelle che sono le sole due vie di ricerca pensabilirdquo (p 149) e comenta ldquoAqui νοεῖν eacute

usado no sentido corrente e geneacuterico de pensar natildeo naquele parmenidiano tecnicizado de entender (capire)

racionalmente neste segundo sentido natildeo poderia se dizer que o caminho do natildeo eacute que consiste num erro de

perspectiva pode ser objeto de νοεῖν isto eacute de intelecccedilatildeo como o caminho do eacute O meacuterito desta observaccedilatildeo eacute de

Gentili De fato o proacuteprio Parmecircnides diraacute mais adiante que o caminho natildeo verdadeiro eacute anoetos inconcebiacutevel

(fr 78 vv 22-23) (p 188)

Cordero (2005) traduz ldquocuales son los uacutenicos caminos de investigacion que hay para pensarrdquo (p 219) e

comenta ldquoEl verbo pensar () es evidentemente un infinitivo final o consecutivo pero haacute sido siempre tomado

comop si su valor fuese passivo sea directamente sea se si se interpreta ldquoeisiacuterdquo com valor potencial En

consequecircncia se lo haacute traducido em general como un participio pasivo [hellip] Nosotros preferimos dejar em la

indeterminacioacuten tanto el sujeto como el objeto del infinitivo pues no se trata de un verbo inserto em una frase sino

de un infinitivo aislado y rechazamos todo matiz ldquopasivordquo que como vimos seriacutea incompatible com uno de los

caminos (p 57-58)

Coxon (2009) traduzrdquo about those ways of enquiry which are alone conceivablerdquo (p 56) e comenta ldquolsquowhich

are for conceivingrsquo ie which may be conceived One of the two ways so described is in fact to be left lsquounconceived

[hellip] lsquowhich are for conceivingrsquo ie which may be conceived One of the two ways so described is in fact to be left

lsquounconceivedrsquordquo (p 290) 61Fritz K Von (1945) ldquoNous noein and its derivatives in Presocratic philosophy [excluding Anaxagoras] I From the

beginning to Parmenidesrdquo 62Heidegger ldquo[Parmecircnides jaacute usava] noein - the simple apprehension of something objectively present in its pure

objective presence [Vorhandenheit]rdquo (1996 p 22) 63Veja-se por exemplo Hosle 1984

55

um comportamento da mente portanto podemos dizer que o verbo νοεῖν quer expressar um ato da

mente Posto que os atos da mente satildeo de diversos tipos o problema consiste em saber a que tipo

ele quer se referir para tanto teremos que recorrer agraves descriccedilotildees apresentadas no texto

2) ὁδοὶ Temos aqui a primeira descriccedilatildeo Parmecircnides fala de um comportamento da mente quando

vai ao longo de um caminho seguindo um percurso como uma sequecircncia de momentos do ato ou

entatildeo como uma sequecircncia de atos Essa consideraccedilatildeo nos daacute a entender que ele natildeo estaacute falando

de um ato isolado como uma imagem ou uma percepccedilatildeo isolada ou um insight mas de um

processo

3) διζήσιός Com esta palavra64 temos mais uma especificaccedilatildeo do ato Ele quer falar a respeito de

algum tipo especiacutefico de caminho exatamente a respeito daquele usado para investigar inquirir

fazer perguntas e entender as respostas Parmecircnides depois de considerar que certo comportamento

mental eacute um processo diz que haacute muitos tipos de processos e ele iraacute falar apenas de um dentre eles

aquele de inqueacuterito Vai se tornando claro que o processo mental implicado por essas palavras eacute

um processo de pensamento voluntaacuterio de modo que os produtos sejam pensamentos natildeo

quaisquer pensamentos mas aqueles ao longo de um certo caminho natildeo qualquer caminho mas

aqueles pensamentos que compotildeem um caminho de investigaccedilatildeo em direccedilatildeo a algum

conhecimento

4) μοῦναι Essa palavra tem uma importacircncia muito grande e merece nossa especial atenccedilatildeo Ela

significa uacutenicas (feminino plural referido a ὁδοὶ palavra feminina) Saberemos depois que os

64Δίζησις que vem de δίζημαι procurar entre muitos (LSJ) e natildeo consta antes de Parmecircnides provavelmente eacute uma

invenccedilatildeo dele Untersteiner nota a nuance da indecisatildeo e trazendo como exemplo Heroacutedoto VII 1421 diz ldquoδίζησις

pode ser a busca diante de um problema que admite soluccedilotildees opostasrdquo (1979 p LXXXI n 119)

56

uacutenicos caminhos satildeo dois Mas o que eacute realmente importante eacute o fato como esse adjetivo indica

de que Parmecircnides examinou muitos caminhos e concluiu que soacute haacute dois para o inqueacuterito Esse

adjetivo eacute o resultado de uma observaccedilatildeo do comportamento da mente ele diz haacute muitos caminhos

para a atividade mental (aqui uma atividade de inqueacuterito) e depois de examinaacute-los todos encontrei

soacute dois adequados (para a atividade de inqueacuterito) Esta eacute uma genuiacutena observaccedilatildeo do

comportamento da mente com um projeto geral (como veremos mais adiante) com uma finalidade

especiacutefica uma pesquisa e o resultado

5) νοῆσαι de novo Agora depois das elucidaccedilotildees dos termos envolvidos podemos definir νοῆσαι

Essa forma vem de νοέω que significa a) perceber pela mente apreender tomar nota ter

conhecimento de perceber b) pensar considerar refletir c) considerar julgar presumir d) outros

sentidos especiacuteficos em construccedilotildees especiacuteficas Todas estas acepccedilotildees encontram-se no LSJ no

qual ademais encontramos tambeacutem a citaccedilatildeo do verso DK 834 de Parmecircnides no sentido de

percebido pela mente Mas percepccedilatildeo em nossa linguagem eacute um ato da mente sinoacutetico eacute um

momento isolado mesmo quando referido a muitos fatos da mente de fato percepccedilatildeo quando eacute

referida a muitos fatos da mente significa aquele resultado obtido por uma visatildeo sinoacutetica o mesmo

pode ser dito de pensamento que eacute um fato soacute mesmo quando implica uma sequecircncia de

raciociacutenio porque se refere ao resultado do raciociacutenio Alguns estudiosos traduzem νοεῖν com

pensar que eacute o mais comum no caso de Parmecircnides seguindo a traduccedilatildeo famosa de Diels

lsquodenkenrsquo65 Mas pensar tem um problema eacute muito geneacuterico e pode ser usado para qualquer

atividade mental desde percepccedilatildeo ateacute o trazer agrave memoacuteria relembrar desde buscar na memoacuteria

65Por exemplo Wilkinson (2009 p 77)

57

ateacute ter um insight e pensar solto como num brainstorm assim essa traduccedilatildeo natildeo seria errada

mas seria menos precisa daquilo que precisamos para o nosso estudo especiacutefico O sentido geneacuterico

e ambiacuteguo desta traduccedilatildeo acaba gerando conflitos e contradiccedilotildees com outras partes do poema onde

comparecem outros cognatos do verbo νοεῖν (tornaremos a isto mais adiante) Haacute um outro grupo

de traduccedilotildees com o sentido geral de conhecimento vamos examinar66 Von Fritz conclui que em

Parmecircnides embora mantendo uma natureza intuitiva (intuitive nature p 241) como em Heraacuteclito

e nos poemas homeacutericos νοεῖν ganha um novo aspecto ldquoporque foi o primeiro que incluiu

conscientemente o raciociacutenio loacutegico na funccedilatildeo do νόοςrdquo (p 242) Se noacutes podemos genericamente

concordar com von Fritz natildeo podemos fazer o mesmo com aqueles estudiosos que traduzem

νοῆσαι com for knowing como Kahn67 o qual tambeacutem confirma que ldquoA traduccedilatildeo proacutepria para o

verbo em Parmecircnides eacute um termo como cogniccedilatildeo ou conhecimentordquo68 Natildeo podemos concordar

porque conhecimento eacute uma funccedilatildeo da mente que pode ser o resultado de um raciociacutenio loacutegico

mas conhecimento pode ser tambeacutem aquele vindo de uma familiaridade empiacuterica com o conhecido

ou aquele que vem de uma intuiccedilatildeo ou de um sexto sentido (uma percepccedilatildeo natildeo claramente

identificada e classificada que muitas vezes acaba operando exatamente diante de escolhas onde

os criteacuterios racionais se esgotam por exemplo no conhecimento afetivo) mas o conhecimento

intuitivo eacute exatamente o sentido oposto agravequele usado por Parmecircnides pois a intuiccedilatildeo como fato

66Haacute ateacute quem natildeo traduz νοῆσαι como Colli o qual propotildee ldquoSuvvia io ti dirograve [hellip] quali sono le uniche vie di ricerca

la prima etcrdquo (2003 p 137) 67Kahn (2009 p 146 n 4) ldquoI take νοῆσαι as loosely epexegetical or final with ὁδοί lsquowhat ways of search there are

for knowingrsquo ie I do not construe the infnitive as potential with εἰσί which gives the usual translation lsquothe only

ways of search that can be thought ofrsquo This usual construction provides us with a gratuitous contradiction since

Parmenides goes on to show that the second way is after all ἀνόητος (8 17 cf 2 7)rdquo 68Ibidem The proper translation for the verb in Parmenides is a term like lsquocognitionrsquo or lsquoknowledgersquo it is paraphrased

by γνῶναι lsquoto recognize be acquainted withrsquo at 2 7

58

mental eacute uma sensaccedilatildeo imediata assim como o sexto sentido e natildeo segue caminhos (e muito

menos segue caminhos de inqueacuterito) aleacutem disso conhecer mesmo referido ao conhecimento

loacutegico eacute o resultado do processo isto eacute subentende um conhecedor um ato de conhecer e um

conhecido mesmo quando dizemos conhecendo no geruacutendio noacutes entendemos usar a mente tendo

o conhecimento como alvo e afinal o que a expressatildeo acentua eacute todo o processo principalmente

o resultado o conhecido Natildeo eacute disso que Parmecircnides estaacute falando Naturalmente o poema eacute

exatamente sobre como a mente pode alcanccedilar seu alvo que eacute o conhecimento verdadeiro Mas o

conhecimento verdadeiro ndash como veremos em detalhes ndash eacute um pressuposto de qualquer

conhecimento principalmente de um ponto de vista subjetivo porque qualquer que seja a coisa da

qual eu estou persuadido eu acredito que tal coisa para mim eacute verdadeira Assim o conhecimento

verdadeiro natildeo eacute suficiente para explicar a obra de Parmecircnides mesmo o xamatilde reivindica um

conhecimento verdadeiro mesmo o governante (o qual sabe isto eacute acredita saber a verdade acerca

do governo) mesmo o curandeiro ou o sacerdote O problema eacute que todos estes conhecimentos

verdadeiros natildeo satildeo mais suficientes nos tempos de Parmecircnides desde que as novas exigecircncias

culturais passam a exigir novas concepccedilotildees Que aqui Parmecircnides natildeo esteja falando do

conhecido mas do ato cognoscente eacute claro pela expressatildeo ὁδοὶ διζήσιός que se aplica agrave accedilatildeo do

conhecer e natildeo ao cognoscente ou ao conhecido entatildeo natildeo se pode usar o verbo conhecer a menos

de incorrer numa completa falsificaccedilatildeo do sentido do resto do poema69

Haacute ainda mais uma razatildeo para evitar conhecimentoconhecer para traduzir νοεῖν e seus

69Eacute o que acontece com Kahn o qual afinal forma um quadro distorcido da mensagem filosoacutefica do poema (ver mais

adiante n 153 p 114)

59

cognatos e eacute a razatildeo dada (involuntariamente) por von Fritz De fato se Parmecircnides eacute o primeiro a

usar o termo com a inclusatildeo de conotaccedilotildees relativas ao raciociacutenio loacutegico eacute exatamente esta nova

nuance de sentido que ele quer apresentar isto eacute a nuance de como conhecer algo com o uso do

raciociacutenio loacutegico neste caso o verbo νοεῖν e seus cognatos natildeo podem ser usados no novo

sentido com a nova contribuiccedilatildeo parmenidiana assentada e absorvida na semacircntica daquela

palavra porque seria historicamente incorreto exceto se Parmecircnides tivesse apresentado

explicitamente uma mudanccedila de sentido para aquela palavra A semacircntica de uma palavra natildeo pode

apresentar um novo sentido antes da proposta de uma nova variaccedilatildeo no sentido assim conhecer

pelo raciociacutenio pode ser uma consequecircncia da filosofia parmenidiana e natildeo uma premissa para um

novo uso da palavra feito pelo proacuteprio Parmecircnides pois isto redundaria em incompreensatildeo pela

audiecircncia Em outras palavras Parmecircnides natildeo utiliza a palavra num novo sentido mas apenas a

toma no sentido comum embora numa parte especiacutefica do sentido comum (a parte da accedilatildeo) isto eacute

numa de suas acepccedilotildees comuns e procura apresentar uma nova operaccedilatildeo um novo meacutetodo que

esta parte operativa pode seguir

Depois de todas estas distinccedilotildees e para evitar qualquer ambiguidade que poderia surgir destas

traduccedilotildees mais tradicionais70 eu prefiro usar aqui uma terminologia muito teacutecnica pela qual noacutes

70Haacute ainda um outro conjunto de interpretaccedilotildees que buscam relacionar noein e to eon procurando extrair as semacircnticas

de um a partir de outro e vice-versa Esta linha interpretativa natildeo eacute abordada aqui por dois motivos o primeiro eacute

que nos obrigaria a uma investigaccedilatildeo do eon parmenidiano investigaccedilatildeo metodologicamente excluiacuteda aqui o

segundo eacute que este tipo de approach resultou em muita equivocidade na medida em que se procura tratar o poema

como um todo orgacircnico coisa que o seu estado fragmentaacuterio natildeo permite Veja-se um exemplo entre os recentes

em Sedley com as muitas ambiguidades por exemplo entre pensar e pensamento (thinking and thought) que ele

usa como sinocircnimos (2000 p 120) Quando essa linha interpretativa se propotildee alvos menores consegue bons

resultados por exemplo Crystal (2002) cujo objetivo eacute mostrar que o noein que se identifica com o to eon aparece

soacute no fragmento 8 e natildeo antes ou Lesher (1994 especialmente p 24-34) o qual mostra um aspecto do noein de

Parmecircnides quando inserido dentro de um quadro maior de inqueacuterito (realizado por elenchos por tentativas e por

60

perdemos algo da poesia (e da beleza) mas ganhamos algo mais em clareza especialmente tendo

em vista nosso objetivo que eacute uma busca dos aspectos psicoloacutegicos do poema Assim usarei

exatamente o termo que segue a descriccedilatildeo de Parmecircnides um caminho de inqueacuterito colocando o

acento 1) na operaccedilatildeo 2) no caminho e 3) no inqueacuterito (na inquisitividade) e natildeo no conhecimento

(o qual eacute o resultado de todos esses elementos) nem sob o grande guarda-chuva de pensar no

qual quase qualquer accedilatildeo da mente pode ser incluiacuteda podemos simplesmente traduzir com

operaccedilotildees cognitivas da mente isto eacute aquela atividade da mente que tende ao conhecimento mas

natildeo eacute ela mesma o conhecer enquanto ato completo de cognoscente-conhecer-conhecido Este

termo poraacute no foco exatamente o nosso assunto as operaccedilotildees da mente e ao mesmo tempo

reduziraacute todas as discussotildees de ordem filosoacutefica e epistemoloacutegica que estatildeo aqui fora de tema

Podemos agora inserir a traduccedilatildeo de νοεῖν na nossa paraacutefrase anterior ldquoAgora preste atenccedilatildeo

agraves minhas palavras eu te direi quais satildeo os caminhos de inqueacuterito para as operaccedilotildees cognitivas da

mente (νοῆσαι) um que eacute e que eacute impossiacutevel que natildeo seja eacute caminho de Persuasatildeo (e acompanha

a Verdade) o outro que natildeo eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja e este eu te digo eacute caminho

inescrutaacutevel totalmente porque vocecirc natildeo pode conhecer o que natildeo eacute (pois natildeo pode ser cumprido)

nem dizecirc-lordquo

3222 DK B 24-8

Nos restantes versos do fragmento Parmecircnides expotildee os dois caminhos de inqueacuterito com

uma argumentaccedilatildeo sofisticada que mostra natildeo soacute o Parmecircnides psicoacutelogo mas mostra ao mesmo

testes) que ele chama peirastic paradigm of knowledge

61

tempo o Parmecircnides autenticamente filoacutesofo escrevendo uma das mais profundas paacuteginas de toda

a histoacuteria da filosofia ocidental Estes versos seratildeo estudados detidamente no proacuteximo capiacutetulo

323 O fragmento 3

Infelizmente o fragmento 3 eacute muito curto isolado e afinal de fato natildeo compreensiacutevel

Vamos olhaacute-lo

τὸ γὰρ αὐτὸ νοεῖν ἐστίν τε καὶ εἶναι

pois o mesmo eacute pensar e portanto ser71

O verso eacute uma citaccedilatildeo tirada de Clemente72 Plotino73 e numa versatildeo um pouco diferente de

Proclo74 Seu lugar no poema parece ser depois do fragmento 2 pois apresenta a mesma temaacutetica75

e parece ser a continuaccedilatildeo do mesmo argumento jaacute a traduccedilatildeo apresenta muitas dificuldades e

muitas diferentes soluccedilotildees entre os estudiosos

A citaccedilatildeo reportada por Clemente eacute lanccedilada de forma desordenada entre outras citaccedilotildees A

desordem do inteiro texto dos Stromateis parece ser voluntaria e atenderia a um meacutetodo especiacutefico

de escrita (associada inclusive agraves ideias expostas no Fedro de Platatildeo a respeito da relaccedilatildeo entre

ensinamento escrito e oral) que procura ocultar parte dos ensinamentos e tambeacutem procura escrever

71Trad Cavalcante de Souza 72Clemente Stromata VI II 233 73Plotino Enneades V 1 [10] 817 V 9 [5] 529-30 74Proclo in Parmenidem 115233 Theologia platonica I 14 75A colocaccedilatildeo de Diels na sequecircncia do fragmento 2 eacute seguida por muitos (Untersteiner Coxon e outros) Calogero

(1977 22-23) chega a integrar com um ὅσσα νοεῖς φάσθαι mas infelizmente natildeo se encontra fundamento nessa

integraccedilatildeo a natildeo ser a interpretaccedilatildeo do proacuteprio Calogero sobre a gecircnese da loacutegica parmenidiana

62

segundo um meacutetodo natildeo linear76 poreacutem coordenado com o ensinamento oral Voluntaacuteria ou natildeo

esta escrita desordenada impede uma clara contextualizaccedilatildeo das passagens citadas Em relaccedilatildeo agrave

citaccedilatildeo de Parmecircnides o assunto em discussatildeo era que os gregos roubavam de si proacuteprios isto eacute

plagiavam a si proacuteprios uns aos outros como exemplo Clemente faz muitas conexotildees entre

citaccedilotildees de dois autores supostamente um plagiando outro e agraves vezes junta mais de dois No caso

de Parmecircnides ele comeccedila com Heroacutedoto que reporta Phytia no caso da Divindade dizer e fazer

satildeo o mesmo continua com Aristoacutefanes pois pensar e fazer satildeo o mesmo e finalmente cita

Parmecircnides ldquopois pensar e ser satildeo o mesmo77 Pelo que se consegue entender se trata do plagio

da assimilaccedilatildeo de um conceito a outro dizer e fazer pensar e fazer pensar e ser Nenhuma

referecircncia eacute dada para se entender mais claramente o que significariam pensar e ser e mais ainda

o que significaria a assimilaccedilatildeo de um a outro78

No caso de Plotino a citaccedilatildeo eacute muito precisa como ele costumava fazer mas as noccedilotildees das

palavras satildeo revestidas de um forte neoplatonismo atribuindo a νοεῖν e a εἶναι sentidos de fato

muito distantes do pensamento preacute-socraacutetico79 Plotino natildeo tem uma preocupaccedilatildeo histoacuterica e natildeo

76A forma desordenada de escrita usada no texto dos Stromateis eacute um evento isolado natildeo soacute entre os escritos de

Clemente ndash cujas outras obras possuem uma redaccedilatildeo mais tradicional ndash com em geral na literatura sua

contemporacircnea gerando perplexidade entre os estudiosos Um panorama das vaacuterias hipoacuteteses pode ser vista em

Osborn 2005 O estudioso considera que se trata de uma teacutecnica de disseminaccedilatildeo de sementes de conhecimento

com a finalidade de despertar interesses a serem sucessivamente complementados pelo ensinamento oral numa

passagem diz ldquoThe Stromateis fulfil this role by transmitting the teaching which Clement received connecting

oral and written teaching The hidden element in them is a guard against their misuse by the mediocre or the bad

In his oral teaching Clement imparted the seeds of truth and his writing recalls themrdquo (Osborn 2005 p 14) 77Eis a passagem VI 2231-3 ldquo Ἡροδότου τε αὖ ἐν τῷ περὶ Γλαύκου τοῦ Σπαρτιάτου λόγῳ φήσαντος τὴν Πυθίαν

εἰπεῖν τὸ πειρηθῆναι τοῦ θεοῦ καὶ τὸ ποιῆσαι ἴσον γενέσθαι Ἀριστοφάνης ἔφη δύναται γὰρ ἴσον τῷ δρᾶν τὸ νοεῖν

καὶ πρὸ τούτου ὁ Ἐλεάτης Παρμενίδης τὸ γὰρ αὐτὸ νοεῖν ἐστίltνgt τε καὶ εἶναιrdquo 78Uma interpretaccedilatildeo do significado da citaccedilatildeo parmenidiana dentro do pensamento de Clemente ndash embora natildeo me

pareccedila justificada pelo texto pois parece associada indevidamente a outra citaccedilatildeo aquela do fragmento IV ndash eacute dada

em Itter 2009 especialmente cap VI 79Embora a influecircncia de Parmecircnides sobre Plotino seja importante e embora o estudo dos neoplatocircnicos em geral seja

63

distingue sequer o Parmecircnides histoacuterico da personagem do diaacutelogo Parmecircnides de Platatildeo (Guerard

1987 p 297) por causa desta falta de distinccedilatildeo dirige seu interesse mais para o Parmecircnides de

Platatildeo pois julga que no diaacutelogo platocircnico se daacute o cumprimento perfeito daqueles elementos jaacute

presentes no poema parmenidiano mas de forma imperfeita Desta maneira e na sequecircncia da

interpretaccedilatildeo platocircnica do Sofista para Plotino e para os neoplatocircnicos em geral por um lado

Parmecircnides apresenta as noccedilotildees que depois seratildeo superadas (segundo a interpretaccedilatildeo platocircnica do

parriciacutedio) pelo platonismo e pelo neoplatonismo e por outro lado a aporia eleaacutetica eacute rejeitada

com o desenvolvimento de uma outra cosmologia que desfaz o monismo parmenidiano80 Por causa

destas interpretaccedilotildees que miram mais a defender o platonismo do que a estabelecer uma semacircntica

historicamente plausiacutevel do texto parmenidiano a utilizaccedilatildeo de Plotino natildeo consegue dar pistas do

real significado dos dois conceitos νοεῖν e εἶναι em Parmecircnides Como em Clemente em Plotino

tambeacutem nos deparamos com uma metodologia especiacutefica onde o rigor exegeacutetico cede o passo agrave

intenccedilatildeo pedagoacutegica como aliaacutes se torna expliacutecito na proacutepria passagem que reporta a citaccedilatildeo de

Parmecircnides

ldquoAssim estes discursos natildeo satildeo novos nem satildeo de agora mas sem estarem

desenvolvidos jaacute foram enunciados haacute muito tempo Os discursos de agora [os de Plotino]

satildeo exegeses daqueles confiando nos escritos do proacuteprio Platatildeo que testemunham a

antiguidade destas doutrinasrdquo81

importante para se compreender Parmecircnides (jaacute que grande parte das citaccedilotildees do poema provecircm deles) os estudos

especiacuteficos sobre a relaccedilatildeo entre eleatismo e neoplatonismo satildeo escassos Assinalo aqui alguns trabalhos Guerard

(1987) Stamatellos (2007) Abbate (2010) 80Abbate chega a falar da constituiccedilatildeo de um neo-parmenidismo simultaneamente a um anti-parmenidismo por parte

dos neoplatocircnicos em geral (Abbate 2010 p 258) 81Enneades V18 ldquoΚαὶ εἶναι τοὺς λόγους τούσδε μὴ καινοὺς μηδὲ νῦν ἀλλὰ πάλαι μὲν εἰρῆσθαι μὴ ἀναπεπταμένως

τοὺς δὲ νῦν λόγους ἐξηγητὰς ἐκείνων γεγονέναι μαρτυρίοις πιστωσαμένους τὰς δόξας ταύτας παλαιὰς εἶναι τοῖς

αὐτοῦ τοῦ Πλάτωνος γράμμασινrdquo A traduccedilatildeo eacute de Marcus Reis Pinheiros que comenta ldquoPlotino afirma que seus

64

Plotino pensa que seus ensinamentos satildeo apenas um desdobramento daqueles de Platatildeo os

quais por sua vez se refazem a ensinamentos ainda mais antigos (como os de Parmecircnides) dos

quais satildeo desdobramentos Assim eacute o proacuteprio Plotino que nos indica que o sentido em que usa

νοεῖν εἶναι e sua assimilaccedilatildeo natildeo eacute o sentido original de Parmecircnides mas eacute um seu desdobramento

(ἐξηγητὰς no sentido que ele expocircs) O caso de Proclo natildeo eacute muito diferente e embora ele seja

muito importante por ter trazido muitos trechos do poema parmenidiano a sua confiabilidade

exegeacutetica eacute duvidosa 82 especialmente para noccedilotildees como pensar e ser que satildeo centrais no

neoplatonismo

Por outro lado o desenvolvimento dos estudos parmenidianos desde Hegel preferiu o

aprofundamento da noccedilatildeo de ser num vieacutes antes de tudo ontoloacutegico mas depois tambeacutem teoloacutegico

Neste tipo de terreno filosoacutefico os termos ser e pensar e sua assimilaccedilatildeo segundo a expressatildeo

parmenidiana aguccedilaram os esforccedilos interpretativos de muitos estudiosos tanto na parte mais

propriamente da histoacuteria da filosofia quanto tambeacutem na parte mais propriamente filosoacutefica

(Heidegger por exemplo) A discussatildeo ontoloacutegica e teoloacutegica a respeito deste fragmento 3 eacute

infindaacutevel e por isto vou apresentar apenas um exemplo de um estudioso importante Pierre

Aubenque Em seu artigo de 1987 Syntaxe et seacutemantique de lecirctre dedicado inteiramente ao estudo

do ser no poema de Parmecircnides apoacutes a introduccedilatildeo agrave problemaacutetica e apoacutes uma primeira anaacutelise do

fragmento 2 se volta agraves palavras de Parmecircnides do fragmento 3 A prosoacutedia e o sentido diz ele

proacuteprios discursos satildeo exegetas de discursos muito antigos e que os textos de Platatildeo satildeo testemunhas desta

antiguidade [hellip] fazer exegese dos textos antigos natildeo eacute interpretar objetivamente os textos mas caminhar rumo

aos niacuteveis superiores junto com os antigosrdquo (Pinheiros 2007 p 79-80) 82Guerard conclui ldquoAinsi la lecture neacuteoplatonicienne du dialogue platonicien revient agrave faire de Parmeacutenide un porte-

parole privileacutegieacute de Platonrdquo (Guerard 1987 p 300)

65

convidam a emendar esse fragmento no fragmento 2 pois depois da afirmaccedilatildeo do ser na primeira

via e da impossibilidade de conhecer o natildeo ser na segunda a citaccedilatildeo do fragmento 3 explicaria a

imbricaccedilatildeo do ser com o conhecer (p 114-115) Resta ainda explicar melhor o que significariam

estas palavras ldquode fato eacute o mesmo conhecer e serrdquo (Cest em effet la mecircme chose de connaitre et

decirctre) Apoacutes um percurso que comeccedila com o cogito cartesiano e passando por Homero e pelas

vaacuterias possibilidades de interpretaccedilatildeo sintaacutetica da frase chega numa duacutevida sem possibilidade de

soluccedilatildeo certa Aubenque resolve recorrer aos antigos isto eacute Plotino e Proclo Eacute entatildeo introduzida

a noccedilatildeo de inteligiacutevel extraiacuteda de Aristoacuteteles e se discute sobre a correlaccedilatildeo das identidades entre

inteligiacutevel intelecto e ser A discussatildeo se alarga ao fragmento 16 e aos poucos aos demais 6 8

7 etc tentando configurar uma noccedilatildeo de ser (do ponto de vista ontoloacutegico) que de fato nem o

fragmento 2 isoladamente e nem o 3 conseguem oferecer Este tipo de estudo eacute bastante comum

entre os interpretes e configura talvez o maior desafio dos estudos parmenidianos No entanto ndash e

a historiografia parmenidiana mostra isto ndash aos poucos esse tipo de estudo tende a ser afastar tanto

do contexto histoacuterico83 quanto do contexto literaacuterio do proacuteprio poema pois o tema daacute asas agrave vis

speculativa que todo estudioso de filosofia naturalmente possui a prova mais cabal disto eacute que satildeo

83Num artigo de 2007 Kahn trata de ldquoQuestotildees controversas de sintaxerdquo (Kahn 2007) e o primeiro assunto eacute o verso

do fragmento DK B 3 Por um lado ele pretende se restringir agrave sintaxe mas depois por outro lado natildeo achando

explicaccedilatildeo satisfatoacuteria recorre a DK B 8-34-36 dizendo que neste estaacute explicitado o sentido daquele e por fim

atribui a natildeo compreensatildeo a uma leitura distorcida pelo olhar da modernidade recorre entatildeo ateacute mesmo a

Aristoacuteteles para justificar a identidade entre ser e pensar Que Aristoacuteteles tenha afirmado a identidade entre nous e

noeton e que Parmecircnides o tenha feito entre einai e noein estaacute muito bem resta ainda a tarefa de dar um sentido

filosoacutefico a estas afirmaccedilotildees Numa linha inicialmente similar Casertano tambeacutem acha claro o sentido de DK B 3

mas acrescenta justamente ldquoTudo isto eacute bastante claro O problema nasce quando o ser e o pensar se ligam

precisamente agrave verdaderdquo (Casertano 2007 p 50) Isto eacute quando se quer dar a esta identidade um sentido filosoacutefico

propriamente parmenidiano onde a ligaccedilatildeo entre conhecimento verdadeiro e eon eacute um dos objetivos primeiros da

doutrina do eleata

66

exatamente os maiores filoacutesofos que acabam fazendo as interpretaccedilotildees historicamente mais

arbitraacuterias do poema e aqui penso em Nietzsche Heidegger e ateacute mesmo em Popper

No nosso estudo na busca de um vocabulaacuterio psicoloacutegico a presenccedila do verbo νοεῖν natildeo

parece ser suficiente no caso do fragmento 3 para determinar um sentido minimamente plausiacutevel

para um comportamento mental que de alguma forma assimilaria pensar e ser A amplitude da

noccedilatildeo de ser aqui um εἶναι sem nenhuma outra qualificaccedilatildeo pela proacutepria assimilaccedilatildeo aumenta

proporcionalmente a amplitude da noccedilatildeo de pensar tambeacutem um νοεῖν sem nenhuma qualificaccedilatildeo

de forma que nos encontramos diante de duas noccedilotildees maximamente amplas e sem nenhuma

possibilidade de reconduzi-las a qualquer comportamento mental concreto pela total falta de

referecircncias precisas no proacuteprio texto do poema ou referecircncias confiaacuteveis na doxografia

comeccedilando pelo proacuteprio Platatildeo e terminando pelos doxoacutegrafos autores da citaccedilatildeo Diante destas

circunstacircncias natildeo me parece aconselhaacutevel aprofundar as tentativas de atribuir qualquer sentido

psicoloacutegico a este fragmento para os nossos fins ele parece natildeo oferecer nenhuma contribuiccedilatildeo e

seraacute aqui desconsiderado

324 O fragmento 4

Ver p 204

325 O fragmento 6

O fragmento 6 reportado por Simpliacutecio84 mostra muitas passagens importantes da filosofia

84Simpliacutecio Physica 8627-28 11745-6 8-13 783-4

67

parmenidiana Ele eacute fundamental para noacutes porque mostra tambeacutem muitas passagens das visotildees

psicoloacutegicas de Parmecircnides estes satildeo os versos

χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι ἔστι γὰρ εἶναι

μηδὲν δ οὐκ ἔστιν τά σ ἐγὼ φράζεσθαι ἄνωγα

πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltεἴργωgt

αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς ἣν δὴ βροτοὶ εἰδότες οὐδὲν

πλάττονται δίκρανοι ἀμηχανίη γὰρ ἐν αὐτῶν

στήθεσιν ἰθύνει πλακτὸν νόον οἱ δὲ φοροῦνται

κωφοὶ ὁμῶς τυφλοί τε τεθηπότες ἄκριτα φῦλα

οἷς τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται

κοὐ ταὐτόν πάντων δὲ παλίντροπός ἐστι κέλευθος

Como todos os outros versos do poema estes tambeacutem receberam muitas e controversas

interpretaccedilotildees O ponto mais polecircmico eacute a passagem que pode sugerir a existecircncia de um terceiro

caminho aleacutem dos dois anunciados no fragmento DK B 2 Eu penso que o engano de um terceiro

caminho foi definitivamente rejeitado pelos estudos especiacuteficos de Cordero85 principalmente com

referecircncia agrave conjectura improacutepria no verso 3 proposta por Diels e que recebeu todo o peso da

autoridade do nome do grande filoacutelogo alematildeo Mas mesmo deixando de lado a questatildeo do terceiro

caminho o fragmento eacute motivo de muitas discussotildees Enquanto as discussotildees filosoacuteficas estatildeo aqui

fora de nossa esfera de interesses o ponto de vista psicoloacutegico nesse fragmento eacute muito

interessante Para o verbo νοεῖν e seus cognatos usaremos a nossa traduccedilatildeo teacutecnica de operar

cognitivamente obtida das qualificaccedilotildees que Parmecircnides oferece no fragmento DK B 2

3251 Os versos 61-4

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute pois eacute ser

e nada natildeo eacute isto eu te mando considerar

85Cordero 1984 2005 p 145-164 2007

68

Pois primeiro desta via de inqueacuterito eu ltte afastogt86

Mas depois daquela outra em que mortais que nada sabem87

No primeiro verso encontramos de novo o enunciado de um processo necessaacuterio como no

fragmento 2 eacute necessaacuterio dizer e operar cognitivamente (νοεῖν) que sendo se eacute88 Eacute notaacutevel a

repeticcedilatildeo parmenidiana de afirmaccedilotildees do fragmento DK B 2 em novas bases e com palavras quase

sinocircnimas No fragmento DK B 2 no verso 3 ele tinha dito que o caminho do eacute (seja o que for o

eacute) eacute impossiacutevel que natildeo seja mas em relaccedilatildeo a este caminho natildeo fizera referecircncia ao pensar e ao

dizer Jaacute no verso 5 e nos seguintes do mesmo fragmento falando do caminho do natildeo eacute (seja o

que for natildeo eacute) faz referecircncia ao conhecer (da esfera semacircntica do pensar) e ao dizer Agora aqui

no fragmento 6 formalmente daacute o mesmo argumento do caminho do natildeo eacute mas invertido e

atribuiacutedo ao eacute Enquanto ali era impossiacutevel conhecer (γνοίης) e dizer (φράσαις) o que natildeo eacute aqui

eacute necessaacuterio operar cognitivamente (νοεῖν) e dizer (λέγειν) que eacute Aqui tambeacutem podemos notar

que falando do que natildeo eacute (τό μὴ ἐὸν) Parmecircnides estaacute falando natildeo de certa foacutermula linguiacutestica

(predicativa ou outra) ou da verdade da foacutermula linguiacutestica (veritativa) ele estaacute falando da noccedilatildeo

evidenciada pelo processo de negaccedilatildeo (veja capiacutetulo 4 p 97) aquele processo que quer reduzir

todas as coisas a nenhuma coisa nada em portuguecircs e μηδὲν (nem um) em grego Parmecircnides

estaacute falando do nada absoluto e a maneira dele falar parece revelar uma reflexatildeo profunda com uma

notaacutevel consciecircncia da enorme problemaacutetica sujeitoobjeto89 no ato do conhecimento

86Reporto aqui a nota de Cordero (2005 p 213 n 6) ldquoConjectura Todos os manuscritos de Simpliacutecio uacutenica fonte

desta passagem apresentam uma lacunardquo 87Trad Cavalcante de Souza (1978) 88Cito aqui a traduccedilatildeo de Cordero que dedicou a esta tese de Parmecircnides um excelente livro cujo tiacutetulo Siendo se eacutes

(2005) ndash agora tambeacutem em portuguecircs Sendo se eacute pela editora Odysseus ndash eacute tomado exatamente das palavras que

estamos estudando aqui 89Estas afirmaccedilotildees seratildeo justificadas no capiacutetulo 4 p 97 em diante

69

Ainda no primeiro verso e avanccedilando para o segundo ele retoma as razotildees de suas teses

anteriores Assim ele diz pois eacute ser e nada natildeo eacute Como jaacute repetimos muitas vezes estas palavras

tambeacutem mereceriam muitas explicaccedilotildees e distinccedilotildees se estiveacutessemos procurando o seu sentido

filosoacutefico Natildeo eacute aqui o caso e para os nossos fins notamos apenas que a palavra nada (μηδὲν)

aqui significa exatamente nem uma coisa e natildeo eacute significa que eacute impossiacutevel que seja como ele

dissera no fragmento 2 Eacute muito importante ter agrave mente que por detraacutes destas palavras estaacute um

processo de reflexatildeo como dissemos acima e como explanaremos amplamente mais agrave frente

Nos versos seguintes Parmecircnides continua explicando seu meacutetodo e dando mais detalhes a

respeito Os versos 3 e 4 satildeo objeto de controveacutersias aacutesperas principalmente por uma lacuna nos

manuscritos A deusa pede ao kouros para fazer algo com o primeiro caminho (natildeo sabemos o que

por causa da lacuna pela conjectura de Diels ndash a mais aceita justamente aquela refutada por

Cordero ndash ela pediria para o kouros se afastar) e tambeacutem de fazer algo com o caminho que os

mortais seguem Esta passagem era e ainda eacute objeto de uma discussatildeo muito grande nos campos

paleograacutefico filoloacutegico e filosoacutefico o assunto em disputa eacute se haacute ou natildeo um terceiro caminho

indicado nessas palavras Na verdade noacutes natildeo precisamos enfrentar esta discussatildeo e podemos pulaacute-

la Para nossos fins noacutes seguiremos o que Parmecircnides indica como caminho (ou caminhos) e seus

caracteres e qualidades sem nos preocuparmos se eacute o primeiro caminho ou o segundo ou

eventualmente o terceiro ou mais

3252 Os versos 64-9

Mas depois daquela outra em que mortais que nada sabem

Erram duplas cabeccedilas pois o imediato em seus

Peitos dirige errante pensamento e satildeo levados

Como surdos e cegos perplexas indecisas massas

Para os quais ser e natildeo ser eacute reputado o mesmo

70

E natildeo o mesmo e de tudo eacute reversiacutevel o caminho90

Aqui comeccedila a parte mais interessante para o ponto de vista psicoloacutegico De fato desde o

verso 4 ateacute o final do fragmento haacute uma descriccedilatildeo do comportamento mental dos mortais

Parmecircnides diz que os mortais (βροτοὶ) natildeo sabem nada (εἰδότες οὐδὲν) andam por caminhos

forjados (πλάττονται) e tecircm duas cabeccedilas (δίκρανοι)91 porque a falta de recursos (ἀμηχανίη) em

sua mente (literalmente no peito στήθεσιν) guia um pensamento vagante Ao mesmo tempo eles

satildeo levados como surdo e cegos e confusos pessoas sem capacidade de julgamento para as quais

ser e natildeo ser satildeo considerados o mesmo e natildeo o mesmo O caminho deles eacute um caminho que tem

dois sentidos

1) βροτοὶ Temos nestes versos uma reprimenda contra os mortais os quais apresentam

alguns comportamentos que passamos a estudar Mas nossa primeira questatildeo eacute quem satildeo os

mortais Haacute muitas opiniotildees diferentes entre os estudiosos92 mas parece claro que embora o

90Trad Cavalcante de Souza (1978) 91Capizzi (1975 37) traduz ldquodoppiezzardquo duplicidade aqui no sentido de falsidade dissimulaccedilatildeo 92Uma resenha completa para os autores mais antigos se encontra em Zeller (1967 p 173-183 n 3 de Giovanni Reale)

A ampla discussatildeo verteu principalmente a respeito da identificaccedilatildeo dos βροτοὶ com os heraclitianos com posiccedilotildees

favoraacuteveis desde as mais radicais (por exemplo Patin 1899 o qual considerava o inteiro poema como uma

polecircmica anti-heraclitiana) ateacute as mais cautelosas (Guthrie) e com posiccedilotildees contraacuterias como aquela do proacuteprio

Zeller A discussatildeo vertia em volta do vocabulaacuterio aparentemente heraclitiano (com destaque para Calogero 1967

p 49 que na expressatildeo δίκρανοι via esculpida a imagem do involuntaacuterio fundador da dialeacutetica antiga Heraacuteclito)

mas tambeacutem sobre questotildees de cronologia A polecircmica foi amplamente superada a partir de Mansfeld (1960) o

qual evidencia como o vocabulaacuterio usado por Parmecircnides jaacute pertencia agrave tradiccedilatildeo da poesia liacuterica

Recentemente inesperadamente surgiu uma defesa da interpretaccedilatildeo do termo βροτοὶ como referido aos

heraclitianos principalmente mas tambeacutem aos pitagoacutericos e a Hesiacuteodo Trata-se da posiccedilatildeo de Jean Fregravere

defendida em seu livro sobre Parmecircnides (Fregravere 2012) num capiacutetulo cujo texto fora anteriormente apresentado em

Buenos Aires (Fregravere 2011) A tese mestra de Fregravere eacute que o homem comum natildeo se importa com caminhos de

pesquisa e que entatildeo a criacutetica de Parmecircnides tinha endereccedilo certo segundo ele heraclitianos pitagoacutericos e Hesiacuteodo

Afora as questotildees que tradicionalmente giram em volta desta disputa ndash a cronologia o vocabulaacuterio as intenccedilotildees

filosoacuteficas gerais de um e de outro autor ndash e deixando de lado o fato que Fregravere natildeo cuida de justificar seus

argumentos e nem de enfrentar as objeccedilotildees que satildeo muitas jaacute que este debate durou mais de 50 anos ainda resta

a questatildeo principal que eacute a seguinte como um pensador eacute capaz de influenciar uma cultura inteira e uma cultura

inteira se dispotildee a aceitar um pensador O exemplo de nossa cultura ocidental satildeo Jesus Cristo e o cristianismo Se

71

poema seja endereccedilado a homens saacutebios e cultos de seu tempo neste caso Parmecircnides quer

significar pessoas que usam uma certa maneira de pensar sem distinccedilatildeo entre pessoas comuns e

saacutebios Com efeito a primeira descriccedilatildeo dos mortais eacute mortais que nada sabem (εἰδότες οὐδὲν)

essa descriccedilatildeo assim como as demais qualificaccedilotildees dos mortais satildeo tradicionais na literatura

anterior a Parmecircnides93 a noccedilatildeo central gira em volta da contraposiccedilatildeo entre a divindade poderosa

algueacutem se potildee a criticar a maneira de pensar dos cristatildeos natildeo faz muito sentido alegar que o cristatildeo comum natildeo se

interessa por teologia e portanto se trata de criticar o autor e natildeo quem acolhe aquelas ideias Ao se criticar o

cristianismo se critica indiretamente o autor em suas teorias e diretamente e propriamente o fenocircmeno cultural o

qual nem sequer eacute de responsabilidade do autor Eacute verdade que Parmecircnides faz um discurso culto em oposiccedilatildeo a

outro discurso que soacute pode ser culto Mas o discurso culto contra o qual Parmecircnides se opotildee natildeo eacute uma simples

teoria como pode ser qualquer teoria em discussatildeo teoacuterica num espaccedilo acadecircmico reservado o discurso contra o

qual ele se potildee eacute uma teoria (uma interpretaccedilatildeo de mundo uma cosmovisatildeo) que penetrou profundamente na cultura

de massa Entatildeo a maneira de pensar de Hesiacuteodo natildeo eacute algo circunscrito a Hesiacuteodo mas eacute algo que formava a

proacutepria estrutura cultural da Greacutecia Especificamente Parmecircnides critica uma maneira de pensar a qual eacute uma

estrutura sociocultural de formaccedilatildeo extremamente complexa por isso natildeo se consegue atribuir isto a um soacute

pensador ou a uma escola isolada uma reaccedilatildeo cultural complexa e de massa a um conjunto de afirmaccedilotildees teoacutericas

Parmecircnides critica o pensamento que natildeo se preocupa com uma coerecircncia interna (podemos chamar de pensamento

miacutetico realismo ingecircnuo ou simplesmente crendice ou supersticcedilatildeo como se queira) e propotildee um instrumento para

alcanccedilar esta coerecircncia Isto vai muito aleacutem de um uacutenico pensador ou de um grupo pequeno de pensadores como

podem ter sido os jocircnicos ou os pitagoacutericos porque inclusive o pensador antes de ser criador de cultura eacute fruto de

uma cultura e expressa aquela cultura tambeacutem em suas inovaccedilotildees tanto por aderir a ela quanto por se opor a ela

Em suma a criacutetica de Parmecircnides se dirige a uma estrutura cultural e natildeo a uma teoria logo natildeo se dirige aos

grandes pensadores que o antecederam embora estes possam estar entre aqueles que criaram ou consolidaram a

cultura criticada pelo eleata Por exemplo Hesiacuteodo eacute um inovador e um consolidador da cultura anterior a ele e natildeo

se consegue separaacute-lo de sua proacutepria cultura ao se criticar aquela maneira de pensar proacutepria daquela cultura estaacute

se criticando Hesiacuteodo tambeacutem mas natildeo principalmente e nem majoritariamente Por todas estas razotildees aleacutem

daquelas mais teacutecnicas jaacute oferecidas pelos estudiosos natildeo faz muito sentido restringir o fragmento 6 e os demais

onde se encontra o termo βροτοὶ a esta ou agravequela escola a este ou agravequele pensador os βροτοὶ de Parmecircnides satildeo

todos aqueles que pensam sem ter um certo recurso em sua mente (ἀμηχανίη ἐν αὐτῶν στήθεσιν) 93Num estudo de Devoto (1964 p 62) se faz uma comparaccedilatildeo entre denominaccedilotildees antigas para homem no latim da

Europa ocidental e central a palavra usada era homo e similares com referecircncia agrave terra (Erneut-Meillet 1951 p

530 neacute de la terre) em contraposiccedilatildeo agrave divindade a qual pertence ao ceacuteu divinizado jaacute os termos germacircnicos men

e mensch fazem referecircncia ao homem que pensa distinto dos animais (Oxford English Dictionary 2009 verbete

man ldquo[it] have been usually referred to the Indogermanic men- mon- to think (see mind n) so that the

primary meaning of the name would refer to intelligence as the distinctive characteristic of human beings as

contrasted with brutesrdquo) pertencendo ao mundo dos caccediladores Em grego se encontram ambas as caracterizaccedilotildees

indicando a Greacutecia como lugar de encontro de vaacuterias concepccedilotildees da divindade assim βροτοὶ se contrapotildee aos

imortais enquanto ἄνθρωπος embora a etimologia seja obscura deve fazer referecircncia agrave cultura da caccedila

Em Homero a noccedilatildeo eacute expressa claramente por exemplo em Il 5440 ldquoφράζεο Τυδεΐδη καὶ χάζεο μηδὲ θεοῖσιν

ἶσ ἔθελε φρονέειν ἐπεὶ οὔ ποτε φῦλον ὁμοῖον ἀθανάτων τε θεῶν χαμαὶ ἐρχομένων τ ἀνθρώπωνrdquo [hellip] pois nunca

seraacute a mesma estirpe a dos deuses imortais e a dos homens que caminham sobre terra Note-se que Parmecircnides

usa ambas as denominaccedilotildees ἄνθρωπος em DK B 127 162 163 193 e βροτοὶ em 130 64 839 851 861

72

e onisciente e o homem limitado e ignorante aleacutem da noccedilatildeo expressa na poesia liacuterica94 haacute tambeacutem

a retomada desta contraposiccedilatildeo jaacute em acircmbito jocircnico e cientiacutefico o que nos conduz a uma noccedilatildeo

mais proacutexima do texto parmenidiano Em Xenoacutefanes 95 um dos mestres de Parmecircnides

encontramos por exemplo o fragmento DK B 23 ldquoUm uacutenico deus entre deuses e homens o maior

em nada no corpo semelhante aos mortais nem no pensamentordquo96 DK B 34 ldquoE o que eacute claro

portanto nenhum homem viu nem haveraacute algueacutem que conheccedila sobre os deuses e acerca de tudo

que digo pois ainda que no maacuteximo acontecesse dizer o que eacute perfeito ele proacuteprio natildeo saberia a

respeito de tudo existe uma opiniatildeordquo e em Alcmeon DK B 1 ldquoOs deuses tem conhecimento claro

das coisas invisiacuteveis e das coisas mortais aos homens ltcabegt conjecturarrdquo97 Enquanto no

pensamento anterior as estirpes de deuses e homens satildeo inconciliaacuteveis e incomparaacuteveis no

pensamento do VI para o V seacuteculo se processa uma comparaccedilatildeo o conhecimento divino eacute perfeito

aquele humano imperfeito Enquanto a religiatildeo oliacutempica estaacute fundada sobre a separaccedilatildeo entre o

humano e o divino e enquanto a religiatildeo misteacuterica tende a associar os dois o novo naturalismo

jocircnico e depois itaacutelico tende a superar esta separaccedilatildeo natildeo porque os homens se tornam deuses

mas porque como veremos nas proacuteximas linhas os homens podem preencher ao menos em parte

94Um bom resumo das noccedilotildees estaacute nestas palavras de Reale (1967 182) reportando Mansfeld ldquo [estes versos] satildeo

atinentes a uma concepccedilatildeo geral grega da natureza do conhecimento humano o qual 1) eacute um nada quando

comparada com aquele divino e 2) da forma como eacute eacute insuficiente para a proacutepria vidardquo Por outro lado embora a

anaacutelise literaria esteja correta a interpretaccedilatildeo de Mansfeld dessas passagens em minha opiniatildeo eacute incorreta 95Para a ligaccedilatildeo entre Xenoacutefanes e Parmecircnides veja-se Finkelberg 1990 96Trad Prado (1978 p 65-66) Xenoacutephanes DK 21 B 23 ldquoεἷς θεὸς ἔν τε θεοῖσι καὶ ἀνθρώποισι μέγιστος οὔ τι δέμας

θνητοῖσιν ὁμοίιος οὐδὲ νόημαrdquo B 34 καὶ τὸ μὲν οὖν σαφὲς οὔ τις ἀνὴρ ἴδεν οὐδέ τις ἔσται ἰδὼς ἀμφὶ θεῶν τε

καὶ ἅσσα λέγω περὶ πάντων εἰ γὰρ καὶ τὰ μάλιστα τύχοι τετελεσμένον εἰπών αὐτὸς ὅμως οὐκ οἶδε δόκος δ ἐπὶ

πᾶσι τέτυκταιrdquo 97Alcmeon DK 24 B 1 ldquoπερὶ τῶν ἀφανέων περὶ τῶν θνητῶν σαφήνειαν μὲν θεοὶ ἔχοντι ὡς δὲ ἀνθρώποις

τεκμαίρεσθαιrdquo

73

a ἀμηχανίη da condiccedilatildeo humana atraveacutes do conhecimento o qual embora ainda conjectural em

Xenoacutefanes e Alcmeon se torna um conhecimento de certeza verdadeira (πίστις ἀληθής) em

Parmecircnides Para a realizaccedilatildeo deste programa de conhecimento verdadeiro Parmecircnides expotildee o

ponto de partida a limitada condiccedilatildeo humana com a linguagem tradicional de sua cultura assim

a condiccedilatildeo humana tradicional recebe o nome tradicional de βροτοὶ os mortais98

2) πλάττονται Os mortais satildeo descritos por Parmecircnides natildeo em sua condiccedilatildeo fatal de

inferioridade em relaccedilatildeo aos deuses nem em sua miseacuteria existencial nem em qualquer outro sentido

moralista A descriccedilatildeo de Parmecircnides natildeo estaacute associada a qualquer contexto humano especiacutefico a

qualquer situaccedilatildeo precisa ou a qualquer outro evento ela eacute limitada aos comportamentos mentais

dos βροτοὶ e eacute feita de forma neutra e universal Haacute um problema inicial a partir do qual se datildeo os

comportamentos como consequecircncia desta causa uacutenica Os βροτοὶ cuja condiccedilatildeo humana eacute aquela

de nada saber (εἰδότες οὐδὲν) seguem por caminhos por eles forjados (πλάττονται)99 inventados

98Haacute um caso de sinoniacutemia entre 838-39 ὄνομ(α) βροτοὶ κατέθεντο e 193 ὄνομ ἄνθρωποι κατέθεντο como

justamente faz notar Cordero (1984 p 149 n 157) Mas que Parmecircnides os use como sinocircnimos uma vez natildeo

quer dizer que sejam sinocircnimos nos outros casos De fato Parmecircnides usa βροτοὶ quatro vezes (130 64 839

861) e uma vez o adjetivo βροτείας somente associados ao desvio do pensamento em relaccedilatildeo agrave verdade (130

ldquoβροτῶν δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθήςrdquo 64 ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲνrdquo 839 ldquoπάντ ὄνομ(α) ἔσται ὅσσα βροτοὶ

κατέθεντο πεποιθότες εἶναι ἀληθῆrdquo 851 ldquoδόξας δ ἀπὸ τοῦδε βροτείας μάνθανε κόσμον ἐμῶν ἐπέων ἀπατηλὸν

ἀκούωνrdquo 861 ldquoὡς οὐ μή ποτέ τίς σε βροτῶν γνώμη παρελάσσηιrdquo Jaacute ἄνθρωποι eacute usado em sentido muito mais

geral em 127 ldquoτήνδ ὁδόν (ἦ γὰρ ἀπ ἀνθρώπων ἐκτὸς πάτου ἐστίν)rdquo onde caminho dos homens apesar das muitas

imaginativas explicaccedilotildees de vaacuterios estudiosos significa provavelmente tatildeo somente caminho dos humanos

(diferenciado de caminhos de animais ou de coisas ndash vento aacutegua e outros) isto eacute estrada em 162 e 16 3 ldquoτὼς

νόος ἀνθρώποισι παρίσταταιrdquo e ldquoτὸ γὰρ αὐτό ἔστιν ὅπερ φρονέει μελέων φύσις ἀνθρώποισινrdquo os quais por serem

descriccedilotildees anatocircmico-fisioloacutegicas se referem necessariamente ao homem em geral (seja ele saacutebio ou natildeo) em 193

onde como vimos acima tem sentido sinocircnimo com βροτοὶ O que se pode concluir limitando-nos somente ao uso

feito por Parmecircnides nos fragmentos que sobreviveram eacute que o termo ἄνθρωποι inclui o sentido de βροτοὶ mas

natildeo vice-versa 99A interpretaccedilatildeo de πλάττονται como caminhos forjados pelos homens eacute mais coerente Desde Diels que retoma a

ediccedilatildeo aldina de 1526 muitos autores aceitam um πλάττονται que viria de πλάζω (LSJ desviar-se confundir vagar

o LSJ inclui o πλάττονται parmenidiano no verbete πλάζω) ao inveacutes de πλάσσω (LSJ moldar formar uma imagem

na mente forjar) Enquanto πλάζω significaria um errar dos humanos πλάσσω significaria um fantasiar isto eacute um

inventar explicaccedilotildees A discussatildeo filoloacutegica completa se encontra em Cordero (1984 p 147-8 e 2005 p 146-7)

74

improacuteprios A maioria dos estudiosos interpreta πλάττονται como erram mas desta forma se perde

por inteiro o conteuacutedo psicoloacutegico da expressatildeo parmenidiana os mortais forjam inventam

fantasiam explicaccedilotildees Este eacute o comportamento natural de quem quer explicar o mundo numa

formulaccedilatildeo subjetiva laacute onde a autocriacutetica ainda natildeo estaacute desenvolvida em outras palavras eacute o

procedimento normal da formulaccedilatildeo de explicaccedilotildees mais ou menos coerentes que afinal

redundaratildeo na formaccedilatildeo dos mitos Eacute muito feliz Cordero (1984 p 148) a lembrar-nos o uso de

πλάσσω em Platatildeo no Timeu quando Critias diz ldquoNatildeo mito inventado mas discurso verdadeirordquo

(μὴ πλασθέντα μῦθον ἀλλ ἀληθινὸν λόγον) Como jaacute vimos a consciecircncia de que a explicaccedilatildeo

miacutetica eacute mera fantasia jaacute estaacute desenvolvida nos mestres de Parmecircnides100 e o tema recorrente no

poema natildeo eacute tanto a afirmaccedilatildeo do ser (como prefere a historigrafia de tipo idealiacutestico que tem

origem em Hegel) mas a diferenciaccedilatildeo entre uma persuasatildeo verdadeira e uma persuasatildeo natildeo

verdadeira como estaacute especificado no programa em 129-30 Ora a persuasatildeo falsa tem sua origem

nos mortais ou seja a invenccedilatildeo dos falsos mitos eacute obra dos mortais posto que os deuses com as

devidas exceccedilotildees soacute falam a verdade Entatildeo a atribuiccedilatildeo da invenccedilatildeo dos falsos mitos aos homens

por parte de Parmecircnides eacute perfeitamente coerente com a sua proposta Ademais a criacutetica ao

pensamento miacutetico embora natildeo prosaicamente literal como em Xenoacutefanes natildeo estaacute nem tatildeo

Aceitam πλάζω Diels Barnes Burnet Coxon Ruggiu Taraacuten Untersteiner Verdenius Zafiropulo Entre os poucos

favoraacuteveis agrave interpretaccedilatildeo de πλάττονται como forjam estatildeo Cordero Cerri OBrien Santoro e Ferrari Este uacuteltimo

(Ferrari 2010 p 47) contesta uma anaacutelise de Passa (2009 p 104-111) feita com extrema acribia defendendo a

opccedilatildeo de Diels no entanto Passa valente filoacutelogo de Parmecircnides para defender Diels traz um enorme aparato

filoloacutegico mas para descartar a interpretaccedilatildeo de πλάττονται como πλάσσω curiosamente utiliza argumentos

somente interpretativos (segundo sua proacutepria interpretaccedilatildeo do poema) e nenhum argumento filoloacutegico 100Tanto os jocircnicos que descartaram as explicaccedilotildees miacuteticas e aceitaram apenas explicaccedilotildees naturalistas quanto os

itaacutelicos isto eacute os pitagoacutericos os quais mesmo mantendo um aparato religioso se dedicaram agraves pesquisas

naturalistas neste quadro o destaque eacute para a criacutetica severa de Xenoacutefanes agraves religiotildees)

75

escondida nos versos do sugestivo poema parmenidiano Mas voltaremos sobre isto mais adiante

Aqui vale salientar que Parmecircnides observa um comportamento mental os mortais por natildeo saber

nada fantasiam e inventam para dar sentido a algum fenocircmeno do mundo fica clariacutessima a noccedilatildeo

parmenidiana do comportamento psicoloacutegico do homem comum pois Parmecircnides percebe

claramente que os homens fantasiam inventam explicam criativamente assim como um psicoacutelogo

atual percebe o comportamento mental fantasioso a partir de explicaccedilotildees forjadas mais ou menos

verossiacutemeis de algueacutem que precisa explicar algo mesmo sem ter noccedilatildeo de como nem competecircncia

para tanto

3) Ἀμηχανίη Esse termo eacute dos mais interessantes e ademais pode ser tomado como a noccedilatildeo

que sintetiza a anaacutelise psicoloacutegica que Parmecircnides faz do comportamento mental do homem

comum como ainda veremos Embora retomado com perfeiccedilatildeo literaacuteria da tradiccedilatildeo eacutepica e liacuterica

para definir os mortais101 o termo ἀμηχανίη em Parmecircnides apresenta uma ampliaccedilatildeo de sentido

O termo significa falta de recursos e assim eacute traduzido por muitos estudiosos102 outros preferem

traduzir com perplexidade103 O sentido geral eacute que os limites humanos necessariamente levam a

uma conduta errante do noos (ἰθύνει πλακτὸν νόον) No entanto enquanto em relaccedilatildeo a βροτοὶ

todos ou quase todos os estudiosos notam a oposiccedilatildeo que Parmecircnides faz com o εἰδότα φῶτα de

101Presente em muitas formas (como verbo substantivo simples e composto adjetivo e com alfa privativo) na eacutepica e

na liacuterica recebe de todos os estudiosos a interpretaccedilatildeo de uma incapacidade dos mortais uma impotecircncia humana

em contraposiccedilatildeo agrave potecircncia divina 102 Por exemplo Beaufret (1955 p 81) ldquolabsence de moyensrdquo Rietzler-Gadamer (1970 p 29) ldquoHilflosigkeitrdquo

Somville (1976 p 42) ldquolimpuissancerdquo (p 17) 103Por exemplo Coxon (2009 p 58) ldquoperplexityrdquo Casertano (1978 p 17) ldquoincertezzardquo Untersteiner (1979 p 135)

ldquoperplessitagraverdquo

76

DK B 13 (o homem saacutebio) em relaccedilatildeo a ἀμηχανίη a falta de recursos ningueacutem lembra que deve

ser uma antiacutetese de uma noccedilatildeo que natildeo estaacute nomeada diretamente mas que estaacute presente

virtualmente a posse de recursos Vamos entender esta presenccedila virtual pela descriccedilatildeo que

Parmecircnides faz de sua antiacutetese ἀμηχανίη Ele diz que essa falta de recursos no peito (ἐν στήθεσιν)

que aqui significa mais uma vez mente eacute causa de um pensar vagante Isto significa que

Parmecircnides natildeo se refere a uma falta de recursos geneacuterica agrave limitaccedilatildeo geneacuterica dos βροτοὶ em

relaccedilatildeo aos deuses mas agrave falta de recursos na mente pois ele especifica claramente a falta em seus

peitos (ἀμηχανίη ἐν αὐτῶν στήθεσιν) Natildeo se trata da incapacidade do homem mas da

incapacidade da mente humana Mais uma vez a deusa antes expotildee seu pensamento com uma

afirmaccedilatildeo e depois explica o porquecirc daquela afirmaccedilatildeo Ela afirma que os mortais inventam

caminhos e explica porque (γὰρ) a incapacidade de suas mentes guia (ἰθύνει) um pensamento

errante Entatildeo a ἀμηχανίη eacute a causa do comportamento mental dos humanos quando afirmam e se

desmentem (δίκρανοι) e quando exercem um intelecto errante (πλακτὸν νόον) Mais uma vez a

mente estaacute descrita em sua operaccedilatildeo e por causa da qualificaccedilatildeo (πλακτὸν) eacute faacutecil entender que se

trata da mente operante entretanto a noccedilatildeo permaneceraacute ambiacutegua se se utilizarem os termos mais

comuns de traduccedilatildeo a saber pensamento intelecto e similares como eacute faacutecil constatar em muitos

estudos104 Por isso a traduccedilatildeo aqui proposta para o νοῆσαι de 22 (e seus cognatos) operaccedilotildees

104 A seguir um exemplo de como a descriccedilatildeo parmenidiana arcaicamente concreta e limitada ao seu contexto

histoacuterico-epistemoloacutegico se torna uma discussatildeo gnosioloacutegica geral a respeito do objeto da mente lanccedilando

Parmecircnides numa dimensatildeo filosoacutefica que apareceraacute muito mais tarde talvez somente na Idade Meacutedia Ademais

como veremos no proacuteximo capiacutetulo Parmecircnides mostra que eacute impossiacutevel mesmo para os mortais que a mente

fique sem objeto razatildeo pela qual a interpretaccedilatildeo abaixo pertencente agrave visatildeo intelectualizada de Parmecircnides natildeo

consegue colher a profundidade de sua filosofia Diz Curd (1991 247) ldquoAt B65-6 the Goddess says that

helplessness (amechanie) guides their wandering noos (ithunei plakton noon) and the implication is that mortals

having failed to keep their thought from the forbidden route are guided by a mistaken deceived and altogether

77

cognitivas torna clara a expressatildeo parmenidiana principalmente nos proacuteximos versos motivos de

inuacutemeras discussotildees De fato os efeitos da ἀμηχανίη satildeo articulados mais ainda nos versos

seguintes

4) οἱ δὲ φοροῦνται κωφοὶ ὁμῶς τυφλοί Este grupo de palavras faz referecircncia a uma mesma

noccedilatildeo onde o termo mais importante e que ilumina o sentido eacute ὁμῶς lsquosemelhante arsquo105 O sujeito

gramatical οἱ se refere ainda a βροτοὶ e estes satildeo levados (φοροῦνται) de forma semelhante a

helpless noos Mortals fail in controlling noos not understanding its proper object they fail to steer it properly So

their noos wanders having no object on which to fix In such a state and on such a route (see B71-2) they can

never hope to reach persuasive truth which is itself connected with what isrdquo [sublinhado meu]

Um outro exemplo pode ser visto em Palmer (2009 p 114-118) que depois de uma meticulosa anaacutelise filoloacutegica

bastante interessante acaba concluindo ndash mais uma vez em chave gnosioloacutegica e fazendo do poema um todo

inarticulado argumentando simultaneamente com o fr 2 o 6 o 8 e os demais ndash que ldquoTheir error [dos mortais]

consists in supposing that a proper object of understanding may be subject to the variableness of being bound up

in their conception of it as being and not being the same and not the samerdquo e mais adiante ldquoHowever since their

being is merely contingent Parmenides thinks there can be no stable apprehension of them no thoughts about them

that remain steadfast and do not wander and thus no knowledge no true or reliable conviction According to

Parmenides genuine conviction cannot be found by focusing onersquos attention on things that are subject to change

It comes only from focusing on what is not subject to changerdquo Mais uma vez o percurso parmenidiano eacute

desvirtuado De fato a preocupaccedilatildeo de Parmecircnides eacute o caminho de investigaccedilatildeo que permita distinguir a convicccedilatildeo

verdadeira da falsa mas o que transparece dessas palavras (se eu bem as entendi) eacute que a convicccedilatildeo verdadeira estaacute

associada agraves coisas natildeo sujeitas agrave mudanccedila

Verdenius chega mais perto da proposta metodoloacutegica de Parmecircnides ldquoDo ponto de vista humano eles proacuteprios

satildeo responsaacuteveis por sua fraqueza pois satildeo agentes livres para formar suas opiniotildees Do ponto de vista coacutesmico

significa que suas κρᾶσις μελέων satildeo destituiacutedas de princiacutepio condutor Eles erram para sempre (πλάττονται) ao

longo de caminhos humanos (fr 127 πάτος ἀνθρώπων) e natildeo tecircm parte nenhuma na Verdade divina porque tecircm

um πλαγκτὸς νόος no sentido metodoloacutegico isto eacute in malam partemrdquo ldquoFrom the human point of view they

themselves are responsible for this weakness as they are free agents in forming their opinion From the cosmic

point of view it means that their κρᾶσις μελέων is devoid of a leading principle They are forever wandering

(πλάττονται) along human roads (fr 127 πάτος ἀνθρώπων) and have no part in the divine Truth because they

possess a πλαγκτὸς νόος in the methodical sense i e in malam partemrdquo (Verdenius 1964 p 14) 105A maioria dos estudiosos talvez pressupondo um sentido retoacuterico-metafoacuterico traduz seguindo Diels (1989 p233)

ldquozugleichrdquo por exemplo ldquoat oncerdquo (Palmer p 114) ldquoad un tempordquo (Reale 1991 p 95) ldquotatildeo surdos como cegosrdquo

(Santoro 2011 p 91) ldquoat the same timerdquo (Taraacuten 1965 p 54) Alguns traduzem de forma diferente por exemplo

ldquociegos y sordosrdquo (Cordero 2005 p 219 que simplesmente natildeo traduz ὁμῶς) ldquodeaf and blind alike in

bewildermentrdquo (Coxon p 58 que ligando ὁμῶς a τεθηπότες entende como se estivessem atordoados) Alguns

traduzem eu penso de forma mais correta semelhante a como alguns exemplos ldquodeaf alike and blindrdquo (Barnes

1982 p 124) ldquodeaf and blind alikerdquo (Long 1975 p 85) e ldquocomo surdos e cegosrdquo (Cavalcante de Souza 1978 p

142)

78

surdos e cegos (κωφοὶ ὁμῶς τυφλοί) Natildeo satildeo surdos e cegos mas eacute como se o fossem106 O verbo

φοροῦνται aqui um passivo de φορέω aponta mais uma vez para a ἀμηχανίη da mente como

condutora dos βροτοὶ e logo como causa deles serem levados Por que a mente sem recursos

conduz os homens como se fossem surdos e cegos A mente dos mortais opera com operaccedilotildees

cognitivas errantes (πλακτὸν νόον) porque lhes falta um instrumento (ἀμηχανίη) que possa ser

usado para realizar um artifiacutecio A falta deste instrumento faz agir os mortais como surdos e cegos

isto eacute como se fossem insensiacuteveis sem os sentidos como se houvesse uma falta de percepccedilatildeo Nas

palavras de Parmecircnides eacute muito clara a individuaccedilatildeo do papel da mente na percepccedilatildeo da realidade

Os mortais tecircm olhos e ouvidos mas sem um certo instrumento na mente eacute como se natildeo os

tivessem Assim a censura aqui eacute contra algum tipo de comportamento mental que eacute como uma

falta de sensibilidade o que significa que eacute como uma falta de dados que venham da realidade para

a construccedilatildeo do caminho correto na mente A ligaccedilatildeo entre a sensorialidade e a correccedilatildeo do

argumentar eacute testemunhada ainda em nossas liacutenguas atuais e palavras como evidecircncia clareza e

outras mostram como a descriccedilatildeo da sensaccedilatildeo de estar argumentando corretamente estaacute ligada agrave

descriccedilatildeo da nitidez da percepccedilatildeo sensorial mesmo natildeo sendo uma descriccedilatildeo sensorial mas tatildeo

106Eacute interessante notar que mesmo traduzindo ὁμῶς como semelhante a muitos criacuteticos carregam o sentido metafoacuterico

em direccedilatildeo do alvo errado Tecnicamente surdos e cegos define uma metaacutefora mas mais uma vez se trata da

tentativa de Parmecircnides de descrever sensaccedilotildees dinacircmicas e fatos mentais concretos para os quais ele natildeo dispunha

de vocabulaacuterio pronto Os criacuteticos parecem esquecer que Parmecircnides estaacute falando de caminhos do pensar e natildeo de

uma teoria geral do conhecimento humano Ao estender o campo para uma teoria geral eles abrem espaccedilo para a

discussatildeo do papel dos sentidos na funccedilatildeo cognitiva geral do homem Vejam-se essas palavras de Long (1975 p

87) ldquoNow the deafness and blindness might be a part of the rhetorical description which culminate in τεθηπότες

ἄκριτα φῦλα [hellip] and largely metaphorical Or it may if only indirectly be connected with the condemnation of

sense perception in B 73-5rdquo Ora natildeo haacute metaacutefora retoacuterica na fala da deusa mas uma descriccedilatildeo sofrida por falta

de vocabulaacuterio culturalmente assentado de comportamentos mentais e o ὁμῶς deveria servir de alerta Nem haacute

uma condenaccedilatildeo dos sentidos porque simplesmente Parmecircnides natildeo estaacute falando dos sentidos mas dos caminhos

do pensar das operaccedilotildees cognitivas estaacute falando da mente dizendo que nos caso dos βροτοὶ ela se comporta

como se fosse surda e cega

79

somente a descriccedilatildeo de estados mentais usando metaforicamente expressotildees referidas aos sentidos

5) τεθηπότες ἄκριτα φῦλα Mais duas noccedilotildees estritamente psicoloacutegicas τεθηπότες

atordoados uma condiccedilatildeo psicoloacutegica que pode ser interpretada de muitas maneiras mas todas

acabam fazendo referecircncia a uma natildeo nitidez mental107 E eacute o atordoamento resultado da condiccedilatildeo

similar agrave surdez e cegueira que faz dos βροτοὶ um tipo humano especiacutefico ἄκριτα φῦλα um povo

sem capacidade de operar a κρίσις isto eacute a distinccedilatildeo entre ser e natildeo ser pois para eles ser e natildeo ser

satildeo o mesmo e natildeo o mesmo (οἷς τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόν) As

operaccedilotildees cognitivas erram porque haacute uma falta na mente de um recurso um instrumento mental

que torne possiacutevel a distinccedilatildeo de ser e natildeo ser Sem esse recurso as operaccedilotildees cognitivas natildeo tem

direccedilatildeo certa De fato

6) πάντων δὲ παλίντροπός ἐστι κέλευθος O fragmento fecha com esta afirmaccedilatildeo muito

discutida108 sobre a reversibilidade do caminho Mais do que reversibilidade penso que seria

oportuno falar de contra-direccedilatildeo109 que mesmo sendo uma traduccedilatildeo muito literal rende bem a ideia

do conflito entre ser e natildeo ser que Parmecircnides quer ressaltar Mais uma vez temos a descriccedilatildeo de

107 Ruggiu (1975 p 143) ldquoO paralelo do conceito parmenidiano com Odisseia XXIII105 eacute instrutivo no trecho

homeacuterico a grande surpresa impede Peneacutelope de falar οὐδέ τι προσφάσθαι δύναμαι ἔπος οὐδ ἐρέεσθαι οὐδ εἰς

ὦπα ἰδέσθαι ἐναντίον Isto eacute trata-se de uma forma de atordoamento que impede ao mesmo tempo de ver e de

expressar com palavrasrdquo 108Muito discutida porque muitos estudiosos gostam de discutir os caminhos sua quantidade e caracteriacutesticas Se se

utilizassem as palavras modernas menos sugestivas e mais prosaicas processo ou procedimento talvez natildeo

ocorressem tantas discussotildees Eacute verdade que eacute o proacuteprio Parmecircnides que ao colocar sua exposiccedilatildeo dentro de uma

moldura miacutestico-religiosa propicia esses entendimentos simboliacutesticos (por exemplo caminho como siacutembolo do

rumo certo em direccedilatildeo a um estaacutegio superior de vida) mas eacute verdade tambeacutem que o leitor moderno natildeo deveria ser

o mesmo da audiecircncia de Parmecircnides nos seus tempos O κέλευθος aqui eacute um processo mental uma dinacircmica

portanto um fenocircmeno da natureza (humana) e natildeo um caminho a seguir ou a natildeo seguir segundo sugestotildees miacutestico-

esoteacutericas para alcanccedilar algum segredo de natureza superior 109Um exemplo jaacute em Homero (reportado por LSJ) mostra este sentido na Iliacuteada (956) depois da fala de Diomedes

Nestor diz ldquohellip Natildeo poderaacute dos Acasos presentes nenhum censurar-te por teu discurso nem mesmo objetar-te

(οὐδὲ πάλιν ἐρέει)rdquo (trad Nunes 2001)

80

um comportamento mental ndash aqui caracteristicamente cognitivo pois se trata do caminho de

inqueacuterito ndash definido confusional onde afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo satildeo o mesmo e natildeo o mesmo porque

haacute uma falta de discernimento

3253 Conclusatildeo do fragmento 6

O fragmento 6 a partir do verso 4 eacute uma descriccedilatildeo do comportamento mental dos mortais

os quais por natildeo possuiacuterem certo recurso uma certa capacidade de discernimento se comportam

mentalmente como surdos e cegos isto eacute se comportam de maneira intelectualmente confusa

(τεθηπότες) logo natildeo sabem discernir (satildeo ἄκριτα φῦλα) e afinal quando tecircm que explicar o

mundo desmentindo a si mesmos (δίκρανοι) acabam produzindo falsos caminhos (πλάττονται) de

inqueacuterito A maioria dos estudiosos enfatiza aqui a parte negativa o caminho a natildeo ser seguido a

confusatildeo dos mortais em oposiccedilatildeo ao ser coraccedilatildeo da verdade cujos sinais seratildeo mostrados no

fragmento 8 Eu penso que Parmecircnides estaacute descrevendo os limites dos mortais tendo em vista um

processo mais concreto e mais limitado Natildeo se trata de comparar os limitados mortais com a

potecircncia divina mas de acusar uma falha na estrutura psicoloacutegica que opera a argumentaccedilatildeo Agrave

falha Parmecircnides daacute o nome de ἀμηχανίη realizando assim um perfeito diagnoacutestico psicoloacutegico

pois as demais descriccedilotildees que redundam em falta de discernimento satildeo os resultados de uma falta

(seria improacuteprio falar em disfunccedilatildeo) psiacutequica falta aos mortais um instrumento que os conduza

pelo caminho da persuasatildeo verdadeira Claramente a deusa tem este instrumento e eacute tarefa dela

ensinaacute-lo ao disciacutepulo de forma que Parmecircnides pela voz de sua deusa em seu programa didaacutetico

se propotildee a ensinar essa autecircntica μηχανή um instrumento artificial que permita preencher a lacuna

dos mortais (entre os quais eacute necessaacuterio incluir o kouros embora ele tenha recebido um destino

diferente dos βροτοὶ um destino que natildeo eacute de infelicidade μοῖρα κακὴ) Ou seja existe e eacute

81

possiacutevel ensinaacute-lo um certo instrumento com o qual os mortais podem sair de seu estado de ἄκριτα

φῦλα e finalmente distinguir a persuasatildeo verdadeira da persuasatildeo natildeo verdadeira No fragmento 7

esta temaacutetica seraacute aprofundada

326 O fragmento 7

3261 Generalidades

O fragmento 7 comeccedila com as palavras de Platatildeo e continua com citaccedilotildees de Sexto Simpliacutecio

e Dioacutegenes Laercio mas natildeo entraremos em questotildees exegeacuteticas pois estamos interessados

principalmente no vocabulaacuterio psicoloacutegico e a disposiccedilatildeo dos fragmentos no poema nos interessa

menos110 Vejamos o texto aqui na ediccedilatildeo Diels-Kranz (DK B 7)

110Como se sabe a disposiccedilatildeo dos fragmentos colhidos nas citaccedilotildees dos doxoacutegrafos eacute um quebra-cabeccedila autocircnomo

para o estudioso A versatildeo que estamos utilizando aqui eacute a de Diels-Kranz porque eacute a mais utilizada embora muitos

editores proponham outras sequecircncias No caso do fragmento 7 ele eacute um collage realizado por Diels que natildeo eacute

unanimidade e eacute utilizado desta forma principalmente por comodidade didaacutetica Os primeiros dois versos satildeo

tomados de Platatildeo enquanto os restantes satildeo tomados de Sexto Empiacuterico O fato notaacutevel principal eacute que Sexto cita

estes versos numa sequecircncia uacutenica com os versos conhecidos como fragmento1 ou seja segundo ele estes versos

pertencem agrave parte inicial do poema Embora outras citaccedilotildees de Sexto sejam consideradas pelos estudiosos como

feitas de memoacuteria ou sem cuidado literaacuterio ndash razatildeo pela qual ele eacute tido como doxoacutegrafo natildeo muito confiaacutevel e pela

qual tambeacutem Diels aceitou considerar estes versos uma emenda improacutepria feita por Sexto ao fragmento 1 ndash a citaccedilatildeo

eacute precisa demais para autorizar dissociar a uacuteltima parte (os versos em questatildeo) e colocaacute-la depois do fragmento 6

O que pesou a favor desta decisatildeo natildeo soacute de Diels mas de muitos outros eacute que esses versos parecem reapresentar

e aprofundar a descriccedilatildeo de um terceiro caminho logo soacute podiam estar depois do fragmento 2 que apresenta os

primeiros dois e depois do fragmento 6 que parece apresentar pela primeira vez no poema o terceiro caminho Ora

um dos dogmas exegeacuteticos que veio a cair entre os estudiosos ao longo do seacuteculo passado foi exatamente a

existecircncia de um terceiro caminho tanto pelos que passaram a defender somente dois caminhos (Cordero e outros)

quanto pelos que passaram a defender a ideia de uma multiplicidade de caminhos (por exemplo Couloubaritsis

fala ateacute mesmo em dez caminhos) razatildeo pela qual natildeo haacute mais nenhuma razatildeo exegeacutetica que impotildee a colocaccedilatildeo

desses versos depois do fr 6 e a discussatildeo permanece em aberto Na minha leitura do poema esses versos podem

muito bem permanecer no fragmento 1 sem gerar nenhum conflito exegeacutetico no entanto a questatildeo levantada no

fragmento 7 natildeo eacute relevante para os fins do esclarecimento da noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides nosso propoacutesito

primeiro logo esta questatildeo natildeo nos interessa de perto Por outro lado com referecircncia ao Parmecircnides psicoacutelogo em

pauta agora a colocaccedilatildeo do fragmento tambeacutem natildeo tem muita relevacircncia porque nos interessa apenas fazer um

levantamento do vocabulaacuterio psicoloacutegico do poema tal levantamento natildeo precisa do esforccedilo da compreensatildeo do

82

οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῆι εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα

μηδέ σ ἔθος πολύπειρον ὁδὸν κατὰ τήνδε βιάσθω

νωμᾶν ἄσκοπον ὄμμα καὶ ἠχήεσσαν ἀκουήν

καὶ γλῶσσαν κρῖναι δὲ λόγωι πολύδηριν ἔλεγχον

ἐξ ἐμέθεν ῥηθέντα

O valor filosoacutefico destas palavras eacute inestimaacutevel De fato encontramos aqui a primeira

formulaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo que se tornaraacute famoso com Aristoacuteteles mas numa

versatildeo muito diferente Aqui estamos interessados apenas no vocabulaacuterio psicoloacutegico de

Parmecircnides portanto pularemos os primeiros dois versos os quais seratildeo tratados no proacuteximo

capiacutetulo (e para o qual enviamos o leitor) notando apenas a reapresentaccedilatildeo da questatildeo baacutesica de

Parmecircnides a individuaccedilatildeo diferenciaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de caminhos de pesquisa para as operaccedilotildees

cognitivas Mais uma vez ele apresenta uma ὁδός διζήσιος (caminho de pesquisa portanto

processos mentais cognitivos) da qual poreacutem desta vez pede que o kouros mantenha afastado o

seu pensar indagador (εἶργε νόημα) ou seja as operaccedilotildees cognitivas da mente Jaacute os versos

sucessivos iratildeo requerer nossa atenccedilatildeo especial porque estatildeo repletos de muacuteltiplos sentidos A

interpretaccedilatildeo geral eacute que dada a radical oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser eacute necessaacuterio se manter afastado

do caminho que afirma que ser e natildeo ser satildeo o mesmo e natildeo o mesmo especificamente eacute preciso

tomar cuidado com a cultura herdada a qual forccedila a percepccedilatildeo para um desentendimento Assim

poema como um todo tarefa para a qual seria muito importante esclarecer a ordenaccedilatildeo ao menos provaacutevel dos

fragmentos Para o aprofundamento dessa questatildeo do terceiro caminho a literatura secundaacuteria eacute fecunda e generosa

Pode se ver um resumo dos estudos da primeira metade do seacuteculo passado em Untersteiner (1979 p CCXXVI n

52) pode se ver um estudo obsessivo da questatildeo em OBrien (1987 p 135 et passim) e pode se observar ao se

correr a literatura mais recente como certas escolas datildeo por certo o terceiro caminho principalmente as anglocircfonas

(exemplos recentes Crystal 2002 p 26 Wedin 2011) enquanto as escolas mais francoacutefonas tendem a uma

discussatildeo menos riacutegida

83

por causa dos haacutebitos culturais olhos natildeo vecircem ouvidos e liacutengua se confundem e a veemecircncia dos

discursos leva a um julgamento ruim isto eacute herdado das noccedilotildees argumentadas naqueles discursos

Mas esta interpretaccedilatildeo eacute controversa ademais principalmente a parte referente ao uacuteltimo verso (fr

75) estaacute longe das preferecircncias dos estudiosos de fato este verso recebeu recentemente uma nova

interpretaccedilatildeo que eu acho eacute muito pertinente e que aceito como a melhor disponiacutevel atualmente

embora radicalmente diferente daquela da grande maioria dos estudiosos Falando genericamente

em relaccedilatildeo a este fragmento as posiccedilotildees dos estudiosos se dividem em dois grupos haacute um grupo

que simplesmente esquece que o assunto principal satildeo os comportamentos mentais (v 2 ὁδός

διζήσιος) e afirma que Parmecircnides estaacute falando contra a veracidade do testemunho dos sentidos111

jaacute outros estudiosos percebem que a discussatildeo verte sobre questotildees de meacutetodo de pesquisa112

A deusa continua dando suas instruccedilotildees imperativas e diz nem o haacutebito que foi

experimentado muitas vezes te force sobre aquele caminho Eacute realmente interessante a capacidade

de Parmecircnides de sintetizar em poucas palavras um conteuacutedo tatildeo grande A deusa estaacute falando de

caminhos de operaccedilotildees cognitivas ao longo dos quais os pensamentos podem seguir uma

sequecircncia que noacutes chamamos de argumento Ela dissera que haacute bons e maus argumentos (os de

persuasatildeo verdadeira e os de persuasatildeo natildeo confiaacutevel fr 129-30) e tambeacutem explicara (fr 2 veja-

se o capiacutetulo 4 p 97) que os bons argumentos satildeo o resultado de um recurso especial da mente na

falta do qual os mortais satildeo capazes apenas de produzir maus argumentos pois eles acreditam que

111Reporto aqui somente os editores Coxon (2009 p 308) ldquoParmenides repeats the warning given in fr 5 (DK B 6)

against believing in the reality o f sensible objectsrdquo Taraacuten (1965 p 78) ldquoWhat Parmenides says in this passage

(vv 3-5) is that senses are responsible for the acceptance of the way of non-Beingrdquo 112Por exemplo Untersteiner (1979 p) ldquoexatamente ἀμηχανίη corresponde a ἔθος πολύπειρον que eacute propriamente

a causa da ἀμηχανίη porque corresponde agrave atitude mesquinha determinada pelo haacutebitordquo

84

ser e natildeo ser satildeo o mesmo e natildeo o mesmo mas diz a deusa ser e natildeo ser natildeo satildeo o mesmo pois

nunca os natildeo entes se tornam ser (essas uacuteltimas palavras satildeo a noccedilatildeo expressa nos dois primeiros

versos do nosso fragmento 7) Por esta razatildeo diz ela fique longe daquele caminho e natildeo deixe que

o repetido haacutebito te obrigue a permanecer nele

3262 Haacutebitos culturais o verso 73 ἔθος πολύπειρον

A deusa sugere ao kouros de ficar afastado daquele caminho e ao mesmo tempo de evitar

ser forccedilado sobre ele (cuidando de olhos ouvidos e liacutengua veja adiante) pelo haacutebito

multiexperiente Que haacutebito eacute este Eacute um haacutebito de comportamento da mente ou nas palavras de

Parmecircnides um haacutebito de maneira de pensar A palavra πολύπειρον significa experimentado

muitas vezes113 Esta experiecircncia do pensar seguindo um certo caminho eacute repetido muitas vezes

ateacute que se torna um haacutebito isto eacute um automatismo da mente114 Podemos ver nestas palavras uma

113Calogero ao inveacutes de muacuteltipla experiecircncia traduz de forma incorreta experiecircncia da multiplicidade (ldquoabitudine

allesperienza del molteplicerdquo 1977 p38) Verdenius traduz corretamente (ldquocustom that comes of much

experiencerdquo) mas interpreta a expressatildeo como uma percepccedilatildeo da inconstacircncia ldquoThe method underlying this third

way has the same character of inconstancyrdquo (1964 p 55) 114Mesmo entre aqueles que aceitam que o fragmento se refere ao caminho de pesquisa (da mente) e natildeo agrave capacidade

dos sentidos de descrever corretamente a realidade se datildeo incongruecircncias por exemplo Cerri (1999 p 62) afirma

que ἔθος πολύπειρον eacute um ldquovezzo di molto sapere labitudine inveterata a collezionare notizie in effetti polypeiriacutea

(sostantivo) polyacutepeiros (aggettivo) eacute in greco strettamente sinonimo di historiacutea e di polymathiacuteardquo e traz dois

exemplos um de Plutarco falando de Solon que em juventude viajara para o Oriente natildeo para comeacutercio ou para se

enriquecer mas para ldquomultiplicar a experiecircncia e a investigaccedilatildeo de conhecimento (polypeiriacuteas heacuteneka kaigrave

historiacuteas) A outra em Platatildeo (Leg 7 811 a-b) onde ele criticando a praxe escolar de memorizar

indiscriminadamente define esta falsa cultura de polypeiriacutea e polymatia Cerri afinal interpreta que a exortaccedilatildeo a

se manter afastados desse caminho coincide com uma criacutetica (de sabor muito heraclitiano) contra aqueles ldquosapientirdquo

que foram desviados pela polymatiacutea Mais adiante (p 217) comentando o verso 4 ele diz ldquoA metaacutefora do olhar

cego e do ouvido surdo eacute retomada aqui como imagem da impotecircncia intelectual dos saberes tradicionais

imiscuidos nas aparecircncias da multiplicidade errantes no caminho do natildeo eacuterdquo Por um lado Cerri afirma que

Parmecircnides se refere aos ldquosaacutebiosrdquo que usavam de polimathiacutea (E quem seriam esses saacutebios Talvez aqueles que

Heraacuteclito criticava pelos mesmos motivos Estaria Cerri confundindo Parmecircnides com Heraacuteclito) e por outro lado

afirma que se trata de uma criacutetica aos saberes tradicionais Ora a natildeo ser que se considerem ldquosaberes tradicionaisrdquo

85

observaccedilatildeo a respeito da formaccedilatildeo da maneira de pensar algo que noacutes chamamos forma mentis115

A maneira de pensar costumeira dos mortais eacute aprendida Esta aprendizagem eacute obtida pela

repeticcedilatildeo os mortais repetem muitas vezes aquele tipo de maneira de pensar ateacute que se torne

haacutebito Parmecircnides descreve o processo cultural de configuraccedilatildeo da forma mentis dos povos (φῦλα

fr 67) Que a maneira de pensar fosse algo relativo a cada cultura era fato conhecido Temos um

exemplo muito claro em Xenoacutefanes quando diz

ldquoMas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados

que como eles se vestem e tecircm voz e corpordquo

e

ldquoOs egiacutepcios dizem que os deuses tecircm nariz chato e satildeo negros

os traacutecios que eles tecircm olhos verdes e cabelos ruivosrdquo

Aqui Xenoacutefanes diz que os mortais tecircm sua proacutepria maneira de pensar (neste caso a respeito dos

deuses) e que cada povo tem suas crenccedilas Assim o processo cultural de aprendizagem com

diferenccedilas em cada cultura era conhecido e Xenoacutefanes mostra quais eram essas diferenccedilas

as noviacutessimas pesquisas dos jocircnicos e dos itaacutelicos o alvo recai sobre as antigas histoacuterias natildeo soacute as homeacutericas mas

como se percebe pelas criacuteticas de Xenoacutefanes tambeacutem sobre as mitologias locais em geral No entanto Parmecircnides

faz uma criacutetica mais radical porque o ἔθος πολύπειρον natildeo se refere ao comportamento de uma pessoa mas de

uma maneira de pensar isto eacute haacute uma generalizaccedilatildeo que vai muito aleacutem da criacutetica de Heraacuteclito agrave polymathiacutea

Nas citaccedilotildees platocircnicas (Leg 811a-b e 819a) polymathiacutea e polypeiriacutea natildeo tecircm uma conotaccedilatildeo negativa pelo

sentido comum das duas palavras eacute Platatildeo que critica esse tipo de aprendizagem quando ela estaacute unida a uma maacute

conduccedilatildeo (κακῆς ἀγωγῆς) Por outro lado Parmecircnides estaacute se referindo ao ἔθος πολύπειρον (e natildeo agrave πολυπειρία)

daqueles que trilham a ὁδός διζήσιος da qual a deusa recomenda afastamento ou seja se refere aos βροτοὶ Ademais

Cerri natildeo cita Tuciacutedides numa eacutepoca muito mais proacutexima de Parmecircnides para o qual πολυπειρία significa tatildeo

somente muito experiente (δι ὅπερ καὶ τὰ τῶν Ἀθηναίων 17141 ἀπὸ τῆς πολυπειρίας ἐπὶ πλέον ὑμῶν

κεκαίνωται) tambeacutem em Aristoacutefanes Lis 1109 significa tatildeo somente muito experiente (Χαῖρ ὦ πασῶν

ἀνδρειοτάτη δεῖ δὴ νυνί σε γενέσθαι δεινὴν ltμαλακήνgt ἀγαθὴν φαύλην σεμνὴν ἀγανήν πολύπειρον) 115Barnes capta a questatildeo da forma mentis mas aparentemente de forma curiosa e involuntaacuteria pois a aplica de um

jeito singular Ele acha que os versos 3-6 longe de constituirem um argumento ceacutetico contra os sentidos satildeo um

alerta ao puacuteblico para natildeo recorrer aos sentidos para julgar as suas teses ldquoParmenides diz nada mais que isto Se

vocecirc pensa que meu argumento estaacute errado entatildeo prove [com a razatildeo ndt] que estaacute errado natildeo recaia na preguiccedila

do senso comumrdquo (1982 p 298) Na opiniatildeo de Barnes Parmecircnides pede que a razatildeo seja aplicada somente

contra o argumento dele e natildeo em todo o caminho de pesquisa

86

descrevendo-as e criticando-as Mas seu disciacutepulo Parmecircnides vai aleacutem pois ele diz como uma

maneira de pensar pode configurar uma cultura e como uma cultura pode configurar uma maneira

de pensar De fato o haacutebito multiexperiente de pensar eacute uma configuraccedilatildeo cultural do pensar eacute a

maneira de pensar aprendida pela repeticcedilatildeo numa certa imersatildeo cultural Ao mesmo tempo esta

maneira de pensar originada por uma certa cultura pode forccedilar todos os pensamentos naquele rumo

do pensar constrangendo aqueles pensamentos dentro da maneira de pensar daquela cultura afinal

reproduzindo aquela cultura Assim Parmecircnides explicando como funciona o processo de

aprendizagem faz uma criacutetica severa contra a maneira tradicional de pensar aquela que se reproduz

pela repeticcedilatildeo forccedilando os pensamentos (as operaccedilotildees cognitivas) a permanecer sobre seu proacuteprio

caminho (a cultura tradicional) do pensar Isto significa que aleacutem da criacutetica cultural agrave maneira de

pensar tradicional haacute tambeacutem uma criacutetica agrave educaccedilatildeo e afinal agrave maneira especiacutefica (aquela da

investigaccedilatildeo) de pensar da tradiccedilatildeo

Muitos estudiosos querem ver essas criacuteticas como dirigidas a uma ou outra escola de

pensamento a algum pensador ou outro Mas os outros pensadores e suas escolas (Jocircnicos e

Pitagoacutericos) eram recentes e proacuteximos no tempo a Parmecircnides de forma que natildeo podem justificar

a expressatildeo ἔθος πολύπειρον o haacutebito multiexperiente Natildeo haacute outra opccedilatildeo em nenhum outro lugar

o alvo de Parmecircnides eacute o pensamento tradicional aquele pensamento que noacutes chamamos de

pensamento miacutetico116 Apesar do fato de ser uma deusa que diz isto a criacutetica de Parmecircnides se

116Uma criacutetica similar eacute feita por Heraacuteclito no fragmento DK 21 B 40 ldquoMuita instruccedilatildeo natildeo ensina a ter inteligecircncia

pois teria ensinado Hesiacuteodo e Pitaacutegoras Xenoacutefanes e Hecateu (πολυμαθίη νόον ἔχειν οὐ διδάσκει Ἡσίοδον γὰρ ἂν

ἐδίδαξε καὶ Πυθαγόρην αὖτίς τε Ξενοφάνεά τε καὶ Ἑκαταῖον)rdquo (Trad Cavalcante de Souza p 79) Mas a criacutetica

de Heraacuteclito natildeo eacute contra uma maneira de pensar tanto eacute verdade que junta poetas tradicionais e natildeo tradicionais

(Hesiacuteodo e Xenoacutefanes) e personalidades tatildeo diferentes quanto Pitaacutegoras um pesquisador de ambiente miacutestico e

Hecateu um pesquisador de ambiente pragmaacutetico como o eacute aquele de um geoacutegrafo De forma que Heraacuteclito estaacute

87

dirige agrave maneira tradicional de pensar ndash e natildeo haacute outro candidato a natildeo ser o pensamento miacutetico

na verdade o pensamento religioso pois noacutes chamamos mito o que para eles era religiatildeo ndash a qual

constrange os pensamentos (as operaccedilotildees cognitivas) por caminhos errantes (πλακτὸν νόον fr

66)

3263 Visatildeo audiccedilatildeo e liacutengua os versos 4 e 5

νωμᾶν ἄσκοπον ὄμμα καὶ ἠχήεσσαν ἀκουήν καὶ γλῶσσαν ldquoO haacutebito multiexperiente por esta

via natildeo te force exercer (νωμᾶν) sem visatildeo um olho (ἄσκοπον ὄμμα) e ressoante um ouvido

(ἠχήεσσαν ἀκουήν) e a liacutengua (γλῶσσαν)117 Mais uma vez Parmecircnides usa periacutefrases para explicar

sua visatildeo Se noacutes nos restringimos ao ponto de vista epistemoloacutegico aqui podemos ver apenas uma

metaacutefora de uma cogniccedilatildeo confusa e imprecisa Mas jaacute vimos a sensibilidade do eleata para a

observaccedilatildeo psicoloacutegica logo numa tal descriccedilatildeo das funccedilotildees psiacutequicas como haacutebito

multiexperiente eacute menos provaacutevel a introduccedilatildeo de uma metaacutefora e mais provaacutevel uma articulaccedilatildeo

com maiores detalhes da preacutevia descriccedilatildeo psicoloacutegica Como vimos no fragmento 6 os sentidos

imprecisos se referem a processos mentais e satildeo aqueles que natildeo possuem um certo recurso Assim

mesmo criticando a polymathiacutea isto eacute a erudiccedilatildeo seja ela tradicional ou natildeo Mas quando Heraacuteclito critica a

tradiccedilatildeo o faz a seu modo como por exemplo no fragmento DK 21 B 5 14 e 15 criticando genericamente uma

atitude cultural e natildeo atitudes de indiviacuteduos especiacuteficos Isto depotildee a favor da interpretaccedilatildeo cultural da passagem

em pauta de Parmecircnides o qual tem em comum com seus colegas (Heraacuteclito Xenoacutefanes e os demais naturalistas)

essa criacutetica ao pensamento miacutetico (religiatildeo tradicional) que ele desenvolve de maneira especiacutefica com uma criacutetica

ao comportamento mental 117Mais genericamente a criacutetica da segunda metade do seacuteculo passado em diante abandonou a interpretaccedilatildeo de uma

prevenccedilatildeo parmenidiana contra os sentidos e abraccedilou a ideia de uma advertecircncia contra mau uso dos sentidos A

grande maioria da criacutetica mais recente interpreta dessa segunda maneira embora tendo de escapar da sugestatildeo errada

do proacuteprio LSJ o qual no verbete νόημα traduz ldquoin Philos thought concept opp sensation sense-presentation

Parm 834 etcrdquo Com essa definiccedilatildeo para νόημα como tendo uma acepccedilatildeo de pensamento em oposiccedilatildeo a

sensaccedilatildeo a sugestatildeo de uma oposiccedilatildeo entre o νόημα de 72 e a descriccedilatildeo do papel sentidos nos versos 73-5 eacute ainda

mais forte

88

por exemplo um olho que natildeo vecirc eacute um olho que natildeo faz conexotildees mentais (operaccedilotildees cognitivas)

entre imagens que vecircm dos olhos fiacutesicos De novo as palavras de Xenoacutefanes podem nos ajudar

Ele diz ldquoMas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados que como eles se vestem e tecircm voz

e corpordquo onde isto significa eles natildeo percebem (natildeo veem) que se eles fossem gerados vestissem

roupas humanas e tivessem voz e corpo eles natildeo seriam deuses eles seriam humanos com todas

as consequecircncias aporeacuteticas que esta visatildeo implica O mesmo pode ser dito a respeito de outros

fragmentos de Xenoacutefanes pois Xenoacutefanes vecirc que cada povo cria seus deuses segundo sua proacutepria

imagem Em outras palavras um olho que natildeo vecirc eacute uma visatildeo que natildeo entende (natildeo conexiona) as

imagens que vecircm da realidade O mesmo pode ser dito do ouvido quando discursos ou histoacuterias

ou simples contos mesmo cheios de contradiccedilotildees satildeo capazes de persuadir quem tem um ouvido

ressoante (confuso) Assim o sentido aqui natildeo eacute metafoacuterico mas a descriccedilatildeo de um

comportamento mental neste caso especial a descriccedilatildeo de operaccedilotildees cognitivas

3264 Julgar pela fala os versos 5 e 6

κρῖναι δὲ λόγωι πολύδηριν ἔλεγχον ἐξ ἐμέθεν ῥηθέντα Todos os criacuteticos 118 traduzem

aproximadamente nesse teor ldquojulgue pela razatildeo a controversa tese por mim expostardquo Eacute

considerado um dos pontos altos do poema ao menos desde Plotino apesar das muitas dificuldades

histoacutericas de vir a acontecer uma estreia tatildeo eacuteclatant de uma palavra λόγος que teraacute uma fortuna

118Quase todos os criacuteticos traduzem ldquojulgue pela razatildeordquo ou com o equivalente ldquopelo argumentordquo A exceccedilatildeo se deve

aos pouquiacutessimos autores que consideram Parmecircnides uma figura de tipo xamacircnico e portanto para eles a razatildeo

natildeo eacute metro de juiacutezo da verdade No entanto ateacute mesmo Kingsley que defende exatamente essa interpretaccedilatildeo de

Parmecircnides mesmo traduzindo pela fala natildeo escapa de interpretar pela construccedilatildeo comum propondo afinal umas

alteraccedilotildees (ilegiacutetimas ele propotildee λόγου genitivo por λόγωι dativo) no texto grego segundo ele corrupto e

chegando ao seguinte resultado ldquobut judge in favor of the highly contentious demonstration of the truth contained

in the words as spoken by merdquo (Kingsley 2003 p 136-140)

89

sem iguais na histoacuteria futura da filosofia Eu proacuteprio aceitei essa traduccedilatildeo ao longo dos anos de

estudo do eleatismo pois como poderia enfrentar uma unanimidade entre os criacuteticos tatildeo coesa

Entretanto a linha das pesquisas dos uacuteltimos 50 anos tende a retirar do poema aquela paacutetina de

incrustaccedilatildeo platoniacutestica que recobre o poema e que foi depositada ao longo de mais de dois

milecircnios Esse trabalho de restauraccedilatildeo do poema vem sendo desenvolvido lentamente e quem se

propotildee a isto sabe da dificuldade de julgar se certa nuance eacute uma incrustaccedilatildeo do tempo ou pertence

agrave paleta parmenidiana Eu tambeacutem trabalhando nesse time me vi cerceado de duacutevidas ao

reinterpretar o emblemaacutetico ldquocoraccedilatildeo intreacutepido da verdade bem redondardquo com um muito mais

prosaico ldquoa mente firme da verdade bem conexardquo (Galgano 2012) Entatildeo natildeo eacute sem temor que

aceito e levo adiante uma interpretaccedilatildeo deveras mais prosaica de um colega estado-unidense

Christopher Kurfess que propotildee uma leitura ndash a meu ver ndash muito mais parmenidiana muito mais

pre-socraacutetica (aderente agrave eacutepoca) muito mais razoaacutevel dessa passagem A traduccedilatildeo de Kurfess eacute

assim ldquo

ldquoEssa leitura difusa que toma as palavras κρῖναι δὲ λόγῳ como um repuacutedio dos sentidos e

um comando para julgar pela razatildeo ou pelo argumento (racional) geralmente sem que se perceba

parece estar seguindo a direccedilatildeo da fonte estoacuteica (para a qual logos significava razatildeo [] Natildeo

somente a traduccedilatildeo de logos com razatildeo ou argumento eacute suspeita como tambeacutem a construccedilatildeo de

κρῖναι como um imperativo eacute tambeacutem problemaacutetico quando eacute lido no contexto da passagem como

um todo (como a citaccedilatildeo completa de Sexto nos permite fazer) [] Numa frase que comeccedila ἀλλὰ

σὺ τῆσδrsquo ἀφrsquo ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα ldquoMas tu afasta (teu) pensamento dessa via de pesquisardquo o

forte adversativo ἀλλὰ exerceria uma influecircncia sobre o resto da frase de forma que a partiacutecula mais

fraca δέ na frase κρῖναι δὲ λόγῳ dificilmente seria percebida como adversativa especialmente pela

ausecircncia de um μέν anterior Assim os dois infinitivos satildeo complementares com βιάσθω Isto altera

consideravelmente o sentido do todo

Mas tu afasta o pensamento desse caminho de pesquisa

e natildeo deixe que o haacutebito multiexperiente te force sobre este caminho

a exercer um olho sem alvo e um ouvido que ecoa

e a liacutengua e a julgar pela fala controverso o elenchos

90

por mim exposto

Nessa construccedilatildeo alternativa δὲ eacute conectivo κρῖναι um infinitivo complementar e com o

dativo λόγῳ ldquopela falardquo Parmecircnides natildeo estaacute fazendo uma afirmaccedilatildeo monumental marcando o

advento do discurso racional na histoacuteria humana mas a mais modesta (embora curiosa)

reivindicaccedilatildeo de que ao longo desse caminho assim como se deveria ser cauteloso em relaccedilatildeo

agravequilo que os sentidos podem apresentar (embora noacutes normalmente dependemos deles) assim

tambeacutem a fala (como eacute usada normalmente) natildeo seraacute instrumento totalmente confiaacutevel para a

compreensatildeo do ensinamento que a deusa iraacute oferecer Uma troca adicional nessa leitura eacute que

πολύδηριν agora eacute entendido como predicado acusativo A deusa natildeo estaacute dizendo que seu elenchos

eacute ldquocontroversordquo mas alertando o jovem contra julgaacute-lo assim devido agrave aplicaccedilatildeo errada do haacutebito

linguiacutestico Isto eacute o elenchos pode parecer controverso agravequeles muito preocupados com a maneira

de expressatildeo mas pela perspectiva que a deusa estaacute revelando isto seria um erro Lidas assim

estas linhas se tornam a primeira de vaacuterias passagens no poema onde a deusa aponta a natureza

potencialmente enganadora da fala dos mortais e da sua atitude a dar nomes119

119 Eis a passagem original por inteiro (Kurfess 2012 p 76-77) ldquoThis widespread reading which takes the words

κρῖναι δὲ λόγῳ as a repudiation of the senses and a command to judge by reason or (rational) argument appears to

be generally without appreciating the fact following the lead of the Stoic source (for whom logos did mean

ldquoreasonrdquo and much else besides) While the anachronistic understanding of logos is a major component of that

reading the influence of the Stoic source on how these lines have been read extends further Not only is translating

logos as ldquoreasonrdquo or ldquoargumentrdquo suspect but the construal of κρῖναι as an imperative is also problematic once it is

read (as Sextusrsquo fuller quotation allows us to do) in the context of the passage as a whole The Stoic source intends

for us of course to understand κρῖναι as an imperative (and such a construal led presumably to the form κρίνε

preserved in Sextus) but it seems as though he manages this by carefully selective quotation

Because the two portions of text cited by the source have generally in the scholarship of the last century or so

been thought to come from different places in the poem it has gone unnoticed or else been thought unremarkable

that compared to the proem as Sextus quotes it in full the Stoic source omits line 31 I think that the omission is

indeed remarkable and that the line was intentionally omitted because it was inconvenient for the Stoic reading of

the lines that follow In a sentence that has begun ἀλλὰ σὺ τῆσδrsquo ἀφrsquo ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημα ldquoBut do you bar

(your) thought from this way of seekingrdquo the strong adversative ἀλλά is going to exercise an influence over the

remainder of the sentence such that the weaker particle δέ in the phrase κρῖναι δὲ λόγῳ is unlikely to be felt as

adversative especially in the absence of any preceding μέν It reads instead as a connective particle making the

infinitive κρῖναι parallel with νωμᾶν in the preceding line Both infinitives are thus complementary with βιάσθω

This alters the sense of the whole considerably We now understand the lines as follows

But do you bar thought from this way of seeking

And let not habit of much experience force you along this way

To ply an aimless eye and echoing hearing

And tongue and to judge by means of speech the elenchos

Spoken by me (to be) much-contending

On this alternative construal δὲ is connective κρῖναι a complementary infinitive and with the dative λόγῳ ldquoby

speechrdquo Parmenides is not making a monumental statement marking the advent of rational discourse into human

91

Essa traduccedilatildeo ldquonatildeo deixe que o haacutebito multiexperiente te force [] a julgar pela fala

controverso o elenchos120 por mim expostordquo me parece muito mais natural e fiel ao espiacuterito natildeo soacute

da eacutepoca e da mentalidade desses pensadores mas tambeacutem ao proacuteprio espiacuterito do texto Eu penso

embora Kurfess considere curioso o alerta de Parmecircnides que a deusa apresente um poderoso

argumento contra a retoacuterica dos discursos e natildeo soacute da retoacuterica culta ndash isto eacute agravequela referida ao

direito e agrave poliacutetica (Parmecircnides foi um poliacutetico bem-sucedido de uma polis eunocircmica121) ndash mas

tambeacutem da retoacuterica dos discursos sobre as estruturas e funccedilotildees do mundo (os mitos) aquela retoacuterica

consagrada pela tradiccedilatildeo de cadenciar e por que natildeo utilizar modelos formulares para ver o

mundo (weltanschaung) Diante da antiga cosmovisatildeo as novas tendecircncias culturais

principalmente as teoacutericas satildeo apenas teses controversas A deusa convida a natildeo considerar os

novos discursos como controversos de antematildeo exorta a deixar de lado os preconceitos e afinal

a examinar os argumentos (as falas) com cuidado

Esta interpretaccedilatildeo da letra do fragmento 7 natildeo altera o sentido geral da criacutetica de Parmecircnides

history but the more modest (though curious) claim that just as one should be wary along this way of what the

senses may present (though we regularly do depend upon them) so too speech (as regularly employed) is not going

to be a fully reliable instrument for comprehending the teaching which the goddess has to impart An additional

grammatical shift in this reading is that πολύδηριν is now understood as a predicate accusative The goddess is thus

not claiming that her elenchos is ldquomuch-contestingrdquo but warning the youth against judging it to be so due to a

mistaken application of linguistic habit That is while the elenchos might appear contentious to those too

preoccupied with the way it is expressed from the perspective that the goddess is revealing that would be an error

Read thus these lines become the first of a number of places in the poem where the goddess points out the

potentially deceptive nature of mortal speech and naming 120 Esta palavra eacute objeto de muitas e diferentes interpretaccedilotildees Aqui na busca de um vocabulaacuterio psicoloacutegico natildeo eacute

necessaacuterio se aprofundar mas resta o fato de que o sentido homeacuterico originaacuterio (reproche desgracie dissonou

LSJ) jaacute resulta alterado na eacutepoca de Parmecircnides O proacuteprio LSJ oferece esta passagem de Parmecircnides como

exemplo para o sentido de ldquoargumente off disporatildeo o refutativordquo No entanto este eacute o sentido utilizado em Platatildeo

em referecircncia agrave metodologia de Soacutecrates muitas deacutecadas depois Na literatura contemporacircnea a Parmecircnides com

raras exceccedilotildees o sentido principal eacute de teste ou prova Veja-se a respeito o oacutetimo estudo de Lester (1984) e com

metodologia similar mas com resultados diferentes Hurley (1989) 121Sobre a encomia de Eleacuteia e a nomothetia de Parmecircnides ver Mele 2005 e Mele 2006

92

ao saber tradicional mas ao mesmo tempo natildeo precisa recorrer ao anacronismo de uma invenccedilatildeo

ex novo e estrepitoso da razatildeo como criteacuterio epistecircmico absoluto Voltaremos a este assunto no

proacuteximo capiacutetulo quando esses temas seratildeo revistos agrave luz da proposta parmenidiana da oposiccedilatildeo

radical entre ser e natildeo ser e laacute veremos algo das novas problemaacuteticas que podem surgir desta

traduccedilatildeo

33 Resumo e conclusatildeo da primeira parte

Nesta parte de nossa investigaccedilatildeo escolhemos restringir o foco sobre aspectos psicoloacutegicos

do poema de Parmecircnides tentando evidenciar a habilidade do autor enquanto observador do

comportamento da mente humana Como instrumento primaacuterio de nossa averiguaccedilatildeo utilizamos

um sentido muito especial do verbo νοεῖν e dos seus cognatos extraiacutedo das proacuteprias qualificaccedilotildees

atribuiacutedas por Parmecircnides numa noccedilatildeo entre pensar que julgamos um conceito de abrangecircncia

grande demais e conhecer que julgamos um conceito ao mesmo tempo restrito demais na

medida em que se refere apenas a certo tipo de pensar aquele pensar direcionado ao conhecimento

especiacutefico de um objeto (mas como vimos para Parmecircnides o caminho do pensamento implica

tambeacutem saber ouvir ver se livrar de preconceitos isto eacute analisar com cuidado os argumentos)

e ao mesmo tempo excessivo por incluir todos os aspectos do conhecimento (um sujeito que

conhece um meio cognitivo e o resultado deste processo o conhecido) Ambos satildeo os mais usados

pelos estudiosos no caso do poema de Parmecircnides O termo escolhido foi operar cognitivamente

porque embora seja fortemente teacutecnico pode representar muito bem um filtro tanto para as

ambiguidades de pensar e conhecer quanto para a tentaccedilatildeo de ampliar a discussatildeo para os campos

epistemoloacutegicos ou filosoacutefico fora de tema nesta anaacutelise

Como resultados provisoacuterios nesta primeira parte da anaacutelise do poema do ponto de vista

93

psicoloacutegico podemos resumir o que segue

No fragmento 1 Parmecircnides descreve com linguagem que vem das sensaccedilotildees corporais a

experiecircncia da certeza e da duacutevida introduzindo o conceito de persuasatildeo como estagio

intermediaacuterio entre quem conhece e o que eacute conhecido a esta parte intermediaacuteria podemos chamar

de mente que tem seu proacuteprio modo de funcionar e pode ser persuadida tanto pela persuasatildeo

verdadeira quanto pela persuasatildeo natildeo verdadeira

No fragmento 2 Parmecircnides expotildee sua reflexatildeo sobre os caminhos do pensar A discussatildeo

completa desta reflexatildeo seraacute proposta no proacuteximo capiacutetulo e portanto aqui aproveitamos esse

fragmento apenas para a definiccedilatildeo da noccedilatildeo de voein aquela operaccedilatildeo da mente destinada agrave

cogniccedilatildeo que Parmecircnides iraacute utilizar ao longo do poema

No fragmento 6 Parmecircnides examina os dois caminhos de investigaccedilatildeo assim como satildeo

aplicados no mundo comum e faz uma distinccedilatildeo entre a psicologia comum e a maneira de operar

do homem saacutebio instruiacutedo pela deusa A diferenccedila consiste no uso de um recurso que os mortais

natildeo possuem Por esta razatildeo os mortais acreditam que ser e natildeo ser satildeo o mesmo e natildeo o mesmo

enquanto o homem com o recurso sabe (pelo recurso) que eles satildeo radicalmente opostos Assim o

homem com o recurso segue o caminho verdadeiro enquanto os mortais cuja mente se comporta

como se fosse surda e cega inventam caminhos de direccedilotildees reversiacuteveis

No fragmento 7 Parmecircnides aprofunda a anaacutelise antes de tudo faz a primeira enunciaccedilatildeo do

Preceito da Deusa a oposiccedilatildeo absoluta entre ser e natildeo ser Depois explica que haacute um haacutebito

experimentado muitas vezes que configura a mente comum e o homem com o recurso natildeo deveria

ser forccedilado a esta configuraccedilatildeo mental Enquanto observa o comportamento da mente social

Parmecircnides percebe que o recurso (o Preceito da Deusa) eacute algo que sai do entendimento comum

numa criacutetica clara ao pensamento religioso Por isso a deusa alerta o disciacutepulo a tomar cuidado com

94

o exerciacutecio dos sentidos (visatildeo audiccedilatildeo e liacutengua) e tambeacutem tomar cuidado com a retoacuterica dos

discursos comuns pois o haacutebito mental tende a aprovar e reprovar discursos por preconceitos o

kouros deve evitar ser forccedilado a pensar (operar cognitivamente) pelo preconceito122

Tanto o fragmento 4 quanto os restantes fragmentos do poema que apresentam um

vocabulaacuterio psicoloacutegico seratildeo abordados depois da anaacutelise completa do fragmento 2 De fato o

esclarecimento da reflexatildeo exposta no fragmento 2 poderaacute elucidar noccedilotildees principalmente do

fragmento 8 que sem aquele esclarecimento preacutevio permaneceria criacutepticas e obscuras Assim a

anaacutelise do vocabulaacuterio psicoloacutegico seraacute prosseguida e completada numa segunda parte apoacutes a

exposiccedilatildeo do meacutetodo parmenidiano para distinguir a persuasatildeo verdadeira da falsa

122 Em estudos muito recentes se tende a rearranjar os fragmentos do poema de forma radical Uma das tentativas estaacute

sendo levada adiante por Cordero e implica que alguns fragmentos que pela ordenaccedilatildeo Diels-Kranz pertencem agrave

segunda parte do poema sejam deslocados para a primeira parte Em artigo de 2013 Cordero afirma que esta

separaccedilatildeo do poema em duas partes eacute prejuiacutezo interpretativo traacutegico Em resumo embora Parmecircnides fale de dois

assuntos o discurso verdadeiro e as opiniotildees dos mortais isto natildeo quer dizer que a estes dois assuntos

correspondam duas partes no poema Principalmente dos fragmentos de 9 a 19 somente o 9 o 12 e o 19

pertenceriam agrave doxa de forma que os outros (os fragmentos 10 11 13 14 15 16 17 18) teriam que ser deslocados

para antes do fragmento 8 ldquoNo dudo em colocar esse conjunto em la via de la verdad antes del fragmento 7 como

explicacion del poleacutemico conjunto de pruebas (πολύδηριν ἔλεγχον) que la diosa dice haber ya expuesto (ῥηθέντα)rdquo

(2013 p 25)

A nossa interpretaccedilatildeo do fragmento 7 junto com a releitura oferecida por Kurfess parecem caminhar em favor

da hipoacutetese de Cordero onde a exposiccedilatildeo de saberes cosmoloacutegicos novos ndash por exemplo o fato de que a luz da lua

seja um reflexo da luz do sol ndash tecircm que superar o obstaacuteculo dos prejuiacutezos do conhecimento (religioso) tradicional

95

4 O MEacuteTODO

41 Introduccedilatildeo

Parmecircnides foi um observador do comportamento da mente e haacute em suas palavras

distinccedilotildees entre dois tipos de comportamento mental Nitidamente ele distingue entre um

comportamento mental insuficiente para os fins da pesquisa atribuiacutedo aos mortais e um

comportamento mental que inclui uma μηχανή a qual permite um percurso persuasivo de

pensamentos natildeo segundo a persuasatildeo natildeo confiaacutevel mas segundo aquela que deixa a mente firme

(129) ou seja sem as oscilaccedilotildees da duacutevida entre o sim e o natildeo Onde ele observou este segundo

tipo de comportamento E de que maneira o observou A resposta agrave primeira pergunta natildeo eacute difiacutecil

Parmecircnides observou este comportamento da mente nele mesmo123 A suporte dessa afirmaccedilatildeo

podemos alegar duas evidecircncias a primeira eacute que Parmecircnides fala claramente de ldquocaminhos de

pesquisa ao pensarrdquo isto eacute fala do pensamento em accedilatildeo e em princiacutepio soacute eacute possiacutevel observar

diretamente o pensar em accedilatildeo apenas na proacutepria mente jaacute que do pensar em accedilatildeo de outros se pode

conhecer soacute o relato a segunda eacute que na cultura grega anterior a Parmecircnides jaacute existia um terreno

propiacutecio para a auto-observaccedilatildeo fundado na ideia do ldquoconheccedila-te a ti mesmordquo 124 e que se

123 Haacute uma longa discussatildeo a respeito da presenccedila do individualismo na cultura e na primeira filosofia grega

Especialmente em referecircncia ao nosso assunto a possibilidade do conhecer epistecircmico os criacuteticos anteriores ao

seacuteculo XX sentiram a influecircncia de John Locke o qual afirma que o conhecimento de si proacuteprio surgiu muito depois

do conhecimento do mundo Tal afirmaccedilatildeo foi contestada duramente por Joeumll em 1903 (Der Ursprung der

Naturphilosophie aus dem Geiste der Mystik) mas antes dele jaacute existiam as vigorosas visotildees de Nietzsche no Die

Philosophie im tragischen Zeitalter der Grieschen (1873-80) Veja-se a respeito a excelente nota de Mondolfo em

Zeller (1950 p 27-98) sobre esse debate na primeira metade do seacuteculo XX Jaacute na segunda metade do seacuteculo XX e

depois a discussatildeo parece ter perdido focirclego 124 Platatildeo no Protaacutegoras (343a) ressalta que todos conheciam estas sentenccedilas (γράψαντες ταῦτα ἃ δὴ πάντες ὑμνοῦσιν

96

explicitaria em seu aspecto psicoloacutegico na exuberacircncia do ἐδιζησάμην ἐμεωυτόν (fr DK 101) de

Heraacuteclito125

A observaccedilatildeo do comportamento da proacutepria mente eacute um fato oacutebvio para quem estuda

psicologia e eacute notoacuterio que os grandes psicoacutelogos pesquisaram inexoravelmente suas proacuteprias

mentes e aqui cito apenas a auto-anaacutelise que Freud realizou rumo agrave descoberta do inconsciente126

como emblema dos esforccedilos da pesquisa psicoloacutegica desde o seacuteculo XIX ateacute hoje Eacute quase natural

que quem observa o comportamento da mente alheia seja levado a observar o comportamento da

sua proacutepria e eacute razoaacutevel aceitar que tambeacutem Parmecircnides que observou o comportamento da mente

em outros (como se vecirc nos fragmentos 6 e 7) o observou tambeacutem em si proacuteprio o que eacute mais

difiacutecil de determinar eacute de que maneira ele o observou em relaccedilatildeo aos caminhos de pesquisas e

como procedeu agrave compreensatildeo da observaccedilatildeo

A proposta deste primeiro paraacutegrafo do capiacutetulo eacute tentar evidenciar que tipo de observaccedilatildeo e

auto-observaccedilatildeo levou Parmecircnides a encontrar e expor um meacutetodo do pensar para o caminho de

pesquisa que afinal se mostraraacute uma das colunas de sustentaccedilatildeo da nossa cultura ocidental de sua

eacutepoca em diante ateacute hoje Como jaacute foi especificado nosso foco principal eacute o natildeo ser e eacute visando

ltΓνῶθι σαυτόνgt καὶ ltΜηδὲν ἄγανgt) Embora o ldquoconheccedila-te a ti mesmordquo se referisse ao conhecimento das proacuteprias

tendecircncias comportamentais (de forma a temperaacute-las como nos diz Platatildeo em Charmides 164d) a sugestatildeo natildeo

podia natildeo excitar em sentido introspectivo as mentes investigativas desses primeiros filoacutesofos (ver nota 3) 125 Heraacuteclito em sua investigaccedilatildeo alcanccedila dimensotildees abismais exatamente no acircmbito psicoloacutegico da introspecccedilatildeo pois

no fr DK 45 diz ldquoψυχῆς πείρατα ἰὼν οὐκ ἂν ἐξεύροιο πᾶσαν ἐπιπορευόμενος ὁδόν οὕτω βαθὺν λόγον ἔχειrdquo

(ldquoLimites de alma natildeo encontrarias todo caminho percorrendo tatildeo profundo logos ela temrdquo trad Cavalcante de

Souza 1978) Sassi remarca ldquoEnquanto a maacutexima deacutelfica (Γνῶθι σαυτόν nda) convidava o homem a reconhecer

os proacuteprios limites Heraacuteclito extrai de sua investigaccedilatildeo uma consequecircncia muito diferente o reconhecimento de

uma profundidade ateacute mesmo insondaacutevel da dimensatildeo interiorrdquo (Sassi 2009 p 171) 126 Freud fala de sua auto-anaacutelise em muitas passagens de suas obras veja-se por exemplo ldquoA interpretaccedilatildeo dos

sonhosrdquo de 1900

97

essa noccedilatildeo que levaremos adiante nossa leitura logo a pergunta se propotildee quase que por si que

comportamento da mente Parmecircnides observou que o levou agrave noccedilatildeo ineacutedita ateacute entatildeo de natildeo ser

Esse tema estaacute tratado no fragmento 2 e eacute a ele que nos dedicaremos cuidadosamente nas proacuteximas

paacuteginas

42 A exposiccedilatildeo do meacutetodo o natildeo ser em parmecircnides

421 Anaacutelise do fragmento DK 2

A primeira menccedilatildeo ao lsquonatildeo serrsquo no poema segundo a ordenccedilatildeo de Diels-Kranz eacute no

fragmento 2127 Eis o fragmento na ediccedilatildeo de Diels-Kranz com a traduccedilatildeo de Cavalcante de

Souza128

εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας

αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι

τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν

οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

οὔτε φράσαις

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

127Esta posiccedilatildeo no poema eacute aquela estabelecida por Diels e eacute seguida pela maioria dos criacuteticos Embora em relaccedilatildeo a

sua anterioridade sobre os fr 3 4 5 6 7 natildeo haja razotildees claras mas somente conjecturas mais ou menos provaacuteveis

certamente eacute anterior ao fr 8 porque neste a deusa declara que a diferenciaccedilatildeo das duas vias e o abandono de uma

jaacute fora feito antes Para a tese defendida aqui esta posiccedilatildeo eacute aceitaacutevel Entre os que ordenam de forma diferente

Coxon (2009) Couloubaritsis (2008) Santoro (2011) Recentemente a ordenaccedilatildeo dos fragmentos estaacute sendo

discutida radicalmente a partir da grande importacircncia dada agrave segunda parte do poema nos estudos da segunda

metade do seacuteculo XX 128Cavalcante de Souza (1978) p 142

98

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute natildeo ser

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute preciso natildeo ser

este entatildeo eu te digo eacute atalho de todo incriacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequumliacutevel)

nem o dirias

Esse fragmento apresenta um texto importante e por isto foi muito estudado pelos criacuteticos

Podemos dividi-lo em duas partes

a) a deusa anuncia palavras importantes e prepara o disciacutepulo agrave recepccedilatildeo

b) a deusa expotildee sua lei

Esta parte b) tambeacutem pode ser divididas em duas partes dois versos referentes ao ser e quatro

versos referentes ao natildeo ser

a) O anuacutencio da deusa

b) a deusa expotildee sua lei b1) dois versos referentes ao ser

b2) quatro versos referentes ao natildeo ser

422 O anuacutencio da deusa versos 1-2 εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας

αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

Estes primeiros dois versos foram tratados no capiacutetulo anterior e dele noacutes extraiacutemos uma

noccedilatildeo importante para a nossa anaacutelise a noccedilatildeo de que Parmecircnides utiliza para νοεῖν Para ele o

νοεῖν em jogo aqui eacute aquele que segue caminhos portanto se trata do pensar em operaccedilatildeo e natildeo em

sua noccedilatildeo estaacutetica ademais eacute o pensar que caminha pelos caminhos de pesquisa logo eacute um pensar

investigativo que quer saber que quer conhecer Atendendo a essas qualificaccedilotildees traduzimos νοεῖν

com o operar cognitivo da mente fazendo referecircncia agrave operaccedilatildeo do pensar mas restringindo o

sentido agravequelas cognitivas Evitamos desta forma tanto as ambiguidades da traduccedilatildeo de νοεῖν com

99

o termo amplo demais pensar quanto as ambiguidades e contra-sensos da traduccedilatildeo que usa o

termo conhecer complexo e sinteacutetico demais pois conhecer implica um agente cognitivo uma

operaccedilatildeo cognitiva e um objeto da cogniccedilatildeo Parmecircnides como vimos naquelas paacuteginas natildeo se

refere ao fato completo do conhecer mas apenas agraves operaccedilotildees cognitivas da mente

Devemos agora acrescentar algumas noccedilotildees que seratildeo uacuteteis a melhor enquadrar o fragmento

em questatildeo Vamos voltar ao termo νοῆσαι e completar a anaacutelise proposta no capiacutetulo anterior

Dissemos laacute que em controveacutersia alguns estudiosos o consideram passivo enquanto outros ativo

e esta uacuteltima eacute a nossa posiccedilatildeo A traduccedilatildeo de νοῆσαι como passivo eacute comum a muitos estudiosos

ndash comeccedilando por Diels-Kranz que traduz ldquowelche Wege der Forschung allein zu denken sindrdquo129

ndash mas torna pouco compreensiacutevel o resto do fragmento Entre as oacutetimas razotildees trazidas por

Mourelatos (2009 p 55 n 26) e Cordero (2005 pp 56-9) gostaria de ressaltar a dificuldade

exposta por Cordero o qual justamente afirma que a interpretaccedilatildeo passiva de νοῆσαι obriga a

pressupor um outro verbo para explicar as conjunccedilotildees declarativas do fragmento (uma vez ὅπως e

trecircs vezes ὡς) chegando a foacutermulas estranhas ao texto tais como ldquothe one ltsaysgtrdquo (Taraacuten 1965

p 32) ou ldquolun (dit)rdquo (Couloubaritsis 1990 p 370)130 Acrescento que com a forma passiva se

introduz uma questatildeo improacutepria pois se afirmaria que Parmecircnides estaria refletindo sobre o

129 Enquanto anteriormente Diels traduzia ldquowelche Wege der Forschung allein denkbar sindrdquo (Diels 1987) Traduzem

em passivo muitos importantes estudiosos ldquothe only two ways of search that can be thought ofrdquo (Burnet 1920)

ldquothat are to be thought ofrdquo (Cornford1939) ldquoconcebiblesrdquo (Jaeger 1947 em traduccedilatildeo espanhola) ldquologicamente

pensabilirdquo (Untersteiner 1979) ldquothat can be conceivedrdquo (Taraacuten 1965) e assim por diante Mais recentemente com

as devidas exceccedilotildees (exemplo ldquoque lon puisse concevoirrdquo Frere 2012) a maioria dos criacuteticos se orienta para uma

interpretaccedilatildeo ativa de νοῆσαι 130 Cordero conclui que ldquoComo respuesta a este tipo de lectura debe sentildealarse algo obvio el camino no hablardquo

(Cordero 2005 p 58)

100

pensar131 fato do qual natildeo se tem nenhum vestiacutegio no poema Parmecircnides estaacute refletindo pelo

pensar sobre o mundo (panta de 128) seguindo a temaacutetica proacutepria de sua eacutepoca de sua cultura e

de seu grupo intelectual de pertinecircncia Ele natildeo faz um discurso objetivo sobre o pensar mas

analisando o pensar faz um discurso objetivo ndash como veremos em breve ndash sobre a coerecircncia interna

dos pensamentos percebendo isto sim que a mente (o pensar) consegue aceitar ou realizar

discursos de feacute verdadeira e de feacute natildeo verdadeira sem diferenciaacute-los Ele se propotildee a distinguir

esses dois discursos e pocircr em evidecircncia como se consegue reconhecer uns e outros o que eacute um fato

que pertence agrave esfera do pensar e eacute ao pensar que se deve recorrer para realizar a distinccedilatildeo mas

isto natildeo significa que Parmecircnides tenha como objetivo estudar o pensar como alguns autores direta

ou indiretamente sugerem A metaacutefora do caminho eacute clara a este respeito ele natildeo se importa em

estudar os caminhos em si mas estuda a que lugares levam este ou aquele caminho ou dito de

outra forma que caminho tomar para se alcaccedilar o fim do discurso de feacute verdadeira O caminho eacute

apenas um meio um percurso e como tal tem que se saber aonde leva (ele estudaraacute inclusive os

sinais que estatildeo ao longo dele DK 82) mas posto que se devam conhecer as rotas seu objetivo

no estudo eacute antes de tudo natildeo se perder pelo caminho errado e sucessivamente depois de trilhado

o caminho de feacute verdadeira descrever e compreender o lugar onde chegou

131 Eacute a opiniatildeo de Couloubaritsis ldquola quecircte vise agrave penser lEon pour fonder le penser Cest pourqui dans la traduction

pour penser nous entendons [hellip] penser ce qui permet de penserrdquo (Couloubaritsis 2008 p 249-250) O eon

funda sim o pensar mas natildeo nos termos de pensar o pensar como se o pensar fosse para esses pensadores arcaicos

um objeto definido e separado a respeito do qual se devesse meditar a origem e funccedilatildeo Longe disso pensar eacute um

fenocircmeno que natildeo tem a nitidez que lhe atribuiacutemos hoje e expressotildees como ldquopenser ce qui permet de penserrdquo natildeo

fazem muito sentido para aquela eacutepoca

101

423 O primeiro caminho versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

O verso 4 O verso 3 eacute provavelmente o mais estudado de Parmecircnides merece Poreacutem

seguindo nosso percurso pelo aspecto psicoloacutegico notamos logo a presenccedila de uma palavra

marcadamente psicoloacutegica no verso 4 πειθοῦς persuasatildeo132 Diels grafa com maiuacutesculo indicando

a deusa tradicional Πειθώ Natildeo se tem esta certeza e por enquanto vamos considerar apenas o lado

natildeo sagrado ou seja os aspectos meramente estruturais e funcionais da persuasatildeo133 Embora se

haja bastante literatura sobre persuasatildeo e verdade nem sempre a ligaccedilatildeo entre as duas no contexto

parmenidiano eacute evidenciada com suficiecircncia O fato mais notaacutevel ndash e que pelo que sei natildeo foi

ressaltado ndash eacute que a aletheia de Parmecircnides aleacutem de natildeo ser a Aletheia absoluta tambeacutem natildeo eacute

uma aletheia qualquer Antes de tudo aletheia estaacute tradicionalmente associada quase que somente

132Veja-se o excelente estudo de peithein e seus cognatos em Mourelatos 2008 p 136-163 Mourelatos chega a

firmar que eacute Peitho a deusa anocircnima de Parmecircnides 133Blank numa tese fortemente maniqueiacutesta insoacutelita entre os estudiosos de Parmecircnides insiste sobre o papel dessas

figuras divinas dentro de um contexto essencialmente religioso e natildeo hesita a traduzir pistis por feacute fazendo

referecircncia a supostas disputas religiosas na eacutepoca de Parmecircnides entatildeo peitho natildeo eacute propriamente a persuasatildeo mas

a seduccedilatildeo ldquoEsti says Parmenides is the Way of true faith and although he argues for this logically he begins by

using the seductive power of persuasion and implies that those who hold the true faith will be happy while those

who do not are doomed to ignorance by their apistia rdquo (Blank 1982 p 177)

Jaacute Morgan num estudo sobre o mito nos preacute-socraacuteticos (e Platatildeo) de forma mais coerente afirma ldquoThe motifs

of conviction and persuasion pistis and peitho are to be understood primarily in epistemological rather than

religious terms although the imagery of the proem and the deployment of the above-mentioned motifs do carry

some religious resonancerdquo (Morgan 2004 p 71)

Uma outra partidaacuteria da interpretaccedilatildeo miacutestica eacute Gemelli-Marciano e algumas ideia a respeito de Peitho podem

ser encontradas em Gemelli-Marciano (2008) especialmente agraves paacuteginas 36-37

102

ao relato verdadeiro de uma testemunha ocular dos fatos134 ou agraves falas verdadeiras dos deuses135

ou dos preceitos dos poetas 136 e muito raramente associada a fatos verdadeiros Depois a

associaccedilatildeo de peitho (persuasatildeo) com aletheia respeita exatamente esse campo semacircntico de

aletheia como verdade de uma fala Mas Parmecircnides associa aletheia agrave pesquisa e ndash continua

Cherubin ndash isto sugere que ldquomesmo sem podermos ser noacutes mesmos testemunhas de algo ou onde

natildeo tivermos a possibilidade de achar uma testemunha confiaacutevel [hellip] podemos ainda assim ter

acesso ao caminho [] e este caminho eacute um caminho de inqueacuteritordquo137 com razatildeo diz Cherubin

que esta novidade eacute revolucionaacuteria138 Pelo lado da linguagem mitoloacutegica podemos ver que a deusa

134Levet (1976 p57) ldquoDe toute eacutevidence chez Homegravere le vrai se manifeste essentiellement quand il y a dialogue

[hellip] Les emplois de la plupart des motes exprimant le vrai ndash ils sont presque constamment associeacutes agrave un verbe de

deacuteclaration ndash portent agrave ce sujet un teacutemoignage irreacutefutablerdquo Cherubin acrescenta ldquoTo be able to tell aletheia requires

an awareness of the whole of what is relevant and awareness of the context of ones subjectrdquo (Cherubin 2009 p

58) 135Antes de tudo as invocaccedilotildees agraves Musas as quais na medida que inspiram o canto satildeo a garantia da verdade dos

relatos dos poemas Para Cherubin esse relato da origem eacute garantia da narraccedilatildeo do presente ldquoIn Pindar and in

Hesiods account of the Muses awareness of the origins of things (of the cosmos of a city of a family) is a requisite

for presenting currente events properly in ones poem (Cherubin 2009 p 58) 136Hesiodo Obras e dias 765-8 818 824 Citado por Detienne que diz ldquoDessa vez se trata de uma ldquoVerdaderdquo que se

define expressamente como ldquonatildeo esquecimentordquo dos preceitos do poetardquo (Detienne 1983 p 14 original ldquoQuesta

volta si tratta di una ldquoVeritagraverdquo che si definisce espressamente come ldquonon obliordquo dei precetti del poetardquo p 14) 137A passagem inteira eacute esta ldquoHe is suggesting that sometimes even where we cannot witness something ourselves

where we may have overlooked or forgotten something about a situation where we cannot find a reliable witness

and where the gods or their agents have not chosen to reveal things to us even when these traditional means are

not available we may still have access to a road whose orientation is governed by aletheia and the road is a road

of inquiryrdquo (Cherubin 2009 p 59) 138Dizer que Parmecircnides associa o caminho de inqueacuterito agrave aletheia estaacute correto O que eacute menos correto a meu ver eacute a

afirmaccedilatildeo (que estaacute no texto acima citado de Cherubin e que eu natildeo reportei) de que a via de inqueacuterito eacute governada

por aletheia (ldquoa road whose orientation is governed by aletheiardquo veja nota 137 acima) Ora Parmecircnides diz

claramente que esta via de inqueacuterito eacute a via de peitho portanto eacute governada por peitho O fato de que peitho atenda

agrave aletheia natildeo autoriza a pular esta etapa sob pena de total desentendimento da proposta de Parmecircnides Uma

criacutetica semelhante deve ser feita a Mourelatos o qual apoacutes uma excelente e profunda anaacutelise de dizesios conclui

afirmando que a busca de Parmecircnides eacute pela aletheia (ldquoFor Parmecircnides it is a quest for aletheiardquo Mourelatos 2008

p 68) Parece-me que eacute o caso de repetir para Parmecircnides eacute um caminho de busca governado por um discurso

persuasivo (argumento bem conexo peitho) que garante a verdade O alvo de Parmecircnides natildeo eacute a verdade mas um

instrumento que garanta a verdade

Todos os estudiosos tecircm consciecircncia desta divisatildeo feita por Parmecircnides que redunda no bordatildeo aletheia-doxa

mas lentamente acabam se esquecendo que o alvo eacute a diferenciaccedilatildeo das proposiccedilotildees Entre os poucos que potildeem

isto em relevo estaacute Patriacutecia Curd ldquoIn promising to teach the kouros all things the goddess undertakes to impart

103

Πειθώ tradicionalmente associada a Afrodite representando assim a persuasatildeo da fala sedutora139

em Parmecircnides eacute associada a aletheia configurando uma persuasatildeo que leva agrave verdade Mas

podemos acrescentar mais a aletheia de que fala Parmecircnides natildeo eacute qualquer aletheia mas a

aletheia proacutepria da persuasatildeo como estaacute claramente caracterizado pelo verso 4 Portanto estou

convencido de que eacute totalmente inuacutetil ampliar o horizonte semacircntico da aletheia parmenidiana agraves

ideias mais abstratas que consideram a noccedilatildeo de verdade isoladamente e em si mesma Penso que

Parmecircnides restringia o sentido apenas agrave verdade do discurso ou melhor tratando-se de persuasatildeo

devemos dizer agrave verdade do argumento embora sejam discurso e argumento no sentido arcaico140

Infelizmente deste ponto de vista ficam enfraquecidas todas aquelas interpretaccedilotildees que tendem a

fazer de Parmecircnides o profeta da Verdade idealizada A proacutepria costumeira divisatildeo do poema em

duas partes a parte da verdade ou aletheia e a parte da opiniatildeo ou doxa natildeo se justifica sendo

apenas um bordatildeo didaacutetico muito distante da letra do texto parmenidiano141

to him what he must know to avoid the errors of mortals Thus he must learn what it is for something to be reliably

and he must learn both the criteria for reliability and the tests that will allow him to investigate and to evaluate

various claims for trustworthy and reliable being or what-isrdquo (Curd 2004 P 22) 139Mourelatos 2008 p 139 140 Num artigo extremamente esclarecedor a respeito da aletheia em Parmecircnides Germani mostra que o sentido arcaico

de discurso (legein) eacute muito diferente da noccedilatildeo de discurso apresentada por Platatildeo e Aristoacuteteles Citando

Aristoacuteteles (ldquoeacute falso dizer que o ser natildeo eacute ou o natildeo ser eacuterdquo ldquoτὸ μὲν γὰρ λέγειν τὸ ὂν μὴ εἶναι ἢ τὸ μὴ ὂν εἶναι

ψεῦδοςrdquo Metaph IV 1011 27b) ela nota que natildeo estaacute presente em Parmecircnides a noccedilatildeo de dizer a verdade como

algo restrito somente ao discurso e aproveitando as palavras de Lloyd (Lloyd 1966 p 422) ela diz ldquoO proacuteprio

Lloyd analisando o emprego arcaico de termos como χρέ e ἀνάγχη nota que noacutes podemos interpretar Parmecircnides

como se ele acreditasse que eacute logicamente necessaacuterio que o que eacute eacute e logicamente impossiacutevel que natildeo seja mas

parece provaacutevel que ele tambeacutem tenha concebido esta necessidade como condiccedilatildeo fiacutesica real do Ser e quando ele

descreve Ἀνάγχη como ltmantendogt o que eacute ltem liamesgt (830) isto pode natildeo ser uma mera metaacutefora poeacutetica

Portanto me parece que a proacutepria noccedilatildeo de falso natildeo encontre nenhum lugar na concepccedilatildeo parmenidiana Aquilo

que corresponde na passagem aristoteacutelica agrave falsidade ndash ldquodizer que o ser natildeo eacute ou que o natildeo ser eacuterdquo ndash eacute concebido

por Parmecircnides como uma impossibilidade que natildeo se refere apenas ao dizer mas que eacute inerente antes de tudo ao

proacuteprio serrdquo (Germani 1988 p 194) 141 Reporto exemplarmente um trecho de Solana Dueso exemplo que se multiplica ad libitum em muitos outros

estudiosos ldquoIn the presentation of the program we have the first terminological clue of the theoretical content It

would be about truth (aletheia) and opinions (doxai) both terms being of epistemic and not ontological contentrdquo

104

O Parmecircnides psicologo percebe que a persuasatildeo eacute um fato da lsquomentersquo ndash conceito este uacuteltimo

que assim como noacutes o entendemos lhe eacute estranho ndash fenocircmeno que ele consegue identificar

descrevendo as ocorrecircncias mentais como dissemos no nosso estudo de 129 E eacute o Parmecircnides

psicoacutelogo que identifica duas persuasotildees uma acompanhada da verdade e outra onde a crenccedila natildeo

eacute acompanhada da verdade Agrave primeira ele chama de πειθός que gera a sensaccedilatildeo de firmeza na

mente (ἀτρεμὲς ἦτορ) e acompanha a verdade a qual eacute por isto εὐκυκλέος bem conexa na variante

trazida por Simpliacutecio ou εὐπειθέος bem persuasiva naquela trazida por Sexto Empiacuterico142 Agrave

segunda ele chama de lsquoopiniatildeo dos mortaisrsquo na qual natildeo haacute uma πίστις ἀληθής um convencimento

acompanhado de verdade143

Esta distinccedilatildeo nos mostra a agudeza da observaccedilatildeo psicoloacutegica A certeza pode ser de dois

tipos ou eacute uma certeza que deixa espaccedilo a duacutevidas ou eacute uma certeza indubitaacutevel Isto expotildee um

problema gnosioloacutegico que pode ser assim formulado posto que se tem uma convicccedilatildeo (e todos

temos convicccedilotildees) como posso saber se esta convicccedilatildeo corresponde agrave verdade ou eacute uma convicccedilatildeo

sem fundamento e sem correspondecircncia com a realidade Resposta natildeo posso sabecirc-lo A minha

mente mostra apenas convicccedilatildeo e para saber se tal convicccedilatildeo eacute acompanhada de verdade ou se natildeo

(Solana Dueso 2007 p 275) No entanto exatamente do ponto de vista terminoloacutegico como o autor pretende na

apresentaccedilatildeo do programa a deusa natildeo diz que o kouros aprenderaacute ldquoabout truthrdquo mas diz que aprenderaacute o ldquoatremeacutes

etorrdquo o qual mesmo do ponto de vista teoreacutetico (aleacutem de terminoloacutegico) constitui um assunto muito diferente

daquele que o autor imagina (a verdade) Se se quiser dividir o poema em dois assuntos estes satildeo a persuasatildeo

verdadeira e a persuasatildeo natildeo verdadeira natildeo a verdade e a opiniatildeo 142A minha discussatildeo destes termos estaacute em Galgano (2012) 143Num trabalho interessante Buontempi evidencia mais claramente a diferenccedila entre pistis e peitho em Parmecircnides

Diz ela ldquo[Peitho] estaacute ligada agraves palavras eacute o estado a partir do qual se toma a palavra ou o estado produzido pela

escuta de palavrasrdquo (Bontempi p 50) Esse estado possui a ambivaecircncia de pertencer ao caminho do ldquoeacuterdquo ou agraves

opiniotildees dos mortais Jaacute ldquopistis eacute aquela relaccedilatildeo que se estabelece entre termos de um para o outro transparentes

e disponiacuteveis e cujo viacutenculo consiste na disponibilidade e capacidade de cada um de se exibir ao outro

completamenterdquo (p 53) Entretanto Buontempi utiliza uma metodologia arriscada pois pretende extrair o sentido

de peithos e pistis a partir da interpretaccedilatildeo do poema de Parmecircnides nada mais controverso

105

tem feacute verdadeira eacute necessaacuterio recorrer a algo extra-mental eacute necessaacuteria uma prova externa porque

a mente por si soacute natildeo consegue identificar uma sua convicccedilatildeo propria como verdadeira ou falsa

A diferenciaccedilatildeo de dois tipos de persuasatildeo no poema eacute clara e a discussatildeo desta diferenciaccedilatildeo

pertence agrave parte propedeutica pois natildeo se fala dela na parte do eon no fr 8 quando a ordem do

mundo eacute explicada com exceccedilatildeo do final do discurso da deusa onde ela anuncia o encerramento

de seu discurso confiaacutevel (πιστὸν λόγον) Isto significa que este tema faz parte do instrumental

argumentativo preacutevio que conduziraacute agrave sucessiva anaacutelise cosmoloacutegica Em outras palavras depois

de exposto o programa haacute uma parte propedecircutica que discute a diferenciaccedilatildeo entre as duas

persuasotildees e sucessivamente as duas persuasotildees satildeo apresentadas certamente a persuasatildeo

verdadeira constituiacuteda pelo fragmento 8 e talvez ndash mas em volta desta questatildeo haacute muita

controveacutersia ndash a persuasatildeo natildeo verdadeira que Diels reuniu nos fragmentos de 9 a 19144

A esse respeito eacute necessaacuterio acrescentar que haacute duas formas (entre outras) muito comuns nos

argumentos em uma uma sequecircncia argumentativa leva agrave conclusatildeo (como por exemplo no

silogismo claacutessico) enquanto em outra haacute primeiro o enunciado da conclusatildeo e depois a exposiccedilatildeo

dos argumentos que provam o enunciado Parmecircnides parece preferir este segundo caminho o qual

conveacutem mais ao estilo hieraacutetico de uma fala divina primeiro o enunciado eacute feito seria melhor

144Cabe a Rossetti o meacuterito de evidenciar uma forte estrutura metatextual no poema de Parmecircnides A excelente anaacutelise

de Rossetti por exemplo mostra que ldquo[] les consideacuterations exposeacutees das les fragments 2-7 sont preacuteliminaires et

propeacutedeutiques non seulement elles servent agrave chasser tant de preacutejugeacutes mais elles preacutesentent aussi les fruits drsquoune

recherche et drsquoune reacuteflexion qui a deacutejagrave eu lieu auparavant Une telle reacutefeacuterence au processus de deacutecantation qui a

rendu possible lrsquoeacutelaboration et la fixation drsquoun enseignement deacutetermineacute est extrecircmement rare Qursquoune telle donneacutee

teacutemoigne en faveur drsquoune tregraves nette ceacutesure entre le proegraveme et les contenus doctrinaux nrsquoest pas moins digne de

remarquerdquo (Rossetti 2010 p 205) Gostaria de acrescentar que as consideraccedilotildees natildeo satildeo apenas consideraccedilotildees

contecircm a exposiccedilatildeo de um meacutetodo (Rossetti na n 20 remete a Cerri o qual fala de premissas metodoloacutegicas) que

poreacutem natildeo eacute tambeacutem apenas um meacutetodo porque embora se trate de um caminho a seguir eacute o caminho principal

do mundo eacute sua lei intriacutenseca o seu princiacutepio (arche ou archai) Esta discussatildeo seraacute feita mais adiante

106

dizer proclamado e depois satildeo dadas algumas explicaccedilotildees do porque daquele enunciado Os

versos 23-4 atendem a esta forma uma proclamaccedilatildeo eacute anunciada (vv 1-2) e depois enunciada

(vv3-4) A proclamaccedilatildeo enunciada consiste em estabelecer qual eacute o caminho que pensa o inqueacuterito

com persuasatildeo natildeo a persuasatildeo falsa mas a verdadeira um caminho enfim que anda com a

verdade Explicado o verso 4 temos que esclarecer o verso 3

O verso 3 Natildeo se pode isolar gramaticalmente o verso 3 do anterior verso 2 (e nem do seu

correlativo verso 5) e portanto natildeo se pode esquecer que se trata de um caminho No entanto as

noccedilotildees envolvidas satildeo estaacuteticas e natildeo haacute nenhum elemento dinacircmico ou sequencial ou de qualquer

natureza minimamente motora que remeta agrave ideia de caminho

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

Eacute ndash natildeo eacute ndash natildeo ser expressam noccedilotildees estaacuteticas o que a primeira vista parece natildeo

combinar com a ideia dinacircmica de caminho Pois o sentido deste ponto de vista eacute que o caminho

de pesquisa a pensar por ser um pensar que procede por um caminho natildeo eacute o pensar de um

momento mas um pensar que constroacutei (que segue por) um caminho A estaticidade das formas

verbais sugere entatildeo que no percurso seguido pelo pensar para que o inqueacuterito seja de verdadeira

persuasatildeo o ἔστιν o οὐκ ἔστι e o μὴ εἶναι por serem estaacuteticos devem ser constantes Esta noccedilatildeo

eacute estrutural o caminho de inquerito a pensar deve conter uma constante vaacutelida em qualquer

momento e qualquer passagem do caminho O fato de ser a afirmaccedilatildeo de uma constante estaacutetica

numa dimensatildeo de caminho (dinacircmica) reforccedila a ideia de algo externo ao processo de natureza

fixa a ser aplicado a algo de natureza processual ou seja eacute uma lei pois a noccedilatildeo de lei expressa

tambeacutem as relaccedilotildees fixas entre as dinacircmicas de elementos de um ou mais processos

Vamos observar a estrutura sintaacutetica do verso mais de perto ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ

ἔστι μὴ εἶναι Depois da conjunccedilatildeo correlativa ἡ μὲν ndash que se coadunaraacute com o ἡ δὲ de 25 (ἡ δ

107

ὡς) ndash o verso eacute constituiacutedo de duas unidades sintaacuteticas autocircnomas mas subordinadas ao verso 2

pelos adverbios ὅπως e ὡς ademais as duas unidades estatildeo ligadas pela conjunccedilatildeo τε καὶ Vejamos

entatildeo a construccedilatildeo sintaacutetica sem entrar ainda na semacircntica ou seja sem traduzir os termos ἔστιν

οὐκ ἔστι e μὴ εἶναι

por um lado (ἡ μὲν) que ἔστιν e tambeacutem que οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

A conjunccedilatildeo τε καὶ (e tambeacutem que) nos diz que temos duas oraccedilotildees que pela estrutura de todo o

fragmento devem ser completas embora possa parecer que natildeo o sejam pois vejamo-as

separadamante e sem os adverbios

1) ἔστιν

2) οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

A primeira oraccedilatildeo eacute sem sujeito e sem objeto sendo constituiacuteda somente pelo verbo a segunda

dependendo da interpretaccedilatildeo pode ser (21) sem sujeito tambeacutem e com objeto direto ou (22) com

ldquosujeitordquo de verbo impessoal e sem objeto A primeira eacute afirmativa enquanto a segunda eacute negativa

entretanto a segunda nega uma segunda negaccedilatildeo contida no objeto (ou ldquosujeitordquo do verbo

impessoal) eacute negaccedilatildeo de negaccedilatildeo

Conjunccedilatildeo

correlativa

Adverbio

relativo

sujeito verbo objeto

Verso 23 ἡ μὲν

Oraccedilatildeo 1 ὅπως --- ἔστιν ---

Oraccedilatildeo 21

Oraccedilatildeo 22

ὡς

ὡς

---

μὴ εἶναι

οὐκ ἔστι

οὐκ ἔστι

μὴ εἶναι

---

O grande misteacuterio destas palavras eacute exatamente que o sujeito sintaticamente explicito ou

subentendido mas necessariamente claro na primeira oraccedilatildeo natildeo aparece e talvez na segunda

108

tambeacutem natildeo Natildeo conveacutem nestas paacuteginas reconstruir a discussatildeo dos vaacuterios estudiosos em relaccedilatildeo

a esta falta145 de nosso lado enfrentaremos a questatildeo por outras providecircncias que em breve seratildeo

apresentadas Por enquanto vamos aproveitar o resumo das possibilidades de soluccedilatildeo reportadas

por Cordero (2005) Para o estudioso haacute quatro possibilidades a saber ldquoa) trata-se de um erro de

transmissatildeo de texto Se assim for este deve ser corrigido introduzindo o sujeito ausente b) haacute um

sujeito conceitual impliacutecito que deve ser buscado no resto do Poema c) natildeo haacute nenhum sujeito

possiacutevel e d) o sujeito deve ser extraiacutedo do predicado isolado pois o eacutestin ldquoproduzrdquo o sujeito As

quatro possibilidades encontraram defensoresrdquo 146

Natildeo penso que seja o caso de tomar partido agora faremos isto somente no fim de a nossa

anaacutelise por enquanto vamos prosseguir com as nossas consideraccedilotildees A primeira delas eacute que as

duas oraccedilotildees natildeo satildeo simplesmente conjuntas elas satildeo mais do que conjuntas porque apresentam

145O problema principal eacute a interpretaccedilatildeo do estin da primeira oraccedilatildeo Em grego esta sintaxe representa uma anomalia

e por causa disso a leitura natildeo encontra nenhuma regra interpretativa direta restando apenas a possibilidade de

interpretaccedilotildees indiretas e portanto fortemente controversas Reporto aqui como exemplo aleacutem das quatro linhas

interpretativas agrupadas por Cordero e apresentadas acima dois exemplos radicalmente opostos e inconciliaacuteveis

mas cada um com seu fundamento (indireto) impossiacutevel de ser contestado cabalmente O primeiro eacute de Robinson

o qual deixa em aberto as vaacuterias interpretaccedilotildees possiacuteveis do sujeito de estin e as vaacuterias interpretaccedilotildees possiacuteveis do

proacuteprio estin (se existencial locativo ou outros) com uma uacutenica exceccedilatildeo a saber o estin natildeo pode ser impessoal

ldquoThings are a little more problematic when the verb is used absolutely since one has to decide between the

existential the locative and the veridical interpretation or should one hesitate to back one or other exclusively to

leave open the possibility of multiple interpretations in any particular instance What seems out of the question

however is an interpretation of the absolute use of the verb to be as an impersonal use no-one to my knowledge

has ever yet been able to produce an instance of meaning it is in a way linguistically analogous to meaning it rains

or meaning it snows Whatever we know about the verb to be in Greek indicates that it always has a subject Since

none is specified here I take it that the only fair thing to do is to say so and leave the matter in abeyance until such

time as Parmenides himself decides to let us in on his secretrdquo (Robinson 1975 p 625)

Mas exatamente do lado oposto Cordero defende o sujeito impessoal (para o qual ele daacute uma interpretaccedilatildeo

especiacutefica dos verbos impessoais) e diz ldquoSi tenemos em cuenta esta interpretaccedilatildeo de los verbos impersonales no

dudamos em afirmar que em 23a y 25a los dos eacutestin em tanto elementos autoacutenomos hasta entonces estaacuten

utilizados de forma impersonal Entonces del mismo modo em que ldquollueverdquo significa ldquose da ahora el hecho de

lloverrdquo ldquoel llover estaacute presente ahorardquo ldquoesrdquo significa ldquose da ahora el hecho de serrdquo ldquoel hecho de ser estaacute presente

ahorardquo (Cordero 2005 p 70) 146Cordero 2005 p 63

109

uma uacutenica noccedilatildeo em trecircs variaccedilotildees ἔστιν οὐκ ἔστι e μὴ εἶναι satildeo variaccedilotildees do campo semacircntico

de εἰμί o verbo ser Seriam simplesmente conjuntas se apresentassem verbos e objetos diferentes

Naturalmente uma construccedilatildeo deste tipo com verbos e objetos diretos diferentes seria possiacutevel147

e apresentaria duas oraccedilotildees sintaticamente independentes e conjuntas Mas no nosso caso a

construccedilatildeo eacute feita com trecircs formas do mesmo verbo que muito dificilmente tecircm uma conexatildeo

apenas conjuntiva

Ademais a segunda afirmaccedilatildeo duplamente negativa faz pensar agrave estrutura da citaccedilatildeo

platocircnica a qual natildeo eacute sintaticamente igual mas muito semelhante que nunca os natildeo entes sejam

onde tambeacutem uma negaccedilatildeo duplamente reforccedilada (Οὐ δαμῇ ndash μήποτε) recusa existecircncia aos natildeo

entes implicando apenas variaccedilotildees formais de εἶναι desta vez com o particiacutepio no neutro plural

τὰ ἐοντα que natildeo estaacute presente no fr 2

Estes elementos a mais precisam ser investigados Vamos comeccedilar pela conjunccedilatildeo148 τε καὶ

em geral traduzido por simples conjunccedilatildeo pelos criacuteticos assume aqui um valor mais forte O fato

que seja uma conjunccedilatildeo elimina de iniacutecio a interpretaccedilatildeo do verso 3 como uma disjunccedilatildeo149 Mais

que uma conjunccedilatildeo as duas subordinadas satildeo ligadas por uma conexatildeo vital onde o τε καὶ no

sentido de lsquotambeacutemrsquo ou ateacute mesmo lsquoambosrsquo representa a conjunccedilatildeo de uma segunda parte

reforccedilando a primeira natildeo porque explica mas simplesmente porque as duas fazem parte de um

147Por exemplo ldquoos uacutenicos caminhos de inqueacuteritos a pensar por um lado que examina e que natildeo eacute natildeo avaliarrdquo 148 Humbert (1954) ldquoDrsquoailleurs drsquoune faccedilon geacuteneacuterale une certaine indetermination inseparable de la poesie qui

exprime moins qursquoelle ne suggegravere est peu favorable agrave un employ rigoreux et preacutecis des particulesrdquo (p 370) 149Mansfeld (1960) reportado por Meijer (1997 p 100 and passim) O argumento de Mansfeld parte da consideraccedilatildeo

de que o silogismo disjuntivo natildeo precisa de sujeito (aqui o argumento de Parmecircnides natildeo precisaria de um sujeito

para o esti) A (ἔστιν) ou B (οὐκ ἔστι μὴ εἶναι)

110

todo150

Este reforccedilo da conjunccedilatildeo diria ateacute mesmo esse entranhamento pode ser melhor notado se

fazemos a comparaccedilatildeo do segundo emistiacutequio (ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι) com a citaccedilatildeo platocircnica do

bordatildeo parmenidiano (71 Οὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῇ φησίν εἶναι μὴ ἐόντα)

Expressatildeo da negaccedilatildeo Verbo ldquosujeitordquo da

completiva

negado

Citaccedilatildeo platocircnica Τοῦτο Οὐ δαμῇ εἶναι μὴ ἐόντα

Segundo emistiacutequio οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

O paralelismo segundo esta construccedilatildeo embora de iniacutecio possa parecer improacuteprio natildeo soacute

natildeo eacute impossiacutevel como tambeacutem me parece respeita mais fielmente o texto de Parmecircnides Ou seja

a dinacircmica principal da expressatildeo a injunccedilatildeo da deusa eacute dada pelo verbo οὐ δαμῇ o qual

independentemente de toda a discussatildeo filoloacutegica possiacutevel151 apresenta um sentido claro natildeo deve

prevalecer o pensamento de que os natildeo-entes sejam

Natildeo prevaleccedila isto natildeo prevaleccedila que os natildeo-entes sejam A equivalecircncia entre isto (τοῦτο)

e que os natildeo-entes sejam (εἶναι μὴ ἐόντα) fica clara Neste caso fica claro tambeacutem o sentido e o

150Aparentemente (pelo que pude descobrir) natildeo haacute estudos atuais completos sobra as partiacuteculas em grego antigo e

parece que o uacuteltimo foi de Denniston (1954) De laacute para caacute as partiacuteculas foram estudadas por trabalhos especiacuteficos

e separadamente por aacutereas literaacuterias (eacutepica trageacutedia etc) deixando uma lacuna na poesia onde o uso eacute muito menos

rigoroso (ver n 17) e oferece maiores dificuldades de interpretaccedilatildeo Um status questionis da problemaacutetica de te kai

possivelmente encontra-se em um artigo de proacutexima publicaccedilatildeo do qual por enquanto soacute consegui o abstract

Bonifazi (2012)rdquo 151Discussatildeo natildeo pequena posto que δαμάζω pode ser ativo ou passivo e δαμῇ eacute melhor entendido em sentido ativo

mas eacute exclusivamente atestado em passivo gerando inseguranccedila sobre as funccedilotildees de τοῦτο e μὴ ἐόντα e ateacute mesmo

obrigando LSJ a postular um uso novo em Parmecircnides e traduzir ad sensum ldquoit shall never be proved thatrdquo (LSJ

δαμάζω V)

111

paralelismo com 23 De fato lsquonatildeo prevaleccedilarsquo (natildeo venccedila nunca seraacute provado ou todas as variaccedilotildees

que os vaacuterios estudiosos excogitaram) significa de fato lsquoque natildeo aconteccedilarsquo lsquoque natildeo sejarsquo e afinal

lsquoοὐκ ἔστιrsquo Esta eacute a tese de Parmecircnides assim como apresentada por Platatildeo Este eacute o sentido mais

seguro confortado pelo mais antigo testemunho e pela mais alta autoridade filosoacutefica da

antiguidade Platatildeo que se dedicou com afinco ao estudo de Parmecircnides ao ponto natildeo soacute de lhe

dedicar dois diaacutelogos e muitas passagens mas ateacute mesmo de afirmar muito modestamente de natildeo

ter certeza de ter entendido o veneraacutevel e terriacutevel eleata

Muitos autores se referem a Parmecircnides como o filoacutesofo do ser152 isto estaacute certo Mas muitos

se esquecem de lembrar que ele eacute o filoacutesofo do natildeo ser e isto natildeo faz justiccedila ao eleata Vamos entatildeo

esclarecer essa noccedilatildeo posto que vem exatamente de Platatildeo e que certa orientaccedilatildeo da antiga escola

alematilde de histoacuteria da filosofia colocou na sombra em favor da noccedilatildeo de ser O segundo hemistiacutequio

de 23 soa assim (os uacutenicos caminhos de inqueacuterito a pensar satildeo por um lado) [] que natildeo eacute natildeo

ser O fato singular eacute que aleacutem da repeticcedilatildeo da negaccedilatildeo tem tambeacutem a repeticcedilatildeo do verbo εἰμί

Obviamente natildeo se trata de uma ditografia e portanto teremos que diferenciar o primeiro negar

(οὐκ ἔστι) do segundo negar (μὴ εἶναι) O primeiro negar eacute feito pela partiacutecula negativa οὐκ e o

presente do indicativo ἔστι A traduccedilatildeo simples e direta soa natildeo eacute De iniacutecio ndash apenas de iniacutecio

pois a seguir se veraacute que οὐκ ἔστι eacute modal ndash natildeo parece haver dificuldade quanto agrave traduccedilatildeo em si

restando apenas o problema da falta de sujeito Se lsquonatildeo eacutersquo estaacute certo resta descobrir ao que se refere

152Atualmente haacute autores que evitam ateacute a questatildeo do ser e que se limitam apenas ao verbo ser isto eacute a questotildees

linguiacutesticas Para estes criacuteticos Henn estreia uma nova categoria a ontofobia ldquoConteporary critics avoid talk of

fundamental existence because the concept of Being-as-such makes them feel unconfotable and remains for them

a nebulous indeterminate cipher an empty notion this ontophobia however has no grounding in factrdquo (Henn

2003 p 120)

112

e natildeo haacute outro candidato a ser alvo dessa negaccedilatildeo que o seguinte μὴ εἶναι

Natildeo parece haver atestaccedilatildeo de μὴ εἶναι na poesia eacutepica Pela pesquisa no TLG as primeiras

atestaccedilotildees parecem ser da eacutepoca de Parmecircnides se natildeo sucessivas sendo que neste uacuteltimo caso

ele deve estar entre os primeiros a usar esta expressatildeo Mas aguardando resultados filoloacutegicos mais

precisos podemos dizer que a noccedilatildeo de εἶναι contida no segundo negar natildeo deve ser a mesma do

primeiro sob pena de gerar uma contradiccedilatildeo de termos incompreensiacutevel mas que justamente neste

sentido aticcedilou a fantasia de muitos criacuteticos Penso por exemplo agravequeles que quiseram ver as duas

negaccedilotildees apenas no sentido gramatical153 e acabam achando o argumento de Parmecircnides fraco ou

tautoloacutegico quando natildeo inconsistente Mas o primeiro negar (οὐκ ἔστι) quer negar um outro negar

(μὴ) especiacutefico aquele que nega εἶναι154

153Por exemplo C Kahn cuja uacutenica conclusatildeo segundo sua leitura seria que ldquoIf we restate Parmenidesrsquo claim in the

modern formal mode it might run lsquom knows that prsquo entails lsquoprsquo In Kahn (2009) pp 153-4

Kahn eacute um interprete famoso e importante do texto parmenidiano Segundo ele proacuteprio relata ao se dedicar ao

estudo de Parmecircnides se deparou com a dificuldade de entender o uso que o eleata faz do verbo ser e aleacutem disso

se deparou com uma carecircncia de estudos a respeito Mergulhou assim no estudo de einai e produziu um dos mais

importantes trabalhos sobre o assunto que jaacute foram escritos The verb be in ancient Greek que recebeu uma segunda

ediccedilatildeo ampliada em 2003 depois de mais de 30 anos Resumidamente Kahn identifica seis grupos de uso do verbo

ser o uacuteltimo dos quais eacute um uso que segundo ele comeccedila com Parmecircnides Os primeiros cinco usos satildeo

encontrados em Homero o sexto eacute poacutes-homeacuterico tipo I uso vital tipo II (que se divide em IIA e IIB) afirmaccedilotildees

mistas de objetos singulares tipo III locativo existencial tipo IV o operador da frase existencial tipo V eimi como

predicado superficial ou verbo de ocorrecircncia jaacute o sexto natildeo recebe uma definiccedilatildeo uacutenica porque apresenta variaccedilotildees

complexas as quais tornam ldquothe Type VI the most problematic of all uses of eimirdquo (p 300) Chega ele entatildeo a mais

um tipo de uso que ele chama veridic que talvez em portuguecircs seja melhor rendido por veritativo O uso

veritativo seria afinal uma nuance do uso existencial Em relaccedilatildeo a Parmecircnides o grande aparato colocado em

jogo por Kahn esconde todavia alguns problemas os quais natildeo aparecem no estudo em questatildeo mas nos artigos

especiacuteficos sobre o eleata Aqui reporto aquele que me parece o seu erro fundamental alguns outros satildeo abordados

em minha recensatildeo a Essays on being (Galgano 2012) No seu famoso ldquoThe thesis of Parmenidesrdquo (originalmente

em Review of Metaphysics 1969 e aqui retomado de Essays on being 2009) Kahn potildee a questatildeo desta forma

ldquoQual era a pergunta que Parmecircnides fez a si proacuteprio e para a qual ele pensava que sua tese fosse a respostardquo (p

144) Kahn assim responde

ldquoThe problem which Parmenides raises from the beginning of his poem is not the problem of cosmology but

the problem of knowledge more exactly the problem of the search for knowledge the choice between

alternative ways for thought and cognition to travel on in pursuit of Truthrdquo (p 147) 154Um bom estudo sobre a diferenccedila entre estas duas negaccedilotildees encontra-se em Cassin 1998 p 200-211

113

Vou repetir a sequecircncia porque por um lado a accedilatildeo do primeiro negar eacute predicativa por outro

lado a noccedilatildeo predicada eacute maacutexima e acaba por gerar um pequeno desconforto argumentativo O

primeiro negar nega um segundo negar este segundo negar nega εἶναι Ou seja o segundo negar eacute

um lsquonegar algo especiacutefico (εἶναι)rsquo O conceito se torna claro se se manteacutem presente o sentido

psicoloacutegico muito mais que o gnosioloacutegico da expressatildeo parmenidiana Negar algo eacute o que fazem

ambas as expressotildees tanto do primeiro quanto do segundo negar Mas o segundo negar eacute a accedilatildeo

especiacutefica de negaccedilatildeo de εἶναι a qual eacute uma accedilatildeo da mente eacute um comportamento concreto o

comportamento mental de negar εἶναι Parmecircnides diz que o caminho persuasivo eacute aquele que nega

que se possa ter o comportamento mental especiacutefico de negar εἶναι natildeo eacute possiacutevel (ter o

comportamento mental de) negar εἶναι

Este eacute um ponto que gerou muita confusatildeo Parmecircnides natildeo nega que se tenha que negar

como se ele proacuteprio ao dizer que o natildeo ser natildeo eacute estivesse cometendo o maior dos disparates auto-

contraditoacuterios Satildeo muitiacutessimos os que interpretam Parmecircnides desta forma e depois cansados de

natildeo achar o fio da meada acabam dizendo que Parmecircnides eacute o filosofo do ser (apenas) Parmecircnides

usa gramaticalmente a negaccedilatildeo e tambeacutem a usa gnosiologicamente e epistemicamente Daacute para se

dizer mais daacute para dizer que ele usa a negaccedilatildeo de forma magistral como poucos souberam usar na

histoacuteria da filosofia De fato o segundo hemistiacutequio assevera que haacute um percurso mental que eacute

persuasivo (v 4) quando natildeo segue μὴ εἶναι Mais uma vez o percurso mental de inqueacuterito eacute

persuasivo quando natildeo se comporta mentalmente negando εἶναι quando natildeo tem a atitude de negar

εἶναι Resta descobrir o que eacute εἶναι

εἶναι eacute um infinitivo Como se sabe o infinitivo eacute a expressatildeo verbal depauperada de todo

sentido acessoacuterio ao ponto que ldquoCrsquoest de cette faccedilon neacutegative que lrsquoinfinitif a eacuteteacute deacutefini comme

114

repreacutesentant lrsquoideacutee verbale nuerdquo155 Os mais variados estudos natildeo conseguiram explicar de forma

convincente um sentido especiacutefico para o uso feito por Parmecircnides Por exemplo ldquoThe verb lsquobersquo

in ancient Greekrdquo156 um dos estudos mais completo sobre o tema se vecirc obrigado a atribuir a

Parmecircnides um uso supostamente novo mas de forma improacutepria e desnecessaacuteria157 Eu penso que

quando Parmecircnides quis utilizar um novo sentido inventou um novo termo to eon (invenccedilatildeo na

linha jaacute consolidada de substantivar verbos no gecircnero neutro) Natildeo fez o mesmo com εἶναι e suas

demais formas verbais razatildeo pela qual o sentido deve ser buscado nas acepccedilotildees tradicionais que

satildeo muacuteltiplas e equiacutevocas como diraacute mais tarde Aristoacuteteles

No infinitivo εἶναι expressa a ideia geral do verbo num campo semacircntico que vai desde

lsquopresenccedilarsquo e ateacute a funccedilatildeo predicativa comum a muitas liacutenguas indo-europeias Eacute inuacutetil buscar um

sentido preciso como lsquoexistirrsquo ou lsquoestar presente localmentersquo ou outro εἶναι significa tudo isto

principalmente porque usado na forma negativa se propotildee a negar qualquer positividade logo se

trata da negaccedilatildeo da presenccedila (sentido locativo) do atributo (sentido predicativo) da vardade

(sentido veritativo) da existecircncia (sentido existencial) e todos os demais sentidos e as demais

nuances que εἶναι pode ter genericamente podemos nos limitar ao sentido existencial porque eacute

mais cocircmodo para a nossa liacutengua exatamente na medida em que para a nossa compreensatildeo atual

155Humbert (1954) p 125 156Kahn (2003) passim 157Kahn extrai o sentido de εἶναι em Parmecircnides natildeo do uso que o eleata faz mas do contexto geral da mensagem

parmenidiana Teoricamente seria um meacutetodo viaacutevel posto que se consiga entender corretamente a mensagem do

filoacutesofo Na praacutetica no caso do poema de Parmecircnides que verte exatamente sobre εἶναι e seus derivados haacute um

risco enorme ndash ao qual em minha visatildeo Kahn sucumbiu ndash de cair num petitio principii onde o sentido de εἶναι eacute

extraiacutedo da mensagem filosoacutefica geral (Kahn o extrai de 129 que eacute o lsquoiacutendice parmenidianorsquo e portanto poderia

oferecer a ideia geral do poema) e por sua vez a mensagem filosoacutefica eacute obtida a partir do sentido de εἶναι Kahn

acredita ter encontrado no sentido lsquoveritativorsquo o novo uso que Parmecircnides faz de εἶναι

115

qualquer um dos outros sentidos estaacute incluiacutedo necessariamente no sentido existencial Em

portuguecircs a palavra que expressa εἶναι com a mesma equivocidade ou pluralidade de sentido numa

riqueza proacutexima ao grego eacute o verbo lsquoserrsquo158 Parece-me perfeitamente inuacutetil cercear o sentido de

forma francamente artificial para dar espaccedilo a polecircmicas fictiacutecias159 Ateacute mesmo para a acepccedilatildeo de

lsquoexistirrsquo se construiacuteram criacuteticas factoacuteides onde se chega a discutir se Parmecircnides pensasse ou natildeo

que seres natildeo existentes como quimeras e outros seres mitoloacutegicos pudessem ser incluiacutedos na

leitura predicamental160 Principalmente eacute necessario manter a equivocidade do termo porque

corresponde agrave forma mentis do autor e natildeo se deve exigir distinccedilotildees que natildeo eram processadas por

aquela cultura sob pena mais uma vez de atribuir aos antigos a nossa proacutepria forma mentis pecado

158Para εἰμί o dicionaacuterio LSJ apresenta sete campos (de A a G) com 16 acepccedilotildees e mais vaacuterias subacepccedilotildees Para o

verbo lsquoserrsquo o dicionaacuterio Houaiss apresenta 19 acepccedilotildees das quais 14 verbais e 5 como substantivo as subacepccedilotildees

satildeo exemplificadas mas natildeo classificadas 159 Um interessante resumo dessas polecircmicas pode ser visto em Gallop (1979) embora eu natildeo compartilhe a sua

interpretaccedilatildeo do fragmento 2 Apoacutes fazer criacuteticas detalhadas a Kirk amp Raven Mourelatos Kahn Furth e ateacute mesmo

Owen do qual compartilha a interpretaccedilatildeo existencial ele faz uma paroacutedia do Hamlet de Shakespeare e imagina o

famoso monoacutelogo sem o resto da peccedila faltando pedaccedilos e o verso seguinte ao to be or not to be na paroacutedia ele

imagina os criacuteticos se perguntando a respeito do sentido veritativo ou predicativo e se to be or not to be that is the

question onde a questatildeo seria se haacute de ser ou natildeo ser branco (predicativo) ou haacute ou natildeo haacute um hipopoacutetamo no

zooloacutegico (existencial) ou se ser branco ou natildeo ser branco eacute o caso (veritativo) (p 74-75)

Uma situaccedilatildeo teatral se encontra tambeacutem em Furth (1974) o qual imagina um diaacutelogo entre Parmecircnides e

Betathon um alieniacutegena cujos pressupostos ontoloacutegicos proacuteprios (a persons ontology p 250) satildeo totalmente

diferentes Furth conclui que Parmecircnides usa um meacutetodo eleacutenctico do qual a ontologia apresentada no poema eacute

um mero corolaacuterio 160De novo Kahn (2009) que diz ldquoTo take the philosophical objection first it is simply false to say that you cannot

think or talk about (point out in speech phrazein) what does not exist And the falseness of this would be obvious

to any Greek who reflected for a moment on the profusion of monsters and fantastic creatures in traditional poetry

and myth from Pegasus to the children of Gaia with a hundred arms and fifty heads apiece (Hesiod Theogony

150)rdquo (p172) Mais agrave frente mostramos que exatamente na questatildeo filosoacutefica Kahn estaacute errado e Parmecircnides estaacute

certo eacute impossiacutevel pensar e dizer o natildeo-ser

E na onda de Kahn muitos outros autores simplesmente esquecem o desafio filosoacutefico de Parmecircnides e

restringindo o texto agrave questatildeo gramatical afirmam que Parmecircnides escreveu disparates Veja-se esse exemplo de

dois autores um (Bredlow) citando o outro (Ketchum) (a respeito da rejeiccedilatildeo da via do natildeo eacute) ldquoOn the existential

interpretation this argument becomes utterly unsound of course we can talk of the nonexistentrdquo e na nota que

acompanha ele continua ldquoAs Ketchum (1990 186) rightly states ldquoMost of what Parmenides tells us about why

what-is-not is unthinkable etc is false and if I may say so fairly obviously false on the existence interpretationrdquo

(Bredlow 2011 284) Parmecircnides natildeo escreveu disparates os autores acima estatildeo equivocados

116

fatal para um historiador da filosofia161

Entatildeo de iniacutecio a traduccedilatildeo de μὴ εἶναι com lsquonatildeo serrsquo ateacute mesmo por ser equiacutevoca (para a

nossa sensibilidade) manteacutem a equivocidade proacutepria da eacutepoca e da liacutengua da eacutepoca162 Posta entatildeo

esta equivocidade precisamos saber se expressa um sentido filosoacutefico antes de tudo para a eacutepoca

e depois para noacutes A comparaccedilatildeo de 23 οὐκ ἔστι μὴ εἶναι com 71 Οὐ δαμῇ εἶναι μὴ ἐόντα que eacute

o testemunho de Platatildeo nos faz entender que nestas palavras natildeo soacute se encontra um sentido

filosoacutefico mas ateacute mesmo o sentido principal da filosofia de Parmecircnides Retomando entatildeo a

construccedilatildeo precisamos entender porque pensar o natildeo ser (μὴ εἶναι) eacute algo que natildeo eacute possiacutevel ou

que natildeo se deve ou que simplesmente natildeo eacute (natildeo acontece) segundo a expressatildeo usada por

Parmecircnides οὐκ ἔστι

Haveria outras possibilidades de traduccedilatildeo163 mas estas variaccedilotildees podem ser interessantes

para evidenciar nuances aqui e acolaacute mas tendo a possibilidade de utilizar o verbo lsquoserrsquo num uso

proacuteximo do grego natildeo precisamos recorrer agrave circumlocuccedilotildees e podemos traduzir οὐκ ἔστι com

161Veja-se este exemplo Falando a respeito de DK B2 Tugwell diz ldquoParmenides went wrong on two points first in

his belief that existence is an essential property of a thingrdquo (Tugwell 1964 p 36) Natildeo um soacute dos conceitos

envolvidos pertence agrave eacutepoca de Parmecircnides nem existecircncia nem propriedade essencial e nem mesmo coisa que

para Parmecircnides eacute algo receacutem inventado por ele mesmo (eon) e tem dimensatildeo coacutesmico-ontoloacutegica muito diferente

da noccedilatildeo aqui expressa que poderia muito bem ser substituiacuteda por uma variaacutevel x por exemplo Mas haacute tambeacutem

estudos que privilegiam o enfoque linguiacutestico mas natildeo fogem do questionamento ontoloacutegico como por exemplo

o de Sandywell que chega a interpretar o poema tratando-o estrategicamente como um poderoso trabalho de

retoacuterica (Sandywell 1996 p 319 mas se veja o inteiro capiacutetulo p 295-335) 162A ambiguidade semacircntica de einai eacute defendida tambeacutem por Trindade Santos (Santos 2007) poreacutem com outros

argumentos 163 Um outro caminho possiacutevel de traduccedilatildeo utilizado principalmente pelos autores de liacutengua inglesa por motivos

idiosincraacutesicos da liacutengua eacute utilizar uma expressatildeo cuja noccedilatildeo tambeacutem eacute ampliacutessima e equiacutevoca lsquocoisarsquo Mas esta

expressatildeo por ser um substantivo natildeo possui o aspecto dinacircmico que o verbo tem sendo assim necessaacuterio

acrescentar o verbo ser portanto eacute possiacutevel traduzir com lsquoas coisas que satildeorsquo Outra possibilidade eacute usar o pronome

lsquoquersquo em sentido predicativo em substituiccedilatildeo de coisa ou coisas Outra ainda eacute o pronome demonstrativo (aquilo

isto) ou o indefinido (algo) com a mesma funccedilatildeo substitutiva de coisa(s) no sentido mais indefinido possiacutevel

117

lsquonatildeo eacutersquo164 e μὴ εἶναι com lsquonatildeo serrsquo Diz o segundo hemistiacutequio

Os uacutenicos caminhos de inqueacuterito ao pensar satildeo

Por um lado [] e que natildeo eacute natildeo ser

Se tiveacutessemos seguido a ordem metodoloacutegica tradicional ao examinar 23 teriacuteamos analisado

primeiro ἔστιν e depois οὐκ ἔστι μὴ εἶναι E se agora depois de estudar o segundo hemistiacutequio

voltaacutessemos nossa atenccedilatildeo ao primeiro hemistiacutequio natildeo teriacuteamos ganho metodoloacutegico nehum pois

redundariacuteamos na leitura por pressupostos onde o sentido de ἔστιν eacute obtido pelo pressuposto de

que ἔστιν significa em grego lsquoeacutersquo mas dessa forma se chega aos resultados inconclusivos jaacute

tentados por vaacuterios ou ateacute mesmo por todos os estudiosos165 O dado concreto eacute que o poema natildeo

oferece nenhuma definiccedilatildeo direta de ἔστιν embora apresente muitos σήματα de ἐὸν 166 Em

164Laacute onde em inglecircs haacute obrigatoriedade de se explicitar o sujeito lsquowhat is notrsquo 165Haacute muitos estudos sobre o estin parmenidiano do verso 3 do fragmento DK 2 Principalmente depois dos primeiros

questionamentos a respeito do assim chamado sentido existencial ou melhor dizendo depois que alguns criacuteticos

ndash entre os que iniciaram o mais citado parece ser Calogero ndash comeccedilaram a sugerir que atraacutes do estin natildeo se escondia

uma questatildeo filosoacutefica mas uma questatildeo linguiacutestica Lendo trabalhos recentes se tem a impressatildeo que os estudiosos

natildeo querem explicar a filosofia de Parmecircnides mas o estin de Parmecircnides alguns acham que natildeo haacute outro jeito a

natildeo ser explicar o estin como na citaccedilatildeo a seguir ldquoAny interpretation of this crucial passage has to begin by

answering two related questions (1) what is the subject of is at B23 and 5 and (2) what is the sense of the word

isrdquo (Bredslow 2011 283) Por sorte alguns autores percebem que natildeo faz muito sentido (filosoacutefico) correr atraacutes

do estin isoladamente ldquo[] it seems to me that in order to unpack the true meaning of this floating and isolated

verb we must look not to its history and contemporary usagemdashas if the one word could stand by itselfmdashbut to the

negations in which the esti is cashed out right in the same line and then extensively in fragment 8 We will then it

is true be without an explanation in the verb itself for why these specific signposts or road-markers are chosen

But we will at least be able to monitor more closely how the esti actually behavesrdquo (Austin 2014 p 4) 166Trata-se de outra confusatildeo muito comum entre os estudiosos principalmente os mais atuais menos habituados agraves

insiacutedias do texto de Parmecircnides De fato sem poder justificar e compreender o estin no fragmento 2 recorrem aos

argumentos do fragmento 8 Mas os argumentos do fragmento 8 se referem ao eon algo totalmente diferente do

estin gerando todo tipo de gongorismo argumentativo Veja-se uma discussatildeo deste tipo em Stokes onde o autor

discute as vaacuterias noccedilotildees incluindo vaacuterios fragmentos chamando em causa alguns interlocutores (Owen Taraacuten

Sprague) num carroussel hermenecircutico impressionante (Stoke 1971 p 109-148)

118

compensaccedilatildeo o poema fala amplamente de μὴ εἶναι E natildeo precisa ir muito longe para encontrar

referἑncias para a noccedilatildeo de μὴ εἶναι pois encontramos muitos dados nos versos de 5 a 8 do nosso

fragmento Iremos portanto ao verso 25 e subsequentes

424 Os versos 5 a 8 ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι

425 τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν

426 οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

427 οὔτε φράσαις

Vamos relembrar a letra ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι Haacute uma construccedilatildeo

paralela ao verso 3 dois hemistiacutequios onde no segundo encontramos nosso μὴ εἶναι e o caminho eacute

chamado de παναπευθέα termo que muito fez e faz sofrer os filoacutelogos O sentido geral poreacutem eacute

claro quer se queira traduzir como lsquode todo incriacutevelrsquo167 ou como lsquocompletamente inconosciblersquo168

ou lsquowholly without reportrsquo169 ou como outro Em suma a noccedilatildeo geral eacute que haacute uma dificuldade

intransponiacutevel em seguir este caminho e o por que eacute explicado a seguir Aqui tambeacutem Parmenides

primeiro enuncia a tese (segundo a conveniecircncia da expressatildeo de uma deusa) e depois propootildee o

argumento explicando o porquecirc do enunciado Ora a novidade cultural eacute exatamente esse porquecirc

167Cavalcante de Souza (1978) 168Cordero (2005) p 219 169Coxon (2009) p 56

119

onde as afirmaccedilotildees natildeo satildeo mais apenas impostas por sua forccedila hieraacutetica mas precisam de

explicaccedilotildees170

O nosso primeiro problema eacute que os enunciados natildeo satildeo claros para noacutes Entatildeo podemos

pedir clareza aos argumentos Qual eacute o argumento Eis a resposta de Parmecircnides οὔτε γὰρ ἂν

γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)οὔτε φράσαις Aqui a traduccedilatildeo eacute mais clara e natildeo haacute muita

divergecircncia entre os criacuteticos pois nem poderiacuteas conhecer o que natildeo eacute (pois eacute impossiacutevel) nem o

dirias Haacute aqui um claro objeto do discurso τό μὴ ἐὸν que sem hesitaccedilatildeo desta vez podemos

traduzir lsquoo que natildeo eacutersquo Sem hesitaccedilatildeo porque τὸ ἐὸν egrave uma expressatildeo desconhecida antes de

Parmecircnides aparece com ele egrave estudada por seus disciacutepulos e pelos seus criacuteticos (de Melisso a

Aristoacuteteles) e eacute reportada pela doxografia como invenccedilatildeo parmenidiana

A noccedilatildeo exposta por Parmecircnides eacute sequencial o caminho de inquerito que pensa οὐκ ἔστιν

aqui chamado de ἀταρπόν natildeo pode ser percorrido porque egrave impossiacutevel lsquoconhecerrsquo (γνοίης ndash

segunda pessoa do optativo aoristo ativo de γιγνώσκω) o que natildeo eacute e vamos deixar para depois a

questatildeo do dizer (οὔτε φράσαις) Vamos concentrar nossa atenccedilatildeo sobre γνοίης Para noacutes eacute menos

importante a traduccedilatildeo estilisticamente precisa e mais importante a precisatildeo da noccedilatildeo filosoacutefica

exposta Em relaccedilatildeo a esta palavra houve (e ainda haacute) uma discussatildeo acirrada Discute-se se traduzir

como lsquoconhecerrsquo como fazem alguns171 ou lsquoreconhecerrsquo como fazem outros172 e principalmente

que sentido atribuir ao lsquoconhecerrsquo Eu penso que considerado o contexto natildeo se trata do conhecer

170Rossetti (2010) A necessidade de explicaccedilotildees natildeo mais soacute dos autores mas tambeacutem da audiecircncia que agora requer

argumentos 171Gallop (1984) p 55 Coxon (2009) p 56 Taran (1965) p 32 mas tambeacutem muitos outros 172Barnes (1982) p 124

120

epistecircmico mas do conhecer gnosioloacutegico ou seja da capacidade que a mente possui de estabelecer

um processo de cognitivo E que se trate de processo eacute claro pela terminologia variada que

Parmecircnides usa mas principalmente pela sua ὁδός que ficaraacute para sempre como metaacutefora perfeita

dos procedimentos a serem tomados para realizar tarefas de qualquer natureza e viraacute a receber o

nome de meacutetodo

Para o meacutetodo do pensar epistecircmico diz Parmecircnides natildeo eacute conveniente correr sobre um

certo percurso porque sobre ele haacute ao menos uma etapa onde se deveria lsquoconhecerrsquo o τό μὴ ἐὸν

mas isto eacute impossiacutevel Na verdade os termos usado ἀνυστόν (reportado por Simpliacutecio) ou sua

variante ἐφικτόν (reportada por Proclo) tecircm ambos um sentido processual quero dizer que a tarefa

de pensar o τό μὴ ἐὸν natildeo apresenta uma impossibilidade que se realiza imediatamente mas uma

que implica um processo o qual eacute impossiacutevel porque natildeo pode ser levado a termo De fato ἀνυστόν

significa lsquoser completadorsquo lsquopraticaacutevelrsquo enquanto ἐφικτόν significa lsquofaacutecil de alcanccedilarrsquo lsquoacessiacutevelrsquo

Ambos os termos tecircm sentido dinacircmico e processual e a negaccedilatildeo que Parmecircnides faz significa que

este processo natildeo pode ser levado a termo

De que processo se trata Em minha visatildeo lembrando o Parmecircnides psicoacutelogo que

encontramos no verso 129 e de toda a discussatildeo sobre noein (cap 1) se trata do processo concreto

de pensar a negaccedilatildeo do ser Como pude notar na minha precedente dissertaccedilatildeo173 Parmecircnides eacute de

aacuterea de formaccedilatildeo pitagoacuterica e os pitagoacutericos ndash como nos diz Aristoacuteteles na Metafiacutesica174 ndash naquela

eacutepoca estudavam as oposiccedilotildees as mais abstratas tendo passado da oposiccedilatildeo mais antiga entre par

173Galgano (2010) cap 1 passim 174Aristoteles Metaph 986a15-26

121

e iacutempar correspondentes a limitado e ilimitado (πέρας e ἄπειρον) a um conjunto de dez oposiccedilotildees

Nada desabona uma possiacutevel tentativa de Parmecircnides buscar uma oposiccedilatildeo (que era feita tambeacutem

por negaccedilatildeo como nos evidencia a expressatildeo verbal da oposiccedilatildeo entre πέρας e ἄπειρον com o lsquoαrsquo

privativo) para o lsquotodorsquo aquele πάντα que encontramos no verso 128 do poema e que em breve se

transformaria em φύσις no curso da evoluccedilatildeo histoacuterica dos conceitos filosoacuteficos da antiga Greacutecia

A meditaccedilatildeo do lsquonatildeo serrsquo eacute das mais interessantes a se fazer na filosofia Tentar lsquopensarrsquo o

lsquonatildeo serrsquo eacute uma experiecircncia profunda que leva a consideraccedilotildees radicais natildeo soacute sobre a existecircncia

humana mas sobre a existecircncia como um todo Que Parmecircnides tenha se dedicado a esta meditaccedilatildeo

eacute seguro pois ele o diz diretamente em 22 quando afirma que os uacutenicos caminhos ao pensar satildeo

aleacutem daquele que pensa ἔστιν aquele que pensa οὐκ ἔστιν ou seja Parmecircnides se pocircs a pensar o

natildeo ser O que natildeo sabemos e natildeo podemos afirmar com certeza eacute que tipo de meditaccedilatildeo ele

realizou Eis que os termos ἀνυστόν e ἐφικτόν vecircm nos socorrer e nos dizem que se trata de uma

meditaccedilatildeo processual que natildeo acaba Descrevi este processo detalhadamente na dissertaccedilatildeo e o

repetirei aqui brevemente Antes de tudo temos que lembrar que Parmecircnides estuda o natildeo ser que

hoje depois de Platatildeo chamamos de natildeo ser absoluto Como sabemos que se trata do natildeo ser

absoluto Sabemo-o pela caracteriacutesticas que ele atribui ao οὐκ ἔστιν o sabemos pela temaacutetica

generalizante e absolutizante posta no Poema (panta 128) e compartilhada pela comunidade de

estudiosos da eacutepoca e ainda a contraprova temos o diaacutelogo O Sofista que Platatildeo escreveu para

corrigir Parmecircnides introduzindo o natildeo ser relativo (o natildeo ser enquanto outro) se Parmecircnides

tivesse tratado do natildeo ser relativo natildeo haveria necessidade nem de ldquoparricidiordquo e nem de escrever

O Sofista Pensar o natildeo ser significa pensar concretamente a negaccedilatildeo do ser concreto (do mundo

sensiacutevel ou inteligiacutevel) e pensar o natildeo ser absoluto significa pensar o natildeo ser te todas as coisas

122

tanto de cada ser quanto de todos os seres como um todo175 Para tornar mais claro o processo se

pode comeccedilar pensando (imaginando) a negaccedilatildeo de um ente depois daquilo que o rodeia depois

do planeta depois do universo (sensiacutevel e inteligiacutevel atual e possiacutevel) e depois do mundo como

um todo enfim do todo

Quando poreacutem se chega na negaccedilatildeo do todo surge uma questatildeo O pensamento encontra-

se diante do oceano infinito do nada mas o nada absoluto ainda natildeo foi alcanccedilado De fato ainda

haacute a presenccedila do sujeito que pensa Quando se pensa a negaccedilatildeo do todo permanece ainda o sujeito

pensante que pensa o todo como se o olhasse de um ponto virtual externo a ele E quando se tenta

incluir o sujeito pensante acontece uma de duas coisas possiacuteveis 1) ou o sujeito da cogniccedilatildeo

acreditando pensar a si proacuteprio dentro do todo reaparece externamente 176 ou 2) o sujeito

desaparece e com ele qualquer noccedilatildeo cognitiva de lsquonatildeo serrsquo Estas duas possibilidades estatildeo

descritas no fragmento 2 mas teremos que proceder passo a passo Por enquanto podemos dizer

claramente que o processo de pensar o τό μὴ ἐὸν natildeo termina seja porque eacute impossiacutevel incluir o

sujeito no todo pois ele sempre reaparece a cada tentativa seja porque o processo quando inclui

o sujeito no todo se interrompe sendo assim impossiacutevel completar a negaccedilatildeo do todo Natildeo

podemos saber se o modelo meditativo de Parmecircnides foi exatamente este mas natildeo me parece

175Aqui pode-se incluir a negaccedilatildeo de qualquer tipo de ser existencial (isto natildeo existe) predicativo (isto natildeo eacute aquilo)

locativo (isto estaacute ausente) e as demais combinaccedilotildees possiacuteveis excogitadas pelos estudiosos (veritativo

predicamental especulativo whatness etc) Mesmo a respeito do estin predicativo negaacute-lo significa negar um

predicado de algo e ao se proceder para a negaccedilatildeo absoluta de qualquer predicado se chegaria agrave ideia virtual de

que poderiacuteamos alcanccedilar um ente sem predicados 176Se penso na aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo terei que pensar a mim mesmo aniquilado mas este

pensar a mim mesmo aniquilado gerando esse novo pensamento (de mim mesmo aniquilado) gera um novo mim

mesmo como sujeito cognitivo pensante se aniquilo este novo pensamento terei um novo sujeito cognitivo que

pensa esta nova aniquilaccedilatildeo e assim por diante ad infinitum

123

haver nada em desabono177

Mas qual eacute a importacircncia de natildeo se poder pensar a negaccedilatildeo de tudo Seguindo o argumento

parmenidiano o caminho (ἀταρπόν) cognitivo que pensa τό μὴ ἐὸν natildeo pode ser concluiacutedo Ora

ἀταρπόν eacute um sinocircnimo que Parmecircnides usa para o ὁδός do verso 22 (ὁδοὶ) isto quer dizer que o

segundo caminho de inqueacuterito pode ser iniciado mas natildeo pode ser levado a termo Mas se natildeo pode

ser levado a termo por que eacute identificado como caminho Por que natildeo eacute excluiacutedo jaacute de iniacutecio

quando a deusa ao inveacutes de anunciar os uacutenicos (μοῦναι) caminhos natildeo anuncia um uacutenico caminho

A resposta a esta pergunta torna clara a estranha afirmaccedilatildeo de que o caminho ao pensar do segundo

hemistiacutequio do verso 5 eacute necessaacuterio que permaneccedila natildeo ser (χρεών ἐστι μὴ εἶναι) Parmecircnides diz

que embora seja um caminho que jamais pode ser completado ele ao mesmo tempo natildeo pode ser

eliminado continua a pertencer aos (dois) uacutenicos caminhos de inqueacuterito ele eacute necessaacuterio

Vamos de novo reconstruir essa parte do argumento com este novo elemento os uacutenicos

caminhos de inqueacuteritos satildeo

1) por um lado o caminho ao pensar que [ (23-4)] e

2) por outro lado o caminho ao pensar que [ (25 primeiro hemistiacutequio)] e que eacute

necessaacuterio que seja natildeo ser de fato este segundo caminho (ἀταρπόν) eacute inviaacutevel porque lsquonatildeo

se consegue levar a cabo a reflexatildeorsquo (γνοίης) quando se pensa o τό μὴ ἐὸν

177Natildeo quero dizer que Parmecircnides estreie uma filosofia do sujeito embora isto natildeo possa ser excluiacutedo a priori jaacute que

aleacutem do ambiente propiacutecio dos jaacute citados Γνῶθι σαυτόν e ἐδιζησάμην ἐμεωυτόν (p 98 n 124 e 125) os embriotildees

de uma tal filosofia apareceratildeo em breve com Soacutecrates Penso que se deve pensar mais ao sujeito como o atleta

campeatildeo das Olimpiacuteadas ou seja aquele capaz de cumprir (ou natildeo) certas proezas como fica extraordinariamente

evidenciado no paradoxo de Zenatildeo cuja metaacutefora da filosofia (e do filoacutesofo) como tartaruga mostra que o pensar

filosoacutefico eacute capaz de proezas maiores do que as proezas do proacuteprio Aquiles tidas como insuperaacuteveis pela cultura

da eacutepoca

124

Ou seja fica muito clara a equaccedilatildeo entre o segundo caminho (25) e a reflexatildeo sobre o natildeo ser (τό

μὴ ἐὸν) Finalmente o segundo hemistiacutequio de 25 diz que este eacute o caminho ao pensar que eacute

necessaacuterio que seja μὴ εἶναι o qual agora sabemos eacute o caminho que tenta pensar o natildeo ser (τό μὴ

ἐὸν) Sabemos agora o que Parmecircnides chama de μὴ εἶναι Para Parmecircnides μὴ εἶναι eacute a estrutura

do pensamento quando tenta inexoraacutevel e malogradamente pensar o natildeo ser (τό μὴ ἐὸν)

Temos agora a semacircntica de μὴ εἶναι e sabemos que significa a impossibilidade de pensar o

natildeo ser Com este dado podemos reconstruir o resto do argumento mas primeiro vamos abordar a

questatildeo do οὔτε φράσαις A premissa principal eacute o pano de fundo da pesquisa parmenidiana a qual

devemos relembrar para melhor inteligecircncia desta passagem estaacute em busca do discurso confiaacutevel

como a deusa diz claramente no encerramento do discurso (talvez ecoando simetricamente alguma

parte perdida do poema)178 Pensar o τό μὴ ἐὸν natildeo eacute possiacutevel logo ele eacute indiziacutevel Ora isto

significa nem mais nem menos que dizer o que eacute impossiacutevel eacute contra o sentido do dizer Eacute indiziacutevel

natildeo porque natildeo se sabe do que se trata como querem muitos autores que fazem a leitura meramente

epistemoloacutegica179 Eacute indiziacutevel porque dizer o lsquonatildeo serrsquo significa fazer uma promessa que jamais se

cumpriraacute ao se dizer lsquonatildeo serrsquo parece que a expressatildeo aponta algo possiacutevel ou seja a negaccedilatildeo do

ser (em sentido geral amplo e absoluto) e de fato quem estaacute desavisado assim acredita Mas a

expressatildeo lsquonatildeo serrsquo quer se referir a uma virtualidade que jamais seraacute cumprida que o ser seja

negado Esta eacute exatamente a noccedilatildeo expressa pelas palavras de Platatildeo jamais prevaleceraacute que natildeo

178850-2 ldquoἐν τῶι σοι παύω πιστὸν λόγον ἠδὲ νόημα ἀμφὶς ἀληθείης δόξας δ ἀπὸ τοῦδε βροτείας μάνθανε κόσμον

ἐμῶν ἐπέων ἀπατηλὸν ἀκούωνrdquo Neste ponto encerro fidedigna palavra e pensamento sobre a verdade e opiniotildees

mortais a partir daqui aprende a ordem enganadora de minhas palavras ouvindo (trad Cavalcante de Souza 1978) 179Trata-se da leitura epistemoloacutegico-predicamental se natildeo sei a cor de um objeto (a cor natildeo eacute natildeo estaacute acessiacutevel ao

meu conhecimento) natildeo posso falar da cor do objeto

125

entes sejam180

A expressatildeo μὴ εἶναι representa esta impossibilidade de pensamento e portanto eacute um dizer

impossiacutevel e isto se opotildee radicalmente agrave proacutepria noccedilatildeo de dizer a qual quer significar enquanto

discurso confiavel o mundo e sua ordem Surge a pergunta mas se natildeo se pode dizer μὴ εἶναι se

isto eacute impossiacutevel natildeo haacute uma flagrante contradiccedilatildeo na deusa jaacute que ela proacutepria diz e constroacutei um

argumento sobre o dizer μὴ εἶναι181 A objeccedilatildeo seria vaacutelida se a deusa dissesse o que eacute impossiacutevel

de dizer ou seja se ela praticasse a impossibilidade Mas a deusa natildeo diz o impossiacutevel a deusa diz

que existem a lsquonoccedilatildeo de impossibilidade do pensarrsquo e a lsquonoccedilatildeo de impossibilidade do dizerrsquo Em

outras palavras a deusa diz qual eacute o limite do pensar e qual eacute o limite do dizer Aleacutem deste limite o

pensamento natildeo pode ir porque eacute impossiacutevel e tambeacutem o dizer natildeo pode ir porque eacute impossiacutevel

A impossiacutevel regiatildeo para aleacutem deste limite natildeo eacute admitida pelo dizer eacute contra o dizer eacute

contraditoacuteria

A expressatildeo de μὴ εἶναι em Parmecircnides eacute exatamente a palavra que expressa o processo

mental que noacutes chamamos contradiccedilatildeo e que ele primeiro assim chamou (οὔτε φράσαις) Eacute estranho

que nenhum criacutetico tenha percebido isto claramente Todos dizem que o princiacutepio de natildeo

contradiccedilatildeo estaacute implicado em Parmecircnides assim como os outros princiacutepios loacutegicos pois os

argumentos presentes no poema satildeo desenvolvidos segundo a natildeo contradiccedilatildeo mas o princiacutepio natildeo

eacute enunciado Alguns como Cordero veem explicitado o princiacutepio do terceiro excluiacutedo (816 ἔστιν

ἢ οὐκ ἔστιν) mas ningueacutem quis ver claramente que natildeo soacute a noccedilatildeo como tambeacutem a proacutepria palavra

180As duas expressotildees tem inversatildeo de predicado e negaccedilatildeo mas a noccedilatildeo permanece a mesma que os entes natildeo sejam

(perecimento no fr 8) e que os natildeo entes sejam (nascimento no fr 8) A noccedilatildeo eacute o tracircnsito entre ser e natildeo ser 181Esta eacute uma das objeccedilotildees daqueles que acham que o argumento de Parmecircnides eacute falso ou contraditoacuterio

126

contradiccedilatildeo (οὔτε φράσαις) estaacute no poema Penso que a razatildeo fundamental para que acontecesse

este lapsus tenha que ser procurada na grande atenccedilatildeo dada ao lsquoserrsquo e na pouca dada ao lsquonatildeo serrsquo

Como veremos mais adiante por causa deste lapsus natildeo se conseguiu entender claramente a

estrutura do fragmento 2 o qual simplesmente natildeo apresenta um silogismo disjuntivo nem

nenhuma contradiccedilatildeo entre o caminho do lsquoserrsquo e o caminho do lsquonatildeo serrsquo Parmecircnides diz

justamente que a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo eacute contraditoacuteria o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode ser dito porque lsquonatildeo serrsquo

eacute contraditoacuterio e a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo indica tatildeo somente uma impossibilidade concreta aquela de

que se realize o impossiacutevel

Vamos voltar ao nosso argumento e agrave questatildeo que deixamos em suspenso por que eacute

necessaacuterio que μὴ εἶναι seja Sabemos que os versos 7 e 8 relatam um processo malogrado de

pensar o natildeo ente (τό μὴ ἐὸν) Uso agora a palavra ente porque se justifica uma diferenciaccedilatildeo

embora tanto lsquoentersquo quanto lsquoserrsquo indiquem expressotildees gerais e natildeo individuais Ente entatildeo vem a

significar o ente concreto aquele que eacute Parmecircnides diz que natildeo se pode pensar e dizer τό μὴ ἐὸν

o lsquonatildeo entersquo Este processo recebe o nome de μὴ εἶναι lsquonatildeo serrsquo a este processo noacutes chamamos

contradiccedilatildeo 182 Entatildeo a indicaccedilatildeo eacute esta haacute um caminho ao pensar que pensa μὴ εἶναι (a

contradiccedilatildeo) e eacute necessaacuterio que assim seja porque (vou repetir trecircs vezes de forma diferente183 para

dizer a mesma coisa)

1) se natildeo houvesse a contradiccedilatildeo

182Mesmo para noacutes a contradiccedilatildeo eacute um processo porque indica a posiccedilatildeo de algo em contraposiccedilatildeo com mais algo

isto significa que estes dois algo tecircm que ser relacionados para que haja contradiccedilatildeo do contraacuterio algo e mais algo

podem conviver sem contraditoriedade Mas este assunto eacute fora de tema e requereria muitas outras providecircncias

para o bom discernimento 183Repito buscando clareza pois nossas construccedilotildees comuns de linguagem nesses assuntos costumam patinar

127

2) se natildeo se tem a noccedilatildeo de contradiccedilatildeo

3) se natildeo se sabe o que eacute contradiccedilatildeo

se cai no discurso contraditoacuterio o que impede o inqueacuterito confiaacutevel Eacute necessaacuterio saber que μὴ

εἶναι (o processo de contradiccedilatildeo) eacute um caminho a ser evitado porque cria pensamentos e discursos

contraditoacuterios

Vejamos de novo nosso fragmento com os elementos esclarecidos ateacute aqui os uacutenicos

caminhos de inqueacuterito a pensar satildeo por um lado que [ (23-4)] e por outro lado que οὐκ ἔστιν e

que eacute necessaacuterio que seja a contradiccedilatildeo (μὴ εἶναι) a qual eacute um caminho natildeo criacutevel pois eacute

impossiacutevel pensar e dizer o natildeo-ente (τό μὴ ἐὸν) Penso que o espaccedilo conceitual deixado por οὐκ

ἔστιν agora se preencha quase que por si haacute um caminho de inqueacuterito ao pensar que lsquonatildeo eacutersquo e que

eacute necessaacuterio que se considere contraditoacuterio porque eacute caminho que natildeo leva a lugar nenhum

οὐκ ἔστιν eacute a negaccedilatildeo da terceira pessoa do indicativo de εἰμί a expressatildeo em si natildeo tem

nada de especial significa tatildeo somente lsquonatildeo eacutersquo restando em aberto o problema da ausecircncia de

sujeito Mas agora sabemos o argumento complexo que estaacute na raiz da expressatildeo e a meu ver natildeo

faz muito sentido a questatildeo de se buscar um sujeito ou um objeto para definir se eacute usado de forma

transitiva ou intransitiva se expressa existecircncia ou predicaccedilatildeo e as muitas combinaccedilotildees que podem

ser montadas a partir da equivocidade do uso de εἰμί No entanto o acircmbito semacircntico foi

evidenciado e estaacute claro e aleacutem do mais tem o testemunho de Platatildeo a confirmar o campo

semacircntico da negaccedilatildeo de εἰμί nas vaacuterias formas estaacute relacionado a uma reflexatildeo sobre a

impossibilidade desta negaccedilatildeo Obviamente para dizer que algo eacute impossiacutevel de alguma forma

tenho que indicar esta impossibilidade com a expressatildeo Assim se digo lsquotriacircngulo quadradorsquo aponto

para uma impossibilidade jaacute que por definiccedilatildeo a essecircncia do triacircngulo exclui a essecircncia do

quadrado logo a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo significa aquilo que parece prometer ou seja

128

uma figura geomeacutetrica especial que eacute ao mesmo tempo triacircngulo e quadrado dizer triacircngulo

quadrado eacute dizer algo lsquoindiziacutevelrsquo lsquonatildeo diziacutevelrsquo (na medida em que o diziacutevel quer expressar sentido)

lsquoque nega o diziacutevelrsquo lsquoque eacute contra o diziacutevelrsquo que eacute contraditoacuterio

A semacircntica do lsquonatildeo serrsquo eacute fortiacutessima e estaacute muito aleacutem das sutilezas gramaticais

morfoloacutegicas e sintaacuteticas e estas simplesmente natildeo afetam aquela O assunto tratado eacute tatildeo forte

que ultrapassa qualquer forma linguiacutestica ao ponto de que este assunto a ordem do ser e do natildeo

ser no mundo eacute responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da lei da linguagem e natildeo vice-versa como bem

entendeu Platatildeo no Sofista onde a teoria da predicaccedilatildeo surge a partir de uma reflexatildeo sobre a ordem

das leis baacutesicas do mundo Entatildeo o approach linguiacutestico ao poema pode proceder ateacute certo ponto

dali em diante o poema eacute francamente filosoacutefico e a chave linguiacutestica natildeo eacute suficiente para o acesso

Isto quer dizer que com a chave linguiacutestica natildeo se abre a porta da questatildeo filosoacutefica do poema Se

a questatildeo eacute que lsquojamais o natildeo ser pode se tornar serrsquo como (aproximadamente com estas palavras)

nos diz Platatildeo citando Parmecircnides entatildeo diante da semacircntica que οὐκ ἔστιν apresenta discutir o

sujeito de οὐκ ἔστιν se torna tarefa menor Considerada a desproporccedilatildeo entre o conteuacutedo (a

semacircntica) e o recipiente (a palavra) entre o significado e o significante natildeo eacute impossiacutevel que οὐκ

ἔστιν seja tatildeo somente uma expressatildeo simplificada quem sabe ateacute mesmo uma simplificaccedilatildeo

didaacutetica pois o conteuacutedo do conceito estaacute expresso e justificado depois nos versos 7 e 8

O caminho de pensar que natildeo eacute e de pensar que eacute necessaacuterio natildeo ser eacute o caminho que afirma

a necessidade de que a noccedilatildeo de natildeo ser permaneccedila estaacutevel A contradiccedilatildeo tem que permanecer e

ser identificada como tal pois eacute a uacutenica maneira de evitar que ela entre no pensamento e no

discurso Se o lsquonatildeo serrsquo natildeo for considerado contraditoacuterio entatildeo a contradiccedilatildeo invade e domina o

caminho de inqueacuterito o qual deixa de possuir πίστις ἀληθής (130) Assim eacute necessaacuterio que este

caminho seja identificado como μὴ εἶναι por um lado o lsquonatildeo serrsquo eacute incognosciacutevel (οὔτε γὰρ ἂν

129

γνοίης) mas por outro lado eacute necessaacuterio que se saiba que ele eacute incognosciacutevel Saber do

incognosciacutevel garante o conhecimento184 pois de fato ao natildeo se identificar o lsquonatildeo serrsquo se cai no

risco de pensar que lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo satildeo o mesmo e natildeo o mesmo como Parmecircnides diz em 65-6

Necessariamente o caminho que pensa οὐκ ἔστιν leva ao processo de contradiccedilatildeo (μὴ εἶναι) e o

fato de que o caminho natildeo tenha conclusatildeo (ἀνυστόν) natildeo eacute evidente na expressatildeo pelo contraacuterio

τό μὴ ἐὸν parece uma negaccedilatildeo comum como qualquer outra mas natildeo o eacute por isto eacute um saber

destinado ao saacutebio e natildeo aos mortais pois eacute um saber fruto de uma reflexatildeo

428 De volta aos versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι

429 Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)

Penso que podemos agora voltar ao verso 23 ao nosso segundo hemistiacutequio onde aparece a

expressatildeo μὴ εἶναι da qual jaacute temos a semacircntica Podemos entatildeo reconstruir ldquoos uacutenicos caminhos

de inqueacuterito a pensar satildeo

1) por um lado a pensar que [] e a pensar que οὐκ ἔστι μὴ εἶναι este eacute caminho de

persuasatildeo que verdade acompanha e

2) por outro lado a pensar que lsquonatildeo eacutersquo e a pensar que eacute necessariamente um percurso

de pensamento contraditoacuterio porque eacute um caminho lsquoimpossiacutevelrsquo (παναπευθέα) pois o

pensamento do lsquonatildeo entersquo natildeo pode ser completado

184Estaacute aqui uma semente do socratismo

130

O οὐκ ἔστι do verso 23 parece ser diferente do οὐκ ἔστιν do verso 25 Enquanto em 25 ele eacute quase

que o nome do caminho (talvez uma simplificaccedilatildeo didaacutetica) aqui em 23 parece significar

simplesmente lsquonatildeo eacutersquo em sentido comum predicativo De fato este eacute o caminho da persuasatildeo e

portanto eacute o caminho do pensamento natildeo-contraditoacuterio Aliacute a persuasatildeo era impossiacutevel pela

contradiccedilatildeo aqui eacute possiacutevel pela natildeo-contradiccedilatildeo Sabemos que a expressatildeo μὴ εἶναι eacute a expressatildeo

da contradiccedilatildeo suprema entatildeo a natildeo-contradiccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo de μὴ εἶναι A traduccedilatildeo de οὐκ ἔστι

fica faacutecil embora para a nossa sensibilidade possa parecer algo improacuteprio usar duas vezes οὐκ ἔστι

de forma natildeo perfeitamente uniacutevoca a dois versos de distatildencia Mas devemos lembrar tambeacutem que

noacutes hoje estamos acostumados a niacuteveis de precisatildeo de linguagem tatildeo altos que falamos de

linguagens de segunda terceira e quarta ondem e mais ainda devemos lembrar que Parmecircnides eacute

o primeiro a estabelecer exatamente com os versos de que estamos tratando a necessidade de um

criteacuterio na linguagem correta Entatildeo para o segundo hemistiacutequio de 23 poderiacuteamos manter esta

traduccedilatildeo lsquonatildeo eacutersquo em parte ambiacutegua para nossas exigecircncias mas que soa perfeitamente harmocircnica

com o discurso parmenidiano [] ao pensar que natildeo eacute lsquocontradiccedilatildeorsquo (μὴ εἶναι)

Mas podemos aprimorar ainda mais a traduccedilatildeo tanto pelo lado gramatical quanto pelo lado

semacircntico e pelo lado estiliacutestico E eacute aliaacutes este uacuteltimo aspecto o estiliacutestico que pode nos chamar

atenccedilatildeo sobre uma possiacutevel simetria entre os versos 3 e 5 Os primeiros hemistiacutequios dos dois

versos (3a e 5a) seguem uma mesma construccedilatildeo gramatical e sintaacutetica nos segundos hemistiacutequios

(3b e 5b) haacute uma diferenccedila enquanto em 3b temos o verbo predicativo simples (οὐκ ἔστι) em 5b

temos um verbo impessoal (χρεών ἐστι) No entanto como se sabe a forma verbal ἐστι quando

131

estaacute junto de um infinitivo pode assumir papel de verbo quase-impessoal e significar eacute possiacutevel185

entatildeo a razatildeo estiliacutestica fica satisfeita se seguindo o modelo estiliacutestico de 5b traduzimos o οὐκ

ἔστι de 3b com natildeo eacute possiacutevel pois o infinitivo μὴ εἶναι passa a ser o sujeito gramatical ndash mas natildeo

o sujeito loacutegico ndash assim como natildeo o era em 5b Mantendo firme que os versos 3 e 5 constituem

uma anomalia gramatical e que a comunidade dos estudiosos estaacute mais do que em desacordo sobre

a correta sintaxe e relativa traduccedilatildeo desses versos pode-se aceitar a explicaccedilatildeo gramatical da

estrutura modal e aqui seguimos a proposta de Cordero embora esta explicaccedilatildeo seja obrigada a

colocar a funccedilatildeo de sujeito atribuiacuteda a μὴ εἶναι entre aspas ldquosujeitordquo pois de fato o sujeito loacutegico

do verso 3 natildeo estaacute expresso por claro desejo de Parmecircnides Este sujeito inexpresso eacute o mesmo

para 3a e 3b e mais adiante teceremos alguma consideraccedilotildees ulteriores a respeito O fato eacute que

com a simetria estiliacutestica oferecida naturalmente pelos versos e apesar do fundamento gramatical

anocircmalo que gera ambiguidade se consegue iluminar melhor a semacircntica ndash a respeito da qual as

divergecircncias interpretativas satildeo muito menores ndash e atender melhor ao nosso objetivo que eacute

salvaguardar a mensagem filosoacutefica E a mensagem filosoacutefica com a traduccedilatildeo modal de 3b fica

mais clara A tentativa de pensar o natildeo ser redunda numa impossibilidade a qual tem dois lados

por um lado o natildeo ser eacute um caminho impossiacutevel e por outro lado eacute impossiacutevel anular

completamente o que eacute este segundo lado fica expresso claramente pelo valor modal de 3b eacute

impossiacutevel natildeo ser ou na morfologia em portuguecircs eacute impossiacutevel que natildeo seja Embora o sujeito

de esti de 3a natildeo seja expresso ele eacute comprensiacutevel e recebe um nome diferente a cada opccedilatildeo de

traduccedilatildeo de cada autor mas todos concordam que se trata de uma positividade no sentido mais

185Smyth 1956 p 441 1984-1985

132

geral possiacutevel186 Esta positividade eacute tambeacutem o sujeito natildeo expresso de 3b e ela (a positividade) eacute

impossiacutevel que natildeo seja

Acredito por fim que podemos abordar o tatildeo famoso ἔστιν do verso 23 que tanto fez e faz penar

os estudiosos de Parmecircnides Aqui de novo a grandeza da questatildeo cosmoloacutegica envolvida ndash a

coerecircncia eou a contraditoriedade do real ndash simplesmente torna tatildeo minuacutescula a questatildeo do sujeito

gramatical que ela quase desaparece No entanto mesmo minuacutescula a questatildeo existe O problema

a meu ver se agiganta quando se procura encaixar a todo custo uma anomalia gramatical (natildeo

linguiacutestica) dentro de uma norma gramatical Ao menos no caso do ἔστιν de Parmecircnides a

discussatildeo acirrada lembra mais o problema do cobertor curto que cobrindo uma parte descobre a

outra e por mais que se aleguem argumentos linguiacutesticos desta ou daquela natureza natildeo se

consegue natildeo recair na questatildeo filosoacutefica Entatildeo digamos claramente ἔστιν eacute uma expressatildeo

filosoacutefica Proporei entatildeo uma gecircnese filosoacutefica e portanto a permanecircncia dessa marca de

nascenccedila na expressatildeo do ἔστιν nu O nosso ponto de partida eacute de novo a meditaccedilatildeo do natildeo ser

Como jaacute dissemos Parmecircnides com certeza realizou uma reflexatildeo sobre o natildeo ser e mais

especificamente sobre o natildeo ser absoluto total Esta meditaccedilatildeo eacute uma meditaccedilatildeo sombria porque

leva a alma do meditante agrave negaccedilatildeo extrema fato esse que repugna ao impulso vital e que natildeo eacute

simples de se levar adiante ainda mais se agrave reflexatildeo intelectual se associa a meditaccedilatildeo afetiva

Parmecircnides deve ter feito essa meditaccedilatildeo plenamente ou seja incluindo o lado afetivo

186Meijer lista doze casos ldquoIt might be useful to give a collection of proposed subjects of estin first based on what I

have found so far no subject impersonal usage it ti a thing truth way what can be talked and thought about

reality is Being to berdquo (Meijer 1997 p 114)

133

extremamente importante no pitagorismo187 escola na qual recebeu sua formaccedilatildeo Deve ter tentado

encaminhar seu pensamento pela negaccedilatildeo de tudo pois somente assim ele poderia dizer que o

caminho do natildeo eacute natildeo pode ser completado Depois de mergulhar nesse esforccedilo mental

procurando aniquilar todas as coisas quando se deu conta que tal era impossiacutevel e quando retornou

ao fluxo normal do pensamento devia estar com a sensaccedilatildeo de ter deixado para traacutes uma imensa

escuridatildeo da qual ele saiu com um grito188 eacute Natildeo eacute difiacutecil imaginar que Parmecircnides deve ter feito

essa meditaccedilatildeo dentro do cenaacuterio religioso de sua eacutepoca e que retirando a paacutetina mitoloacutegica das

visotildees alucinatoacuterias podemos dizer que devia estar simplesmente num estado semi-oniacuterico ou

inteiramente oniacuterico refletindo ou meditando ou sonhando com a aniquilaccedilatildeo de tudo Nesses

estados mentais como se sabe os laccedilos da sintaxe e da loacutegica se afrouxam e Parmecircnides deve ter

vivenciado aquilo que hoje noacutes chamamos de ser em toda sua oposiccedilatildeo agrave negaccedilatildeo de tudo Ora a

vivecircncia do ser natildeo eacute o ser pois a noccedilatildeo de o ser eacute uma generalizaccedilatildeo intelectual e sofisticada

de muitas vivecircncia e percepccedilotildees e reflexotildees A vivecircncia imediata daquilo que noacutes chamamos o ser

eacute pura e simplesmente o eacute o ser quando vivenciado eacute eacute Parmecircnides apenas trouxe para a

linguagem sintaticamente organizada a expressatildeo direta da vivecircncia imediata daquilo que eacute Um

exemplo pode ajudar a entender esta parte A expressatildeo sintaticamente organizada de um mal estar

pode ser expressa assim ldquoestou sentindo uma dor na panturrilhardquo Mas a expressatildeo vivencial preacute-

187 O aspecto afetivo do pitagorismo eacute evidente em muitas de suas manifestaccedilotildees Na enumeraccedilatildeo de algumas destas

manifestaccedilotildees em primeiro lugar podemos colocar a miacutestica a qual por si eacute um fenocircmeno estritamente afetivo

depois podemos colocar a muacutesica com seu forte apelo para o lado emocional humano depois ainda os laccedilos de

amizade exemplificados pela histoacuteria dos pitagoacutericos Fintias e Damon se encontra em JAcircMBLICO (Giangiulio

1991 234-236) por fim a proacutepria lenda que atribui a Pitaacutegoras a criaccedilatildeo do nome filosofia daacute a entender seu

amor ao saber uma dedicaccedilatildeo independente do imediatismo utilitaacuterio 188 Cordero diz que eacute um grito de alegria Como suele ocurrir con un descubrimiento es maacutes un grito de alegria que

una estructura conceptual (Cordero 2003 p 284)

134

sintaacutetica e imediata eacute tatildeo somente um ai

Foi muito difiacutecil ateacute agora pelos vaacuterios estudiosos espremer o ἔστιν numa categoria

gramatical que satisfizesse toda a pregnacircncia filosoacutefica que carrega mas ndash e esta eacute a parte mais

interessante ndash natildeo haacute ningueacutem que natildeo entenda claramente do que se trata pois a mensagem eacute

clariacutessima a quem quer que se disponha a entender189 eu penso ademais que nenhuma das

traduccedilotildees propostas pelo grandes estudiosos embora divergentes expressa um desentendimento

apenas tecircm expressotildees parciais proporcionais ao aspecto gramatical no qual se quer constranger a

palavra parmenidiana Mas no que diz respeito ao conteuacutedo filosoacutefico todos concordam eacute uma

generalizaccedilatildeo (ou linguiacutestica ou loacutegica ou ontoloacutegica) da noccedilatildeo de ser De minha parte penso que

o ἔστιν representa a maior generalizaccedilatildeo linguiacutestica possiacutevel perece-me que natildeo haacute nenhuma

expressatildeo mais geral e penso que eacute exatamente esta a intenccedilatildeo de Parmecircnides ao trazer para o

plano sintaacutetico uma expressatildeo preacute-sintaacutetica e preacute-loacutegica ou seja expressar a maior generalizaccedilatildeo

linguisticamente possiacutevel Se assim eacute o ἔστιν eacute anterior agrave noccedilatildeo de sujeito e portanto de predicado

seja ele nominal ou verbal Todas estas articulaccedilotildees sujeito predicado objeto e qualquer outra

189Estou de acordo com Santoro quando diz ldquoCome quando la sua Dea dice della via di ricerca che egrave (hopocircs eacutestin)

senza nessun predicato Non starebbe puntando il reale di fronte a seacute proiettando il verbo fuori di se stessa verso

ciograve che sta davanti sia spazialmente verso il mondo obiettivo sia temporalmente verso la presenza e il suo

avvenirerdquo (Santoro 2011a p 101) A imagem que Santoro suscita a partir do apontar do ldquodito durordquo (p 98) do

acusador ao acusado pode ser ampliada a uma matildeo aberta apontando o mundo com o movimento horizontal e

circular do braccedilo eacute Uma siacutentese premonitoacuteria dos dois gestos representados por Raffaello na ldquoEscola de Atenasrdquo

o dedo de Platatildeo apontando para cima e a matildeo aberta de Aristoacuteteles apontando para baixo Concordo com Santoro

quando sugere que a projeccedilatildeo do ldquoverbo para fora de sirdquo implica um apontar e acrescento que o que parece ser

impliacutecito em 23 se torna expliacutecito em 28 onde o φράζω significa exatamente indicar mostrando (inclusive com o

dedo) e οὔτε φράσαις significa que o natildeo ser natildeo pode ser indicado ( Penso tambeacutem que o ἔστιν tem a marca da

espontaneidade e que longe de ser um termo teacutecnico vem da linguagem mais comum ndash aproveitando (e aqui

tambeacutem estou com Santoro) o acento juriacutedico que devia ter a sua linguagem diaacuteria enquanto legislador ndash e

portanto acompanhado do gesto talvez universal de identificaccedilatildeo de um ldquoculpadordquo o dedo apontado Vejam-se

tambeacutem os comentaacuterios de Rossetti a respeito da leitura de Santoro em Rossetti 2011 Um ulterior aprofundamento

da influecircncia da linguagem juriacutedica nos sematas de DK B 8 encontra-se em Santoro 2011b

135

pertencem agrave esfera do ἔστιν Natildeo haacute nada dentro do qual o ἔστιν possa ser colocado e tudo eacute

colocado no ἔστιν inclusive o acircmbito temporal pois passado presente e futuro satildeo articulaccedilatildeo de

um ἔστιν anterior a toda noccedilatildeo de tempo Assim o ἔστιν eacute aquilo que inevitavelmente se

reapresenta a cada tentativa de negaccedilatildeo absoluta A pergunta ldquoqual eacute o sujeito do ἔστινrdquo eacute

linguisticamente e filosoficamente legiacutetima A resposta poreacutem escapa do acircmbito linguiacutestico190 e

permanece naquele filosoacutefico o ἔστιν eacute anterior agrave articulaccedilatildeo sintaacutetica logo ele eacute sujeito predicado

e objeto de si mesmo Eacute esta noccedilatildeo todo-permeadora que eacute incapaz de sofrer a negaccedilatildeo A via de

investigaccedilatildeo ao operar cognitivamente que eacute corresponde agrave via de investigaccedilatildeo ao operar

cognitivamente que natildeo pode ser natildeo ser O uacutenico dado que pode ser acrescentado ao eacute representa

uma confirmaccedilatildeo de que eacute pois soacute se pode acrescentar que eacute impossiacutevel ndash uma impossibilidade

verificada na reflexatildeo ndash que natildeo seja Mas afinal tomo partido191 e entro tambeacutem no quarto grupo

daqueles listados por Cordero o sujeito deve ser extraiacutedo do predicado isolado pois ἔστιν produz

o sujeito192

Recapitulando o sentido filosoacutefico eacute preciso haacute um caminho de inquerito ao pensar que eacute

190Penso por exemplo que as posiccedilotildees que querem ver no ἔστιν apenas uma forma sinteacutetica ainda natildeo articulada

segundo nossas atuais distinccedilotildees (ou ateacute mesmo segundo as distinccedilotildees da eacutepoca de Parmecircnides) embora sejam

linguisticamente mais satisfatoacuterias satildeo ainda parciais e natildeo tocam a questatildeo essencial que eacute o ἔστιν como princiacutepio

do mundo e natildeo como um ente (neste caso um ente linguiacutestico) entre outros a ser classificado numa funccedilatildeo sintaacutetica

especiacutefica 191Ver p 19 192Esta questatildeo natildeo aprofundada aqui natildeo possui relevacircncia filosoacutefica no argumento apresentado pode ter relevacircncia

se se considera o tipo de reflexatildeo ou seja se se discute a ldquoexperiecircnciardquo do natildeo-ser e principalmente a experiecircncia

concreta de Parmecircnides que talvez esteja ligada a praacuteticas de incubaccedilatildeo Neste caso a dimensatildeo reflexiva adentra

a dimensatildeo oniacuterica a qual possui outra sintaxe e onde um simples ἔστιν vale mais de mil articulaccedilotildees sintaacuteticas

Natildeo sabemos com certeza destas praacuteticas em Eleacuteia mas este sentido preacute-sintaacutetico natildeo estaacute descartado inclusive

alguns estudiosos entre os quais o proacuteprio Cordero atribuem ao ἔστιν o sentido de um grito como um Eureka

Sugestotildees nesse sentido se encontram na minha dissertaccedilatildeo sobre Melisso

136

aquele que pensa o lsquoeacutersquo este mesmo caminho eacute aquele ao pensar que natildeo eacute (e natildeo pode ser193)

lsquocontradiccedilatildeorsquo Depois haacute um outro caminho aquele ao pensar que lsquonatildeo eacutersquo que eacute o mesmo caminho

ao pensar que leva necessariamente agrave contradiccedilatildeo O primeiro eacute o caminho que estabelece o

discurso coerente (persuasivo) e o segundo natildeo leva a lugar nenhum e deve ser evitado Mas para

que se saiba o que deve ser evitado eacute necessaacuterio que se conheccedila a impossibilidade do segundo

caminho Para que se possa seguir o primeiro caminho eacute necessaacuterio saber que existe um outro

sempre agrave espreita que parece oferecer a verdade mas que natildeo oferece uma verdade confiaacutevel que

leva necessariamente agrave contradiccedilatildeo de pensamento e de expressatildeo linguiacutestica

4210 Conclusatildeo

Parmecircnides provavelmente a partir de sugestotildees pitagoacutericas medita sobre a oposiccedilatildeo ao que existe

e assim descobre o lsquonatildeo serrsquo Descobre que lsquonatildeo serrsquo ou seja negar o ser negar o que haacute eacute de todo

impossiacutevel (natildeo eacute possiacutevel completamente) Entende entatildeo que o lsquonatildeo serrsquo esta impossibilidade eacute

algo que a mente pensa julgando que este pensamento leva por um caminho mas que na verdade

ele descobre leva por outro caminho aquele que nunca chega a lugar nenhum Este caminho que

leva para lugar nenhum eacute o caminho dos mortais os quais confundem ser e natildeo ser Mas o saacutebio

deve saber distinguir por um lado o caminho do lsquoeacutersquo que eacute o caminho do discurso natildeo contraditoacuterio

e por outro lado o caminho do lsquonatildeo eacutersquo que eacute o caminho do discurso que eacute vanificado pela

193A interpretaccedilatildeo modal eacute tambeacutem perfeitamente coerente aqui

137

contradiccedilatildeo

Parmecircnides descobre a contradiccedilatildeo (pela meditaccedilatildeo sobre o natildeo ser) e percebe que ela eacute

motivo de descaminho no discurso sobre o mundo Assim finalmente ele anuncia que a contradiccedilatildeo

deve ser evitada A este enunciado noacutes chamamos de princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo A nossa versatildeo

mais comum do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo ainda hoje natildeo se afasta muito daquela de Aristoacuteteles

mas a versatildeo culta aquela em linha com as pesquisas mais avanccediladas se encontra em pleno

terremoto conceitual pelo qual eacute difiacutecil usar qualquer das palavras tradicionalmente usadas para

estabelecer acircmbitos e sentidos Em outras eacutepocas se podia dizer que a descoberta de Parmecircnides

natildeo eacute do acircmbito da loacutegica mas da ontologia Hoje estes termos satildeo tatildeo fortemente equiacutevocos que

natildeo se tem a possibilidade de uma expressatildeo direta e inteiramente compartilhada na comunidade

cientiacutefico-acadecircmica atual De forma que quero me limitar por enquanto agrave descriccedilatildeo da minha

leitura do fragmento 2 tentando evitar noccedilotildees equiacutevocas O fato eacute que Parmecircnides trabalha em

acircmbito cosmoloacutegico e sua preocupaccedilatildeo ndash como as de seus colegas na eacutepoca ndash eacute com o mundo com

a totalidades das coisas com os πάντα de seu proecircmio (128) Aqui neste acircmbito cosmoloacutegico

descobre que haacute um princiacutepio do mundo pelo qual se daacute uma impossibilidade a contradiccedilatildeo A

contradiccedilatildeo eacute um princiacutepio porque o que haacute (πάντα) enquanto todo escapa agrave negaccedilatildeo total Eis

que a contradiccedilatildeo eacute princiacutepio tanto quanto a natildeo-contradiccedilatildeo porque eacute a contradiccedilatildeo que permite

a natildeo-contradiccedilatildeo Sem a noccedilatildeo de contradiccedilatildeo se anda com sentidos incertos como os mortais

O valor desta afirmaccedilatildeo eacute historicamente inabalaacutevel porque Parmecircnides partindo de um

discurso sobre o mundo como que visto de fora por um observador (como Anaximandro via o

mundo olhando seu pinax) alcanccedila um discurso que inclui o observador enquanto observador

estreando assim antes de tudo um discurso sobre os entes (a ontologia) todos os entes incluindo

138

os entes de pensamento (veja-se o famoso fragmento 3 que diz que pensar e ser satildeo o mesmo)

Agora para ele o saacutebio natildeo eacute mais aquele que sabe soacute sobre as coisas externas ndash como o antigo

xamatilde cuja figura individual se dissolve na mera intermediaccedilatildeo com o divino ndash mas eacute tambeacutem

aquele que consegue pensar sobre as coisas externas ou seja aquele que tem um domiacutenio cognitivo

sobre os pensamentos de inqueacuterito e portanto sabe sobre si mesmo

Parmecircnides amplia o mundo acrescentando-lhe o mundo do pensamento e o mundo da

linguagem Eis porque as αρχάι de Parmecircnides sendo duas permanecem duas justamente

eliminado uma delas deixando alguns criacuteticos enloquecidos na discussatildeo sobre o monismo ou o

dualismo para Parmecircnides o mundo eacute um mas os sentidos nos enganam natildeo na pluralidade das

coisas mas no argumento a respeito da pluralidade das coisas e principalmente ndash aspecto que ele

discute explicitamente ndash a respeito do devir das coisas Haacute um princiacutepio que natildeo pode ser

eliminado a contradiccedilatildeo o qual eacute um princiacutepio de erro humano quando se elimina quando se

desconsidera quando se faz de conta que natildeo existe a contradiccedilatildeo se instaura quando o princiacutepio

eacute levado em conta a contradiccedilatildeo pode ser evitada

Eacute um conceito esdruacutexulo para noacutes tambeacutem pois temos que ter (a noccedilatildeo de) a contradiccedilatildeo

para eliminar a contradiccedilatildeo temos que saber o que eacute contradiccedilatildeo para que possamos perceber

quando o discurso eacute contraditoacuterio Estes conceitos satildeo misteriosos ateacute agora e satildeo estranhas

criaturas de nossas mentes Outro exemplo a noccedilatildeo de impossiacutevel obviamente (ou seja para a

nossa pragmaacutetica) natildeo se refere a nada de concreto no entanto temos essa noccedilatildeo e a usamos com

o maacuteximo proveito outro exemplo a noccedilatildeo de infinito noccedilatildeo que natildeo se refere a algo concreto

mas que tambeacutem usamos com maacuteximo proveito O mesmo deve ser dito da noccedilatildeo de contradiccedilatildeo

ou da noccedilatildeo de nada absoluto que usamos pragmaticamente com maior ou menor proveito Mas

um discurso rigoroso sobre estas noccedilotildees eacute algo realmente difiacutecil e digo difiacutecil porque se eu dissesse

139

impossiacutevel cairia em peticcedilatildeo de princiacutepio

Parmecircnides encontra este caminho e o expotildee Eacute um caminho assombroso anti-intuivo mas

incontestaacutevel De forma que natildeo eacute de se estranhar se a soluccedilatildeo platocircnica eacute a eliminaccedilatildeo fiacutesica da

noccedilatildeo de nada absoluto (o parriciacutedio) com sucessivo lsquoadeusrsquo194 achando de tecirc-lo ultrapassado Mas

o nada absoluto enquanto noccedilatildeo contraditoacuteria permanece Assim como permanece a explicaccedilatildeo

defeituosa do devir que assim como o conhecemos uma passagem do nada ao ser no nascimento

e do ser ao nada no perecimento estaacute mal explicado Daqui por diante os comentaacuterios filosoacuteficos

possiacuteveis satildeo inuacutemeros portanto paro esta parte da pesquisa neste ponto e proponho a versatildeo do

fragmento 2 segundo esta conceituaccedilatildeo alterando de pouco a excelente versatildeo baacutesica de

cavalcante de Souza

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute possiacutevel que seja (o caminho da) contradiccedilatildeo

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute necessariamente (o caminho da) contradiccedilatildeo

este entatildeo eu te digo eacute atalho de todo incriacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequumliacutevel)

nem o dirias

194Platatildeo Soph 258e7-259a1 ἡμεῖς γὰρ περὶ μὲν ἐναντίου τινὸς αὐτῷ χαίρειν πάλαι λέγομεν εἴτ ἔστιν εἴτε μή

λόγον ἔχον ἢ καὶ παντάπασιν ἄλογον

140

Estas uacuteltimas palavras ndash pois nem conhecerias o que natildeo eacute e nem o dirias ndash satildeo o enunciado

parmenidiano do princiacutepio cosmoloacutegico de natildeo contradiccedilatildeo Ele eacute diferente em relaccedilatildeo ao princiacutepio

aristoteacutelico porque Parmecircnides tem diante de si um mundo diferente daquele que Aristoacuteteles tem

diante de si Parmecircnides recorre a este princiacutepio em todo o seu argumento do fr 8 e o reapresenta

e volta a enunciaacute-lo

43 A discussatildeo do meacutetodo

A descoberta fundamental de Parmecircnides eacute de que eacute impossiacutevel negar completamente (οὐ

γὰρ ἀνυστόν) o que eacute de forma que a tentativa de levar a cabo este processo acaba falhando

inexoravelmente A esta falha ele daacute o nome de μὴ εἶναι afinal a via do natildeo eacute eacute uma via falha eacute

e eacute necessaacuterio que seja falha μὴ εἶναι enquanto que a via do eacute natildeo pode ser falha natildeo pode ser

μὴ εἶναι Estabelecidos estes criteacuterios se pode proceder com seguranccedila (com persuasatildeo) no

caminho de pesquisa Como veremos mais adiante Parmecircnides proporaacute sua proacutepria pesquisa

seguindo o meacutetodo que ele excogitou mas antes disso (pela ordenaccedilatildeo Diels-Kranz) ele parece

prestar conta agrave sua cultura contemporacircnea e discute o meacutetodo em relaccedilatildeo aos outros procedimentos

praticados ateacute entatildeo

Como tivemos oportunidade de salientar Parmecircnides parece natildeo estar preocupado em fazer

criacuteticas a um colega ou a alguma escola especiacutefica Sua preocupaccedilatildeo parece ser mais ampla e a

criacutetica quer se referir ao homem em geral eacute uma criacutetica cultural ao modo de ver o mundo agravequilo

que hoje costumamos chamar weltanschaung Vamos entatildeo retomar esta discussatildeo apresentada nos

fragmentos 6 e 7 e abordar as passagens que ainda natildeo foram tratadas

141

431 Fragmento 6

Vamos comeccedilar pelos versos 1 e 2 do fragmento 6

χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι ἔστι γὰρ εἶναι

μηδὲν δ οὐκ ἔστιν τά σ ἐγὼ φράζεσθαι ἄνωγα

Tendo em mente a reflexatildeo do natildeo ser e as noccedilotildees que dela resultam natildeo eacute tatildeo difiacutecil entender

estas palavras quanto as discussotildees entre os estudiosos nos fazem imaginar Eacute verdade que satildeo

palavras muito controversas inclusive nas liccedilotildees e nas variantes mas eacute verdade tambeacutem que se

recorre a alternativas menos provaacuteveis quando o sentido natildeo aparece claramente ou quando aquele

que aparece natildeo eacute satisfatoacuterio No entanto noacutes identificamos o vocabulaacuterio que expressa as noccedilotildees

resultantes da meditaccedilatildeo Lembrando que o natildeo ser absoluto era impossiacutevel de ser alcanccedilado pelo

pensar cognitivo e que portanto a expressatildeo natildeo ser (τό μὴ ἐὸν) por natildeo ter sentido algum natildeo

deve ser usada (οὔτε φράσαις) fica claro que χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι eacute necessaacuterio

dizer e pensar (cognitivamente) que o ente eacute No fragmento 2 o natildeo ente (τό μὴ ἐὸν) natildeo pode

nem ser conhecido e nem dito logo aqui no fragmento 6 Parmecircnides diz que dizer e pensar que

o ente eacute se torna necessaacuterio isto eacute natildeo pode ser de outra forma pois se natildeo fosse necessaacuterio entatildeo

poderia-se dizer que o ente natildeo eacute ou que o natildeo ente eacute Mas como ele dissera dizer que o ente

natildeo eacute significa percorrer o caminho do natildeo eacute o qual eacute de todo impercorriacutevel

Podemos ver que o meacutetodo exposto no fragmento 2 comeccedila a ser discutido concretamente e

natildeo se trata mais do ἔστιν mas do ἐὸν De fato a palavra ἐὸν aparece primeiramente no poema

como negativa τό μὴ ἐὸν fato pouco notado pelos estudiosos jaacute no fragmento 2 (ver a discussatildeo

a respeito do τό μὴ ἐὸν no capiacutetulo 5) Como jaacute tivemos oportunidade de observar Parmecircnides

primeiro enuncia sua tese e depois apresenta os argumentos a favor Neste caso as noccedilotildees de (23)

ἔστιν e (25) οὐκ ἔστιν satildeo o resultado de um processo reflexivo argumentativo que comeccedila com o

142

τό μὴ ἐὸν que nada mais eacute do que a tentativa malograda (segundo o que Parmecircnides afirma) de

negar o ἐὸν Entatildeo a estrutura argumentativa de Parmecircnides revela que sua preocupaccedilatildeo inicial era

o ἐὸν que ele tentou negar sem sucesso alcanccedilando noccedilotildees novas e radicais sobre o mundo

Assim finalmente apoacutes a apresentaccedilatildeo do meacutetodo obtido pelas suas reflexotildees volta ao seu

tema predileto o ἐὸν Agora ele pode seguir com seguranccedila epistecircmica e em 61 afirma eacute

necessaacuterio dizer e pensar cognitivamente que o ente eacute (ἐὸν ἔμμεναι) Aqui mais uma vez nos

encontramos na ordem argumentativa parmenidiana onde primeiro enuncia e depois argumenta

portanto ele diz em 61b e 62a com efeito (γὰρ) ndash enquanto a tentativa de operar cognitivamente

com o natildeo ser (operar cognitivamente com o natildeo ser = μὴ εἶναι) eacute impossiacutevel (23b οὐκ ἔστι) ndash o

que necessariamente acontece (61 ἔστι) eacute o operar cognitivamente com o ser (61 εἶναι) onde

operar cognitivamente com o ser corresponde ao εἶναι A confirmar esta correspondecircncia com o

fragmento 2 Parmecircnides continua e o nada (a realizaccedilatildeo de μὴ εἶναι) natildeo eacute (οὐκ ἔστιν)

Lembrando que o presente trabalho visa entender a noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides estamos

interessados antes de tudo na semacircntica apresentada Este eacute o motivo de traduzir com parcialidade

(a parcialidade que nos leva a focar a semacircntica do natildeo ser) e aparentemente a forccedilar as palavras

do eleata Especificamente nestes dois versos e no seguinte a polecircmica entre os inteacuterpretes eacute furiosa

e eacute bom expor logo a minha posiccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves disputas em campo Segundo a interpretaccedilatildeo

por mim proposta do fragmento 2 encontra-se ali a exposiccedilatildeo de uma reflexatildeo sobre o natildeo ser e o

resultado que dela segue O resultado eacute uma proposta metodoloacutegica a respeito do pensar

cognitivamente em busca de argumentos persuasivos O meacutetodo segue por dois caminhos possiacuteveis

somente um dos quais se revela confiaacutevel enquanto que o outro eacute uma virtualidade que tem que ser

levada em conta sob pena de confundir duas noccedilotildees que jamais devem ser confundidas (pelo pensar

cognitivo epistecircmico) ser e natildeo ser ou como ele diz 23a ἔστιν e 25a οὐκ ἔστιν Trata-se de um

143

meacutetodo cognitivo

Dado este meacutetodo cognitivo se consegue extrair dele que

61a χρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναι

Esta eacute a tese de Parmecircnides como justamente afirma Cordero o qual traduz com um

impressionante es necessaacuterio decir y pensar que siendo se eacutes Esta tese natildeo eacute a repeticcedilatildeo do

primeiro caminho aquele da persuasatildeo que acompanha a verdade mas eacute o primeiro resultado da

aplicaccedilatildeo do meacutetodo descrito no fragmento 2 Parmecircnides passa a aplicar o meacutetodo e o primeiro

resultado eacute exatamente que assim como τό γε μὴ ἐὸν natildeo podia ser dito nem conhecido da mesma

maneira e pela mesma razatildeo o que eacute literalmente o que estaacute sendo deve ser dito e pensado

(cognitivamente) O motivo dessa necessidade eacute o que resulta da aplicaccedilatildeo do meacutetodo 61b ἔστι

γὰρ εἶναι ser eacute possiacutevel (em 23b natildeo ser era impossiacutevel οὐκ ἔστι μὴ εἶναι) enquanto que 62a

μηδὲν δ οὐκ ἔστιν o nada natildeo eacute (e em 23a simplesmente eacute simplesmente ἔστιν) Haacute uma simetria

complementar entre o verso 23 e a sua reafirmaccedilatildeo em 61b-62a ali o ser era afirmado e o natildeo

ser impossiacutevel aqui o ser eacute dito possiacutevel e o natildeo ser (nada) eacute negado Vemos assim o primeiro

exemplo de como o meacutetodo persuade eacute necessaacuterio dizer e pensar (cognitivamente) que o que estaacute

sendo eacute porque ndash eis a persuasatildeo o argumento ndash por um lado ser eacute possiacutevel e por outro lado nada

natildeo eacute

Como dissemos esta eacute a tese de Parmecircnides e eacute esta tese geneacutetica das demais que apareceratildeo

no fragmento 8 que a deusa comanda afirmar 62b τά γ ἐγὼ φράζεσθαι ἄνωγα Muitas vezes

dissemos e aqui reaparece de forma literal a deusa comanda que seja proclamado que soacute se pode

fazer um discurso epistecircmico a respeito do que eacute Do jeito dele Parmecircnides potildee na boca da deusa

a proclamaccedilatildeo de um princiacutepio universal o ἐὸν eacute a ἀρχή do mundo Isto seraacute articulado amplamente

no fragmento 8 mas antes disso Parmecircnides discutiraacute esse primeiro ponto em comparaccedilatildeo com as

144

ideias correntes e explicaraacute quais satildeo os erros dos mortais e quais as providecircncias necessaacuterias para

natildeo repeti-los Entatildeo no verso seguinte a deusa retoma focirclego e sugere ao disciacutepulo de seguir o

curso de aprendizagem primeiro teraacute de aprender os uacutenicos caminhos de pesquisa ao pensar e

depois deveraacute aprender a reconhecer o caminho errado Mas para a criacutetica do comeccedilo do seacuteculo

XX surgiu um problema que passamos a tratar e espero a resolver

432 Os versos 64 πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltgt

433 αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς

Estes versos natildeo apresentariam nenhum problema de interpretaccedilatildeo se um acaso histoacuterico natildeo

os houvesse transformados numa fonte de muitos mal-entendidos 195 Recentemente a causa

195Na ediccedilatildeo DK dos fragmentos a palavra entre aspas ltεἴργωgt eacute uma conjectura de Diels a preencher uma lacuna em

todos os manuscritos conhecidos de Simpliacutecio de onde foi retirada essa citaccedilatildeo A traduccedilatildeo com a conjectura de

Diels resulta ser a seguinte primeiro desta via de pesquisa te afasto e depois da outra (na qual os mortais etc)

A deusa parece alertar o disciacutepulo de que ele deve se afastar de duas vias primeiro uma e depois a outra nas quais

os mortais etc Em resumo e evitando toda a explicaccedilatildeo filoloacutegica se a deusa pede para o disciacutepulo se afastar de

duas vias e se haacute uma via que eacute a certa fazendo as contas o total resulta em trecircs vias as quais na simplificaccedilatildeo

didaacutetico-mnemocircnica acabaram recebendo o nome respectivamente de via do ser do natildeo ser e do ser e natildeo ser A

polecircmica se esvazia se se retira a conjectura arbitraacuteria e errada de Diels e se se reestabelece o entendimento de que

as vias satildeo duas a via da persuasatildeo e a via natildeo percorriacutevel do natildeo eacute Mas essas duas vias geram trecircs

comportamentos a) o homem instruiacutedo segue a primeira b) o homem instruiacutedo leva em conta e por isso evita a

segunda c) os mortais seguem a segunda afinal confundindo ser e natildeo ser Com isto fica claro que haacute um equiacutevoco

entre nuacutemero de vias e nuacutemero de maneiras de usaacute-las Palmer afirma que jaacute Platatildeo tinha identificado trecircs vias

aludindo a Repuacuteblica 5 476e-477b ldquoIn this case the structure of the argument at Republic 5476e-477b strongly

suggest that Plato saw Parmenides as distinguishing three separate pathsrdquo (Palmer 1999 p 40-41) mas eu concordo

com Hermann (2011 p 149 n 51) que afirma que que estas trecircs possibilidades correspondem mais a uma visatildeo

de Platatildeo do que a uma intenccedilatildeo de Parmecircnides Os mortais seguem uma terceira maneira um terceiro

comportamento natildeo uma terceira via Natildeo haacute terceira via elas satildeo soacute duas que usadas corretamente geram a noccedilatildeo

de contradiccedilatildeo a ser usada com proveito no caminho de inqueacuterito no entanto a segunda via quando eacute percorrida

(quando os mortais acham que a estatildeo percorrendo) gera um outro comportamento que em relaccedilatildeo aos dois

comportamentos do homem instruiacutedo (seguir uma e abandonar a outra) pode ser contado como um terceiro

comportamento Penso que natildeo vale a pena se aprofundar nesta confusatildeo restando apenas a questatildeo da conjectura

que pode substituir aquela de Diels Foram propostas algumas a principal das quais me parece ser aquela de

Cordero o estudioso que descobriu e evidenciou a impropriedade da conjectura de Diels Cordero propotildee um

ltἄρξειgt iniciaraacutes Seja para noacutes suficiente esta conjectura jaacute que nosso foco estaacute em outros pontos de forma que

possamos seguir adiante

145

principal dos desentendimentos foi identificada e os versos deixaram de apresentar problemas

Considerando que estes versos satildeo uma mera passagem sem nenhum interesse especiacutefico podemos

aceitar os argumentos de Cordero e preencher a lacuna com ltἄρξειgt iniciaraacutes que oferece entatildeo

este sentido aos versos primeiro iniciaraacutes por este caminho de pesquisa e depois por aquelerdquo

Assim podemos agora completar o sentido do inteiro fragmento o qual agora se apresenta claro agrave

interpretaccedilatildeo

ldquo eacute necessaacuterio dizer e pensar cognitivamente que o ente eacute pois ser eacute possiacutevel

e o nada natildeo eacute Estas coisas te ordeno que proclames

Primeiro por esta via de inqueacuterito ltiniciaraacutesgt

e depois por aquela outra que os mortais que nada sabem

forjam duplas cabeccedilas pois a falta de recursos em suas

mentes conduz operaccedilotildees cognitivas errantes sendo levados

como surdos e cegos perplexos massas sem criteacuterio

que consideram ser e natildeo ser o mesmo

e natildeo o mesmo e que de tudo haacute contra-direccedilatildeo de caminhordquo

A conclusatildeo principial a partir da aplicaccedilatildeo principial do meacutetodo eacute que o que estaacute sendo eacute

(ἐὸν ἔμμεναι) Esta tese cosmoloacutegica eacute obtida pelo meacutetodo exposto no fragmento 2 segundo o

qual ser eacute possiacutevel e nada natildeo eacute esta eacute a primeira via O disciacutepulo tem que seguir esta via mas

ao mesmo tempo tem que conhecer o comportamento dos mortais que acreditando seguir a outra

ndash isto eacute acreditando que quando pensam e dizem natildeo eacute se referem a algo ndash acabam forjando uma

via que de fato eacute impercorriacutevel completamente e natildeo leva a nada pois o nada natildeo eacute (μηδὲν δ οὐκ

ἔστιν) ela eacute apenas uma virtualidade O que faz com que os mortais se aventurem pelo caminho

impossiacutevel eacute uma falta de recursos em suas mentes Qual eacute o recurso que falta aos mortais Penso

que natildeo outro candidato a natildeo ser o meacutetodo exposto no fragmento 2 Eacute ele que permite distinguir

entre ser e natildeo ser e perceber que eles natildeo satildeo simeacutetricos mas radicalmente opostos Embora a

palavra natildeo esteja presente diretamente no texto por oposiccedilatildeo podemos dizer que o meacutetodo de

146

Parmecircnides eacute uma μηχᾰνή um artifiacutecio que permite realizar algo Parmecircnides diz neste fragmento

que o artifiacutecio tem como propoacutesito realizar a distinccedilatildeo entre ser e natildeo ser pois as massas sem

criteacuterio confundem ser e natildeo ser e suas mentes acabam sendo levadas ao inveacutes de levar a pesquisa

pelo caminho (argumento) persuasivo que acompanha a verdade

434 O fragmento 7 Os versos 1 e 2

Passamos agora completar a leitura do fragmento 7 interpretando os restantes dois versos

que natildeo foram discutidos anteriormente Naquela ocasiatildeo embora estiveacutessemos fazendo uma

interpretaccedilatildeo seletiva do vocabulaacuterio psicoloacutegico no poema e embora no verso 72 temos uma

palavra estritamente psicoloacutegica νόημα a tarefa natildeo pudera ser completada porque como agora jaacute

sabemos as noccedilotildees implicadas natildeo satildeo auto-evidentes e tivemos que fazer um esforccedilo

hermenecircutico para fazecirc-las emergir Vamos entatildeo ao texto

ldquoοὐ γὰρ μήποτε τοῦτο δαμῆι εἶναι μὴ ἐόντα

ἀλλὰ σὺ τῆσδ ἀφ ὁδοῦ διζήσιος εἶργε νόημαrdquo

A traduccedilatildeo em si natildeo oferece complicaccedilotildees maiores muito mais complicado eacute enteder o sentido

destas palavras e sua mensagem filosoacutefica que a todos intrigou desde a antiguidade principalmente

a Platatildeo que a cita no Sofista e a considera como motivo suficiente para justificar um parriciacutedio

filosoacutefico Jaacute tivemos oportunidade de analisar o primeiro verso no primeiro capiacutetulo Vamos

retomar aquela discussatildeo e comeccedilar traduzindo literalmente

Natildeo prevaleccedila (οὐδαμῆι) jamais (μήποτε) isto (τοῦτο) ser os natildeo entes

Tu poreacutem desta via de inqueacuterito afasta o pensamento

O verso 2 indica que se trata de um dos caminhos de inqueacuterito aquele do qual eacute necessaacuterio

se manter afastados porque eacute impercorriacutevel trata-se do segundo caminho que no fragmento 2 ele

147

chamou de παναπευθέα e que aqui eacute referido no uacuteltimo trecho do verso que os natildeo entes sejam

Esta proposiccedilatildeo eacute absurda portanto jamais prevaleceraacute mas levando em conta que haacute a

possibilidade de confusatildeo (ἄκριτα φῦλα) o disciacutepulo teraacute que manter seu pensamento (operaccedilotildees

cognitivas da mente) afastado desse caminho196 Vamos reduzir o verso agrave sua semacircntica essencial

assim como o apresentamos no primeiro paraacutegrafo eacute impossiacutevel (natildeo prevaleccedila jamais) que os natildeo

entes sejam Alguns autores aproveitam essa passagem para afirmar que Parmecircnides usa como

sinocircnimos ἐὸν e ἐόντα indiferentemente no singular e no plural Eu penso que a expressatildeo aqui eacute

teacutecnica e quer se referir ao ἔλεγχον ἐξ ἐμέθεν ῥηθέντα a prova por mim exposta de 7-56 De fato

o mesmo seraacute encontrado mais adiante (87-8 οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν natildeo

permitirei dizer e pensar que seja dos natildeo entes) a respeito de uma discussatildeo especiacutefica que estava

no centro dos interesses dos pensadores dessa eacutepoca a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo O sentido geral eacute

que pela impossibilidade dos natildeo entes virem a ser a geraccedilatildeo natildeo pode se dar isto eacute por natildeo ser

possiacutevel uma passagem do nada ao ser a geraccedilatildeo eacute impossiacutevel Se assim for esse sentido teacutecnico

de μὴ ἐόντα vem de encontro agraves recentes tentativas de reordenar os fragmentos do poema a partir

de uma nova valutaccedilatildeo da doxa isto eacute da segunda parte do poema Nesse caso uma parte das

afirmaccedilotildees referentes ao mundo fiacutesico (astronomia e biologia) deveriam ser colocadas antes do

fragmento 7 e supostamente seria a estas afirmaccedilotildees que a deusa quer se referir quando diz ldquoas

provas por mim expostasrdquo

196 Nussbaum considera a questatildeo do ponto de vista da convenccedilatildeo cultural comparando o texto parmenidiano com

uma descriccedilatildeo retirada das Nuvens de Aristoacutefanes ldquoThe strong conventionalist by his claim that we can do

(believe) otherwise means that we can choose to adopt other conventions Parmenides means something stronger

still that we can choose to do without convention altogether we can become in thought wholly other than we are

The poems use of the language of religious initiation is not simply decorative but fundamental to its meaning By

the use of human reason we are to be converted away from our humanityrdquo (Nussbaum 1979 p 79)

148

Portanto seguindo para o verso 2 a deusa alerta que o disciacutepulo natildeo deve argumentar

(estruturar a reflexatildeo da pesquisa) seguindo essa linha de reflexatildeo onde ldquoos natildeo entes satildeordquo pois

significaria fazer uma equivalecircncia entre ser e natildeo ser fato rejeitado pela reflexatildeo do natildeo ser pelo

preceito da deusa pelo meacutetodo obtido pelo resultado alcanccedilado no princiacutepio coacutesmico que afirma

que ldquoeacute necessaacuterio pensar e dizer que o ser (o que estaacute sendo ἐόν) eacuterdquo Por esta razatildeo o disciacutepulo

deve cuidar de natildeo cair nas malhas do pensamento errocircneo que se forma pelo haacutebito o qual forccedila

(βιάσθω) uma maacute utilizaccedilatildeo dos sentidos e por outro lado o haacutebito tambeacutem acaba impelindo a

julgar pelo discurso (pela seduccedilatildeo da retoacuterica) Segundo essa recente interpretaccedilatildeo ndash com a qual eu

concordo ndash de κρῖναι δὲ λόγωι nos encontrariacuteamos finalmente diante de uma expressatildeo referida a

uma persuasatildeo que natildeo acompanha a verdade Assim como haacute o caminho de persuasatildeo que

acompanha a verdade isto eacute aquele caminho que gera discursos persuasivos segundo a persuasatildeo

verdadeira assim tambeacutem haacute o caminho (forjado pelos mortais) que produz discursos persuasivos

natildeo acompanhados de feacute verdadeira (πίστις ἀληθής) Por que estes discursos persuasivos sem feacute

verdadeira convencem Porque por um lado os mortais natildeo dispotildeem da mechane mas por outro

lado eles satildeo forccedilado por sua cultura tanto por percepccedilotildees natildeo isentas de distorccedilotildees culturais

quanto pelo discurso sedutor o qual dada a autoridade do orador pretende prescindir de criteacuterios

de verificaccedilatildeo externos ao discurso Parmecircnides sugere que o discurso natildeo seja julgado por criteacuterios

internos ao discurso mas por uma mechaneacute externa o meacutetodo que ele propotildee

Vemos assim de quantas maneiras Parmecircnides estaacute explicando seu meacutetodo pela meditaccedilatildeo

inicial pela estruturaccedilatildeo de uma maneira coerente (conexa) de pensar pela afirmaccedilatildeo de um

priciacutepio (archeacute) cosmoloacutegico pela criacutetica agrave gnoseologia do homem comum e pela criacutetica cultural agrave

cultura tradicional que prefere seguir a persuasatildeo de discursos tradicionais ao inveacutes de discutir as

afirmaccedilotildees pelo preceito que a deusa ofereceu Chegamos portanto ao momento em que cabe a

149

ele expor a cosmologia segundo o preceito da deusa ele o faz no fragmento 8 que noacutes analisaremos

a seguir

44 A aplicaccedilatildeo do meacutetodo

Parmecircnides aplica seu meacutetodo no longo fragmento 8 um texto riquiacutessimo cujo estudo daacute

espaccedilo para muitos enfoques e muitas discussotildees para cada enfoque A nossa premissa eacute que natildeo

faremos um estudo exaustivo do fragmento 8 mas tatildeo somente daquelas partes do fragmento

atinentes ao natildeo ser e somente nos aspectos pertinentes a este tema Reportaremos trecho a trecho

as partes a serem estudadas e indicaremos tambeacutem quais partes seratildeo deixadas de lado

Antes de entrar no meacuterito dos versos conveacutem fazer uma ilustraccedilatildeo panoracircmica do trecho

Tarefa em princiacutepio bastante difiacutecil porque por serem estes os versos onde Parmecircnides expotildee sua

concepccedilatildeo de ser eacute dos mais estudados o que implica ndash dado o estado do texto as condiccedilotildees de

transmissatildeo o assunto e a forma como eacute abordado ndash uma amplificaccedilatildeo maacutexima por parte dos

estudiosos das ambiguidades de todo tipo que o escrito apresenta Em suma uma apresentaccedilatildeo

panoracircmica implicaria uma interpretaccedilatildeo e esta deveria ser justificada agrave frente das vaacuterias e bem

fundamentadas interpretaccedilotildees dos estudiosos Este problema pode ser contornado recorrendo a um

trabalho precioso e original que realmente excele pela lucidez da anaacutelise Trata-se de ldquoLa structure

du poeme de Parmeacuteniderdquo de Livio Rossetti texto inteiramente dedicado a desvendar e tornar clara

a arquitetura de exposiccedilatildeo do poema A ele recorremos para identificar a particcedilatildeo dos assuntos neste

longo fragmento e principalmente porque ele evidencia a sua estrutura demonstrativa Diz Rossetti

(p 208)

ldquo[] chegou a hora para a deusa de Parmecircnides de expor a conclusatildeo doutrinal

(μόνος δ ἔτι μῦθος ὁδοῖο λείπεται) Noacutes podemos ver claramente que esta conclusatildeo ndash

150

autecircntico cliacutemax de todo o primeiro logos ndash se divide na afirmaccedilatildeo peremptoacuteria ldquoque eacuterdquo a

passagem em revista dos cinco (ou seis) semata relativos agrave caracteriacutesticas do eon e logo

em seguida o iniacutecio de um itineraacuterio soberbo de demonstraccedilatildeo Os semata tecircm o estatuto

de demonstranda (o ser eacute ageneton anolethron oulomeles atremes e ateleston) e a

exposiccedilatildeo segue um desenvolvimento que reflete a sucessatildeo dos demonstranda parando

com a ecircnfase apropriada sobre a alternativa fundamental apresentando um uso recorrente

e natildeo habitual da conjunccedilatildeo gar no duplo sentido de because (ldquop eacute dado que qrdquo) e de then

(ldquose tudo isto eacute verdade entatildeo eacute verdade tambeacutem que prdquo) e dando lugar a algumas

expressotildees que se aproximam de modo significativo do claacutessico quod erat demonstrandum

dos matemaacuteticosrdquo197

Esse aspecto do rigor da exposiccedilatildeo ateacute agora fora apenas timidamente apontado por parte

de alguns criacuteticos e pelo que eu sei cabe a Rossetti o meacuterito de evidenciar esse vocabulaacuterio Vamos

entatildeo com a ajuda dele ver mais de perto estas palavras e as subseccedilotildees do fragmento que elas

marcam198

197Rossetti 2010 p 208 ldquo[] le moment eacutetait venu pour la deacuteesse de Parmeacutenide drsquoen tirer la conclusion doctrinale

(μόνος δ ἔτι μῦθος ὁδοῖο λείπεται) Nous pouvons voir clairement que cette conclusion ndash authentique climax de

tout le premier logos ndashse divise en lrsquoaffirmation peacuteremptoire laquo que est raquo le passage en revue des cinq (ou six)

semata relatifs aux caracteacuteristiques de lrsquoeon et tout de suite apregraves le commencement drsquoun superbe itineacuteraire

deacutemonstratif Les semata ont le statut de demonstranda (lrsquoecirctre est ageneton anolethron oulomeles atremes et

ateleston) et lrsquoexposeacute se poursuit par un deacuteveloppement qui reflegravete la succession des demonstranda srsquoarrecirctant avec

lrsquoemphase convenable sur lrsquoalternative fondamentale preacutesentant un emploi reacutecurrent et inhabituel de la conjonction

gar au double sens de because (laquo p eacutetant donneacute que q raquo) et de then (laquo si tout cela est vrai alors il est vrai aussi que

praquo) et faisant mecircme place agrave des expressions qui se rapprochent de faccedilon significative du classique quod erat

demonstrandum des matheacutematiciensrdquo 198Ibidem ldquoLes expressions qui eacutequivalent au QED sont les suivantes

Alors (οὕτως) il est neacutecessaire qursquoil soit complegravetement ou qursquoil ne soit pas du tout helliphelliphelliphellip B811

Il est deacutecideacute donc (κέκριται δ οὖν) que lrsquoune des deux ltoptionsgthellip tandis que lrsquoautrehellip B816-18

Et ainsi (τὼς) la naissance est eacutelimineacutee agrave lrsquoeacutegal de la mort obscure B821

En vertu de quoi (τῶι) il est tout entier continu en effet lrsquoecirctre srsquoattache agrave lrsquoecirctre B825

En vertu de quoi (τῶι) seront des noms toutes ces choseshellip B838-39

Non moins significativement apregraves chacun de ces eacutenonceacutes formant la conclusion de chaque deacutemonstration

apparaissent des formules de transition indiscutablement paratactiques qui de toute eacutevidence servent agrave ouvrir la

voie agrave un nouvel itineacuteraire deacutemonstratif [Seguem as citaccedilotildees em grego]rdquo

151

ldquoAs expressotildees que equivalem ao QED satildeo as seguintes

Assim (οὕτως) eacute necessaacuterio que seja completamente ou que de todo naotilde seja B

811

Estaacute decidido portanto (κέκριται δ οὖν) que uma das duas ltopccedilotildeesgt

hellip enquanto a outra B

816-18

E assim (τὼς) o nascimento eacute eliminado igualmente agrave morte obscura B

821

Em virtude de que (τῶι) eacute todo inteiro continuo com efeito o ser adere ao ser B

825

Em virtude de que (τῶι) seratildeo nomes todas estas coisas B

838-39

Natildeo menos significativamente depois de cada um desses enunciados que formam a

conclusatildeo de alguma demonstraccedilatildeo aparecem umas foacutermulas de transiccedilatildeo indiscutivelmente

parataacuteticas que com toda evidecircncia servem a abrir o caminho a um novo itineraacuterio demonstrativo

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος κτλ (B812)

τοῦ εἵνεκεν (B813)

πῶς δ ἂν ἔπειτα πέλοι (B819)

οὐδὲ οὐδὲ οὐδὲ (B822-24)

αὐτὰρ ἀκίνητον μεγάλων κτλ (B826)

αὐτὰρ ἐπεὶ πεῖρας πύματον (B842)

Apoacutes essa breve panoracircmica focada a evidenciar a estrutura argumentativa podemos ir aos

primeiros versos do fragmento 8 na ediccedilatildeo de Diels-Kranz (81-6)

μόνος δ ἔτι μῦθος ὁδοῖο

λείπεται ὡς ἔστιν ταύτηι δ ἐπὶ σήματ ἔασι

πολλὰ μάλ ὡς ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν

152

ἐστι γὰρ οὐλομελές τε καὶ ἀτρεμὲς ἠδ ἀτέλεστον199

οὐδέ ποτ ἦν οὐδ ἔσται ἐπεὶ νῦν ἔστιν ὁμοῦ πᾶν

ἕν συνεχές

Depois de tudo que foi dito ateacute agora o primeiro verso ateacute a primeira metade do segundo

deveria ser claro ldquoresta ainda uma uacutenica palavra do caminho que eacuterdquo O caminho que deve ser

seguido eacute aquele apresentado em 23 mas aqui numa versatildeo reduzida talvez numa expressatildeo

meramente didaacutetica resta somente uma palavra do caminho (de pesquisa para operar

cognitivamente) ldquoque eacuterdquo Exceto o nosso acreacutescimo entre parecircnteses este eacute o sentido geral que

todo estudioso aceita mas haacute divergecircncias quanto agraves liccedilotildees transmitidas agrave sintaxe e tambeacutem quanto

ao sentido mais preciso das expressotildees principalmente em relaccedilatildeo a μῦθος que pode ser traduzido

de vaacuterias maneiras embora aqui chamando agrave memoacuteria o outro uso que Parmecircnides faz (B 21)

tem mais o sentido de discurso fala noticia

82b-6a Os proacuteximos versos satildeo muito problemaacuteticos jaacute pela transmissatildeo do texto satildeo os

versos mais corrompidos de todo o poema Fazer uma anaacutelise minimamente satisfatoacuteria requer um

trabalho minucioso de comparaccedilatildeo entre os (muitos) doxoacutegrafos entre as variantes de cada

doxoacutegrafo e entre as correccedilotildees dos editores Aqui este trabalho natildeo nos ajuda no nosso tema porque

estes versos satildeo o anuacutencio dos sinais do eon que seratildeo demonstrados no resto do fragmento esta

parte pode ser considerada uma apresentaccedilatildeo ou um iacutendice ou segundo Rossetti uma apresentaccedilatildeo

dos demonstranda e natildeo entram no meacuterito da aplicaccedilatildeo do meacutetodo de Parmecircnides Damos entatildeo o

sentido geral com algumas poucas consideraccedilotildees O sentido geral eacute este ldquosobre o caminho haacute

199Este eacute o termo reportado por Diels-Kranz

153

muitas provas200 de que sendo (ἐὸν) ingecircnito eacute tambeacutem impereciacutevel pois eacute inteiro inabalaacutevel e

completo nem era nem seraacute pois eacute todo homogecircneo uno contiacutenuo Sobre o caminho do ἔστιν haacute

muitas provas (σήματα) as quais provam os atributos de algo este algo dependendo da

interpretaccedilatildeo que se daacute agraves palavras ὡς ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν (1) pode estar presente

como sujeito expliacutecito e neste caso se traduziria ldquoo que eacuterdquo201 eacute ingecircnito e incorruptiacutevel etc ou

(2) pode se entender o sujeito como impliacutecito (sujeito que eacute o proacuteprio ἐὸν e que apareceraacute mais

adiante em 819) e traduzir sendo ingecircnito eacute tambeacutem incorruptiacutevel etc Noacutes preferimos a segunda

alternativa pois ressalta mais a estrutura rigorosa da argumentaccedilatildeo parmenidiana haacute muitas provas

de que sendo ingecircnito eacute tambeacutem incorruptiacutevel No entanto neste caso os σήματα natildeo satildeo mais os

atributos listados nos primeiros 5 versos do fragmento 8 como traduz a interpretaccedilatildeo tradicional202

200 σῆμα eacute propriamente o sinal dos oraacuteculos mas enquanto sinal pode significar muitas coisas aqui a meu ver

significa mais sinal de certificaccedilatildeo (LSJ ldquo5 token by which any onersquos identity or commission was certifiedrdquo) isto

eacute mais propriamente em Parmecircnides prova (LSJ σημεῖον = σῆμα II 2 in reasoning a sign of proof) De fato

embora este sentido esteja registrado somente depois de Parmecircnides (como reportado no LSJ) jaacute estaacute presente em

Melisso o qual usa sem duacutevida um vocabulaacuterio parmenidiano (Galgano 2010 p 91 e passim) de forma muito

clara no fr 81 onde diz ldquo(1) Eacute pois esse argumento a mais importante prova (σημεῖον) de que (o ser) eacute apenas

um mas tambeacutem (haacute) as seguintes provas (σημεῖα)rdquo (Trad Borges I L)

Segundo Imbraguglia o uso de vocabulaacuterio eacutepico para noccedilotildees certamente novas como aquela de

ldquodemonstraccedilatildeordquo pode ser assim explicado ldquoParmecircnides usa teacutecnicas [de escrita] que satildeo proacuteprias da cultura

sacerdotal e da nobreza [hellip] Original eacute o uso por parte de Parmecircnides a liacutengua do poieteacutes natildeo eacute mais usada para

transportar o ouvinte do ambiente linguiacutestico do cotidiano para atmosfera encantada do eacutepos mas para se expressar

de um modo o mais possiacutevel formalizado e a linguagem e as teacutecnicas linguiacutesticas do oraacuteculo servem para realizar

verdadeiros caacutelculos loacutegicosrdquo (Inbraguglia 1974 p 9-10 n 5)

Por esta razatildeo eu penso que esteja corretto McKiraham quando diz ldquo Eacute opiniatildeo geral que os sinais satildeo os

atributos listados nestas linhas Mas Parmecircnides natildeo diz que haacute muitos sinais incluindo ldquoingecircnitordquo ldquoimpereciacutevelrdquo

etc Ao inveacutes disso ele diz que haacute muitos sinais de que o-que-eacute eacute ingecircnito impereciacutevel etc A afirmaccedilatildeo faz mais

sentido se entendermos os ldquosinaisrdquo como os argumentos que indicam (eu diria provam) que o-que-eacute tem os

atributos em questatildeordquo (McKirahan 2008 p 221 n 9)

Para um aprofundamento da noccedilatildeo de prova (rigorosa) na linguagem preacute-euclideana veja-se a discussatildeo dos

termos em Szabo 1970 185 201Literalmente o que estaacute sendo que em portuguecircs pode ser traduzido com o ente do latim ens eacutentis forjado como

particiacutepio presente de sum (Houaiss verbete ente) desde que ente seja entendido no seu sentido mais geral isto

eacute absoluto diferentemente da noccedilatildeo corrente a qual costuma ser referida a um ente relativo 202O entendimento de que os σήματα satildeo os atributos eacute quase unanimidade entre os comentadores mais antigos Burnet

(tokens) Cornford Diels (1897) Gigon Guthrie Jaeger Zafiropulo mais recentemente Mourelatos Ruggiu

154

mas satildeo as demonstraccedilotildees que se seguem ao longo do fragmento 8

441 Ἐὸν eacute ingecircnito e impereciacutevel

O primeiro dos σήματα apresentado por Parmecircnides correspondente ao primeiro dos

atributos eacute a natildeo geraccedilatildeo Em sua eacutepoca saber da origem das coisas significava conhecer as

coisas 203 conhecer sua natureza iacutentima ou simplesmente sua natureza como se expressa

claramente no sentido da palavra φύω que originariamente significava simplesmente existir ser e

que soacute sucessivamente passou a significar crescer O fato de ser o primeiro dos atributos e de

receber proporcionalmente mais atenccedilatildeo do que os outros potildee em evidecircncia toda a importacircncia

deste assunto para Parmecircnides e como noacutes sabemos para os demais pesquisadores da eacutepoca

Tendo entatildeo em mente a discussatildeo da eacutepoca a respeito dos princiacutepios e das origens de todas

as coisas como contexto intelectual no qual inserir esta prova podemos entender sua importacircncia

histoacuterica repleta de consequecircncias para todo o pensamento sucessivo Vamos entatildeo ao texto

τίνα γὰρ γένναν διζήσεαι αὐτοῦ

πῆι πόθεν αὐξηθέν οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω

φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν οὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν

ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστι τί δ ἄν μιν καὶ χρέος ὦρσεν

ὕστερον ἢ πρόσθεν τοῦ μηδενὸς ἀρξάμενον φῦν

οὕτως ἢ πάμπαν πελέναι χρεών ἐστιν ἢ οὐχί

Taraacuten e outros Contra Cerri 1999 ldquoargomentazioni cogentirdquo p 214 Cordero 2005 ldquopruebas (para no decir

ldquodemonstracionesrdquo)rdquo p 193 203Eacute Aristoacuteteles que recolhe e formaliza (e em sua proacutepria filosofia desenvolve) esse autecircntico alicerce da cultura

grega quando afirma entre inuacutemeras outras passagens em sua obra ldquoὅτι μὲν οὖν ἡ σοφία περί τινας ἀρχὰς καὶ

αἰτίας ἐστὶν ἐπιστήμη δῆλονrdquo (Eacute evidente que a sabedoria eacute uma ciecircncia a respeito de certos princiacutepios e certas

causas) Metaph 982a

155

86b-7a O texto abre com duas perguntas que geraccedilatildeo pois procuraraacutes dele Como de

onde teria crescido Muitos dos inteacuterpretes entendem que satildeo perguntas retoacutericas que a deusa

refutaraacute por reductio ad absurdum204 Eu penso que a forma poeacutetica natildeo deve desviar nossa atenccedilatildeo

pois como vimos Parmecircnides usa a linguagem eacutepica para formalizar sua expressatildeo205 Penso

entatildeo que estas perguntas satildeo a formalizaccedilatildeo do problema da origem (archeacute) isto eacute satildeo o problema

inicial de onde parte a pesquisa parmenidiana Veremos em breve como reconstruir o argumento

mas por enquanto temos (1) a enunciaccedilatildeo da tese e (2) a formulaccedilatildeo do problema inicial a pergunta

que desencadeia a pesquisa

87b-8a Duas afirmaccedilotildees colocadas depois de duas perguntas parecem mesmo duas

respostas do natildeo ente (ἐκ μὴ ἐόντος) natildeo permitirei (οὐδ ἐάσσω) que digas e pense pois natildeo

diziacutevel nem pensaacutevel eacute o que natildeo eacute A deusa diz com voz imperativa que ela natildeo permitiraacute que se

diga e pense que se tenha geraccedilatildeo e crescimento desde o natildeo ente Haacute aqui o enunciado de uma lei

universal sob forma de uma lei proclamada por voz divina natildeo eacute permitido dizer e pensar que a

origem venha do natildeo ser Mas a deusa natildeo para no simples preceito ela continua e acrescenta uma

justificaccedilatildeo haacute um motivo para a sua proibiccedilatildeo e consiste no fato de que o natildeo eacute natildeo pode ser dito

e nem pensado Noacutes jaacute conhecemos o sentido de οὐκ ἔστι e tambeacutem de φάσθαι similar ao de

φράσαις de 28 e de νοεῖν similar ao de γνοίης de 27 pois os encontramos com as mesmas noccedilatildeo

e circunstacircncias no fr 2 Conveacutem poreacutem fazer uma pausa para refletir a respeito de um tema

204Cordero 2005 p 195 ldquoseudocuestionamentordquo Mourelatos 2008 p 98 ldquorethorical questionrdquo Robinson 1975 p

628 ldquoputative questionrdquo Ruggiu 1975 p 240 ldquointerrogativa retoricardquo 205Coxon relembra ldquoThese opening questions resemble and perhaps echo the conventional Homeric greeting τίς

πόθεν εἶς ἀνδρῶν πόθι τοι πόλις ἠδὲ τοκῆες [lsquoWho are you and from where Where is your city your parentsrsquo]rdquo

(Coxon p 317)

156

raramente abordado pelos estudiosos dedicados a Parmecircnides trata-se da questatildeo da posiccedilatildeo do

natildeo ser nas cosmovisotildees contemporacircneas e anteriores a Parmecircnides Faremos desta reflexatildeo um

intermezzo e voltaremos depois aos nossos versos

442 Intermezzo O natildeo ser na experiecircncia do devir

A expressatildeo da deusa eacute interessante Se de fato ela estaacute ensinando a respeito da gecircnese das

coisas agrave pergunta ldquoo que daria origem ao enterdquo ela responde ldquonatildeo permito que digas e pense que

seja o natildeo ser a dar origem ao enterdquo A singularidade da resposta consiste no fato de introduzir um

elemento culturalmente novo o natildeo ser Mas se esse elemento eacute novo por que o kouros deveria

possivelmente dizer e pensar o natildeo ser Ele faria isto se ele tivesse o natildeo ser como opccedilatildeo de

resposta Em outras palavras a proibiccedilatildeo da deusa implica que o disciacutepulo conheccedila ou use o ldquonatildeo

serrdquo Parmecircnides criticara antes (fr 6 e 7) a atitude dos mortais os quais misturam ser e natildeo ser

mas naquele caso se tratava claramente da operatividade das noccedilotildees dentro da coerecircncia do

discurso Aqui estaacute se falando da geraccedilatildeo do eon e culturalmente natildeo se justifica em princiacutepio a

hipoacutetese de um natildeo ser enquanto entidade cosmoloacutegica capaz de possivelmente dar geraccedilatildeo ao

ser Nas cosmogonias e cosmologias gregas natildeo se encontra uma noccedilatildeo de negatividade absoluta

geradora de algo aliaacutes natildeo se encontra nenhum conceito tatildeo abstrato nem negativo e nem positivo

os conceitos principiais satildeo sempre materializados e ou divinizados mais ou menos

monstruosamente ou antropomorficamente

Diante de tal estranheza buscou-se a noccedilatildeo de natildeo ser fora da Greacutecia Natildeo haacute nada similar

nas religiotildees e sabedorias mediterracircneas e meacutedio-orientais mas haacute uma passagem muito similar

em textos indianos Numa das Upanixades mais antigas a Chāndogya Upaniṣad se encontra um

157

texto muito similar ao texto parmenidiano (retraduzo de traduccedilatildeo italiana)

ldquo1 No iniacutecio meu caro natildeo havia nada mais que o ser [sat] uacutenico e sem segundo Na

verdade outros dizem No iniacutecio havia o natildeo ser [a-sat] uno e sem segundo deste natildeo ser

nasceu o ser 2 Poreacutem como poderia ser assim meu caro Como pode o ser nascer do natildeo

ser Na verdade eacute o ser o qual existia no iniacutecio das coisas o ser somente e sem segundordquo206

A semelhanccedila com o texto dos versos 86-8 de Parmecircnides eacute impressionante Tomou o eleata

suas ideias da sabedoria indiana Inspirou-se nela De prima facie somos tentados a responder que

sim Todavia com essa aceitaccedilatildeo os problemas historiograacuteficos aumentam ao inveacutes de diminuir

Antes de tudo a questatildeo especiacutefica da influecircncia indiana sobre Parmecircnides se coloca dentro da

questatildeo maior da influecircncia do oriente em geral sobre a cultura e portanto sobre a filosofia grega

tema espinhosiacutessimo e longe de estar resolvido apoacutes quase dois seacuteculos de debates Depois mesmo

nos limitando apenas a Parmecircnides os estudiosos divergem West acha que Parmecircnides eacute

supervalorizado pois ele tem menos originalidade de que se lhe atribui por pertencer a um

panorama cultural comum natildeo soacute na Greacutecia como na aacuterea mediterracircnea como um todo207 Alguns

artigos mais recentes embora mais criacuteticos do que West agrave influecircncia oriental parecem reconhecer

ao menos a semelhanccedila da problemaacutetica filosoacutefica Suto208 mais prudentemente afirma que um

intercacircmbio no VI sec aC era historicamente possiacutevel e ateacute provaacutevel e que haacute muitas

correspondecircncias temaacuteticas entre assuntos especiacuteficos de Parmecircnides (ser e natildeo ser e suas relaccedilotildees

206Chāndogya Upaniṣad 6II traduccedilatildeo italiana Filippani-Ronconi 1960 207Para ele a influecircncia indiana eacute um fato histoacuterico que aconteceu entre 550 e 480 aC Quando os Persas invadindo

as costas das colocircnias jocircnicas trouxeram consigo ldquoo presente dos reis magosrdquo isto eacute as influecircncias das culturas

meacutedio-orientais e orientais Por isso ele pensa que estas influecircncias natildeo devem ter alcanccedilado Parmecircnides via

pitagorismo mas deve ter sido mesmo heranccedila cultural vinda dos pais e dos foceanos em geral que a sofreram

antes de afinal emigrar fugindo da guerra (West 1971 p 287-269) 208Scuto 2010

158

com o mundo da natureza) e os texto religiosos e filosoacuteficos indianos anteriores ao VI seacuteculo aC

jaacute Ruzsa209 apoacutes uma anaacutelise bastante exaustiva chega a estimar as probabilidades matemaacuteticas

dos dois autores (Parmecircnides e o autor da Chāndogya Upaniṣad em questatildeo Uddālaka Āruṇi) ter

tratado temas similares independentemente 001 (1 chance em 1000) isto leva agrave conclusatildeo da

dependecircncia entre os textos restando definir se Parmecircnides tomou de Uddālaka Āruṇi ou vice-

versa o autor opta pela influecircncia indiana sobre o grego

Os problemas historiograacuteficos satildeo muitos antes de tudo os problemas de dataccedilatildeo

principalmente dos textos indianos em relaccedilatildeo aos quais haacute muito desacordo entre os estudiosos

Depois o problema de perspectiva pois natildeo basta afirmar que o Ser eacute um para configurar uma

afirmaccedilatildeo filosoacutefica ao inveacutes de uma religiosa ou ateacute mesmo de uma expressatildeo esteacutetica resultado

de alguma experiecircncia subjetiva Certamente e apesar da opiniatildeo de West o texto de Parmecircnides

eacute profundamente inovador natildeo soacute em relaccedilatildeo agrave cultura grega avanccedilada de sua eacutepoca como tambeacutem

em relaccedilatildeo agraves proacuteprias Upaniṣad em questatildeo210 de onde supostamente ele teria aprendido a

sabedoria de que fala em seu poema Por outro lado o estudo das influecircncias culturais em eacutepocas

arcaicas depende de disciplinas que escapam ao labor filosoacutefico principalmente dedicado aos

209Ruzsa 2002 210Ruzsa op Cit p 4 ldquoThere are also two really significant innovations in Parmenides logic and the number of

formsrdquo Gostaria de acrescentar para esclarecer que o fato de que Parmecircnides use a loacutegica natildeo significa que

enquadrou as ideias a respeito de ser e natildeo ser dentro de uma metodologia linguiacutestica que chamamos loacutegica mas

significa que Parmecircnides ndash mesmo que tenha tomado as ideias emprestadas das Upanixades ou de qualquer outro

mito grego (e natildeo podia ser diferente pois natildeo se consegue inventar uma cultura ex-novo) ndash reconsiderou refletiu

e visualizou-as numa nova ordem (weltanschaung) tarefa esta das mais radicais na atividade filosoacutefica Ou seja a

novidade natildeo eacute a loacutegica na qual Parmecircnides encaixa ser e natildeo ser mas a reflexatildeo filosoacutefica sobre ser e natildeo ser a

qual gerou a loacutegica (melhor seria dizer a ontologia) implicada filosoficamente naquelas noccedilotildees e exposta atraveacutes

de uma elaboraccedilatildeo (que viraacute a ser chamada de reflexatildeo filosoacutefica ou seja uma reflexatildeo especiacutefica com

caracteriacutesticas autocircnomas em relaccedilatildeo a outros tipos de reflexatildeo por exemplo a reflexatildeo artiacutestica) original que de

fato influenciou profundamente a histoacuteria humana primeiro do ocidente e depois tambeacutem do oriente

159

textos assim aqueles estudos avanccedilaratildeo na medida do avanccedilo de estudos arqueoloacutegicos em todas

as ramificaccedilotildees e das tecnologias capazes de resolver os problemas colocados pelo filtro do tempo

Infelizmente as aacutereas envolvidas nestes estudos arqueoloacutegicos ndash desde a Turquia ateacute a Iacutendia ndash

continuam devassadas por infindaacuteveis conflitos violentos de toda natureza deixando-nos ceacuteticos a

respeito da aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos em curto ou ateacute meacutedio prazos

Voltando agrave expressatildeo da deusa parece claro que o kouros inclui entre as possibilidades de

respostas aquela de que seja o natildeo ser um princiacutepio gerador Penso que este seja um ponto obscuro

uma aacuterea de sombra que emergiu ao longo da presente pesquisa e que natildeo foi possiacutevel esclarecer

Restam entatildeo as perguntas em quais contextos culturais (gregos ou natildeo) se aceitava a possibilidade

que o natildeo ser tivesse a capacidade de gerar Esta possibilidade era uma possibilidade teoacuterica

elaborada em acircmbito cientiacutefico ou se referia apenas agrave opiniatildeo comum naif de que no fluxo do

acontecer as coisas simplesmente aparecem (do nada) Se era uma noccedilatildeo teoacuterica poderia ter um

antecedente no ἄπειρον de Anaximandro noccedilatildeo inteiramente negativa embora de certa forma

menos abstrata que o οὐκ ἔστιν parmenidiano Se Parmecircnides se referia agrave noccedilatildeo comum agrave

experiecircncia corriqueira (mas justamente por isto muito menos visiacutevel) entatildeo ele foi um observador

mais do que extraordinaacuterio hipoacutetese de uma perspicaacutecia que natildeo pode ser descartada mas que se

apresenta realmente difiacutecil de lhe creditar Seja como for resta o fato de que Parmecircnides analisa os

princiacutepios possiacuteveis da geraccedilatildeo incluindo entre eles o natildeo ser como alternativa aparentemente jaacute

presente na cultura da eacutepoca Sem ter alcanccedilado resultados satisfatoacuterios sobre esse assunto

voltamos agora ao argumento do poema

87b-8a Retomada Das duas afirmaccedilotildees a proibiccedilatildeo da deusa e sua justificaccedilatildeo somente

uma eacute a resposta agraves duas perguntas julgadas a meu ver erradamente retoacutericas pelo criacuteticos A outra

eacute afirmaccedilatildeo do instrumento argumentativo que vai ser usado para responder A tese eacute (1) o eon eacute

160

ingecircnito e impereciacutevel o problema ao qual esta tese responde eacute (2) de onde nasce o eon o

instrumento para resolver o problema eacute (3) o preceito que foi descrito no fragmento 2 ldquonatildeo diziacutevel

nem pensaacutevel eacute o que natildeo eacuterdquo e finalmente a primeira das vaacuterias respostas ao problema ldquonatildeo

permitirei que digas e pense que seja o natildeo serrdquo (οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν)

Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo tem que ser desdobrada da seguinte forma por um lado o natildeo ser natildeo eacute de

onde nasce o eon e por outro lado o natildeo ser natildeo pode ser usado no argumento (pensamento

cognitivo e discurso) porque ele eacute uma noccedilatildeo sem sentido Portanto a sequecircncia deve ser entendida

assim

(1) tese o eon eacute ingecircnito e impereciacutevel (83 ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν)

(2) problema de onde eacute gerado o eon (86-7 τίνα γὰρ γένναν διζήσεαι αὐτοῦ πῆι

πόθεν αὐξηθέν)

(3) axioma da contradiccedilatildeo ldquonatildeo diziacutevel nem pensaacutevel eacute o que natildeo eacuterdquo (88-9 οὐ γὰρ

φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστι)

(4) axioma da natildeo contradiccedilatildeo ldquonatildeo eacute permitido dizer e pensar o natildeo serrdquo isto eacute usar o

natildeo ser no argumento (87-8 οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν) logo

(5) Conclusatildeo o eon natildeo nasce do natildeo ser (87 οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος) o que confirma a tese (1)

89-13 O crescimento

τί δ ἄν μιν καὶ χρέος ὦρσεν

ὕστερον ἢ πρόσθεν τοῦ μηδενὸς ἀρξάμενον φῦν

οὕτως ἢ πάμπαν πελέναι χρεών ἐστιν ἢ οὐχί

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος ἐφήσει πίστιος ἰσχύς

γίγνεσθαί τι παρ αὐτό

Encontramos agora mais uma pergunta e mais uma vez a maioria dos estudiosos pensa que

161

seja retoacuterica ldquoSe vem do nada (μηδενὸς) qual necessidade o incitaria a crescer antes ou depoisrdquo

Concordo com os criacuteticos quando dizem que haacute nessas palavras a implicaccedilatildeo daquilo que seraacute

conhecido como princiacutepio da razatildeo suficiente Mas discordo quando elas satildeo interpretadas apenas

como uma questatildeo de crescimento simples eu diria quantitativo do eon Penso ao contraacuterio que

estas palavras estatildeo analisando um aspecto que muitos julgam ausente a possibilidade da geraccedilatildeo

a partir do ser Antes Parmecircnides analisou a possibilidade do nascimento a partir do natildeo ser e agora

estaacute verificando a possibilidade do nascimento a partir do ser Os adveacuterbios antes e depois

significam que o eon natildeo pode ter um antes e depois entre entes natildeo tanto em sentido cronoloacutegico

quanto em sentido sequencial por exemplo o ser da planta natildeo pode nascer do ser da semente

porque mais uma vez uma suposta diferenccedila entre o ser da semente e o ser da planta faria com

que o ser da planta nascesse depois do ser da semente e nascesse de um natildeo ser da planta isto eacute

do nada Se haacute uma diferenccedila de ser entre o ser de um ente e o ser de outro ente esta diferenccedila

seria um natildeo ser Isto significa que se o ser de um ente desse origem a outro ser ele daria origem

ao ser que ele natildeo eacute o ser que ele natildeo eacute seria um natildeo ser mas isto eacute impossiacutevel Seguindo no

exemplo se o ser da semente desse origem ao ser da planta isto implicaria que o ser da semente

daria origem a um natildeo ser da semente pois pereceria enquanto ser da semente e tambeacutem que o

ser da planta teria origem em um natildeo ser da planta Mas como jaacute foi visto para Parmecircnides natildeo

faz sentido introduzir o natildeo ser nos argumentos de fato pelos preceitos da deusa o ser eacute

inteiramente ser e o nada eacute aquela alternativa considerada inicialmente possiacutevel mas afinal

impossiacutevel e contraditoacuteria Entatildeo se o ser viesse do ser teriacuteamos o ser que gera que pereceria para

dar geraccedilatildeo ao ser gerado o ser gerado de certa forma viria de novo do nada mas o nada eacute

impossiacutevel logo o ser natildeo vem do ser Voltando ao texto temos

(1) a tese o eon eacute ingecircnito e impereciacutevel (83 ἀγένητον ἐὸν καὶ ἀνώλεθρόν ἐστιν)

162

(2) o problema qual razatildeo impeliria o ente comeccedilando do nada a crescer antes ou depois

(89-10 τί δ ἄν μιν καὶ χρέος ὦρσεν ὕστερον ἢ πρόσθεν τοῦ μηδενὸς ἀρξάμενον φῦν)

(3) axioma da contradiccedilatildeo pois o ser eacute inteiramente ou natildeo eacute (811 οὕτως ἢ πάμπαν πελέναι

χρεών ἐστιν ἢ οὐχί)

(4) axioma da natildeo contradiccedilatildeo a forccedila da convicccedilatildeo natildeo permitiraacute a partir do que natildeo eacute (812

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος ἐφήσει πίστιος ἰσχύς)

(5) Conclusatildeo que possa nascer algo ao seu lado (813 γίγνεσθαί τι παρ αὐτό) isto eacute natildeo eacute

do ser que nasce o ser

813-21 Recapitulaccedilatildeo e conclusatildeo do argumento

Com os versos seguintes ateacute o 21 Parmecircnides recapitula e reafirma a coerecircncia do

meacutetodo

τοῦ εἵνεκεν οὔτε γενέσθαι

οὔτ ὄλλυσθαι ἀνῆκε Δίκη χαλάσασα πέδηισιν

ἀλλ ἔχει ἡ δὲ κρίσις περὶ τούτων ἐν τῶιδ ἔστιν

ἔστιν ἢ οὐκ ἔστιν κέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη

τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής

ἔστιν ὁδός) τὴν δ ὥστε πέλειν καὶ ἐτήτυμον εἶναι

πῶς δ ἂν ἔπειτ ἀπόλοιτο ἐόν πῶς δ ἄν κε γένοιτο

εἰ γὰρ ἔγεντ οὐκ ἔστ(ι) οὐδ εἴ ποτε μέλλει ἔσεσθαι

τὼς γένεσις μὲν ἀπέσβεσται καὶ ἄπυστος ὄλεθρος

Antes de tudo nos versos 13-15 eacute reafirmada a feacuterrea ligaccedilatildeo (πέδηισιν) entre as supostas

partes do eon Haacute uma forccedila divina (universal) que manteacutem amarrados os grilhotildees entre as partes

e natildeo os solta mas os segura firmemente Assim como a deusa dizia em 87 ldquonatildeo permitireirdquo

(οὐδἐάσσω) que se diga e pense que o eon nasccedila do natildeo ser assim aqui eacute uma deusa desta vez

Dike que numa expressatildeo de necessidade universal impedindo nascimento e perecimento (οὔτε

γενέσθαιοὔτ ὄλλυσθαι ἀνῆκε Δίκη) manteacutem firme (ἀλλ ἔχει) a coerecircncia do ser

163

Depois nos versos 15 e 16a eacute reafirmado o preceito da contradiccedilatildeo desta vez em chave

enxutamente ontoloacutegica da qual podemos extrair por conseguinte os preceitos loacutegico e

epistemoloacutegico O molde ontoloacutegico eacute claro e eacute anterior aos loacutegico e epistemoloacutegico porque

Parmecircnides expressa essa nova formulaccedilatildeo do preceito da deusa a partir de uma reflexatildeo sobre o

ser real e natildeo sobre o ser loacutegico como vimos ao analisar o fragmento 2 Aqui depois da dupla

argumentaccedilatildeo a respeito do eon ndash que eacute o ser real (ou ao menos ele acredita que seja) e natildeo uma

entidade loacutegica ndash onde satildeo demostradas as impossibilidades do nascimento tanto do ser quanto do

natildeo ser e do perecimento (a respeito do qual direi algo daqui a pouco) resulta claro que se trata de

um ser que teria a possibilidade de ser visto como gerador e gerado assim como de fato eacute visto

pelos mortais Parmecircnides demonstra que este eon real natildeo possui as caracteriacutesticas que lhe satildeo

atribuiacutedas assim o eon parmenidiano natildeo eacute uma entidade loacutegica mas eacute o ser real e as afirmaccedilotildees

a seu respeito satildeo de ordem ontoloacutegica A decisatildeo (ἡ κρίσις) a respeito dessas coisas consiste nisso

ou eacute ou natildeo eacute Esta formulaccedilatildeo eacute como bem salienta Cordero211 o nosso atual princiacutepio do terceiro

excluiacutedo Entretanto Parmecircnides quer se referir ao eon e natildeo a um princiacutepio loacutegico Ele repropotildee

a meditaccedilatildeo inicial e diz haacute duas vias uma eacute ἔστιν e a outra eacute οὐκ ἔστιν as duas satildeo

irreconciliaacuteveis radicalmente opostas e natildeo podem ser assimiladas a nenhuma terceira

possibilidade Isto significa que elas natildeo se misturam natildeo se encontram natildeo comerciam e ademais

se rejeitam reciprocamente a presenccedila do ser eu ipso elimina o natildeo ser e se o natildeo ser se

apresentasse o ser natildeo seria (Parmecircnides diraacute mais adiante ldquode tudo careceriardquo) Aqui Parmecircnides

211Cordero 2005

164

apresenta natildeo apenas o princiacutepio do terceiro excluiacutedo mas o fundamento ontoloacutegico do princiacutepio

do terceiro excluiacutedo natildeo haacute uma terceira possibilidade entre o ser (real) e o nada

Logo dada a natildeo conciliabilidade das duas vias natildeo eacute possiacutevel seguir as duas se teraacute que

seguir uma ou outra mas a segunda eacute impensaacutevel e inominaacutevel (ἀνόητον ἀνώνυμον) pois natildeo eacute

verdadeira via (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν ὁδός) logo eacute decisatildeo necessaacuteria (κέκριται hellip ὥσπερ ἀνάγκη)

que seja abandonada O fato de que aqui em 817 eacute a via que eacute impensaacutevel o natildeo o τό μὴ ἐὸν sobre

a via como em 27 levou alguns autores a transpor a expressatildeo do fr 8 para o contexto do fr 2

chegando assim agrave conclusatildeo de que a via eacute pensaacutevel ou impensaacutevel fazendo da ὁδός o sujeito do

ἔστιν de 23 e do οὐκ ἔστιν de 25212 Eu penso que aqui em 817 estamos diante de uma

recapitulaccedilatildeo e ἔστιν e οὐκ ἔστιν jaacute se tornaram uma simplificaccedilatildeo didaacutetica de todo um

procedimento complexo explicado anteriormente neste sentido didaacutetico ndash mas somente neste

sentido didaacutetico ndash ἔστιν e οὐκ ἔστιν significam o processo de pensamento e portanto significam

tambeacutem as vias e toda a reflexatildeo anexa com os sentidos especiacuteficos para noein e para gignosko ali

utilizados Neste sentido didaacutetico a via impensaacutevel eacute abandonada afinal soacute resta a outra via que

existe (τὴν δ ὥστε πέλειν) e eacute verdadeira (καὶ ἐτήτυμον εἶναι)

Finalmente eacute recapitulado o problema como o eon pereceria depois Como nasceria E

pelas argumentaccedilotildees anteriores aqui recapituladas se relembra que se nasceu teria uma origem

impossiacutevel (no natildeo ser) e portanto natildeo seria por outro lado se natildeo eacute agora mas seraacute depois

aconteceria o mesmo Este uacuteltimo ponto gerou controveacutersias tratarei dele logo a seguir (p XX)

Chega-se assim agrave conclusatildeo do argumento a geraccedilatildeo eacute extinta e o perecimento eacute inaudito

212Casertano 1978 Untersteiner 1979

165

(ἄπυστος)

822-60 As caracteriacutesticas do eon a conclusatildeo dos discursos sobre a verdade e a

perspectiva dos mortais que de seu ponto de vista enxergam duas formas

Nos proacuteximos versos Parmecircnides argumenta a respeito de vaacuterias caracteriacutesticas do eon

Embora haja uma referecircncia agrave feacute verdadeira que afastou geraccedilatildeo e perecimento (827 ἀπῶσε δὲ

πίστις ἀληθής) isto eacute ao argumento apresentado nos versos anteriores a estrutura demonstrativa

se articula pouco apenas extraindo como corolaacuterios as caracteriacutesticas do eon das afirmaccedilotildees e

preceitos anteriormente apresentados Esta referecircncia se repete com palavras um pouco diferentes

no verso 850 (ἐν τῶι σοι παύω πιστὸν λόγον ἠδὲ νόημα ἀμφὶς ἀληθείης) Aleacutem da referecircncia agrave feacute

verdadeira haacute referecircncias agraves figuras divinas de Ananke (830) explicitamente associada a uma lei

universal (832 οὕνεκεν οὐκ ἀτελεύτητον τὸ ἐὸν θέμις εἶναι) e de Moira (837) como o mesmo

papel de manter a coesatildeo do eon

Mais adiante ainda Parmecircnides volta a contrapor as caracteriacutesticas do eon obtidas por seu

argumentar que ele considera confiaacutevel agraves caracteriacutesticas do mundo obtidas pelo argumentar dos

mortais que ele considera natildeo confiaacutevel De fato ele finaliza seu estudo com estas consideraccedilotildees

gerais a respeito dos resultados de sua pesquisa principalmente em contraposiccedilatildeo com os

resultados dos mortais Assim a partir do verso 850 a deusa declara concluiacutedo os discursos

fidedignos e o pensamento sobre a verdade e se dedica a expor as opiniotildees dos mortais segundo

uma ordem de palavras controversa

Como se sabe os problemas exegeacuteticos dessas passagens satildeo muitos e geram muacuteltiplas

soluccedilotildees amplamente divergentes entre os estudiosos por outro lado o nosso assunto eacute a

argumentaccedilatildeo parmenidiana e natildeo as caracteriacutesticas do eon e as demais partes do poema logo natildeo

166

precisamos entrar nem mesmo panoramicamente nas grandes polecircmicas que envolvem os

proacuteximos versos Encerramos entatildeo a nossa anaacutelise do fragmento 8 com um resumo e com algumas

consideraccedilotildees a respeito dos resultados obtidos

A ontologia parmenidiana

A proposta parmenidiana eacute francamente ontoloacutegica Parmecircnides estreia esse tipo de reflexatildeo

a ontologia exatamente com uma meditaccedilatildeo sobre a maacutexima dimensatildeo do existente Penso que

seja necessaacuterio levar isto em conta para se entender esses versos do fr 8 e para entender o tipo de

raciociacutenio que eacute utilizado Vejam-se por exemplo as consideraccedilotildees de um criacutetico que dedicou um

bom trabalho a este fragmento Richard McKirahan Diz ele ldquoTodos os argumentos contra geraccedilatildeo

e perecimento (86-20) explicam a geraccedilatildeo do que-eacute a partir do que-natildeo-eacute e o perecimento como

perecimento do que-eacute no que-natildeo-eacute natildeo haacute nada contra a geraccedilatildeo do que-eacute a partir do que-eacute ou o

perecimento do que-eacute no que-eacute ou seja nada contra uma coisa que-eacute se tornar outrardquo E na nota a

estas palavras complementa ldquoTambeacutem nada contra [o fato de] muitas coisas se tornarem uma

(como quando taacutebuas e pregos se tornam uma cama) ou contra uma coisa se tornar muitas (como

quando noacutes desmontamos uma cama) ou contra casos desse tipo ainda mais complicadosrdquo213 Natildeo

eacute difiacutecil se deixar levar pelo raciociacutenio loacutegico e com ele considerar impropriamente um raciociacutenio

ontoloacutegico Parmecircnides raciocina de forma ontoloacutegica e por alguma razatildeo sem receio algum

213McKirahan 2008 ldquoAll the arguments against generation and perishing (86-20) construe generation as generation

of what-is out of what-is-not andperishing as perishing of what-is into what-is-not there is nothing against the

generation of what-is out of what-is or the perishing of what-is into what-is that is nothing against one thing

becoming anotherrdquo (p 220) A nota diz ldquoAlso nothing against several things becoming one (as when boards and

nails become a bed) or against one thing becoming several (as when we disassemble a bed) or against other mor

complicated cases of this sortrdquo (p 229)

167

(expliacutecito) de enfrentar as aporias dessa maneira de argumentar214

Pelo raciociacutenio ontoloacutegico uma taacutebua para ficar no exemplo de McKirahan eacute um fato

existencial absoluto e jamais pode se tornar uma cama uma cama natildeo pode jamais se tornar uma

soma incoerente de componentes e quando ela eacute desmontada ela natildeo deixa de existir porque a

cama eacute um fato existencial absoluto assim como cada ente de nosso mundo Para dar um exemplo

com entes dos quais eacute mais faacutecil identificar o aspecto ontoloacutegico uma operaccedilatildeo de 2+3=5 embora

nos pareccedila uma transformaccedilatildeo (eacute a razatildeo pela qual usamos um vocaacutebulo de movimento operaccedilatildeo)

eacute uma associaccedilatildeo de 2 e de 3 segundo um tipo de associaccedilatildeo que chamamos soma que resulta num

5 Os entes do mundo sensiacutevel em seu status ontoloacutegico natildeo diferem enquanto entes (natildeo

enquanto sensiacuteveis) dos entes inteligiacuteveis e assim como depois operaccedilatildeo 2+3=5 se continua tendo

um 2 um 3 e um 5 assim tambeacutem numa operaccedilatildeo taacutebuas+pregos=cama uma vez concluiacuteda a

operaccedilatildeo se continuaraacute tendo taacutebuas pregos e cama tanto quanto se tinha antes embora ainda natildeo

se tinha a noccedilatildeo da existecircncia (o noema diria Parmecircnides) daquela cama especiacutefica

Por isso no argumento do crescimento este soacute seria (como hipoacutetese) possiacutevel a partir do natildeo

ser natildeo haacute do ponto de vista ontoloacutegico um crescimento de taacutebuas e pregos numa cama o que haacute

eacute um processo que noacutes chamamos devir e que desde Parmecircnides aguarda uma explicaccedilatildeo melhor

do que aquela comum de ldquotransformaccedilatildeordquo215 Parmecircnides evidencia que os entes cada um e o todo

deles atendem a um preceito que opotildee radicalmente o ser e o nada porque haacute uma impossibilidade

214 Como a histoacuteria seguinte mostrou as palavras de Parmecircnides satildeo motivo de angustia profunda que deixou

desnorteados ateacute os mais eminentes filoacutesofos do pensamento ocidental mas ele proacuteprio nada relata da anguacutestia

suscitada por estas aporias 215Eacute o termo geneacuterico e comum associado ao devir O que se aguarda eacute a descriccedilatildeo de um processo de devir que

preserve o status ontoloacutegico da imutabilidade de cada ente (Cf com o proacuteximo capiacutetulo)

168

de se negar o ser Esse preceito impede que ao lado de um ente no nosso exemplo a taacutebua nasccedila

(cresccedila) um outro ente a cama porque este viria do nada Assim se um ente (um o que-eacute na

expressatildeo de McKirahan) gerasse outro (um o que-eacute+algo novo que-eacute) o elemento novo por ter

autonomia ontoloacutegica absoluta teria que vir do nada

Discordo entatildeo de McKirahan e dos muitos que natildeo encontram o argumento contra o devir

do que-eacute para o que-eacute A argumentaccedilatildeo estaacute laacute sob o nome de crescimento aquela φύσις (810 φῦν)

que resultaraacute transfigurada para sempre apoacutes Parmecircnides O mesmo deve ser dito em relaccedilatildeo ao

perecimento Perecer significaria ontologicamente deixar um buraco de natildeo ser encastoado num

mar de ser mas o natildeo ser eacute impossiacutevel Se algo cresce algo que era antes de crescer perece ndash

como seria o caso de dizer seguindo a rigor o exemplo de McKirahan a respeito do prego da cama

o qual agora natildeo eacute mais um prego mas uma parte da cama ou num exemplo mais claro a semente

perece para dar espaccedilo agrave planta ou a crianccedila ao adulto216 O crescimento implica eu ipso o

perecimento logo eliminando o crescimento se elimina tambeacutem o perecimento pois o

crescimento de algo implica que algo mais pereceu Dito de outra forma se considerarmos o

processo nos termos colocados por McKirahan ou seja como ldquobecomingrdquo devir entatildeo sempre

que algo se transforma em outro algo sempre que algo deveacutem o processo de devir transforma o

que-eacute naquilo que-natildeo-eacute (mais) e ao mesmo tempo passa a ser outro que-eacute ou seja em outros

termos o transformando deixa de existir (perece) em favor do transformado o qual passa a existir

Vecirc-se portanto que Parmecircnides argumenta dentro de uma ordem ontoloacutegica de ideias aplicada aos

216Este tema jaacute se encontra enfrentado em Anaximandro o qual atribui ao tempo a justa distribuiccedilatildeo entre aparecer e

desaparecer

169

conceitos jocircnicos anteriores onde nascimento e morte se apresentam simultaneamente alternando

os entes segundo a ordem do tempo

Deixando para o proacuteximo capiacutetulo uma discussatildeo mais geral sobre o natildeo ser resta aqui

ressaltar o rigor da construccedilatildeo parmenidiana com a articulaccedilatildeo da argumentaccedilatildeo em dois

momentos ndash geraccedilatildeo e perecimento a partir do nada e para o nada e geraccedilatildeo e perecimento a partir

do ser e para o ser ndash configurando o primeiro exemplo historicamente documentado de uma

estrutura argumentativa soacutelida e coerente que apresenta o problema a tese da soluccedilatildeo o meacutetodo

de soluccedilatildeo e o resultado que coincidindo com a tese eacute acompanhado de uma expressatildeo muito

similar na forma e praticamente idecircntica no espiacuterito ao QED das demonstraccedilotildees rigorosas

sucessivas

No proacuteximo capiacutetulo seraacute possiacutevel concluir a investigaccedilatildeo a respeito do Parmecircnides

psicoacutelogos que deixamos em suspenso no primeiro capiacutetulo pela falta das noccedilotildees relativas ao

pensar expostas neste capiacutetulo Sucessivamente conduziremos uma discussatildeo geral sobre a noccedilatildeo

de natildeo ser que emergiu nas anaacutelises aqui realizadas para afinal concluir com algumas

consideraccedilotildees gerais

170

5 O PRECEITO DA DEUSA

51 O natildeo ser em Parmecircnides

Parmecircnides inventou217 a noccedilatildeo de natildeo ser218 O percurso que ele seguiu para alcanccedilar essa

noccedilatildeo eacute reportado em seu poema natildeo de forma totalmente expliacutecita mas com uma riqueza de

detalhes suficiente para reconstrui-lo Trata-se de uma meditaccedilatildeo trata-se de uma reflexatildeo sobre o

significado uacuteltimo da negaccedilatildeo do que eacute Para o realismo gnosioloacutegico tiacutepico dessas culturas negar

o ser de algo (sua existecircncia presenccedila local ou temporal) significa antes de tudo negar o ser fiacutesico

(e limitadamente a este acircmbito e natildeo aleacutem deve ser considerada a noccedilatildeo de natildeo ser presente nos

Vedas) Parmecircnides provavelmente partindo da noccedilatildeo de negaccedilatildeo fiacutesica deve ter levado agraves uacuteltimas

consequecircncias esse processo de negaccedilatildeo dos entes fiacutesicos mas certamente acrescentou a estes a

negaccedilatildeo dos entes de pensamento como se vecirc pelas vaacuterias expressotildees em seu poema equacionando

o pensamento com o ser e rejeitando a relaccedilatildeo do pensamento com o natildeo ser Levou o processo agraves

uacuteltimas consequecircncias porque este era o procedimento da cultura avanccedilada da eacutepoca ndash as filosofias

217Mesmo que ele tenha tomado esse conceito da cultura indiana a noccedilatildeo por ele elaborada estaacute muito aleacutem daquela

reportada pelos textos orientais como vimos no Intermezzo do cap 2 218Um panorama de interpretaccedilotildees sobre o natildeo ser de Parmecircnides pode ser encontrado em Hermann 2011 p 135-171

Este estudioso tambeacutem apresenta um estudo do natildeo ser de proporccedilotildees muito menores do que o nosso com o qual

poreacutem se pode concordar em linhas gerais Note-se por exemplo a mudanccedila proposta ao sujeito segundo ele impliacutecito

para DK B 23 e 25 e em todo caso o sentido geral das expressotildees enquanto em seu trabalho anterior (um excelente

estudo sobre pitagorismo e Parmecircnides Hermann 2004) ele traduzia ldquothe one that [states it as] IT IS and that it cannot

NOT BE [as it is]rdquo neste artigo de 2011 traduz the one that [reasons it] IS and that it cannot NOT BErdquo Esta segunda

traduccedilatildeo ligando as expressotildees ao argumentar o aproxima da nossa interpretaccedilatildeo no entanto como foi visto aqui

esta meditaccedilatildeo parmenidiana eacute de focirclego muito maior e o meacutetodo do argumento eacute apenas um dos resultados Ademais

aplicar esse verbo to reason eacute restritivo como se torna mais evidente em 25 onde ele fez a mesma substituiccedilatildeo pois

esti e ouk esti satildeo estruturas e natildeo funccedilotildees Elas podem ser usadas bem o mal em funccedilotildees de argumento mas elas

proacuteprias natildeo satildeo argumentos como vimos no primeiro paraacutegrafo do capiacutetulo 4 p 99 em diante

171

jocircnica e pitagoacuterica em ambas das quais ele foi instruiacutedo ndash que consistia na busca de uma noccedilatildeo

extrema e total da ordem do mundo extrema ao ponto de nela incluir os deuses De fato e embora

seja uma deusa a instruir o kouros parmenidiano estas suas pesquisas assim como aquelas de seus

colegas jocircnicos e pitagoacutericos se orientaram para explicaccedilotildees francamente naturalistas

prescindindo dos deuses e se sobrepondo agrave explicaccedilatildeo religiosa

Com extraordinaacuteria coragem (que hoje noacutes chamariacuteamos de) filosoacutefica aceitou o resultado

de suas reflexotildees e construiu uma doutrina metodoloacutegica extremamente coerente que ele natildeo

hesitou em sustentar mesmo quando ela o levou ao mais anti-intuitivo dos mundos um mundo

onde natildeo haacute mutaccedilatildeo Assim sem receio destes resultados que estavam em conflito com a

experiecircncia comum dos sentidos conseguiu consolidar uma noccedilatildeo rigorosa a noccedilatildeo de natildeo ser e

junto com a noccedilatildeo de ser iniciou um processo histoacuterico de pensamento a ontologia cuja vitalidade

se manteve ao longo de mais de dois milecircnios ateacute hoje e que representa uma das colunas portantes

naquele acircmbito cultural que chamamos de filosofia Curiosamente poreacutem a mensagem inicial de

Parmecircnides de certa forma se perdeu e se perdeu num detalhe importante A noccedilatildeo de natildeo ser foi

logo absorvida pela cultura a ele sucessiva e rendeu frutos tatildeo profundos quanto desnorteadores

que vatildeo desde os paradoxos zenonianos e gorgianos ateacute as discussotildees de Platatildeo sobre o devir e de

Aristoacuteteles sobre o principium firmissimum de natildeo contradiccedilatildeo passando pela filosofia

rigorosamente racionalista de Melisso provavelmente o filoacutesofo mais radical de toda a filosofia

ocidental Mas nessa absorccedilatildeo a noccedilatildeo de natildeo ser foi de certa forma entificada ndash comeccedilando pelo

proacuteprio Melisso219 ndash e se tornou a noccedilatildeo de um polo negativo ao qual opor o ser A oposiccedilatildeo se

219Ver Galgano 2010

172

tornou claacutessica e sobrevive tanto no imaginaacuterio cultural como por exemplo no famoso to be or not

to be de Shakespeare quanto nas foacutermulas e nas operaccedilotildees da logiacutestica com a oposiccedilatildeo hoje

contestada de vaacuterias maneiras de a e ~a

Parmecircnides poreacutem natildeo estabeleceu como fundamento uma oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser O

seu fundamento eacute outro de que a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser eacute apenas uma das consequecircncias

Neste ponto neste detalhe reside a passagem da histoacuteria do pensamento que escolheu evitar um

fosso saltando sobre ele ou construindo uma ponte isto eacute aquele abismo conceitual que leva agrave

negaccedilatildeo da mutaccedilatildeo e agrave rejeiccedilatildeo da experiecircncia dos sentidos Quem primeiro construiu essa ponte

sobre o abismo Talvez tenha sido Melisso involuntariamente talvez tenha sido Platatildeo

conscientemente poreacutem o que mais importa eacute que a histoacuteria do pensamento natildeo quis enfrentar esta

dificuldade (a famosa aporia eleaacutetica) e quando o fez obteve resultados filosoficamente pouco

consolidados e que se desfizeram sempre que o advento de novas instacircncias histoacutericas e culturais

pareciam ser mais atraentes do que o espinhoso contexto da aporia eleaacutetica220

Entretanto Parmecircnides natildeo teve receio de olhar para o abismo da aporia porque era para laacute

que suas pesquisas o levaram A forccedila daquela aporia vinha da posiccedilatildeo de uma necessidade um

imperativo irrenunciaacutevel o pocircr-se de uma impossibilidade incontornaacutevel Eacute este vigor que daacute

firmeza ao rigor do meacutetodo sucessivamente desenvolvido O iniacutecio do percurso parmenidiano

consiste numa impossibilidade feacuterrea eacute impossiacutevel que o ser seja negado Para Parmecircnides a

incompatibilidade primeira eacute entre natildeo e ser Este eacute o ponto que se perdeu ao longo do

220Tanto a filosofia cristatilde medieval quanto o umaneacutesimo e a filosofia moderna dos seacuteculos XVI a

XIX se apoiam sobre movimentos culturais que implicam a mutaccedilatildeo e rejeitam a natildeo mutaccedilatildeo

173

desdobramento da filosofia ocidental Com esta incompatibilidade ele construiu seu preceito

metodoloacutegico de natildeo contradiccedilatildeo mas o fundamento ndash a incompatibilidade entre natildeo e ser ndash eacute

muito mais principial do que o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo

O fundamento de Parmecircnides eacute a impossibilidade de negar o ente (ouk estin) Ao contraacuterio

de muitos estudiosos eu penso que esta impossibilidade natildeo estaacute baseada numa confusatildeo entre a

expressatildeo sintaacutetica negativa e a entificaccedilatildeo da proposiccedilatildeo sintaacutetica negativa (uma ontologizaccedilatildeo a

partir das potencialidades da liacutengua grega) tambeacutem discordo da interpretaccedilatildeo gnosioloacutegica de que

afinal Parmecircnides estaria dizendo que natildeo se pode ter um conhecimento daquilo que natildeo eacute

especificamente este ponto me parece bastante fraco porque de certa forma desqualifica o eleata

reduzindo-o a falar uma obviedade embora como dizem esses autores uma obviedade de certa

importacircncia

Ao afirmar a impossibilidade de negaccedilatildeo do ser Parmecircnides estaacute afirmando a dignidade

existencial de todo ser o que impotildee a impossibilidade de eliminar qualquer ser mesmo aquele que

se julga ndash de uma forma ou de outra ndash que deve ser eliminado Assim imediatamente impotildee uma

isonomia axioloacutegica existencial todo ser tem o mesmo valor existencial221 Se por um lado tal

isonomia pode eternizar o que julgamos merecedor de eternidade por outro lado eterniza tambeacutem

o que julgamos que eternidade natildeo mereccedila estilhaccedilando imediatamente toda nossa estrutura

221Este tema estaacute citado no Parmecircnides de Platatildeo e que eu saiba nunca foi reconduzido agrave filosofia

parmenidiana original Laacute onde Soacutecrates encontra dificuldade em atribuir eternidade agraves formas

mais umildes como a do barro o velho Parmecircnides responde que ele eacute ainda muito jovem e que

um dia se tornaraacute um grande filoacutesofo A personagem de Parmecircnides neste ponto eacute fiel agrave mensagem

filosoacutefica do poema Entretanto a isonomia axioloacutegica existencial do todo e de todas as coisas eacute

assunto ainda difiacutecil para a nossa cultura

174

ingecircnua de valores e obrigando a pensar o existente (o ser) numa ordem de mundo completamente

outra

Parmecircnides natildeo eacute totalmente expliacutecito sobre isto mas a sua admissatildeo da pluralidade das

coisas leva a pensar que pode estar sugerindo a natildeo mutaccedilatildeo de cada coisa Melisso rejeita esta

possibilidade porque diz que uma coisa se fosse eterna deveria ser tal qual a vimos da primeira

vez (um argumento similar seraacute usado mais tarde por Nietzsche para a mesma rejeiccedilatildeo) Mas

Melisso neste ponto de vista considera que uma coisa seja a mesma coisa quando submetida ao

fluxo da mutaccedilatildeo assim um ceacuteu claro que se torna nublado seria para Melisso o mesmo ceacuteu que

poreacutem aparentemente mudou mas a mutaccedilatildeo eacute impossiacutevel logo nossos sentidos nos enganam

Parmecircnides natildeo se expressa sobre isto mas sua capacidade de desafiar o senso comum natildeo pode

nos fazer excluir esta possibilidade isto eacute de que o que parece que seja a mutaccedilatildeo de um ente natildeo

eacute senatildeo a presenccedila de dois entes diversos no exemplo acima um ceacuteu claro eacute um ente e o ceacuteu

nublado eacute outro

Eu penso que Parmecircnides natildeo tenha alcanccedilado esta sofisticaccedilatildeo de anaacutelise que por exemplo

encontramos em Melisso O que o texto parmenidiano que sobreviveu parece indicar eacute um natildeo

aprofundamento analiacutetico deixando para a discussatildeo um territoacuterio imenso e virgem222 Talvez ele

222Num artigo dedicado ao fragmento 2 Berti consegue uma proeza aquela de juntar de uma soacute vez todas as criacuteticas a

Parmecircnides de Aristoacuteteles a Severino passando por Kant e Hegel Tudo comeccedila com uma leitura por assim dizer

analiacutetica as duas vias de Parmecircnides seriam disjuntivas Esta leitura infelizmente eacute comum e mesmo os maiores

estudiosos de Parmecircnides dizer que uma via elimina a outra Mas uma vez atribuiacutedo o pecado a Parmecircnides

surgem os vaacuterios salvadores Por exemplo seguindo a sugestatildeo de Lloyd Berti diz ldquoA proposiccedilatildeo contraditoacuteria em

relaccedilatildeo a lsquoeacute necessaacuterio que sejarsquo (primeira via) de fato natildeo eacute lsquoeacute necessaacuterio que natildeo sejarsquo (a segunda via de

Parmecircnides) mas lsquonatildeo eacute necessaacuterio que sejarsquordquo (Berti 2011 p 111) Assim as contraditoacuterias se tornam contraacuterias

e nesse caso natildeo podem ser as uacutenicas alternativas possiacuteveis incluindo entre elas a alternativa de que ambas as vias

podem ser falsas Obviamente esta uacuteltima conclusatildeo suscita as objeccedilotildees dos parmenidianos os quais apelam para

a concepccedilatildeo moniacutestica de Parmecircnides Berti entatildeo responde com uma passagem que quero reportar por inteiro

175

pudesse ter aceitado a elaboraccedilatildeo de Melisso talvez ateacute aquela de Goacutergias talvez tivesse aceitado

a interpretaccedilatildeo cinematograacutefica de Bergson223 mas natildeo aceitaria a versatildeo de Platatildeo e nem de

Aristoacuteteles porque certamente estin os te kai ouk estin me einai Entatildeo penso que natildeo conveacutem

espremer e constranger o texto parmenidiano dentro de noccedilotildees que o autor natildeo tinha e pela eacutepoca

nem podia ter Penso que ele tenha que permanecer em sua grandeza arcaica sem que lhe se negue

poreacutem a profundidade filosoacutefica de um discurso que embora pouco articulado para os nossos

padrotildees possui uma potencialidade culturalmente imensa e filosoficamente riquiacutessima reduzi-lo

a dizer trivialidades significa natildeo ter colhido a importacircncia seminal da conceituaccedilatildeo parmenidiana

origem de um percurso a ontologia que tem na relaccedilatildeo entre ser e natildeo ser o seu eixo portante

A impossibilidade eacute para Parmecircnides entre natildeo e ser O que mais precisamente significa

isto Significa que haacute uma estrutura cognitiva e discursiva a negaccedilatildeo que eacute expressatildeo da mente

e natildeo da realidade percebida eacute a mente que pelo uso incorreto da negaccedilatildeo produz interpretaccedilotildees

pois mostra claramente a confusatildeo que vem de usar categorias natildeo plausiacuteveis para o texto de Parmecircnides Diz Berti

ldquoMas dessa forma se acaba atribuindo a Parmecircnides a apresentaccedilatildeo de duas proposiccedilotildees contraacuterias como se fossem

contraditoacuterias isto eacute a confusatildeo entre contraacuterios e contraditoacuterios a qual eacute um erro de loacutegica natildeo somente do ponto

de vista aristoteacutelico Obviamente Parmecircnides natildeo lera o De interpretatione de Aristoacuteteles mas antes de lhe atribuir

simplesmente um erro de loacutegica seria necessaacuterio entender por qual motivo o cometeu o que o induziu a dizer o

que diz no fr 2 [hellip] O que enfim induz Parmecircnides a considerar as duas vias como contraditoacuterias isto eacute como

exclusivas de qualquer outra possibilidaderdquo (P 112) Haacute muitos pressupostos nestas palavras que levam a erros de

loacutegica 1) em nenhum lugar Parmecircnides diz que as vias satildeo exclusiva ele diz que soacute encontrou duas 2) em nenhum

lugar ele diz que as duas vias satildeo contraditoacuterias o que ele diz eacute que o natildeo ser eacute impensaacutevel e o uso desta

impossibilidade no discurso gera a contradiccedilatildeo 3) muito menos disse que satildeo contraacuterias 4) por conseguinte ele

natildeo cometeu nenhum erro de loacutegica Estas todas satildeo atribuiccedilotildees indevidas ao texto de Parmecircnides e procedendo

deste modo eacute fatal chegar agrave seguinte conclusatildeo ldquoSe esta eacute a razatildeo pela qual Parmecircnides opocircs entre elas as duas

vias entatildeo sinto muito mas natildeo eacute mais possiacutevel voltar a Parmecircnidesrdquo (115) Depois de ter passado por Kant e

Hegel ele chega a Severino com esta evocaccedilatildeo de um artigo importante ldquoVoltar a Parmecircnidesrdquo (Severino 1982)

como se Severino fosse um exegeta ou um estudioso de Parmecircnides natildeo o eacute ele apenas aproveita sugestotildees

parmenidianas para desenvolver sua proacutepria filosofia Em suma resulta difiacutecil penetrar o universo de ideias de

Parmecircnides se antes natildeo se depotildeem as defesas intelectuais que 2500 anos de aporia eleaacutetica foram capazes de

suscitar 223Bergson 2005 p 295

176

incoerentes do mundo Parmecircnides percebe que o que chamamos experiecircncia dos sentidos eacute o

resultado de um conjunto de impressotildees dos sentidos e tambeacutem de interpretaccedilotildees feitas pelo nosso

aparelho cognitivo A realidade enquanto considerada objeto de cogniccedilatildeo se potildee diante de nossos

oacutergatildeos de sensaccedilatildeo mas esta realidade posta eacute sempre positiva A negaccedilatildeo eacute uma interpretaccedilatildeo

cognitiva que parte de nosso aparelho de cogniccedilatildeo Se percebo a positividade de um ceacuteu claro e

depois a positividade de um ceacuteu nublado a nossa cogniccedilatildeo interpreta o primeiro e o segundo ceacuteu

como que em continuidade temporal e ao mesmo tempo o claro e o nublado como que em

descontinuidade temporal O segundo ceacuteu parece entatildeo o mesmo que o primeiro enquanto o claro

do ceacuteu primeiro ldquose tornardquo o nublado do segundo ceacuteu No entanto o ceacuteu enquanto claro eacute uma

positividade tanto quanto o ceacuteu enquanto nublado Ambos os ceacuteus satildeo positividades e enquanto

positividades natildeo aceitam a negaccedilatildeo Se se afirma que o ceacuteu nublado natildeo eacute claro entatildeo se afirma

uma impossibilidade ontoloacutegica isto eacute que um positivo seja negativo

Partindo de uma hipoteacutetica experiecircncia pura 224 natildeo desviada pelas impressotildees de

continuidade (e portanto de descontinuidade) temporal a realidade eacute sempre positiva

mergulhando esta experiecircncia dentro da interpretaccedilatildeo do nosso aparelho cognitivo com suas

funccedilotildees que a elaboram ndash em primeiro lugar a funccedilatildeo da memoacuteria ndash e a reconduzem a uma imagem

refletida entatildeo temos as experiecircncias de continuidade e ruptura temporais de passagem do natildeo ser

224Aqui natildeo haacute referecircncia a Kant embora tenha sido o proacuteprio Kant a denunciar o fato de que o princiacutepio de natildeo-

contradiccedilatildeo involve o tempo indevidamente ldquoHaacute poreacutem uma foacutermula deste princiacutepio famoso embora destituiacutedo

de qualquer conteuacutedo e apenas formal que conteacutem uma siacutentese que se misturou com ele por descuido e sem

necessidade alguma Diz assim eacute impossiacutevel que alguma coisa seja e natildeo seja ao mesmo tempo [hellip] Ora o princiacutepio

de contradiccedilatildeo enquanto simples princiacutepio loacutegico natildeo deve restringir as suas asserccedilotildees a relaccedilotildees de tempo tal

foacutermula portanto eacute inteiramente contraacuteria agrave intenccedilatildeo do princiacutepiordquo (Kant Criacutetica da razatildeo pura I Do princiacutepio

supremo de todos os juiacutezos analiacuteticos Versatildeo em portuguecircs 2001 p 217-218)

177

ao ser e do ser ao natildeo ser Eacute somente com a reflexatildeo (cogniccedilatildeo) que pode aparecer a experiecircncia

do natildeo onde ldquoalgo que natildeo eacuterdquo eacute sempre algo que estaacute no lugar de algo mais que esperaacutevamos que

fosse que ali estivesse presente

A impossibilidade da negaccedilatildeo do real surge de uma criacutetica agrave condiccedilatildeo gnosioloacutegica humana

a criacutetica que emerge na meditaccedilatildeo parmenidiana No entanto o problema que assim aparece se

prospecta incontornaacutevel Se a cogniccedilatildeo humana apresenta uma distorccedilatildeo tatildeo grande como seraacute a

verdadeira realidade E ademais se noacutes estamos encerrados nesta condiccedilatildeo cognitiva como se

pode ter acesso agrave verdadeira realidade Como eacute possiacutevel compensar e alterar essa condiccedilatildeo

cognitiva de forma a ter acesso agrave verdadeira realidade Eu penso que Parmecircnides tenha dado duas

respostas porque natildeo conseguiu dar uma uacutenica resposta satisfatoacuteria225 Nisto parece-me correta a

visatildeo de Aristoacuteteles quando diz que Parmecircnides primeiro tentou dar uma reposta pelo logos e

depois tendo que explicar o mundo pelos sentidos se viu obrigado a acrescentar uma parte ao seu

poema onde ele potildee duas causas manifestando assim sua perplexidade em relaccedilatildeo aos dois

conteuacutedos do poema226 De fato ainda que se consiga estabelecer a imutabilidade do ser ou dos

225Rossetti 2008 p 139 ldquoAfinal O que haacute de mal em pensar que a doutrina do ser tenha se firmado como perfeita e

recortado um oliacutempo proacuteprio salvo o fato de deixar subsistir aquele saber mundano que possivelmente nem o autor

soube conciliar perfeitamente com a doutrina do ser cuidando apenas de evitar toda contaminaccedilatildeo ou comistatildeordquo

(Dopotutto che cegrave di male nel pensare che la dottrina dellessere si sia affermata come perfetta e si sia ritagliata un

suo olimpo salvo poi a lasciar sussistere quel sapere mondano che nemmeno lautore probabilmente seppe

raccordare proprio bene com la dottrina dellessere preoccupandosi soltanto di evitare ogni contaminazione o

commistione) (Veja-se tambeacutem a nota seguinte 238) 226Consideraccedilotildees muito pertinentes a respeito desta questatildeo estatildeo em Rossetti 2008 A discussatildeo sobre a validade da

segunda parte do poema permanece ainda em aberto entre os estudiosos O testemunho de Aristoacuteteles diz apenas

que Parmecircnides acrescentou uma descriccedilatildeo segundo os sentidos e nada diz se esta descriccedilatildeo estava na parte

qualificada apatelon pela deusa ou na primeira parte pela ediccedilatildeo de Diels os fragmentos fiacutesicos se encontram na

segunda parte mas disto natildeo se tem certeza pois a parte anunciada como apatelon pode muito bem se restringir

agravequele tipo de noccedilatildeo confusa entre duas causas como explicado pela deusa no fragmento 9 enquanto os fragmentos

de 10 a18 poderiam constar na primeira parte Embora esta discussatildeo ainda esteja em ato e longe de tomar rumos

conclusivos parece cada vez mais se configurar entre os estudiosos (por exemplo vejam-se a respeito as pesquisas

178

seres (pelo preceito da deusa) resta ainda a explicar o devir Melisso que manteacutem o preceito

parmenidiano natildeo explica o devir simplesmente o rejeita Platatildeo Aristoacuteteles e todos os filoacutesofos

ateacute hoje (com raras exceccedilotildees) explicam o devir mas rejeitam o preceito parmenidiano Parmecircnides

assim me parece conseguiu argumentar rigorosamente a respeito da impossibilidade da negaccedilatildeo

mas natildeo conseguiu dar com o mesmo rigor uma explicaccedilatildeo da dinacircmica concreta do devir por

um lado com os preceitos da sua deusa ofereceu uma descriccedilatildeo do real enquanto real aquela parte

onde a natildeo mutaccedilatildeo podia ser compreendida e descrita por outro lado na segunda parte do poema

restando a consciecircncia de que aquelas descriccedilotildees natildeo estavam submetidas ao rigor das

metodologias que ele descobriu resolveu apresentaacute-las segundo a ordem tradicional que ele chama

opiniotildees dos mortais

Pelo preceito da deusa o real natildeo estaacute submetido ao devir (do senso comum) o que eacute natildeo

pode natildeo ser por conseguinte o que era natildeo deixou de ser ainda eacute de outra parte ainda por

conseguinte o que seraacute necessariamente jaacute eacute pois natildeo se pode admitir que o que seraacute ainda natildeo eacute

Este eacute o argumento do nun parmenidiano do natildeo era e natildeo seraacute porque eacute todo agora227 Este

argumento natildeo soluciona a questatildeo do devir e do tempo diz apenas que o que eacute pensado como natildeo

de Pulpito 2008 e mais ainda Pulpito 2011b) a tendecircncia de distinguir trecircs tipos de saberes no poema um

ontoloacutegico um fiacutesico e outro meramente opinativo o estudo apresentado nestas linhas no capiacutetulo 2 indica

claramente como alvo da criacutetica parmenidiana as doutrinas religiosas tradicionais e natildeo as cosmologias recentes

dos mestres jocircnicos o que de certa forma corrobora as teses atuais que diferenciam a doxa dos mortais de um saber

fiacutesico mais certo embora sem o status de persuasatildeo absoluta possuiacutedo pela doutrina do eon resta entretanto a

questatildeo de conciliar esta triacuteplice distinccedilatildeo com uma concreta correspondecircncia textual meta atualmente ainda

distante Sobre o mesmo tema vejam-se tambeacutem as consideraccedilotildees de Graham 1999 e Zucchello 2010 227 Um excelente estudo sobre o verso DK B 85 eacute de Massimo Pulpito (2005) mais recentemente retomando o

argumento ele afirma que Parmecircnides apenas pressupotildee a duraccedilatildeo do tempo pois retirando o ponto alto em 84

(Manchester 1979 e Cerri 1999) se obteacutem uma leitura seguida com a seguinte traduccedilatildeo ldquoeacute ingecircnito e imortal [hellip]

imoacutevel e incompleto (ἀτέλεστον) nunca foi e nem seraacute pois eacute agora todo juntordquo (egrave ingenerato e immortale [hellip]

immobile e incompiuto mais fu neacute saragrave perchegrave egrave ora tutto insieme) (Pulpito 2011a p 266)

179

ser porque era ou como natildeo ser porque seraacute eacute uma impossibilidade que deriva do preceito da

deusa Posto isto posto que tudo que era ainda eacute e tudo que seraacute jaacute eacute como explicar a nossa

percepccedilatildeo do era e do seraacute Embora teoricamente a questatildeo poderia ser resolvida simplesmente

como Melisso alegando um engano dos sentidos na praacutetica a questatildeo eacute de importacircncia radical

porque do sentido que damos ao era e ao seraacute depende a nossa visatildeo de mundo

Tomem-se os entes matemaacuteticos Estes poderiam ser considerados entes parmenidianos jaacute

que eles natildeo eram e natildeo seratildeo eles apenas satildeo Conseguimos imaginar o mundo sem mutaccedilatildeo dos

entes matemaacuteticos Penso que natildeo a menos de pensar uma espeacutecie de grande estaacutetico manancial

de onde extrai-los a vontade quando deles precisamos Um mundo fiacutesico sem devir feito de entes

sem ontem nem amanhatilde poderia ser assimilado ao mundo dos entes matemaacuteticos No entanto isto

parece impossiacutevel de ser acatado pela nossa experiecircncia desde aquela mais superficialmente

sensoacuteria ateacute aquela mais profundamente intelectual Eu penso que algo parecido aconteceu com

Parmecircnides o qual apoacutes a descriccedilatildeo do eon qual realidade uacuteltima das coisas natildeo conseguiu vir a

cabo de uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria e fecunda do mundo em sua concretude cotidiana Natildeo teve

portanto outra opccedilatildeo a natildeo ser recorrer ao melhor conhecimento disponiacutevel embora enganoso da

eacutepoca Natildeo foi o uacutenico a deixar o quadro incompleto de Zenatildeo tambeacutem soacute se conhece a pars

destruens dos seus paradoxos mas natildeo se tem notiacutecia de que tenha proposto uma cosmologia

positiva o mesmo vale para Melisso Os eleatas natildeo conseguiram propor cosmologias em

consonacircncia com seus preceitos228

Deve se acrescentar que partindo dos preceitos parmenidianos ningueacutem ateacute agora conseguiu

228Rossetti 2008

180

propor uma cosmologia positiva Contudo o preceito da deusa eacute incontrovertiacutevel e estaacute na base da

formulaccedilatildeo dos princiacutepios loacutegicos mais fundamentais (identidade natildeo contradiccedilatildeo e terceiro

excluiacutedo) Por este motivo para o uso da loacutegica comum Parmecircnides eacute reduzido a ser apenas o pai

arcaico da ontologia mas em sede de discussatildeo teoacuterica entre os filoacutesofos e tambeacutem entre os

cientistas na parte mais filosoacutefica de sua atividade o preceito da deusa continua despertando

perplexidade e Parmecircnides continua despertando a mesma sensaccedilatildeo venerando e terriacutevel que

despertou em Platatildeo229

511 O ser os seres

Um dos argumentos favoritos de certos criacuteticos eacute de que o ser e o natildeo ser de Parmecircnides se

referem ao ser universal e natildeo ao particular Isto natildeo corresponde ao que estaacute no poema Parmecircnides

fala desde o iniacutecio de todas as coisas (128) no plural e se repete assim nos versos seguintes do

fragmento 1 Ele fala de ente e natildeo ente no singular no fragmento 2 na parte metodoloacutegica Volta

a falar de eonta plural na parte da criacutetica agrave cogniccedilatildeo comum Finalmente no fragmento 8 fala do

eon singular com vaacuterias referecircncia agraves coisas no plural Haacute nisto vaacuterias questotildees antes de tudo a

questatildeo da unidade versus pluralidade tema que Platatildeo exploraraacute no seu diaacutelogo Parmecircnides Mas

haacute tambeacutem a questatildeo de se entender ao que ele se refere quando diz eon ou eonta Esta discussatildeo

sobre o ser natildeo eacute objeto da presente investigaccedilatildeo e o que ndash pelo contraacuterio ndash nos interessa de perto

eacute verificar se se pode falar do natildeo ser de um uacutenico ente ao lado do natildeo ser em sentido geral assim

229Um exemplo Graham Priest Towards non-being 2005

181

como aparece na expressatildeo me einai

Ao se estudar a negaccedilatildeo de um uacutenico ente aparece em noacutes de imediato a influecircncia do

platonismo o qual forjou profundamente nossa maneira de pensar Faccedilamos um exemplo se eu

digo natildeo livro imediatamente vem agrave mente uma outra coisa qualquer que natildeo seja um livro Este

eacute o sinal de que a visatildeo platocircnica de um natildeo ser enquanto relativo isto eacute enquanto outro eacute a noccedilatildeo

principal que surge agrave nossa mente diante da negaccedilatildeo de um uacutenico ente O discurso seria diferente

para a negaccedilatildeo de todos os entes ou do todo dos entes tema que Platatildeo cuidadosamente evitou no

Sofista de fato ao se negar todos os entes ou o todo dos entes eacute impossiacutevel referir a negaccedilatildeo deste

todo ao outro pois ao se negar o todo por definiccedilatildeo natildeo haacute outro Este desenvolvimento platocircnico

natildeo se aplica ao todo dos entes mas parece funcionar tatildeo bem com o ente particular que para a

nossa sensibilidade comum resulta muito difiacutecil pensar ainda que virtualmente o natildeo ser de um

uacutenico ente

Entretanto a negaccedilatildeo de um uacutenico ente fora do molde platocircnico do natildeo ser relativo eacute

possiacutevel e configura uma negaccedilatildeo absoluta do ente particular Para que esse assunto seja exposto

mais claramente iniciarei da noccedilatildeo que noacutes fazemos dos entes impossiacuteveis Tome-se por exemplo

a expressatildeo triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que virtualmente se referiria a um ente

geomeacutetrico o qual sendo um triacircngulo teria quatro acircngulos ou sendo um quadrado teria trecircs

acircngulos Para o nosso modo de ver pensar e conhecer o mundo tal ente geomeacutetrico natildeo existe e

natildeo pode existir o que lhe nega a existecircncia segundo nossa maneira de argumentar eacute o fato de que

a posiccedilatildeo da triangularidade exclui imediatamente a posiccedilatildeo da quadrangularidade e vice-versa

natildeo pode haver um triacircngulo quadrado Assim o triacircngulo quadrado por ser impossiacutevel eacute um ente

182

absolutamente negado230 o que significa que pelo preceito da deusa pensaacute-lo eacute uma operaccedilatildeo

cognitiva impossiacutevel isto eacute uma pretensatildeo da nossa mente que quer expressar um conteuacutedo real

quando de fato este conteuacutedo real natildeo existe Assim a negaccedilatildeo de tipo platocircnico do natildeo ser

enquanto outro expressa uma positividade real (este natildeo livro eacute o meu caderno) enquanto a

negaccedilatildeo absoluta expressa uma pretensatildeo impossiacutevel o triacircngulo quadrado (absolutamente) natildeo eacute

Este caso exemplifica bem o contexto indicado pela segunda via do fragmento 2 de fato o

triacircngulo quadrado natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo seja pois se fosse se produziria a contradiccedilatildeo

ontoloacutegica da existecircncia de um ente impossiacutevel

Agora que conseguimos delinear a noccedilatildeo de negaccedilatildeo absoluta de um ente particular natildeo eacute

difiacutecil entender a expressatildeo parmenidiana da pluralidade da negaccedilatildeo absoluta aplicada a uma

pluralidade de entes particulares Quando no fragmento 7 Parmecircnides diz ldquoque nunca prevaleccedila

que os natildeo entes (me eonta) sejamrdquo significa que ndash dentro do contexto da geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das

coisas o assunto predileto desses pesquisadores ndash dadas as coisas que satildeo estas natildeo podem vir a

ser de coisas que satildeo sua negaccedilatildeo absoluta Por exemplo este meu livro natildeo pode vir a ser de um

este meu natildeo livro absoluto porque o natildeo livro absoluto eacute uma impossibilidade do real O mesmo

pode ser dito da multiplicidade das coisas nenhuma delas pode vir a ser de uma multiplicidade de

natildeo coisas quando consideradas absolutamente porque cada natildeo coisa absoluta eacute uma

impossibilidade do real e afinal uma impossibilidade real

Definir as impossibilidades reais equivale a definir as impossibilidades do real onde as

230 Naotilde pode ser um natildeo ente relativo segundo a interpretaccedilatildeo de Platatildeo pois absolutamente natildeo existe e por natildeo

existir natildeo pode suportar a relaccedilatildeo a outro ente qualquer enquanto ente sem significado ontoloacutegico positivo

poderia ser assimilado ao natildeo ser absoluto que Platatildeo descarta completamente por carecer de sentido

183

primeiras se referem singularmente a cada impossibilidade particular e as segundas satildeo o conjunto

de impossibilidades que caracterizam o real como um todo Esse conjunto de impossibilidades

define os limites do real jaacute que descrevem irrealidades e o resultado eacute deste ponto de vista um

ser real delimitado em relaccedilatildeo agraves virtualidades que o pensamento cria Penso que aqui se daacute uma

confusatildeo entre os criacuteticos a respeito da relaccedilatildeo entre ser e pensar de que Parmecircnides fala em seu

poema Como vimos nas paacuteginas anteriores Parmecircnides critica um modo de pensar comum (as

opiniotildees dos mortais) e propotildee um novo modo de pensar enriquecido de uma mechane ou seja

ele fala de duas maneiras de pensar muito diferentes Quando entatildeo equaciona ser e pensar natildeo

me parece que equacione o ser agraves duas maneiras de pensar pelo contraacuterio ser e pensar satildeo o mesmo

apenas para o pensamento que corre sobre o caminho da persuasatildeo verdadeira Segundo as opiniotildees

dos mortais o mundo (a realidade os panta) se estende a entes impossiacuteveis enquanto satildeo tidos

como existentes pelos mortais Segundo o preceito da deusa o mundo se limita aos seres reais

Entatildeo o pensar o reto pensar eacute um pensar o real e converso o real (o que eacute o que haacute) impotildee

limites ao pensar laacute onde entes que natildeo satildeo de fato natildeo podem ser pensados logo natildeo devem ser

tidos como pensaacuteveis

O fiel da balanccedila da autecircntica correspondecircncia entre ser e pensar eacute exatamente o meacutetodo

seguir a primeira via e deixar de seguir a segunda o qual permite corrigir a distorccedilatildeo cognitiva e

permite reconduzir o mundo a um ser eon ele diz que eacute todo delimitado por impossibilidades E

melhor seria dizer ndash como ele diz com muita razatildeo ndash limitado intrinsecamente por uma estrutura

a qual se expressa pela necessidade e coesatildeo impedindo que se instaure o natildeo ser O natildeo ser que

natildeo se instaura que natildeo dilui o eon e natildeo abre frestas natildeo eacute um natildeo ser de fato mas tatildeo somente

uma virtualidade do pensar confuso ele se instaura apenas virtualmente na imagem distorcida que

as opiniotildees dos mortais fazem do mundo e por este motivo diferentemente do que elas afirmam o

184

mundo real descrito retamente pela opiniatildeo verdadeira eacute um mundo coeso onde a imagem que

retamente o representa simbolicamente eacute a imagem de uma esfera homogecircnea

A adesatildeo de ente a ente e o resultado desta continuidade numa visatildeo grandiosa de uma esfera

indicam que Parmecircnides se refere tanto agrave multiplicidade dos entes quanto agrave sua totalidade ambos

enganchados a suas respectivas impossibilidades a impossibilidade do natildeo ser particular de todo

ente particular e a impossibilidade do natildeo ser referido agrave totalidade dos entes Penso que a predileccedilatildeo

pelo assunto cosmoloacutegico proacuteprio de seu meio cultural seja o maior responsaacutevel pelo fato de

Parmecircnides ter tratado apenas do eon enquanto totalidade e natildeo como noacutes gostariacuteamos com

maiores detalhes do eon particular de cada ente Assim a descriccedilatildeo da realidade obtida partindo

da correccedilatildeo do processo cognitivo aponta para uma archeacute necessaacuteria que eacute a qual tem agregada

a coerccedilatildeo que impotildee uma necessidade isto eacute aquela coerccedilatildeo que impede qualquer desvio ao longo

da necessidade ou seja a impossibilidade que o que eacute natildeo seja Fica assim plenamente configurada

a primeira via a qual conduz pelo caminho de persuasatildeo verdadeira agrave correta imagem do mundo

um eon que eacute e que necessariamente afastando a negaccedilatildeo natildeo pode natildeo ser natildeo pode conter

frestas de natildeo ser natildeo pode conter descontinuidades nem heterogeneidades geradas pelo natildeo ser

512 Ouk esti

A incompatibilidade entre a negaccedilatildeo e o ente potildee um conjunto de questionamentos anteriores

ao proacuteprio princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo ou aos outros dois princiacutepios claacutessicos da loacutegica

(identidade e terceiro excluiacutedo) Os questionamentos comeccedilam a surgir exatamente em volta da

negaccedilatildeo como princiacutepio cognitivo ou seja numa regiatildeo de fronteira da proacutepria ontologia De fato

ser e natildeo ser satildeo os pressupostos da ontologia pois sem o ente particular (considerado enquanto

185

ente) ou o ente em geral (o ser) natildeo haacute ontologia mas sem o natildeo ser aquela noccedilatildeo que articula o

discurso sobre o ser tambeacutem natildeo haacute ontologia e isso natildeo porque as caracteriacutestica do ser satildeo

articuladas segundo uma ontologia negativa (o ser eacute um natildeo muacuteltiplo in-finito i-limitado etc)

mas porque o nosso proacuteprio discurso implica necessariamente a negaccedilatildeo e assim tambeacutem o logos

do on o discurso sobre o ente O negar eacute uma estrutura do nosso aparelho cognitivo somente

conhecemos ndash no sentido comum de conhecimento racional231 ndash pela negaccedilatildeo

O problema que surge junto com os questionamentos eacute exatamente aquele de como

conseguir pensar a negaccedilatildeo sem criar uma peticcedilatildeo de princiacutepio jaacute que a negaccedilatildeo estaraacute implicada

em qualquer discurso sobre ela Penso que este seja o principal motivo da singularidade que resulta

da meditaccedilatildeo do natildeo ser (assim como exposto anteriormente) De fato a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo que

naquela meditaccedilatildeo era a negaccedilatildeo do ato cognitivo negador revelava ali a aporia esta natildeo deixa de

estar presente mesmo na loacutegica mais comum Tome-se por exemplo a negaccedilatildeo de a dizemos que

a negaccedilatildeo de a eacute ~a e se diz comumente que a negaccedilatildeo de ~a eacute a mas a negaccedilatildeo de ~a eacute ao mesmo

tempo uma afirmaccedilatildeo pois eacute a e uma negaccedilatildeo pois eacute ~ (~a)232 O nosso aparelho cognitivo natildeo

231Como se sabe haacute outras formas de conhecimento principalmente as intuitivas e as de fusatildeo tais como as artiacutesticas

e miacutesticas mas que fogem ao objeto de nossa anaacutelise 232Como vimos a negaccedilatildeo (N) de um ente suponhamos ~a tem dois sentidos e por isso acaba gerando equiacutevocos e

ambiguidades Por um lado (N1) ~a tem o platocircnico sentido relativo assim ~a significa todo e qualquer ente do

mundo exceto a Por outro lado (N2) ~a significa a negaccedilatildeo absoluta de a sem nenhuma referecircncia a qualquer

outro ente como na negaccedilatildeo do triacircngulo quadrado Da mesma forma a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo (NN) tem dois sentidos

e dois acircmbitos diferentes No primeiro caso (NN1) na negaccedilatildeo como relativa negar ~a significa negar todos os

entes exceto a e por conseguinte por relaccedilatildeo a outro significa reafirmar a Mas no segundo caso (NN2) onde a

primeira negaccedilatildeo eacute absoluta noacutes temos ainda duas possibilidade (NN2a) a primeira com a negaccedilatildeo relativa de

uma negaccedilatildeo absoluta a segunda (NN2b) com a negaccedilatildeo absoluta de uma negaccedilatildeo absoluta A primeira

possibilidade (NN2a) nos diz que negando relativamente uma negaccedilatildeo absoluta se afirma tudo que natildeo eacute negaccedilatildeo

absoluta de a isto eacute a negaccedilatildeo relativa de a a afirmaccedilatildeo absoluta de a e a afirmaccedilatildeo relativa de a Jaacute a segunda

possibilidade (NN2b) eacute a negaccedilatildeo absoluta de uma negaccedilatildeo absoluta isto eacute a negaccedilatildeo de uma impossibilidade [no

186

acusa a aporia e assim tambeacutem a nossa loacutegica comum233

Em todo caso a contradiccedilatildeo ou aporia estabelecida pela negaccedilatildeo ndash e que fica evidente pela

negaccedilatildeo da negaccedilatildeo a qual aporeticamente eacute uma negaccedilatildeo que afirma ndash eacute um curto circuito

cognitivo do qual natildeo se consegue sair enquanto se permanecer dentro da estrutura cognitiva da

qual dispomos Todavia o fato eacute que natildeo dispomos de uma estrutura cognitiva alternativa e talvez

nossos esforccedilos de tentar pensar para aleacutem dela sejam tatildeo inuacuteteis quanto as tentativas feitas por um

cego de nascenccedila de entender visualmente o mundo Todas as atuais ampliaccedilotildees das capacidades

dos sentidos (telescoacutepios microscoacutepios etc) reconduzem o objeto percebido agrave escala de percepccedilatildeo

humana todas as teorias cientiacuteficas ndash que satildeo ampliadores de nossa capacidade de pensar o mundo

exemplo do triacircngulo quadrado ~a = natildeo possiacutevel ~ (~a) = natildeo (natildeo possiacutevel)] o que natildeo significa que como no

caso da negaccedilatildeo relativa da negaccedilatildeo absoluta a impossibilidade da impossibilidade eacute uma possibilidade mas

significa que dada uma impossibilidade eacute impossiacutevel que esta impossibilidade seja uma impossibilidade dito de

outra maneira negar absolutamente uma impossibilidade significa negar agrave impossibilidade seu status de

impossibilidade No entanto tornar impossiacutevel (negar) o status de impossibilidade significa imediatamente

reafirmar a impossibilidade voltando de novo agrave aporia eleaacutetica onde negar o status do ser enquanto ser significa

afirmar o status da negaccedilatildeo a qual eacute um ser (a negaccedilatildeo natildeo eacute um nada) e afinal significa ao mesmo tempo afirmar

e negar o ser

Vale lembrar que a dupla negaccedilatildeo do tipo que chamei NN2a isto eacute aquela onde uma negaccedilatildeo relativa nega uma

negaccedilatildeo absoluta eacute a dupla negaccedilatildeo que se encontra no verso 23 do poema e que natildeo eacute natildeo ser (τε καὶ ὡς οὐκ

ἔστι μὴ εἶναι) onde μὴ εἶναι eacute uma negaccedilatildeo absoluta enquanto οὐκ ἔστι eacute a negaccedilatildeo predicativa ordinaacuteria isto eacute de

tipo relativo platocircnico que nega a negaccedilatildeo absoluta Assim o caminho do ὅπως ἔστιν eacute o mesmo que o caminho

que nega (relativamente) a negaccedilatildeo absoluta cujo significado abrange vaacuterias possibilidades como especificado

acima afirmaccedilatildeo absoluta de a (correspondente ao ἔστιν parmenidiano) afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo relativas de a que

correspondem agrave predicaccedilatildeo da linguagem comum (natural isto eacute segundo a visatildeo de mundo do realismo cognitivo

comum)

Mas se pode ainda considerar a negaccedilatildeo em si em seu estatuto ontoloacutegico A negaccedilatildeo enquanto negaccedilatildeo natildeo

pode ser negada no sentido de que ao se negar a negaccedilatildeo imediatamente se afirma pois simultaneamente ao

negar a negaccedilatildeo se afirma (negar significa pocircr a negaccedilatildeo) o que se nega isto eacute a negaccedilatildeo (enquanto negada) Mais

uma vez se configura uma aporia de tipo eleaacutetico onde uma proposiccedilatildeo resulta em dois sentidos simultacircneos e

contraditoacuterios 233 Penso que esta aporia impliacutecita poderia ser o fundamento ontoloacutegico do desenvolvimento de loacutegicas

paraconsistentes e paracompletas as quais com todo seu impacto anti-intuitivo acabam descrevendo melhor

aquelas regiotildees do mundo ndash o mundo como percebido pela nossa cogniccedilatildeo que implica esta aporia ndash natildeo acessiacuteveis

agrave loacutegica comum no entanto esta hipoacutetese aguarda aprofundamentos

187

(por exemplo a teoria heliocecircntrica ou a relatividade geral nos fazem ver com os olhos da mente

um mundo diferente daquele que vemos com os olhos fiacutesicos) ndash reconduzem a realidade ao nosso

modo cognitivo o qual implica a distorccedilatildeo provocada pela negaccedilatildeo e evidenciada pela negaccedilatildeo da

negaccedilatildeo nem poderia ser diferente pois se elas natildeo reconduzissem ao nosso modo cognitivo elas

seriam incompreensiacuteveis Discutir o modelo cognitivo resulta entatildeo uma das empresas mais aacuterduas

mas eacute exatamente isso que Parmecircnides fez Ele natildeo discutiu apenas as maneiras de ver o mundo

(weltanschaung) como por exemplo fez Xenoacutefanes mas discutiu a nossa proacutepria estrutura

cognitiva a qual admite inuacutemeras weltanschaungen mas sempre dentro de uma mesma estrutura

onde a negaccedilatildeo tem papel fundamental

Eacute possiacutevel pensar o mundo a partir de outra estrutura cognitiva Eacute uma pergunta complicada

que precisaria ser desdobrada em muitas partes Sabemos por exemplo que um cachorro vecirc o

mundo em preto e branco e conseguimos fazer uma imagem de como poderia ser a estrutura

cognitiva de um cachorro Mas mais uma vez posto que este dado seja realmente relevante para a

cogniccedilatildeo do cachorro tal noccedilatildeo eacute uma reconduccedilatildeo da cogniccedilatildeo do cachorro agrave cogniccedilatildeo humana

entatildeo natildeo podemos dizer que conseguimos conhecer segundo a cogniccedilatildeo do cachorro Do mesmo

modo somos cientes de muitos modelos cognitivos e sabemos ateacute mesmo que uma linguagem mais

baacutesica eacute possiacutevel e permite a comunicaccedilatildeo entre muitos seres vivos como por exemplo a

linguagem emocional Mas quando nos propomos a ir aleacutem partindo das insatisfaccedilotildees das

cogniccedilotildees jaacute existentes o problema se complica de muito por vaacuterios motivos O primeiro deles eacute a

perda de uma referecircncia ldquonaturalrdquo pois natildeo haacute uma resposta dada isto eacute natural (pois o natural eacute

permanecer dentro do modo cognitivo dado) e eacute necessaacuterio ir aleacutem do natural O segundo eacute uma

perda do sobrenatural pois o sobrenatural eacute referido ao natural e sem este natildeo haacute aquele O terceiro

enfim eacute o risco concreto de uma excentricidade psiacutequica uma espeacutecie de caminho patoloacutegico sem

188

volta pelo qual todo tipo de estranheza se torna normal e vice-versa

Assim a reflexatildeo sobre o natildeo ser por ser uma investigaccedilatildeo nos limites do pensar eacute um

projeto aacuterduo e aparentemente pouco ou nada fecundo pois o terreno onde se desenvolve estaacute aleacutem

do natural e do sobrenatural e estaacute agrave beira da capacidade psiacutequica Natildeo eacute de surpreender que natildeo

seja assunto predileto pela maioria dos pensadores nem eacute de surpreender que seja quase que

reservado agravequeles que de uma forma ou de outra jaacute perambularam sem sucesso pelas vaacuterias aacutereas

do saber em busca de respostas Tudo isto deveria ser um sintoma claro da grandeza de Parmecircnides

uma grandeza certamente filosoacutefica embora ele provavelmente ateacute desconhecesse a palavra

filosofia Eacute por isto que embora certas linhas exegeacuteticas discordem o fato de Parmecircnides ter

deixado em aberto a sequecircncia de sua filosofia sustentando as suas afirmaccedilotildees apesar da aporia a

qual conduziam e de que ele certamente tinha consciecircncia natildeo eacute nenhum demeacuterito pelo contraacuterio

eacute uma grande meacuterito e ainda maior na medida em que os que o sucederam natildeo conseguiram ir

aleacutem do que ele propocircs e talvez a bem da verdade tiveram ateacute que retroceder das posiccedilotildees

alcanccediladas por Parmecircnides

Natildeo cabe a este trabalho desenvolver as meditaccedilotildees sobre o natildeo ser que as afirmaccedilotildees de

Parmecircnides implicariam234 Seja suficiente a noccedilatildeo de que Parmecircnides iniciou junto da discussatildeo

sobre o ser que hoje chamamos ontologia uma discussatildeo sobre o natildeo ser que algumas vezes hoje

eacute chamada de meontologia Agrave meontologia parmenidiana podemos acrescentar tranquilamente o

subtiacutetulo ldquoda relaccedilatildeo impossiacutevel entre natildeo e serrdquo com as vaacuterias consequecircncias que ele extraiu tanto

em acircmbito psicoloacutegico quanto em acircmbito metodoloacutegico antropoloacutegico e cosmoloacutegico

234 Cfr Colombo 1972 um dos raros trabalhos dedicados ao assunto

189

52 Parmenides psicoacutelogo (segunda parte)

Depois de ter estudado a noccedilatildeo de natildeo ser utilizada por Parmecircnides podemos voltar agravequelas

partes do poema que discutem a psicologia humana especificamente aquelas partes que implicam

a compreensatildeo do natildeo ser das quais postergamos o estudo por nos faltar ainda a compreensatildeo desta

noccedilatildeo

No fragmento 1 natildeo haacute referecircncia direta ou indireta ao natildeo ser e natildeo precisamos voltar a ele

Jaacute no fragmento 2 6 e 7 as passagens com referecircncias ao natildeo ser e com vocabulaacuterio psicoloacutegico jaacute

foram estudadas Podemos passar entatildeo ao fragmento DK 8

521 O fragmento DK 8

Considerando que natildeo eacute nossa intenccedilatildeo abordar a doutrina parmenidiana do ser apresentada

neste fragmento procederemos de modo seletivo selecionando apenas as passagens que nos

interessam Naturalmente esse meacutetodo sacrificaraacute a doutrina do ser mas poraacute em evidecircncia todo o

vocabulaacuterio psicoloacutegico subjacente geralmente deixado de lado para focar aquela doutrina235

Retomamos aqui nossa traduccedilatildeo anterior de operaccedilotildees cognitivas da mente para νοεῖν e seus

cognatos a justificaccedilatildeo se encontra na p XX e ss

235Para uma descriccedilatildeo geral do fragmento ver capiacutetulo 4 p 151 A Aplicaccedilatildeo do Meacutetodo

190

5211 DK B 86-9

Depois de enunciar os caminhos de inqueacuterito para as operaccedilotildees cognitivas depois de

enunciar a lei de oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo ser depois da criacutetica ao caminho seguido pelos

mortais agora a deusa explica a sua doutrina do ser Ela comeccedila dizendo que soacute uma palavra resta

no caminho (o caminho do esti) que eacute (ὡς ἔστιν) Mas este eacute natildeo eacute muito evidente por esta razatildeo

haacute muitos sinais ao longo do caminho Estes sinais satildeo caracteriacutesticas que ajudam a identificar o

ser Parmecircnides faz uma listagem de alguns e na sequecircncia do fragmento explica e justifica cada

um quase em perfeiccedilatildeo simeacutetrica Logo no primeiro argumento para o primeiro dos sinais (o ἐὸν

eacute ingecircnito e impereciacutevel) noacutes encontramos as seguintes palavras (DK B 86-9)

τίνα γὰρ γένναν διζήσεαι αὐτοῦ

πῆι πόθεν αὐξηθέν οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω

φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν οὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν

ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστι

Falando do ser (ἐὸν) a deusa enuncia que eacute ingecircnito e impereciacutevel depois disso como

costuma fazer ela apresenta seu argumento mas desta vez em forma de pergunta Ela pergunta que

geraccedilatildeo (γένναν) tu procurarias para ele Como de onde teria crescido (αὐξηθέν) Do natildeo ser natildeo

te permitirei (ἐάσσω) afirmar (φάσθαι) ou operar cognitivamente (νοεῖν) porque o natildeo ser (οὐκ

ἔστι) eacute indiziacutevel e cognitivamente natildeo operaacutevel (οὐδὲ νοητόν) A deusa diz algo muito especial ela

diz natildeo te permitirei dizer ou operar cognitivamente usando a forma futura do verbo para

expressar um preceito severo de forte tom imperativo natildeo diga e natildeo opere cognitivamente o natildeo

ser Esta eacute a expressatildeo de uma lei imperativa referida ao pensamento mas ainda antes eacute a expressatildeo

da impossibilidade psicoloacutegica sobre a qual aquela lei se baseia natildeo eacute permitido pensar (operar

cognitivamente) e dizer o que natildeo eacute porque eacute [psicologicamente] impossiacutevel operar

cognitivamente o natildeo ser e logo eacute tambeacutem impossiacutevel dizecirc-lo

191

Para a elucidaccedilatildeo do aspecto psicoloacutegico podemos dividir a passagem em duas etapas

1) uma asserccedilatildeo hipoteacutetica o ser eacute gerado

2) a rejeiccedilatildeo da asserccedilatildeo pelo Preceito da Deusa eacute impossiacutevel que os ser seja gerado

do natildeo ser

Esta segunda etapa pode ser dividida em trecircs momentos

2a) eacute impossiacutevel que o ser seja gerado do natildeo ser

2b) porque natildeo eacute permitido operar cognitivamente que ele poderia vir do natildeo ser

2c) porque eacute impossiacutevel operar cognitivamente o natildeo ser ou dizecirc-lo

Agora vamos inverter a sequecircncia i) eacute impossiacutevel operar cognitivamente e dizer o natildeo ser

ii) por conseguinte o natildeo ser natildeo pode ser operado cognitivamente como parte de qualquer

argumento real (como parte do caminho da Persuasatildeo) iii) por conseguinte natildeo se deve (pensar e)

afirmar que o natildeo ser pode ser gerador do ser (ἐὸν) O preceito da Deusa aqui dado explicitamente

eacute o natildeo ser natildeo pode ser usado como parte de um argumento Como se pode notar este eacute um

corolaacuterio do Preceito da Deusa enunciado no fragmento 7

Podemos dizer o mesmo com outras palavras Na primeira etapa 1) haacute uma meditaccedilatildeo que

estabelece a impossibilidade de operar cognitivamente com o natildeo ser com a asserccedilatildeo

complementar de que eacute impossiacutevel que o ser possa natildeo ser esta eacute uma observaccedilatildeo do

comportamento da mente Na segunda etapa 2) Parmecircnides observa que os homens fazem

confusatildeo pois acreditam que seja possiacutevel operar cognitivamente com o natildeo ser assim ele

considera dois tipos de homem aquele que conhece esta impossibilidade (o homem saacutebio instruiacutedo

pela deusa) e aquele que natildeo a conhece (os mortais) esta eacute uma observaccedilatildeo do comportamento do

sistema humano de conhecimento A terceira etapa 3) eacute a aplicaccedilatildeo da ferramenta certa na praacutetica

do conhecimento enunciando um preceito que conduz o inqueacuterito pelo caminho correto este eacute o

192

enunciado de um criteacuterio de verdade A primeira etapa eacute psicoloacutegica a segunda eacute gnosioloacutegica e

finalmente a terceira eacute epistemoloacutegica

Nestas poucas linhas podemos ver todo o pensamento bem estruturado de Parmecircnides o que

explica muito bem o porquecirc ele continua sendo um filoacutesofo vivo ateacute nosso debate contemporacircneo

De fato sua epistemologia estaacute fundada sobre uma gnosiologia a qual estaacute ela mesma fundada

sobre uma observaccedilatildeo psicoloacutegica E esta observaccedilatildeo psicoloacutegica eacute realizada tatildeo bem e

profundamente que o resultado eacute uma autecircntica lei ontoloacutegica natildeo ser eacute o nome que damos agravequilo

que natildeo pode ser pensado Portanto este insight vertical tem consequecircncias sobre muitos niacuteveis ao

mesmo tempo como funccedilatildeo psicoloacutegica natildeo podemos pensar (isto eacute natildeo podemos operar de

forma cognitiva com) o natildeo ser como funccedilatildeo gnosioloacutegica natildeo podemos conhecer o natildeo ser como

funccedilatildeo epistemoloacutegica natildeo podemos usar este conceito na descriccedilatildeo do mundo porque eacute fonte de

erro A estrutura feacuterrea das conexotildees entre esses muacuteltiplos niacuteveis expressa por sua filosofia

constituiraacute o desafio parmenidiano que intrigaraacute Platatildeo Aristoacuteteles e quase todos os grandes

filoacutesofos ateacute o presente

5212 DK B 812-18

Nos versos seguintes Parmecircnides reforccedila todos os niacuteveis de sua visatildeo

οὐδέ ποτ ἐκ μὴ ἐόντος ἐφήσει πίστιος ἰσχύς

γίγνεσθαί τι παρ αὐτό τοῦ εἵνεκεν οὔτε γενέσθαι

οὔτ ὄλλυσθαι ἀνῆκε Δίκη χαλάσασα πέδηισιν

ἀλλ ἔχει ἡ δὲ κρίσις περὶ τούτων ἐν τῶιδ ἔστιν

ἔστιν ἢ οὐκ ἔστιν κέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη

τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής

ἔστιν ὁδός) τὴν δ ὥστε πέλειν καὶ ἐτήτυμον εἶναι

a) DK 812-13a Noacutes pulamos o verso DK 811 porque embora pareccedila relacionado agraves duas vias de

193

pensamento de fato se refere ao ἐὸν o estudo do qual natildeo nos interessa aqui Assim podemos

comeccedilar lendo o verso DK 812 ldquoa forccedila da persuasatildeo (πίστιος ἰσχύς) natildeo permitiraacute que nada venha

a ser ao seu lado (παρ αὐτό) vindo do natildeo serrdquo Parmecircnides diz que nada pode vir a ser do natildeo ser

nem mesmo um ser ao lado do que jaacute eacute Significa que aquilo que parece ser uma nova existecircncia

no mundo quando esse novo existente vem a ser eacute apenas a visatildeo que resulta de uma falta de

recurso da mente comum (dos mortais) na qual natildeo haacute persuasatildeo verdadeira Com efeito a

persuasatildeo verdadeira tem uma forccedila tatildeo grande que natildeo permite que nenhuma coisa venha a ser do

nada como a deusa dissera no verso 87-8 Essa imagem da forccedila da persuasatildeo reforccedila a

interpretaccedilatildeo do verso 129 onde Parmecircnides fala de mente firme (ἀτρεμὲς ἦτορ) isto eacute uma

mente onde as conexotildees entre as partes do caminho satildeo tatildeo fortes que o vacilar dos pensamentos

entre ser e natildeo ser entre afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo natildeo pode acontecer A forccedila da persuasatildeo manteacutem

firme o argumento na mente portanto esta forccedila natildeo permite o argumento duvidoso (oscilante) da

geraccedilatildeo a partir do natildeo ser porque o natildeo ser eacute impossiacutevel e natildeo pode ser usado no argumento

b) DK 813b-15a ldquoPois Dike natildeo permite nem geraccedilatildeo (ἀνῆκε) nem perecimento (γενέσθαι)

soltando as correntes (χαλάσασα πέδηισιν) mas as manteacutemrdquo Esta passagem eacute muito importante

porque faz uma equivalecircncia entre a forccedila da persuasatildeo e as correntes de Dike a qual

tradicionalmente eacute a deusa da justiccedila236 De um lado noacutes sabemos que naquele periacuteodo os nomes

dos deuses estavam sendo utilizados na forma linguiacutestica de gecircnero neutro indicando de maneira

impessoal alguns processos naturais representados por aqueles deuses237 Que a justiccedila possa ser

236No caminho oposto Cassin a qual acredita fazer uma equivalecircncia entre as amarras das deusas parmenidianas e as

amarras que manteacutem ao mastro Ulisses quando ouve o canto das sereias (Cassin 1987) 237Kahn 1960 Parmecircnides escolhe escrever de maneira tradicionalista em verso e usando a linguagem eacutepica por este

194

um processo natural do mundo pode soar algo improacuteprio para a nossa compreensatildeo mas era bem

aceitaacutevel para a mente antiga como vemos por exemplo em Anaximandro DK B 1 Isto significa

que a justiccedila era considerada um tipo de ordem de todas as coisas natildeo uma ordem a partir de algo

externo aplicada agraves coisas (como por exemplo no pensamento cristatildeo onde a justiccedila eacute uma ordem

divina externa ao mundo vinda de Deus por meio de suas leis e que o homem pode respeitar ou

natildeo) mas uma ordem interna das coisas Conhecer o comportamento de Dike a deusa da justiccedila

significa conhecer o comportamento do mundo (isto eacute uma norma de comportamento do mundo

algo proacuteximo do que noacutes chamamos de lei da natureza) Por outro lado Parmecircnides descobre esta

ordem com um processo de meditaccedilatildeo238 alcanccedilando o entendimento de que o natildeo ser absoluto

natildeo pode ser pensado e ao mesmo tempo eacute impossiacutevel que ele tenha alguma realidade Portanto

todo argumento que implica o natildeo ser como algo que eacute estaacute errado como eacute o caso do argumento

sobre a crenccedila da existecircncia da geraccedilatildeo e do perecimento Dike neste caso representa uma ordem

interna de tudo que eacute tanto o mundo fiacutesico quanto o mundo dos pensamentos Ambos os mundos

tecircm a mesma ordem a mesma lei de comportamento um tipo de ordem que Parmecircnides chama

Dike e que noacutes chamariacuteamos de lei ontoloacutegica pois Dike eacute ao mesmo tempo uma lei da physis e

uma lei que pode ser um recurso para a mente humana (o caminho para as operaccedilotildees cognitivas)

motivo seus deuses e deusas satildeo reportados ao estaacutegio eacutepico e descritos na forma antropomoacuterfica tradicional 238Esta reflexatildeo sem base direta na experiecircncia eacute algo que ainda acontece naqueles ramos da ciecircncia que natildeo tecircm outra

opccedilatildeo senatildeo prescindir do suporte empiacuterico e experimental Curiosamente um destes ramos ainda eacute uma reflexatildeo

cosmoloacutegica tendo quase o mesmo objeto dos preacute-socraacuteticos trata-se de um ramo da Fiacutesica a Cosmologia A

Cosmologia fiacutesica da atualidade tem uma escala tatildeo imensa que se encontra muito aleacutem das capacidades

experimentais e trabalha apenas com cenaacuterios imaginaacuterios com o uacutenico suporte de coerecircncias internas segundo o

instrumental proacuteprio da Fiacutesica isto eacute Matemaacutetica e ciecircncias afins Por este seu caraacuteter natildeo experimental eacute chamada

de Cosmologia Especulativa

195

Esta multifuncionalidade de Dike239 a lei que estabelece os limites do comportamento do mundo

seraacute importante mais adiante para entender a equivalecircncia entre pensado e pensar (operar

cognitivamente) nos versos 834-38

c) DK 815-18 ldquoA decisatildeo (κρίσις) a respeito dessas coisas estaacute nisto eacute ou natildeo eacute Estaacute decidido

como era necessaacuterio de um lado deixar o que eacute natildeo operaacutevel cognitivamente e sem nome (pois natildeo

eacute verdadeiro caminho) e de outro lado ser e ser verdadeirordquo Vamos por partes Parmecircnides potildee

em praacutetica o Preceito da Deusa relembrando que um dos dois caminhos eacute inoperaacutevel

cognitivamente (ἀνόητον) e sem nome (ἀνώνυμον) enquanto o outro eacute real e verdadeiro caminho

Aqui temos que lembrar que decidir eacute uma accedilatildeo possiacutevel somente ao homem que conhece o

caminho da persuasatildeo verdadeira pois os mortais satildeo ἄκριτα φῦλα gente sem capacidade de

decidir Agora este homem estaacute diante de um problema da realidade o que satildeo aquelas coisas que

noacutes chamamos de geraccedilatildeo e perecimento (incluindo nascimento e morte) Para os mortais a soluccedilatildeo

vem de uma confusatildeo entre ser e natildeo ser assim eles acreditam que eles decidem mas eles natildeo

decidem Por outro lado em face deste problema o homem que sabe e que tem os recursos precisa

pocircr estes uacuteltimos em praacutetica Pocircr os recursos em praacutetica significa exatamente aplicar o Preceito da

Deusa isto eacute introduzir a oposiccedilatildeo absoluta entre ser e natildeo ser Com este recurso a decisatildeo eacute

possiacutevel e ademais eacute uma decisatildeo de persuasatildeo verdadeira Temos aqui uma decisatildeo feita por uma

disjunccedilatildeo escolhendo eacute ou natildeo eacute Embora se trate dos mesmos termos dos dois caminhos do

fragmento DK 2 o argumento eacute muito diferente No fragmento DK 2 haacute um processo de meditaccedilatildeo

com uma reflexatildeo sobre o natildeo ser que permite apenas dois caminhos tendo ambos a mesma origem

239Unidade e multiplicidade de Dike eacute desenvolvida em Ruggiu 1975 p 85-101

196

a negaccedilatildeo do natildeo ser mas apenas um leva agrave meta enquanto outro leva para lugar nenhum Os dois

caminhos do fragmento DK 2 natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo loacutegica entre si (eles tecircm uma relaccedilatildeo

ontoloacutegica) mas expressam a realidade da reflexatildeo sobre o natildeo ser e satildeo o resultado de uma

experiecircncia aquele ponto de partida empiacuterico de qualquer metafiacutesica no fragmento DK 2 os dois

caminhos satildeo o resultado de um argumento que comeccedila com uma meditaccedilatildeo (sabemos isso pelas

palavras da deusa que diz que satildeo caminhos para as operaccedilotildees cognitivas νοῆσαι ou seja ela estaacute

refletindo sobre a reflexatildeo) e continua com as passagens intermediaacuterias (eacute eacute caminho de persuasatildeo

que acompanha a verdade enquanto natildeo eacute eacute cognitivamente natildeo operaacutevel e tambeacutem indiziacutevel) ateacute

a conclusatildeo enunciada no comeccedilo estes satildeo os uacutenicos caminhos para o pensar Muito diferente eacute

o caso dos versos em questatildeo (DK B 815-16) onde eacute e natildeo eacute natildeo satildeo conclusatildeo do argumento

mas o instrumento a ser usado para entender algo especiacutefico do mundo De fato Parmecircnides

considera que haacute os eacute e natildeo eacute vindos da percepccedilatildeo da realidade 1) como na geraccedilatildeo que apresenta

a passagem de algo vindo do natildeo ser algo que natildeo existia antes e vai para o ser aquele algo que

de fato existe agora 2) e como no perecimento que apresenta a passagem de algo indo do ser algo

que existia ao natildeo ser quando esse algo natildeo existe mais Agora estes ser e natildeo ser que surgem

da percepccedilatildeo da realidade precisam ser comparados com o Preceito da Deusa que diz que eacute e natildeo

eacute estatildeo em oposiccedilatildeo radical De forma que tendo ela dito que natildeo eacute eacute um caminho natildeo verdadeiro

na aplicaccedilatildeo ao estudo da geraccedilatildeo e do perecimento eacute preciso abandonaacute-lo isto eacute eacute preciso

eliminar o natildeo ser do entendimento que parece vir da percepccedilatildeo da realidade A diferenccedila entre o

homem saacutebio instruiacutedo pela deusa e os mortais natildeo eacute a percepccedilatildeo em si mas o uso ou natildeo do

recurso que corrige a percepccedilatildeo Para o homem saacutebio instruiacutedo pela deusa geraccedilatildeo e perecimento

satildeo eliminados porque eacute eliminada aquela parte do argumento o natildeo ser com a qual se daacute a

passagem e o tracircnsito entre ser e natildeo ser como a deusa diz nos versos seguintes (DK B 819-21)

197

Em conclusatildeo podemos ver neste trecho como pocircr em praacutetica o Preceito da Deusa

Parmecircnides faz algumas distinccedilotildees Todo homem tem uma noccedilatildeo da realidade e todo homem

percebe a realidade da mesma maneira Esta maneira poreacutem distorce a realidade porque a mente

pelo haacutebito multiexperiente erra Qual eacute o erro Eacute um erro que acontece na mente eacute a confusatildeo

entre ser e natildeo ser Isto significa que errar eacute estrutural ao homem (mergulhado em sua cultura)

porque o problema natildeo se daacute quando ele escolhe ou decide mas antes da decisatildeo O problema estaacute

na estrutura que toma decisotildees ou seja na mente Parmecircnides diz que a origem eacute cultural (o haacutebito

multiexperiente da mente) e que a estrutura da mente condicionada que percorre o caminho de

confusatildeo entre ser e natildeo ser levaraacute a uma concepccedilatildeo de mundo onde tudo vai aleacutem dos limites

daquilo que eacute atravessando o territoacuterio impossiacutevel do natildeo ser A maneira tradicional de ver o

mundo estaacute errada Parmecircnides diz porque confunde algo que natildeo deveria ser confuso De fato o

ser que penetra na regiatildeo do natildeo ser quer realizar algo impossiacutevel porque a lei do mundo (Dike)

considera isto injusto Eacute fora da lei e injusto o ir aleacutem gerando e perecendo em direccedilatildeo ao natildeo ser

e Dike natildeo permite esta invasatildeo no natildeo ser ela manteacutem com correntes o ser dentro do que eacute Dike

eacute uma lei do mundo imanente ao mundo assim a oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo ser pertence ao

mundo e por isto eacute tambeacutem uma estrutura do pensamento verdadeiro aquele pensamento que anda

no caminho da verdadeira persuasatildeo Os homens podem entender esta lei e conhecendo-a podem

corrigir a maneira de pensar naquela parte do processo mental entre a percepccedilatildeo e o pensamento

Em outras palavras Parmecircnides sugere o uso do instrumento da natildeo contradiccedilatildeo (entre ser e

natildeo ser) natildeo depois mas antes do resultado do pensamento isto eacute antes do enunciado como a

deusa diz em DK B 87-8 (οὐδ ἐκ μὴ ἐόντος ἐάσσω φάσθαι σ οὐδὲ νοεῖν) ou seja durante o

processo de pensar (operar cognitivamente) Para entender ao que Parmecircnides se refere com

processo de pensar (o caminho para as operaccedilotildees cognitivas) eacute preciso relembrar duas coisas

198

primeiro ele estaacute falando de um caminho especiacutefico do pensar segundo estaacute falando do caminho

de pesquisa deixando de lado os outros processos de pensamento No caso do inqueacuterito o caminho

(feito passo a passo) natildeo permite nenhum passo que use o natildeo ser porque a impossibilidade do natildeo

ser torna inuacutetil o inteiro encadeamento no qual possa ser encontrado um uacutenico elo que contenha o

natildeo ser No caso dos versos DK 87-8 quando a deusa diz ldquoEu natildeo permitirei etcrdquo ela quer dizer

ldquoEu natildeo te permitirei operar cognitivamente e dizer esta conclusatildeo o ser tem geraccedilatildeo porque os

passos deste caminho (os elos do encadeamento) do pensar e do dizer (argumento) incluem o natildeo

serrdquo Em outras palavras cada passo do inqueacuterito pode ser usado para o proacuteximo passo somente se

eacute filtrado pelo Preceito da Deusa (veremos isto melhor na anaacutelise nos proacuteximos versos DK 834 e

ss) O processo de pensar eacute entatildeo o percurso que leva ao enunciado o processo de pensar eacute o

argumento eacute no argumento que eacute preciso aplicar o Preceito da Deusa (e natildeo no enunciado que dele

resulta) Parmecircnides demanda uma mudanccedila na articulaccedilatildeo do pensar algo que como sabemos

realmente aconteceu depois dele o desenvolvimento de um novo modo de organizaccedilatildeo da cultura

humana aquele modo que chamamos pensamento racional em oposiccedilatildeo ao pensamento miacutetico

5213 DK B 826-8

ldquoMas imoacutevel (ἀκίνητον) jaz dentro de limites (ἐν πείρασι) de fortes correntes sem iniacutecio

(ἄναρχον) e sem fim (ἄπαυστον) pois geraccedilatildeo e perecimento foram afastados a persuasatildeo

verdadeira (πίστις ἀληθής) os empurrou para traacutesrdquo Mais uma vez temos primeiro o enunciado ou

seja o resultado do argumento assim o ser eacute imoacutevel sem comeccedilo nem fim Depois do enunciado

temos o argumento geraccedilatildeo e perecimento foram repelidos pela persuasatildeo verdadeira obtida

podemos acrescentar pela aplicaccedilatildeo do Preceito da Deusa Mais uma vez temos a clara sequecircncia

199

do argumento parmenidiano

5214 DK B 834-8

ldquoO mesmo satildeo operar cognitivamente (νοεῖν) e o fato pelo qual se daacute a operaccedilatildeo cognitiva

(νόημα) Com efeito natildeo sem o ser (οὐ ἄνευ τοῦ ἐόντος) no qual (ou pelo qual) eacute declarado tu

encontraraacutes a operaccedilatildeo cognitiva pois natildeo haacute nem haveraacute nada aleacutem do ser pois Moira acorrentou-

o para ser inteiro e imutaacutevelrdquo Estes versos apresentam muitos problemas tanto filoloacutegicos quanto

filosoacuteficos Tentaremos escapar da necessidade de atravessar este difiacutecil territoacuterio concentrando

nosso foco sobre o primeiro verso O sentido geral da inteira passagem embora com algumas

discordacircncias entre os estudiosos pode ser considerado este pensar (ou conhecer) e o

sujeitoobjeto do pensar (ou do conhecer) satildeo o mesmo porque sem o ser eacute impossiacutevel pensar ou

conhecer algo isto eacute eacute impossiacutevel pensar ou conhecer o que natildeo eacute porque sem o ser natildeo haacute nada

Creio que o acento sobre o aspecto psicoloacutegico do pensamento parmenidiano pode ajudar a

esclarecer estas palavras Antes de tudo a expressatildeo o mesmo (ταὐτὸν) natildeo pode ser traduzida

como idecircntico Trata-se do mesmo na semacircntica arcaica que significa pertencer ao mesmo ramo

genealogia povo tribo Por exemplo todas as pessoas de Roma satildeo o mesmo isto eacute satildeo Romanos

No caso de Parmecircnides ele estaacute tentando descrever dois fatos que parecem ser diferentes mas ele

diz ele pertencem ao mesmo fato o mesmo acontecimento Numa linguagem muito moderna e

levando em conta que Parmecircnides estaacute falando do mundo fiacutesico (ἐόν) podemos traduzir com eles

pertencem ao mesmo evento O evento naturalmente eacute o ἐόν para o qual o fragmento 8 eacute dedicado

Como em outras partes da filosofia parmenidiana a descriccedilatildeo do mundo fiacutesico inclui a lei que

governa aquele fato fiacutesico Assim o mesmo significa que os fatos que ele estaacute descrevendo satildeo

200

submetidos agrave mesma lei de comportamento fiacutesico

Operar (na parte cognitiva da mente) e aquilo pelo qual se daacute a operaccedilatildeo cognitiva pertencem

ao mesmo evento De fato se algo eacute declarado este algo possui realidade porque a declaraccedilatildeo aqui

natildeo eacute uma declaraccedilatildeo qualquer Natildeo podemos esquecer que Parmecircnides aqui estaacute aplicando seu

meacutetodo agrave physis isto eacute ao mundo Quando fala sobre declaraccedilatildeo de algo nesse contexto ele quer

dizer a verdadeira declaraccedilatildeo o enunciado verdadeiro e o discurso verdadeiro de fato a fala

verdadeira segue a persuasatildeo verdadeira Assim no discurso verdadeiro quando ele fala sobre algo

faz afirmaccedilotildees verdadeiras porque 1) o pensamento verdadeiro sobre algo e 2) a operaccedilatildeo cognitiva

operada com o recurso (o Preceito da Deusa) pertencem ao mesmo evento isto eacute agrave mesma

realidade verdadeira a realidade do ἐόν Mais uma vez o recurso eacute mostrado pela imagem da

Moira (o Fado) acorrentando todas as coisas num inteiro de uma forma que sem passado e futuro

(que introduziriam o natildeo ser pois as coisas que devecircm viriam do natildeo ser e iriam para o natildeo ser)

natildeo haacute ser que venha e vaacute e natildeo haacute outra coisa exceto o ser que jaacute existe

Aqui Parmecircnides cumpre um grande passo no desenvolvimento do conhecimento humano

porque ele afirma a identidade de funccedilatildeo entre o pensar humano verdadeiro e o pensamento

verdadeiro a respeito de algo Ele diz que o sujeito e o objeto pertencem agrave mesma ordem da physis

e eacute esta pertinecircncia que permite a possibilidade do conhecimento240 Esta mesma ordem natildeo eacute

aquela adquirida pelo haacutebito multiexperiente mas eacute a ordem do percurso cognitivo do eacute Atender

240Nota epistemoloacutegica Vale lembrar que anteriormente a Parmecircnides o conhecimento verdadeiro era reservado soacute

aos deuses (Xenoacutefanes DK 21 B 18 e 24 Alcmeon DK 24 B 1) Ao estabelecer uma mesma lei entre o pensar e o

ente que eacute pensado Parmecircnides estabelece um princiacutepio pelo qual o mundo (que naquela eacutepoca incluiacutea os deuses

diferentemente do pensamento cristatildeo que potildee o deus fora do mundo) e o pensar o mundo obedecem agrave mesma lei

autorizando epistemologicamente desta forma o pensamento humano a alcanccedilar e incluir o mundo inteiro no seu

objeto de conhecimento verdadeiro

201

a esta ordem permite o conhecimento verdadeiro porque atender ao Preceito da Deusa permite a

relaccedilatildeo entre o pensar isto eacute aquele pensador que pensa com as operaccedilotildees cognitivas verdadeiras

com o pensamento do objeto expresso em declaraccedilotildees verdadeiras o sujeito pensador (o homem

saacutebio que segue o Preceito da Deusa) pode conhecer a verdade do objeto porque o mundo (que

inclui sujeito e objeto) eacute ordenado pelo mesmo preceito que Dike e Moira potildeem em accedilatildeo

acorrentando o ἐόν num todo

522 O fragmento DK 4

O fragmento DK 4 eacute um dos mais misteriosos do poema Natildeo estaacute clara a sua posiccedilatildeo na

ordenaccedilatildeo dos fragmentos Diels o colocou entre o 3 e o 5 mas hoje isto eacute contestado por muitos

estudiosos Na minha opiniatildeo que natildeo pode ser justificada aqui241 ele pertence agrave primeira parte do

poema mas talvez na seccedilatildeo da discussatildeo do ἐὸν ou seja no fragmento DK 8 eacute impossiacutevel poreacutem

decidir mais precisamente em que parte do fragmento deve ser colocado de forma que eu o deixo

no uacuteltimo lugar antes do fim da fala da deusa a respeito da verdade (DK 850) O fragmento foi

transmitido por Clemente de Alexandria

λεῦσσε δ ὅμως ἀπεόντα νόωι παρεόντα βεβαίως

οὐ γὰρ ἀποτμήξει τὸ ἐὸν τοῦ ἐόντος ἔχεσθαι

οὔτε σκιδνάμενον πάντηι πάντως κατὰ κόσμον

οὔτε συνιστάμενον

A grande problemaacutetica da traduccedilatildeo eacute bem conhecida pelos estudiosos e se reflete na

241A discussatildeo da posiccedilatildeo do fragmento DK 4 requereria a discussatildeo da exegese do poema como um todo Por outro

lado o assunto do fragmento DK 4 eacute perifeacuterico em relaccedilatildeo ao tema da presente tese e reportar ainda que

parcialmente aquela discussatildeo sobrecarregaria (dada a grande e intensa discordacircncia dos estudiosos)

desnecessariamente o texto retirando o foco do tema principal o natildeo ser

202

insatisfaccedilatildeo geral com os resultados que satildeo muito diferentes para cada interprete242 Nesse caso

nem o sentido geral recebe um acordo dos estudiosos assim podemos ir diretamente para a

interpretaccedilatildeo do ponto de vista psicoloacutegico ldquoObserve com a operaccedilatildeo cognitiva (νόωι) as coisas

ausentes como sendo (ὅμως) presentes firmemente pois [subentendido a operaccedilatildeo cognitiva

νόος] natildeo dividiraacute (οὐ γὰρ ἀποτμήξει) o ente de aderir (ἔχεσθαι) do ente (τοῦ ἐόντος) nem pelo

espalhamento em todas as direccedilotildees em todo lugar nem pela uniatildeordquo

Do nosso ponto de vista psicoloacutegico a interpretaccedilatildeo deste fragmento resulta simples e clara

se fizermos algumas consideraccedilotildees Antes de tudo noacutes temos os nossos instrumentos o Preceito

da Deusa e as correntes de Dike e Moira depois sabemos que estas correntes precisam estar

tambeacutem no pensar (as operaccedilotildees cognitivas verdadeiras) e no mundo Mas se o mundo natildeo parece

acorrentado eacute porque noacutes estamos olhando para ele sem o recurso (ἀμηχανίη) como o olham os

mortais A primeira palavra que encontramos eacute λεῦσσε que eacute a forma imperativa do verbo λεύσσω

observar fitar A deusa diz ao disciacutepulo olhe atentamente Natildeo eacute um convite eacute uma ordem

imperativa como muitas outras ao longo do poema para que o disciacutepulo obedeccedila e faccedila aquilo O

que ele tem que fitar A deusa diz que ele tem que olhar atentamente as coisas ausentes (ou as

coisas afastadas) como firmemente presentes (ou proacuteximas) E a deusa acrescenta que o kouros

precisa fazer isto com a mente (νόωι dativo instrumental) Noacutes jaacute sabemos que nesse caso νόωι

significa pelas operaccedilotildees cognitivas da mente e tambeacutem sabemos que este olhar eacute o recurso da

mente que os mortais natildeo tecircm (por esta razatildeo eles perambulam como surdos e cegos) Portanto ateacute

242 Este fragmento raramente eacute estudado em si mas quase sempre em relaccedilatildeo agrave doutrina geral do ser no poema Uma

exposiccedilatildeo de algumas interpretaccedilotildees se encontra em Marques 2007

203

agora os instrumentos satildeo claros e conhecidos porque foram apresentados nas partes anteriores do

poema sumariamente olhe com a mente usando o recurso isto eacute com o Preceito da Deusa

O proacuteximo passo consiste em entender o que poderia significar o fato que coisas ausentes

devem ser vistas como presentes Como sempre a razatildeo para o preceito eacute dada depois do

enunciado portanto poderiacuteamos encontrar vestiacutegios nos versos seguintes No segundo verso natildeo

haacute um sujeito claro para a oraccedilatildeo e o verbo ἀποτμήξει pode ser da 2a pessoa em voz meacutedia ou da

3a pessoa em voz ativa do futuro de ἀποτμήγω se noacutes aceitamos como 2a pessoa o sujeito eacute a

mesma pessoa para a qual o imperativo eacute direto isto eacute o kouros se noacutes aceitarmos como 3a pessoa

o sujeito eacute o mesmo da primeira oraccedilatildeo isto eacute o νόος isto eacute as operaccedilotildees cognitivas Levando em

conta que as operaccedilotildees cognitivas satildeo referidas ao kouros do nosso ponto de vista esta

ambiguidade gramatical natildeo eacute importante e o sentido geral permanece o mesmo o sujeito eacute um

operador cognitivo isto eacute as operaccedilotildees cognitivas do kouros Vamos entatildeo escolher a 3a pessoa

apenas para permitir que o tom imperativo da deusa seja mais universal

As operaccedilotildees cognitivas natildeo separaratildeo o ente de aderir ao ente Isto significa que as

operaccedilotildees cognitivas verdadeiras natildeo cortaratildeo as correntes que tornam todas as coisas um todo As

coisas natildeo podem ser separadas e o olhar (o recurso) das operaccedilotildees cognitivas verdadeiras natildeo

separaraacute o ente do ente ou tambeacutem o ente do todo ao qual pertence Parmecircnides diz que eacute o olho

com recurso (o Preceito da Deusa) que vecirc todas as coisas num todo Pela mesma razatildeo as coisas

natildeo podem ser vistas como espalhadas ou concentradas Ateacute agora eacute muito claro e estaacute dentro de

nossa interpretaccedilatildeo anterior Resta o problema de entender ἀπεόντα e παρεόντα

Para poder entender como as coisas ausentes devem estar presentes para o olho da mente

com recurso precisamos nos perguntar em quais circunstacircncias as coisas presentes parecem estar

ausentes para a mente comum Esta me parece uma observaccedilatildeo psicoloacutegica surpreendente de

204

Parmecircnides No nosso comportamento psicoloacutegico comum noacutes observamos as coisas como se

fossem isoladas umas das outras Se eu observo um livro eu considero este livro como uma coisa

isolada do resto do mundo e por isso eu digo o livro estaacute sobre a mesa Considero o objeto isolado

livro sobre o objeto isolado mesa Este isolamento dos objetos eacute o resultado de um processo

normal de nossa cogniccedilatildeo que noacutes chamamos atenccedilatildeo A atenccedilatildeo eacute uma maneira dos nossos

processos perceptivos e cognitivos pela qual uma coisa que eacute o objeto de nossas atenccedilotildees eacute

separada do resto do mundo este permanece em segundo plano em relaccedilatildeo ao objeto de nossa

atenccedilatildeo Assim pelo comportamento psicoloacutegico eu seleciono objetos para a minha atenccedilatildeo um

livro uma mesa uma xiacutecara e os considero um de cada vez para as minhas finalidades Quando

esta atenccedilatildeo eacute organizada numa consideraccedilatildeo consciente de um uacutenico objeto eu digo ldquoum livrordquo

Assim a minha ideia de livro eacute extraiacuteda da realidade e o livro real revive em minha mente natildeo

como aquele livro concreto relacionado naquele momento com aquela mesa naquele ambiente

etc mas como uma ideia A ideia de livro eacute algo extraiacutedo da realidade e noacutes chamamos esta

extraccedilatildeo de abstraccedilatildeo (do latim ab traho levo embora)

A realidade eacute um conjunto de coisas sempre juntas todas elas Mas a mente comum vecirc as

coisas como separadas umas das outras Quando penso livro eu faccedilo uma ideia como se o livro

fosse algo rodeado pelo nada isto eacute o que a mente comum faz quando pensa de forma abstrata

Mas o livro concreto estaacute sempre mergulhado no todo da realidade e eu natildeo posso nunca encontrar

um livro isolado rodeado por uma espeacutecie de coisa real que poderia ser o nada De fato diz

Parmecircnides natildeo haacute dispersatildeo nem concentraccedilatildeo no mundo ordenado243 (κατὰ κόσμον) e quando

243 Embora esta seja uma expressatildeo eacutepica que significa em ordem ou ordenadamente (Taraacuten 1965 p 47-48 Coxon

205

noacutes vemos um mundo com dispersatildeo e concentraccedilatildeo noacutes estamos olhando como surdos e cegos

como as pessoas sem recurso Mas as operaccedilotildees cognitivas verdadeiras da mente natildeo cortaratildeo as

correntes que ligam todas as coisas no ser no todo no ἐὸν Portanto as operaccedilotildees cognitivas da

mente devem olhar junto com o livro que a mente comum vecirc como presente tambeacutem a mesa e a

xiacutecara e as outras coisas as quais embora pareccedilam estar ausentes de fato na realidade estatildeo

presentes Esta fatal (divina) inteira presenccedila deve ser vista (eacute necessaacuterio que seja vista λεῦσσε

imperativo) pelo homem com recurso

Se esta interpretaccedilatildeo estaacute correta estamos diante da primeira descriccedilatildeo do processo de

abstraccedilatildeo da cultura ocidental Isto tornaria Parmecircnides um observador realmente extraordinaacuterio

do comportamento da mente desde o comportamento psicoloacutegico ateacute as implicaccedilotildees cognitivas

epistemoloacutegicas e filosoacuteficas

523 O fragmento 16

Este fragmento tambeacutem eacute extremamente controverso chega ateacute noacutes pela Metafiacutesica de

Aristoacuteteles e pelo de Sensu de Teofrasto eis o texto oferecido por Diels-Kranz244

ὡς γὰρ ἕκαστος ἔχει κρᾶσιν μελέων πολυπλάγκτων

τὼς νόος ἀνθρώποισι παρίσταται τὸ γὰρ αὐτό

ἔστιν ὅπερ φρονέει μελέων φύσις ἀνθρώποισιν

καὶ πᾶσιν καὶ παντί τὸ γὰρ πλέον ἐστὶ νόημα

2009 308) haacute alguns autores que traduzem atraveacutes do mundo (por exemplo OBrien 1987 p 21 across the

world) o sentido de mundo era um sentido novo que vinha se configurando desde Anaximandro no entanto o

puacuteblico de Parmecircnides ainda natildeo podia natildeo associar a este termo o sentido tradicional de ordem Para um status

questionis do termo κόσμος veja-se Finkelberg 1998 244A exegese eacute extremamente problemaacutetica e em geral a criacutetica mais recente prefere a versatildeo de Teofrasto

206

Cavalcante de Souza traduz245

Pois como cada um tem mistura de membros errantes

assim a mente nos homens se apresenta pois o mesmo

eacute o que pensa nos homens eclosatildeo de membros

em todos e em cada um pois o mais eacute pensamento

Mais uma vez estamos diante de um texto que natildeo soacute natildeo apresenta unanimidade de

traduccedilatildeo como tambeacutem natildeo apresenta sequer um acordo sobre o seu sentido geral 246 Tanto

Aristoacuteteles quanto Teofrasto citam a passagem em relaccedilatildeo agrave discussatildeo da relaccedilatildeo entre sensaccedilatildeo e

pensamento A citaccedilatildeo de Aristoacuteteles aparece descontextualizada enquanto aquela de Teofrasto

conteacutem algum comentaacuterio entretanto ambas satildeo insuficientes para um claro entendimento da

mensagem parmenidiana O resultado eacute ateacute mesmo uma dificuldade de colocaccedilatildeo do fragmento na

primeira parte ou na segunda do poema ao se acentuar o aspecto da discussatildeo sobre a mente se

reconduz a citaccedilatildeo a ser fragmento da primeira parte ao se enfatizar o aspecto bioloacutegico se manteacutem

a citaccedilatildeo como fragmento da segunda parte Diels opta pela segunda e o numera como fr 16 Apesar

da grande autoridade do helenista alematildeo vozes discordantes apareceram e jaacute nos anos 50 Loenen

propotildee uma colocaccedilatildeo na primeira parte 247 no mesmo sentido tambeacutem Mourelatos 248 e

Robinson 249 que reconhecem no fragmento ecos da linguagem da primeira parte mais

recentemente alguns estudiosos mantecircm esta colocaccedilatildeo e alguns o fazem jaacute em outros contextos

245Cavalcante de Souza 1978 p 125 246 Como exemplo de discordacircncia radical vejam-se esses dois artigos do mesmo nome Parmenides theory of

knowledge (Vlastos 1946) e Parmenides theory of knowledge (Philip 1958) 247Loenen ldquo[] to be quite precise it probably came immediatly after fr 3rdquo (1959 p 50 e ss) 248Mourelatos 2008 p 253 e ss 249 Robinson (1975 p 631-632) inclui este fragmento no seu estudo sobre o grupo de fragmentos a respeito da

determinaccedilatildeo da realidade (ascertainment of the real)

207

criacuteticos do poema250 Ao lado destes continuam havendo importantes criacuteticos que satildeo defensores

da colocaccedilatildeo na segunda parte Esse breve apanhado aqui relatado quer ser uma razatildeo evidente

da cripticidade do texto parmenidiano Se natildeo haacute acordo nem sequer sobre que parte do poema

colocar o fragmento se pode imaginar o grau de desacordo sobre a interpretaccedilatildeo Aparentemente

haacute no fragmento a explicitaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo entre a mente e o corpo (os membros μελέων) no

entanto ateacute isto estaacute sendo posto em questatildeo251

Devido a toda esta problematicidade de interpretaccedilatildeo este fragmento embora possua um

evidente vocabulaacuterio psicoloacutegico (τὼς νόος ἀνθρώποισι παρίσταται τὸ γὰρ αὐτό ἔστιν ὅπερ

φρονέει τὸ γὰρ πλέον ἐστὶ νόημα) natildeo apresenta duas condiccedilotildees importantes para a nossa

pesquisa A primeira consiste em ter um bom grau de inteligibilidade este fragmento assim como

tambeacutem o fragmento DK B 3 natildeo o tem A segunda eacute apresentar um comportamento da mente

este fragmento apresenta uma teoria meacutedica do pensamento (para os que o colocam na segunda

parte do poema) ou associaccedilatildeo das sensaccedilotildees agrave mente interferindo no processo de conhecimento

da verdade (para quem o coloca na primeira parte do poema) e natildeo um comportamento da mente

Assim apesar de representar um material psicoloacutegico precioso252 para outros enfoques se revela

250Um exemplo notaacutevel eacute a interpretaccedilatildeo de Cordero o qual coloca o fr 16 logo apoacutes o fr 6 atendendo natildeo somente a

uma interpretaccedilatildeo diferente mas tambeacutem a uma nova ordenaccedilatildeo dos fragmentos que garante ele (o trabalho estaacute

escrito mas eacute ineacutedito) supera a divisatildeo tradicional do poema em aletheia e doxa (Cordero 2008 p 72-74) 251 Kurfess (2014) com razotildees interessantes propotildee traduzir μέλεα por uacutetero colocando assim o fragmento entre

aqueles de embriologia 252Por exemplo a interpretaccedilatildeo de Frankel seria do ponto de vista psicoloacutegico extremamente interessante ldquoThe first

sentence of the fragment says the ratio of the two elements of which a person consists (Light and Dark Being and

Not-being) is subject to great fluctuations and these changes are accompained by corresponding fluctuations in his

powers of insight and his whole way of looking at thingsrdquo (Frankel 1975 p 17) Lamentavelmente essa

interpretaccedilatildeo assim como as demais possui uma instabilidade que depende do proacuteprio texto e portanto natildeo eacute

aproveitaacutevel

208

insuficiente para o aproveitamento para a nossa anaacutelise

524 Conclusatildeo

Com esta segunda parte do estudo concluiacutemos nossa busca pelo vocabulaacuterio psicoloacutegico do

poema parmenidiano e pela averiguaccedilatildeo da existecircncia de um Parmecircnides observador do

comportamento da mente humana isto eacute de um Parmecircnides psicoacutelogo A nossa analise revelou um

Parmecircnides excelente psicoacutelogo Depois da primeira seccedilatildeo vimos no capiacutetulo 2 a extraordinaacuteria

observaccedilatildeo da impossibilidade de se pensar o natildeo ser vimos tambeacutem a reflexatildeo a respeito desta

impossibilidade e as consequecircncias que ele extraiu tanto no plano da possibilidade de

conhecimento quanto no plano filosoacutefico elaborando um meacutetodo corretivo do desvio cognitivo da

mente E nesta segunda seccedilatildeo vimos a aplicaccedilatildeo desse meacutetodo (do ponto de vista psicoloacutegico) e

talvez a primeira descriccedilatildeo do processo mental de abstraccedilatildeo Principalmente vimos a organicidade

e forccedila estrutural do pensamento de Parmecircnides que apoia passo a passo todas as suas afirmaccedilotildees

umas nas outras partindo da impossibilidade de se pensar o natildeo ser e chegando na descriccedilatildeo

coerente de um mundo sem mutaccedilatildeo passando pelas etapas intermediaacuterias da compreensatildeo do erro

nos argumentos devido a um desvio cognitivo do meacutetodo para corrigir o erro da criacutetica ao

pensamento comum e da apresentaccedilatildeo argumentada das caracteriacutesticas verdadeiras do eon o

mundo

53 O preceito da deusa

Apoacutes nosso percurso pelo fragmento 2 e pela discussatildeo do meacutetodo parmenidiano podemos

agora voltar ao tantas vezes jaacute nomeado Preceito da Deusa Na verdade a deusa parmenidiana

209

oferece muitos preceitos desde o nem conhecerias o que natildeo eacute [hellip] e nem o dirias de 27-8 ateacute o

eacute ou natildeo eacute do 816 e aleacutem No entanto o preceito siacutentese de todos os outros e em sua versatildeo

operativa ou seja numa foacutermula que pode ser aplicada eacute aquele reportado (e tornado famoso) por

Platatildeo e enumerado por Diels no fragmento 7 e versos 71-2 Jaacute encontramos essa citaccedilatildeo no

primeiro capiacutetulo ao falar do testemunho de Platatildeo (p XX) e ali fizemos uma distinccedilatildeo entre a

semacircntica parmenidiana e a semacircntica platocircnica por natildeo conhecermos ainda a semacircntica

parmenidiana renunciamos temporariamente a traduzir os versos e com a ajuda da semacircntica

platocircnica apenas salvamos a sintaxe de forma a manter uma referecircncia para a sucessiva anaacutelise do

texto do poema Depois jaacute conhecendo a semacircntica do natildeo ser em Parmecircnides reapresentamos

esses dois versos no 2ordm paraacutegrafo do capiacutetulo 2 oferecendo a traduccedilatildeo e sentidos dentro da

sequecircncia apresentada pelo poema quanto agrave discussatildeo do meacutetodo que Parmecircnides propotildee no

fragmento 2 Agora podemos nos dedicar a uma discussatildeo mais geral desses dois versos pois

como indica a citaccedilatildeo de Platatildeo representam a essecircncia da mensagem da filosofia parmenidiana

Vamos relembrar a letra dos versos

Natildeo prevaleccedila (οὐδαμῆι) jamais (μήποτε) isto (τοῦτο) ser os natildeo entes

Tu poreacutem desta via de inqueacuterito afasta o pensamento

Estabelecido o sentido metodoloacutegico dentro do poema podemos verificar uma sua

generalizaccedilatildeo O texto nos diz que (1) haacute uma via de inqueacuterito da qual eacute necessaacuterio se manter

afastados isto significa que este preceito se aplica agrave via de inqueacuterito agrave busca pelo saber isto eacute agrave

filosofia no sentido mais geral do termo (2) No inqueacuterito diante das duas vias possiacuteveis uma tem

que ser evitada a saber aquela que pretende que os natildeo entes sejam (3) Que os natildeo entes sejam

nunca prevaleceraacute

O preceito da deusa se baseia numa distinccedilatildeo que se revela no (1) por um lado haacute uma

210

estrutura do mundo por assim dizer objetiva e por outro lado haacute uma compreensatildeo subjetiva

desta estrutura O mundo considerado enquanto objeto apresenta a estrutura que se revela na

oposiccedilatildeo radical entre ser e natildeo ser (3) O pensamento de inqueacuterito um ato do sujeito pode ou natildeo

refletir esta estrutura por isto se oferecem ao sujeito duas vias (2) Esta distinccedilatildeo parmenidiana

representa por um lado a ruptura do realismo ingecircnuo cognitivo e por outro lado a consciecircncia

de que a esta ruptura eacute necessaacuterio oferecer um reparo Posto que o mundo estaacute estritamente ligado

pelas correntes na necessidade (3) o pensamento que queira investigar o mundo ndash e que

inexoravelmente se encontra diante de duas possibilidades (2) a de seguir o caminhos com os

nexos soltos ou o caminho com os nexos estreitos ndash precisa seguir o caminho de nexos estreitos

(1) definido pelo preceito mantenha-se afastado da via onde prevalece que os natildeo entes sejam

Reaproximando estas palavras a uma linguagem mais familiar para noacutes podemos dizer natildeo

argumente (mantenha-se afastado da via) com a identidade entre natildeo ente e ente (onde prevalece

que os natildeo entes sejam) O preceito pode entatildeo ser generalizado desta forma no caminho de

inqueacuterito que acompanha a verdade o ente natildeo pode ser idecircntico ao natildeo ente Generalizando mais

ainda temos o Preceito da Deusa

em relaccedilatildeo ao argumento algo natildeo pode ser e natildeo ser

Note-se que este eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo parmenidiano no campo do pensamento

e portanto eacute um princiacutepio do pensar eacute um princiacutepio loacutegico Jaacute como vimos no primeiro paraacutegrafo

do capiacutetulo 2 o princiacutepio ontoloacutegico eacute o seguinte

natildeo ser eacute impossiacutevel

A estrutura cristalina do pensamento de Parmecircnides pode ser colhida somente se livrando das

camadas culturais poacutes-platocircnicas de forma que a tarefa de evidenciar esse nuacutecleo filosoacutefico se

torna muitas vezes difiacutecil e ateacute mesmo ingloacuteria Tome-se por exemplo o magniacutefico e virtuosiacutestico

211

trabalho de Scott Austin Being bounds and logic de 1986 O autor aceita que Parmecircnides introduz

o princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo mas sua anaacutelise se reversa inteiramente sobre a sintaxe e ele conclui

que Parmecircnides realizou a generalizaccedilatildeo deixando cair (dropping) os predicados253 assim seria

um caminho de contradiccedilatildeo sintaacutetica que gerou em Parmecircnides a reatividade agrave contradiccedilatildeo

fazendo-o afinal rejeitar as afirmaccedilotildees contraditoacuterias eacute e natildeo eacute Penso que a contradiccedilatildeo em

Parmecircnides natildeo seja uma questatildeo de ouvido pois a contradiccedilatildeo para o ouvido eacute a contradiccedilatildeo

comumente percebida bem antes de Parmecircnides na linguagem comum Penso que Parmecircnides eacute

bem consciente da questatildeo filosoacutefica da contradiccedilatildeo como aliaacutes vimos abundantemente neste

trabalho pelos seguintes temas apresentados no poema a psicologia da convicccedilatildeo o criteacuterio para

a verdade o conflito entre explicaccedilotildees diversas em relaccedilatildeo aos mesmos fenocircmenos em escala

ampla (desde ao menos seu mestre Xenoacutefanes) a reflexatildeo sobre o natildeo ser nitidamente e

253Um exemplo eacute reportado na paacutegina 33 ldquoIf a division is or generates a hole in being then there will be a place where

what-is is not continuous and soacute the sentence what-is here divided and is there not divided would have to be true

Similarly if what-is is bigger somewhere then it is smaller somewhere eles (as Parmenides clearly realizes in 46-

48) and so it is here bigger there not bigger would have to be true [hellip] I suggeste that Parmenides saw this as an

instance of something like contradiction and would claim that saying of what-is that it is bigger and not bigger

makes being be both Parmenides ears do not (for philosophical purposes at least) register here there contrast

He allows himself to be deaf because his logic focuses on the terms directly introduced by the copula to the

exclusion of the qualifiers somewhat in the manner of the logic of Platos Phaedo in which what is ontologically

suspect about entities like Simmias and Cebes (or what clues us into their ontological derivativeness) is that they

can be both taller and shorter never mind than whomrdquo

Uma criacutetica que eacute feita a este tipo de argumento eacute que esta reduccedilatildeo ndash onde aqui e ali satildeo abandonados restando

somente o ser como sendo maior e menor ndash eacute que para que a reduccedilatildeo aconteccedila eacute necessaacuterio que os adveacuterbios sejam

levados em conta para depois serem abandonados (Thom 1999 p 155) o que exclui que Parmecircnides seja surdo

a eles Mas o argumento principal a meu ver eacute a inversatildeo da linha de raciociacutenio isto eacute natildeo eacute pelo fato de que o

eon sendo maior aqui e menor ali seria maior e menor (excluindo os adveacuterbios que supostamente Parmecircnides natildeo

ouve) e portanto apresentaria uma contradiccedilatildeo ser e natildeo ser inaceitaacutevel mas eacute pelo fato de que o natildeo ser eacute

inaceitaacutevel que o eon natildeo pode ser maior e menor ou maior aqui e menor ali Estaacute mais do que claro no poema que

Parmecircnides exclui a induccedilatildeo (ou seja uma suposta observaccedilatildeo do eon como sendo maior e menor em cima da qual

ele elabora uma teoria particular para aquele fenocircmeno) e expotildee sua visatildeo do eon a partir do pressuposto da

exclusatildeo do natildeo ser exclusatildeo que explica a homogeneidade e portanto a impossibilidade do eon ser maior aqui ou

ali Esta inversatildeo eacute tanto mais notaacutevel quanto o fato de Austin atribuir a Parmecircnides uma surdez que o proacuteprio

Parmecircnides atribui aos mortais

212

magistralmente exposta no fragmento 2 e a elaboraccedilatildeo de um meacutetodo de pesquisa natildeo somente

utilizado por ele mas ateacute mesmo ensinado pela boca de uma deusa num poema didaacutetico Todo

este aparato natildeo se apoia apenas no ouvido mais ou menos deficiente de Parmecircnides mas num

autecircntico esforccedilo filosoacutefico aquele eterno esforccedilo humano de entender a si proacuteprio sua vida seu

mundo e o mundo de todos noacutes

Assim como Austin acusa Parmecircnides de ser surdo assim tambeacutem Jonathan Barnes o acusa

de ser cego254 Para o quecirc Parmecircnides seria cego Seria cego para a ambiguidade loacutegica de suas

foacutermulas linguiacutesticas De fato Barnes reconstroacutei os argumentos de Parmecircnides e depois de ter

montado passo a passo os vaacuterios argumentos se dedica a aprofundar o ldquocaminho da ignoracircnciardquo (o

caminho do natildeo ser que ele reconstroacutei utilizando os fragmentos 2 e o 6) Primeiro expotildee o caminho

em 15 passos e depois afirma que o 11ordm eacute falso eis suas palavras no The presocratic philosophers

ldquo(11) (ⱯX) (if X does not exist X cannot exist) [hellip] premiss (11) is false and obviously false Not

all nonentities are impossibilia many things might but do not existrdquo (p 157) Esta a interpretaccedilatildeo

de que algumas coisas embora natildeo existam poderiam existir natildeo estaacute dentro do horizonte

especulativo de Parmecircnides porque ele natildeo pensa em termos de essecircncia e existecircncia255 e ademais

recusa exatamente a possibilidade de que os natildeo entes venham a ser como reza o Preceito da Deusa

Se se interpreta a impossibilidade da existecircncia dos natildeo entes agrave luz do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo

254Diz Barnes ldquoParmenides I suggest was blind to the ambiguity of the sentence he used he supposed that he could

as it were take advantage in one and the same proposition both of the truth of (16) and of the logical implications

of (17) Parmenidesrsquo philosophy rests if I am right on an untruism it is some slight consolation that his was by no

means the last system to be built on such a sandy foundationrdquo (Barnes 1982 p 167) 255O tema da essecircncia e existecircncia em Parmecircnides eacute raramente tratado um dos raros artigos a respeito eacute de Austin

(2011) que mostra com pouca palavras que a questatildeo natildeo eacute tatildeo simples como pode parecer e que afinal o que

estaacute em jogo eacute a dinacircmica entre apresentaccedilatildeo e representaccedilatildeo do Ser (pace Heidegger diz Austin) assunto no qual

os preacute-socraacuteticos tecircm muito a contribuir

213

segundo a formulaccedilatildeo de Aristoacuteteles (ou ateacute mesmo de Platatildeo) entatildeo estariacuteamos diante de uma

falsidade Mas Parmecircnides adverte especificamente para se afastar do caminho onde prevalece que

os natildeo entes sejam Dizer que a proposiccedilatildeo (11) eacute uma falsidade significa trair o nuacutecleo da filosofia

parmenidiana significa desconsiderar o Preceito da Deusa e julgar o texto com os olhos platocircnicos

aristoteacutelicos ou ateacute mesmo contemporacircneos ou melhor ironia dos textos significa ver o mundo

como os mortais que Parmecircnides considera como cegos justamente ali onde Barnes restitui a

acusaccedilatildeo a Parmecircnides

Essa mesma situaccedilatildeo de natildeo aceitar ou desconsiderar os preceitos explicitados por

Parmecircnides levou muitos criacuteticos renomados e influentes a cometer imprecisotildees agraves vezes graves

na interpretaccedilatildeo do texto parmenidiano Tome-se em mais um exemplo Owen256 afora a inversatildeo

arbitraacuteria entre os modais de 23 e 25 (must no lugar de cannot em 23 e cannot no lugar de must

em 25 p 91 n 1) de ldquoconsequecircncias desastrosasrdquo257 haacute uma recusa de se aceitar as regras do

jogo definidas por Parmecircnides A recusa se expressa atribuindo a Parmecircnides um erro aquele de

afirmar que natildeo se pode falar do que natildeo existe Mas que o natildeo ser seja indiziacutevel eacute uma afirmaccedilatildeo

que quando analisada atentamente nem que seja apenas uma anaacutelise no plano etimoloacutegico levaria

agrave conclusatildeo que indiziacutevel e contraditoacuterio pertencem natildeo soacute ao mesmo campo semacircntico mas ateacute

mesmo ao mesmo campo etimoloacutegico para Parmecircnides natildeo ser (o que natildeo existe na versatildeo de

Owen) eacute contraditoacuterio Mas ao inveacutes de concluir que o natildeo ser eacute contraditoacuterio Owen conclui que

Parmecircnides estaacute errado ldquowhat is mistaken is his claim that we cannot talk of the non-existent We

256Owen (1960) 257Eacute a expressatildeo de OBrien em sua anaacutelise detalhada do artigo de Owen (OBrien 1987 p 187)

214

can of course mermaids for instancerdquo (p 94 n 1) Mais uma vez o Preceito da Deusa eacute

desconsiderado para aplicar a Parmecircnides a nossa visatildeo de possiacutevelimpossiacutevel contraditoacuterionatildeo-

contraditoacuterio

No comeccedilo do seacuteculo XX Burnet em oposiccedilatildeo a uma linha interpretativa anterior258 jaacute

falava de um meacutetodo rigoroso de argumentar presente no poema259 embora natildeo explicitava em que

consistia o meacutetodo e em que consistia o rigor sucessivamente Zafiropulo em 1950 fala de duas

principais contribuiccedilotildees uma das quais foi aquela de evidenciar as antinomias260 e Jameson em

1958 afirma que o poema potildee certos axiomas e traccedila suas implicaccedilotildees261 Todavia outras vozes

comeccedilaram a se levantar tentando reduzir a discussatildeo loacutegica e ontoloacutegica parmenidiana a uma

mera conscientizaccedilatildeo das regras da gramaacutetica grega Por exemplo Stannard em 1960 reclamando

da imprecisatildeo e obscuridade da linguagem dos criacuteticos afirma ldquoMy own feeling is that he

[Parmenides] was simply and intuitively following the syntactical structure of the only language

known to himrdquo262 Surgem nesta eacutepoca aquelas interpretaccedilotildees na linha da linguiacutestica agraves quais

258Por exemplo Gomperz em 1910 diz que o pensador desejoso de conhecimento (isto eacute Parmecircnides) se rebelava

contra a afirmaccedilatildeo de que as coisas satildeo e natildeo satildeo reduzindo uma eventual questatildeo de problematizaccedilatildeo loacutegica a

uma suposta ldquorazatildeo sadiardquo do pesquisador (ed italiana de 1963 p 259 ldquoContro una tale proposizione [as coisas

satildeo e natildeo satildeo nda] la sana ragione si rivoltograverdquo) 259Burnet 1920 sect 87 ldquoThe great novelty in the poem is the method of argument [hellip] This method Parmenides

carries out with utmost rigourrdquo 260Zafiropulo 1950 p 48 ldquoMais ce sont meacuterites intriacutensegraveques [hellip] qui rendent leacutecole dEacuteleacutee immortelle [hellip] quelle

avait la premiegravere mis em lumiegravere les antinomiesrdquo 261Jameson 1958 p 15 [O poema traz em uma das quatro sessotildees] ldquoA discussion of principles which lays down

certain axioms and traces their implications (B 23 6 7) rdquo 262Stannard 1960 p 530 Um exemplo da insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos criacuteticos estaacute nestas palavras (dirigidas a Vastos)

ldquoThus Vlastos assertion that Parmenides most important single contribution to the history of thought was his

projection of the logic of Being upon the alien world of Becoming would be hard to deny in the absence of

knowing what Vlastos considers the nature of logic to berdquo (p 527) O texto ao qual Stannard se refere estaacute em

Vlastos (1946 p 76)

215

segundo o testemunho de Charles Kahn263 se teve necessariamente que responder Uma obra

importante e influente desse ponto de vista foi a de Guido Calogero o qual na sua anaacutelise da

loacutegica parmenidiana depois de ter feito derivar as concepccedilotildees de Parmecircnides mais uma vez da

liacutengua grega (concepccedilotildees que natildeo poderiam surgir se ele falasse outro tipo de liacutengua) afirma ateacute

mesmo que ldquoA histoacuteria da loacutegica ocidental eacute neste sentido a histoacuteria dos esforccedilos com os quais o

pensamento lentamente de liberta da servidatildeo parmenidianardquo264 A criacutetica a este tipo de postura do

ponto de vista filosoacutefico eacute faacutecil antes de tudo explicar uma concepccedilatildeo filosoacutefica com uma

concepccedilatildeo linguiacutestica natildeo explica apenas desloca o problema da filosofia agrave linguiacutestica depois

obviamente uma explicaccedilatildeo linguiacutestica de tipo teacutecnico natildeo explica a questatildeo filosoacutefica evidenciada

pelo problema linguiacutestico e para entendecirc-la teriacuteamos que recair na filosofia de novo desta vez na

filosofia da linguiacutestica ou da linguagem com o resultado de ver voltar pela porta de traacutes o que

expulsamos pela porta da frente e o proacuteximo passo seria a explicaccedilatildeo da linguagem pelas estruturas

cognitivas e depois psicoloacutegicas e bioloacutegicas etc numa sequecircncia de reducionismo que vai

repropor inexoravelmente o mesmo problema filosoacutefico cada vez com uma roupagem diferente

Embora estudos como esses de Kahn e Calogero natildeo tenham ajudado muito na minha

opiniatildeo na compreensatildeo filosoacutefica de Parmecircnides ajudaram consideravelmente no

aprofundamento dos estudos filoloacutegicos e na melhor articulaccedilatildeo do texto do poema

Simultaneamente uma melhor compreensatildeo filosoacutefica veio mais propriamente da produccedilatildeo

263Kahn 2003 p Viii ldquoThus my original project was philological and hermeneutical However this project was altered

by my concern with the attacks on this concept from relativists and positivists who claimed that the metaphysics

of Being resulted simply from linguistic confusion or from the reification of local peculiarities of vocabularyrdquo 264Calogero 1967 p 153 ldquoLa storia della logica occidental egrave in questo senso la storia degli sforzi con cui il pensiero

lentamente si affranca dalla servitugrave parmenideardquo

216

filosoacutefica da primeira metade do seacuteculo XX refiro-me a pensadores como Nietzsche Bergson

Heidegger Sartre e outros numa onda de propostas que estimularam a busca de antigas referecircncias

para novas concepccedilotildees Os resultados foram os endereccedilos heideggerianos e mais genericamente

contemporacircneos no estudo da filosofia antiga mas tambeacutem os endereccedilos parmenidianos no

desenvolvimento da filosofia contemporacircnea como por exemplo um movimento chamado de neo-

parmenidismo italiano cujo primeiro representante Severino propotildee uma reflexatildeo sobre o devir

a partir de um artigo dos anos 60 Ritornare a Parmenide E ainda por outro lado os estudos de

Loacutegica encontraram um vigor jamais visto antes antes de tudo com os claacutessicos como Frege mas

depois na primeira metade do seacuteculo XX com grandes loacutegicos como Russell e Goumldel Todas estas

premissas redundaram num extraordinaacuterio desenvolvimento dos estudos preacute-socraacuteticos e mais

especificamente parmenidianos com grandes estudiosos muitos dos quais citados aqui neste

trabalho

Especificamente em relaccedilatildeo agrave loacutegica de Parmecircnides o desenvolvimento das assim chamadas

loacutegicas natildeo claacutessicas fez com que natildeo soacute a aporia eleaacutetica natildeo fosse mais desprezada descartada

ou desconsiderada como acontecia antes mas se tornasse emblema de uma maneira de ver o

mundo que se compraz ateacute mesmo em criar novos mundos265 Assim as loacutegicas atuais criam

mundos impossiacuteveis escherianos e aporeacuteticos e tecircm em Parmecircnides o seu xodoacute uma referecircncia

certa e certeira justamente naquela ambiguidade entre ser e devir entre mutaacutevel e imutaacutevel outrora

265Um panorama das muitas vertentes das loacutegicas natildeo claacutessicas (e de alguns dos debates entre elas) pode ser visto em

Teorie dellassurdo (Berto 2006) Nesse livro eacute possiacutevel constatar a importacircncia do princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo

na loacutegica atual e sobretudo a importacircncia da noccedilatildeo de natildeo ser implicada em cada vertente Soacute para dar um exemplo

o livro mostra uma parte da discussatildeo a respeito da negaccedilatildeo dacostiana (aquela utilizada por Newton da Costa na

sua elaboraccedilatildeo de certos sistemas paraconsistentes) a qual natildeo eacute considerada por muitos como uma autecircntica

negaccedilatildeo (Veja-se o artigo nas pp 132-5)

217

causa de indignaccedilatildeo natildeo soacute entre os filoacutesofos mas entre os proacuteprios loacutegicos A esta criatividade da

loacutegica contemporacircnea deve se acrescentar que os estudos de histoacuteria da loacutegica tendem a

redimensionar a visatildeo aritotelico-cecircntrica da loacutegica antiga e claacutessica266 De fato os novos estudos

se propotildeem a elucidar as necessaacuterias premissas culturais a partir das quais Aristoacuteteles trabalhou

com ampla importacircncia dada a Parmecircnides e ao eleatismo como um todo267 Assim de um tempo

para caacute os estudos sobre Parmecircnides se multiplicam ao ponto de que natildeo bastam mais artigos para

tratar de aspectos especiacuteficos mas se recorre a textos mais longos livros porque o aprofundamento

e a articulaccedilatildeo continua requerendo cada vez mais espaccedilo principalmente quando se trata de textos

de inesgotaacutevel riqueza como o de Parmecircnides Assim ldquoParmenide e la negazione del tempordquo268

ldquoParmenide scienziato269rdquo ldquoDie Konzeption des noein bei Parmenides von Eleardquo270 e muitos

outros incluindo o presente trabalho que tambeacutem estuda um aspecto especiacutefico do poema

Na literatura atual parmenidiana mais geral jaacute se aceita (mas jaacute se aceitava antes como

vimos e ateacute mesmo Simpliacutecio jaacute aceitava271) que Parmecircnides fazia uso mais ou menos consciente

do princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo272 Na literatura atual ligada agrave loacutegica ou agrave histoacuteria da loacutegica poreacutem

266Bochenski 1961 Kneale 1962 267Para um panorama da problemaacutetica cfr Sardo (1985) e para algum desenvolvimento cfr Mason (2000) 268Pulpito (2005) 269Cordero et al (2008) 270Marcinkowska-Rosol (2010) 271Simpliacutecio In Physica 117 2-3 ldquoQue as proposiccedilotildees em contradiccedilatildeo natildeo sejam verdadeiras ao mesmo tempo ele o

diz com aquelas palavras com as quais censura aqueles que unem os opostosrdquo (ὅτι δὲ ἡ ἀντίφασις οὐ συναληθεύει

δι ἐκείνων λέγει τῶν ἐπῶν δι ὧν μέμφεται τοῖς εἰς ταὐτὸ συνάγουσι τὰ ἀντικείμενα) 272Num trabalho singular Imbraguglia acredita encontrar no poema dois inteiros sistema axiomaacuteticos No entanto ele

acha que a noccedilatildeo de contraditoriedade ainda natildeo estava inteiramente clara falando de certa sua suposiccedilatildeo a respeito

de algumas passagens do poema ele diz ldquoo fato que Parmecircnides pudera acreditar nisto [uma suposta contradiccedilatildeo

explicada anteriormente] demontra que a noccedilatildeo de contraditoriedade ainda natildeo era de todo clarardquo (ldquoil fatto che

Parmenide lo abbia potuto credere dimostra che la nozione di contraddittorietagrave non era stata ancora del tutto

chiaritardquo Imbraguglia 1974 p 151 n 73) Por estas palavras parece que a noccedilatildeo de contraditoriedade eacute uma uacutenica

e absoluta uma noccedilatildeo simplesmente a ser alcanccedilada coisa que Parmecircnides natildeo teria feito e que noacutes modernos

218

se aceita mais explicitamente e quase sem rodeios Veja-se esse exemplo o autor Paul Thom sem

maiores explicaccedilotildees afirma

The parmenidean formulations are

Never will this prevail that what is not is (B71 Barnes translation)

For neither is there anything which is not (B846 Barnes translation)273

Depois de uma raacutepida comparaccedilatildeo com as formulaccedilotildees de Platatildeo e de Aristoacuteteles afirma que

a foacutermula do princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo de Parmecircnides eacute esta (NC) Not (what-is-not is)274 Eu

natildeo acho que os loacutegicos tenham que ser menos concisos do que satildeo no entanto tenho fortes

duacutevidas de que um leitor natildeo versado no poema de Parmecircnides e na literatura que tenta interpretaacute-

lo a partir das ldquoexplicaccedilotildeesrdquo loacutegicas desse tipo tenha alguma chance de entender o que eacute para

Parmecircnides what-is-not e o que significa (what-is-not is) e porque tenha que ser negado Not (what-

is-not is) Simplificaccedilotildees similares acontecem na maioria dos estudos que compulsei e o hiato estaacute

afinal configurado de um lado temos os estudos de histoacuteria da filosofia antiga que se dedicam

principalmente agrave ontologia ou agrave epistemologia parmenidiana do ponto de vista do ser e de outro

lado temos os estudos de tipo mais analiacutetico ou os estudos dos loacutegicos que pecam no

aprofundamento da mensagem filosoacutefica do eleata

O trabalho aqui presente tentou se colocar nesse hiato mostrando com o instrumental da

histoacuteria da filosofia (e natildeo com o instrumental da loacutegica) que haacute uma clara consciecircncia em

fizemos Penso que a realidade histoacuterica e a filosoacutefica sejam diferentes As noccedilotildees satildeo histoacutericas e portanto

relativas a sua eacutepoca ademais do ponto de vista filosoacutefico a noccedilatildeo de contraditoriedade utilizada por Imbraguglia

eacute muito mais limitada do que aquela proposta por Parmecircnides 273Thom 1999 p 153 274ib p 154

219

Parmecircnides antes de tudo do problema inicial a distinccedilatildeo do discurso confiaacutevel do natildeo confiaacutevel

e depois do estabelecimento de um autecircntico meacutetodo filosoacutefico apoiado na rocha dura da ontologia

incontrovertiacutevel Da reflexatildeo cosmoloacutegica agrave elaboraccedilatildeo discussatildeo e aplicaccedilatildeo do meacutetodo tudo eacute

consciente em Parmecircnides incluindo-se aiacute a proacutepria palavra contradiccedilatildeo utilizada pela primeira

vez por ele e destinada a permanecer e que somente uma visatildeo aritstoteacutelico-cecircntrica impediu de

enxergar antes embora esteja claramente no poema em vaacuterias passagens por exemplo em οὔτε

φράσαις (DK B 28 natildeo diraacutes) ou entatildeo mais proacuteximo agrave nossa expressatildeo que eacute impessoal οὐ

φατὸν (DK B 88 natildeo diziacutevel)275

Assim o Preceito da Deusa desde o poema de Parmecircnides passando pelas primeiras

modificaccedilotildees platocircnicas e aristoteacutelicas chega ateacute nossos dias pelo lado loacutegico como objeto de

atenccedilatildeo das loacutegicas natildeo claacutessicas e pelo lado da ontologia como objeto da atual discussatildeo

filosoacutefica ateacute mesmo poacutes-moderna276

275Veja-se esta elaboraccedilatildeo de Berti ldquoPode-se dizer que a primeira apariccedilatildeo oficial da contradiccedilatildeo ndash embora ainda natildeo

chamada com seu nome ndash na histoacuteria da filosofia acontece entre o VI e o V seacuteculo ordf C no poema de Parmecircnides

O sentido mais oacutebvio da contraposiccedilatildeo entre as duas famosas vias [] eacute de fato aquele de uma oposiccedilatildeo entre

afirmaccedilatildeo (kataphasis) e negaccedilatildeo (apoacutephasis) isto eacute aquilo que depois seraacute chamada por Aristoacuteteles de

contradiccedilatildeo (antiacutephasis)rdquo Berti (1987 p 13) A linguagem aristoteacutelica eacute atribuiacuteda diretamente a Parmecircnides sem

que sequer Parmecircnides tenha oposto ou colocado em contradiccedilatildeo as duas vias 276Veja-se um panorama em Priest et alii 2004

220

6 CONCLUSAtildeO

Este estudo procurou evidenciar a noccedilatildeo de natildeo ser em Parmecircnides Embora a historiografia

poacutes-hegeliana tenha preferido se dedicar ao tema do ser Parmecircnides fala amplamente do natildeo ser

e utiliza amplamente a forma gramatical negativa e a argumentaccedilatildeo pela negaccedilatildeo No entanto a

noccedilatildeo de natildeo ser que pelos documentos que possuiacutemos resulta ser historicamente uma novidade

introduzida pelo eleata no pensamento ocidental uma autecircntica estreia natildeo podia ser fruto se natildeo

de uma reflexatildeo criativa dada a sua natureza semacircntica de natildeo se referir a nenhuma positividade

da realidade

A natureza reflexiva do saber preacute-parmenidiano natildeo estaacute documentada e apesar da cultura

difusa do ldquoΓνῶθι σαυτόνrdquo e do testemunho de Heraacuteclito do ldquoἐδιζησάμην ἐμεωυτόνrdquo (este

provavelmente posterior a Parmecircnides) o saber atribuiacutedo tanto aos mileacutesios quanto aos pitagoacutericos

eacute mais um saber voltado agrave compreensatildeo da realidade externa do que ao conhecimento do sujeito

O poema parmenidiano eacute o primeiro a apresentar uma preocupaccedilatildeo com o pensamento e com seu

papel no conhecimento da realidade mas os criacuteticos pouco se dedicaram a estudar natildeo o que

Parmecircnides diz do pensamento mas o que ele diz do pensar Para estabelecer uma geneacutetica miacutenima

da noccedilatildeo de natildeo ser era necessaacuterio verificar a preocupaccedilatildeo de Parmecircnides com o pensar de forma

a justificar ndash se os resultados o permitissem ndash um interesse pela atividade cognitiva concreta e pelo

seu funcionamento

Foi assim que como certos artesatildeos que inventam e constroem suas proacuteprias ferramentas

especiacuteficas para certas manufaturas especiacuteficas tivemos que investigar se e em que medida

Parmecircnides se dedicou ao estudo do pensar de forma a definir algumas noccedilotildees que pudessem

ajudar a entender natildeo soacute o natildeo ser dentro da ontologia parmenidiana mas principalmente o natildeo ser

221

como objeto especiacutefico das atenccedilotildees do eleata Empreendemos assim a verificaccedilatildeo ao longo da

letra do poema da presenccedila de noccedilotildees relacionadas ao comportamento da mente humana ou seja

a verificaccedilatildeo de noccedilotildees que revelassem o Parmecircnides psicoacutelogo Esclarecido o fato de que

buscaacutevamos o Parmecircnides psicoacutelogo no sentido moderno da palavra ndash possivelmente um psicoacutelogo

que chamariacuteamos de cognitivista e natildeo psicoacutelogo cliacutenico como o clichecirc cultural atual tende a

pensar ndash diferenciando-o do sentido tradicional de estudioso da alma (conceito ambiacuteguo

atualmente) passamos a estudar o poema exaustivamente Tambeacutem para este estudo tivemos que

construir uma nossa ferramenta especiacutefica que consistiu numa traduccedilatildeo especiacutefica do verbo noein

e de seus cognatos a traduccedilatildeo utilizada foi tomada da caracterizaccedilatildeo oferecida por Parmecircnides

uma dinacircmica da mente em sua atividade de conhecimento (DK B 22) que nos permitiu chegar a

uma terminologia esteticamente improacutepria para um poema de 25 seacuteculos de idade mas com um

potencial de esclarecimento muito grande para a nossa sensibilidade atual operaccedilotildees cognitivas

da mente Os resultados natildeo demoraram a aparecer e aleacutem da constataccedilatildeo de que Parmecircnides foi

um autecircntico e bom observador do comportamento da mente humana tanto individual quanto em

grupos sociais chegamos a um conceito essencial para o estudo do natildeo ser presente virtualmente

no poema pela presenccedila da recusa de seu oposto Parmecircnides diz que os mortais que nada sabem

natildeo tecircm os recursos (DK B 65 ἀμηχανίη singular no grego) afirmando virtualmente que o homem

saacutebio tem esses recursos ἡ μηχανή Graccedilas a esta noccedilatildeo foi possiacutevel estabelecer que a diferenccedila

entre os mortais que nada sabem e o homem saacutebio instruiacutedo pela deusa eacute um recurso do pensar

(natildeo do pensamento posto que o pensamento eacute o resultado do pensar) isto eacute de sua atividade

cognitiva O processo de varredura do poema em busca de noccedilotildees psicoloacutegicas foi interrompido

diante daquelas partes que requeriam a noccedilatildeo de natildeo ser uma noccedilatildeo ainda natildeo clara no capiacutetulo 1

e somente retomado e concluiacutedo no capiacutetulo 3 depois da posse daquela noccedilatildeo

222

A ausecircncia da μηχανή nos mortais e sua presenccedila no homem saacutebio geraram dois

correspondentes problemas 1) em que consiste esta deficiecircncia e 2) em que consiste o recurso A

deficiecircncia Parmecircnides nos diz consiste na confusatildeo entre ser e natildeo ser o recurso entatildeo

necessariamente tem que ser um instrumento que diferencie ser de natildeo ser Tratava-se portanto de

buscar uma definiccedilatildeo autocircnoma do natildeo ser que o distinguisse completamente da noccedilatildeo de ser Foi

o que fizemos na primeira parte do segundo capiacutetulo

A anaacutelise do fragmento 2 teve como referecircncia o modelo sintaacutetico (mas natildeo semacircntico) da

citaccedilatildeo feita por Platatildeo (Sofista) daquela que eacute por razotildees intrinsecamente filosoacuteficas e por razotildees

circunstanciais reveladas por Platatildeo a essecircncia da filosofia parmenidiana a oposiccedilatildeo radical entre

ser e natildeo ser Desta forma foi possiacutevel evitar a discussatildeo desde o iniacutecio da complicada e

problemaacutetica interpretaccedilatildeo do ἔστιν sem sujeito de DK B 23 pois o seu natildeo esclarecimento natildeo

comprometia a metodologia que seguimos posto que a referecircncia platocircnica relacionando ser e natildeo

ser garantia a possibilidade se obter a noccedilatildeo do ser (e portanto do ἔστι) a partir daquela de natildeo ser

O primeiro dado a emergir foi a discussatildeo feita por Parmecircnides a respeito da persuasatildeo Esta

persuasatildeo eacute um momento do ato cognitivo que se potildee entre o objeto e a sua apreensatildeo correta por

parte do sujeito em outras palavras Parmecircnides tinha consciecircncia de que eacute possiacutevel se convencer

e julgar verdadeiros tanto os discursos verdadeiros quanto os enganosos Assim a busca

parmenidiana devia verter sobre um tipo de recurso que fosse extra-mental um mecanismo de

controle dissociado da espontaneidade reflexiva do homem comum que pudesse escapar da

armadilha da persuasatildeo que faz considerar verdadeiro ateacute mesmo o que verdadeiro natildeo eacute Isto

comporta a recusa de algum comportamento mental espontacircneo em favor de um comportamento

mental corrigido artificialmente

A anaacutelise do fragmento 2 revelou que o comportamento mental a ser recusado eacute a noccedilatildeo de

223

natildeo ser como de algo de alguma forma existente O pensamento espontacircneo (o dos mortais)

considera o natildeo ser como algo que embora natildeo sendo o mesmo eacute o mesmo que o ser Parmecircnides

recusa que o natildeo ser tenha algum valor cognitivo e com surpreendente lucidez filosoacutefica afirma

que o natildeo ser eacute uma noccedilatildeo impossiacutevel (para as operaccedilotildees cognitivas) pois natildeo pode ser indicado

(οὔτε φράσαις) e natildeo pode ser pensado (οὔτε ἂν γνοίης) Com esta noccedilatildeo de impossibilidade do

natildeo ser se estabeleceu o princiacutepio ontoloacutegico de Parmecircnides o natildeo ser eacute impossiacutevel a partir da

reflexatildeo concreta da impossibilidade de negar o que existe A passagem da negaccedilatildeo da existecircncia

do ente individual para a negaccedilatildeo de todos os entes e afinal do ser enquanto todo interrompe a

discussatildeo sobre as funccedilotildees gramaticais (e linguiacutesticas) de einai e seus cognatos (como por

exemplo a diferenciaccedilatildeo entre sentido existencial predicativo veritativo e outros) posto que a

(tentativa da) negaccedilatildeo do todo anula as referecircncias linguiacutesticas e se coloca em territoacuterio

francamente filosoacutefico procurando refletir os pressupostos cognitivos (e portanto tambeacutem os

pressupostos da linguagem) que satildeo origem e natildeo consequecircncia das funccedilotildees linguiacutesticas Foi

assim identificada uma reflexatildeo genuinamente metafiacutesica a respeito dos limites e do aleacutem-limites

do pensar Parmecircnides estabelece o que eacute impossiacutevel de ser pensado (e dito) a esta impossibilidade

daacute o nome de natildeo ser

Estabelecida a noccedilatildeo de natildeo ser como uma virtualidade imaginada pelo pensar mas ao

mesmo tempo uma impossibilidade concreta do pensar chegamos antes de tudo agrave definiccedilatildeo da

noccedilatildeo de natildeo ser o natildeo ser eacute a impossibilidade de pensar e dizer logo eacute o que se opotildee agrave

possibilidade de dizer (e pensar) o natildeo ser eacute contra o dizer (e pensar) o natildeo ser eacute contra-dictoacuterio

(do latim dico) eacute contraditoacuterio Por este motivo por ser contraditoacuterio o segundo caminho (DK B

25) deve ser evitado O outro uacutenico caminho eacute aquele que recusa a contradiccedilatildeo do natildeo ser e que

deve ser seguido eacute aquele que Parmecircnides chama de caminho da persuasatildeo que acompanha a

224

verdade assim formulado eacute e eacute impossiacutevel que seja contradiccedilatildeo este caminho que se afasta do

outro do caminho do natildeo eacute e que eacute necessaacuterio que seja natildeo ser uma necessidade que identifica

aquela virtualidade da qual se manter afastados

Com as duas noccedilotildees de natildeo ser e ser jaacute esclarecidas no paraacutegrafo seguinte passamos a

examinar a discussatildeo que Parmecircnides faz a respeito dessas noccedilotildees Enquanto no fragmento 2 a

deusa explica questotildees relativas agrave formas impossiacuteveis e natildeo impossiacuteveis de pensar nos fragmentos

6 e 7 ela discute a posiccedilatildeo comum e sua origem numa confusatildeo cognitiva perpetrada pelos haacutebitos

culturais Por isso para que o disciacutepulo natildeo seja levado a pensar como os mortais ela oferece seu

preceito que chamamos de Preceito da Deusa onde afirma que eacute preciso se manter afastados da

concepccedilatildeo que faz com que os natildeo entes sejam O disciacutepulo deve negar que o natildeo ser eacute pois

somente o ser eacute e afinal como sintetizamos no paraacutegrafo anterior em relaccedilatildeo ao argumento algo

natildeo pode ser e natildeo ser Este princiacutepio eacute o primeiro modelo historicamente identificaacutevel daquele

que viraacute a ser conhecido como princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo Para diferenciaacute-lo dos princiacutepios

platocircnicos e aristoteacutelico e os demais que a moderna loacutegica nos traz o chamamos de Preceito da

Deusa tentando manter assim algo de sua caracteriacutestica originaacuteria a mitologia terreno sobre o

qual nasceu o assim chamado pensamento racional

No terceiro paraacutegrafo vimos o Preceito da Deusa em accedilatildeo e nos limitamos exatamente agrave sua

accedilatildeo sem entrar na discussatildeo ontoloacutegica e cosmoloacutegica que a proposta parmenidiana traz

Descobrimos assim que o Preceito da Deusa eacute a ferramenta principal a partir da qual Parmecircnides

forma uma imagem de mundo uacutenica na histoacuteria do pensamento ocidental aparentemente defendida

por Zenatildeo mas pelo que se sabe seguida apenas por Melisso Do ponto de vista loacutegico o Preceito

da Deusa a μηχανή capaz de garantir a persuasatildeo verdadeira natildeo conseguiu explicar as opiniotildees

dos mortais como o proacuteprio Parmecircnides admite e alerta Mas forte em seu meacutetodo Parmecircnides

225

natildeo abre matildeo do Preceito e prefere manter separados os dois discursos o verdadeiro presidido

pelo Preceito da Deusa e o discurso de ordem enganadora natildeo presidido pelo Preceito da Deusa

deixando em aberto com admiraacutevel honestidade intelectual uma eventual unificaccedilatildeo destes dois

mundos

Jaacute no terceiro capiacutetulo revimos os resultados obtidos tanto na noccedilatildeo de natildeo ser quanto a

respeito do preceito da Deusa Constatamos que a aporia eleaacutetica reportada como exemplo

negativo pelos doxoacutegrafos que comentavam Aristoacuteteles readquiriu focirclego modernamente

exatamente na medida em que a filosofia aristoteacutelica vai perdendo sua centralidade na filosofia jaacute

com Hegel que considera Parmecircnides o primeiro e verdadeiro filoacutesofo e mais recentemente na

ontologia colocando novamente em discussatildeo a possibilidade de um tracircnsito entre o ser e o nada

tracircnsito negado por Parmecircnides mas resgatado primeiro por Platatildeo e depois por Aristoacuteteles e na

loacutegica onde o Preceito da Deusa readquiriu forccedila exatamente com aquelas loacutegicas natildeo-claacutessicas

que passaram a trabalhar sem o predomiacutenio da loacutegica aristoteacutelica e de seu princiacutepio de natildeo-

contradiccedilatildeo

Dentro deste debate atual se situa o presente trabalho que procurou esclarecer ou ao menos

esclarecer um pouco mais as noccedilotildees de natildeo ser e sua hipoacutestase virtual o nada a partir dos quais

pode se entender um pouco mais claramente o Preceito da Deusa referecircncia do pensar no eleatismo

Assim o autor espera ter contribuiacutedo por um lado a este debate atual e por outro lado no campo

mais propriamente da histoacuteria da filosofia antiga ao esclarecimento da para noacutes singular maneira

de pensar dos preacute-socraacuteticos

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  • O preceito da Deusa 13O natildeo ser como contradiccedilatildeoem Parmecircnides de Eleacuteia
    • AGRADECIMENTOS
    • RESUMO
    • ABSTRACT
    • SUMAacuteRIO
    • 1 APRESENTACcedilAtildeO
    • 2 INTRODUCcedilAtildeO Agrave NOCcedilAtildeO DE NAtildeO SER
      • 21 Introduccedilatildeo geral agrave temaacutetica
      • 23 Apresentaccedilatildeo da temaacutetica e justificaccedilatildeo da metodologia
      • 24 O testemunho de Platatildeo
        • 3 PARMEcircNIDES PSICOacuteLOGO ndash PRIMEIRA PARTE
          • 31 Introduccedilatildeo geral
          • 32 Parmecircnides psicoacutelogo (primeira parte)
            • 321 O fragmento 1
            • 322 O fragmento 2
            • 323 O fragmento 3
            • 324 O fragmento 4
            • 325 O fragmento 6
            • 326 O fragmento 7
              • 3261 Generalidades
                  • 33 Resumo e conclusatildeo da primeira parte
                    • 4 O MEacuteTODO
                      • 41 Introduccedilatildeo
                      • 42 A exposiccedilatildeo do meacutetodo o natildeo ser em parmecircnides
                        • 421 Anaacutelise do fragmento DK 2
                        • 422 O anuacutencio da deusa versos 1-2 εἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι
                        • 423 O primeiro caminho versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)
                        • 424 Os versos 5 a 8 ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι
                        • 425 τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν
                        • 426 οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)
                        • 427 οὔτε φράσαις
                        • 428 De volta aos versos 3 e 4 ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι
                        • 429 Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ)
                        • 4210 Conclusatildeo
                          • 43 A discussatildeo do meacutetodo
                            • 431 Fragmento 6
                            • 432 Os versos 64 πρώτης γάρ σ ἀφ ὁδοῦ ταύτης διζήσιος ltgt
                            • 433 αὐτὰρ ἔπειτ ἀπὸ τῆς
                            • 434 O fragmento 7 Os versos 1 e 2
                              • 44 A aplicaccedilatildeo do meacutetodo
                                • 441 Ἐὸν eacute ingecircnito e impereciacutevel
                                • 442 Intermezzo O natildeo ser na experiecircncia do devir
                                    • 5 O PRECEITO DA DEUSA
                                      • 51 O natildeo ser em Parmecircnides
                                        • 511 O ser os seres
                                        • 512 Ouk esti
                                          • 52 Parmenides psicoacutelogo (segunda parte)
                                            • 521 O fragmento DK 8
                                            • 522 O fragmento DK 4
                                            • 523 O fragmento 16
                                            • 524 Conclusatildeo
                                              • 53 O preceito da deusa
                                                • 6 CONCLUSAtildeO
                                                • 7 REFEREcircNCIAS
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