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O PRECONCEITO E A LÍNGUA - … o círculo vicioso do preconceito linguístico existente no âmbito escolar. Através de uma pesquisa sociolinguística, envolvendo ... Tomando como

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O PRECONCEITO E A LÍNGUA: uma educação linguística voltada para a inclusão

social

Autora: Márcia Cristinne Gomes Tavares1

Orientadora: Jacqueline Costa Sanches Vignoli2

Resumo

O presente artigo propõe uma análise da realidade sociolinguística, a fim de romper o círculo vicioso do preconceito linguístico existente no âmbito escolar. Através de uma pesquisa sociolinguística, envolvendo um dos estratos sociais pertencentes à cultura do litoral paranaense - a comunidade pesqueira da cidade de Paranaguá-PR – e do trabalho proposto, envolvendo obras artísticas, textos, músicas, vídeos e cartas, busca-se investigar os relacionamentos existentes entre a língua e a visão de mundo, a partir do contexto em que a língua é produzida. Tomando como base, os dois grandes conjuntos de traços linguísticos existentes – traços graduais e traços descontínuos -, foi feito um estudo sobre a língua utilizada nas diversas normas coexistentes na comunidade citada, bem como a apresentação e/ou busca de uma lógica linguística demonstrável.

Palavras-chave: realidade sociolinguística; preconceito; pesquisa sociolinguística;

língua; traços linguísticos.

1 Pós-graduada em Produção de Textos e Literatura Brasileira pela Faculdade Estadual de Filosofia,

Ciências e Letras de Paranaguá (FAFIPAR), graduada em Letras Português/Inglês (FAFIPAR),

graduanda em Letras Português/Espanhol - Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG),

Professora da Rede Estadual do Ensino do Paraná, integrante do Programa de Desenvolvimento

Educacional (PDE 2010).

2 Mestre em Estudos Linguísticos – Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de Paranaguá

– FAFIPAR, disciplinas de Língua Portuguesa e Linguística.

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1 Introdução

Na Linguística, há uma regra que diz: “Só existe língua se houver seres

humanos que a falem.” E o grande Aristóteles já afirmava que o ser humano “é um

animal político”. A partir dessas duas afirmações, podemos concluir que “tratar da

língua é tratar de um tema político”, uma vez que, também, é tratar de seres

humanos.

Entendemos que as relações existentes entre a língua e a sociedade

tornaram-se tão íntimas, a ponto de ser difícil separar uma da outra ou, até de dizer,

onde uma termina e a outra começa.

No decorrer da história, foi criada uma confusão entre língua e gramática

normativa. Precisamos entender que uma receita de torta não se constitui,

efetivamente, em uma torta propriamente dita, como um molde de uma camisa não é

a camisa pronta. Da mesma forma, a gramática não é a língua.

Segundo BAGNO (2009, p.20), “a língua é um enorme iceberg flutuando no

mar do tempo, e a gramática normativa é a tentativa de descrever apenas uma

parcela mais visível dele, a chamada norma-padrão.”

Sendo assim, o que encontramos, nas sociedades complexas e letradas, é

uma realidade linguística composta por dois grandes polos:

- a variação linguística, ou seja, a língua em seu estado permanente de

transformação, de fluidez e instabilidade;

- a norma-padrão, um produto cultural, modelo artificial de língua criado

justamente para tentar „anular‟ os efeitos da variação, para servir de modelo-padrão

para os comportamentos linguísticos considerados adequados, corretos e, até,

convenientes.

LÍNGUA

-----------------------------------------------------------------→

←-----------------------------------------------------------------

NORMA PADRÃO

Entendemos que, entre esses dois polos, existe uma extensa zona

intermediária e que há momentos em que a norma-padrão influencia a variação

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linguística e a variação linguística influencia a norma-padrão. Assim, mesmo

reconhecendo que a norma-padrão é um produto cultural, um modelo artificial de

língua, não podemos deixar de reconhecer sua existência – mesmo que no nível da

ideologia -, já que ela faz parte da vida social.

Há também a necessidade de distinguir norma-padrão de norma culta, já que,

segundo BAGNO (2007, p. 117), “são entidades sociolinguísticas muito diferentes”.

Enquanto a norma-padrão é um modelo de língua „definido‟ e „estabelecido‟ e que,

portanto, não representa um uso efetivo e real da língua, a norma culta se constitui

em um “conjunto de variedades linguísticas empregadas efetivamente empregadas

pelos falantes urbanos, mais escolarizados e de maior renda econômica.” (BAGNO,

2007, p.117).

A partir desses conceitos, podemos perceber que a norma culta se tornou,

com o passar do tempo, em um poderoso instrumento de dominação simbólica, um

bem destinado a uma pequena parcela de privilegiados. Retirar esse instrumento

das mãos de uma minoria e transformá-lo num bem acessível a todos,

democratizando seu uso e reconhecendo a importância de todas as manifestações

vivas da linguagem, sempre representou um perigo para a preservação de um tipo

de sociedade, como a brasileira, caracterizada historicamente por ser excludente e

opressora.

Felizmente, esse quadro tem se modificado. As mudanças ocorridas no perfil

dos alunos e dos professores, nos últimos cinquenta anos, exigem um tratamento

adequado, bem estruturado e fundamentado sobre as questões da variação

linguística e sobre as relações com o ensino de língua na escola e fora dela.

Em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais foram publicados, pelo

Ministério da Educação, como uma coleção de documentos que continham

propostas, as quais visavam à renovação do ensino nas escolas brasileiras. Nos

PCN de Língua Portuguesa, dedicados às séries iniciais do Ensino Fundamental (1ª

a 4ª séries), encontramos a seguinte afirmação:

A Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais. Identificam-se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos

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diferentes modos de falar: é muito comum considerar as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas. O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença. (BRASIL, 1997, p.26).

Há, pelo menos, vinte anos antes da publicação dos PCN, uma ampla

discussão sobre a renovação do ensino de língua, no Brasil, vinha sendo realizada

nas universidades e faculdades. Nos documentos do Ministério da Educação, nas

diretrizes curriculares e nos materiais destinados à formação continuada de

professores, começaram a ser abordadas, mais efetivamente, as variedades

linguísticas. Entende-se „variedade linguística‟ como sendo as variações que uma

língua apresenta em razão das condições sociais, culturais, regionais e históricas

nas quais é utilizada.

Pôde-se perceber, então, que a variação linguística, na prática docente,

sempre ficava em segundo plano, ou, quando era abordada, era de maneira

superficial, insuficiente, quando não, distorcida.

No entanto, como tudo que é novo acaba passando por alguns entraves, falar

de variação linguística, nas escolas, ainda hoje, é um assunto que, muitas vezes,

esbarra na resistência das pessoas que têm arraigadas, em si mesmas, as

concepções antigas e as práticas convencionais de ensino reforçadas pela falta de

formação adequada docente para lidar com mudanças.

Assim sendo, o objetivo do presente artigo é fazer com que o trabalho

realizado pelo professor, em sala de aula, propicie ao aluno o conhecimento das

diversas normas coexistentes em sua comunidade sócio-linguístico-cultural. E que o

aluno seja capaz de reconhecer de que é possuidor de plenas capacidades de

expressão, de comunicação, isto é, possuidor de uma língua plena e funcional, de

uma língua que é um instrumento eficaz de interação social e de autoconhecimento

individual.

Através de uma pesquisa sociolinguística, realizada com quinze membros

pertencentes à comunidade pesqueira da cidade de Paranaguá, litoral do Paraná, e

do trabalho realizado com alunos do 9o ano do Instituto Estadual de Educação

“Dr.Caetano Munhoz da Rocha”, buscou-se levar o aluno a tomar consciência da

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escala existente de valores, na sociedade, com relação aos usos da língua, fazendo-

o perceber que o vocabulário de uma língua reflete mais claramente o ambiente

físico e social de seus falantes.

2 Pressupostos teóricos

2.1 A Sociolinguística e a língua

Segundo Camacho:

As últimas três décadas assistiram ao interesse cada vez mais crescente pelo estudo da linguagem em uso no contexto social, mas os diversos enfoques que se abrigam sob o rótulo Sociolinguística cobrem uma grande variação de assuntos, merecendo, por isso, uma delimitação. (CAMACHO, 2007, p. 49)

Assim sendo, como um breve panorama dos estudos sociolinguísticos,

Alkmim (2007) nos apresenta o surgimento da Sociolinguística, nos Estados Unidos,

em meados da década de 1960, quando cientistas da linguagem decidiram que não

era mais possível estudar a língua, ignorando a sociedade em que ela é falada.

Mais precisamente, o termo Sociolinguística, relativo a uma área da

Linguística, fixou-se em 1964. Ele surgiu em um congresso realizado na

Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), e organizado por William Bright.

Vários estudiosos, como: John Gumperz, Einar Haugen, Willian Labov, Dell Hymes,

John Fisher e José Pedro Rona participaram desse congresso e se constituíram,

posteriormente, em referências clássicas na tradição dos estudos voltados para a

questão existente entre a relação da linguagem com a sociedade. Em 1966, ao

organizar e publicar os trabalhos apresentados no referido congresso, sob o título de

Sociolinguistics, Bright produz o texto introdutório “As dimensões da

Sociolinguística”, em que define e caracteriza a nova área de estudo.

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A constituição da Sociolinguística ocorreu a partir da atividade de inúmeros

pesquisadores e estudiosos que deram continuidade à tradição, inaugurada no início

do século XX por F.Boas (1911) e seus discípulos mais conhecidos – Edward Sapir

(1921) e Benjamin L. Whorf (1941) : a chamada Antropologia Linguística. Nela, a

linguagem, a cultura e a sociedade são consideradas como fenômenos inseparáveis.

Sendo assim, há o surgimento da definição de uma área exclusivamente voltada

para o tratamento do fenômeno linguístico no contexto social, no interior da

Linguística. Uma área marcada por uma origem interdisciplinar, uma vez que a

Sociolinguística agregou, em seu início, pesquisadores marcados pela formação

acadêmica em diferentes campos do saber e marcados pela preocupação com as

implicações teóricas e práticas do fenômeno linguístico na sociedade norte-

americana.

O objeto da Sociolinguística, segundo Alkmim (2007), é o estudo da língua

falada, observada, descrita e analisada em seu contexto social. Ela engloba os

fatores sociais que dão origem às diferenças em cada língua, assim como as

utilizações que dela fazem os seus falantes e tem como objetivo pôr em evidência a

covariância das estruturas linguísticas e sociais. Ela visa ao estudo de inúmeras

situações, como: os tipos de discursos produzidos, os registos de língua

relacionados com o nível sociocultural dos seus utilizadores, os julgamentos

normativos sobre a língua e a planificação linguística. Seu ponto de partida é a

comunidade linguística, ou seja, um conjunto de indivíduos que interagem

verbalmente e que, consequentemente, compartilham um conjunto de normas

relacionadas aos usos linguísticos. Assim sendo, depreende-se que, uma

comunidade de fala se caracteriza não por se constituir de pessoas que falam da

mesma maneira, mas sim, por pessoas que se relacionam, por meio de redes

comunicativas e que orientam seu comportamento verbal por um conjunto de regras

comum a todos.

2.2 Variação linguística

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Segundo Tarallo (1985, p.5): “Tudo aquilo que não pode ser prontamente

processado, analisado e sistematizado pela mente humana provoca desconforto.”

Ao observar qualquer comunidade linguística, pode-se perceber facilmente a

existência da diversidade ou da variação, uma vez que toda comunidade se

caracteriza pelo emprego dos diferentes modos de falar. E a Sociolinguística encara

essa diversidade linguística não como um empecilho, mas como uma qualidade

constitutiva do fenômeno linguístico.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, de Língua Portuguesa,

(5ª a 8ª séries):

A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em „Língua Portuguesa‟, está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades. (BRASIL, 1998, p.29).

Há, desde 1996, circulando pelo mundo, a Declaração Universal dos Direitos

Linguísticos, patrocinada pala Unesco, que prega que todo país que se intitula

genuinamente democrático tem que estabelecer uma política linguística racional e

transparente, voltada para o bem de todos os cidadãos. Entretanto, o que se vê,

comumente, são inúmeros mitos que compõem a mitologia do preconceito linguístico

no Brasil.

Ao não reconhecer, por exemplo, a verdadeira diversidade do português

falado no Brasil, a escola tenta impor a sua norma linguística, como se ela fosse a

língua comum a todos os quase 190 milhões de brasileiros, independente das suas

situações socioeconômicas, idade, origem geográfica, grau de escolarização etc.

Stella Maris Bortoni-Ricardo, no artigo “Problemas de comunicação

interdialetal”, afirma:

A ideia de que somos um país privilegiado, pois do ponto de vista linguístico tudo nos une e nada nos separa, parece-me, contudo, ser apenas mais um dos grandes mitos arraigados em nossa cultura. Um mito, por sinal, de consequências danosas, pois, na medida em que não se reconhecem os problemas de comunicação entre falantes de diferentes variedades da

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língua, nada se faz também para resolvê-los. (BORTONI-RICARDO,. 2004, p.112)

No entanto, isso não vem de hoje. Na história ocidental, desde muito cedo, as

pessoas perceberam a existência da variação linguística. Para os primeiros

intelectuais que incentivaram o estabelecimento e a fixação das regras gramaticais –

os filólogos da cidade de Alexandria, no Egito, no século III a.C.-, a variação era algo

„errado‟ que precisava ser corrigido. Como eram admiradores da grande literatura do

passado, na opinião deles, essa modalidade da língua – a escrita literária

consagrada – é que deveria servir de modelo para toda e qualquer pessoa „dita

culta‟ que quisesse se expressar de modo „socialmente correto e aceitável‟ em

grego.

Esse modo de pensar perdurou durante mais de dois mil anos e só começou

a ser criticado entre o final do século XIX e o início do século XX, quando surgiu a

Linguística moderna, trazendo um estudo descritivo e explicativo de todos os

aspectos da língua.

Sendo assim, diante do grande número de línguas e de variedades

linguísticas presentes na maioria dos países, o processo de constituição de uma

norma-padrão representou, obrigatoriamente, uma seleção. Primeiramente, foi

necessário escolher uma única língua e, nessa língua, uma das muitas variedades

linguísticas para poder ser chamada de „língua oficial‟. Obviamente, essa escolha

recaiu sobre a variedade linguística utilizada pelo centro do poder, da zona

geográfica mais influente e mais rica economicamente.

Mas, será que devemos verdadeiramente chamar de culto apenas o que vem

das camadas privilegiadas da população? E, ao opor, „culto‟ a „popular‟ estamos

afirmando categoricamente que o povo não tem cultura, como se os falantes „cultos‟

não fizessem parte do povo?

2.3 Traços graduais e descontínuos da língua

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Assim, BAGNO (2007, p. 143) nos apresenta dois conjuntos de traços

linguísticos: aqueles que aparecem na fala de todos os brasileiros e aqueles que

aparecem na fala dos brasileiros de origem humilde, de pouca ou nenhuma

escolaridade ou de origem rural.

O primeiro grupo receberá o nome de traços graduais e o segundo, de traços

descontínuos. Observe-os no gráfico abaixo :

Repare que os traços descontínuos fazem referência àqueles fenômenos

linguísticos que sofrem a maior carga de preconceito em nossa sociedade.

Alguns dos traços descontínuos existentes referem-se :

1) À não-nasalização de sílabas postônicas.

Exs: vagem ~ vage

lobisomem ~ lobisome

resolveram ~ resolvero

2) À monotongação de ditongos átonos crescentes em posição final.

Exs : polícia ~ poliça

violência ~ violença

imundície ~ imundice

3) Ao rotacismo : troca de L por R em encontros consonantais ou em final de sílaba.

Exs: alto ~ arto

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Flamengo ~ Framengo

lençol ~ lençor

4) À eliminação do plural redundante, marcado, em geral, só nos determinantes.

Exs: os piá

as mulher

aquelas confusão toda

5) Ao uso dos pronomes do caso reto em função de complemento.

Exs : Beija eu.

Carrega nós junto.

Eu vi ele na vila.

6) Ao uso do pronome oblíquo mim como sujeito de infinitivo, depois da preposição

para.

Exs : É trabalho demais para mim fazer!

É para mim chamar ela?

Por caracterizarem a variedade linguística de falantes de baixo ou nenhum

prestígio social, esses traços têm sido rejeitados e evitados pelos cidadãos que se

„acham‟ portadores da língua „certa‟.

Esse preconceito tem um nome, segundo BAGNO (1999, p.23) é o

“preconceito linguístico” e, apesar de ser “invisível, no sentido de quase ninguém se

apercebe dele, quase ninguém fala dele (...), pouquíssimas pessoas reconhecem a

existência do preconceito linguístico, quem dirá a sua gravidade como um sério

problema social.”

Já Louro, acredita na importância de se trabalhar, explicitamente, com o

preconceito linguístico, nos manuais didáticos, uma vez que:

Dentre os múltiplos espaços e as muitas instâncias onde se pode observar a instituição das distinções e das desigualdades, a linguagem é, seguramente, o campo mais eficaz e persistente - tanto porque ela atravessa e constitui a maioria de nossas práticas, como porque ela nos parece, quase sempre, muito „natural‟. Seguindo regras definidas por

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gramáticas e dicionários (...) supomos que ela é, apenas, um eficiente veículo de comunicação. No entanto, a linguagem não apenas expressa relações, poderes, lugares, ela os institui; ela não apenas veicula, mas produz e pretende fixar diferenças. (LOURO, 1997, p.65)

Por acreditar que, cabe à escola mostrar, em sala de aula e fora dela, que a

língua varia tanto quanto a variação vivida pela sociedade, o presente artigo busca

evitar a prática distorcida de apresentar a variação linguística como se ela existisse

exclusivamente nos meios rurais ou menos escolarizados, excluindo, de certa forma,

a variação existente entre os falantes urbanos, geralmente prestigiados na

sociedade e altamente escolarizados.

3 Implementação do projeto de intervenção: descrição e alguns resultados

3.1 Apresentação da situação inicial

Apresentação, em multimídia, de três obras de Tarsila do Amaral: „A negra‟

(1923), „O Abaporu‟ (1928) e „Antropofagia‟ (1929). Após questões previamente

elaboradas, comparação com o quadro „Manto Vermelho‟ (1923) e, por último,

discussão sobre as seguintes questões:

- Por que há pessoas que não se agradam, muitas vezes, daquilo que é

diferente?

- O que é pior: não se agradar do que é diferente ou de quem é diferente?

Justifique:

- Você já viu alguma outra obra de Tarsila do Amaral? Ou conhece um pouco

sobre a sua vida?

Explanação sobre a vida e obra de Tarsila do Amaral, seguidas por fotos da

pintora, outras obras retratadas por ela, comentário e fotos sobre o „clube dos cinco‟

do qual Tarsila fez parte e os motivos que a fizeram retratar as quatro obras citadas

no início da apresentação.

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Em um segundo momento, apresentação das obras: „Segunda classe‟ (1933),

„Operários‟ (1933), „Costureiras‟ (1936/1950), „Fotografia‟ (1953), „Pescador‟ (1925),

todas de Tarsila do Amaral. Através da apresentação, em multimídia, do negro, do

branco, do índio, do amarelo, do moreno, do vendedor de frutas, do pescador e dos

operários, tão bem retratados pela pintora, discutiu-se que, como ela, há também

muitos outros pintores que também retrataram outros marginalizados e até fizeram

de sua obra uma resposta à marginalização vivida. Assim sendo, foi proposta uma

pesquisa, com a ajuda da professora de Artes, sobre a vida de outros pintores e/ou

escultores que retrataram a „diferença‟ e os „marginalizados‟ em suas obras.

Em seguida, foi realizada a apresentação do trabalho de dois artistas

paranaenses: Emir Gebran Roth (parnanguara, falecido aos 48 anos e que teve a

cidade de Paranaguá-PR como a grande inspiração para seus trabalhos que já

foram expostos, e fazem parte de coleções particulares, no Japão, Estados Unidos,

Dinamarca, Hungria, Portugal, Argentina, Canadá e Itália) através do vídeo

//www.youtube.com/watch?v=V-6ixMJnhEg e Raul Cruz (curitibano, falecido aos 36

anos e que além de pintor, foi cenógrafo, figurinista e um dos fundadores da U.A.I.C.

- União dos Artistas Independentes Contemporâneos - em 1984, grupo que unia

artes plásticas, dança contemporânea, fotografia e teatro), com pesquisas feitas no

site http://www.gilsoncamargo.com.br/blog/?p=534.

Nosso objetivo, com a apresentação das obras, era mostrar artistas

paranaenses que retrataram pessoas sofridas e marginalizadas - como o caboclo

(característico do litoral do Paraná), o pescador, o negro e o trabalhador - e que

entendiam muito bem o preconceito, já que também haviam sido suas vítimas.

3.2 Preconceitos existentes

A partir das obras de Tarsila do Amaral, discutiu-se o fato de ninguém ser

igual a ninguém e, mesmo assim, percebermos que a diferença existente entre as

pessoas, às vezes, incomoda. E, o pior, acaba gerando algum tipo de preconceito.

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De acordo com as várias acepções referentes ao verbete „preconceito‟,

encontradas no dicionário online Michaelis, foram discutidos alguns tipos de

preconceito existentes: o racial, o contra a mulher e o social. Com o auxílio da

professora de História, foram elencados outros preconceitos existentes e as

consequências impostas por eles à sociedade.

Foi projetado, em multimídia o clipe da música „Ser diferente‟ (composição de

Diego Fernandes e Guilherme de Sá), interpretada pelo grupo „Rosa de Saron‟ e

encontrada em http://www.youtube.com/watch?v=vcLexIpCKJk e entregue, em

material xerografado, para cada aluno, uma cópia de um texto de humor, veiculado

na Internet em 2003, no qual eram retratadas as diferenças linguísticas existentes

nas falas dos diversos assaltantes, pertencentes às mais variadas regiões do Brasil.

Assistimos ao documentário “Língua – vidas em português”, encontrado no

site http://www.youtube.com/watch?v=Git8MwRqDcE, bem como a vida e obra de

José Saramago. Foi entregue, em material xerografado, uma cópia da música

“Incompatibilidade de gênios”, composta por João Bosco e Aldir Blanc.

Conversamos sobre a variação linguística presente na letra da música e vimos, em

multimídia, um vídeo, da música “Incompatibilidade de gênios”, interpretada por João

Bosco, em um programa de TV (http://letras.terra.com.br/joao-bosco/46519/).

A letra da música apresentada, com uma linguagem popular, imita a fala de

um homem simples que procura um advogado para ajudá-lo no processo de sua

separação. Supostamente, o marido retratado, na música em questão, não havia

conseguido falar pessoalmente com o advogado e solicitou a um adolescente, um

estudante, que redigisse uma carta endereçada a esse advogado, explicando a

situação.

Para que essa carta fosse produzida, trabalhamos as características do

gênero textual solicitado, toda estrutura adequada de uma carta de solicitação, a

linguagem formal, o vocativo, os argumentos que motivaram o pedido de separação

e a solicitação de uma tomada de todas as providências necessárias para a

efetivação do acordo.

O objetivo dessa atividade foi desenvolver a elaboração de justificativas para

que fossem exercitadas as competências necessárias à escrita do gênero em

estudo.

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3.3 Variedades prestigiadas e estigmatizadas

Apresentação sobre o preconceito linguístico, no decorrer da história, e

explanação, em multimídia, sobre a diferença entre os traços graduais e

descontínuos existentes em nossa língua.

De acordo com o texto de Fernando Tarallo (1985), baseado na pesquisa do

americano William Labov, os alunos foram divididos em equipes a fim de que

fossem apresentadas as etapas da pesquisa sociolinguística proposta e contida no

material didático. Em cada turma, cinco equipes, formadas por três alunos, ficaram

responsáveis pelas entrevistas com os pescadores. Os alunos foram direcionados,

então, para um bairro diferente, sempre acompanhados pela professora

responsável.

As equipes, munidas de um gravador, apresentaram-se no bairro previamente

estipulado com o objetivo de gravar, com o consentimento dos entrevistados,

histórias e/ou „causos‟ de pescadores. Não foi apresentado o objetivo de estudar a

língua tal como é usada pela comunidade ou grupo, uma vez que, o comportamento

dos nossos informantes – já prejudicado pelo uso do gravador e por nossa presença

– fosse alterado ainda mais. Portanto, foram apresentados, aos nossos informantes,

somente os objetivos da pesquisa fora do campo de linguagem.

Para que houvesse maior naturalidade nas histórias contadas (já que não

houve perguntas, somente os relatos), buscamos acomodar nosso comportamento

social e linguístico ao do grupo da comunidade entrevistada, tentando, dessa forma,

minimizar o efeito negativo de nossa presença sobre o comportamento

sociolinguístico natural da comunidade.

Após o relato dos pescadores, foi feita a transposição do material oral obtido

para a escrita, por outras cinco equipes, formadas por dois alunos.

3.4 Traços descontínuos existentes na comunidade em estudo

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A partir do material escrito, outras cinco equipes, formadas por dois ou três

alunos, analisaram os traços descontínuos existentes na comunidade pesqueira de

Paranaguá e fizeram a busca por uma lógica linguística demonstrável.

1) Em relação à não-nasalização de sílabas postônicas, foi observada a seguinte

tabela:

Latim Português

Abdomen Abdome

Strumen Estrume

Examen Exame

Nomen Nome

Volumen Volume

Todas as palavras acima, usadas em português atual, tinham, em latim, um N

final que desapareceu. Essa é uma tendência antiga existente na história da língua

em que podemos observar que, em pares registrados nos dicionários como:

abdômen/abdome, regímen/ regime, certâmen/ certame, a variante sem nasalização

final foi a mais amplamente adotada.

Quanto à pesquisa realizada com os pescadores, foram encontradas as

seguintes palavras: “home” (homem), “onte” (ontem), “saíro” (saíram) e “viero”

(vieram).

2) Já quanto à monotongação de ditongos átonos crescentes em posição final,

descobrimos que a história da língua apresenta muitos outros exemplos da mesma

tendência, em que as variedades estigmatizadas seguem adiante com maior

coerência.

Latim Português

Iustitia Justiça

Pigritia Preguiça

Factitiu Feitiço

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Pretiu Preço

Criantia Criança

A monotongação é definida por Câmara Jr. (1986) como “uma mudança

fonética que consiste na passagem de um ditongo a uma vogal simples [...]” e é um

fenômeno exclusivamente fonético. A tendência de se apagarem as semivogais,

remonta o latim, pois, segundo Socorro Aragão (2000), nessa língua havia quatro

ditongos [ae], [oe], [aw] e [ew], que, na passagem para o português, seguiram dois

caminhos diferentes: ou se ampliaram, fazendo assim com que surgissem novos

ditongos, ou se monotongaram.

3) O rotacismo - troca de L por R em encontros consonantais ou em final de sílaba –

no caso das pronúncias „prástico‟, „ingrês‟ e „pranta‟, ao invés de „plástico‟, „inglês‟ e

„planta‟, foi estudado a partir da seguinte tabela:

Latim Português

Blandu- Brando

Clavu- Cravo

Duplu- Dobro

Plicare Pregar

Placere- Prazer

Em todas as palavras latinas acima, o L dos encontros consonantais foi

substituído, em português, por um R. Sempre houve, na língua portuguesa, uma

tendência em transformar os L, dos encontros consonantais, em R. Nos textos

escritos pertencentes à fase arcaica da língua, entre os séculos XII e XVI, aparecem

inúmeros exemplos dessa tendência, como: „fragelo‟, „concruir‟, „fror‟, „simpres‟etc.

Esse fenômeno tem explicação na origem de algumas palavras que vieram do

latim e sofreram esse tipo de transformação ao passarem pelo francês, pelo

espanhol, até chegar ao português.

As pessoas que dizem „prástico‟, „ingrês‟ e „pranta‟, estão simplesmente

levando adiante essa tendência, existente na língua há séculos. Os sons

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representados pelas letras L e R são produzidos, de maneira semelhante, por nosso

aparelho fonador. Essas duas consoantes são chamadas de „líquidas‟ e são as

únicas que podem se combinar com outras a fim de formar os encontros

consonantais. Há, portanto, razões de ordem fisiológica, ligadas à própria

configuração do nosso organismo, que explicam esse fenômeno.

O rotacismo, no entanto, não existe apenas na língua portuguesa. Em

variedades do sardo (língua falada na ilha da Sardenha), existem, por exemplo,

palavras como „pranta‟ („planta‟), „craru‟ („claro‟), „flore‟ („flor‟) etc.

4) A eliminação do plural redundante, marcado, em geral, só nos determinantes,

observada em:

Português

Os piá

As menina

Aquelas confusão toda

Os prédio

Os jogo

Observou-se que, a tendência do falante do português não-padrão é,

normalmente, pluralizar apenas o primeiro elemento de uma frase, prática suficiente

para a compreensão da mesma. Na música “Cuitelinho”, de Paulo Vannzolini,

encontramos: “as onda se espaia... as garça dá meia volta...”. Esse mesmo

procedimento é utilizado no inglês e no francês e é considerado correto.

No caso das variedades mais estigmatizadas, o princípio básico existente na

eliminação do plural redundante consiste em compreender que, a indicação da

pluralidade se faz de maneira suficiente por meio uma única marca morfológica,

existente somente no primeiro elemento do grupo a ser pluralizado.

Em: “Essas meninas bonitas, observa-se uma redundante marcação do

plural, ou seja, um excesso de indicativos de concordância. Já em: “Essas menina

bonita.”, há a perfeita compreensão por qualquer falante de português, ao se referir

a mais de uma menina bonita – o que prova que uma só marca seria suficiente.

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5) O uso dos pronomes do caso reto em função de complemento é usado também

por falantes urbanos. Algumas construções aparecem com maior incidência e outras

com menor, sobretudo em construções sintáticas mais complexas.

Português

Beija eu.

Carrega nós junto.

Eu vi ele na escola.

Empurrei ela na escada.

Encontrei eles no jogo.

Construções, como as acima exemplificadas, têm seu uso registrado em

textos medievais portugueses. Condenado pela norma-padrão, que só admite os

pronomes pessoais do caso oblíquo (me, nos, o, a, os...), praticamente

desaparecidos do vernáculo e usados em frases, muitas vezes, estereotipadas (Eu a

vi ontem), continua sendo reprovado pelo patrulhamento gramatical.

6) Ao uso do pronome oblíquo mim como sujeito de infinitivo, depois da preposição

para, tem se tornado, cada vez mais frequente na fala dos cidadãos altamente

escolarizados das zonas urbanas.

Português

É coisa demais para mim fazer!

É para mim cuidar?

Dá para mim ir ao banheiro?

Ele trouxe para mim ler.

Isto é para mim decorar!

Segundo Manuel Bandeira (1998, p.19), “não há nada mais gostoso do que o

mim sujeito de verbo no infinitivo.” A construção composta por “para mim fazer” tem

sido, há tempos, alvo de atenção de inúmeros gramáticos e linguistas. A gramática

normativa critica, ferozmente, a presença do “mim” em construções como a

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anteriormente apresentada, afirmando que a forma “eu” é a única capaz de assumir

a posição de sujeito.

Enquanto a gramática tradicional não admite que um pronome de forma

oblíqua possa desempenhar a função de sujeito, Marcos Bagno (2007) apresenta

justificativas para o uso de mim como sujeito: a primeira hipótese tenta explicar essa

construção [mim como sujeito de infinitivo] atribuindo-a a um cruzamento sintático e

a segunda hipótese é a da generalização da possibilidade de deslocamento do

pronome.

Em suma, enquanto os puristas estão, cada vez mais, preocupados em

determinar regras prescritivas e arbitrárias, reproduzindo a norma de prestígio e não

levando em consideração a fala de todos que fazem parte da comunidade, cabe à

escola combater o riso preconceituoso e debochado frente a construções como

“ingrês”, “meu trabaio” ou “nós qué” e promover a autoestima linguística de seus

alunos.

Infelizmente, na sequência das etapas, não pudemos mais contar com toda a

participação discente até então dispendida, já que, alguns não estavam mais

frequentando, regularmente, as aulas, tendo em vista a aproximação do final do ano

letivo. Os demais, já desgastados, frente às etapas anteriores, não mais

demonstraram o mesmo empenho e, dessa forma, não tivemos acesso a todas as

transcrições colhidas, a partir dos „causos‟ e/ou histórias relatadas pelos

pescadores.

A partir do material obtido, as transposições realizadas foram digitadas e,

entregues, a apenas um dos pescadores para apreciação. Ainda foram elaborados

artigos relacionados ao preconceito linguístico e à inclusão social, para conclusão do

trabalho proposto.

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4. Conclusão

De acordo com Marcos Bagno (1999, p.16), “A variação linguística tem que

ser objeto e objetivo do ensino de língua.” Chegamos à conclusão de que, uma

educação linguística, verdadeiramente voltada para a construção da cidadania, em

uma sociedade efetivamente democrática, não pode deixar de lado os modos de

falar dos mais variados grupos sociais, uma vez que esses se constituem em

elementos fundamentais da identidade cultural da comunidade e dos indivíduos, em

particular. Denegrir ou julgar uma variedade linguística equivale a denegrir ou julgar

os indivíduos que a utilizam, como se fossem incapazes, deficientes ou desprovidos

de inteligência. Vimos, em sala de aula e fora dela, que a língua varia tanto quanto a

sociedade e que devemos evitar a prática distorcida de mostrar a variação linguística

como se ela existisse apenas nos meios rurais ou entre os menos escolarizados,

como se não houvesse variação linguística também entre os falantes urbanos,

escolarizados e prestigiados socialmente.

Não sejamos ingênuos ao acreditar que a escola será capaz, um dia, de

exterminar com o preconceito, mas, como nos diz Louro:

Sem alimentar uma postura reducionista ou ingênua - que supõe ser possível transformar toda a sociedade a partir da escola ou supõe ser possível eliminar as relações de pode em qualquer instância - isso implica adotar uma atitude vigilante e contínua no sentido de procurar desestabilizar as divisões e problematizar a conformidade com o „natural‟; isso implica disposição e capacidade para interferir nos jogos de poder. (LOURO, 1997, p. 86)

Entendemos que, no ensino de língua, deve ser dada prioridade às práticas

de letramento, ou seja, às práticas que possibilitem, ao aluno, uma efetiva inserção

na cultura letrada, a fim de que ele esteja apto a ler e escrever textos pertencentes

ao mais variados gêneros que circulam na sociedade. Vimos que, para que isso

ocorra, não há necessidade de se decorar toda uma nomenclatura gramatical

enorme e, muitas vezes, confusa; muito menos, fazer intermináveis análises sintática

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e morfológica de frases soltas e irrelevantes. Pelo contrário, esse ensino da

gramática, existente como objeto de reflexão e teorização, deve, sim, ser

abandonado para dar lugar a uma real inserção dos alunos na cultura letrada em

que vivem.

Reconhecemos que as normas urbanas de prestígio não correspondem,

integralmente, às já prescritas pelas gramáticas normativas, ou seja, não

correspondem à norma-padrão tradicional. Embora saibamos que o acesso do

estudante a essa norma também faz parte da sua educação linguística (a fim de que

os clássicos possam que sejam lidos e compreendidos), esse acesso dever ser

realizado através de uma perspectiva crítica, para que não sejam mais condenadas

as inovações linguísticas como em outros momentos.

Por fim, apesar de o presente projeto não ter sido concluído a contento,

acreditamos na importância da reflexão linguística, tendo em vista a formação

intelectual do cidadão. Concordamos com Bagno quando diz que:

Sou a favor do ensino da norma-padrão, mas de um ensino crítico da norma-padrão, de um ensino que mostre que essa norma-padrão não tem, linguisticamente, nada de mais bonito, de mais lógico, de mais coerente que as variedades usadas pelos falantes menos cultos ou analfabetos. E, ao mesmo tempo, proponho a valorização dos usos linguísticos não-padrão, sobretudo porque a língua que uma pessoa fala, a língua que ela aprendeu com sua família e com sua comunidade, a língua que ela usa para falar consigo mesma, para pensar, para expressar seus sentimentos, suas crenças e emoções, faz parte da identidade dessa pessoa, é como se a língua fosse a pessoa mesma...” (BAGNO, 2010, p.188)

É claro que há espaço, nas salas de aulas, para o estudo explícito da

gramática, desde que ele não seja encarado como um fim em si mesmo, muito

menos, como o aprendizado de verdades absolutas e incontestáveis. A reflexão

linguística deve ser feita por meio da investigação de fatos linguísticos reais e

palpáveis, em manifestações autênticas orais e/ou escritas e, através do confronto

crítico existente entre as abordagens tradicionais e os estudos mais recentes, fato

esse que buscamos alcançar através do trabalho realizado.

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5. Referências

ALKMIM, Tânia Maria. Sociolinguística. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Ana

Christina (orgs.). Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. V.1. 7.ed – São

Paulo: Cortez, 2007.

BANDEIRA, Manuel. Seleta em prosa e verso. Org: Emanuel de Moraes. Rio de

Janeiro: 4a ed., 1988, p.19.

BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolinguística. 16.ed., 1a

reimpressão.- São Paulo: Contexto, 2010.

_______________. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação

linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

_______________. Preconceito linguístico: O que é, como se faz. São Paulo:

Edições Loyola, 52.ed., 2009.

BORTONI-RICARDO, Stella. Maris. Problemas de comunicação interdialetal. In:

Sociolinguística e o ensino do vernáculo. Revista Tempo Brasileiro nº 78/79, p. 9-

32, 2004.

BRASIL. SECRETARIA DA EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros

Curriculares Nacionais. Brasília: 1a a 4a séries. MEC/SEF, 1997, p.26.

BRASIL. SECRETARIA DA EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros

Curriculares Nacionais. Brasília: 5a a 8a séries. MEC/SEF, 1998, p.29.

CAMACHO, Roberto Gomes. Sociolinguística. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES,

Ana Christina (orgs.). Introdução à Linguística: domínios e fronteiras, V.1. 7.ed –

São Paulo: Cortez, 2007.

LOURO. Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-

estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.

TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1985.

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6. Sites consultados

http://www.gilsoncamargo.com.br/blog/?p=534> Último acesso em: 20 julho 2012.

http://letras.terra.com.br/joao-bosco/46519/> Último acesso em: 19 julho 2012.

http://www.youtube.com/watch?v=V-6ixMJnhEg> Último acesso em: 16 julho 2012.

http://www.youtube.com/watch?v=vcLexIpCKJk> Último acesso em: 10 maio 2012.

http://www.youtube.com/watch?v=Git8MwRqDcE> Último acesso em: 23 maio 2012.