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1 O prêmio Interações Estéticas: caminhos da arte e da Economia Criativa na Região Nordeste Ana Teresa Vasconcelos 1 Resumo: A economia criativa tem conquistado cada vez mais espaço nas pautas de debates de gestores nas diferentes esferas de poder e no setor privado em todo Brasil. Formular, promover e fomentar a constituição de políticas públicas que contribuam para a formação de um diálogo entre as diferentes experiências culturais deve ser tarefa prioritária do Estado. Neste sentido, este artigo tem como objetivo analisar o Prêmio Interações Estéticas 2009 como política pública que colaborou para construção de uma teia de ações culturais, promovendo a diversidade de experiências artísticas e fomentando a economia criativa e seus circuitos culturais na região Nordeste. Palavras-chaves: Prêmio Interações Estéticas, política pública, economia criativa, arte, região nordeste Introdução Nos últimos anos, os debates em torno das políticas públicas de cultura no Brasil tem sido pautados pela valorização da diversidade cultural, promoção da democratização do acesso aos bens e serviços culturais e particularmente, pelo reconhecimento do importante papel do Estado no fomento à economia criativa e da sociedade como principal agente protagonista de sua própria arte. Botelho (2001:15) nos mostrou que planejamento e ação pública sobre um determinado setor significam que o Estado deu importância a ele, ou seja, reconhecimento de seu papel estratégico no conjunto das necessidades dos cidadãos. Assim, o Estado fomentador é aquele que consegue identificar os problemas que atingem a área cultural e todos os elos da cadeia de criação, posicionando-se, dividindo responsabilidades com outros parceiros governamentais e chamando a sociedade para assumir o seu papel. Neste sentido, este artigo tem como objetivo analisar o Prêmio Interações Estéticas – Residências Artísticas em Pontos de Cultura 2009, mais precisamente os 1 Mestre em História pela UFF. Administradora Cultural da Fundação Nacional de Artes - Funarte. e-mail: [email protected]

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O prêmio Interações Estéticas: caminhos da arte e da Economia

Criativa na Região Nordeste

Ana Teresa Vasconcelos1

Resumo: A economia criativa tem conquistado cada vez mais espaço nas pautas de debates de gestores nas diferentes esferas de poder e no setor privado em todo Brasil. Formular, promover e fomentar a constituição de políticas públicas que contribuam para a formação de um diálogo entre as diferentes experiências culturais deve ser tarefa prioritária do Estado. Neste sentido, este artigo tem como objetivo analisar o Prêmio Interações Estéticas 2009 como política pública que colaborou para construção de uma teia de ações culturais, promovendo a diversidade de experiências artísticas e fomentando a economia criativa e seus circuitos culturais na região Nordeste. Palavras-chaves: Prêmio Interações Estéticas, política pública, economia criativa, arte, região nordeste Introdução

Nos últimos anos, os debates em torno das políticas públicas de cultura no Brasil

tem sido pautados pela valorização da diversidade cultural, promoção da

democratização do acesso aos bens e serviços culturais e particularmente, pelo

reconhecimento do importante papel do Estado no fomento à economia criativa e da

sociedade como principal agente protagonista de sua própria arte.

Botelho (2001:15) nos mostrou que planejamento e ação pública sobre um

determinado setor significam que o Estado deu importância a ele, ou seja,

reconhecimento de seu papel estratégico no conjunto das necessidades dos cidadãos.

Assim, o Estado fomentador é aquele que consegue identificar os problemas que

atingem a área cultural e todos os elos da cadeia de criação, posicionando-se, dividindo

responsabilidades com outros parceiros governamentais e chamando a sociedade para

assumir o seu papel.

Neste sentido, este artigo tem como objetivo analisar o Prêmio Interações

Estéticas – Residências Artísticas em Pontos de Cultura 2009, mais precisamente os

                                                                                                                         1 Mestre em História pela UFF. Administradora Cultural da Fundação Nacional de Artes - Funarte. e-mail: [email protected]

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projetos contemplados na região Nordeste, uma iniciativa da Secretaria de Cidadania

Cultural/MinC em parceria com a Fundação Nacional de Artes.

Para isso, percorreremos dois caminhos. No primeiro deles, o prêmio é

percebido como mecanismo de valorização da arte em suas diversas linguagens

artísticas construídas e reconstruídas pelos projetos contemplados no edital,

incentivando a criação e a experimentação não somente do artista contemplado mas

também do cidadão alcançado pelo projeto. No segundo, o prêmio é visto como uma

política pública de cultura que tem contribuído de forma significativa para o fomento à

economia criativa na região Nordeste na medida em que possibilitou a promoção e

dinamização da cadeia produtiva dos bens e serviços culturais unindo vários segmentos

da sociedade.

Os caminhos escolhidos aqui para análise do prêmio Interações Estéticas não são

excludentes. Ao contrário, configuram-se em fios condutores de um mesmo circuito

composto pela parceria entre a SCC e a Funarte, pelos artistas contemplados, pelos

Pontos de Cultura que receberam a residência artística e por todos os cidadãos que

direta ou indiretamente tiveram a oportunidade de experimentar uma nova expressão

artística e se perceber como sujeitos de sua própria arte.

1. Experiências artísticas: da xilogravura à sustentabilidade

O que acontece quando se solta uma mola comprimida, quando se liberta

um pássaro, quando se abrem as comportas de uma represa? 2

Sentir, pensar, trocar e dialogar são ações que integram o processo da

experiência. Ao visitarmos um museu, assistirmos uma apresentação musical, um

espetáculo cênico ou ainda participarmos de uma mesa de debates estamos a partir desse

momento abertos a receber aquela experiência e inseridos naquela vivência. E, este

processo não se encerra na saída do museu, do teatro ou do cinema, pois ele passa a

fazer parte de nós.                                                                                                                          2   GIL, Gilberto. Depoimento ao vídeo-documentário do site Viva Cultura Viva.   Disponível em http://www.vivaculturaviva.org.br/index.php?p=2&v=2.  Acessado em 24 de maio de 2010.

 

3  

 

A arte como expressão do homem e de seu mundo, configura-se no espaço

privilegiado onde se constroem e reconstroem a todo o tempo uma variedade de

experiências capazes de transformar o indivíduo e o universo de expectativas e

possibilidades a sua volta.

Como em uma cadeia, essa experiência também não se limita ao homem, sujeito

deste processo. A experiência artística tem a capacidade singular de transcender o

indivíduo, multiplicando-se por aqueles que estão ao seu lado.

Coelho (2008:18) estabelece uma diferença entre o uso cultural e o consumo

cultural. Enquanto no primeiro, a coisa cultural é interiorizada e transformada; no

segundo, há apenas um contato epidérmico entre o receptor e a coisa cultural que

desliza sobre a superfície daquele sem que haja qualquer trabalho. Assim, percebe-se a

cultura não como um estado ou dever, mas sim como ação, ou seja, “aberta ao pode ser

no sentido de experimentar ser uma coisa ou outra e experimentar ser uma coisa e

outra, livre de toda restrição e imposição”, possibilitando que as pessoas inventem seus

próprios fins.

E, logo, os bens culturais possuem uma característica estranha aos demais

produtos da economia, pois sua compra ou consumo não destrói suas propriedades ou

mesmo faz desaparecer seu consumo posterior (TOLILA, 2007:29).

Dessa forma, os projetos contemplados no Prêmio Interações Estéticas-

Residências Artísticas em Pontos de Cultura 2009 na região Nordeste se constituíram

em um importante mecanismo de construção, articulação e fortalecimento de uma

variedade de experiências artísticas relacionadas à dança, ao teatro, à música, ao circo,

as artes visuais e à cultura digital.

Esses projetos refletem parte expressiva do pensar sobre a identidade, o território

e os caminhos da arte na região nordeste. Seja em Recife/PE ou Quixeramobim/CE,

podemos observar projetos voltados para a cultura popular regional que não deixam de

olhar e dialogar com o outro, “estranho” e diferente. Em cada iniciativa, há um pouco

do bahiano, do pernambucano, do cearense, mas sempre há no conjunto o brasileiro. Ao

toque do maracatu, no ritmo das danças de origem africana, discute-se, experimenta-se e

festeja-se a diversidade.

A fim de compreendermos este cenário, iremos analisar três desses projetos, que

de diferentes formas conseguem ilustrar o protagonismo das experiências artísticas

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produzidas e vivenciadas pelos artistas e pela comunidade atendida pelo Ponto de

Cultura onde se deu a residência.

O primeiro projeto Samba, coco e gravura, do artista Elias Santos, foi realizado

no município de Barra dos Coqueiros/SE durante um período de três meses. O projeto

foi contemplado com o prêmio de R$ 15 mil. Ao longo de sua execução, foram

desenvolvidas oficinas de xilogravura com crianças e jovens visando à produção de

imagens que referenciassem o grupo folclórico do samba de coco contribuindo para a

sua permanência através de registros produzidos pelos próprios alunos do projeto. O

trabalho foi protagonizado por 30 adolescentes entre 12 e 18 anos, jovens que convivem

com a cultura do samba de coco moradores do município de Barra dos Coqueiros/SE,

com população aproximada de 20 mil moradores segundo dados do IBGE. De acordo

com informações dos relatórios enviados, o projeto atingiu em torno de 220 pessoas

entre professores, diretores, crianças e adolescentes do ensino fundamental e médio.

Além do artista residente, havia outros cinco profissionais envolvidos: 1 coordenador

pedagógico, 2 monitores, 1 designer gráfico e 1 fotógrafo. Ao final, uma exposição de

xilogravuras feitas pelos próprios alunos das oficinas itinerou por três escolas além da

praça da igreja matriz do município, local onde foi obtida a freqüência de 200 pessoas

aproximadamente. O projeto resultou ainda na impressão de 500 catálogos com as obras

produzidas pelos alunos. A partir do apoio do governo federal, o projeto passou a contar

também com os seguintes parceiros: prefeitura de Barra dos Coqueiros; Senac;

empresas da iniciativa privada; Ponto de Cultura Samba de Coco.

O segundo projeto A Função do Palhaço: O Brincante Universal - Capacitação

e Iniciação para crianças e adultos na fundamental arte do palhaço, do artista

Alexandre Luis Casali, foi realizado durante um período de três meses no município de

Palmeiras/BA que possui uma população estimada em 9 mil pessoas. O projeto foi

contemplado com o prêmio de R$ 25 mil e teve como objetivo oferecer a crianças e

adultos oficinas para construção e aperfeiçoamento de palhaços através de jogos de

treinamento em teatro, improvisação, jogos técnicos da palhaçaria e clássicas esquetes

da tradição do Palhaço, proporcionando também qualificação da performance cênica,

criação de novos palhaços e de um espetáculo de Arte de Rua. O público alcançado

diretamente pelo projeto foi composto por: 20 crianças na formação de palhaço na

turma infantil entre 4 e 13 anos moradores da comunidade; 23 adultos na formação de

palhaço entre 19 e 60 anos, moradores da comunidade, artistas estrangeiros que estavam

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em intercambio com o Ponto de Cultura do Circo do Capão. Concluíram o trabalho 29

pessoas, sendo 12 crianças e 17 adultos. Além do artista residente, o projeto contou

ainda com 1 produtor local e 1 assistente de produção. Foram produzidos 2

apresentações do espetáculo das crianças no circo do Capão e 2 apresentações do

espetáculo de adultos na rua onde ocorre a feira de Caeté-açu.

O último projeto Encruzilhada - trânsitos (est) éticos em sustentabilidade

pertence à artista Rita Ferreira de Aquino e está sendo realizado por um período de seis

meses no município de Salvador/BA. O projeto foi contemplado com o prêmio de R$

50 mil. Nele, a artista se propõe realizar uma Encruzilhada, ou seja, um “agrupamento

de ações transversalmente conectadas pelo raciocínio e demanda de sustentabilidade

artística em compartilhamento”(AQUINO, 2009) através de uma residência artística em

dança no Ponto de Cultura Solar Boa Vista. O objetivo do projeto é investir na

formação de artistas abrigados pelo Ponto; desenvolver vínculos; criar espaços de

compartilhamento de processos criativos; implementar um fórum regular sobre

produção/ gestão cultural; realizar intervenções artísticas em estruturas de bairro com os

quais o Ponto de Cultura tenha interesse em estabelecer vínculos; dar visibilidade à

experiência cênica "o engenheiro que virou maça". O projeto envolve múltiplos atores

além da artista residente: 1 mestre em dança produtor do fórum e integrante da

instalação cênica; 1 atriz graduada em dança, coordenadora e integrante da instalação

cênica; 1 mestranda em dança e produtora do plano interacional de formação; 1 ator

graduando em dança e produtor do plano interacional de formação ; 1 arquiteto designer

graduado em desenho industrial integrante da instalação cênica responsável pelo ateliê

materiais e programação visual; 1 fotografo; 1 videomaker e 1 doutorando em musica

integrante da instalação cênica.

Algumas questões devem ser consideradas ao se observar estes projetos. A

primeira delas é o perfil dos municípios de realização. De forma geral, os municípios

onde os projetos foram desenvolvidos são marcados por intensa vulnerabilidade social e

poucos bens ou serviços culturais à disposição da sociedade.

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Tabela 1: Perfil dos Municípios alcançados pelo Prêmio

MUNICÍPIO/UF

PROJETOS

POPULAÇÃO

*

INCIDÊNCI

A DE POBREZA*

RANKING MUNICÍPIOS

COM BIBLIOTECAS

ABERTAS** Aracaju/SE 1 544.039 27,45% 197º Barra dos

Coqueiros/SE 1 19.998 53,42% ***

Cachoeira/BA 1 33.782 41,75% *** Camaragibe/PE 1 143.210 74,48% ***

Campina Grande/PB 1 383.764 58,88% 229º Feira de Santana/BA 1 591.707 36,14% 158º

Fortaleza/CE 1 2.505.552 43,17% 263º Granja/CE 1 53.952 67,72% *** Jequié/BA 1 150.541 48,95 19º

João Pessoa/PB 1 702.235 52,98% *** Independência/ CE 1 26.317 54,12% ***

Juazeiro do Norte/CE

3 249.829 54,14% 182º

N.Sra. Do Socorro/SE

1 155.334 59,28% 127º

Natal/RN 2 806.203 40,86% 256º Olinda/PE 3 397.268 53,10% 231º

Palmeiras/BA 2 8.437 32,76% *** Pentecoste/CE 1 35.166 55,17% ***

Quixeramobim/CE 1 73.517 63.50% *** Recife/PE 2 1.561.659 39,46% 255º

Salvador/BA 6 2.998.056 35,76% 261º Senador Pompeu/CE 1 25.263 58,52% ***

Serra Talhada/PE 1 80.294 49,55% *** São Luís/MA 1 997.098 54,83% 241º Teresina/PI 1 802.537 47,39% 133º

Fonte: * elaboração própria com base nos dados do IBGE disponíveis em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acessado em 06 de junho de 2010. ** Com base no 1º Censo Nacional das Bibliotecas Públicas Municipais - Ranking dos municípios com bibliotecas abertas por 100 mil habitantes, elaborado pela Fundação Getúlio Vargas. Disponível em http://www.cultura.gov.br/site/2010/04/30/primeiro-censo-nacional-das-bibliotecas-publicas-municipais/. Acessado em 06 de junho de 2010. *** Esses municípios não entraram na estatística elaborada pela FGV.

7  

 

De acordo com o 1º Censo Nacional das Bibliotecas Públicas Municipais3

elaborado pela Fundação Getúlio Vargas sob encomenda do Ministério da Cultura em

2009, 64% dos municípios do Nordeste do Brasil possuíam ao menos uma biblioteca

aberta, o que corresponde a 1198 bibliotecas em 1155 municípios. Levando-se em

consideração as bibliotecas que estão em funcionamento, a estimativa é de 2,23

bibliotecas por 100 mil habitantes, enquanto a média brasileira é 2,67. Segundo esta

pesquisa, a região Nordeste lidera em frequência ao local: 2,6 vezes por semana. Ao

mesmo tempo, 46% das bibliotecas públicas municipais estão abertas durante a noite,

equivalente à quase duas vezes o índice nacional (24%). Na região, 28% das bibliotecas

têm internet, índice inferior à média nacional (45%). Em apenas 18% delas os usuários

têm acesso à rede, número inferior à média brasileira (29%).

Em municípios onde o único equipamento cultural é uma biblioteca municipal,

por exemplo, a existência de um projeto cultural que proporcione uma expressão

artística diversa pode fazer uma considerável diferença no cotidiano e na vida das

pessoas que direta ou indiretamente se beneficiam dele. O consumo de bens culturais

esta relacionado à criação de condições para o exercício da cidadania, formação de

opinião e participação nos processos políticos e sociais (SILVA, ARAUJO e SOUZA,

2009:106). E neste sentido, poderíamos sugerir que fazer parte destas experiências,

possivelmente, levará a uma mudança nos processos de interações sociais e simbólicas,

no modo como o sujeito se coloca perante seu papel na sociedade e na própria dinâmica

da realidade da política cultural nos municípios, posto que “consumir certos bens diz

algo sobre quem consome, sobre sua posição social, seu status, o lugar a que pertence

ou os vínculos que é capaz de estabelecer”( SILVA, ARAUJO e SOUZA, 2009: 105b)

Ao mesmo tempo, os diferentes impactos diretos e indiretos das atividades

culturais sobre a economia local geram repercussões em cadeia em termos de demanda

e remunerações (TOLILA, 2007:77). Esse processo provoca, portanto, um efeito

multiplicador sobre a economia e a vitalidade cultural da região.

A segunda questão se refere ao público dos projetos: jovens e crianças, em sua

maioria em idade escolar, moradores de comunidades muito pobres e sem acesso a

equipamentos culturais. Muitos nunca tinham visitado uma exposição ou visto um

espetáculo de dança, por exemplo. Aqueles que o fizeram, apenas tinham realizado uma                                                                                                                          3   Fundação Getúlio Vargas. 1º Censo Nacional das Bibliotecas Públicas Municipais – Release Censo Região Nordeste, 2009. http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2010/04/censobmpsnordeste1.pdf. Acessado em 6 de junho de 2010.

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visita, mas nunca haviam vivido uma experiência tal como proporcionado pelas

atividades desenvolvidas com o artista residente. Através da análise dos relatórios de

atividades, podemos constatar ainda que o público atingido é formado, em sua maioria,

por moradores do entorno do Ponto de Cultura e bairros vizinhos; com ensino

fundamental ou médio incompleto; beneficiários de programas sociais; em situação de

vulnerabilidade social.

E, neste sentido, os projetos tem conseguido alcançar pessoas que até então

estavam à margem das políticas públicas de cultura, transformando-as em protagonistas

de sua própria arte, levando-as a pensar e questionar o contexto social, político e

cultural em que elas vivem e se relacionam, provocando rupturas mas também

continuidades a partir da valorização de sua própria cultura. Como mostrou Canclini:

As políticas culturais mais democráticas e mais populares não são

necessariamente as que oferecem espetáculos e mensagens que cheguem

à maioria, mas as que levem em conta a variedade de necessidades e

demandas da população. (1995:114)

É interessante perceber a interseção existente entre o público atingido pelos

projetos e o público-alvo do Programa Cultura Viva da Secretaria de Cidadania

Cultural, parceira da Funarte no edital Prêmio Interações Estéticas, e do Programa Mais

Cultura da Secretaria de Articulação Institucional. Neste sentido, o edital atua como

potencializador dos dois programas fomentando a criação de uma rede capaz de atingir

por diferentes experiências artísticas o cidadão foco das políticas públicas.

A terceira questão relaciona-se à diversidade de linguagens trabalhadas nos

projetos. Além da dança, do circo, do teatro, da música, das artes visuais e da cultura

digital, há uma presença considerável de projetos que discutem a sustentabilidade da

gestão cultural e as ferramentas e desafios da produção cultural nos dias de hoje.

Podemos perceber que um espaço de discussão e trocas começa a se constituir dentro de

cada projeto, levando a construção de uma grande teia de significados e ações culturais

para artistas e sociedade.

Desta forma, podemos perceber que os projetos contemplados pelo Prêmio

Interações Estéticas na região Nordeste na edição de 2009 tem contribuído de maneira

singular para que através das ações culturais desenvolvidas com os artistas residentes, o

9  

 

público atendido pelos Pontos de Cultura e a sociedade de forma geral possam muito

mais que ver um espetáculo ou ir à uma exposição pela primeira vez, mas possam fazer

parte daquele processo e sentir a experiência artística a partir de suas próprias demandas

e contexto cultural, recriando e reinventando seus próprios fins.

2. Por dentro da teia da economia criativa

A economia criativa está pautada nos ativos criativos, que potencialmente se

configuram em geradores de crescimento sócio-econômico. Nos países em

desenvolvimento, a economia criativa é fonte de criação de empregos, novas

oportunidades, podendo ser utilizada também como ferramenta para promoção da

inclusão social.

A economia criativa exerce ainda um outro papel: unir diferentes setores da

sociedade por um processo impulsionado por multistakeholders, tanto do setor público

como do privado, mesmo que com interesses distintos.

Neste sentido, os circuitos culturais que se formam associam agentes culturais e

instituições e organizam fluxo de eventos articulados que incluem produção,

transmissão e recepção de conteúdos culturais. A política pública deve, portanto, ser

capaz de “incentivar, multiplicar, consolidar e reconhecer circuitos culturais,

articulando-os e coordenando-os em diferentes escalas”4.

O Prêmio Interações Estéticas – Residências Artísticas em Pontos de Cultura

tem como objetivo apoiar projetos de diferentes linguagens artísticas propiciando o

intercâmbio e a troca de experiências entre artistas das diversas regiões do país e a rede

de Pontos de Cultura.

Ao inscrever seu projeto na seleção, o proponente deve escolher um ponto de

cultura em qualquer região do país e a categoria do prêmio na qual irá concorrer. A

região geográfica pela qual concorre é aquela onde se situa o ponto de cultura escolhido.

Hoje, o país já conta com mais de 2400 pontos de cultura, ação que integra o Programa

Cultura Viva e tem por finalidade fomentar e potencializar iniciativas culturais nas mais

diversas comunidades em situação de vulnerabilidade social.

                                                                                                                         4 IPEA. Avaliação do Programa Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva. 2009. Disponível em: http//www.redenoticia.com.br/noticia/?p=11398. Acessado em 10 de maio de 2010.

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Na edição de 2009, foram contemplados 127 (cento e vinte e sete) projetos,

sendo 36 (trinta e seis) deles no Nordeste com um investimento de R$ 890 mil nesta

região. Em termos reais, houve um aumento de aproximadamente 13% (treze por cento)

no aporte de recursos em relação ao primeiro edital, lançado em 2008.

Outro dado a ser considerado é o alcance do edital nos municípios da região. Em

2009, houve 36 projetos sendo desenvolvidos em 24 municípios, dos quais 4 deles em

Territórios da Cidadania5.

A partir análise dos relatórios de atividades referentes ao desenvolvimento dos

projetos enviados à Funarte, foi possível perceber de que maneira o edital conseguiu

fomentar direta e indiretamente as diferentes etapas da cadeia produtiva dos bens e

serviços culturais na região Nordeste, envolvendo uma enorme rede de profissionais

para além dos 36 artistas contemplados.

De forma geral, os projetos contaram com a colaboração de pelo menos cinco

profissionais em sua execução, entre músicos, coordenadores pedagógicos, produtores,

editores de vídeo, psicólogos, bonequeiros, arte-educadores, professores de dança e

teatro, secretários, estagiários e fotógrafos.

Entre os 36 projetos, pelo menos treze tiveram como resultado final a produção

de vídeos, nove, espetáculo de artes cênicas; seis, apresentações musicais; sete,

exposições de artes visuais; oito, criaram um blog para divulgação do projeto; três,

formaram uma orquestra; cinco, elaboraram catálogos ou produziram documentos; dois,

realizaram encontros ou fóruns; dois, montaram vídeo-instalações.

Ao analisarmos, por exemplo, o projeto “Olhar nas costas para a memória” da

artista Lucinete Calmon, realizado no Ponto de Cultura Pierre Verger em Salvador,

perceberemos a inserção do projeto na comunidade do Ponto de Cultura e seu alcance

                                                                                                                         5 Instituído pelo decreto de 25 de fevereiro de 2008, o Programa Territórios da Cidadania consiste em um conjunto de ações que visam promover e acelerar a superação da pobreza no meio rural, proporcionando a melhoria das condições de vida, de acesso a bens e serviços públicos e oportunidades de inclusão social e econômica. Os 1854 municípios se agrupam integrando os 120 territórios da cidadania estabelecidos pelo decreto. Em comum, eles possuem algumas características: estão incorporados ao Programa Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais, menor índice de Desenvolvimento Humano – IDH territorial; maior concentração de beneficiários do Programa Bolsa Família; maior concentração de agricultores familiares e assentados da reforma agrária; maior concentração de população tradicionais, quilombolas e indígenas; baixo dinamismo econômico segundo a Política Nacional de Desenvolvimento Regional; convergência de programas de apoio ao desenvolvimento de distintos níveis de governo; maior organização social; maior concentração de municípios de menor IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Ver: Brasília. Decreto de 25 de fevereiro de 2008. Disponível em: http://www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/xowiki/portlets/territorios/pages/folder-chunk. Acessado em 08 de março de 2010.

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na sociedade e nos diferentes circuitos culturais. A proposta do projeto era refletir sobre

as relações existentes entre memória, corpo e cultura afro-brasileira permitindo o

reconhecimento afro-descendente através de oficinas de dança contemporânea. Para

isso, através da realização de seminários sobre cultura afro-brasileira e dança

contemporânea aliados a laboratórios de criação de performances, o projeto alcançou 20

adolescentes entre 12 e 17 anos moradores da comunidade da Vila América, do bairro

Engenho Velho de Brota, beneficiários de projetos sociais. Entre os profissionais

envolvidos estavam, além da artista residente: 8 facilitadores de dança com idade entre

25 e 35 anos; 4 palestrantes de cultura afro com idade entre 28 a 40 anos; 1

coordenadora graduada em dança com 33 anos; 1 fotógrafo de 25 anos; 1 diretor

musical de 22 anos graduando em artes plásticas; 1 griote entre 60 e 70 anos ; 2 video-

makers com idade entre 17 e 20 anos que fazem parte do projeto cultura digital.

Dessa forma, podemos perceber que o desenvolvimento dos projetos premiados

em 2009 na região nordeste levaram a construção de uma teia invisível de

relacionamentos, participação, diálogo entre artistas e sociedade, gerando

desdobramentos em diferentes setores da arte e da economia criativa ao multiplicar as

potencialidades das expressões culturais e ao atuar de diferentes maneiras nos circuitos

culturais permanentemente (re)articulados pelos múltiplos atores sociais e políticos

envolvidos nessa trama.

3. Considerações finais: um circuito que se forma

Conforme apontou Calabre (2010), uma política cultural deve reconhecer a

diversidade de públicos e interesses que compõem a sociedade. Neste sentido, a atual

conjuntura exige a construção de uma “política de Estado que reconheça novos atores

sociais que são chamados a participar da gestão cultural”. Desde o início do governo

Lula, algumas ações tem sido implementadas a fim de garantir o preceito constitucional

de que a cultura é direito de todos. Portanto, mecanismos vem sendo articulados e

viabilizados a fim de alcançar setores da população e segmentos artísticos até então

completamente distantes das políticas públicas de cultura.

Neste caminho, refletir sobre o significado ou alcance do desenvolvimento dos

projetos contemplados no Prêmio Interações Estéticas – residências Artísticas em

Pontos de Cultura na região nordeste em 2009, leva-nos à análise da própria política

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pública federal de cultura como fomentadora da diversidade de expressões artísticas e

promotora dos arranjos e circuitos culturais que se articulam por toda a sociedade.

Compreendendo a avaliação de uma política pública como ferramenta tão

importante como seu planejamento inicial para a consolidação de políticas de Estado,

poderemos caminhar para um contexto de maior participação social, transparência e

eficiência das ações pública de cultura que ao contrário de serem eventos excepcionais

se configuram em mecanismos de longo prazo para a construção de uma cidadania

cultural.

E, desta maneira, este artigo analisou o Prêmio Interações Estéticas, através dos

limites e alcances das expressões artísticas e redes de economia criativa fomentados

pelos projetos desenvolvidos na região nordeste, enquanto política pública federal de

valorização, promoção e difusão da cultura.

Referência Bibliográfica:

BOTELHO, Isaura. As dimensões da cultura e o lugar das políticas públicas. Revista

São Paulo em perspectiva, nº 15, vol. 2, 2001.

Brasília. Decreto de 25 de fevereiro de 2008. Institui o Programa Territórios da

Cidadania. Disponível em: http://www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/

territriosrurais/xowiki/portlets/territorios/pages/folder-chunk. Acessado em 08 de março

de 2010.

CALABRE, Lia. Políticas culturais no governo Lula: um estudo do Programa Mais

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CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da

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