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O presente e o futuro dos direitos do homem – Norberto Bobbio A principal questão, em torno da qual gira toda essa parte de sua obra, é apontar que o mais fundamental, nos dias de hoje, não se trata de saber mais quais são e quantos são os direitos, ou qual sua natureza ou fundamento, mas sim qual o modo mais seguro de protegê-los para impedir que eles sejam violados. Em outros termos, o problema mais urgente não diz respeito aos fundamentos, mas sim às garantias. Para tanto, cabe saber como legitimar tais direitos de forma a que sejam seguidos. Deve-se levar em consideração que existem três formas de fundar valores: a natureza humana, na qual se encontra primeira geração de direitos - civis- e se baseia na ideia constante de natureza para dar valor universal a um fato; o apelo a evidência, o qual tem o direito de se situar além de qualquer prova, pois tão logo se submete valores estes estão legitimados; e o consenso, o qual consiste em apoiar uma ideia com base na aceitação geral por todos num dado momento. Assim, se apresenta a Declaração Universal dos Direitos do Homem como manifestação da única prova através da qual um sistema de valores pode, humanamente, ser fundado e reconhecido - o consenso geral a cerca da sua validade. O consenso corresponde a uma maior universalidade dos direitos, pois quanto mais aceito mais é fundado. Trata-se de um fundamento histórico e não absoluto, e o único que pode ser factualmente comprovado.

O Presente e o Futuro Dos Direitos Do Homem - Bobbio

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O presente e o futuro dos direitos do homem – Norberto Bobbio

A principal questão, em torno da qual gira toda essa parte de sua obra, é apontar que o

mais fundamental, nos dias de hoje, não se trata de saber mais quais são e quantos são os

direitos, ou qual sua natureza ou fundamento, mas sim qual o modo mais seguro de protegê-

los para impedir que eles sejam violados. Em outros termos, o problema mais urgente não diz

respeito aos fundamentos, mas sim às garantias.

Para tanto, cabe saber como legitimar tais direitos de forma a que sejam seguidos.

Deve-se levar em consideração que existem três formas de fundar valores: a natureza humana,

na qual se encontra primeira geração de direitos - civis- e se baseia na ideia constante de

natureza para dar valor universal a um fato; o apelo a evidência, o qual tem o direito de se

situar além de qualquer prova, pois tão logo se submete valores estes estão legitimados; e o

consenso, o qual consiste em apoiar uma ideia com base na aceitação geral por todos num

dado momento. Assim, se apresenta a Declaração Universal dos Direitos do Homem como

manifestação da única prova através da qual um sistema de valores pode, humanamente, ser

fundado e reconhecido - o consenso geral a cerca da sua validade. O consenso corresponde a

uma maior universalidade dos direitos, pois quanto mais aceito mais é fundado. Trata-se de

um fundamento histórico e não absoluto, e o único que pode ser factualmente comprovado.

Ademais, Bobbio também aponta como lenta foi a conquista de tal universalismo da

qual pode-se distinguir três fases. A primeira seria o nascimento nas teorias e obras

filosóficas, aonde estava contido os princípios dos direitos civis com Locke. A segunda seria a

passagem da teoria para a prática, dos direitos somente pensados para os direitos realizados.

Os direitos passaram a ser protegidos, mas só valem no âmbito do Estado que os reconhece.

Em outros termos, há uma diferenciação entre direitos do homem e direitos do cidadão; não

são mais direitos do homem, porém sim do cidadão. Dessa foram, os direitos ganharam em

concreticidade, mas perderam em universalidade. A terceira fase vem com declaração de

1948, na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva. Universal

porque diz respeito não mais aos cidadãos deste ou daquele Estado, mas sim a todos os

homens; positiva pois os direitos não devem mais ser somente proclamados, mas também

protegidos, inclusive da ação do próprio Estado que os tente violar. Então é possível definir

que os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como

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direitos positivos particulares para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos

positivos universais.

Na visão de Bobbio, a declaração de 1948 é algo mais que um sistema doutrinário,

porém algo menos que um sistema de normas jurídicas. De resto, a declaração proclama os

princípios como "ideal comum a ser alcançado por todos os povos e por todos as nações”. A

declaração dos direitos do homem é, de forma alguma, imutável. Na verdade, ela deriva de

um homem histórico que possui diferentes demandas e percepções ao longo do tempo. Tal

declaração é somente o ponto de partida de uma meta progressiva que inclui a expansão dos

direitos à liberdade, direitos políticos e direitos sociais. A humanidade não só se encontra no

desafio de proteger esses direitos, mas também de aperfeiçoá-los; como fica atestado nas

inúmeras adições á declaração dos direitos do homem, que passou a servir de instrumento

basilar para abranger direitos para outros grupos e coletividades como as mulheres, raças,

povos oprimidos, nações etc..

Já no que tange a proteção dos direitos, a grande questão a ressaltar são as medidas

imagináveis para efetivação dessa proteção. Justamente devido ao carater e forma de atuação

da sociedade internacional, a situação da proteção dos direitos do homem se torna quase inútil

para não dizer inexistente. Ademais, deve-se considerar que a teoria política reconhece duas

formas de controle social: o poder e a influência. A primeira, ao ser uma forma de controle

sobre o outro, o qual o põe na impossibilidade de agir de outra forma, se identifica com as

garantias internacionais. Dentro pólo de poder se encontram três formas de atuação: a

violência física, o impedimento legal e as sanções graves. O segundo, por ser uma forma de

determinar a ação do outro, incidindo sobre sua escolha, se identifica com a proteção jurídica,

sendo possível distinguir outras três formas de atuação: a dissuasão, desencorajamento e o

condicionamento. Levando tudo isso em conta, é possível dizer, então, que o controle dos

organismos internacionais se dá com as três formas de influência, mas estanca na primeira

forma de poder. Ou seja, a falta de um mecanismo efetivo de coerção é a grande limitação da

garantia dos direitos.

As atividades até aqui implementadas pelos organismos internacionais, tendo em vista

a tutela dos direitos do homem, se encontram na promoção e na garantia com duplo objetivo

de tanto induzir os Estados que não têm a implementar quanto os que têm a aperfeiçoar.

Assim, outra questão de suma importância a relatar é que existem dois modos típicos de

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exercer tal controle - por atividades de garantia, ou seja, uma tutela jurisdicional de nível

internacional e por atividades relacionadas a relatórios apresentados por cada signatário -, é

necessário afirmar que, no presente momento, nos encontramos apenas com mecanismos

voltados para garantias que as nações dão. Em outras palavras, há um esforço maior para os

Estados reforçarem seus sistemas jurisdicionais nacionais no sentido das duas primeiras

formas (promoção e controle), enquanto a meta de criação de uma nova e mais alta jurisdição

que substitua a garantia nacional pela internacional ainda se encontra mais distante; por mais

que existam garantias desse tipo previstas como na Convenção Europeia dos Direitos do

Homem. Só poderemos falar legitimamente de tutela internacional quando uma jurisdição

internacional conseguir se impor às jurisdições nacionais.

É necessário dizer também que a luta pelos direitos em cada Estado foi acompanhado

pela instauração de regimes representativos também conhecidos como Estados de Direito. Ao

se fazer a separação entre Estados de direito e os Estados de não direito, onde funciona ou não

um sistema de garantias dos direitos do homem, não há dúvida de que os cidadãos que

possuem necessidade são os dos Estados de não direito; contudo, são justamente estes os

menos afeitos a aceitar as transformações da comunidade internacional. Logo, com relação à

tutela internacional dos direitos do homem, onde é possível talvez não seja necessária e onde

é necessária talvez seja menos provável de acontecer.

Ainda sim, os direitos possuem outras dificuldades apontadas por Bobbio como uma

aparente incompatibilidade entre os direitos sociais, de caráter mais socialista, e os direitos a

liberdade, de caráter mais liberal. Ao depender, o primeiro, de um maior nível de intervenção

do Estado e, o segundo, de menor nível de intervenção, o que parece haver entre esses direitos

é uma superposição; quanto mais um menos o outro e vice-versa. A ideia então seria a de ou

estabelecer prioridades ou chegar-se a uma síntese através de um acordo. Outras das

dificuldades apontadas se relacionariam às condições de realização desses direitos, pois nem

tudo que é desejável de ser seguido é realizável. Muitas vezes são necessárias condições

objetivas para a realização de determinados direitos que dependem da situação da sociedade

num determinado momento. Para ilustrar, uma situação de guerra ou crise econômica pode

obrigar a suspensão de alguns direitos; ou então a aplicação de determinados direitos, como

ao trabalho, dependa de um certo desenvolvimento da sociedade. Por fim, Bobbio então

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finaliza que o caminho a percorrer ainda é longo na progressão dos direitos; sobretudo, tais

direitos irão estar vinculados ao desenvolvimento global da civilização humana.