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DICIONÁRIO DE POLÍTICA VOL. 1- NORBERTO BOBBIO [NORBERTO BOBBIO] Direito de Asilo. — V. Asilo, Direito de. Direitos Humanos. I. DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E HISTÓRIA CONSTITUCIONAL. — O constitucionalismo moderno tem, na promulgação de um texto escrito contendo uma declaração dos Direitos Humanos e de cidadania, um dos seus momentos centrais de desenvolvimento e de conquista, que consagra as vitórias do cidadão

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DICIONÁRIO DE POLÍTICAVOL. 1- NORBERTO BOBBIO

[NORBERTO BOBBIO]Direito de Asilo. — V. Asilo, Direito de.Direitos Humanos.I. DECLARAÇÃO DOS

DIREITOS HUMANOS E

HISTÓRIA

CONSTITUCIONAL. — O

constitucionalismo moderno

tem, na promulgação de um

texto escrito contendo

uma declaração dos Direitos

Humanos e de cidadania,

um dos seus momentos

centrais de desenvolvimento e

de conquista, que consagra as

vitórias do cidadão

sobre o poder.

Usualmente, para determinar a

origem da

declaração no plano histórico,

é costume remontar à

Déclaration des droits de

l'homme et du citoyen,

votada pela Assembléia

Nacional francesa em 1789,

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na qual se proclamava a

liberdade e a igualdade nos

direitos de todos os homens,

reivindicavam-se os seus

direitos naturais e

imprescritíveis (a liberdade, a

propriedade, a segurança, a

resistência à opressão), em

vista dos quais se constitui

toda a associação política

legítima. Na realidade, a

Déclaration tinha dois

grandes precedentes: os Bills

of rights de muitas

colônias americanas que se

rebelaram em 1776 contra

o domínio da Inglaterra e o

Bill of right inglês, que

consagrava a gloriosa

Revolução de 1689. Do ponto

de vista conceptual, não

existem diferenças

substanciais entre a

Déclaration francesa e os Bills

americanos, dado que todos

amadureceram no mesmo

clima cultural dominado pelo

jusnaturalismo e pelo

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CONTRATUALISMO: os

homens têm direitos

naturais anteriores à formação

da sociedade, direitos

que o Estado deve reconhecer

e garantir como direitos

do cidadão. Bastante diverso é

o Bill inglês, uma vez

que nele não são reconhecidos

os direitos do homem e

sim os direitos tradicionais e

consuetudinários do

cidadão inglês, fundados na

common law. Durante a

Revolução Francesa foram

proclamadas outras

Déclarations (1793, 1795):

interessante a de 1793

pelo seu caráter menos

individualista e mais social em

nome da fraternidade, e a de

1795, porque ao lado dos

"direitos" são precisados

também os "deveres",

antecipando assim uma

tendência que tomará corpo no

século XIX (podemos pensar

nos Doveri dell'uomo,

de Mazzini); a própria

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354 DIREITOS HUMANOS

Constituição italiana tem como

título da primeira parte

"Direitos e deveres do

cidadão".

A declaração dos direitos

colocou diversos

problemas, que são a um

tempo políticos e

conceptuaís. Antes de tudo, a

relação entre a

declaração e a Constituição,

entre a enunciação de

grandes princípios de direito

natural, evidentes à

razão, e a concreta organização

do poder por meio do

direito positivo, que impõe aos

órgãos do Estado

ordens e proibições precisas:

na verdade, ou estes

direitos ficam como meros

princípios abstratos (mas

os direitos podem ser tutelados

só no âmbito do

ordenamento estatal para se

tornarem direitos

juridicamente exigíveis), ou

são princípios ideológicos

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que servem para subverter o

ordenamento

constitucional. Sobre este tema

chocaram nos fins do

século XVIII, de um lado, o

racionalismo jusnaturalista

e, de outro, o utilitarismo e o

historicismo, ambos

hostis à temática dos direitos

do homem. Era possível o

conflito entre os abstratos

direitos e os concretos

direitos do cidadão e, portanto,

um contraste sobre o

valor das duas cartas. Assim,

embora inicialmente,

tanto na América quanto na

França, a declaração

estivesse contida em

documento separado, a

Constituição Federal dos

Estados Unidos alterou esta

tendência, na medida em que

hoje os direitos dos

cidadãos estão enumerados no

texto constitucional.

Um segundo problema deriva

da natureza destes

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direitos: os que defendem que

tais direitos são

naturais, no que respeita ao

homem enquanto homem,

defendem também que o

Estado possa e deva

reconhecê-los, admitindo

assim um limite preexistente à

sua soberania. Para os que não

seguem o

jusnaturalismo, trata-se de

direitos subjetivos

concedidos pelo Estado ao

indivíduo, com base na

autônoma soberania do Estado,

que desta forma não se

autolimita. Uma via

intermediária foi seguida por

aqueles que aceitam o

contratualismo, os quais

fundam estes direitos sobre o

contrato, expresso pela

Constituição, entre as diversas

forças políticas e

sociais. Variam as teorias mas

varia também a eficácia

da defesa destes direitos, que

atinge seu ponto máximo

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nos fundamentos

jusnaturalísticos por torná-los

indisponíveis. A atual

Constituição da República

Federal alemã, por exemplo,

prevê a não possibilidade

de revisão constitucional para

os direitos do cidadão,

revolucionando assim toda a

tradição juspublicista

alemã, fundada sobre a teoria

da autolimitação do

Estado.

O terceiro problema refere-se

ao modo de tutelar

estes direitos: enquanto a

tradição francesa se cingia à

separação dos poderes, e

sobretudo à autonomia do

poder judiciário, e à

participação dos cidadãos

através

dos próprios representantes, na

formação da lei, a

tradição americana,

desconfiada da classe

governante, quis uma

Constituição rígida, que não

pudesse ser modificada a

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não ser por um poder

constituinte e um controle de

constitucionalidade das leis

aprovadas pelo legislativo.

Isto garante os direitos do

cidadão frente ao

despotismo legal da maioria.

Os países que viveram a

experiência do totalitarismo,

como a Itália e a

Alemanha, inspiraram-se mais

na tradição americana

do que na francesa para a sua

Constituição.

Finalmente, estes direitos

podem ser classificados

em civis, políticos e sociais.

Os primeiros são aqueles

que dizem respeito à

personalidade do indivíduo

(liberdade pessoal, de

pensamento, de religião, de

reunião e liberdade

econômica), através da qual é

garantida a ele uma esfera de

arbítrio e de liceidade,

desde que seu comportamento

não viole o direito dos

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outros. Os direitos civis

obrigam o Estado a uma

atitude de não impedimento, a

uma abstenção. Os

direitos políticos (liberdade de

associação nos partidos,

direitos eleitorais) estão

ligados à formação do Estado

democrático representativo e

implicam uma liberdade

ativa, uma participação dos

cidadãos na determinação

dos objetivos políticos do

Estado. Os direitos sociais

(direito ao trabalho, à

assistência, ao estudo, à tutela

da

saúde, liberdade da miséria e

do medo), maturados

pelas novas exigências da

sociedade industrial,

implicam, por seu lado, um

comportamento ativo por

parte do Estado ao garantir aos

cidadãos uma situação

de certeza.

O teor individualista original

da declaração, que

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exprimia a desconfiança do

cidadão contra o Estado e

contra todas as formas do

poder organizado, o orgulho

do indivíduo que queria

construir seu mundo por si

próprio, entrando em relação

com os outros num plano

meramente contratual, foi

superado: pôs-se em

evidência que o indivíduo não

é uma mônada mas um

ser social que vive num

contexto preciso e para o qual

a cidadania é um fato

meramente formal em relação

à

substância da sua existência

real; viu-se que o

indivíduo não é tão livre e

autônomo como o

iluminismo pensava que fosse,

mas é um ser frágil,

indefeso e inseguro. Assim, do

Estado absenteísta,

passamos ao Estado

assistencial, garante ativo de

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novas liberdades. O

individualismo, por sua vez,

foi

superado pelo reconhecimento

dos direitos dos grupos

sociais: particularmente

significativo quando se trata

de minorias (étnicas,

lingüísticas e religiosas), de

marginalizados (doentes,

encarcerados, velhos e

mulheres). Tudo isto são

conseqüências lógicas do

princípio de igualdade, que foi

o motor das

transformações nos conteúdos

da declaração, abrindo

sempre novas dimensões aos

Direitos Humanos e

confirmando por isso a

validade e atualidade do texto

setecentista.

DIREITOS HUMANOS 355

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A atualidade é demonstrada

pelo fato de hoje se

lutar, em todo o mundo, de

uma forma diversa pelos

direitos civis, pelos direitos

políticos e pelos direitos

sociais: fatualmente, eles

podem não coexistir, mas, em

vias de princípio, são três

espécies de direitos, que para

serem verdadeiramente

garantidos devem existir

solidários. Luta-se ainda por

estes direitos, porque após

as grandes transformações

sociais não se chegou a

uma situação garantida

definitivamente, como sonhou

o otimismo iluminista. As

ameaças podem vir do

Estado, como no passado, mas

podem vir também da

sociedade de massa, com seus

conformismos, ou da

sociedade industrial, com sua

desumanização. E

significativo tudo isso, na

medida em que a tendência

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do século atual e do século

passado parecia dominada

pela luta em prol dos direitos

sociais, e agora se assiste

a uma inversão de tendências e

se retoma a batalha

pelos direitos civis.

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York 1970.

[NICOLA MATTEUCCI]

II. PROTEÇÃO

INTERNACIONAL DOS

DIREITOS HUMANOS.

— 1. A ação internacional

pela promoção e pela

tutela dos Direitos Humanos

antes e depois da

Segunda Guerra Mundial. —

As exigências

apresentadas em todos os

tempos e em todos os

ambientes sociais pela

melhoria da condição do

homem terminaram na

reivindicação de liberdade e de

direitos sinteticamente

qualificados de Direitos

Humanos. O modo e os limites

em que estas

reivindicações conseguiram

triunfar nas diversas

comunidades onde passou a ter

lugar a

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convivência humana estão

estreitamente ligados à

força e ao conteúdo dos ideais

humanitários que nelas

entraram, na qualidade de

princípios de ação política,

e também ao grau em que as

mesmas puderam ou

souberam encontrar apoio num

conjunto de forças

sociais capazes de as promover

e de lhes assegurar de

fato um respeito normal.

Na comunidade internacional,

os ideais

humanitários foram durante

longo tempo e normal

mente invocados somente em

relação ao tratamento

dos estrangeiros, e mais

esporadicamente em relação

ao tratamento de indivíduos

que faziam parte de

minorias étnicas ou de grupos

religiosos. A grande

importância que os Estados, os

membros de base da

comunidade internacional,

atribuíram à defesa da

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própria soberania e, por

conseqüência, ao respeito dos

outros fez que eles tivessem

agido pela promoção e

pela tutela dos Direitos

Humanos somente quando

seus

direitos estavam em jogo, para

dar proteção

diplomática aos próprios

súditos no exterior ou para

solidarizar-se com indivíduos

ligados à população

nacional por particulares

vínculos de ordem étnica,

lingüística ou religiosa.

Foi só no decurso da Segunda

Guerra Mundial, após

as aberrações do nazismo e as

reações por ele criadas,

e depois da intensificação da

tentativa das Nações

Unidas em multiplicar os

esforços para realizar uma

mais estreita cooperação e

solidariedade internacional,

que foi possível a criação de

um perfil de ação

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internacional pela promoção e

tutela do homem

enquanto tal. No clima de

cooperação pela realização

de ideais comuns que então se

realizou, no dia 1." de

janeiro de 1942, os Governos

signatários da

Declaração das Nações Unidas

disseram-se

convencidos de que uma

vitória completa sobre seus

inimigos era "essencial para

defender a vida, a

liberdade, a independência e a

liberdade religiosa,

assim como para conservar os

Direitos Humanos e a

justiça nos próprios países e

nas outras nações" Um

pouco mais tarde, a 26 de

junho de 1945, em São

Francisco, os redatores da

Carta das Nações Unidas

retomaram, entre os fins das

Nações Unidas (ONU), o

de "conseguir a cooperação

internacional na solução dos

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problemas internacionais de

caráter econômico, social

e cultural ou humanitário, e o

de promover e encorajar

o respeito pelos Direitos

Humanos e pelas liberdades

fundamentais para todos sem

distinção de raça, de

sexo, de língua ou de religião"

e introduziram no

Estatuto da mesma

Organização dois artigos

(artigos 55

e 56), segundo os quais "os

membros se empenham a

agir coletiva ou singularmente

em cooperação com a

organização...", a fim de

"promover o respeito e a

observância universal

356 DIREITOS HUMANOS

dos Direitos Humanos e das

liberdades fundamentais

para todos, sem distinção de

raça, sexo, língua ou

religião".

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Depois disto tudo, no seio da

Organização das

Nações Unidas, programou-se,

a partir de 1947, um

International Bill of Human

Rights, que deveria ter

sido constituído por uma

Declaração universal,

contendo a enunciação dos

Direitos Humanos, por um

Covenant contendo

compromissos específicos

jurídicos

dos Estados no que toca ao

respeito dos mesmos

Direitos Humanos e um

sistema de controle (Measures

of Implementation), voltado

para a garantia do respeito

dos mesmos direitos. A

realização desse programa

encontrou enormes

dificuldades.

Os Estados-membros da

Organização conseguiram

andar bastante rapidamente

apenas no que toca à

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adoção, por parte da

Assembléia Geral da

Declaração

(com a resolução 217 ( II I) a

Assembléia Geral adotoua,

a 10 de dezembro de 1948,

com a denominação de

"Declaração Universal dos

Direitos do Homem"). Eles

tiveram depois de proceder a

uma longa e difícil

negociação para a elaboração

de um Covenant

contendo compromissos

específicos no campo do

direito, vinculando de maneira

firme os Estadosmembros.

As dificuldades surgidas na

negociação coincidem

com as que encontra

geralmente a ação

internacional

pela promoção dos Direitos

Humanos. Elas derivam

do fato de que assumir

compromissos jurídicos

precisos na matéria postula

chegar a um entendimento

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sobre fórmulas aptas a

exprimir os ideais comuns dos

Estados diversos entre si, no

que tange a tradições

jurídicas, sistemas políticos e

fé religiosa, além de

implicar tomar em

consideração diferentes

standards

econômicos e sociais desses

Estados e requerer a

previsão de um sistema

especial de controle apto para

promover, para não dizer

garantir, a observância das

normas, objeto de negociações.

A dificuldade em encontrar

fórmulas aptas a

exprimir os ideais

humanitários comuns aos

Estados

signatários, conciliando as

diferenças referentes a

tradições jurídicas, sistemas

políticos e fé religiosa, é

muito notável. Essas

diferenças não existem apenas

entre os Estados ocidentais e

Estados de ''democracia

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popular", entre mundo cristão

e mundo islâmico, entre

tradições anglo-saxônicas de

common law e tradições

continentais de "direito civil".

Freqüentemente, há

diferenças de considerável

importância entre países

que têm muito em comum,

entre os Estados Unidos e

a Grã-Bretanha e entre os

países da Europa Ocidental,

do mundo árabe e da América

Latina.

Não são de menor relevância

as diferenças de

condição econômica e social.

A tomada de um

compromisso internacional de

garantia dos Direitos

Humanos e das liberdades

individuais, sobretudo dos

direitos em matéria de cultura,

e dos direitos

econômicos e sociais e ainda

dos direitos de ordem

civil e política, é certamente

menos onerosa para os

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países de avançado nível

econômico e social do que

para os países menos

evoluídos de recente formação,

ou limitados em seus recursos

naturais ou sacudidos

por fenômenos de ineficiente

valorização dos fatores

da produção. Uma coisa é

empenhar-se

internacionalmente em garantir

a cada indivíduo o

"direito ao estudo" para um

Estado economicamente

avançado, já dotado de uma

organização escolar

adequada, e outra para um

Estado novo e

economicamente em baixa,

desprovido de tal

organização.

2. A importância de sistemas

de controle que

funcionam em relação

específica com a tutela

internacional dos Direitos

Humanos. — Na ordem

internacional, à falta de um

aparelho central capaz de

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garantir de cima as normas,

um fator que contribui de

forma importante para que os

acordos internacionais

sejam normalmente

observados e tenham efetiva

vigência nas relações entre os

Estados deve ser

colocado no interesse de cada

um em respeitá-los, pelo

temor de reação que os

Estados signatários, de direito

ou de fato, poderiam pôr sob a

forma de autotutela. Tal

interesse e tal temor, como é

óbvio, são tanto mais

intensos e funcionais para

assegurar a observância das

normas, quanto mais relevante

de fato for o interesse

dos Estados contraentes em

tutelar um determinado

acordo. Um acordo é fonte de

uma relação jurídica que

se insere em uma série de

relações jurídicas relevantes

em várias escalas no

intercâmbio entre Estados. A

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reação de um Estado à

violação de um acordo por

parte de outro — mesmo lícita

— pode desgastar uma

boa vizinhança e alterar uma

atmosfera de relações

amigáveis, nas quais só a

cooperação entre os Estados

pode desenvolver com

eficácia. A cooperação por isso

mesmo é sempre pensada. As

vantagens que ela pode

produzir são sempre avaliadas

juntamente com as

possíveis desvantagens; por

isso, a cooperação é

decidida quando as primeiras

são inferiores às segundas

ou pelo menos quando as

segundas não são superiores

às primeiras. Ora, o interesse

que leva um Estado a

respeitar uma convenção em

matéria de Direitos

Humanos, entre ele e outro

Estado, é sempre um

interesse muito delicado,

evoluído, mas de uma

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intensidade tida normalmente

como superada pela do

interesse na manutenção de

uma atmosfera amigável,

na qual seja possível o

desenvolvimento da execução

de

outros acordos e a

intensificação de relações de

caráter

econômico e comercial, sem

prejuízo das relações de

boa vizinhança.

DIREITOS HUMANOS 357

A previsão, numa convenção

internacional em

matéria de Direitos Humanos,

de um sistema de

controle ad hoc constitui uma

forma importante de

atrair o interesse dos Estados

contraentes para

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respeitar a convenção mais

intensamente do que em

outras circunstâncias. Tal

sistema, por ser realmente

eficiente, deveria prescindir na

medida do possível da

iniciativa dos Estados e tomar

um caráter diferente do

de controle recíproco, isto é,

deveria assumir um

caráter marcadamente

internacional.

3. O pacto internacional sobre

os direitos

econômicos, sociais e

culturais, o pacto sobre os

direitos civis e políticos e o

protocolo relativo ao

pacto sobre os direitos civis e

políticos. — As

dificuldades de que falamos

acima fizeram-se sentir de

tal forma no decurso das

negociações para a realização

do International Bill of Human

Rights que os Estadosmembros

das Nações Unidas, para

realizar o programa

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previamente fixado, tiveram de

abandonar, tanto a

idéia orginária de um único

Covenant contendo

normas uniformes, quanto a de

um sistema de controle

indiferenciado.

Em relação ao primeiro

aspecto, as Nações Unidas

determinaram que se

procedesse na Assembléia

Geral

como havia sido feito a 16 de

novembro de 1966, à

adoção de dois pactos

diferentes: um pacto relativo

aos

direitos econômicos, sociais e

culturais e um pacto

relativo aos Direitos Humanos

civis e políticos. Um

pacto sobre os direitos civis e

políticos contendo

disposições de ordem

substancial redigidas em

termos

essencialmente preceptivos,

levando cm consideração

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que os Direitos Humanos e a

liberdade enunciados e

tutelados são direitos, e

liberdade cuja garantia não

implica uma ação da parte dos

Estados, mas realiza-se

normalmente através de um

non facere. Um pacto

internacional sobre direitos

econômicos, sociais e

culturais contendo disposições

em termos

programáticos, na suposta

consideração de que o

reconhecimento e a tutela

daqueles direitos pressupõe

uma ação pela remoção de

obstáculos de ordem

econômica e social ao seu

exercício — ação que

deverá ser desenvolvida não

imediatamente, mas em

períodos variáveis de tempo,

de um Estado para outro

Estado, mediante o emprego

do "máximo de recursos

possíveis" por parte de cada

um.

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Em correlação com as

diferenças de ordem

substancial, o pacto sobre

direitos civis e políticos e o

pacto sobre direitos

econômicos, sociais e culturais

são caracterizados ou

acompanhados por diferentes

sistemas de controle. Ambos

os pactos prevêem que

os Estados contraentes devem,

dentro de uma data

preestabelecida, ou

periodicamente, apresentar

relações, respectivamente,

sobre medidas que

adotarem na execução dos

direitos reconhecidos no pacto,

e ainda sobre o

progresso realizado no gozo de

tais direitos (art. 40, do

pacto sobre direitos civis e

políticos) e sobre "medidas

tomadas e progressos

alcançados na consecução do

respeito aos direitos

reconhecidos no pacto" (art.

16,

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n.° 1, do pacto sobre direitos

econômicos, sociais e

culturais). As relações

previstas pelo primeiro pacto

submetidas a um Comitê dos

Direitos Humanos

composto de dezoito membros

designados pelos

Estados-membros dentro de

uma lista de cidadãos

desses Estados e transmitida

discretamente por esse

Comitê ao Conselho

Econômico e Social; as

relações

previstas pelo segundo pacto,

submetidas diretamente

ao Conselho Econômico e

Social e às instituições

especializadas, in toto ou in

parte, na medida em que

digam respeito, in toto ou in

parte, a questões de

competência dessas

instituições, relativamente aos

próprios estatutos, e sejam

discretamente enviadas pelo

Conselho Econômico e Social

para a Comissão dos

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Direitos Humanos, para fins de

estudo e para a adoção

de recomendações de ordem

geral ou para

informações por parte dessa

Comissão.

Somente em relação aos

direitos e às liberdades

tuteladas pelo pacto sobre

direitos civis e políticos são

previstos procedimentos de

controle de tipo

contencioso, que podem ser

levados a cabo mediante

"comunicações" por parte do

Estado ou por parte de

indivíduos contra o Estado,

quando da parte de um ou

de outros houver a convicção

de que foram violadas as

disposições do pacto. Tais

procedimentos, porém, não

entrarão simultaneamente em

vigor entre si e em

concomitância com os pactos.

O procedimento de

comunicações estatais terá

aplicação entre os Estados

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participantes dos pactos que

tiverem reconhecido uma

especial competência em

receber essas comunicações

para o Comitê dos Direitos

Humanos, após haver pelo

menos umas dez declarações

nesse sentido, e poderá

funcionar unicamente em

relação aos Estados que

fizerem esse reconhecimento.

O procedimento de

comunicações individuais, por

seu lado, agirá apenas

em relação aos Estados que

participam dos pactos e

que tenham também ratificado

um protocolo facultativo

(o protocolo facultativo

relativo ao pacto internacional

sobre os Direitos Humanos

civis e políticos, que

entrará em vigor três meses

depois da ratificação ou da

adesão de dez Estados). Esse

procedimento poderá ser

utilizado somente por

indivíduos pertencentes à

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jurisdição de um Estado que

participe do protocolo e

em relação a comportamentos

daquele mesmo Estado.

4. O comportamento dos

Estados-membros da ONU

em relação aos compromissos

assumidos. — A

utilização desses instrumentos

internacionais

358 DIREITOS HUMANOS

por parte da Assembléia Geral

das Nações Unidas,

embora constitua um fato

importante no movimento

atual para a promoção dos

Direitos Humanos dentro da

comunidade internacional, não

é, porém, em si

mesma, uma satisfação

imediata das reivindicações

humanitárias surgidas após o

fim da Segunda Guerra

Mundial. O conjunto das

normas dos pactos entrará

em vigor três meses depois do

depósito do 35.º

instrumento de ratificação e só

para os Estados

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ratificantes ou aderentes.

No dia 22 de agosto de 1979, o

pacto relativo aos

direitos econômicos, sociais e

culturais fora ratificado

por setenta e três Estados, e o

relativo aos direitos

civis e políticos por setenta e

um (a Itália se obrigou,

tanto pelos pactos como pelo

protocolo, desde que o

Governo, a 15 de setembro de

1978, proveu ao

depósito dos respectivos

instrumentos de ratificação

junto do Secretário das Nações

Unidas, havendo para

isso sido autorizado pelo

Parlamento com a Lei n.°

881, de 25 de outubro de 1977,

que incluía também a

necessária ordem de

execução).

Na demora das negociações

para a adoção dos

pactos e da sua entrada em

vigor, verificou-se uma

progressiva dilatação na

sensibilidade dos Estados e

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na praxe do destaque ao

compromisso que os

membros das Nações Unidas

assumiram perante os

artigos 55 e 56 da Carta em

agir, quer separada quer

conjuntamente, com a

organização em prol da

promoção e da tutela dos

Direitos Humanos. Entre

estes foi gerando a convicção

de que esse

compromisso não poderia

acabar na participação das

negociações, mas deveria

transformar-se em obrigação

de ação, com o decorrer do

tempo e com o crescimento

das possibilidades técnico-

econômicas; obrigação de

cada Estado utilizar o máximo

de recursos nos

objetivos assinalados pela

declaração universal e por

outros instrumentos

internacionais que se seguiram

a

esta.

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Tudo isto teve importantes

reflexos, tanto no plano

convencional, quanto na ação

da União, quanto,

enfim, no plano das relações

Leste-Oeste.

5. As convenções regionais em

matéria de Direitos

Humanos e outras voltadas

para a tutela dos direitos

individuais e liberdades. —

No plano convencional os

Estados-membros da

organização:

a) Em âmbitos, como os das

organizações regionais,

que em relação ao âmbito das

Nações Unidas são

menos fortes as diferenças de

tradições jurídicas,

sistemas políticos e standards

econômico-sociais,

concluíram convenções para

uma proteção precisa de

todos ou de grande parte dos

Direitos Humanos e das

liberdades fundamentais

enunciados pela declaração

universal. Aludimos à

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Convenção européia para a

proteção e salvaguarda

dos Direitos Humanos, aos

cinco protocolos

complementares e à Carta

social européia e ainda à

Convenção americana sobre os

Direitos Humanos,

Pact of San José, Costa Rica,

que entrou em vigor a

18 de julho de 1978.

b) Num plano mais

multilateral ou inter-regional, a

nível de Nações Unidas ou de

instituições

especializadas, realizaram

convenções pela tutela de

valores da pessoa humana

mais intensamente sentidos

por todos os Estados ou por

um grande número deles e

mais neutros a respeito das

diversas ideologias e dos

diversos sistemas econômico-

sociais vigentes nas

várias partes do globo.

Referimo-nos ao nível das

Nações Unidas, à Convenção

para a prevenção e

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repressão dos crimes de

genocídio, de 1.° de dezembro

de 1948, às Convenções de

Genebra, de 12 de agosto

de 1949, a propósito de direito

bélico, à Convenção

relativa ao estatuto dos

refugiados, de 28 de julho de

1951, e ao protocolo que

acompanhou a mesma, de 31

de janeiro de 1967, à

Convenção relativa ao estatuto

dos apólides, de 28 de

setembro de 1954, e também à

Convenção sobre a redução

dos casos de apolidia, de

30 de agosto de 1961, à

Convenção sobre os direitos

políticos da mulher, de 31 de

maio de 1953, e ainda à

Convenção sobre a

nacionalidade da mulher

casada,

de 20 de fevereiro de 1957, e à

do consenso para o

matrimônio, sobre a idade

mínima para a contração do

matrimônio e o registro do

mesmo, de 10 de dezembro

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de 1962, ao protocolo de 7 de

dezembro de 1953 que

emendou a Convenção

suplementar relativa à abolição

da escravidão, do tráfico de

escravos e das instituições

e práticas análogas à

escravidão, de 7 de setembro

de

1956, à Convenção sobre a

eliminação de todas as

formas de discriminação

racial, de 21 de dezembro de

1965, e ainda à Convenção

relativa à

imprescritibilidade dos crimes

de guerra e dos crimes

contra a humanidade, de 26 de

novembro de 1968. Ao

nível de instituições

especializadas, referimo-nos às

Convenções da Organização

Internacional do Trabalho

sobre a liberdade sindical, ao

direito de organização e

de contratação coletiva, à

igualdade de remuneração

entre mão-de-obra masculina e

feminina para um

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trabalho de igual valor, à

abolição do trabalho forçado

e à não-discriminação de

posições e ocupações.

c) Inseriram nos textos das

Convenções indicadas

nas letras a) e b) dispositivos

que prevêem sistemas de

promoção e de controle da

efetiva aplicação das

normas convencionais

concordadas, alguns mais

simples ou rudimentares, para

ser aplicados

automaticamente com a

entrada em

DIREITOS HUMANOS 359

vigor da Convenção a que

pertencem e, a respeito de

todos os Estados que

participam da mesma, outros

sistemas mais complexos e

sofisticados, subordinados

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na aplicação à sua aceitação

por parte dos Estados

ratificantes ou aderentes a uma

cláusula facultativa.

6. A praxe das Nações Unidas:

as declarações da

Assembléia Geral e os

procedimentos de controle

instituídos pelo Conselho

Econômico e Social. — No

plano da União, os Estados-

membros da Organização

das Nações Unidas

concorreram para a promoção

e

para o controle dos direitos

enunciados na declaração

universal dos Direitos

Humanos tomando uma série

de

relevantes atitudes, quer no

seio da Assembléia Geral,

quer no seio do Conselho

Econômico e Social.

No seio da Assembléia Geral,

através de seu voto

unânime ou quase unânime,

contribuíram para a

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adoção por parte da mesma

Assembléia de uma ampla

série de declarações (sobre os

direitos das crianças,

sobre a concessão da

independência aos países e aos

povos coloniais, sobre a

soberania permanente dos

povos sobre os recursos

naturais, sobre a eliminação de

todas as formas de

discriminação racial, sobre a

eliminação de todas as formas

de discriminação das

mulheres, sobre o asilo

territorial e sobre o progresso e

desenvolvimento no campo

social) e para a inserção

no texto de alguns desses itens

contendo expressões

preceptivas ou ordenativas

chamando os Estados a

"respeitar" essas declarações.

Em relação ao Conselho

Econômico e Social, esses

Estados, através do voto,

concorreram para a adoção de

uma série de resoluções,

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com as quais o Conselho

Econômico e Social: a)

convidou os Estados-membros

da Organização a

fazerem relatórios sobre seu

comportamento em

matéria de Direitos Humanos;

b) pediu às organizações

não-governamentais dotadas

de estatuto consultivo para

cooperarem na sua ação de

promoção e de controle; c)

ordenou uma catalogação das

"comunicações

individuais" chegadas à

Organização queixando-se do

comportamento dos Estados-

membros, submetendo-as

à consideração dos Estados

interessados em eventuais

"observações" ou "exame"; d)

atribuiu à subcomissão

pela luta contra a

discriminação e pela proteção

das

minorias a função de preparar

um "relatório" contendo

informações sobre a violação

dos direitos e das

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liberdades fundamentais do

homem e de submeter à

atenção da Comissão dos

Direitos Humanos toda a

situação concreta que a seu

juízo possa considerar-se

um caso de violação desses

direitos ou liberdades,

tomando em exame, para

ambos os efeitos — mesmo

através do grupo de trabalho

—, as próprias

comunicações individuais.

7. A defesa dos direitos do

homem e do princípio

da autodeterminação dos

povos e a Conferência sobre

a Segurança e Cooperação na

Europa. — Quanto ao

plano das relações Leste-

Oeste, os representantes dos

35 países que participaram da

Conferência sobre a

Segurança e a Cooperação na

Europa (C.S.C.E.)

decidiram unanimemente

inserir na Ata final, aprovada

em Helsinque a 1.° de agosto

de 1975, entre os dez

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princípios reguladores das

relações entre os Estados

participantes, dois princípios, o

VII e o VIII, referentes,

respectivamente, o primeiro

aos direitos do homem e às

liberdades fundamentais (aí

incluídas a liberdade de

pensamento, de consciência,

de religião e de credo), e

o segundo à autodeterminação

(entendida, levado em

conta o debate que antecedeu a

C.S.C.E. e o contexto

desta, como um direito

universal capaz de atuar em

benefício de todos os povos e

não apenas no quadro

dos processos de

descolonização).

Ao enunciar o primeiro

princípio, os Estados

participantes: a) reconheceram

que o respeito pelos

direitos do homem e pelas

liberdades fundamentais

constitui "um fator essencial

para a paz, para a justiça

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e para o bem-estar,

indispensáveis à garantia do

desenvolvimento de relações

amigáveis e da

cooperação entre eles, bem

como entre todos os

Estados", e b) expressaram sua

determinação de

respeitar constantemente tais

direitos e liberdades em

suas relações recíprocas e de

se esforçar conjunta e

separadamente, mesmo em

colaboração com as Nações

Unidas, em promover seu

acatamento universal e

efetivo. Ao enunciar o

segundo, puseram em

evidência

a sua universalidade e,

conseqüentemente, a sua

aplicabilidade aos próprios

Estados soberanos

participantes na Conferência,

quando precisaram que

todos os povos "possuem

sempre" (não apenas,

portanto, no quadro de um

processo de

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descolonização) "o direito de

determinar, com plena

liberdade, quando o desejarem

e como o desejarem,

seu próprio estatuto político,

tanto interno como

externo, sem ingerências de

fora, e de buscar, segundo

a própria livre escolha, seu

modelo de desenvolvimento

político, econômico, social e

cultural". A enunciação

destes dois princípios deram

depois um particular

relevo e ênfase, paralelamente

ao que foi feito em

relação aos outros oito

princípios de caráter mais

territorial e econômico,

chegando a expressar — além

da própria decisão de os

respeitar e aplicar plenamente

"em todos os seus aspectos,

nas suas relações recíprocas

e na sua cooperação, tendo em

vista assegurar a cada

Estado participante as

vantagens resultantes do

respeito

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e da aplicação desses

princípios por parte de todos"

o seu compromisso de

proceder, mesmo depois da

adoção das Atas finais, "a uma

360 DIREITOS HUMANOS

troca aprofundada de pontos

de vista sobre a aplicação

das disposições dessa Ata e

sobre o cumprimento das

obrigações definidas pela

Conferência", e à

Organização, para tal fim, de

"encontros entre os

respectivos representantes, a

começar por uma reunião

a nível dos representantes

designados pelos Ministros

dos Negócios Estrangeiros",

encontros depois

denominados "reuniões de

verificação".

8. Um confronto entre o

sistema dos pactos e a

praxe analisada nos três

parágrafos precedentes. —

Tudo o que se observou desde

1945 até hoje no plano

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convencional e na praxe da

Organização das Nações

Unidas e no âmbito da

C.S.C.E., se indubitavelmente

diminui a relevância do atraso

no aperfeiçoamento do

procedimento de conclusão

dos pactos e dos limites

subjetivos da sua entrada em

vigor, não elimina a

mesma completamente. As

convenções que foram

concluídas — do ponto de

vista dos direitos

garantidos e do ponto de vista

dos Estados em que

entraram em vigor — têm um

alcance bem mais

limitado do que os próprios

pactos. A participação no

controle posto em ação pelas

Nações Unidas das

organizações não

governamentais, a redação, de

parte

da subcomissão pela luta

contra a discriminação e a

proteção das minorias, de um

"relatório" contendo

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informações tiradas de todas as

fontes possíveis e o

procedimento para exame das

comunicações

individuais, por seu turno,

constituem um conjunto de

elementos que, embora se

realize de forma

amplamente independente da

iniciativa e também, em

casos, contra a vontade de

alguns, esgota seus efeitos

numa "movimentação" da

opinião pública muito

restrita para que se possa

colocar ao nível de fator

social capaz de determinar os

Estados a observarem os

standards das declarações. As

comunicações

individuais são levadas ao

conhecimento dos

membros da subcomissão

unicamente porque a sua

consideração serve para dar

um quadro prático para o

estudo que estes são chamados

a realizar, através da

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elaboração de textos e de

recomendações que podem

ser apenas de caráter geral. Os

esforços realizados

para forçar e superar os limites

implícitos em tão

restrita função encontraram

dificuldades de ordem

jurídica e política, não

conseguindo sucesso até aqui.

A previsão, enfim, nas Atas

finais de Helsinque, ao

lado da enunciação de um

princípio de respeito pelos

direitos do homem e pelas

liberdades fundamentais e

de um princípio de

autodeterminação dos povos,

de

reuniões de verificação,

abstratamente capazes de

constituir instrumentos úteis

aptos a garantir a sua

observância, não deu lugar aos

progressos concretos

correspondentes. A União

Soviética e os outros países

de democracia

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popular opuseram-se

decisivamente a qualquer

discussão ou verificação sobre

o modo como aplicaram

ou puseram em prática tais

princípios, invocando,

além do caráter não

vinculatório das Atas onde se

acham expressos, o princípio

da "não ingerência nos

assuntos internos", que nessa

mesma Ata os precede

imediatamente, quando são

enunciados os critérios

que hão de presidir à

segurança e à cooperação na

Europa. Em conseqüência

dessa atitude: a) só se pôde

chegar à adoção de um

documento final na primeira

reunião de verificação, tida em

Belgrado de 4 de

outubro de 1977 a 9 de março

de 1978, quando a parte

ocidental e a dos Estados

neutros acederam a uma

redação que não contivesse

nenhuma indicação relativa

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à aplicação das previsões da

Ata concernentes aos

Direitos Humanos, e b) a

segunda destas reuniões,

atualmente em curso em

Madri, foi suspensa a 12 de

março de 1982 e adiada a 9 de

novembro do mesmo

ano, quando os ocidentais e

neutrais quiseram por

força discutir a

compatibilidade dos fatores

que

determinaram a crise polonesa

com os princípios de

Helsinque.

A entrada dos pactos em vigor,

sobretudo desde que

não acompanhada do protocolo

concernente aos direitos

civis e políticos, pôs em ação

mecanismos bem menos

evoluídos e, especialmente

enquanto só em vigor para

uma limitada parte dos

membros da Organização, de

eficácia subjetiva restrita, mas

não decerto tão

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reduzida no que se refere aos

seus efeitos objetivos:

em face de instrumentos

certamente obrigatórios, a

Organização das Nações

Unidas não só poderá agir

solicitando um bom

funcionamento dos

mecanismos

de controle convencionalmente

previstos, mas também

tomar posição ela mesma,

mormente através da

Assembléia Geral e do

Conselho de Segurança, como

fator atuante em prol da sua

observância.

Paralelamente, a relevância

que a praxe da

Organização (incluídas as

declarações) e a Ata final

da Conferência de Helsinque

podem assumir no

ordenamento jurídico interno

em relação à disciplina

concreta de situações

individuais é puramente

eventual

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e secundária. Os valores

proclamados nas Declarações

das Nações Unidas ou numa

Ata como a de Helsinque

têm relevância apenas quando

nesse ordenamento

houver uma norma que se

preste a duas interpretações,

consentindo ao intérprete

presumir que deva

prevalecer aquela que

eventualmente mais se

conforme

aos valores proclamados. A

adequação do ordenamento

jurídico estatal dos pactos, por

sua vez, daria lugar a

uma especial norma que

prevaleceria em relação às

normas gerais anteriores,

qualquer que fosse seu

conteúdo.

DISSENSO 361

9. Limites e perspectivas da

ação internacional. —

As observações acima feitas,

se, de um lado, fazem

intuir as dificuldades que hão

de ser superadas antes

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que os pactos possam ser

ratificados, não dizemos por

todos, mas pelo maior número

dos Estados-membros

das Nações Unidas, induzem,

por outro, a pôr em

relevo como os limites e

perspectivas de

desenvolvimento de uma ação

internacional de defesa

e proteção dos direitos do

homem estão

indissoluvelmente ligados aos

limites e perspectivas

de desenvolvimento da

Organização das Nações

Unidas e, mais genericamente,

das ORGANIZAÇÕES

INTERNACIONAIS (V.). Sob

este aspecto, a entrada dos

pactos em vigor no maior

número possível de Estados

poderá assinalar uma mudança

nas condições do

indivíduo, tanto mais

importante quanto mais o

fenômeno, que é conhecido

como "organização

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internacional", se reforçar e

evolver para a superação

das atuais características da

comunidade internacional.

Sob esse mesmo aspecto, há de

ser considerado

como um dado extremamente

positivo o fato de que,

no quadro de uma organização

internacional como a

das comunidades européias,

mais que qualquer outra

provista de um sistema que

garante o respeito pelo

direito, a Corte de justiça tenha

chegado a afirmar que

"a tutela dos direitos

fundamentais constitui parte

integrante dos princípios

gerais" cuja observância ela

afiança.

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[PAOLO MENGOZZI]

Despotismo.

I. CONSIDERAÇÕES GERAIS. — 'Despotismo' significa,em sentido específico, a forma de Governo em quequem detém o poder mantém, em relação aos seussúditos, o mesmo tipo de relação que o senhor (emgrego"despotes") tem para com os escravos que lhepertencem. Como se sabe, Aristóteles distingue, desdeas primeiras páginas de Política, três tipos de relaçãode domínio: o conjugai, ou do marido sobre a mulher;o paterno, ou do pai sobre os filhos; e o patronal oudespósitos, que é o do senhor sobre os escravos. Combase nesta distinção, desde a Antigüidade se vemchamando despótica a forma de Governo em que arelação entre governantes e governados pode sercomparada à existente entre senhor e escravos Emsentido genérico, mormente na linguagem políticamoderna que esqueceu o siginficado etimológico dapalavra. Despotismo é polemicamente usado paraindicar qualquer forma de Governo absoluto, sendomuitas vezes sinônimo de tirania, ditadura, autocracia,absolutismo e outras formas semelhantes. Só quandose tem em conta o significado originário da palavra e ouso técnico que dela se fez na tradição da filosofiapolítica, é que o termo540 DESPOTISMODespotismo indica uma forma de Governo diferentedas outras com que no discurso polemicamentegenérico se confunde. Despotismo, ditadura,autocracia têm de comum serem formas de Governoem que o detentor do poder o exerce sem limites de

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leis naturais, consuetudinárias, impostas por órgãos adhoc, etc, isto é, detém um poder absoluto, ou legibussolutus, e arbitrário, ou exclusivamente dependente daprópria vontade. Mas as diferenças não são menosrelevantes: enquanto o caráter absoluto do poderdespótico está estreitamente ligado ao caráter dossúditos, naturalmente dispostos à obediência eincapazes de se governar por si próprios (segundo atradição aristotélica, assim como há indivíduos que sãoescravos por natureza, também há povos naturalmenteescravos), o absolutismo do poder tirânico depende danatureza do governante, que despreza as leisestabelecidas e governa segundo o seu capricho;enquanto o absolutismo do déspota depende mais decircunstâncias locais (povos dispostos por tendência àescravidão, consoante a tradição que se prolongou atéàs famosas observações de Montesquieu sobre oDespotismo e até mais longe ainda, são os povos quehabitam as grandes regiões da Ásia, os "bárbaros" paraos gregos), o absolutismo do ditador depende, antes detudo, de circunstâncias temporais, ou seja, daocorrência de circunstâncias excepcionais, como, porexemplo, uma guerra, que impõem, emboratemporariamente, a suspensão das garantiasconstitucionais e a instituição de um poder que possaagir à margem das leis estabelecidas ou com leisexcepcionais. Só o termo "autocrata", no significadodaquele que governa por si mesmo, é um termogenérico, conquanto historicamente usado paradesignar principalmente o Governo do czar da Rússia,uso hoje obsoleto, possuidor às vezes de umsignificado meramente polêmico que pode substituir,segundo os diversos contextos, tanto déspota comotirano e ditador (mas no sentido moderno, tambémgenérico, e não no sentido antigo e específico dapalavra). Mais: enquanto a tirania é uma formadegenerada de Governo, tanto na sua forma ilegal degovernar (tirania quanto ao modo de exercício dopoder), quanto na sua forma ilegítima (tirania norespeitante ao título de aquisição do poder, ouusurpação), o Despotismo, como aliás a ditadura, foisempre considerado como uma forma de Governoperfeitamente legítima, enquanto apropriada a

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determinadas circunstâncias de lugar e à natureza decertos povos particulares que se pretendia ou presumiaser incapazes de viver coletivamente, se não fosse emestado de absoluta sujeição e de obediênciaincondicionada, semelhante à escravidão. Finalmente,enquanto a ditadura, aliás como a tirania,é uma forma de Governo de breve duração (a ditadura,por princípio, desde que o ditador romano eranomeado por um período de seis meses, e a tirania, defato, uma vez que o tirano está geralmente destinado asucumbir em conseqüência dos próprios excessos), oDespotismo é uma forma de Governo durável, atétalvez a forma de Governo que tem tido mais longaduração, como há bem pouco sustentou quem, comoWittfogel, analisou as condições, as formas e os modosdo chamado "despotismo oriental".II. O DESPOTISMO EM ARISTÓTELES. — Emseu significado técnico e, portanto, restrito e específico,o conceito de Despotismo nasce, como de resto grandeparte dos conceitos de teoria política do Ocidente, daPolítica de Aristóteles. No livro terceiro, ele distinguevárias formas de monarquia. Uma delas é a "que éprópria de muitos povos bárbaros". Logo a seguirespecifica que estes povos bárbaros são os povosasiáticos. A razão por que tais monarquias sãodiferentes das que têm dominado desde os temposheróicos e ainda dominam na Grécia (na Esparta, porexemplo), é que, "sendo esses povos bárbaros maisservis dos que os gregos.... suportam sem dificuldade opoder despótico exercido sobre eles" (1285 a). O quecaracteriza, portanto, esta forma de Governo é que, pelaprópria índole dos povos sobre os quais se estende e,conseqüentemente, por uma razão objetiva, a relaçãoentre governante e governados é da mesma naturezaque a existente entre senhor e escravo. O próprioAristóteles tem o cuidado de advertir dentro do mesmocontexto que, embora suscetível de se confundir com atirania pelo modo como é exercido o poder (com efeito,é perfeitamente correto dizer que o tirano governa demodo despótico), a monarquia despótica é uma formade Governo diferente. A diferença verdadeiramenteessencial está no fato de que a tirania constitui umaforma ilegal ou ilegítima, tanto pelo título como pelo

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exercício do poder. Tanto é assim que é descritanoutras passagens da obra (1279 b) como uma dasformas degeneradas ou corrompidas, ao passo que amonarquia despótica, como monarquia, pertence àsformas não deturpadas. Eis palavras de Aristóteles:"Esta [a monarquia despótica] possui um poder muitosemelhante ao das tiranias, se bem que seja legítima etransmitida por direito hereditário". E pouco mais àfrente: "... estes reinos são tirânicos, embora seguros,pois estão baseados na lei e na transmissãohereditária". Mais adiante, ao resumir a tipologia dasmonarquias, volta a definir a monarquia "bárbara" comestes três atributos: "legal, despótica e hereditária"(1285 b). Enquanto legal, ela se distingue daDESPOTISMO 341tirania; enquanto despótica, das monarquias antigas emodernas da Grécia; enquanto hereditária, tanto datirania — especialmente da tirania por falta de título,ou por usurpação — quanto do governo dos eximnetai,que é um Governo despótico, mas eletivo. Finalmente,na passagem dedicada à descrição das várias formas detirania, volta ao tema das monarquias que são tirânicaspelo modo como é exercido o poder (as monarquiasbárbaras ou orientais e o reino dos eximnetai),distinguindo-as da verdadeira e autêntica tirania, que éa forma de Governo em que quem detém o poder oexerce não só despoticamente, mas também sem a eleter direito, ou porque é um usurpador (e pode-o ser nasmonarquias hereditárias, não sendo o herdeiro segundoa lei que regula a sucessão no trono, e nas monarquiaseletivas, não tendo sido eleito segundo as normas queregulam o processo da eleição), ou porque governasobre povos livres como se fossem escravos. A formamais característica de tirania é, pois, aquela em que osenhor domina "sobre melhores e iguais" e se exerce,portanto, "contra a vontade dos súditos, já quenenhum homem livre suportaria um domínio assim"(1295 a). A monarquia despótica, pelo contrário,reinando sobre povos naturalmente escravos, exerce opoder sobre sujeitos que se submetem voluntariamentea esse poder absoluto e arbitrário.O que é ainda importante observar nesta tipologiaaristotélica é isto: como degeneração de uma

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monarquia legítima e legal, a tirania não possui umlugar histórico e geográfico próprio, mas toda amonarquia se pode corromper e degenerar, dandolugar a uma forma deturpada de Governo. Podem darsetiranias em todo o tempo e lugar. O Despotismo, aoinvés, é uma forma de Governo histórica egeograficamente bem determinada, que corresponde acertas condições de tempo e de lugar e, como tal,conquanto os não bárbaros a possam julgardesfavoravelmente, pertence ao número das formaspuras e não adulteradas de Governo. Em conclusão, oDespotismo é a forma de Governo (mais precisamentede monarquia) que possui as seguintes características:a) a relação entre governantes e governados ésemelhante à relação entre senhor e escravos, b) dá-seonde existem povos naturalmente escravos; c) estespovos são os povos bárbaros, especificamente os daÁsia.Com esta descrição das monarquias asiáticas,Aristóteles introduziu na teoria política uma categoriadestinada a gozar de grande sucesso no decorrer dosséculos (chegou até aos nossos dias), a do Despotismooriental. Na tradição aristotélica dos grandesescritores medievais, após a redescoberta da Política,o tema é retomado semsignificativas variações. Veja-se o comentário de S.Tomás a essa obra: depois de haver exposto oconceito aristotélico segundo o qual "os bárbarossuportam a monarquia despótica (principatusdominativus) sem se lamentar por isso, por sereminclinados a suportá-la", especifica: "O que é segundoa inclinação é natural e voluntário" (In librospoliticorum Aristotelis expositio, ed. Marietti, n.° 478,p. 170), recalcando assim o caráter de naturalidade e,por conseguinte, de legitimidade da monarquiadespótica em determinadas circunstâncias de tempo ede lugar. Ptolomeu de Lucca, no De regimineprincipum, distingue o principatus politicus doprincipatus dispoticus e explica que o segundo "épróprio do senhor em relação ao servo" (Livro II, c.VIII). No Defensor pacis, Marsílio de Pádua escreve,parafraseando Aristóteles: "Outro modo é o de comoreinam certos monarcas asiáticos, que recebem o

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domínio por sucessão hereditária, de acordo com a lei;mas esta lei é quase como a dos déspotas, porque estámais voltada para o proveito do monarca do que parao completo interesse da comunidade. Os habitantesdessa região suportam tal Governo sem tristeza, devidoà sua natureza bárbara e servil e à força do costume.Mas, no entanto, este Governo á régio, porque éoriginário do país e se exerce sobre súditosvoluntários, quiçá em virtude de que os antepassadosdo monarca foram os primeiros habitantes da região.Mas, num certo sentido, é também tirânico, na medidaem que as suas leis não estão absolutamente voltadaspara o benefício comum, mas antes para o domonarca" (I, 9, 4).III. DE MAQUIAVEL A HOBBES. — A teoria dasformas de Governo teve, depois de Aristóteles, comotodos sabem, seu maior autor em Maquiavel. ParaMaquiavel são duas as principais formas de Governo:o principado ou monarquia e a república. Duas sãotambém as espécies de principado: o de um príncipeonde todos os demais são servos que, por soa graça econcessão, ajudam, como ministros, a governar oreino; e o de um príncipe e barões que, "não por graçado senhor, mas pela antigüidade do sangue, possuemesse grau". Entre as formas de Governo monárquico,Aristóteles distinguira cinco; todos os aristotélicos oseguiram. Maquiavel é um inovador, não só no querespeita à distinção fundamental, pois reúne aaristocracia e a democracia dos antigos na república,como também no concernente à subdistinção dasformas monárquicas, que reduz a duas. Destas, aprimeira, ou seja, aquela em que um só é príncipe etodos os demais são servos, é, sem dúvida, amonarquia despótica dos antigos. É interessante notarque Maquiavel atualiza a342 DESPOTISMOexemplificação: exemplo típico do reino despótico jánão são mais os antigos impérios asiáticos, mas o reinoturco que lhe é contemporâneo (trata-se sempre, nãoobstante, de um Estado extra-europeu): "Os exemplosdestas duas diversidades de Governo são, no nossotempo, o Turco e o rei da França. Toda a monarquiado Turco é governada por um senhor, os outros são

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seus servos: dividindo o seu reino em Sanjacos, para lámanda diversos administradores, mudando-os erevezando-os como lhe parece" (Il príncipe, c. IV).Depois de Aristóteles, o tratado mais amplo earticulado das formas de Governo é o que se encontrano segundo dos seis livros da República de JeanBodin. Pondo de parte as formas arcaicas demonarquia lembradas por Aristóteles e rejeitando adistinção tradicional entre formas boas e formas másde Governo, Bodin distingue três tipos de monarquiaque designa respectivamente como "despótica", "régia"e "tirânica", levando precisamente em conta não trêsdiversos tipos de regime, mas três diversos modos deexercer o mesmo tipo de poder, que é o poder régio,ou seja, o supremo poder concentrado numa sópessoa. É assim que define a monarquia despótica: "...aquela em que o príncipe se tornou senhor dos bens edas pessoas dos súditos pelo direito das armas e daguerra justa, e governa os súditos como um chefe defamília governa os seus escravos" (Livro II, c. 2, ed.UTET, p. 570). Nesta definição há a notar duas coisas:primeiro, a costumada assimilação da relação de poderdespótico à relação entre senhor e escravos,segundo,uma motivação neste tipo de relaçãototalmente diversa da tradicional, que se fundava nanatureza servil de certos povos. Para Bodin, ofundamento do poder despótico é unicamente aconquista e, além disso, a conquista numa guerrajusta. Isto quer dizer que, para Bodin, como aliás paratodos os escritores políticos cristãos, a escravidão sópode ter uma causa, o cativeiro de guerra, entenda-sede uma guerra justa, porque só em tal caso o vencedormantém aquele que conquistou por direito e nãoapenas pela força. Considerada a guerra justa comouma sanção, a escravidão é o castigo conseqüente e,como tal, isto é, como conseqüência de um delito, élícita. Comum com a tradição é em Bodin aespecificação das monarquias despóticas dos grandesimpérios exóticos. "Existem ainda algumas — diz ele— na Ásia, na Etiópia e mesmo na Europa, como, porexemplo, a senhoria dos Tártaros e a Moscóvia" (p.573). Mas a casuística apresenta-se enriquecida comuma referência aos primeiros grandes impérios

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coloniais. A propósito de Carlos V, Bodin observaque, "subjugado o reino do Peru, ele se tornou seumonarca despótico" (p. 577).De resto, não obstante a diferente motivação doDespotismo, mantém-se ainda assaz viva em Bodin, emanter-se-á pelos próximos séculos, a contraposiçãoentre os países extra-europeus, habitualmente sujeitos aregimes despóticos, e os países europeus, que delesficaram geralmente imunes. A respeito do reinodespótico da Etiópia comenta: "Ao invés, os povoseuropeus, mais altivos e guerreiros que os africanos,jamais puderam tolerar monarquias despóticas" (p.575). Outro traço característico e qualificativo dodespotismo oriental em que Bodin insiste é o daduração: "As monarquias despóticas foram grandes esumamente duradouras: foi assim com as antigasmonarquias dos assírios, dos medas, dos persas, dosegípcios, e o é hoje com a dos etíopes, a mais antigamonarquia de toda a Ásia e África, que mantémsubmissos como escravos cinqüenta reis, se dermoscrédito a Paulo Giovio" (p. 579). A razão destaduração está, segundo Bodin, na plenitude e totalidadedo poder (antecipando uma categoria políticacontemporânea, estaríamos tentados a traduzir acaracterização bodiniana do pleno poder com oatributo "totalitário"), que torna vis e servis os súditos:em contraste com a tradição aristotélica, o caráter servildesses povos não é a causa do Despotismo, mas aconseqüência.Bodin capta bem a diferença entre Despotismo etirania. Conquanto rejeite a distinção entre formasboas e formas más de Governo e considere tanto oDespotismo quanto a tirania como duas espécies demonarquia, reconhece que existe uma diferençafundamental entre tratar como escravos os que deveraso são (sejam eles escravos por natureza ou porexpiação de uma culpa), e tratar como escravoshomens e povos livres. O déspota reina como senhorsobre escravos, o tirano reina como senhor sobre pessoaslivres Isto poderiam até explicar por que é que os reinosdespóticos duram e as tiranias se mantêm, em geral,por breve tempo. "Os homens livres e senhores dosseus bens, quando tentam escravizá-los ou usurpar o

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que lhes pertence, depressa se rebelam, porquepossuem um espírito nobre, nutrido de liberdade e nãoabastardado pela servidão" (p. 579). Tanto amonarquia despótica como a tirânica se distinguemainda da régia que. diversamente da primeira, nãoreina sobre escravos e, em contraste com a segunda,não trata os livres como escravos.Também Hobbes e Locke baseiam o reino despóticona conquista. Escreve Hobbes no Leviatã: "O domínioadquirido com a conquista ou com a vitória bélica é oque alguns escritores chamam despótico, de despótes,que significa senhor ou patrão, e é o domínio do patrãosobre o servo" (c. XX). É de notar, em relação à análogafundamentação de Bodin. que falta aqui sequer aDESPOTISMO 343referência à guerra justa. É que, para Hobbes, não hájustiça antes de um pacto ou de uma lei oriunda de umpacto: e o pacto entre vencedor e vencido surgesomente depois da vitória; mais, é esse mesmo ato quelegitima o poder do primeiro sobre o segundo.No capítulo XV do Segundo tratado sobre ogoverno, Locke distingue as três formas tradicionaisde domínio do homem sobre o homem, o paterno, ocivil e o despótico, apoiando-se na sua diversa base delegitimação: o domínio paterno funda-se na geração,tendo, por isso, um fundamento natural; o civil assentano consenso, tendo, conseqüentemente, umfundamento contratual ou convencional; o despóticoestriba no direito que o vencedor de uma guerra justatem de punir os vencidos, tratando-os como escravos.Esta tripartição interessa a Locke não só para finsdescritivos, mas também para sustentar que, em geral,afora casos excepcionais, só é Governo legítimo aqueleque se funda no consenso, e para condenar tanto asdoutrinas paternalistas do poder político, quanto asdespóticas. Na caracterização do Governo despótico,Locke segue, por um lado, a tradição que vê nestaforma de Governo a transposição da relação existenteentre senhor e escravo para o âmbito da relaçãogovernante-governado, e, por outro, reafirma adoutrina já surgida com Bodin, segundo a qual o únicofundamento de legitimidade do Governo despótico é avitória numa guerra justa. Particularmente interessado

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pelo problema da relação entre poder político epropriedade, Locke explica também as diferenças entreas diversas formas de domínio pelo diverso modo deordenar a propriedade: poder político é aquele em queos cidadãos podem dispor livremente das suaspropriedades; paterno, quando os destinatários dopoder não podem temporariamente gozar dapropriedade, isto é, enquanto não atingirem amaioridade; despótico, quando os súditos não possuempropriedade alguma. Entre as notas características doDespotismo oriental, existe sempre também esta: odéspota é senhor efetivo (e não apenas de modoeminente) das terras sobre que governa; nelas nãoexiste, portanto, propriedade privada no sentido estritoda palavra, ou seja, a propriedade como direito degozar e dispor da coisa como aprouver.IV. O DESPOTISMO SEGUNDOMONTESQUIEU. — A consagração da categoria dodespotismo oriental dá-se na obra de Montesquieu,onde o Despotismo se ergue pela primeira vez àdignidade de tipo primário de forma de Governo aolado da monarquia e da república. Como já se disse,Maquiavel havia reduzido a duas, monarquia erepública, as formas fundamentais de Governo e,por isso, subdistinguira a monarquia em duassubespécies, das quais uma era a monarquia despótica.Em Esprit des lois, Montesquieu distingue três formasde Governo, a monarquia, a república e o Despotismo.Deste modo, o Despotismo torna-se uma formaautônoma, deixando de ser apenas, como tinha sidoaté então, uma espécie do gênero monarquia.Distingue-as segundo a sua natureza e segundo o seuprincípio. Segundo a natureza, o Governo despótico éo Governo em que "um só, sem leis nem freios,arrasta tudo e todos atrás dos seus desejos ecaprichos" (Livro II, c. I). Segundo o princípio, oGoverno despótico se rege pelo medo, enquanto que omonárquico se guia pela honra e o republicano pelavirtude. Ninguém antes de Montesquieu tinha tratadodo Despotismo com tanta amplitude e com umapreocupação tão grande até pelos mínimos detalhes. OGoverno despótico é ali analisado em suasinstituições, nas suas relações com a educação, com a

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administração da justiça, com a exação dos tributos,com o comércio, com a religião e por aí afora.Dos temas tradicionais o tratado de Montesquieumantém inalterado o da relação servil entregovernantes e governados. A propósito da educaçãoescreve que, nos Governos despóticos, "a educaçãotem de ser servil" (Livro IV, c. III). E da condição dasmulheres: "Nos estados despóticos, as mulheres nãointroduzem o luxo, são elas mesmas objeto de luxo.São obrigadas a viver numa condição de extremaescravidão" (Livro VII, c. IX). Os povos que estãosujeitos a um regime despótico se encontram numestado de escravidão política, quando não num estadode completa escravidão civil. Outra idéia em queMontesquieu segue a doutrina tradicional doDespotismo é a que faz dos grandes impérios antigos emodernos do Oriente o teatro deste abominávelregime, tão contrário à natureza dos povos europeus. Oprotótipo dos regimes despóticos é, para Montesquieu,o império chinês. Enquanto a monarquia e a repúblicasão as formas de Governo que fomentaram odesenvolvimento civil e intelectual europeu, oDespotismo é a forma de Governo que manteve ocontinente asiático num estado de constante atraso efez dos grandes impérios que lá se sucederam,sociedades sem história. No artigo Despotisme daEncyclopédie, tirado de Esprit des lois, os reinosdespóticos, definidos como Governos "tirânicos,arbitrários, absolutos de um só homem", são situadosna Turquia, no Mogol, no Japão, na Pérsia, ou seja, em"quase toda a Ásia".Depois de Montesquieu, a contraposição damonarquia ou da república, únicos governosconsentâneos com os povos civilizados, aoDespotismo em que jazem os povos orientais, torna-seum$44 DESPOTISMOdos tópicos da cultura iluminística, um dos traçosconstantes da polêmica dos "philosophes" contra osséculos e os povos obscuros. Em sua obra principal,De 1'esprit (1758), Helvétius se detém longamente noconfronto entre Governos "livres" e "despóticos"(principalmente nos capítulos XVI-XXI do terceiro

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Discurso), mas, no momento em que enfrenta oproblema do seu contraste, logo adverte que, ao falarde Despotismo, se refere àquele "desejo desenfreadode poder arbitrário como o que se exerce no Oriente".Se há mil razões para execrar o Despotismo, o autorde De 1'esprit não deixa escapar nenhuma. Distingueduas espécies de Despotismo, o que se abate deimproviso com sua força sobre uma nação virtuosacomo a Grécia, e o que se instaura, com o andar dotempo, no luxo e na moleza. Deste, que predominanos grandes impérios orientais, ele julga ocupar-semostrando seus tristes efeitos sobre a natureza dasinstituições e sobre o caráter dos súditos,particularmente no que respeita ao aviltamento davirtude, que era, para Montesquieu, o princípioinspirador das repúblicas.No Esprit des lois, o tema das razões do Despotismose tinha, no entanto, ampliado: entre elas não secontava já apenas a natureza dos povos servis,segundo a tradição que remontava aos gregos, masigualmente o clima, a natureza do território, o caráterdas instituições, das quais a mais importante era ovizirado, e a religião, particularmente a religiãomaometana, que, na expressão de Montesquieu,"falando só a linguagem da espada, age ainda hojesobre os homens com o mesmo espírito destruidor quelhe deu vida" (Livro XXIV, c. IV). A relação dedependência do Despotismo da religião é o temafundamental de Recherches sur 1'origine dudespotisme oriental de Nicolas-Antoine Boulanger,obra póstuma aparecida em 1762, cerca de quinze anosdepois de Esprit des lois. Segundo Boulanger, aorigem de todos os males da humanidade está no poderda religião, ou, para melhor dizer, dos sacerdotes, istoé, na teocracia, que, tornando o homem idólatra, otorna também escravo, bárbaro e selvagem:"Conquanto se afigure sublime um Governo que só temo céu como perspectiva e que pretende fazer dele seumodelo, não poderá ter na terra, contudo, senão umsucesso funesto. O edifício político construído aquiembaixo sobre tal especulação, há de necessariamenteruir e provocar os maiores males" (séc. XI). Enquantono Ocidente a teocracia tem dado origem ao

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banditismo e à liberdade desenfreada do selvagem, noOriente, pelo contrário, deu lugar a regimes despóticos,cujas vítimas têm sido e continuam a ser os respectivospaíses: "Entre todos os vícios políticosda teocracia — escreve ele — eis o mais grave e omais fatal, o que preparou o caminho para odespotismo oriental" (séc. XI). Ou ainda: "Todo oOriente se acha ainda nesta situação: ninguém ali podecompreender o que são as nossas repúblicas daEuropa, tidas como sociedades monstruosas. E umpreconceito que não tem como origem senão as antigasidéias teocráticas, jamais totalmente apagadas nestaparte do mundo" (séc. XII). Daí se segue que a luta poruma "Europe raisonnable" deva ser, ao mesmo tempo,uma luta contra o Despotismo e a religião sua aliada.V. O DESPOTISMO COMO CATEGORIAPOLÊMICA. — A par do significado específico deDespotismo exposto até aqui, ocorre também naliteratura do século XVIII um significado genérico, ode Governo arbitrário, que, como tal, não é próprioapenas dos povos orientais mas também de outrospovos, dos europeus por exemplo, em determinadosmomentos da sua história. Assim entendido, oDespotismo transforma-se num conceito polêmico deque alguns escritores políticos se servem até paracriticar e combater seu próprio Governo. Em Essai surle despotisme, publicação anônima de 1776, Gabriel-Honoré Mirabeau considera a propensão para oDespotismo, ou mando arbitrário, como um dadoconstante da natureza de cada indivíduo e de cadapovo. Não há povo que, em sua história, não tenhaconhecido períodos em que o Governo se transformoude livre em despótico. Só a Suíça é exceção. Emborareconheça que é a Ásia que continua vítima do "flagelodestruidor" do Despotismo, de que foi berço, Mirabeaunão hesita em levantar-se como acusador do Governodespótico de Luís XIV. A caracterização que ele faz doGoverno despótico é genérica. Considera-o comocorrupção do bom Governo, como algo mais parecidocom a tirania do que com o Despotismo, no sentidopróprio da palavra: "Pretendo demonstrar — escreveele — que o despotismo é, no soberano, amor aodesfrute e, em conseqüência, que a sujeição ao

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despotismo é, nos povos, ignorância ou esquecimentodos próprios direitos. Instrua-se o rei e os súditos e oDespotismo será cortado de raiz" (ed. original, pp. 47-48).Como categoria essencialmente polêmica, oDespotismo reaparece no célebre pamphletantinapoleônico de Benjamin Constant, De 1'esprit deconquête et de l'usurpation dans leurs rapports avecla civilisation européenne (1813): "Eu entendo porDespotismo — escreve Constant — um Governo ondea vontade do senhor é a única lei; onde ascorporações, quando existentes, não são senão seusórgãos; onde o senhor se considera o únicoproprietário do seu império e não vê nosDESPOTISMO 345seus súditos senão usufrutuários; onde a liberdadepode ser tirada aos cidadãos, sem que a autoridade sedigne explicar os motivos e sem que se possa ter apretensão de os conhecer; onde os tribunais estãosubordinados aos caprichos do poder; onde as suassentenças podem ser anuladas; onde os absolvidos sãoconduzidos perante novos juizes, instruídos peloexemplo dos seus predecessores de que não existemsenão para condenar" (Parte I, c. IX). Na realidade, acrítica de Constant é uma crítica direta à usurpação esó uma crítica indireta ao Despotismo, já que este,como Governo arbitrário, é um modo de exercer opoder que permite ao usurpador conservá-lo. Em suaspáginas, a diferença entre Despotismo e usurpaçãocorresponde à distinção clássica entre o tirano deexercício e o tirano de título. Mais uma vez, o conceitogenérico de Despotismo se sobrepõe ao de tirania.Enquanto na teoria clássica do Despotismo oriental, aforma de Governo despótico é a de maior estabilidadee, por isso, de mais longa duração, para Constam osGovernos despóticos não estão fadados a durar esofrem constantes e repentinas mudanças. Isso é sinalevidente de que ele pensa mais no fenômeno da tiraniado que no do Despotismo próprio dos grandesimpérios, descritos por Montesquieu.Constant faz referência a outro problema importanteda doutrina do Despotismo: à relação entre oDespotismo e a guerra. Já no pensamento iluminístico,

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a execração da guerra anda junta com a condenação doDespotismo. Ao criticar o plano de paz perpétua doabade de Saint-Pierre, Rousseau observa que não sepode esperar uma política de paz de Governosdespóticos, porquanto "é sabido que, de um povo deescravos, se tomam dinheiro e homens à vontade parasubjugar outros" (Juízo sobre o plano de pazperpétua). Assim, quando Kant pensa que a primeiracondição de um tratado entre Estados para oestabelecimento da paz perpétua é que eles tenhamuma forma de Governo republicana, entende porGoverno republicano um Governo não despótico.Constant contrapõe o espírito de conquista, tornadoanacrônico, ao espírito de comércio: assim como oespírito de comércio exige e promove a paz, assim oespírito de conquista, intimamente ligado ao regimedespótico, é fomentador de guerras.VI. O DESPOTISMO ILUMINADO. — Levada em contaa distinção entre bom e mau Governo, o Despotismosempre foi tido como exemplo de Governo nocivo. Nalinguagem política, independentemente da suasignificação descritiva que, como vimos, muda de umautor para outro, o termo Despotismo possuiusualmente um significado deavaliação claramente pejorativo. Mas é preciso fazerpelo menos uma exceção, quando ele é usado naexpressão também setecentista de "Despotismoiluminado". A idéia do Despotismo de bom sentido éum elemento importante da teoria e da ideologiapolítica da fisiocracia. Começando pelo fundador,François Quesnay, os fisiocratas sustentaram que,existindo uma ordem natural, governada por leisférreas e objetivas, tanto físicas como morais, incumbeao bom legislador não já criar leis positivas a seutalante, mas reconhecer as leis naturais e,conseqüentemente, promulgar leis positivas que seconformem o mais possível com a natureza. Para ocumprimento desta tarefa, que não é constitutiva masapenas declarativa, é indispensável um soberano únicoque, quando instruído por sábios conselheiros sobre aexistência das verdadeiras leis, há de gozar daplenitude dos seus poderes para urgir sua aplicação epara promover, agindo assim, o bem-estar e a

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felicidade dos próprios súditos. Em sua obra L'ordrenaturel et essentiel des sociétés politiques (1767), ofisiocrata Le Mercier de la Rivière distingue duasformas de Despotismo, um que ele chama "legal" e ooutro "arbitrário". Enquanto que o segundo, inspiradona simples "opinião", é mau, o primeiro, guiado pela"evidência", é o único modo de bom Governo. Comefeito, uma vez averiguado que a ordem natural éevidente, ou seja, que pode ser compreendida em suatotalidade pela mente humana iluminada pela razão,ela torna-se pelo mesmo fato coagente e, porconseguinte, não pode ser imposta senãodespoticamente. Existe porventura alguém que selamente de ser obrigado a aceitar sem discussão osteoremas da geometria euclidiana? Euclides não émenos déspota que o monarca iluminado que governaobedecendo à evidência das leis naturais. Mas trata-se,sem dúvida, de um Despotismo natural e necessário,conforme com a razão. Le Mercier de la Rivièreencontrou eco em Pierre-Samuel Dupont de Nemoursquem, depois de haver condenado como formas demau Governo a democracia, a aristocracia e amonarquia eletiva, exalta a monarquia hereditária, porser só nesta forma de Governo "simples e natural" queos soberanos são verdadeiramente "déspotas" (Del'origine et des progrès d'une science nouvelle, 1768).Contra esta tese Mably escreveu um ensaio,Dúvidas apresentadas aos filósofos-economistas sobrea ordem natural e essencial das sociedades políticas(1768), que constitui momento importante na disputasetecentista acerca do Despotismo. Para Mably, opróprio conceito de Despotismo legal já encerra umacontradição nos termos. Se um Governo éverdadeiramente despótico, ou tal que quem detém osupremo poder não está346 DESPOTISMOsujeito a qualquer controle, não poderá deixar de serarbitrário: na realidade não existe outra forma deDespotismo senão a do Despotismo arbitrário; pelomenos o Despotismo se converte sempre num Governode arbítrio e, portanto, em despotismo arbitrário. Àcontrovérsia entre Mably e os fisiocratas não éestranho o problema do Despotismo oriental: enquanto

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Quesnay e Le Mercier de la Rivière haviam exaltado oGoverno da China como um exemplo imitável dedespotismo legal, Mably os critica, sustentando que oGoverno chinês é também, como não podia deixar deser, um Governo despótico, uma forma de Governoarbitrário; defende encarniçadamente o Governo mistobaseado na separação dos poderes, que tinha tidocomo seu maior teórico precisamente um críticosevero do Despotismo oriental, o autor de Esprit deslois.VII. DE HEGEL A WITTFOGEL. — A idéia ou mito doDespotismo oriental atravessa todo o século XIX echega, como já dissemos, até aos nossos dias, isto é,até à crise ou declínio da concepção eurocêntrica dahistória, da concepção que contrapunha a Europaprogressiva ao Oriente imóvel, fazendo depender odesenvolvimento das sociedades mais atrasadas doencontro, que poderia também ser um choquedoloroso, com as nações européias mais avançadas.Bastará lembrar aqui o lugar que ocupa a categoria doDespotismo na filosofia da história de Hegel, que éuma sublimação do eurocentrismo. Fiel à sua visãohistórica da realidade, Hegel toma as célebrescategorias de Montesquieu e considera-as comomomentos sucessivos do desenvolvimento histórico."O Oriente sabia e sabe que apenas um é livre; omundo grego e romano, que só alguns são livres; omundo germânico, que todos são livres. Por isso, aprimeira forma que nós vemos na história do mundo, éo Despotismo, a segunda, a democracia e a aristocracia,e a terceira, a monarquia". São despóticos os Estadosprimitivos e bárbaros da África, anteriores àcolonização, onde a escravidão (característica, comovimos, peculiar das sociedades governadas de formadespótica) "constitui a relação fundamental dodireito"; por isso, ali "governa um senhor, visto que arudeza sensível só pode ser domada por uma forçadespótica" (trata-se do tema assaz repetido da relaçãoentre Despotismo e sociedade servil). Mas os grandesEstados despóticos surgiram e se perpetuaram na Ásia,a começar pelo império chinês, definido como"Despotismo teocrático" (o nexo entre Despotismopolítico e teocracia é também tipicamente

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iluminístico); é de onde nasce a época histórica (aÁfrica é ainda um continente sem história). Seguiu-sedepois a Índia, cujo Governoé definido como "Despotismo da aristocraciateocrática". Embora seja do Oriente que nasce a épocahistórica, esses Estados, a China e a Índia, devido à suasituação estacionaria, acham-se ainda à margem dahistória do mundo. Havendo alcançado um certo graude desenvolvimento, o primeiro grau da evolução doespírito objetivo, aí se detiveram, ficando alheios aomovimento histórico. O tema também repetido darelação entre Despotismo e imobilismo tem suaconfirmação nestas frases de Hegel: "O universal, queaqui surge como substanciai, moral, é, por talabsolutismo, tão despótico, que jamais houve lugarpara a liberdade subjetiva e, conseqüentemente, para amudança. Desde que o mundo é mundo, estesimpérios não se puderam desenvolver senão em simesmos. Na idéia eles são os primeiros e, ao mesmotempo, são os imóveis" (Filosofia della storia, ed. LaNuova Italia, II, p. 14).A Filosofia da história de Hegel contribuiu parafixar, de modo quase que definitivo, a categoria doDespotismo oriental, havendo-lhe assim encerrado, senão esgotado, a série histórica. Em virtude da análisemarxista, que deslocou o centro de gravidade dapesquisa histórica das instituições políticas para aglobalidade das formas e das relações de produção, oproblema tradicional do Despotismo oriental cedeulugar ao problema, em torno do qual se acendeu umsecular debate ainda hoje atualíssimo, do modo deprodução asiático que, enquanto diverso dos modos deprodução que teriam caracterizado a história doOcidente (escravista, feudal, burguês), conserva dacategoria do Despotismo oriental a conotação deestaticidade e contribuiu para a permanência da idéiaeurocêntrica de um Oriente inerte e imóvel. Só nestesúltimos anos é que o tema do Despotismo oriental foiressuscitado pelo livro de Karl A. Wittfogel, OrientalDespotism (1957), uma obra de análise teórica e, aomesmo tempo, de debate político. O contraste entresociedades policêntricas, como as que se radicaram naEuropa, caracterizadas por uma forte tensão entre

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sociedade civil e aparelho estatal, e sociedadesmonocêntricas, caracterizadas pelo predomínio doEstado sobre a sociedade, como as formadas eestabelecidas nos grandes impérios orientais e, dequalquer modo, em sociedades extra-européias (comoalgumas das grandes civilizações americanas précolombianas),não seria só um conceito polêmico emuito menos um mito. É, segundo Wittfogel, umarealidade histórica que, embora identificada há séculos,jamais mereceu dos historiadores a devida atenção.Wittfogel retoma e desenvolve alguns temastradicionais: o caráter total, não controlado, e, por isso,absoluto do poder despótico; o terror comoinstrumento deDESVIACIONISMO 347domínio e, correlativamente, a sujeição total do súditoao soberano; a longa duração temporária; e,finalmente, a conexão entre Despotismo e teocracia. Ainovação de Wittfogel em relação à tradição está naexplicação do fenômeno: o potentíssimo aparelhoburocrático que constitui o nervo do Despotismosurge da necessidade que existe nos territórios dasgrandes planícies asiáticas de uma regulamentação dairrigação, ou seja, de uma regular e regulamentadadistribuição e canalização da água dos rios, ordenadasdo alto. Não se trata mais, como acontecia nosescritores clássicos, da natureza dos povos, nem, comonos modernos, da natureza do clima ou da religião: oEstado burocrático e despótico das sociedades queWittfogel chama "hidráulicas", tem a sua origem emrazões técnicas, ligadas, por sua vez, à natureza dosolo e à forma de produção. Como forma de Governo,o Despotismo caracteriza-se pelo monopólio daorganização burocrática que, criado por razõesobjetivas nas sociedades agrárias e aplicado ainda naépoca contemporânea às sociedades industriais,constitui a mais terrível ameaça para a liberdade dohomem.

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Ditadura.I. A DITADURA ROMANA E A CHAMADA "DITADURACONSTITUCIONAL". — A palavra Ditadura tem suaorigem na dictatura romana. O significado modernoda palavra é, porém, completamente diferente dainstituição que o termo designava na Romarepublicana.A Ditadura romana era um órgão extraordinário quepoderia ser ativado conforme processos e dentro delimites constitucionalmente definidos, para fazerfrente a uma situação de emergência. O ditador eranomeado por um ou por ambos os cônsules, emconseqüência de uma proposta do Senado, ao qualcabia julgar se a situação de perigo fazia realmentenecessário o recurso à Ditadura. O cônsul não podiaautonomear-se ditador, nem este último podia declararo estado de emergência. O fim para o qual se nomeavaum ditador era claramente definido e o ditador a eledeveria ater-se. Geralmente, tratava-se da condução deuma guerra (dictatura rei gerendae causa), ou dasolução de uma crise interna (dictatura seditionissedandae et rei gerendae causa). Os poderes doditador eram muito amplos: exercia o pleno comandomilitar; os cônsules eram a ele subordinados; seus atosnão eram submetidos à intercessio dos tribunos;gozava do jus edicendi e, durante o período no qualexercia o cargo, seus decretos tinham o valor de lei; e,finalmente, contra suas sentenças penais, o cidadãonão podia apelar.Assim mesmo, não eram poderes ilimitados. Oditador não podia revogar ou mudar a Constituição,declarar a guerra, impor novos ônus fiscais aoscidadãos romanos, assim como não tinha competênciana jurisdição civil. A Ditadura romana estavacircunscrita entre limites temporais muito rígidos. Nãopodia durar mais de seis meses e ainda menos no casoem que o magistrado, que tinha nomeado o ditador,deixasse o cargo porqualquer razão, ou ainda quando o ditador tivessechegado ao fim da incumbência para a qual foranomeado. Esta rigorosa restrição temporal era o cunhocaracterístico da instituição e tinha uma eficazrepercussão na conduta do ditador, o qual sabia que

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num breve prazo de tempo voltariam a vigorar todosos limites e todos os controles constitucionais.A instituição da Ditadura acima descrita é peculiarda República romana, para a qual constituía quase umanecessidade, considerando o grau muito marcante dedivisão e de limitação do poder que distinguia suafisionomia constitucional: pluralidade das assembléias,multiplicidade das magistraturas, sua organizaçãocomo um colegiado (com direito de veto), sua breveduração (ordinariamente um ano). Neste quadro,pode-se afirmar que, para a República romana, aDitadura era a maneira de suspender temporariamentea sua ordem constitucional a fim de preservar aintegridade e permanência.A Ditadura desenvolveu esta função durante doisou três séculos, do V ao III a.C, o que permitiu àRepública fazer frente, de maneira eficiente, às brevesguerras da primeira parte da sua história, assim comoàs várias desordens internas provocadas pela luta declasses. Mais tarde, quando as guerras se tornarammais longas e acirradas, a Ditadura começou a perdersua eficácia.No século III já estava em declínio, mesmo porquetinha sofrido ulteriores restrições e era ativada cadavez com mais freqüência, para obedecer a razões bemdiferentes da necessidade de superar uma grave crise.Apareceu novamente de modo esporádico duranteas Guerras Púnicas e desapareceu definitivamente como findar do século III. Seu nome, porém, voltou a serempregado e explorado durante as lutas civis doséculo I, na Ditadura de Sila (82 a.C.) e de César (48 a46), mas ressurgiu apenas no nome. A velhainstituição republicana era uma recordação do passado;e os Governos de Sila e de. César aproximam-se, narealidade, do significado que a palavra Ditadura temadquirido no nosso tempo.Segundo este uso, a que voltarei com mais detençãoem seguida, e que tende a reunir sob a etiqueta deDitadura, muitas vezes com intuito polêmico-prático,todos os regimes antidemocráticos ou nãodemocráticosmodernos, a Ditadura vem a ser algomuito diverso da Ditadura romana. O ponto decoincidência entre os dois fenômenos é a concentração

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e o caráter absoluto do poder. Mas a Ditaduramoderna não é autorizada por regras constitucionais:se instaura de fato ou, em todo o caso, subverte aordem política preexistente. A extensão do seu podernão estáDITADURA 369predeterminada pela Constituição: seu poder não sofrelimites jurídicos. E, embora algumas Ditadurasmodernas tendam ainda a se auto-apresentar como"temporárias", sua duração não está antecipadamentefixada: a sua permanência, como a de qualquer outroregime político, depende das vicissitudes da história.Em resumo, a Ditadura romana é um órgãoexcepcional e temporário, a Ditadura moderna umaforma de Governo normal e durável.Aproximam-se da Ditadura romana, nas suasfunções precípuas, medidas excepcionais previstas epromulgadas pelos muitos Estados constitucionaismodernos para superar um estado de emergência,interno ou externo, que não pode ser enfrentado demaneira adequada com instrumentos constitucionaisnormais. Este tipo de instituição envolve, geralmente,a concentração do poder num órgão constitucional doEstado (freqüentemente um órgão executivo), aextensão do poder além dos limites ordinários (porexemplo a suspensão dos direitos de liberdade doscidadãos) e a emancipação do poder dos freios e doscontroles normais.São estes os casos específicos da lei marcial e doestado de sítio, destinados a superar uma criserepentina e violenta e que comportam um acréscimoextraordinário dos poderes próprios do executivo.Também pode-se conferir ao executivo o poder delegislar em estado de emergência, como o previsto noArt. 48 da Constituição alemã de Weimar, ou osatribuídos aos próprios Governos pelos Parlamentosdos diversos países beligerantes durante a Primeira e aSegunda Guerra Mundial. Para designar os casosconcretos citados ou outros semelhantes, criou-se aexpressão Governo de crise. Foi também propostoassociar estas instituições à Ditadura romana,denominando-as conjuntamente com a etiqueta de"Ditadura constitucional" (ou limitada), e contrapondo

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a esta a "Ditadura inconstitucional" (ou ilimitada).Esta distinção, porém, desvia-se da realidade sobvários aspectos. Em primeiro lugar, porque asemelhança entre um moderno Governo de crise e aDitadura romana não pode ser levada muito longe.Ambos 05 tipos de instituição correspondem ànecessidade de fazer frente à situação de emergêncianum regime de separação mais ou menos avançado dopoder, mas existe uma considerável diferença. ADitadura romana é um órgão extraordinário (e por issofala-se de um ditador e de uma Ditadura). Porconseqüência, não somente o poder ditatorial, mas opróprio órgão que o compõe e seu ocupante saem doquadro político logo que se restabeleça a situação denormalidade.O moderno Governo de crise funda-se na atribuiçãode poderes extraordinários aos órgãosnormais do Estado; por isso é muito mais difícildesvencilhar a instauração, o exercício e o êxito de umGoverno de crise das perspectivas de luta pelo poderdas forças políticas militantes. Os efeitos destadiferença não podem ser estabelecidos de maneirageral, abstraindo-os dos contextos nos quais asinstituições operam.Pelo que nos mostra a história, pode-se relevar quea Ditadura romana viveu por alguns séculos sem pôrem perigo ou alterar significativamente a ordemconstitucional. Na Europa e na Américacontemporâneas, porém, os diversos tipos de Governode crise chegaram, muitas vezes, a provocar adestruição da ordem institucional e contribuíramseguidamente para alterar, de modo mais ou menospermanente, a distribuição do poder entre os órgãosconstitucionais do Estado.Em segundo lugar, a diferença entre "Ditaduraconstitucional" e "Ditadura inconstitucional" desvia-sede um outro ponto de vista que, para os nossos fins, éainda mais significativo. Os dois termos da distinçãonão são homogêneos. Vale aqui, com maior razão, oque já se disse à respeito da diversidade substancialentre Ditadura moderna e Ditadura romana. ADitadura moderna (chamada "Ditadurainconstitucional") é uma forma de Governo mais ou

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menos durável. A "Ditadura constitucional" designaprocedimentos excepcionais, que são simpleselementos secundários de uma forma de Governo (emgeral, a democracia liberal) que se caracteriza poroutros tipos de instituições inteiramente diferentes. Aprimeira Ditadura, se referida a um significadodescritivo, tem um lugar na classificação dos sistemaspolíticos; a segunda, na fenomenologia dos meiosextraordinários a que os regimes políticos recorrempara superar situações de grave crise. Deste modo, a"Ditadura constitucional" distingue-se da "Ditadurainconstitucional", não somente pela diversadenominação (constitucional e inconstitucional), mastambém, e sobretudo, porque o substantivo Ditaduradenota nos dois casos dois fenômenos diferentes. Nemvaleria objetar que uma e outra das instituiçõescompreendidas no conceito de "Ditaduraconstitucional" foram, às vezes, utilizadas paraintroduzir uma "Ditadura inconstitucional". O fato deque possa produzir-se um nexo de sucessão temporalou mesmo genética entre um e outro fenômeno não éargumento suficiente para afirmar que estes pertencemà mesma classe.II. DITADURA, DESPOTISMO, ABSOLUTISMO, TIRANIA,AUTOCRACIA, AUTORITARISMO. — Distingui econfrontei o uso romano e o uso moderno deDitadura. Aqui se poderia perguntar como é que foipossível ocorrer uma mudança tão370 DITADURAsubstancial de significado. E provável que o elo deligação entre os dois diversos significados tenha de serhistoricamente buscado na noção de "Ditadurarevolucionária", tal como foi utilizada para designar oGoverno revolucionário instaurado pela ConvençãoNacional francesa, a 10 de outubro de 1793, até àconsecução da paz, bem como a concepção do Governorevolucionário que, segundo as idéias de Babeuf eBuonarroti, deveria, suceder à explosão revolucionáriae anteceder o nascimento da Sociedade dos Iguais.Nesta espécie de Ditadura, que Maurice Hauriouchamou convencional e Carl Schmitt, soberana, opoder ditatorial não era autorizado pela Constituição,nem constitucionalmente limitado. Não era constituído,

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mas se impunha pelos fatos; a sua função não erasuperar uma crise parcial do regime vigente: era afunção constituinte de fundar um novo regime sobreas ruínas do precedente.Na "Ditadura revolucionária", portanto, o poderditatorial não é apenas um poder concentrado eabsoluto, tal como ocorre tanto na Ditadura romanacomo na moderna; ele, além disso, se instaura de fato enão suporta limites preestabelecidos, como só acontecena Ditadura moderna. Acrescente-se que a "Ditadurarevolucionária" prenuncia outra característica possívelda Ditadura moderna: o poder não estavanecessariamente nas mãos de um só homem (oditador), podia também estar nas mãos de um grupo(uma convenção, uma assembléia, um partidorevolucionário). É este o caminho que seguirá Marx,que chegará ao ponto de falar da Ditadura de umaclasse social; mas, assim, a noção de Ditadura perderáseu significado político específico (ver a este respeito aúltima seção deste artigo). O ponto em que a "Ditadurarevolucionária" parece ainda divergir da moderna eaproximar-se mais da romana é seu caráter temporário,sua limitação no tempo. Mas, em primeiro lugar, é denotar que tal caráter temporário não está maisgarantido ab externo pela Constituição, mas assenta navontade mutável do próprio grupo revolucionário: nestesentido, também há Ditaduras modernas que seautoproclamam inicialmente como temporárias, paradepois permanecer de forma mais ou menos duradoura.É de observar, em segundo lugar, que mesmo nasDitaduras modernas que não proclamam suatemporariedade existe um traço peculiar que, de algummodo, evoca um caráter temporário: a debilidade ouprecariedade das regras de sucessão no poder. Logotornarei a este assunto. O que distingue sobretudo, demodo claro, a Ditadura moderna da Ditadura romana,por um lado, e da "Ditadura revolucionária", por outro,é a sua diferente conotação de valor. A Ditaduraromana possui uma conotação tradicionalmentepositiva, como um órgão capaz de defender a ordemconstituída em face de crises de emergência mais oumenos graves; conotação positiva é também, pelomenos no início, a da "Ditadura revolucionária", como

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Governo ditatorial provisório que preparava ocaminho para a instauração de uma sociedade maisjusta (a Sociedade dos Iguais). A Ditadura modernatem, pelo contrário, uma conotação indubitavelmentenegativa. Designa a classe dos regimesantidemocráticos ou não-democráticos modernos.Como tal se contrapõe, como o termo negativo aotermo positivo de uma grande dicotomia, à democraciamoderna, por sua vez entendida como designação daclasse dos regimes liberal-democráticos.Neste sentido, a democracia liberal, como termopositivo da dicotomia, caracteriza-se pela divisão defato e de direito do poder e pela transmissão daautoridade política de baixo para cima; como termonegativo, a Ditadura se distingue, em contraposição,por uma acentuada concentração do poder e pelatransmissão da autoridade política de cima para baixo.É de notar, no entanto, que as característicasantidemocráticas, apontadas podem ser encontradastambém em regimes políticos habitualmente designadospor nomes diversos do de Ditadura. Por isso, paraesclarecer ulteriormente o uso moderno de Ditadura,parece indispensável uma análise das relaçõesexistentes entre Ditadura e outros termos, usados paradenominar, total ou parcialmente, os regimes nãodemocráticos.Dentre eles, os mais relevantes sãodespotismo, absolutismo, tirania,' autocracia eautoritarismo.De despotismo podemos falar em duas diferentesacepções. No primeiro sentido, o denominadodespotismo oriental remonta ao pensamento gregoclássico e designa um regime político marcadamentemonocrático, que seria típico da Ásia e também daÁfrica, mas que é substancialmente estranho à culturaocidental.No livro terceiro da Política, Aristóteles compara oGoverno despótico ao que o patrão (despotes) exercesobre o escravo e o classifica entre as formas deGoverno monárquico, como um tipo de monarquiaprópria de "muitos povos bárbaros", os quais têm, paraesta forma de Governo, uma predisposição natural.Mais tarde, o despotismo oriental, de um lado, foiatribuído, conforme Aristóteles, à índole dos povos

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asiáticos, considerados incapazes de autogovernar-se einclinados à obediência, enquanto, da outra parte,foram constantemente enfatizadas a arbitrariedade efreqüentemente a brutalidade que distinguem suamaneira de exercer o poder. Montesquieu, queretomou, dentro desta perspectiva, o conceito dedespotismo, o definiu como um Governo no qual "um,sozinho, sem leis nem freios, arrasta tudo eDITADURA 371todos ao sabor de sua vontade e de seus caprichos" eidentificou o seu "princípio", ou seja, a paixão que oimpulsiona, como medo, o qual "tem de abater todasas coragens e apagar o mais fraco sentido deambição".Tem sido observado também que este tipo deregime caracteriza-se pela sacralização do déspota, queaparece como um Deus ou como um descendente deum Deus ou ainda como um sumo-sacerdote.Na Europa, porém, foi adotado o segundo sentidonos séculos XVII e XVIII, para designar também asmonarquias do Ocidente. Neste caso, despotismoperde sua conotação derrogatória e indica qualquerregime de monarquia absolutista. Deste ponto devista, o despotismo não é nem bom nem mau,enquanto tal, mas se caracteriza conforme a maneirapela qual o monarca exerce o poder.Partindo das idéias de Francis Bacon, que no iníciodo século XVII propugnou um despotismo iluminadopara instaurar o Governo da ciência, o iluminismoconsiderou o despotismo um fato positivo, desde queeste se deixasse guiar pela razão. Os enciclopedistasfalaram então de despotisme éclairé e os fisiocratasfalaram de despotisme légale (v. DESPOTISMO).Na segunda acepção, despotismo é, praticamente,sinônimo de absolutismo, palavra com a qual sedefinem, principalmente, as monarquias absolutistasque se instauraram na Europa, entre os séculos XVI eXVIII, no contexto histórico da formação do Estadomoderno (v. ABSOLUTISMO). Na monarquia absoluta,cada poder (legislativo, executivo, judiciário)concentra-se formalmente nas mãos do soberano queestá livre de qualquer limitação jurídica, desvinculadodas leis (legibus solutus). Nenhuma ordem exterior,

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civil ou eclesiástica, interna ou internacional, ésuperior ao monarca absoluto, sobre o qual seconcentra a inteira responsabilidade do exercício docomando (mesmo quando o rei pode dividir talexercício com uma equipe de colaboradores).Por outro lado, o monarca absoluto não se identificacom a figura do déspota oriental que a tradição nosmostra. O estilo de comando dos monarcas absolutosnão é necessariamente brutal. Geralmente eles nãopoderiam abandonar-se aos excessos de arbítrio ecrueldade próprios dos déspotas do Oriente, porque asmonarquias absolutas, mesmo quando não eramlimitadas pela lei positiva, encontravam um freio nasconcepções morais predominantes (as chamadas "leinatural" e "lei divina") e, finalmente, encontravam suamoderação nos obstáculos de fato, que derivavam deuma estrutura da sociedade muito diferente da dassociedades asiáticas.O despotismo e o absolutismo são semelhantes àDitadura pela concentração e pelo caráter ilimitado dopoder, mas são substancialmente diferentes delaporque, tanto o absolutismo como o despotismo, sãomonarquias hereditárias e legítimas, enquanto aDitadura é uma monocracia (ou o Governo de umpequeno grupo) não hereditária e ilegítima, ou dotadade uma legitimidade precária.Na sua conotação histórica, absolutismo edespotismo ligam-se a uma sociedade de tipotradicional, na qual a participação política da grandemaioria da população é nula, sendo que a monarquia évista como a única forma possível de Governo, pois elatem suas raízes no passado e na origem ou no caráterdivino. Isto explica por que, com a RevoluçãoFrancesa, a imposição dos princípios republicanos e adecadência dos monárquicos, a noção de despotismoiluminado, defendida pela inteligência iluminística,desapareceu completamente do horizonte cultural epolítico da época.Sai da cena o despotismo e entra em cena aDitadura. Esta, ao contrário do absolutismo e dodespotismo, está ligada a uma sociedade em vias detransformação, com uma participação política ampliadaou incipiente, na qual foi imposto, ou já se encontra

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em ascensão, o princípio da soberania popular. Nestecontexto, o regime ditatorial não pode basear-se natradição ou na aceitação passiva de grande parte dapopulação.A Ditadura apresenta, preferivelmente, uma rupturada tradição. Instala-se utilizando a mobilização políticade uma grande parte da sociedade, ao mesmo tempoque subjuga com a violência uma outra parte. E nãopode garantir sua continuidade, de modo ordenado eregular, nem com o processo democrático, de que é anegação, nem com o princípio hereditário, quecontrasta com as condições políticas objetivas e comsua pretensão de representar os interesses do povo.Daí o caráter precário das regras de sucessão nopoder.Como substancialmente análoga à Ditadura modernapoderíamos citar a tirania grega. É bastante conhecidaa extraordinária pertinência, em relação à Ditaduramoderna, das observações de Platão e de Aristótelessobre a tirania. Tal como as Ditaduras modernas, astiranias gregas nasciam, geralmente, das crises e dadesagregação de uma democracia ou de um regimepolítico tradicional, no qual surgia a ampliação dointeresse e da participação política.Tal como o ditador moderno, o tirano não era ummonarca legítimo, mas sim o chefe de uma facçãopolítica, que impunha com a força o próprio poder atodos os outros partidos. Da mesma forma que osditadores modernos, os tiranos372 DITADURAexerciam um comando arbitrário e ilimitado,recorrendo amplamente a instrumentos coercitivos.Com o tempo, todavia, o conceito de tiraniatransformou-se, afastando-se em parte do seu sentidooriginário e dando maior ênfase à maneira cada vezmais exclusiva de exercer o poder.Desenvolvendo um tema já presente em Aristóteles,São Tomás distinguiu entre o tirano, que é tal porquenão tem título (absque titulo), o que é tirano pelomodo como exerce o comando (quoad exercitium) e,finalmente, o que o é pelas duas razões. Neste sentido,também um monarca hereditário pode ser tirano, casoexerça o poder de modo arbitrário e violento.

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O significado da palavra modificou-se ulteriormentenesta direção e, na linguagem política contemporânea,o uso mais comum da definição se apóia e concentrano modo do exercício do poder, deixando deconsiderar a presença ou ausência de um títulolegítimo. É claro que, na medida em que istoacontece, cada vez mais diminui a analogia dosignificado entre Ditadura e tirania.Diferentemente dos outros termos examinadosanteriormente, autocracia não tem uma precisaconotação histórica. Este termo não foi criado paraclassificar um tipo particular de sistema políticoconcreto (mesmo quando autocrata era chamadoespecialmente o czar da Rússia). Este é um termoabstrato que se usa com dois significados principais:um particular e outro geral. No significado particular emais pleno da palavra, autocracia denota um graumáximo de absolutismo na direção da personalizaçãodo poder.Uma autocracia é sempre um Governo absoluto, nosentido de que detém um poder ilimitado sobre ossúditos. Além disso, a autocracia permite que o chefedo Governo seja de fato independente, não somentedos seus súditos, mas também de outros governantesque lhe estejam rigorosamente submetidos. O chefe deum Governo absoluto é um autocrata sempre que suasdecisões não possam ser eficazmente freadas pelasforças intra-governativas. Sob este aspecto, o monarcaabsoluto pode ser um autocrata, mas pode também nãoser, quando divide o poder com alguns colaboradoresque tenham condições de limitar sua vontade.As Ditaduras são, por vezes, regimes autocráticos,que se concentram na figura de um chefe e podemlevar muito adiante a personalização do poder.Existem, porém, Ditaduras não-autocráticas, nas quaiso poder está nas mãos de um pequeno grupo dechefes, que dependem reciprocamente um do outro.Em seu significado geral, autocracia tem sidousada por alguns teóricos da política e do direito,nomeadamente por Hans Kelsen, FerdinandA. Hermens e Carl J.. Friedrich, como o termo maisapropriado para designar toda classe dos regimesantidemocráticos ou não-democráticos. Nesta acepção

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geral, porém, a palavra não obteve sucesso, nem nalinguagem ordinária, nem na linguagem técnica daciência política. Em todo caso, mesmo que tivessevingado, não poderia substituir Ditadura em seusentido moderno, já que a classe dos regimes políticosindicados por autocracia seria, de qualquer modo,mais vasta que aquela a que se refere a palavraDitadura. Segundo a acepção geral apontada, deveriam,com efeito, ser decerto compreendidas entre asautocracias todas as monarquias e despotismoshereditários do passado, que, ao invés, comodemonstrei antes, hão de ser excluídos do campo dosignificado de Ditadura.É análoga, pelo menos em parte, a consideraçãoque se deve fazer a respeito do "autoritarismo", umtermo que às vezes também tem sido usado paradesignar o conjunto global dos regimes contrapostosaos regimes democráticos. Neste sentido, o denotatumde autoritarismo é mais amplo que o do significadomoderno de Ditadura, uma vez que inclui também,como a referida acepção geral de autocracia, asmonarquias e despotismos hereditários das sociedadestradicionais. Por outro lado, quando usado comreferência exclusiva aos sistemas políticos modernos, osignificado de autoritarismo tende a restringir-se umpouco, tornando-se indubitavelmente menos abrangenteque o de Ditadura. No uso mais comum e eficaz, falasede autoritarismo, contrapondo-o a totalitarismo,para designar apenas uma subclasse dos regimes nãodemocráticosmodernos: os que possuem um graurelativamente moderado de mobilização política dasmassas e de penetração política da sociedade (v.AUTORITARISMO).III. CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DA DITADURA. —Do que afirmei até agora se depreende um significadobastante preciso da Ditadura moderna. Com a palavraDitadura, tende-se a designar toda classe dos regimesnão-democráticos especificamente modernos, isto é,dos regimes não-democráticos existentes nos paísesmodernos ou em vias de modernização (com que sepodem assemelhar também as tiranias gregas dosséculos VII e VI a.C. e alguns outros Governossurgidos na história do Ocidente). Temos, no entanto,

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de reconhecer que este significado de Ditadura,embora possua uma indubitável dimensão descritiva,tem sido freqüentemente usado com fins práticoideológicos,como alvo de valor negativo a contraporpolemicamente à democracia. É também por essarazão que, nos últimos anos, o uso de Ditadura emsentido moderno, corrente nos anosDITADURA 37350 e 60, tende a tornar-se mais raro; e não falta quemqueira restringir a palavra ao significado de órgãoexcepcional e temporário, próprio da sua origemromana.Não é esta certamente a ocasião de adentrarmosnuma questão que corre o risco de se transformar emmera questão de palavras. Bastará, antes de ir maisalém, deixar firmes estes dois pontos: 1) até hojeainda não se encontrou um termo mais adequado queo de Ditadura para designar, em seu conjunto, osregimes não-democráticos modernos; 2) em todo caso,o que vou dizer daqui para a frente sobre ascaracterísticas e tipologias das Ditaduras há deentender-se como uma série de proposiçõesrespeitantes, sobretudo, indubitavelmente, aos regimesnão-democráticos modernos.Tendo isso em vista, começarei por examinar ascaracterísticas fundamentais da Ditadura moderna,evidenciadas na discussão da relação da Ditadura como despotismo, o absolutismo, a tirania, a autocracia e oautoritarismo. São três, a meu parecer, essascaracterísticas: a concentração e o caráter ilimitado dopoder; as condições políticas ambientais, constituídaspela entrada de largos estratos da população napolítica e pelo princípio da soberania popular; aprecariedade das regras de sucessão no poder.Com referência à concentração do poder, limitamonosa lembrar que esta pode referir-se a uma únicapessoa ou a um pequeno grupo de pessoas. Sobre asdiferentes propriedades desses dois tipos de Ditaduravoltaremos a falar. Vamos nos deter brevemente nocaráter absoluto do poder ditatorial, pessoal ouoligárquico. O Governo ditatorial não é refreado pelalei, coloca-se acima dela e transforma em lei a própriavontade. Mesmo quando são mantidas ou introduzidas

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normas que resguardam nominalmente os direitos deliberdade, ou limitam de outra forma o poder doGoverno, estas normas jurídicas são apenas um véuexterior, com escassa ou nenhuma eficácia real, que oGoverno ditatorial pode ignorar com discrição mais oumenos absoluta, recorrendo a outras leis quecontradizem as primeiras ou que criam exceções,utilizando poderosos organismos políticos subtraídosao direito comum ou invocando diretamente pretensosprincípios superiores que guiam a ação do Governo eque prevalecem sobre qualquer lei. Este absolutismodo poder ditatorial torna caracteristicamenteimprevisível e irregular a conduta do ditador ou daelite ditatorial.Nas Ditaduras mais moderadas, podem apareceralguns limites concretos postos por grupos dirigentessubalternos que mantenham uma certa autonomia.Estes limites conferem algum grau deregularidade e de previsibilidade à conduta doGoverno. Mesmo neste caso não existe nenhumagarantia legal ou institucional que permita darvalidade permanente a esses limites. Em relação aosinstrumentos de controle coercitivos que empregam eao grau de sua penetração e arregimentação dasociedade, os regimes ditatoriais diferem notavelmenteum do outro. A respeito deste tema vamos nos remeterpara o exposto mais adiante, a propósito da análisedas tipologias das Ditaduras.Passemos agora ao segundo ponto: o fundo social epolítico da Ditadura. O ambiente mais típico dosregimes ditatoriais é o de uma sociedade abalada poruma profunda transformação econômica e social, a qualativa o interesse e a participação política de faixas cadavez maiores da população e faz emergir o princípio dasoberania popular. Não foi por acaso que os contextoshistóricos, nos quais o Governo ditatorial teve maiordifusão, foram o das cidades gregas dos séculos VIIVIa.C. e o da época contemporânea, a partir daRevolução Francesa. O primeiro período marca apassagem nas cidades gregas, da estrutura tradicionalda sociedade com base agrícola e oligárquica, a umaestrutura nova com base mercantil, e artesanal,igualitária e democrática.

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O segundo período é o do processo conseqüente àindustrialização, que destrói a velha sociedade agrícolae aristocrática, amplia as bases de mobilização social epolítica e faz ver imperiosamente no povo ofundamento principal da justificação do Governo(mesmo se o povo vier a transformar-se emproletariado, nação ou raça). Neste quadro e comreferência ao mundo contemporâneo, a Ditadura podesurgir, em primeiro lugar, numa sociedade com um altograu de modernização econômica e social e de intensamobilização política. Esta é então o resultado de umagrave crise do regime democrático, deteriorado porperturbações externas ou internas e suportandomovimentos anárquicos das divisões inconciliáveisentre os diversos partidos políticos. Conforme oambiente social no qual ela se instaura, esta Ditadura édurável somente quando adota uma política demobilização permanente da população.Em segundo lugar, a Ditadura pode surgir numasociedade com um grau moderado ou baixo demodernização econômico-social e de mobilizaçãopolítica. Neste caso, a Ditadura pode agir comoassistente do nascimento da democracia liberal ou poderefrear a modernização, para salvaguardar o que aindasobra da ordem tradicional, atuando através de umamobilização intensa somente na fase inicial ou nosperíodos de crise,374 DITADURAe limitando-a radicalmente quando já consolidada. Podeainda acentuar coercitivamente o processo deindustrialização, promovendo uma mobilização social epolítica permanente. Finalmente, a Ditadura podesurgir também numa sociedade não atingida pelamodernização, mas na qual os valores e os imperativosdo desenvolvimento econômico, social e político, quese irradiam dos centros-guias da história mundial,impelem uma pequena elite a impor do alto aindustrialização e o desenvolvimento. Neste caso, aDitadura procura introduzir uma intensa e durávelmobilização, apesar de defrontar-se, seguidamente,com limites muito persistentes na estrutura dasociedade tradicional.Terceiro ponto: o problema da legitimação do poder

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e, em particular, das regras da sucessão. Vista desteângulo, a Ditadura é caracterizada por uma contradiçãofundamental, visto que concentra o poder e transmiterigidamente a autoridade política do alto para baixo,numa situação na qual prevalece ou está se afirmandoo princípio da soberania popular, na qual a Ditaduradeve, de alguma maneira, apoiar-se para alimentar suapermanência no poder. As Ditaduras tendem sempre aapresentar-se como expressão legítima dos interesses edas necessidades do povo; daí o elemento cesarista quecaracteriza freqüentemente todas as Ditaduraspersonalistas. Partem também deste princípio todos osartifícios que as Ditaduras adotam para mostrar quedetêm a anuência do povo: desde os plebiscitos àsgrandes reuniões de massa em contato direto com ochefe e com seus representantes, até chegar àimposição capilar e coercitiva da aceitaçãoentusiástica do regime por toda a população.Assistimos então a uma espécie de democraciasubvertida, onde o povo é forçado a manifestar umacompleta adesão à orientação política do ditador, a fimde que este possa proclamar que sua ação apóia-se navontade popular. Todas estas técnicas, porém, nãoconferem à Ditadura a legitimidade democrática,porque não podem eliminar o fato crucial de que aautoridade política é transmitida do alto para baixo, enão vice-versa. Mesmo quando prescindimos de certasDitaduras de pura exploração, consideradasradicalmente ilegítimas, a legitimação popular dosGovernos ditatoriais parece sempre incerta e ambígua.É evidente a característica fraqueza da Ditadura frenteao problema da sucessão, quando, como afirmaGiovanni Sartori, "um absolutismo republicano nãopode — enquanto absolutismo — 'eleger' o novoditador, mas não pode tampouco 'herdar' por causa doprincípio republicano".Mais detalhadamente podemos dizer que acontradição existente entre o ambiente que exige alegitimidade popular e a estrutura do poder ditatorialque a nega impõe que sua invocação seja mediada porum fator de ligação. Este fator intermediário pode ser opróprio ditador que, com seus dotes extraordinários, éconsiderado capaz de representar diretamente a

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vontade do povo (legitimidade de tipo carismático)e/ou um partido político que se autoproclame e se façaaceitar, pelo menos por uma parte da sociedade, comovanguarda ou guia do povo (legitimidade fundada naideologia de partido).Mas o primeiro tipo de legitimidade éessencialmente pessoal e temporário, porque quandofalta o chefe carismático não existe nenhuma leiregular que possa transmitir a outros suas qualidadesexcepcionais. Isto explica as graves crises de sucessãoque se desencadeiam em tantas Ditaduras, com lutasinternas entre os membros da elite dominante queambicionam ocupar o lugar do velho ditador, e issoleva, muitas vezes, até à queda do próprio regimeditatorial.O segundo tipo de legitimidade que se apóia numpartido confere uma estabilidade muito maior àDitadura, porque a vanguarda e o guia do povo éformalmente o partido e o partido permanece, mesmocaso venha a faltar fisicamente o ditador. Todavia, atéesta forma de legitimidade não tem condições de darvida a um processo ordenado e reconhecido desucessão no poder. O partido torna-se base exclusivado recrutamento do novo chefe ou dos novos chefes,mas a forma de sua seleção não pode. serregulamentada de maneira aceitável, porque a funçãosuprema de guia ou de vanguarda se autoproclama e seauto-impõe e não vigora outro sistema para reconhecero homem ou os homens idôneos para desenvolvê-la,com exceção do sucesso e da prevalência do merofato. Assim sendo, o regime ditatorial torna-se maisestável porque o partido lhe fornece uma couraça dedefesa em relação ao exterior. Mostra-se, porém,descontínuo e irregular quando se apresenta o processode sucessão de um a outro ditador, ou de um a outrogrupo ditatorial.IV. TIPOLOGIAS. — Já têm sido propostas diversasclassificações de Ditadura com base em várioscritérios. As mais significativas apóiam-se na naturezado poder, no objetivo perseguido, nos caracteres daelite dominante, nas propriedades da ideologia e nabase social.Na natureza do poder, isto é, nos instrumentos de

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controle adotados pelas diversas Ditaduras ecorrelativamente no grau de sua penetração no tecidosocial se apóia a tipologia mais rica de conteúdo egeralmente mais utilizada. Trata-se da dicotomia de"Ditaduras autoritárias" e "Ditaduras totalitárias".Conforme a proposta de FranzDITADURA 375Neumann, trata-se da tripartição de Ditaduras"simples", "cesaristas" e "totalitárias". A "Ditaduraautoritária" (ou "simples") baseia-se nos meiostradicionais do poder coercitivo (exército, polícia,burocracia, magistratura), possuindo, por isso, escassacapacidade de propaganda e penetração direta nasinstituições e nos grupos sociais, conseguindo apenasreprimir a oposição aberta e contentando-se com umamassa apolítica e com uma classe dirigente disposta acolaborar.Temos os exemplos da Ditadura de Franco naEspanha, a de Salazar em Portugal e a dos coronéis naGrécia (v. AUTORITARISMO).A "Ditadura totalitária" emprega, além dos meioscoercitivos tradicionais, o instrumento peculiar dopartido único de massa, tendo assim condições decontrolar completamente a educação e os meios decomunicação e também as instituições econômicas.Além disso, pode exercer uma pressão propagandísticapermanente e penetrar em cada formação social, e aténa vida familiar dos cidadãos, suprimindo qualqueroposição e até as críticas mais leves, através deespeciais aparelhos políticos, de polícia e de terror,impondo assim a aceitação entusiástica do regime atoda população.Os exemplos clássicos são os da Alemanha nazista eos da Rússia do período stalinista (v. TOTALITARISMO,onde é discutido também o espinhoso problema daextensão do conceito). Entre estes dois tipos deDitadura, Neumann coloca as "Ditaduras cesaristas"que são, geralmente, Ditaduras pessoais, caracterizadaspelo fato do ditador ser ou sentir-se obrigado a formarum apoio popular para conquistar ou exercer o poder,ou mesmo para ambas as coisas. O elemento cesarista,que comporta um fascínio exercido pelo chefe sobre amassa, evidenciando assim um claro componente

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carismático, geralmente falta nas "ditaduras simples",mas está sempre presente nas "ditaduras totalitárias".As "Ditaduras cesaristas" se distinguem das"totalitárias" porque não possuem um partido único demassa, nem outros instrumentos de controle epenetração total da sociedade. São exemplos de"ditaduras cesaristas" não-totalitárias, segundoNeumann, as de Pisístrato, de Júlio César, de Cola diRienzo, de Cromwell e de Napoleão.Em relação ao fim, distingue-se entre "Ditadurasrevolucionárias" e "Ditaduras conservadoras" ou "deordem". As "Ditaduras revolucionárias" visam abaterou minar, de forma radical, a velha ordem políticosociale introduzir uma ordem nova ou renovada. As"ditaduras conservadoras" têm como finalidadedefender o status quo dos perigos de uma mudança.Por vezes se acrescenta, aindaa figura das "Ditaduras reacionárias", que dirigemseus objetivos para dar novamente vida a valores eformações sociais do passado, que se encontram emvia de extinção.Esta tipologia não é de fácil aplicação, seja porqueos propósitos proclamados publicamente podemcorresponder somente em parte às metas efetivas deuma Ditadura, seja porque uma mesma Ditadura podeapresentar — conjuntamente — tanto finalidadesprogressistas, quanto finalidades de tipo conservadorou reacionário.A segunda dificuldade pode ser superada, dentro decertos limites, introduzindo a ulterior categoria das"ditaduras mistas" (ou "termidorianas") que secaracterizam pelo equilíbrio dos objetivosrevolucionários e conservadores e que tendem a seinstaurar depois de uma revolução brutal edemasiadamente avançada com relação à formação daclasse dirigente (típica, neste sentido, é a Ditadura deNapoleão). Também a primeira dificuldade pode, emparte, ser superada se olharmos o real funcionamentodos regimes ditatoriais, as castas e as várias classessociais que as apóiam. Neste último sentido, Neumannafirma que as Ditaduras podem ser a expressão, ou declasses destinadas a desaparecer e que, portanto,procuram subverter a situação político-social vigente

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para assenhorar-se da velha superioridade (exemplo donazismo) e que podemos chamar de "Ditadurasreacionárias", ou de classes em declínio, que buscammanter a todo custo, suas posições (exemplo, aDitadura de Franco). Estas últimas podem serchamadas de "Ditaduras conservadoras". Temostambém as classes em ascensão, não reconhecidaspoliticamente, mas que buscam impor seus própriosinteresses. Estas podem ser chamadas "Ditadurasrevolucionárias".Neumann afirma também que as "Ditadurasrevolucionárias" têm vida muito breve, quando asclasses em ascensão possuem um alto grau deamadurecimento político (exemplo, a Ditadura deCromwell ou a de Robespierre), ou então setransformam em permanentes, quando as classes emascensão possuem um grau muito baixo deamadurecimento político (exemplo, a Ditadura deLenin).Segundo Duverger, que adota uma dicotomia de"Ditaduras revolucionárias" e "Ditadurasreacionárias", a maior parte das Ditaduras (tiranias)gregas dos séculos VII e VI foram de tipo"revolucionário", enquanto, tanto na Roma do século Ia.C, quanto na história do século XX, nos defrontamoscom uma concatenação dialética de "Ditadurasrevolucionárias" e "reacionárias". Sempre comreferência às suas metas finais, podemos falar em"Ditaduras pedagógicas", que têm como finalidadecriar as condições sócio-políticas376 DITADURApara a instauração da democracia (parece que foiassim a Ditadura de Pisístrato).Temos também as "Ditaduras de desenvolvimento",bastante parecidas com as "Ditaduras pedagógicas", setomarmos como protótico a Ditadura de Ataturk, naTurquia, principalmente dirigida a preparar umademocracia política, ou então consideravelmentediferentes, se por desenvolvimento entendermosprecipuamente o desenvolvimento econômico. Nesteúltimo sentido, as "Ditaduras de desenvolvimento" sejustificam, geralmente, com base na necessidade quedevem enfrentar as elites modernizantes de muitos

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países subdesenvolvidos de construir, de maneiracoercitiva, as premissas econômicas e políticas dodesenvolvimento, mesmo diante de uma situaçãoevidentemente hostil, seja pelas resistências de velhaselites feudais e tradicionais, seja pelo atraso da culturapolítica das massas.As figuras das "Ditaduras pedagógicas" e "dedesenvolvimento" são, sem dúvida, sugestivas, mastrazem graves problemas quando de sua aplicaçãoprática, pois sua natureza as impede de serindividualizadas, como as "Ditaduras revolucionárias"e "conservadoras", segundo os critérios usados para ascastas e classes sociais que as sustentam.Com referência aos caracteres da elite dominante,os critérios de classificação mais relevantes são o tipode origem ou de recrutamento do pessoal político decúpula e a distribuição interna do poder. Com base noprimeiro critério, distingue-se entre "Ditadurasmilitares" (especialmente típicas do continente latinoamericano,mas, atualmente, cada vez mais difundidastambém noutros lugares) e "Ditaduras políticas",conforme o pessoal de cúpula provenha ou sejarecrutado nas fileiras do exército, ou ainda pertença auma facção da classe política, geralmente um partidopolítico que se transforma em partido único após aconquista do poder.Com referência aos regimes ditatoriais já consolidadose que tenham chegado à segunda geração, fala-setambém de "Ditaduras burocráticas" ou "de aparelho",quando o recrutamento da elite se processa através dacooptação dos elementos no interior de umaorganização já burocratizada.Com base nesse critério, pode-se distinguir entre"Ditaduras pessoais" e "Ditaduras oligárquicas". Nas"Ditaduras pessoais", todo poder concentra-se nasmãos do ditador. Seus mais chegados colaboradoresprestam-lhe uma obediência absoluta, porque têm umafé cega no que acreditam ser seus dotes extraordináriose carismáticos; obedecem-lhe e/ou porque o temem,pois o ditador alimenta sistematicamente suassuspeitas e seu terror,acabando por colocar uns contra os outros, recorrendoàs mais duras sanções, e/ou porque usufruem grandes

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vantagens materiais e de prestígio em virtude de seuscargos ou da vizinhança com a fonte do poder.A personalização do poder é, às vezes, tãoacentuada que os próprios traços psicológicos doditador se tornam um componente significativo dofuncionamento do regime. Uma conseqüênciafreqüente disto é a incapacidade do sistema deperceber e elaborar convenientemente as retroações e,em geral, as mensagens provenientes do ambiente.A constante preocupação dos colaboradores emconservar os favores do ditador ou em evitar a suacólera e os efeitos desta tende a distorcer o fluxo dasinformações e das interpretações dos fatos nas direçõesmais favoráveis para eles, e que pareçam gratificantesconforme as preferências e expectativas do chefe.Como conseqüência, o ditador paira sempre numacaracterística atmosfera de irrealidade. Nas "Ditadurasoligárquicas", que podem ser regimes relativamentepermanentes (como a Ditadura soviética na sua fasepós-stalinista), ou formas de transição entre uma eoutra "Ditadura pessoal", o poder é entãocompartilhado pelo restrito número de pessoas quecompõe o organismo ou o grupo de cúpula do sistema(junta, comitê, diretório, tróica, etc). Neste caso, adistribuição do poder cria uma dialética de controle elimitação recíproca entre os chefes, que tira do regimeseu caráter de autocracia e, às vezes, tende também amitigar — mesmo sem prejudicá-lo em sua substância— o seu caráter absoluto.Para aumentar o próprio poder ou para não o verdiminuir, cada chefe pode ser induzido a juntar-secom esta ou aquela facção da classe dirigentesubordinada, transformando-se, dentro de certoslimites, no seu representante. Quanto mais essefenômeno se manifesta, tanto mais vai aparecendo umacerta corrente, mesmo que limitada, de pressões elimitações, que são exercidas de fora sobre o Governoditatorial.Falaremos agora do critério classificatório que dizrespeito à propriedade da ideologia. Uma primeiraforma de distinguir as Ditaduras sob este aspecto é ade considerar o grau de sua elaboração ideológica,conforme uma gama contínua, que vai de um grau

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mínimo a um grau máximo de elaboração. No limiteinferior, podemos colocar as "Ditaduras simples",caracterizadas por uma distância máxima entre regimee população, onde a elite dominante se mantém unidaprincipalmente pelos interesses de exploração. Comoexemplo, temos certas Ditaduras latino-americanas decaudilhos do século XIX e também do século XX,DITADURA 377tipicamente sem mitos. No limite superior,encontramos as "Ditaduras totalitárias", nas quais oesforço de mobilização da população e de seusrecursos é levado até o paroxismo, justificado eguiado pela ideologia, onde cada aspecto da vida e daatividade social obedece apenas aos imperativospolíticos fundamentais. Na faixa intermédia e numasucessão de crescente elaboração ideológica, podemoscolocar as "Ditaduras autoritário-conservadoras", as"cesaristas" e as "autoritário-modernizantes". Emgeral, as "Ditaduras revolucionárias apresentam umgrau de elaboração ideológica maior em relação às"conservadoras". As "Ditaduras militares" mostram umgrau menor em relação às "políticas".Estudando apenas os sistemas ditatoriaismonopartidários, nos quais a ideologia é quase semprea base de sua legitimidade, adquire relevo umatipologia proposta por Clement H. Moore, fundadanuma análise bem mais articulada dos caracteres daideologia. Este autor adota dois parâmetros: afinalidade oficial da ideologia, que distingue entretransformação total e transformação parcial dasociedade, e a função da ideologia, distinguindo entrefunção "instrumental", isto é, prática de umpersistente guia de ação (que torna a ideologiaacessível para a crítica racional), e a função"expressiva", isto é, sem efeitos diretos para a ação,mas que expressa um sentido de solidariedade e afirmaos sentimentos comuns dos membros do partido (o quetorna a ideologia inacessível para a crítica racional).Combinando os dois parâmetros entre si, Mooreobtém quatro tipos de ideologia: as ideologias"totalitárias" que são instrumentais e visam umatransformação total da sociedade; as ideologias"tutelares", instrumentais, que visam apenas uma

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transformação parcial; as "quiliásticas", expressivas evisando uma transformação total da sociedade; e,finalmente, as "administrativas", expressivas, tendocomo finalidade uma transformação parcial. Destesquatro tipos de ideologia, os três primeiros sãocaracterísticos dos regimes ditatoriais. Podemos,portanto, distinguir entre "Ditaduras monopartidáriasde ideologia totalitária", que adotam um grau máximode dinamismo transformador, apesar de sua clássicainstabilidade, que impõe o recurso ao expurgo e aoterror (exemplo: a Rússia stalinista, a China maoísta, aAlemanha nazista), e as "monopartidárias de ideologiatutelar", que alimentam um dinamismo transformadormais limitado, mais moderado e muito mais flexívelcom respeito ao dos outros sistemas totalitários (porexemplo, a Tunísia, a Iugoslávia e a Turquia deAtaturk).Temos também as "Ditaduras monopartidárias deideologia quiliástica", que são caracterizadaspor um dinamismo transformador bastante escasso,tendendo a depender, ao menos parcialmente de forçassociais e econômicas externas e a fazer diminuir aolongo do tempo, a importância do partido (exemplo: aItália fascista, o Gana de Nkrumah, Cuba e a Argéliade Ben Bella).Finalmente, com referência à base social dasDitaduras, Maurice Duverger distingue entre"Ditaduras sociológicas", que nascem de uma criseestrutural da sociedade, juntamente com uma crise delegitimidade do poder político, e correspondem àsnecessidades de uma grande maioria da população, e"Ditaduras técnicas", que têm origem numa criseapenas conjuntural, juntamente com um trauma dosentimento público, que aparentemente não prejudicasua legitimidade, e corresponde apenas àsnecessidades dos poucos que são seus protagonistas.As "Ditaduras sociológicas" são endógenas, nosentido de que em sua base existe uma situação queenvolve toda a sociedade, enquanto as "técnicas" sãoexógenas, no sentido de que em sua base estão fatoresexternos ou fatores internos, porém isolados dasociedade em seu todo.Esta tipologia foi severamente criticada,

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especialmente por Sartori, seja pela terminologia queadota, seja pela substância da distinção. Do ponto devista terminológico, a escolha de Duverger é deverasinfeliz. O objeto sociológico não indica uma qualidadeespecífica de um fenômeno social, mas sim uma dasmaneiras de estudá-lo. Neste sentido, todas asDitaduras são sociológicas. O adjetivo técnico nãoexpressa, absolutamente, a propriedade parasitária daDitadura que o termo deveria indicar. Do ponto devista substancial, a distinção, fundada como é nocritério fugidio da correspondência ou nãocorrespondência entre as Ditaduras e as necessidadesda população, parece bastante frágil e inspirada maisnuma escolha de valor do que num acerto de fato.Podemos ainda acrescentar que os exemplos de"Ditaduras técnicas", apresentados por Duverger, sãonotavelmente heterogêneos e não podem sequer sercomparados à estrutura do clássico regime ditatorial(as "Ditaduras pretorianas" da época romana, aocupação militar ou o domínio colonial estrangeiro, as"máquinas" políticas dominantes em algumas cidadesnorte-americanas entre os séculos XIX e XX).A tipologia de Duverger, todavia, tem ao menos omérito de indicar um setor de pesquisa muitopromissor e que até hoje foi escassamente sondado, oque focaliza a base social das Ditaduras. Pensamos queuma pesquisa precisa e sistemática da natureza e daconfiguração da classe dirigente e da classe dirigida edo relacionamento entre o Governo, classe dirigente eclasse dirigida,378 DITADURAque distinguem as várias Ditaduras, possa serrealmente preciosa, não somente para construção deuma tipologia pertinente, mas também peloesclarecimento de diversos pontos até hoje aindaobscuros e incertos da teoria geral dos regimes nãodemocráticosmodernos.Barrington Moore Jr. já demonstrou a fertilidadedesta aproximação, mesmo numa dimensão históricamuito geral, estudando as origens sociais dademocracia, das Ditaduras fascistas e comunistas.V. A DITADURA DO PROLETARIADO. — EmConexão com a base social dos regimes políticos,

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temos a noção marxista e leninista de "Ditadura doproletariado". Tendo seu lugar numa concepção queprivilegia, de modo radical, o aspecto econômicosocial,tal noção termina por designar alguma coisa quenão é um estado particular, ou seja, uma forma deregimento político, mas a relação implícita dehegemonia de uma classe social (o proletariado) sobreuma outra (a burguesia). Neste sentido, o significadode Ditadura, que é próprio da expressão "Ditadura doproletariado", torna-se secundário e anômalo emrelação àquele que foi tratado até agora. Essesignificado tem uma colocação legítima na história dasdoutrinas políticas, onde faz parte de uma teoriaparticular e de uma particular justificação do poder.Assim mesmo, não é utilizável empiricamente naclassificação dos regimes, porque não permiteindividualizar uma forma específica de ordenamentopolítico.Para Marx — que usou a expressão pela primeiravez na Luta de classe na França (1850) e a retomouespecialmente na Crítica do programa de Gotha(1875) —, a "Ditadura do proletariado" é aorganização do ato revolucionário do proletariado,correspondente à fase intermédia entre a destruição doEstado burguês e o surgimento da sociedade semclasses. Marx nunca especificou, e declarou que não sepodia especificar, a peculiar forma política que talDitadura deve assumir. De um lado, a "Ditadura doproletariado" comportava o desmantelamento doEstado burguês: a abolição da burocracia, da polícia edo exército permanente, como emerge de sua obrasobre a comuna de Paris. De outra parte, a "Ditadurado proletariado" comportava o exercício da violênciaarmada do proletariado por todo o período transitório,que deveria desembocar na completa extinção doEstado e na sociedade sem classes.O que é certo é que, para Marx, Ditadura é,literalmente, "Ditadura do proletariado" sobre aburguesia, seja qual for a modalidade política concretaque esta possa assumir. Na concepçãomarxista, o Estado é uma máquina para a opressão deuma classe por parte de outra. Como também afirmouEngels no Antidühring (1878), a "Ditadura do

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proletariado" é um semi-Estado ou quase-Estado, quese extingue quando vem a faltar o objeto da opressão,isto é, a classe dominada. Por esta razão, seu caráter deDitadura não figura num ordenamento políticoespecial, mas na relação de contraposição e deopressão entre uma classe dominante e uma classedominada.Com Lenin, o contexto teórico e prático no qual sesitua o conceito de "Ditadura do proletariado" mudasensivelmente. De um lado, existe uma precisaconscientização de que a transição entre capitalismo ecomunismo constitui uma fase inteira da história. Deoutro lado, a concepção do partido como "vanguardado proletariado" e a do "centralismo democrático" sãodestinadas a transformar, de fato, a "Ditadura doproletariado" em específica Ditadura política departido. Contudo, em Lenin, a expressão "Ditadura doproletariado" não define um particular regime político,mas uma relação subjacente entre as classes. Ditadura éum termo genérico que não pode servir para classificaros Estados, visto que os qualifica a todos.Em A revolução proletária e o renegado Kautsky(1918), Lenin argumenta difusamente sobre a tese deque todos os Estados são Ditaduras, essencialmentefundadas sobre a violência, enquanto expressões vivasda luta entre as classes contrapostas e inconciliáveis, ecorrespondentes à dominação e opressão de umaclasse sobre outra. Num parágrafo da obra Estado eRevolução, que ele acrescentou na segunda edição deoutubro de 1818, escreve com clareza: "As formas dosEstados burgueses são extraordinariamente variadas,mas sua substância é única: todos estes Estados são,de uma maneira ou de outra, em última análise,necessariamente uma "Ditadura da burguesia". Apassagem do capitalismo para o comunismo,naturalmente, não pode deixar de produzir uma enormeabundância e variedade de formas políticas, porém, asubstância será inevitavelmente uma só: a "Ditadurado proletariado".Mesmo obedecendo à concepção marxista, estesignificado do termo Ditadura não atinge o problemado tipo de regime político que o predomínio (aDitadura) de uma ou de outra classe pode assumir de

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fato e, por isso, não pode, tampouco, atingir apossibilidade de que o predomínio de classe assumauma forma política específica não-ditatorial. Esteponto foi particularmente esclarecido por NorbertoBobbio.Aceitando chamar de "Ditadura da burguesia"qualquer regime no qual a classe burguesa é a classedirigente e hegemônica, devemos admitirDOMINATO 379que esta Ditadura pode ser exercida de duas formasmuito diversas: com uma forma de Governo liberaldemocrático,e com uma forma de tipo antiliberal eantidemocrático, à qual somente a linguagem políticacomum reserva o termo específico de Ditadura.Alguma coisa parecida se poderia dizer da "Ditadurado proletariado". Surge então a questão terminológicase convém empregar o mesmo nome de Ditadura paradesignar dois fenômenos diferentes ou se não éoportuno substituir a palavra em um dos dois usos.Nesta segunda hipótese, Bobbio sugere empregar aexpressão usada por Gramsci de "hegemonia", paradesignar a primazia política de uma classe sobre outra.Aceitando, porém, a primeira, devemos distinguirentre uma Ditadura (hegemonia de classe) liberal(quanto ao seu regime político) e uma Ditaduraditatorial. De qualquer modo, mesmo quem aceitar atese marxista do Estado como instrumento de domíniode classe é obrigado a admitir que este domínio podeexpressar-se politicamente na forma de um Governoditatorial ou na de um Governo não-ditatorial.BIBLIOGRAFIA - N. BOBBIO. Democrazia e dittatura.in Política e cultura. Einaudi, Torino 1955; A. COBBAN.Dictatorship: Its history and theory. London e NewYork 1939; M. DUVERGER, La dittatura (1961),Comunità, Milano 1961; C. J. FRIEDRICH, La dittaturacostituzionale e il governo militare. c. XXVI deGoverno costituzionale e democrazia (I9502), NeriPozza, Venezia 1963; B. MOORE JR., Le origini socialidella dittatura e della democrazia (1965), Einaudi.Torino 1969; C. H. MOORE, The single party as asource of legitimacy, in Authoritarian politics inmodern society. ao cuidado de S. P HUNTINGTON e C.H. MOORE, Basic Books, New York 1970; F.

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NEUMANN, Note sulla teoria della dittatura, in Lo statodemocratico e lo stato autoritario (1957), Il Mulino,Bologna 1973; C. ROSSITER, Constitutional dictatorship.Princeton University Press. Princeton 1948; G. SARTORI,Appunti per una teoria generale della dittatura. inTheorie und Politik. Festschrift zum 70. Geburtstag fürC. J. Friedrich, ao cuidado de K. VON BEYME, Nijhoff,L'Aia 1971; C. SCHMITT, La dittatura (19282),Laterza, Bari 1975.[MARIO STOPPINO

FASCISMO

o.I. PROBLEMAS DE DEFINIÇÃO. — Na já vastíssimaliteratura referente ao Fascismo é normal depararmoscom definições diversas e freqüentementecontraditórias deste conceito. A multiplicidade dedefinições é demonstrativa não só pela realcomplexidade do objeto estudado, como também pelapluralidade de enfoques, cada um dos quais acentua,de preferência, um ou outro traço consideradoparticularmente significativo para a descrição ouexplicação do fenômeno.Preliminarmente podemos distinguir três usos ousignificados principais do termo. O primeiro fazreferência ao núcleo histórico original, constituído peloFascismo italiano em sua historicidade específica; osegundo está ligado à dimensão internacional que oFascismo alcançou, quando o nacional-socialismo seconsolidou na Alemanha com tais característicasideológicas, tais critérios organizativos e finalidadespolíticas, que levou os contemporâneos aestabelecerem uma analogia essencial entre o Fascismoitaliano e o que foi chamado de Fascismo alemão; oterceiro, enfim, estende o termo a todos osmovimentos ou regimes que compartilham com aqueleque foi definido como "Fascismo histórico", de umcerto núcleo de características ideológicas e/oucritérios de organização e/ou finalidades políticas.Nesta última acepção, o termo Fascismo assumiu

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contornos tão indefinidos, que se tornou difícil suautilização com propósitos científicos. Por isso, vem-seacentuando cada vez mais a tendência de restringir seuuso apenas ao Fascismo histórico, cuja história sedesenrola na Europa entre os anos 1919 e 1945 e queestá essencial e especificamente representado noFascismo italiano e no nacional-socialismo alemão.Em geral, se entende por Fascismo um sistemaautoritário de dominação que é caracterizado: pelamonopolização da representação política por parte deum partido único de massa, hierarquicamenteorganizado; por uma ideologia fundada no culto dochefe, na exaltação da coletividade nacional, nodesprezo dos valores do individualismo liberal e noideal da colaboração de classes, em oposição frontal aosocialismo e ao comunismo, dentro de um sistema detipo corporativo; por objetivos de expansãoimperialista, a alcançar em nome da luta das naçõespobres contra as potências plutocráticas; pelamobilização das massas e pelo seu enquadramento emorganizações tendentes a uma socialização políticaplanificada, funcional ao regime; pelo aniquilamentodas oposições, mediante o uso da violência e do terror;por um aparelho de propaganda baseado no controledas informações e dos meios de comunicação demassa; por um crescente dirigismo estatal no âmbitode uma economia que continua a ser,fundamentalmente, de tipo privado; pela tentativa deintegrar nas estruturas de controle do partido ou doEstado, de acordo com uma lógica totalitária, atotalidade das relações econômicas, sociais, políticas eculturais.II. "TEORIAS" SOBRE O FASCISMO. — Como todoevento histórico de relevância, o Fascismo despertou,desde a sua origem, um interesse que, excedendo ascontingências da luta política, abrangia uma série detemas que eram fundamentais para a compreensão dasociedade contemporânea. Esse interesse foi a base deuma importante reflexão teórica sobre as causas epossíveis conseqüências dos regimes fascistas,articulada numa série de hipóteses interpretativas que,com o tempo, se foram aperfeiçoando e enriquecendo,quer devido à acumulação de material empírico, quer

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devido à adoção de novos quadros teóricos dereferência. É a esta série de hipóteses interpretativas,mais ou menos sistematicamente correlacionadas, maisou menos empiricamente comprovadas, que se aludegeralmente ao falar de "teorias" sobre o Fascismo. E éneste sentido, bastante amplo, que usamos do termoneste contexto.Há diversos critérios de classificação das teoriasrelativas ao Fascismo: o cronológico, o políticoideológico,o disciplinar e o sistemático — só paracitar os mais usados — que podem ser diversamentecombinados entre si, dando origem a tipologias maisou menos complexas. A subdivisão aqui utilizadapossui caráter introdutório e tem por objetivo chamara atenção para as principais abordagens analíticas dofenômeno,FASCISMO 467desenvolvidas por estudiosos de várias tendências, apartir da década de 20.Usando a terminologia empregada por E. Noite noseu famoso ensaio Theorien über den Faschismus,hoje já introduzida no léxico comum dos estudossobre o assunto, as teorias sobre o Fascismo podemser divididas em duas grandes categorias: em teoriassingularizantes e teorias generalizantes.Pertencem à primeira categoria as teorias que, paraexplicar a origem e sucesso dos movimentos e dosregimes fascistas, recorrem a fatores estreitamenteligados às particularidades de uma determinadarealidade nacional e rejeitam toda a tentativa degeneralização de um contexto histórico específico aoutro. Segundo os defensores deste tipo deabordagem, as analogias verificáveis entre osmovimentos e regimes comumente definidos comofascistas são de caráter formal, ao passo que asdiferenças entre uma situação e outra são de tal modorelevantes que só admitem um discursocientificamente fundado em cada um dos Fascismos.Conseqüentemente, o termo Fascismo se aplicacorretamente ao movimento político que se impôs naItália nos anos imediatamente posteriores à PrimeiraGuerra Mundial, e ao tipo de regime por eleinstaurado após a tomada do poder; a outros

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movimentos ou regimes a eles variamente assimiláveis,de acordo com os esquemas analíticos utilizados, sóimpropriamente se pode aplicar o termo de Fascismo.Pertencem à segunda categoria as teorias queconsideram o Fascismo como um fenômenosupranacional que apresentou, nas diversas formas deque historicamente se revestiu, característicasessencialmente análogas, resumíveis num conjunto defatores homogêneos. Conforme os fatoresconsiderados, assim são as definições e o campo deaplicação do conceito. As teorias generalizantespodem, por sua vez, subdividir-se em duassubcategorias, respectivamente definíveis comointrapolíticas e transpolíticas. As primeiras referem-sea fatores histórico-políticos determinados,historicamente individualizáveis; as segundas, afatores a-históricos, inerentes à natureza humana, aocaráter repressivo da cultura, às característicasimanentes à luta política e por aí além.A propensão para as teorias singularizantes ougeneralizantes não pode ser atribuída, como muitasvezes acontece, à diversa orientação dos historiadores,por um lado, e à dos cientistas sociais, por outro. Narealidade, não faltam correntes historiográficas que,embora com a necessária articulação da pesquisa nosdiversos níveis de cada uma das realidades nacionais,não só não Contradizem, como incluem até o recursoa umateoria generalizante — pensemos, por exemplo, nahistoriografia marxista — e análises sociológicas queaceitam como principal fator explicativo dosurgimento dos regimes fascistas a configuraçãoespecífica das relações entre os sistemas social,político e cultural de um determinado país. Apreferência por esta ou por aquela orientação parecedeterminada, antes de tudo, pela espécie de fatoresque se julgam importantes para a descrição ouexplicação do fenômeno e pelo nível da análiseescolhida.Este último aspecto há de ser levado em conta,porque, como observou Gino Germani, a não distinçãodos diferentes níveis de análise do fenômeno fascistatem dado origem a contrastes interpretativos mais

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aparentes que reais, já que baseados na contraposiçãode resultados válidos a diversos níveis degeneralização. Na realidade, o Fascismo, como eventohistórico concreto, engloba-se numa fenomenologiamais ampla, a do autoritarismo na sociedade moderna,apresentando-se como resultado de uma série assazcomplexa de concatenações causais, umas remotas,outras mais próximas, investigadas em suas interrelaçõesespecíficas. O problema principal para aconstrução de uma teoria do Fascismo está, pois, emidentificar um nível de observação que permita colhera sua especificidade, sem renunciar àquelas conexõesde caráter geral que fazem do Fascismo um fenômenoque mergulha suas raízes em alguns traços típicos damoderna sociedade industrial.III. A ABORDAGEM SINGULARIZANTE. — A tendência aanalisar o Fascismo como um produto particularmentecaracterístico da sociedade italiana e da sua história écontemporânea ao próprio nascimento do Fascismo.Conquanto mino ritária no panorama global dosestudos sobre o tema, ela sustentou uma notávelcorrente da historiografia italiana e estrangeira,havendo recebido novo impulso em anos recentes,devido inclusive à influência de pesquisas como a deG. Mosse sobre As origens culturais do Terceiro Reichque, reavaliando a importância do componentenacional na compreensão de aspectos fundamentais doregime nazista, principalmente o do consenso, reativoua discussão acerca do peso relativo das diferenças eanalogias existentes, em primeiro lugar, entre ofascismo e o nacional-socialismo e, depois, entre estese os demais regimes autoritários que assinalaram arecente história contemporânea.As primeiras hipóteses de explicação do Fascismo,com base em fatores internos típicos da situaçãoitaliana, foram aventadas, naturalmente, nos anos 20,em concomitância com a468 FASCISMOconsolidação do movimento fascista, com a tomada dopoder por Mussolini e com a progressiva transformaçãodo Estado liberal em Estado de característicastotalitárias. Poucos souberam então ver no Fascismo aantecipação de uma crise mais geral que

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revolucionaria a Europa e, com a catástrofe daSegunda Guerra Mundial, viria a produzir profundasmudanças na organização interna de cada um dosEstados nacionais e na ordem internacional.As causas imediatas da vitória do Fascismo foramgeralmente procuradas no clima de forte instabilidadesocial, política e econômica, criado na Itália nosprimeiros anos posteriores à Primeira Grande GuerraMundial. Mas, ao tentarem explicar a vulnerabilidadee ruína das instituições liberais, alguns estudiosos seinterrogaram sobre o passado da história nacional,chegando a descobrir no processo de formação doEstado unitário aquela debilidade intrínseca dasestruturas que o Fascismo havia de pôr a nu. Foi assimque nasceu a bem conhecida tese do Fascismo como"revelação", subscrita por homens assaz diversoscomo G. Fortunato, C. Rosselli, P. Gobetti, G.Salvemini e outros. O atraso do país, a falta de umaautêntica revolução liberal, a incapacidade emesquinhez das classes dirigentes, unidas à arrogânciade uma pequena burguesia parasitária com a doença daretórica, a prática do transformismo, que haviaimpedido a evolução do sistema político num sentidomoderno, foram o terreno de cultivo do Fascismo, queassim se situava numa linha de continuidade, muitomais que de ruptura, em relação ao sistema liberal.Daí o juízo fundamentalmente redutivo do Fascismo edas suas potencialidades expansivas, só cultiváveis apartir do reconhecimento dos elementos de novidadenele presentes, quer nas técnicas de gestão do poder,quer no modo de organização do corpo social, e, deforma mais genérica, na configuração das relaçõesentre Estado e sociedade civil. Por outras palavras, oque faltava aos defensores da tese do Fascismo comorevelação era uma adequada percepção da natureza dacrise que atingira o sistema liberal, e não só na Itália,no período compreendido entre as duas guerrasmundiais, e do tipo de solução dada pelo Fascismo aesta crise.A afirmação do caráter tipicamente italiano doFascismo, subscrita também, entre outros, porautorizados teóricos fascistas, que reivindicavam serele o coroamento do processo de unificação nacional

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iniciado com o Ressurgimento, foi questionada com osurgir de movimentos fascistas em vários países daEuropa, mormente com a subida ao poder donacional-socialismo na Alemanha. A partir dos anos30, predominaram asinterpretações tendentes a acentuar o carátersupranacional do Fascismo, que haviam de orientar amaior parte da pesquisa e alimentar o debate teóricomesmo depois da Segunda Guerra Mundial.Em contradição com essa interpretação, foi-seesboçando nos últimos dez anos uma correntehistoriográfica que visa reduzir o âmbito de aplicaçãodo conceito de Fascismo apenas ao contexto italiano.Demonstrando a justa necessidade de se evitar asgeneralizações arbitrárias, mas expressando, aomesmo tempo, uma orientação metodológica dedesconfiança com relação ao uso de conceitos gerais nainvestigação histórica e de descrença nos modelosteóricos próprios das ciências sociais, essa corrente —que tem na Itália seu maior expoente em Renzo DeFelice — originou uma série de pesquisas sobre oFascismo, como movimento e como regime, com oobjetivo, podíamos dizer, de compreender o fenômenodesde dentro (daí a utilização de fontespredominantemente fascistas) e de reconstruir ahistória, superando esquemas interpretativospreconstituídos. O resultado de tais pesquisas foi o delevar a uma reavaliação das diferenças existentes entreos diversos "Fascismos" e o de pôr em questão autilidade de um modelo unitário.Os argumentos aduzidos para apoiar esta novaversão da especificidade do Fascismo italiano sãoradicalmente diferentes dos que caracterizaram asprimeiras análises dos estudiosos a elecontemporâneos. Estes baseavam o tema daespecificidade num conjunto de variáveis estruturais,típicas da sociedade italiana, cuja permanência eraaceita como principal fator explicativo do regimefascista, e ressaltavam a relação de continuidade com osistema liberal que depois foi aceita como própria, demodo não fortuito, por grande parte da historiografiamarxista ou próxima do marxismo.É uma perspectiva inteiramente diferente aquela em

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que se colocam as pesquisas atrás mencionadas. Ocentro da análise é o Fascismo em sua dimensãopolítico-ideológica e a tese da especificidade é baseada,em primeira instância, justamente nas diferençasideológicas e projetivas do Fascismo italiano comrelação ao nazismo. Não se nega a existência de umdenominador comum entre os dois fenômenos e, porconseguinte, a possibilidade de os englobar no mesmoconceito de Fascismo; mas esse denominador servemais para estabelecer limites em relação ao exterior,isto é, em relação a outros regimes de tipo autoritário,do que para lhe explicar a natureza, os objetivosfundamentais e a função histórica. Estes, ao contrário,tornam-se divergentes, quando se contrapõe oradicalismo de esquerda e oFASCISMO 469caráter revolucionário do movimento fascista italianoao radicalismo de direita, essencialmente reacionário,do nazismo.O problema da relação com o sistema social epolítico preexistente também se fundamenta em basesdiversas e se articula levada em conta a diferenciaçãoentre Fascismo como movimento e Fascismo comoregime. Como expressão das aspirações da classemédia emergente, ou de uma parte consistente dela, aum papel político autônomo, tanto em confronto com aburguesia como com o proletariado, o Fascismo comomovimento teria representado um momento de rupturaa respeito do passado, uma proposta de modernizaçãodas estruturas da sociedade italiana, com certa cargarevolucionária. Ao invés, o Fascismo como regime,como resultado de um compromisso entre a alamoderada do movimento e as velhas classesdirigentes, teria assinalado a freagem do impulsoeversivo original do movimento e o predomínio dasrelações tradicionais de poder entre as classes, masnunca um momento de mera e simples reação. Adelegação da gestão do poder político ao Fascismo porparte da burguesia marcou, de fato, o início de umprocesso de substituição da elite dirigente que, se nãohouvesse sido interrompido com a queda do regime emconseqüência das vicissitudes da guerra, teria podidodesafiar os centros do poder real, até então controlados

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pelas velhas classes dominantes.A reafirmação da "unicidade'' do Fascismo italianoe da necessidade de ressaltar, para uma melhorcompreensão histórica, os elementos de diferenciaçãodos regimes definidos como fascistas porinterpretações já consolidadas, tem suscitado nãopoucas discussões. Esta polêmica tem por alvo nãotanto a validade de cada uma das proposições —nenhuma delas em si totalmente nova — quanto umaquestão fundamental, que é ao mesmo tempo a dométodo e a do conteúdo; o que se questiona é se élegítimo aceitar como principal critério discriminantea dimensão ideológico-cultural, se com isso se corre orisco de apresentar, como diversos, fenômenos quesão essencialmente da mesma natureza.IV. A ABORDAGEM GENERALIZANTE. —Que o Fascismo italiano e o nacional-socialismoalemão, malgrado as diferenças devidas àsparticularidades das respectivas histórias nacionais,hajam de ser considerados como especificações de ummodelo de dominação essencialmente único, é coisaque tem sido sustentada pela maior parte dosestudiosos contemporâneos, independentemente dassuas posições ideológicas e políticas. É a eles que sedeve a elaboração de alguns esquemas interpretativosque muito têm contribuído para aorientação dos trabalhos dos historiadores e cientistassociais da geração seguinte. As hipóteses explicativasque estes esquemas sugerem são diversas, quando nãoclaramente alternativas, dependendo, em váriasmedidas, do tipo de fatores preferidos, do nível deanálise em que se situam e da diversidade deparadigmas a que se referem. O que lhes é comum é oesforço por compreender as raízes do Fascismo e, deum modo mais geral, dos fenômenos autoritáriosevidenciados pela sociedade moderna, num conjuntode variáveis que transcendem os limites de cada umadas realidades nacionais.Pelo peso diverso que exercem no panorama globaldos estudos sobre o Fascismo e pela contribuição quetrouxeram ao conhecimento deste fenômeno em suadimensão histórica concreta, evocaremos aqui asinterpretações que, embora em diferente medida,

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permitem traduzir as hipóteses genéricas nelascontidas em assunto de pesquisa susceptível deverificação empírica. Não consideraremos, porém, ascontribuições que, situando-se no terreno filosófico ouda filosofia da história, constituem um capítuloimportante da história das idéias do nosso século, masfogem a toda a possibilidade de controle exercidomediante o recurso a categorias historicamentedeterminadas.a) O Fascismo como uma ditadura aberta daburguesia. — Entre os primeiros que captaram adimensão internacional do Fascismo e as suaspotencialidades expansivas, estão os expoentes domovimento operário em suas diversas articulações. Oelemento unificador das várias formas de reação naEuropa, no período que medeia entre as duas guerrasmundiais, está na análise das contradições dasociedade capitalista e das modificações por elaintroduzidas na dinâmica das relações e conflitos entreas classes, na fase histórica iniciada com a PrimeiraGuerra Mundial.Dentro desta interpretação, é conveniente distinguira formulação "clássica" — resumível nas teseselaboradas pela Terceira Internacional comunista apartir de meados dos anos 30 — dos seus ulterioresdesenvolvimentos, que reassumem temas e idéias jápresentes no debate iniciado pelos componentes domarxismo europeu desde a tomada do poder peloFascismo na Itália, reelaborando-os em função de umaanálise menos esquemática das relações entre estruturae supra-estrutura, entre esfera econômica e esferapolítica.Na primeira formulação, as origens do Fascismocomo fenômeno internacional são relacionadas com acrise histórica do capitalismo em seu estádio final, odo imperialismo, e com a necessidade que a burguesiatem, em face do470 FASCISMOagravamento das crises econômicas e da exacerbaçãodo conflito de classes, de manter o seu domínio,intensificando a exploração das classes subalternas e,em primeiro lugar, da classe operária. O imperialismoenvolve a tendência a transformar em sentido

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reacionário as instituições da burguesia, e o Fascismoé a expressão mais coerente dessa tendência. Eleconstitui uma das formas do Estado capitalista,precisamente a caracterizada pela ditadura aberta daburguesia, exercida já sem a mediação das instituiçõesda democracia parlamentar. A Itália e a Alemanha,como elos mais fracos da cadeia imperialista, foram asprimeiras a experimentar esta forma de dominação,mas essa mesma ameaça impende sobre os demaisEstados capitalistas.São dois os elementos centrais deste tipo deanálise: a concepção instrumental dos partidos e dosregimes fascistas, considerados como expressão diretados interesses do grande capital, e a sua funçãoessencialmente contra-revolucionária no duplo sentidode ataque frontal contra as organizações doproletariado e de esforço por frear o curso dodesenvolvimento histórico. Em conseqüência, é dadopouco relevo ao fato, qualitativamente novo emrelação às formas precedentes de reação, de que afascista operasse mediante um partido de massa debase predominantemente pequeno-burguesa, emboracomunistas italianos e alemães, como P. Togliatti ouClara Zetkui, já houvessem chamado a atenção paraisso. Além disso, eram categoricamente rejeitadas, sobpretexto de ignorarem a definição do Fascismo comoditadura da burguesia, as análises que em váriossetores do movimento operário vinham sendo feitas doFascismo como forma de "bonapartismo", isto é, comoregime caracterizado pela cessão temporária do poderpolítico a uma terceira torça e por uma relativaautonomia do executivo em relação às classesdominantes, tornadas possíveis graças a uma situaçãode equilíbrio entre as principais forças de classe emação.A teoria do Fascismo como ditadura da burguesiaconstitui ainda hoje a chave interpretativapredominante nos estudos que têm como modelo dereferência o marxismo e a sua concepção da mudançahistórica. Com o tempo, porém, ela passou por umacerta revisão que tornou mais problemáticos algunsnexos, particularmente os existentes entre burguesia eFascismo, entre movimentos e regimes fascistas, entre

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capitalismo, democracia e Fascismo. Esta revisão é oresultado de uma reflexão teórica que teve efeitosimportantes em vários sentidos. O primeiro deles foi aatenuação do economicismo presente nas primeirasformulações e o reconhecimento de uma relativaautonomia da esfera política com relaçãoà esfera da economia. Isso trouxe consigo uma maisaprofundada análise das crises de onde emergiram osregimes fascistas; uma articulação mais complexa darelação entre Fascismo e classes sociais; umaconsideração mais atenta dos aspectos institucionaisdos regimes fascista», da lógica do seufuncionamento, das bases da sua legitimação. Masnão modificou a concepção do Fascismo como formaparticular de ditadura da burguesia, embora esta fosseatenuada pelo reconhecimento da autonomia relativados Estados fascistas em face do grande capital, noâmbito de uma convergência comum para objetivosimperialistas.b) O Fascismo como totalitarismo. — É totalmenteoutra a perspectiva em que se situa a análise doFascismo como totalitarismo, cuja contribuiçãoprincipal foi a de ter sabido captar a novidade querepresenta o aparecimento dos regimes fascistas nacena política e a de ter chamado a atenção para asdiferenças qualitativas existentes entre as formastradicionais de autoritarismo e as modernas.O quadro de referência é constituído, direta ouindiretamente, pelas teorias da sociedade de massa; àdinâmica das relações entre as classes sucede, comoprincipal fator explicativo do surgimento dosfenômenos do autoritarismo moderno, a dinâmica dasrelações entre as massas e as elites num contextocaracterizado pela decomposição do tecido socialtradicional, pelo desabe dos sistemas de valorescomuns, pela atomização e massificação dosindivíduos, e por uma crescente burocratização.O aspecto central desta teoria, e ao mesmo tempo omais criticado, é a subsunção sob uma mesmacategoria, a do Estado totalitário, dos regimes fascistase comunistas, com base em analogias existentes naestrutura e técnicas de gestão do poder político. São.com efeito, estas analogias — verificáveis

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independentemente dos fins declarados que se tem emvista dos precedentes históricos e do conteúdo dasrespectivas ideologias — que os teóricos dototalitarismo privilegiam no plano descritivo eadmitem como problema principal no planoexplicativo.Os elementos que definem o Estado totalitário são,em termos típico-ideais, conforme a formulação deFriedrich e Brzezinski: uma ideologia oficial tendentea cobrir todo o âmbito da existência humana e à qualse supõe aderirem todos, pelo menos passivamente;um partido de massa único, tipicamente conduzidopor um só homem; um sistema de controle policialbaseado no terror; o monopólio quase completo dosmeios de comunicação de massa; o monopólio quasecompleto do aparelho bélico; e, enfim, o controleFASCISMO 471centralizado da economia. O alvo é o de conseguir ocontrole total de toda a organização social, a serviçode um movimento ideologicamente caracterizado.As condições essenciais para a sua aparição são umregime de democracia de massa e o poder dispor deum aparelho tecnológico como o que só a modernasociedade industrial pode oferecer. O Estadototalitário se apresenta, portanto, como uma forma dedomínio inteiramente nova, não só com respeito aossistemas de democracia liberal, mas também àsformas anteriores de ditadura e autocracia, uma vezque no passado não existiam os pressupostos para a suarealização. Possui, além disso, um caráter eversivo comrelação ao sistema social preexistente, na medida emque lhe modifica radicalmente a estrutura, que sebaseava na existência de uma pluralidade de grupos ede organizações autônomas.As razões do sucesso dos regimes totalitários sãogeralmente postas no declínio do sistema liberalburguês e, especialmente, na dissolução do sistemaclassista, que é ao mesmo tempo causa e condição dasua sobrevivência. Mas o que mais interessa aosdefensores da teoria clássica do totalitarismo são osmecanismos de funcionamento do Estado totalitário noâmbito de uma morfologia mais geral dos sistemaspolíticos. Numa tal perspectiva, as diferenças

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existentes entre os regimes fascistas e comunistas, bemcomo as verificáveis no interior de cada um deles,conquanto não negadas, perdem importância: uns eoutros, na medida em que apresentam essa particularcombinação de elementos que definem o Estadototalitário, pertencem à mesma classe de fenômenos eexpressam a feição que assume o autoritarismo nasociedade moderna.A teoria clássica do totalitarismo tem estado sujeitaa numerosas críticas que têm por alvo uma dupla sériede problemas. O primeiro diz respeito ao campoespecífico da análise dos regimes fascistas. Sob esteponto de vista, parece boje dificilmente sustentável ahipótese de que a origem e sucesso dos movimentosfascistas estariam relacionados com o conjunto defenômenos compreendidos no conceito de "sociedadede massa". Pesquisas recentes demonstraram que, nospaíses onde o Fascismo se consolidou, o sistema deestratificação era muito mais rígido, o peso dasestruturas tradicionais muito mais forte e o grau de"atomização" — no sentido de falta de estruturasassociativas intermediárias — muito menor que emoutros onde o Fascismo jamais se ofereceu comoalternativa concreta. A tentativa de explicar o processode introdução do Fascismo com base na dinâmica dasrelações entre massas privadas de uma claraconotação declasse também contradiz um dado empírico já seguro,ou seja, a base constituída de massaspredominantemente pequeno-burguesas dosmovimentos fascistas e sua coligação com amplossetores da burguesia agrária e industrial, antes edepois da tomada do poder. Finalmente, esta teorianão consegue fornecer uma explicação aceitável sobreo problema da função histórica dos regimes fascistas,oscilando entre uma resposta de tipo não racional —os regimes totalitários seriam neste caso uma espéciede experimento monstruoso de engenharia social,tendo como fim a criação de um novo tipo de homemmáquinatotalmente heterodirigido — e a renúnciaexplícita ao momento explicativo em favor de umamorfologia dos sistemas totalitários.A segunda série de problemas diz respeito à própria

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utilidade do conceito de totalitarismo que, comoinstrumento, não permite discriminar entre regimesque, apresentando analogias no funcionamento dosistema político, diferem em outros aspectosimportantes como os relativos à constelação das forçasque favoreceram o seu triunfo, à relação entre asvelhas e as novas elites, ao tipo de interferência naestrutura econômico-social e às suas conseqüências.Os que pensam que tal conceito ainda conserva umacerta valia no plano descritivo têm afirmadoconstantemente a necessidade de uma mais amplatipologia dos sistemas totalitários, baseada na análisecomparada dos diversos regimes, capaz de levar emconta as diferenças. É daí que surgiu a tendência decompreender dentro do mesmo tipo o Fascismoitaliano e o nacional-socialismo alemão, com base nasanalogias observáveis não só nas técnicas de gestãodo poder político, como também na ideologia, na basesocial e na função histórica dos dois regimes.c) O Fascismo como via para a modernização. —Nestes últimos tempos, tem-se desenvolvido um novotipo de abordagem que tem como referência o esquemateórico da modernização e considera os regimesfascistas como uma das formas político institucionaisatravés das quais se operou historicamente a transiçãode uma sociedade agrária de tipo tradicional àmoderna sociedade industrial.As análises que antecedem — se excetuarmos atentativa de explicar a implantação do Fascismo naItália baseada no atraso geral da sociedade italiana —possuem um aspecto comum que é o de situarem osregimes fascistas num contexto caracterizado, em seuconjunto, por uma situação de avançadaindustrialização. A dinâmica existente entre massas eelites, o conflito entre a grande burguesia e oproletariado no estádio imperialista do capitalismo,assim como a revolta472 FASCISMOdas classes médias emergentes, são indicadores de umtipo de sociedade que já passou total ou parcialmente àmodernidade. Até os fenômenos de natureza maisestritamente política, que são relacionados com osurgir dos movimentos e regimes fascistas, são típicos

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de um sistema democrático plenamente consolidado,seja que se acentuem as suas contradições internas,como pretende a análise marxista, seja que sedescubra nele o terreno específico onde taismovimentos podem nascer e desenvolver-se, comoquer a teoria do totalitarismo.A análise do Fascismo à luz das teorias damodernização coloca-o, ao invés, não já em relaçãocom os conflitos e crises próprios da sociedadeindustrial, mas com os conflitos e crises característicosda fase de transição para ela. Neste quadro, osregimes fascistas se configuram como uma das viaspara a modernização — as outras historicamenteidentificadas são a liberal-burguesa e a comunista —fundada no compromisso entre o setor moderno e otradicional. Os traços que os caracterizam são, naesfera econômica, uma industrialização atrasada, masintensa, promovida desde cima, com notávelinterferência do Estado a favor da acumulação; naesfera política, o desenvolvimento de regimesautoritários e repressivos, expressão da coligaçãoconservadora das elites agrárias e industriais quequerem avançar pelo caminho da modernizaçãoeconômica, defendendo, ao mesmo tempo, asestruturas sociais tradicionais; na esfera social, atentativa de evitar a desagregação dessas estruturas,impedindo ou reprimindo os processos de mobilizaçãosocial postos em movimento pela industrialização.O conceito de mobilização social adquire particularrelevância quando o Fascismo é considerado como umtipo especial de resposta aos conflitos nascidos daexigência de participação no gozo de determinadosbens e serviços — materiais e não materiais — porparte de setores da população antes excluídos: umaresposta baseada na desmobilização forçada dosgrupos recentemente mobilizados, posta em obra pelacoalizão entre as velhas e as novas elites, em função daconservação da ordem sócio-política tradicional.Os fatores que constituem a base da solução de tipofascista hão de ser buscados nas modalidadesassumidas pelo processo de modernização nos paísesonde tal processo se impôs.Nesta perspectiva, a pesquisa tem contribuído para

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enriquecer a análise dos fenômenos fascistas em maisde um sentido. Chamando a atenção para a variedadede formas que o Fascismo pode assumir nos diferentescontextos nacionais, ela veio favorecer odesenvolvimento da abordagem histórico-comparativa,lançando as premissas paraa formulação de generalizações empíricas, fundadasna pesquisa sistemática e orientadas à luz decategorias homogêneas. O conceito de modernizaçãocomo processo global de transformação, que atingetodas as esferas do sistema social, tem orientado, alémdisso, a pesquisa para a análise das interações entre osistema político, o sistema econômico e o sistemasócio-cultural, fazendo ressaltar as fraturas, asincroniase descontinuidades que melhor parecemcaracterizar as situações de onde emergem osfenômenos fascistas.A mais sólida contribuição deste tipo de abordagemestá no plano das indicações metodológicas e, noplano substantivo, no aprofundamento dasprecondições do Fascismo, enquanto parecem bastantemais problemáticas as ligações entre ambas as coisas.Em especial, a análise do Fascismo dentro da dinâmicados processos de modernização parece oferecermelhores resultados na explicação da vulnerabilidadedos sistemas liberais burgueses, nos países onde ele seconsolidou, do que na explicação do modo comocaíram e do tipo de regime que se seguiu. Acentuandoo peso do componente tradicional, ela tende asubestimar a importância do embate entre burguesia eproletariado, o papel das classes médias, a crise dosistema liberal e das suas instituições representativas,todos eles fenômenos que parecem ligados às tensõesoriginadas no contexto de uma sociedade queapresenta, em seus traços essenciais, as característicasde uma sociedade industrial moderna. Essa mesmaótica impede, além disso, colher a especificidade dosregimes fascistas e os elementos de novidade nelesexistentes, bem como diferenciá-los de outras formasde regimes reacionários, conservadores ouautoritários.d) O Fascismo como revolta da pequena burguesia.— Em contraste com as interpretações precedentes,

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cada uma delas enquadrada numa perspectiva teóricabem definida a cuja luz se elaboraram hipótesesrelativamente homogêneas acerca da natureza e funçãodos regimes fascistas, as análises, que têm posto emevidência a ligação entre a pequena burguesia e oFascismo, jamais alcançaram uma autonomia que asimpusesse como alternativa interpretativa global. Nãoobstante, são mencionadas, quer pela contribuiçãoespecífica que trouxeram ao conhecimento de aspectosdecisivos para a compreensão do fenômeno, quer pelafunção de estímulo que exercem com relação aesquemas teóricos demasiado simplificados.O fato de que a pequena burguesia pudessecontribuir de modo determinante para o sucesso dosmovimentos fascistas, fornecendo-lhes os quadros e asbases de massa na fase de ascensão e um consensoativo na fase de regime, não entravaFASCISMO 473nos esquemas clássicos, nem nos da teoria liberal, nemnos do marxismo. Para a teoria liberal, a pequenaburguesia constituía um dos pressupostos do sistemademocrático e a garantia de um desenvolvimentopacífico e gradualmente progressivo da sociedade; parao marxismo, ela estava impossibilitada de exercer umpapel político autônomo em virtude da sua colocaçãodentro da estrutura de classes e da sua posiçãosubalterna no respeitante ao conflito fundamentalentre a grande burguesia e o proletariado. Emcoerência com tais esquemas, a contribuição dapequena burguesia para o triunfo dos movimentosfascistas ou é negada, como na teoria do totalitarismo,em benefício da relação entre as massas nãodiferenciadas e as elites, ou então concebida emtermos instrumentais, sendo atribuída à pequenaburguesia a função de massa de manobra de ummovimento a serviço dos desígnios do grande capital,como acontece na teoria do Fascismo como ditadura daburguesia.A capacidade de mobilizar a pequena burguesia,baseando-se numa ideologia composta onde confluíamo irracionalismo e o voluntarismo, o anticapitalismo eo anti-socialismo, vagas aspirações a uma democraciaradical unidas a acentos fortemente nacionalistas,

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parece, contudo, ser um dos elementos característicosdo movimento fascista, desde a implantação doFascismo na Itália.Este fato é analisado por alguns observadores comorevolta da pequena burguesia urbana e rural, ameaçadaem seu status pelos processos de transformação sócioeconômicaem marcha, particularmente pelosprocessos de concentração industrial e peloconseqüente aumento da influência da grandeburguesia e do proletariado industrial na cena política.Estendendo-se à pequena burguesia, o esquema da lutade classes fornecia-lhe o critério interpretativo domovimento, considerado revolucionário em suaspremissas subjetivas mas reacionário no conteúdoobjetivo, sendo como era expressão de estratos postosà margem pelo desenvolvimento produtivo e pelaevolução da sociedade capitalista.Na década de 30, após o sucesso do nazismo naAlemanha, o fascínio exercido pelos movimentosfascistas sobre a pequena burguesia tornou-se objetode uma pesquisa que tendia a completar a explicaçãosócio-econômica com a análise psicossocial.As interrogações a que a abordagem psicossocialqueria dar uma resposta eram deste tipo: por que éque a pequena burguesia, mais que qualquer outraclasse, tinha aderido ao Fascismo de onde não podiaprovir nenhuma solução para a sua situação de crise?Que elementos da ideologia fascista tinham exercidosobre ela umaatração capaz de se tornar mais eficaz que qualquerconsideração em termos racionais sobre a finalidade eobjetivos do movimento fascista? Tais elementostinham alguma relação com a posição da pequenaburguesia como classe dentro da estrutura dasociedade capitalista e com as modificações pelasquais esta estava passando? Não existindo uma relaçãode correspondência imediata entre situação e ação declasse, mas sendo esta mediada pela percepçãosubjetiva daquela, que aspectos do sistema socialpodem explicar o comportamento da pequenaburguesia e, mais genericamente, a disposição deindivíduos, grupos e classes sociais a submeterem-se arelações de tipo autoritário?

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As contribuições de maior relevo orientam-se emdois sentidos. Estudaram, por um lado, maisprofundamente as características da ideologia fascista,particularmente as da versão alemã, e a sua capacidadede canalizar o ressentimento da pequena burguesiapara objetivos fictícios, a troco, as mais das vezes, desatisfações simbólicas. Distinguiram, por outro lado,um nível de análise intermediário entre situação eação de classe, como o da personalidade, inferindo aimportância das estruturas de socialização —principalmente da família — como sede de formaçãoe de reprodução de estruturas psíquicas consentâneascom a ideologia das classes ou elites dominantes.Que a relação entre a pequena burguesia e oFascismo constitua um dos pontos essenciais para acompreensão da natureza dos regimes fascistasdemonstra-o o constante interesse que ela desperta,bem como as numerosas pesquisas empíricas quecontinuam a apresentar-se sobre o assunto. Mas é umponto ainda sem solução, principalmente no querespeita à função, dirigente ou subalterna, da pequenaburguesia dentro do sistema de poder fascista.Enquanto parece hoje já bastante provado e debatidoo papel que ela desempenhou como base de massa dosmovimentos fascistas, apresenta-se ainda comoproblemática a tentativa de mostrar o Fascismo,enquanto regime, como expressão da pequenaburguesia no poder. Os estudos orientados nestesentido, embora tenham demonstrado o crescimentoquantitativo dos estratos pequeno-burgueses — emvirtude da expansão do papel do Estado, das suasfunções político-administrativas, do aparelho depropaganda e de repressão —, embora tenhamdemonstrado também o restabelecimento das distânciassociais em relação à classe operária e uma certamudança nos quadros dirigentes nos vários níveis daburocracia política e administrativa, não conseguiram,contudo, demonstrar, de modo convincente, que asopções fundamentais dos regimes fascistasrespondessem a uma lógica oposta474 FASCISMOaos interesses das antigas classes dominantes nem quepudessem ser referidas a um projeto de transformação

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social dotado de uma autonomia própria e tendente aconferir à pequena burguesia, antiga ou nova, umpapel hegemônico no seio da sociedade.V. PROBLEMAS ABERTOS. — A variedade deinterpretações elaboradas com o correr dos anossugere uma idéia do Fascismo como fenômeno demuitas faces, de que cada uma delas capta apenas umaspecto parcial e de que jamais se consegue construiro todo. Esta imagem parece dar razão aos que pensamque se deve abandonar o caminho já demasiadotrilhado da busca de modelos explicativos de carátergeral e defender a reconstrução histórica dos diversosFascismos, entretanto considerada pretensiosa e semvalor, já que prescinde de toda a tentativa de formularum juízo global sobre a natureza e função dos regimesfascistas.Não é este o lugar apropriado para afrontar osproblemas de método que uma escolha deste tiposuscita. Nem tampouco para assentar se areconstrução histórica, privada de hipótesesinterpretativas e guiada pelo único critério de "deixarfalar os fatos", é possível e até mesmo desejável. Narealidade, na origem da rejeição de modelosinterpretativos sólidos, como a que se faz com basenum apelo aos fatos, está quase sempre a opção,explícita ou não, a favor de um modelo diferente, acuja luz se hão de selecionar e interpretar os fatos.Ora, a dificuldade em resolver alguns pontosfundamentais para a compreensão dos regimesfascistas deriva, em parte, da diversidade dos modelosde referência, mas também da confusão dos níveis deanálise e da insuficiência de empenho numa estratégiade pesquisa que tenda a traduzir as hipótesesgenéricas em interrogações suscetíveis de verificaçãoempírica.Um exame das diversas interpretações e da suaevolução no tempo permite, no entanto, descobrir umasérie de temas em torno dos quais se têm idoencurtando as distâncias, quer em conseqüência daacumulação de dados históricos sobre os sistemasinvestigados, quer por uma maior disponibilidade dosestudiosos de diversas tendências de proceder àverificação dos próprios resultados em confronto com

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os resultados alheios.Verificou-se particularmente uma notávelconvergência na análise tanto das condições da.aparição dos regimes fascistas como da formapolítico-institucional sob a qual se manifestou a suadominação. Isso levou a um uso mais crítico dotermo, cujo âmbito de aplicação se tem idorestringindo cada vez mais aos casos italiano ealemão.Em vez disso, se mantêm assaz distantes asapreciações sobre a natureza e função dos regimesfascistas. Um dos discriminadores fundamentaiscontinua sendo a relação entre capitalismo eFascismo. É um problema ainda não resolvido se oFascismo representou um tipo particular de soluçãopara as crises de transformação do sistema capitalistaao longo de uma linha de identidade estrutural ou oinício de um processo de modificação das estruturasdo capitalismo tendente a criar um ordenamentoeconômico e social diverso tanto do capitalismoquanto do socialismo. A solução deste problematornou-se ainda mais difícil pelo fato de que a duraçãorelativamente breve dos regimes fascistas e a suaqueda em virtude dos acontecimentos bélicos sópermite falar de linhas ou tendências.A questão gira em torno da relação entre política eeconomia e do maior ou menor grau de autonomiaalcançado pelos Estados fascistas em face das forçaseconomicamente dominantes, em especial do grandecapital industrial e financeiro. Existem a tal respeitoduas correntes principais de pesquisa que se movemem direções divergentes: a primeira propensa ademonstrar a convergência de interesses entre oFascismo e o grande capital, para confirmar a tese deuma continuidade estrutural entre capitalismo eFascismo, segundo a qual a autonomia relativa dopoder político se explica dentro de uma coincidênciasubstancial de objetivos e fins com o poder econômico;o segundo, ao contrário, tendente a apresentar talconvergência como resultado de situaçõescontingentes, nunca capazes de contestar a divergênciafundamental entre a ideologia e prática dosmovimentos e regimes fascistas e as condições de

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sobrevivência do sistema capitalista. Sob este aspecto,as pesquisas efetuadas por ambas as vertentes nãoparecem haver modificado os termos do problema noque respeita ao debate suscitado no início da décadade 40, até mesmo no seio do marxismo, entre osdefensores, como Hilferding, de umaincompatibilidade essencial entre a lógica dossistemas totalitários e a lógica do capitalismo, eaqueles que, como Franz Neumann, pensavam ser aforma totalitária a mais adequada em relação aosobjetivos imperialistas do capitalismo monopólico. Foise,portanto, delineando a necessidade de passar de umtipo de argumentação intencionalmente conduzida emtermos de objetivos a outra fundada na análiseconcreta das mudanças ocorridas nas estruturas dassociedades fascistas, como resultado das estratégiasumas vezes convergentes, outras vezes conflitantes,das múltiplas forças em ação.FEDERALISMO 475Deste trabalho de aprofundamento realizado emvários sentidos surgirá uma imagem dos sistemasfascistas bem mais complexa e contraditória do queparecia no passado. Esta complexidade, este carátercontraditório parecem ligados ao fato de que elesconstituem um exemplo de solução para os conflitosnascidos na sociedade industrial, baseado nautilização de técnicas políticas profundamenteinovadoras, cujas implicações não foram aindatotalmente esclarecidas.BIBLIOGRAFIA. - H. ARENDT, Le origini deltotalitarismo (1951), Ediziom di Comunità. Milano1967; O. BAUER. H. Marcuse e outros, Faschismus undKapitalismus. Theorien über die soziale Ursprünge unddie Funktionen des Faschismus. EuropäischeVerlagsanstalt, Frankfurt am Mein 1967; F.BORKENAU, Zur Soziologie des Faschismus, in "Archivfür Wissenschaft und Sozialpolitik", 68, 1923; R. DEFELICE, Il fascismo. Le interpretazioni degli storici e delcontemporanei. Laterza, Bari 1970; C. J. FRIEDRICH eZ. BRZEZINNSKI, Totalitarian Dictatorship andAutocracy. Harvard University Press. Cambridge(Mass.) 1956; G. GERMANI, Autoritarismo, fascismo eclassi sociali. Il Mulino. Bologna 1973; D. GUERIN,

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