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ESCOLA DE ARTES CIÊNCIAS E HUMANIDADES DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ANA AMÉLIA CALDAS SAAD DE OLIVEIRA O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E O PAPEL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS NA AUDITORIA OPERACIONAL Monografia apresentada ao Curso de Especialização Lato Sensu em Gestão de Políticas Públicas, pela Escola de Artes Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Orientador: Professor Doutor Marcelo Arno Nerling SÃO PAULO 2012

O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

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Page 1: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

ESCOLA DE ARTES CIÊNCIAS E HUMANIDADES

DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ANA AMÉLIA CALDAS SAAD DE OLIVEIRA

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E O PAPEL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS NA

AUDITORIA OPERACIONAL

Monografia apresentada ao Curso de

Especialização Lato Sensu em Gestão de Políticas

Públicas, pela Escola de Artes Ciências e

Humanidades da Universidade de São Paulo.

Orientador: Professor Doutor Marcelo Arno

Nerling

SÃO PAULO

2012

Page 2: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

ESCOLA DE ARTES CIÊNCIAS E HUMANIDADES

DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ANA AMÉLIA CALDAS SAAD DE OLIVEIRA

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E O PAPEL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS NA

AUDITORIA OPERACIONAL

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AGRADECIMENTOS

Ao Egrégio Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e à Escola de Contas

Públicas pela oportunidade de aperfeiçoamento profissional e pessoal concedida aos

servidores que se interessaram, proporcionando acesso a um Curso de Pós Graduação junto à

Universidade de São Paulo, uma instituição de ensino notoriamente reconhecida pela

qualidade do seu corpo docente, trazendo a escola para o aluno.

Aos colegas da equipe AUDESP, que prontamente disponibilizaram as

informações necessárias à evolução dos estudos.

Aos professores da Escola de Artes Ciências e Humanidades da Universidade de

São Paulo, em especial, ao Professor Doutor Marcelo Arno Nerling, pela dedicação e

entusiasmo incomuns, durante as aulas e, especialmente, na fase de orientação, essenciais para

que eu pudesse amadurecer e construir os conceitos e convicções que se transformaram nessa

monografia.

Page 4: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

RESUMO

Essa monografia tem por objetivo explorar o papel dos Tribunais de Contas na

gestão de políticas públicas, considerando o princípio constitucional da eficiência, e

demonstrar que, por meio da auditoria operacional, em conjunto com os tipos de controle

contábil, financeiro, patrimonial e orçamentário, viabiliza-se a mensuração dos resultados

produzidos pela ação governamental na implementação de políticas públicas, fortalecendo os

controles interno, externo e social. Para confirmar essas idéias, serão apresentadas as

experiências do Projeto AUDESP e da Diretoria de Contas do Governador, no âmbito do

Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, bem como a atuação do Tribunal de Contas da

União.

PALAVRAS CHAVE: Tribunal de Contas – Gestão de Políticas Públicas - Auditoria

Operacional – Princípio da Eficiência – AUDESP.

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ABSTRACT

This monograph aims to explore the State of São Paulo Auditing Court role at management of

public policies, considering the principle of efficiency, showing that, through operational

auditing, in addition to accounting controls, financial assets and budget, it´s possible to

measure the results produced by governmental action in implementation of public policies,

wich improves the internal, external e social controls. In order to prove these ideas, the

Project AUDESP and the Board of Auditors of the Governor experiences, at Tribunal de

Contas do Estado de São Paulo, and also the activities of Tribunal de Contas da União will be

presented.

KEY WORDS: Court of Auditors – Public Policies – Operational Auditing – Principle of

Efficiency – AUDESP.

Page 6: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................. 7

1 Gestão de Políticas Públicas .................................... 10

1.1 Políticas Públicas ............................................. 10

1.2 Ciclos das Políticas Públicas ...................................... 14

1.2.1 Formulação ............................................. 14

1.2.2 Implementação .......................................... 14

1.2.3 Avaliação .............................................. 16

1.3 Atores envolvidos ............................................. 17

1.4 Gestão de Políticas Públicas ...................................... 18

1.5 Síntese .................................................... 19

2 Princípio da Eficiência ........................................ 20

2.1 Evolução Histórica dos Modelos de Administração Pública e de Estado .......... 20

2.1.1 Modelo Patrimonialista ..................................... 21

2.1.2 Modelo Burocrático ....................................... 22

2.1.3 Modelo Gerencial e a Emenda Constitucional n. 19/98: a ADIN 21355 ...... 26

2.2 A eficiência como princípio da Administração Pública ..................... 27

2.2.1 Eficiência, Eficácia e Efetividade .............................. 27

2.3 Princípio da Eficiência e Auditoria Operacional ......................... 28

2.4 Síntese .................................................... 30

3 Os Tribunais de Contas .......................................... 31

3.1 Competência Constitucional ...................................... 31

3.2 A Auditoria de Desempenho Operacional ............................. 34

3.3 Auditoria Operacional no Tribunal de Contas da União .................... 40

3.4 Auditoria Operacional no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo ........... 42

3.4.1 A Diretoria de Contas do Governador ........................... 42

3.4.2 AUDESP e a auditoria operacional nos municípios – As Instruções nº. 01/08 e

02/08 ..................................................... 46

3.5 Síntese .................................................... 51

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................ 52

BIBLIOGRAFIA ................................................ 53

Page 7: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

INTRODUÇÃO

Inicialmente, reconhecendo que o Curso de Especialização em Gestão de Políticas

Públicas foi viabilizado pelo Egrégio Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e pela

Escola de Contas Públicas, esperamos que, como retorno, este estudo contribua para o

aumento da efetividade de suas ações e para que a visão de futuro constante do Planejamento

Estratégico se torne realidade com a maior brevidade possível.

Deseja-se que esse estudo contribua para o aprimoramento da análise das contas

anuais, o cumprimento dos programas governamentais, e para o controle sobre a gestão

pública, metas previstas no Planejamento Estratégico da Corte de Contas, adiante exposto:

Nessa direção, este estudo explora o papel do Tribunal de Contas na gestão das

políticas públicas, considerando a concretização do Princípio Constitucional da Eficiência.

Pretende-se identificar em quais aspectos a atividade dos Tribunais de Contas,

especificamente, do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, está sendo aperfeiçoada.

Page 8: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Como exemplo, citaremos o trabalho realizado pela Diretoria de Contas do

Governador e o Projeto AUDESP, como uma ferramenta que possibilita a auditoria

operacional dos municípios.

Partimos da premissa de que, com conhecimento acerca do Programa de Governo,

assumido por cada gestor público em âmbito estadual e municipal, bem como da importância

do trabalho de acompanhamento da sua plena execução à luz das peças de planejamento e

orçamentárias, a fiscalização passa a ser desempenhada de forma mais consciente e menos

automatizada, produzindo resultados reais que transcendem o aspecto formal para alcançar e

atender as necessidades do cidadão de forma direta.

Entendemos que, uma vez sujeito a essa espécie de controle, se não já não o faz

espontaneamente, o jurisdicionado passará a refletir sobre os resultados atingidos, a mensurá-

los, e dar a isso a necessária transparência.

Dessa forma defendemos que, a priori, a evolução da fiscalização, exercida sob o

ponto de vista da eficiência à luz dos resultados, acaba naturalmente por proporcionar o

aperfeiçoamento da gestão operacional e dos controles internos por parte do jurisdicionado do

Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, hipótese que se pretende demonstrar ao longo

desse estudo.

Para tanto, este trabalho está operacionalmente organizado em três seções:

SEÇÃO 1 GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

SEÇÃO 2 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

SEÇÃO 3 O TRIBUNAL DE CONTAS

A primeira seção trata da Gestão de Políticas Públicas, abrangendo o Conceito de

Políticas Públicas, os Ciclos das Políticas Públicas (Formulação, Implementação, Avaliação),

os Atores Envolvidos, e a Gestão Propriamente Dita de Políticas Públicas. (ASSUNÇÃO,

BUCCI, COELHO, COMPARATO, LOTTA, NERLING, PALUDO, SECCHI)

Na segunda seção, faremos uma abordagem do Princípio da Eficiência, passando

pela Evolução Histórica dos Modelos de Administração Pública e de Estado (Modelo

Patrimonialista, Modelo Burocrático e Modelo Gerencial e a Emenda Constitucional n.

19/98), sobre os conceitos de Eficiência, Eficácia e Efetividade e a correlação entre o

Princípio da Eficiência e a Auditoria Operacional. (BANDEIRA DE MELLO, BRESSER

PEREIRA, CHIAVENATO, GABARDO, MARINI, MERTON, MOREIRA NETO, PAIVA

SUMMA, TOLEDO JR.)

Na terceira seção, trataremos da Competência Constitucional dos Tribunais de

Contas, da Auditoria de Desempenho Operacional, dos trabalhos desenvolvidos pelo Tribunal

Page 9: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

de Contas da União e pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, este último

representado pela Diretoria de Contas do Governador e pelo Projeto AUDESP. (DE

ALBUQUERQUE, POLLITT, TOLEDO, SILVA)

Finalmente, pretendemos ter conseguido apresentar noções gerais e fundamentais

para a compreensão do universo jurídico em que está inserida a Gestão de Políticas Públicas,

demonstrando a relevância da auditoria operacional realizada pelas Cortes de Contas para o

aumento da efetividade de suas ações.

Page 10: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

1 Gestão de Políticas Públicas

1.1 Políticas Públicas

Não se pode falar de políticas públicas sem que se abordem as noções de Estado,

de poder, de república e de interesse público.

Enquanto razão de ser do Estado e especialmente da República, o interesse do

povo é o fim e a justificativa das suas ações, é o que as legitima.

No dizer de Marta Assunção, políticas públicas resultam de um processo de

tomada de decisões que só podem se convertem em algo compartilhado por toda a sociedade,

ainda que o seu objetivo imediato seja o atendimento dos interesses ou necessidades de

determinado grupo, que também constituem interesse público1.

Portanto, políticas públicas estão envolvidas na atividade política, requerem várias

ações estratégicas destinadas a implementar os objetivos desejados (metas) e requerem mais

de uma decisão política.

Política pública é, no dizer de Fernando de Souza Coelho2, aquilo que um

determinado governo escolhe fazer ou não fazer, definindo quem ganha o que, porque e os

efeitos esperados dessa decisão.

As Políticas Públicas podem estar voltadas à Gestão Pública, à Política Social, à

Infra-Estrutura e Meio Ambiente ou ao Crescimento e Desenvolvimento Econômico.

Exposta a noção de política pública, do ponto de vista técnico, não se pode negar

que, em termos práticos, para fins de gestão, política pública é tudo aquilo que entra na

agenda de determinado governo como tal3. É dizer: política pública é tudo aquilo que assim

foi considerado e expresso nas leis orçamentárias.

Assim, do ponto de vista do operacional, do controle e da gestão, o que não está

previsto na legislação orçamentária, não é política pública.

Essa é a conclusão a que se chega a partir da leitura conjugada dos artigos 167 e

174 da Constituição Federal4:

1 ASSUNÇÃO, Marta. Políticas Públicas. Palestra. São Paulo: TCE/SP-USP, 2011. Mimeo.

2 COELHO, Fernando de Souza. Formulação, Implementação e Avaliação de Políticas Públicas. São

Paulo: TCE/SP-USP, 2011. Mimeo. 3 NERLING, Marcelo Arno. Gestão de Políticas Públicas. São Paulo: TCE/SP-USP, 2011. Mimeo.

4 BRASIL. Constituição Federal de 1988. 05/10/1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br

Page 11: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

(...) Art. 167. São vedados:

I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária

anual; (...)

(...)Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o

Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e

planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo

para o setor privado.

§ 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do

desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará

os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. (...)

Dito isso, a primeira fonte que se deve observar, na gestão de políticas públicas,

durante o processo de auditoria, é o aspecto operacional, tomando-se em consideração as

peças orçamentárias e de planejamento, de onde se extraem seu fundamento legal, a finalidade

e as limitações econômico-financeiras, além da possibilidade de comparação das políticas

públicas entre si, isto é, as relações custo-benefício dos programas.

É exatamente nas peças de planejamento que se encontram os programas, de que

derivam projetos, estes últimos expressos em ações, destinados à implantação de determinada

política pública.

A questão nos parece relevante na medida em que, como se extrai do Manual de

Procedimentos de Auditoria de 2007 do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, as

irregularidades mais comuns estão, em sua maioria, no Planejamento da Gestão Pública5:

Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) sem o anexo de metas e

prioridades;

Lei de Diretrizes Orçamentárias sem estratégia para redução da dívida,

sobretudo a de curto prazo (Restos a Pagar);

Ausência de metas físicas no Plano Plurianual (PPA) e na Lei de

Diretrizes Orçamentárias (LDO);

Elevado nível de abertura de créditos adicionais, a indicar negligência na

programação da lei de orçamento;

Lei de Diretrizes Orçamentárias sem critérios para repasses ao terceiro

setor;

Excessiva autorização, em porcentual, na lei orçamentária, para abertura

de créditos suplementares;

Lei Orçamentária Anual não abrange todas as entidades públicas do

Município, bem como não evidencia os pertinentes orçamentos (fiscal,

de investimento, da seguridade social);

5 TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Manual de Procedimentos de

Auditoria. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2007. p. 18-19.

Page 12: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Indevida autorização na LOA para remanejamento, transposição e

transferência de recursos entre órgãos orçamentarios ou categorias de

programação;

A despesa, na LOA, não se detalha até o nível do elemento;

Lei Orçamentária Anual não prevê superávit orçamentário para

amortizar estoque descoberto de Restos a Pagar (superávit financeiro);

Não realização de audiências públicas para discutir os três instrumentos

orçamentários, quer o PPA, a LDO ou a LOA.

Cabe aqui um parêntese para registrar o entendimento de Marcelo Arno Nerling

no sentido de que o aspecto operacional condiciona inclusive o orçamentário e financeiro, isto

é, o próprio planejamento orçamentário e financeiro deve estar pautado em um procedimento

operacional previamente definido, com um rito a ser observado6, e que, tendo natureza de

processo administrativo, encontra subsídios na Lei Federal de Processo Administrativo – Lei

nº. 9.784/997 - na ausência de norma específica.

Seguindo essa linha de raciocínio, acrescenta Nerling que a própria ação

fiscalizatória dos Tribunais de Contas deve destinar atenção aos aspectos operacionais do

planejamento, observando também um rito minimamente padronizado. Aliás, isso é o que

propõe a edição das Normas de Auditoria Governamental, resultantes de estudos

desenvolvidos no âmbito do Instituto Rui Barbosa, de que trataremos mais adiante.

A propósito, o Manual de Auditoria Municipal, de 2003, do Tribunal de Contas do

Estado de São Paulo, parte dessa premissa8:

(...) O Planejamento da auditoria, sem dúvida, sempre foi fator de

agilização e racionalização dos trabalhos.

Entretanto, até o exercício de 2003, não era algo normatizado e

uniformizado, cabendo a cada DF ou UR adotar procedimentos

próprios, ensinados pela prática fiscalizatória.

Agora, como foi ressaltado nos trabalhos apresentados no Ciclo de

Reciclagem da auditoria de 2003, sob os títulos PLANEJAMENTO

DE AUDITORIA E AUDITORIA POR OBJETIVOS, fatores como a

necessidade de permanente atualização de procedimentos, a expansão

de nossa área de atuação pela introdução de novas leis e alteração

das existentes, a exiguidade de tempo e a fiscalização de aspectos

que, como o tempo, ganharam ou perderam importância, remetem a

auditoria a um essencial trabalho de planejamento, com a eleição dos

pontos de relevância a serem abordados. (...)

6 NERLING, Marcelo Arno. Inovações em Direito Financeiro. São Paulo: USP/TCE/SP, 2011,

Mimeo. 7 Registre-se que o estado de São Paulo conta com sua própria lei de processo administrativo, a Lei

nº. 10.177/98. 8 TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Prefeitura Municipal. Manual de

Auditoria. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003. p. 3.

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Entre os pontos de relevância a que se refere o Manual, interessa para este estudo

o planejamento da gestão pública.

A esse respeito, a auditoria se estende à verificação da existência das peças de

planejamento e sua conformação aos moldes legais, e à avaliação quanto à sua contribuição

para os resultados (orçamentário, econômico e patrimonial) alcançados. Examinam-se o Plano

Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual, com seus anexos,

além da existência do Plano Diretor.

No que toca à adequação às normas legais, verifica-se o cumprimento da

Constituição Federal, no artigo 165, §§1º e 2º e 5º a 8º, bem como da Lei de Contabilidade

Pública, nos artigos 2º a 8º e 30, 4º, 5º, 9º, §4º, 48, parágrafo único, e da Lei de

Responsabilidade Fiscal, no artigo 639.

Daí decorre o que Nerling denomina Eficiência na Gestão do Controle

Operacional.

Fechado o parêntese, relevante também trazer à colação, também no tema do

planejamento, a lição de Maria Paula Dallari Bucci, para quem os instrumentos orçamentários

dispostos na Constituição Federal, no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes

Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA) podem ser considerados como

expressões jurídicas de políticas públicas por excelência10

. Segundo a autora:

(...) Essa vocação é da própria natureza do instrumento e já vinha afirmada

no art. 2º da Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964, que se refere à „política

econômico-financeira‟ e a „programa de trabalho do

Governo‟, que vem a ser, aliás, a razão de ser da lei orçamentária:

„Art. 2º. A Lei de Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa

de forma a evidenciar a política econômico-financeira e o programa de

trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade, universalidade e

anualidade‟.

Curioso anotar, todavia, que na dicção constitucional, só o PPA e a LDO

são tratados em termos propriamente políticos, isto é, referindo-se a

objetivos, metas e prioridades da Administração Pública:

„Art. 165. (...)

§1º. A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma

regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública

federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as

relativas a programas de duração continuada. (...)

9 Idem 4. p. 9-10.

10 BUCCI, Maria Paula Dallari. O Conceito de Política Pública em Direito. In Políticas Públicas:

reflexões sobre o conceito jurídico. BUCCI, Maria Paula Dallari (organizadora). São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 15.

Page 14: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

1.2 Ciclos das Políticas Públicas

1.2.1 Formulação

A formulação de políticas públicas não é um processo em que se podem verificar

etapas estanques. Envolve a atuação, muitas vezes concomitante, de diversos setores da

sociedade, dos Poderes Constituídos, da Imprensa, enfim, do pensamento humano, sob

diferentes pontos de vista e com distintos objetivos, mas que, em um determinado momento,

entram para a agenda política como algo a ser implementado, uma vez que convergente com

os propósitos de governo.

Para que seja eficaz, a formulação de políticas públicas requer um adequado e

prévio diagnóstico da realidade com a identificação de problemas a serem resolvidos, e

definição das ações destinadas à sua solução, o estabelecimento de metas a serem atingidas a

partir do desenvolvimento dessas ações, de um cronograma e dos custos envolvidos.

É nessa direção que Leonardo Secchi11

afirma que a formulação de soluções para

problemas detectados e inseridos na agenda se desenvolve por meio de escrutínios formais ou

informais das conseqüências do problema, e dos potenciais custos e benefícios de cada

alternativa possível.

Para o autor, nessa etapa são elaborados métodos, programas, estratégias ou ações

e, quanto mais concretos forem os objetivos, mais fácil será verificar a eficácia da política

pública.

1.2.2 Implementação

A implantação de determinada política pública está diretamente relacionada à

produção de resultados concretos. É o momento em que o planejamento se transforma em

realidade.

A esse respeito, Leonardo Secchi12

sustenta que:

11

SECCHI, Leonardo. Políticas Públicas – Conceitos, Esquemas de Análise, Casos Práticos. São

Paulo: Cengage Learning, 2010. p. 37. 12

Op. Cit. pág.45/46.

Page 15: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

(...) A importância de estudar a fase de implementação está na possibilidade

de visualizar, por meio de instrumentos analíticos mais estruturados, os

obstáculos e as falhas que costuma acometer essa fase do processo nas

diversas áreas da política pública (saúde, educação, habitação,

saneamento, políticas de gestão, etc). Mais do que isso, estudar a fase de

implementação também significa visualizar erros anteriores à tomada de

decisão, a fim de detectar problemas mal formulados, objetivos mal

traçados, otimismos exagerados. (...)

A análise do processo de implementação pode se dar, segundo o autor, com foco

no processo de implementação per se, ou nas causas de falhas ou acertos.

A implementação de políticas públicas pode ser analisada sob a perspectiva do

modelo top-down ou bottom-up.

O primeiro, top-down, como sugere o nome, caracteriza-se pela definição da

política pública a partir de esferas técnicas e políticas superiores, gerando a incidência de

regras para a implantação de “cima para baixo”.

O segundo, bottom-up, confere mais liberdade para os atores envolvidos na

implementação da política pública.

Segundo Gabriela Spanghero Lotta13

, “para os adeptos da visão „top-down‟, a

implementação começa onde a „politics‟ (política) acaba, ou seja, é um processo de colocar

os programas políticos em prática”. A autora cita Pressman e Widavski (1973), para quem a

implementação é um processo de interação entre o ambiente dos objetivos e as ações geradas

para adquiri-los. Sustenta que, no modelo „top-down‟ de implementação, “não há espaço

para o exercício da discricionariedade por parte dos implementadores”.

Por outro lado ressalva que, no modelo bottom-up, observa-se o processo de

criação de política como um „continuum‟, no qual há modificações em todo o trajeto

percorrido para se traduzir as intenções em ações, partindo do pressuposto que o processo

de implementação transforma e adapta as políticas originais.”

Desse modo, é possível afirmar que a implementação de políticas públicas está

diretamente relacionada, com maior ou menor grau de flexibilidade, ao planejamento estatal,

conforme se trate do modelo top-down ou bottom-up.

13

LOTTA, Gabriela Spanghero. Implementação de políticas públicas: o impacto dos fatores

relacionais e organizacionais sobre a atuação dos burocratas de nível de rua no Programa Saúde da

Família. 2010. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em:

<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-20102010-120342/>. Acesso em: 2012-03-

28.

Page 16: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

1.2.3 Avaliação

A avaliação das políticas públicas, como o próprio nome diz, consiste na

verificação do adequado desenvolvimento das ações eleitas como necessárias e suficientes ao

atingimento das metas definidas.

Essa avaliação se dá a partir de diferentes critérios: jurídico ou legal, técnico ou

gerencial, ou político, conforme os parâmetros adotados sejam, respectivamente, a

observância do princípio da legalidade e eficiência, a relação custo-benefício, ou a

efetividade. No dizer de Leonardo Secchi14

:

(...) Uma avaliação que focalize aspectos jurídicos está mais preocupada em

verificar até que ponto princípios como o da legalidade e eficiência

administrativa foram atingidos, além do respeito a direitos básicos dos

destinatários. Uma avaliação que privilegie aspectos técnicos gerenciais

focaliza suas atenções ao nível de consecução de metas (eficácia), a menor

utilização de recursos (economicidade) e a eficiência econômica de um

sistema, programa ou política. Por fim, uma avaliação com conotação

política vai prestar atenção em aspectos da percepção dos destinatários da

política pública, a legitimidade do processo de elaboração da política

pública, a participação de atores nas diversas etapas de construção e

implementação de uma política pública, bem como os impactos gerados no

macroambiente.(...)

Segundo o autor, a avaliação toma como base os recursos utilizados (imputs), o

atingimento das metas de produção (outputs), e os resultados para o público destinatário de

determinada política pública (outcomes).

Ainda no dizer do autor, esses critérios, colocados em uma linha de tempo, são

padrões absolutos, quando da formulação da política pública; servem como padrões

históricos, para comparação em relação a aquilo que já se desenvolveu e constatação da

evolução; ou como benchmarks, para exame ex post.

14

Idem 10. p. 50.

Page 17: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

De se anotar que uma determinada política pública em si mesma, ou os

procedimentos inerentes a sua implantação, são igualmente sujeitos ao controle judicial, como

leciona Fábio Konder Comparato, referenciado por Maria Paula Dallari Bucci15

:

(...) o juízo de validade de uma política – seja ela empresarial ou

governamental – não se confunde nunca como o juízo de validade das

normas e dos atos que a compõem. Uma lei editada no quadro de

determinada política pública, por exemplo, pode ser inconstitucional sem

que esta última o seja. Inversamente, determinada política governamental,

em razão da finalidade por ela perseguida, pode ser julgada incompatível

com os objetivos constitucionais que vinculam a ação do Estado sem que

nenhum dos atos administrativos, ou nenhuma das normas que o regem,

sejam, em si mesmos, inconstitucionais. (...)

1.3 Atores envolvidos

Dentre os diversos atores envolvidos na gestão ou avaliação das políticas públicas

estão os políticos, os técnicos, os Tribunais de Contas, o Poder Judiciário, o Ministério

Público e a Sociedade Organizada.

A esse respeito, aliás, não se pode deixar de observar a relevância do avanço da

tecnologia das comunicações e das redes sociais no engajamento de pessoas reunidas pela

identidade de problemas e anseios.

Por parte dos Tribunais de Contas, e, em especial, para o Tribunal de Contas do

Estado de São Paulo, foco deste estudo, o marco regulatório da gestão das políticas públicas

está no artigo 70 da Constituição Federal, replicado pelo artigo 32, da Constituição Estadual.

De acordo com o artigo 32, da Constituição do Estado de São Paulo16

:

(...) Artigo 32 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária,

operacional e patrimonial do Estado, das entidades da administração direta

e indireta e das fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público,

quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções

e renúncia de receitas, será exercida pela Assembléia Legislativa, mediante

controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único - Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, de

direito público ou de direito privado, que utilize, arrecade, guarde, gerencie

ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais o Estado

15

COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas, in

Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba (org. Celso Antônio Bandeira de Mello), São Paulo:

Malheiros, 1997, v. 2, p. 353-354, in Idem 4. p. 24. 16

SÃO PAULO (ESTADO). Constituição Estadual de 05/10/1989. Disponível em:

http://www.legislacao.sp.gov.br/legislacao/index.htm. Acesso em: 15/01/12.

Page 18: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

responda, ou que, em nome deste, assuma obrigações de natureza

pecuniária. (...) (grifo nosso)

Veja-se o que dispõe o artigo 70 da Constituição Federal:

(...) Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e

patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta,

quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das

subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional,

mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

(...) (grifo nosso)

Dessa forma, a atuação dos Tribunais de Contas constitui dever constitucional,

não havendo margem de discricionariedade quanto à realização ou não do controle

operacional.

1.4 Gestão de Políticas Públicas

A Gestão de Políticas Públicas nada mais é do que a avaliação da execução das

ações definidas como necessárias para a consecução das metas objetivadas com determinada

política pública. Consiste na avaliação do desempenho sob os pontos de vista operacional,

orçamentário, financeiro, patrimonial e contábil.

Nesse aspecto, cabe distinguir a gestão de políticas públicas, aqui tratada, da

avaliação que a sociedade e o público destinatário fazem de certa política pública, quanto a

sua pertinência e adequação à luz de seus interesses e das perspectivas criadas.

Essa avaliação do desempenho pode se dar de maneira concomitante e/ou a

posteriori.

Das espécies de auditoria ali elencadas, destaca-se a auditoria operacional,

consistente no exame do processo administrativo envolvido na elaboração de programas,

projetos e ações por parte do Poder Executivo. É na auditoria operacional que se deve aferir a

própria existência do necessário planejamento das ações de governo, refletido nas Peças

Orçamentárias, como, aliás, já exigia a Lei nº. 4.320/64:

(...) Art. 2° A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e

despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o

programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade

universalidade e anualidade.(...) (grifo nosso)

Para a auditoria operacional, interessam o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes

Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual: a adequação das despesas previstas na Lei

Page 19: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Orçamentária Anual aos Projetos vinculados a Programas, estes últimos constantes do Plano

Plurianual.

O ciclo da gestão de políticas públicas não se confirma sem a avaliação. É essa

etapa que conferirá ao Administrador Público o norte a servir de referência para a tomada de

novas decisões, como a sua continuidade, sua extinção ou sua adaptação.

Sem o diagnóstico do status quo, no momento da formulação e no momento da

implementação de determinadas políticas públicas, qualquer decisão adotada estará

desprovida de critérios que a justifique e legitime.

Por fim, deve-se destacar que Gestão de Políticas Públicas não se confunde com a

gestão pública. Esta última consiste na administração do funcionamento da máquina pública,

visando à otimização do uso dos recursos públicos no desempenho das atividades meio da

administração17

.

1.5 Síntese

Em resumo, a Gestão de Políticas Públicas compreende a Avaliação de

Desempenho que, por sua vez, contempla auditorias nos campos financeiro, orçamentário,

patrimonial, contábil e operacional.

A auditoria operacional, objeto desse estudo, de competência do Poder Legislativo

com o auxílio dos Tribunais de Contas, dirige o seu olhar para os Programas e Projetos

constantes das peças de planejamento. A auditoria operacional persegue o planejamento, a

ação, e o alcance das metas fixadas.

É na auditoria operacional que se exige do Administrador Público a demonstração

do cumprimento daquilo que foi proposto, bem como as justificativas em caso de

descumprimento.

Não se pode falar, portanto, em gestão de políticas públicas sem a auditoria

operacional.

17

PALUDO, Augustinho Vicente. Administração Pública – Teoria e Mais de 500 Questões . p. 47-

134.

Page 20: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

2 Princípio da Eficiência

2.1 Evolução Histórica dos Modelos de Administração Pública e de Estado

A evolução dos modelos de Administração Pública se dá tendo como paralelo a

evolução dos modelos de estado.

Imaginando-se uma linha do tempo, tem-se o estado liberal, o estado do bem-estar

social, e o estado neoliberal. Paralelamente, têm-se os modelos patrimonialista, burocrático e

gerencial de gestão.

O estado liberal é caracterizado pela ausência de intervenção no domínio

econômico e inexistência de prestação de serviços públicos, exceto a cobrança de impostos e a

segurança.

Idalberto Chiavenato18

narra que:

(...) O liberalismo econômico corresponde ao período de máximo

desenvolvimento da economia capitalista, a qual, baseada no individualismo

e no jogo das leis econômicas naturais, pregava a livre concorrência. A

livre concorrência, por seu turno, criou áreas de conflitos sociais intensos.

A acumulação crescente de capitais gerou profundos desequilíbrios pela

dificuldade de assegurar imobilizações com renda compatível para o bom

funcionamento do sistema. A partir da segunda metade do século XIX, o

liberalismo econômico começou a perder sua enorme influência,

enfraquecendo à medida que o capitalismo se agigantou com o despontar

dos Du Pont, Rockefeller, Morgan, Krupp etc. O novo capitalismo se inicia

com a produção em larga escala a partir das grandes concentrações de

maquinaria e de mão-de-obra (sic), criando situações extremamente

problemáticas de organização de trabalho, de ambiente, de concorrência

econômica, de padrão de vida, etc.(...)

Por sua vez, o estado do bem estar social se apresenta com uma maior presença do

poder público na vida privada e na forma de prestação de serviços públicos essenciais.

18

CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 3 e. São Paulo: McGraw

Hill do Brasil, 1983. p. 31.

Page 21: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

O estado neoliberal reflete uma redução na estrutura do estado, um enxugamento

de sua estrutura, na transferência da prestação de certos serviços públicos de natureza

econômica para a iniciativa privada, reservado o poder de regulação e fiscalização.

A esse respeito, interessante anotar a tradução de Diogo de Figueiredo Moreira

Neto19

sobre o processo de transformação do Estado e da Administração Pública:

(...) A Administração deve mudar porque o Estado muda e o Estado muda,

por sua vez, porque a sociedade está mudando aceleradamente. Face a esta

cadeia inescapável de causa e efeito, o que é preciso é compreendê-la, para

bem administrar as alterações. (...)

Com isso, dá-se a ascensão da sociedade, de objeto do jogo a protagonista

político, e se desenvolve um novo diálogo em que sobressaem as suas

demandas de eficiência e de ética em relação ao Estado, que, por isso, vai

deixando de ser dela um tutor para ser seu instrumento, e o indivíduo, em

consequência, passa de súdito a cidadão.(...).

2.1.1 Modelo Patrimonialista

Entende-se como modelo patrimonialista de gestão pública aquele em que a

estrutura do estado é tratada como uma extensão dos bens e direitos pertencentes ao detentor

do poder, do governante.

Vigorou desde que se conhece o Estado como uma instituição, e, mesmo no

estado de direito, deixa cicatrizes que constituem os verdadeiros obstáculos à realização do

interesse público e ao cumprimento dos princípios constitucionais na sua essência.

Nesse modelo de gestão, direitos individuais ou interesse público não passam de

meras aspirações.

Próprio dos regimes absolutistas que perduraram durante séculos na Europa, e, no

Brasil, herança da colonização portuguesa, o estado patrimonialista, típico de sociedades

patriarcais, caracteriza-se pela ausência completa de compromisso com o interesse público e

pela cultura dos privilégios, no dizer de Sérgio Buarque de Holanda20

:

(...) No Brasil, onde imperou, desde tempos remotos, o tipo primitivo da

família patriarcal, o desenvolvimento da urbanização – que não resulta

19

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Apontamentos sobre a reforma administrativa: Emenda

Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 2 20

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. “Edição Comemorativa dos 70 Anos”.

Organização Ricardo Benzaquen de Araújo e Lilia Moritz Schwarcz. [?]. São Paulo: Companhia

das Letras, 2006. p. 159

Page 22: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

unicamente do crescimento das cidades, mas também do crescimento dos

meios de comunicação, atraindo vastas áreas rurais para a esfera de

influência das cidades – ia acarretar um desequilíbrio social, cujos efeitos

permanecem vivos ainda hoje. Não era fácil aos detentores das posições

públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a

distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim,

eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionário „patrimonial‟

do puro burocrata conforme a definição da Max Weber. (...)

Formalmente superado, como se verá adiante, o patrimonialismo está enraizado na

sociedade brasileira, embora cada vez menos tolerado, como diariamente noticia a Imprensa.

2.1.2 Modelo Burocrático

Contrapondo-se com o modelo patrimonialista, a Teoria da Burocracia de Max

Weber defende um modelo de administração pautado no caráter legal das normas e

regulamentos, na formalidade das comunicações, na racionalidade e na divisão do trabalho, na

impessoalidade das relações, hierarquia da autoridade, nas rotinas e procedimentos padronizados,

competência técnica e meritocracia, especialização da administração, separada da propriedade,

profissionalização dos participantes e previsibilidade do funcionamento21

.

Traduzindo a Teoria da Burocracia, de Weber, Chiavenato leciona o seguinte22

:

(...) Weber identifica três fatores principais que favorecem o

desenvolvimento da moderna burocracia:

1. O desenvolvimento de uma economia monetária: a moeda não apenas

facilita, mas racionaliza as transações econômicas. Na burocracia a moeda

assume o lugar da remuneração em espécie para os funcionários,

permitindo a centralização da autoridade e o fortalecimento da

administração burocrática.

2. O crescimento quantitativo e qualitativo das tarefas administrativas

do Estado Moderno: apenas um tipo burocrático de organização poderia

arcar coma enorme complexidade e tamanho de tais tarefas.

3. A superioridade técnica – em termos de eficiência – do tipo

burocrático de administração: que serviu como uma força autônoma interna

para impor sua prevalência. „A razão decisiva da superioridade da

organização burocrática sempre foi unicamente sua superioridade técnica

sobre qualquer outra forma de organização.

O desenvolvimento tecnológico fez com que as tarefas administrativas, para

o acompanharem, tendessem ao aperfeiçoamento. Assim, os sistemas sociais

cresceram em demasia, as grandes empresas passaram a produzir em

massa, sufocando as pequenas. Além disso, nas grandes empresas há uma

necessidade crescente de cada vez mais se obter um controle e uma maior

previsibilidade do seu funcionamento. (...)

21

Idem 17. p. 282/283. 22

Ibidem 17. p. 282.

Page 23: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

O modelo burocrático de gestão foi introduzido no Brasil na década de 30, quando

da primeira reforma administrativa, sendo uma reação ao modelo patrimonialista então

vigente.

Registre-se: não uma reação política idealista, como se poderia supor em uma

leitura rápida, mas uma reação altamente relacionada a interesses econômicos da iniciativa

privada, não disposta a se sujeitar e investir o seu capital sem a mínima segurança jurídica.

Relacionada também à evolução da sociedade e de suas demandas por maior racionalização

da atividade administrativa. Essa é a idéia que se pode extrair do histórico da burocratização

do país, feito por Carlos Henrique Assunção Paiva23

:

(...) De qualquer maneira, na visão do autor, o estreito fosso entre

burocracia e administração patrimonial começa a ser alargado ainda nos

tempos do Imperador2. Segundo Fernando Uricoechea (1978, p.96), isso

ocorre em primeiro lugar, em razão da atuação das próprias agências

burocráticas centrais que pressionavam no sentido de progressiva

racionalização na administração pública; em segundo lugar, pelo forte

impacto racionalizador, na economia e na sociedade, produzido pela

indústria do café; por último, em virtude da Guerra do Paraguai (1864-

1870), que incitou a administração central a uma racionalização

compulsória dos recursos e finanças nacionais, diante do conflito sem

precedentes e de grandes proporções.

Apesar de todos os esforços rumo a uma concepção de administração

pública mais técnica, racionalizada e burocrática3, em lugar da visão

personalista, paternalista e patrimonialista da época, devemos localizar no

período somente a gênese do processo de burocratização, pois este não se

institui abruptamente. Não foi nesse contexto que as normas burocráticas

procuraram indicar de maneira muito peculiar as “regras do jogo”, mas

sim, no correr dos anos 1920 e mais explicitamente após à Revolução de

1930, quando uma seqüência de reformas político-administrativas, dentro

de um quadro geral de transformações sociais, conferiu nova organização

ao aparelho do Estado. Desse modo, sustentar a existência de uma

burocracia e de uma administração pública, aos moldes weberianos,

durante o século XIX, seja talvez carregar nas cores uma realidade ainda

bastante tímida e discreta. (...)

É nesse cenário que a estrutura do estado ganha força e tamanho. Assim como sua

presença na vida privada, como regulador e provedor.

Marcos do modelo burocrático de gestão e do estado do bem estar social são as

estatais criadas no período, como o Departamento de Serviço Público – DASP (1938), o

Instituto de Resseguros Brasileiro (1939), a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a

23

PAIVA, Carlos Henrique Assunção. A Burocracia no Brasil: as bases da administração pública

nacional em perspectiva histórica (1920-1945). Disponível em

http://www.scielo.br/pdf/his/v28n2/27.pdf. Acessado em 03/03/2012.

Page 24: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Companhia Vale do Rio Doce (1942), a Hidrelétrica do Vale do São Francisco (1945), a

Petrobrás (1953), a Eletrobrás (1961).

Caio Marini24

, no texto denominado ”Desenvolvendo a Cultura Empreendedora

na Administração Pública: Panacéia, Utopia ou Realidade?, de forma bastante didática,

apresenta os nomes mais marcantes do modelo burocrático de gestão, no mundo e no Brasil:

(...) O movimento de implantação das burocracias no mundo ocidental (do

final dos anos 1800 até a década de 1940) – baseado na idéia de

racionalidade, de adequação dos meios aos fins, de eficiência – deu-se como

reação à cultura patrimonialista5 vigente. Destaco, pelo menos, três

importantes personagens: (i) o presidente norte-americano Woodrow Wilson

que, em 1887, publicou o seu clássico Estudo da Administração, propondo

iniciativas de estruturação da administração pública e defendendo uma

rigorosa separação entre política e administração, para se afastar do spoils

system, fonte da discricionariedade e da corrupção; (ii) o engenheiro norte-

americano Frederick Taylor –– um obcecado pelos cronômetros –– que, em

1911, ao exaltar a produtividade e a eficiência, “inventou” a administração

científica, destacando a necessidade da busca da melhor maneira (“the one

best way”) de realizar as tarefas; (iii) o sociólogo alemão Max Weber que,

ao estudar os tipos de sociedade e as formas de exercício da autoridade

(tradicional e carismática), desenvolveu, como alternativa, o modelo

racional-legal (burocrático) a partir de seus atributos (impessoalidade,

especialização, normatização, hierarquização, meritocracia etc.) e das

funcionalidades decorrentes.(...) (5) O modelo patrimonialista se

caracterizava pela impossibilidade de se distinguir o interesse público do

interesse privado; nele, o aparelho do Estado funcionava como uma extensão

do poder do soberano, e os cargos eram considerados prebendas. Como

conseqüência, o modelo produzia corrupção, o clientelismo e o

nepotismo.(...)

Leciona Bresser-Pereira que o modelo burocrático não foi suficiente para extirpar

as práticas patrimonialistas ou clientelistas da administração25

:

“(...) A crise do modelo burocrático de administração pública, que foi

introduzido no país nos anos 30, no governo Vargas, começou ainda no

regime militar, devido a sua incapacidade em extirpar as práticas

patrimonialistas ou clientelistas da administração. O regime militar foi capaz

de criar agências burocráticas insuladas, mas elas co-existiram com o

clientelismo e o corporativismo (Nunes, 1984). Ao invés de consolidar uma

burocracia profissional no país, através da redefinição das carreiras e de um

24

MARINI, Caio. Desenvolvendo a cultura empreendedora na administração pública: panacéia,

utopia ou realidade? Disponível em

www.novo.fundap.sp.gov.br/egap/PAvGESTAOPUBLICA/.../CAIOMARINI. Acessado em

13/02/2012. 25

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Uma Reforma Gerencial da Administração Pública no Brasil.

Disponível em http://www.bresserpereira.org.br/papers/1997/92refadm.pdf. Acessado em

03/04/2012.

Page 25: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

processo sistemático de abertura de concursos públicos para a alta

administração, o regime militar preferiu o caminho mais curto do

recrutamento de administradores através das empresas estatais 5. (...)”

E prossegue:

“(...) Esta estratégia oportunista do regime militar, que resolveu adotar a

saída mais fácil da contratação de altos administradores através das

empresas, inviabilizou a construção no país de uma burocracia civil forte,

nos moldes que a reforma de 1936 propunha. A crise agravou-se, entretanto,

a partir da Constituição de 1988, quando se salta para o extremo oposto e a

administração pública brasileira passa a sofrer do mal oposto: o

enrijecimento burocrático extremo. As conseqüências da sobrevivência do

patrimonialismo e do enrijecimento burocrático, muitas vezes perversamente

misturados, serão o alto custo e a baixa qualidade da administração pública

brasileira6.(...)”

A ineficiência da administração pública burocrática, porque não estava voltada

propriamente para o interesse do cidadão, mas ao rompimento com o patrimonialismo naquilo

que era mais essencial: separar o público do privado, rende ensejo a inúmeras críticas ao

modelo.

Chiavenato, reportando-se a Robert K. Merton26

, elenca as disfunções da

burocracia27

:

- maior internalização das regras e exagerado apego aos regulamentos;

- excesso de formalismo e de papelório;

- resistência a mudanças;

- despersonalização do relacionamento;

- categorização como base do processo decisorial;

- superconformidade às rotinas e procedimentos;

- exibição de sinais de autoridade;

- dificuldade no atendimento a clientes e conflitos com o Público;

No dizer de Bresser Pereira28

:

26

MERTON, Robert K.. „Estrutura Burocrática e Personalidade‟, in Organizações Complexas, cit., p.

57-58. 27

Ibidem 17. p. 291/294. 28

BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da Administração Pública Burocrática à Gerencial. In Reforma

do Estado e Administração Pública Gerencial. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; SPINK, Peter

Kevin. Organizadores. Tradução Carolina Andrade. 7 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p.

241.

Page 26: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

(...) No momento em que o Estado se converteu no grande Estado social e

econômico do século XX, assumindo um número crescente de serviços

sociais – educação, saúde, cultura, previdência e assistência social,

pesquisa científica – e de papéis econômicos – regulação do sistema

econômico interno e das relações econômicas internacionais, estabilidade

da moeda e do sistema financeiro, provisão de serviços públicos e de infra-

estrutura (sic) - , nesse momento, o problema da eficiência se tornou

essencial.(...)

Ele acrescenta que a necessidade de uma administração pública gerencial não

decorre apenas de problemas de crescimento e das decorrentes diferenciação de estruturas e

complexidade crescente da pauta de problemas a serem enfrentados, mas também da

legitimação da burocracia perante as demandas da cidadania.(...).

Assim, é possível concluir que o modelo gerencial não significou um rompimento

- como se verificou na transição do patrimonialismo para a burocracia. Talvez uma evolução

ou uma reinvenção desta última, que ganhou mais um ingrediente: a eficiência.

2.1.3 Modelo Gerencial e a Emenda Constitucional n. 19/98: a ADIN 21355

Assim é que o modelo gerencial foi idealizado. Inicialmente em 1967, e,

resgatado, na década de 90, durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

Destaca-se, nesse contexto, a Emenda Constitucional n. 19/98 que estabeleceu

mudanças importantes no artigo 37, introduzindo, dentre outras coisas, o princípio da

eficiência.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto29

criticando severamente o texto da Emenda

Constitucional, afirma que, sem a educação do administrado, que não se dá por decreto ou

por emenda, ou por lei, mas com o aprimoramento da cidadania e do civismo, de nada

adianta a alteração da estrutura e funcionamento do Estado:

(...) para a efetiva realização de uma reforma administrativa que atenda às

necessidades do Estado contemporâneo, não basta promover alterações de

estrutura e de funcionamento, pretendendo seguir parâmetros e modelagens

desenvolvidos na administração do setor privado. Muito mais que isso, é

preciso mudar a mentalidade dos administradores públicos, para que não

mais se considerem os senhores da coisa pública, olimpicamente

distanciados dos administrados, como se não tivessem outra obrigação que

a de meramente desempenhar as rotinas burocráticas para terem cumprido

seu dever funcional.

29

Idem 2. p. 193-140.

Page 27: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Mas, além disso e sobretudo, como condição de êxito de qualquer reforma

que se pretenda democrática, também é preciso mudar a mentalidade do

público usuário, para que este se convença de que ele é afinal a razão de

existirem serviços públicos, Administração Pública, o Estado e o próprio

conceito de público. (...)

Nesse ponto, não é demais anotar, a propósito das falhas da Emenda

Constitucional, ter ela sido objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2135,

promovida pelo Partido dos Trabalhadores, Partido Comunista do Brasil e Partido Socialista

do Brasil em que o Supremo Tribunal Federal, por maioria, deferiu parcialmente a medida

cautelar30

para suspender a eficácia do artigo 39, caput, da Constituição Federal, com a

redação da Emenda Constitucional 19, de 04 de junho de 199831

, nos termos do voto do

relator originário, Ministro Néri da Silveira, com efeitos ex nunc, subsistindo a legislação

editada nos termos da emenda declarada suspensa.

O que torna essa informação relevante é o fato de que o dispositivo constitucional

inserido pela Emenda instituiu o Regime Jurídico Único e Planos de Carreira para os

servidores públicos, o que ensejou mudanças na legislação de diversos entes federados.

Em que pese a liminar ter efeitos ex nunc, como expressamente constou da

decisão, eventual procedência ou improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade,

cujos efeitos são ex tunc, poderão ensejar consequências diretas no regime jurídico de

centenas de servidores públicos, situação que causa razoável insegurança jurídica.

2.2 A eficiência como princípio da Administração Pública

2.2.1 Eficiência, Eficácia e Efetividade

O princípio constitucional da eficiência traz em si três conceitos: a eficiência

propriamente dita, a eficácia e a efetividade, com diferentes conteúdos jurídicos.

Compreende-se a eficiência propriamente dita como o cumprimento de metas e

resultados com os menores custos possíveis, traduzindo a idéia de economicidade ou de

relação entre os insumos (inputs) e os produtos (outputs).

Eficácia, por sua vez, abrange a noção de atingimento dos resultados previamente

idealizados ou programados, sob o ponto de vista quantitativo e qualitativo.

30 Plenário. Sessão de 02.08.2007. Acórdão publicado no DJ de 07.03.2008. 31

(...) Art. 39. A União, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência,

regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das

autarquias e das fundações públicas. (...)

Page 28: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Já a efetividade está relacionada aos efeitos produzidos por determinada ação em

relação ao público destinatário.

Não basta que a Administração atenda ao princípio da economicidade, sem atingir

as metas e resultados programados.

Tampouco se admitem ações econômicas, com metas e resultados atingidos, sem

qualquer resultado positivo para o público dela destinatário.

Daí porque se entende que, no modelo gerencial de administração pública, o

princípio da eficiência em sentido amplo está permeado por essas três nuances. É dizer: a

eficiência, a eficácia e a efetividade, juntas, são condição sine qua non de legitimidade das

ações do Estado.

Por certo, de se ressaltar que o princípio da eficiência não se contrapõe – ao

contrário, anda de mãos dadas – ao princípio da legalidade, sendo absolutamente vedado

invocá-lo para legitimação do desatendimento da lei. No dizer de Celso Antonio Bandeira de

Mello32

:

(...) o fato é que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é

demais fazer ressalvas óbvias) senão na intimidade do princípio da

legalidade, pois jamais uma suposta busca de eficiência justificaria

postergação daquele que é o dever administrativo por excelência.

Finalmente, anote-se que este princípio da eficiência é uma faceta de um

princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito

italiano: o princípio da „boa administração‟ (...).

Finalmente, necessário destacar, como bem observou Emerson Gabardo33

, “a

origem da eficiência como símbolo, valor e princípio, está intimamente ligada ao advento da

modernidade, com sua crença na capacidade do homem de alterar o seu destino, ao

surgimento do Estado Social, em razão de sua preocupação ética com a dignidade da pessoa

humana, e à firmação do Estado Interventor, por conta de sua concreta capacidade de conter

as falhas do setor privado e responsabilizar-se pelo atendimento das necessidades coletivas”.

2.3 Princípio da Eficiência e Auditoria Operacional

32

BANDEIRA DE MELLO,Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 21 ed. São Paulo:

Malheiros Editores, 2006. p. 118. 33

GABARDO, Emerson. Eficiência e Legitimidade do Estado: uma análise das estruturas simbólicas

do direito político. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 196.

Page 29: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

É nesse conceito amplo de eficiência que se sustenta a auditoria operacional, e

aqui se alcança o objeto principal desse estudo, pois, como exposto, a auditoria de

conformidade, limitada a aspectos formais, sozinha, não dá concretude ao princípio

constitucional da eficiência.

Como afirma Hilkka Summa34

, no capítulo intitulado “Definições e Estruturas” na

obra “Desempenho ou legalidade?: auditoria operacional e de gestão pública em cinco países”, a

auditoria operacional envolve o exame da economicidade, da eficiência e da efetividade do

desempenho da Administração Pública:

(...) As definições mais aceitas correlacionam auditoria operacional com a

revisão dos „três Es‟ – economicidade, eficiência e efetividade dos entes

públicos ou programas. A Organização Internacional dos Entes Supremos

de Fiscalização (INTOSAI) afirma que a auditoria operacional abarca:

- auditar a economicidade de atividades administrativas de acordo com

princípios e práticas administrativas sólidas, e de políticas administrativas;

- auditar a eficiência da utilização de recursos humanos, financeiros e

demais, incluindo o exame dos sistemas de informação, medidas de

desempenho e arranjos de monitoramento, bem como os procedimentos

seguidos pelas entidades auditadas para remediar as deficiências

identificadas;

- auditar a efetividade do desempenho em relação ao cumprimento dos

objetivos da entidade auditada, e auditar os impactos efetivos destas

atividades, comparados com os impactos que se pretendiam causar

(INTOSAI, 1992, P. 19).(...)

Daí porque a autora afirma que uma diferença essencial entre a auditoria

operacional e a auditoria tradicional é o seu papel: a primeira exerce julgamento, juízo de

valor sobre as constatações, ao passo que a segunda é mera verificação.

A autora ainda sustenta que a auditoria operacional não se confunde com o

monitoramento do desempenho e a avaliação (de programa), com o que, com o máximo

acatamento, não se concorda, porque, nesse caso, retirar-se-ia dos Tribunais de Contas a

prerrogativa de examinar a eficiência sob o ponto de vista da efetividade.

Decorrência da Emenda Constitucional n. 19, e mais um marco legal do princípio

da eficiência propriamente dita, voltada aos aspectos econômico-financeiros, é a Lei de

Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar n. 101/2000.

34

SUMMA, Hilkka. Definições e Estruturas. In POLLITT, Christopher. Desempenho ou legalidade?:

auditoria operacional e de gestão pública em cinco países = Performance or Compliance?:

Performance Audit & Public Management in Five Countries/Christopher Pollitt... [ET AL.];

tradução Pedro Buck. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 41.

Page 30: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Interessante registrar a percepção de Flávio C. de Toledo Jr., e Sérgio Ciquera

Rossi, na obra Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada Artigo por Artigo35

, no sentido de

que a edição da lei foi uma medida necessária à redução do déficit governamental resultante

das ações inerentes ao modelo de bem estar social:

(...) De fato, até 1929 a gestão econômica exigia, sempre, orçamentos

equilibrados, despesas nunca maiores que as receitas, até porque se

atribuíam funções limitadas ao Poder Público: garantir a segurança e a

defesa nacional, distribuir justiça, produzir leis e, no máximo, assegurar

ensino público de qualidade. (...) Então, naquele ano, 1929, a quebra da

Bolsa de Nova York precipitou a grande depressão mundial. Ato contínuo,

falência em série e milhões de trabalhadores desempregados.

A salvação foi pensada pelo economista inglês John M. Keynes, e posta em

prática pelo presidente Roosevelt, dos EUA. E qual era ela? Nada mais,

nada menos, que um velho conhecido nosso, o déficit governamental.

A partir daí, os gastos deficitários estimularam a atividade econômica,

atenuaram as freqüentes crises do regime de mercado e garantiram

investimentos em infra-estrutura, mediante construção de usinas, ferrovias,

estradas, portos.

Esse processo, contudo, entra em crise nos anos 80. A intensificação do

fenômeno inflacionário, o baixo ou negativo crescimento das economias

nacionais, a insuficiente capacidade de investimento do setor governo, as

crises do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State), a falência do mundo

socialista, todas essas motivações restringiram o modelo keynesiano,

recuperando os pressupostos da economia clássica.

Hoje, o pensamento liberal retomou sua antiga força. O Estado deve

retomar suas funções clássicas, o que subtrai do déficit seu fundamento

maior. Os orçamentos equilibrados voltam a ser premissa essencial no

desenvolvimento das nações e, por isso, o descompasso fiscal deve ser

duramente combatido, pois que gera inflação e, portanto, desordem

econômica. (...).

2.4 Síntese

Em linhas gerais, o princípio da eficiência tal qual hoje é conhecido, nas três

nuances – eficiência em sentido estrito, eficácia e efetividade – ganhou visibilidade a partir da

transição do modelo de gestão burocrático para o gerencial, com a Reforma Administrativa do

Estado, sendo um caminho sem volta a nortear e legitimar todas as ações administrativas.

35

TOLEDO JR., Flávio C. ROSSI, Sérgio Ciquera. Lei de Responsabilidade Fiscal: Comentada

artigo por artigo. 3 e. São Paulo: Editora NDJ, 2005. p. 8.

Page 31: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

3 Os Tribunais de Contas

3.1 Competência Constitucional

Num estado democrático de direito, e, sobretudo, num estado em que vigora a

tripartição de poderes, independentes e harmônicos, cada qual com suas funções típicas e

atípicas, dentre estas a fiscalização recíproca a revelar o sistema de freios e contrapesos, a

atuação do Tribunal de Contas se apresenta de suma importância.

Como exposto inicialmente, sua competência encontra previsão expressa no artigo

70, da Constituição Federal de 1988 e nas Constituições dos Estados. No caso do estado de

São Paulo, a atuação do Tribunal de Contas está disciplinada no artigo 32 da sua Constituição.

É possível afirmar que, no exercício de sua função constitucional, os Tribunais de

Contas são o braço técnico do Poder Legislativo, subsidiando-o no controle que exerce sobre

o Poder Executivo, controle este que, registre-se, acontece a partir de premissas não apenas

técnicas, mas também políticas, no sentido técnico da palavra36

.

Segundo o artigo 70 da Constituição Federal37

, replicado pelo artigo 32 da

Constituição do Estado de São Paulo38

, o Poder Legislativo exerce fiscalização contábil,

36

Po.lí.ti.ca sf 1 arte ou ciência da organização, direção e administração de nações, Estados 2

conjunto de princípios ou opiniões referentes ao Estado, ao poder. HOUAISS, Antônio e VILLAR,

Mauro de Salles. Minidicionário Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa

S/C Ltda. 3ª e. rev. e aum. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p.587. 37

(...) Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União

e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade,

economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso

Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. (...) (grifo

nosso) 38

(...) Artigo 32 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do

Estado, das entidades da administração direta e indireta e das fundações instituídas ou mantidas

pelo Poder Público, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e

renúncia de receitas, será exercida pela Assembléia Legislativa, mediante controle externo, e pelo

sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único - Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou de direito

privado, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou

Page 32: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Poder Executivo, e das entidades da

Administração Direta e Indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação

de subvenções e renúncia de receitas, mediante controle externo, com o auxílio dos Tribunais

de Contas.

Para esse fim, compete aos Tribunais de Contas:

apreciar as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder

Executivo, mediante parecer prévio, a ser elaborado no prazo de 60 dias do

seu recebimento;

julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por

dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta,

incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder

Público, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra

irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;

apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de

pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as

fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as

nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das

concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias

posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;

realizar inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira,

orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos

Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades instituídas e

mantidas pelo Poder Público;

aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou

irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre

outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;

assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências

necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a

decisão ao Legislativo;

representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos

apurados.

Convém destacar que, embora possam parecer atividades autônomas, as

fiscalizações contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial são

interdependentes.

A propósito, não é possível falar em controle operacional de atividades que não

tenham contado com prévio planejamento financeiro e orçamentário, e que não estejam

adequadamente contabilizados.

Não é a toa que o artigo 167 da Constituição Federal veda o início de programas

ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual.

pelos quais o Estado responda, ou que, em nome deste, assuma obrigações de natureza pecuniária.

(...) (grifo nosso)

Page 33: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

O planejamento financeiro, orçamentário e a estruturação contábil, consolidados

através da edição da Lei nº. 4.320/64 e da Lei Complementar nº. 101/2000, foram os

primeiros passos para que aperfeiçoamentos possam sobrevir, como é o caso da fiscalização

operacional.

Daí porque o artigo 15 da Lei de Responsabilidade Fiscal considera como

despesas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público aquelas que não tenham

adequação orçamentária e financeira com a Lei Orçamentária Anual e compatibilidade com o

Plano Plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Segundo o artigo 174 da Constituição Federal, como agente normativo e regulador

da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização,

incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o

setor privado.

Veja-se que, se o planejamento é determinante, são vedados programas ou

projetos não previstos na Lei Orçamentária Anual.

Na Lei Orçamentária Anual deve estar previsto o quanto cada projeto, vinculado a

determinado programa, deverá receber de acordo com os seus respectivos custos.

A despeito disso, na prática, o que se vê é a distribuição de recursos por função ou

por órgão, segundo critérios não técnicos.

Outro fator que constitui dificuldade real para a eficácia da gestão de políticas

públicas por meio da auditoria operacional é o caráter não vinculativo do orçamento público,

além da não obrigatoriedade de acolhimento, por parte do Poder Legislativo, dos pareceres

emitidos pelas Cortes de Contas.

Essas parecem ser fortes causas da não implementação de políticas públicas de

forma completa, bem como da falta de pertinência entre as políticas públicas adotadas e as

políticas públicas esperadas pelo cidadão.

O que se espera da avaliação de políticas públicas é a tomada de decisões quanto à

continuidade, da exata maneira com que foi concebida, à readequação, a partir da constatação

de falhas que não comprometem como um todo, ou à sua extinção, seja pela resolução do

problema para a qual foi criada, seja pela aceitação de sua ineficácia em relação a esse

problema.

Sendo assim, importante que se diferencie, desde logo, as modalidades de

auditoria desempenhadas pelos Tribunais de Contas.

Page 34: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

3.2 A Auditoria de Desempenho Operacional

Antes de se desenvolver o exame da auditoria operacional, é relevante consignar

que o Brasil é membro do INTOSAI AUDITING STANDARDS COMMITEE, do qual

resultou o documento denominado Implementation Guidelines for Performance Auditing39

.

Segundo esse documento, a auditoria governamental se divide em duas

modalidades – a auditoria de regularidade e a auditoria de desempenho, sendo certo que esta

última abrange o exame das ações administrativas à luz da economicidade, eficiência e

efetividade:

(…) 1.1 What is performance auditing according to INTOSAI?

INTOSAI‟s Auditing Standards (AS 1.0.38 and 1.0.40) state the following:

The full scope of government auditing includes regularity and performance

audit‟, and „Performance auditing is concerned with the audit of economy,

efficiency and effectiveness and embraces:

(a) audit of the economy of administrative activities in accordance with

sound administrative principles and practices, and management policies;

(b) audit of the eff ciency of utilisation of human, f nancial and other

resources, including examination of information systems, performance

measures and monitoring arrangements, and procedures followed by audited

entities for remedying identified deficiencies; and (c) audit of the

effectiveness of performance in relation to achievement of the objectiveness

of the audited entity, and audit of the actual impact of activities compared

with the intended impact‟.

Performance auditing is based on decisions made or goals established by

the legislature, and it may be carried out throughout the whole public

sector.(…) 40

39

Disponível em http://intosai.connexcc-hosting.net/blueline/upload/1implgperfaude.pdf. Acesso em

19/09/2011. 40

“(…) “(...) 1.1. O que é auditoria de desempenho de acordo com INTOSAI?

Os padrões de auditoria INTOSAI (AS 1.0.38 e 1.0.40) estabelecem o seguinte:

O escopo da auditoria governamental inclui a auditoria de regularidade e a auditoria de

desempenho, e esta está voltada para a auditoria de economia ou economicidade, eficiência e

efetividade, e contempla:

a) auditoria de economicidade das atividades administrativas de acordo com os princípios e práticas

administrativas, e políticas de gerenciamento ou gestão;

Page 35: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Embora não tenha caráter normativo, tal documento é uma referência entre os

entes de auditoria de diversos países e, no caso do Brasil, é adotado pelo Tribunal de Contas

da União, a exemplo do que consta do seu Manual de Auditoria Operacional41

.

Assim é que, quando se fala em auditoria operacional, no Brasil, fala-se do exame

da conformidade das ações desenvolvidas à luz do planejamento inicial, sob os pontos de vista

da eficiência, eficácia e efetividade.

É dizer: a auditoria operacional está para os resultados e para o controle gerencial

assim como a auditoria de conformidade ou regularidade está para os processos e para o

controle burocrático.

Desse modo, é também possível afirmar que a auditoria, do ponto de vista

financeiro, orçamentário, contábil, e patrimonial, relaciona-se com o conceito de auditoria de

regularidade, ao passo que a auditoria operacional se amolda à definição de auditoria de

performance ou de desempenho.

De igual forma, não se pode falar em auditoria operacional sem se visualizar a

operação, o processo pelo qual a ação do estado se dá.

A respeito da auditoria de desempenho operacional, interessante trazer à baila

artigo publicado na página da Escola de Contas do Tribunal de Contas do Município de São

Paulo, da lavra de Moacir Marques da Silva42

, em que faz apontamentos sobre as noções de

auditoria integrada e de auditoria global.

Para o autor, a auditoria de desempenho operacional ou de gestão, abrange

economia, eficiência e eficácia, sendo que, uma vez associada à auditoria de regularidade,

denomina-se auditoria integrada. O autor acrescenta ainda o conceito de auditoria global,

assim entendida a auditoria integrada unida à auditoria de eqüidade, ética e ecologia.

b) auditoria de eficiência na utilização de pessoal, recursos financeiros e outros, incluindo sistemas

de exame de informações, acordos de mensuração e monitoramento de desempenho e

procedimentos seguidos por entidades de auditoria para sanar deficiências identificadas; e

c) auditoria de efetividade do desempenho em relação ao alcance dos objetivos da entidade e

auditoria do impacto verificado comparado com o impacto pretendido.

A auditoria de desempenho é baseada em decisões adotadas ou objetivos estabelecidos pela Lei e

deve ser conduzida por todo o setor público. (...)”. (Tradução livre) 41

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Manual de Auditoria Operacional. Disponível em

http://portal2.tcu.gov.br. Acessado em 19/09/2011. 42

SILVA, Moacir Marques. Auditoria Global - Perspectivas para os Tribunais de Contas. Disponível

em <http://www.escoladecontas.tcm.sp.gov.br/artigos.htm.> Acesso em 02/03/2012.

Page 36: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Vale dizer que a auditoria de desempenho, tamanha sua importância, está inserida

no Mapa Estratégico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo43

.

No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, por exemplo, são itens

obrigatórios do Relatório de Fiscalização, as seguintes questões:

O Plano Plurianual prevê despesas de capital e programas de duração

continuada para o quadriênio?

O Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias estabelecem,

por programa de governo, custos estimados e metas físicas?

A Lei de Diretrizes Orçamentárias contém o Anexo de Metas Fiscais?

A Lei de Diretrizes Orçamentárias contém o Anexo de Riscos Fiscais?

A Lei de Diretrizes Orçamentárias prevê critérios para limitação de

empenho e movimentação financeira?

A Lei de Diretrizes Orçamentárias prescreve critérios para concessão

de auxílios/subvenções/contribuições e outros repasses ao Terceiro Setor?

A Lei Orçamentária Anual abrange todas as entidades públicas do

município?

A Lei Orçamentária Anual apresenta a despesa até o nível do

elemento?

A Lei Orçamentária Anual contém autorização para abertura de

créditos suplementares, em percentual superior a 5%?

Dispondo de mais de 20 mil habitantes, o município tem Plano

Diretor?

Ainda, quanto às Leis Orçamentárias, avalia-se a existência de prévio debate em

audiências públicas, comprovados por Atas, a tempestiva aprovação legislativa, até o

encerramento do período legislativo, e se está disponível na página eletrônica do município,

além da relação de pertinência entre umas e outras.

Interessante registrar a existência de todo um movimento destinado à

padronização dos procedimentos de auditoria governamental por parte dos Tribunais de

Contas, do qual resultaram as Normas de Auditoria Governamental – NAGs, contendo

diretrizes fundamentais para a realização de auditorias contábeis, operacionais e de

cumprimento:

NAG 1000 - Normas Gerais;

NAG 2000 - Relativas aos Tribunais de Contas;

NAG 3000 - Relativas aos Profissionais de Auditoria Governamental;

NAG 4000 - Relativas aos Trabalhos de Auditoria Governamental. .

Segundo as Normas Gerais, considera-se auditoria operacional:

43

“Fiscalizar, orientar e divulgar, em tempo real, o uso dos recursos públicos, priorizando a

auditoria de resultados e a aferição da satisfação social, consolidando uma imagem positiva

perante a sociedade.” Disponível em www.tce.sp.gov.br

Page 37: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

(...) 1102.1.2 – (...) o exame de funções, subfunções, programas, ações

(projetos, atividades, operações especiais), áreas, processos, ciclos

operacionais, serviços e sistemas governamentais com o objetivo de se

emitir comentários sobre o desempenho dos órgãos e das entidades da

Administração Pública e o resultado das políticas, programas e projetos

públicos, pautado em critérios de economicidade, eficiência, eficácia,

efetividade, equidade, ética e proteção ao meio ambiente, além dos

aspectos de legalidade. (...)

Já a série 4000 traz normas relativas aos trabalhos de auditoria propriamente dita,

dentre as quais se destaca a Norma 4102, que versa sobre a metodologia obrigatória,

abrangendo o exame da legalidade, legitimidade, razoabilidade, impessoalidade, publicidade e

moralidade dos atos administrativos quanto a aspectos orçamentários, financeiros, contábeis e

patrimoniais, assim como a avaliação do sistema de controles internos e dos aspectos

operacionais de desempenho da gestão e de resultados das políticas públicas, sob os critérios

da economicidade, eficiência, eficácia, efetividade, equidade, ética e proteção do meio

ambiente, aqui identificado o conceito de auditoria global acima referido.

Dessas normas extrai-se a obrigatoriedade de os órgãos de auditoria disporem de

mecanismos para seleção do objeto de auditoria, segundo critérios objetivos de relevância,

risco e materialidade, termos também conceituados44

.

Importante também a análise quanto ao cumprimento de decisões e

recomendações anteriores, o atingimento das metas de efetividade e equidade, e dos objetivos

e resultados pretendidos45

.

Ainda, os controles internos, inclusive os contábeis, financeiros, administrativos e

outros, devem ser objeto de atenção46

.

44

4106.1 – A relevância refere-se à importância relativa para o interesse público ou para o segmento

da sociedade beneficiada.

4106.2 – O risco é a possibilidade de ocorrência de eventos indesejáveis, tais como erros, falhas,

fraudes, desperdícios ou descumprimento de metas ou de objetivos estabelecidos. O risco é

classificado na forma descrita na NAG 4311.1.

4106.3 – A materialidade refere-se à representatividade dos valores ou do volume de recursos

envolvidos. 45

4201.2.4 – Foram adotadas pelos entes auditados as providências para sanar as deficiências

detectadas em auditorias anteriores, nos termos das decisões e recomendações dos TCs.

4201.2.5 – Os programas, projetos, atividades, operações e ações governamentais atingiram a

efetividade e a equidade pretendidas em relação ao alcance de seus objetivos.

4201.2.6 – Foram alcançados os objetivos e os resultados pretendidos. 46

4207.2 – Os controles internos compreendem todas as atividades da organização estruturadas e

implantadas com a finalidade de demonstrar e documentar que uma determinada obrigação legal ou

um objetivo, uma meta ou um indicador específico foram cumpridos de acordo com os requisitos

legais ou operacionais previamente estabelecidos.

Page 38: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Por fim, altamente recomendada a elaboração de manual de auditoria

governamental e guias de capacitação, visando ao seu entendimento e observância47

.

Interessante registrar que, dessa série de normas, consta expressa observação na

norma 4203 quanto à ausência de competência dos Tribunais para a revisão da orientação

política dos programas de governo, que não afasta a prerrogativa de, detectando

inconsistências ou falhas na estruturação de programas e ações governamentais que possam

causar prejuízos ou desperdícios ou mesmo comprometer os benefícios esperados para o

público alvo, identificar suas causas e efeitos e recomendar as medidas corretivas

necessárias.

O Tribunal de Contas do Distrito Federal é pioneiro na aplicação das NAGs como

padrão de procedimentos de auditoria, como se depreende da decisão adiante transcrita:

(...) SECRETARIA DAS SESSÕES

SESSÃO ORDINÁRIA Nº 4465, DE 11 DE OUTUBRO DE 2011

PROCESSO Nº 31.515/10

RELATOR: Conselheiro ANTONIO RENATO ALVES RAINHA

EMENTA: Auditoria operacional realizada na Secretaria de Estado de

Saúde do Distrito Federal com o propósito de avaliar o Programa

Assistência Farmacêutica no que concerne à capacidade de o Governo do

Distrito Federal fornecer à população, de forma gratuita e tempestiva, os

medicamentos integrantes da Assistência Farmacêutica Básica.

DECISÃO Nº 5081/2011

O Tribunal, por unanimidade, de acordo com o voto do Relator, decidiu: I -

tomar conhecimento do Relatório de Auditoria Operacional realizada no

programa Assistência Farmacêutica da Secretaria de Estado de Saúde do

Distrito Federal; II - determinar à Secretaria de Estado de Saúde do

Distrito Federal que adote as providências a seguir indicadas: a) abastecer,

de forma ininterrupta, os Centros de Saúde do Distrito Federal com todos os

medicamentos constantes da REME/DF, especialmente os integrantes do

Componente da Assistência Básica; b) cumprir o disposto no artigo 16 da

Portaria nº 348/2008, a fim de quantificar a demanda por medicamentos

não atendida (demanda reprimida) existente no Distrito Federal; c)

elaborar e implementar procedimentos operacionais-padrão para todas as

atividades que compõem o ciclo da assistência farmacêutica; d) estabelecer:

d.1) normas e procedimentos com vistas ao registro dos medicamentos

efetivamente consumidos, isto é, dispensados ou utilizados, com indicação

do paciente e respectiva medicação dispensada/utilizada, e a sua utilização,

associada à informação relativa à demanda

4207.3 – Os controles internos devem ser entendidos como qualquer ação tomada internamente

pela Administração Pública para aumentar a probabilidade de que não vão ocorrer falhas ou

deficiências nas suas atividades, irregularidades, prejuízos ou desvios de recursos, nem vão ser

comprometidos indicadores ou metas de desempenho ou resultados estabelecidos no planejamento. 47

4301.4 - A elaboração do manual de auditoria governamental e dos respectivos guias com

capacitação que assegure, de forma inequívoca, o seu entendimento e observância

Page 39: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

atendida, como parâmetro para as futuras aquisições, definindo, inclusive, a

obrigação de prestar contas quanto aos medicamentos efetivamente

consumidos (utilizados ou dispensados) ou perdidos; d.2) rotinas para o

controle de estoques, considerando lotes e prazos de validade; d.3) rotinas

que promovam a comunicação, integração e articulação das diversas etapas

do ciclo da Assistência Farmacêutica, incluindo a integração entre todos os

centros de saúde; d.4) responsabilização pela não adoção dos

procedimentos operacionais-padrão implementados; III - recomendar à

Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal que: a) proveja os

centros de saúde de estruturas física, de material e de pessoal adequados

para o exercício da atividade de controle de estoques e dispensação de

medicamentos à população; b) promova a capacitação dos servidores

responsáveis pelo controle de estoque de medicamentos; c) busque definir,

junto aos órgãos de controle, critério uniforme e razoável para realizar

estimativas de preço dos medicamentos, a fim de evitar sobrestamentos

desnecessários durante o processo de aquisição de medicamentos, em

prejuízo aos cofres públicos e à saúde da população; IV - determinar, ainda,

à Secretaria de Estado de Saúde que apresente a este Tribunal, no prazo de

90 (noventa) dias, Plano de Implementação das determinações e

recomendações acima indicadas ou de outras ações que entender

necessárias para resolução dos problemas

apontados no relatório, para fins do posterior monitoramento a ser

realizado por esta Corte de Contas; V - autorizar o encaminhamento de

cópia do Relatório de Auditoria Operacional em referência e do

relatório/voto do Relator ao titular da Secretaria de Estado de Saúde do

Distrito Federal, aos Deputados Distritais e ao Excelentíssimo Governador

do Distrito Federal; VI - autorizar, ainda, a devolução dos autos à

5ª ICE, determinando-lhe que confira tratamento prioritário à análise do

cumprimento da diligência ordenada nos termos do item IV supra. Decidiu,

mais, acolhendo proposição da representante do Ministério Público junto à

Corte Procuradora CLÁUDIA FERNANDA DE OLIVEIRA PEREIRA,

mandar publicar,

em anexo à ata, o relatório/voto do Relator (Anexo II).

Presidiu a Sessão a Presidente, Conselheira MARLI VINHADELI. Votaram

os Conselheiros RONALDO COSTA COUTO, RENATO RAINHA e

ANILCÉIA MACHADO e o Conselheiro-Substituto PAIVA MARTINS.

Participou a representante do MPjTCDF Procuradora CLÁUDIA

FERNANDA DE OLIVEIRA

PEREIRA. Ausentes os Conselheiros MANOEL PAULO DE ANDRADE

NETO e INÁCIO MAGALHÃES FILHO.

SALA DAS SESSÕES, 11 DE OUTUBRO DE 2011(...)

Embora, enquanto dependente das peças de planejamento, a auditoria operacional

ou de desempenho, no Brasil, ainda se encontre em estágio pouco avançado, vê-se que se trata

de um caminho sem volta que tem proporcionado o aperfeiçoamento da função constitucional

dos Tribunais de Contas, sendo possível identificá-la em ações desenvolvidas pelo Tribunal

de Contas da União, pelos Tribunais de Contas da Bahia, pelo Tribunal de Contas de Mato

Grosso, Rio Grande do Sul, do Distrito Federal e de São Paulo.

Page 40: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Infelizmente, a auditoria operacional encontra resistência por parte do

jurisdicionado. Como observou Frederico de Freitas Tenório de Albuquerque, na obra Auditoria

Operacional e seus Desafios48

, (...) esclarecer os objetivos é gerencialmente correto, mas

politicamente irracional: `pela experiência, as autoridades eleitas aprenderam que podem

ganhar mais reconhecimento, apoio e votos sendo confusas a respeito dos resultados que irão

produzir, do que sendo claras a esse respeito‟. (...).

3.3 Auditoria Operacional no Tribunal de Contas da União

O Tribunal de Contas da União, desde 2000, realiza a auditoria de desempenho,

nos termos da Portaria nº 144, de 10 de julho de 2000, sendo certo que, em 2010, por meio da

PORTARIA-SEGECEX nº 4, de 26 de fevereiro de 2010, aprovou a revisão do Manual de

Auditoria de Natureza Operacional e alterou a sua denominação para Manual de Auditoria

Operacional.

Dentre as inúmeras premissas de que o Tribunal de Contas parte para a elaboração

do Manual de Auditoria Operacional, releva anotar o conceito de auditoria operacional, como

o exame independente e objetivo da economicidade, eficiência, eficácia e efetividade de

organizações, programas e atividades governamentais, com a finalidade de promover o

aperfeiçoamento da gestão pública49

. Outra premissa é a de que as auditorias operacionais

podem examinar, em um mesmo trabalho, uma ou mais das principais dimensões de análise.

O processo de auditoria operacional do Tribunal de Contas da União abrange oito

etapas, a saber: seleção do objeto de auditoria, planejamento, execução, relatório, comentário

do gestor, apreciação, divulgação e monitoramento.

No que diz respeito à execução, interessante trazer à colação uma das fórmulas

constantes do seu Manual de Auditoria de Desempenho, que permite a mensuração da eficácia

e da eficiência50

:

(...) Economicidade: minimização dos custos dos recursos utilizados na

consecução de uma atividade, sem comprometimento dos padrões de

qualidade. (como medir: valor de mercado comparado com valor

contratado ou valor orçado com o valor contratado).

48

DE ALBUQUERQUE, Frederico de Freitas Tenório. A auditoria operacional e seus desafios: um

estudo a partir da experiência do Tribunal de Contas da União. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p.

34. 49

Tribunal de Contas da União. Manual de Auditoria de Desempenho do TCU / 1998. 50

Idem.

Page 41: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Efetividade: relação entre os resultados (impactos observados) e os

objetivos (impactos esperados). (comparação dos indicadores dos

programas governamentais previstos e alcançados) Eficácia: grau de alcance das metas programadas em um determinado

período de tempo, independentemente dos custos implicados; pode ser

representada pela seguinte relação:

onde:

Conclusões:[1]

se Ec > 1, eficácia superior à prevista;

se Ec = 1, eficaz;

se Ec < 1, ineficaz.

Eficiência: relação entre os produtos (bens e serviços) gerados por uma

atividade e os custos dos insumos empregados em um determinado período

de tempo. O resultado expressa o custo de uma unidade de produto final em

um dado período de tempo. Analogamente ao conceito de eficácia, pode-se

estabelecer o grau de eficiência relativa de um programa, projeto ou

atividade comparando-o com as metas e custos programados ou com dados

de outras iniciativas que perseguem os mesmos objetivos. Nesse caso,

somente serão comparáveis iniciativas que, além dos objetivos, possuam as

mesmas características de programação. Pode ser representada pela seguinte

relação: onde:

Conclusões:

se Ef > 1, eficiência superior à prevista;

se Ef = 1, eficiente;

se Ef < 1, ineficiente.

[1]

A validade das conclusões dependerá da validade dos dados de programação que servirem de

parâmetro.

E

MT

MT

M T

M Tc

R

R

P

P

R P

P R

.

.,

E

M

T M

M

T M

c

R

R R

P

P P

Eficácia;

Meta Realizada;

Tempo Utilizado para Obter ;

Meta Programada;

Tempo Planejado para Obter .

E

MT C

MT C

M T C

M T CE

C

Cf

R

R R

P

P P

R P P

P R R

c

P

R

.

.

. .

. .. ,

E

C

C

f

R

P

Eficiência;

Custo Real;

Custo Programado.

Page 42: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

As fórmulas comprovam que, para exame da eficiência, eficácia e efetividade,

fundamental que se tenha por parâmetro o planejamento inicial de cada ente governamental,

com metas físicas e financeiras, situadas em um determinado período.

Também indispensável registrar que, para a seleção do objeto de auditoria

operacional, o Tribunal de Contas da União tem como diretriz o seu planejamento estratégico,

uma vez que as escolhas estratégicas do órgão controlador abrangem diferentes

perspectivas, desde decisões sobre a alocação de recursos para cumprir suas obrigações

legais até decisões sobre áreas de governo que devem ser examinadas prioritariamente.

Dentro desse processo de escolha do objeto auditado, adotam-se ainda outros

critérios, dentre os quais o principal, segundo o Manual de Auditoria Operacional, é a

capacidade de a auditoria agregar valor, por meio de sua contribuição para a avaliação e a

melhoria da gestão pública, além da materialidade, relevância e vulnerabilidade.

3.4 Auditoria Operacional no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

3.4.1 A Diretoria de Contas do Governador

No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a Diretoria de Contas

do Governador vem realizando, desde 1998, a auditoria operacional, tendo por objeto

Programas de Governo constantes do Plano Plurianual, escolhidos a partir de sua dimensão

técnica ou econômico-financeira.

Como se depreende do Manual de Auditoria Financeiro-Operacional da

Administração Pública do Estado de São Paulo51

, seu foco é, entre outros, o acompanhamento

e verificação da execução dos programas e atividades, buscando aferir a efetividade das

ações desenvolvidas pelo Governo do Estado, avaliando os reflexos econômico e social das

ações governamentais, bem como a compatibilidade com as metas fixadas nas peças de

planejamento.

Ferramenta da informática que viabiliza essa e as demais atividades da auditoria é

o SIAFEM. Implantado no Estado de São Paulo por força do Decreto n° 40.566/95, instituiu o

Plano de Contas Único a ser utilizado pelos Órgãos da Administração Direta e Indireta do

Estado, fornecendo todas as Demonstrações Contábeis, Orçamentárias e Financeiras das

Unidades integrantes do Sistema, devidamente atualizadas até o momento da solicitação,

possibilitando enorme diversidade de consultas.

51

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Manual - Contas Anuais do

Governador. Disponível em www.tce.sp.gov.br Acesso em 03/03/2012.

Page 43: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Consta ainda do Manual de Contas do Governador, no que interessa à auditoria

operacional, a Avaliação dos Indicadores de Gestão:

(...) f. Avaliação dos Indicadores de Gestão

Com base na Lei Orçamentária Anual, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e

no Plano Plurianual procede-se à análise e avaliação dos indicadores de

gestão, que têm, basicamente, dois objetivos, quais sejam:

1. Verificação da compatibilidade entre as peças de planejamento

orçamentário (PPA, LDO e LO A);

2. Verificação do atingimento das metas previstas para o exercício.

Para tal fim, a metodologia consiste na formulação de questões, a serem

respondidas pelas Secretarias envolvidas, que consideram critérios relativos

à especificidade do exercício em exame, bem como aqueles já verificados

anteriormente, e que construirão séries históricas e base de dados para

suportar as competentes análises.

Com base nas respostas auferidas, verificam-se quais programas e ações

tiveram suas metas atingidas e, no caso do não atingimento, os órgãos

envolvidos justificam, através de relatório circunstanciado, quais os motivos

que ensejaram o não cumprimento. A análise também consignará uma

avaliação linear, ou seja, ano a ano, de molde à demonstrar a evolução das

ações no correr dos anos, possibilitando uma visão geral de um

determinado período, como por exemplo um mandato. (...)

Segundo o Relatório da Fiscalização realizada sobre as contas do Governo do

Estado, no exercício de 2010, no âmbito do processo TC-01693/026/1052

, sob a relatoria do

Conselheiro Renato Martins Costa, a auditoria operacional é considerada como:

(...) XII – Auditorias Operacionais

A Auditoria operacional consiste em uma das vertentes de atuação deste

Tribunal, que encontra respaldo nas disposições do artigo 32 da

Constituição do Estado.

Tal vertente contempla a avaliação do cumprimento dos programas de

governo e do desempenho dos órgãos e entidades jurisdicionadas, em

relação aos seus objetivos, metas e prioridades, bem como quanto à

alocação e uso dos recursos públicos. (...) (grifo nosso)

Durante os exercícios financeiros que sucedem a publicação do Plano Plurianual,

a execução dos programas é acompanhada, com resultados interessantes que merecem

abordagem especial.

Para melhor visualização, é oportuno trazer à colação trechos do mencionado

Relatório da Fiscalização, elaborado pela Diretoria de Contas do Governador:

(...) 1.3 – Objetivos e escopo da auditoria

52

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Disponível em

http://www4.tce.sp.gov.br. Acesso em 12/03/2012.

Page 44: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Tomando por base que o governo do Estado de São Paulo apresenta como

diretriz nesta área, a economicidade no suprimento de medicamentos para a

assistência em saúde, definimos os principais aspectos a serem examinados,

a seguir resumidos:

a) Verificar a evolução dos custos dos materiais utilizados como insumos

na produção da FURP no ano de 2010, considerando a transparência dos

sistemas de compras do Estado;

b) Verificar os efeitos da terceirização da fabricação da FURP no custo do

produto final;

c) Verificar os efeitos dos investimentos na fabricação de medicamentos, na

ampliação da Fábrica de Guarulhos e na inauguração da Fábrica de

Américo Brasiliense em relação à quantidade de medicamentos produzida;

d) Verificar a movimentação orçamentária dos investimentos na Produção

de Medicamentos.

Neste diapasão, o escopo desta auditoria amolda-se às seguintes questões:

1)Há variação significativa no custo dos materiais adquiridos pela FURP

utilizados como insumos de fabricação?

2) Os custos de terceirização de medicamentos da FURP estão compatíveis

com o mercado?

3) Os investimentos da FURP estão efetivamente gerando aumento da

quantidade de medicamentos produzida?

4) A realização dos investimentos está de acordo com as rubricas previstas

no orçamento estadual? (...)

Tão ou mais interessantes que a abordagem da auditoria acima exposta, são as

conclusões a que se chega a partir dela, no que toca aos resultados produzidos por

determinadas decisões administrativas. No exemplo trazido à colação, avaliou-se a decisão

consistente na terceirização da produção de medicamentos por parte de entidade pública

criada para esse fim53

:

(...) 3.2 – A produção de medicamentos no PPA 2008-2011

No PPA 2008-2011 foi estabelecida para esta ação uma meta de produção

de 12,9 bilhões de medicamentos. No entanto, ao analisar o PPA 2008-2011

verificou-se que apenas 41,34% desta meta foi cumprida até o término do

exercício de 2010, conforme se verifica nos quadros a seguir:

(...)

6.3 – Da terceirização da produção

Verificada a aquisição dos materiais utilizados como insumos na produção

própria, constatamos que a FURP também terceiriza parte de sua produção.

Esta terceirização é denominada “beneficiamento”.

Os contratos de terceirização da fabricação de medicamentos consistem na

utilização das instalações e da mão-de-obra de terceiros, fornecendo a

FURP a matéria prima e o material de embalagem.

Conforme documento fornecido pela Gerência de materiais, são

terceirizados os serviços de beneficiamento de alguns medicamentos, os

quais estão listados no quadro abaixo com as respectivas justificativas da

necessidade do serviço de terceiro:

53

Idem 47.

Page 45: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Com o objetivo de verificar o custo unitário do medicamento terceirizado

procedemos à composição dos custos terceirizados de fábrica, com as

matérias primas e com os materiais de embalagem, conforme quadro a

seguir:

(...)

Esclarecemos que, além dos gastos de fabricação, a FURP também

apresenta gastos administrativos que, a nosso ver, devem compor o preço do

produto vendido a fim de gerar equilíbrio orçamentário.

Para cobertura destes gastos administrativos, a FURP estabelece para seus

produtos um acréscimo percentual denominado “margem de contribuição”.

Efetuamos, então, o cálculo dos custos unitários dos produtos da FURP

acrescidos desta “margem de contribuição”, comparados com o banco de

preços do Ministério da Saúde.

Primeiramente apuramos os percentuais da margem de contribuição

conforme tabela a seguir:

(...)

Observa-se que se considerarmos a margem de contribuição necessária

para cobertura das despesas administrativas da FURP, verificamos que os

medicamentos diclofenaco 15mg, código 81.12.05319; diclofenaco 50mg,

código 81.02.05397; cefalexina 500 mg, código 83.03.06633, dipirona,

código 83.12.05321, apresentam, quando beneficiados em terceiros, valores

maiores do que os constantes no Banco de Preços em Saúde do Governo

Federal, indicando ser mais eficiente a compra destes produtos

diretamente no mercado, sem intervenção da terceirização da FURP. Portanto, em uma análise puramente econômica, somente compensa

produzir de forma terceirizada, de acordo com os dados retro mencionados,

o produto cefalexina 250 mg, código 83.05.06907, o qual apresenta valor

menor sendo beneficiado em terceiros do que o do Banco de Preços em

Saúde - Governo Federal. (...)”.(grifo nosso).

Por fim, o resultado disso é o Parecer emitido pela Corte, e submetido à

Assembléia Legislativa, com as seguintes conclusões, dentre as quais destacam-se aquelas que

refletem a importância das peças de planejamento e o foco na fiscalização operacional:

(...) Tendo em conta todo o apurado, não constatada a existência de vício

que possa comprometer a gestão empreendida, acolho as manifestações da

Assessoria Técnica Jurídica, da Secretaria Diretoria Geral e da douta

Procuradoria da Fazenda Estadual, propondo a Vossas Excelências a

emissão de PARECER FAVORÁVEL às contas do Governador do Estado de

São Paulo, relativas ao exercício de 2010, respectivamente de Suas

Excelências, Senhores José Serra, período de 01/01 a 01/04/2010 e Alberto

Goldman, período de 02/04 a 31/12/2010, sem embargo das seguintes

recomendações:

1ª – Dar cumprimento fiel ao artigo 4º, I, b, da Lei Complementar Federal

nº 101, de 2000, quanto à previsão na LDO de “critérios e forma de

limitação de empenho, a ser efetivada nas hipóteses previstas na alínea b do

inciso II deste artigo, no art. 9º e no inciso II do § 1º do art. 31”;

2ª – Identificar na Lei Orçamentária Anual, sob a forma específica de

Atividade ou Projeto, as dotações que se destinem a satisfazer proposta

popular feita por ocasião de audiência pública a que o projeto de lei

orçamentária anual for submetido, nos termos do artigo 48 da Lei de

Page 46: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

Responsabilidade Fiscal (LC n. 101/2000), na forma estabelecida pelo

artigo 12 da LDO;

(...)

5ª – Cuidar para que os recursos vinculados à manutenção e

desenvolvimento do ensino, sobretudo os despendidos por meio de convênios

celebrados entre a Fundação para o Desenvolvimento da Educação – FDE e

o Estado, sejam efetivamente aplicados dentro do exercício, segundo o

cronograma físico-financeiro das obras e serviços;

(...)

7ª – Indicar, na Lei Orçamentária Anual, metas físicas para os programas

de governo;

8ª – Quantificar financeiramente as metas governamentais nos

instrumentos orçamentários;

9ª – Encaminhar ao Tribunal de Contas, tão logo aprovada a Lei

Orçamentária Anual, anexo onde se indiquem as entidades autorizadas a

receber transferências financeiras do Estado; (...)(grifo nosso)

Embora em âmbito estadual a questão do planejamento já esteja encaminhada,

esta não é a realidade experimentada pelos 644 municípios fiscalizados pelo Tribunal de

Contas paulista.

Ao contrário, o planejamento não é algo que se possa considerar comum e de

pleno conhecimento por parte dos gestores públicos municipais, que, não raro, elaboram suas

leis orçamentárias sem a adoção de critérios lógicos e pertinentes com as propostas de

governo pelas quais obtiveram êxito na eleição, ou mesmo com as demandas sociais

conhecidas, fato que, não é demais destacar, é condição de legitimidade de qualquer despesa

administrativa.

O que muito se observa, a propósito, não é a distribuição do orçamento a partir

dos programas desenvolvidos por parte de cada unidade orçamentária, mas em função de

aspectos político-partidários.

Medida que visa a afastar essa anomalia é o trabalho desenvolvido pelo Tribunal

de Contas do Estado de São Paulo junto às municipalidades, no sentido de estimulá-las a

desenvolver suas peças de planejamento e disponibilizá-las, junto com as peças contábeis,

praticamente em tempo real e por meio eletrônico, de forma padronizada, através do Sistema

AUDESP, adiante tratado.

3.4.2 AUDESP e a auditoria operacional nos municípios – As Instruções nº. 01/08 e 02/08

Forçoso reconhecer, de início, que no Estado de São Paulo, no que toca aos

municípios, não está instalada e implementada a auditoria operacional na forma desejada e

idealizada nas Normas de Auditoria Governamental, de que se tratou anteriormente.

Page 47: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

No entanto, este é um caminho que já está sendo percorrido, como se depreende

do Planejamento Estratégico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo54

que estipula

como um dos objetivos, contribuir para o cumprimento dos programas governamentais, por

meio de acompanhamento e avaliação de resultados, concomitante à execução do programa.

Um dos facilitadores da auditoria operacional no âmbito dos municípios é o

Projeto AUDESP.

Como consta da página oficial do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo na

Internet, a função do AUDESP é „aperfeiçoar o controle de gestão governamental,

aprimorando os procedimentos de coleta de dados e informações dos órgãos fiscalizados,

buscando maior agilidade nos trabalhos, aumento da qualidade dos dados e, como

conseqüência natural, o cumprimento do dever constitucional de fiscalizar e controlar as

contas públicas com o maior grau de eficiência e eficácia‟55

.

De acordo com o artigo 2º das Instruções nº. 02/2008 do Tribunal de Contas do

Estado de São Paulo, o Poder Executivo deverá encaminhar os seguintes dados e informações

referentes ao exercício corrente, de forma eletrônica:

(...) I – Peças de planejamento:

a) fontes de receitas, programas e ações governamentais, contidas no Plano

Plurianual e cópia da lei instituidora;

b) programas e ações governamentais priorizados, metas e riscos fiscais,

contidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias e cópia da lei instituidora e

anexos que a acompanham;

c) programas e ações governamentais, analítico de receitas, despesas e

transferências financeiras, contidos na Lei Orçamentária Anual e cópia da

lei instituidora e dos anexos que a acompanham e

d) cópia das atas de audiências públicas realizadas na fase de elaboração

das propostas orçamentárias, nos termos do parágrafo único do artigo 48

da LCF nº 101/00 (LRF).(...)

Dessa forma, o AUDESP disponibiliza para os envolvidos um banco de dados

contendo informações de cada órgão, em especial, sua contabilidade, de forma padronizada e

atualizada56

.

Exemplo de padronização é a edição do Manual do Plano Plurianual57

, contendo

orientações voltadas à elaboração dessa peça de planejamento, que contém os dados mínimos

54

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Disponível em:

http://www4.tce.sp.gov.br/gestao-estrategica-objetivos-institucionais. Acesso em: 15/02/2012. 55

Idem 49. 56

A propósito, do AUDESP originou-se o Portal do Cidadão, banco de dados acessível ao público,

que contém informações sobre as despesas incorridas por cada município, até o elemento

Empenho.

Page 48: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

necessários a que cumpram sua finalidade, de maneira a evitar o que com muita frequência se

observa: planos plurianuais que existem somente no papel, do ponto de vista formal.

Esse documento contém orientações para que o município contemple em seu

Plano Plurianual “os programas governamentais, apresentando o seu objetivo, a justificativa

para sua implementação, o responsável pela avaliação, e acompanhamento da execução, as

metas esperadas, os indicadores de avaliação utilizados e as estimativas de custos da

realização, possibilitando o acompanhamento e avaliação da proposta governamental sob o

ponto de vista conjuntural e financeiro”58

.

Isso porque, como exposto, sem as peças de planejamento e orçamentárias é

impossível imaginar a auditoria operacional nos municípios e a concretização dos princípios

da eficiência, eficácia, economicidade e legalidade.

Outro aperfeiçoamento proporcionado pelo AUDESP é o documento denominado

“Estrutura de Códigos AUDESP”, adaptada ao Plano de Contas Aplicado ao Setor Público -

PCASP, exigível a partir de 201359

, segundo o qual cada código tem sua função descrita, de

maneira a evitar-se falha no encaminhamento das informações e documentos exigidos pelas

Instruções nº. 02/2008, possibilitando a boa prática contábil e a segurança da informação, o

que viabiliza o acompanhamento da gestão fiscal.

O Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público, instituído pela Portaria

STN nº 751, de 16 de dezembro de 200960

, cujo volume IV contém o Plano de Contas

Aplicado ao Setor Público, tem o objetivo de uniformizar as práticas contábeis, este volume

aborda os aspectos relacionados ao Plano de Contas, padronizando-o nacionalmente,

adequando-o aos dispositivos legais vigentes, aos padrões internacionais de Contabilidade

do Setor Público e às regras e procedimentos de Estatísticas de Finanças Públicas

reconhecidas por organismos internacionais.

Segundo observa a referida Portaria da Secretaria do Tesouro Nacional, esse

manual:

57

A propósito da questão, o Plano Plurianual está previsto no artigo 12 da Lei n. 4.320/64 e no artigo

165, I, parágrafo 1º, da Constituição Federal, devendo conter os objetivos e metas quadrienais para

despesas de capital e despesas relativas a programas de duração continuada. 58

Manual do Plano Plurianual. Disponível em www.tce.sp.gov.br/audesp Acessado em 02/04/2012. 59

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Estrutura de Códigos AUDESP

adaptada ao Plano de Contas Aplicado ao Setor Público – PCASP. Disponível em

http://www4.tce.sp.gov.br/content/plano-de-contas-2013-03042012. Acessado em 04/04/2012. 60

MINISTÉRIO DA FAZENDA. SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Disponível em

http://www.tesouro.fazenda.gov.br/legislacao/download/contabilidade/Volume_IV_PCASP_republ

icacao.pdf. Acessado em 04/04/2012.

Page 49: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

(...) segue as “Orientações Estratégicas para a Contabilidade aplicada ao

Setor Público no Brasil”, documento elaborado pelo Conselho Federal de

Contabilidade, com vistas à convergência aos padrões internacionais de

contabilidade aplicados ao setor público, implementação de procedimentos

e práticas contábeis que permitam o reconhecimento, a mensuração, a

avaliação e a evidenciação dos elementos que integram o patrimônio

público, implantação de sistema de custos no âmbito do setor público

brasileiro, melhoria das informações que integram as Demonstrações

Contábeis e os Relatórios necessários à consolidação das contas nacionais,

e possibilitar a avaliação do impacto das políticas públicas e da gestão, nas

dimensões social, econômica e fiscal, segundo aspectos relacionados à

variação patrimonial.(...)

Assim como a contabilização das receitas e despesas e variação patrimonial da

Administração Pública, a auditoria passa a ser padronizada, o que vai ao encontro daquilo que

anteriormente se falou quando da abordagem das Normas de Auditoria Governamental.

Finalmente, anote-se que o Projeto AUDESP concorreu e venceu na categoria

excelência em gestão pública, avaliado sob os seguintes aspectos: Ética e Sustentabilidade,

Aprendizado Organizacional, Processos, Gestão de Pessoas, Desenvolvimento de Parcerias,

Promoção de Participação e Controle Social, Relevância do Trabalho, Eficiência no Uso de

Recursos Públicos e Eficácia, Descrição Geral da Iniciativa.

Como exposto por ocasião da apresentação do Projeto AUDESP no referido

Prêmio61

:

(...) o cenário encontrado, antes do início do Projeto, no ambiente externo

ao Tribunal, em especial, na grande maioria dos Órgãos pertencentes à

Administração Pública dos 644 Municípios do Estado, era basicamente o

seguinte: Peças de Planejamento Orçamentário (PPA, LDO e LOA)

desconexas, elaboradas com conteúdo insuficiente e/ou inadequado e sem

indicadores sociais, físicos e financeiros, impossibilitando a verificação

posterior entre o planejado e o efetivamente realizado; falta de

padronização dos procedimentos contábeis adotados e uma escrituração

contábil inconsistente e extemporânea; sistemas informatizados não

aderentes aos princípios contábeis e à legislação que rege a contabilidade

pública (Lei Federal n.º 4.320/1964); falta de controles eficazes sobre a

aplicação de recursos vinculados, em especial, os destinados às áreas da

saúde e da educação; falta de padronização na elaboração da prestação de

contas (ex: Balanço do exercício).

Já no ambiente interno, o cenário encontrado era resumidamente o

seguinte: dificuldade no manuseio e análise da prestação de contas que, em

sua maior parte, era apresentada em documentos em papel; alguns poucos

sistemas informatizados, segmentados por assuntos de fiscalização, para

recepção de informações dos Órgãos jurisdicionados que, na maioria das

vezes, eram inconsistentes entre si (falta de qualidade da informação

recebida); elevada quantidade de procedimentos manuais e não

61

PROJETO AUDESP. Prêmio Mário Covas, edição 2011.

Page 50: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

padronizados para análise da prestação de contas, que consumia boa parte

do tempo que deveria ser destinado à fiscalização in loco; dificuldades no

acompanhamento da gestão fiscal dos entes, ao longo do próprio exercício,

para expedição dos alertas previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, de

forma tempestiva. (...)

Não apenas pelo caráter inovador, o Projeto AUDESP merece especial atenção

pelos ganhos que proporcionou, dentre os quais a equipe responsável destacou, em relação à

auditoria propriamente dita62

:

(...)

1. maior confiabilidade das informações prestadas pelos entes municipais,

o acompanhamento automático dos indicadores dos programas de governo;

2. realização de análises e emissão de alertas automáticos, em caso de

(possibilidade de) descumprimento da legislação, nos assuntos relativos ao

Planejamento Orçamentário, à Gestão Fiscal, ao Ensino, à Saúde e à

Ordem Cronológica de Pagamentos, sem intervenção humana, eliminação

de diversos trabalhos de baixo valor agregado, tais como recepção e

conferência da prestação de contas;

3. expedição de ofícios de alertas, realização de cálculos de índices legais

e verificação de cumprimento da legislação, dentre outras, gerando mais

tempo para a realização de atividades de fiscalização nos entes (fiscalização

in loco);

4. racionalização e desburocratização dos procedimentos de auditoria,

ampliando, agilizando e permitindo maior objetividade na atuação da

fiscalização.(...)

Para os entes municipais e a sociedade, com o Sistema Audesp, foi possível63

:

(...)

1. Aperfeiçoamento dos sistemas contábeis e de planejamento utilizados

pelos órgãos públicos municipais.

2. Padronização e aperfeiçoamento dos procedimentos contábeis; maior

detalhamento dos seus dados, permitindo um melhor gerenciamento das

informações, inclusive para a gestão de “recursos vinculados”, com

destinação específica, como ensino, saúde, multas de trânsito, entre outras.

3. Aperfeiçoamento da capacitação das empresas desenvolvedoras de

sistemas de contabilidade pública, que buscaram a aderência de seus

sistemas às normas e princípios contábeis;

4. Preocupação com o aprimoramento do planejamento dos programas e

ações governamentais, para torná-los mais aderentes ao regramento

jurídico/contábil, com o estabelecimento de metas de resultados financeiros

e sociais a serem atingidos pelos gestores da administração pública.

5. Pronto recebimento de alertas preventivos, direcionados aos dirigentes

públicos municipais, voltados às ações corretivas, em virtude de indícios de

irregularidades detectados nas análises efetuadas automaticamente pelo

sistema. Desde sua implantação, o sistema já processou mais de 5000 (cinco

62

Idem 61 63

Ibidem 61

Page 51: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

mil) alertas/ano, possibilitando a adoção, em tempo hábil, das devidas

adequações voltadas ao cumprimento dos limites mínimos de aplicação na

saúde, no ensino, limites máximos nos gastos com pessoal e no

endividamento, equilíbrio das contas públicas, entre outras exigências

legais.

6. Criação do “Portal do Cidadão”, importante ferramenta de

transparência, que permite à sociedade efetuar o acompanhamento da

arrecadação e de todos os gastos efetuados pelos órgãos da administração

municipal, discriminados de forma analítica e mensal.(...)

3.5 Síntese

É possível visualizar na competência constitucional dos Tribunais de Contas a

prerrogativa (poder fundamentado em um dever) de acompanhamento e fiscalização,

simultânea e a posteriori, das ações administrativas do ponto de vista operacional à luz do

planejamento.

No estado de São Paulo, a implementação do Sistema AUDESP, consistente na

auditoria eletrônica, constitui ferramenta importantíssima e indispensável para a viabilização

da auditoria de desempenho operacional nos municípios, já produzindo resultados visíveis.

Page 52: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir desse estudo, é possível concluir que a Gestão de Políticas Públicas

compreende a Avaliação de Desempenho que, por sua vez, contempla auditorias nos campos

financeiro, orçamentário, patrimonial, contábil e operacional.

Observa-se também que a auditoria operacional, de competência do Poder

Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas, dirige o seu olhar para os Programas e

Projetos constantes das peças de planejamento. Portanto, persegue o planejamento, a ação, e

o alcance das metas fixadas.

É na auditoria operacional que se exige do Administrador Público a demonstração

do cumprimento daquilo que foi proposto, bem como as justificativas em caso de

descumprimento.

Não se pode falar, portanto, em gestão de políticas públicas sem a auditoria

operacional.

Em linhas gerais, a matéria ganha relevância com a constitucionalização do

princípio da eficiência pela Emenda 19/98.

Tal qual hoje é conhecido, nas três nuances – eficiência em sentido estrito,

eficácia e efetividade – o princípio ganhou visibilidade a partir da transição do modelo de

gestão burocrático para o gerencial, com a Reforma Administrativa do Estado, sendo um

caminho sem volta a nortear e legitimar todas as ações administrativas.

O acompanhamento e fiscalização, simultânea e a posteriori, das ações

administrativas do ponto de vista operacional, que, por sua vez, envolve as auditorias de

desempenho à luz do planejamento compete, por imposição constitucional, aos Tribunais de

Contas.

Nessa direção, todo um movimento por parte das Cortes de Contas do país

ensejou a edição das Normas de Auditoria Governamental, que visa à padronização da

fiscalização sob todos os aspectos, inclusive o operacional, com a edição, pelo Ministério da

Fazenda, pela Secretaria do Tesouro Nacional, do Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor

Público e, no estado de São Paulo, pela implementação do Sistema AUDESP, consistente na

auditoria eletrônica, indispensável para a viabilização da auditoria de desempenho operacional

nos municípios, um dos elementos da gestão de políticas públicas.

Portanto, pode-se concluir confirmada a hipótese inicialmente levantada de que a

gestão de políticas públicas realizada pelos Tribunais de Contas, por meio da auditoria

operacional, é uma ferramenta de realização do princípio constitucional da eficiência.

Page 53: O Princípio da Eficiência e o Papel dos Tribunais de Contas na

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