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O PRINCÍPIO DE PROJEÇÃO ESTENDIDA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO" Esmeralda Vailati Negrão** Introdução E m Negrão (1999) defendi a tese de que o português brasileiro é uma íngua que pode ser tipológicamente caracterizada como uma língua voltada para o discurso. Uma língua voltada para o discurso, foi tomada como sendo a língua que privilegia marcar na sintaxe aberta 1 a função informacional dos constituintes de sua sentença, ou seja, funções como tópico do discurso ou foco, ou ainda, o escopo 2 de sintagmas quantificados. Tomando * Os dados aqui apresentados foram extraídos de resultados parciais alcançados na pesquisa "Escopo dos sintagmas quantificados do português do Brasil", realizada com o apoio do CNPq, processo n. 300654/97-9, a quem agradeço. Outras versões deste trabalho já foram apresentadas em encontros científicos no Brasil e no exterior, a cujos participantes agradeço os comentários recebidos. ** Universidade de São Paulo. 1 No jargão da Teoria Gerativa, sintaxe aberta significa, ou o nível de representação conhecido como Estrutura-S no modelo de Princípios e Parâmetros, ou a etapa da derivaçüo antes da operação de Spell-out, que envia as informações para o componente fonológico, na visão minimalista desse modelo de gramática. 2 Ilari e Geraldi (1987, p. 33) definem escopo, no âmbito da semântica, como "conjunto de conteúdos semânticos sobre os quais uma operação significativa atua". Na Revista Letras, Curitiba, n. 56, p. 141-155. jul./dcz. 2001. Editora da UFPR 141

O PRINCÍPIO DE PROJEÇÃO ESTENDIDA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

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N e g r ã o ( 1 9 9 9 ) defendi a tese d e q u e o português brasileiro é u m aíngua que p o d e ser tipológicamente caracterizada c o m o u m a línguav o l t a d a p a r a o d i s c u r s o . U m a l í n g u a v o l t a d a para o d i s c u r s o , f o i t o m a d ac o m o s e n d o a l í n g u a q u e p r i v i l e g i a marcar na s i n t a x e aberta 1 a f u n ç ã oinformacional d o s constituintes de sua sentença, o u seja, f u n ç õ e s c o m o t ó p i c od o discurso o u f o c o , o u ainda, o e s c o p o 2 de sintagmas quantificados.

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  • O PRINCPIO DE PROJEO ESTENDIDA NO PORTUGUS BRASILEIRO"

    Esmeralda Vailati Negro**

    Introduo

    Em N e g r o ( 1 9 9 9 ) d e f e n d i a t e se d e q u e o p o r t u g u s brasi le iro u m a n g u a q u e p o d e ser t i p o l g i c a m e n t e carac ter izada c o m o u m a l ngua v o l t a d a para o d i s c u r s o . U m a l ngua v o l t a d a para o d i s curso , fo i t o m a d a

    c o m o s e n d o a l n g u a q u e p r i v i l e g i a m a r c a r n a s i n t a x e aberta 1 a f u n o i n f o r m a c i o n a l d o s cons t i tu in te s d e sua s e n t e n a , o u seja , f u n e s c o m o t p i c o d o d i s c u r s o o u f o c o , o u a inda, o e s c o p o 2 d e s i n t a g m a s q u a n t i f i c a d o s . T o m a n d o

    * Os dados aqui apresentados foram extrados de resultados parciais alcanados na pesquisa "Escopo dos sintagmas quantificados do portugus do Brasil", realizada com o apoio do CNPq, processo n. 300654/97-9, a quem agradeo. Outras verses deste trabalho j foram apresentadas em encontros cientficos no Brasil e no exterior, a cujos participantes agradeo os comentrios recebidos.

    ** Universidade de So Paulo. 1 No jargo da Teoria Gerativa, sintaxe aberta significa, ou o nvel de representao

    conhecido como Estrutura-S no modelo de Princpios e Parmetros, ou a etapa da derivao antes da operao de Spell-out, que envia as informaes para o componente fonolgico, na viso minimalista desse modelo de gramtica.

    2 Ilari e Geraldi (1987, p. 33) definem escopo, no mbito da semntica, como "conjunto de contedos semnticos sobre os quais uma operao significativa atua". Na

    Revista Letras, Curitiba, n. 56, p. 141-155. jul./dcz. 2001. Editora da UFPR 141

  • NEGRO, E. V. O princpio de projeo estendida no...

    a caracterizao do nvel de representao conhecido como Forma Lgica (LF) proposta por Hornstein (1995, p. 3):

    (1) LF is the level of linguistic representation at which all grammatical structure relevant to semantic interpretation is provided,

    podemos dizer que as sentenas das lnguas voltadas para o discurso expres-sam visivelmente, ou seja , na forma como as sentenas so ouvidas, certas relaes que outras lnguas s vo marcar no nvel de representao respons-vel por fornecer as estruturas que vo alimentar o componente interpretativo.

    A caracterizao de lnguas voltadas para o discurso foi proposta por Huang (1982,1984), face constatao de que no s lnguas com um paradigma de marcas morfolgicas verbais capazes de identificar as pessoas do discurso admitem categorias vazias na posio de sujeito de suas sentenas, mas catego-rias vazias so tambm possveis em lnguas que no possuem um sistema de flexo verbal rico e que, portanto, se utilizam de outros mecanismos para a identificao do contedo dessas categorias.

    O autor prope, ento, um parmetro tipolgico mais geral que dividiria as lnguas do mundo em lnguas orientadas para o discurso e lnguas orientadas para a sentena. Dentre as propriedades caracterizadoras de uma lngua voltada para o discurso est o fato de que o elemento proeminente3 em suas sentenas o tpico ao passo que, nas lnguas voltadas para a sentena, o elemento proeminente o sujeito. Isso explica a presena de sujeitos expletivos nessas ltimas lnguas, uma vez que, pelo princpio de projeo estendida todas as sentenas precisam ter um sujeito. Chomsky (1981) prope o Princpio de Proje-o estabelecendo que os complementos de um ncleo lexical precisam ser realizados em todos os nveis de representao da gramtica, isto , estrutura-D, estrutura-S e forma lgica. Chomsky (1982) junta a esse princpio uma segunda clusula, a de que todas as sentenas tm sujeito, e renomeia o princpio conten-do as duas clusulas, como o princpio de projeo estendida. N o livro Knowledge of language (1986), ele d uma motivao para o tratamento das duas proprieda-des pelo mesmo princpio, dizendo que a primeira clusula trata da saturao das

    Teoria Gerativa, escopo foi definido a partir da estrutura hierrquica dos constituintes da sentena. May (1985, p. 5) d a seguinte definio:

    (i) The scope of a is the set of nodes that a c-commands at LF; (ii) a c-commands b iff the first branching node dominating a dominates b (and a

    does not dominate b ). 3 A expresso "elemento proeminente na sentena" vai ser entendida neste

    trabalho como o constituinte da sentena sobre o qual recai a predicao primria da senten-a.

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    exigncias argumentais de um item lexical, a segunda diz respeito saturao da exigncia sinttica de que um predicado precisa de um sujeito do qual ele predica.

    J nas lnguas voltadas para o discurso, a estrutura sujeito-predicado4

    no bsica, e as sentenas da forma tpico-comentrio so muito numerosas, possivelmente no derivadas de outra estrutura mais bsica.

    O portugus brasileiro (PB) como lngua voltada para o discurso

    Dentre as propriedades caracterizadoras das lnguas voltadas para o dis-curso apontadas por Huang, a caracterstica exibida pelo portugus brasileiro que levou Negro a inclu-la nesse parmetro o fato de que a predicao pri-mria (noo usada para nomear a relao entre os dois constituintes maiores que formam uma sentena), no obrigatoriamente obedece o princpio de proje-o estendida tal como comumente implementado na teoria gerativa, mas pode se estabelecer tanto entre um DP, ou QP, e os constituintes includos em proje-es mximas de categorias funcionais como TP, como at mesmo projees integrantes do sistema CP, que, transformadas em predicado, s vezes pela atu-ao de algum operador, predicam desse DP, ou QP, na posio de especificador de tal projeo. A motivao para esse tipo de movimento a marcao da funo informacional do constituinte sobre o qual recai a predicao. Essa ca-racterstica explica porque em PB o sujeito da predicao ocupa uma posio fora da sentena, proposio praticamente consensual entre os estudiosos da sintaxe dessa lngua.

    Para Negro, a motivao emprica para a caracterizao do PB enquanto lngua voltada para o discurso veio da realizao do que talvez possamos cha-mar de um experimento,5 que mostrou que as estratgias de interpretao das categorias pronominais do PB so as mesmas, tanto com um sistema de flexo em que marcas flexionais oponham lps, 3ps, lpp, 3pp, quanto com um sistema reduzidssimo em que a nica marca flexionai a de 3ps. Mesmo com um sistema de flexo "pauprrimo", instncias de categorias vazias, tendo a elas associados traos f de lps, 3ps especfico, lpp, 3pp, foram atestadas. A concluso a que esse experimento nos leva que pobreza de f lexo no est diretamente

    4 Mais adiante no trabalho vamos explicitar o que caracteriza uma estrutura sujeito-predicado por oposio estrutura tpico-comentrio.

    5 Para uma descrio detalhada da execuo desse experimento e das concluses dele advindas consultar Negro (1990 e 1999).

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    correlacionada a desaparecimento de categorias vazias, ou a realizao de pro-nomes plenos. Portanto, as caractersticas observadas na gramtica do portu-gus brasileiro no podem ser explicadas pelo enfraquecimento de seu sistema flexionai, como fazem um conjunto de trabalhos que se debruam sobre as mu-danas em curso nessa lngua. Mas, ao contrrio, as propriedades que fazem do PB uma lngua voltada para o discurso esvaziaram a funo que o sistema de marcas flexionais tem nas lnguas voltadas para o sujeito.

    Dentre as evidncias empricas arroladas por Negro(1999) para confir-mar a insero do PB no parmetro de lngua voltada para o discurso, quero aqui retomar a anlise que visou a explicar a distribuio e a interpretao de diferen-tes tipos de sintagmas quantificados. Partindo da proposta de que as proprieda-des de escopo dos sintagmas quantificados podem ser derivadas dos princpios reguladores da gramtica das lnguas naturais, as diferentes possibilidades de interpretao associadas aos diferentes tipos de sintagmas quantificados e a impossibilidade de algumas interpretaes associadas a sintagmas quantificados atestadas em outras lnguas tornam-se evidncia para a postulao de uma estrutura sentenciai caracterstica do PB. A o compararmos o PB ao ingls no que tange distribuio e interpretao de seus sintagmas quantificados, mais especificamente dos sintagmas distributivos quando interagindo com sintagmas denotadores de grupo e com sintagmas de contagem, observou-se que, no ingls, certas interpretaes so geradas pelo movimento de tais sintagmas para as projees funcionais associadas a sua interpretao em Forma Lgica, ao passo que, em PB, tal movimento barrado pelo fato de o sujeito da predicao movimentar-se para a posio fora da sentena responsvel por essa interpreta-o antes de Spell-out, o que explica a impossibilidade de certos padres de escopo invertido nessa ltima lngua. Desse modo, as diferenas observadas nos padres de escopo das duas lnguas pode ser atribuda a diferenas em suas estruturas sentenciais, corroborando a caracterizao tipolgica do PB como lngua voltada para o discurso.

    A distribuio e a interpretao dos sintagmas quantificados do PB segundo a Teoria de Escopo de Aterrissagem Seletiva

    A interpretao associada a sentenas contendo Sintagmas Quantificados (QPs)6 comumente derivada por mecanismos que do ao QP a possibilidade de

    6 Seguindo a tradio, neste texto as siglas so introduzidas entre parnteses logo

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    ter e scopo sobre o resto da sentena. Entendemos que um determinado QP tem escopo sobre outro QP quando a interpretao desse lt imo depende da inter-pretao do primeiro.

    Diferentes propostas foram feitas na literatura de tradio gerativista para implementar esses mecanismos. U m a dessas propostas foi desenvolvida por Beghel l i (1995) e Beghel l i e Stowell (1996) . Reconhecendo que diferentes QPS comportam-se de maneira distinta c o m relao s possibilidades de escopo que podem assumir, os autores propem uma tipologia de QPs para captar tais diferenas e desenvolvem uma teoria do escopo de quantificadores, que eles chamam de "Target landing site theory of scope" (Teoria de escopo de aterrissa-g e m seletiva). Essa teoria: a) compartilha com as demais teorias sobre escopo de quantificadores dentro do modelo gerativo, da idia de que a estrutura hierr-quica geradora das relaes sintticas desempenha papel fundamental no es-tabelecimento das relaes de escopo; b) distancia-se dessas teorias no mo-mento e m que rejeita o pressuposto de que as relaes de escopo estabelecem-se de maneira uniforme para todos os quantificadores. Os autores propem que cada tipo de QP move-se em forma lgica(LF) para a posio de especificador (Spec) de uma projeo funcional espec f ica a fim de checar o trao semntico que o caracteriza, estabelecendo uma relao de concordncia c o m o operador ocupando o ncleo de tal projeo. Dist inguem, assim, os seguintes tipos de QPs: QPs interrogativos (WhQPs) , QPs negativos (NQPS), QPS distributivos-universais (DQPs), QPs denotadores de grupo (GQPS) e QPs de contagem (CQPS). Essa tipologia, c o m o eu disse, baseada nas diferenas de escopo observadas quando esses QPs interagem c o m outros quantificadores ou operadores.

    C o m o conseqncia, essa teoria capta as diferenas empricas atestadas na distribuio das leituras poss veis quando QPs interagem, por uma conver-gncia de fatores: 1) os traos semnticos associados c o m cada tipo de QP che-cados na projeo funcional relevante; 2) a estrutura hierrquica de projees funcionais: e 3) os princpios reguladores da teoria do movimento.

    aps a primeira apario de sua forma desenvolvida. A partir de sua introduo, as siglas sero usadas sem sua contraparte desenvolvida, ao longo de todo o texto. Optei, tambm, por usar as siglas correspondentes s expresses em ingls.

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    A Sintaxe da distributividade e as assimetrias entre DQPs na posio de sujeito versus DQPs na posio de objeto do PB

    O fenmeno do escopo relativo advindo da interao entre sintagmas quantificados e/ou operadores numa dada sentena torna-se visvel atravs das possveis interpretaes associadas com as sentenas nas quais eles se inserem. Dentre os tipos de interpretao elucidativos das relaes de escopo destaco: a interpretao distributiva e a interpretao de pressuposio de existncia as-sociada a QPs. Sentenas contendo sintagmas distributivos produzem a seguin-te interpretao: "para cada membro, a, b, c,..., n, do conjunto introduzido pelo sintagma distributivo, existem eventos distintos, ou grupos distintos introduzi-dos por um outro QP, que esto associados com a, b, c,..., n, respectivamente". Assim, a uma sentena como:

    (2) Cada aluno leu alguns textos.

    que contm um sintagma distributivo interagindo com um sintagma denotador de grupo, posso atribuir a interpretao de que para pelo menos dois membros do conjunto denotado por aluno existem alguns textos que esse aluno leu, ou seja, a interpretao na qual alunos distribuem-se sobre grupos de alguns textos ou sobre eventos de leitura de alguns textos. J em:

    (3) Cada aluno leu os dois textos indicados para a aula.

    a interpretao de que existem dois textos indicados para a aula que cada aluno leu, ou seja, a leitura de pressuposio de existncia de um grupo de dois textos indicados para a aula evidncia de que esse sintagma tem escopo largo sobre cada aluno que, por sua vez, distribui sobre eventos de leitura desses dois textos. Essa interpretao gerada quando o sintagma ocupando a posio de objeto tem escopo largo sobre o sintagma ocupando a posio de sujeito e chamada de "leitura de escopo invertido".

    O problema interessante trazido por esses dados do PB, uma lngua vol-tada para o discurso, quando comparados aos dados de uma lngua voltada para a sentena como o ingls, que em PB sintagmas distributivos em posio de objeto podem causar a estranheza e at mesmo a agramaticalidade da sentena, como em:

    (4) ?* Alguns alunos leram cada texto.

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    Esse fato pode ser correlacionado a outro j observado para uma lngua como o chins por Aoun e Li (1993), qual seja, a impossibilidade de escopo invertido numa sentena do chins correspondente a:

    (5) Todo mundo prendeu uma mulher.

    Em chins, a interpretao de que existe uma nica mulher que foi presa por todo mundo impossvel de ser associada sentena (5), que s pode ser interpretada como representando a situao em que h uma mulher para cada elemento do grupo denotado por todo mundo. Por outro lado, as duas interpre-taes so possveis para a verso inglesa dessa sentena. Aoun e Li derivam esse contraste nos padres de escopo das duas lnguas de diferenas nas respec-tivas estruturas sentenciais. Em ingls, o sintagma que acaba por ocupar a posi-o de SPEC- IP gerado internamente a vp, enquanto que em chins, SPEC-IP a posio na qual sintagmas funcionando como sujeito de sentenas ativas so gerados. A mesma impossibilidade de escopo invertido na sentena (5) obser-vada no PB.

    A opo por adotar a teoria de Beghelli e Stowell em detrimento da de Aoun e Li para explicar a sintaxe das relaes escopais de sentenas do PB advm do fato de que a ltima prediz a impossibilidade de interpretao de escopo invertido para seja qual for o tipo de sintagma quantificado ocupando a posio de objeto. Essa predio no se sustenta em PB. Em primeiro lugar, a agramaticalidade observada em (4) s se d quando a posio de objeto ocu-pada por s intagmas distributivos. O m e s m o no ocorre com sintagmas denotadores de grupo ou sintagmas de contagem, nos termos de Beghelli e Stowell, como em:

    (6) Alguns alunos leram dois textos.

    A sentena (6) uma sentena perfeita da lngua, embora a leitura de escopo invertido lhe seja muito difcil, at mesmo impossvel, de ser atribuda. Alm disso, a sentena:

    (7) U m reprter diferente entrevistou cada artista.

    plenamente aceitvel, exatamente porque nesse caso o sintagma cada artista pode distribuir sobre reprteres, indicando a possibilidade de escopo invertido quando um QP distributivo interage com um QP de contagem.

    A teoria proposta por Beghelli e Stowell d conta de explicar esse con-junto de fatos postulando uma estrutura para a sentena em que uma srie de projees de categorias funcionais organizadas hierarquicamente oferecem sua

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    posio de especificador como lugar de pouso para que cada um dos tipos de sintagmas quantificados possa mover-se para, numa relao de concordncia, checar o trao semntico que lhe peculiar. As leituras associadas a sentenas contendo QPs distributivos (DQPs) so geradas a partir da postulao de uma projeo funcional, o sintagma distributivo (DistP), tendo em seu ncleo Dist um operador distributivo, para cuja posio de especificador o DQP funcionan-do como distribuidor move-se, em LF, a fim de checar o seu trao semntico [ + distribuidor], Dist.0 seleciona uma outra projeo funcional, o sintagma parte (Share P), cuja posio de especificador vai ser ocupada, quer pelo quantificador existencial que prende o argumento evento associado com o predicado ncleo do sintagma verbal (VP), quer por outros tipos de sintagmas quantificados. Essa seleo capta a observao j feita por outros autores que estudaram a distributividade nas lnguas naturais de que QPs distributivos necessitam de um domnio sobre o qual exeram a distribuio. E por isso que os eventos ou grupos sobre os quais os DQPs distribuem receberam o nome de "share"(parte) e a projeo funcional que os abriga chamada de "ShareP". Sendo assim, as possibilidades de escopo exibidas por QPs distributivos, isto , a possibilidade de exibirem escopo estreito ou largo, no depende do movimento do DQP em si, uma vez que numa teoria de escopo que assume movimento seletivo de QPs em forma lgica para a posio de especificador de projees funcionais especfi-cas, a interpretao distributiva com eles associada decorre sempre do movi-mento desses QPs para a projeo funcional DistP. A possibilidade de escopo largo ou estreito depende sim da posio ocupada em LF pelos QPs com que os QPs distributivos interagem. A leitura em que cada-DQPs exibem escopo largo obtida atravs de movimento do DQP para Spec de DistP e movimento do QP com que ele interage para uma posio dentro de seu domnio. Por outro lado, cada-DQPs exibe escopo estreito quando o QP com que eles interage move-se para uma posio superior, isto , fora de seu domnio.

    Usando a teoria de Beghelli e Stowell, Negro (1999) consegue explicar no s a agramaticalidade da sentena (4), como tambm a ausncia de escopo invertido numa sentena como (5), correlacionando ambos os fenmenos ao fato de que em PB, sentenas em que a predicao primria se d entre um sujeito, cuja existncia pressuposta, e um predicado que, em termos estruturais, corresponde a todo o complexo TP j exibem essa representao antes de Spell-out, diferentemente de outras lnguas em que essa representao s obtida em LF. A sentena correspondente a (4) em ingls no s gramatical, como tam-bm ambgua, tendo a ela associada tanto a interpretao em que alguns alunos tm escopo largo sobre cada texto (ver grfico 8), quanto a interpretao em que cada texto tem escopo largo sobre alguns alunos (ver grfico 9).

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  • (8)

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    Revista Letras, Curitiba, n. 56, p. 141-55. julJdez. 2001. Editora da UFPR 149

  • NEGRO, E. V. O princpio de projeo estendida no...

    A impossibilidade das duas derivaes em PB pode ser explicada da seguinte maneira. Dadas as fortes exigncias de distributividade de cada, s sero possveis as sentenas em que ele tenha sob seu escopo, ou um sintagma que lhe oferea um grupo, ou uma quantificao sobre eventos que lhe oferea eventos sucessivos, aos quais possa associar os elementos do grupo denotado por sua restrio. Na representao em (8), o fato de o sintagma alguns alunos ter escopo largo, tira a possibilidade de ele servir como domnio de distribui-o. A outra alternativa seria a quantificao sobre eventos que, por nesse caso expressar a existncia de um nico evento, tambm no satisfaz as exigncias distributivas de cada. Na representao em (9), por sua vez, as exigncias distributivas de cada so satisfeitas pelo fato de o sintagma alguns alunos, so-frendo um processo que Beghelli trata como de reconstruo na posio de especificador de ShareP, terminar em LF sob o escopo de cada texto. Se (9) uma forma lgica impossvel para a sentena (4) do PB, porque alguns alunos no pode terminar sob o escopo de cada texto. Negro deriva essa impossibilidade do fato de que em PB, sintagmas denotadores de indivduos e de grupos, que desempenharo a funo de sujeito da predicao, movem-se para a posio que Beghelli e Stowell chamam de RefP, antes de Spell-out, e por isso no podem sofrer reconstruo. Desse modo, as diferenas observadas nos padres de escopo das duas lnguas pode ser atribuda a diferenas em suas estruturas sentenciais.

    Embora seja inegvel que a postulao de um conjunto de projees funcionais indesejvel, do ponto de vista terico, pelo alto poder descritivo que elas conferem teoria gramatical, a teoria proposta por Beghelli e Stowell possibilitou a descrio e a explicao de um conjunto de fatos do PB que no mais podero ser deixados de lado por propostas de solues tericas mais eco-nmicas.

    Tentativa de tratamento das generalizaes descritivas alcanadas numa estrutura sentenciai mnima

    A anlise proposta na seo anterior traz tona a preocupao com a tenso subjacente pesquisa em teoria gerativa entre a adequao descritiva e a adequao explicativa. Diz Chomsky (1995, p. 317): "These efforts were motivated by the usual dual concerns: the empirical demands posed by the problems of descriptive and explanatory adequacy, and the conceptual demands of simplicity and naturalness."

    142 Revista Letras, Curitiba, n. 56, p. 141-155. jul . /dez. 2001. Editora da UFPR

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    O programa minimalista de investigao do conhecimento lingstico humano coloca-se o objetivo de resoluo dessa tenso. Sendo assim, no basta para justificar a postulao de uma categoria, o fato de ela dar conta da descri- o de um conjunto de fatos empricos. O padro de organizao dos constitu-intes responsveis pela estruturao das sentenas reformulado no sentido de q u e dele sejam eliminadas as categorias que no gramaticalizem aspectos da s ignif icao, como por exemplo, a categoria concordncia (AGR). A sentena n u m a gramtica mnima passa a ter a seguinte estrutura:

    (10) { c p [T p[v p ( v p ) ] ] }

    A seqncia de dois VPs justificada pela necessidade de realizao da estrutura argumentai dos verbos, captando as assimetrias hierrquicas entre os argumentos. O sintagma temporal justificado porque carrega as marcas de t e m p o do evento descrito pela sentena e o sintagma complementizador porque abriga o trao referente operao de interrogao. A questo agora como, n e s s e modelo mnimo, podemos dar conta dos fenmenos analisados na seo anterior. Antes de mais nada preciso ressaltar que, nesse modelo de gramtica, movimentos de constituintes atendem a necessidades morfolgicas. Sendo as-s im, para mover-se, o constituinte precisa ser atrado por uma categoria que, por apresentar um determinado trao, exige que o constituinte portador de um trao compatvel mova-se para a posio de especificador de sua respectiva projeo.

    Chomsky (1995) esboa os principais pontos no tratamento dos padres d e escopo de sintagmas quantificados numa gramtica minimalista. Assume a operao conhecida como "alamento de quantificador", diz que por ser um movimento coberto um movimento do trao [quant], um trao interpretvel e que, portanto, no precisa ser checado. O trao sobe adjungindo-se a um X\ talvez T ou v, que por sua vez tem traos opcionais de afixo que permitem abrigar [quant]. Ser opcional significa que esse trao s escolhido se ele tiver conse-qncias no resultado final da derivao, sendo portanto motivado por princpi-o s de economia.

    Fox (2000) defende a relevncia dos princpios de economia na determi-nao da estruturao da sentena que alimenta o componente semntico e implementa o tratamento minimalista s sentenas envolvendo sintagmas quantificados. Utilizando-se de evidncias vindas da interpretao de constru- e s c o m elipse, mostra o papel que os princpios de economia desempenham na determinao dos padres de escopo. Prope, ento, o seguinte princpio:

    142 Revis ta Letras, Curitiba, n. 56, p. 141-155. jul . /dez. 2001. Editora da UFPR

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    (11) Scope Economy (Fox, 2000, p. 3) Scope-shifiting operations (SSO) cannot be semantically vacuouos,

    ou seja, a operao de alamento de quantificador s se aplica, quando necess-ria para derivar uma dada interpretao semntica. Por meio dessa operao, o constituinte que tem escopo largo adjungido, cobertamente, a uma categoria funcional. As sentenas em (12), e suas respectivas formas lgicas - (13) ex-pressando a interpretao sem escopo invertido e (14), a interpretao com escopo invertido - que reproduzem os exemplos (2), (6) e (7) de Fox (2000, p. 3-4), exemplificam a proposta:

    (12) a. A boy loves every girl . um menino ama toda garota,

    b. Many boys love every girl, muito meninos amam toda garota.

    ( 13)a. { a boy, . . . [ w every girl2 ( v p t, loves t2)]} b. {jp many boys , . . . [ v p every girl2 ( v p t, love t2)]}

    (14)a. { IPevery girl2 [[p a boy, . . . [ v p t2 ( v p t , loves t2)]]} b. every girl2 [, many boys , . . . [ v p t2 [ v p t, love t2]]]]

    Como, ento, tratar as generalizaes descritivas alcanadas na anlise do escopo dos sintagmas quantificados, proposta na sesso 3, numa estrutura sentenciai mnima? Tal como formuladas, as propostas de Chomsky e Fox, re-sumidas acima, no podem dar conta da heterogeniedade dos sintagmas quantificados. Delineio, a seguir, um esboo de tratamento que tenta contem-plar tal heterogeneidade numa gramtica minimalista.

    Comecemos por, com Chomsky (1998, p. 35), assumir que: "The EPP-feature o f T might be universal. For the phase heads v/C, it varies parametrically among languages and if available is optional."

    Suponhamos que os diferentes tipos de quantificadores que introduzem sintagmas quantificados tragam os traos interpretveis: [dist] se for um DQP, [group] se for um GQP e [count] se for um CQP. Por ser uma lngua voltada para o discurso, o PB pode realizar o EPP em CP: CP tem um trao D forte que pode ser checado, ou por DQPs, ou por GQPs. J TP tem somente um trao nominal forte que checado por CQPs, sintagmas quantificados que no pressupem a exis-tncia do grupo denotado por sua restrio.

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    Consideraes Finais

    A proposta sugerida parece que consegue dar conta das generalizaes empricas alcanadas na anlise do escopo dos sintagmas quantificados, por m e i o de uma soluo mais econmica. Nesse sentido, torna-se um projeto bas-tante interessante desenvolv-la por completo, na medida em que ela alia o alto p o d e r descritivo da anlise realizada ao forte poder explicativo da concepo minimalista de gramtica.

    RESUMO

    Neste trabalho, parto da tese de que o portugus brasileiro (PB) uma lngua que pode ser tipolgicamente caracterizada como lngua voltada para o discurso, ou seja, uma lngua que privilegia marcar, na sintaxe aberta, a funo informacional dos constituintes de sua sentena, ou seja, funes como tpico do discurso ou foco, ou ainda, o escopo de sintagmas quantificados. A impossibilidade da interpretao de escopo invertido de certas sentenas do PB tomada como evidncia de que a predicao primria (noo que est sendo usada para nomear a relao entre os dois constituintes maiores que formam uma sentena), no obrigatoriamente obedece o princpio de projeo estendida (EPP) tal como proposto pela teoria gerativa no modelo de princpios e parmetros, mas pode se estabelecer entre um DP, OU QP, e os constituintes includos em projees mximas de categorias funcionais como TP e at mesmo projees integrantes do sistema CP, que, transformadas em predicado, s vezes pela atuao de algum operador, predicam desse DP, ou QP, na posio de especificador de tal projeo. Em trabalho recente, Chomsky (1998) abre a possibilidade de as lnguas variarem com relao satisfao do EPP, agora tratado como um trao de categorias funcionais, embora ainda considere o trao EPP de T como universal. Investigo, ento, as conseqncias dessa abertura para o tratamento das sentenas do PB contendo sintagmas quantificados, para que os seus padres de escopo possam ser derivados por meio de uma soluo mais econmica.

    Palavras-chave: Teoria gerativa, escopo de sintagmas quantificados, forma lgica, categorias funcionais.

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    ABSTRACT

    In this paper, I assume the thesis that Brazilian Portuguese (BP) is a discourse-oriented language, in the sense that it makes visible in overt syntax the informational function of certain constituents, such as, discourse topic and focus, and the scope of quantifier phrases (QPs). The impossibility of an inverse scope reading associated with sentences containing QPs is taken as evidence for the claim that, in such languages, the basic predicative relation is not one established between the subject and the predicate within IP, as expressed in the Principles & Parameters formulation of the Extended Projection Principle (EPP), but it is established between the whole IP and a constituent included in a functional projection of the CP system. In recent work, Chomsky (1998) opens the possibility for language variation in regard to the EPP satisfaction. I then investigate the consequences of this new approach to the treatment of sentences containing QPs in order to derive scope patterns within a more economical framework.

    Key-words: Generative grammar, scope of quantifier phrases, logical form.

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