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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO
NATHÁLIA DE MORAIS COSCRATO
ORIENTADOR: PROF. DR. CLÁUDIO DO PRADO AMARAL
O PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS E A
EXECUÇÃO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO
Ribeirão Preto-SP
2012
NATHÁLIA DE MORAIS COSCRATO
O PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS E A
EXECUÇÃO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, da
Universidade de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de Bacharel
em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Cláudio do Prado Amaral
Ribeirão Preto-SP
2012
NATHÁLIA DE MORAIS COSCRATO
O PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS E A
EXECUÇÃO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, da
Universidade de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de Bacharel
em Direito.
Aprovada em _____/_____/________.
___________________________________
Orientador: Prof. Dr. Cláudio do Prado Amaral
____________________________________
Examinador 1:
Ribeirão Preto - SP
2012
À minha família, por vibrarem mais com meus gols do que as
torcidas do Palmeiras e do Corinthians juntas! A vocês, com
imenso amor, dedico esse trabalho.
RESUMO
Esta monografia objetiva analisar o princípio da humanidade das penas na execução penal
brasileira. Para tanto, utilizamo-nos principalmente de uma pesquisa teórica e,
secundariamente, de coleta de dados. A base do princípio da humanidade das penas é o valor
da pessoa humana. A necessidade de sua observância é notória no contexto de implantação de
um Estado Democrático de Direito e de internacionalização dos direitos humanos. A realidade
da execução penal brasileira, todavia, é marcada pelo desumano tratamento dado aos presos.
Essa situação demanda ao Estado que de forma urgente tome medidas para revigorar o
sistema penitenciário.
Palavras-chave: princípio da humanidade das penas, execução penal, Estado Democrático de
Direito.
ABSTRACT
This monograph aims to analyze the principle of humanity of the criminal penalties in the
Brazilian penal execution. To do so, we use mainly a theoretical research and secondarily, a
data collection. The basis of the principle of humanity is the value of the human person. The
necessity of its observance is notable in the context of the implantation of the democratic rule
of law and of the internationalization of human rights. The reality of the Brazilian penal
execution, however, is marked by the inhumane treatment of detainees. This situation requires
the State to urgently take steps to reinvigorate the prison system.
Keywords: principle of humanity of the criminal penalties, penal execution, democratic rule
of law.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 15
1 O PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS NO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO..................................................................... 16
1.1 O princípio da humanidade das penas ................................................................... 16
1.1.1 Conceito ....................................................................................................................... 16
1.1.2 Dispositivos constitucionais ..................................................................................... 20
1.1.3 Normatividade ............................................................................................................ 21
1.2 O Estado Democrático de Direito ........................................................................... 24
1.2.1 A evolução do Estado de Direito – do Estado Liberal legalista ao Estado
Democrático de Direito principiológico........................................................................... 24
1.2.2 O princípio da humanidade das penas no Estado Democrático de Direito ..... 29
2 O PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS NO ÂMBITO
INTERNACIONAL .......................................................................................... 31
2.1 O Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Brasil ................................... 31
2.2 O princípio da humanidade das penas no Direito Internacional ........................ 36
3 AS PENAS ................................................................................................... 44
3.1 Do desenvolvimento histórico das penas e a progressiva limitação do ius
puniendi ................................................................................................................................ 44
3.2 Do porquê punir ....................................................................................................... 47
3.2.1 Teorias absolutas ....................................................................................................... 47
3.2.2 Teorias relativas (utilitaristas) ................................................................................. 49
3.2.3 As funções da pena para o ordenamento jurídico brasileiro ............................. 54
3.3 Das modalidades de penas ....................................................................................... 57
3.3.1 Análise das modalidades punitivas ora vigentes .................................................. 59
4 A EXECUÇÃO PENAL ............................................................................. 66
4.1 A Execução Penal tal como deveria ser ................................................................. 66
4.2 A execução penal tal como é ................................................................................... 70
4.3 Repercussões no Judiciário..................................................................................... 72
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 79
15
INTRODUÇÃO
O motivo da escolha do presente tema é o paradoxo entre as conquistas científico-
jurídicas e a realidade do sistema penal repressivo existente nas unidades prisionais, que não
obedece àquelas vitórias do humanismo ao longo da história do homem.
Exposta a motivação da escolha do tema “O princípio da humanidade das penas e
a execução penal no Estado Democrático de Direito”, cumpre apontar como optamos por
desenvolvê-lo. O trabalho será desenvolvido em quatro capítulos. No primeiro trataremos do
princípio da humanidade das penas em si, de seu conceito, de sua presença na Constituição
Federal de 1988 e de sua normatividade, assim como também analisaremos o Estado
Democrático de Direito, sua evolução histórica e sua inerente busca pela efetivação dos
princípios constitucionais.
O segundo capítulo destina-se a análise do princípio da humanidade das penas no
âmbito internacional. E para tanto, primeiro analisaremos a expansão da proteção dos direitos
humanos iniciada a partir da Segunda Guerra Mundial, e no segundo momento trataremos dos
documentos internacionais que trazem dispositivos que cuidam das penas e de sua execução.
O terceiro capítulo, por sua vez, terá como objeto as penas. Nele buscaremos fazer
uma análise crítica de sua evolução histórica, das funções atribuídas a elas pelas principais
teorias e por alguns dispositivos legais do ordenamento jurídico brasileiro, e veremos também
as modalidades punitivas existentes com foco nas vigentes atualmente no Brasil.
No quarto e último capítulo, trataremos da execução penal, de como a prática é
gritantemente diferente de sua previsão na Lei de Execução Penal (lei n.7210 de 1984),
apresentando graves violações de direitos humanos em um notório desrespeito à Constituição
Federal. A imensa falta de infraestrutura do sistema penitenciário brasileiro, como também
veremos, traz repercussões ao Judiciário.
16
1 O PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS NO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
O presente capítulo é dividido em duas partes. Na primeira discorreremos sobre o
princípio da humanidade das penas em si, seu conceito, os dispositivos constitucionais
emanados dele e sua vinculatividade jurídica, cujo reconhecimento mostra-se imprescindível
para a implantação do Estado Democrático de Direito, que, tal como defendido por Paulo
Bonavides, é um Estado principiológico (2007,p.53).
Na segunda, trataremos do Estado Democrático de Direito, seu surgimento
histórico enquanto evolução do Estado de Direito e as implicações que a sua adoção traz no
que tange ao princípio da humanidade das penas.
1.1 O princípio da humanidade das penas
Como veremos nesse tópico, o cerne do princípio da humanidade das penas é o
respeito à pessoa humana, dele decorre não apenas normas de limitação à atividade estatal
punitiva como normas que prescrevem prestações positivas a serem realizadas pelo Estado.
Faz-se fundamental, todavia, o reconhecimento da vinculatitivade jurídica desse princípio
para que sua observância seja considerada como um imperativo pelos aplicadores do Direito.
Para facilitar a compreensão, dividimos o tópico em três subtópicos: conceito, dispositivos
constitucionais e normatividade.
1.1.1 Conceito
17
José Joaquim Gomes Canotilho define princípios como “normas que exigem a
realização de algo, na melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e
jurídicas” (CANOTILHO,2003,p.1255). Nesse sentido, o princípio da humanidade das penas
poderia ser entendido como uma norma que exige que as penas sejam humanas, o máximo
possível, tanto em sua previsão legal, como em sua aplicação e execução. Mas restaria,
todavia, ainda a demandar conceituação a expressão “penas humanas”, que constitui
verdadeiro cerne do princípio ora analisado.
A busca do conceito do princípio da humanidade das penas exige que voltemos à
obra do pensador iluminista Cesare Baccaria “Dos delitos e das penas”, que se mostra
verdadeiro marco no processo de humanização das penas.E, não obstante os séculos que
separam sua primeira impressão (1764) dos dias hodiernos, seus escritos não possuem apenas
importância histórica como também são informados por ensinamentos ainda hoje atuais1.
Demonstrando seu brilhantismo e o conteúdo essencialmente humanístico de sua
obra, escreveu Beccaria:
[...] os gemidos dos fracos, sacrificados à cruel ignorância e à opulenta indolência;
os bárbaros tormentos multiplicados com pródiga e inútil severidade; crimes não
provocados ou quiméricos; a desolação e os horrores de uma prisão, aumentados
pelo mais cruel verdugo dos desgraçados - a incerteza -, deveriam inquietar os
magistrados que orientam as opiniões das mentes humanas (2004, p.16).
A obra de Beccaria se insere no contexto de revolta contra as arbitrariedades e
atrocidades do Antigo Regime. Eis porque, então, levanta o pensador, entre outras, as
bandeiras do princípio da legalidade (devendo os magistrados se limitarem ao que está
previsto nas leis), da limitação das penas à sua necessidade(no sentido de que as penas
deveriam ser apenas aquelas necessárias para cumprir sua função de prevenção do crime), do
princípio da proporcionalidade2, além da necessidade de humanização das penas.
1 Sobre a atualidade e relevância da obra de Beccaria, aponta o doutor em direito penal Víctor Gabriel Rodríguez
que seu pensamento “continua, atualmente, sendo demarcação de um Direito penal como garantia das liberdades,
voltando-se a ele não apenas nossa doutrina, como a jurisprudência mais recente” (2010, p. 34). 2 Relevante, então, apontar que alguns juristas entendem estar o princípio da proporcionalidade inserido, junto
com o da racionalidade, no da humanidade das penas, o qual, assim, prescreveria que as penas devem ser
proporcionais ao crime e não desconsiderar o homem enquanto pessoa. Nesse sentido vide BATISTA, Nilo.
Introdução crítica ao direito penal brasileiro.5.ed.Rio de Janeiro: Revan,2001. pp 98 e ss..
18
Para o pensador iluminista, quanto mais evoluída for a legislação de um Estado,
mais brandas serão suas penas. Nesse sentido, afirma: “Sejam, pois, inexoráveis as leis,
inexoráveis os seus executores nos casos específicos; mas seja brando, indulgente, humano o
legislador; sábio arquiteto, faça surgir o seu edifício sobre a base do próprio amor” (2004,
p.80).
Mais de dois séculos depois, e indo ao encontro do acima exposto, defendeu
ilustre penalista René Ariel Dotti que a humanização das penas deriva do sentimento comum
aos “homens de boa fé”, os quais, embora admitam a necessidade da punição, repugnam a
aplicação de “castigos cruéis e ofensivos à dignidade que sempre permanece, em maior ou
menor escala, até no pior delinquente”(1998, p.222).
O principal argumento contra a falta de humanidade das penas é, pois, essa
consciência da necessidade do respeito à pessoa humana, à sua dignidade, o que vai ao
encontro do princípio kantiano da moral segundo o qual as pessoas não podem ser tratadas
como meio, “coisa”, mas sim como um fim em si mesmo. Nesse sentido, defende os
eminentes penalistas Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli que “do princípio da
humanidade deduz-se a proscrição das penas cruéis e de qualquer pena que desconsidere o
homem como pessoa” (1997,p.178).
Luigi Ferrajoli escreveu que “acima de qualquer argumento utilitário, o valor da
pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação à qualidade e à quantidade da
pena” (2010,p. 364). O pensador lembra ainda que o respeito à pessoa humana também tem
um cunho político na medida em que:
serve para fundar a legitimidade do Estado unicamente nas funções de tutela da vida
e os demais direitos fundamentais; de sorte que, a partir daí,um Estado que mata,
que tortura, que humilha um cidadão não perde qualquer legitimidade, senão que
contradiz sua razão de ser, colocando-se no nível dos mesmos delinquentes (2012,
p.364).
19
Beccaria, mais uma vez com a excelência ímpar que marcou sua obra,
defendendo-se de críticas que lhe dirigiam, igualmente apontou o caráter legitimador que a
humanização das penas dá a atividade estatal3 :
quem queria honrar-me com suas críticas, comece pois com entender o objetivo da
obra; fim que, muito longe de enfraquecer a legítima autoridade, servirá para
aumentá-la, já que, nos homens, a convicção pode mais do que a força, e a suavidade
e a humanidade justificam a autoridade aos olhos de todos (2004,p.12).
O princípio da humanidade das penas tem, pois, como cerne, o respeito à pessoa
humana, à sua dignidade e, olhado a partir de uma perspectiva utilitarista, ainda tem o condão
de legitimar a atividade estatal.
Imprescindível apontar que, ainda que possível extrair, tal como acabamos de
fazer, o núcleo do princípio da humanidade das penas, que é o respeito à pessoa humana, esse
princípio, tal qual aquele de que decorre, o da dignidade da pessoa humana, tem um caráter
histórico-cultural na medida em que a realidade social de determinada época e cultura é fator
condicionante de seu conteúdo4.
Essa flexibilidade, aliás, é característica dos princípios em geral, os quais, como
lembra o doutor em direito penal Cláudio de Prado Amaral, são normas “aptas a dar resposta
para a mudança da realidade e à dinâmica social em sua complexa teia de relações, ao mesmo
tempo em que atendem às concepções cambiantes de “justiça” e “verdade””(2003,p.38),
aptidão essa inexistente nas regras, enquanto normas rígidas que são.
A própria concepção do que seja pena humana é alterada, pois, histórica e
culturalmente, revelando assim a flexibilidade do princípio da humanidade das penas. Se, por
exemplo, a pena privativa de liberdade representou em sua origem uma humanização da
3Beccaria alega, ainda, que a atrocidade das penas, quando comprovadamente inútil, porque oposta ao bem
público e ao fim de impedir delitos, mostra-se “contrária à justiça e à natureza do próprio contrato social”
(2004,p. 21), uma vez que os homens, unidos em sociedade, criam leis para viverem em paz (porque “cansados
de viverem num contínuo de guerra e de gozarem uma liberdade tornada inútil por causa da incerteza de sua
conservação” (2004,p. 20)). 4 Nesse sentido, Alynne Menezes Brindeiro de Araújo recorda os ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet, o
qual defende que a dignidade tem um caráter “histórico-cultural, posto que varia de acordo com a realidade
social, em razão da época e da própria comunidade” (2010,p.155).
20
atividade punitiva na medida em que gradualmente foi ocupando o lugar das penas corporais5,
atualmente é notória a necessidade de sua substituição, o máximo possível, pelas penas
restritivas de direitos.
1.1.2 Dispositivos constitucionais
Densificando6 o princípio da humanidade das penas, e, por conseguinte, tornando
possível sua concretização e aplicação no caso concreto, existem alguns dispositivos do artigo
5º da Constituição Federal7, tais como: inciso III, que dispõe que “ninguém será submetido a
tortura nem a tratamento desumano ou degradante”; inciso XLVI, o qual prevê a
individualização da pena; inciso XLVII, referente à vedação das penas de morte, salvo em
caso de guerra declarada, de caráter perpétuo,de trabalhos forçados, de banimento, cruéis;
inciso XLVIII, que prevê que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de
acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”; inciso XLIX, que assegura o
respeito à integridade física e moral dos presos e inciso L, o qual assegura às presidiárias o
oferecimento de condições para que permaneçam com seus filhos durante o período da
amamentação (BRASIL,1988).
Relevante, então, destacar que esses dispositivos referem-se tanto a proibições de
atitudes negativas como a prescrições de atitudes positivas de respeito à pessoa humana.
Nesse sentido, defendeu o eminente penalista Alberto Silva Franco:
Assim, o princípio da humanidade da pena, na Constituição brasileira de 1988,
encontrou formas de expressão em normas proibitivas tendentes a obstar a formação
de um ordenamento penal de terror e em normas asseguradoras de direitos de presos
5 Ver capítulo terceiro do presente trabalho.
6 Canotilho define densificar uma norma como “preencher, complementar e precisar o espaço normativo de um
preceito constitucional, especialmente carecido de concretização, a fim de tornar possível a solução, por esse
preceito, dos problemas concretos” (2003,p.1201). 7 Como no capítulo 2º do presente trabalho os tratados internacionais de direitos humanos que trazem
disposições acerca do princípio da humanidade das penas serão pormenorizados, eles não serão mencionados
aqui, não obstante tenham natureza jurídica de norma constitucional, tal como previsto nos parágrafos 2º e 3º do
artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL,1988).
21
ou de condenados, objetivando tornar as penas compatíveis com a condição humana
(2007,p.59).
A observância do princípio da humanidade das penas configura, pois, não apenas
um freio à atividade estatal punitiva como também demanda ao Estado prestações positivas de
respeito à pessoa condenada penalmente. Além dos dispositivos constitucionais citados, o
princípio da humanidade das penas também é densificado por vários dispositivos
infraconstitucionais, como a Lei de Execução Penal (lei nº 7210, de 1984), assim como por
diversos tratados internacionais, que serão analisados, respectivamente, no quarto e segundo
capítulos desse trabalho.
Imprescindível, entretanto, para a observância e o respeito devidos ao princípio da
humanidade das penas é a adoção da concepção normativa dos princípios que, por sua vez,
representa verdadeira conquista histórica, mostrando-se conditio sine qua non para a
implantação efetiva do Estado de Direito em sua mais aprimorada faceta, como Estado
Democrático de Direito.
1.1.3 Normatividade
Como já apontamos, os princípios são definidos por Canotilho como “normas que
exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades
fáticas e jurídicas” (2003, p.1255). Eles, ao contrário das regras, não proíbem, permitem ou
exigem algo em termos absolutos; em sua aplicação no caso concreto, passam, pois, por um
processo de ponderação, o que inexoravelmente demanda um labor interpretativo.
Por essas e outras características (como seu elevado grau de generalidade e
abstração), que se mostra antiga a questão acerca da natureza dos princípios, mais
precisamente, se são dotados de normatividade e, por conseguinte, de eficácia jurídica, tal
como as regras.
Para o brilhante pensador da ciência jurídica Norberto Bobbio, não há, no entanto,
dúvidas. Expressos ou não expressos, os princípios constituem normas. E duas são as razões
através das quais defende, em sua Teoria Geral do direito, a natureza normativa dos
22
princípios. A primeira razão expressa-se no raciocínio de que, na medida em que as regras
são normas e emanam dos princípios, outra natureza estes não poderiam ter8. A segunda
refere-se à função dos princípios que, defende o jurista, assim como as regras, regulam
comportamentos não regulados9.
Ferrajoli, que também defende o caráter vinculante dos princípios, demonstra em
sua grandiosa obra “Direito e Razão Teoria do Garantismo Penal” a conquista histórica que
essa vinculação representa, tendo sido iniciada com o advento do Estado de Direito e se
desenvolvido juntamente com ele. Aponta o jurista que positivação dos então considerados
direitos naturais fora fundamental para que houvesse uma aproximação do dever ser jurídico
do dever ser extrajurídico, ou seja, para que “critérios e valores substanciais de legitimação
externa, que foram expressados pelas doutrinas iluministas do direito natural” (2010,p.328) se
tornassem também fatores internos de legitimação.
Defende, pois, o criador do garantismo, que a validade das normas deve ser
auferida não apenas em razão da regularidade formal da produção do ato normativo, tal qual
defendido pelo positivismo kelseniano, como também pelo conteúdo dessas normas. Haveria,
portanto, duas validades: uma formal, que denomina vigência, representativa da legitimidade
jurídica formal da norma; e outra material, a representar sua legitimidade jurídica substancial.
A concepção apenas formal da validade seria adequada, ensina Ferrajoli, apenas
aos “ordenamentos jurídicos de estrutura elementar nos quais o legislador é legibus solutus,
de forma que qualquer norma dele emanada e da maneira que ele queira é uma norma
válida”(2010,p.327). O que seria impossível, alega,
nos modernos Estados constitucionais de direito, nos quais a validade das normas –
assim como das leis, dos regulamentos, sentenças e atos administrativos – reside na
sua correspondência não somente formal como também material com normas de
categoria superior, que não só regulam as formas senão que estabelecem também
limitações de conteúdo ao exercício do poder normativo [...] (2010,p. 327)
8 Em suas palavras, “se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, mediante um
procedimento de generalização sucessiva, não há motivo para que eles também não sejam normas: se abstraio de
espécies animais, obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas” (2008,p.297). 9 Em suas palavras, “a função pela qual são extraídos e usados é igual àquela realizada por todas as normas, ou
seja, a função de regular um caso” (2008, pp.297 e 298).
23
Também Canotilho defende a vinculação material das normas. O
constitucionalista, discorrendo sobre a força normativa da constituição, chegou a escrever que
“pode e deve falar-se da “morte” das normas programáticas”, no sentido assinalado pela
doutrina tradicional, como meros programas sem vinculatividade jurídica. Essas normas não
apenas indicam que algo deva ser feito, mas “impõem uma atividade e dirigem materialmente
a concretização constitucional” (2003,p.1176). A positividade jurídico-constitucional das
normas programáticas poderia ser, então, entendida como:
(1)Vinculação do legislador, de forma permanente, à sua realização (imposição
constitucional); (2) vinculação positiva de todos os órgãos concretizadores,
devendo estes tomá-las em consideração como directivas materiais permanentes, em
qualquer dos momentos da actividade concretizadora (legislação, execução,
jurisdição); (3) vinculação, na qualidade de limites materiais negativos, dos poderes
públicos, justificando a eventual censura, sob a forma de inconstitucionalidade, em
relação aos actos que as contrariam (CANOTILHO, 2003,p. 1177).
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 consiste em verdadeiro marco na
concepção normativa dos princípios na medida em que ela criou, tal como aponta Paulo
Bonavides, um “Estado constitucional principiológico”, o qual é “baseado sobre a juridicidade
dos princípios e dos direitos fundamentais, que também são princípios e auferem, pelas
prescrições do artigo 5º, aplicabilidade imediata” (2007,p.67), possuindo, portanto, eficácia
jurídica.
Sobre a eficácia jurídica dos princípios, o eminente jurista Luís Roberto Barroso,
em artigo escrito com a ilustre Ana Paula de Barcellos, apontou que existem dois movimentos
de expansão da capacidade normativa dos princípios: primeiro, “aplicando a modalidade
convencional de eficácia jurídica das regras também aos princípios”; segundo,
“desenvolvendo modalidades diferenciadas” (2003,p.37), adaptadas às peculiaridades dos
princípios.
A modalidade convencional de eficácia jurídica, também denominada positiva ou
simétrica, reconhece direito subjetivo para aquele que seria beneficiado pela norma ou para
quem seria atingido pela realização de seus efeitos. Quanto mais preciso for a identificação
dos efeitos pretendidos pelos princípios constitucionais, mais adequado será o funcionamento
dessa eficácia.
24
As outras modalidades de eficácia apontadas por Barroso e Ana Paula
Barcellos são: a interpretativa, a negativa e a vedativa do retrocesso. A primeira consiste na
ideia de que os princípios constitucionais devem orientar a interpretação das regras em geral.
A segunda “autoriza que sejam declaradas inválidas todas as normas ou atos que
contravenham os efeitos pretendidos pela norma” (2003,p.38). E a terceira, derivada da
secunda e aplicada particularmente aos princípios que envolvem direitos fundamentais,
propõe “a invalidade da revogação de normas que, regulamentando o princípio, concedam ou
ampliem direitos fundamentais, sem que a revogação em questão seja acompanhada de uma
política substitutiva ou equivalente” (2003, p.39).
A expansão da capacidade normativa dos princípios, com o reconhecimento das
diferentes modalidades de eficácia que podem assumir, mostra-se fundamental para a
superação do legalismo e a implantação de um Estado Democrático de Direito, o qual tem
como valor máximo a pessoa humana, como melhor veremos no próximo tópico.
1.2 O Estado Democrático de Direito
Nesse tópico apresentaremos a evolução histórica do Estado de Direito, assim
como as implicações da adoção de sua modalidade mais desenvolvida, qual seja, a de Estado
Democrático de Direito, o qual é marcado pela máxima valorização da pessoa humana e do
qual decorre a exigência pela efetivação dos princípios constitucionais, dentre eles, o da
humanidade das penas.
1.2.1 A evolução do Estado de Direito – do Estado Liberal legalista ao Estado
Democrático de Direito principiológico
25
O conceito de democracia, entendido como “realização de valores (igualdade,
liberdade e dignidade da pessoa) de convivência humana” (SILVA, 2008,p.112) é mais amplo
que o conceito de Estado de Direito, em sua origem, fruto do pensamento liberal do século
XVIII. Com a superação do liberalismo, defende José Afonso da Silva, foi questionado se
condizente os dois conceitos entre si, constatou-se, então, ser insuficiente o Estado Liberal
para a concretização da democracia. É quando este é substituído pelo Estado Social de
Direito o qual, posteriormente, mostrando-se também insuficiente, é permutado pelo atual
Estado Democrático de Direito.
A evolução do Estado de Direito mostra-se, assim, em sintonia com a
construção da democracia. Nesse sentido, coloca Agassiz Almeida Filho, no prefácio a sua
tradução da obra de Pablo Lucas Verdú “A luta pelo Estado de Direito” que:
A luta pelo Estado de Direito consiste no empenho da comunidade política no
sentido de submeter o Estado às prescrições do Direito. A Constituição, o
constitucionalismo, as revoluções burguesas e as conquistas dos direitos sociais,
tudo é resultado de um labutar jurídico-político que acompanha as várias etapas do
fenômeno humano na tentativa de harmonizar os interesses, valores e necessidades
dos homens. O Estado de Direito é símbolo de todo esse incessante processo. [...] A
luta pelo Estado de Direito, portanto, consiste na lenta construção da democracia
(2007,pp. X e XI).
São características básicas da primeira fase do Estado Direito: a submissão à lei,
emanada, então, do poder Legislativo composto de representantes do povo, mais
precisamente, do povo-cidadão; a divisão de poderes, devendo os poderes ser independentes e
harmônicos ente si e o enunciado e garantia dos direitos individuais. Essas características
continuam sendo elementares no Estado de Direito, o qual, no entanto, foi acrescido de outros
conceitos igualmente fundamentais para a realização da democracia.
O Estado de Direito, no entanto, em sua primeira fase, de Estado liberal,
mostrava-se mais “como realidade a ser implementada pelo projeto jurídico-políco da
burguesia liberal do que propriamente como construção teórica decorrente dos valores
constitucionais do período iluminista” (VERDÚ,2007,p. X). Houve o predomínio do princípio
da legalidade formal sobre qualquer outro, com a forte concepção de que o juiz tinha que ser
apenas “boca da lei”, ideia essa presente em vários autores iluministas, como garantia contra o
despotismo.
26
O Estado Liberal é marcado, pois, pela falácia formalista, uma vez notória a
insuficiência das previsões legislativas de direitos fundamentais se estes não tiverem
condições fáticas de se realiarem. Nesse sentido, por exemplo, não obstante o Estado Liberal
apontasse para a consecução da liberdade objeta-se a ele “ o fato de não existir liberdade sem
justiça social ou de a liberdade de um trabalhador desempregado ser ilusória”
(VERDÚ,2007,p. 87).
O formalismo, a neutralidade e o individualismo típicos do Estado Liberal não
conseguiram, no entanto, se sustentar frente às demandas sociais que se surgiram. Nesse
sentido, indica Verdú:
Os movimentos sociais do século XIX revelaram a insuficiência das liberdades
burguesas, permitindo que se formasse uma consciência da necessidade da justiça
social. Mas o Estado de Direito, já não podia se justificar como liberal, precisou
abandonar a sua neutralidade para afrontar a maré social, além de integrar a
sociedade sem renunciar ao primado do Direito. O Estado de Direito deixa de ser
formal, neutro e individualista para transformar-se em Estado Material de Direito, na
medida em que adota uma dogmática e uma finalidade voltadas para o fomento da
justiça social (2007,p.91).
Relevante, então, lembrar que, não obstante tenha se mostrado insuficiente, o
Estado Liberal representa verdadeiro avanço comparado ao absolutismo e à insegurança
predominantes no Antigo Regime, que o precedeu. A separação dos poderes, a necessária
observância do princípio da legalidade no Direito Penal e Tributário, a limitação da atividade
estatal ao disposto nas Constituições, são, pois, alguns dos avanços tidos por essa primeira
fase do Estado de Direito.
A segunda fase do Estado de Direito, o Estado Social de Direito, surgido em
meados do século XX, busca, assim, suprir algumas lacunas da primeira fase, mas
acumulando os avanços por esta conquistados. Nesse sentido, ela tem uma preocupação social
inexistente no Estado Liberal, marcado por seu absenteísmo.
O Estado Social, aponta Paulo Bonavides, é voltado mais para a justiça do que
para a liberdade isso “porque a liberdade já se tinha por adquirida e positivada nos
ordenamentos constitucionais, ao passo que a justiça, como anseio e valor social superior,
estava ainda longe de alcançar o mesmo grau de inserção, positividade e concreção” (2007,p.
46).É nesse contexto, pois, que surgem os direitos econômicos, sociais, culturais.
Inicia-se, igualmente, na segunda fase do Estado de Direito, o rompimento entre
o princípio da legalidade e o da legitimidade, até então em comunhão pela subsunção deste
àquele. Os direitos fundamentais vão se tornando progressivamente a base material da nova
27
legitimidade, que se desloca, pois, da mera observância da lei para a observância destes
direitos.
O Estado Social, no entanto, nem sempre se apresentou com a preocupação na
realização efetiva dos direitos fundamentais, sendo num primeiro momento um “Estado
Social também abstrato, a que se sucederia depois a fórmula hora vigente de um Estado Social
concreto” (BONAVIDES,2007,p. 50).
O Estado Social, não obstante busque “criar uma situação de bem-estar geral que
garanta o desenvolvimento da pessoa humana”(SILVA,2008,p.115), também não se mostrou,
assim como o Estado Liberal, suficiente para a realização da democracia. Isso porque, como
lembra José Afonso da Silva, tanto a Alemanha nazista, Portugal salazarista, como a
Inglaterra de Churchill eram denominados Estados Sociais, do que se é possível concluir ele
comporta regimes jurídicos outros que não a democracia, como o nazismo, o nacional-
socialismo (2008,p.116).
Houve, então, a necessidade de que o Estado de Direito continuasse a se
desenvolver. Nesse contexto foi criado o Estado Democrático de Direito, cuja concepção tem
como centro axiológico o princípio da dignidade da pessoa humana. O Estado Democrático de
Direito congrega os conceitos de Estado Direito e Estado de Democrático, este último
caracterizado pelo princípio da soberania popular, mas não se resumindo a uma simples
somatória dos dois conceitos10
.
José Afonso da Silva indica que o artigo 2º da Constituição portuguesa, com
redação da 2ª revisão, 1989, tem o conteúdo básico do Estado Democrático de Direito:
baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política
democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades
fundamentais, que tem por objetivo a realização da democracia económica, social e
cultural e o aproveitamento da democracia participativa (2008,p.119).
O Estado Democrático de Direito é, pois, pautado pela ideia de que o poder emana
do povo e deve ser em proveito deste exercido, ou diretamente ou por meio representante
10
Nesse sentido, José Afonso da Silva defende: “ A configuração do Estado Democrático de Direito não
significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na
verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os
supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo”. (2008,
p.119)
28
eleitos, com a busca sempre latente de uma maior participação sua no processo decisório e na
formação dos atos de governo. É também pluralista, respeitando, assim, as diferenças
culturais, étnicas e de ideias. Busca tornar efetivos os direitos fundamentais, o que impõe que
ofereça condições para tanto, não bastando, assim, a mera previsão legislativa. Ele representa,
pois, uma máxima valorização da pessoa humana.
Bonavides, nesse sentido, coloca que “a soberania no Estado Moderno enquanto
Estado da Democracia participativa não há de ser outra senão a soberania constitucional”
(2007,p.53), a qual equivale, defende, à soberania dos princípios, que ocupam assim, o mais
elevado grau na hierarquia dos ordenamentos jurídicos.
Se antes os princípios, por não serem considerados como normas jurídicas, eram
tidos como inferiores às regras11
, essa posição claramente é invertida no atual
constitucionalismo. E igualmente, a legitimidade se sobressai à legalidade e as Constituições
aos Códigos.
E essa preponderância dos princípios mostra-se imprescindível para a realização
do Estado de Direito tal como hoje o temos. Nesse sentido Bonavides:
Com efeito, quando a normatividade do ordenamento jurídico estampa tão-somente
a preponderância das regras na versão positivista do passado, e os princípios –
pospostos, deslembrados ou violados – não formam ainda a medula do sistema, e o
governo, qual espelho de arbítrio, não ampara os direitos fundamentais das novas
dimensões, então não há como estabelecer o Estado Social e constitucional da
Democracia participativa. Descaracterizada desde já a natureza constitucional do
regime. O Estado de Direito entra em declínio; sua queda se faz irremissível; seu
colapso, iminente (2007, p.55).
O Estado Democrático de Direito aponta, pois, para uma supremacia dos
princípios constitucionais, buscando, acima de tudo, a realização efetiva dos direitos
fundamentais elencados nas Constituições, o que vai ao encontro do movimento de
internacionalização dos direitos humanos, iniciada a partir da Segunda Guerra Mundial, mas
do qual melhor falaremos no próximo capítulo.
11
Bonavides aponta que mesmo quando o Estado possuía uma Constituição “ainda assim a lei preponderava,
porquanto contida nos Códigos cuja normatividade concreta se afigurava bem superior à das Constituições, as
quais se assemelhavam primeiro a um texto de Filosofia Política do que de Ciência do Direito” (2007, p. 54).
29
O Brasil aderiu a esse novo constitucionalismo com a Constituição Federal de
198812
, a partir da qual os princípios e direitos fundamentais passaram ter, tal como disposto
no parágrafo 1º do artigo 5º, aplicação imediata, do que se conclui que eles já não são
meramente normas programáticas cuja eficácia, nas palavras de Bonavides, “ficava relegada
às calendas gregas, como costumava acontecer no Constitucionalismo antecedente” (2007,p.
67).
1.2.2 O princípio da humanidade das penas no Estado Democrático de Direito
A implantação de um Estado Democrático de Direito, enquanto Estado
constitucional principiológico, que tem como núcleo axiológico a dignidade da pessoa
humana, a partir da qual todo o ordenamento jurídico deve ser interpretado e na qual todos os
órgãos do Poder Público devem se pautar, demanda uma incessante busca pela efetividade dos
princípios constitucionais , sob pena de progressiva deslegitimação das instituições estatais.
Efetividade significa, nas palavras de Luís Roberto Barroso e Ana Paula
Barcellos, “a realização do direito, a atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo
dos fatos os valores e interesses por ela tutelados” (2003,p.33). Trata-se, pois, de buscar a
maior aproximação possível entre o dever ser jurídico do ser da realidade fática.
Inexoravelmente, a realização do Estado Democrático de Direito exige a
superação do apego excessivo ao formalismo legalista para realização material da
Constituição. Exige, portanto, um envolvimento do juiz cujo trabalho já não mais se resume à
mera aplicação do silogismo legal, como juiz “boca da lei”, tal como era no Estado Liberal e
tal como advogado pelos positivistas legalistas.
Sobre o exercício puramente formalista da magistratura, alega o juiz de direito e
professor universitário de Santa Catarina, Alexandre Rosa que:
12
Nesse sentido, o artigo 1º da Constituição Federal de 1988 estabelece serem cinco os fundamentos
constitucionais da República Federativa do Brasil enquanto Estado Democrático de Direito: a soberania,a
cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo
político (BRASIL,1988).
30
O magistrado no modelo positivista-dogmático-tradicional tem relação formal com a
Constituição, demitindo-se (até inconscientemente, às vezes) do dever ético/político
de absoluta intimidade com o texto constitucional. Esse magistrado é um burocrata
informado pelo arsenal técnico disponibilizado pela dogmática jurídica, valorizador
da forma em desfavor da substância. Acredita, ainda, que a forma é a garantia da
eficácia do direito, sem valorar seu objeto da análise, cumprindo as normas
simplesmente porque existem e têm vigência (aspecto meramente formal como
visto). ([200X], p.7)
Ao contrário, o juiz do Estado Democrático de Direito, se envolve, prima pela
efetividade desses princípios e, por conseguinte, é um juiz atento à realidade que o cerca e,
particularmente, o juiz da execução penal, às condições das cadeias públicas, ao modo como a
execução penal de manifesta, se respeitando ou não os princípios e direitos fundamentais
expressos ou não expressos13
na Constituição.
13
Sobre a normatividade dos princípios não expressos, o ilustre jurista Cláudio do Prado Amaral aponta que a
Constituição Federal consagrou sua previsão e aceitação no artigo 5º, parágrafo 2º , ao dispor que “Os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios pro ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
31
2 O PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS NO ÂMBITO
INTERNACIONAL
Esse capítulo destina-se à análise do princípio da humanidade das penas no
âmbito internacional. Para tanto, faz-se necessário, inicialmente, analisarmos a importância
galgada internacionalmente pelos direitos humanos após as atrocidades cometidas durante a
Segunda Guerra Mundial. Como veremos, a proteção da pessoa humana foi se expandindo
além dos limites dos Estados, tornando-se legítimo interesse internacional e, assim, também
se globalizou a preocupação com a humanidade das penas e com os presos.
2.1 O Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Brasil
O Direito Internacional dos Direitos Humanos surge no contexto pós Segunda
Guerra Mundial, em decorrência das monstruosas violações de direitos humanos do nazismo.
E desenvolveu-se, conforme defende Flávia Piovesan, pela crença de que muitas dessas
violações poderiam ter sido prevenidas com a existência de “um efetivo sistema de proteção
internacional de direitos humanos”(2008,p.106).
A partir das atrozes desumanidades que marcaram a Segunda Guerra Mundial, foi
fortalecida a ideia de que a proteção dos direitos humanos é tema que ultrapassa os limites do
Estado, configurando também “legítimo interesse internacional”. Concepção essa que,
segundo Piovesan, indica duas grandes consequências: a consagração da ideia de que o
homem deve ser também alvo de proteção internacional e “uma revisão da noção tradicional
de soberania absoluta do Estado, que passa a sofrer um processo de relativização, na medida
em que são admitidas intervenções no plano nacional, em prol da proteção dos direitos
humanos”(2008,p.107).
32
O modo como o ser humano é tratado deixa, pois, de ser assunto restrito à
jurisdição doméstica e passa a ser tema de reconhecida relevância internacional14
.
Nesse contexto, em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU) e,
em 10 de dezembro de 1948, sua Assembleia Geral, por meio da Resolução 217 A (III),
adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que consagra um consenso axiológico
universal a ser seguidos pelos Estados, o qual se baseia no respeito à dignidade da pessoa
humana e em seus direitos fundamentais.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos se desenvolve a partir da
Declaração Universal de 1948, com a adoção de vários tratados internacionais destinados à
proteção dos direitos fundamentais, os quais, ao refletirem um consenso internacional sobre
os principais temas aos direitos humanos, são progressivamente aderidos pelos Estados15
.
E, paralelamente ao sistema normativo global de proteção dos direitos humanos,
surge o sistema normativo regional, buscando internacionalizar os direitos humanos
regionalmente, particularmente na Europa, América e África. Os sistemas global e regional,
ambos inspirados pelos valores e princípios da Declaração Universal, formam, juntos, o
complexo instrumental internacional de proteção que, coexistindo e interagindo com o
sistema nacional, busca o máximo de efetividade na tutela e promoção dos direitos
fundamentais16
.
O Brasil, todavia, apenas passa a contar com o sistema internacional de proteção
dos direitos humanos a partir de seu processo de democratização, na década de 80. O primeiro
tratado internacional desse tipo ratificado pelo Brasil foi a Convenção contra a tortura e outros
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, em 1989, sendo ele apenas o primeiro de
14
Nesse sentido, está no preâmbulo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos “que os direitos
essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional de determinado Estado, mas sim do fato de
ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de
natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos”
(OEA, 1969).
15 Nesse sentido lembra Piovesan que até 2007 “o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos contava com
161 Estados-partes; o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais contava com 157
Estados-partes; a Convenção contra a Tortura contava com 145 Estados-partes; a Convenção sobre a Eliminação
da Discriminação Racial contava com 173 Estados-partes; a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação
contra a Mulher contava com 185 Estados-partes e a Convenção sobre os Direitos da Criança apresentava a mais
ampla adesão, com 193 Estados-partes” (2008,p.108). 16
Sobre a complementaridade dos sistemas global e regional em favor de uma sempre maior proteção dos
direitos humanos, alega Piovesan : “cabe ao indivíduo que sofreu violação de direito a escolha do aparato mais
favorável, tendo em vista que, eventualmente, direitos idênticos são tutelados por dois ou mais instrumentos de
alcance global ou regional, ou ainda, de alcance geral ou especial. Nesta ótica, os diversos sistemas de proteção
de direitos humanos interagem em benefício dos indivíduos protegidos” (2008, p.109).
33
muitos outros que então seriam ratificados por nosso país17
, sob o manto da Constituição
Federal de 1988, marcada pela notória profusão de direitos fundamentais e garantias do
homem.
As inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988, a adaptação do Estado
após sua democratização, assim como a busca por “compor uma imagem mais positiva do
Estado brasileiro no contexto internacional, como país respeitador e garantidor dos direitos
humanos” (PIOVESAN, 2008, p.111), são apontados por Piovesan como fatores para a
posterior ratificação dos tratados internacionais de direitos humanos, a qual simboliza a
adesão do país à “ideia contemporânea de globalização dos direitos humanos” (2008, p.111),
que passam, então, a ser considerados matéria de legítimo interesse internacional.
Outra grande inovação trazida pela nova Carta Magna foi o tratamento
diferenciado dado aos tratados internacionais de direitos humanos, os quais passaram a ter
hierarquia de norma constitucional, tal como pode-se depreender a partir da interpretação do
parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes dos[...] tratados internacionais
em que a República Federativa seja parte” (BRASIL,1988). Trata-se, pois, de uma
interpretação sistemática e teleológica da Constituição, considerando, assim, sua
principiologia própria em que o princípio da dignidade da pessoa humana é elevado a
elemento fundante de todo o ordenamento jurídico.
Além de seu patamar constitucional, relevante apontar a aplicação imediata das
normas dos tratados de direitos humanos, tal como preceituado na parágrafo 1º do artigo 5º da
Constituição Federal, pelo qual “ as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata” (BRASIL,1988).
17
Piovesan destaca, então, as ratificações “da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em
20 de julho de 1989; b) da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou
Degradantes, em 28 de setembro de 1989; c) da Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de
1990; d) do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; e) do Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; f) da Convenção
Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; g) da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995; h) do Protocolo à Convenção
Americana referente à Abolição da Pena de Morte, em 13 de agosto de 1996; i) do Protocolo à Convenção
Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), em 21 de agosto
de 1996; j) da Convenção Interamericana para Eliminação de todas as formas de Discriminação contra Pessoas
Portadoras de Deficiência, em 15 de agosto de 2001; k) do Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal
Internacional, em 20 de junho de 2002; l) do Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as
formas de Discriminação contra a Mulher, em 28 de junho de 2002; m) do Protocolo Facultativo à Convenção
sobre os Direitos da Criança sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados, em 27 de janeiro de
2004[...]” (2008,pp.110 e 111).
34
Desse modo, instaurou-se um regime jurídico misto para os tratados: os de
direitos humanos teriam status constitucional e os demais, status infraconstitucional18
, o que
pode ser concluído a partir da leitura do artigo 102, II, b da Constituição Federal
(BRASIL,1988).Esse tratamento diferenciado pode ser explicado pela própria diferença nas
matérias desses tratados. Enquanto por meio dos de direitos humanos os Estados assumem
obrigações para com os indivíduos sob sua jurisdição, por meio dos demais os Estados- partes
obrigam-se uns para com os outros, buscando o equilíbrio e a reciprocidade de suas relações.
Nesse sentido, Piovesan lembra Juan Antonio Travieso, para quem:
Los tratados modernos sobre derechos humanos en general, y, en particular la
Convención Americana no son tratados multilaterales del tipo tradicional concluidos
en función de un intercambio recíproco de derechos para el beneficio mutuo de los
Estados contratantes. Su objeto y fin son la protección de los derechos
fundamentales de los seres humanos independientemente de su nacionalidad, tanto
frente a su proprio Estado como frente a los otros Estados contratantes. Al aprobar
estos tratados sobre derechos humanos, los Estados se someten a un orden legal
dentro del cual ellos, por el bién común, asumen varias obligaciones, no en relación
con otros Estados, sino hacia los individuos bajo su jurisdicción. Por tanto, la
Convención no sólo vincula a los Estados partes, sino que otorga garantías a las
personas. Por ese motivo, justificadamente, no puede interpretarse como cualquier
otro tratado (2008,p.114).
Não diferente é o entendimento do processualista Gustavo Henrique Righi Ivahy
Badaró, o qual também defende “a supremacia dos tratados e a prevalência dos direitos
humanos como valor fundante do Estado Democrático de Direito” (2008,p.5).
Relevante, então, apontar que não obstante a plausibilidade da tese aqui exposta
sobre o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos, nem sempre
esse foi o entendimento defendido pelo Supremo Tribunal Federal.
Em 1977, no Recurso Extraordinário 80.004, o STF firmou a tese que os tratados
tinham o mesmo patamar jurídico que as leis federais. Essa tese fora reiterada em novembro
18
Tais tratados teriam, segundo Piovesan, status de norma supralegal. Isso, devido a um dos princípios reitores
das relações internacionais, qual seja, o de pacta sunt servanda, e em conformidade ao artigo 27 da Convenção
de Viena sobre Direito dos Tratados (1969), segundo o qual o Estado não pode justificar o não cumprimento dos
tratados através de disposições de direito interno.
35
de 1995, portanto, já em vigor a nova Carta Constitucional, em julgamento de habeas corpus
referente à prisão civil por dívida do depositário infiel, a qual era vetada pelo Pacto de São
José Jose da Costa Rica, em vigor no Brasil desde 1992, mas era permitida pela Constituição
Federal (artigo 5º, LXVII).
A Emenda Constitucional n. 45, de 2004, veio, então para dirimir as controvérsias
acerca da hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos ao introduzir o parágrafo
3º no artigo 5º da Constituição Federal, que dispõe que “os tratados e as convenções
internacionais de direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais”(BRASIL,2004).
Outra controvérsia fora, então, suscitada a partir da EC n. 45 acerca de qual o
status jurídico que teriam os tratados de proteção dos direitos humanos anteriores a ela e que
não haviam então preenchido o requisito formal, pela Emenda criado, para a consideração
destes tratados como norma de hierarquia constitucional.
Sobre essa nova controvérsia, Piovesan , retomando sua interpretação do
parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal, defende que independentemente de terem
sido aprovados ou não por um quorum qualificado, requisito que os faria formalmente
constitucionais, os tratados internacionais de direitos humanos são, pela matéria de que
tratam, materialmente constitucionais. Defende a internacionalista, ainda, não ser razoável
considerar de hierarquia de lei federal aos tratados de direitos humanos anteriores à Emenda
Constitucional n.45 e de hierarquia constitucional aos posteriores a ela, dando como exemplo,
o absurdo que seria considerar a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes de status legal e seu Protocolo Facultativo, em vigor no
Brasil desde abril de 2007 (Decreto nº 6.085), de status constitucional.
O parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal é, assim, visto como a reforçar
o caráter constitucional dos tratados de direitos humanos, entendimento esse que vai ao
encontro da primazia dos direitos fundamentais e do princípio da dignidade da pessoa
humana, valor maior de nossa Carta e a partir do qual todo o ordenamento jurídico deve ser
36
considerado. E o Supremo Tribunal Federal tem se aproximado cada vez mais desse
entendimento19
.
2.2 O princípio da humanidade das penas no Direito Internacional
O princípio da humanidade das penas, sendo decorrência inevitável do princípio
da dignidade da pessoa humana, encontra-se previsto em vários documentos internacionais
constitutivos do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Já na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, que, segundo Luiz Flávio Gomes, trata-se de uma verdadeira
“Constituição Ética Universal” (1999,p. 19), tem-se sua previsão no artigo V, o qual consigna
que “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamentos ou punições cruéis, desumanos ou
degradantes”(ONU,1948).
Logo o primeiro tratado de direitos humanos ratificado pelo Brasil, a Convenção
contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada
pela Assembleia Geral das Nações Unidas em dezembro de 1984 e aqui ratificada em
setembro de 1989, vai direto ao cerne do princípio da humanidade das penas (o que pode ser
depreendido pelo próprio nome do tratado).
Em seu artigo 1º a Convenção define o termo tortura20
e dentre suas definições
está a de ato intencionalmente infligido a uma pessoa, que sabidamente lhe provoca dores ou
sofrimentos agudos, e esse ato tem como possíveis fins castigá-la, intimidar ou coagir esta
pessoa ou outras (ONU,1984). Possível, pois, a partir dessa definição, considerar como tortura
19
Vide julgamento do HC 87.585-8, em 12 de março de 2008, com o primoroso voto do Ministro Celso de
Mello.
20 “Para fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos
agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira
pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja
suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado
em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário
público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou
aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de
sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram” (ONU,1984).
37
a situação a que muitos presos são submetidos (e assim são forçados, conforme o artigo 59 do
Código Penal, para prevenção, intimidar, e reprovação do crime, castigar (BRASIL,1940)) em
estabelecimentos prisionais que não lhes fornecem o mínimo de condições para uma vida
digna21
.
Outro importante dispositivo dessa Convenção é o artigo 2º, ao prever que “cada
Estado tomará medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra
natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua
jurisdição”(ONU,1984). Cabe ao Estado, assim, assegurar a efetiva observância do disposto
no tratado, seja por meio de medidas legais, administrativas ou judiciais e estas últimas serão
objeto de análise do quarto capítulo do presente trabalho.
Também o artigo 16 - 1 mostra-se relevante, prevendo que :
Cada Estado-parte se comprometerá a proibir, em qualquer território sob a sua
jurisdição, outros atos que constituam tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes que não constituam tortura tal como definida no artigo 1, quando tais
atos forem cometidos por funcionário público ou outra pessoa no exercício de
funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou
aquiescência (ONU,1984).
Ainda que não se considere, pois, tortura a manutenção de presos em
estabelecimentos prisionais nos quais são tratados desumanamente pela superlotação, falta de
higiene, de fornecimento de saúde, dentre outras carências básicas, que serão pormenorizadas
no quarto capítulo, essa situação, indubitavelmente, enquadra-se no capítulo 16-1 da
Convenção.
Também o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em dezembro e 1966 e ratificado pelo Brasil pelo
Decreto nº 592, em julho de 1992 , prevê em seu artigo 7º que “ninguém poderá ser
submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”, assim
21
Nesse sentido, Cláudio do Prado Amaral apontou em decisão paradigma exposta na Revista Brasileira de
Ciências Criminais, o já reconhecimento da superlotação carcerária “como uma forma de tortura(institucional)”
(2008,p.333). Também nesse diapasão, a notícia disponível em
http://cnj.myclipp.inf.br/default.asp?smenu=ultimas&dtlh=185739&iABA=Not%EDcias&exp=, de 19 de agosto
de 2011, segundo a qual a superlotação carcerária do Estado do Rio de Janeiro teria passado a ser tratada como
tortura pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
38
como em seu artigo 10 dispõe que “ toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada
com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana” (ONU,1966).
O Pacto igualmente prevê, em seu artigo 10, um tratamento diferenciado aos
presos que ainda estão sendo processados22
e estabelece que objetivo maior do regime
penitenciário seja a “reforma e reabilitação moral dos prisioneiros”. A pena de morte também
é prevista no tratado, o qual afirma sua mínima aplicação23
(ONU,1966).
Outro importante tratado é Convenção Americana de Direitos Humanos, também
conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, em vigor internacionalmente desde julho de
1978 e, nacionalmente, desde setembro de 1992, por meio do Decreto nº 678. Sua
importância dá-se não apenas devido a todos os direitos e garantias nela previstos como
também em decorrência dos órgãos por ela criados: a Comissão e a Corte Interamericana de
Direitos Humanos.
Já em seu artigo 1º a Convenção estipula aos seus Estados- partes o
comprometimento de não somente respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos como
de garantir “seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua
jurisdição”(OEA,1969). Não bastando, pois, o simples respeito a tais direitos por meio de leis,
ou outras medidas, mas devendo o Estado torná-los de fato efetivos. Nesse sentido e
representativo da busca pela efetividade, é o artigo 2º, o qual estabelece que:
Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver
garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes
comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as
disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que
forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades (OEA,1969).
O Pacto de São José da Costa Rica, assim como o Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos, restringe, em seu artigo 4º (OEA,1969), a aplicação da pena de morte, a qual
22
Artigo 10, 2. a) “as pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstância excepcionais, das
pessoa condenadas e receber tratamento distinto, condizente com sua condição de pessoa não-
condenada”(ONU,1966). 23
Artigo 6, 2. “nos Países em que a pena de morte não tenha sido abolida, esta poderá ser imposta apenas nos
casos de crimes mais graves, em conformidade com legislação vigente na época em que o crime foi cometido e
que não esteja em conflito com as disposições do presente pacto, nem com a Convenção sobre a Prevenção e a
Punição do Crime de Genocídio. Poder-se-á aplicar essa pena apenas em decorrência de uma sentença transitada
em julgado e proferida por tribunal competente”(ONU,1966).
39
fora, posteriormente, por meio do Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos
referente à abolição de pena de morte, abolida24
.
Muitas das disposições do Pacto de Direitos Civis e Políticos estão, assim,
também previstas no de São José da Costa Rica, como as previsões de que “ninguém deve ser
submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes”, de que “toda
pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser
humano” (artigo 5º,2),do tratamento diferenciado para os processados(artigo 5º, 4), da
estipulação da “reforma e a readaptação social dos condenados” como fim das penas
privativas de liberdade” (artigo 5º,6) (OEA,1969).
Como já dito, a importância da Convenção Americana sobre Direitos Humanos
deve-se não somente aos direitos e garantias nela previstos como em razão dos órgãos por ela
criados, a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Enquanto à Comissão
cabe promover os direitos e liberdades estipulados na Convenção, à Corte compete julgar
quando esses diretos e liberdades são violados25
, assim como desempenhar seu papel de órgão
consultivo26
. Necessário aqui apontar que os casos apenas são submetidos à Corte após terem
passado previamente pela Comissão e a violação continuar27
.
A Corte, então, constatado o descumprimento de algum direito ou liberdade
previstos na Convenção, determinará, tal como disposto no artigo 61, 1 do Pacto de São José
da Costa Rica, “que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados”, e
ordenará também, se for o caso, “que sejam reparadas as consequências da medida ou
24
O Protocolo, em seu artigo 2º, excepciona como admitida a pena de morte quando em tempo de guerra, por
delitos sumamente graves de caráter militar. 25
Relevante apontar que a Corte apenas tem competência para conhecer de casos em que os Estados partes
tenham reconhecido ou reconheçam tal competência, tal como previsto no artigo 62, 3 da
Convenção(OEA,1969). O Brasil reconheceu tal competência da Corte em 2002, pelo Decreto n. 4463.
26 Nesse sentido, dispõe o artigo 64 – “1. Os Estados- membros da Organização poderão consultar a Corte sobre
a interpretação desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados
americanos. Também poderão consultá-la, no que lhes compete, os órgãos enumerados no capítulo X da Carta da
Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires. 2. A Corte, a pedido de um
Estado-membro da Organização, poderá emitir pareceres sobre a compatibilidade entre qualquer de suas leis
internas e os mencionados instrumentos internacionais.” (OEA,1969).
27 O Famoso caso de violência doméstica que levou à criação pelo Brasil da Lei Maria da Penha , por exemplo,
não foi submetido à Corte, mas à Comissão, a qual responsabilizou o Brasil, em seu relatório, por negligência e
omissão frente à violência doméstica e recomendou várias medidas para o caso concreto de Maria da Penha e em
relação às políticas públicas do Estado. Os Estados partes e a Comissão são, pois, os únicos que podem acionar
a Corte (artigo 61-1 da Convenção Americana de Direitos Humanos).
40
situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de
indenização justa à parte lesada”.
No caso de inexecução de seus julgados, a Corte, devido à ausência de meios
coercitivos28
que a possibilitaria, de fato, fazer os Estados cumprirem suas decisões, prevê,
conforme disposto no artigo 65 do Pacto de São José, o envolvimento de um órgão político,
qual seja, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos. Esse envolvimento
tem como objetivo exercer pressão política sobre o Estado, nesse sentido, defende Isabela
Piacentini de Andrade: “Infelizmente, a ausência de meios coercitivos para executar as
sentenças internacionais faz com que a única maneira de pressionar o Estado seja causar-lhe
constrangimentos diante dos seus pares da comunidade internacional.” (2006,p.156)
A Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos são, portanto,
atualmente, verdadeiras ferramentas para a promoção e efetivação dos direitos fundamentais.
Voltando sua atenção especialmente para a situação do encarcerado, existem
também alguns documentos adotados pela ONU que tratam diretamente dos direitos humanos
na execução da pena. Um dos primeiros documentos desse tipo são as “Regras Mínimas para
Tratamento de Reclusos”, adotadas, em 1955, pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas
sobre Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, e aprovadas pelo Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas por meio de suas resoluções 663 C, de julho de 1957
e 2076, de maio de 1977.
As Regras Mínimas foram criadas, tal como defende Luiz Flávio Gomes, numa
época em que se acreditava, principalmente na Europa, “que o crime tinha sua origem mais
em causas individuais (patológicas) que sociais”, portanto, “era uma questão apenas de
‘tratamento’ do recluso”, na crença, assim, da “ideologia do tratamento ressocializador”
(1999,p. 20).
Essas Regras estabelecem, conforme disposto em suas observações preliminares,
“princípios e regras de uma boa organização penitenciária e as práticas relativas ao tratamento
de reclusos”. Dentre suas disposições estão a de que “as diferentes categorias de reclusos
devem ser mantidas em estabelecimentos penitenciários separados ou em diferentes zonas de
28
A única possibilidade de se executar coercitivamente o que fora determinado pela Corte é a previsão do artigo
68, parágrafo 2º do Pacto de São José, segundo o qual a “indenização compensatória poderá ser executada no
país respectivo pelo processo interno vigente para a execução de sentenças contra o Estado”.
41
um mesmo estabelecimento” (regra 8); os dormitórios “devem satisfazer todas as exigências
de higiene e saúde, tomando-se devidamente em consideração as condições climatéricas e
especialmente a cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, o aquecimento e a ventilação”
(regra 10); as instalações sanitárias devem ser adequadas (regra 12); “a administração deve
fornecer, a cada recluso, a horas determinadas, alimentação de valor nutritivo adequado à
saúde [...] de qualidade e bem preparada e servida” (regra 20) (ONU,1955).
As Regras Mínimas também preveem que “cada estabelecimento penitenciário
deve dispor dos serviços de pelo menos um médico qualificado” (regra 22); a existência, nas
penitenciárias femininas, de “instalações especiais para o tratamento das reclusas grávidas,
das que tenham acabado de dar à luz e das convalescentes” (regra 23); a restrição no uso de
instrumentos de coação29
(regra 33), dentre outras previsões que marcadamente revelam uma
busca pela humanização na execução das penas (ONU,1955).
Essa crença de que os presídios poderiam ressocializar os encarcerados, ideologia
em vigor na época das Regras Mínimas, todavia, não perdurou muito, o que pode ser
observado nos documentos internacionais posteriores. Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes
aponta que as Resoluções 8 e 16 das ONU, respectivamente expedidas no sexto e sétimo
Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Tratamento dos Delinquentes,
“enfatizaram a necessidade não somente da redução do número de reclusos, senão sobretudo a
oportunidade de soluções alternativas à prisão, bem como o escopo de reinserção social dos
delinquentes” (1999,p. 21).
Um rompimento radical com a crença na ideologia da função ressocializadora dos
presídios são as Regras Mínimas para Medidas Não Privativas de Liberdade, também
conhecidas como Regras de Tóquio, adotadas pela Assembleia Geral da ONU, em dezembro
de 1990, pela Resolução 45/110. Essas Regras representam, nas palavras de Luiz Flávio
Gomes, “uma verdadeira Constituição Mundial” (1999,p.27) referente às penas e medidas
alternativas.
As Regras de Tóquio nitidamente revelam, pois, um reflexo da constatação da
inviabilidade quase absoluta de se ressocializar os encarcerados nos presídios e uma crença
29
O uso de instrumentos de coação é restringido, pela regra 33, quando necessário por medida de cautela contra
uma evasão durante uma transferência, quando o médico indicar seu uso e por ordem do diretor, para impedir
que o recluso prejudique a si mesmo,a outros ou cause danos materiais, após frustradas todas tentativas de
dominá-lo (ONU,1955).
42
nas penas substitutivas da prisão, como meio mais eficaz , tanto no interesse do delinquente
quanto no da sociedade, e humano de se punir os delinquentes30
.
Luiz Flávio Gomes aponta que as Regras de Tóquio possuem cinco objetivos
fundamentais. O primeiro é “promover o emprego das medidas não-privativas de liberdade”
(Regra 1.1), e estas devem ser entendidas em sentido amplo,como alternativas penais,
compreendendo as medidas propriamente ditas, as quais visam impedir a aplicação da pena
privativa de liberdade,e as penas não privativas de liberdade, “sanções de natureza criminal
diversas da prisão” (1999,p.23).
O segundo objetivo fundamental seria “o devido respeito ‘às garantias mínimas’
das pessoas” (GOMES,1999,p. 24) que às alternativas penais se submetem, no sentido de que
o devido processo legal deverá ser obervado quando da imposição das mesmas.
O terceiro e o quarto objetivos, ambos presentes na Regra 1.2, seriam,
respectivamente, “ promover uma maior participação da comunidade na administração da
Justiça Penal” e “ no tratamento do delinquente”(ONU,1990). Tais objetivos representam a
concepção de que qualquer sanção criminal apenas terá chances de prosperar “com o efetivo
apoio da comunidade, que deve compreender o delito não como um fenômeno isolado
resultante de um ser anormal, senão como um acontecimento inerente à convivência social”
(GOMES,1999,p. 25).
O quinto objetivo, também presente na Regra 1.2, trata-se de “estimular entre os
delinquentes o senso de responsabilidade em relação à sociedade”(ONU,1990), o que,
segundo Luiz Flávio Gomes, vai ao encontro do novo modelo de Justiça Penal defendido pela
Moderna Criminologia. Diferentemente do modelo clássico de Justiça Penal, o qual via o
crime como mero conflito formal e bilateral entre Estado e infrator “desvinculando-se o
acontecimento de todos os interesses circundantes individuais (vítima) e sociais
(comunidade)” , o novo modelo “enfoca o delito como fato interpessoal e histórico, com
repercussão direta para todos os envolvidos no conflito (delinquente, vítima, sociedade e
Estado)”(1999,p.26); a responsabilidade do delinquente passa, assim, a ser vista não só frente
ao Estado, como também em relação à vítima e à sociedade.
30
Constatado, pois, tal como a Resolução 45/110 da ONU coloca, “ que o aumento da população penitenciária e
a superlotação das prisões em muitos países constituem factores susceptíveis de entravar a aplicação das Regras
Mínimas para o tratamento de reclusos”(ONU,1990).
43
As alternativas penais à prisão, bandeira das Regras de Tóquio, representam, pois,
uma continuação na busca internacional pela humanização das penas31
, o que vai ao encontro
da importância galgada pelos direitos humanos no plano internacional desde a Segunda
Guerra Mundial, com a criação da ONU e o surgimento do Direito Internacional dos Direitos
Humanos.
31
Nesse sentido, Fernando Braga Viggiano, em seu artigo à Revista de Informação Legislativa, aponta que
penas alternativas “integram o grande movimento de humanização das reprimendas, iniciados da Idade Moderna
com o iluminismo de Cesare Bonesana (Marquês de Beccaria), John Howard, Jeremy Bentham e outros” (2002,
p. 27).
44
3 AS PENAS
Como o próprio nome indica, o presente capítulo tem como foco as penas. Nele
buscaremos fazer uma análise de seu desenvolvimento histórico, das funções atribuídas a elas
pelas diversas teorias e pelo ordenamento jurídico brasileiro, assim como analisaremos as
modalidades punitivas existentes com foco nas vigentes atualmente no Brasil.
3.1 Do desenvolvimento histórico das penas e a progressiva limitação do ius puniendi
A história do direito penal e da pena corresponde, segundo Ferrajoli, “a uma longa
luta contra a vingança” (2010, p.310), podendo ser, em linhas gerias, distinguidas no
desenvolvimento histórico das penas, três fases, que correspondem, cada uma, “à afirmação
de um princípio penal garantista e de uma conseguinte limitação do arbítrio punitivo” (2012,
p.362).
A primeira fase é a das penas informais, marcada por seu caráter casual, “ não
regrado e, sobretudo, privado da intervenção punitiva”. É a vingança pura, não regulada, sem
limites.
A segunda é das penas naturais, marcada pela busca “de um nexo natural ou
substancial entre pena e delito”. Nessa fase, a vingança é “disciplinada como direito-dever
privado a pesar sobre o ofendido e sobre seu grupo de parentes” (2010, p.310). Há, ainda, a
aceitação do princípio da retributividade, expressado no axioma nulla poena sine crimine, e
indubitavelmente satisfeito pelo princípio de talião, “olho por olho, dente por dente”, o qual,
por sua vez, representa “a primeira doutrina da qualidade da pena”32
. Trata-se já, assim, de
32
Sobre o princípio da Talião, escreveu Ferrajoli, que está “presente com conotações mágico-religiosas em todos
os ordenamentos arcaicos , desde o Código de Hammurabi até a Bíblia e as XII Tábuas” e a concepção
retributiva da pena que carrega “perdura ainda na Idade Moderna até Kant e Hegel, que identificam
expressamente no talião o modelo ideal e normativo da pena” (2010, p.357).
45
uma limitação ao descomedimento punitivo uma vez que pena tinha seus contornos limitados
pelo próprio delito, por sua natureza e gravidade.
A terceira, que é a das penas convencionais, caracteriza-se pelo reconhecimento
do “caráter exclusivamente jurídico da relação entre o tipo e o grau das penas e o tipo e grau
do delito”. Nessa fase há o reconhecimento do princípio da legalidade das penas expressado
no axioma nulla poena sine lege. A justiça privada é, então, vetada33
e a relação bilateral
ofendido/ofensor é substituída por uma trilateral, com uma autoridade judiciária colocada em
posição imparcial34
.
A primeira negação argumentada contra a relação natural entre o delito e a pena
deve-se, lembra Ferrajoli (2010, pp. 358 e 407), a Denis Diderot, pensador francês, que em
meados do século XVIII mostrou o caráter arbitrário das penas determinadas exclusivamente
pela natureza da infração,uma vez não existir, nesse caso, nenhuma relação entre a dor da
pena e a malícia da ação. Essa negação fora fundamental na evolução das penas e no
surgimento da pena moderna “como pena abstrata e igual, como tal quantificável e
mensurável e, por isso, predeterminável legalmente e determinável judicialmente”
(FERRAJOLI, 2010, p.358).
O desenvolvimento histórico das penas é marcado, pois, por uma gradual
formalização legal das penas e por uma crescente limitação da poder punitivo. Isso se deu,
num primeiro momento, com a limitação da autodefesa e, posteriormente, com o próprio
Estado, que passou a deter com exclusividade o ius puniendi, limitando-se. Nesse sentido, o
processualista Tourinho escreveu: “A princípio, o Estado disciplinou a autodefesa. Mais tarde,
despontou em algumas civilizações sua proibição, quanto a certas relações, a certos conflitos.
E, assim, aos poucos, foi-se acentuando a intervenção do Estado, culminando por vedá-la
[...]” (2008, p.10).
33
É a passagem da justiça doméstica à justiça da cidade. Ferrajoli aponta que o primeiro documento histórico
referente a esta passagem na Grécia antiga é a Lei de Drácon, “ a qual, além de estabelecer para o homicídio a
pena de exílio (salvo o perdão dos parentes do ofendido), proibiu a vingança privada, qualificando como
homicídio a morte do exilado fora dos confins da cidade” (2010, p. 322). 34
Nem sempre, no entanto, a imparcialidade do julgador acompanhou a história das penas convencionais,
dependendo, para tanto, do sistema processual adotado. Típico de Estados absolutistas e marcado pela ausência
do contraditório e pela união das funções de acusar defender e julgar em uma única pessoa, o processo
inquisitório é caracterizado pela parcialidade do juiz e por sua falta de humanidade, uma vez que o acusado,
despido de várias garantias processuais, era tratado como mero “objeto do processo”. Nesse sentido:
BADARÓ,Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito Processual Penal. t.1. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.p. 37.
46
Na evolução histórica das penas e em sua humanização, o movimento
iluminista teve grande papel uma vez que, em sua batalha contra o despotismo dos juízes da
época (FERRAJOLI, 2010, p.371), lutou por um reforma penal em que o princípio da
legalidade, corolário de outro princípio iluminista que é o da separação dos poderes do
Estado, fosse estritamente observado, o que culminaria no fim da aplicação de penas
arbitrariamente escolhidas pelo juiz.
Sobre o princípio da legalidade, escreveu Beccaria: “[...]somente as leis podem
fixar as penas para os delitos; e essa autoridade só pode ser do legislador, que representa a
sociedade unida por meio de um contrato social. Nenhum magistrado pode, com justiça,
infligir penas a outros membros dessa mesma sociedade” (2004, p. 21).
Também consagrado pelo pensamento iluminista e igualmente limitante do ius
puniendi, temos o entendimento de que a pena deve ser “mínima dentre as possíveis”35
em
relação ao seu objetivo, então considerado, de prevenção de novos delitos. Trata-se, como
relata Ferrajoli, de uma afirmação revolucionária “que foi recepcionada pelas primeiras cartas
constitucionais como freio às penas inutilmente excessivas” (2010,p. 363).
O princípio da necessidade, séculos depois do movimento iluminista o ter
consagrado, é apontado por Ferrajoli, em seu clássico “Direito e razão”, como um dos
“critérios de legitimação externa da qualidade da pena”, juntamente com o princípio da
dignidade da pessoa, e podem servir como base para “um novo programa de minimização das
penas” (2010, pp. 364 e 365). A pena, assim entendida, deve ser somente aquela necessária
para prevenir delitos e desde que respeitada a dignidade da pessoa humana, o que vai ao
encontro do que Ferrajoli considera serem os dois objetivos do direito penal36
.
Como melhor veremos no segundo tópico, a função que se atribui ao direito penal
e, por conseguinte, à pena37
influi intimamente na escolha quantitativa e qualitativa da pena e,
35
“Para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão privado, deve ser
essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima das possíveis em dadas circunstâncias, proporcionada aos
crimes, ditada pelas leis” (2004,p. 143), foi por meio desse teorema geral que Beccaria encerrou sua obra Dos
delitos e das penas. 36
O direito penal busca, segundo Ferrajoli, não apenas a prevenção de delitos como a prevenção das arbitrárias
punições que o delinquente sofreria, informalmente, se o Estado não pegasse para si, com exclusividade, o ius
puniendi (2010, p.309). 37
Relevante apontar que não embora tenhamos empregado, assim como Ferrajoli, como sinônimas as expressões
“objeto do direito penal” e “objeto da pena”, reconhecemos que uma análise mais pormenorizada requer a não
equiparação das duas. Nesse sentido o doutor em Direito Penal Víctor Gabriel Rodríguez escreveu: “ Direito
Penal não é o mesmo que pena. Aquele é uma ciência que tem por objeto a imposição legal da pena e a garantia
das liberdades individuais; esta é o instrumento sancionador de que se utiliza o Direito Penal” (2010, p.16).
47
portanto, possui o condão de deixá-la mais ou menos humana. E várias foram as teorias, na
evolução histórica das penas, acerca de seus fins.
Se a evolução histórica das penas, com a limitação, num primeiro momento, da
vingança privada e posteriormente com o próprio Estado, detentor exclusivo do ius puniendi,
se limitando, demonstra uma humanização das penas, não menos importante nesse processo
de humanização foi a preocupação de como essas penas, restringidas pelo legislador e
determinadas pelo juiz, seriam de fato executadas. E essa preocupação mostra-se ainda hoje
latente, sendo a execução das penas, atualmente, no Brasil, um dos grandes desafios para o
Estado em sua função precípua de assegurar o respeito ao princípio da dignidade da pessoa
humana e aos direitos fundamentais do homem. Da execução penal, no entanto, melhor
falaremos no quarto capítulo do presente trabalho.
3.2 Do porquê punir
Esse tópico apresentará as principais respostas para a pergunta de por que punir,
ou melhor, de quais são as razões que tornam legítima a imposição da violência legal,
representada pela pena, frente à violência configurada pelo delito. Também serão analisadas
as funções da pena para o ordenamento jurídico brasileiro.
Tradicionalmente, são dois os grupos de teorias que justificam a pena: as
absolutas, também denominadas retributivas, e as relativas, também chamadas utilitaristas.
Enquanto as primeiras dizem respeito ao passado (quia peccatum), no sentido de que o fim
que justifica a pena está a priori; as segundas referem-se ao futuro (ne peccetur), com a
perspectiva utilitarista de que as penas perseguem fins que justificam sua aplicação.
3.2.1 Teorias absolutas
48
A palavra “absoluto” vem do latim absolutus, ab solutus, que significava solto de,
desvinculado de. No caso, as teorias absolutas são desvinculadas de qualquer efeito que
venham a ter as penas. As penas devem, segundo elas, ser aplicadas unicamente porque os
delitos foram cometidos, segundo a concepção secular de que é justo reagir a um mal com
outro mal38
.
Dentre seus principais defensores, temos os filósofos Kant e Hegel. Para o
primeiro a pena é uma retribuição ética, no sentido de que para salvaguardar o valor da justiça
faz-se necessário punir quem violou a lei penal cometendo, assim, uma injustiça. Já para o
segundo trata-se de uma retribuição jurídica, o ordenamento jurídico é negado quando
violado, por isso necessário que essa negação seja negada com uma punição estatal.
Relevante apontar que a não adoção por Kant das teorias relativas mostra-se
condizente com o seu concepção, já mencionada no primeiro capítulo do presente trabalho, de
que os homens não podem ser usados como meio para se alcançar um fim uma vez que “se a
pena tivesse um fim social, político, o condenado seria utilizado como um instrumento para a
pacificação social” (RODRÍGUEZ, 2010, p.17)
Uma das grandes vantagens do pensamento esboçado pelas teorias absolutas é que
limita a pena ao delito cometido, inicialmente sendo determinada a natureza da pena de
acordo com a do delito e, posteriormente, com concepção moderna de pena convencional,
sendo esta determinada em razão da culpabilidade do agente39
. Outra vantagem seria a
sensação na sociedade de que a justiça está sendo feita, de que o mal, representado pelo delito,
está devidamente sendo pago pelo outro mal representado pela pena40
.
As teorias absolutas, entretanto, aponta Ferrajoli, não só possibilitam modelos de
direito penal máximo (2010,p.240), como não respondem a pergunta de por que punir,
enquanto busca de uma legitimação externa da pena. Basta, para elas, a legitimação interna
38
Nesse sentido, Ferrajoli coloca: “As doutrinas absolutas ou retributivistas fundam-se todas na expressão de
que é justo “transformar mal em mal”. Trata-se de um princípio com origens seculares , e que está à base daquele
arcaico instituto, comum a todos os ordenamentos primitivos, que é a “vingança de sangue”” . (2010, p.236) 39
Dentre outros fatores, que no ordenamento jurídico brasileiro estão elencados no artigo 59 do Código Penal,
tais como, antecedentes, conduta social, motivos, etc. 40
Nesse diapasão, Roxin, para quem: “El mérito de la teoria de la retribución radica en su capacidad de
impresión psicológicosocial, así como en el hecho de que proporciona um baremo para la magnitud de la pena.
Si la pena debe “corresponder” a la magnitud de la culpabilidad, está prohibido em todo caso dar um escarmiento
mediante uma penalización drástica em casos de culpabilidad leve. La Idea de la retribución marca,pues, um
limite al poder pinitivo del Estado y tiene, em esa medida, uma función liberal de salvaguarda de la liberdad”
(1997, p.84).
49
representada pelo princípio retributivo, garantia do direito penal, “em razão da qual a
condição necessária da pena é, antes de mais nada, o cometimento de um delito” (2010,
p.239), explicando, assim, apenas a razão judicial da pena, e não sua razão legal.
3.2.2 Teorias relativas (utilitaristas)
A palavra “relativa” deriva do latim “referre”, cujo significado é “referir-se a”.
No caso, as teorias relativas referem-se a um efeito provocado pela pena, concebendo-a como
um meio para a realização desse efeito. Essa concepção utilitarista da pena como meio
possibilita um balanceamento entre os custos da pena e os danos que esta busca prevenir,
além de também permitir a análise da adequação dos meios com os fins. Nesse sentido, a pena
será considerada como boa quanto melhor atingir o resultado por ela buscado.
As principais teorias relativas são a prevenção geral (negativa e positiva) e a
prevenção especial (negativa e positiva). Enquanto o primeiro grupo entende o fim da pena
como algo voltado para a sociedade em geral, para o segundo grupo o condenado é quem é
focado. De se apontar, no entanto, que ambos os grupos entendem que a função da pena e do
Direito Penal é a de prevenção dos delitos41
. As teorias preventivas ainda poderão ser
positivas ou negativas a depender da natureza do efeito da pena defendido por elas. Falaremos
agora um pouco de cada um desses quatro tipos de teorias preventivas.
A prevenção geral negativa entende que o efeito perseguido pela pena seja a
intimidação das pessoas na busca de dissuadi-las do cometimento de crimes. Ferrajoli a
subdivide em dois grupos: os que defendem que a intimidação se dá “através do exemplo
fornecido pela aplicação da pena” (2010,p.257) e os que acreditam que essa intimidação dá-se
pela ameaça contida na lei penal.
41
Endossando esse entendimento, Mir Puig colocou “ Comum a todas as teorias relativas é atribuir à pena e ao
Direito penal a função de prevenir delitos, apesar deste ponto de partida se concretizar de forma bastante distinta
nas duas correntes em que se bifurcam, sobretudo a partir de Feuerbach (1775-1833) [...]” (2007,p.63).
50
Víctor Gabriel Rodríguez aponta duas principais objeções à prevenção geral
negativa:
[...]a primeira delas, de que essa função acentua a tendência de o Direito Penal
ampliar-se muito, chegando à injustiça, pelo exagero na punição. Como segunda
objeção, a ideia de que o efeito de intimidação da pena não é incisivo,
principalmente porque os motivos que levam ao delito são complexos. Dessa
complexidade advém a consequência de que um único contraestímulo não seria
suficiente para dissuadir o criminoso da ideia de delinquir, até porque contará em
grande medida com a hipótese de que nenhuma pena lhe será aplicada. (2010, p.19).
Nesse sentido é também o entendimento de Ferrajoli, para quem a concepção da
função da pena como intimidação por meio do exemplo é complacente com “modelos
substancialistas de direito penal ilimitado e com esquemas de processo que excluem as
garantias de defesa” (2010, p.257). E, por sua vez, a ideia da intimidação por meio da ameaça
legal não obstante “ofereça garantias contra o terrorismo penal judiciário, não impede o
terrorismo penal legislativo” (2010, p.260) na medida em que possibilita o entendimento de
que quanto mais severa for a pena cominada melhor esta realizará sua função de
intimidação42
.
A prevenção geral positiva,por sua vez, concebe que o efeito da pena é a
reafirmação,no campo social, do valor defendido pela norma jurídica violada, restituindo,
desse modo, a confiança no ordenamento jurídico. O doutor em direito penal Víctor G.
Rodriguez aponta que as razões para a defesa dessa teoria “vão desde a própria característica
educativa da pena até seu constante aspecto de orientação para os valores vigentes” (2010,
p.21). Ferrajoli, todavia, com a sua marcante criticidade, aponta aí existir uma confusão entre
direito e moral, levando ao que chama de legalismo e estatalismo ético na medida em que essa
teoria parte da presunção da legitimidade do conteúdo do direito penal positivo
(2010,p.256)43
.
42
A refutação desse entendimento pode ser encontrada em Beccaria, que já em seu tempo escreveu “que um dos
maiores freios dos crimes não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade” (2004, p.79). 43
“As recentes doutrinas da prevenção geral denominada positiva seguramente confundem direito com moral, e
inscrevem-se no inexaurível filão do legalismo e do estatalismo ético, conferindo às penas funções de integração
social por meio do reforço geral da fidelidade ao Estado, bem como promovem o conformismo das condutas
[...]” (FERRAJOLI, 2010, p.256).
51
Adentrando agora nas teorias preventivas que tomam o efeito da pena voltado
exclusivamente para o condenado, a prevenção especial negativa entende o fim da pena como
eliminação ou neutralização dos condenados que oferecem riscos à sociedade. Já para a
positiva o que se busca com a pena é a ressocialização do mesmo, no sentido de que o
condenado seria recuperado, reeducado com a pena para que não mais cometesse delitos.
Esses dois efeitos da prevenção especial não se excluem, “mas concorrem, cumulativamente,
para a definição do objetivo da pena enquanto fim diversificado e dependente da
personalidade, corrigível ou incorrigível, dos condenados” (FERRAJOLI, 2010, p.246).
As teorias de prevenção especial encaram o delito como patologia, quer moral,
social ou natural e a pena viria, então, para curar ou amputar essa enfermidade. Basicamente
são três as orientações que podem ser distinguidas de prevenção especial, as de emenda ou
correição do réu, as da defesa social e as teleológicas de diferenciação da pena. As primeiras
concebem a pena como algo pedagogicamente bom para o condenado, então visto como
pessoa imoral que deve se redimir. As de defesa social diferenciam-se das primeiras
principalmente na sua concepção positivista e determinista do homem44
. As doutrinas de
diferenciação da pena, por sua vez, distinguem-se por confiar a função de prevenção especial
à individualização e diferenciação das penas.45
Muitas são as críticas direcionadas à prevenção especial. Dentre elas, a
indeterminação da duração da pena, uma vez que a pena duraria o quanto fosse necessário
para que o condenado se ressocializasse, o que marcadamente viola princípios caros ao Estado
Democrático de Direito como o da estrita legalidade. Ainda, um delito leve provocado por
uma pessoa de personalidade “perigosa” poderia ser punido com pena desproporcional, isso
porque não obstante sua conduta não fosse grave, a sua periculosidade demandaria uma pena
alta.
Questiona-se também a legitimidade do Estado de “reeducar” seus indivíduos
adultos, sujeitando-os a tratamentos na busca de sua ressocilaização. Uma das maiores
objeções à prevenção especial, todavia, tem sido feita a partir de dados empíricos que levam à
44
Nas palavras de Ferrajoli, essas doutrinas entendem o homem como “entidade animal privada de liberdade e
inteiramente sujeita às leis da necessidade natural” (2010,p.249). 45
É com base nessa ideia que, no final do século XIX, foi criada nos Estados Unidos a “new penology”, baseada
na não fixação da pena, e Franz Von Liszt elaborou seu Programa de Marburgo concebendo o direito penal
enquanto “instrumento flexível e polifuncional de ‘ressocialização’, de ‘neutralização’ ou de ‘intimidação’,
dependendo dos diversos ‘tipos’- ‘adaptáveis’, ‘inadaptáveis’ ou ‘ocasionais’- de delinquesntes tratados”
(FERRAJOLI, 2010,p.249).
52
descrença da recuperação do condenado pela pena46
, nesse diapasão, lembra Víctor G.
Rodriguez o pensamento de Miguel Reale Júnior para quem “o mito da reeducação ou do
tratamento já foi em grande parte desfeito pela realidade” (2010, p.22).
Também nesse sentido o grande jurista Alessandro Baratta, para quem “não só
não existem chances de sucesso, como sequer legitimidade jurídica para um trabalho de
tratamento, de ressociabilização, se pensada como dominação do preso” ([19--], p.3). Baratta
propõe uma reinterpretação e reconstrução da ideia de “integração social” do preso, expressão
que prefere às expressões de ressocialização ou tratamento porque, segundo ele, estas “são
heranças anacrônicas da velha criminologia positivista que tinha o condenado como um
indivíduo anormal e inferior que precisava ser (re) adaptado à sociedade, considerando
acriticamente esta como ‘boa’ e aquele como ‘mau’” ([19--], p.3).
A reconstrução da concepção de “integração social” exige que o condenado seja
tratado como sujeito e não apenas como alvo de intervenção externa, para tanto faz-se
necessário que tratamento seja concebido como um benefício do qual o condenado pode ou
não dispor. Ainda, é preciso que a integração seja perseguida não através da pena mas apesar
dela, concebendo então que essencialmente a pena não integra socialmente o condenado, mas
que, apesar disso, a punição pode ser mais ou menos prejudicial a esse objetivo. Escreve, pois,
Baratta:
Não se pode conseguir a reintegração social do sentenciado através do cumprimento da
pena, entretanto se deve buscá-la apesar dela; ou seja, tornando menos precárias as
condições de vida no cárcere, condições essas que dificultam o alcance dessa reintegração.
Sob o prisma da integração social e ponto de vista do criminoso, a melhor prisão é, sem
dúvida, a que não existe ([19--], p.2).
De se apontar, todavia, que ao entender que ressocialização seja buscada apesar da
pena, e não através dela, partindo assim da concepção de que a pena é, em sua natureza,
contrária ao ideal de integração social, Alessandro Baratta nega a prevenção especial positiva,
46
Sobre a descrença da função ressocializadora da pena, escreveu Roxin: “[...] lo que también contribuyó al
desencanto frente a la prevención especial fue la circunstancia de que, a pesar de todos los esfuerzos dentro y
fuera del país, no se há podido desarrollar hasta ahora um concepto para la socialización del reincidente, que sea
eficaz em amplia medida. Mientras que la pena de retribución lleva su fin dentro de si mismo y, por lo tanto, es
Independiente de cualquier “resultado o éxito”, la fyación de uma meta preventivoespecial se torna sin sentido
em el caso de carência constante de éxito [...]” (1997, p 89).
53
isso porque se a pena é criada para a ressocialização e esta, todavia, é contrária à pena, a
violência punitiva mostra-se, assim, injustificada e, por conseguinte, deslegitimada.
Traçadas as linhas basilares de cada uma das quatro tradicionais teorias
utilitaristas, quais sejam, a prevenção geral positiva e negativa e a prevenção especial positiva
e negativa, faz-se importante apontar que muitos teóricos unificam tais teorias, concebendo a
pena com muitas funções, alguns juristas incluindo mesmo a função retributiva, bandeira das
teorias absolutas.
Trata-se, pois, a visão utilitarista da pena de verdadeiro avanço doutrinário na
medida em que a pena deixou de se autolegitimar e permitiu a busca crítica do que legitima a
atividade estatal punitiva. Nesse sentido aponta Ferrajoli ser o utilitarismo um pressuposto
necessário, mas não suficiente, para a fundação de um direito penal condizente com o Estado
Democrático de Direito. Não basta, pois, a concepção da pena como um meio, sendo
igualmente importante que o fim o possibilite de fato a implantação de “sistemas garantistas
de direito penal mínimo”. Para tanto, defende o pensador a pena deve buscar além do “o
máximo bem-estar possível dos não desviantes também o mínimo mal estar necessário dos
não desviantes”.
É tendo em vista esse duplo objetivo que Ferrajoli defende que o fim da pena seja
a prevenção da violência, concebida tanto no sentido da prevenção geral negativa, em que a
violência representada por futuros delitos é inibida, como no sentido de prevenção da
violência informal, arbitrária e punitiva “que, na ausência das penas, poderia advir da parte do
ofendido ou de forças sociais ou institucionais solidárias a ele” (2010, p.309) tendo como
vítima o réu e, até mesmo, pessoas próximas a ele, num puro retribucionismo desmedido.
Assim, a pena seria concomitantemente um instrumento de tutela da sociedade
contra delitos futuros (ne peccetur) e do condenado contra as punições informais arbitrárias
(ne punietur). O primeiro objetivo configuraria o limite mínimo da pena, abaixo do qual a
maioria das pessoas não se sentiriam de fato dissuadidas do cometimento do crime. E o
segundo o limite máximo da pena, além do qual restaria injustificada a substituição das penas
informais.
Ao se considerar também a tutela do réu, a concepção da dupla finalidade de
prevenção da pena, aponta Ferrajoli, não contraria o princípio ético kantiano segundo o qual
as pessoas não podem ser tratadas como meio para um fim que não seja seu. Esse princípio,
54
no entanto, seria violado quando apenas a prevenção de delitos futuros é considerada. A
dignidade da pessoa humana representa, pois, em seu modelo, fator limitativo da atividade
estatal punitiva, que apenas estaria legitimada quando também para o réu a pena é benéfica
(considerando que a violência da punição estatal deverá ser sempre menor do que aquela
violência informal que sofreria se não vetada a vingança).
O direito penal é, então concebido como um “ sistema racional de minimização da
violência e do arbítrio punitivo, bem como da exponenciação da liberdade e da segurança dos
cidadãos” (FERRAJOLI, 2010, p.316). Tão importante quanto proteção da sociedade passa a
ser, pois, a proteção da pessoa que cometeu o delito.
Nesse sentido, também Santiago Mir Puig, para quem ao Direito Penal de um
Estado democrático de Direito
[...]importará, então, não só a eficácia da prevenção (princípio da máxima utilidade
possível) como também limitar ao máximo seus custos (princípio da mínimo
sofrimento necessário), de forma que resulte menos grave a proteção [...] do que a
que poderia ser exercida por outros meios de controle social ilimitados (como a
vingança privada ou pública) ou desprovidos de garantias (como atuações
policialescas sem controle, condenações sem o devido processo legal, medidas pré-
delitivas) ou ainda outras formas de Direito penal autoritário (2007, p.80).
Imprescindível, pois, num Estado Democrático de Direito, que a perspectiva
utilitarista da pena venha a justificar e legitimar a atividade punitiva estatal apenas quando
esta prime igualmente pela defesa social e pelo respeito à dignidade do condenado, buscando
a minimização de seu sofrimento.
3.2.3 As funções da pena para o ordenamento jurídico brasileiro
No caput do artigo 59 do Código Penal, com redação determinada pela Lei 7.209,
de 1984, está previsto que o juiz individualizará a pena atendendo aos fatores ali elencados e
55
“conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”
(BRASIL,1940). O legislador previu, assim, que a pena seja determinada tendo como fins a
reprovação e prevenção do crime.
O conceito de reprovação refere-se à ideia de reagir a um mal com outro mal,
entendendo-se que a violência configurada pela pena estatal estaria legitimada enquanto
reação à violência consubstanciada no delito, ou seja, enquanto castigo. É a
institucionalização no Código Penal da ideia de que é legítimo, justo, “pagar violência com
outra violência”.
O conceito de prevenção, por sua vez, embora represente um avanço
comparativamente ao de reprovação, é demasiadamente amplo, podendo ter reflexos variados
conforme se adote teorias preventivas diferentes, as quais, como vimos, podem ser gerais ou
especiais, positivas ou negativas. Mormente, há que se apontar que a determinação da pena
buscando exclusivamente a reprovação e prevenção do crime poderia permitir a adoção de
penas não condizentes a um Estado Democrático de Direito.
Faz-se relevante também apontar que a Lei de Execução Penal (Lei n. 7210 de
1984) coloca a prevenção especial positiva como um dos objetivos da execução penal
(BRASIL,1984), o que não equivale a dizer, no entanto, que a ressocialização é concebida aí
como fator legitimador da pena na medida em que, tal como defendido por Alessandro
Baratta, a execução penal deve buscar sempre a reintegração social do preso não obstante seja
este objetivo contrário à própria natureza da atividade estatal punitiva. Nesse sentido há quem
defende, como Luigi Ferrajoli, Francesco Carrara47
e Muñoz Conde48
, que a pena deve buscar
a “não dessocialização” do condenado, “quer dizer, que não reeduque, mas também que não
deseduque, que não tenha uma função corretiva, mas tampouco uma função corruptora;que
não pretenda fazer o réu melhor, mas tampouco o torne pior” (FERRAJOLI, 2010, p.365) .
Tal objetivo exige o cumprimento da Lei de Execução Penal e das Regras Mínimas para
Tratamento de Reclusos da ONU, no que estabelecem um tratamento humanizado ao preso,
47
Vide FERRAJOLI,Luigi. Direito e razão Teoria do Garantismo Penal. 3ªed rev. São Paulo: Revista dos
Tribunais,2010.p.365. 48
Vide BITENCOURT, Carlos Roberto. Tratado de Direito Penal Parte Geral 1. 15ª ed. atual. e ampl. São
Paulo:Saraiva:2010.p.515.
56
assim como a observância das Regras de Tóquio na medida em que elas minimizam a
utilização da danosa pena privativa de liberdade49
.
A Constituição Federal de 1988, no entanto, nada dispõe sobre as finalidades da
pena, dos porquês de punir, por outro lado, dá especial atenção ao como punir, na busca pela
minimização do sofrimento imposto ao réu através da atividade estatal punitiva. Essa ausência
de disposições constitucionais acerca dos fins da pena fora especialmente aplaudida por Salo
de Carvalho para quem:
em sendo os instrumentos punitivos (meios) em si mesmos violentos, as
justificativas (fins) punitivas operam como narcóticos ‘racionalizadores de sua
programação’. Abdicar das funções e centrar a preocupação nas formas de punir a
partir do horizonte projetado pela Constituição talvez seja uma das únicas formas de
contração do poder penalizador desmesurado (2007,p20).
A Constituição Federal elevou a dignidade da pessoa humana a valor máximo
de nosso ordenamento jurídico. Com relação à pena a consideração desse valor requerer, antes
de tudo, uma preocupação latente com a minimização do sofrimento da pessoa condenada,
impondo limites à condenação, os quais deverão ser observados independentemente da função
que se atribui à pena. Nesse sentido, proíbe-se o trabalho forçado, as penas corporais, cruéis,
que violem a integridade física e moral dos presos, entre outras proibições, além de se impor
prestações positivas para se assegurar que os condenados serão tratados de forma humana.
Proibições e imposições que representam facetas do princípio da humanidade das penas, já
tratado no capítulo primeiro do presente trabalho.
49
A busca pela não dessocialização do réu, aponta Ferrajoli, exige “atividades específicas diferenciadas e
personalizadas. É necessário, sobretudo, que as condições de vida dentro da prisão sejam para todos as mais
humanas e as menos aflitivas possíveis; que em todas as instituições penitenciárias esteja previsto o trabalho -
não obrigatório, senão facultativo- juntamente com o maior número possível de atividades coletivas, de tipo
recreativo e cultural; que na vida carcerária se abram e desenvolvam espaços de liberdade e de sociabilidade
mediante a mais ampla garantia de todos os direitos fundamentais da pessoa; que, por fim, seja promovida a
abertura da prisão – os colóquios, encontros conjugais, permissões, licenças etc. – [...] É provável que tudo isso,
ainda que necessário, resulte insuficiente para impedir a função perversa e criminógena do cárcere [...]” (2010,
pp.365 e366).
57
3.3 Das modalidades de penas
Como vimos no primeiro tópico desse capítulo, a história das penas é marcada por
uma progressiva limitação ao descomedimento punitivo, tendo sido fundamental nesse
processo a vedação da vingança privada, tomando o Estado para si, com exclusividade, o ius
puniendi.
O complexo punitivo formado pelo conjunto de penas legalmente previstas de um
Estado muito revela desse Estado. Nesse sentido escreveu Ferrajoli que “[...]o sistema de
penas assinala a escala de valores historicamente determinada de uma dada sociedade , além
de seu grau de autoritarismo, tolerância e humanidade”. (2010,p.369). As modalidades de
penas estatais50
variam, pois, sócio-culturalmente; de forma geral elas podem ser classificadas
em corporais, privativas de liberdade, restritivas de liberdade, pecuniárias e privativas e
restritivas de direito.
As penas corporais são aquelas em que a integridade física do condenado é
atingida, como os açoites, a amputação de membros, o esquartejamento, a morte. Elas foram
largamente utilizadas no Brasil colônia e mantiveram-se mesmo após a independência do país,
mas então bem menos aplicadas. Nas Ordenações Filipinas51
(vigentes no Brasil de 1603 até a
independência do país) , por exemplo, a pena de morte era prevista em mais de setenta casos,
já “o Código Imperial reduziu as hipóteses a somente três infrações (insurreição de escravos,
homicídio agravado e latrocínio” (DOTTI, 1998, p.52). As penas corporais são atualmente
proibidas no país, com única exceção a pena de morte para crimes militares em tempo de
guerra.
As penas privativas de liberdade são aquelas em que a pessoa é privada do seu
direito à liberdade, podem ser temporária ou perpétua, esta atualmente proibida pelo inciso 50
Relevante apontar o entendimento segundo o qual falar em “penas estatais” seria um pleonasmo na medida em
que somente seria considerada pena a reação aflitiva estatal. Nesse sentido, os ilustres penalistas Julio Fabbrini
Mirabete e Renato N. Fabbrini destacam como características das penas a “legalidade, personalidade,
proporcionalidade e inderrogabilidade”, que são qualidades da pena marcadamente do Estado Moderno
(2008,p.246). 51
Sobre as Ordenação Filipinas e a aplicação arbitrária das penas corporais, escreveu o grande penalista René
Ariel Dotti, citando a primeira norma incriminadora do Livro V da Ordenções: “Penas extremamente graves
eram cominadas aos responsáveis pelas diversas ofensas, bastando constatar-se que no crime de heresia (cujo
conhecimento era deferido principalmente aos juízes eclesiásticos), “além das penas corporaes, que aos culpados
no dito malefício forem dadas, serão seus bens confiscados, para se delles fazer o que nossa marcê for, posto-que
filhos tenhão””(1998.p.45).
58
XLVII-b do artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL,1988). Historicamente elas se
desenvolveram a partir de outras penas: “enquanto aguardavam a execução (pena de morte,
desterro, galés etc.), os sentenciados ficaram privados da liberdade de locomoção, passando a
ser a prisão,depois, a própria sanção penal” (MIRABETE;FABBRINI, 2008,p.248) . Essa
modalidade de pena viria substituir as penas corporais no Brasil, com a progressiva redução
da aplicação destas até sua posterior aniquilação. Ela representa, assim, verdadeiro marco do
processo histórico de humanização das penas e teve como apogeu o século XIX, quando se
converteu na principal resposta ao crime.
Sobre as penas privativas de liberdade é imprescindível apontar a preocupação
com relação à sua execução, a qual tem como marco histórico os estudos feitos, em meados
do século XVIII, pelo britânico John Howard, que em seu The state of Prisons in England
descreveu a situação das prisões do mundo anglo-saxão criticando o modo desumano com que
os presos eram tratados. Mostrou, de forma inovadora, em sua obra “preocupações como
segurança, saúde, dieta, atividade física, celas individuais, corrupção dos agentes”
(RODRIGUEZ,2010,p.32). Preocupações essas ainda hoje atuais para a grande maioria das
penitenciárias brasileiras, as quais se encontram em verdadeiro desacerto com várias
previsões constitucionais e infraconstitucionais já tratadas no capítulo primeiro do presente
trabalho. Sobre a execução penal no Brasil, no entanto, melhor falaremos no quarto capítulo.
As penas restritivas de liberdade são aquelas em que o direito à liberdade do
condenado é atingido sem que este seja recolhido à prisão. O banimento, o degredo, o
desterro52
são exemplos dessa modalidade de pena proibidos pela Constituição federal em seu
artigo 5º, XLVII-d (BRASIL,1988)que, segundo entendimento de Julio F. Mirabete e Renato
N. Fabbrini, ao proibir o banimento, consequentemente proibiu o degredo e o desterro.
As penas pecuniárias são aquelas que afetam diretamente o patrimônio do
condenado. A multa, o confisco e a prestação pecuniária são exemplos dessa modalidade de
pena. O confisco, perda de bens pelo sentenciado, era vetado em nossa legislação; a
Constituição Federal de 1988, no entanto, mudou essa situação prevendo sua cominação no
artigo 5º, inciso XLVI-b (BRASIL,1988).
52
O banimento, o degredo e o desterro são definidos, respectivamente, como “perda dos direitos políticos e de
habitar o país”, “residência em local determinado pela sentença” e “saída obrigatória do território da comarca e
do domicílio da vítima” (MIRABETE;FABBRINI, 2008,pp.248 e 249).
59
As penas privativas e restritivas de direitos privam o condenado de alguns direitos
ou os restringem. Elas estão elencadas no artigo 43 do Código Penal53
e também podem ser
encontras no artigo 92, embora os efeitos da condenação não sejam considerados sanções
penais. Elas são tidas como penas modernas54
e refletem o descrédito que as penas privativas
de liberdade possuem atualmente. O documento internacional mais importante referente às
penas alternativas são as Regras de Tóquio, adotadas pela ONU em 1990, elas representam
“verdadeira Constituição Mundial” (GOMES,1999,p.27) nesse assunto55
.
A Exposição de Motivos da nova parte geral do Código Penal – Lei nº 7.209, de
1984, que adotou novas penas na busca pela desprisionalização, além de estabelecer com
precisão os regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade, demonstrou o descrédito
das privativas de liberdade ao expor as críticas principais dirigidas a estas:
As críticas que em todos os países se têm feito à pena privativa da liberdade
fundamentam-se em fatos de crescente importância social, tais como o tipo de
tratamento penal frequentemente inadequado e quase sempre pernicioso, a
inutilidade dos métodos até agora empregados no tratamento de delinquentes
habituais multirreincidentes, os elevados custos da construção e manutenção dos
estabelecimentos penais, as consequências maléficas para os infratores primários,
ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena significação, sujeitos, na
intimidade do cárcere, a sevícias, corrupção e perda paulatina da aptidão para o
trabalho (nota 27- Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal – Lei
nº 7.209, de 1984).
3.3.1 Análise das modalidades punitivas ora vigentes
A reforma do Código Penal estabelecida pela lei nº 7.209/84 (BRASIL,1984)
alterou a classificação anterior de penas principais (assim consideradas a reclusão, detenção e
multa) e acessórias (as interdições de direitos, a perda da função pública e a publicação da
53
Dentre as penas ali elencadas algumas mais propriamente se aproximam, pela classificação apresentada, das
penas pecuniárias (perda de bens e valores e prestação pecuniária), nesse sentido ver MIRABETE,Julio Fabbrini;
FABBRINI, Renato N.. Manual de direito penal,volume 1:parte geral,arts.1º a 120 do CP. 24 ed. rev. e atual.
até 31 de dezembro de2006. São Paulo:Atlas,2008.p 249. 54
Nesse diapasão BITENCOURT, Carlos Roberto. Tratado de Direito Penal Parte Geral 1. 15ª ed. atual. e
ampl. São Paulo: Saraiva:2010.p.549. 55
Sobre as Regras de Tóquio, vide ultima parte do segundo capítulo do presente trabalho.
60
sentença) e dispôs no artigo 32 que as penas serão privativas de liberdade, restritivas de
direitos e de multa(BRASIL,1984). Leis especiais, todavia, preveem outras penas, como a
prisão simples da Lei das Contravenções Penais, a pena de morte, prevista no Código Penal
Militar, entre outras.
As penas privativas de liberdade são duas: a detenção e a reclusão. Elas se
diferem principalmente56
pelo fato de que primeira apenas pode ser cumprida nos regimes
semiaberto e aberto, podendo, no entanto, ser regredida para o fechado, tal como previsto no
artigo 118 da Lei de Execução Penal(LEP)(BRASIL,1984).
São, pois, três os regimes nos quais as penas privativas de liberdade podem ser
cumpridas, diferindo-se entre eles o lugar onde a pena é executada. No fechado, dá-se a
execução em estabelecimento de segurança máxima ou média; no semiaberto em colônia
agrícola, industrial ou estabelecimento similar e no aberto, por sua vez, em casa de albergado
ou estabelecimento adequado. A execução, assim, ocorre de forma progressiva, com o
condenado readquirindo gradualmente seu direito à liberdade, o que é notoriamente favorável
à sua reintegração social. Sobre o sistema progressivo, escreveu o grande penalista Alberto
Silva Franco que “é o ponto de interseção em que se conectam os princípios da legalidade, da
individualização e da humanidade da pena” (2007, p.207).A execução da pena privativa de
liberdade em um único regime, aponta o jurista,
significa pena desumana porque inviabiliza um tratamento penitenciário racional e
progressivo; deixa o recluso sem esperança alguma de obter a liberdade antes do
termo final do tempo de sua condenação [...] e, por fim, desampara à própria
sociedade na medida em que devolve o preso à vida societária após submetê-lo a um
processo de reinserção às avessas, ou seja, a uma dessocialização (2007,p.211).
O sistema progressivo de execução da pena privativa de liberdade revela-se,
assim, verdadeiro imperativo constitucional. A sua relevância constitucional fora reafirmada
pelo HC 82.959-7 , de 2006, em que foi declarado inconstitucional o parágrafo primeiro do
artigo segundo da Lei 8.072/90, que vetava a progressão para os crimes hediondos e
assemelhados(BRASIL,1990).
56
Sobre as demais diferenças da detenção e reclusão, ver BITENCOURT, Carlos Roberto. Tratado de Direito
Penal Parte Geral 1. 15ª ed. atual. e ampl. São Paulo:Saraiva:2010.p.517.
61
O regime fechado seria aquele em que mais a liberdade do preso sofre limitações.
Tal como prevê o artigo 34, parágrafo 1º do Código Penal,com redação determinada pela lei
7.209, nele o condenado ficaria “sujeito a trabalho no período diurno e isolamento durante o
repouso noturno” (BRASIL,1984). O trabalho é, assim, obrigatório, configurando verdadeiro
direito-dever e ele ainda tem o condão de abreviar a pena do sentenciado a partir do instituto
da remição; o preso, todavia, perderá o tempo remido se for punido por falta grave. Faz
relevante também apontar a previsão do artigo 88 da LEP (BRASIL,1984), que trata sobre a
cela individual, disposição gritantemente desrespeitada, tal como muitas outras que objetivam
tornar a execução mais humana.
O regime semiaberto é menos limitativo, nele não há previsão para isolamento no
período noturno, o trabalho externo é admissível (mesmo na iniciativa privada, a qual é vetada
no regime fechado) assim como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de
instrução de segundo grau ou superior. O regime aberto, por sua vez, é ainda menos
limitativo e se baseia, tal como previsto no caput do artigo 36 do Código Penal “na
autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado” que “deverá, fora do
estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade
autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga” (parágrafo
primeiro) (BRASIL,1984). Há, entretanto, uma grande falta de estabelecimentos necessários
ao cumprimento dos regimes aberto e semiaberto, o que vem impossibilitando a realização do
sistema progressivo tal como previsto em lei, assunto esse que será melhor tratado no
próximo capítulo.
Tem-se também a previsão da prisão domiciliar para condenados no regime aberto
quando maiores de 70 anos, ou acometidos de doença grave, ou com filho menor ou deficiente
físico ou mental ou ainda para ré gestante (artigo 117 da LEP) (BRASIL,1984).
O regime inicial é determinado pelo juiz tendo em vista as circunstâncias
judiciais do artigo 59 do Código Penal e obsevando as limitações legais impostas ao regime
inicial referentes à espécie e quantidade da pena e à reincidência. Para que haja a progressão
de regime dois requisitos devem ser preenchidos, um objetivo, consubstanciado na passagem
de uma parcela da pena imposta e outro subjetivo,referente ao mérito do condenado durante o
cumprimento da pena, para tanto “lhe é exigido o bom comportamento carcerário e a ausência
da prática de faltas graves” (AMARAL,2009,p.188), exigências que também são impostas
para a concessão de outros benefícios como a livramento condicional,o indulto. Ainda para a
62
concessão do regime aberto o juiz pode estabelecer condições especiais, além de que devem
ser preenchidas as condições gerais obrigatórias previstas no artigo 115 da LEP57
(BRASIL,1984).
Existe também previsão da regressão, que ocorrerá quando o condenado “praticar
fato definido como crime doloso ou falta grave” (artigo118, I da LEP (BRASIL,1984)) ou
“sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução,
torne incabível o regime” (artigo 118,II da LEP(BRASIL,1984)). A regressão do regime
aberto poderá também ocorrer quando frustrado os fins da execução ou ainda não tendo o
condenado pago, podendo, a multa cumulativamente imposta. Com exceção da condenação
por crime anterior, os outros motivos para regressão demandam que o condenado seja
previamente ouvido (artigo 118, parágrafo 2º da LEP (BRASIL,1984)).
Tendo em vista os relevantes efeitos que a apuração de um falta grave pode
provocar na execução da pena privativa de liberdade, críticas têm sido feitas no sentido de que
não caberia ao juiz da execução apenas homologá-las, já tendo sido apuradas pelo
procedimento administrativo, mas caberia a ele a própria apuração da falta grave, observando
o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal58
. Em outra direção, mas igualmente
oportunas, há também críticas que apontam a imprecisão do legislador na definição dessas
faltas, o que permite uma grande e nociva discricionariedade do agente penitenciário59
.
Durante o cumprimento da pena privativa de liberdade poderá, ainda, o condenado
ser punido com sanções administrativas dependendo do seu comportamento. São cinco as
sanções disciplinares previstas no artigo 53 da LEP(BRASIL,1984): a advertência verbal; a
57 As condições obrigatórias são: I - permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de
folga; II - sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados; III - não se ausentar da cidade onde reside, sem
autorização judicial; IV - comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades, quando for
determinado.
58 Sobre a necessidade de jurisdicionalização da execução penal vide: LOPES, Aury Jr. Revisitando o processo
de execução penal a partir da instrumentalidade garantista. In: CARVALHO, Salo de (Coord.). Crítica à
execução penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.pp 374 e ss; e particularmente sobre a necessária
participação do juiz na apuração de falta grave, não somente a homologando, AMARAL, Cláudio do Prado. Em
busca do devido processo na execução penal.pp.185 e ss.
59 Nesse sentido, ver CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3ª ed. ver e atual. Rio de Janeiro: Lumen
Juris,2008. p.294
63
repreensão; a suspensão ou restrição de direitos60
; o isolamento e o famigerado Regime
Disciplinar Diferenciado- RDD, criado pela Lei 10.792/03, sendo a única sanção que exige
que o juiz competente despache, de forma fundamentada, previamente à sua imposição. O
RDD, no entanto, nem sempre configurará sanção disciplinar, sua aplicação também será
possível como “medida preventiva e acautelatória nas hipóteses de presos sobre os quais
recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas ou
que representem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou para
sociedade” (MIRABETE;FABBRINI, 2008,p 257), nessa segunda hipótese é possível,pois,
que o “preso perigoso” seja incluído no RDD sem haja uma apuração formal da falta grave
com a posterior homologação pelo juiz.
A criação do RDD é intensamente criticada por alguns juristas, e menos não
poderia ser, tendo em vista as peculiaridades dessa sanção que pode durar até trezentos e
sessenta dias e na qual o indivíduo fica recolhido na cela individual podendo sair apenas duas
horas por dia para banho de sol. Sobre essa sanção escreveu Paulo César Busato, lembrado
por Carlos Roberto Bitencourt, que sua adoção “representa o tratamento desumano e
determinado tipo de autor de delito, distinguindo evidentemente entre cidadãos e ‘inimigos’”
(2010, p.542).
Não obstante muito ainda poderia ser dito sobre as penas privativas de liberdade,
não mais nelas nos delongaremos tendo em vista não ser o nosso objetivo uma análise
exauriente das modalidades punitivas vigentes. Passamos, assim, agora para uma breve
análise das penas restritivas de direitos e da multa.
Tal como previsto no artigo 44 do Código Penal,com redação determinada pela lei
7.209 (BRASIL, 1984), as penas restritivas são autônomas e substituem as privativas de
liberdade quando o juiz, observando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código
Penal,cuja redação também foi determinada pela lei 7209 (BRASIL,1984), decidir que elas
serão suficientes e necessárias “para a prevenção e reprovação do crime” e se preenchidos os
requisitos elencados no artigo, dentre eles, a não reincidência na prática do mesmo crime, a
60 Os direitos que poderão ser suspensos/restritos são: proporcionalidade na distribuição do tempo para o
trabalho, o descanso e a recreação; a visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias
determinados; contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios
de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
64
pena privativa aplicada não seja superior a quatro anos “e o crime não for cometido com
violência ou grave ameaça à pessoa” (inciso I do artigo 44 do Código Penal, com redação
determinada pela Lei 9714, de 1998 (BRASIL,1998)), entre outros.
Existe também a possibilidade de as restritivas de direito serem convertidas em
privativas de liberdade ocorrendo o descumprimento injustificado da restrição imposta, o que
representa fator de coação para seu cumprimento. Suas modalidades, previstas no artigo 43 do
Código Penal, com redação determinada pela lei 9714 (BRASIL,1998), são: prestação
pecuniária, perda de bens e valores prestação de serviço à comunidade ou a entidades
públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.
A prestação pecuniária, conforme defende Carlos Roberto Bitencourt, possui
natureza indenizatória (2010,p.563), ela consiste no “pagamento em dinheiro à vítima, a seus
dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada
pelo juiz, não inferior a 1(um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta)
salários mínimos”, tal como disposto no parágrafo 1º do artigo 45 do Código Penal,
acrescentado pela Lei 9714 (BRASIL,1998). O parágrafo 2º desse artigo prevê ainda que a
prestação pecuniária, quando aceito pelo beneficiário, poderá consistir em “prestação de outra
natureza” (BRASIL,1998), o que Bitencourt bem aponta ser uma violação ao princípio da
reserva legal pela indeterminação da penalidade(2010,p.566).
A perda de bens e valores do condenado representa uma modalidade de confisco,
o qual não era previsto pelo Código Penal de 1940 e havia sido proibido pela Constituição de
1969, sendo antes possível apenas como efeito da condenação e limitado à perda dos
instrumentos e produtos do crime e desde que preenchidos os requisitos das alíneas a e b do
inciso II do artigo 91.
A limitação de fim de semana, por sua vez, consiste na “obrigação de
permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou
outro estabelecimento adequado” (artigo 48 do Código Penal, com redação determinada pela
lei 7209 (BRASIL,1984)), durante esse tempo “ poderão ser ministrados ao condenado cursos
e palestras ou atribuídas atividades educativas” (parágrafo único). Essa modalidade de
restritiva mostra-se assim, prejudicada, tal como o regime progressivo, pela ausência de casas
de albergado.
65
A pena prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública consiste na
atribuição, conforme as aptidões físicas do condenado, de tarefas gratuitas, fixadas do modo a
não atrapalhar a jornada normal de trabalho, o que seria um entreve em seu processo de
ressocialização. Tais tarefas serão realizadas em “entidades assistenciais, hospitais, escolas,
orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais”
(parágrafo 2º do artigo 46 do Código Penal, acrescentado pela lei 9714 (BRASIL,1998)).
A interdição temporária de direitos, última modalidade de restritiva a ser
analisada, é, ao contrário das outras, específica e aplica-se a determinados crimes. São quatro
as possibilidades, previstas nos incisos do artigo 47 do Código Penal, com redação
determinada pela lei 7209 (BRASIL, 1984), de interdição de direitos: “proibição do exercício
de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo” (inciso I); “proibição
do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de
licença ou autorização do poder público” (inciso II); “suspensão de autorização ou de
habilitação para dirigir veículo” (inciso III); “proibição de frequentar determinados lugares”
(inciso IV, acrescentado pela lei 9714 (BRASIL,1998)).
A terceira modalidade punitiva prevista no artigo 32 do Código Penal é a multa.
Antes da Reforma Penal de 1984 (lei 7209), havia previamente fixado em lei o mínimo e o
máximo dessa pena pecuniária, esse sistema, todavia, fora permutado pelo dias-multa no qual
leva-se em conta o rendimento auferido pelo condenado em uma dia, observando sua situação
econômica e patrimonial, com essa mudança houve um revigoramento da multa.
66
4 A EXECUÇÃO PENAL
O presente capítulo possui três divisões. Na primeira parte, com base na Lei de
Execução Penal (lei n. 7.210, de 1984) trataremos da execução penal prevista em lei, humana,
coerente com o Estado Democrático de Direito. Na segunda parte, o objeto de análise será a
realidade precária e desumana da execução penal brasileira. E, por último, analisaremos
algumas implicações da precariedade do sistema penitenciário para o Judiciário.
4.1 A Execução Penal tal como deveria ser
A Lei de Execução Penal prevê em seu artigo primeiro que a execução “tem por
objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições
para a harmônica integração social do condenado e do internado” (BRASIL,1984). O
legislador coloca, assim, a ressocialização do sentenciado como algo a ser buscado pela
execução e, para tanto, vários são os dispositivos previstos que buscam moldar a execução a
fim de tornar esse objetivo possível ou, ao menos, diminuir as chances de dessocialização do
réu61
. Essas prescrições representam, muitas delas, a positivação, em nosso ordenamento
jurídico, das Regras Mínimas para Tratamento dos Reclusos da Organização das Nações
Unidas de 1955, já tratadas no capítulo dois do presente trabalho.
Tais dispositivos, tornando a execução mais “humana”, acabam por densificar o
princípio da humanidade das penas, trazendo uma concretização desse princípio na execução
penal. Faz-se importante também apontar que a humanização da execução penal com o
objetivo de propiciar a ressocialização do condenado tem como fim mediato a busca pela
redução da criminalidade62
.
61
A busca pela não dessocialização é associada ao princípio do nihil nocere, segundo o qual “os efeitos
deletérios da internação forçada devem ser evitados através de um procedimento prisional que reduza
significativamente o perigo da dessocialização” (FRANCO,2007,p.60). 62
Nesse sentido, a Exposição de Motivos à Lei de Execução Penal , de 9 de maio de 1983,lembra os
ensinamentos de HIlde Kaufman : “La ejecución penal humanizada no solo pone en peligro la seguridad y el
orden estatal, sino todo ló contrario. Mientras la ejecución humanizada es um apoyo del orden y la seguridad
67
Uma das previsões legislativas mais importantes, nesse sentido, diz respeito à
conservação pelo preso dos direitos não atingidos pela perda da liberdade63
,o que está previsto
no artigo 38 do Código Penal e também no caput do artigo terceiro da LEP. Essa disposição,
em tese, teria o condão de impedir que o condenado fosse tratado como “coisa”; ela realça,
assim, a ideia de que ele é um sujeito de direitos, os quais, exatamente da mesma forma que
os direitos dos cidadãos livres, devem ser respeitados, o que representa verdadeira contidio
sine qua non para a não dessocialização do condenado. Nesse diapasão, a Exposição de
Motivos da LEP, em sua nota 65, coloca: “tornar-se-á inútil, contudo, a luta contra os efeitos
nocivos da prisionalização, sem que se estabeleça a garantia jurídica dos direitos do
condenado”(BRASIL,1983).
Previu-se também, em contrapartida, o excesso ou desvio de execução que
ocorrerá “sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em
normas legais ou regulamentares” (artigo 185 da LEP(BRASIL,1984)). Todavia, como bem
destacado na Exposição de Motivos da LEP, em sua nota 171, “a impotência da pessoa presa
ou internada constitui poderoso obstáculo à autoproteção de direitos ou ao cumprimento dos
princípios da legalidade e justiça que devem nortear o processo de execução”
(BRASIL,1983).
Em seu artigo 41 a LEP elenca os direitos do preso que são: “alimentação
suficiente e vestuário”; “atribuição de trabalho e sua remuneração;previdência social”;
“constituição de pecúlio”; “proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o
descanso e a recreação”; “exercício das atividades profissionais,intelectuais,artísticas e
desportivas anteriores,desde que compatíveis com a execução da pena”; “assistência material,
à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa”; “proteção contra qualquer forma de
sensacionalismo”; “entrevista pessoal e reservada com o advogado”; “visita do cônjuge, da
companheira, de parentes e amigos em dias determinados”; “chamamento nominal”;
“igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena”; “audiência
especial com o diretor do estabelecimento”; “representação e petição a qualquer autoridade,
em defesa de direito”; “contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da
leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes”; estatal, uma ejecución penal desumanizada atenta precisamente contra la seguridad estatal” (nota 22)
(BRASIL,1983). 63
O grande penalista Alberto Silva Franco brilhantemente aponta a relação entre a observância do princípio da
legalidade e uma execução penal humana. Segundo o jurista: “Durante largo espaço de tempo, o princípio da
legalidade tangenciou a fase da execução da pena. Confirmada a realização do fato criminoso e imposta a sanção
punitiva, com pleno respeito ao devido processo legal, o cidadão despojado de seu direito de liberdade era
deixado à mercê de um sistema prisional, organizado pelo Estado repressor, no qual era havido como uma pessoa
de segunda classe, sem direitos ou garantias jurídicas” (2007,p.207).
68
“atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade
judiciária competente” (BRASIL,1984).
O respeito a esses direitos mostra-se fundamental para a efetivação do princípio
da humanidade das penas na execução penal. Ora, de nada valerá a previsão legislativa de
penas humanas se em seu cumprimento o que acontece é uma hipertrofia da punição,
excedendo-se os limites previstos em lei, nesse sentido a nota 20 da Exposição de Motivos da
LEP :
É comum, no cumprimento das penas privativas da liberdade, a privação ou a
limitação de direitos inerentes ao patrimônio jurídico do homem e não alcançados
pela sentença condenatória. Essa hipertrofia da punição não só viola a medida da
proporcionalidade como se transforma em poderoso fator de reincidência, pela
formação de focos criminógenos que propicia (BRASIL,1983).
A Lei de Execução Penal também prevê como dever do Estado a assistência ao
preso, que será, tal como dispõe seu artigo 11, material, à saúde, jurídica, educacional, social
e religiosa (BRASIL,1984). A primeira das espécies de assistência elencada, a material,
“consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas”(artigo 12 da
LEP(BRASIL,1984)) ao preso e ao internado64
. A segunda espécie, por sua vez,
“compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico” (artigo 14 da
LEP(BRASIL,1984)) que deverá ser prestado em outro local, quando o estabelecimento
penal não tiver condições para provê-lo.
A assistência jurídica é “destinada aos presos e aos internados sem recursos
financeiros para constituir advogado” (artigo 15 da LEP(BRASIL,1984)), previu-se, para sua
execução, a existência de um local apropriado destinado ao atendimento do Defensor Público
nos estabelecimentos penais. Já a assistência educacional “compreenderá a instrução escolar
e a formação profissional do preso e do internado” (artigo 17 da LEP (BRASIL,1984)). E a
social objetiva ampará-los e prepará-los para o retorno à liberdade, dentre suas funções está a
de “promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação” (inciso IV do artigo
23 da LEP (BRASIL,1984)). Por último, a assistência religiosa tem como objetivo permitir
aos presos e internados “a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal,
bem como a posse de livros de instrução religiosa” (artigo 24 da LEP (BRASIL,1984)), para
64
É internado o sentenciado sujeito às sanções penais consubstanciadas nas medidas de segurança. Delas,
todavia, não trataremos tendo em vista ser a pena nosso foco no presente trabalho.
69
tanto foi prevista a reserva de um local, nesses estabelecimentos, apropriado para os cultos
religiosos.
Foi estabelecido,também, que as mulheres e os maiores de sessenta anos serão
recolhidos em estabelecimentos próprios e adequados às suas condições pessoais. As
penitenciárias femininas, por exemplo, deverão ser dotadas “de seção para gestante e
parturiente e de creche para abrigar maiores de 6(seis) meses e menores de 7(sete) anos, com
a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa” (artigo 89 da
LEP (BRASIL,1984)).
Estabeleceu-se igualmente que os presos provisórios fiquem separados dos
condenados por sentença transitada em julgado (artigo 84 da LEP (BRASIL,1984)), assim
como os primários deverão cumprir pena em seção distinta dos reincidentes(parágrafo
primeiro do artigo 84 (BRASIL,1984)). Ainda, todos os presos deverão ser alojados, prevê o
artigo 88, em “cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório”, além de
ter “salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e
condicionamento térmico adequado à existência humana” e área mínima de seis metros
quadrados(BRASIL,1984). Também prevê a LEP, em seu artigo 85, que “o estabelecimento
penal deverá ter lotação compatível com sua estrutura e finalidade” (BRASIL,1984).
A Lei de Execução Penal também trata dos estabelecimentos penais fundamentais
para o funcionamento do sistema progressivo de execução da pena privativa de liberdade.
Sistema esse que, como já vimos, consiste em verdadeiro imperativo constitucional. As
colônias agrícolas, industriais ou similares, prescreve a lei, poderão alojar o condenado em
compartimento coletivo, que deverão ser adequados à existência humana. E, na busca por
garantir a exequibilidade do regime aberto e igualmente permitindo a realização da restritiva
de direito consistente na limitação de fim de semana, previu a LEP em seu artigo 95 que “em
cada região haverá, pelo menos, uma casa de albergado”(BRASIL,1984).
Como consequência da inobservância de seus dispositivos, a LEP previu a
interdição, pelo juiz da execução, do estabelecimento penal, no todo ou em parte (artigo 66,
inciso VIII da LEP (BRASIL,1984)), assim como a suspensão de ajuda financeira destinada
às Unidades Federativas, pela União, “para atender às despesas de execução das penas e
medidas de segurança” (artigo 203, parágrafo quarto, da LEP(BRASIL,1984)).
A Lei de Execução Penal prescreve, pois, uma execução penal humana, em
observância da qual o sentenciado seria tratado com respeito à sua dignidade, inerente a toda
pessoa. Se a previsão legislativa mostra-se, assim, coerente com o Estado Democrático de
Direito, muito diferente configura a realidade da execução penal brasileira.
70
4.2 A execução penal tal como é
“Lixo humano”, essa foi a expressão usada pela Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) do sistema carcerário de 2008 para definir como muitos presos são tratados no
Brasil65
. A realidade da execução penal brasileira mostra-se em verdadeiro descompasso com
o Estado Democrático de Direito instaurado pela Constituição Federal de 1988, em que a
dignidade da pessoa humana foi alçada a valor máximo de nosso ordenamento jurídico. Ela
viola a Constituição, a legislação infraconstitucional e muitos documentos internacionais.
Um dos principais problemas de nossa execução penal, e do qual decorre muitos
outros, consiste na superlotação carcerária66
. Dados oficiais67
de dezembro de 2011 revelam
que a população carcerária brasileira é de 514.582 e que o total de vagas é apenas 306.497,
apresentando, assim, um déficit de 208 085 vagas. O déficit de vagas é apontado pela
Organização das Nações Unidas como uma das mais graves fontes de desrespeito a direitos
humanos no País68
.
As espécies de assistência ao preso, elencadas no artigo 11 da Lei de Execução
Penal, tidas pela lei como dever do Estado, mostram-se, na grande maioria dos casos, como
meras promessas vazias do legislador e, por conseguinte, também ilusória revela-se a
ressocialização, tida pela lei como objetivo da execução penal. Na prática, o que se dá é uma
alarmente dessocialização do condenado, o que inevitavelmente contribui para o aumento da
criminalidade.
Revelando as mazelas do sistema carcerário, expôs a CPI:
Em todos os Estados diligenciados, o desrespeito e o descumprimento da legislação
nacional se expressa na falta ou deficiência de assistência jurídica; superlotação;
inexistência de políticas de ressocialização; deficiência da assistência médica,
farmacêutica, psicológica, odontológica e social; prática generalizada de maus-
tratos; desvios de conduta dos agentes públicos; omissão do Poder Judiciário e do
Ministério Público; arquitetura antiga e inadequada dos estabelecimentos prisionais;
irregularidades nos contratos de prestação de obras, serviços e fornecimento de
65
“Apesar da excelente legislação e da monumental estrutura do Estado Nacional, os presos no Brasil, em sua
esmagadora maioria, recebem tratamento pior do que o concedido aos animais: como lixo humano”
(BRASIL,2009, 192). 66
Sobre a superlotação enquanto fator desencadeador de outros problemas, dispõe o relatório final da CPI do
sistema carcerária: “ A superlotação é talvez a mãe de todos os demais problemas do sistema carcerário. Celas
superlotadas ocasionam insalubridade, doenças, motins, mortes, degradação da pessoa humana”
(BRASIL,2009,p.247). 67
Para mais informações de dados estatísticos do sistema penitenciário brasileiro
vide:http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRI
E.htm.
68
Nesse sentido a notícia da BBC Brasil disponível em:
http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5800524EI5030,00Brasil+tem+maior+populacao+carceraria+do+
mundo+e+superlotacao.html.
71
alimentação; deficiência humana e material do Poder Judiciário, do Ministério
Público e da Defensoria Pública; insuficiência de recursos e falta de política de
apoio aos egressos; e inexistência de controle social sobre a gestão do sistema
penitenciário (2009, p.490).
O Estado, não cumprindo com o seu dever dar assistência aos presos, torna
impossível a conservação pelos mesmos dos direitos não atingidos pela sentença. Também
outros direitos acabam sendo, na prática, cerceados,em nítido excesso de execução69
, como o
direito à saúde, o direito ao acesso à justiça, ao devido processo legal, direito ao trabalho70
,
direito à educação71
, direito de não ser submetido a tratamento cruel nem desumano, além de
ter sua integridade física e moral respeitados. Sobre a configuração da tortura no tratamento a
que a maioria dos presos brasileiros é submetida, dispôs a CPI:
O sistema carcerário nacional é, seguramente, um campo de torturas psicológicas e
físicas. Do ponto de vista psicológico, a tortura é ampla, de massa e quase irrestrita.
Para comprovação das torturas psicológicas e o desrespeito à integridade moral dos
presos, basta a existência de celas superlotadas; a falta de espaço físico; a
inexistência de água, luz, material higiênico, banho de sol; a constatação de lixo,
esgotos, ratos, baratas e porcos misturados com os encarcerados; presos doentes,
sem atendimento médico, amontoados em celas imundas, e outras situações descritas
nas diligências, fotografadas e filmadas (2009,p 270).
A falta de infraestrutura marca todo o sistema progressivo de execução da pena
privativa de liberdade. Há também uma grande demanda pela construção de colônias agrícolas
e industriais e casas de albergados, estabelecimentos imprescindíveis para progressão na
execução. Segundo dados de dezembro de 2011 fornecidos pelo site do Ministério da Justiça,
existem apenas setenta colônias (agrícolas e industriais) e sessenta e cinco casas de albergado.
Esses números não diferem muito dos dados de dezembro de 2008, ano em que a CPI foi
realizada, quando havia quarenta e seis colônias e albergues.
Também as penas restritivas de direitos, reconhecidas internacionalmente como
uma louvável opção frente à nociva pena privativa de liberdade, encontram sérios problemas
estruturais para sua efetivação, sendo sua aplicação ainda tímida(BRASIL,2009,p.481).
69
Nesse sentido o mestrando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo Fernando Vernice dos Anjos, em
artigo publicado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), apontou que, considerando o artigo
terceiro da LEP “haverá excesso de execução sempre que for atingido algum direito do condenado não
restringido pela sentença condenatória ou pela lei”, esclarece, no entanto,o penalista que, infelizmente, “ a
jurisprudência ainda não considera como excesso de execução a pena de privação de liberdade cumprida em
condições desumanas” (2009,p.2). 70
A CPI apontou que em média “mais de 80% da população prisional é ociosa” e que “a maioria dos
estabelecimentos prisionais não dispõe de área destinada a esse fim” (2009,p.252). 71
Segundo dados da CPI, a média nacional de presos estudando é de apenas 13,23 por cento, número que se
mostra muito pequeno tendo em vista o baixo grau de escolaridade da maioria dos presos (2009,p.230).
72
Mostra-se necessária, para seu revigoramento, “a manutenção de uma estrutura de
monitoramento que assegure o fiel cumprimento da determinação judicial, ou seja, o
monitoramento técnico dos cumpridores dessas penas” (BRASIL, 2009, p.483), o que
certamente provocará um aumento de sua aplicação pelos juízes.
A execução penal brasileira é, pois, fortemente marcada por uma profunda falta de
infraestrutura, o que deixa latente a necessidade de investimentos por parte da Administração
Pública para seu melhoramento e humanização. Do jeito que está, a execução penal põe em
risco a própria segurança nacional na medida em que em vez de ressocializar, dessocializa o
condenado, aumentando, assim, de forma inexorável, a criminalidade e, por conseguinte, a
sensação de insegurança por parte da população.
Como bem apontado, todavia, por Cezar Roberto Bitencourt, é histórico o
“descaso da Administração Pública brasileira para com o sistema penitenciário, de um modo
geral, e com os reclusos em particular. Costuma-se dizer que preso não vota e investimentos
no sistema penitenciário não rendem dividendos políticos[...]” (2010,p.569). O descaso frente
à situação dos condenados pela Administração Pública revela uma problemática no
pensamento da própria sociedade que
não se sente sensibilizada diante do sistema de execução de penas também porque
não se identifica de modo algum com aqueles que se encontram dentro dele: os
presos. A condição de preso é em si estigmatizada, e como tal, provoca um efeito de
polarização psicológico nas massas. De um lado estão os presos, que se presume
estarem detidos porque fizeram algo ruim. De outro estão “os livres” que estão em
liberdade porque nada fizeram de errado. E assim, existem os “bons” e os “maus”,
polarizados e separados por muros e grades. E ao mundo da vida dos “bonzinhos”
não interessa nem um pouco o que se passa no mundo de vida dos “malvados [...]
(AMARAL,2009,p.189)
4.3 Repercussões no Judiciário
A cruel realidade da execução penal brasileira demanda ao Judiciário de um
Estado Democrático de Direito, num primeiro momento, e de forma gritante, a interdição de
muitos estabelecimentos penais e, num segundo momento, a aplicação cada vez maior de
73
penas substitutivas à privativa de direitos, de forma a evitar, ao máximo, os danos provocados
ao condenado e à sociedade em sua execução.
Frente à situação degradante da grande maioria dos presídios brasileiros,ainda,
Cláudio do Prado Amaral aponta que o juiz da execução deve atuar de forma a considerar, na
concessão de benefícios que dependam do mérito do preso (consubstanciado na ausência de
faltas graves e no bom comportamento carcerário), o tratamento a que o condenado é
submetido na execução da pena, o que não tem sido feito pelo Judiciário. Nesse sentido,
dispõe o penalista que “não se pode exigir do preso todos os deveres ético-penitenciários sem
a contrapartida de lhes assegurar os direitos mínimos assegurados pela Lei de Execução
Penal” (2009,p.188).
Destaca o jurista que “A Lei de Execução Penal foi prevista e elaborada para ser
aplicada em condições minimamente plausíveis, presumindo-se que a dignidade da pessoa
humana detida está sendo preservada” (2009,p.188). Sendo, no entanto, a execução penal na
prática muito diferente daquela prescrita pela lei, mostra-se fundamental a consideração pelo
juiz da execução de que alguns comportamentos passam a ser inexigíveis72
.
A consideração pelo juiz da execução da falta de infraestrutura do sistema
penitenciário mostra-se em alguns casos mesmo inevitável. Um recorrente exemplo dá-se
quando da progressão de regime o juiz se depara com a ausência de colônias agrícolas ou
industriais e de casas de albergado, o que impossibilita o fiel cumprimento da lei. Duas são as
possíveis respostas para esses casos: ou o condenado é mantido no regime fechado até o
surgimento de vagas para o cumprimento da pena nos regimes mais brandos, ou lhe é
concedida a prisão domiciliar. O segundo entendimento, felizmente, mostra-se predominante
atualmente na jurisprudência, a qual entende ser constrangimento ilegal obrigar o sentenciado
a cumprir a pena em regime mais gravoso do aquele de que teria direito pelo simples
cumprimento da lei73
.
Outra questão enfrentada pelo Judiciário em decorrência das barbaridades
cometidas pelo sistema carcerário brasileiro consiste na responsabilização civil do Estado
72
Elucidando seu raciocínio, escreve Cláudio do Prado Amaral: “Exemplifiquemos com um caso de fuga, que
taxativamente é tratada pela Lei de Execução Penal como falta grave. Até mesmo a tentativa de fuga é tratada
como falta grave (arts. 49, parágrafo único, e 50, II, da LEP). Indaga-se: seria correto afirmar que um detendo
que tentou -sem sucesso- fugir por um túnel de uma cela com capacidade para 12 presos, mas que “abrigava” 38,
cometeu falta grave?” (2009,p.187). 73
Nesse sentido os julgados do Superior Tribunal de Justiça: HC 110569 / MS HABEAS CORPUS
2008/0150927-7;HC 90289 / RS HABEAS CORPUS 2007/0213543-7;HC 153498 / RS HABEAS CORPUS
2009/0222203-5; HC 187918 / RS HABEAS CORPUS 2010/0191886-; HC 216828 / RS HABEAS CORPUS
2011/0201579-0.
74
pelos danos causados pelas más condições dos estabelecimentos penais, em observância do
artigo 37, parágrafo sexto da Constituição Federal (BRASIL,1988) e artigo 43 do Código
Civil (BRASIL,2002).
Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a
responsabilização do Estado em casos de morte da pessoa sob a sua custódia, esboçado na
ementa:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MORTE DE PRESO SOB
CUSTÓDIA DO ESTADO. OMISSÃO ESTATAL. INTEGRIDADE FÍSICA DO
PRESO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. AGRAVO IMPROVIDO.
I – O Tribunal possui o entendimento de que o Estado se responsabiliza pela
integridade física do preso sob sua custódia, devendo reparar eventuais danos.
Precedentes.
II - Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido quanto à
existência de nexo causal entre a omissão do Estado e o resultado morte, necessário
seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que atrai a
incidência da Súmula 279 do STF.
III - Agravo regimental improvido.
(Agravo de Instrumento 799789 – Agravo Regimental no Agravo de Instrumento.
Relator Min. Ricardo Lewandowiski. Julgamento em 02/12/2010)
Controversa, no entanto, é a possibilidade de responsabilização por danos morais
sofridos pelo preso devido às péssimas condições dos estabelecimentos penais. Um dos
entendimentos é de que a indenização individual dos ex- condenados terá como efeito
inexorável o agravamento do problema do qual decorre a própria falta de infraestrutura do
sistema penitenciário, qual seja, a sobrecarga orçamentária, nesse sentido a ementa do
Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO. DETENTO. SUPERLOTAÇÃO. DANO MORAL.
RESSARCIMENTO INDIVIDUAL POR DANO COLETIVO INCABÍVEL.
PROBLEMA LÓGICO. RETIRADA DE CUSTOS PARA SUPRIR
INDENIZAÇÃO INDIVIDUAL QUE MAJORA O GRAVAME COLETIVO.
IMPOSSIBILIDADE DE EQUIVALÊNCIA COM CASOS MAIS GRAVES.
MORTE. INDENIZAÇÃO INDIVIDUAL COMO MEIO INVIÁVEL DE
SOLUÇÃO DO PROBLEMA PRISIONAL.
1. Cuida-se de embargos de divergência opostos contra acórdão da Segunda Turma
que deu provimento ao recurso especial para determinar a impossibilidade de
obrigar o Estado a indenizar, individualmente, um detento em unidade prisional
superlotada.
2. O que se debate é a possibilidade de indenizar dano moral que foi consignado
pelas instâncias de origem; logo, o que se discute é a possibilidade de punir o Estado
com tal gravame pecuniário, denominado no acórdão embargado como "pedágio
masmorra"; a divergência existe, pois há precedentes da Primeira Turma no sentido
da possibilidade de indenização: REsp 1.051.023/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão,
75
Rel. p/ Acórdão Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 1º.12.2008; e
REsp 870.673/MS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 5.5.2008.
3. O voto condutor do Min. Herman Benjamin - havido do recurso especial, cujo
acórdão figura como embargado - deve ser mantido em seus próprios fundamentos,
a saber que: a) não é aceitável a tese de que a indenização seria cabível em prol de
sua função pedagógica; b) não é razoável - e ausente de lógica - indenizar
individualmente, pois isto ensejará a retirada de recursos para melhoria do sistema, o
que agravará a situação do próprio detento; e c) a comparação com casos que
envolveram a morte de detentos não é cabível.
4. Como bem consignado no acórdão embargado, em vez da perseguição de uma
solução para alterar a degradação das prisões, o que acaba por se buscar é uma
inadmissível indenização individual que arrisca formar um "pedágio masmorra" ou
uma "bolsa indignidade"; em síntese, o tema em debate não trata da aplicação da
doutrina da "reserva do possível" ou do "mínimo existencial", mas da
impossibilidade lógica de que a fixação de uma indenização pecuniária e individual
melhore o sistema prisional.
Embargos de divergência conhecidos e improvidos. (EREsp 962934/MS.
EMBARGOS DE DOVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL 2011/0136470-6.
Relator Min. Teori Albino Zavascki. Julgamento em 14/03/2012).
O argumento da sobrecarga orçamentária, desse modo, acaba por deixar impune
as graves violações aos direitos fundamentais dos condenados. O mesmo argumento dado pela
Administração Pública para a ausência de políticas públicas de melhoramento e construção de
estabelecimentos penais é, então, dado pelo Judiciário para a inobservância pelo Estado da Lei
de Execução Penal quanto aos deveres de que tratamos no tópico primeiro desse capítulo, o
que inevitavelmente possibilita a manutenção eterna do desumano status quo dos presídios74
.
Imprescindível, então, apontar que a questão da responsabilização do Estado pelos
danos sofridos pelos presos está intimamente ligada ao reconhecimento da vinculatividade
jurídica dos princípios e da “morte” de normas meramente programáticas que só indicam
atitudes sem de fato vincularem. Como vimos, a adoção da normatividade dos princípios é
condição necessária para a implantação efetiva do Estado Democrático de Direito.
74
Nesse sentido o voto vencido do Ministro Teori Albino Zavascki nos embargos de divergência em recurso
especial 2011/0136470-6.
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O princípio da humanidade das penas prescreve que as penas devem ser humanas
o máximo possível. Trata-se, como vimos, de uma conceito vago, que varia sócio-
culturalmente. Ele tem como marco histórico, assim como os princípios da legalidade, da
proporcionalidade, da necessidade, o movimento iluminista, sendo Beccaria um de seus
principais expoentes.
Esse princípio está presente na Constituição Federal de 1988 em alguns incisos de
seu artigo 5º, expressando-se tanto por meio de vedações, por exemplo, proibindo as penas
corporais,cruéis, de morte, como por meio de obrigações impostas ao Estado as quais
demandam a este prestações positivas, a exemplo do dever de assegurar às presidiárias
condições para que permaneçam com seus filhos durante o período da amamentação.
Igualmente a todos os princípios, o da humanidade das penas também encontra
dificuldades, em comparação às regras, de ser reconhecida sua vinculatividade jurídica,
característica esta cujo reconhecimento depende da aceitação de sua natureza normativa.
Faz-se, todavia, imprescindível num Estado Democrático de Direito, modalidade
mais evoluída do Estado de Direito, na qual o valor da pessoa humana passa a ser o centro
axiológico de todo o ordenamento jurídico, o reconhecimento do caráter vinculante dos
princípios constitucionais e a busca incessante por sua efetivação, no sentido de tornar
realidade o “dever ser” que trazem.
A máxima valorização da pessoa humana acontece também no plano internacional
a partir da Segunda Guerra Mundial. É nesse contexto que é criado o Direito Internacional dos
Direitos Humanos. O Brasil, por meio da ratificação de vários Tratados dessa natureza, tem
se comprometido internacionalmente a respeitar os direitos fundamentais do homem e a
assegurar o seu pleno exercício.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992,
cria dois órgãos de suma importância, a Convenção e a Corte Interamericana de Direitos
Humanos que merecem especial alusão nessas considerações finais na medida em que
poderão ser acionados caso as graves violações dos direitos fundamentais dos presos
perdurarem após esgotadas as vias internas (condição para se acionar os órgãos
internacionais).
77
Ainda no plano internacional, faz-se importante apontar que as Regras de Tóquio,
adotadas pela Organização das Nações Unidas em 1990, ao tratarem das penas e medidas
alternativas, representam o descrédito que atualmente a pena privativa de liberdade possui.
Como vimos, no entanto, num primeiro momento a sua implantação provocou uma
humanização na atividade estatal punitiva na medida em que a privativa de liberdade
substituiu paulatinamente as penas corporais.
Essa busca pela substituição da pena privativa de liberdade representa um novo
capítulo da história das penas, a qual é marcada por uma progressiva limitação do poder
punitivo, o que se deu primeiramente com o Estado pegando para si o ius puniendi e
posteriormente com o próprio Estado se limitando e tornando mais humanas as penas.
No Brasil, todavia, ao mesmo tempo em que medidas positivas para a
humanização das penas são tomadas, como a criação das penas substitutivas, o legislador
brasileiro retrocede em outros aspectos, como na criação, pela Lei 10.792/03, do Regime
Disciplinar Diferenciado.
Vimos também nesse trabalho que dependendo da função que se atribui à pena,
esta se altera qualitativa e quantitativamente. Em decorrência da implantação do Estado
Democrático de Direito, no entanto, faz-se necessária a constatação de que a atividade
punitiva deve buscar não apenas o máximo bem- estar dos não desviantes como o mínimo
sofrimento dos condenados.
Objetivando minimizar o sofrimento dos condenados e tornar possível o ideal da
ressocialização, a Lei de Execução Penal traz vários dispositivos que, se respeitados,
tornariam a execução penal mais humana, dentre eles, destaca-se a previsão de que o
condenado conservará todos dos direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.
A realidade, todavia, de nossa execução penal é gritantemente diferente de sua
previsão legal. A maioria dos presos são tratados como “lixo humano”, sendo-lhes cerceados
muito mais direitos do que aqueles previstos na sentença e na lei. Não apenas a Lei de
Execução Penal mostra-se, assim, violada, como a própria Constituição Federal e também
alguns Tratados internacionais.
Nosso sistema penitenciário é precário e profundamente marcado pela falta de
infraestrutura. E justamente dessa situação decorrem as graves violações de direitos
fundamentais dos presos, as quais demandam da Administração Pública que de forma urgente
78
tome providências no sentido de construir novos estabelecimentos penais, melhorar os já
existentes, aumentar o número de funcionários dedicados a assistir os presos, investir no
revigoramento das penas restritivas de direitos.
Para tanto, todavia, faz-se necessária uma mudança de mentalidade não apenas
por parte da Administração Pública, como antes, da população em geral: que deixe de encarar
os reclusos como pessoas “más” e que, portanto, não merecem que o Estado gaste com elas,
sendo indiferente ao tratamento cruel e desumano por que passa a grande maioria de nossos
presos.
É fundamental, pois, que a população veja que também ela é prejudicada com a
precariedade de nosso sistema penitenciário na medida em que as prisões superlotadas, em
vez de ressocializarem o condenado, dessocializam-no, atuando assim como fator
criminógeno, o que inevitavelmente tem como efeito o aumento da criminalidade.
Apontamos também nesse trabalho que o Judiciário de um Estado que se diz
Democrático de Direito deve estar atento à realidade precária de nossa execução penal e levar
em consideração o modo desumano com que os presos são tratados pelo Estado. Em alguns
casos a consideração das precariedades de nosso sistema penitenciário é inevitável, como por
exemplo, quando o juiz da execução se depara com a ausência de estabelecimentos
necessários para a progressão de regime da pena privativa de liberdade.
Por último, analisamos também a questão da responsabilização civil do Estado
pelos danos sofridos pelos presos em decorrência do não cumprimento dos deveres impostos a
ele pela Lei de Execução Penal. O reconhecimento do dever de indenizar o preso cujos
direitos são violados mostra-se uma decorrência inexorável da natureza normativa dos
princípios que não apenas indicam atitudes a serem tomadas, mas representam verdadeiros
imperativos a serem observados pelo Estado. Além do mais, a indenização ainda tem o
condão de mostrar à Administração Pública a urgência das demandas de nosso sistema
penitenciário.
79
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