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Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra O Processo de Bolonha: um modelo europeu de reforma do ensino superior? - O impacto nas outras regiões do mundo (o caso da América Latina e do Brasil) Gabriele Iacobucci 2012

O Processo de Bolonha: um modelo europeu de reforma do ... · O impacto nas outras regiões do mundo ... através da análise do impacto que esse modelo teve fora do continente europeu

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Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

O Processo de Bolonha: um modelo europeu de reforma do ensino superior?

-O impacto nas outras regiões do mundo

(o caso da América Latina e do Brasil)

Gabriele Iacobucci

2012

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Gabriele Iacobucci

O Processo de Bolonha: um modelo europeu de reforma do ensino superior?

-O impacto nas outras regiões do mundo

(o caso da América Latina e do Brasil)

Dissertação de Mestrado em Estudos Europeus,

apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,

sob a orientação do Professor Doutor António Martins da Silva.

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

2012

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor António Martins da Silva, sob cuja sábia guia académica

comecei e acabei minha riquíssima experiência de estudo no estrangeiro.

Aos meus pais e irmãos; qualquer meta que alcançarei na vida não poderá deixar de

ser acompanhada do sentimento de gratidão inextinguível que sinto por aqueles que mais

profundamente moldaram o meu carácter.

À Julia. Se fizesse aqui um sumário das razões que tornaram essa pessoa

fundamental, no atingimento dos meus objectivos, certamente superarei o espaço que é

conveniente dedicar aos agradecimentos. Entre outras coisas, me doou, literalmente, dia

após dia, a maravilhosa língua em que esta tese foi escrita.

Ao Donato e ao Gianfranco, que representaram, nos momentos de maior cansaço, a

lembrança e a promessa de dias mais leves.

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RESUMO

O presente estudo foca-se no chamado Processo de Bolonha, empreendido em 1999 por 29

ministros da educação europeus, com o objectivo de criar o Espaço Europeu do Ensino

Superior. Frente a uma literatura dispersa e fragmentada sobre este fenómeno político

tenta-se, em primeiro lugar, traçar um perfil o mais completo e coerente possível do

mesmo; entram aqui em questão aspectos cronológicos, aspectos relativos aos actores e à

modalidade de governação e, finalmente, o próprio conteúdo da agenda de reforma do

ensino superior europeu. Definido o “modelo bolonhês”, a pergunta à qual tenta-se

responder - através da análise do impacto que esse modelo teve fora do continente europeu

- diz respeito à efectiva relevância que se pode atribuir a essa experiência político-

educativa europeia. Os casos Latino-americano e Brasileiro, de forma particular,

comprovariam o elevado peso da iniciativa, assim como a sua validade como modelo de

reforma do ensino superior na atualidade.

Palavras-chave: Processo de Bolonha, Espaço Europeu do Ensino Superior, universidade,

políticas de educação superior.

ABSTRACT

The present investigation focuses on the, so-called, Bologna Process; an

intergovernamental agreement, signed in 1999 by 29 european ministers of education, with

the purpose of creating the European Higher Education Area. The first purpose of the study

responds to the needs that arise from a scattered bibliography about this political

phenomenon, and consist in the drawing of a profile – as much as possible – coerent and

complete; cronological aspects are considered, as well as the functioning, the decision-

making process, the actors involved and the pragmatic agenda for european higher

education reform. In a second stage, an analysis of the impact of the “Bologna model”

outside Europe is carried out, in order to evaluate the effective relevance that can be

assigned to this political-educational european experience. The Latin American and

Brazilian cases seem to prove the significant weight of this initiative, as well as his

perceived pertinence as a model of higher education reform.

Keywords: Bologna Process, European Higher education Area, University, Higher

education policies.

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ÍNDICE

Introdução______________________________________________________________1

I - O Processo de Bolonha: cronologia, actores envolvidos e funcionamento________3

1.1 - O Processo de Bolonha: génese e desenvolvimento ____________________3

1.2 - O Processo de Bolonha: funcionamento, governação, actores envolvidos___14

II - O Processo de Bolonha: conteúdos programáticos (linhas de acção) __________26

2.1 - A estrutura do ensino superior e o Sistema Europeu de Transferência e

Acumulação de Créditos (ECTS)__________________________________ 26

2.2 - Atractividade do EEES e mobilidade académica: a recognição das

qualificações e dos períodos de estudo______________________________33

2.3 - A garantia da qualidade__________________________________________41

2.4 - A empregabilidade_____________________________________________ 48

2.5 - A dimensão social do Processo de Bolonha e a Aprendizagem ao Longo

da Vida ______________________________________________________54

2.6 - O terceiro ciclo de Bolonha e o Espaço Europeu da Investigação_________60

2.7 - As outras linhas de reforma______________________________________ 66

III - O Processo de Bolonha como modelo global para a reforma do ensino superior.

Panorâmica e estudo de casos: América Latina e Brasil ___________________71

3.1 - A dimensão externa do Processo de Bolonha – estratégia e resultados_____71

3.2 - O Processo de Bolonha nos sistemas educativos da América Latina______ 78

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3.3 - O Processo de Bolonha e a reforma do ensino superior brasileiro – Reuni e

Universidade Nova_____________________________________________87

Conclusões____________________________________________________________101

Anexos_______________________________________________________________ 105

I - Cronologia da “europeização” do ensino superior;

II - Relevância do Processo de Bolonha para as instituições de ensino;

III - Quadro de qualificações do Espaço Europeu do Ensino Superior;

IV - Tipos de arquitecturas curriculares adoptadas nos paises de Bolonha;

V - Durações típicas do terceiro ciclo;

VI - Áreas de estudo excluidas do modelo LMD;

VII - Implementação dos quadros de qualificações nacionais;

VIII - Implementação do ECTS;

IX - Regulamentos nacionais sobre a duração do ano académico e a equivalência

carga horária/créditos;

X - Implementação dos principios consagrados na Convenção de Lisboa;

XI - Suplemento ao Diploma;

XII - Implementação das medidas relativas ao Suplemento ao Diploma;

XIII - Mobilidade para obtenção de diploma no estrangeiro;

XIV - Garantia da qualidade: últimos desenvolvimentos;

XV - Competências genéricas mais relevantes identificadas no projecto Tuning;

XVI - Práticas de aprendizagem ao longo da vida mais comuns;

XVII - Ordenamento do terceiro ciclo;

XVIII - Qualificações oferecidas pelo sistema de ensino superior brasileiro;

Bibliografia____________________________________________________________125

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INTRODUÇÃO

É sob os olhos de todos que o ensino superior europeu foi atravessando, ao longo da

última década, uma profunda revisão. Trata-se de uma resposta obrigada frente a algumas

mudanças que afectaram a sociedade global, e a Europeia, de maneira particularmente

aguda: a massificação do ensino superior, a saturação e “volatilização” do mercado do

trabalho, a intensificação do carácter transnacional da educação superior, a constituição de

blocos regionais (como a UE), só para nomear os tópicos mais relevantes.

Este último ponto – regionalização – constitui, se quisermos, a premissa para o

aparecimento do Processo de Bolonha, como resposta concertada aos desafios comuns

(constituídos pelos outros elementos destacados) dos países europeus. Trata-se de um

acordo intergovernamental assinado em 1999, por 29 ministros europeus responsáveis para

a educação, que hoje reúne 47 dos 50 países (reconhecidos pela comunidade internacional)

do continente. Seu objectivo é, substancialmente, o de tornar o ensino superior europeu -

em termos genéricos - de maior qualidade, maior atractividade no contexto global e

permitir o desenvolvimento da mobilidade, através da compatibilização dos sistemas

nacionais e da melhoria da prática da recognição de títulos estrangeiros.

Uma visão redutora, bastante difundida, do Processo de Bolonha tende a esgotar o

alcance da reforma na implementação da – assim chamada – arquitectura de três ciclos,

que prevê a estruturação dos currículos universitários em três graus sequenciais de estudos

(Licenciatura, Mestrado, Doutoramento). A agenda programática do Processo implica, na

verdade, um conjunto muito mais amplo de acções, no que diz respeito ao ensino superior;

todavia, uma revisão crítica, completa e sistemática de tal conjunto parece ainda faltar na

literatura.

Essa é uma das considerações que influenciou significativamente o molde do

presente estudo, que parte de considerações genéricas de alguma consistência - em termos

quantitativos - sobre o Processo. Essas são necessárias em si mesmas, mas sobretudo como

premissas para a parte conclusiva da dissertação, que pretende - em última instância -

responder à seguinte pergunta: qual é a relevância do Processo de Bolonha como fenómeno

político na esfera do ensino superior? Até que ponto está efectivamente a moldar o sistema

global de ensino/investigação? Permanecerá a sua menção na história das reformas dessas

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instituições milenarias (as universidades)?

Considerámos que uma maneira apropriada de sugerir uma possível resposta

pudesse ser a de avaliar o impacto das reformas europeias da última década no cenário da

educação superior em outras regiões do mundo. Tendo sido comprovado um razoável

(embora variável) grau de implementação das medidas previstas, nos países directamente

interessados, preferímos essa abordagem a uma que previsse, por exemplo, a consideração

de estudos de casos relativos a países/instituições de ensino europeus.

Assim fazendo, conseguiu-se, através de uma panorâmica global e de análises mais

específicas, relativas à América Latina e ao Brasil (baseadas em análise documental),

comprovar que o processo de reforma europeu, para além de gerador de discussões

quantitativamente significativas nos contextos analisados, constitui um “modelo”, amiúde

tido em consideração, na projectação de reformas do ensino superior.

2

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I

O Processo de Bolonha: cronologia, actores envolvidos e funcionamento

1.1) O Processo de Bolonha: génese e desenvolvimento

O Processo de Bolonha constitui um processo de cooperação internacional no

âmbito do ensino superior que envolve, actualmente, 47 países do continente europeu1,

sendo que, pelos critérios de admissão até agora definidos, os únicos estados que poderiam

vir a ser parte do processo, no futuro, seriam a Bielorrússia, o Principado de Mónaco e a

República de San Marino.

O processo teve início em Junho de 1999 com a Declaração de Bolonha, assinada

por 29 ministros da educação europeus, a qual estatuiu o objectivo da criação de um

Espaço Europeu do Ensino Superior para 2010; este foi efectivamente instituído no ano

predefinido (em 12 de Março), com a Declaração de Budapest-Viena, sendo que o

Processo continua activo, devido à necessidade de implementar integralmente as políticas e

reformas visadas (veja-se: Declaração de Budapest-Viena, 2010).

Nos interessa, em primeiro lugar, tentar contextualizar esse fenómeno político

através de uma cronologia expandida (veja-se anexo I), inserindo-o, de acordo com Fátima

Antunes (2005), no universo mais amplo dos processos de globalização e (mais em

particular) de europeização das políticas educativas. É que de facto consideramos que o

Processo de Bolonha veio, após 1999 a reunir e catalisar uma serie de ideias e esforços

práticos que já tinham sido formuladas e experimentados, embora de uma forma

fragmentada e pouco sistemática.

1 Áustria, Bélgica, Bulgária, República Tcheca, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Noruega, Polonia, Portugal, Roménia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido (desde 1999), Croácia, Chipre, Liechtenstein, Turquia (desde 2001), Albânia, Andorra, Bósnia e Herzegóvina, Santa Sé, Rússia, Sérvia, Macedónia (desde 2003), Arménia, Azerbaijão, Geórgia, Moldávia, Ucrânia (desde 2005), Montenegro (desde 2007) e Cazaquistão (2010).

3

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O período “pre-Bolonha”: 1953-1998

Podemos realçar que os anseios relativos à comparabilidade e recognição das

qualificações – pedra miliar do Processo – remontam, pelo menos, a 1953, ano da

Convenção Europeia sobre a equivalência dos diplomas que garantem o acesso nas

universidades2, seguida, em 1959 (sempre no seio do Conselho da Europa) pela Convenção

Europeia sobre a Recognição Académica das Qualificações Universitárias3.

Na mesma época (1954), foi assinada a Convenção Cultural Europeia a qual,

embora não diga especificamente respeito ao funcionamento dos sistemas de ensino

superior, virá a ser de grande relevância para o Processo de Bolonha, sendo que constitui,

ao dia de hoje, um dos principais critérios para a inclusão no Processo, e aquele em virtude

do qual foram rejeitados os pedidos de Quirguistão, Israel e Kosovo.

Para Antunes (2005: 125) são os anos 70 que assinam, em primeira instância, o

início da cooperação europeia no campo da educação superior. Provavelmente o que se

considera é o facto das convenções em matéria de recognição citadas terem um caracter

ainda limitado e pouco significativo. Os anos 70 veêm, por outro lado, o surgimento de

verdadeiras instituições de carácter permanente: a UNESCO-CEPES (“Centro Europeu

Para o Ensino Superior”) em 1972, com a missão de fomentar a cooperação europeia em

matéria de recognição das qualificações, mobilidade estudantil, garantia da qualidade do

ensino superior, governação e legislação relativa às instituições de ensino4. Essa instituição

teve um papel de relevância, tendo sido responsável, junto com o Conselho da Europa, da

criação da Convenção de Lisboa de 1997, que veio a actualizar e expandir o escopo das

duas convenções antes citadas.

Nos anos imediatamente seguintes a criação de duas outras organizações, esta vez

ligadas à Comunidade Europeia, vieram comprovar o efectivo compromisso dos países

europeus na cooperação em matéria de ensino superior: o Centro Europeu para o

Desenvolvimento da Formação Profissional (CEDEFOP)5, em 1975 e a rede EURYDICE6,

2 http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/QueVoulezVous.asp?NT=015&CL=ENG (última consulta: 02-04-2012).

3 Http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/QueVoulezVous.asp?NT=032&CL=ENG (última consulta: 02-04-2012.

4 Veja-se: http://www.coe.int/t/dg4/highereducation/ehea2010/stakeholderscepes_EN.asp (última consulta: 02-04-2012).

5 Http://www.cedefop.europa.eu/EN/ (última consulta: 02-04-2012).6 H ttp://eacea.ec.europa.eu/education/eurydice (última consulta: 02-04-2012).

4

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em 1980. O primeiro é responsável – a partir de 1998 - para a iniciativa Europass7, no seio

da qual está a ser promovida a difusão, entre outros documentos estândar (CV europeu,

passaporte de línguas…), do Suplemento ao Diploma (que descreveremos mais em detalhe

em seguida), amplamente tido em consideração no Processo e de grande relevância para os

fins da recognição das qualificações. A segunda, constituída por 37 centros nacionais em

33 países8 e um centro de Coordenação em Bruxelas, foi estabelecida pela Comissão

Europeia com o objectivo de fornecer informação e análise de dados sobre os sistemas

educativos ao nível europeu.

1984 foi o ano em que o Parlamento Europeu adoptou uma genérica “Resolução

sobre a educação superior e o desenvolvimento da cooperação entre instituições de ensino”

(13 de Março) e o da criação, sob iniciativa da Comissão, da rede NARIC de Centros

Nacionais de Informação sobre a Recognição Académica9. A partir desse momento a

“europeização” da educação superior irá assumindo ritmos cada vez crescentes.

De relevância – talvez – inesperada foi a Decisão (87/327/EEC) do Conselho

Europeu de 15 de Junho 1987 que adoptava o esquema de mobilidade estudantil

ERASMUS, cuja portada é hoje amplamente reconhecida. A Magna Charta Universitatum,

assinada apenas um ano depois em Bolonha (18 Setembro 1998), no 900º aniversário da

mais antiga universidade europeia, por 430 reitores, pode-se considerar um verdadeiro

antecedente das Declarações de Sorbona e de Bolonha (que deram efectivamente inicio ao

Processo). De facto, encontramos ali algumas das ideias básicas das actuais reformas no

campo do ensino superior: a autonomia das instituições de ensino e a inseparabilidade de

investigação e didáctica, o caracter fundamental da mobilidade e da equivalência entre os

títulos outorgados na Europa.

O ano de 1992 assina um momento importantíssimo com relação às questões

tratadas, ao nível da União Europeia, sendo que o Tratado de Maastricht pela primeira vez

institucionaliza a capacidade de intervenção da Comunidade nas áreas da educação e da

formação profissional, através – respectivamente – dos artigos 126º e 127º (165º e 166º do

Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia de 2009), os quais prevêem o seguinte:

7 Http://europass.cedefop.europa.eu (última consulta: 02-04-2012).8 Os 27 da UE mais a Suíça, Liechtenstein, Noruega, Islândia, Turquia e Croácia.9 Http://www.enic-naric.net/ .

5

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«A Comunidade contribuirá para o desenvolvimento de uma educação de qualidade, incentivando a

cooperação entre Estados-membros e, se necessário, apoiando e completando a sua acção […]» (126.1).

E que:

«A Comunidade desenvolve uma política de formação profissional que apoie e complete as acções dos

Estados-membros» (127.1).

Nos mesmos anos foram criadas duas importantes organizações, que hoje

participam activamente na prossecução dos objectivos estabelecidos nas conferências

ministeriais de Bolonha; a EURASHE10, associação europeia das instituições de ensino que

oferecem programas virados para a dimensão profissional, em 1990 e a ESIB (ESU, a

partir de 2007), a União dos Estudantes Europeus11.

Pode-se afirmar que a primeira concretização dos artigos consagrados no Tratado

de Maastricht realizou-se com o lançamento do Programa Socrates em 1994, que reuniu

em um único quadro de financiamento os programas Erasmus, Comenius (para o ensino

primário e secundário), Grundtvig (educação para adultos), Lingua (para o ensino de

línguas europeias) e Minerva (para o ensino em matéria de Tecnologia da informação).

Este programa foi prosseguido com o Socrates II (2000-2006) e, actualmente, pelo

Programa Lifelong Learning (2007-2013), com um budget de acerca 7 bilhões de Euros,

incluindo os já citados Erasmus, Comenius e grundtvig, mais o programa Leonardo da

Vinci, para a formação profissional12.

A assinatura da Convenção de Lisboa em Abril de 199713 deu um forte ímpeto para

o processo de europeização da educação superior. O documento, que define uma serie de

boas práticas para os procedimentos de recognição de títulos de ensino superior

estrangeiros (iremos descrevê-lo mais em detalhe em seguida), é o único, adoptado nos

encontros ministeriais de Bolonha, com valor vinculante para os Estados que o ratificaram.

Para além disso, ao ter sido preparado pelo Conselho da Europa e a UNESCO-CEPES e ao

incluir todos os Estados actualmente pertencentes ao Processo de Bolonha (com a

excepção de Itália e Grécia), recolocou a cooperação europeia em matéria de educação

10 Http://www.eurashe.eu.11 W ww.esib.com . 12 H ttp://ec.europa.eu/education/lifelong-learning-programme/doc78_en.htm (última consulta: 02-04-2012).13 H ttp://www.coe.int/t/dg4/highereducation/recognition/lrc_EN.asp . (última consulta: 02-04-2012).

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superior num plano verdadeiramente continental e não limitado - como tinha-se verificado

nos anos imediatamente anteriores - à União Europeia. É ao estabelecimento dessa

convenção, por outro lado, que deve-se a criação – imediatamente sucessiva – da rede de

centros de informação (ENIC) sobre as questões de recognição académica14, que passou a

colaborar de forma estrita com a já citada NARIC.

Finalmente, na celebração do aniversário da Universidade de Paris, em 1998, os

ministros da educação da França (Claude Allegre), Itália (Luigi Berlinguer), Reino Unido

(Tessa Blackstone) e Alemanha (Jürgen Rüttgers), se reuniram – em 25 de Maio – para

discutir o estado e as perspectivas do ensino superior na Europa. A “Declaração conjunta

sobre a harmonização da arquitectura do sistema de ensino superior europeu” (ou

Declaração da Sorbonne) que desse encontro resultou, pode se considerar como o

verdadeiro impulso inicial do Processo de Bolonha; aqui pela primeira vez fala-se de uma

“área europeia do ensino superior” («An open European area for higher learning»). A

declaração constitui de facto um convite, dirigido aos demais países europeus para

empreender a tarefa da criação de tal espaço; após o levantamento das questões da

mobilidade, da recognição (com uma primeira referência ao sistema de créditos ECTS), da

estruturação do ensino em dois ciclos, da empregabilidade dos formados, é possível ler o

seguinte:

«O aniversário da Universidade de Paris, hoje, aqui na Sorbona, nos oferece uma solene oportunidade

de comprometer-nos com a criação de um Espaço Europeu do Ensino Superior […]. Exortamos os

outros Estados-Membros da União e os outros países europeus para juntar-se a nós no prosseguimento

desse objectivo».

A Declaração de Bolonha (19 de Junho 1999), a distância de um ano, constituiu

substancialmente a resposta a esse convite feito em 25 de Maio de 1998 em Paris.

14 H ttp://www.enic-naric.net/index.aspx?s=n&r=g&d=about (última consulta: 02-04-2012).

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Desde a Declaração de Bolonha à Instituição do Espaço Europeu do Ensino Superior

(1999-2010)

O que de especifico há, na Declaração de Bolonha, em comparação com a da

Sorbonne é o realce no problema da competitividade do sistema de ensino europeu no

panorama internacional e a fixação de um objectivo abrangente - a criação de um Espaço

Europeu do Ensino Superior - dentro de um prazo (2010), através de precisas reformas

harmonizadas ao nível europeu: a adopção de qualificações facilmente legíveis e

comparáveis e de uma estrutura de ensino superior em dois ciclos (estudos graduados e

pós-graduados); a introdução de um sistema de créditos (ECTS); a promoção da

mobilidade, da cooperação europeia em matéria de garantia da qualidade do ensino e da

dimensão europeia do mesmo. Define-se, por outro lado, o caracter intergovernamental do

processo e o princípio do “respeito da diversidade” e das peculiaridades dos vários

sistemas nacionais; a fixação de um prazo (dois anos) para um novo encontro ministerial

sugere a assunção de um compromisso efectivo frente às propostas enunciadas.

Como é evidente, mesmo após o começo desse abrangente processo internacional,

na primeira década do novo milénio se assiste a uma multiplicidade de acções no contexto

da europeização da educação superior; ou seja, as reformas e políticas relativas às

iniciativas empreendidas nas conferências ministeriais de Bolonha se colocam do lado

daquelas mais restritas (em termos de países envolvidos) da União Europeia.

Deve-se notar, por outro lado, que nos dois casos se produziram discursos

consonantes, embora com enfoques distintos. As Conclusões do Conselho Europeu de

Lisboa de 2000 (“Estratégia de Lisboa”)15 - por exemplo - que constituíram o quadro de

políticas de referência para a década 2000-2010, talvez coloquem mais atenção em

questões de caracter “macroscópico”, tal como o financiamento dos sistemas de educação;

todavia as premissas relativas à competitividade e à empregabilidade mostram o elevado

grau de semelhança dos dois discursos. Não se deve esquecer, para além disso, que foi

nessas Conclusões que se introduziu o objectivo – depois assumido pelo Processo de

Bolonha (como veremos) – da “Criação de um Espaço Europeu de Investigação” e as

primeiras considerações relativas à “aprendizagem ao longo da vida” (sucessivamente

15 Às quais seguirá, mais no específico, o plano “Educação e Formação 2010” (ET 2010), da Comissão Europeia.

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incluída na agenda de Bolonha, na linha de acção relativa à “dimensão social do ensino

superior”).

Entre a conferência de Bolonha e a de Praga (Maio de 2001), mais do que a uma

intensiva implementação das linhas adoptadas em Bolonha, se assiste a um processo de

estabilização do Processo e do seu próprio funcionamento. Assim, se é verdade que já são

apreciáveis iniciativas nacionais, sobretudo no que diz respeito à adopção da estrutura em

dois ciclos (Comunicado de Praga: «Towards the European Higher Education Area»,

2001), os desenvolvimentos principais nessa altura dizem respeito, em primeiro lugar, à

expansão dos intentos do Processo, com a inclusão das seguintes (ulteriores) prioridades:

promoção da “aprendizagem ao longo da vida”, “a participação dos estudantes na

governação das instituições” e a “promoção da atractividade do Espaço Europeu do Ensino

Superior” no contexto global (Comunicado de Praga, 2001). Igualmente relevante é a

primeira definição, incluída no Comunicado, do “método de trabalho”, para os actores

envolvidos no Processo (idem; o qual iremos descrever na secção sucessiva).

Finalmente, assiste-se à criação das duas organizações não-governamentais que,

provavelmente, deram a maior contribuição – até o dia de hoje – para o desenvolvimento

das propostas elaboradas ao longo das conferências ministeriais de Bolonha: a Associação

das Universidades Europeias (EUA) e a Rede (hoje “Associação”) Europeia para a

Garantia da Qualidade no Ensino Superior (ENQA). Essa última foi criada em 2000, a

partir de uma ideia que se gerou no âmbito do projecto europeu Evaluating Quality in

Higher Education, de 1994-9516; a primeira, que representa singulares instituições de

ensino de 47 países, foi fundada em Salamanca, no 31 de Março de 2001, através da fusão

da CRE (Associação das Universidade Europeias) e da Confederação das Conferências de

Reitores Europeias17.

A iniciativa Tuning Educational Structures in Europe, como projecto “para ligar os

objectivos políticos do Processo de Bolonha e da Estratégia de Lisboa ao sector do ensino

superior”18, concebida na mesma altura (2000/2001), iria, de facto, constituir uma

plataforma de concepção de ideia valiosas, sobretudo no que diz respeito ao sistema ECTS,

à empregabilidade e à constituição dos “quadros de qualificações” nacionais (dos quais

16 Http://www.enqa.eu/history.lasso.17 Http://www.eua.be/about/at-a-glance.aspx.18 Http://www.unideusto.org/tuningeu/.

9

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trataremos na segunda parte dessa dissertação).

A etapa sucessiva do Processo de Bolonha teve lugar em Berlim, em 19 de

Setembro de 200319, onde 33 ministros da educação europeus, através do comunicado

“Realising the European Higher Education Area”, tomaram conta dos progressos feitos e

fixaram novos objectivos para o prazo bienal venturo.

Trata-se de um documento mais articulado em comparação com os dois

precedentes, a testemunhar a complexificação do próprio processo, que vai incluindo – ao

longo dos anos – novas áreas de intervenção no macro-domínio do ensino superior.

Relativamente as prioridades introduzidas nas precedentes encontros dos ministros, os

aspectos de maior relevância concernem a garantia da qualidade, a arquitectura dos cursos

(1º e 2º ciclo) e a recognição das qualificações: respectivamente, 1) se formula um pedido à

ENQA, de elaborar um conjunto de procedimentos e linhas-guias sobre a garantia da

qualidade no ensino superior; 2) Se fixa o objectivo da criação de “quadros de

qualificações” nacionais que descrevam em detalhe a totalidade de tipologias de títulos

outorgados pelo sistema educativo de cada país; e 3) indica-se 2005 como o prazo para a

difusão integral do Suplemento ao Diploma20.

Com relação aos novos aspectos, temos em Berlim, uma mudança fundamental, já

que se passa da visão da estrutura em dois ciclos para a que prevê uma divisão em três

níveis de educação (actualmente em vigor na maioria dos estados de Bolonha, como

veremos), através da distinção, no âmbito dos estudos pós-graduados, entre mestrado e

doutoramento como etapas sequenciais e não já como alternativas. Está acção, por outro

lado, parece ser o reflexo de uma ligação com a Estratégia de Lisboa que, como já

sublinhamos, contava entre os seus objectivos a instituição de um Espaço Europeu da

Investigação, daí o título da nova linha de acção de Bolonha: «Espaço Europeu do Ensino

Superior e Espaço Europeu da Investigação – dois pilares da sociedade baseada no

conhecimento» (Comunicado 2003).

19 Contudo é importante relatar que em 2002, outro processo teve inicio, sob iniciativa da Comissão Europeia: o de Copenhaga, sobre a cooperação europeia em matéria de educação e formação profissional (http://europa.eu/legislation_summaries/education_training_youth/vocational_training/ef0018_en.htm); esse processo, sob o ponto de vista do funcionamento muito parecido ao de Bolonha, teve prossecução através de mais quatro Comunicados a cadência bienal (após a original Declaração de Copenhaga).

20 «…students graduating as from 2005 should receive the Diploma Supplement automatically and free of charge. It should be issued in a widely spoken European language» (Comunicado 2003).

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A 6 anos da Declaração de Bolonha, em 2005 (Conferência de Bergen) o panorama

do EEES em construção já parece oferecer resultados tangíveis, sobretudo no que diz

respeito à estruturação dos currículos universitários21, à garantia da qualidade do ensino22 e

na Recognição dos títulos23 (Comunicado de Bergen: «The European Higher Education

Area – achieving the Goals», 2005). A inovação, em termos de expansão dos escopos do

Processo, para o período 2003-2005 pode dizer-se limitada; na conferência de Bergen foi

introduzido apenas um tópico original: a “dimensão social”. Trata-se, de facto, de uma área

de grande importância – como constataremos na análise específica do assunto –, mas que

irá desenvolver-se verdadeiramente apenas nos anos seguintes.

Entre as conferências de 2005 e 2007 assiste-se ao surgimento de uma importante

iniciativa por parte da Comissão Europeia: a Agenda de Modernização das Universidades,

enucleada na comunicação de 10 de Maio de 2006 (Comissão Europeia 2006; adoptada o

ano seguinte por resolução [16096/1/07] do Conselho); nessa, partindo da constatação de

que as universidades europeias não conseguem, ao dia de hoje, atingir resultados

congruentes aos seus potenciais, se propõem algumas linhas de acção, na verdade, muito

consonantes com as de Bolonha24: eliminar qualquer tipo de barreira entre as universidades

europeias (promoção da mobilidade, de “qualificações comparáveis”, “currículos flexíveis”

e “fiáveis de garantia de qualidade”), autonomização das instituições de ensino, ligação da

comunidade académica com a empresarial, promoção da empregabilidade, redução do

défice de financiamento e melhoria da atractividade ao nível global (idem).

O tipo de discurso articulado na Agenda de Modernização é evidentemente

reflectido nas premissas do Comunicado “Towards the European Higher education área:

Responding to challenges in a globalised world”, decorrente da conferência ministerial tida

em Londres em 18 de Maio de 2007; mais em particular na referência à autonomia,

diversidade e financiamento adequado das instituições (Comunicado 2007: 1.5). O enfoque

geral da discussão, ainda uma vez, parece centrar-se na questão da garantia da qualidade,

21 Sendo que, no encontro ministerial, se adopta um Quadro de Qualificações Europeu, contendo uma descrição genérica dos três ciclos de ensino e se fixa 2010 como prazo para a elaboração dos mais detalhados quadros nacionais.

22 Com a adopção dos “Standards and Guidelines” (ENQA 2005) “encomendados” dois anos antes.23 Com a adopção da Convenção de Lisboa por parte de 35 dos 37 estados participantes.24 Encontra-se, alias, explicita referência ao Processo na Comunicação: «Deveria ser feito um esforço

importante para levar a cabo as principais reformas de Bolonha até 2010 em todos os países da UE» (ibidem: 5).

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com o convite dirigido ao grupo “E4” (EUA, EURASHE, ENQA, ESU) para instituir um

Fórum Europeu sobre a Garantia da Qualidade de recorrência anual (ibidem: 2.12) e para

desenvolver a concepção de um Registo Europeu das agências de garantia da qualidade no

ensino superior (cuja criação iria ter lugar o ano seguinte25).

2007 é também o ano da adopção da estratégia “O Espaço Europeu do Ensino

Superior no Cenário Global” (ibidem: 2.20), sugerida pela constatação do “considerável

interesse” suscitado pelo Processo em outras regiões do mundo e cuja dimensão prática

visada seria a aplicação dos princípios da Convenção de Lisboa a qualificações outorgadas

em países terceiros (ibidem: 3.6).

Tema central da Conferência de 200926 (“The Bologna Process 2020 – The

European Higher Education Area in the new decade”, Leuven e Louvain-la-neuve, 28-29

de Abril) pode ser considerada a, já citada, “dimensão social” (ponto 9), claramente

associada ao objectivo de tornar a população estudantil representativa da população

europeia na sua totalidade, implicando, portanto, acções de inclusão dos grupos sub-

representados; isso deveria ter, antes de mais, em conta o critério da idade, logo da inclusão

das faixas populacionais de idade superior aos 28-30 anos, o que corresponde –

substancialmente – ao escopo das estratégias de “aprendizagem ao longo da vida” (ponto

10).

No que mais interessará para a terceira parte dessa dissertação, por outro lado,

deve-se relembrar que a conferência de 2009 foi a em que se introduziu o Bologna Policy

Forum, como encontro entre os ministros europeus e os de outras regiões do mundo, assim

como varias organizações internacionais. Este pode-se, de facto, considerar como uma

plataforma de discussão da reforma de harmonização do ensino superior a nível global.

Uma última questão diz respeito à equívoca questão das “instrumentos

multidimensionais de transparência” (da qual tratar-se-á na segunda parte), também

introduzida na conferência de 2009, a qual – por outro lado - não foi esclarecida no

seguinte encontro dos ministros da educação europeus, em Budapest e Viena (12 de Março

de 2010).

25 H ttp://www.eqar.eu/ . 26 Na qual, como é evidente, encontram-se os reflexos da recente crise financeira (ponto 3) e as

consequentes preocupações relativas ao financiamento do ensino superior (ponto 23).

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Este último teve, por outro lado, um caracter muito diferente daquele dos encontros

precedentes: em primeiro lugar o documento resultante é uma Declaração (não um

Comunicado); mais do que uma discussão em torno das políticas para o ensino superior,

esse encontro tinha como objectivo o lançamento oficial do Espaço Europeu do Ensino

Superior (Declaração: 1), como previsto pela Declaração de Bolonha uma década antes e a

reafirmação dos princípios básicos do processo de reforma do ensino superior: o respeito

da diversidade dos sistemas educativos, própria do cenário europeu (4), a liberdade

académica, a autonomia e responsabilidade pública das instituições (8), a participação dos

estudantes na tomada de decisão nas instituições (9), o carácter público do ensino superior

e o seu papel na promoção da democracia e da coesão social (11, 8), o reconhecimento de

quatro funções principais para o mesmo (preparação para a vida profissional, para a “vida

democrática”, desenvolvimento pessoal do estudante e avançamento do conhecimento; 9),

e finalmente, o desenvolvimento de um método didáctico “centrado no aluno” (10).

No momento em que se escreve, de facto, está-se à espera da 8ª conferência

ministerial do Processo de Bolonha, prevista para 26-27 de Abril de 2012 (em Bucareste)27,

após a qual será possível avaliar os possíveis desenvolvimentos das políticas para o ensino

superior na Europa dos próximos anos. A apresentação, nessa mesma ocasião, das

reportagens mais actualizadas sobre o Processo deveria, por outro lado, permitir ter um

olhar mais acurado sobre o estado de implementação das linhas de reforma até o momento

concordadas28.

Tentaremos analisar, agora, um outro aspecto introdutório, para uma análise

completa do fenómeno “bolonhês”: o efectivo método de funcionamento e de governação,

ou seja os mecanismos que levam ao cumprimento das tarefas práticas nos períodos entre

as diferentes conferências ministeriais.

27 Veja-se: Http://bologna-bucharest2012.ehea.info/ (última consulta: 24-05-2012).28 Com relação aos dados já existentes, tentaremos – nessa dissertação – avaliar o grau de concretização das

reformas apenas na segunda parte, com respeito a cada uma das linhas de acção.

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1.2) O Processo de Bolonha: funcionamento, governação, actores envolvidos

Para F. Antunes, o Processo de Bolonha «inaugura uma fase e constitui uma

modalidade inédita na regulação supranacional da educação» (2005: 134), não só pelo

amplíssimo alcance geográfico, mas também pela sua “configuração organizacional”,

baseada em conferências (as “ministeriais”) intergovernamentais e em estruturas e grupos

de seguimento não permanentes e minimamente burocratizados; acabando por ser actores –

pelo menos formalmente – externos (outras organizações internacionais activas no campo

do ensino superior), os verdadeiros motores do inteiro processo (idem).

Costuma-se aplicar à análise dos mecanismos de governação do PB o modelo do

Método Aberto de Coordenação29, mas com um caracter de acrescentada “não-

institucionalização”, que leva a uma verdadeira separação dos contextos supranacional e

nacional, sendo apenas esse último o possível âmbito de implementação (F. Antunes 2005:

135). De facto, também para C. A. King, Bolonha «é um processo muito dinâmico que não

pode ser explicado a partir de um único quadro teorético» (2008: 9). Será oportuno,

portanto, analisar em detalhe o objecto de discussão, para, afinal traçar uma interpretação

do modelo “bolonhês”.

Funcionamento do Processo de Bolonha: encontros ministeriais e seguimento (“Follow-

up”)

A primeira definição de uma estrutura de seguimento para o Processo encontra-se

no Comunicado de Praga de 200130; aqui se expressa a necessidade da criação de um

“grupo de seguimento” («follow-up group») e de um “grupo de preparação” («preparatory

group»; Comunicado 2001): o primeiro seria composto de representantes de todos os

estados que assinaram a declaração, dos que aderiram em seguida e da Comissão Europeia,

sendo presidido pelo Estado que detém a presidência da União Europeia (rotação de 6

29 Definido, pela Comissão Europeia (in F. Antunes 2005: 130), como «um novo meio de fomentar a convergência das políticas nacionais para objectivos comuns […através da] comparação e aprendizagem mutuas com recurso a uma gama de indicadores, valores de referência, intercâmbio de boas práticas, avaliações pelos pares»; e que portanto «exclui quer a imposição dos fins quer a definição das medidas concretas a serem aplicadas» (idem).

30 Em Bolonha apenas definiu-se o carácter intergovernamental do Processo e o prazo de dois anos para o sucessivo encontro ministerial (Declaração 1999).

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meses). Fariam parte, ao invés, do grupo de preparação, representantes dos países que

hospedaram os precedentes encontros ministeriais, o representante daquele em que terá

lugar o encontro sucessivo (este será presidente do grupo de preparação), quatros estados

(2 UE e 2 não-UE) elegidos pelo grupo de seguimento, a presidência da UE e a Comissão

Europeia.

Neste mesmo comunicado oficializa-se também o papel das organizações

internacionais envolvidas no campo do ensino superior: Associação das Universidades

Europeias (EUA), Associação Europeia das Instituições de Ensino Superior (EURASHE),

as Uniões Nacionais dos Estudantes na Europa (hoje reunidas na ESU: Organização dos

Estudantes Europeus) e o Conselho da Europa; estas “deveriam ser consultadas ao longo

do trabalho de seguimento” (Comunicado 2001). Institui-se, inclusive, a prática do

“seminário de Bolonha”, como meio de prossecução das políticas visadas (idem)31. Por

outro lado, não deve-se esquecer que, para além dessas iniciativas oficiais, existe um

grande número de iniciativas de alcance nacional (por exemplo: instituição de grupos de

coordenação de Bolonha, ou simplesmente de centros de informação sobre o assunto), ou

até institucional, de grande significado para o progresso da discussão política32, cuja

descrição completa, como afirma P. Zgaga (2003: 25), constituiria uma tarefa impossível.

Antes da conferência de Berlim houve, para além do debate em torno das próprias

linhas de reforma do ensino, discussões sobre as modalidades de funcionamento do

processo; o conteúdo dessas é relatado numa reportagem submetida à Conferência de

Berlim (2003; ibidem: 35-36; 50-54).

Um dos aspectos tratados consiste nas regras de adesão ao Processo por parte de

novos estados; isso de facto gerou ideias divergentes sobre a própria natureza do Processo

de Bolonha, como: 1) uma estrutura mais ou menos formal, com o objectivo da criação de

um Espaço Europeu do Ensino Superior com uma serie de características comuns aos

estados que o compõem; 2) um processo em direcção de um objectivo comum abrangente,

deixando espaço para práticas específicas diferenciadas; ou 3) como um simples “exemplo

31 Os seminários, no período entre a conferência de 2001 e de 2003 foram, no total, dez, distribuídos entre seis áreas de discussão (garantia da qualidade, recognição das qualificações e sistemas de créditos, graduações conjuntas [«joint degrees»], estrutura do ensino universitário, a dimensão social do Processo de Bolonha e aprendizagem ao longo da vida; P. Zgaga 2003: 7).

32 Veja-se, por exemplo o importantíssimo projecto Tuning Educational Structure in Europe, nascido sob iniciativa de um grupo de instituições europeias (P. Zgaga 2003: 28).

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de boas práticas” (ibidem: 36).

A adopção, no Comunicado de Berlim, da cláusula sobre a necessidade, por parte

dos estados que pedem adesão, de declarar a sua vontade para implementar os objectivos

estatuídos, aponta – de facto – para a segunda opção, como escolha maioritária no contexto

ministerial. Em termos práticos, nesse mesmo comunicado, define-se a pertença à

Convenção Cultural Europeia de 1954 como condição para a elegibilidade de novos países

a membros do PB, para além da redacção de um pedido contendo informação sobre a

futura implementação dos princípios e objectivos da Declaração de Bolonha (Comunicado

2003).

Baseado nas mesmas considerações (as três diferentes interpretações do

“processo”) esteve o debate sobre o desenvolvimento da estrutura de seguimento, que deu

lugar a três propostas: 1) a manutenção do modelo definido em Praga, com as

responsabilidades do grupo de seguimento e de preparação maiormente definidas; 2) a

manutenção do esquema de presidência rotativa, mas com a instituição de um secretariado

permanente; e 3) a instituição de uma presidência e de um secretariado permanentes (P.

Zgaga 2003: 52-53).

A opinião da maioria dos participantes no debate (identificável com a segunda

opção), foi tida em consideração na conferência ministerial de Berlim, que deu como

resultado uma nova definição do mecanismo de seguimento, a qual previa o seguinte: 1) a

manutenção do grupo de seguimento, acrescentado de um vice-presidente (para o país em

que teria lugar a conferência sucessiva) e de um membro consultivo (UNESCO/CEPES);

2) a criação de um Conselho («board»), composto pelo país com o cargo da presidência da

UE (presidente), o que iria hospedar o sucessivo encontro ministerial (vice-presidente), o

precedente e seguinte presidentes da UE, três estados participantes, eleitos pelo grupo de

seguimento, a Comissão Europeia e quatro membros consultivos (Conselho da Europa,

EUA, EURASHE, ESU); 3) A instituição de um Secretariado, prestado pelo país

organizador da sucessiva conferência ministerial (Comunicado 2003).

O papel desse último foi sucessivamente definido, como incluindo as seguintes

funções: suporte administrativo e operacional para o grupo de seguimento e o relativo

Conselho; suporte aos grupos de trabalho específicos (para cada linha de acção); criação e

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manutenção de um site e de um arquivo; actuar como centro de comunicação interno e

externo; actuar como representante nos eventos externos (Bologna Follow-up Group 2007:

5).

Finalmente, a de Berlim é a conferência em que se introduziu a prática de

“balanço” («stocktaking») dos progressos atingidos, sob a responsabilidade do grupo de

seguimento, como meio para obter informação sobre o estado das singulares linhas de

reforma e – eventualmente – corrigir a metodologia e políticas utilizadas (Comunicado

2003). Assim, em Março de 2004, um grupo de trabalho específico (para o stocktaking) foi

constituído pelo grupo de seguimento; esse organizou o seu trabalho em consonância com

a EUA, ESU e EURYDICE, organizações já activas no campo dos inquéritos sobre os

sistemas de ensino superior ao nível europeu (Bologna Follow-up Group 2005: 35).

Nas sucessivas conferências de Bergen (2005) e Londres (2007) não foram

introduzidas mudanças na estrutura de apoio do Processo; apenas na de Bergen foram

incluídas, como membro de consultação, as seguintes organizações: Education

International (EI), a Associação Europeia para a Garantia da Qualidade no ensino superior

(ENQA) e a União das Confederações Europeias dos Industriais e Empregadores (UNICE;

Comunicado 2005). Todavia há, no segundo Comunicado (Londres 2007), algumas

observações e um pedido para o grupo de seguimento, relativamente as questões em causa:

«Nós [os ministros] pedimos ao grupo de seguimento de considerar ulteriores desenvolvimentos para o

EEES após 2010 e de relata-los no próximo encontro ministerial em 2009. Deveriam ser incluídas

propostas sobre apropriadas estruturas de apoio, tendo em conta que os actuais esquemas colaborativos

informais estão a funcionar eficazmente e têm gerado mudanças sem precedentes.» (Comunicado 2007:

4.3).

As mudanças introduzidas pelo Comunicado de Leuven (2009), concretizaram, de

facto, as propostas (algumas delas) relatadas pelo grupo de seguimento33: «no futuro o

Processo de Bolonha será co-presidido pelo estado presidente da UE e por um estado que

não é membro da União» (Comunicado 2009: 24); «o grupo de seguimento estabelecerá

ligações com experts e legisladores em outras áreas, tais como, investigação, imigração,

33 Veja-se: Benelux Bologna Secretariat 2010: 26.

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segurança social e emprego» (ibidem: 25)34. A sugestão de criação de um site permanente e

“neutral”35, embora não explicitamente mencionada no Comunicado, foi aceite

(http://www.ehea.info/). Ao invés, não parecem ter tido consideração por parte dos

ministros, até o momento, as sugestões relativas à mudança (ainda que leve) da estrutura e

funções do Secretariado e do Conselho (Benelux Bologna Secretariat 2010: 26).

Finalmente, em Leuven e Louvain-la-neuve, redefiniram-se as modalidades de

reportagem sobre o progresso das reformas, que deveriam puder ser apreciadas apenas

após a iminente Conferência de Bucarest: visou-se uma integração, numa única

reportagem, dos trabalhos do Grupo de Seguimento (stocktaking), Eurostat e Eurostudent

(Comunicado 2009: 27).

O papel das organizações internacionais no Processo de Bolonha

O de Bolonha é um processo de caracter intergovernamental e, portanto, não

vinculante para os estados (com a excepção da Convenção de Lisboa, oficialmente

adoptada no processo); é aos contextos nacionais e – no limite da sua variável autonomia –

às instituições que se remete, afinal, a implementação das reformas propostas. Todavia, a

opinião – que já relatamos – de F. Antunes é que, na prática, o dinamismo do processo é

preponderantemente determinado pela acção de alguns organismos internacionais (2005:

134). Claramente cada uma dessas organizações, ao par dos ministérios da educação dos

estados participantes, está envolvida na actuação das tarefas “normais” levadas a cabo nos

períodos entre as conferências ministeriais; nomeadamente, na preparação de seminários

em que se exploram os tópicos ao centro da agenda de Bolonha. Todavia é possível

identificar uma serie de iniciativas próprias que definem o particular caracter e intensidade

de participação de cada uma delas.

Primeira entre todas, a União Europeia – mais em particular através da Comissão –

actua fortemente a favor do “programa bolonhês”. Um catálogo de todas as iniciativas e

projectos promovidos pela UE, relevantes também para o Processo, é disponível num

34 De maneira a possibilitar uma acção radical em todo o que concerne a atractividade do EEES e a sua abertura internacional (imigração), a mobilidade do pessoal académico e de investigação (segurança social) e a empregabilidade.

35 Os sites precedentes levavam o domínio www do país organizador da conferência ministerial (http://www.bologna-bergen2005.no/; http://www.ond.vlaanderen.be/hogeronderwijs/bologna/).

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documento do titulo: «As contribuições da União Europeia para o Processo de Bolonha»

(UE 2009: 22-27). Nos limitaremos a relatar as que consideramos mais significativas,

sendo que algumas já mencionamos na primeira parte desse capítulo.

Em primeiro lugar falta notar que a União é o único agente não estatal que goza da

categoria de “participante” (e não de “membro consultivo”, ou “observador”) no

Processo36. As razões de um tão profundo envolvimento devem-se – ao que parece – ao

facto, evidente, de que a União detém um poder efectivo na moldagem efectiva dos

sistemas educativos de 27 (dos 47) estados participantes no Processo e de que as

problemáticas relativas a esse domínio, na visão das suas instituições principais (Comissão,

sobretudo), tornaram-se muitíssimo relevantes na última década. Podemos ler, num

relatório submetido à Conferência de Praga (2001), que:

«O “club de Bolonha” e a União Europeia não têm a mesma composição, mas muitos princípios são

aplicáveis em ambos os casos […]. Embora o Processo de Bolonha foi iniciado principalmente como

um processo intergovernamental, há um evidente e crescente convergência com os processos próprios

da União Europeia […]. O Processo de Bolonha encaixa na mais abrangente agenda definida pelo

Conselho Europeu de Lisboa em Março de 2000» (ibidem: 7-8).

Como já realçamos precedentemente, por outro lado, existe uma evidente ligação entre o

PB e o Processo de Copenhaga, iniciado em Dezembro de 2002.

Mais em concreto, poderá dizer-se que, talvez, a maior contribuição proporcionada

pelas instituições europeias consiste na elaboração do sistema de créditos adoptado no

Processo: o ECTS, desenvolvido, inicialmente como projecto-piloto, no contexto do

lançamento do programa de mobilidade ERASMUS; a este, que em si mesmo, como é

óbvio, constitui um forte ponto a favor da linha de acção relativa à mobilidade37, pode-se

juntar, numa perspectiva de promoção da atractividade do EEES, o programa Erasmus

Mundus, que atrai um número significativo de estudantes de outras regiões do mundo

(Bologna Follow-up Group 2005: 46).

36 Razão pela qual, como qualquer outro estado participante, a União, através do Direcção Geral para a Educação e a Cultura submete “relatórios de progresso” que abrangem todas as linhas de acção do Processo (Zgaga 2003: 18).

37 Juntamente a outros programas parecidos, mas menos conhecidos, integrados no programa Lifelong Learning 2007-2013.

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De uma maneira geral, parece que a União está sobretudo focada nas linhas de

acção que mais concretamente constituem o EEES: os quadros de qualificações (já a

Comissão foi responsável para a redacção de um European Qualification Framework for

Lifelong Learning pan-europeu, em 2005), cuja realização ao nível nacional está a receber

um impulso importantíssimo por parte de uma iniciativa financiada e promovida pela UE

(Tuning Educational Structures in Europe); a recognição das qualificações, através dos

mesmos ECTS, do Suplemento ao Diploma (que já mencionamos) e da rede NARIC, de

centros nacionais de informação sobre a recognição de títulos académicos. Complementar

à questão da recognição é, por outro lado, a cooperação e harmonização em matéria de

garantia da qualidade, como meio para fomentar a confiança entre instituições a nível

europeu; também nesse sentido a Comissão tem sido activa, sobretudo com a criação de

“etiquetas de qualidade” para determinadas áreas de ensino e promovendo a cooperação

nesse domínio entre os seus estados membros (Bologna Follow-up Group 2005: 44);

também muitas das actividades da ENQA encontram o apoio da UE (idem).

Finalmente, a Comissão, joga um papel muito importante no que diz respeito à

recolha de dados sobre sistemas de ensino superior, em particular, através da rede

EURYDICE, mas também apoiando os projectos de recolha e processamento de

informação da Associação das Universidades Europeias (a serie Trends) e da União

Europeia dos Estudantes (Bologna with students’ eyes; ibidem: 46).

O Conselho da Europa e o Centro Europeu para o Ensino Superior da UNESCO

(UNESCO-CEPES) parecem ser organizações caracterizadas por uma agenda algo

parecida no contexto do Processo; provavelmente isso dever-se-á, à natureza similar das

duas próprias organizações, ambas de alcance pan-europeu, viradas fortemente para o

diálogo ao nível global.

As suas acções têm um enfoque mais específico, em comparação com o da União

Europeia e centram-se, sobretudo, na questão da recognição das qualificações: as duas, em

conjunto, foram responsáveis para a introdução da Convenção de Lisboa de 1997 e para a

subsequente criação da Rede pan-europeia ENIC (para a qual as duas organizações

fornecem um Secretariado; Bologna Follow-up Group 2005: 47). Em segundo lugar as

duas organizações detêm um papel importantíssimo no domínio da “dimensão externa” do

Processo de Bolonha, em duas vertentes diferenciadas: numa dimensão europeia, fazendo

20

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de ponto de contacto entre os estados do Processo e os elegíveis como membros e

fornecendo apoio para esses últimos, na preparação de um programa de reforma e do

pedido de adesão; ou, num sentido mais radicalmente “externo”, promovendo o Processo

de Bolonha no contexto global, em virtude da sua presença em fóruns internacionais, (P.

Zgaga 2003: 8, 21; Bologna Follow-up Group 2005: 47-48).

Outros membros consultivos do Processo de Bolonha são organizações de

“dimensões” certamente menos relevantes e de criação mais recente (a partir dos anos 90),

mas com um papel decisivo no desenvolvimento de políticas no campo da educação

superior, devido à sua vocação particular nessa área: referimo-nos sobretudo à Associação

das Universidades Europeias (EUA), à União dos Estudantes Europeus (ESU) e à

Associação Europeia das Instituições de Ensino Superior (EURASHE).

A maior contribuição dessas três organizações consiste, indubitavelmente, na

criação, desenvolvimento e difusão de ideias relativas aos pontos da agenda de Bolonha,

através de seminários e publicações (P. Zgaga 2003: 8-9)38; de escopo mais reduzido são,

normalmente, as discussões animadas pela EURASHE, como reflexo dos interesses mais

específicos da organização, cujo estatuto prevê um papel de representação das instituições

de tipo “profissional” (P. Zgaga 2003: 22)39.

A discussão animada pelas outras duas instituições é, portanto de caracter mais

amplo, com destaque para a “dimensão social do ensino superior” e a mobilidade, no caso

da associação estudantil (ibidem: 24-25), e para a qualidade do ensino40 e a investigação41.

A Associação das Universidades Europeias joga um papel fundamental na implementação

concreta das linhas de reforma, dado o grande número de instituições que essa associação

representa e o facto de, muitas dessas, gozarem de grande autonomia, mesmo em relação a

muitas das políticas que fazem parte do programa de Bolonha. Finalmente essas duas

organizações estão activas em projectos de recolha e processamento de informação sobre

38 É forçoso notar, a esse respeito, a publicação do EUA Bologna Handbook (EUA 2006), um verdadeiro “manual de Bolonha”, para instituições, estudantes e pesquisadores, que utilizaremos amplamente como subsidio bibliográfico na nossa discussão.

39 Por esse motivo (e pela relevância que esse tipo de qualificações detêm no domínio do ensino superior profissional), essa organização “coloca em realce sobretudo as questões relativas ao ensino superior de curta duração”, no contexto do primeiro ciclo (ibidem: 23).

40 Veja-se, a esse propósito, o Quality Culture Project (ibidem: 30).41 Relevante, nesse sentido, foi o Seminário de Salisburgo sobre o terceiro ciclo (3-5/02/2005), que produziu

recomendações (EUA 2005) amplamente aceites no discurso relativo ao Processo.

21

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os sistemas de ensino superior na Europa (cujas últimos resultados publicados são os

seguintes: Blättler e Santa 2010; Sursock e Smidt 2010), que abrangem todas as linhas de

acção consagradas nos comunicados de Bolonha e, portanto, tidos em ampla consideração

ao longo das conferências ministeriais.

Outras três organizações foram incluídas mais de recente no trabalho de

seguimento, de forma a lidar de melhor maneira com as questões da garantia da qualidade,

da empregabilidade dos estudantes e da “estratégia global” do PB, respectivamente: a

European Network of Quality Assurance Agencies (ENQA), responsável para a redacção

dos “Estândares e linhas-guia para a garantia da qualidade no Espaço Europeu do Ensino

Superior” (ENQA 2005; Bologna Follow-up Group 2007: 26); BusinessEurope, através da

qual foi instituído uma importante ligação entre o Processo e um grande número de

empregadores em variadas áreas (ibidem: 21); e Education International (EI), a qual

«utilizou o seu alcance global para identificar as implicações e percepções do Processo de

Bolonha em outras regiões do mundo» (ibidem: 24).

A interpretação do “modelo bolonhês ”

Tendo em consideração as questões que temos levantado até agora, parece possível

afirmar, de acordo com Beerkens e seus colegas (2010: 94), que o mecanismo de

funcionamento do Processo de Bolonha é bastante complexo; trata-se de um processo

intergovernamental que visa à “harmonização” (Declaração 1999) dos sistemas nacionais

de ensino superior europeus, assente em diferentes “níveis” de actuação: as conferências

dos ministros responsáveis para tais sistemas, em que se concordam objectivos comuns;

um grupo de seguimento, ainda de composição intergovernamental, que – de facto –

propõe modelos práticos de implementação de tais objectivos e avalia o progresso de

concretização das reformas; e dois espaços de efectiva implementação: os (diferentes)

níveis nacionais, já que qualquer reforma proposta é, afinal, actuada através de legislação

nacional (se exceptuarmos a Convenção de Lisboa sobre a recognição das qualificações); e

o institucional, já que muitas áreas de reforma (em alguns casos e de maneira parcial)

ultrapassam a dimensão nacional, caindo no domínio autónomo das instituições de ensino

(idem).

22

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O modelo de governação – se assim o podemos chamar – de Bolonha, já levantou,

por causa dessas suas peculiares características, bastante interesse na comunidade

académica.

A. Nagel vê na “internacionalização”, devida à “exposição à governação da UE”, e

na “privatização”, devida à intervenção significativa (se não preponderante) de actores

sociais particulares (as organizações que acabamos de descrever), como os caracteres

distintivos do Processo – que formalmente seria apenas um acorde intergovernamental

(Nagel 2007: 2). Ele nota que, na “rede de Bolonha”, «não há apenas uma sobreposição das

esferas públicas e privadas, mas também um concerto hibrido de actores supranacionais,

nacionais e regionais», o que leva-o a defini-lo como um «“bazar”, mais do que um

ambiente burocrático» (ibidem: 21). Veremos que a conclusões parecidas chegam também

outros autores.

B. G. Haskel, ao considerar os grandes progressos na europeização do ensino

superior, na última década, põe-se duas perguntas: 1) como é possível que um Processo

“tão fraco” levou tão rapidamente a mudanças tão profundas nos contextos nacionais? E 2)

De que maneira a Comissão chegou a ter um papel de direcção nesse processo? (2008:

introdução). Para responder à primeira pergunta, a autora serve-se da noção de “imperativo

de coordenação” (idem), que no caso do PB viria a significar o seguinte:

«O facto dos “quatro grandes” terem concordado sobre algo actuou como “massa crítica”. O acordo dos

quatro maiores e mais influentes estados [Alemanha, França, Itália e Reino Unido, na Sorbona]

constituiu incentivo para os outros para se juntarem na iniciativa. Porque? A única sanção potencial

seria “ficar de fora”, quando muitos e/ou importantes outros países estão “dentro”» (ibidem: 2-3).

Por outro lado, para além da “massa crítica” determinada pelo acordo entre as “quatro

grandes” de Europa, o intenso grau de participação e, portanto, a rapidez da mudança

foram determinados pelo caracter flexível do acorde internacional, cujo discurso insiste na

salvaguarda das diferentes tradições nacionais no ensino superior (ibidem: 3). A esse

propósito, ainda, C. A. King realça o poder “legitimante” do Método Aberto de

Coordenação, o qual – nota o autor – embora nunca formalmente declarado como o

método de coordenação do Processo, ficou – de facto – imediatamente associado a esse,

23

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pelas características próprias do método de seguimento (2008: 54).

Com relação à segunda pergunta formulada (a relativa ao papel da Comissão) o

argumento é o seguinte: o caracter intergovernamental do Processo de Bolonha foi logo

percebido como inefectivo para a concretização dos objectivos, “criando um implícito

anseio de liderança” ao qual a Comissão respondeu prontamente (Haskel 2008:

introdução), promovendo, através do seu discurso político, uma hibridação das agendas de

Bolonha e de Lisboa (Haskel 2008: 10; King 2008: 5), que passaram a ser

espontaneamente associadas.

A Comissão teria gozado, por outro lado, do apoio de várias organizações

particulares; primeiramente a EUA, com a qual – em virtude da extrema consonância em

termos de políticas42 – a Comissão instituiu uma verdadeira “aliança” (Haskel 2008: 5),

que – mais em geral – pode estender-se a todos os grupos de experts no campo do ensino

superior. É de alguma forma o que sugere também A. Nagel, ao afirmar que o Processo de

Bolonha rege-se sobre trocas de “declarações legitimantes”, sobretudo procedentes de

actores “privados” para “públicos” (2007: 1), sendo que:

«No conjunto, a rede política do Processo de Bolonha é caracterizada por relações de interacção

simbólica (legitimação, informação e cooperação geral), mais do que por transacções materiais ou

explicitas relações de poder» (ibidem: 12).

Para concluir essa secção, e para confrontar as ideias levantadas com instâncias

concretas, nos parece oportuno relatar os resultados de algumas entrevistas efectuadas em

2009 com representantes do Grupo de seguimento, sobre as dinâmicas de administração do

Processo (Beerkens et al. 2010: 94).

A imagem geral que se gera parece, de facto, bastante congruente com aquela

proposta por Nagel, ao utilizar a metáfora do “bazar”:

«A grande maioria dos entrevistados vê o Processo de Bolonha como um fórum onde todos os países

podem trazer as suas próprias iniciativas e discutir as questões livremente […]. O Processo de Bolonha

foi regularmente colocado em contraste, pelos entrevistados, com as estruturas da União Europeia sobre

42 Jogou aqui um papel fundamental a questão da autonomia das instituições de ensino, requerimento primário da EUA (Haskel 2008: 12).

24

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a educação […]; essas tendem a ser descritas como formais e não tão participadas» (ibidem: 96).

Essas características fizeram com que – no parecer dos entrevistados – o Processo se

tornasse mais “atractivo” (idem): nota-se, de facto, um intenso envolvimento por parte dos

representantes das universidades e dos estudantes, assim como um sentido geral de “posse”

do Processo, por todas as partes interessadas (ibidem: 10). Verifica-se, pois, que essa

natureza “informal” do processo, ou falta de burocratização (juntamente com o “respeito

da diversidade” e a sua dimensão “continental”), é percebida como a maior virtude desse

fenómeno político (ibidem: 98). Essas características contribuiriam para fomentar uma

“pressão pelos pares” (ibidem: 99), que torna possível a concretização dos objectivos

concordados.

Claramente, dúvidas surgem sobre a eficiência desse modelo no futuro, se tivermos

em consideração o cada vez mais profundo grau de integração que irá se requerer por parte

dos sistemas educativos nacionais. Já vimos que na conferência de Leuven/Lovain-la-

neuve, vistos os sucessos alcançados, considerou-se oportuno modificar “só levemente” a

estrutura de seguimento; todavia é essa uma ideia que poderia vir a mudar no futuro. Já

existem, de facto, propostas para transformar o PB numa «instituição com uma assembleia

geral permanente e eleita para dominar a agenda e enfrentar as questões políticas à medida

que surjam» (King 2008: 60).

Iremos, no próximo capítulo, analisar de maneira detalhada o “conteúdo” do

Processo de Bolonha, ou seja, cada uma das “linhas de acção” no âmbito do ensino

superior concordadas ao longo das conferências ministeriais, levando em consideração as

propostas formuladas naquele contexto e tentando fornecer uma panorâmica da situação

europeia, relativamente às áreas particulares consideradas. Essa parte constitui uma

ferramenta indispensável para a interpretação dos estudos de caso que proporemos na

terceira parte.

25

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II

O Processo de Bolonha: conteudos programáticos (linhas de acção)

2.1) A estrutura do ensino superior e o Sistema Europeu de Transferência e

Acumulação de Créditos (ECTS)

A descrição das linhas de reforma empreendidas sob o Processo de Bolonha deve

ter em consideração primeiramente o mais abrangente aspecto da estrutura do ensino

superior, em termos de tipologias de cursos. Tal aspecto não pode ser tratado se não em

conjunção com outro, de capital importância para qualquer consideração relativa à

estrutura acima referida: o Sistema Europeu de Transferência e Acumulação de Créditos

(ECTS). Poderíamos, de facto, elaborar uma metáfora arquitectónica, pela qual o cenário

“urbano” do Espaço Europeu do Ensino Superior, seria composto por uma variedade de

edificações, com funcionalidades diferentes (os cursos), construídas a partir dos mesmos

materiais e com os mesmos instrumentos (ECTS).

Estrutura do ensino e os Quadros de Qualificações

Costuma-se dizer que o ensino superior, na europa, está baseado sobre uma

estrutura em três ciclos, conhecida também como “modelo LMD” (Licenciatura, Mestrado,

Doutoramento). Trata-se de um esquema de graus sequenciais, pelo qual a obtenção do

primeiro (licenciatura) da acesso, para o estudante, ao segundo grau (mestrado) e assim a

seguir para o terceiro (doutoramento). Em 2010, o 95% das instituições de ensino superior

na Europa tinham implementado este tipo de estrutura (Sursock e Smidt 2010: 33) e essa

reforma (em 2003 a percentagem de instituições com essa característica era de 53%; idem)

constitui, muito provavelmente, a faceta mais visível do processo de reforma empreendido

com a Declaração de Bolonha .

Antes dessa Declaração, a questão da organização dos cursos era de natureza

26

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exclusivamente nacional e não havia qualquer esforço de convergência a nível continental

(Beerkens, Cremonini, Huisman et al., 2010: 24), sendo consequência disso uma absoluta

fragmentação e diversidade dos cursos oferecidos na Europa, com óbvias dificuldades na

comparabilidade e recognição das qualificações.

A preocupação relativa à necessidade de criar convergência para uma espécie de

estrutura-modelo europeia encontra-se expressada já na Declaração de Sorbona (1998),

onde se prospecta a possibilidade da generalização de um sistema baseado em dois ciclos:

estudos graduados (licenciaturas) e pós-graduados (mestrados e doutoramentos). Essa

visão torna-se propriamente um objectivo na Declaração de Bolonha (1999) e, a partir daí,

encontrar-se-á sempre ao centro da agenda dos sucessivos encontros ministeriais; em

particular no de Berlim (2003), onde se opta para a inclusão do doutoramento no “terceiro

ciclo”, com características bastante diferentes respeito aos primeiros dois (e ao qual, por

isso, dedicaremos um espaço reservado).

De forma genérica, pode-se dizer que a adopção de um sistema em dois ciclos (logo

em três) serve os fins e os objectivos da “comparabilidade” e da “compatibilidade” dos

títulos académicos europeus, fundamentais, por sua vez, para o objectivo (contemplado nos

princípios básicos da UE) da liberdade de movimento de estudantes e trabalhadores no

continente.

De forma mais detalhada, em um artigo de 2006, Christian Tauch, explica as razões

para a adopção de tal modelo43. Segundo o autor, durante a década de 90 do século

passado, alguns governantes europeus começaram a identificar na estrutura dos currículos

académicos do próprio país (diferente da dos demais países extra-europeus que já tinham

adoptado um esquema baseado sobre ciclos) a causa dos problemas do sistema nacional de

ensino superior, nomeadamente: a longa duração dos estudos (“amiúde 7-8 anos para

cursos de duração nominal de 5 anos”) e, consequentemente, os custos (públicos e

privados) elevados, a dificuldade na recognição dos títulos a nível internacional (e portanto

o decréscimo de estudantes estrangeiros), taxas de abandono elevadas, elevados graus de

desemprego entre graduados, falta de flexibilidade e adaptabilidade dos programas de

43 Antes de expor as considerações propriamente empíricas, Tauch importa-se de responder às críticas de “americanização do ensino superior”, salientando a histórica origem europeia do modelo de dois ciclos, que, desde o medioevo, estava na base do funcionamento das primeiras universidades europeias, os quais costumavam atribuir os títulos de baccalaureus e magister (Tauch 2006: 2).

27

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estudo (Tauch 2006: 2-3).

Frente a essa situação, não admira que a solução proposta em Bolonha tenha

conquistado as atenções dos ministros da educação europeus. A fragmentação dos antigos

cursos em dois níveis devidamente articulados significava, essencialmente, flexibilidade,

ou seja, aquela virtude que permitiria a resolução (parcial ou total) de, pelo menos, dois

dos problemas acima elencados (duração, taxas de abandono).

O objectivo da realização dos “três ciclos” de Bolonha ficou, desde logo, associado

ao discurso relativo aos “quadros de qualificações” («frameworks of qualifications»).

Esses constituem descrições exaustivas das tipologias de títulos académicos contemplados

pelos sistemas de ensino de cada estado-membro do PB e do EEES em geral. Assim, em

2003, entre os objectivos afirmados na conferência de Berlim encontra-se o da “elaboração

de um Quadro das Qualificações para o EEES”, adoptado em Maio de 2005, na

conferência de Bergen, onde, por consequência, se estabelece o objectivo da criação de

Quadros nacionais compatíveis com o mais abrangente Quadro europeu (Eurydice 2010:

11-12).

Os Quadros visam a uma descrição das qualificações “em termos de carga de

trabalho, nível, resultados da aprendizagem, competências e perfil” (idem); vejamos a esse

propósito o mencionado Quadro Europeu (Anexo III): a duração de cada ciclo é expressada

em termos de créditos ECTS; é importante notar, todavia, que não há formulação

prescritiva de um modelo único, apenas são definidos ranges “típicos” de créditos, que

permitem grande flexibilidade na duração, em termos de anos académicos: assim o

primeiro ciclo incluiria tipicamente 180-240 ECTS, enquanto o segundo prevê 90-120,

com um mínimo que não vai abaixo dos 60 créditos. Para o nível do doutoramento não é

especificado um numero “típico” de créditos, por razões que em seguida iremos relatar.

Todas as estruturas dominantes nos atuais 47 Estados-Membros do PB são

compatíveis com o esquema descrito no Quadro Europeu, sendo o modelo mais comum o

de 180+120 ECTS (adoptado por 19 estados, entre os quais França, Alemanha e Itália),

depois o de 240+120 (5 estados, entre os quais a Rússia e Turquia); outros esquemas são o

de 240+60 (Bulgária) e 240+90 (Escócia). Os demais 20 países (Espanha, Inglaterra…)

contemplam a coexistência de alguns desses modelos (Beerkens, Cremonini, Huisman et

28

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al., 2010: 16; veja-se Anexo IV).

Diferente é o discurso para o terceiro ciclo, onde como dissemos, não existe

especificação relativamente aos créditos, «conforme à intenção de manter a diversidade e à

convicção de que seria inadequado expressar a educação doutoral em termos de créditos»

(ibidem: 19). É possível identificar a duração de três anos como a mais típica (única

possibilidade em 16 países), mas ainda existe a possibilidade de encontrar currículos do

terceiro ciclo de duração de 4, 5, ou 6 anos (idem; anexo V).

Como foi salientado na parte inicial dessa tese, o PB constitui um processo

intergovernamental e, portanto, de natureza não prescriptiva; o processo de convergência

que dai resulta é sempre fruto, afinal, de políticas nacionais ou das iniciativas das próprias

instituições de ensino. Nunca existiu a obrigatoriedade, para os estados-membros, de

instituir um único modelo estrutural para os cursos académicos. O que, de facto, em

consequência disso observamos é a existência de algumas “excepções” à estrutura em três

ciclos. São excepções que têm a ver com específicas áreas de estudo e que, geralmente, são

comuns a todas as instituições num determinado país.

Segundo uma reportagem de 2010 (ibidem: 17) apenas 10 países aplicam o modelo

de dois ciclos a todas as áreas de ensino; o que acontece nos demais membros do EEES é

que algumas áreas constituem excepção ao modelo “licenciatura-mestrado”: antes de mais

medicina (em 31 países), odontologia (29), veterinária (24) e farmácia (20; ibidem: 18;

Sursock e Smidt 2010: 37; veja-se anexo VI).

A questão apenas descrita não foi considerada, até ao dia de hoje, um insucesso do

processo de reforma; como vimos os cursos de estudo exceptuados são, sobretudo, os que

conduzem a profissões regulamentadas e que requerem uma maior atenção ao ser

reformados. Não pode dizer-se o mesmo para outras questões, que estão a impedir a

difusão de uma total nitidez no panorama das qualificações europeias e a dificultar a

implementação da estrutura de três ciclos, nomeadamente, a coexistência, em muitos

países, do velho e do novo modelo (Rauhvargers, Deane e Pauwels 2009: 31), a grande

diversidade de denominações e de perfis dos cursos de 2º ciclo (Sursock e Smidt 2010: 41)

e a falta, em alguns casos, de um livre e incondicionado acesso ao 2º/3º ciclo para os

estudantes em posse dos devidos requisitos (titulo de 1º/2º ciclo; Rauhvargers, Deane e

29

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Pauwels 2009: 33-36).

O maior (e talvez o último, significativo) objectivo a alcançar no quadro da reforma

estrutural empreendida sob o PB, consiste na ratificação dos Quadros de qualificações

nacionais, por parte de todos os Estados-membros. O prazo para tal objectivo foi fixado

(em Londres, 2007) para 2010, sendo logo depois adiado para 2012; também esse prazo

redefinido confirmou-se ambicioso, sendo que até o momento apenas 10 sistemas

educativos auto-certificaram seus próprios quadros de qualificações44 e que a criação pela

Comissão Europeia de um Quadro para o Aprendizagem ao longo da vida (“European

Qualifications Framework for lifelong learning”), paralelo ao acima referido Quadro para o

EEES, estaria a provocar confusão na elaboração dos quadros nacionais (Eurydice 2010:

23; Blättler e Santa 2010: 74; veja-se anexo VII).

ECTS

O sistema de créditos ECTS (European Credit Transfer and Accumulation System)

é hoje utilizado pela grande maioria dos países que aderiram ao processo de Bolonha;

constituem excepção a Espanha e a Turquia, que estão em fase de transição e alguns (5)

países que usam sistemas diferentes, mas compatíveis com o ECTS (Beerkens, Cremonini,

Huisman et al. 2010: 21; veja-se anexo VIII).

As razões para o sucesso de um sistema de créditos como o ECTS encontram-se na

variedade de vantagens que ele proporcionaria, ou seja, de acordo com Wagenaar (2006:

4): melhorar a transparência, assim como a comparabilidade e compatibilidade dos

programas de estudo (facilitando, por consequência, a mobilidade estudantil); tornar a

estrutura dos cursos mais equilibrada; permitir flexibilidade e diversidade de percursos

formativos, através da modularização; promover a aprendizagem ao longo da vida,

facilitando a recognição de estudos anteriormente levados a cabo.

O sistema foi elaborado por um grupo de experts nos anos 80, como instrumento de

transferência de créditos no contexto do programa europeu de mobilidade estudantil

chamado ERASMUS, que constituiu a plataforma de experimentação de tal sistema a partir

de 1988.

44 Veja-se: http://www.ehea.info/article-details.aspx?ArticleId=69 (última consulta: 24-05-2012).

30

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O projecto tinha como critério de base o de “carga de trabalho do estudante”

(«student workload», ibidem: 2): o ponto de partida foi a atribuição de um determinado

número de créditos (60) a um ano académico de duração típica (38 – 42 semanas); O

número de 60 foi escolhido porque podia ser dividido por 2, 3, 4, 5 e 6, tornando assim

possível a divisão, em termos de créditos, do ano em semestres, trimestres, ou outras

unidades menores (idem). A partir daí, e assumindo que um estudante a tempo inteiro

trabalharia 40 horas por semana, pôde ser feita a equivalência de um crédito ECTS a 25-28

horas de trabalho (ibidem: 7; veja-se anexo IX).

A vontade de instituir um sistema unitário de créditos (sendo o ECTS mencionado

como exemplo) encontra-se já na Declaração da Sorbona, tornando-se “objectivo” o ano

seguinte, na Declaração de Bolonha. O projecto Tuning Educational Structures in Europe,

criado em 2000, teve como primeiro objectivo modernizar o ECTS; elaborou-se, nesse

contexto, o conceito de “resultados da aprendizagem” («learning outcomes») e o de

sistema de “acumulação” de créditos (ibidem: 3).

Esse último aspecto tem a ver com o caracter relativo ou absoluto do valor atribuído

aos créditos. De facto, até o momento em que o ECTS configurava-se só como sistema de

“transferência”, os créditos eram atribuídos, no contexto de projectos de mobilidade, para

cada actividade com base no peso que ela tinha em proporção ao ano académico

(assumidamente do valor de 60 ECTS). A da “acumulação” de créditos tornou-se uma

característica do ECTS só aquando da substituição desse critério proporcional por uma

serie de critérios absolutos e oficialmente reconhecidos (ibidem: 6), tal como a

equivalência, que antes mencionamos, dos créditos com a carga horaria de trabalho (1

ECTS = 25-28 horas); tal passagem foi reconhecida, a nível político, na declaração de

Berlim (2003).

Com relação ao outro aspecto: os “resultados de aprendizagem” são «declarações

verificáveis relativas ao que um aluno, que tenha conseguido uma particular qualificação,

ou tenha completado um programa ou suas componentes, é suposto saber, entender ou ser

capaz de fazer» (Comissão Europeia 2009: 13); essas podem ser aplicadas a unidades

curriculares, cursos específicos ou, de forma genérica, às tipologias de cursos (1º, 2º ou 3º

ciclo; um exemplo de “resultados de aprendizagem” é constituído pelos “descritores de

Dublim”, utilizados para a definição dos três ciclos no - antes mencionado - Quadro de

31

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Qualificações do EEES – em anexo).

Em termos práticos a adopção dos “resultados de aprendizagem” constitui um

instrumento para calcular, com base em critérios prévios, a carga de trabalho que cada

unidade curricular requer (para alcançar os ditos “resultados”), sendo assim possível

definir o número de ECTS a ela relativo (ibidem: 16). Segundo um inquérito da Associação

Europeia das Universidades de 2010, 53% das instituições europeias de ensino

desenvolveram “resultados de aprendizagem” para todos os cursos e 32% só para alguns

(Sursock e Smidt 2010: 48).

De facto, a adopção desse instrumento é outro aspecto, junto com as considerações

sobre a carga de trabalho do estudante, que assina a passagem do “ensino centrado no

professor” («teacher centred learning») para o “ensino centrado no aluno” («student

centred learning»), que constitui a filosofia pedagógica na base do ECTS (Adam 2006: 12-

13). Assim, da mesma forma como se passa do cálculo do peso de uma unidade curricular

com base nas horas lectivas, para o cálculo com base nas horas de trabalho total do aluno,

se passa da descrição dos conteúdos programáticos de uma determinada unidade, para a

descrição dos que serão os resultados de aprendizagem do aluno a conclusão da mesma.

Poderemos afirmar com algum grau de certeza que, em última instância, as grandes

finalidades do Sistema que estamos a analisar, são: 1) a efectiva promoção dessa nova

abordagem pedagógica, com tudo o que ela implica, em termos de flexibilização do

curriculum e, portanto, de poder de escolha de percursos diferenciados por parte do

estudante (incluindo a acrescentada possibilidade de empreender períodos de estudo no

estrangeiro); e 2) obviamente, a afirmação de um instrumento rigoroso para os mecanismos

de recognição, baseado sim no cálculo da quantidade de trabalho, mas também em um

conjunto de resultados de aprendizagem certificados e verificáveis por parte das outras

instituições de ensino (Comissão Europeia, 2009: 22).

Deve-se dizer que, embora o objectivo “ECTS” poderia-se, a uma primeira análise,

dizer alcançado (foi adoptado por 90% das instituições de ensino europeias para

licenciaturas e mestrados45, na maioria dos casos em virtude de normativa nacional;

45 O uso dos créditos nos programas do terceiro ciclo, como realçamos precedentemente, constitui assunto controverso; práticas diferenciadas na europa o comprovam: só 31% das instituições utilizam o Sistema nesse âmbito, 24% o fazem de forma parcial e 42% não o usam, nem pretendem faze-lo no futuro (Sursock e Smidt 2010: 55).

32

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Sursock e Smidt 2010: 50; Comissão Europeia 2009: 9), existem, na comunidade dos

experts, grandes preocupações com relação às modalidades e ao efectivo rigor de

implementação das medidas descritas: inquéritos mostram, de facto, que princípios básicos

para o correcto funcionamento do ECTS vêm, em alguns casos, a faltar.

Em primeiro lugar nota-se que nem sempre a definição dos créditos, para as

unidades curriculares, é feita com base na carga do trabalho e nos resultados de

aprendizagem: só 12 sistemas educativos utilizam os dois critérios em conjunção (como

recomendado); 22 baseiam as suas definições de créditos em um ou outro critério; 11

sistemas, ainda, continuam a utilizar a carga de horas lectivas como instrumento de calculo

dos créditos (Beerkens, Cremonini, Huisman et al. 2010: 22).

Outra questão é a da modularização dos cursos, ou seja, a estruturação desses

últimos em unidades discretas de médio tamanho (de duração não superior a dois

semestres), com a possibilidade, para o aluno de escolher entre uma variedade de possíveis

opções, de forma a facilitar projectos de mobilidade: são 21 os países em que os programas

de estudo, geralmente (menos de 25% das unidades curriculares), não prevêem matérias

electivas (ibidem: 23).

Assim se explicam algumas observações das últimas reportagens sobre o estado de

implementação do Processo de Bolonha, segundo as quais, existe uma «geral inclinação

para uma implementação superficial [do ECTS]» (Blättler e Santa 2010: 31) e «há 2

principais desafios na completa implementação do ECTS: medir os créditos em termos de

carga de trabalho do estudante e relaciona-los aos resultados de aprendizagem»

(Rauhvargers, Deane e Pauwels 2009: 10).

2.2) Atractividade do EEES e mobilidade académica: a recognição das qualificações e

dos períodos de estudo.

No seio do processo de reforma dos sistemas de ensino superior na Europa,

institucionalizado com a Declaração de Bolonha, o discurso relativo à competitividade,

logo à atractividade desses mesmos sistemas, ganha importância em termos absolutos

(veja-se: Declaração de Bolonha, 1999). O que, com isso, queremos dizer é que, enquanto

33

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vários objectivos do PB podem não ter a natureza de fins em si próprios (por exemplo, o

objectivo “implementação do sistema ECTS” é na verdade um meio para atingir os fins

generais da recognição, do ensino focado no estudante…), o mesmo não se pode dizer com

relação à questão da atractividade. Essa, que fundamentalmente se mede através da

mobilidade de estudantes de outras regiões do globo para o EEES, é uma pré-requisito

fundamental para a Europa como “Economia baseada no conhecimento”46.

O resultado final nesses termos é, claramente, relacionado com o sucesso de várias

linhas de reforma do EEES. É assim, por exemplo, no que diz respeito ao desenvolvimento

de bolsas de estudo para estudantes de países terceiros (Comunicado de Berlim, 2003),

aspecto que entra na esfera da “dimensão social” do PB; da mesma forma, e como é óbvio,

a “garantia da qualidade do ensino” joga um papel fundamental nesse respeito

(Comunicado de Bergen, 2005). Outros aspectos relacionados com a atractividade do

EEES podem ser o diálogo e a cooperação política com outras regiões do globo

(Comunicado de Leuven/ Louvain-la-neuve, 2009), ou a elaboração de cursos e módulos

com “conteúdo europeu” (Mottis N. 2006: 8).

Todavia, como sublinhado nos primeiros encontros ministeriais e na antecedente

Declaração da Sorbona, elemento fundamental para a atractividade do EEES é a sua

própria existência (Declaração de Praga, 2001), ou seja, a sua visibilidade (obtida através

de uma implementação abrangente e coerente de uma estrutura padrão – em dois/três

ciclos) e a sua transparência, facilitada pela existência de qualificações “legíveis e

comparáveis” (Comunicado de Londres, 2007) e por mecanismos de recognição

predefinidos e regularizados.

É nessa perspectiva que se relacionam de forma estreita o discurso sobre a

recognição das qualificações e dos períodos de estudo e o sobre a atractividade e

competitividade do EEES; assim coloca a questão Rauhvargers:

«Há vários objectivos que só podem ser alcançados se a recognição das qualificações entre estados e

sistemas educativos for garantida. A recognição é precondição para assegurar a viabilidade do livre

movimento de pessoas, inclusive dos trabalhadores. Da mesma forma, o objectivo de incrementar a

competitividade do ensino superior Europeu no contexto global, só pode ser atingido se as qualificações

46 Há pois quem, como N. Mottis (2006: 1), parece individuar o melhoramento da competitividade na escala global como único fundamental objectivo do PB.

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outorgadas por instituições europeias forem reconhecidas fora do continente; e esse dificilmente será o

caso se elas não forem reconhecidas nos outros Estados Europeus» (2004: 4).

Não podiam ser excluídas, nesse contexto, considerações sobre o desenvolvimento

da mobilidade académica no EEES; esse aspecto é claramente relacionado com ambos os

tópicos citados (Atractividade e recognição das qualificações e de períodos de estudo), ou

melhor dito - e de acordo com quanto afirmado por outros autores (Beerkens, Cremonini,

Huisman et al. 2010: 43) - os mecanismos de recognição constituem instrumentos para

atingir os dois objectivos fundamentais da atractividade e da mobilidade interna ao EEES47.

Passemos agora a analisar no específico os termos e condições nos quais se

concretizaram as reformas do sistema de recognição e de mobilidade no EEES, assim

como os resultados atingidos nesses âmbitos.

A recognição das qualificações e dos períodos de estudo

No EEES dispõe-se de vários instrumentos para o processo de recognição ser

levado a cabo de maneira transparente e em conformidade com os princípios definidos.

Esses últimos foram formulados com a Convenção de Lisboa de 1997, sobre a recognição

das qualificações do ensino superior na Europa48, desenvolvida pelo Conselho da Europa e

pela UNESCO e assinada pelos quarenta e sete Estados-membros do Conselho (excepto

Grécia, Mónaco e São Marino) e por mais dez países não membros (entre os quais:

Austrália, Canada, Nova Zelândia e os Estados Unidos).

O princípio fundamental da convenção, como esclarecido por Andrejs Rauhvargers

(2006: 5), é o que estabelece que os Estados aderentes devem reconhecer as qualificações

outorgadas pelos sistemas de ensino pertencentes às outras partes da convenção como

similares àquelas nacionais correspondentes, a não ser que possa ser provada uma

“diferencia substancial” entre as duas (Art. IV.1); o mesmo vale para os períodos de estudo

47 No que diz respeito a esse último âmbito, pois, estudos demonstram que os maiores problemas relacionados com a recognição verificam-se no contexto de programas de mobilidade, o que constitui um factor fortemente desencorajante para os estudantes que pretendem empreender um período de estudo no estrangeiro (Blättler e Santa 2010: 37).

48 Veja-se: http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/QueVoulezVous.aspNT=165&CM=8&DF=10/17/2007&CL=ENG (última consulta: 07-06-2012).

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(Art. V.1).

Outros pontos fundamentais são os que estabelecem que as decisões devem ser

tomadas por um organismo apontado (Art. III.1) em um prazo “razoável” (Art. III.5), com

base nas necessárias informações, fornecidas pelo requerente e pela instituição de ensino

de procedência desse último (Art. III.3) e que, caso tal decisão for negativa, o requerente

deveria puder empreender um recurso (Art. III.5). Finalmente a Convenção estabelece que

as Partes são responsáveis para o fornecimento de informação actualizada sobre o próprio

sistema de ensino superior, suas instituições, qualificações e programas (Art. VIII.2) e para

o estabelecimento de um centro de informação nacional dedicado a tais questões (centros

ENIC, Art. IX.2, X.3)49.

No que diz respeito ao grau de implementação dessa Convenção devemos salientar,

antes de mais, o facto de ela estar em vigor em 45 dos 47 Estados do PB (A Grécia ainda

não a assinou, a Itália assinou-a mas ainda não a ratificou); todavia, como já foi

sublinhado, “a adopção da Convenção de Lisboa não implica automaticamente que os

procedimentos, as políticas e os instrumentos tenham sido harmonizados” (Beerkens,

Cremonini, Huisman et al. 2010: 44).

Nesse sentido torna-se útil, para uma análise mais nítida, o Stocktaking Report de

2009 sobre o PB, que avalia o grau de implementação dos 5 princípios básicos da

Convenção (“os requerentes têm acesso a uma avaliação justa”, “há recognição em

ausência de diferencias substanciais”, “em caso de decisão negativa, a existência de

diferencia substancial é comprovada pela autoridade competente”, “o país garante o

fornecimento de informação sobre suas instituições e seus programas”, “um centro ENIC

foi estabelecido”; Rauhvargers, Deane e Pauwels 2009: 72). A avaliação de 2009 já podia

ser considerada positiva, já que, segundo o Grupo de Seguimento, trinta e cinco estados do

Processo tinham adoptado legislação e documentos aptos ao cumprimento de todos os

princípios enumerados (idem; veja-se anexo X).

49 A rede ENIC (ENIC Network, http://www.enic-naric.net/) constituída pela totalidade dos centros de informação nacionais foi estabelecida portanto com fim a implementar a Convenção de Lisboa; a função desses centros é basicamente a de fornecer e partilhar entre si informações sobre: a recognição de qualificações, os sistemas educativos da Rede e as oportunidades de mobilidade (veja-se: http://www.enic-naric.net/index.aspx?s=n&r=ena&d=legal). Essa Rede colabora, de maneira estreita, com a Rede NARIC, instituída pela Comissão Europeia em 1984 e abrangida pelo Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida; essa tem como função a de promover a recognição de diplomas e a mobilidade nos Estados-membros da UE, do Espaço Economico Europeu e na Turquia.

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Em particular, um desses documentos é o Suplemento ao Diploma, elaborado - em

formado estândar (veja-se anexo XI) - pelo Conselho da Europa e a UNESCO em 1998, e

que provê informação sobre a instituição que outorga a qualificação e o programa de

estudo, de maneira detalhada (Beerkens, Cremonini, Huisman et al., 2010: 46), facilitando

assim o processo de recognição. No encontro ministerial de Berlim (2003), foi estabelecido

o objectivo da emissão do suplemento ao diploma, isento de taxa e em uma língua

“amplamente falada”, para todos os estudantes, no EEES. Tal objectivo, na verdade, ainda

não pode-se dizer alcançado: ainda em 2009 só 29 estados cumpriam todos os

requerimentos (Rauhvargers, Deane e Pauwels 2009: 67; veja-se anexo XII). Por outro

lado, nota-se como haja grande falta de informação, entre estudantes e empregadores,

relativamente a existência e utilidade desse documento (Beerkens, Cremonini, Huisman et

al. 2010: 48).

Outros instrumentos importantes para o mecanismo de recognição das qualificações

dentro do EEES são, para além desses: o sistema ECTS e os Quadros das Qualificações

(dos quais já falamos), que de uma forma geral facilitam as operações geridas pelos

organismos apontados para a recognição de diplomas; há, depois, iniciativas particulares

como o projecto Europass, criado em 1998 pela Comissão Europeia e a CEDEFOP, e no

contexto do qual foram desenvolvidos importantes documentos visantes à promoção da

transparência na descrição de qualificações e competências: o CV europeu, o Suplemento

ao Certificado, o Passaporte de Línguas Europass e o Europass Mobility. Europass, através

da rede constituída de centros nacionais (NRP), promove também a difusão do Suplemento

ao Diploma do Conselho da Europa/UNESCO50.

No contexto que acabamos de descrever, um lugar separado merecem os discursos

relativos à recognição das qualificações dando acesso a profissões regularizadas por

normativa nacional - que, amiúde, escapam à lógica da Convenção de Lisboa51 - e à

recognição de aprendizagem prévia («prior learning» - aspecto que, no PB, foi afrontado

sobretudo na linha relativa à “dimensão social” e que portanto iremos tratar em seguida).

Mobilidade académica

50 Veja-se: http://europass.cedefop.europa.eu/en/about/history.51 No contexto da União Europeia esse assunto é objecto da Directiva sobre a recognição das qualificações

profissionais, 2005/36/EC; veja-se, para mais informações a esse propósito: Davies (2006).

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Para Mechtenberg e Strausz (2006: 2) o Processo de Bolonha: «pode ser entendido

como um processo para acrescer a mobilidade estudantil»; é assim por duas razões: por um

lado ela permitiria a formação de estudantes com competências “multiculturais”, o que é

visto como indispensável, sobretudo nos Estados-membros da UE; em segundo lugar,

porque acredita-se que a mobilidade, gerando um processo de competitividade alargada

entre as instituições de ensino, aumenta o grau de qualidade complexiva das mesmas52.

De facto, a promoção da mobilidade – não só dos estudantes, mas também dos

professores e do pessoal administrativo – é um tema persistente no discurso relativo ao PB.

Já em 1988, 10 anos antes da assinatura da Declaração da Sorbona, na Magna Charta

Universitatum, a importância da internacionalização (da qual a mobilidade poderia ser

considerada o aspecto mais importante) das universidades foi realçada53.

A partir da Declaração de Bolonha, onde encontra-se, entre os objectivos, o de

«remover os obstáculos para o efectivo exercício da livre circulação» de estudantes,

professores, pesquisadores e staff administrativo, o tema foi ganhando – até o presente –

atenção nos sucessivos encontros ministeriais; vejamos em que termos: em Praga

(Comunicado, 2001) foi enfatizada a “dimensão social da mobilidade”, de acordo com os

objectivos do Plano de Acção para a Mobilidade, adoptado pelo Conselho Europeu em

2000 (Resolução 2000/C 371/03), nomeadamente, o de “democratizar” a mobilidade

(torna-la acessível a todos) na Europa, o de «promover formas apropriadas de

financiamento»54; Em Berlim (Comunicado, 2003), introduz-se o importante – e até agora

em discussão – tema da “portabilidade de bolsas e empréstimos” e declara-se a necessidade

de melhorar a qualidade e quantidade dos dados estatísticos sobre a mobilidade; em Bergen

(2005) são as considerações relativas às emissões de vistos que ganham relevo, assim

como, em geral, a promoção da mobilidade através da facilitação da recognição dos

créditos obtidos em uma instituição diferente; em 2007 (comunicado de Londres) os

ministros tomaram o compromisso de instituir redes nacionais de experts para discutir o

problema da portabilidade de bolsas e empréstimos; finalmente em 2009 (comunicado de

52 Com relação a essa convicção generalizada, porém, os autores chegam a uma conclusão totalmente diferente.

53 Lembre-se também que trata-se da mesma época em que iniciou-se o programa de mobilidade europeia ERASMUS.

54 O problema, contudo, ainda parece existir: EUROSTAT, em 2009 comprovou que os estudantes procedentes de um contexto familiar com um elevado grau de instrução são os que mais provavelmente terão um período de estudo no estrangeiro.

38

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Leuven/ Louvain-la-neuve), foi fixado um objectivo concreto – «em 2020, pelo menos

20% dos graduados no EEES deveriam ter tido um período de estudo ou treinamento no

estrangeiro» – e foi identificado o problema dos fluxos de mobilidade desequilibrados

entre os estados do EEES (já notado no âmbito das instituições europeias, como salienta a

Resolução – 2008/2070(INI) – do Parlamento de 2008, sobre o PB e a mobilidade

estudantil).

A impressão que nos recebemos, ao analisar os comunicados dos encontros

ministeriais, é a de que a mobilidade é tida em consideração, sobretudo, na vertente

“interna” (intra-EEES); contudo, não devemos esquecer a dimensão (também presente nos

comunicados, se bem nas partes dedicadas ao “contexto global”) externa da mobilidade. É

que, enquanto uma mede o grau de consolidação do EEES, a outra pode ser considerada

índice do grau de atractividade das instituições de ensino superior europeias (Blättler e

Santa 2010: 15). É nesse sentido, por outro lado, que se explica a afirmação segundo a qual

a mobilidade seria “um instrumento e um fim em si própria”, o que faz dela uma das “mais

complexas e politicamente intricadas prioridades do EEES” (idem).

É de admitir que também uma avaliação exacta das acções empreendidas em

consequência do PB é extremamente difícil de alcançar, essencialmente por duas razões:

primeiramente, muitíssimos estão de acordo em afirmar que a disponibilidade de dados

confiáveis e comparáveis sobre a mobilidade estudantil na Europa é escassa (ibidem: 16;

Rauhvargers, Deane e Pauwels 2009: 89; Eurydice 2010: 38; Beerkens, Cremonini,

Huisman et al. 2010: 65)55; em segundo lugar, há de notar-se que, com muita

probabilidade, os mecanismos de mobilidade estudantil respondem a variadíssimos

factores de influência e que os progressos nem sempre são atribuíveis a políticas

concordadas no seio do processo intergovernamental.

Uma reportagem da Eurydice tenta, através de uma recolha de dados em vários

estados, definir quais são as medidas mais comuns que constituem um plano de mobilidade

académica a nível nacional; essas são: a facilitação da emissão de vistos, medidas

55 Nesse respeito, o problema maior, dentro das três categorias de mobilidade identificadas pelo BFUG (“diploma mobility”, “credit mobility” e “other short-term mobility”; Blättler e Santa 2010: 19), é constituído por aquela que é empreendida com o fim de obter um diploma em um país estrangeiro; os estudantes que escolhem essa solução são frequentemente “free-moving” (diversamente dos estudantes que participam em programas de mobilidade – Erasmus por ex.; Beerkens, Cremonini, Huisman et al. 2010: 74) e a recolha de dados sobre esses é extremamente difícil.

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financeiras (bolsas, empréstimos…), campanhas de informação, acordes de cooperação

bilaterais ou multilaterais, facilitação da recognição de créditos, promoção da

aprendizagem de línguas, entre outras (Eurydice 2010: 41). Todavia, o que se observa é

que «em nenhum dos estados, a totalidade das medidas descritas se reúnem na forma de

uma política de mobilidade omni-comprensiva» (ibidem: 43) e que, de uma forma geral, os

avances nessa área devem-se sobretudo ao impacto dos programas da União Europeia

(ibidem: 43).

Essa afirmação parece poder-se relatar àquela de outros autores (Beerkens,

Cremonini, Huisman et al. 2010: 65), segundo os quais, no que diz respeito à mobilidade, o

Processo de Bolonha foi muito vago, sendo o – antes mencionado – objectivo do 20% em

2020 fixado no encontro ministerial de 2009, a declaração mais específica que até agora

houve nesse âmbito. Isso explica, de alguma forma, a inconsistência e pouca relevância das

iniciativas nacionais dentro do EEES para a promoção da mobilidade e justifica, de alguma

forma, a afirmação segundo a qual o desenvolvimento da mobilidade: «foi espectacular em

termos de atenção política, mas menos significativo em termos de acréscimo real das taxas

de mobiliade dos estudantes, sobretudo no Espaço Europeu do Ensino Superior» (Blättler e

Santa 2010: 15).

De facto, com base em dados fornecidos pela UNESCO, seria possível afirmar que,

em termos relativos (em proporção com a quantidade total de estudantes), a quantidade de

estudantes estrangeiros nas instituições do EEES, de 1999 para 2007, tenha passado de

3.5% para 4.6%, sendo esse crescimento devido sobretudo à maior presença de estudantes

procedentes de outras regiões do globo (o número de estudantes em mobilidade,

pertencentes a estados do EEES cresceu só na ordem de 4%, ou seja, de 1.9% para 2% da

totalidade dos estudantes; Beerkens, Cremonini, Huisman et al. 2010: 67; veja-se anexo

XIII). Deve-se portanto concluir que a mobilidade, numa dimensão interna, carece de um

compromisso maior por parte dos estados, devendo esse ser enquadrado numa estratégia

concreta de ordem continental56; para o efeito, o forte enfoque nos estudantes procedentes

de outras regiões deveria deixar maior espaço para a mobilidade na vertente intra-EEES

(Blättler e Santa 2010: 23).

56 Essa é a visão da Associação Europeia dos estudantes (Blättler e Santa 2010: 23-24).

40

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2.3) A garantia da qualidade

De acordo com uma definição de Eurydice a garantia da qualidade («quality

assurance»; GQ) pode ser entendida da seguinte forma: como «políticas, procedimentos e

práticas concebidas para alcançar, manter ou melhorar a qualidade, de acordo com a

maneira em que esta é definida num determinado contexto» (Eurydice 2010: 24). A.

Sursock recorda, em um artigo sobre o assunto, a origem “industrial” do conceito, que foi

depois aplicado à educação, em quanto serviço, de forma mais ou menos fiel (2006: 10).

Como sublinham alguns autores, é importante não confundir a garantia da

qualidade com a acreditação de um programa ou de uma instituição de ensino (Blättler e

Santa 2010: 43); de facto essa modalidade pode ser considerada uma face, ou uma das

possíveis formas que a GQ pode tomar. O mesmo pode-se dizer dos processos de

avaliação. Enquanto a acreditação académica «corresponde a um reconhecimento oficial

do estabelecimento ou curso, como condição obrigatória para a respectiva criação e

funcionamento», baseada em standards mínimos preestabelecidos a cumprir, a lógica da

avaliação fundamenta-se em «patamares de referência que funcionam como

recomendações de promoção da qualidade, em busca da excelência» (Simão, dos Santos e

Costa 2005: 217-218). Ora, falamos, ao invés, de “sistemas de garantia de qualidade”

aquando do cruzamento dessas duas práticas, ou concepções (idem). Entende-se assim

melhor a primeira definição fornecida: a GQ não se esgota no mero controlo da qualidade;

é também um processo de criação, manutenção e melhoramento da mesma.

O panorama europeu, na prática, contempla uma variedade de metodologias na

garantia da qualidade; essas são definidas autonomamente nos vários contextos nacionais,

tendo que responder a objectivos particulares (Sursock 2006: 5). Relativamente à GQ, nos

interessará aqui levar em consideração as diferenças e semelhanças dos vários sistemas

nacionais, só em termos macroscópicos (dos princípios básicos), considerando inoportuna

uma minuciosa análise das inúmeras práticas de avaliação, acreditação e melhoria da

qualidade levadas a cabo nas singulares instituições de ensino57.

57 Só para termos uma ideia referiremos aqui algumas das mais utilizadas: analise comparativa dos resultados (competências dos graduados ou resultados em termos de pesquisa; feedback dos estudantes e do staff académico, através de inquéritos, audiências…), análise dos indicadores de performance (taxas de graduação, despesas por estudante, taxas de empregabilidade dos alunos, etc.; Harvey 2006: 9, 14, 21).

41

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Podemos, todavia, ainda tentar dar uma ideia daquele que é o quadro prático da

GQ, referindo aquelas que são consideradas as quatro grandes áreas de standards avaliadas

nesses processos: 1) a académica, centrada sobretudo na análise das qualidades intelectuais

dos alunos; 2) a das competências, relativa ás capacidades técnicas dos mesmos; 3) a

relativa aos serviços; e 4) os standards Organizacionais (princípios e procedimentos gerais

da instituição; Harvey 2006: 4).

Passando agora aos princípios básicos, importa, antes de mais, referir que

geralmente a GQ é organizada, na Europa, em duas dimensões diferentes e

complementares: a garantia interna, ou seja, um processo de avaliação e promoção da

qualidade levado a cabo pelas mesmas instituições, em força da autonomia de que gozam;

e a garantia externa, levada a cabo por agências especializadas. Nos sistemas de garantia da

qualidade nacionais europeus, assim caracterizados, é possível identificar algumas

orientações distintivas.

A primeira dessas diz respeito ao grau de autoridade da garantia da qualidade, ou

seja, ao seu caracter “supervisorio” ou “consultivo”. No primeiro caso as agências de GQ

detêm um poder substantivo, ao permitir ou não a viabilidade de um programa ou de uma

instituição, sendo que nesses caso geralmente há uma forte enfase nos limiares mínimos de

qualidade (Eurydice 2010: 26). A outra abordagem funciona, sobretudo, segundo uma

lógica de melhoria da qualidade; aqui o papel da agência é o de avaliar o sistema de gestão

de qualidade interno, para depois fornecer subsidio para a instituição na melhoria do

mesmo (idem)58.

Outro aspecto fundamental, relativamente aos processos de garantia da qualidade, é

o da lógica de base da avaliação da qualidade; esta pode ser caracterizada de duas

diferentes maneiras: como conformidade perante standards preestabelecidos, ou segundo

uma lógica de “adequação aos fins” («fitness for purpose»; Sursock 2006: 4).

No primeiro caso poderemos observar, por exemplo, a existência de modelos

nacionais para os programas de ensino, mais ou menos detalhados, aos quais a instituição

deverá conformar-se; este modelo costuma ser maiormente utilizado nos contextos

58 Segundo uma recente reportagem de Eurydice a maioria dos Estados do PB optariam para uma abordagem de supervisão, sendo que só 14 sistemas de GQ funcionam segundo uma logíca orientada para a melhoria (2010: 27).

42

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nacionais onde a autonomia das instituições não é tão desenvolvida e onde, pelo contrário,

o estado detém um maior controle sobre o ensino superior (Kohler 2006: 8).

O modelo da “adequação aos fins” é, em comparação com o que acabamos de

descrever, caracterizado por uma muito maior flexibilidade, em quanto:

«A adequação aos fins [«fitness for purpose»] define a qualidade como o cumprimento de uma

especificação, ou de um resultado previamente estatuído. A qualidade é assim julgada na medida em que

o produto ou serviço adequa-se ao fim visado» (Harvey 2006: 15).

Em outros termos, trata-se de um modelo que relativiza o conceito de qualidade: essa é

avaliada em função de fins previamente estabelecidos e no grau de atingimento dos

mesmos.

Por exemplo, a lógica do “fitness for purpose” poderá traduzir-se – ao nível dos

programas de ensino – na aplicação do modelo do “círculo da qualidade”: a garantia da

qualidade basear-se-ia exclusivamente sobre os predefinidos “resultados de aprendizagem”

(de que falávamos no capítulo 2.1 [“ECTS”]) do curso considerado; a partir daí poder-se-á

considerar até que ponto os particulares aspectos do curso (teóricos e práticos) são

adequados ao atingimento de tais resultados (Kohler 2006: 9-11). Ainda, ao nível das

instituições, uma tradução desse principio, poderia ser, a avaliação da qualidade tendo em

conta a missão da instituição considerada, focando, por conseguinte, a atenção sobre

questões relativas à pesquisa, ou ao ensino (seja este de natureza mais Académica, ou

profissional…). Para Kohler tal modelo foi promovido pelo Conselho da Europa e é o que,

de facto, está englobado no Processo de Bolonha (idem).

Finalmente, as metodologias de garantia da qualidade podem diferir com relação ao

objecto considerado: podemos, assim, falar de uma “abordagem institucional” e de uma

“abordagem focada nos programas”. A primeira avaliaria «o “produtor” e a maneira de

produção» (a instituição, em termos organizacionais e de gestão, a missão e as políticas, os

recursos económicos e humanos…), enquanto a segunda «analisa cada produto» (os

programas de estudo; Kohler 2006: 2-3).

O panorama europeu mostraria, relativamente à escolha de um desses dois modelos,

uma ampla variedade e, nalguns casos, a utilização conjunta dos dois (ibidem: 4),

43

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reflectindo o facto de ambos apresentarem um número comparável de vantagens e

desvantagens (ibidem: 14- 20). Para J. Kohler, os Standards and Guidelines for Quality

Assurance in the European Higher Education Area, redigidos pela ENQA e aprovados no

encontro ministerial de Bergen (2005), sugeririam, implicitamente, a adopção do modelo

“institucional”, em quanto enfatizam a responsabilidade das próprias instituições na

garantia sistemática dos programas (através de processos internos; ibidem: 6).

A garantia da qualidade no Processo de Bolonha 59

Como já foi sugerido precedentemente, as distintas linhas estratégicas

empreendidas sob o processo de criação do EEES vêm interligar-se de tal forma que torna-

se possível, nalguns casos, questionar até que ponto a razão de existência de algumas

dessas tem caracter absoluto, ou se se trata, de facto, de objectivos complementares a

outros.

É, em certa medida, uma observação que pode ser feita também com relação à

“garantia da qualidade”. Por um lado é certo que - mesmo num contexto meramente

nacional - o correcto funcionamento de mecanismos que garantem uma “produção”

qualitativa, ao nível do ensino superior, constitui um fim em si mesmo; mas também deve-

se admitir que tal assunto ganha um ímpeto particular, quando inserido num contexto de

“competitividade do ensino superior europeu no âmbito global” e de “recognição das

qualificações” emitidas pelos diferentes sistemas de ensino.

A sensível ligação entre a garantia da qualidade e esses dois outros pontos da

agenda de Bolonha é largamente reconhecida. Em Praga os ministros da educação

europeus reconheceram o «papel fundamental que os sistemas de garantia da qualidade

jogam para a facilitação da comparabilidade das qualificações na Europa» (Comunicado,

2001). Enquanto o Comité do European Quality Assurance Forum de 2011 sublinhou o

facto de ser largamente aceite, na comunidade envolvida no PB, a afirmação de que «A

garantia da qualidade é da máxima importância para atingir o objectivo de tornar o EEES

atractivo ao nível global» (Blättler, Bollaert, Crozier et al. 2011: 8).

A preocupação para com a garantia da qualidade do ensino superior na Europa

59 Veja-se: Anexo XIV.

44

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remonta a uma altura antecedente ao surgimento do PB. De facto, já em 1993 foi lançado o

Institutional Evaluation Programme, pela CRE (hoje Associação das Universidades

Europeias, EUA), com o objectivo de oferecer processos de avaliação externa para os

membros da mesma associação (Blättler e Santa 2010: 44); um ano depois a Comissão

Europeia lançou um projecto-piloto para a “Avaliação da qualidade no Ensino Superior”

(1994; ibidem: 43); em 1998, a União Europeia mostrou ainda interesse para o assunto,

através de uma recomendação do Conselho e do Parlamento (98/561/EC), sobre a

cooperação europeia em matéria de garantia da qualidade no ensino superior, na sequência

da qual (2000) foi criada a ENQA (Associação Europeia para a Garantia da Qualidade no

ensino superior60; ibidem: 44).

O da cooperação na GQ («visando ao desenvolvimento de critérios e metodologias

comparáveis») foi incluído como objectivo para a criação do EEES na própria Declaração

de Bolonha (1999). A importância da GQ foi sublinhada – para além que na declaração de

Praga – em Berlim, onde, juntamente com a implementação do sistema em dois ciclos

(veja-se cap. 2.1) e a melhoria do sistema de recognição (veja-se cap. 2.2), foi escolhida

como “prioridade intermédia”, para o período 2003-2005. Afirmou-se, nesse encontro, o

principio básico de que: «A responsabilidade primária, relativamente à garantia da

qualidade no ensino superior, cabe às próprias instituições [de acordo com o principio da

autonomia institucional]». Foi, ainda, em Berlim que os ministros da educação convidaram

a ENQA (em cooperação com a EUA, a EURASHE e a ESU) para elaborar um “conjunto

de standards, procedimentos e linhas-guias sobre a garantia da qualidade”.

O documento elaborado em consequência desse convite – Standards and

Guidelines for Quality assurance in the European Higher Education Area – foi “adoptado”

pelos ministros na sucessiva conferência de Bergen (2005) e constitui até o momento a

instância de maior relevância na cooperação europeia na GQ; parece oportuno determos

um pouco para analisar alguns dos princípios consagrados nele.

O texto é composto por quatro partes: um primeiro capítulo introdutório; o segundo

contendo os standards e as linhas-guias referentes a: 1) a garantia interna da qualidade, 2) a

garantia externa, e 3) os standards e linhas-guias para as agências de garantia da qualidade;

60 Essa associação constitui, sem dúvida, o actor de maior relevância na instituição de uma dimensão europeia na GQ, tendo sido responsável dos maiores avances nesse sentido.

45

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o terceiro capítulo propõe um sistema de “revisão pelos pares” (peer review) para as

agências.

As partes que nos interessa analisar são, sobretudo, a segunda e a terceira, sendo

que cabe, ainda, referir alguns princípios enunciados na introdução, como bases para a

interpretação correcta dos standards: 1) a importância do envolvimento das partes

interessadas no processo de GQ (estudantes e empregadores); 2) a centralidade da

autonomia das instituições e a responsabilidade que isso comporta; 3) o facto das agências

de garantia externa terem de ser adequadamente funcionantes e não demasiado rígidas nas

práticas, de forma a não sobrecarregar as instituições; 4) finalmente, tida em conta a grande

diversidade que caracteriza o EEES, «preferem-se princípios genéricos, em detrimento de

requisições específicas», o que dá como resultado uma ênfase nos objectivos, mais do que

no procedimentos (ENQA 2005:10).

Passando agora a análise dos próprios standards, importa referir alguns de maior

relevância. No que diz respeito à primeira parte (garantia interna; ibidem: 15-19), afirma-se

que as instituições «deveriam ter uma política, e procedimentos associados, para a garantia

da qualidade e dos standards dos seus programas» e uma estratégia para o melhoramento

da mesma, tendo todos esses elementos que ser publicamente disponíveis (ponto 1.1).

Outro aspecto fundamental, na vertente interna da GQ, é o da recolha da informação por

parte da instituição, sobre aspectos como as taxas de sucesso escolar, a empregabilidade e a

satisfação dos estudantes com os programas e os recursos de aprendizagem e os seus custos

(1.6); isto mostra, pois, o grau de responsabilidade da instituição no levar a cabo o

processo de GQ na sua totalidade, sendo a sua acção complementar àquela das agências.

De facto o primeiro princípio, na parte relativa a garantia externa (ibidem: 19-22),

afirma que essa deve basear-se no processo interno, cujas metodologias e procedimentos

serão os primeiros elementos a serem avaliados (2.1). O segundo standard enuncia que “os

objectivos dos processos de garantia da qualidade deveriam ser previamente determinados,

por parte de todos os responsáveis (incluindo as instituições de ensino), e que deveriam ser

publicados, conjuntamente a uma descrição dos procedimentos que serão utilizados” (2.2);

os critérios de avaliação, igualmente, deverão ser disponíveis publicamente, sendo que

qualquer decisão formal tomada na sequência do processo de GQ, deve ser fundamentada

neles próprios (2.3).

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A terceira parte do capítulo segundo lida com a questão da garantia externa da

qualidade das próprias agências (ibidem: 23-26); essa dever-se-á basear na avaliação da

efectividade do processo descrito na segunda parte (3.1). A questão da independência das

agências (3.6) é aqui de particular relevância: elas deverão assumir-se a plena

responsabilidade das suas operações e garantir que as suas conclusões e recomendações

não possam ser influenciadas por terceiros.

O terceiro capítulo relaciona-se directamente à terceira parte do capítulo segundo,

sendo que nele se definem os responsáveis para a avaliação das agências. Sugere-se a

instituição de um sistema de “revisão pelos pares” (ibidem: 29-30). Essa revisão periódica

(máximo cada 5 anos) será gerida, de preferência (de acordo com o principio da

subsidiariedade), a nível nacional ou, em alternativa - por escolha da agência interessada -

pela ENQA (idem).

Se analisarmos as tendências que caracterizaram os sistemas de GQ europeus nos

últimos anos, repararíamos que, de facto, a maioria das mudanças ocorridas podem ser

directamente relacionadas ao aparecimento dos standards. A última reportagem sobre a

avaliação do PB executada pelo Bologna Follow-up Group, reportava que, em 2009, já

mais do que a metade dos países tinham efectuado uma revisão dos seus sistemas de GQ

perante os Standards and Guidelines (Rauhvargers, Deane e Pauwels 2009: 50).

Em geral, deve-se ter em conta que o da garantia da qualidade é um âmbito que

atravessou nos últimos anos uma rápida evolução, sobretudo na vertente externa; hoje 46

dos 47 países do PB têm um sistema de GQ interna e externa (Beerkens, Cremonini,

Huisman et al. 2010: 30), todavia, só no período 2000-2010, foram estabelecidas vinte e

duas agências nacionais de GQ, onze das quais depois de 2005 (Eurydice 2010: 25).

Outro importante passo para frente, na realização de um espaço europeu da garantia

da qualidade, foi a instituição, em 2008, de um Registo Europeu para a Garantia da

Qualidade (EQAR), como instrumento de acreditação para as próprias agências nacionais.

Hoje em dia o registo compreende 28 agências nacionais, sendo que a aceitação do pedido

de adesão baseia-se na conformidade da agência com os Standards and Guidelines61.

Actualmente a discussão europeia sobre a GQ está a focar-se sobretudo na

61 Veja-se: www.eqar.eu.

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elaboração de estratégias para tornar mais efectiva a vertente externa da garantia: nesse

sentido entende-se a atenção recente para questões como a da “internacionalização” das

agências de GQ (Rauhvargers, Deane e Pauwels 2009: 63) e a da “independência” das

mesmas em relação aos governos nacionais (Eurydice 2010: 25).

2.4) A empregabilidade

O termo “empregabilidade” («employability») é um termo que foi cunhado no

Reino Unido e que está a ser, cada vez mais, utilizado noutros países (Yorke 2006: 2). A

palavra traduz um conceito dificilmente quantificável e, por isso mesmo, sujeito a

diferentes interpretações; vejamos algumas definições.

Para a ESECT (Enhancing Student Employability Co-ordination Team),

organização criada na Inglaterra no contexto de um projecto para a promoção da

empregabilidade dos estudantes, esta se pode definir como:

«Um conjunto de realizações – habilidades, conhecimentos críticos, atributos pessoais – que

proporciona ao graduado uma maior possibilidade de encontrar emprego e de levar a cabo com sucesso

suas tarefas, com beneficio dele próprio, da força-trabalho, da comunidade e da economia» 62.

Essa definição, portanto, designa a característica da empregabilidade como um

conjunto de qualidades que tornariam os estudantes formados («graduates») mais (ou seja,

mais provavelmente) empregáveis e eficientes, a benefício não só do indivíduo, mas

também da comunidade. Para Hillage e Pollard, de maneira parecida, a empregabilidade

consiste na “capacidade de mover-se no mercado do trabalho autonomamente, a fim de

realisar o próprio potencial através de emprego sustentável” (in idem).

Muito parecida a essa definição é, no contexto de Bolonha, a fornecida pelo grupo

de trabalho que se ocupa do próprio assunto («Employability Working Group»):

62 Veja-se: http://www.qualityresearchinternational.com/esecttools/definition.php (última consulta: 07-06-2012).

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«[A empregabilidade] é a habilidade de ganhar um emprego inicial relevante (ou tornar-se trabalhador

“independente), de permanecer empregado e de circular livremente no mercado do trabalho»

(Rauhvargers, Deane e Pauwels 2009: 43).

A empregabilidade, assim, caracteriza-se como uma qualidade que permite uma

utilização óptima de capital humano qualificado e que pertence ao individuo que compõe

esse capital. Ora, o que muitos autores realçam - e que é importante relatar aqui - é o facto

da empregabilidade ser frequentemente, e simplisticamente, medida em termos de efectiva

taxa de emprego dos graduados, o que constitui um grave erro, já que um estudante

“empregável” é um individuo que possui um conjunto específico de qualificações (formais

e informais), que constituem o seu potencial para adquirir um trabalho adequado às suas

qualificações (Vukasovic 2006: 3).

Todavia a possibilidade real de obter um emprego com tais características é, como é

evidente, dependente de variáveis socioeconómicas não controláveis pelo individuo, nem

pelas instituições de ensino. Portanto, no contexto do ensino superior, é de maneira

limitada que a resolução do problema da empregabilidade tem a ver com a resolução do

problema do desemprego ou do subemprego dos graduados; corresponde, na verdade, à

concretização da possibilidade de formar indivíduos com competências relevantes para as

necessidades dos empregadores.

Por outro lado não se deve esquecer a natureza permanente da empregabilidade, ou

seja, o facto de que para uma pessoa ser “empregável” num contexto profissional, as suas

competências têm de ser mantidas e constantemente melhoradas, devido às elevadas

possibilidades de mudança daquele contexto; isso, pois, implica uma ênfase na

“aprendizagem ao longo da vida” (Wiepcke 2009: 436). Trata-se, também, de desenvolver

a força de trabalho existente ou, como afirmam Harvey, Locke e Morey «employability is

not a product but a process» (2002: 16).

A atenção para a questão da empregabilidade, no discurso do ensino superior, não

parece ter surgido há muito tempo – para de Oliveira e Guimarães, em Portugal,

parecidamente com outros países, essas preocupações começaram a entrar nas agendas das

universidades em meados da década de 90 (ibidem: 1). M. Vukasovic enumera uma serie

de fenómenos que levaram, nos últimos anos, a pôr especial atenção na relação entre

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ensino superior e mundo do trabalho, nomeadamente: 1) O facto de os licenciados

gastarem mais tempo na procura de trabalho, do que costumaram em passado; 2) a

sensação, para muitos deles, dos seus primeiros empregos não serem adequados para suas

competências; 3) uma instabilidade geral na vida profissional (com o aumento de trabalhos

de curto prazo) e, finalmente, as acrescidas taxas de desemprego de licenciados (2006: 5).

O que, de facto, se produziu, ao longo das últimas duas ou três décadas, para

muitos, é uma «incompatibilidade, entre as necessidades do mercado do trabalho e os

outputs do ensino superior» (ibidem: 7), a qual pode-se explicar em consequência das

mudanças que tal mercado enfrentou, a partir dos anos 80:

«O mundo do trabalho mudou de maneira significativa desde os anos 80. O comércio e a industria, o

sector público e voluntário, todos tem que actuar num contexto de continua mudança impulsionada pela

revolução informática, pela crescente necessidade de receptividade frente aos stakeholders e pela

acrescida pressão que vem dos competidores globais» (Harvey, Locke e Morey 2002: 11).

Trata-se, em breve, da revolução que levou ao aparecimento da, assim chamada,

“sociedade do conhecimento” («knowledge-based society»), caracterizada por uma

permanente e intensiva mudança63. Nesse contexto, o que as organizações procuram é

trabalhadores com competências que ajudem a enfrentar a mudança (idem), ou seja,

indivíduos dotados não só de aprofundados conhecimentos num campo específico, mas

também de competências “genéricas” ou “transversais” que lhe permitam adaptar-se, caso

seja necessário, a novas situações e necessidade profissionais.

O problema em questão entrou, desde logo, na agenda de Bolonha, já a partir da

própria declaração de 1999, onde se afirma a necessidade de qualificações do 1º ciclo que

sejam relevantes para o mercado do trabalho. Claramente a questão se caracterizou, desde

o começo, como um ponto consonante com outra agenda, a de Lisboa, que afirmava o

imperativo de tornar a Europa a «economia baseada no conhecimento mais dinâmica e

competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com

mais e melhores empregos, e com maior coesão social» (Conselho Europeu, 2000).

63 Para um aprofundamento, nesse sentido, vejam-se: D. Foray (2000): L’économie de la connaissance, Paris, La Découverte; e (2004): The Economics of Knowledge, Massachussets, MIT press.

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Embora a palavra “empregabilidade” seja presente em todas as declarações que dai

decorreram, a problemática encontrou um espaço de discussão autónomo só em 2007, com

a declaração de Londres; antes ficou, mais que nada, associada a questões tais como a

recognição das qualificações (Sorbona, 1998), o Suplemento ao Diploma (Bolonha, 1999),

a dimensão europeia do ensino (Praga, 2001).

Em Londres, após algumas sugestões presentes na declaração de Bergen, a

problemática começou a ser encarada de forma mais radical, o que é evidente se tivermos

em consideração os termos em que se coloca a questão: 1) É afirmada a necessidade de ter

presente a “empregabilidade” já a partir da projectação dos quadros de qualificações; 2)

sugere-se, a nível pedagógico, uma maior ênfase nas “competências transferíveis”

(«transferable skills»); 3) se relaciona a questão da empregabilidade àquela da

aprendizagem ao longo da vida; e 4) sublinha-se a necessidade de colectar dados, a nível

nacional, sobre a situação profissional dos estudantes do ensino superior.

Substancialmente, na conferência de Lovaina (2009), reafirmaram-se tais objectivos.

Para as instituições de ensino, em termos práticos, coloca-se tal questão: quais são

as competências que tornam o estudante empregável? De que forma poderão ser

adquiridas, ao longo do percurso académico? A esse respeito, no contexto de Bolonha, não

existem ainda indicações específicas, sendo todavia previsível uma abordagem do

problema nas próximas conferências ministeriais64. Até o momento a discussão foi levada a

cabo sobretudo no âmbito do – já nomeado – Tuning project, o qual se faz promotor de

uma abordagem pedagógica baseada nas competências e sensível ao problema da

empregabilidade (Calisto 2009: 5-6).

Com relação às tipologias de competências, no site do projecto lê-se o seguinte:

«Pode ser feita uma distinção entre competências genéricas e competências específicas a determinadas

áreas de estudo. Embora Tuning reconheça plenamente a importância de construir e desenvolver

conhecimentos específicos […], sublinhou-se o facto de tempo e atenção também terem de ser

dedicados ao desenvolvimento de competências genéricas ou habilidades transferíveis. Essas últimas

estão a tornar-se cada vez mais importantes, para preparar os estudantes para seus futuros papéis na

64 De facto, o objectivo da empregabilidade constitui, junto com a dimensão social do PB e a aprendizagem ao Longo da vida, uma prioridade até 2020 (Stiwne e Alves 2010).

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sociedade, em termos de empregabilidade e cidadania»65.

Feita essa distinção entre competências ligadas à área específica e competências

genéricas e afirmada a cada vez maior importância dessas últimas, procedeu-se no projecto

no sentido de responder à primeira questão que relatamos antes: quais competências são de

maior relevância para o mercado do trabalho? De particular interesse é aqui a identificação

das competências genéricas, obtidas após entrevistas a Empregadores, académicos e

estudantes. Obteve-se um conjunto de 85 competências, assim classificadas (Villa et al.

2007 in Calisto 2009: 41):

1) Competências instrumentais: cognitivas, metodológicas, tecnológicas, linguísticas;

2) Competências interpessoais: «aquelas que facilitam os processos de interacção social e

de cooperação»;

3) Competências sistémicas: que permitem a compreensão dos mecanismos de ligação entre

vários elementos num determinado sistema.

Afinal, foi possível, deste conjunto, obter uma lista das 30 competências genéricas mais

relevantes, que relatamos em anexo (XV).

Com relação à segunda questão que colocamos, referente à maneira de moldar a

experiência académica dos estudantes com fim a torna-los empregáveis, temos um leque de

possibilidades que estão a ser introduzidas nas instituições de ensino superior na Europa

(Oliveira e Guimarães 2010). O que se observa é uma mudança em termos de curricula e

de abordagem pedagógica, junto com a promoção de iniciativas distintas para melhorar a

comunicação entre mundo académico e do trabalho.

Tampouco nesse sentido existe, ao nível do Processo de Bolonha, algum quadro de

referência comum; considera-se, todavia, que uma análise das iniciativas tomadas no

sistema educativo inglês possam ser de alguma utilidade para a compreensão dos termos

em que a questão virá, provavelmente, a ser encarada. É que, de facto, muitos dos

académicos activos na promoção da empregabilidade no Reino Unido são os mesmos que

estão a enquadrar a problemática a nível europeu; algumas visões teóricas, por outro lado,

65 Veja-se: http://www.unideusto.org/tuningeu/competences/specific.html (última consulta: 10-06-2012).

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já foram acolhidas em publicações que dizem respeito ao Processo66.

Para Harvey, Locke e Morey (2002: 6), se observaram com relação à

empregabilidade três maiores desenvolvimentos, no contexto inglês: 1) uma maior

sensibilização do mundo académico para esse problema e uma acrescida consciência dos

complexos mecanismos de ligação ao mercado do trabalho e das necessidades desse

último, em consequência de um dialogo intensificado com os empregadores (que se

concretizou, as vezes, na colaboração no desenvolvimentos de curricula universitarios); 2)

uma ênfase no estudo dos percursos e dos resultados de estudantes já formados, em termos

profissionais; 3) o reconhecimento, por parte das instituições de ensino, da necessidade de

desenvolver uma estratégia para a empregabilidade de longo prazo; sendo que, em virtude

de tal convicção, se passou de uma abordagem de “bolting on” (abordagem intensiva,

através de iniciativas ad hoc), para uma mais holística e permanente (incorporando

“elementos de empregabilidade” nos próprios percursos académicos; ibidem: 12).

Assim, se por um lado tiveram grande significado iniciativas particulares, tal como

a criação de centros de consultoria profissional, a ênfase na sensibilização dos estudantes a

empreender actividades formativas extracurriculares (ibidem: 21), ou ainda a facilitação da

passagem para o mundo do trabalho através da emissão nas proóprias instituições de

licenças profissionais (idem), a maior relevância a teve o shift pedagógico para um ensino

baseado nas competências (ibidem: 22), levado a cabo segundo os critérios da abordagem

USEM.

Esta, em breve, vê a empregabilidade como o resultado de quatro factores

abrangentes: a compreensão (“Understanding”) da matéria de estudo; a capacidade

(“Skill”) de aplicar os conhecimentos de maneira eficaz; a crença, para o empregado, de

poder fazer a diferença no seu ambiente profissional (“Efficacy beliefs”); a metacognição

(“Metacognition”), ou seja, o “aprender como aprender” (Yorke 2006: 6-7). Para Yorke

deveria ser possível permitir a aquisição dessas macro-competências através de

determinadas iniciativas pedagógicas (2006: 9).

66 Veja-se, por exemplo, o paper de M. Yorke (2006), onde se descreve uma particular abordagem (“USEM”) para a empregabilidade, desenvolvida no Reino Unido, «mas que ganhou atenção em outros lugares» (ibidem: 15; confira-se: Stiwne e Alves 2010: 36); ou, o trabalho da – já mencionada – ESECT, cuja definição de empregabilidade «foi largamente adoptada nas discussões sobre a empregabilidade no âmbito do Processo de Bolonha» (http://www.qualityresearchinternational.com/esecttools/definition.php).

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Ao nível dos 47 países do PB, embora se possa identificar uma sugestão para uma

mudança de tipo pedagógico/curricular que tenha em devida conta o aspecto da

empregabilidade (Blättler e Santa 2010: 100-101), nesse momento a ênfase está a ser

colocada nas questões da recolha de dados sobre o emprego dos licenciados (ibidem: 97;

Rauhvargers, Deane e Pauwels 2009: 43) e da intensificação da colaboração entre

instituições de ensino e empregadores (Rauhvargers, Deane e Pauwels 2009: 43-44),

sendo, nesse último respeito, apreciável uma melhoria nos últimos anos (idem).

2.5) A Dimensão Social do PB e a Aprendizagem ao Longo da Vida

A dimensão social do Processo de Bolonha tem a ver com uma serie de iniciativas e

políticas cujo objectivo é o de facilitar o acesso, a participação e o completamento dos

estudos superiores, para específicas faixas da população, de forma que «o corpo de

estudantes [na educação superior, a todos os níveis] reflicta a diversidade das nossas

populações [europeias]» (Comunicado de Londres, 2007)67. A dimensão social, caracteriza-

se, portanto, desde já como tendo um objectivo tripartido: não se trata só de alargar o

acesso, mas também de assegurar a participação ao longo da carreira académica e,

finalmente, garantir o completamento dessa por parte de todas as categorias de estudantes.

Ora, se a população estudantil deverá reflectir a diversidade da população de um

determinado país, claramente, as medidas empreendidas sob a dimensão social focar-se-ão

naqueles grupos que, por diversas razões, encontram mais dificuldades em levar a cabo

uma experiência no ensino superior, ou seja, nos grupos que, neste contexto, são “sub-

representados”(Comunicado 2009)68.

Como é evidente, o primeiro problema que se coloca é a identificação de tais

grupos sub-representados, a ESU enumera alguns: estudantes provenientes de contextos

67 Embora mencionada antes (Sorbona, Praga, Bergen), a questão social ganha espaço, efectivamente, só nas conferências de Londres e de Lovaina. O Conselho Europeu, por outro lado, enfatizou recentemente a questão («Conclusões sobre a dimensão social da educação e formação», Bruxelas, 11 Maio 2010) em termos muito parecidos aos usado no Processo; aparece, pois, um explicito invito a «implementar a dimensão social dos processos de Bolonha e Copenhaga» (ibidem: 9).

68 Para a ESU (Blättler e Santa 2010: 89) a dimensão social, que foi introduzida na sequência do envolvimento estudantil no Processo, justifica-se pelo simples facto do ensino superior ser de carácter público.

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socioeconómicos desfavorecidos, minorias étnicas e culturais, filhos de imigrados,

estudantes de regiões pouco desenvolvidas, estudantes com desabilidades, estudantes

trabalhadores, estudantes com filhos, estudantes maiores de 35 anos, etc. (Blättler e Santa

2010: 92). Todavia, a situação, nesse respeito, pode variar notavelmente de país para país

(ibidem: 90), portanto, o que em primeiro lugar se torna necessário é um sistema de recolha

e interpretação de dados fiáveis sobre tais assuntos, sobre os quais, subsequentemente,

tomar acção.

É, pois, por essa razão – tendo sido a questão social levantada pouco tempo atrás–

que actualmente a atenção maior está a ser posta na recolha de dados e na identificação de

indicadores (ibidem: 91)69, sendo que as práticas nesse respeito diferem muito entre os

vários sistemas: com relação à identificação de grupos sub-representados, há países que

utilizam cinco ou mais categorias para monitorar a participação estudantil, enquanto

outros, como França, Luxemburgo e Suécia, tomam em consideração apenas os estudantes

que vem de contextos socioeconómicos desfavorecidos (Eurydice 2010: 28). Uma

diferença assinalável diz aqui respeito ao “estatuto étnico” do estudante, considerado

extremamente relevante por alguns sistemas, menos para outros (em alguns países, por

outro lado, a identificação de tal aspecto é proibida; ibidem: 29).

Outras diferenças têm a ver com o sistema de recolha de dados, em alguns países

baseado em “auto-declarações subjectivas” por parte dos estudantes, enquanto outros

países preferem outras fontes consideradas mais objectivas e confiáveis (nos Paises baixos,

por exemplo, a etnicidade é determinada com base no lugar de nascimento dos pais do

aluno; ibidem: 29).

Outro ponto de divergência pode ser constituído pelas razões para o baixo grau de

participação no ensino superior, por parte dos grupos identificados: com relação aos

estudantes socioeconomicamente desfavorecidos, se poderia pensar, em primeiro lugar, a

razões de ordem financeiro, enquanto a maioria dos países colocam a ênfase na falta de

motivação e aconselhamento por parte da família; noutros países identifica-se a razão

principal de exclusão na “estratificação” levada a cabo no ensino secundário, que leva os

estudantes desfavorecidos a optar por percursos de formação profissional (idem).

69 Segundo uma reportagem de Eurydice, em 2010, 22 dos 46 países de Bolonha recolhiam periodicamente dados sobre os grupos sub-representados, 9 o faziam de forma ocasional (2010: 31).

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Eurostudent constitui uma iniciativa para possibilitar uma abordagem pan-europeia

da questão; trata-se de uma rede de pesquisadores e de recolha de dados sobre a dimensão

social do ensino superior, que actualmente envolve 25 dos países do Processo e mais 8

como observadores (Orr, Gwosc e Netz 2011: 14-15). A última reportagem produzida,

referente ao período Novembro 2008 – Outubro 2011, levantou uma serie de questões

comuns, no quadro da situação social dos estudantes europeus70.

Ora, relativamente às medidas particulares para tornar um determinado sistema

socialmente inclusivo, não se atingiu – pela pouca atenção que a questão recebeu até agora

– um consenso generalizado. Contudo, para Beerkens, Cremonini e Huisman (2010: 53)

seria possível identificar – ao nível dos países de Bolonha – um núcleo de quatro grupos de

acções: flexibilidade na admissão no ensino superior, flexibilidade das modalidades de

fornecimento dos serviços de ensino superior, serviços para os estudantes e financiamento

dos estudos desses últimos71.

O primeiro aspecto tem a ver com o facto de os potenciais estudantes puderem

ingressar numa instituição de ensino superior em idade mais avançada com base

exclusivamente na avaliação das suas competências e não «com base no que obtiveram

entre, por exemplo, 10 e 19 anos de idade» (Orr, Gwosc e Netz 2011: 200). O sentido da

questão é proporcionar a possibilidade de ingressar numa instituição em ausência dos

títulos standard requeridos para tal efeito (ensino secundário), para todos aquele que não

tiveram a possibilidade de obtê-los. Nesse respeito, ao nível do PB, o enfoque está a ser

colocado no “recognição de aprendizagem anterior” («Recognition of prior learning»),

consistindo essa na implementação de práticas (análise curricular, exames…) aptas à

avaliação de competências adquiridas em contextos não-formais ou informais: formação

em corporações, experiências profissionais, estudos independentes, etc. (Rauhvargers,

Deane e Pauwels 2009: 81).

A flexibilidade nas modalidades de ensino deveria visar a dar, para algumas

70 Para mais informações veja-se: Orr, Gwosc e Netz (2011).71 Sobretudo em relação aos primeiros dois pontos as conclusões são parecidas com aquelas de Eurostudent,

o qual afirma que: «In many cases, the higher education systems which have been more successful in recruiting and retaining students from low social background are those providing alternative routes into higher education and those offerint a more flexible route through the higher education system» (Orr, Gwosc e Netz 2011: 200). Também relativamente ao financiamento, «countries which can be typified as most socially inclusive [are those] that allocate the highest share of students some form of public support» (ibidem: 201).

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categorias de estudantes sub-representados, a possibilidade de compatibilizar o estudo com

outros compromissos, tais como o emprego, ou a família (idem). Aqui as possibilidades

mais aproveitadas pelas instituições são: estudos part-time, cursos oferecidos em horários

não-tradicionais (e no fim de semana), cursos a distância (Beerkens, Cremonini e Huisman

2010 : 55).

Entre os serviços, adquirem particular importância os de orientação e

aconselhamento, para estudantes que não estejam familiarizados com o meio ambiente

universitário e, para os mesmos, eventuais cursos de preparação («pre-degree», Orr, Gwosc

e Netz 2011: 201); relevantes são também os meios para lidar com as necessidade de

estudantes com deficiências (Beerkens, Cremonini, Huisman 2010 : 55).

As medidas financeiras, finalmente, revelam-se «um dos factores mais influentes

para encorajar a participação de pessoas economicamente desfavorecidas, assim como para

a garantia do completamento dos seus estudos» (ibidem: 56). Exemplos notáveis, na

utilização de fundos públicos para auxiliar financeiramente os estudantes, são Noruega,

Finlândia, Chipre, Dinamarca, Olanda, Reino Unido e Suécia (Berkeens, Cremonini e

Husiman 2010: 57). Para além de bolsas e empréstimos, medidas significativas nesse

respeito podem ter a ver com a redução do custo de vida para os estudantes, notavelmente,

fornecendo serviços de alojamento (Orr, Gwosc e Netz 2011: 202).

Aprendizagem ao longo da vida

O conceito de aprendizagem ao longo da vida («lifelong learning») traduz, em boa

medida, a possibilidade e desejabilidade de alargar e flexibilizar qualquer instância

educativa, em termos de modalidade de ensino, duração, meio ambiente educacional, perfil

e objectivos do estudante. Para alguns autores é um conceito que remonta às ideias de

“educação permanente”, como definida no relatório Fauré, publicado pela UNESCO em

1972 (Alves 2010: 11), ou de “educação recorrente” – termo promovido pela OECD a

partir de 1970 (Blättler e Santa 2010: 83).

Embora não esquecendo que a “aprendizagem ao longo da vida” (ALV) possa

implicar considerações de maior amplitude, poderíamos restringir, concretizar e

operacionalizar o significado da expressão - atendendo ao actual discurso europeu em

57

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torno da questão e ao contexto específico da educação superior - e afirmar que, em boa

medida, a preocupação preponderante, no contexto da ALV, consiste na educação de

adultos (maiores de 25 anos). Assim encarada a ALV fica automaticamente associada –

entre outras – a três tipos de actividades: desenvolvimento profissional para empregados,

educação continuada para adultos, cursos a distância (Sursock e Smidt 2010: 68; anexo

XVI).

A afirmação de que «a promoção da aprendizagem ao longo da vida é

inextricavelmente ligada à dimensão social da educação superior» (Eurydice 2010: 37)

pareceria inteiramente cabida: se a segunda é definida com base no objectivo de tornar a

população estudantil um espelho da população total de um determinado país e se é verdade

que dois em três estudantes, na europa, são menores de 24 anos (Orr, Gwosc e Netz 2011:

59)72 a primeira preocupação tornar-se-á, obviamente, alargar a participação aos indivíduos

de idade maior.

Embora o discurso de Bolonha relativo ao aspecto em questão tenha-se focado,

efectivamente, sobre o caracter “social” do mesmo73 (para além de questões práticas para a

concretização das estratégias de ALV74), se assiste, em simultâneo, a uma “campanha

agressiva de promoção da aprendizagem ao longo da vida, no contexto da Estratégia de

Lisboa da Comissão Europeia” (Blättler e Santa 2010: 84), sendo que o apelo está a ser

reiterado com a Estratégia 202075.

Nesse discurso se observa, em primeiro lugar, uma apologia da ALV, que justifica-

se, ou melhor, torna-se estritamente necessária, na Europa, em consequência de três

fenómenos: «a crescente velocidade da globalização; a transformação demográfica da

Europa numa sociedade em envelhecimento; o rápido ritmo de mudança tecnológica»

(EUA 2008: 3). Essas características da Europa, como sociedade baseada no conhecimento,

fazem com que se torne indispensável promover a aquisição de novos conhecimentos e

72 Sendo, ainda, que nos países com as taxas mais altas de “lifelong learners”, os estudantes maiores de trinta anos constituem um quinto da população estudantil (idem).

73 Veja-se o Comunicado de Praga (2001): «lifelong learning strategies are necessary […] to improve social cohesion, equal opportunities and the quality of life», ou Lovaina (2009): «Lifelong learning is subject to the principle of public responsibility».

74 Tais como a “recognição da aprendizagem anterior” (Comunicado de Londres, 2007), ou a necessidade da parceria entre várias partes interessadas: autoridades públicas, instituições de ensino, estudantes, empregadores, empregados (Comunicado de Lovaina, 2009).

75 Veja-se: Conclusões do Conselho Europeu sobre a dimensão social da educação e formação (11 maio 2010: 4).

58

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competências em todas as faixas etárias da população.

Ora, em termos práticos, como já antecipamos a ALV concretiza-se, de maneira

notável, nalguns tipos de actividades direccionadas, por sua própria natureza, a um target

de estudantes adultos. Nota-se, todavia, o quão fundamental revela-se, para uma

instituição, assumir uma estratégia global e radical de ALV, ou seja, onde as actividades a

ela relacionadas se tornam mainstreaming e não são sujeitas a distinção com relação a

outras modalidades de ensino; é o que acontece, para alguns autores, na Suécia, exemplo

notável de implementação da filosofia de lifelong learning, onde a ALV faz parte “da

cultura nacional desde os anos 70” (Sursock e Smidt 2010: 67).

Para que isso aconteça podem aplicar-se numerosas estratégias; destacam-se, entre

outras, as iniciativas relacionadas ao – já mencionado – aspecto da recognição da

aprendizagem anterior. Mas não só; estudos revelam que o sucesso de uma instituição no

recrutamento de estudantes de maior idade procede da redefinição das mesmas estratégias

de ensino e avaliação, em consequência das diferentes necessidades dos estudantes adultos

em comparação com os estudantes de perfil “tradicional”76; trata-se, afinal, de estratégias,

que mesmo acompanhada por acções de comunicação, deveriam visar a criar “um

ambiente amigável e acolhedor para estudantes não tradicionais” (Correia e Mesquita

2007: 10) e, portanto, não familiarizados com o ambiente académico.

A Carta das Universidades Europeias sobre a Aprendizagem ao Longo da Vida

(EUA 2008), cujo objectivo é o de “assistir as universidades europeias no desenvolvimento

do seu papel de instituições de aprendizagem ao longo da vida” (ibidem: 4), enumera uma

serie de linhas guias abrangentes, entre as quais se destaca, de facto, a de “incorporar

conceitos de alargamento do acesso e de aprendizagem ao longo da vida nas suas próprias

estratégias institucionais” (ibidem: 5).

É importante, de qualquer forma, sublinhar - a jeito de conclusão - o que foi já dito

com relação a ALV: trata-se de um aspecto que deve ser lido no âmbito abrangente da

dimensão social do ensino superior. Considerem-se, por exemplo, os resultados de um

recente estudo da Associação das Universidades Europeias: resulta que para as instituições

76 Por exemplo, pode tratar-se de preferência para trabalhos de grupo em detrimento de seminários tradicionais, ou de “trabalhos”, ao invés de testes, para a avaliação (para mais informações sobre o assunto, veja-se: Correia e Mesquita 2007).

59

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com uma estratégia de ALV em vigor, é maior a probabilidade de possuir políticas para

enfrentar não só as necessidades de estudantes part-time, maiores de 25 anos («mature

students»), ou maiores de 60 anos («senior citizens»), mas também de estudantes

deficientes, socio-economicamente desfavorecidos, sem qualificações formais,

pertencentes a minorias étnicas e imigrantes (Sursock e Smidt 2010: 70).

O que se espera, de facto, dos próximos encontros ministeriais do Processo, é uma

abordagem mais pormenorizadas desse grande número de questões; como já foi sugerido,

trata-se de um passo que, com muita probabilidade, se dará aquando da instituição de um

sistema funcionante de recolha e analise de dados para essas questões77.

2.6) O terceiro ciclo de Bolonha e o Espaço Europeu da Investigação

Já relatamos, na descrição da macroestrutura do ensino visada pela reforma de

Bolonha, a importante mudança de perspectiva que houve com o encontro ministerial de

Berlim, onde se introduziu o conceito de terceiro ciclo, correspondente aos programas

doutorais (que antes faziam parte do segundo ciclo, sendo encarados como alternativa ao

Mestrado):

«Conscientes da necessidade de promover ligações mais estritas entre o Espaço Europeu do Ensino

Superior e o Espaço Europeu da Investigação numa Europa do conhecimento, e da importância da

pesquisa como parte integral da educação no continente europeu, os Ministros consideram necessário ir

além do presente enfoque sobre dois ciclos no ensino superior, incluindo o nível doutoral como terceiro

ciclo no Processo de Bolonha» (Comunicado de Berlim, 2003).

Essas palavras, reiteradas em Bergen (2005), colocaram, desde logo, a ênfase sobre o

terceiro ciclo como ponto de ligação entre o Espaço Europeu do Ensino Superior e o

Espaço Europeu da Investigação (em quanto, «Os programas de doutoramento constituem

o terceiro ciclo de Bolonha e, ao mesmo tempo, constituem a primeira fase da carreira de

77 Motivo pelo qual o grupo de prossecução de Bolonha («Bologna follow-up group») está a perspectivar a criação de um Observatorio Europeu dobre a dimensão social do ensino superior (Orr, Gwosc e Netz 2011: 206).

60

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um jovem investigador»; EUA 2007: 8) e sobre a importância da investigação para os fins

da competitividade a nível global.

É fundamental referir que o conceito de Espaço Europeu da Investigação (EEI) não

decorre do discurso “bolonhês”; trata-se, ao invés, de uma expressão introduzida pela

Comissão Europeia e incluída na Estratégia de Lisboa, onde se afirma o seguinte:

«Tendo em conta o papel significativo desempenhado pela investigação e o desenvolvimento em

matéria de crescimento económico, de emprego e de coesão social, a União deverá empenhar-se na

consecução dos objectivos constantes da comunicação da Comissão intitulada "Rumo a um espaço

europeu da investigação". As actividades de investigação a nível nacional e da União deverão ser mais

bem integradas e coordenadas por forma a torná-las tão eficazes e inovadoras quanto possível e a

assegurar que a Europa proporcione perspectivas atraentes aos seus melhores cérebros.» (Conclusões da

Presidência do Conselho Europeu de Lisboa, 23-24 de Março de 2000).

Carece, de facto, considerar que o debate relativo ao assunto em questão se constrói, mais

do que outros que já tratamos, a partir da contribuição conjunta da Comissão Europeia e

das organizações ligadas ao PB (sobretudo a EUA); por outro lado, para J. Gonzalez e R.

Wagenaar, «ao incluir o doutoramento no Processo de Bolonha, o Espaço Europeu do

Ensino Superior e o Espaço Europeu da Investigação foram conectados e relacionados com

a Estratégia de Lisboa» (2008: 2).

A questão, todavia, é encarada de maneira diferente nos dois casos (Comissão

Europeia/órgãos do PB); embora seria interessante uma comparação das duas visões, a

grande variedade de questões abordadas não permitiria tratar o assunto sem exceder o

espaço destinado a essa parte do nosso estudo. Por essa razão consideramos oportuno

focarmos sobre os conceitos que mais propriamente dizem respeito ao Processo de

Bolonha, remetendo, com relação à parte omissa, para os seguintes documentos da

Comissão Europeia: a Comunicação de 2000 “Rumo a um espaço Europeu da

investigação” (COM 2000/6), que introduz o conceito de EEI e cujos objectivos serão

incluídos na Estratégia de Lisboa; a Carta Europeia do Investigador e ao Código de

Conduta para o Recrutamento de Investigadores (Comissão Europeia 2005); e o Livro

Verde sobre o Espaço Europeu da Investigação (Comissão Europeia 2007). Em particular

desse último nos importa retirar a concepção de EEI como integrando três dimensões: 1)

61

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um “mercado interno” da investigação; 2) uma coordenação das actividades, programas e

políticas a nível europeu; e 3) iniciativas implementadas e financiadas ao nível europeu

(ibidem: 5).

As numerosas questões particulares que dizem respeito ao terceiro ciclo são

enfrentadas, no Processo de Bolonha, a partir de um conjunto de princípios básicos

elaborados no contexto de um seminário de Bolonha de 2005 sobre os doutoramentos;

trata-se dos Princípios de Salisburgo sobre o terceiro ciclo (Christensen 2005).

O documento, em primeiro lugar, declara a originalidade da investigação como

elemento nuclear e imprescindível de qualquer programa de doutoramento (1º principio),

enfatiza a importância da diversidade, decorrente do contexto europeu (3º principio) e

afirma a necessidade de incorporar uma parte relativa à investigação nas estratégias

institucionais das universidades, conferindo, ao mesmo tempo, transparência a todas as

actividades e mecanismos relacionadas com o terceiro ciclo (2º principio).

Há depois uma serie de questões específicas, como o reconhecimento do estatuto

profissional dos doutorandos e dos subsequentes direitos (segurança social78, inclusão nos

processos de tomada de decisão na instituição de pertença; 4º principio); a importância dos

mecanismos de supervisão que, embora diferenciados entre sistemas educativos e

instituições, deveriam se basear sobre um regulamento preestabelecido a nível institucional

e sobre um contracto regularmente assinado (5º principio); a definição de uma duração

típica e aconselhada para os programas de doutoramento (3-4 anos; 7º principio); e o

financiamento que, de preferência, deveria ter em conta a duração efectiva, e não formal,

da investigação levada a cabo.

Um terceiro conjunto de princípios, em nosso entender, diz respeito ao objectivo da

criação do EEI, aproximando-se - de facto - ao tipo de discurso promovido pela Comissão

Europeia; esse inclui considerações tais como o atingimento de uma “massa crítica” (6º

principio), através da criação de escolas para estudos pós-graduados («graduate schools»),

ou através de parcerias regionais, nacionais ou internacionais; a promoção de estruturas

inovadoras (8º principio); e o acréscimo da mobilidade no âmbito dos programas de

doutoramento (9º principio), através de programas específicos tais como as acções Marie

78 Veja-se, a esse propósito, a iniciativa da Comissão Europeia Euraxess (http://ec.europa.eu/euraxess/).

62

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Curie promovidas pela Comissão Europeia79.

Esses princípios foram logo incluídos no Comunicado decorrente do encontro

ministerial de Bergen (2005), onde, por outro lado, se define o objectivo de acrescer o

numero total de doutorando no EEES e se convida a Associação das Universidades

Europeia (e outras partes interessadas) a elaborar uma reportagem para o ulterior

desenvolvimento dos mesmos princípios. Tal reportagem (EUA 2007), apresentada na

conferência de Londres, constituirá, de facto, a base para a revisão dos 10 princípios de

Salisburgo, relatada nas Recomendações de Salisburgo II (EUA 2010). Deve dizer-se que

tais princípios, que transcrevemos de maneira sintética, colocam, na verdade, uma serie de

questões mais específicas que agora iremos tentar abordar.

Em primeiro lugar e com relação ao primeiro princípio, será necessário colocar o

terceiro ciclo no quadro da estrutura curricular oferecida por cada instituição:

«É preciso ter em consideração o carácter específico do terceiro ciclo […]. Isso, todavia, não quer dizer

que os programas doutorais devem ser vistos como isolados, mas como parte de um continuum,

estritamente ligado e subsequente ao primeiro e segundo ciclo» (EUA 2007: 8).

Isso implica, como é evidente, a inclusão das qualificações do terceiro ciclo nos quadros de

qualificações nacionais e no europeu; como já vimos, esse último, adoptado, em Bergen

(2005) já acolheu, embora em atraso respeito aos outros dois ciclos, indicações relativas às

competências expectadas por um individuo que tenha completado um doutorado; a

reportagem sobre a implementação das reformas de 2009, por outro lado, indica que

também a inclusão nos quadros nacionais está em crescimento (Rauhvargers, Deane e

Pauwels 2009: 47). É de notar, todavia, que - a diferença do 1º e 2º ciclo - falta, no quadro

europeu, a indicação da duração e do número de créditos típicos.

Se no contexto de Salisburgo, como já relatamos, a questão da duração produziu

bastante consenso, com a referência a um arco de tempo par a 3-4 anos, o mesmo não se

pode dizer da utilização dos créditos ECTS:

«O ECTS foi amplamente discutido. Não se atingiu consenso sobre a matéria. A maioria dos

79 Veja-se: http://ec.europa.eu/research/mariecurieactions/.

63

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representantes das universidades concordaram em que o ECTS, se tiver mesmo de ser utilizado no

terceiro ciclo, deveria ser restrito à parte estruturada dos programas de doutoramento (por exemplo, aos

cursos para desenvolvimento de competências transversais). [...] De qualquer maneira, a maioria dos

participantes discordam fortemente com a utilização do ECTS como instrumento para medir os

progressos na investigação» (Christensen 2005: II.8).

É evidente, portanto, que a utilização do ECTS não é uma questão isolada, mas liga-se à

inclusão ou não de seminários e da aquisição de competências transversais (de que já

falamos na parte relativa à empregabilidade) nos programas de doutoramento. Também

nesses aspectos não parece haver unanimidade; embora, em graus diferentes, se ache

oportuna a aquisição de tais competências, há desacordo relativamente às modalidades de

atingimento de tal objectivo: para alguns não seria aconselhável obrigar os doutorandos a

atender cursos, sendo que aquelas competências poderiam ser adquiridas através de

actividades de ensino, ou participação activa em conferências (idem).

O que, em nosso entender, se nota é, de facto, uma fractura entre dois importantes

agentes do Processo de Bolonha: a Associação das Universidades Europeias e o Tuning

Project. Esse último, como já dissemos, teve um papel importantíssimo no

desenvolvimento do ECTS e das discussões relativas à empregabilidade e ao “ensino

baseado nas competências”. Na discussão relativa ao terceiro ciclo tal organização

pronuncia-se, evidentemente, a favor do desenvolvimento de competências transversais,

através de cursos e à utilização de créditos; tome-se em consideração esse excerto:

«De acordo com Tuning, o processo de aprendizagem dos doutorandos requer uma abordagem

estruturada em termos de planeamento, concepção, implementação, oferta e melhoria dos programas,

que não é muito diferente daquela desenvolvida para os primeiros dois ciclos de Bolonha» (Gonzalez,

Isaacs e Wagenaar 2008: introdução).

Logo, acrescenta-se explicitamente que a abordagem Tuning ao doutoramento fundamenta-

se (entre outros elementos) sobre a expressão da carga de trabalho através de créditos

ECTS (idem).

Uma afirmação diametralmente oposta encontra-se numa publicação da EUA de

2010, onde se afirma que «o desenvolvimento da educação doutoral deveria seguir seu

64

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próprio percurso e não utilizar os mesmos instrumentos do primeiro e segundo ciclo»

(EUA 2010: I), sendo que «a educação doutoral é um percurso individual e as estruturas

deveriam ser um suporte ao desenvolvimento pessoal, não um meio para produzir

uniformidade e previsibilidade» (idem). Por outro lado, considera-se que «o

desenvolvimento das competências genéricas deveria constituir apenas uma pequena parte

da formação doutoral e não deveria ser demasiadamente enfatizada, respeito à investigação

original» (ibidem: II.8). Argumenta-se, mais, que a aplicação dos créditos à componente

investigativa “não faz sentido”, podendo ameaçar o livre desenvolvimento dessa última

(ibidem: 2.6).

Trata-se, como é evidente, de questões sobre as quais há muito desacordo e

portanto fortemente debatidas, o que se reflecte ao nível das práticas, nas instituições de

ensino superior europeias, caracterizadas por uma variedade de atitudes e políticas com

relação e esses assuntos (Rauhvargers, Deane e Pauwels: 48); o mesmo não acontece com

outras prioridades da agenda de Bolonha sobre o terceiro ciclo (as correspondentes aos

outros princípios enumerados e que não precisam, em nosso entender, de uma descrição

mais ampla).

Importa, contudo, referir que as questões acima descritas dizem respeito, mais em

geral, a uma “revolução silenciosa” (Wilson 2010: 1) da educação doutoral na Europa, que

corresponde à acrescida “estruturação” do terceiro ciclo. Atendendo aos dados fornecido

pela reportagem Trends V (Sursock e Smidt 2010: 43-44 ) da EUA, seria, de facto, possível

identificar uma tendência crescente para estruturar os programas doutorais: recentemente

verificou-se um enfoque nos programas estruturados, em detrimento dos tradicionais

programas individuais; os primeiros caracterizam-se, de uma forma geral, por um

curriculum prefixado, uma duração preestabelecida e um financiamento regular; esse tipo

de programa, pois, é protagonizado por doutorandos que levam a cabo uma investigação

“sincronizada” com aquela de outros colegas e que são apoiados por um comité de

supervisão (e não já por um único supervisor).

Mas sobretudo, outro elemento dessa mesma tendência é a instituição,

recentemente acelerada (EUA 2007: 4.1 e Wilson 2010), de Escolas de estudos pós-

graduados e de Escolas de Investigação (veja-se anexo XVII). As primeiras são estruturas

para estudantes de mestrado e doutoramento com autonomia administrativa (gerindo os

65

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próprios mecanismos de admissão e garantia da qualidade) e que proporcionam cursos para

o desenvolvimentos de competências transversais. As escolas de investigação, ao invés,

incluem só doutorandos e podem ser baseadas sobre a pesquisa numa determinada

disciplina, tema, ou um conjunto interdisciplinar envolvendo, possivelmente, mais

instituições de ensino (EUA 2007: 4.1).

Na visão da EUA tais estruturas proporcionariam numerosas vantagens, entre as

quais: a de constituir um ambiente de investigação estimulante e apto à promoção da

interdisciplinaridade; a de oferecer uma administração (e portanto mecanismos de

admissão) transparente; a de facilitar as tarefas de supervisão; e a de melhorar a

empregabilidade dos seus estudantes (idem).

Podemos concluir essa parte do nosso estudo afirmando que estes

desenvolvimentos, junto com todos aqueles que dizem respeito à tendência para o

networking pan-europeu80, serão provavelmente aqueles que moldarão de forma mais

visível o futuro cenário do Espaço Europeu da Investigação.

2.7) As outras linhas de reforma

Nessa secção conclusiva queremos descrever muito sinteticamente quatro outras

linhas de reforma introduzidas ao longo dos encontros ministeriais de Bolonha. Não se

permite uma discussão muito ampla, por falta de efectiva concretização das mesmas; seja

porque trata-se de tópicos introduzidos muito de recente, ou porque, mesmo colocados na

agenda tempo atrás, nunca tiveram um seguimento significativo. Esse último, por exemplo,

é o caso da “promoção da dimensão europeia” no ensino superior.

A dimensão Europeia

De facto, esse objectivo apareceu logo na conferência de Bolonha, onde – por um

lado – ficou associado ao conceito de networking europeu (“cooperação interinstitucional,

esquemas de mobilidade, programas de estudo, formação e investigação integrados”;

80 Notável, nesse respeito, é a constituição de redes tais como a Eurodoc (http://www.eurodoc.net/), o EUA-CDE (http://www.eua.be/cde/Home.aspx) e o EiroForum (http://www.eiroforum.org/).

66

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Declaração, 1999) e – por outro – ao desenvolvimento dos programas de estudo. Esse

último ponto ficou um pouco mais claro em 2001, quando a questão foi colocada nos

termos de «módulos, programas e currículos com conteúdo, orientação e organização

“europeus”». Um exemplo de “conteúdo e orientação” europeus, como foi sugerido em

Berlim81, pode ser a atenção especial para a diversidade linguística e a aprendizagem de

línguas (Berlim 2003).

Foi esse, de facto, um ponto fundamental do processo de “europeização” da

Universidade de Babes-Bolyai, na Roménia (Agachi, Pop e Moraru 2006), cujo caso

podemos brevemente ter em consideração para melhor entender os termos em que se

coloca a questão da “dimensão europeia”.

Para Agachi, Pop e Moraru (ibidem: 3) a europeização, ao nível das instituições de

ensino, «envolve a identificação de elementos culturais de algum valor para o espaço

Europeu». Nesse sentido, por exemplo, na citada universidade transilvana, cuja

peculiaridade é a coexistência das culturas romena, húngara e alemã, entendeu-se que a

manutenção e a promoção dessa multiculturalidade (e multilinguismo) pudesse ser –

provavelmente com razão – um característica distintiva de valor e, inegavelmente, de

orientação europeia, levando à adopção de políticas multiculturais, em particular com o

desenvolvimento de cursos leccionados nas três línguas (ibidem: 4-5), com a actuação de

uma política linguística apta à aprendizagem das três línguas por parte dos estudantes

(como parte do curriculum; ibidem: 5-6) e com a inclusão de programas de ensino

referentes às diferentes culturas religiosas das culturas em questão (ibidem: 7).

As instituições de ensino superior e os estudantes

Em Praga, os ministros da educação dos então estados aderentes ao Processo de

Bolonha chamaram a atenção para o papel dos estudantes no processo de reforma das

instituições de ensino: estes deveriam ser efectivamente capazes de influenciar «a

organização e o conteúdo da educação» nas suas próprias instituições. A participação

estudantil adquire, portanto, duas dimensões, ambas evidenciadas na conferência de

Berlim; a da participação no Processo de Bolonha em si, através de organizações

81 A qual foi, substancialmente, a última conferência em que se tratou da “prioridade” da promoção da dimensão europeia.

67

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estudantis, e na governação das instituições (Comunicado, 2003). Em particular, com

relação a essa última foi notado que as legislações nacionais já estavam aptas para garantir

a participação dos estudantes (idem); não surpreende, pois, que, colocada nesses termos, a

questão foi logo abandonada (Blättler e Santa 2010: 57).

A ESU pôs em questão a afirmação contida no comunicado de Berlim (ibidem: 56),

lamentando a efectiva escassa participação dos estudantes na governação institucional na

área de Bolonha, o que traduz – no entender dessa organização – uma tendência

generalizada a atribuir ao estudante um papel de consumidor e não de actor relevante na

moldagem da oferta educativa (ibidem: 58).

A recolha de dados e os instrumentos multidimensionais de transparência

Podemos afirmar que a escassa discussão em torno das questões da participação

estudantil e da dimensão europeia é determinada pelo facto de não ter tido nesses respeitos

uma verdadeira reforma; o mesmo não se pode dizer com relação aos dois tópicos que

descreveremos sinteticamente agora, os quais não tiveram uma concretização forte pelo

facto – provavelmente – deles terem sido introduzidos bastante recentemente.

Já mencionamos, na parte relativa à dimensão social, que os ministros

consideraram indispensável, para melhor enfrentar as problemáticas relativas a esse

domínio, a constituição de um corpus de dados e indicadores, por parte do Eurostat e

Eurostudent em conjunção com o Bologna Follow-up Group (Comunicado de Londres

2007). Já em 2009 a recolha de dados adquiriu uma dimensão própria, independente da

agenda relativa à questão social, ao incluir também a “empregabilidade” entre os

fenómenos a quantificar (Comunicado de Lovaina 2009). No entanto, deve-se notar que

alguns resultados do trabalho levado a cabo nesse sentido são já apreciáveis (veja-se a

reportagem da Eurostudent já tida em consideração: Orr, Gwosc e Netz 2011).

A discussão em torno dos “instrumentos de transparência” foi introduzida só na

conferência de Lovaina, em termos bastante vagos:

«Nota-se que há, no presente, muitas iniciativas visantes ao desenvolvimento de mecanismos para

proporcionar informação mais detalhada sobre as instituições de ensino superior no EEES, com o

68

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objectivo de tornar a diversidade das mesmas mais transparente» (Comunicado, 2009).

Na parte que segue afirma-se a necessidade de desenvolver tais instrumentos de

acordo com os princípios e as demais prioridades do Processo, todavia, assim

caracterizado, o conceito de “instrumento de transparência” precisa de algum

esclarecimento.

Entre vários documentos produzidos pelas varias “partes interessadas” do Processo

após a dita conferência que tivemos em consideração82, apenas uma reportagem da

European Students’ Association trata da questão (Blättler e Santa 2010: 63-71). Na visão

dos autores o elemento relativo aos “instrumentos de transparência” no comunicado é o

indicador de uma vontade, expressa por alguns, de incluir no Processo de Bolonha acções

relativas à criação de classificas (rankings) para as universidades; mas que, tendo a

proposta enfrentado varias oposições83, adquiriu os termos genéricos com que se apresenta

no documento oficial (ibidem: 63-64); não é isenta de crítica, nesse sentido, a decisão –

tomada pelos ministros – de implementar essa nova linha de acção (e de criar um relativo

grupo de trabalho), sem que, efectivamente, existisse um entendimento comum (ibidem:

70).

Os elementos que temos levantado até agora, no conjunto dos capítulos das

primeiras duas partes servirão como pontos de referências para a análise que seguidamente

levaremos a cabo. Em particular, a avaliação do impacto que o Processo de Bolonha está a

ter no contexto global, ou simplesmente, do grau de semelhança de acções empreendidas

em outros contextos no âmbito do ensino superior com aquelas do PB, pode ter duas

vertentes que dizem respeito aos aspectos levantados na primeira ou na segunda parte da

dissertação: o Processo de Bolonha, de facto, poderia ser imitado na forma ou no conteudo;

ele constitui - como vimos - uma modalidade original de prossecução de objectivos num

82 Sursock e Smidt 2010; Beerkens, Cremonini, Huisman et al. 2010; Blättler e Santa 2010; Eurydice 2010.83 Argumentação bastante comum contra as classificações é constituída pela observação que as mesmas

constituem instrumentos demasiados rígidos, que acabariam por promover, de maneira unidimensional, determinados modelos institucionais cujas características sejam mais em linha com os indicadores de qualidade escolhido para tais rankings (Blättler e Santa 2010: 70).

69

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contexto supranacional e, ao mesmo tempo, uma agenda peculiar para a reforma do ensino

superior.

O Processo pode, portanto, constituir exemplo de “boa prática” seja onde existem

anseios para cooperação internacional, seja - pelo seu “conteudo” - nas reformas internas e

“individuais” de países que pretendem reformar seus sistemas de ensino superior

70

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III

O Processo de Bolonha como modelo global para a reforma do ensino

superior – panorâmica e estudo de casos: América Latina e o Brasil

3.1) A dimensão externa do Processo de Bolonha – estratégia e resultados

O Espaço Europeu do Ensino Superior no Contexto Global

Na conferência de Londres de 2007, os ministros europeus da educação adoptavam

a estratégia “O Espaço Europeu do Ensino Superior no Contexto Global” (Conferência

2007: 2.20). Essa, elaborada pelo Grupo de Seguimento, decorria de um convite feito pelos

ministros na conferência precedente (Bergen 2005), na qual expressou-se a expectativa de

melhorar a compreensão do Processo de Bolonha em outras regiões do mundo e a troca de

“ideias e experiências” com as mesmas.

É que, de facto, o interesse mostrado por países terceiros na questão europeia já

tinha sido identificado, no âmbito dos trabalhos de seguimento, no período subsequente à

conferência de Praga (Zgaga 2003: 35), sendo que a visibilidade ganha no contexto global

foi devida também à agenda levada a cabo pela UNESCO, com as conferências globais de

1998 (World Conference on Higher Education, Paris) e de 2002 (First Global Forum on

International Quality Assurance, Accreditation and the Recognition of Qualifications in

Higher Education, Paris). Tal interesse, foi logo tido em consideração pelos ministros, os

quais – em Berlim (2003) – apelavam para a abertura dos seminários de Bolonha para

representantes de países externos (Comunicado).

A nomeada Estratégia leva, na introdução, a seguinte premissa:

«Nalguns Países, se debateu sobre a possibilidade de adoptar reformas “bolonhesas”, ou parecidas, no

contexto das reformas domésticas do ensino superior e de utilizar esse modelo para estabelecer

convergência ao nível regional (supranacional)» (BFUG 2007: 1).

71

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E baseia-se num núcleo de 5 elementos constituintes: 1) “melhoramento da informação

sobre o EEES”; 2) “promoção do ensino superior europeu para acrescer a sua

competitividade e atractividade global”; 3) “reforço da cooperação baseada na parceria”; 4)

“Intensificação do diálogo político”; 5) “Progresso na recognição das qualificações” (ao

nível global; ibidem).

Para o presente estudo, em virtude da premissa acima relatada, o que mais nos

interessa é o 3º ponto, cuja génese parece remontar a 2003, quando, num relatório relativo

ao trabalho de seguimento, P. Zgaga propunha que «[Com relação à cooperação com

países terceiros] A ideia de cooperação regional no ensino superior “à Bolonhesa” deveria

ser promovida em outras regiões do mundo» (2003: 42).

Com relação à concretização dessa estratégia, mais em particular, desse terceiro

ponto, há – até o momento presente – pouco a relatar: para além da abertura internacional

dos seminários (cuja presença externa é, nalguns casos, maciça; veja-se: Zgaga 2006: 110),

a acção mais importante foi, sem dúvida, a criação do Bologna Policy Forum. Trata-se de

uma cimeira de responsáveis para o ensino superior europeus e do mundo, tida em

concomitância com os encontros ministeriais de Bolonha, a partir da conferência de

Lovaina (2009) e que, a partir de 2010 (Budapest-Viena) conta com responsáveis nacionais

para cada país participantes84, de forma a constituir uma rede global de informação sobre as

reformas do ensino superior. Finalmente é preciso relatar à introdução de uma versão

latino-americana do projecto “Tuning” - do qual já falamos - que iremos descrever em

detalhe sucessivamente.

Muito haveria a debruçar-se sobre as razões reais para a adopção da Estratégia e,

mais em geral, para as preocupações europeias com relação à “exportação” do modelo

“bolonhês”. Obviamente a questão poderia ser lida segundo uma lógica de atractividade: a

similaridade do esquema curricular com outras regiões do mundo claramente facilitaria o

escâmbio de estudantes. Esse não parece, por outro lado, um discurso ocultado: ao expor as

razões para ter em consideração os “ecos” globais do Processo, Zgaga afirma que:

84 Em 2010, para além de todos os países do acordo de Bolonha, participaram no Fórum os seguintes: Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Colômbia, Egipto, Gana, Japão, Jordânia, Malásia, Mali, México, Marrocos, Nova Zelândia, Filipinas, Arabia Saudita, Senegal, Africa do Sul, Tailândia, Tunísia e Estados Unidos da América.

72

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«Foi sublinhado varias vezes que as reformas estruturais não são suficientes para acrescer o grau de

atração para com outros países […]. Essa deixa de existir se não houver relação, se não houver tensão

entre a dimensão “interna” e “externa”» (2006: 35).

A questão é colocada em termos mais fortes por S. L. Robertson, a qual atribui a

responsabilidade à UE, que «exportou as reformas de Bolonha para alargar sua “esfera de

influência” sobre outras partes do mundo», de forma a «fazer dominante seu modelo de

educação superior, a fim de aumentar sua participação no mercado global de educação

superior internacional» (2009: 415-416).

Quaisquer que sejam as razões e mesmo em falta de elementos formais e concretos

para o seguimento da Estratégia “O Espaço Europeu do Ensino Superior no contexto

global”, é um facto que as reformas implementadas na Europa estão a ter uma ressonância

global não depreciável. Nas páginas que seguem iremos tentar comprovar essa afirmação.

Antes de forma mais geral, relatando alguns dos casos mais significativos ao nível global,

para depois analisar, mais e detalhe, o caso latino-americano e brasileiro.

Ecos das reformas europeias do ensino superior ao nível global

No comunicado de Londres os ministros da educação europeus reconheceram que

«esforços foram levados a cabo nalguns países em outras regiões do mundo para alinhar os

seus próprios sistemas educativos com o esquema de Bolonha» (Comunicado 2007). É

uma afirmação que se encontra repetida num corpo significativo de literatura; assim, por

exemplo, N. Clark (2007 A), ou Eva Egron-Polak (2008: 4-5), secretario geral da

International Association of Universities, segundo a qual, «seja legisladores que dirigentes

de instituições de ensino superior, no mundo inteiro, não podem que admirar a dimensão, o

alcance e o ímpeto que o Processo atingiu em dez anos apenas» (ibidem: 2).

Interesse e atenção para o fenómeno, por outro lado, nem sempre implicam práticas

de imitação, como realça Robertson:

«O Processo de Bolonha passou a ser visto como uma ameaça em potencial (nos Estados Unidos, na

Austrália), um modelo para a reestruturação interna (no Brasil, na China), ou a base para novos

73

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projectos regionais no mundo inteiro (na África, na América Latina)» (2009: 411).

De qualquer forma, é efectivamente difícil imaginar como reformas tão profundas que

afectam quase um terço das instituições de ensino superior no mundo85, possam não

influenciar de forma significativa a agenda internacional no mesmo âmbito.

África

Com relação a esse continente, qualquer consideração relativa aos sistemas

educativos deve necessariamente ter em conta as graves dificuldades pelas quais – embora

em medida diferente (com uma clara divisão entre África do norte e África subsaariana) –

é afectada a totalidade dos países africanos. Entre essas (especificamente para o sector

educativo): falta de fundos, infraestruturas, qualidade, recursos humanos, empregabilidade

e, finalmente, fuga de cérebros.

Em segundo lugar, outra importante observação diz respeito à conformação da

maioria dos sistemas de ensino superior africanos a alguns antigos modelos europeus,

nomeadamente, o português, o francês e o inglês, implantados em época colonial. Como

observa Mohamedbhai (2005, in Zgaga 2006: 48), os fortes legames dessas universidades

africanas com seus próprios “modelos” europeus, levaria as mesmas a querer alinhar-se

com o novo esquema de Bolonha, sendo que, enquanto os sistemas dos países anglófonos

não encontrariam demasiadas dificuldades (a tradição inglesa já previa o ensino em dois

ciclos), o mesmo não se verificaria com os países francófonos e lusófonos. De facto

acontece que as iniciativas regionais de maior interesse envolveram mesmo esses últimos

dois grupos de países.

No que diz respeito aos países francófonos, no Magreb podemos observar, em

conjunto processos de alinhamento ao nível nacional, assim como uma iniciativa de

cooperação regional. De facto, já em 2003-2004 Argélia, Marrocos e Tunísia começaram,

com o suporte do governo francês, do Banco Mundial e da União Europeia, a implementar

a introdução da estrutura curricular em três ciclos (Clark 2007 A).

85 O EEES incluiria 4000 das 14000 presentes no globo, segundo uma estatística da Associação Internacional das Universidades de 2008 (Egron-Polak 2008: 8).

74

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Ao nível regional, na sequência da Declaração de Barcelona (1995) e da Política

Europeia de Vizinhança (Zgaga 2006: 39), produziram-se duas instâncias de cooperação

mediterrânea no âmbito do ensino superior, uma concernente actores governativos e outra

por iniciativa de instituições de ensino: a Declaração de Catânia (2006), que visa à

construção de uma Área Euro-mediterrânea do Ensino Superior e da Investigação, através

da prossecução de objectivos (Comparabilidade das estruturas curriculares e das

qualificações, um sistema de créditos, mobilidade e práticas comuns na garantia da

qualidade; Clark 2007 A) e modo de governação (encontros ministeriais bianuais,

intercalados por trabalhos de seguimento da responsabilidade de uma task force especifica;

Vögtle 2010: 23) parecidos aos de Bolonha; e a Declaração de Tarragona (2005),

documento fundante do Fórum Euro-Mediterrâneo das Universidades, rede constituída por

cerca de 150 instituições de 30 países do grupo “euro-med”86.

Outro caso interessante de cooperação internacional que referimos ao contexto

africano, embora não seja exclusivo desse, é o da Comunidade dos Países de Língua

Portuguesa. No encontro anual de 2002, em Luanda, o exemplo de Bolonha (apresentado

pelo representante português, Pedro Lourtie) foi considerado como modelo para criar uma

Área Lusófona do Ensino Superior (Vögtle 2010: 22; Zgaga 2006: 52). Essa vontade foi

formalizada em 2004, com a Declaração de Fortaleza, que instituiu um grupo de

seguimento para o efeito. Tal Área seria caracterizada, por sistemas de garantia da

qualidade mutualmente reconhecidos, mobilidade, «cooperação no domínio da estrutura

das formações superiores» e «incentivos à participação das instituições da CPLP em

programas relevantes de outras comunidades de países» (Declaração de Fortaleza 2004).

Asia e Oceânia

Na Asia, afirma P. Zgaga (2006: 68), mais no específico na China e na India, o

conhecimento das questões relacionadas ao PB é muito limitado e, com certeza, menor do

que na Australia, America Latina ou Estado Unidos da America e que a procura de

desenvolvimentos parecidos revelar-se-ia, provavelmente, um esforço frustrante (veja-se

também: Clark 2007 B).

86 Veja-se: http://www.epuf.org/home.

75

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No que diz respeito à Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN),

tampouco poderia dizer-se que o Processo de Bolonha teve, até o momento, um impacto

concreto; lá a cooperação em matéria de educação superior remonta a datas anteriores ao

desenvolvimento da reforma integrada europeia: 1992 (Zgaga: 64), em que a cooperação

em matéria de ensino superior foi colocada na agenda da cooperação regional e 1995, ano

da criação da Rede das Universidade da ASEAN.

O caso australiano, ao qual se pode associar o neozelandês, oferece – para a

presente análise – uma quantidade maior de material de discussão. Para Vögtle entram em

jogo, nesses dois países, seja uma lógica de competição que de cooperação, relativamente

ao Espaço Europeu do Ensino Superior (2010: 14). É, de facto, reconhecido que os

sistemas de ensino superior nesses dois países têm um papel fundamental no próprio

desempenho económico, atraindo uma porção de estudantes estrangeiros (sobretudo da

India e da China) verdadeiramente significativa (ACA 2004). Por esse motivo, qualquer

mudança relevante no contexto internacional – como a que o PB representa – gera grande

preocupação e discussão.

Deve-se sublinhar que os dois países já têm em vigor um sistema de qualificações

em três ciclos, um sistema de garantia da qualidade e ratificaram a Convenção de Lisboa.

Os custos de um alinhamento com o padrão de Bolonha são, portanto, relativamente

reduzidos, podendo, essa solução, constituir a melhor forma de não correr o risco de “ficar

de fora” de um padrão dominante e de perder poder no mercado internacional da educação

superior. Essas, pelo menos, são as impressões geradas pelo discurso do ex-ministro da

Educação australiano, Julie Bishop. No paper “O Processo de Bolonha e a Australia: os

próximos passos” (Bishop 2006), a ministra afirma que:

«[O processo de Bolonha] apresenta tanto desafios como oportunidades para as relações Austrália-

Europa e Austrália-Asia e levanta a importância de um diálogo multilateral efectivo com os parceiros-

chave asiáticos sobre futuros rumos no ensino superior» (Bishop 2006 in Zgaga 2006: 75);

E que:

76

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«A compatibilidade com Bolonha alinharia as características-chave do ensino superior australiano com

o de 45 países europeus, permitindo uma maior cooperação, facilitando o movimento de estudantes

entre as instituições de ensino das duas regiões e subsidiando os fins da recognição» (Bishop in ibidem:

76).

Essas intenções, por outro lado, não ficaram no domínio teórico, sendo que em

2007 o ministério da educação australiano convidou as instituições de ensino superior

nacionais a introduzir a “versão australiana” do Suplemento ao diploma, desenvolvido no

âmbito do PB, disponibilizando financiamentos para o efeito87. Outra iniciativa foi o

pedido, por parte das agências nacionais de garantia da qualidade Australiana e

Neozelandês, de inclusão no EQAR (veja-se cap. 2.3).

Ao nível regional tem que destacar-se também o compromisso de cooperação no

ensino superior afirmado, por 27 países da região Asia-pacífico, na Declaração de Brisbane

(Abril 2006), sob iniciativa do ministro Bishop. No contexto da mobilidade estudantil nos

países envolvidos, por outro lado, está a ser utilizado um sistema de créditos (UCTS)

compatível com o ECTS (Vögtle 2010: 12).

Estados Unidos e Canadá

Na América do Norte a resposta aos desenvolvimentos europeus é de natureza

totalmente diferente, em comparação com as dos países que temos levado em consideração

até agora. O grau de atenção é muito elevado88, mas não houve repercussões concretas nas

políticas educativas do país, cujo sistema, por outro lado, é caracterizado por uma

autonomia institucional muito elevada, que torna a iniciativa governativa menos relevante,

em comparação com a Europa.

Já em 2003, no World Education News and Reviews, R. Sedgwick (2003) publicava

um artigo sobre a percepção do PB nos Estados Unidos. O teor do discurso parece centrar-

se logo no tema do EEES como ameaça para o domínio global dos EUA no mercado do

ensino superior:

87 Veja-se: http://www.une.edu.au/chemp/projects/dipsup/ (última consulta: 10-06-2012).88 Exemplificativa nesse sentido é a criação de uma Bologna Task Force, na associação americana NAFSA

(http://www.nafsa.org/resourcelibrary/default.aspx?id=8971).

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«No presente, os maiores competidores dos Estados Unidos no mercado internacional de estudantes são

a Austrália, o Canadá e o Reino Unido. No futuro, com o seu sistema de ensino superior transparente e

flexível, a Europa poderia oferecer uma alternativa atraente. O EEES poderia vir a desafiar o domínio

Americano no ensino superior ao nível internacional» (idem).

É interessante, nesse contexto, a leitura que Robertson faz da decisão – tomada

pelos ministros da Educação europeus – relativa aos critérios de adesão ao Processo de

Bolonha: Inicialmente sugeriu-se a pertença à Convenção de Lisboa como pré-requisito

(incluindo assim Austrália, Canadá e Estados Unidos), mas a opção foi descartada em 2003

elegendo a Convenção Cultural Europeia, retirando assim a possibilidade a esses três

países de influir directamente na agenda do Processo (Robertson 2009: 411). Esta teria

sido, na visão de Hartmann (2008 in idem), uma «jogada por parte da Europa para desafiar

o papel imperial dos Estados Unidos na definição das normas [no ensino superior]».

A diferença da resposta entre Austrália e Nova Zelândia, por um lado, e Estados

Unidos e Canadá, por outro, deve-se – em nosso entender – a uma questão de peso relativo

dos respectivos modelos. Claramente, a reduzida capacidade (em termos quantitativos) dos

sistemas dos países da Oceânia, não obstante a forte atractividade dos mesmos, não deixa

muito espaço de manobra a não ser a da imitação; claramente o domínio esmagador dos

EUA viabiliza soluções diferentes.

3.2) O Processo de Bolonha nos sistemas educativos da América Latina

O caso da América Latina merece, para a presente análise, uma atenção particular

pelos seguintes motivos: em primeiro lugar, pode-se afirmar que seja a região onde se

mostrou mais interesse na questão do EEES e onde produziu-se um dos debates mais

vivos, ao qual seja comparável, talvez, apenas o que se deu na Austrália; em segundo lugar

o discurso local se articulou desde logo numa lógica de “imitação”.

América Latina foi, de facto, a região “externa” que mais cedo começou a

78

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participar na discussão bolonhesa, nas próprias plataformas europeias; já a conferência de

Berlim contava com a presença de representantes do Comité do Espaço Comum para a

Educação Superior do EULAC (União Europeia, América Latina e os Caribes;

Comunicado 2003). Para além de precoce, por outro lado, a participação sul-americana nas

discussões europeias foi significativa, em termos quantitativos (veja-se: Bologna Policy

Forum 2010: estados participantes) e qualitativos89.

Esse interesse, por outro lado, foi amplamente reconhecido na literatura local.

Gacel-Ávila afirma que, também em América Latina, o PB «converteu-se num ponto de

referência […], por ser o primeiro [exemplo de harmonização dos sistemas educativos ao

nível supranacional] e pelo seu caracter inovador» (2011: 125). De maneira parecida

Riveros, segundo o qual, no contexto das reformas nacionais do ensino superior na AL, «O

Processo de Bolonha é considerado um quadro conceptual chave» (2005: 2).

É provável que esse significativo grau de interesse directo seja determinado pelos

fortes laços que os sistemas de ensino superior da América do Sul mantiveram com os dos

antigos colonizadores (Espanha e Portugal) e pelos mecanismos do mercado internacional

da educação superior: segundo um estudo da Associação para a Cooperação Académica

(ACA) de 2005, sobre a “percepção do ensino superior europeu nos países terceiros”, a

Europa – como destino para estudantes – posiciona-se acima de Estados Unidos e

Austrália, no mercado Sul-americano (o que não acontece, por exemplo, nos países

asiáticos; ACA 2005: 221).

Relevante aqui é também a observação feita por Brunner, o qual, ao analisar os

recentes desenvolvimentos na garantia da qualidade para o ensino superior na América

Latina, confirma a hipótese, formulada por Malo (2005), de que nessa região «a

globalização europeia é vista como menos ameaçante, em comparação com a norte-

americana» (in Brunner 2009: 17), ou dito em outras palavras, as práticas e políticas (nesse

caso no âmbito educativo) concebidas na Europa gozam geralmente de um bom grau de

aceitação nos estados latino-americanos.

Realçamos, finalmente, que esse grau de aceitação não se limita ao nível

governamental, sendo que amiúde a comunidade académica local se expressou

89 Veja-se: Bologna Policy Forum 2010: contribuição Colombia; http://www.ehea.info/article-details.aspx?ArticleId=93.

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favoravelmente com relação a eventuais desenvolvimentos “à bolonhesa” nos sistemas

educativos da América do sul. Assim, por exemplo, se expressa Lamarra:

«A transformação dos sistemas europeus de ensino superior […] é um desafio que América Latina deve

conhecer e discutir. […] Haveria que pensar na criação de organismos latino-americanos parecidos aos

europeus, como ENQA ou o Joint Quality Initiative» (2004: 6);

E Gacel-Ávila:

«Na nossa opinião, uma reforma académica inspirada em modelos internacionais como o PB […] seria

uma das melhores maneiras de inovar os paradigmas educativos [latino-americanos] atuais» (2011: 130;

trad. nossa).

Educação superior na América Latina – o contexto

No ensino superior da América Latina há que destacar que, historicamente,

prevaleceram duas tendências principais que sobrevivem - ao dia de hoje - como as duas

instâncias de maior relevo para a presente discussão: o modelo napoleónico de

universidade como modelo dominante e uma acentuada autonomia institucional (Lamarra

2004: 1). O primeiro elemento refere-se, ao nível conceptual, ao forte centralismo

institucional, burocracia, elitismo e ênfase nos cursos de natureza profissional (Brunner

2009: 7) e se traduz, na prática (pelo menos no contexto em questão), numa estrutura de

ensino rígida, um método didáctico centrado no papel do docente, elevadas taxas de

abandono e baixa eficiência em termos de tempo médio requerido para a graduação (idem).

Nas últimas décadas houve, contudo, uma diversificação do cenário, com a

sobreposição de modelos diferentes; isso foi devido sobretudo à necessidade de atender ao

aumento da procura de educação superior (Lamarra 2004: 1). Para além do crescimento do

número total de instituições, o fenómeno mais relevante, nesse contexto, foi a introdução –

a ritmos muito elevados – de cursos de pós-graduação, levando, portanto, a uma espécie de

coexistência do modelo supracitado com o anglo-saxónico (em dois/três ciclos; ibidem:

1.1).

80

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Em termos gerais, as consequências dessa “super-oferta” apressada foram três: 1) a

privatização dos sistemas educativos superiores90 (Brunner 2009: 5); 2) uma queda

generalizada dos níveis de qualidade (Riveros 2005: 2) e da produção científica original

(Brunner 2009: 6); 3) uma complexificação do cenário institucional, caracterizado por

tendências “centrífugas”, ditadas pela lógica de mercantilização da educação superior

(ibidem: 5).

Frente a esse quadro a totalidade dos países de América Latina estaria numa fase de

preparação, ou implementação, de profundas reformas dos seus sistemas de ensino

superior, em termos – sobretudo – de financiamento e de estruturas curriculares (Riveros

2005: 2); sendo que razão para isso é constituída, para além de todas as observações que

relatamos acima, também pelo “deficit de cobertura” de tais sistemas, os quais,

mediamente atendem às necessidades educativas de 12-15% da população entre 20-24 anos

(em comparação com o quase 50% do OECD; idem).

Ora, é importante sublinhar que essas reformas, seja no sentido “interno” que na

vertente da cooperação internacional (que iremos daqui a pouco descrever), não actuam

num vazio institucional, ao nível regional. Há, de facto, que destacar - sobretudo - duas

instâncias: O sector educacional do Mercosul (http://www.sic.inep.gov.br/) e o Instituto

Internacional para a Educação Superior na América Latina e no Caribe (IESALC) da

UNESCO (http://www.iesalc.unesco.org.ve/)91.

O primeiro foi fundado em 1992 e prevê o encontro dos ministros da educação

como instância de tomada de decisões. Focou-se, nas duas décadas a decorrer da criação,

sobre duas temáticas em particular: a cooperação e matéria de recognição dos títulos, com

o fim de permitir a prossecução da carreira académica (pós-graduada) e profissional dos

cidadãos dos Estados Membros em país do Mercosul diferente do de origem; e a

cooperação em matéria de acreditação dos cursos (Lamarra 2004: 4.1).

Nesses respeitos se alcançaram alguns resultados práticos: no que diz respeito ao

primeiro, assinaram-se: o Protocolo de Montevideo (1995) sobre a prossecução de estudos

90 Com o 47% dos estudantes do inteiro continente inscritos em instituições privadas (Brunner 2009: 5). 91 Outras importantes iniciativas são: a Rede Ibero-americana para a Acreditação da Qualidade do Ensino

Superior (www.riaces.net); a União das Universidades de América Latina e Caribe (http://www.udual.org/); e a recém-criada Fundação para a União Europeia, a América Latina e o Caribe (http://eulacfoundation.org/), que prevê actuações relevantes na cooperação na área do ensino supeior.

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pós-graduados nas universidades dos países membros e o Protocolo de Assunção (1997),

sobre a admissão de titulos e graus universitários para o exercício das actividades

académicas nos países do MERCOSUL (idem). Com relação à acreditação criou-se um

mecanismo (MEXA) comum para a região, que constitui uma iniciativa importantíssima,

vistos os problemas comuns relativos à qualidade, e que prevê: a adopção de um sistema de

adesão livre de acreditação periódica, baseada em previa auto-avaliação; a instituição de

um processo de avaliação pelos pares; a garantia da transparência, responsabilidade e

idoneidade dos organismos competentes ao nível nacional, nomeadamente, as agências

nacionais de acreditação; estabelecimento de uma reunião regular de ditas agência para fins

de ulterior cooperação (ibidem: 4.2).

A segunda instância (UNESCO-IESALC) pode ser considerada a contraparte

latino-americana da UNESCO-CEPES (veja-se: cap. 1.2). Sua missão principal é

«contribuir para o desenvolvimento e transformação do ensino superior», na região

interessada, de acordo com as linhas gerais definidas pela UNESCO nos encontros globais

de discussão sobre a educação superior92. Na prática isso consiste em promover objectivos

muito parecidos aos que estão a visar-se no EEES: maior cooperação, mobilidade,

qualidade. O organismo contribuiu para tais fins agindo de plataforma de comunicação

entre os diferentes estados (nos seus órgãos responsáveis para a educação), instituições e

comunidades académicas (idem). A publicação de estudos e a criação de bases de dados

sobre os sistemas educativos dos países envolvidos, levados a cabo pela organização,

também contribuem para os fins de integração e partilha de práticas ao nível latino-

americano.

Tuning America Latina

Referimos brevemente, ao longo da segunda parte dessa dissertação, as

características principais do projecto Tuning Educational Structures in Europe, criado em

2000 com o objectivo de modernizar o sistema ECTS (objectivo levado a cabo, com a

introdução da função da acumulação), mas cujas contribuições maiores, ao longo dos anos

sucessivos, acabaram por entrar no domínio da empregabilidade e do “ensino centrado no

aluno”, nomeadamente, através da discussão e trabalho sobre os conceitos de “resultados

92 Veja-se: http://www.iesalc.unesco.org.ve.

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de aprendizagem” («learning outcomes») e competências genéricas.

As ideias inovadoras elaboradas nesse contexto formam, hoje em dia, parte central

do corpo conceitual referente ao PB, assim que «hoje Tuning é mais do que apenas um

projecto; se tornou uma metodologia reconhecida internacionalmente, um instrumento que

as universidades criaram para as universidades» (Beneitone et al. 2007: 12; trad. nossa)93.

Trata-se, de facto, de um projecto impulsionado por universidades particulares (as de

Deusto - Espanha - e Gröningen - Paises Baixos -, em primeiro lugar), embora com o apoio

financeiro da Comissão Europeia, e assente em diferentes grupos de trabalhos formados

pelos académicos pertencentes às mesmas94.

Ora, a que podemos definir uma verdadeira “importação” desse modelo na América

Latina – onde iniciou-se o Tuning América Latina – parece-nos um exemplo notável de

impacto do PB no contexto global e merecedora de discussão.

Como relata Beneitone, «a ideia de aplicar o projecto Tuning na América Latina

nasceu na Europa, mas foi levantada por Latinamericanos» (2007: 13); os representantes

dessa região no encontro da EULAC (para a cooperação no ensino superior) de 2002

(Córdoba – Espanha), no qual foram apresentados os primeiros resultados do Tuning

europeu, mostraram interesse para a questão, avançando a hipótese de importar o modelo

na América Latina. Exactamente um ano depois (10/2003) foi apresentada a proposta de

projecto para a Comissão Europeia, que concedeu apoio financeiro (idem)

Foram 8 as universidades latino-americanas que apresentaram a proposta95 e

atingiram-se, até o final da primeira fase do projecto (2004-2007), 190 universidades

participantes, em 19 países de América Latina (com a criação de centros nacionais de

informação tuning, em cada um desses; ibidem: 17).

Não obstante o recorrente discurso referente à natureza flexível do projecto e à sua

adaptabilidade aos contextos particulares (ibidem: 12, 286, 288), esse processo de

“sintonização” («tuning»), tem tido conteúdos e metodologias parecidíssimos aos

93 Existem também Tuning USA (http://tuningusa.org) e Tuning África (http://www.tuningafrica.org/).94 H ttp://www.unideusto.org/tuningeu/what-is-tuning/organizational-structure.html Uúltima consulta: 10-06-

2012).95 Universidad Nacional de la Plata (Argentina), Universidade Estadual de Campinas (Brasil), Universidad

de Chile, Pontificia Universidad Javeriana (Colombia), Universidad de Costa Rica, Universidad Rafael Landívar (Guatemala), Universidad de Guanajuato (México) e a Universidade Católica Andrés Bello (Venezuela; ibidem:14).

83

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experimentados na Europa, centrando-se em quatro linhas de trabalho: 1) definição de

competências genéricas e específicas; 2) abordagem ao método de ensino e aprendizagem;

3) desenvolvimento de um sistema de créditos; 4) qualidade dos programas (ibidem: 15).

É interessante, por outro lado, notar os rápidos desenvolvimentos no tipo de

discurso proposto, que talvez seja indicativo de um grau de implementação concreta

igualmente rápido. No decorrer da primeira fase do projecto afirmava-se o seguinte:

«América Latina não definiu uma data para a criação de um espaço do ensino superior e nem sequer é

caracterizada por um quadro de acordo político tal como o que existe na Europa. O Tuning Latin

America Project não visa à criação de tal espaço, mas pretende oferecer elementos que facilitariam a

reflexão, de forma a permitir o atingimento de um grau de acordo no quadro de ensino superior»

(ibidem: 19).

O discurso parece ter mudado hoje em dia, sendo que, na apresentação dos objectivos

referentes à segunda fase (2011-2013; na verdade um aprofundamento daqueles que foram

definidos precedentemente), o discurso enquadra-se na «construção de um Espaço de

Educação Superior na América Latina a partir da convergência curricular», como objectivo

geral96.

O “Processo de Lima”?

Outro caso que cabe relatar, no âmbito das iniciativas de cooperação supranacional

na América Latina, é o relativo ao ENLACES, o Espaço Latino-americano e Caribenho do

Ensino Superior. Esse, embora recente, mostra numerosas características assimiláveis ao

mecanismo de lançamento do Processo de Bolonha.

No âmbito da Conferência Regional sobre o Ensino Superior de América Latina e

do Caribe (CRES), a ideia da formalização de um tal espaço foi várias vezes proposta, ao

longo da última década97. A conferência de Panamá (6-7/11/2008) e (sobretudo) a de Santo

Domingo (10/03/2009) constituíram as plataformas onde se deram os primeiros passos

para a concretização desses anseios de antiga expressão (idem). Trata-se de conferências 96 Confira-se: http://www.tuningal.org/pt/projeto-tuning/objetivos (última consulta: 10-06-2012).97 Confira-se: http://www.iesalc.unesco.org.ve/index.php?

option=com_content&view=article&id=1001&Itemid=488&lang=en (última consulta: 10-06-2012).

84

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não-governamentais, onde se destaca – sobretudo – a presença de organizações de

cooperação regional, entre estas: a UNESCO-IESALC, a Organização Universitária

Interamericana (OUI) e a União das Universidades de América Latina e Caribe

(Declaração de Santo Domingo: 10/03/2009).

Por seu caracter não-governamental a declaração resultante da segunda conferência

limita-se, como é forçoso, a um carácter de convite (Parecido, por outro lado, ao que

caracterizava a Declaração de Sorbonne de 1998): o ponto focal da declaração está na

solicitação aos chefes de governo latino-americanos para priorizar o ensino superior, nas

políticas de estado (2.1) e no reconhecimento da «importância estratégica da cooperação e

integração académica regional» (2.2). Note-se, por outro lado, que na declaração encontra-

se a referência a um limitado «Espaço de Encontro do Ensino Superior da América Latina

e do Caribe» (1).

O Cenário que resulta da Declaração de Lima, que contou com a participação ampla

dos Conselhos Nacionais de Reitores (Declaração de Lima 2009: 5-8), adquire outros

contornos; aqui, em resposta aos precedentes convites do CRES (ibidem: 1), os

participantes concordaram em criar o “Espaço Latino-Americano e Caribenho do Ensino

Superior” («Latin American and Caribbean Higher Education Area», ibidem: 1) - ou

ENLACES - fundado nos princípios da autonomia institucional, cooperação solidaria,

inclusão, co-participação, igualdade de oportunidades e flexibilidade (idem). Constitui-se,

além disso, um comité de seguimento, responsável, em conjunto com o IESALC para o

«desenvolvimento de uma agenda de trabalho concreta» (ibidem: 3).

Em falta de informações relevantes sobre tal agenda, nos limitaremos a uma análise

das características dessa iniciativa, relatadas no portal oficial: as similaridades com o

primeiro discurso “bolonhês” seriam significativas: os princípios fundantes que relatamos

(sobretudo a autonomia institucional), o papel impulsionador de um organismo

internacional de elevadas “capacidades” - IESALC (como a Comissão Europeia) -, a

partilha da posse («ENLACES é responsabilidade de todas as partes envolvidas»; veja-se o

referido portal internet), a natureza de tipo multi-stakeholders (com a participação de

ministros da educação, instituições de ensino, redes de instituições e associações de ensino

superior, académicos, pesquisadores, pessoal administrativo, entre outros; idem)98.

98 Confira-se: http://www.iesalc.unesco.org.ve/index.php?

85

Page 92: O Processo de Bolonha: um modelo europeu de reforma do ... · O impacto nas outras regiões do mundo ... através da análise do impacto que esse modelo teve fora do continente europeu

Como é evidente a diferença fundamental aqui é a origem da iniciativa: na Europa

de tipo governamental (a reunião dos quatro ministros da educação em Paris), aqui não-

governamental; trata-se, enfim, de um processo de tipo bottom-up, cujos promotores são

bem cientes da essencialidade do envolvimento político para a realização do projecto e da

incorporação dos princípios nas legislações nacionais:

«ENLACES irá requerer a vontade política do corpos de governo para adiantar as suas propostas. A

convergência dos curricula e dos programas de estudo, a mobilidade académica, a acreditação dos

cursos universitários e a recognição dos titulos são projectos […] que apenas podem realizar-se com a

directa intervenção dos ministros […]. Por essa razão é necessário apresentar as propostas relativas ao

ENLACES em fóruns regionais de ministros e chefes de estado e de governo»99.

A partir desse mesmo excerto é, por outro lado, possível avaliar o grau de

semelhança com o PB em termos de “conteúdos” do processo de convergência: a

recognição dos títulos, a acreditação (que podemos incluir no domínio da garantia da

qualidade), a convergência dos curricula académicos (lembre-se o projecto tuning), a

mobilidade.

Enfim, não nos parece exagerado afirmar a possibilidade que essa instância venha,

no futuro próximo, a constituir um antecedente para desenvolvimentos concretos e

significativos, no que diz respeito à convergência dos sistemas nacionais de ensino superior

na América Latina. Ainda menos exagerado parece-nos reconhecer a influência das

iniciativas europeias do fim da década de 90 (relativas à cooperação continental em

matéria de educação superior), na maneira como o discurso e as práticas foram

estruturadas.

Iremos agora, após essa análise ao nível internacional, tentar perceber se há práticas

de alinhamento com o modelo de Bolonha também ao nível nacional, no sentido interno.

Consideramos oportuno levar a cabo essa tarefa analisando o caso brasileiro que, mesmo

que seja por meras considerações quantitativas, concederia maior significado aos

fenómenos observáveis que nos interessam.

option=com_content&view=article&id=1001&Itemid=488&lang=en (última consulta: 10-06-2012).99 Confira-se: http://www.iesalc.unesco.org.ve/index.php?

option=com_content&view=article&id=1163&Itemid=543&lang=en (última consulta: 10-06-2012).

86

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3.3) O Processo de Bolonha e a reforma do ensino superior brasileiro – Reuni e

Universidade Nova.

À conclusão dessa terceira e última parte da presente dissertação, queremos levar

em consideração os mais recentes desenvolvimentos do sistema brasileiro de ensino

superior, marcado – já a partir de alguns anos – por um anseio reformista, devido as

numerosas e evidentes problemáticas que, nesse âmbito, o país enfrenta. Mais em

particular, revelam-se particularmente interessantes para a presente análise duas instâncias:

1) o programa REUNI, de reestruturação e expansão das universidades federais,

estabelecido por Decreto (Nº 6096), durante o governo Lula (2007); 2) o modelo

Universidade Nova, elaborado por Naomar de Almeida Filho, ex-reitor da Universidade

Federal da Bahia (2002-2010), como possível paradigma para a reforma do ensino superior

brasileiro. Esse tornou-se extremamente conhecido no ambiente académico nacional e

recebeu forte apoio por parte do governo, tornando-se exemplo de boa-prática na

implementação concreta do dito programa de reestruturação nas outras universidades

federais do país.

As duas iniciativas parecem-nos extremamente relevantes no contexto da análise

que levamos a cabo, em quanto caracterizam-se por numerosas características já

observáveis na reforma europeia do ensino superior. Cabe verificar até que ponto o modelo

que está a surgir no Brasil é compatível com o de Bolonha e até que ponto as similaridades

observadas são fruto de uma “importação” directa de ideias europeias.

Contextualização – o ensino superior no Brasil

A descrição do cenário do ensino superior geral, relativo à América Latina, que

fizemos precedentemente responde, em boa medida, à situação específica do Brasil. As

características que aqui ressaltam são, em primeiro lugar, o elevadíssimo grau de

privatização, sendo que, das 2185 instituições de ensino superior reconhecidas, apenas 231

são públicas (Beneitone et al. 2007: 339); em segundo lugar, há o problema fundamental

que o país enfrenta em matéria de ensino superior: apenas 11% da população entre 18 e 24

87

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anos atende um curso de educação terciaria (idem)100.

Como relata Naomar de Almeida Filho, «do ponto de vista curricular, o Brasil adota

ainda modelos de formação baseados nas universidades europeias do século XIX» (2008:

150), os quais foram implantados, de maneira maciça, a partir da década de 30 do século

passado, aquando da criação das primeiras instituições federais, que emulavam – em

particular – o paradigma conimbricense101 (UFBA 2007: 8). Trata-se, em substância, de um

modelo universitário centrado na profissionalização (napoleónico), com cursos de longa

duração focados na aquisição – através de práticas pedagógicas tradicionais – na aquisição

das competências fundamentais e específicas para uma determinada profissão (CNE/CES

parecer Nº 329/04, in UFBA 2007: 16).

Por outro lado, desde a criação do seu sistema de ensino superior, na verdade, o

Brasil nunca contemplou «uma norma legal de ensino superior consolidada» (Lima, de

Azevedo, Catani 2008: 21), sendo que o sistema tem vindo a ser delineado por «um

conjunto de leis, medidas provisorias e resoluções ministeriais e do Conselho Nacional de

Educação» (idem).

Em particular - fazendo um breve excursus dos últimos 50 anos -, já desde 1960

começou a expressar-se um anseio reformista que actualizasse o sistema de ensino de

forma a torna-lo relevante no contexto global, com a iniciativa de Anísio Teixeira, a partir

da Universidade de Brasilia, que contemplava elementos do modelo universitário

flexneriano (UFBA 2007: 9); esse não pude ser completado, devido à toma do poder por

parte do regime militar em 1964, que exiliou o antropólogo. Por meio da lei Nº 5540/68, de

1968, o mesmo governo militar adoptaria nacionalmente «uma cópia empobrecida do

sistema americano de educação superior», sobrepondo os estudos pós-graduados aos

currículos profissionalizantes vigentes (idem).

A um tentativo de reforma frustrado de 1985 (governo Sarney), seguiu a forte vaga

100Outros aspectos genéricos que temos a relatar são os seguintes: O ano académico, parecidamente com a prática europeia (e global), é dividido em semestres (o primeiro de fevereiro a Junho; o segundo de Agosto a Dezembro); O ensino superior público é totalmente gratuito, sendo que o acesso é concedido após superação de uma prova de ingresso (“vestibular”) altamente selectiva; não existe um sistema de créditos nacional; recentemente (Abril 2004), foi criado um sistema de avaliação do ensino superior (SINAES), responsável, em conjunto com o CONAES (Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior), para a acreditação, recognição e autorização, relativamente a cursos e instituições (Beneitone et al. 2007: 339-342).

101Que em época de consolidação da ditadura salazarista constituía um dos mais tradicionais da Europa (UFBA 2007: 8).

88

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de desregulação dos anos 90, com o fim de expandir a rede educativa superior,

nomeadamente, através da criação de instituições privadas, que iriam surgindo a ritmos

elevadíssimos (ibidem: 10). Embora atendendo a uma efectivamente acrescida procura de

educação superior por parte da população, essa expansão produziu resultados meramente

quantitativos, sendo que a qualidade media do ensino superior registou uma queda

significativa (idem).

Finalmente, em Dezembro de 1996, foi aprovada a Lei Nº 9394, de Directrizes e

Bases da Educação, cujas lacunas, de todo modo, foram amplamente reconhecidas. Assim

o Governo Lula preocupou-se desde o inicio com o assunto em questão (Lima, de

Azevedo, Catani 2008: 22), sendo que, para além do nomeado plano de expansão e

reestruturação (que descreveremos em detalhe sucessivamente), o ministério da educação

produziu um abrangente projecto de lei (7200/2006) de reforma da educação superior,

baseado em três “eixos”: 1) constituição de um «marco regulatório para a educação

superior»; 2) garantia da autonomia universitária; e 3) consolidação da responsabilidade

social da educação superior (Haddad et al. 2006: 22).

Embora o projecto-lei (ainda pendente) venha a enfrentar de forma consistente

muitas das questões problemáticas do ensino superior brasileiro (em primeiro lugar a

questão da qualidade e da transparência), foi evidenciada a lacuna relativa à arquitectura

académica, questão sobre a qual não é presente nenhuma observação (UFBA 2007: 2).

Com relação a isso destaca-se que o actual sistema baseia-se numa variedade

inaceitavelmente ampla de títulos académicos (veja-se anexo XVIII), geradora de enormes

confusões e incompatibilidades e que é, substancialmente, fruto das numerosas iniciativas

incompletas que relatamos. No que diz respeito aos estudos pós-secundários existem as

seguintes possibilidades: cursos de graduação, cursos “sequenciais” e outros cursos

variados que não respondem a características prefixadas. Dos segundos fazem parte as

denominações profissionais específicas (como, por exemplo, a de médico), que carecem de

correspondência com os estândares internacionais (Santos e de Almeida 2008: 155). Nos

estudos de graduação, ao invés, reconhecem-se três distintas categorias: os Bacheralados,

correspondentes a diferentes carreiras profissionais (direito, jornalismo…); 2)

Licenciaturas, que constituem cursos de natureza mais genérica que habilitam à profissão

de ensino primário, ou secundario; 3) os Diplomas de tecnólogo, da duração de dois anos,

89

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como ampliação do ensino secundário profissional (ibidem: 153-154). Os estudos

graduados caracterizam-se, ao invés, pela distinção entre mestrados académicos, mestrados

profissionais, especializações e doutorados (Beneitone et al. 2007: 343), sendo que

também tais mestrados, caracterizam-se por falta de compatibilidade com os do segundo

ciclo europeu (Santos e de Almeida 2008: 156).

Dentro das problemáticas devidas à presente estruturação dos cursos incluem-se, a

excessiva precocidade nas escolhas de carreiras profissionais, a falta de

interdisciplinaridade, assim como altas taxas de insucesso. Como veremos o discurso

actual sobre a reforma do ensino superior brasileiro tem em ampla consideração tais

questões, para além daqueles relativos à necessária expansão do ensino em termos

quantitativos e qualitativos, levantando a possibilidade de uma reforma fundamental da

estrutura curricular e pedagógica.

A influência da reforma de Bolonha nas políticas de ensino superior brasileiras – o

programa REUNI

A análise do discurso presente em alguns recentes documentos concernentes as

políticas de ensino superior no Brasil, nos leva a identificar numerosos pontos de contacto

e congruências entre esse discurso e aquele que foi produzido na última década no âmbito

do compromisso europeu de Bolonha, seja em termos das premissas genéricas com as

quais se encara a problemática do ensino superior, seja em termos de práticas mais

específicas para vir a realizar tais premissas.

Tratar-se-ia, caso fosse verificado, de um resultado concordante com as numerosas

afirmações que consideram o Processo de Bolonha uma ideia obrigatoriamente inspiradora

para a reforma do ensino superior brasileiro102; assim, por exemplo, Lima, de Azevedo e

Catani, para os quais:

102Algum grau de comprovação indirecta de tais afirmações foi, por outro lado, fornecido por Brochado, que, ao analisar a percepção de gestores de uma instituição de ensino superior do Rio de Janeiro, chega à conclusão de que, possivelmente na comunidade académica brasileira poderia existir um «real interesse em entender e aplicar algumas características» do PB (2010: 9). Particularmente significativas as afirmações de um dos entrevistados, para o qual «“o acordo de Bolona é o estado da arte” e atende à nova lógica educacional» (ibidem: 37).

90

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«Na história recente das políticas públicas no Brasil nota-se que as reformas […] são bastante

influenciadas por modelos estrangeiros, relatórios teóricos e por think tank transnacionais. A reforma

universitária doe 1968 no Brasil, por exemplo, sofreu a influência do modelo departamental da

universidade norte-americana. Nos anos 1990, por sua vez, as reformas do Estado e da educação

superior tiveram por referencial teórico o liberalismo ortodoxo emulado pelo Banco Mundial. Já no

início do século XXI, qualquer movimento de reforma universitária obriga-se a fazer menção ao

Processo de Bolonha» (2008: 21).

Antecipamos que o Programa REUNI de 2007 (http://reuni.mec.gov.br/) constitui

uma iniciativa particularmente relevante nesse sentido. Trata-se, em breve, de um

programa de apoio para reestruturação e expansão das universidades federais brasileiras,

instituído pelo decreto Nº 6096 (24 Abril 2007), que prevê o fornecimento de recursos

financeiros para as universidades aderentes, após apresentação de um plano de reforma que

cumpra com as directrizes gerais do programa103. O objectivo final é o de «criar condições

para a ampliação e permanência na educação superior» (Decreto, 2007).

L. C. Martins e E. P. do Nascimento, ao descrever o caso brasileiro com relação à

questão do “Processo de Bolonha no Ensino Superior da América Latina”, afirmam de

maneira clara a inspiração do REUNI no Processo de Bolonha (in Pena-vega 2009: 20).

Faltam, todavia, no discurso subsequente, as razões que levaram os autores a tal conclusão;

tentamos apercebe-las através uma breve análise do decreto que institui o programa. Há,

em nosso entender, aqui razão de falar numa ênfase em pelo menos seis tópicos que são

fundamentais na reforma europeia, nomeadamente, a mobilidade estudantil, a

flexibilização dos programas de estudo, a utilização de um sistema de créditos, a

redefinição da estrutura curricular, a evolução do método e práticas pedagógicos e a

inclusão social.

Das seis directrizes básicas definidas pelo artigo 2º do decreto nos interessam, a

esse propósito, sobretudo a segunda, a terceira e a quinta, as quais prevêem:

«II – ampliação da mobilidade estudantil, com a implantação de regimes curriculares e sistemas de

títulos que possibilitem a construção de itinerários formativos, mediante o aproveitamento de créditos

103Todas as 59 universidades federais brasileiras aderiram ao programa, com “previsão de conclusão até 2012” (http://reuni.mec.gov.br/).

91

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[…];

III – Revisão da estrutura académica, com reorganização dos recursos de graduação e actualização de

metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante elevação da qualidade;

V – ampliação de políticas de inclusão».

Por outro lado, é forçoso notar que o decreto tido em consideração, veio concluir –

no que diz respeito ao governo Lula – uma demorada reflexão sobre a problemática do

ensino superior que já tinha introduzido os motivos acima identificados e outros ainda que

podem constituir pontos de contacto com os contidos na agenda de Bolonha. Nesse

respeito podemos destacar os seguintes elementos: 1) a ênfase na autonomia institucional,

contida no Plano Nacional de Educação (PNE) 2001-2010 (Lei nº 10172, 9/01/2001; 4.3.5)

e consagrada no (já citado) Projecto de Lei 7200/2006, no que diz respeito às funções

didáctico-cientifica, administrativa e financeira das universidades; 2) a responsabilidade

social das instituições, implicando – entre outros aspectos – a gestão democrática e

transparente (PL 7200/2006: Art. 4.XII; Art. 8.III.1; Art.26); 3) a indissociabilidade de

pesquisa e ensino na actuação das universidades e, em particular, a interpretação da

primeira como «elemento integrante e modernizador dos processos de ensino-

aprendizagem» (PNE: 4.3.18; PL 7200/2006: Art. 12. V); 4) A necessidade da inserção da

universidade, por um lado, na sociedade e mundo do trabalho local (PL 7200/2006: Art.

4.X e 13.IV) e, por outro, na comunidade académica internacional (ibidem: Art. 4.XI).

A congruência com os princípios consagrados nos documentos dos encontros

ministeriais de Bolonha não se limita a tais premissas, mas releva-se também em aspectos

mais concretos: 1) com relação ao último ponto destacado no paragrafo anterior, a prática

da recognição dos títulos estrangeiros; o PL 7200 (Art. 48.II.2) prevê que «os diplomas de

graduação expedidos por universidades estrangeiras serão revalidados por universidades

públicas que tenham curso reconhecido do mesmo nível e área ou equivalente, respeitando-

se os acordos internacionais de reciprocidade ou equiparação»; 2) o desenvolvimento dos

mecanismos de recognição, avaliação e garantia da qualidade (PL 7200/2006: artt. 27, 33 e

44.2.VI; PNE: 4.3.6).

Finalmente há uma serie de considerações que têm a ver com a que podemos dizer

uma reforma das modalidades de ensino/aprendizagem que procede de considerações

92

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muito parecidas às que relatamos para o contexto europeu, no que diz respeito às novas

necessidades do mercado do trabalho, à importância da aquisição de competências

genéricas e da aprendizagem continuada (ou “ao longo da vida”). Varias observações

produzidas no âmbito brasileiro podem ser reconduzidas a essas áreas de reflexão. O

Conselho Nacional de Educação do Brasil, no parecer nº67/03 expressa-se da seguinte

forma:

«As Directrizes Curriculares Nacionais concebem a formação de nível superior como um processo

continuo, autónomo e permanente, com uma solida formação básica e uma formação profissional

fundamentada na competência teórico-prática […] ensejam a flexibilização curricular […] e propõem

ser um referencial para a formação de um profissional em permanente preparação» (in UFBA 2007: 14-

15).

À questão da aprendizagem ao longo da vida, na mesma forma em que está a ser

encarada na Europa, pode ser relacionada a preocupação com o desenvolvimento de novas

modalidades de “distribuição” dos serviços educativos oferecidos pelas universidades,

nomeadamente, a criação de cursos nocturnos (PL 7200/2006: Art. 46.III.2; PNE 4.3.13).

Finalmente, a menção da “formação continuada”, como função fundamental do ensino

superior, aparece no PL 7200 (Art. 44.V).

A influência da reforma de Bolonha nas políticas de ensino superior brasileiras (II) – A

Universidade Nova

Os aspectos até agora tidos em consideração talvez não forneçam uma evidência

consistente que comprove o impacto das políticas educativas europeias na maneira de

reestruturar o ensino superior brasileiro. De facto, o aspecto mais conhecido do PB – a

reforma das estruturas curriculares (de 3 ciclos) – encontra apenas um mínimo ponto de

contacto com a sugestão, contida no Decreto 6096 (REUNI), de actuar uma «revisão da

estrutura académica».

Trata-se, efectivamente, de uma lacuna (a da não definição das modalidades de

revisão da estrutura académica) que foi reconhecida pelos atuadores da reforma em acto na

Universidade Federal da Bahia, que tem seu maior enfoque mesmo nessa questão; sendo

93

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que a menção da renovação da arquitectura académica no decreto, seria devida mesmo às

iniciativas e discussões que começaram a ter lugar nessa instituição a partir de 2004

(UFBA 2007: 2; de Almeida et. al. 2010: 154), as quais, em conjunto, passaram a constituir

a proposta - debatida ao nível académico nacional104 - da “Universidade Nova”.

O projecto em questão teve como maior defensor e autor o ex-reitor (2002-2010) da

Universidade federal da Bahia (UFBA; https://www.ufba.br/), Naomar de Almeida Filho,

que divulgou suas ideias sobre a reforma do ensino superior no Brasil em diversas

publicações e documentos oficiais da República Federal (Veja-se: Bibliografia). As

reflexões começaram no âmbito de um projecto – modesto – de renovação da UFBA,

chamado UFBA nova, que tinha como marco fundamental as ideias do antropólogo e

educador brasileiro Anísio Teixeira (Santos e de Almeida 2008: 197), por sua vez, defensor

das concepções Flexnerianas de ensino superior.

O trabalho original, desenvolvido através da discussão no âmbito de conselhos

pedagógicos da instituição, tinha o enfoque em três tópicos abrangentes:

«Abertura de programas de cursos experimentais e interdisciplinares de graduação […]; renovação do

ensino de graduação, por meio de projectos académico-pedagógicos criativos e consistentes […];

incentivo a reformas curriculares» (idem).

Entre as implicações finais do projecto considerava-se o de:

«Dotar a educação superior de maior mobilidade, flexibilidade, eficiência e qualidade, visando à

compatibilização com as demandas e modelos de educação superior no mundo contemporâneo»

(ibidem: 200).

O ex-reitor da UFBA (De Almeida et al. 2010: 157) relata que numa reunião nacional de

responsáveis do ensino superior em 2006, foi apresentado o andamento dos trabalhos

internos da Universidade baiana, o que gerou grande interesse por parte do ministério da

educação, de forma tal que se a iniciativa influenciou o próprio desígnio da proposta

REUNI (ibidem: 158-159).

104E, ainda que minimamente, no internacional já que algumas publicações europeias hospedam descrições da iniciativa (Veja-se a publicação da Imprensa da Universidade de Coimbra: Santos e de Almeida 2008).

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Deixando do lado todos os pormenores (que iremos descrever em breve), o núcleo

básico da proposta consiste na instauração de um regime de três ciclos, assim estruturado:

“Bacheralado interdisciplinar” (1º ciclo); formação profissional (2º ciclo); pós-graduação

(3º ciclo; Lima, de Azevedo, Catani 2008: 22); sendo que o elemento verdadeiramente

inovador é o do primeiro ciclo. Os Bacharelados Interdisciplinares (BI), em contraste com

o caracter profissionalizante em vigor nas actuais graduações brasileiras105, «propicia

formação universitária geral […] como pré-requisito para progressão aos ciclos de

formação profissional» (Santos e de Almeida 2008: 200). Este primeiro ciclo caracteriza-se

assim, em termos muito parecidos com o primeiro ciclo de Bolonha, pelas seguintes

características generais: interdisciplinaridade, modularidade, flexibilidade, progressividade

(UFBA 2007; MEC 2010: principios).

Mais especificamente os BI têm as seguintes características: duração de três anos,

com carga horária mínima de 2400 horas; quatro tipologias (artes, humanidades, ciência e

tecnologia, saúde), que se compõem por duas etapas: 1) Formação geral (carga horaria

mínima par a 20% do total), com ênfase interdisciplinar e no estudo de línguas

estrangeiras; 2) Formação específica (carga horaria mínima: 50%), com enfoque numa

determinada “área de concentração”, a ser escolhida pelo aluno in itinere. O esquema

descrito organiza-se num regime modular que permite escolhas e personalização do

percurso académico por parte do aluno, sendo as componentes curriculares de três tipos:

obrigatórias, optativas e livres106 (Santos e de almeida 2008: 205).

A instalação dessa arquitectura curricular inovadora, na UFBA, constituiu o plano

institucional para a participação no programa REUNI, tendo sido definido e aprovado em

2007 e prevendo 2008-2012 como período de transição (De Almeida et al. 2010: 177). Os

Bacharelados interdisciplinares, regulamentados pela Resolução interna da UFBA Nº

03/2008, são ao dia de hoje regularmente oferecidos pela instituição107.

Ora, no que diz respeito às perguntas centrais dessa parte da nossa dissertação, não

podemos evitar de relatar uma afirmação que, de facto, é geradora de grande interesse para

105Na verdade, os BI encontrariam sua razão de ser mesmo na necessidade de evitar «uma profissionalização precoce e especializada» (UFBA 2007).

106 Exactamente o tipo de distinção que se encontra em muitas universidades europeias.107 Confira-se: https://www.ufba.br/cursos; note-se, por outro lado, que mais nove universidades federais

apresentaram, ao abrigo do programa REUNI, propostas “similares ou convergentes” (Santos e de Almeida 2008: 222)

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a presente pesquisa; os Referenciais orientadores para os Bacheralados interdisciplinares

e similares, publicados pelo ministério da educação Brasileiro em 2010, contêm a seguinte

premissa:

«[a proposta de implantação dos BI é] Inspirada na organização da formação superior proposta por

Anisio Teixeira para a concepção da Universidade de Brasília no inicio da década de 1960, no Processo

de Bolonha e nos colleges estadunidenses, mas incorporando um desenho inovador necessário para

responder às nossas próprias e atuais demandas de formação académica» (MEC 2010).

Uma vez que fica comprovada a existência de alguma influência do Processo de Bolonha

na proposta da Universidade Nova, cabe identificar especificamente em quais aspectos tal

se verifica e em que medida.

Muitas considerações contidas na proposta são comuns ao discurso geral que se

instaurou no país com relação à educação superior e que temos levantado a partir do Plano

nacional de educação 2001-2010, o PL 7200/2006 e o decreto 6096, tendo sido esse último,

como já dissemos, influenciado pelas concepções de Naomar de Almeida Filho.

Nos referimos, em particular, aos seguintes aspectos: a importância atribuída à

educação interdisciplinar e geral no primeiro ciclo, como meio para adiar precoces

escolhas profissionais que poderiam levar a altas taxas de não-conclusão (Santos e de

Almeida 2008: 219-220); efeito, esse último, obtido também através de estratégias de

flexibilização e “personalização” dos currículos (idem); a integração da pesquisa nos

currículos de todos os ciclos (MEC 2010); a mobilidade e o intercâmbio interinstitucional

(idem); a internacionalização, potenciada pela compatibilidade com outros regimes

curriculares do globo e já consagrada na reforma da UFBA, através da criação de

numerosos convénios108 (De Almeida et al. 2010: 187-188).

Todavia, é impossível não reparar, ao analisar aspectos mais minutos da

implementação dessa reforma, no elevadíssimo grau de compatibilidade com as práticas

postas em acto com o PB, que são absentes no discurso político analisado anteriormente;

veja-se, por exemplo, que a implantação de um sistema de créditos é encarada com base

nos mesmos princípios do ECTS:

108 Inclusive com a Universidade de Coimbra (De Almeida et al. 2010: 188).

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«Os projectos pedagógicos devem contemplar a organização de regimes de créditos académicos

associados ao número de horas de actividades de ensino e aprendizagem que induzam à integração a um

sistema de transferência de créditos académicos entre instituições credenciadas no âmbito dos SINAES

[agência de avaliação do ensino superior nacional]» (MEC 2010).

O mesmo diga-se em relação à introdução do tópico da “recognição de aprendizagem

previa”:

«O projecto de formação deve incluir proposta de avaliação reconhecedora e certificativa de

conhecimentos, competências e habilidades adquiridas em outros espaços e contextos» (idem).

Continuando, há um conjunto de considerações que podemos reunir sob a etiqueta

da “reforma das práticas educativas” e que compreende aspectos como o ensino centrado

no aluno, a formação ao longo da vida (UFBA 2008: 77), tendo em vista aspectos relativos

à empregabilidade (todos aspectos que temos levantado, com relação à Europa, na segunda

parte dessa dissertação).

Assim estatui-se que o «processo de formação dos BIs deve favorecer a adopção de

metodologias activas de ensino e aprendizagem» (idem), que encontram sua razão de ser

no objectivo de autonomizar o discente que actuará «numa realidade em permanente

transformação» (Santos e de Almeida 2008: 221). Por outro lado, ao descrever a proposta,

de Faria e Maia (2007: 3) assumem declaradamente o “ensino centrado no aluno” como o

enfoque pedagógico preferencial do projecto.

Uma das possíveis implicações dessa mudança do processo de

ensino/aprendizagem – como vimos em precedência – é a atenção aos resultados de

aprendizagem, mais do que aos processos; a definição prévia das competências cuja

aquisição é visada num determinado curso ganha nesse contexto preeminência. Aqui,

surpreendentemente, podemos verificar uma “importação” directa de ideias e práticas do

contexto europeu, sendo que «as competências tomadas como referência no Bacharelado

Interdisciplinar foram obtidas no Projecto Tuning – América Latina»109, no qual a UFBA

participou (UFBA 2008: 23). Mais um ponto de contacto com o PB identifica-se, a esse

109 Veja-se: 3.2.

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propósito, no levantamento - nos textos de apresentação do projecto - da questão da

empregabilidade e da necessidade de desenvolvimento de competências “transversais”

(UFBA 2008: 75)110.

Há finalmente na Universidade Nova um principio consagrado no Processo de

Bolonha e incorporado, mais especificamente, como critério fundamental nos processos de

garantia da qualidade: o da “actualização”, ou - se quisermos - da “relevância do ensino”;

«trata-se de um princípio que se realiza através do adequado planejamento da oferta de

componentes curriculares de modo a garantir ajustes programáticos periódicos que

contemplem os avanços científicos, tecnológicos, as inovações artísticas e novidades no

campo do conhecimento» (Santos e de Almeida 2008: 222) e que implica também a

«permanente revisão das práticas educativas» (MEC 2010).

Essa análise basta, em nosso entender, para reparar num muito elevado grau de

congruência entre o discurso e as práticas dessa iniciativa de reforma da universidade

brasileira e os termos em que a questão do ensino superior está a ser encarada no Processo

de Bolonha. Que houve influência directa desse último sobre a concepção da Universidade

Nova, por outro lado, não constitui segredo: numa entrevista, o próprio Naomar de

Almeida Filho afirmou claramente, «Nossa inspiração é a Europa, que segue desde 1999 o

chamado Sistema de Bolonha» (de Almeida 2009).

Difícil resulta avaliar as razões para isso, ou seja, se efectivamente o modelo

europeu foi considerado uma boa prática na reforma do ensino superior, adaptável com

sucesso à realidade brasileira, ou se entrou em acção um simples mecanismo de imitação

forçada, devido a considerações parecidas com aquelas que levantamos para o caso

australiano: compatibilização é precisa para “não ficar de fora” do sistema de ensino

global.

Precisamente em relação a esse tipo de raciocínio, de facto, encontramos

numerosos excertos, nos textos da proposta, que relatam um certo grau de preocupação

com a relação do ensino superior brasileiro com o mais amplo mercado global:

«Na Europa, actualmente, as equivalências, os diversos métodos e a multiplicidade organizacional

110Um desses textos (Nery in UFBA 2008: 75) argumenta a partir das considerações de João Vasconcelos Costa, pesquisador português, contidas no artigo As implicações Sociais do Processo de Bolonha de 2001.

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académica de que beneficiávamo-nos, até há pouco tempo, deixarão de existir devido à introdução do

Processo de Bolonha. Nem com Portugal, que era ainda o país que mais cooperava connosco, por ter um

sistema curricular semelhante, teremos mais compatibilidade» (Santos e de Almeida 2008: 150).

Ou ainda:

«Quando o prazo de consolidação do Processo de Bolonha for alcançado (a data é 2010), o Brasil corre

sério risco de ser o último país com algum grau de desenvolvimento científico, tecnológico e industrial a

possuir uma arquitectura curricular com padrões e modelos estabelecidos na Belle Époque» (ibidem:

254).

Em consequência:

«[pretende-se] construir no Brasil um modelo de educação superior compatível, no que for pertinente

para o contexto nacional, com o Modelo Norte-Americano (de origem flexneriana) e com o Modelo

Unificado Europeu (Processo de Bolonha), sem, no entanto, significar submissão a qualquer um desses

regimes» (ibidem: 232).

Que não existisse esse tipo de “submissão”, ou uma transposição completa do

modelo bolonhês, deve ter resultado bastante claro da breve descrição que levamos a cabo:

a própria arquitectura de três ciclos visada na Universidade Nova é de natureza diferente

daquela europeia; parece-se mais com a primeira concepção dos primeiros encontros

ministeriais, que reunia sob o segundo ciclo (de estudos pós-graduados) mestrado e

doutoramento, levando a cabo uma distinção que na Universidade nova é feita com a

instituição formal de mestrados “profissionais” e “académicos”.

O caracter do primeiro ciclo também é distintivo; no caso dos Bacharelados

Interdisciplinares leva-se até ao extremo o princípio, também presente no primeiro ciclo de

Bolonha, de formação geral e interdisciplinar. Argumenta-se claramente, pois, que os BI

não preparariam o discente para a entrada directa no mercado do trabalho (Faria e Maia

2007: 3), o que entra em plena contradição com a filosofia das licenciaturas europeias (que

deveriam – também – preparar “profissionais”), pelo menos na teoria (na prática, talvez,

esse principio tenha-se revelado até o presente inatingido).

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Não de menos consideramos o caso brasileiro particularmente interessante; os

princípios gerais que regem as políticas de ensino superior nesse país tem vindo a

aproximar-se de forma surpreendente com aqueles consagrados no Processo de Bolonha.

As práticas, como a definição de uma duração de cursos igual à europeia, ou a possível

introdução de sistemas de créditos, modularização dos currículos e práticas de garantia da

qualidade congruentes com as europeias, instauram premissas positivas de “comunicação e

transferências” entre dois “mundos”. O facto é que, como afirmam Faria e Maia, «ambos

os projectos [Processo de Bolonha e Universidade Nova] almejam a criação de sistemas de

formação universitária para a livre circulação entre seus territórios da força de trabalho

especializada e bens de conhecimento» (2007: 4).

Não é de excluir, por outro lado, a possibilidade de que em outros contextos possam

vir a aparecer fenómenos similares aos brasileiro e latino-americano, no âmbito do ensino

superior. O que poderia constituir tema de ulteriores pesquisas e estudos de caso.

100

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CONCLUSÕES

Ao longo dessa dissertação tentamos analisar o recente fenómeno político, chamado

de Processo de Bolonha, de uma maneira abrangente. Levamos em consideração seus

antecedentes e os aspectos mais relevantes e recentes que entram na esfera da

“Europeização” do ensino superior, analisamos seu método de funcionamento e os actores

envolvidos, assim como a própria agenda pragmática de reforma dos sistemas de ensino

superior europeus, para depois focarmos num aspecto mais específico, que diz respeito a

um aspecto “externo” do Processo de Bolonha.

Tratar-se-ia, em nosso entender, de uma abordagem necessária no presente,

justificada por uma literatura, sobre o assunto, que ainda é fragmentada e tende a focar-se

apenas sobre os aspectos mais visíveis das reformas europeias dos últimos anos,

impossibilitando - assim - uma visão exaustiva do fenómeno, cujo discurso, como vimos,

justifica-se só se tivermos em consideração o elevadíssimo grau de interdependência entre

as políticas e linhas de acção propostas.

Por outro lado, consideramos que os aspectos que nessa dissertação serviram como

premissas (a não ser aqueles “cronológicos”), na verdade podem constituir pontos

extremamente férteis de investigação: vimos que o Processo de Bolonha, como plataforma

política supranacional, já gerou interesse na comunidade científica por constituir uma

modalidade inédita, que não poderia se enquadrar através de um modelo único

preexistente. O “bazar” bolonhês, caracterizado por mínima burocratização e

institucionalização, por negociações activadas sobretudo por actores societários

particulares (sob a coordenação de um actor – a Comissão Europeia – que veio a assumir

espontaneamente um papel de “gestão”), por um método de prossecução assente quase

exclusivamente sobre modalidades de natureza meramente comunicacional e exploratória

(os “seminários de Bolonha”) e avaliativa (o processo de balanço – stocktaking), tem-se

revelado, não de menos, um ambiente gerador de “pressão pelos pares” ao nível

supranacional e impulsionador – por consequência – de significativas reformas no ensino

superior, ao nível interno a cada Estado-Membro e supranacional.

Na segunda parte tentámos descrever as singulares linhas de acção previstas ao

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longo das conferências ministeriais, através de uma “composição” de literatura: A estrutura

de três ciclos, o sistema ECTS, a atractividade do EEES, a mobilidade académica, a

recognição das qualificações, a garantia da qualidade, a empregabilidade, a dimensão

social do ensino (e a aprendizagem ao longo da vida), a investigação e a reforma

pedagógica (o ensino centrado no aluno). Cada um desses pontos da agenda, embora não

constituindo novidades integrais no campo das políticas de ensino superior (os mais

recentes remontam a concepções do inicio da década da Declaração de Bolonha), é

caracterizado por importantes inovações. Por essa razão e pelo facto de reunirem aspectos

que não foi (nem teria sido) possível aqui esgotar, são tópicos merecedores de análise

focada.

A “dimensão externa” do Espaço Europeu do Ensino Superior, que também deveria

entrar na lista que acabamos de relatar, foi objecto - na presente dissertação - de uma

atenção particular; trata-se, na verdade, do elemento que sugeriu a perspectiva

investigativa preferencial: é que a avaliação do impacto e a influência das reformas

europeias em outras regiões do mundo pareceu-nos a melhor maneira de avaliar o

significado do Processo de Bolonha como fenómeno político.

Nesse sentido, os resultados dos nossos levantamentos foram positivos; ou seja,

comprova-se a importância do Processo que, para além de responsável de reformas

profundas no seu próprio contexto de implementação (a Europa), provocou ecos ao nível

global, por duas razões: 1) devido ao tamanho e escopo da reforma, que abrange 47 países

e quase um terço das instituições de ensino superior no globo, gerando, dessa forma, uma

necessidade de alinhamento, por parte de alguns países; 2) pelo facto do método de

prossecução e conteúdo do Processo terem sido considerados, por parte de muitos, como

“boas práticas”, embora passíveis de adaptação a contextos diferentes.

A esse respeito pudemos identificar casos particularmente interessantes,

como o dos países do Magreb, o da Austrália e da Nova Zelândia e o da América Latina.

Esse último, em particular, revelou-se prolífico, sendo que aqui os desenvolvimentos

europeus na educação superior têm gerado importantes discussões e iniciativas, seja da

comunidade académica que política, com predominância (é esse um ponto distintivo do

contexto latino-americano) da primeira. Ganham, nesse âmbito, particular relevância duas

iniciativa: a transposição do projecto Tuning para esse continente e a recente (2009)

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Declaração de Lima, cujos desenvolvimentos serão interessantes de observar nos próximos

anos.

Consideramos que há, essencialmente, duas razões para o elevado grau de interesse

que se observa: 1) um contexto educativo superior caracterizado por uma necessidade de

rápida e profunda revisão e actualização; 2) o facto dos sistemas de ensino superior, na

América Latina, terem sido moldados a partir dos modelos dos antigos colonizadores e

terem ficado ligados através de laços institucionais particulares.

Essas razões, exemplificativamente, podem se aplicar ao contexto brasileiro, que

ofereceu casos ulteriores e mais pragmaticamente analisáveis e onde foi possível

comprovar o consenso político para com instâncias que promovam a “filosofia” e a prática

de Bolonha: o Projecto REUNI de expansão e reestruturação das universidades federais de

2007 (tendo em consideração a ligação com o Plano Nacional de Educação 2001-2010 e o

Projecto de Lei 7200/2006 sobre o ordenamento do ensino superior); e a iniciativa

Universidade Nova, parida no contexto da Universidade Federal da Bahia a partir das

ideias d ex-reitor Naomar de Almeida Filho e, sucessivamente, aplicada – com relação à

implementação do REUNI – em outras universidades federais do país.

Tomamos nota das diferenças importantes que existem entre a estruturação do

ensino superior visada por esses projectos e a implementada com o Processo de Bolonha;

seria indesejável, por outro lado, uma aplicação integral e acrítica das características e

modalidades de um Processo, que na sua própria vertente interna estabelece o respeito da

diversidade e a adaptação a contextos com características diferentes. O que interessa em

termos de resultados observáveis e o que desperta nossa atenção é a existência de

movimentos em prol da internacionalização do ensino superior nessa região,

eventualmente apoiados politicamente ao nível nacional (etapa que se torna imprescindível

a determinada altura) e que se rege por princípios (e não necessariamente práticas)

compatíveis com aqueles do Espaço Europeu do Ensino Superior.

Tais desenvolvimentos merecem de ser observados com a maior atenção, em quanto

fornecem a premissa para a realização não só de metas particulares, como a da

atractividade do EEES, mas também do princípio fundamental – já consagrado na vertente

interna europeia – da internacionalização do ensino superior. A Europa hodierna das

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universidades reformadas pouco aproveitaria das mudanças implementadas se essas não

forem utilizadas com fim a aproveitar o enorme potencial de cooperação com outros

centros de produção do conhecimento.

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ANEXOS

I – Cronologia da “europeização” do ensino superior (elaboração própria):

1953: Convenção Europeia sobre os diplomas para admissão nas universidades;

1954: Convenção Cultural Europeia;

1959: Convenção europeia sobre a recognição académia das qualificações universitárias;

1972: criação do Centro Europeu para o Ensino Superior (CEPES) da UNESCO;

1980: criação da EURYDICE;

1984: Resolução sobre o ensino superior e o desenvolvimento da cooperação universitária

na comunidade europeia;

1984: Resolução sobre o reconhecimento dos titulos e dos periodos de estudo;

1984: criação da rede NARIC;

1987: Decisão que adopta o programa ERASMUS;

1988: Magna Charta Universitatum;

1990: criação da EURASHE;

1992: Tratado de Maastricht – artt. 126 e 127, sobre a cooperação em matéria de educação;

1992: criação da ESIB (ESU a partir de 2007);

1994: instituição do programa SOCRATES I (até 1999);

1995: instituição do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS), pela Organização

Mundial do Comércio;

1997: Convenção de Lisboa;

1997: criação da rede ENIC;

1998: Declaração da Sorbonne, pelos ministros da educação de Alemanha, França, Itália e

Reino Unido;

1999: criação da iniciativa EUROPASS;

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1999: Declaração de Bolonha, dos ministros europeus responsáveis para o ensino superior;

1999: plano Educação e formação 2010 da Comissão Europeia

2000: criação da ENQA;

2000: programa SOCRATES II (até 2006);

2000: lançamento projecto Tuning Educational Strutctures in Europe;

2001: Declaração de Salamanca: fundação da Associação Europeia das Universidades (ex-

CRE);

2001: Comunicado de Praga, dos ministros europeus responsáveis para o ensino superior;

2002: Processo de Bruge/Copenhaga;

2003: Comunicado de Berlim, dos ministros europeus responsáveis para o ensino superior;

2005: Comunicado de Praga, dos ministros europeus responsáveis para o ensino superior;

2006: Agenda de Modernização das universidades europeias, da Comissão Europeia;

2007: Comunicado de Londres, dos ministros europeus responsáveis para o ensino

superior;

2007: Programa Lifelong Learning (ex SOCRATES), até 2013;

2009: Comunicado de Lovaina/Leuven-la-neuve, dos ministros europeus responsáveis para

o ensino superior;

2010: Declaração de Budapest/Viena (lançamento do Espaço Europeu do Ensino Superior);

2012: Comunicado de Bucareste, dos ministros europeus responsáveis para o ensino superior.

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II - Relevância do Processo de Bolonha para as instituições de ensino (Sursock e Smidt

2010: 26);

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III – Quadro de qualificações do Espaço Europeu do Ensino Superior;

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IV – tipos de arquitecturas curriculares adoptadas nos paises de Bolonha (Berkeens,

Cremonini e Huisman 2010: 16);

V – Durações típicas do terceiro ciclo (ibidem: 19);

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VI – Áreas de estudo excluidas do modelo LMD (ibidem: 18);

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VII – Implementação dos quadros de qualificações nacionais (Rauhvargers, Deane e

Pauwels 2009: 37);

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VIII – Implementação do ECTS (ibidem: 77);

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IX – Regulamentos nacionais sobre a duração do ano académico e a equivalência carga

horária/créditos (Comissão Europeia 2009: 59-60);

114

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X – Implementação dos principios consagrados na Convenção de Lisboa (Rauhvargers,

Deane e Pauwels 2009: 72);

116

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XI – Suplemento ao Diploma (Comissão Europeia 2009: 57-58);

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XII – Implementação das medidas relativas ao Suplemento ao Diploma (Rauhvargers,

Deane e Pauwels 2009: 67);

XIII – Mobilidade para obtenção de diploma no estrangeiro: desenvolvimentos 1999-2007

(Berkeens, Cremonini e Huisman 2010: 67)

119

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XIV – Garantia da qualidade: últimos desenvolvimentos (Blattler e Santa 2010: 49);

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XV – Competências genéricas mais relevantes identificadas no projecto Tuning (Calisto

2009);

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XVI – Práticas de aprendizagem ao longo da vida mais comuns (Sursock e Smidt 2010:

68);

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XVII – Ordenamento do terceiro ciclo (EUA 2007: 9, 29);

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XVIII – Qualificações oferecidas pelo sistema de ensino superior brasileiro (Beneitone et

al. 2007: 343);

124

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BIBLIOGRAFIA:

• Academic Cooperation Association – ACA (2005): Perception of European Higher

Education in Third Countries, Bruxelas: ACA;

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