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O processo de produção imagético-retórico da alegoria - Daniele Nunes Caetano 71 O processo de produção imagético-retórico da alegoria* The imagery-rhetorical process of production of allegory Daniele Nunes Caetano** Resumo O texto analisa a alegoria sob quatro aspectos: definição do termo a partir da retórica clássica; utilização como metáfora pictórica constituinte do ornato arquitetônico; supremacia do símbolo e estratégias de reabilitação da alegoria na atualidade. Palavras-chave: Alegoria; Práticas de representação; Percepção estética. Abstract This text analyzes four aspects of allegory: a definition of the term based on classic rhetoric; its use as a pictorial metaphor in architectural ornament; the supremacy of the symbol and strategies to restore allegory in the present. Key words: Allegory; Representation practices; Aesthetic perception. * Texto ampliado e revisado a partir do item “Alegoria” do capítulo II – “Retórica: teoria do controle da recepção e juízo estético” da tese Percepção e juízo estético: o discurso retórico-poético e a auto-referencialidade da obra, defendida na Fale/UFMG, sob orientação do prof. Jacyntho José Lins Brandão, em 2006. Projeto de pesquisa (FIP PUC Minas - Edital MCT/CNPq 15/2007): Mímesis e re- cepção arquitetônica: ordenação poética, autonomia crítica, auto-referncialidade da obra. ** Arquiteta urbanista, mestre em Análise Crítica e História da Arquitetura, doutora em Literatura Comparada, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas.

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O processo de produção imagético-retórico da alegoria*The imagery-rhetorical process of production of allegory

Daniele Nunes Caetano**

Resumo

O texto analisa a alegoria sob quatro aspectos: definição do termo a partir da retórica clássica; utilização como metáfora pictórica constituinte do ornato arquitetônico; supremacia do símbolo e estratégias de reabilitação da alegoria na atualidade. Palavras-chave: Alegoria; Práticas de representação; Percepção estética.

Abstract

This text analyzes four aspects of allegory: a definition of the term based on classic rhetoric; its use as a pictorial metaphor in architectural ornament; the supremacy of the symbol and strategies to restore allegory in the present. Key words: Allegory; Representation practices; Aesthetic perception.

* Texto ampliado e revisado a partir do item “Alegoria” do capítulo II – “Retórica: teoria do controle da recepção e juízo estético” da tese Percepção e juízo estético: o discurso retórico-poético e a auto-referencialidade da obra, defendida na Fale/UFMG, sob orientação do prof. Jacyntho José Lins Brandão, em 2006. Projeto de pesquisa (FIP PUC Minas - Edital MCT/CNPq 15/2007): Mímesis e re-cepção arquitetônica: ordenação poética, autonomia crítica, auto-referncialidade da obra.** Arquiteta urbanista, mestre em Análise Crítica e História da Arquitetura, doutora em Literatura Comparada, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas.

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Alegoria: tradução visual da retóricaPartindo da premissa de que no mundo clássico é convencional o natural,

há um texto implícito que necessita ser decodificado a partir do desvelamento alegórico, pautado em analogias miméticas entre a produção e a recepção. Nesse sentido, alegoria pode ser definida como uma metáfora continuada ou a tradução visual da retórica, uma vez que “fala de uma coisa por meio de outra”.1 A alegoria é a transposição semântica de um signo presente para um ausente, mediado pelo critério da semelhança metafórica.2

A rigor, são duas as modalidades de alegoria: a construtiva ou retórica, operação discursiva ligada à retórica; e a hermenêutica, prática interpretativa vinculada ao transcendente.3 A alegoria retórica refere-se à oposição entre sentido próprio e figurado, este último a metáfora, caracterizada como desvio do sentido literal. Há, portanto, na alegoria retórica dois sentidos: um próprio da ordem do inteligível (o primeiro dos termos da comparação) e outro figurado ou sensível, implícito no tropo e dependente da decifração pelo receptor, afetivo, mas envolvendo também procedimentos racionais, lógicos, mediados pela metáfora. Funcionando por semelhança, a alegoria retórica é mimética e configura, ao mesmo tempo, um procedimento intencional da autoria.

Na retórica antiga,4 a alegoria é um ornatus ou ornamento discursivo, definida como metáfora ou tropo de pensamento com base numa relação de semelhança. Como figura de linguagem, a alegoria parte da relação entre dois

1 Etimologicamente, alegoria deriva de allos – outro, e agoreúo – falar na ágora, utilizar linguagem pública. No latim, inversio significa “o que está no lugar de uma outra coisa”, ou “o que apresenta indiretamente uma coisa por meio de uma outra”. 2 “A alegoria, que interpretamos como inversão do sentido, é a que mostra uma coisa nas palavras, e outra no sentido, e às vezes também o contrário” (QUINTILIANO, 1944, p. 1). 3 A alegoria hermenêutica ou interpretativa, também denominada “alegoria dos teólogos”, é uma expressão retórico-poética da interpretação religiosa de textos sagrados, bíblicos, pressupondo o essencialismo e a significação ascensional, absolutamente estranhos ao universo retórico greco-latino. 4 A retórica estabelece distintas subdivisões para a alegoria, de acordo com sua clareza: tota allegoria, permixta apertis allegoria e mala affectatio. A tota allegoria torna-se hermética pela ausência de vínculos entre o sentido figurado e o literal, seja pela relação indecorosa proposta pelo autor ou pela incapacidade prática do discurso vinculado a uma dada tradição. A “alegoria imperfeita” ou permixta apertis allegoria é o meio-termo entre a obscuridade da tota allegoria e a incongruência da mala affectatio.

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elementos figurativos para expressar um significado abstrato, assim como a metáfora. O que as distingue é que a metáfora se apóia na semelhança entre duas palavras diversas, enquanto na alegoria sintática o significante pode ser constantemente alterado, desde que se mantenham a verossimilhança e a partilha comum da convenção entre obra e fruidor.

A abordagem alegórica é, portanto, intertextual e racional, demandando conhecimento acerca dos conteúdos que determinam seu sentido, ou, para citar Platão, “quem é novo não é capaz de distinguir o que é alegórico do que não é” (2004, p. 378d.). O novo refere-se à capacidade intelectual do indivíduo em decifrar a alegoria ou, enquanto discurso cifrado, demanda o entendimento de seus códigos ordenadores para a efetiva ressignificação do discurso implícito em torno do qual ela se estrutura.

Alegoria retórico-hermenêutica: metáfora imagética e ornato arquitetônico

A partir do final do século XV, a descoberta da Poética aristotélica reconduz a alegoria ao conceito de tropo convencional e, enquanto metáfora continuada, ela passa a ser entendida como uma inventio, uma disposição retórica que dá forma a um pensamento, a um conceito, materializado na imagem. A transposição da alegoria de ornato discursivo para imagem metafórica é impulsionada a partir da descoberta, em 1419, do Tratado Hieroglyphica de Horapolo, um alexandrino do século IV ou V, impresso, pela primeira vez, em 1505, ainda sem figurações e, a partir de 1543, com traduções acompanhadas de desenhos. O Hieroglyphica influencia Andrea Alciato, que publica, em 1531, o livro Emblematum libere e, posteriormente, Cesare Ripa, cujo Iconologia data de 1593. Independentemente do conteúdo textual, tais publicações transpuseram as fronteiras lingüísticas e foram muito difundidas na Europa e suas colônias nos séculos XVI, XVII e XVIII, servindo de modelo às práticas de representação (HORAPOLO, 1991; ALCIATO, 1997; RIPA, 1992).

Ao longo do século XVI, com a perspectiva da Ratio studiorum, jesuítas iniciam o processo de moralização das imagens alegóricas, visando a transformá-las em veículo da fé católica, substituindo o herói pagão pelo

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cristão e o mito pelo Evangelho. Doravante, emblemas5 e alegorias fundem os dois métodos interpretativos – a retórica e a exegese bíblica – ou, unificando os mistérios pagãos às crenças do cristianismo, passam a ser entendidos como um misto retórico-hermenêutico, criando objetos visíveis a partir de analogias ao invisível, como mistérios a serem interpretados.

Emblemas e alegorias, propostos como metáfora pictórica em que a imagem é ao mesmo tempo discursiva e passível de representação visual, são formas não-psicológicas de representação elaboradas a partir de tópicas retóricas definidas por tratadistas e preceptistas e que possibilitam, pedagogicamente, ver em formas sensíveis aos olhos aquilo que, nas letras, são formas inteligíveis, ocultas. Há, portanto, um componente intrinsecamente hierárquico na apropriação das imagens, as quais legitimam o modelo das intenções disciplinadoras, repondo a ordem social quando adequadas aos usos decorosos e articulando, metafísica e retoricamente, como ornato dialético, a conexão entre o universo espiritual e racional que ordena toda a estrutura teológico-política. O princípio fundamental é a integração entre as ordens político-temporal e religioso-espiritual, com o objetivo de atingir o bem comum e modelar a sociedade, normativamente, para a prática da virtude. Para atingir o controle das vontades e a condução do bem comum, as monarquias absolutistas católicas recorrem ao esquema teórico-dogmático para se legitimarem. Através da teatralização dos princípios teológicos e políticos, os emblemas e alegorias servem a um discurso oficial de persuasão, revelando sua vocação para a docência dos conceitos oficiais, perpetuando o poder reafirmado indefinidamente, espelhando o dogmatismo que controla a estrutura social hierárquica.

Considerando que o objetivo é reverberar a sociedade entendida como

5 Os emblemas são desenhos alegóricos acompanhados de um epigrama explicativo, destinados a simbolizar um vício ou uma virtude e a traduzir uma verdade moral. O mote e o epigrama são chamados de “alma” do emblema e o componente gráfico de “corpo”. O epigrama é o texto que explica o conteúdo semântico da figura e não deve ser confundido com o mote, ou título do emblema, que indica o conteúdo simbólico-ideológico preponderante, ou seja, enuncia a tópica moral, religiosa ou política em que se deve centrar a interpretação analógica do que está representado.

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corpo místico, nunca o artista se viu tão vigiado, controlado por uma racionalidade externa que lhe confere um estreito espaço de liberdade expressiva, não lhe competindo inovar ou desvincular-se dos padrões normativos. As categorias românticas – autenticidade, originalidade – sustentadas pelo espírito pós-iluminista são absolutamente estranhas a esse universo. A habilidade do artista reside em articular decorosamente a tradição, o emprego de tópoi difundidos e os modelos retirados da história e da tratadística, já que a busca pela novidade não consiste em tema novo, mas em novas disposições e expressões acertadas, dispostas engenhosamente, nas quais o tema comum e velho se converte em singular e novo.6 Nessa perspectiva, o emprego de emblemas e alegorias anteriormente representados torna-se sinônimo do domínio, pelo artista, de conteúdos eruditos e da habilidade em fundir as ordenações retóricas e a concepção teológico-política. Nesse sentido, a adoção de modelos e regras constitui a própria artificialidade que valida o caráter tecnicista das práticas de representação seiscento-setecentistas incluídas, retoricamente, no gênero epidítico ou demonstrativo, no qual os artifícios da construção não são ocultos, mas, ao contrário, colocados à mostra, intensificando os efeitos de maravilhamento e persuasão.

Uma vez que a imitação não se conjuga à verdade,7 mas à verossimilhança, que transcende o próprio modelo, aristotelicamente a imagem é elaborada a partir do artifício humano e seu juízo estético associado ao juízo de valor ético. Em se tratando de imagens sensíveis, o artista mantém a atenção fixa no modelo original e, por emulação e de acordo com a perspectiva adequada de visão, altera as proporções com o intuito de amplificar a imagem representando outro objeto, mas de “modo que se poderá tomar um pelo outro ainda quando

6 “Portanto eu chamo imitação uma sagacidade com a qual, sendo proposta para ti uma metáfora ou outra flor do engenho humano, tu atentamente examinas as suas raízes e, transplantando-as em diferentes categorias, como em solo cultivado e profundo, propagas outras flores da mesma espécie, mas não os mesmos indivíduos” (TESAURO, 1997, p. 8).7 “Não compete ao poeta narrar o que aconteceu, mas, sim, o que poderia ter acontecido, o possível, segundo a verossimilhança ou a necessidade (...) convém proceder como os bons pintores de retratos, os quais, no intuito de reproduzir o aspecto próprio dos modelos, embora mantendo a semelhança, os pintam mais belos [...] o paradigma deve ser de valor superior ao que existe” (ARISTÓTELES, 1997, p. 316).

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sejam duas coisas em realidade diferentes” (AREOPAGITA, 1990, p. 226). A técnica usada é a da suspensão e do movimento em que o artista cria e recria as formas, com base na memória coletiva, conferindo-lhes um caráter de transitoriedade, de mutabilidade, e o receptor intervém exatamente nesse caráter provisório, na tentativa de fundir os conceitos geradores da imagem, garantindo, assim, a permanência da tradição. Nos tratados emblemáticos e alegóricos, é a memória que conserva e ordena os textos com as figurações, arquivando as informações necessárias para o entendimento das representações. À medida que as imagens passam a ser portadoras de valores convencionalmente designados, o destinatário pode lançar mão dos recursos mnemotécnicos dos tratados para elaborar sua própria memória artificiosa, ou seja, para desvendar o discurso contido no corpo de um emblema ou de uma alegoria. O artista parte, então, das imagens fixadas em sua memória às palavras com que atualiza seu discurso; por sua vez, o destinatário de um texto icônico-verbal parte das imagens contempladas para chegar à interiorização de suas tópicas discursivas.

Se o que está em jogo não é a cópia da realidade empírica, mas a questão da aparência, pois “as coisas comumente não passam pelo que são, sim, pelo que parecem” (GRACIÁN, 1941, p. 132), no procedimento mimético a realidade é superada a partir da deformação proporcionada e o real deixa de ser um dado adquirido e passa a ser produto engenhosamente construído.8 As representações artísticas são construídas fundindo-se parte por parte para a formação do todo e cada uma das partes remete o destinatário à totalidade.

8 “O engenho natural é uma maravilhosa força do intelecto, que compreende dois talentos naturais: perspicuidade e versatilidade. A perspicuidade penetra nas mais longínquas e diminutas circunstâncias de cada objeto, como substância, matéria, forma, acidente, propriedades, causas, efeitos, fins, simpatias, o semelhante, o contrário, o igual, o superior, o inferior, as insígnias, os nomes próprios e os equívocos: coisas que jazem ocultas e enoveladas em qualquer assunto. A versatilidade compara rapidamente todas essas circunstâncias entre si ou com o assunto: junta-as ou divide-as, aumenta-as ou diminui-as, deduz uma da outra, indica uma pela outra e, com maravilhosa destreza, põe uma no lugar da outra, como os jogadores” (TESAURO, 1997, p. 4).

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Portanto, lançando mão da agudeza9 que aproxima e funde conceitos para integrá-los, harmonicamente, na composição do todo, o campo do verossímil torna possível a persuasão e anuncia a reação do espectador. Ampliam-se e deformam-se as partes do todo com o intuito de representar os vícios de modo deformado e, conseqüentemente, cômico, já que “a comicidade, com efeito, é um defeito e uma feiúra” (ARISTÓTELES, 1997, p. 24), gerando risos, pois “rir é sentir exultante na comparação com os outros, é dar vazão a sentimentos de uma triunfante superioridade” (SKINNER, 1999, p. 273). O efeito produzido não é o do prazer artístico resultante das qualidades formais da obra, mas o da persuasão moral: cabe ao espectador decodificar os vícios, através de conceitos morais, religiosos e políticos, e convertê-los em virtudes, pois “assim como a virtude é prêmio de si mesma, assim o vício é castigo de si mesmo. Quem vive prisioneiro do vício acaba preso de duas maneiras; quem vive preso na virtude nunca morre” (GRACIÁN, 1941, p. 229).

A morte aqui deve ser entendida como certeza no porvir, restando ao indivíduo viver bem para bem morrer, antecipando na cidade dos homens a visão divina da cidade celeste. É nesse sentido que se concentra o esforço missionário da Igreja pós-tridentina – corpo místico de Cristo e organismo jurídico: no plano terreno da disputa entre o bem e o mal, cabe ao indivíduo valorizar suas ações, combatendo o vício e o pecado, para agraciar-se com a idéia salvítica católica. O objetivo final da grande tarefa publicitária dos sentimentos é o tema da morte, fortemente exacerbado em decorrência do avanço do estudo da anatomia humana e da preocupação com a efemeridade da vida. Uma vez que representar a morte é evidenciar aos homens sua condição de criatura, as práticas de representação dão esmerada atenção ao corpo humano e se alastra, por um lado, a representação das dores, martírios e estigmas divinos e, por outro, a iconografia alusiva ao macabro que, a partir de 1550, perde sua vitalidade própria, sobrevivendo através de representações isoladas: crânio, tíbias cruzadas, caveiras, ampulhetas e outras menos freqüentes que

9 “A agudeza é silogístico-retórica (...), ela é uma técnica da análise que divide o tema em várias peripécias e cenas, fazendo com que razões e provas se relacionem continuamente, deixando a conclusão para o destinatário agudo” (HANSEN, 1989, p. 245).

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compõem a vanitas. A alegorização da morte remete sempre à idéia de que, alicerçada nos princípios virtuosos, subsiste a aspiração pelo divino em meio à organização racional do mundo, promovendo uma catarse individual e posteriormente coletiva.

FIGURA 1 - Alegoria da morteFonte: Chastel, 1545.

Na alegoria da morte de Andre Chastel, datada de 1545,10 a posição do esqueleto é típica do luto; o local elevado significa o lugar ideal para a contemplação do divino; a torção do joelho corresponde à fidalguia e sugere a vaidade; a mão sobre o queixo e outra sobre a caveira é a postura de quem contempla a si mesmo, ou uma alegoria da prudência, uma vez que “o primeiro passo do saber é saber-se, não pode ser entendido o que não é entendedor”

10 O esqueleto é uma prancha chamada “epítome”, do livro de Andrea Vesalio (1545) sobre anatomia.

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(GRACIÁN, 1941, p. 111. cf. GRACIÁN, 1974; 1996; 1941; [s.d]). Finalmente, o mote: “Vive-se com engenho. As outras coisas serão da morte” (FIG. 1).

A representação dos vícios é elaborada de modo hierárquico: quanto maior o vício, mais hiperbólica sua representação, funcionando como uma técnica de aprendizagem, pensada racionalmente, em que o vulgo é persuadido pelo delectare, uma vez que não domina o procedimento técnico utilizado na invenção. Manipulando tecnicamente o efeito, o artista funde os conceitos intrínsecos à imagem, e o público, numa atitude de cumplicidade, interpreta-os, seja como espectador que se deleita com a composição das formas, ou como agudo que avalia o efeito da representação e o desempenho técnico do autor da obra ao aplicar as tópicas retóricas com adequação verossímil e decorosa; agindo, portanto, sobre o agudo tanto o delectare quanto o prodesse. Embora, aristotelicamente, a imitação “menos vulgar é a melhor e tal é a que visa a um público melhor, é por demais evidente ser vulgar a que imita tendo em vista a multidão” (ARISTÓTELES, 1997, p. 51), o louvor popular é objetivo judicioso nas práticas de representação11 e o ato de recepção configura-se como co-autoria que reproduz os procedimentos da invenção. Partindo-se da hipótese de que a obscuridade torna-se inadequada em gêneros populares, a clareza é o recurso usado para a persuasão do vulgar, em oposição à obscuridade da produção fantástica, na qual se revela a clareza do conceito retórico, ou seja, quanto mais obscura, entende-se, quanto mais hermética, maior a qualidade da produção artística. Independentemente do público ao qual se destina, através da estratégia visual dos modelos, a arte assume, como função, não só a divulgação das verdades da fé, através de exortações morais, mas a reprodução de modelos comportamentais previamente selecionados.

Nessa perspectiva, a arquitetura é um veículo instrumental que acolhe outras manifestações plásticas – notadamente a pintura e a escultura –, as

11 “Com o ornato, porém, e adorno do discurso o mesmo orador se faz recomendar; e ao mesmo tempo, que nas mais coisas ele procura o juízo e a aprovação dos sábios, aqui procura também o louvor popular (...) porque os que estão ouvindo, quando sentem gosto, dão mais atenção ao que ouvem, e deste modo com mais facilidade se comovem” (QUINTILIANO, 1944, p. 41-42).

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quais representam as ações desejáveis endereçadas aos homens. A essência decorativa da arquitetura está a cargo das alegorias que teatralizam a narrativa do dirigismo pedagógico a partir do ornato, aqui entendido não como simples acessório, mas como alegoria que se apresenta ora fundida, ora desvencilhada da estrutura. O ornamento estruturante, íntima fusão de função e ornato, precipita-se ao primeiro plano da percepção, configurando-se dialeticamente, ao mesmo tempo em que reforça o ilusionismo. Interpretada como theatrum sacrum, a arquitetura sacra seiscento-setecentista figura todo o cosmo: o teto ou cúpula representa a morada de Deus, o altar-mor, feericamente iluminado, é o palco que arrebata o fiel com a profusão de seus ornatos e o brilho da talha, provocando no espectador a sensação de ascese e a visão antecipada do paraíso. A talha, principalmente nos retábulos, exerce uma ação magnética, motivando os sentidos não apenas pelo caráter plástico ou doutrinário, mas pela disposição deles no templo e por sua estruturação interna. Cada retábulo narra uma cena, racionalmente elaborada e concatenada às demais. À medida que o espectador avança em direção ao altar-mor, as cenas representadas são agrupadas, construindo o enredo do controle dos afetos, combate aos vícios e exaltação das virtudes, que culmina sempre na possibilidade de redenção divina.

A título de exemplo, vale considerar as representações alegóricas da prudência12 presentes nas paredes laterais da capela mor da Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, a cargo do entalhador Francisco Xavier de Brito no segundo quartel do século XVIII, bem como compará-las com a alegoria da prudência presente no Iconologia de Cesare Ripa. A hipótese é configurar a circularidade cultural dos livros de emblema e alegoria que serviram de

12 A prudência é a virtude que estrutura, por excelência, o pensamento teológico-político ao dispor o discernimento da razão prática para a condução do bem. Chamada auriga virtutum, porque indica a regra e a medida das outras virtudes, a prudência guia o juízo de consciência e ordena a conduta do indivíduo no sentido de praticar o bem e evitar o mal. “Es la prudencia regla y medida de las virtudes; sin elle passan a ser vicios. Por esto tiene su asiento en la mente, y las demás en la voluntad, porque desde alli preside a todas (...) en él falta esta virtude, falta el alma del gobierno (...). Virtud es propia de los príncipes, y la que más hace excelente al hombre” (FAJARDO, 1976).

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modelos às práticas de representação nos países europeus e suas colônias ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII.

A primeira das alegorias da prudência, posicionada no lado do Evangelho, traz, como atributo, na mão esquerda, uma serpente13 que, biblicamente, tem dupla conotação: surge como anticristo no primeiro e último livro da Bíblia14 e, em contrapartida, como símbolo beneficente em algumas passagens, por exemplo, a serpente de bronze que Moisés erigiu no deserto e que se torna símbolo de Cristo15 (FIG. 2).

FIGURA 2 - Alegoria da prudência. Foto da autora.

13 A serpente, associada à zona terrena e subterrânea, procede de ovos semelhantes aos dos pássaros (daí as serpentes aladas), muda de pele na primavera (tornando-se símbolo da vida que se renova) e costuma dirigir um olhar fito às suas vítimas (símbolo do saber penetrante e da onipresença). 14 “Vi então um Anjo descer do céu, trazendo na mão a chave do Abismo e uma grande corrente. Ele agarrou o Dragão, a antiga serpente – que é o Diabo, Satanás – acorrentou-o por mil anos e o atirou dentro do Abismo, fechando-o e lacrando-o com um selo para que não seduzisse mais as nações até que os mil anos estivessem terminados” (Ap 20, 1-3).15 “Moisés, portanto, fez uma serpente de bronze e a colocou em uma haste; se alguém era mordido por uma serpente, contemplava a serpente de bronze e vivia” (Nm 21, 9).

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A serpente espiralada tem duplo simbolismo: por um lado, alude à força da vida que vem da profundeza, à relação do mundo com a sua origem e, igualmente, à renovação das coisas; por outro, pode ser interpretada como força de destruição das tentações da matéria e conseqüente integração aos domínios espirituais (FIG. 3). Apesar da diversidade de aspectos simbólicos na alegoria presente na Matriz do Pilar, a principal simbologia da serpente é a da sabedoria associada ao modelo de vigilância, uma vez que, por não ter pálpebras móveis, a serpente dorme com os olhos sempre abertos. Silenciosa e discreta ao conduzir sagazmente o diálogo no paraíso, representa a astúcia, quando ataca, configurando a prudência, sabedoria do discernimento.16

FIGURA 3 - Alegoria da prudênciaFonte – Horapolo, 1991, p. 179.

Do lado da Epístola, outra representação da prudência traz como atributo um espelho erguido pela mão direita e a mão esquerda aberta, posicionada diagonalmente, em atitude de repulsa ou negação (FIG. 4). Comumente interpretado como atributo da vaidade e da luxúria, o espelho representa

16 “Eis que eu vos envio como ovelhas entre lobos. Por isso, sede prudentes como as serpentes e sem malícia como as pombas” (Mt 10, 16).

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também a prudência, pois, através dele, o homem prudente vê a si mesmo e a suas próprias atitudes. O espelho é signo do autoconhecimento, uma vez que “não pode alguém ser senhor de si, se primeiro não se compreende. Há espelhos de rosto, não há de ânimo; estes são a discreta reflexão sobre si e, quando enxergar sua imagem exterior, conserve a interior para melhorá-la” (GRACIÁN, 1941, p. 228).

FIGURA 4 - Alegoria da prudênciaFoto da autora

As alegorias descritas foram executadas entre 1746 e 1751, enquanto a alegoria da prudência presente no Iconologia de Cesare Ripa data de 1593 e é representada por uma mulher com capacete dourado, sugerindo a atenção do homem prudente, como que armado por sábias decisões, cercado por uma guirlanda de folhas, que representa o tempo ordenado decorosamente, e traz

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como atributos um espelho na mão esquerda e uma serpente na direita, os mesmos empregados por Xavier de Brito cerca de 150 anos depois (FIG. 5).

FIGURA 5 - Alegoria da prudênciaFonte: RIPA, Cesare, 1992, p. 368.

Notas conclusivas: declínio e reabilitação da alegoriaAvançando no tempo, a partir do nascimento da estética e da posterior

maximização da subjetividade criadora, a retórica perde sua hegemonia como teoria do controle da recepção em favor da doutrina do gênio que, doravante, postula novas bases de juízo estético, libertando as artes das antigas amarras dogmáticas mítico-religiosas. A arte passa a alicerçar o processo de produção nos conceitos de autenticidade, criatividade e originalidade e, uma vez desvinculada de regras e modelos, liberta-se também da alegoria, que passa a ser sinônimo de conceito artístico negativo (GADAMER, 1999, p. 144), ornamentação discursiva e figura oposta ao símbolo.

Em relação ao símbolo, a alegoria difere devido à necessária relação contextual para seu desvelamento, ao seu caráter evidente de convenção retórica e à possibilidade de renovação constante de seu significado, permitindo

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a ampliação do espectro de significados contidos no símbolo. Na perspectiva romântica, a alegoria é considerada um rebuscamento discursivo gerador de uma distinção entre o sentido figurado e o próprio, enquanto o símbolo é a reabilitação do signo interpretado a partir de uma convenção ou hábito. Com efeito, as tradições antigas, greco-latinas, medievais e humanistas não distinguem a alegoria do símbolo. Tal distinção é operada apenas a partir do romantismo, que postula a supremacia do símbolo exatamente pela capacidade de ressignificação imediata que expressa o geral, o universal no particular. Na tentativa de evitar a dispersão das manifestações, o símbolo, e sua imediaticidade entre o universal e o particular, é o elemento centralizador das dispersões, decorrendo disso certa estaticidade, a princípio contrária ao dinamismo e individualidade propostos pelo romantismo. Ao se voltar para o universal a partir do símbolo, o caráter múltiplo da obra termina enclausurado por sua linguagem e insuficiente para explicar uma realidade cada vez mais mutável. Por isso, em lugar do imediatismo do símbolo, Walter Benjamin defende a obliqüidade alegórica, que permite interpretações múltiplas e abertas, num processo de ressignificação constante.

Na interpretação benjaminiana, a alegoria expressa um mundo saturado de objetos, decorrente da perda de estatutos e da degradação ontológica da arte advinda da negação ao sagrado e da consciente materialidade propiciada pela reprodutibilidade técnica.17 Na reabilitação benjaminiana da alegoria, inteiramente condicionada pelo mundo melancólico, entendido como esvaziamento e ausência de significações, a alegoria redime a transitoriedade das coisas, ou seja, no processo de alegorização, a ruína é deslocada de seu contexto e relançada em outros, tantos quantos possíveis, recebendo novas significações. O ponto de contato estabelecido por Benjamin entre a alegoria e a melancolia é o luto, a ruína ressemantizada, haja vista que, segundo ele, a experiência vivida, marcadamente dispersa através de uma “história de ruínas”,

17 Os sentimentos de ruína e melancolia reabilitariam a alegoria benjaminiana, entendida a partir do pressuposto de que “os elementos aparentemente difusos e heterogêneos vão acabar se unindo, nos conceitos adequados, como partes integrantes de uma síntese” (BENJAMIN, 1984).

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impede a memória de consolidar as referências culturais passadas, dado o número cada vez mais exacerbado de informações distorcidas e fragmentárias que compõe a realidade. Há, portanto, um afastamento entre o sujeito e essa realidade, denominada de “nova barbárie” e, nessa perspectiva, a alegoria é reabilitada como possibilidade de redenção de cada fragmento de história e significação do real.

Se, retoricamente, a alegoria é operacionalizada a partir do emprego decoroso dos tópoi, ou lugares-comuns do discurso, partilhados por autor e receptor, resta indagar: quais os lugares-comuns do discurso contemporâneo? Auto-referencialidade discursiva, ausência de significado único, desconstrução, fissuras. A fragmentação discursiva, advinda do declínio da retórica, e a conseqüente auto-referencialidade da obra configuram ressignificações hiperbólicas, diminuindo o horizonte de expectativas e levando à perda do sentido. Consistindo a alegoria em uma operação retórica racionalizada, efetuada pelo fruidor que estabelece o presente a partir de analogias com o ausente, o distanciamento entre sujeito e objeto denuncia a sua invalidade e a falsidade implícita da aparência do real. Como é impossível abarcar a totalidade do real em suas múltiplas fragmentações, as ressignificações da alegoria, sua capacidade de síntese, de fundir conceitos distantes e garantir novas significações são ceifadas, estimulando apenas a falsa aparência de uma totalidade verdadeira. Contemporaneamente, a alegoria é repertório puramente formal, procura insólita pela significação e sentido perdidos.

A validade do discurso alegórico demanda, portanto, o estabelecimento de poéticas que reforcem os tópoi contemporâneos para além da discursividade auto-referente, recuperando a dóxa, ao mesmo tempo em que solidifiquem seu caráter divergente e plural. Cabe ao fruidor estabelecer a transposição metafórica entre os termos ordenados segundo os lugares-comuns. Tal ordenação demanda, por parte do autor, a utilização dos tópoi para mediar a relação entre obra e receptor, uma vez que a evocação de um tópos induz a uma conclusão discursiva, na medida em que o enunciado contém um entendimento compartilhado. Sem a participação efetiva do receptor, incluindo sua capacidade de desvelamento do conteúdo alegórico da imagem, a obra aumenta o desvio

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estético em relação ao fruidor, diminuindo a capacidade cognitiva de percepção e ajuizamento estético. Se considerarmos que a arte é instrumental, ou seja, um veículo de comunicação cujo efeito poderíamos entender como a produção de uma espécie de “conhecimento catártico” em que intelecto e paixões são postos em ação, cumpre o estabelecimento de poéticas que abarquem, conjuntamente, a autoria e o público, fundadas no saber e na experiência da ordem cotidiana. Essa racionalidade outra tornaria possível a reabilitação da alegoria.

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Endereço para correspondênciaDaniele Nunes CaetanoPUC Minas - Departamento de Arquitetura e Urbanismo Av. Dom José Gaspar, 500 - Coração Eucarístico30535-901– Belo Horizonte – MGe-mail: [email protected]

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