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O Programa Cartão Família Carioca:
Diagnóstico e Desenho
Outubro de 2010
Coordenação Técnica: Marcelo Neri Centro de Políticas Sociais Fundação Getulio Vargas
2
IInnttrroodduuççããoo
Nos países da América Latina, e no Brasil em particular, Programas de
Transferência Condicionada de Renda são cada vez mais usados como políticas públicas
focadas nos segmentos pobres da população. O Programa Bolsa Família (PBF),
brasileiro, tem como objetivos: reduzir a pobreza e desigualdade de renda, provendo um
benefício mínimo para famílias pobres; reduzindo a transmissão intergeracional de
pobreza condicionando o recebimento dos benefícios a investimentos em capital
humano pelos beneficiários. As condicionalidades observadas no PBF são: educação –
frequência escolar mínima de 85% para crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos, e
mínima de 75% para adolescentes entre 16 e 17 anos; saúde – acompanhamento do
calendário vacinal e do desenvolvimento para crianças menores de 7 anos; pré-natal das
gestantes e acompanhamento das nutrizes na faixa etária de 14 a 44 anos.
A partir de diagnósticos e análises da situação social dos beneficiários do Bolsa-
Família, contribuímos no desenho e proposição de atributos programa para sua
aplicação no município do Rio de Janeiro. Buscamos, dessa forma, potencializar
interações com outros níveis de governo e com outras políticas públicas setoriais para a
população de baixa renda. Algumas linhas do programa aqui discutidas são:
Princípios do Cartão Família Carioca (CFC)
Potencializar outras ações setoriais da cidade e de outros níveis de governo
Busca dos mais pobres tratando os diferentes na medida de sua diferença.
Privilegiar a igualdade de oportunidades e a capacidade de geração de renda dos
beneficiários (quem é pobre e não apenas quem está pobre)
Preservar a liberdade nas escolhas individuais (o que e quando gastar)
Condicionar escolhas coletivas sujeitas a imperfeições de mercado
(Externalidades)
Buscar aprimoramentos constantes (CFC 1.1,...,CFC 2.0 ..etc)
Alavancar Potencialidades da Administração atual
Conectar BC às prioridades do Plano Estratégico do Rio
Integrar com outros Níveis de Governo e Sociedade
Conectar programa com compromissos internacionais a Metas do Milênio da
ONU (MDGs) e melhores práticas
3
PPrrooggrraammaa BBoollssaa FFaammíílliiaa ((PPBBFF))
O PBF foi lançado em 2003 e durante seus sete anos de existência, passou por
expansões e foi alvo de estudos empíricos; que demonstraram um forte impacto na
pobreza e na desigualdade d erenda e possibilidades d eavanço a prazo mais longo
propiciadas pela estrutura e capacidade do programa de chegar aos mais pobres.
Do final de 2004 até 2006, 4,5 milhões de famílias foram incorporadas ao
programa, chegando a 11 milhões de famílias. Focando a anãlise nos trabalhos que
participamos: Neri (2009) estima alguns impactos de prazo mais longo do BF, e
Kakwani, Neri e Son (2006) discutiram efeitos de curto prazo pró-pobres dos programas
sociais brasileiros. A figura abaixo sintetiza os principais canais que afetam as médias
de renda, bem-estar social e taxas de crescimento da desigualdade, no período entre
2001 e 2005. A conclusão foi que um pequeno aumento nos programas de transferência
de renda governamentais focalizados produziram um grande impacto nas condições de
vida dos pobres.
Dentre os resultados empíricos de Neri (2009), há de se destacar a permanência na
escola, fertilidade e saúde infantil, decisões de consumo e acumulação de bens, decisões
de trabalho, e rendimentos do trabalho. No aspecto escolar, para ser elegível no BF, as
4
crianças entre sete e quinze anos devem estar matriculadas nas escolas e não faltar mais
que 15% das aulas. Os resultados do modelo logístico para as crianças nessa faixa etária
sugerem que o BF não produziu marcados avanços no objetivos de melhora escolar: há
melhora pequena na freqüência e assiduidade nas escolas, mas as crianças na escola
tiveram um aumento no tempo escolar e no acesso à infra-estrutura. Já na faixa etária
entre 16 e 64 anos, o efeito renda gerado pelo aumento de transferências de renda é
possivelmente dominante sobre os outros incentivos de natalidade inerentes ao BF, mas
não em relação à qualidade do tratamento dispensado à criança. Os exercícios feitos
para analisar as decisões de consumo e de trabalho mostram um aumento na compra de
bens duráveis, serviços públicos e habitação, enquanto não rejeita a existência de um
“efeito preguiça” na oferta de trabalho dos indivíduos, possivelmente induzido pelo
programa. As tabelas com os resultados aqui mencionados se encontram em anexo.
A partir das condicionalidades acima mencionadas, o PBF tenta reduzir o déficit
educacional visto no Brasil nas últimas décadas. O desempenho educacional brasileiro
tem se mostrado bastante fraco quando avaliado por provas internacionais de
matemática e leitura (Programa de Avaliação Internacional de Estudantes – PISA), com
o país figurando nas últimas posições do ranking elaborado pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Cabe ressaltar que as provas do
PISA são realizadas por alunos de 15 anos selecionados em 57 países em sua maioria
paises desenvolvidos.
Dados o desempenho brasileiro e as estatísticas de freqüência escolar e tempo de
permanência na escola para essa faixa etária, percebe-se que o grande problema da
educação fundamental brasileira é a qualidade, aí incluindo gestão escolar, proficiencia
dos alunos e jornada escolar insuficiente. A fim de ilustrar esses fatos, dados de 2006
mostram que 2,7% daqueles entre 10 e 14 anos não estudavam, ou seja, quase todas as
crianças dessa idade estavam na escola. Essa proporção sobe para 17,8% entre 15 e 17
anos. Além disso, cada criança até 17 anos fica, em média, 3,26 horas diárias na escola
(já descontadas oito horas de sono). Pesquisas realizadas recentemente destrincham
esses números1, incentivando reflexão sobre as diretrizes educacionais a serem seguidas.
Por exemplo, a falta de interesse intrínseco responde por 40,3% da evasão escolar; em
contrapartida a necessidade de renda responde por 27,1%. Portanto, 67,4% das
1 Ver Boxes com resumos das pesquisas “Motivos da Evasão Escolar” e “Tempo de Permanência na Escola”
5
motivações dos sem escola estão ligadas à falta de demanda, que é endereçada pelas
condicionalidades do PBF.
6
UUppggrraaddeess nnoo BBoollssaa FFaammíílliiaa Como o objetivo de longo prazo dos programas de políticas sociais é permitir aos
indivíduos realizarem seu potencial produtivo, é importante potenciaizar as condições
para recebimento do benefício do PBF, a fim de atingir os objetivos sociais auspiciosos.
Podemos elencar algumas áreas prioritárias onde melhorias podem trazer resultados
nesta direção, a saber:
1) Cadastro Único (ver Box explicativo) – conforme mostrado em Barros et al.
(2007) “(...) embora o grau de focalização do Bolsa Família esteja em
vantagem no contexto latino-americano, existe amplo espaço e necessidade
para melhoria, a qual poderá ser alcançada aprimorando a informação sobre
renda que consta do Cadastro Único”. Sendo assim, o principal problema
notado na utilização do CadÚnico para identificação das famílias é o uso da
renda autorreportada que é cadastrada. As variadas dimensões de informações
presentes no Cadastro permitem combiná-las de forma a obter bons
“preditores” da renda familiar, aumentando o grau de focalização do
programa. Em geral, a baixa fidedignidade das informações de renda tem duas
origens: não intencional causada por imprecisões e indefinições conceituais,
por exemplo; e intencional, onde as famílias ou entrevistadores podem
declarar renda mais baixa que a efetiva, com vistas a elevar a probabilidade de
participação no programa. Portanto, o aprimoramento mais significativo para
esse caso seria a utilização de outras informações do cadastro para imputar a
renda das famílias (posse de bens duráveis, informações habitacionais etc) e,
então, utilizar essa estimativa para definir a elegibilidade para os programas.
O Cadastro Sosial Ünico (CadÚnico) Criado em julho de 2001, o Cadastro Único para programas Sociais (CadÚnico) tem por objetivo o cadastramento e a manutenção de informações atualizadas das famílias brasileiras com renda per capita inferior a ½ salário mínimo (SM) ou renda familiar total de até 3 SMs em todos os municípios brasileiros. Os municípios são os responsáveis pela realização do cadastramento. São as prefeituras que o planejam, definem as equipes de cadastradores, realizam as entrevistas junto às famílias, compilam todas as informações e as remetem para o governo federal. Além disso, cabe também ao município manter o registro das
7
famílias atualizado, monitorar e informar a inclusão ou exclusão de cadastrados e zelar pela qualidade das informações. Atualmente, o Cadastro Único conta com mais de 19 milhões de famílias inscritas. Ele deve ser obrigatoriamente utilizado para seleção de beneficiários e integração de programas sociais do Governo Federal, como o Bolsa Família. Suas informações podem também ser utilizadas pelos governos estaduais e municipais para obter o diagnóstico socioeconômico das famílias cadastradas, possibilitando a análise das suas principais necessidades. As informações sobre as condições de vida das famílias podem ser organizadas em seis dimensões: 1) vulnerabilidade – composição demográfica das famílias, inclusive com a indicação de mulheres grávidas e amamentando (nutrizes), e também de pessoas com necessidades especiais; 2) acesso ao conhecimento; 3) acesso ao trabalho; 4) disponibilidade de recursos (renda e despesa familiar per capita e despesas com alimentação); 5) desenvolvimento infantil; e 6) condições habitacionais (acesso a serviços públicos básicos como água, saneamento e energia elétrica).
2) Na área educacional é importante expandir os horizontes, dando maior atenção
à primeira infância (de zero a seis anos) e substituindo a prioridade quantidade
pela qualidade na faixa de 7 a 15 anos de idade, incentivando a melhora de
desempenho dos alunos, ou seja, a variação positiva das notas em avaliações
externas ao invés do valor absoluto das mesmas. Além disso, a ampliação da
jornada escolar, com aulas ou atividades socioeducativas no contraturno
escolar, é vista com bons olhos por estudiosos e educadores.
As sugestões educacionais acima foram pensadas a partir da observação de que: i)
a atenção dispensada à primeira infância no PBF se restringe ao acompanhamento do
calendário vacinal e do crescimento e desenvolvimento das crianças menores de sete
anos, ou seja, muito pouco para um público tão importante; ii) a grande maioria das
crianças entre 7 e 15 anos já está matriculada na escola, sendo ineficiente, portanto,
condicionar o benefício do PBF à matrícula e freqüência dessa população; iii) a jornada
escolar no Brasil é muito baixa, sendo liquidamente menor do que o estipulado por lei
(vide Box com resumo da pesquisa “Tempo de Permanência na Escola”).
8
CCaarrttããoo FFaammíílliiaa CCaarriiooccaa:: ooppoorrttuunniiddaaddee ppaarraa oo RRiioo O Município do Rio de Janeiro apresenta um histórico de desigualdade social que
inspirou o termo “a cidade partida” de Zuenir Ventura, bem como de déficits de
educação e saúde públicas, que já foram alvo de inúmeros estudos. Entre aqueles por
parte do Centro de Políticas Sociais (CPS/FGV) temos “O Mapa do Fim da Fome II no
Rio de Janeiro”, “Desigualdade e Favelas Cariocas: Diagnóstico e Políticas para
Integrar a Cidade Partida” (em parceria com o Instituto Pereira Passos (IPP)) entre
outras, explicitam o cenário de desigualdade e miséria tanto na cidade quanto no Estado
do Rio.
No que tange aos déficits de educação e saúde, dados históricos corroboram a
idéia de caos, com alto nível de repetência e evasão escolar, bem como altos índices de
mortalidade infantil (indicador fundamental de saúde).
Porém, os resultados do IDEB 2009 (Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica) do Rio de Janeiro mostram um movimento de recuperação na educação. Apesar
da elevação na taxa de reprovação no primeiro segmento (1º a 5º anos), o IDEB passou
de 4,5 em 2005, para 5,1 em 2009. Sem o efeito da taxa de reprovação, a mudança é de
4,92 para 5,65. No segundo segmento (6º a 9º anos), sem a taxa de reprovação, o
aumento é de 4,70 para 4,82. O avanço no IDEB sugere que as políticas para a educação
realizadas pela Secretaria Municipal de Educação (SME) estão dando resultados.
Diagnóstico: Indicadores Sociais baseados em Renda
Destrinchamos a evolução dos indicadores sociais baseados em renda domiciliar
per capita tradicionalmente gerados pelo CPS como pobreza, desigualdade e bem-estar
(incluindo os sem renda), sintetizando o que aconteceu com o bolso dos cariocas.
A Busca dos Mais Pobres: Enquanto o Brasil cumpre sua meta de redução da
desigualdade em menos da metade do tempo (cai 51,3% em 12 anos), o Rio percorre o
sentido inverso (sobe 95,6% em 12 anos). PNAD. Em 2008, a proporção de pessoas
baixo da linha de US$ 1 é maior na capital do Rio de Janeiro (6,26%) do que a média
nacional. Utilizando outra linha de pobreza da Meta do Milênio de 2U$S: do Rio é de
7,77%, a 10ª maior capital (a maior é 16,77% Maceió; 7,54% das capitais e 10,55% do
Brasil). Por fim, a taxa de pobreza usando a linha da FGV é 10,18% em 2008 (era
9
9,61% em 1996). No Brasil era 16,02% em 2008 (era 28,82% em 1996). Rio é a 15%
maior capital (o maior é de 25,6% de Maceió e 11,28% das capitais).
3,2
3,08
4,01
5,4
3,91
6,14
5,46
5,26
6,26
0
1
2
3
4
5
6
71996
1997
1998
1999
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2008
Pobreza (Linha $1 PPP)
6,5
5,92
7,88
10,51
7,35
10,97
8,49
8,41
7,77
4
5
6
7
8
9
10
11
12
1996
1997
1998
1999
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2008
Pobreza (Linha $2 PPP)
10
Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE
Monitorando Metas de Miséria: A medida de pobreza favorita é o P2 (que dá mais
peso aos mais pobres dos pobres); do Rio 0,0603 é o maior das 27 capitais (0,0434).
Captada pelo ligeiro aumento no indice conhecido P2 (5,5 para 6,03) observamos que
não houve alívio na severidade da miséria. Os dados de queda de renda do primeiro
décimo indicam que os mais pobres dos pobres não foram os que ganharam no ultimo
ano.A proporção de renda zero é a maior na capital. Com 5,08%, o Rio é disparado
entre as capitais (3,39% de SP (2ª); 2,74% de Maceió (3ª)) e 2,53% do conjunto delas e
1,56% do Brasil. 4,59% favelas cariocas e 5,16% demais áreas. Quando olhamos na
PME que compreende apenas a renda do trabalho, 19,47% Rio contra 14,4% das 6
maiores metrópoles. Na população entre 15 e 60 anos 13,3% Rio contra 10,2%.
9,6
9,88 10,74
13,63
10
15,62
12,54
10,71
10,18
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
1996
1997
1998
1999
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2008
Pobreza (linha CPS/FGV)
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Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE
Custo da Erradicação da Miséria: Outra medida útil no desenho de políticas públicas é
o hiato de renda (P1). Isto é, quanto de renda falta, em média, aos miseráveis para que
eles consigam satisfazer suas necessidades básicas no mercado. Utilizando como base
nossa linha de insuficiência de renda, o déficit médio expresso em termos monetários de
cada carioca miserável seria R$ 88,87 mensais. Em 2006 a mesma estatística era R$
80,69.
Como só uma parte dos cariocas está abaixo da linha, é importante perguntar:
Quanto custaria levar a renda de cada pessoa até a linha de pobreza (137 reais por
pessoa)? Os dados mostram que o menor custo de alívio da miséria é R$ 9,01 por
carioca quase o mesmo dos R$ 9,05 do Brasil e maior que R$ 7,17 da média das
capitais. O maior é o de Maceió (R$ 15,05).
Assim sendo, seriam necessários R$ 9,01 em média, por pessoa, para aliviar
totalmente a pobreza no Rio, que usando a população de 6,187 milhões (junho de 2010)
totalizam no mínimo R$ 704,3 milhões de reais por ano. As informações revelam
quanto custaria para completar a renda de cada brasileiro até a linha de R$ 137 nacional,
ou seja, o menor valor das transferências suficientes para içar cada miserável até o piso
de suas necessidades básicas. Este exercício não deve ser lido como uma defesa de
determinadas políticas específicas, mas como uma referência ao custo de oportunidade
social da adoção de políticas desfocadas. O dado é útil para traçar o alvo das políticas e
organizar suas fontes de financiamento.
0,0335
0,0328 0,0446 0,0590
0,0401
0,0673
0,0582
0,0550
0,0603
0
0,01
0,02
0,03
0,04
0,05
0,06
0,07
0,08
1996
1997
1998
1999
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2008
Hiato Quadrático de Pobreza (P2)
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Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE
Desigualdade: A desigualdade medida pelo índice de Gini cai no último biênio, passa
de 0,588 para 0,5764 entre 2006 e 2008. O panorama anual da redução de desigualdade
desde o início da década de 90 pode ser observado no gráfico abaixo.
Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE
6,0400
5,8700 7,5200 9,9400
6,8700
11,2300
9,4100
8,6400
9,0500
0
2
4
6
8
10
12
1996
1997
1998
1999
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2008
Custo de Alívio à Miséria ‐ R$
0,6
0,5826
0,5748
0,5847
0,5661
0,5899
0,5701
0,588
0,5764
0,55
0,555
0,56
0,565
0,57
0,575
0,58
0,585
0,59
0,595
1996
1997
1998
1999
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2008
Índice de Gini
13
DDeesseennhhaannddoo oo NNoovvoo PPrrooggrraammaa A Prefeitura do Rio de Janeiro percebeu que há espaço para melhorias nos atuais
quadros de desigualdade, miséria e educação vistos na cidade. O sucesso do Programa
Bolsa Família, que aliou baixos custos (apenas 0,4% do PIB)2 à redução de pobreza e
introdução dos pobres no mercado consumidor, serviu de estímulo para a criação de um
programa de transferência de renda especialmente para o Rio. O Programa Cartão
Família Carioca (CFC) vem para complementar o programa federal, tendo como
objetivo a redução da pobreza e sendo focado no segmento pobre da população.
Por serem complementares, ambos os programas apresentam diferenças
marcantes, principalmente em relação: à mensuração da renda, ao universo de
beneficiados, às condicionalidades e aos valores dos benefícios.
Abaixo explicitamos essas diferenças.
Busca dos mais pobres tratando os diferentes na medida de sua diferença.
Completando a insuficiencia de renda dos beneficiários até a linha de pobreza
traçada. Isto produz mais eficiencia no uso dos recursos públicos na consecução
da redução da pobreza.
Mensuração da Renda – O PBF se baseia na renda autorreportada pelas famílias
no CadÚnico; o CFC faz uso desse mesmo cadastro (para moradores da cidade),
com um upgrade operacional ao fazer uso das outras informações existentes no
cadastro para imputar a renda das famílias, aumentando a informação disponível
na focalização do programa. Privilegia-se assim o uso de informações de acesso
e uso de ativos produtivos, relativas a igualdade de oportunidades e a capacidade
de geração de renda dos beneficiários. Busca-se quem é pobre e não apenas
quem está pobre. Dada a primeira característica do programa de dar mais a quem
tem menos renda, o programa fica mais mais protegido de erros de mensuração
de renda intencionais, ou não.
Universo de Beneficiados – O CFC utiliza, num primeiro momento, uma lista
dos residentes no Rio cadastrados no CadÚnico e que recebem o PBF o que
permite a sua aplicação em curto intervalo de tempo.
2 Fazer comparação entre o PBF e uma correção do salário mínimo.
14
Condicionalidades – A primeira infância (de zero a seis anos) é incorporada às
condicionalidades, assim como agora há incentivo por melhora de desempenho
dos alunos matriculados em avaliações externas (Provas bimestrais e Prova Rio).
1) Valores dos Benefícios – O programa BF dá um benefício básico fixo de R$68
para famílias com renda per capita de até R$70, além de benefícios variáveis
condicionados a investimento em capital humano. O CFC tem um benefício
básico variável, pois dá ao pobre o suficiente para ultrapassar a linha de
pobreza, que varia de família para família. Além disso, dá benefícios
variáveis, se respeitadas determinadas condicionalidades, que são maiores
para os mais pobres.
Trocando em miúdos, temos agora um programa que busca o mais pobre dos
pobres imputando a renda per capita da família, dando a ela o suficiente para chegar a
linha de pobreza (US$ 2 ppp), mas não que beneficia a todos inicialmente, e ainda exige
contrapartidas.
15
Os esquemas a seguir mostram as estruturas do Bolsa Família e do Cartão Família
Carioca.
Programa Bolsa-Família
Cartão Família Carioca
É necessário explicar os motivos para tantas diferenças entre os programas, afinal,
o Bolsa Família tem obtido êxito em seu período de existência. Primeiramente, a
decisão de utilizar renda imputada se deveu à busca por maior eficiência no uso dos
16
recursos públicos, além da existência de grandes inconsistências encontradas nos dados
sobre renda no cadastro das famílias da cidade. Ao utilizar dados sobre ativos, educação
de todos os membros do domicílio, condições habitacionais entre outras, foi possível
criar um modelo de estimação da renda das famílias que mostrava muito claramente o
panorama da pobreza no Rio. Assim, no intuito de evitar fraudes, os benefícios a serem
dados são calculados com base na estimativa gerada pelo modelo.
Em segundo lugar, o desenho do programa CFC atende à necessidade de
avaliação do sucesso ou fracasso dessa política. Desse modo, é muito importante e útil,
a separação da população potencialmente beneficiada em grupos de controle e
tratamento. Vale ressaltar que essa técnica de randomização é amplamente utilizada em
diversos estudos médicos e teve lugar em programas sociais, como o Family Rewards
de Nova Iorque e o Oportunidades mexicano (vide Box explicativo). Portanto, a decisão
de randomização da amostra é pautada em efetivas experiências internacionais.
Ambos os programas possuem benefícios básicos e variáveis; no caso do BF, o
básico é fixo em R$68 para famílias com renda abaixo de R$70, podendo ganhar os
bônus variáveis se respeitadas as condicionalidades – valores e condicionalidades se
encontram no esquema acima. No CFC, o benefício básico é variável, pois ele foi
pensado para ser o suficiente para as famílias ultrapassarem a linha de pobreza
estabelecida de US$ 2 per capita/dia. Desse modo, a redução vista nos índices de
pobreza são bem significativos. Vale ressaltar que apenas um adulto é contemplado com
o auxílio, geralmente a mulher. Essa escolha surge em face às evidências da literatura
acerca do viés de gênero existente na alocação de recursos nos domicílios (Braido,
Olinto e Perrone, 2009).
Em se tratando de benefícios variáveis, o programa carioca segue a linha federal e
condiciona seus bônus a investimentos em capital humano, ou seja, na saúde e educação
das famílias, adultos, crianças e jovens. O CFC foi pensado para ser um complemento
do BF e a melhor maneira de expressar essa idéia é considerá-lo como uma bolsa de
estudos, onde as crianças são desafiadas a atingir bons desempenhos nas avaliações
escolares e incentivados a concluir sua educação básica (Ensinos Fundamental e
Médio). Com esse objetivo, as condicionalidades, que são alvo de seção posterior,
foram elaboradas para explorar as potencialidades dos beneficiados; as famílias
recebem, no máximo, três bônus variáveis ao respeitá-las, referentes ao número máximo
de crianças/jovens a serem considerados no programa (até três).
17
Um exemplo ilustrativo: uma família com renda zero e com três (máximo)
crianças ou adolescentes respeitando todas as condicionalidades recebe R$432 mensais.
Portanto, esse é o maior valor que pode ser recebido por uma família; ele se refere a
uma renda per capita de R$ 108 (linha de pobreza) em uma família onde quatro pessoas
são beneficiadas, sendo um adulto e três crianças/adolescentes.
18
CCoonnddiicciioonnaalliiddaaddeess Esta seção objetiva explicitar o caráter “bolsa de estudos” do Cartão Família
Carioca mostrando as condicionalidades do programa e os fatores considerados no seu
processo de escolha.
Em primeiro lugar, quando o CFC estava em fase embrionária, os resultados das
ações adotadas pela Secretaria Municipal de Educação (SME) começaram a ser
divulgados, mostrando que a secretária Cláudia Costin estava conseguindo reverter os
quadros da educação carioca (vide melhora do IDEB 2009, já citado nesse texto). O
êxito das políticas educacionais em curso trouxe a atenção dos coordenadores do
programa para a importância estratégica da SME. Como o objetivo era criar um
programa novo, com melhoras em relação ao Bolsa Família, era importante inovar
também nas condições para recebimento dos benefícios. Assim, a SME foi consultada
para propor os aprimoramentos a serem adotados na parte de condicionalidades
educacionais do CFC, e que fossem operacionalmente viáveis. A partir daí, surgiram as
condicionalidades de educação, a saber:
1) Frequência de, pelo menos, 90% às aulas nas escolas e creches;
2) Melhora no desempenho de 20% nas notas das provas bimestrais em relação
ao bimestre anterior; 15% para alunos das Escolas do Amanhã;
3) Frequência dos pais ou representantes legais às reuniões bimestrais de escolas
e creches.
Uma observação importante é referente à melhora no desempenho, pois ela será
considerada a partir de notas de corte. São elas: 7,5 para 1º a 5º anos e 6,5 para 6º a 9º
anos; para as Escolas do Amanhã, as notas são 7,0 e 6,0 respectivamente.
Ao observar os itens descritos acima, se percebe três características, maior atenção
à primeira infância, maior cobrança das crianças e adolescentes, e exigência de
participação dos pais na vida escolar dos filhos. É interessante mostrar em que se
baseiam essas decisões.
1) Maior atenção à primeira infância
A primeira infância compreende as crianças com idade entre zero e seis anos,
sendo atendidas, educacionalmente, por creches e pré-escolas. Tanto a literatura
19
econômica como a neurociência evidenciaram a importância dessa faixa etária; estudos
comportamentais e da evolução cerebral das crianças evidenciaram que os maiores
retornos de investimento educacional são na primeira infância3. Assim, é de extrema
importância que sejam dados os incentivos corretos de modo a maximizar o aprendizado
e o desenvolvimento pré-infantil. Além disso, a eficácia das políticas depende
essencialmente do pano de fundo dentro do qual se dá o desenvolvimento; é
fundamental, portanto, levar em consideração a pobreza e políticas que a aliviam,
reduzindo os efeitos dos fatores de risco, como: gravidez precoce, desnutrição, fome,
desemprego, divórcio, violência familiar (ou de outro tipo) e diversos fatores tóxicos,
desde insalubridade até alcoolismo e drogas (Garbarino, 1992).
A cobrança de presença das crianças nessa faixa etária nas creches e escolas visa
evitar que as mesmas sejam “abusadas” ou que recebam os incentivos incorretos, ou
seja, nessas instituições de ensino elas receberão o apoio necessário para seu pleno
desenvolvimento. A exigência de freqüência dos pais nas reuniões bimestrais realizadas
pelas instituições abre espaço para o auxílio e informação para os responsáveis acerca
das melhores práticas para seus filhos. Portanto, as reuniões servirão, para os pais, como
aulas sobre a correta forma de estimular o aprendizado de suas crianças. Os projetos da
SME para o público pré-infantil mostram que esse esforço pode ter um excelente
retorno a médio e longo prazos.
2) Maior cobrança das crianças e adolescentes
No Cartão Família Carioca pode-se dizer que “o cerco está se fechando” para a
evasão escolar e o desempenho ruim dos alunos. A cobrança de freqüência é ainda
maior que no Bolsa Família e não faz distinção entre idade. Os 90% cobrados visam
acabar de vez com a evasão e aumentar o tempo de permanência na escola (vide boxes
das pesquisas). Adicionalmente, não é apenas quantidade que interessa, mas também
qualidade; por isso existe a cobrança de melhora das notas nas provas bimestrais,
sistema implementado pela SME e que vem obtendo resultados muito positivos.
3 Oliveira, 2008; Carneiro e Heckman, 2003; Cunha e Heckman, 2006; Masterov e Heckman, 2007
20
3) Exigência de participação dos pais na vida escolar dos filhos
A participação de pais nas reuniões bimestrais organizadas pelas instituições de
ensino os incentiva a participar mais da vida escolar do filho, permitindo saber suas
dificuldades e necessidades educacionais. Além disso, serve para aprender boas práticas
de apoio às suas crianças, visto que a presença dos pais nessa fase de desenvolvimento e
crescimento dos filhos é de extrema importância.
Resultados esperados das condicionalidades
As condicionalidades de educação do programa Cartão Família Carioca foram
pensadas de forma a alavancar o desempenho escolar dos jovens beneficiados, trazendo
à tona suas potencialidades e permitindo acabar com a pobreza intergeracional. A
redução da pobreza proporcionada pelo CFC traz impactos indiretos positivos no
desenvolvimento pré-infantil, por exemplo, uma vez que reduz o principal fator de
risco, a pobreza. É de se esperar que a partir da maior participação dos pais na escola,
haja grande conscientização do valor da educação por parte deles e de seus filhos. Da
mesma forma, uma melhora substancial no desempenho escolar dos alunos da rede
pública municipal do Rio de Janeiro, vista através da evolução do IDEB de anos
posteriores, poderá ser indicador de que as condicionalidades estão sendo efetivas.
Cabe ressaltar, que toda política tem efeitos adversos positivos e negativos; o CFC
não foge à regra. Apesar de, possivelmente, melhorar os índices educacionais, haverá
maior tensão entre pais e filhos por causa da anexação entre benefício e desempenho
escolar. Esse incentivo perverso deve ser forte num primeiro momento (analisar índices
de violência doméstica), mas deve sofrer queda no decorrer do processo de instrução
dos pais e alunos acerca dos benefícios da educação. Além disso, os benefícios variáveis
do programa são como bolsas de estudo, afinal estão vinculadas à melhora das notas
(variação positiva das notas); desse modo, os alunos são desafiados a mostrar o seu
melhor sem a necessidade de intervenção física (violência) dos pais.
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Cartão Família Carioca 2.0
Mesmo sendo um programa baseado no Bolsa Família, o CFC conseguiu agregar
diversos upgrades que há algum tempo já eram defendidos por diversos especialistas.
Ainda existe melhoras a serem propostas e implementadas, mas o tempo desses
aprimoramentos deve ser pautado na política, afinal é preciso esforço operacional e
político para conseguir implementar um programa desse porte. Nesta seção apontamos
alguns aspectos e sugestões que merecem atenção, devendo ser estudada a viabilidade
das mesmas.
As condicionalidades de saúde do Cartão Família Carioca 1.0 replicaram as do
Bolsa Família, não havendo qualquer melhora. É importante que numa versão posterior
haja mais coordenação entre os envolvidos no desenho do programa, atingindo um nível
ótimo de intersetorialidade, haja vista a pouca participação da Secretaria Municipal de
Saúde (SMS) na elaboração do projeto. É claro que o CFC 1.0 tem como objetivo ser
uma bolsa de estudos, complementar ao programa federal, mas estamos falando de
melhorias, então adotar uma política mais agregadora é uma melhoria que trará custos e
benefícios, que se bem pensados, podem ser muito úteis à população e à cidade.
Um ponto importante para a educação é o aumento da jornada escolar, que se
encontra, efetivamente, abaixo das 4 horas estabelecidas por lei. Essa expansão não
envolve só transferência de renda para as famílias a fim de deixar seus filhos mais
tempo na escola; é necessário planejamento por parte da SME para aumentar a oferta de
educação integral nas escolas e, então aumentar a demanda por esses serviços através de
programas do tipo CFC. O programa “Mais Educação”, do governo federal, incentiva a
permanência dos alunos no contraturno escolar para a realização de atividades
socioeducativas, como esportes, teatro, aulas de apoio etc. O Box abaixo explicita o
funcionamento desse programa.
Existe, também, o “Programa Segundo Tempo”, do Ministério dos Esportes, que
trabalha em conformidade com o “Mais Educação”. O interessante de se trabalhar com
esses dois programas é condicionar bolsas/benefícios à participação nas atividades
propostas. Dessa forma, há um ganho de escala produtiva na utilização de recursos, pois
as instituições de ensino que implementam essas políticas recebem repasses federais.
A primeira infância não deve ser esquecida; as práticas do programa Primeira
Infância Melhor – PIM, do Rio Grande do Sul (vide box explicativo), podem e devem
servir de base para construir o caminho ótimo de assistência a essa faixa etária. O CFC
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2.0 pode auxiliar nessa missão ao agregar algumas atividades do PIM em suas
condicionalidades.
Diante dos pontos abordados acima, é importante refletir sobre a viabilidade e
efetividade das propostas para tentar suprir as necessidades da população carioca,
principalmente nas áreas de saúde e educação. Não existe uma política ideal e
definitiva, sendo sempre necessário estudar aprimoramentos.
Pesquisa “Motivos da Evasão Escolar”, 2009 É preciso que se informe a população sobre a importância da educação,
principalmente os estudantes e seus pais, para combater as altas taxas de evasão escolar vistas no Brasil; em 2006, 2,7% daqueles entre 10 e 14 anos estavam fora da escola, subindo para 17,8% na faixa entre 15 e 17 anos, faixa do ensino médio. Nessa pesquisa, buscou-se entender as motivações relatadas diretamente pelas pessoas para não estarem na escola. Os suplementos da PNAD permitem enxergar as motivações daqueles que estão fora da escola até os 17 anos de idade, podendo aprimorar o foco e o desenho das políticas a partir das necessidades e percepções de quem toma a decisão de ir, ou não, à escola.
A taxa de retorno social da educação envolve os custos de oportunidade do adolescente estudar em vez de trabalhar, os prêmios trabalhistas e os custos diretos, privados ou públicos, da educação. A literatura calcula taxas de retorno de 15% por ano de estudo; a taxa interna de retorno relevante para a decisão de pais e filhos é ainda mais alta, pois exclui os custos públicos da educação e inclui outros benefícios para além da renda gerada pelo mercado de trabalho. A partir da decisão de se educar mais, há um enorme ganho privado, como as melhoras observadas na saúde percebida a partir de incrementos na educação (em torno de 95%). Portanto, existe um paradoxo entre altas taxas de evasão escolar e alto retorno da educação.
Para avaliar as causas da evasão, existem três tipos básicos de motivações: restrições de oferta de serviços educacionais; falta de interesse intrínseco dos pais e alunos sobre a educação ofertada (baixa qualidade percebida ou desconhecimento dos impactos potenciais); restrições de renda e do mercado de crédito, que não permitem explorar os altos retornos no longo prazo. O quadro em anexo expressa os resultados encontrados, com os grupos vulneráveis. Quanto à falta de oferta, 45,1% dela se dá por deficiência ou incapacidade dos jovens, além de 35,2% correspondentes à falta de vagas, cursos mais elevados; a falta de documentação ou dificuldades de locomoção se restringe a 19,7%. A insuficiência de demanda educacional está menos diretamente associada à necessidade de geração de renda no curto prazo e mais a uma falta de visão de retorno em longo prazo, sendo que 83,4% da falta de interesse intrínseco são porque o jovem não quis frequentar a escola. Assim, o adolescente está fora da escola porque não quer a que está aí.
É possível analisar impactos do PBF na evasão escolar, fazendo uma avaliação ex-ante que permite antecipar movimentos futuros. Regressões controladas por
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características sócio-econômicas na faixa de 7 a 15 anos de idade mostram que a chance relativa dos beneficiários potenciais do BF evadirem a escola por motivos de insuficiência de renda caiu 18,21% em relação aos não elegíveis. O mesmo exercício para a faixa de 15 a 17 anos, entre 2004 e 2006, revela um aumento de 32% na chance relativa da população pobre em relação à não pobre. A evasão escolar é pior quando se junta a oportunidade de trabalho com a carência de renda.
Fonte: pesquisa “Motivos da Evasão Escolar”, realizada pelo Centro de Políticas Sociais-CPS/FGV 2009
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Pesquisa “Tempo de Permanência na Escola”, 2009 O acesso universal à escola constitui um dos principais pleitos da sociedade em
relação às políticas educacionais. Quase 80% das diferenças de proficiência escolar são explicadas por variáveis de background familiar; somente 20% são associadas a variáveis de política educacional. As que apresentam algum poder preditivo sobre o aprendizado dos alunos são: o caráter público ou privado da escola, a qualificação dos professores, o tamanho da classe e a extensão da jornada escolar. A questão central a se considerar é se a cobertura escolar vai além da variável ‘se a criança freqüenta ou não a escola.
O objetivo, então, é quantificar o uso do insumo tempo dedicado aos estudos no processo de aprendizado e diagnosticar a análise de sua composição (onde os alunos estão ganhando ou perdendo mais tempo de escola). Esse processo é feito pela multiplicação de três índices, a saber: índice de matrícula escolar – IM (mede a proporção de pessoas que estão matriculadas na escola); índice de presença escolar – IP (proporção de dias de aula que foram aproveitados pelos matriculados na escola; jornada escolar – IJ (fornece a extensão das horas diárias dedicadas às aulas vis-à-vis uma jornada de referência). O resultado final é o Tempo de Permanência na Escola (TPE), que expressa quantas horas por dia de aula os estudantes declaram efetivamente na escola.
Na faixa de 0 a 17 anos, os resultados observados foram de 0.7581 para o índice de matrícula (i.e, 27.19% de evasão escolar), 0.952 para o índice de presença (i.e, 4.48% de dias de aula perdidos) e desvio de jornada de 0.9046 (i.e, 9.54% abaixo da jornada padrão de 5 horas). A multiplicação desses três índices divididos pela jornada de 5 horas diárias gera um de 0.547. Se não houvesse faltas e a jornada escolar fosse de 5 horas, o índice de permanência na escola seria de 0.7581 contra 0.6528, observado na prática quando se computa o absenteísmo e a extensão da grade de aulas. Por outro modo de expressar o índice de permanência na escola, cada indivíduo de 0 a 17 anos declara ficar 2,95 horas diárias na escola, contra as 4 horas de aula por dia, consideradas como o mínimo adequado pela legislação brasileira. O gráfico abaixo mostra o tempo de permanência para diferentes anos de idade.
Restringindo a análise para a faixa de 4 a 17 anos, cada indivíduo fica, em média 3,47 horas diárias na escola. A Meta 1 do movimento Todos Pela Educação prevê a inclusão de 98% desta faixa etária na escola até 2021. A taxa de evasão hoje é de 10%; ao incluir as perdas por faltas e jornada insuficiente, essa taxa chega a 23%. Na faixa de 7 a 14 anos, a evasão é de 2,34%, aumentando para 17,1% (20 vezes maior em relação a metas evasivas de 2%) quando adicionadas as perdas por faltas e a jornada curta. Os resultados da tabela abaixo sugerem que os desafios são a redução das faltas e ampliação de jornada para a faixa de 7 a 14 anos, e aumento de matrículas para a faixa de 15 a 17 anos de idade.
Um último ponto interessante é a correlação entre o tempo de permanência na escola e seus componentes e entre TPE e diferentes medidas de desempenho escolar. Os padrões de correlação sugerem que um aluno matriculado, que freqüenta as aulas em
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uma jornada ampliada tende a ter um desempenho melhor nos exames padronizados. Cabe ressaltar que esta relação se dá muito mais pela influência da extensão da jornada escolar do que pelos índices de matrícula e de presença escolares. Portanto, é importante que os gestores saibam que a ampliação da jornada tende a melhorar o aprendizado de seus alunos.
Fonte: pesquisa “Tempo de Permanência na Escola”, realizada pelo Centro de Pesquisas Sociais - CPS/FGV. 2009
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CCaarrttããoo FFaammíílliiaa CCaarriiooccaa:: SSiimmuullaaççõõeess IInniicciiaaiiss
Beneficiários
Os beneficiários do Programa Cartão Família Carioca serão:
1) famílias que possuam até três crianças e adolescentes de até 17 anos em
situação de pobreza, caracterizada pela renda familiar per capita estimada abaixo da
linha de pobreza (R$108,00 – cento e oito reais);
2) famílias que não possuam crianças e adolescentes de até 17 anos e estejam em
situação de pobreza, caracterizada pela renda familiar mensal per capita estimada abaixo
da linha de pobreza (108,00 – cento e oito reais).
A renda familiar per capita será calculada a partir das informações
disponibilizadas no Cadastro Único do Governo Federal, somada ao benefício do
Programa Bolsa Família Federal. Os benefícios concedidos terão valores variáveis por
cada família e deverá seguir o seguinte critério:
1) todas as famílias beneficiárias com crianças e adolescentes de até 17 anos
devem alcançar uma renda estimada per capita equivalente à linha de pobreza de
R$108,00 (cento e oito reais);
2) todas as famílias que não tenham crianças e adolescentes de até 17 anos
devem alcançar uma renda estimada per capita equivalente à linha de pobreza de
R$108,00 (cento e oito reais);
O valor mínimo do benefício por família, por mês, será de R$20,00 (vinte reais),
existindo ainda, benefícios financeiros vinculados ao desempenho dos alunos da Rede
Municipal de Ensino. Deve ser considerado o máximo de 1 (um) adulto e 3 (três)
crianças entre 0 e 17 anos de idade por família.
Condicionalidades
O Programa Cartão Família Carioca tem como condicionalidades cumulativas a
frequência escolar bimestral mínima de 90% para crianças e adolescentes em idade
escolar até 17 anos e presença de um dos responsáveis nas reuniões bimestrais. O
acompanhamento e a fiscalização bimestral das condicionalidades vinculadas ao
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Programa Cartão Família Carioca serão de responsabilidade da Secretaria Municipal de
Educação, assim como a garantia do direito de acesso pleno aos serviços educacionais
que viabilizem o cumprimento das condicionalidades por parte das famílias
beneficiárias. Frequência escolar abaixo de 90% em dois bimestres seguidos ou
ausência de responsável em mais de uma das reuniões bimestrais acarretará no bloqueio
de todo benefício financeiro da família.
Custo Estimado
A simulação abaixo engloba o universo de famílias com crianças entre 0 e 17
anos de idade, incluindo a folha de pagamentos do Programa Bolsa Família (BF). Nela,
comparamos o custo do Programa Cartão Família Carioca (CFC) quando os indicadores
de renda são estimados e quando são reportados, como no Cadastro Único. Os cálculos
foram feitos seguindo as restrições do programa, ou seja, 1 (um) adulto e 3 (três)
crianças, e com o benefício mínimo de R$20,00 (vinte reais). Aos resultados, então.
Em primeiro lugar, estimamos o custo do programa em R$ 8,270,317.70
mensais ( ou 99,243,812.37 ao ano), para em seguida analisar seus impactos na vida dos
beneficiários.
Foram calculadas diferentes medidas de desigualdade (gini, theil, P1 e P2) para a
situação anterior ao CFC, ou seja, onde as famílias recebem apenas o benefício do BF.
Começando pelo Theil, o qual mede o quanto a distribuição de renda observada descola
de uma distribuição perfeitamente uniforme, a queda é 55,4% com renda estimada. O
Gini, que é a medida mais usual de desigualdade, apresenta queda de 40,1% no primeiro
caso mostrando que no combate à desigualdade, pautar o Programa em indicadores de
renda estimados é a decisão mais acertada.
A pobreza cai dos 72% para 63,9% quando distribuímos o CFC. Enquanto, os
indicadores P1, que mede a gravidade da pobreza, e P2, que atribui mais peso aos mais
pobres - levando em conta a desigualdade entre os mesmos, apresentam melhores
resultados, principalmente quando a renda é estimada. Recebendo apenas o BF, o P1
chegava a 18, enquanto o P2 atingia 6. Ao implementar o CFC, essas medidas caem
para 6,1 e 1, respectivamente; isso corresponde a uma variação negativa de 63,48% do
P1 e 83% do P2. Quando se muda a metodologia (renda reportada), essas variações são
de quase 66,3% e 84,1%, respectivamente. Portanto, os dois principais índices de
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desigualdade absoluta têm excelente redução quando a renda é estimada, justificando a
escolha feita pela Prefeitura.
Custo do Programa (Cartão Família Carioca)
População cadastrada no CadÚnico 2010 (incluido a folha de pagamentos) ‐ POP. QUE RECEBE BF.
Criterio de benefício = Renda ESTIMADA benefício mínimo de R$ 20
INDICADORES DE RENDA ESTIMADOS
ANUAL RENDA THEIL GINI
ANTES (COM BF) ‐ 97.25 0.054511 0.17896
CFC COM RESTRIÇÃO CRIANÇAS;
99,243,812.37 110.27 0.0243 0.1060
Custo do Programa (Cartão Família Carioca)
População cadastrada no CadÚnico 2010 (incluido a folha de pagamentos) ‐ POP. QUE RECEBE BF.
Criterio de benefício = Renda ESTIMADA
INDICADORES DE RENDA ESTIMADOS
% MISÉRIA P1 P2
ANTES (COM BF) 72.01 17.99 5.92
CFC COM RESTRIÇÃO CRIANÇAS; 63.88 6.06 0.94
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Mapa de Beneficiários
Programa Cartão Família Carioca -
Mapa dos Beneficiários
Famílias População Pop. 0 a 17 anos
Nº pessoas
na
Nº de crianças
Valor BF
básico
Valor BF
total família de 0 a 17
anos na Família
RA I - PORTUÁRIA 1482 6906 3779 4.66 2.55 44.33 94.84
RA II - CENTRO 311 1344 787 4.32 2.53
RA III - RIO COMPRIDO
973 4739 2608 4.87 2.68 43.87 89.65
RA IV - BOTAFOGO 409 1894 998 4.63 2.44 47.27 96.27
RA V - COPACABANA
337 1587 880 4.71 2.61 59.91 107.79
RA VI - LAGOA 366 1852 988 5.06 2.7 42.98 92.62
RA VII - SÃO CRISTÓVÃO
2358 11130 6131 4.72 2.6 49.71 96.59
RA VIII - TIJUCA 956 4665 2629 4.88 2.75 50.77 101.12
RA IX - VILA ISABEL 1113 5331 3016 4.79 2.71 51.3 99.2
RA X - RAMOS 2242 10425 5740 4.65 2.56 48.83 99.2
RA XI - PENHA 3205 14967 8045 4.67 2.51 44.59 96.31
RA XII - INHAÚMA 2012 9134 5050 4.54 2.51 52.02 100.84
RA XIII - MÉIER 4095 19083 10401 4.66 2.54 50.64 101.9
RA XIV - IRAJÁ 2272 10860 6044 4.78 2.66 46.25 94.44
RA XV - MADUREIRA
4931 22190 12623 4.5 2.56 48.94 96.76
RA XVI - JACAREPAGUÁ
3971 18425 10325 4.64 2.6 47.94 96.16
RA XVII - BANGU 8355 39519 21222 4.73 2.54 51.78 102.52
RA XVIII - CAMPO GRANDE
11368 52293 28420 4.6 2.5 52.7 102.25
RA XIX - SANTA CRUZ
11745 56141 30772 4.78 2.62 48.33 96.25
RA XX - ILHA DO GOVERNADOR
2226 10329 5676 4.64 2.55 46.13 95.34
RA XXI - ILHA DE PAQUETÁ
57 285 141 5 2.47 40.72 89.88
RA XXII - ANCHIETA 2508 11411 6395 4.55 2.55 44.81 93.53
RA XXIII - SANTA TERESA
588 2787 1535 4.74 2.61 49.44 97.78
RA XXIV - BARRA DA TIJUCA
2240 10259 5645 4.58 2.52 43.62 92.27
RA XXIX - COMPLEXO DO
ALEMÃO
2199 10313 5783 4.69 2.63 41.75 89.23
RA XXV - PAVUNA 5255 24488 13663 4.66 2.6 43.49 91.73
RA XXVI - GUARATIBA
3328 15775 8753 4.74 2.63 55.39 105.12
RA XXVII - ROCINHA
1011 4873 2760 4.82 2.73 40.13 88.62
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Programa Cartão Família Carioca -
Mapa dos Beneficiários
Famílias População Pop. 0 a 17 anos
Nº pessoas
na
Nº de crianças
Valor BF
básico
Valor BF
total
RA XXVIII - JACAREZINHO
572 2625 1401 4.59 2.45 49.14 98.73
RA XXIX - COMPLEXO DO
ALEMÃO
2199 10313 5783 4.69 2.63 41.75 89.23
RA XXX - MARÉ 2671 12928 7212 4.84 2.7 51.19 100.26
RA XXXI - VIGÁRIO GERAL
3302 15189 8387 4.6 2.54 46.63 97.17
RA XXXIII - REALENGO
3525 16462 8883 4.67 2.52 45.47 97.25
RA XXXIV - CIDADE DE DEUS
1709 7810 4460 4.57 2.61 48.86 95.88
31
AANNEEXXOO::
OOppppoorrttuunniittyy NNYYCC –– FFaammiillyy RReewwaarrddss Em 2007, a cidade de Nova Iorque lançou o Opportunity NYC-Family Rewards,
um programa experimental de transferência condicionada de renda, com financiamento
privado, para ajudar famílias a quebrar o ciclo intergeracional de pobreza. Sendo o
primeiro programa do gênero em um país desenvolvido, o público alvo eram famílias de
baixa renda dos seis distritos mais pobres da cidade, que receberiam benefícios
monetários para um pré-determinado conjunto de atividades e resultados nas áreas de
educação infantil, cuidados preventivos na saúde da família e empregabilidade dos pais.
O programa nova-iorquino, inspirado no Oportunidades mexicano, ficou ativo por
três anos para 2400 famílias, tendo seus efeitos mensurados via randomização da
amostra. Uma etapa do recrutamento muito importante foi a de orientar os participantes.
O objetivo era fazer com que as famílias tivessem ampla informação sobre o estudo e
pudessem maximizar seu aproveitamento no programa.
O objetivo inicial era recrutar 5100 famílias de baixa renda elegíveis para o
programa. Esse recrutamento estava a cargo das Neighborhood Partner Organizations
(NPOs), a partir de listas de estudantes de baixa renda potencialmente elegíveis
selecionados pela MDRC e Seedco e disponibilizadas pelo DOE (Departamento de
Educação). MDRC e Seedco são duas organizações não governamentais organizadoras
do projeto Opportunity. As listas continham os nomes e informações de contato dos
estudantes e seus pais (telefone, endereço, etc), o que facilitou o trabalho das NPOs, na
medida em que indicava exatamente o público alvo, sem necessidade de amplas
campanhas para alcançar as famílias elegíveis (moradoras das áreas pobres
determinadas para o estudo).
Era requerido, no processo de recrutamento, que os pais apresentassem uma
documentação básica de elegibilidade, vissem um vídeo explicativo sobre a
aleatoriedade do processo, assinassem um termo de compromisso e então, fornecesse
informações acerca do ambiente familiar. As famílias inscritas no estudo eram divididas
em dois grupos, aproximadamente iguais: controle e tratamento. Essa divisão se dava
aleatoriamente e as famílias eram notificadas sobre qual grupo ela pertencia. Os grupos
não apresentavam diferenças em suas características estatisticamente significantes. Estar
inscrito no programa não garantia, portanto, o recebimento de benefícios, visto que
existiam dois grupos de estudo.