O Projeto Em Arquitetura

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    1/16

    9 9

    Vnia Hemb M Andrade

    O PROJETO EM ARQUITETURA:UMA HISTRIA SEM PALAVRASO texto representa uma escolha entre contedos da tese: Construindo relaes na

    interface do projeto em arquitetura, que procura compreender os processos mentais, o conheci-mento e a criatividade, buscando relaes e explicaes para o processo de concepo do projetoarquitetnico, especialmente em contexto pedaggico O recorte privilegiou a formao do pensa-

    mento pela construo de imagens, anterior linguagem verbal, estabelecendo correlaes com oprojeto como processo de criao, orientado por um desgnio Tal como no sistema neurobiolgico,esse processo constri uma histria imagtica do espao futuro, o que possibilita desvendar alguns

    aspectos especifcicos e revaloriza o conhecimento perceptivo

    Um arquiteto deve utilizar rodas redondas,

    e deve criar portas com vos maiores do que as pessoasMas os arquitetos devem reconhecer que tm outros direitos seus prprios direitos

    Aprender isso, compreend-lo, ter nas mos as ferramentas para criar o inacreditvel,isso que a natureza no pode fazer

    As ferramentas tm uma eficcia psicolgica, no apenas fsica,

    porque o homem, diferente da natureza, escolhe

    O terceiro aspecto que se deve aprender que a arquitetura no existe realmente

    O que existe a obra de arquitetura

    A arquitetura existe, sim, na mente

    Ao fazer uma obra de arquitetura,o homem faz uma oferenda ao esprito da arquiteturaum esprito que no conhece estilos, no conhece tcnicas, nem mtodos

    Um esprito que apenas espera pelo que o traga presena

    A entra a arquitetura, e ela a incorporao do imensurvel

    (Louis Kahn)

    Em sua conversa com estudantes Kahn (2002, p36) expressa bem aquilo que hde fundamental na arquitetura e no processo de projeto em arquitetura

    Situar-se na mente antes de ser coisa construda, mostra o projeto como processode anteviso, impulsionado por intenes e desejos Para Paulo .reire (2000, p132),essa capacidade humana de idear o objeto antes de produzi-lo traduz uma neces-sidade comunicativa naturalmente implicada em um potencial inventivo Por isso osseres humanos conotam sua atividade criativa e comunicante de marcas exclusi-

    vamente suas Nesse sentido, impem-se tambm os aspectos de escolha e deliberdade intrnsecos ao processo

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:2499

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    2/16

    1 0 0

    Escolher traz conotaes importantes: caracteriza um ato de vontade e expressauma intencionalidade que, em relao ao projeto, se estende do plstico formalaos contedos utpicos de mudana social Traz tambm a necessidade sempre

    repetida e nem por isso mais fcil, de eleio de uma opo em detrimento deoutras tantas, quase inumerveis Escolher reflete todos os aspectos emocionaiscontidos na troca de um sistema aberto a infinitas possibilidades por uma diretrizque define perspectivas e solues Processo cotidiano, na vida e na arte, processocclico no projeto em arquitetura, da concepo inicial ao detalhamento

    Na origem do projeto, no seu desenvolvimento e no seu objetivo, todos os aspectosenvolvidos esto relacionados ao ser humano, individualmente e como coletivo, dobiolgico s instituies, produtos da cultura e da estrutura social No entanto,considerar o projeto como processo de pensamento conduzido por uma inteno eum desejo, conforme o conceitua amplamente Perrenoud (2001), implica situarsua concepo no campo dos processos mentais pouco ou quase nada compreen-didos na rea da arquitetura

    A psicologia e, mais recentemente, a neurobiologia deles se ocupam, tornandopossvel um incio de compreenso Estrutura do pensamento, processos mentaisde tomada de deciso, aspectos envolvidos no campo da criatividade, encontram-se desvendados em outras esferas do saber, e preciso buscar sua compreenso,trazendo esse aporte para a rea do projeto em arquitetura

    A definio mais ampla de projeto, como processo mental, no retira nem modificaseu carter de hiptese construda para resoluo de um problema posto, nemdiminui sua natureza de criao, em que arte e conhecimento se entrecruzamProjeto implica informao e conhecimento contidos em reas diversas, compondoum corpo de contedos cognoscveis, ensinveis e de possvel aprendizado Esseconhecimento abre perspectivas e possibilidades, mas no envolve todo o proces-so Conhecimento e criao esto inteiramente vinculados, o exerccio do projetotransitando nessas duas grandes reas que se complementam O conhecimentopossibilita a criatividade, sua base indiscutvel, mas no suficiente para uma

    arquitetura que traga em si mesma um potencial de mudana, como criao Aesfera da deciso projetual (criao) fica no plano interno ao indivduo, conformeas caractersticas neurobiolgicas que estruturam o pensamento e dependendo emmuito de sua sensibilidade e sua biografia O biolgico e o cultural se complementamPara alm da herana biolgica, existe um universo imenso de condicionamentosadvindos da herana histrica e cultural

    Tudo isso indica a necessidade de informao sobre os processos mentais e decompreenso das possibilidades de desenvolvimento do instrumental individual parao conhecimento e a criatividade

    Um breve passeio pela neurobiologia atravs do Erro de Descartes e do Mistrio daconscincia, obras do neurocientista Antnio Damsio (1996; 2000), dirigidas aum pblico leigo, mostrou que os processos mentais articulam imagens, e o siste-ma corpo-mente mapeia sua relao e seu conhecimento do mundo tendo o corpocomo referncia primeira e fundamental Nesse processo de formao e estruturado pensamento, o termo imagem palavra chave

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24100

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    3/16

    1 0 1

    Diferentemente do conceito de imagem em arquitetura, cuja conotao mais im-portante visual, a palavra imagem, na neurobiologia, tem sentido muito amplo representao mental de tudo o que ocorre, em tempo presente, passado e

    futuro, no plano perceptivo e no plano exclusivamente mental Refere-se ao perce-bido, ao evocado e ao planejado; refere-se ao que sensvel e ao que somenteimaginado O processo imagtico rege todo o pensamento e todo o processo detomada de decises, em que razo e emoo esto igualmente imbricadas Esseprocesso situa o corpo como a referncia de todo o conhecimento, pela conscin-cia de si mesmo como autor de uma narrativa no verbal dos acontecimentosgerados pela percepo, engendrados pela memria, projetados pela imaginao

    O prprio pensamento um fluxo de imagens (muitas logicamente inter-relaciona-das), construdas a partir do mundo exterior e a partir do prprio corpo, em umprocesso de conscincia dessa construo e de conscincia de que existe um agenteque constri e pode atuar sobre essas mesmas imagens O fluxo avana no tempo,rpido ou lento, ordenadamente ou no, podendo seguir no uma, mas vriasseqncias, s vezes concorrentes, outras convergentes e divergentes, ou ainda

    sobrepostas O processo imagtico rico e complexo Essas imagens so criaesdo crebro tanto quanto produtos da realidade externa que levou sua criaoNo so cpias das situaes vividas ou percebidas, mas registros (mapas) dasinteraes entre corpo e objeto O crebro um sistema criativo, que no se limitaa refletir fielmente o ambiente que o circunda, como um mecanismo engendradopara processar informaes, mas constri mapas desse ambiente, usando seusprprios parmetros e sua estrutura interna Com isso, compe uma histria imagticaque narra a interao com o meio a partir do indivduo e sua circunstncia Essahistria, formada por imagens, a primeira instncia do pensamento As palavras,o pensamento verbal vem depois, sendo apenas uma parte das imagens transfor-mada em linguagem

    A narrativa sem palavras natural A representao imagtica de seqnciasde eventos cerebrais o material de que so feitas as histrias Uma ocorrn-

    cia natural de narrativa pr-verbal pode muito bem ser a razo pela qual acaba-mos por criar a arte dramtica e finalmente os livros, e que hoje leva boa parteda humanidade a passar tanto tempo de suas vidas diante das telas de tev edo cinema Os filmes so a representao exterior mais prxima da narrativadominante que ocorre em nossa mente (DAMSIO, 1999, p 242)

    Contar histrias no verbais no somente natural, como constitui quase umacompulso do sistema crebro-mente, que as utiliza tambm como possibilidadede previso e como auxiliar na tomada de deciso frente a quaisquer aspectos queuma situao de vida construa, dos mais bsicos aos mais intelectualmente eleva-dos Configura a possibilidade das mais diversas expresses na arte e representaelemento comum a toda atividade criativa

    Einstein, no seu processo de descobertas, refere-se aos elementos que constroemo pensamento como certos indcios e imagens mais ou menos claros, que podemser voluntariamente reproduzidos e combinados De tipo visual, parecem ser oaspecto essencial do pensamento produtivo e precedem quaisquer construeslgicas expressas em palavras ou outros tipos de signos voltados para a comunica-

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24101

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    4/16

    1 0 2

    o Somente numa segunda fase que palavras convencionais ou outros signostm de ser laboriosamente buscados (EINSTEIN, apud PINKER, 2002, p80)

    Sem dvida, o pensamento de carter visual e imagtico na concepo do projetotambm parece ser uma constante no processo, tanto pela memria de situaesespaciais vivenciadas quanto pelo carter de previso que lhe inerente a ima-ginao (produo de imagens) que permite construir previamente uma situaoespacial em sua materialidade e no movimento trazido por quem nele ir habitarIsso transparece claramente no Mtodo de projetarde Oscar Niemeyer:

    E comeo a desenhar o projeto, vendo-o como se a obra j estivesse construdae eu a percorrendo curioso Com este processo, sinto detalhes que um dese-nho no permitiria, detendo-me nos menores problemas, sentindo os espaosprojetados, os materiais que suas formas sugerem etc Uma vez, elaborei umtexto explicando as colunas do Palcio do Planalto, mostrando como as fixei,como, nesse passeio imaginrio, entre elas circulei, apreciando suas formas,modificando-as, procurando criar novos pontos de vista, o espetculoarquitetural (NIEMEYER, 1986, p19)

    Projetar, em arquitetura, , portanto, contar uma histria sem palavras, compondoimagens de futuro e retomando uma tendncia natural do sistema crebro mente,dentro da intencionalidade especfica do problema a atender Tambm experinci-as vividas na concepo de espaos sugerem emoes, recriam imagens, indicamreferncias:

    Mas uma vez submerso de novo no mundo Lombardo estas primeiras anlisesdo projeto comearam a mesclar-se incomodamente com lembranas literriase figurativas () Antigos ptios e edifcios milaneses, espaos pblicos, insti-tuies de caridade quase ofensivas, como as de Milo e Valera Sempre mehaviam impressionado quadros como Il Natale dei remasti e Pio Albergo Trivulzio,de ngelo Morbelli: observava-os fascinado, sem poder julga-los Agora meservia deles como meios plsticos e figurativos, teis para este projeto O estu-do das luzes, os grandes raios que incidem sobre os bancos dos velhos, assombras precisas das figuras geomtricas desses mesmos bancos e da estufa,tudo parecia sado de um manual de teoria das sombras () (ROSSI, 1984,

    p23) (trad prpria)

    So fragmentos de espaos sensveis que a memria preserva e reconstri em ima-gens de espaos futuros A imaginao criao e articulao de imagens - permiteacessar um mundo que est alm da experincia, permite transcender o sensrio ealcanar um mundo de formas, espaos, situaes, sem relao aparente com arealidade Segundo Bronowski (1983, p25) esse o fundamento da arte

    No domnio da arquitetura o projeto, como inveno, trabalha entre limites deliberdade, vinculado ao abrigo de determinada atividade a uma necessriamaterialidade Sua concepo articula imagens a partir doprograma e da constru-o conceitual, que constituem, desde o incio, um processo de mentalizao doespao futuro Quem exercer que atividade e de que maneira isso dever ocorrerbem Se ainda no h espao concretamente delimitado, h espao em hiptese,que se coloca como requisito em qualidades e quantidade Sem dvida, outrashipteses, como a definio do partido e a definio da soluo espacial a serconstruda, so at mais facilmente compreensveis como elaborao de imagens

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24102

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    5/16

    1 0 3

    Durante todo esse processo, cria-se uma linguagem, criam-se novos smbolos arespeito do tema e da arquitetura que o abriga

    A histria no verbal que o crebro engendra e imediatamente traduz em umanarrativa verbal, ainda que no expressa, na concepo do projeto em arquitetura,pede o registro em uma simbologia convencionada como linguagem (grfica ou emmodelos tridimensionais) universal da arquitetura No momento desse registro, for-mam-se novas imagens e, portanto, novas interaes e manipulaes imagticas apartir delas H como um retorno da imagem grfica ou do modelo ao centro doprocesso de imaginao Com isso, outras perspectivas, aspectos antes insuspeitados,surgem para alimentar o processo criativo Assim, no somente importante oregistro progressivo das etapas do projeto no sentido de sua maior definio, comoa representao constitui um instrumento auxiliar da criao, principalmente nasfases iniciais, quando a sua incompletude e sua expresso mais livre, ou a prpriaestrutura construtiva dos modelos tridimensionais, se abrem a mltiplas interpreta-es Desenho e modelo no so apenas uma representao, mas geradores denovas imagens Por isso Corona Martinez (2000, p39) fala que representar como

    se houvesse certeza do objeto torna o processo travado ou o objeto empobrecidoA representao completa do objeto cristalizaria prematuramente a concepo etraria a eliminao de possibilidades a capacidade de gerar novas imagens apartir da representao que permite a Corona afirmar que a arquitetura do projetosofre presses do meio analgico

    Experienciar situaes a partir de imagens e poder manipular essas imagens permi-tem no somente a construo de uma linguagem pessoal que as expressa, mas a base da leitura da arte em suas diferentes manifestaes Compreende a fruio,a apreenso e o entendimento da prpria arte como elemento de comunicao econhecimento Com isso se coloca o sentido aberto de uma obra a liberdade quea imaginao (entendida como a construo de imagens) concede tambm motivao prazer de explorar situaes imagticas prprias a partir de um texto, uma escul-tura, uma msica, um espao edificado intrnseca natureza da imaginao a

    re-criao Diz Octavio Paz (1974) que cada obra um dizer em potncia, expres-so que traduz com justeza a relao entre espao e usurio, porque na vivnciaque se constri o sentido, a partir das leituras e referncias pessoais que se conso-lidam no tempo Por isso, as ambigidades e os espaos que se abrem a maiorespossibilidades so mais ricos: porque permitem maior investimento pessoal na suafruio e respondem com maior diversidade gerao das imagens percebidas e ima-ginadas Permitem compor verses pessoais sempre renovadas de um mesmo espao

    Toda a arquitetura pode ser considerada uma obra aberta, porque sua comunica-o e o entendimento de sua linguagem conceitual se fazem de maneira geral pelaleitura sensorial que incorpora referncias prprias (ou pessoais) e vivncias espe-cficas Toda a leitura de uma obra de arquitetura , nesse sentido, uma re-criaosob outras bases de percepo por isso que uma obra do passado ainda man-tm sua capacidade de dialogar e emocionar

    Criao e re-criao de histrias imagticas compem a atividade projetual a partirdos diferentes saberes que integram o conhecimento na arquitetura, na qual seinscrevem todos os contedos fundantes que convergem na transdisciplinaridadeprpria do projeto Tambm se situam na rea cognitiva contedos especficos do

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24103

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    6/16

    1 0 4

    projeto, importantes para o saber e o saber fazer, como as diferentes fases doprocesso, as diferentes formas de abordagem, e todos os processos de composi-o: as relaes parte e todo, as tipologias, os princpios gestlticos, os princpios

    de gerao formal com recursos da informtica, os esquemas e traados regulado-res, os padres espaciais, as formas antropolgicas de uso do espao, a metodologiafractal e seu multiplicar coordenado e proporcional, o trabalho com modelos fsi-cos, as associaes metafricas, e quaisquer outras formas O que importanteconsiderar o carter cognitivo e instrumental de todos esses processos e a suanatureza de imagens mentais

    A criao se expressa na escolha e na forma como se relacionam e organizamesses elementos, ou como a imaginao se apropria deles para criar novas ima-gens (conceitos, formas, usos), tornando o resultado capaz de promover novosacontecimentos e novas maneiras de olhar

    Projeto tambm configura uma escolha e um processo cclico de deciso entre asdiferentes solues possveis que se apresentam sob os aspectos tcnicos, for-mais, de implantao Sem dvida, a deciso mais representativa e talvez porisso mesmo mais difcil configura tambm o momento de transio entre a etapainformativa inicial e a concepo do projeto Conceito e diretriz geral de partidocorporificam uma troca entre multiplicidade e possibilidade e a definio de umcaminho que dever referenciar todo o desenvolvimento da proposta do espao futuro

    A natureza dessa escolha, seu contedo de envolvimento e emoo fazem par coma etapa mais importante dos processos criativos e de resoluo de problemasDenominada de iluminao, essa fase representa o encontro da soluo, o nas-cimento da idia criativa, o momento da revelao e da descoberta O termo que adesigna revela algo mgico, subconsciente, intuitivo

    Na arte ou em qualquer atividade criativa, a intuio sempre extremamente valo-rizada Mas a neurobiologia, com Damsio, levanta uma hiptese que desmistificaesse momento de iluminao, mostrando que a experincia, o trabalho, o reper-trio imagtico com sentido crtico que alimentam o processo decisrio, fornecen-do ao corpo argumentos para uma pr-seleo das quase infinitas hipteses eopes que se apresentam quando do enfrentamento de um determinado proble-ma A mente no est vazia no comeo do processo de raciocnio que origina adeciso, mas ocupada por um repertrio de imagens originadas conforme a situa-o enfrentada, que se apresentam conscincia de forma demasiado rica, dema-siado rpida, para serem completamente apreendidas Decidir, dentro dessa com-plexidade, est vinculado classificao das imagens diante dos olhos da mente,constituindo a hiptese do marcador-somtico, levantada por Damsio, em que,antes de uma anlise racional, uma reao do corpo atua como um sinalizador dosresultados negativos a que uma opo pode conduzir Assim, sensaes registradasem determinadas situaes, sinalizam as opes que a memria traz ao plano daconscincia, no momento do raciocinar e decidir A esses mecanismos pode-serelacionar a intuio, algo absolutamente necessrio tomada de deciso em

    todos os processos de descoberta e inveno, na cincia e na arteO desenvolvimento da capacidade de intuio ou dos processos inconscientes cons-titui tambm ponto comum entre cientistas e artistas, da imagem, do som e dapalavra, e isso porque

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24104

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    7/16

    1 0 5

    O pensamento lgico e a capacidade analtica so atributos necessrios a umcientista, mas esto longe de ser suficientes para o trabalho criativo Aquelespalpites na cincia que conduziram a grandes avanos tecnolgicos no foramlogicamente derivados de conhecimento preexistente: os processos criativosem que se baseia o progresso da cincia atuam no nvel do subconsciente(SZILARD apud DAMSIO, 1996, p222)

    Se inventar discernir, escolher, e se criar no consiste em fazer combinaesinteis, mas efetuar aquelas que so teis e constituem apenas uma pequenaminoria e as combinaes estreis nem sequer se apresentam mente do inven-tor, conforme Poincar (apud DAMSIO, 1996) afirma com respeito matemti-ca, possvel perceber que, nesse processo, uma pr-seleo efetuada por ummecanismo biolgico, de forma algumas vezes explcita, algumas vezes de formainconsciente ou oculta

    A iluminao caracterstica dos processos criativos, constituindo a fase de emer-gncia da soluo ou descoberta, aps o conhecimento dos fatores intervenientester sido processado, em relaes e combinaes O momento de iluminao, des-crito como sbito e, s vezes, de difcil controle, por pessoas que atuam em dom-nios bem diversos, mostra similaridades na raiz da atividade criativa Cognio,pensamento racional e emoo atuam conjuntamente, podendo haver predomi-nncia de um ou de outra Ou, como refere .aiga Ostrower (1987), mesmo nombito conceitual ou intelectual, a criao se articula atravs da sensibilidade Acriatividade estaria, assim, numa fuso da intuio e da razo O poeta e escritorDylan Thomas (2003) refere-se ao processo como algo relacionado a uma energiaque se dirige ao trabalho Einstein diz que o mecanismo da descoberta no lgicoe intelectual, mas

    uma iluminao, subitnea, quase um xtase Em seguida, certo, ainteligncia analisa e a experincia confirma a intuio Alm disso, h umaconexo com a imaginao () no existe nenhum caminho lgico para adescoberta das leis elementares do Universo o nico caminho o da intuio

    () penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar Mergulhoem profundo silncio e eis que a verdade se me revela (EINSTEIN, apudCLARET, sd, p59)

    Quaisquer que sejam os impulsos mencionados, existe o consenso de que a ilumi-nao s ocorre aps uma fase de intensa preparao Alguns autores referem-sea esse processo de amadurecimento como inconsciente, ou ocorrente em momen-tos de no inverso consciente na soluo do problema, ou ainda em momentosde relaxamento da atividade mental Sem dvida, consciente ou inconsciente, afase de amadurecimento muito importante no processo criativo, tambm na ela-borao do projeto

    O que subsidia uma deciso e responsvel pelo momento da iluminao oconhecimento amplo sobre uma situao, representado por imagens de opes esituaes vivenciadas, trazidas para o centro da ateno Imagens categorizadas

    pela experincia, portanto valoradas, que a ateno e a memria de trabalho bsi-cas permitem focalizar Todos esses aspectos acentuam a importncia do processoexperiencial no aprendizado, mostrando que a soluo inovadora no acontece deforma isolada ou como ddiva ou dom de uma capacidade criativa superior Surge

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24105

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    8/16

    1 0 6

    do processo de aprendizagem, na reflexo terica sobre a prtica na relaoentre corpo, emoo, razo e pensamento que se alimenta atravs das conexesem sistemas abertos, o que se poderia chamar de um acervo imagtico e um

    arquivo de estratgias para sua manipulaoParece clara a possibilidade de estender esse processo biolgico para alm dosprincpios de sobrevivncia e das decises cotidianas, aplicando-o a situaes maisespecficas de aprendizagem e criao

    A prpria criatividade a habilidade para gerar novas idias e artefatos requermais do que a conscincia pode fornecer A criatividade requer uma memriafecunda para fatos e habilidades, uma sofisticada memria operacional, exce-lente capacidade de raciocnio, linguagem Mas a conscincia est semprepresente no processo da criatividade, no s porque sua luz indispensvel,mas porque a natureza de suas revelaes guia o processo da criao, de ummodo ou de outro, com maior ou menor intensidade Curiosamente, tudo o queinventamos, seja o que for, de normas ticas e jurdicas a msica e literatura,cincia e tecnologia, diretamente determinado ou inspirado pelas revelaesda existncia que a conscincia nos proporciona Ademais, de um modo ou de

    outro, em um grau maior ou menor, as invenes exercem um efeito sobre aexistncia assim revelada; alteram-na, para melhor ou para pior Existe umcrculo de influncias existncia, conscincia, criatividade , e o crculo sefecha (DAMSIO, 2000, p398)

    Colocada como parte de um processo natural e evolutivo, com um papel transfor-mador, a criatividade se estende obrigatoriamente do individual ao coletivo, nosentido do crculo existncia, conscincia, criatividade Com isso, perde sua conotaomtica e passa a elemento do cotidiano e, conforme a viso da psicologia atual,potencial a ser desenvolvido em qualquer indivduo Sem dvida, a criatividade e oser criativo foram trazidos pela pesquisa no campo da psicologia para um planomais humano Para Howard Gardner (1996, p8) o que constitui um mito pensarem apenas uma nica e substantiva forma de criatividade So mltiplas as formasde ser criativo, e tambm possvel entender os princpios que governam a atividadehumana criadora, desenvolvida em um campo de relaes Aprendizado e meio so

    fatores de interferncia no potencial individual, sempre existente, mas varivel con-forme o indivduo e o campo de atuao Indivduos seriam criativos ou no-criati-

    vos em domnios especficos e ainda conforme os campos que realizam julgamen-tos sobre a qualidade e a novidade do trabalho realizado

    H diferenas entre os processos criativos em reas diferentes, como entre arte ecincia, e o ser humano deve ser visto dentro da possibilidade de aptides diferen-tes que tambm so expresses de inteligncia As formas de conhecimento noso assimiladas da mesma maneira e, se existem diferentes tipos de inteligncia eexistem diferentes modos de aprendizagem, deveriam tambm existir diferentesmodos de ensino Sob um enfoque geral, o desenvolvimento da inteligncia e dacriatividade, em todas as suas expresses, encontra no controle das emoes umfator essencial Sobretudo, ser criativo e ser inteligente significa fazer opes corretase conscientes, em contnuos processos de deciso (GOLEMAN, 1995, p53-56)

    Constituindo um tipo especial de inteligncia, o aspecto emocional, seria formadoao longo da vida, especialmente nos primeiros anos e na adolescncia Esse seriaum perodo de formao e de descoberta dos tipos de inteligncia e dos tipos decriatividade predominantes

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24106

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    9/16

    1 0 7

    Esses aspectos tm reflexos diretos na universidade, pelas implicaes quanto escolha acertada ou no de uma atividade e pelas possibilidades de desempenhoesperado em determinado campo Tambm trazem questionamentos quanto ao

    ensino como um todo e suas correlaes com as provas vestibulares No projetoem arquitetura, o pouco conhecimento sobre a prpria potencialidade mais umfator a considerar na abordagem das questes ligadas ao projeto, como criao

    So muitas as definies que situam arquitetura no campo da arte, porque envolve acriao de formas, envolve expressividade, significados No entanto, sem negar seucarter de arte, a arquitetura transdisciplinar e se insere nos processos de criaotambm por pertencer a outros domnios, em que os termos criao, atividade cria-dora, processo criativo so igualmente aplicveis e seus atributos indispensveis

    No parece correto excluir da tecnologia o elemento criativo, ou excluir a criatividadeda resoluo espacial (funcional) das diversas atividades Tampouco se faz desne-cessria a percepo criativa para a interpretao e re-interpretao dos fenme-nos antropolgicos, sociais e culturais, cuja implicao bsica nos processos depensar e fazer arquitetura e urbanismo Logicamente, os diferentes domnios dopensar e do agir tero diferentes nuances no processo criativo que implicamArquitetura ofcio, supe e exige um conhecimento e um saber que se reflitam noexerccio mesmo do ofcio no saber fazer Como saber fazer, a concepo doprojeto em arquitetura uma atividade criadora, na qual a palavra-chave pareceser integrao de conhecimento e manipulao de mltiplas variveis

    .azer arquitetura implica conhecimentos pertinentes aos domnios da tcnica, dascincias geogrficas, da arte, das cincias humanas, da filosofia, todos includosno campo dos saberes institudos e sistematizados Como ofcio, arquitetura noexige somente um saber, mas um saber sobre o como fazer um saber fazerEncontramos, em Luckesi, essa forma mais abrangente de conhecer que constituium mecanismo fundamental, como modo ao mesmo tempo terico-prtico e pr-tico-terico de compreender a realidade que nos cerca

    Por conhecimento entendemos no s a compreenso terica de alguma coi-sa, mas () a sua traduo em modo de fazer, em tecnologia Alis, enten-dimento e modo de fazer so duas faces inseparveis do mesmo ato de conhe-cer Teoria e prtica, ao e reflexo so elementos indissociveis de um todo,que s didaticamente podem ser distinguidos

    ()

    No h () conhecimento que se faa fora da prtica do sujeito com o mundoque o cerca, e ao qual necessrio compreender, pela criao de significadose sentidos (LUCKESI, 1998, p48-53)

    Essa forma de conhecimento atravs da experincia particularmente importantepara o ensino da arquitetura, e isso porque no h possibilidade de vida humanaque no se concretize em algum espao, em diferentes espaos Todos os aspec-tos antropolgicos relacionam corpo e espao, todos os aspectos do desenvolvi-mento estudados por Piaget mostram a importncia das relaes que se estabele-cem no espao .aiga Ostrower (1987) encontra, na forma de conhecimento obtidana vivncia do espao, a possibilidade de uma referncia de compartilhamento univer-sal, uma metalinguagem acessvel a todos, independentemente de cultura e poca

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24107

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    10/16

    1 0 8

    O saber construdo atravs das imagens do espao vivido constitui um referencialinicial a partir do qual, por confronto ou por consolidao, se inicia o processo deformao de repertrio A elaborao das imagens espaciais ou a memria delas

    permite a sistematizao do conhecimento sensvel e experiencial Diz Paulo .reire(2000, p34) que, na diferena ou distncia entre o saber que se faz da puraexperincia e o saber que resulta dos procedimentos rigorosos, no existe umaruptura, mas uma superao Esse o princpio, na medida em que a curiosidadeingnua, sem deixar de ser curiosidade se criticiza Ao tornar-se crtica, transfor-ma-se em curiosidade epistemolgica, rigorizando-se metodicamente na suaaproximao ao objeto

    Esse objeto no caso a obra de arquitetura objeto em presena permite aavaliao perceptiva crtica, categorizando sensaes e emoes que conformamum repertrio consciente e inconscientemente trazido memria no momento deconceber espaos potencialmente provocadores de sensaes semelhantes Con-firmam isso tanto o fato de que ter interagido com um objeto para criar imagensfacilita a concepo da idia de agir sobre esse objeto, como afirma Damsio

    (1996), como a existncia de uma caracterstica prpria a toda a ferramentatecnolgica, que no funciona apenas como um registro do modo como foiconstruda, mas como um projeto, um modelo, carregando seu prprio prolonga-mento, sua prpria histria e sua prpria projeo para o futuro (BRONOWSKI,1997, p25) Por extenso, possvel dizer que um edifcio,assim como um artefato, uma inveno que traz consigo o seu prprio projeto e implica um tipo deconhecimento que no explicativo (BRONOWSKI, 1983, p54) Isso torna possvelum enfoque perceptivo e dedutivo dos processos de sua elaborao A linguagemexpressa no edifcio permite, na sua leitura, relacionar os diferentes contextos so-ciais, econmicos, antropolgicos culturais acima de tudo , tornando-a prenhede possibilidades de aprendizado e estimuladora da construo de imagenscategorizadas pela experincia do espao Possibilidade importante na criao doprojeto, em funo de a atividade de concepo ser atravessada por metforas quetransferem e ligam uma parte de nossa experincia a outra e encontram semelhan-as entre as partes

    todas as nossas idias derivam dessa semelhana metafrica e lhe docorpo () toda a teoria uma extenso imaginativa da nossa experincia areinos que ainda no experimentamos (BRONOWSKI, 1983, p42-43)

    essa possibilidade de conectar os diferentes aspectos da experincia que permitecompreender e recriar os espaos vivenciados, at porque a inveno, emborapossa transcender o plano da realidade, no significa partir do nada, mas transfor-mar, atingir novas formulaes a partir do conhecimento acumulado e da experin-cia, expressas em novas imagens As referncias podem ser explcitas, volitivas ouaparecer sem terem sido percebidas inconscientes ou intuitivas, como transpareceno texto de lvaro Siza:

    Creio que o aprendizado, em arquitectura, signifique exactamente uma amplia-o da rea das referncias Quando se comea, quase sempre uma figuracarismtica que nos interessa de modo particular, e, conseqentemente, nosinfluencia de maneira determinante ()

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24108

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    11/16

    1 0 9

    Acho que possvel identificar referncias de uma obra, mas a dificuldade sergrande se a obra j madura, porque ento no existir uma relao s, masmuitas A articulao destas influncias um acto de criao irrepetvel Oarquitecto trabalha manipulando a memria, disso no h dvida, consciente-mente mas a maioria das vezes subconscientemente O conhecimento, a infor-mao, o estudo dos arquitectos e da histria da arquitectura tendem ou de-

    vem tender a ser assimilados, at se perderem no inconsciente ou no subcons-ciente de cada um () (SIZA, 1998, p35)

    Trabalhar com esse tipo de repertrio imagtico significa trabalhar com o potencialde emoes que essas imagens podem produzir No entanto, pensados ao inciocomo inteno projetual, os efeitos perceptivos, ao se materializarem, situam-seindependentes do arquiteto e passam a depender da prpria materialidade Con-forme Deleuze (1992, p213), o suporte material que se conserva e conserva emsi mesmo um bloco de sensaes Como decorrncia, coloca-se a importnciados materiais e dos sistemas construtivos, tambm sob os aspectos da percepoe da formao do acervo imagtico

    Trabalhar o sensrio, o perceptvel, no exclui uma sistematizao Todo o conheci-

    mento em arquitetura sistematizvel e passvel de aprendizado H conhecimen-tos especficos elementos a partir dos quais se elaboram as formas as maisabstratas de composio Isso inclui todo o campo da tecnologia, da histria, darepresentao Todos esses aspectos compem um vasto campo cognitivo, pass-

    vel de organizao e aprendizado Diz Ruth Zein (2003) que melhorar a qualidadeda arquitetura, em um futuro desejado, tambm, necessariamente, aceitar e prem prtica a sistematizao de seu conhecimento

    Sendo a construo de imagens, em primeira instncia, perceptiva, e o processobasicamente sensorial, na relao organismo (crebro e corpo interagindo comoum todo) e meio ambiente est contida a regncia dos processos cognitivos emgeral A capacidade de construir e reconstruir imagens, percebidas, evocadas ouapenas ideadas, caracteriza o ser humano, dotando-o da capacidade deprever planejar em busca da ao mais adequada A correlao dos setores sensoriais

    do sistema corpo-mente constitui a referncia das representaes da interaoindivduo-meio e a fonte primeira das imagens mentais, o que traz a percepopara o centro da apreenso e do conhecimento sobre o espao Esse mecanismoneurobiolgico refora a idia do ensino-aprendizagem em arquitetura desenvolveras questes relacionadas ao perceber Tema antigo, considerado s vezes difcil ede pouca valia ou aplicabilidade, coloca-se como fundamental Talvez sejam ne-cessrios seu re-direcionamento e revalorizao

    Curiosamente, tambm os processos de criao e a fase crtica da deciso projetualdo partido, entendido como etapa criativa decisria do processo, tm sido poucodiscutidos Em muito, talvez, porque encerrem contedos de subjetividade difceisde abordar e penetrar possvel que esse ponto seja tambm o motivador daafirmao de que arquitetura no se ensina, se aprende, trazendo a questo datransmissibilidade de conhecimento ou do dom inato do autor artista arquiteto

    No entanto, no h mais sentido em negar a ensinabilidade do projetoElvan Silva (1986) diz que fazer arquitetura passa pela esfera cognitiva e pelaesfera operativa: saber e saber fazer preciso acrescentar a esfera da expressoartstica, seus contedos de emoo, sensibilidade e intuio Tadao Ando sintetiza

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24109

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    12/16

    1 1 0

    muito bem os contedos cognitivos e sensveis do processo projetual, que envol-vem na interface do projeto desde a materialidade construtiva apropriao nocampo do psicolgico, do antropolgico, do social

    a arquitetura consiste em dois elementos Um elemento intelectual, a partirdo qual ns devemos criar um espao que seja lgico e inequvoco, que tenhauma lgica ou uma ordem intelectual Ao mesmo tempo, para que o espaoseja impregnado de vida, preciso usar os sentidos Eis os dois principaisaspectos da criao de um espao arquitetnico Um prtico e terico, ooutro sensrio e intuitivo (ANDO, 2003, p38)

    No h dvidas quanto possibilidade do ensinar e aprender nas esferas cognitivae operativa Nessas, situam-se contedos sistematizveis das reas tecnolgicas ehumanas, contedos da rea das artes e contedos especficos da arquitetura e doprojeto (metodologias, formas de composio de planos e volumes, metodologiasfractais, tipologias, padres espaciais, mtodos participativos)

    .icaria, ento, a pergunta em relao ao projeto como atividade de criao Reto-mando Paulo .reire (2000): o ser humano antes de produzir um objeto no somen-

    te tem a capacidade de idear esse objeto, como tem necessidade dessa ideaoprvia E a capacidade inventiva, que implica a comunicativa, existe em todos osnveis da experincia vivida, trazendo a toda a atividade marcas exclusivamente suas

    O que o projeto seno isso?

    Ideao, construo de uma hipottica histria de forma e uso, na qual se imprimeuma marca pessoal Atividade mental orientada por um desgnio, que inclui conte-dos de incerteza, mas tambm contedos de utopia Imaginao relacionada materialidade

    A aproximao aos processos mentais, realizada na tentativa de sua compreenso,evidenciou pontos importantes de articulao ao projeto

    Evidentemente, a imagem se impe nessa articulao, como elemento de repert-rio, possibilidade de relacionar consciente ou inconscientemente outras imagens, a

    partir de um estmulo (associao), e como geradora de opes para o processo dedeciso, compondo contedos de previso, cognitivos e sensveis Imagens soconstrues mentais que articulam o mundo exterior e o mundo interior So for-madoras do pensamento anterior linguagem verbal e responsveis pelo conheci-mento, em interao com a conscincia

    O pensamento estrutura-se como um fluxo de todas as imagens, em tempo pre-sente, passado e futuro, envolvendo completamente os contedos do projeto: dainformao e conhecimento terico, da prtica e do conhecimento sensvel, inclu-indo os contedos de articulao mental, criao e expresso da sensibilidadeEnvolve todas as imagens do projeto

    A concepo do projeto est permeada de escolhas em grau diverso de importnciae dificuldade O processo cclico, e alguns momentos, que envolvem decises deconcepo projetual, constituem tambm os de maior dificuldade .oram essesmomentos que permitiram construir a ponte com os processos criativos, igualmen-te estruturados em etapas de escolha e deciso, caracterizada a descoberta de

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24110

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    13/16

    1 1 1

    uma soluo como o momento mais importante no processo, em que a intuio ea atividade no consciente so consideradas imprescindveis

    O momento mgico da descoberta ou do nascimento da soluo, no entanto, resultado de trabalho intenso, consciente e inconsciente, motivao, investimentoemocional e efetivo e domnio da rea de conhecimento especfico A atividade decriao tanto revela algo que j existia, e foi percebido na sua potencialidade,quanto traz o novo, resultante de uma viso pessoal Diz Boutinet (2002) que acriao um misto de descoberta e inveno, subsidiado pelo conhecimento epela busca de resposta a uma pergunta interior A ausncia desse componente

    volitivo torna o conhecer vazio e a criao reproduo A prpria atividade da mente,ao no armazenar dados e informaes, mas re-processar esses elementos, re-construindo imagens, revela o potencial de interpretao prpria, imprescindvelpara o sujeito do conhecimento (DEMO, 2000) Parece importante no esquecer queo crebro um sistema criativo, o que torna a criatividade quase um compromisso

    A intuio, desvendada pela neurobiologia, envolve experincia, conhecimento,racionalidade e tambm emoo Conforme visto anteriormente, mecanismos debase corporal e mental (como o marcador somtico) auxiliam os processos decisriose, ainda que de forma subconsciente, trabalham no sentido de uma escolha maisacertada Nesse processo, interagem racionalidade e emoo, cabendo a estaparte importante na tomada de deciso Como decorrncia, o fato de a racionalidadeincluir a emoo, como um dos determinantes dos processos decisrios, mostraque no pode haver um processo absolutamente racional, mesmo que sua resolu-o se vincule a aspectos matemticos, de escolha aparentemente lgica Conte-dos de emoo formam a base para decises acertadas, a par da experincia, doconhecimento e da racionalidade

    O envolvimento emocional parece priorizar a produo de imagens mentais dirigidaspara o problema posto Aumenta o potencial de escolha e atua no sentido damelhor opo, mas no prescinde de conhecimento e repertrio No h revelaosbita, h trabalho e investimento emocional

    Tudo isso coloca em foco o conhecimento perceptivo como um componente impor-tante do processo de conhecimento e instrumentao, tornando o prprio corpoum instrumento de medida, fonte de informao, captor de sensaes e imagensespaciais categorizadas Isso envolve formao e (ou) ampliao de repertrio, ca-pacidade de avaliao dimensional, viso crtica para a avaliao de situaes rela-tivas ao espao e ao que nele acontece, porque a percepo se amplia para todasos aspectos, trazendo para o centro da ateno imagens espaciais categorizadaspela experincia, conforme seus efeitos e sua pertinncia

    Embora a biologia e a cultura, de forma direta e indireta, determinem o raciocnio,promovendo uma primeira reduo do nmero de opes possvel, existe umamargem de liberdade para as inferncias lgicas e de vontade que organizam ima-gens em sintagmas e frases no verbais, compondo a histria imagtica do espaoem hiptese Isso traduz a intencionalidade sempre presente no projeto e implicacritrios de valorao Os critrios da emoo se definem atravs da experincia doespao vivenciado criticamente, implicam ainda ideologias e formas de ver o mun-

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24111

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    14/16

    1 1 2

    do; os da racionalizao, posteriores, so instrumento da lgica: deduo, induo,abduo Sensao e emoo fazem uma primeira categorizao seletiva

    De alguma maneira, estudar os sistemas de elaborao do pensamento, formaode imagens, mecanismos decisrios, permitiu compreender que no existem mis-trios no desenvolvimento do projeto, alm do prprio mistrio natural da biologia eda conscincia, h muito desvendados pela cincia No universo da diversidadepessoal, o neurobiolgico permite, sim, alguma compreenso das dificuldades naconcepo do projeto, na transio entre o conhecer e o criar Se os contedos daarquitetura e do seu projeto apresentam, em princpio, elementos baseados emsistemas lgico-operativos e elementos sensrio-intuitivos (como o designa o textode Tadao Ando anteriormente citado), a prpria duplicidade dessa composio mostraum componente sobre o qual no restam dvidas a respeito das possibilidades deaprendizado, da deciso lgica entre acertos e desacertos na construo da pr-tica e da teoria .ica com o sensrio e o intuitivo a pergunta Mas o conhecimentosensorial tambm pode ser desenvolvido, e a intuio no algo mgico: tem suaexplicao neurobiolgica, conformando princpios postos pelo estudo psicolgico

    da criatividadeDesmitificados os contedos de iluminao e desvendados os mecanismos de in-tuio, ressalta-se a importncia do conhecimento e do investimento pessoal eminformao, trabalho e emoo

    Nesse sentido, abre-se o campo de utilizao da imagem na sua acepo maisampla e se refora o desenvolvimento da capacidade perceptiva, importante noconhecimento, na proposio e na ateno ao prprio processo de conhecer ecriar Conhecer os processos do pensamento desvenda o mistrio, mas no afastatotalmente a dificuldade nem retira os aspectos emocionais, envolvidos emboraaponte possibilidades de instrumentao Por outro lado, enfrentar algo conhecidoe desmitificado permite o desempenho com maior segurana e mais fcil supera-o das dificuldades

    Saber-se potencialmente criativo igualmente importante A autoconfiana quecaracteriza as pessoas criativas construda no conhecimento e noautoconhecimento Sem dvida, talento prerrogativa pessoal e tem influncia,mas a criatividade se instala em outro plano, que permite o desenvolvimento

    Embora seja possvel ampliar o repertrio imagtico pela ateno e pela memriada vivncia crtica de situaes espaciais, embora seja possvel desenvolver conte-dos cognitivos e estimular o desenvolvimento da autonomia, esse processo somen-te se instala a partir da vontade e do interesse Assim como a criatividade somentese desenvolve a partir da vontade Isso fecha um crculo em torno do indivduo,remetendo em grande parte esfera volitiva e ao envolvimento pessoal o grau deaprendizagem e desenvolvimento

    Vnia Hemb M. Andrade Arquiteta e urbanista, professora adjunta IV da .aculdade de

    Arquitetura da U.BA Doutora pelo Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo.AU.BA

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24112

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    15/16

    1 1 3

    Referncias bibliogrficas

    ALENCAR, Eunice M L Soriano de Criatividade 2ed Braslia: Editora da Universidade de Braslia,

    1995 149pALEXANDER, Christopher El modo intemporal de construir Traduo Iris Menndez Barcelona: GustavoGili, 1981 413p (Arquitectura/Perspectivas)

    ALVES, Rubem Curiosidade uma coceira nas idias .olha de So Paulo So Paulo, 23 jul 2002.olha Sinapse, n1, p6 So Paulo: Moderna, 1986 443p

    BOUTINET, Jean-PierreAntropologia do projeto 5ed Traduo Patrcia Chittoni Ramos Porto Alegre:Artmed, 2002 318p

    BRONOWSKI, JacobArte e conhecimento: ver, imaginar, criar Traduo Arthur Lopes Cardoso SoPaulo: Martins .ontes, 1983 205p (Arte & Comunicao; 21)

    BRONOWSKI, JacobAs origens do conhecimento e da imaginao 2ed Traduo Maria Julieta deAlcntara Carreira Penteado Braslia: Editora da UnB, 1997 85p

    CHUPIN, Jean-Pierre As trs lgicas analgicas do projeto em arquitetura Traduo Snia MarquesIn MARQUES, Sonia; LARA, .ernando (org) Projetar: desafios e conquistas da pesquisa e do ensinode projeto Rio de Janeiro: EVC, 2003 p11-31

    CLARET, Martin (coord edit) O pensamento vivo de Einstein Traduo Jos Geraldo Simes Jr Rio

    de Janeiro: Tecnoprint, s/dDAMSIO, Antnio O erro de Descartes: emoo, razo e o crebro humano Traduo Dora Vicente;Georgina Segurado So Paulo: Companhia das Letras, 1996 330p

    DAMSIO, Antnio O mistrio da conscincia: do corpo e das emoes ao conhecimento de siTraduo Laura Teixeira Motta So Paulo: Companhia das Letras, 2000 474p

    DELEUZE, Gilles Conversaes Traduo Peter Pl Pelbart Rio de Janeiro: Ed 34, 1992 232p(Coleo TRANS)

    DEMO, PedroSaber Pensar So Paulo: Cortez: Instituto Paulo .reire, 2000 159p (Guia da EscolaCidad: v6)

    .REIRE, Paulo Educao como prtica da liberdade 23edSo Paulo: Paz e Terra, 1999 150p

    .REIRE, Paulo Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prtica educativa So Paulo: Paz eTerra, 2000 165p (Coleo Leitura)

    GARDNER, Howard Inteligncias mltiplas: a teoria na prtica Traduo Maria Adriana VerssimoVeronese Porto Alegre: Artes Mdicas, 1995 257p

    GARDNER, Howard Mentes que criam: uma anatomia da criatividade observada atravsdas vidas de.reud, Einstein, Picasso, Stravinsky, Eliot, Graham e Gandhi Traduo Maria Adriana Veronese PortoAlegre: Artes Mdicas, 1996 380p

    GARDNER, HowardArte, mente e crebro: uma abordagem cognitiva da criatividade Traduo SandraCosta Porto Alegre: Artes Mdicas Sul, 1999 320p

    GOLEMAN, Daniel Inteligncia emocional 48ed Traduo Marcos Santarrita Rio de Janeiro: Objetiva,1995 370p

    KAHN, Louis I Louis I Kahn: conversa com estudantes Traduo Alcia Duarte Penna Barcelona:Gustavo Gili, 2002 96p

    LUCKESI, Cipriano Carlos et al .azer universidade: uma proposta metodolgica 10ed So Paulo:Cortez, 1998 232p

    MARTNEZ, Alfonso Corona Ensaio sobre o projeto Traduo Ane Lise Spaltemberg Braslia: Editorada Universidade de Braslia, 2000 198p

    NIEMEYER, Oscar Como se faz arquitetura Petrpolis: Vozes, 1986 79p (Coleo .azer 19)

    NOVAES, Maria Helena Psicologia da criatividade Petrpolis: Vozes, 1971 129pOSTROWER, .aiga Criatividade e processos de criao 6ed Petrpolis: Vozes, 1987 200p

    PAZ, Octavio Teatro de signos/transparencias 2ed Madrid: Ed .undamentos, 1974 (Espiral) Nopaginado

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24113

  • 7/29/2019 O Projeto Em Arquitetura

    16/16

    1 1 4

    PERRENOUD, Philippe Ensinar: agir na urgncia, decidir na incerteza 2ed Traduo Cludia SchillingPorto Alegre: Artmed Editora, 2001 208p

    PINKER, Steven O instinto da linguagem: como a mente cria alinguagem Traduo Claudia Ber liner

    So Paulo: Martins .ontes, 2002 627pROSSI, AldoAutobiografia cientfica Traduo Juan Jos Lahuerta Barcelona: Gustavo Gili, 1984127p (Arquitectura ConTextos)

    SILVA, Elvan Sobre a renovao do conceito de projeto arquitetnico e sua didtica In: COMAS,Carlos Eduardo (org) Projeto arquitetnico: disciplina em crise, disciplina emrenovao So Paulo:Projeto, 1986 96p

    SIZA, lvaro Imaginar a evidncia Traduo Soares da Costa Lisboa: Edies 70, 1998 151p

    THOMAS, Dylan Poemas reunidos: 1934 -1953 2ed Traduo Ivan Junqueira Rio de Janeiro:Jos Olympio, 2003 387p

    ZEIN, Ruth Verde O lugar da crtica: ensaios oportunos de arquitetura Porto Alegre: Centro Universi-trio Ritter dos Reis: Pro Editores, 2001 218p

    cadernos 4.pmd 11/04/06, 15:24114