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12 Física na Escola, v. 4, n. 1, 2003 Este artigo discute esforços do Pró-Ciências na integração de professores de diversas áreas no Ensino Médio. A Lei de Diretrizes e Bases propôs profundas modificações no Ensino Médio, tornando-o um direito de todos os cidadãos e confe- rindo-lhe uma nova identidade como a finalização da Educação Básica que anteriormente terminava na última (oitava) série do Ensino Fundamen- tal. Essa mudança é radical, não só na forma mas também no conteúdo, posto que as posturas tradicionais dos processos de ensino e aprendizagem foram confrontadas com novas orientações teóricas e metodológicas, que vão desde uma reestruturação dos conteúdos até as metodologias didá- tico-pedagógicas. No que tange às áreas de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tec- nologias, almeja-se o desenvolvimen- to de competências e habilidades que permitam ao estu- dante o estabeleci- mento de conexões entre o conheci- mento científico e o domínio de novas tecnologias dentro do ambiente social em que ele se en- contra inserido. Nesse contexto, os professores da rede pública de Ensino Médio enfrentam o desafio de interpretar as dinâmicas sociais de nosso tempo e criar modelos pedagógicos adequados que corres- pondam a essa realidade. Certamente esses professores estão tentando res- ponder ao desafio. Entretanto, são enormes as dificuldades de um ensino público de massa, com alunado hete- rogêneo, provindo de famílias que so- frem crescente pressão em virtude de José Antonio Salvador Professor do Departamento de Matemática da UFSCar e Coordenador Geral do Pró-Ciências UFSCar - 2001/2 Carlos Alberto Olivieri Professor do Departamento de Física da UFSCar e Tutor do Pró-Ciências UFSCar 2002 dificuldades econômicas, entre outras. Além disso, muitos centros de forma- ção de professores adotam metodo- logias e práticas tradicionais, enges- sadas pelo tempo e muito distantes das indicadas nos Parâmetros Curri- culares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM, 1999). O Projeto Pró-Ciências Nos últimos anos, diversas insti- tuições de ensino superior desenvol- veram, pelo Brasil afora, atividades de educação continuada, uma delas via o Projeto Pró-Ciências, tendo como público alvo, exatamente, os profes- sores do Ensino Médio (EM) das es- colas públicas. A UFSCar vem ao longo dos anos, oferecendo programas de formação continuada de professores das escolas de São Carlos e re- gião. Em 2001 e 2002, professores das áreas de Ciên- cias, Matemática e Metodologia do En- sino desenvolveram o Projeto Integrado de Física e Mate- mática para Pro- fessores da Rede Pública. Vale lembrar que os projetos apli- cados anteriormente a 2002 concen- traram-se no aperfeiçoamento dos conteúdos das disciplinas, prática uti- lizada comumente em projetos desse tipo em outras instituições de ensino superior. Porém, dentro da perspectiva de Perrenoud (2000) de que “o objeti- vo agora não é só passar conteúdos, mas preparar - todos - para a vida na sociedade moderna”, trabalhamos Programas de Formação Continuada ‘Mesmo as dificuldades estando presentes, ainda há uma luz no fim do túnel e basta apenas termos vontade e empenho, não esperando apenas que os resultados dos problemas já venham prontos, é preciso correr atrás do prejuízo, pois já esperamos demais’

O Projeto Pró-Ciências - sbfisica.org.br · dos alunos do Ensino Médio na escola pública. A nossa pergunta foi: Como atraí-los e despertá-los para o estudo, mesmo sabendo que

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12 Física na Escola, v. 4, n. 1, 2003

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Este artigo discute esforços do Pró-Ciências naintegração de professores de diversas áreas noEnsino Médio.

ALei de Diretrizes e Bases propôsprofundas modificações noEnsino Médio, tornando-o um

direito de todos os cidadãos e confe-rindo-lhe uma nova identidade comoa finalização da Educação Básica queanteriormente terminava na última(oitava) série do Ensino Fundamen-tal. Essa mudança é radical, não sóna forma mas também no conteúdo,posto que as posturas tradicionais dosprocessos de ensino e aprendizagemforam confrontadas com novasorientações teóricas e metodológicas,que vão desde uma reestruturação dosconteúdos até as metodologias didá-tico-pedagógicas.

No que tange às áreas de Ciênciasda Natureza, Matemática e suas Tec-nologias, almeja-se o desenvolvimen-to de competências e habilidades quepermitam ao estu-dante o estabeleci-mento de conexõesentre o conheci-mento científico e odomínio de novastecnologias dentrodo ambiente socialem que ele se en-contra inserido.Nesse contexto, osprofessores da redepública de Ensino Médio enfrentam odesafio de interpretar as dinâmicassociais de nosso tempo e criar modelospedagógicos adequados que corres-pondam a essa realidade. Certamenteesses professores estão tentando res-ponder ao desafio. Entretanto, sãoenormes as dificuldades de um ensinopúblico de massa, com alunado hete-rogêneo, provindo de famílias que so-frem crescente pressão em virtude de

José Antonio SalvadorProfessor do Departamento deMatemática da UFSCar e CoordenadorGeral do Pró-Ciências UFSCar - 2001/2

Carlos Alberto OlivieriProfessor do Departamento de Físicada UFSCar e Tutor do Pró-CiênciasUFSCar 2002

dificuldades econômicas, entre outras.Além disso, muitos centros de forma-ção de professores adotam metodo-logias e práticas tradicionais, enges-sadas pelo tempo e muito distantesdas indicadas nos Parâmetros Curri-culares Nacionais do Ensino Médio(PCNEM, 1999).

O Projeto Pró-CiênciasNos últimos anos, diversas insti-

tuições de ensino superior desenvol-veram, pelo Brasil afora, atividades deeducação continuada, uma delas viao Projeto Pró-Ciências, tendo comopúblico alvo, exatamente, os profes-sores do Ensino Médio (EM) das es-colas públicas.

A UFSCar vem ao longo dos anos,oferecendo programas de formaçãocontinuada de professores das escolas

de São Carlos e re-gião. Em 2001 e2002, professoresdas áreas de Ciên-cias, Matemática eMetodologia do En-sino desenvolveramo Projeto Integradode Física e Mate-mática para Pro-fessores da RedePública.

Vale lembrar que os projetos apli-cados anteriormente a 2002 concen-traram-se no aperfeiçoamento dosconteúdos das disciplinas, prática uti-lizada comumente em projetos dessetipo em outras instituições de ensinosuperior. Porém, dentro da perspectivade Perrenoud (2000) de que “o objeti-vo agora não é só passar conteúdos,mas preparar - todos - para a vida nasociedade moderna”, trabalhamos

Programas de Formação Continuada

‘Mesmo as dificuldadesestando presentes, ainda há

uma luz no fim do túnel ebasta apenas termos

vontade e empenho, nãoesperando apenas que os

resultados dos problemas jávenham prontos, é precisocorrer atrás do prejuízo,

pois já esperamos demais’

13Física na Escola, v. 4, n. 1, 2003 Programas de Formação Continuada

mais no sentido de tornar as aulas dosprofessores-alunos mais atraentes,dando maior ênfase nas formas detrabalhar os conteúdos com caráterinterdisciplinar.

Segundo as novas diretrizes doEM, a transmissão de conhecimentosprontos, com significados e lingua-gens que só fazem sentido dentro dasCiências e Matemática, torna basica-mente impraticável o desenvolvimen-to de competências e habilidades pelopróprio aluno, em um contexto ondese valoriza a resolução de problemasadvindos do mundo real, que permitaa construção, pelo estudante, de umalinguagem científica significativa eque lhe proporcione meios para autilização dos conhecimentos cons-truídos em outras situações e contex-tos (Menezes, 2000).

Além disso, temos observado queo uso de recursos e procedimentos didá-ticos com os quais o professor-alunonão é familiar provoca muitas resis-tências para sua adoção. Mais ainda,nossas experiências com cursos deextensão usando ferramentas compu-tacionais têm apontado que a intro-dução de inovações nos métodos deensino, principalmente as baseadas emnovas tecnologias, sem os funda-mentos teóricos e metodológicos queas sustentam, é ine-ficiente, provocan-do muitas vezesmudanças no dis-curso do professor,mas dificilmentealterando sua prá-tica pedagógicacotidiana. Assim, desenvolvemos nossoprojeto levando em consideração aexploração da interdisciplinaridade e aexplicitação das aplicações práticas dosconteúdos das disciplinas no dia-a-dia,valorizando e sugerindo atividadescooperativas e interdisciplinares.

O enfoque que demos ao ProjetoPró-Ciências UFSCar 2002 pode serjustificado em parte pelas respostasda maioria dos professores-alunos aosquestionários que passamos nos últi-mos anos, a respeito da desmotivaçãodos alunos do Ensino Médio na escolapública. A nossa pergunta foi: Comoatraí-los e despertá-los para o estudo,mesmo sabendo que eles podem acu-mular saberes, passar nos exames,mas não conseguem usar o queaprenderam em situações reais? (Per-renoud, 2000).

O objetivo primordial do projetoé que os próprios professores-alunosbusquem projetos pedagógicos ade-quados para as suas escolas, respei-tando os assuntos abordados e asparticularidades locais.

ProcedimentosA equipe do projeto Pró-Ciências

- UFSCar-2002, formada por 26 pro-fessores tutores das diversas áreas jácitadas, trabalhou com 105 profes-sores-alunos da rede pública de EnsinoMédio de São Carlos e região, em en-contros semanais aos sábados, comoito horas de duração cada encontro.

A Secretaria de Educação do Es-tado de São Paulo, de acordo com asua avaliação, atribui cores aos váriosníveis de desempenho das escolas,variando de azul (bom desempenho)até vermelho (mau desempenho). Parao desenvolvimento desse projeto, asescolas foram selecionadas pela SEE/DE preferencialmente dentre aquelasque estavam avaliadas com amarelo,laranja e vermelho.

Descrevemos agora o roteiro deexecução do projeto:

1. Antes de darinício ao projetopropriamente dito,os professores-tuto-res se debruçaramsobre os PCNEM,assistiram palestrase uma fita de vídeo

sobre o assunto (TV Escola) para, emseguida, discutirem as diversasinterpretações sobre o significado daproposta. Nesse ponto, a complexi-dade do assunto veio à tona. Porexemplo, os conceitos de interdisci-plinaridade, competências e habili-

dades e contextualização dos conteú-dos, muito usados nos PCNEM, fo-ram interpretados de diferentes modospelos professores-tutores, criando ex-pectativas diferenciadas em cada um.Isso, no entanto, não refreou a von-tade do grupo de mostrar aos profes-sores-alunos que é possível abordarem uma determinada aula conceitosnormalmente usados em outras dis-ciplinas, bem como as relações dosconteúdos ensinados com o dia-a-diados alunos.

2. A seguir, nas três primeiras se-manas do projeto, os PCNEM foramdiscutidos com os professores alunosem 3 grupos de 35 componentes, ca-bendo aos professores-tutores a orien-tação e coordenação das discussões emcada grupo.

3. Na etapa seguinte, os profes-sores-tutores dos diversos campos doconhecimento proferiram palestras eseminários sobre temas relacionadosàs suas áreas, explicitando os caracte-res interdisciplinares, as correlações esuperposições existentes entre as mes-mas, utilizando-se de recursos de mí-dia disponíveis nas escolas, além deapresentarem pequenas demonstra-ções com kits/artefatos fáceis de se-rem confeccionados.

4. Os professores-alunos foramdivididos em grupos menores (setecomponentes cada), segundo critérioscomo circunscrição escolar, proximi-dade regional e áreas de conhecimento.

5. Foi proposto então que os gru-pos de professores-alunos escolhes-sem livremente temas transversaisque pudessem pesquisar e trabalharna elaboração de uma aula inovadoracom seus alunos, sob a orientação eacompanhamento dos professores-tutores. A equipe julgou essencial estaetapa por permitir a realização na prá-tica da decantada autonomia do pro-fessor em sala de aula.

‘A parte mais importantedeste projeto foi que vocês“confiaram em nós” ao nosdar completa autonomia na

escolha do tema eelaboração da aula inédita’

14 Física na Escola, v. 4, n. 1, 2003

6. Após as aulas ministradas nasescolas, cada grupo apresentou o seutrabalho para os demais, relatando osresultados bem como a receptividadepor parte dos alunos e dos outroscolegas que não participaram direta-mente do projeto. As apresentaçõesforam assistidas pelos professores-tu-tores que, por sua vez, avaliaramtambém os relatórios produzidos.

Resultados e ConclusõesNo trabalho desenvolvido, os pro-

fessores-alunos envolveram os seus co-legas de outras áreas, aproveitando, emalguns casos, os períodos de Horáriode Tempo Pedagógico encontrado nosistema educacional público de SãoPaulo, para discutirem os seus proje-tos. A maioria dos grupos conseguiuenvolver colegas professores de Portu-guês, Inglês, Geografia e EducaçãoFísica, ressaltando o caráter interdis-ciplinar dessas disciplinas, aparente-mente fora dos contextos abordados, eque, em situação rotineira, dificilmentetrabalhariam juntos o mesmo tema.

As propostas dos temas pelos pro-fessores-a lunosabordaram umavasta gama de as-suntos, e cada gru-po procurou explo-rar ao máximo asimbricações com asdemais disciplinasdos currículos es-colares. Assim, fo-ram preparadasaulas inéditas en-volvendo conceitosde decaimento ra-dioativo (estudo dafunção exponencial), reações nuclea-res, energia solar juntamente comoutras formas de energia, influênciados temperos nas temperaturas decozimento de alimentos, formas geo-métricas na construção de um jardim,processos químicos envolvidos nadigestão, bem como nos nutrientes deplantas utilizadas na alimentaçãohumana, questões ecológicas, con-ceitos de estatística envolvidos nagenética etc.

Os relatos, tanto os informais,quanto os apresentados oralmentepara todos os colegas, bem como as

monografias de grupo e relatóriosescritos individualmente, mostraramque as iniciativas dos professores-alunos tiveram resultados animado-res. Eles conseguiram motivar seusalunos a aprender pesquisando,aprender fazendo e aprender cons-truindo kits.

Alguns professores-alunos encon-traram algumas dificuldades que aospoucos foram sendo superadas.Entretanto, cremos que a partir doprojeto eles estão mais confiantes deque podem mudar e continuar supe-rando os obstáculos que eventual-mente venham a enfrentar. Alémdisso, propusemos que eles se tornas-sem multiplicadores nas suas escolas.Muitos deles já atraíram colegas pro-fessores de outras áreas como de Por-tuguês, História, Geografia, Artes eEducação Física, para juntos partici-parem de projetos interdisciplinares.

Avaliamos que o Pró-CiênciasUFSCar-2002 avançou muito no quediz respeito à melhoria do processo deensino, aprendizagem e avaliação,mas ainda foi um passo pequeno. É

necessário muitomais, como, porexemplo, uma par-ceria continuadacom os órgãos jácitados que se en-volveram nos pro-jetos anteriores,para que essa em-polgação não searrefeça. Por outrolado, sabemos queexiste uma legião deprofessores das es-colas públicas que

não querem mudanças, uma vez queelas, geralmente, exigem mais empe-nho e dedicação docente, implicandoem mais trabalho ou, em últimaanálise, em saídas das suas rotinas.

Assim, ficou claro para os pro-fessores-alunos que é gratificante ofato de discutir com colegas de outrasáreas e de levar para a sala de aulaassuntos modernos e interdiscipli-nares dos tópicos dos currículos quese relacionem diretamente com o dia-a-dia dos alunos, tornando-os maisinteressados no aprendizado das dife-rentes disciplinas.

A abordagem adotada produziuum saldo positivo, superando váriosobjetivos propostos, dos quais desta-caremos a valorização do professor co-mo agente transformador da realidadecotidiana da escola, a sua autonomiana definição de temas, a exploração dainterdisciplinaridade proposta nosPCNEM, a construção coletiva deprojetos, o desenvolvimento de projetosinéditos nas escolas e a possibilidade deparceria entre a Universidade com aSecretaria de Educação e Escolas.

Se por um lado colhemos frutosconsiderados positivos, por outrodevemos destacar que, principalmentedevido à falta de conteúdo de partedos professores-alunos nas diversasáreas, basicamente os enfoques foramfeitos superficialmente e, em algunscasos, os conceitos envolvidos nasaulas inéditas não foram desenvolvi-dos corretamente. Sempre que possí-vel, os professores-tutores os orienta-ram, em tempo, no sentido de desfazerequívocos cometidos e alertando paraa necessidade de maior aprofunda-mento nos conceitos.

Finalmente, devemos destacar quenão temos ilusão de que os resultadosfavoráveis da aplicação de um únicoprojeto possam levar à solução ime-diata dos diversos problemas do ensi-no de Ciências e Matemática no NívelMédio.

Referências BibliográficasMenezes, L.C. Uma Física para o novo

ensino médio, Física na Escola v.1, n. 1,outubro 2000.

Parâmetros Curriculares Nacionais: EnsinoMédio, Ministério da Educação, Brasília,1999.

Perrenoud, P. Dez Novas Competênciaspara Ensinar, Porto Alegre, Artmed Editora,2000

TV Escola: Um passo para o Futuro:PCN-Matemática. Debate com professores,alunos e coordenadores dos PCN.

Programas de Formação Continuada

‘Este projeto me serviu comoum alerta e mostrou-me queé preciso acordar e deixar de

esperar Aprendi muitascoisas boas, entre elas aperseverança, pois tinha

sábados em que eu estavadesanimada e após chegar

ao curso, uma energiapositiva me contagiava,

fortificava e mostrava que ocaminho é esse, nos unirmospara vencer os problemas’